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Qual liberdade?

O cinismo como figura retórica da Reforma


Trabalhista: o caso da contribuição sindical.

PAULO DE CARVALHO YAMAMOTO1

1. A centralidade do cinismo na Reforma Trabalhista2


Em seu sentido filosófico, a palavra cinismo é utilizada para designar a
escola pós-socrática, fundada por Antístenes de Atenas (445 a.C. – 365 a.C.)3,
que defende que o homem deve buscar a felicidade na virtude, sendo que os
bens materiais, comodidades, riquezas e prazeres seriam obstáculos para
alcançar a verdadeira felicidade4. Assim, rechaçando aquilo que afastaria os
homens da simplicidade natural, os cínicos cultivavam grande desprezo pelas
convenções humanas, questionando os valores e as tradições sociais
dominantes.
Como observamos até hoje, uma postura que questiona os padrões
sociais impostos e reproduzidos pelo establishment não costuma ser bem aceita
– sobretudo pelos sicofantas, tanto os antigos das propriedades gregas5, quanto
os modernos, do neoliberalismo – sendo, ordinariamente atacada e vulgarizada
como em um espantalho até que se torne desfigurada.
Assim, o mais destacado dos cínicos, Diógenes de Sinope (412 a.C. –
323 a.C.), passa a ser chamado de “Sócrates demente” ou “Sócrates louco”, bem
como sua filosofia passa a ser detratada assumindo o sentido pejorativo que até
hoje prevalece na linguagem comum: o cinismo como uma atitude ou caráter
imoral, sórdido, hipócrita.

1 Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da USP, onde
também se graduou. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (GPTC-USP). Membro
da Comissão Especial de Direito Sindical da OAB/SP. Advogado Trabalhista em São Paulo-SP.
2 O presente texto teve a contribuição da acadêmica Ana Carolina Bianchi Rocha Cuevas

Marques com quem pude travar longa e riquíssima discussão sobre o tema. Consigno, assim,
meus sinceros agradecimentos, ressalvando que os possíveis erros são de minha integral
responsabilidade.
3 COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2000, pp. 105-6.


4 CINISMO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes,

2007, pp. 141-2.


5 LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 19ª ed. São

Paulo: Cortez, 2010, pp. 107-8.


É exatamente este sentido popular que a palavra cinismo adquiriu ao
longo do tempo que marca a retórica empregada pelos defensores da “Reforma”
Trabalhista. Aliás, tal cinismo inicia-se pela própria nomenclatura: a palavra
reforma é empregada para indicar a intervenção humana com o objetivo de
aprimorar a coisa sob a qual se intervém. A intervenção que a reforma propicia
não é uma simples alteração da coisa, mas antes, uma alteração para melhorar
a coisa. Aquilo que se chama de “Reforma Trabalhista”, de fato, intervém na
legislação trabalhista, mas, ao invés de melhorar, piora, e o faz com grande
afinco, ameaçando-a de extinção. Portanto, sob o risco de se aderir ao sórdido
cinismo daqueles que pretendem exterminar os Direitos Fundamentais Sociais,
nos referiremos à Lei nº 13.467/2017 não como “Reforma Trabalhista”, mas
antes pelo que ela realmente é: uma “Deforma Trabalhista”.
Mas o cinismo vulgar não se basta no nome, ele perpassa toda a
legislação, desde sua origem. Vale lembrar, por exemplo, que a Deforma
Trabalhista foi enviada por um Presidente ilegítimo6 com o objetivo de “abafar
mais uma crise política”7 do governo golpista8. Ou seja, originariamente a
proposta não era destruir totalmente a CLT, como acabaram por fazer, mas
antes, atacar pontualmente as entidades sindicais e, sobretudo, lançar uma
cortina de fumaça em mais uma crise política que o governo atravessava, menos
de um mês depois da renúncia de seu Ministro-chefe da Secretaria de Governo,
o hoje encarcerado Geddel Vieira Lima.
No campo propriamente normativo, a retórica cínica tem lugar de
destaque entre os defensores da Deforma Trabalhista. Os exemplos são muitos,
vejamos apenas alguns poucos, porém sintomáticos.

6 Em 28/03/2017 ocorreu reunião da Comissão Especial do PL 6787/16 na Câmara dos


Deputados para debater o referido projeto de lei. Naquela oportunidade, o representante da
Asociacion Latinoamericana de Abogados Laboralistas, a ALAL, Dr. Maximiliano Garcez, iniciou
sua exposição afirmando que “esta proposta (...) nem poderia estar sendo discutida porque ela
tem um vício de origem: ela veio do Executivo, assinado por alguém que ocupa ilegalmente a
Presidência da República, fruto de um golpe parlamentar, midiático e empresarial”. Neste
momento, diversos parlamentares interrompem o convidado. “É um idiota, um imbecil”, “É pra
levar uma bolacha na cara” e “Advogado de porta de fábrica” são algumas das colocações que
se ouve a partir dos microfones dos parlamentares. É importante deixar tal infeliz episódio
anotado para que não caia no esquecimento.
7 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A “CLT de Temer” (& Cia. Ltda.). São Paulo, julho de 2017.

Disponível em: <http://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-clt-de-temer-cia-ltda>. Acesso em: 15


set. 2017.
8 SINGER, André et alia. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política

no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016, 176 pp.


De início temos o grande argumento de que a Deforma iria estabelecer
a prevalência do negociado sobre o legislado. Seus cínicos defensores
escondem, por outro lado, que tal regra sempre permeou a CLT, uma vez que o
negociado, desde que não fira o patamar mínimo civilizatório consagrado no
texto legal, sempre prevalece sobre o legislado. Vale dizer: sempre que a
negociação estabelecer mais direitos que a lei, aplica-se o negociado. Os
defensores da Deforma afirmam que esta medida trará maior liberdade para
patrão e empregado. Qual liberdade? A única liberdade introduzida foi a do
trabalhador poder vender a sua força de trabalho por valores abaixo daqueles
estabelecidos pela lei9.
Argumentam ainda os defensores da Deforma que nenhum direito foi
retirado, apenas flexibilizados. Com isso, eles querem dizer que os direitos não
foram expressamente revogados, mas o serão por meio da negociação coletiva.
Além do óbvio cinismo, é preciso destacar que tal fato não é verdade. Direitos
dos trabalhadores foram retirados, como, por exemplo, a jornada in itinere, e o
descanso de quinze minutos das trabalhadoras antes de ingressarem em
jornada extraordinária.
Vejam ainda o absurdo caso do art. 611-B, incisos XVII e XVIII, quando
comparados com o parágrafo único do mesmo artigo, e com o art. 611-A, XII:

Não podem ser flexibilizados Podem ser flexibilizados


Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo
convenção coletiva ou de acordo coletivo de coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei
trabalho, exclusivamente, a supressão ou a quando, entre outros, dispuserem sobre:
redução dos seguintes direitos: XII - enquadramento do grau de insalubridade;
XVII - normas de saúde, higiene e segurança
do trabalho previstas em lei ou em normas
regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
Art. 611-B, XVIII - adicional de remuneração Art. 611-B, Parágrafo único. Regras sobre
para as atividades penosas, insalubres ou duração do trabalho e intervalos não são
perigosas; consideradas como normas de saúde, higiene
e segurança do trabalho para os fins do
disposto neste artigo;

9 Aliás, a utilização cínica da liberdade enquanto estratégia retórica para defender a exploração
não é nenhuma novidade. O próprio Marx enfrenta, com elegância ímpar, tal farsa: “Para
transformar dinheiro em capital, o possuidor de dinheiro tem, portanto, de encontrar no mercado
de mercadorias o trabalhador livre, e livre em dois sentidos: de ser uma pessoa livre, que dispõe
de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de, por outro lado, ser alguém que não tem
outra mercadoria para vender, livre e solto, carecendo absolutamente de todas as coisas
necessárias à realização de sua força de trabalho”. Cf. MARX, Karl. O capital: crítica da economia
política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 244.
Tabela 1 – Artigos 611-A e 611-B introduzidos pela Lei nº 13.467/2017

Diz o cínico legislador: normas concernentes ao Meio Ambiente do


Trabalho não podem ser flexibilizadas (art. 611-B, XVII), inclusive, como é óbvio,
os adicionais de penosidade, insalubridade ou periculosidade (art. 611-B, XVIII).
Porém... não faz parte deste rol de saúde e segurança do trabalho as “regras
sobre duração do trabalho e seus intervalos” (art. 611-B, parágrafo único). Ah, e
antes que nos esqueçamos: é totalmente proibido negociar supressão ou
redução de adicional de insalubridade, mas... é permitido negociar o
enquadramento do grau de insalubridade (art. 611-A, XII). Quelle surprise!

2. O sindicalismo de Estado no pós-88


Ao estudar a estrutura sindical brasileira, Armando Boito Jr. afirma que
há no Brasil um “sindicalismo oficial de Estado”, o qual está fundado em três
elementos centrais: a investidura, a unicidade e o financiamento compulsório10,
por meio do “imposto sindical”11. Tal sindicalismo de Estado teria o condão de
formatar e limitar as lutas da classe trabalhadora brasileira, impedindo-a de atuar
livremente, restringindo sua prática, quando muito, à negociação dos valores
salariais.
A Constituição de 1988, por sua vez, ao disciplinar o Direito Coletivo do
Trabalho, positiva no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais a liberdade
sindical, conjugada, contraditoriamente, com a unicidade, criando, assim, uma
espécie de “liberalização sem liberdade”12, resultando numa pulverização das
entidades sindicais: um número cada vez maior de sindicatos cada vez mais
fracos. Esta conjugação contraditória entre liberdade e unicidade sindical é
ilustrada pela contraposição entre os incisos I e II do artigo 8º da CF/88. Com
isso, tem-se que a unicidade, a investidura (registro) e o financiamento sindical
pela via estatal não são propriamente benesses, mas antes, historicamente,
foram amarras à livre organização da classe trabalhadora brasileira.

10 BOITO Jr., Armando. O sindicalismo de Estado no Brasil: uma análise crítica da estrutura
sindical. Campinas: UNICAMP; São Paulo: HUCITEC, 1991, p. 27.
11 Popularmente chamado de imposto sindical, o qual, do ponto de vista tributário constitui, em

verdade, contribuição sindical, nos termos do art. 149, caput da CF/88.


12 BOITO Jr., Armando. A situação do sindicalismo no Brasil. Entrevista concedida originalmente

pelo Jornal Voz Operária em novembro de 2012 e reproduzida pelo Instituto Humanitas Unisinos.
Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515628-a-situacao-do-sindicalismo-no-
brasil-entrevista-com-armando-boito-junior>. Acesso em: 15 set. 2017.
A Liberdade Sindical sempre foi uma bandeira de luta dos mais
combativos movimentos trabalhistas nacionais, repudiando não só a unicidade,
mas também a investidura, o financiamento compulsório, o Poder Normativo da
Justiça do Trabalho, bem como qualquer ato normativo que permitisse a
intervenção estatal na autonomia sindical.

2.1 Receita Sindical


Atualmente o sistema de receitas sindicais conta com quatro distintas
fontes de financiamento: a contribuição (“imposto”) sindical, a “taxa” assistencial,
a contribuição confederativa e a contribuição associativa (“mensalidade”).
A primeira e principal delas é a contribuição sindical que retira a
remuneração equivalente a um dia de trabalho do empregado por ano para
financiar a atividade do sindicato de base, tal qual da Federação, da
Confederação e da Central Sindical, quando há filiação.
A jurisprudência consolidada do TST e do STF há muito já pacificaram
que a contribuição confederativa é exigível apenas dos trabalhadores que são
associados ao sindicato e que, quando é prevista expressamente em Norma
Coletiva da categoria, a contribuição assistencial deve garantir direito de
oposição para todos os trabalhadores.
Por fim, a contribuição associativa corresponde ao valor que o
trabalhador que se filia ao sindicato dispõe voluntariamente para participar da
entidade.
Estas são as principais modalidades de financiamento dos sindicatos
profissionais. Não discutimos aqui, tampouco se discutiu durante os debates
forjados na tramitação da Deforma Trabalhista, a bilionária13 receita que financia
a atividade das entidades patronais (as chamadas contribuições sociais do
Sistema S).

13 “Por ano, os repasses rendem às entidades patronais cerca de R$ 20 bilhões. Enquanto o


imposto sindical, que beneficia sindicatos de trabalhadores e patronais, foi extinto pela reforma
trabalhista – o governo estuda compensar de alguma forma parte da arrecadação –, a
contribuição compulsória, cujo montante é bem maior, segue intocável”. Cf. VICTOR, Fabio.
Cresce a arrecadação do Sistema S que não passa por controle do fisco. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 16 jul.2017. Mercado. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/07/1901639-cresce-a-arrecadacao-do-sistema-s-
que-nao-passa-por-controle-do-fisco.shtml>. Acesso em: 15 set. 2017.
3. Divididos, agora conquistados: a permanência do sindicalismo de
Estado com a Deforma Trabalhista
Pudemos comprovar em texto de maior fôlego14 que a manutenção das
bases do corporativismo sindical ensejou a pulverização e a fragmentação de
entidades sindicais. Em outras palavras, unicidade, investidura e imposto
sindical fomentaram a criação de sindicatos de baixíssima ou nenhuma
representatividade.
A “liberalização sem liberdade” forjada pela CF/88 instituiu um modelo
sindical em que todos os trabalhadores de uma determinada categoria são
obrigatoriamente representados por um sindicato, independentemente de sua
filiação. Eis aqui o real fundamento do imposto sindical. Há a intervenção no
patrimônio do trabalhador, retirando-lhe a remuneração correspondente a um dia
de trabalho por ano, porque o estatuto legal sob o qual irá desenvolver sua
relação de trabalho é negociado por entidade estranha ao seu conhecimento.
Goste ou não do sindicato de sua categoria, todos os trabalhadores
desta irão se submeter às regras que tal entidade irá negociar com o patronato.
Ao aumentar o espectro de “liberdade” de negociação – em verdade,
despindo-nos do linguajar cínico-vulgar, ao possibilitar que o sindicato negocie
abaixo do piso legal estabelecido pela CLT – a Deforma Trabalhista aumenta as
responsabilidades imputadas aos sindicatos. Porém, de outro lado, retira-lhe
toda e qualquer possibilidade de sua manutenção financeira, ao extinguir o
caráter obrigatório do tributo, adulterando-o por meio da exigência de
autorização prévia e expressa de cada empregado.

CLT Redação dada pela “Deforma” Trabalhista


Art. 545 - Os empregadores ficam obrigados a Art. 545. Os empregadores ficam obrigados a
descontar na folha de pagamento dos seus descontar da folha de pagamento dos seus
empregados, desde que por eles devidamente empregados, desde que por eles
autorizados, as contribuições devidas ao devidamente autorizados, as contribuições
Sindicato, quando por este notificados, salvo devidas ao sindicato, quando por este
quanto à contribuição sindical, cujo desconto notificados.
independe dessas formalidades.
Art. 578 - As contribuições devidas aos Art. 578. As contribuições devidas aos
Sindicatos pelos que participem das sindicatos pelos participantes das categorias
categorias econômicas ou profissionais ou das econômicas ou profissionais ou das profissões

14YAMAMOTO, Paulo C. Trabalhadores unidos, Direito em ação: crítica da legalização da classe


operária brasileira sob o sindicalismo de Estado pós-88. 2016. 304 f. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo.
profissões liberais representadas pelas liberais representadas pelas referidas
referidas entidades serão, sob a denominação entidades serão, sob a denominação de
do "imposto sindical", pagas, recolhidas e contribuição sindical, pagas, recolhidas e
aplicadas na forma estabelecida neste aplicadas na forma estabelecida neste
Capítulo. Capítulo, desde que prévia e
expressamente autorizadas.
Art. 579 - A contribuição sindical é devida por Art. 579. O desconto da contribuição sindical
todos aquêles que participarem de uma está condicionado à autorização prévia e
determinada categoria econômica ou expressa dos que participarem de uma
profissional, ou de uma profissão liberal, em determinada categoria econômica ou
favor do sindicato representativo da mesma profissional, ou de uma profissão liberal, em
categoria ou profissão ou, inexistindo êste, na favor do sindicato representativo da mesma
conformidade do disposto no art. 591. categoria ou profissão ou, inexistindo este, na
conformidade do disposto no art. 591 desta
Consolidação.
Art. 582. Os empregadores são obrigados a Art. 582. Os empregadores são obrigados a
descontar, da folha de pagamento de seus descontar da folha de pagamento de seus
empregados relativa ao mês de março de cada empregados relativa ao mês de março de
ano, a contribuição sindical por estes devida cada ano a contribuição sindical dos
aos respectivos sindicatos. empregados que autorizaram prévia e
expressamente o seu recolhimento aos
respectivos sindicatos.
Tabela 2 – Contribuição sindical: CLT x Lei nº 13.467/2017

É de se destacar que nos filiamos à defesa da mais ampla Liberdade


Sindical, mas não é disso que se trata a Deforma Trabalhista. Pelo contrário:
aprofunda a degradação que o mercado de trabalho sofre por causa de um ator
social que cumpre mal o seu papel – o sindicato oficial de Estado –,
exterminando-o por inanição.
Neste sentido, vejamos o que diz o relatório que opina pela aprovação
total da Deforma Trabalhista de lavra do Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES):

Outros dispositivos atualizados são os que se referem à compulsoriedade do


chamado “imposto” sindical. Esta contribuição passa a ser facultativa e
necessitar de autorização prévia. Prestigia-se, portanto, a liberdade.
Em verdade, não é exagero dizer que estamos criando um novo direito. O
direito de contribuir para um sindicato se a pessoa julgar que ele a representa.
Aquilo que é compulsório, obrigativo, forçoso não pode ser considerado
um direito. Nunca é demais lembrar que a base de cálculo da contribuição
sindical obrigatória é não menos do que a remuneração de um dia inteiro de
trabalho.
É benéfico que a pessoa agora passe a poder autorizar a contribuição
sindical caso se sinta representada por seu sindicato, que tão importante
é em sua vida.15 [Grifo nosso]

15Cf. BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara nº 38/2017. Reforma Trabalhista.
Senador Ricardo Ferraço. Brasília, DF, 2017, p. 11. Disponível em:
<http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5302372&disposition=inline>. Acesso
em: 15 set. 2017.
É curiosa a liberdade cultivada pelo cinismo: ela permite que o
trabalhador decida se vai ou não contribuir financeiramente com o sindicato,
porém, obriga que o trabalhador seja representado pelo sindicato. Sim, “pelo”:
não é por um sindicato qualquer, ou mesmo um sindicato que o trabalhador
possa escolher, mas antes, por aquele sindicato definido previamente pelo
Estado. O trabalhador tem direito de decidir se vai financiar ou não a entidade
que obrigatoriamente negociará seus direitos e que poderá fazê-lo, inclusive,
abaixo do patamar mínimo civilizatório positivado na legislação trabalhista.
Com isso, cada metroviário da Linha 4 Amarela do metrô paulistano terá
“liberdade” para decidir se irá ou não permitir o repasse do valor equivalente a
um dia de seu trabalho para o Sindicato dos Empregados nas Empresas
Concessionárias no Ramo de Rodovias e Estradas em Geral do Estado de São
Paulo, mas não tem liberdade para escolher ser representado, por exemplo, pelo
Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Tampouco o atendente de
telemarketing que atua na mesma função do trabalhador bancário terá liberdade
para escolher ser representado pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de
São Paulo, Osasco e Região. Da mesma forma o trabalhador que atua
diariamente na plataforma de petróleo, não sendo empregado da Petrobrás, não
terá a liberdade para escolher ser representado pelo Sindicato Unificado de
Petroleiros de São Paulo.

4. Conclusão: contornando os desonestos limites da liberdade cínica


Os filósofos cínicos da Grécia Antiga diziam ser necessário se despir dos
bens materiais e do conforto para alcançar a felicidade que se encontra na
simplicidade.
Nossos políticos cínicos do Brasil contemporâneo, por sua vez, tentam
despir a classe trabalhadora nacional de toda a riqueza que ela própria produz
para alcançar a liberdade que se encontra no mercado.
Dentre as lições que o filósofo cínico Diógenes de Sinope nos legou foi
a de que os excessos que o conforto e o prazer nos proporciona acostumam o
espírito humano a se aproximar da comodidade e se afastar da virtude.
De outro lado, nossos sindicatos oficiais de Estado se acomodaram na
estrutura sindical, gozando confortavelmente de financiamento estatal sem
necessidade de demonstrar qualquer contrapartida.
Agora, abruptamente, tal qual Jacinto de Tormes na obra clássica “A
cidade e as serras”, os sindicatos oficiais se veem despidos da receita
compulsória que os sustentavam. Outrossim, suas responsabilidades
aumentaram desproporcionalmente, permitindo que negociem de forma a reduzir
os Direitos Sociais que até hoje a classe trabalhadora brasileira tinha garantido
por lei.
Aos juristas que se recusam aderir à injusta legislação cínico-vulgar,
restam duas possibilidades: a primeira e melhor é o rechaço integral à aplicação
da lei, tendo em vista sua absoluta e total inconstitucionalidade; a segunda, a
qual se lança mão apenas subsidiariamente, é o entendimento de que a única
possibilidade de se compatibilizar o fim do financiamento compulsório no atual
ordenamento jurídico seria por meio do afastamento dos dois outros pilares da
estrutura sindical – a investidura e, sobretudo, a unicidade sindical.
Não obstante, como nos adverte o poeta Carlos Drummond de Andrade,
é preciso ter em conta que “as leis não bastam. Os lírios não nascem das leis”.
Daí decorre a certeza de que a reversão da Deforma Trabalhista cabe menos
aos juristas e mais à classe trabalhadora organizada brasileira.

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