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Poéticas Tecnológicas
Arlindo Machado
EDUSP, 1ª edição: 1993, 2ª edição: 1996
Considerações gerais:
Arlindo Machado é professor do Depto. de Cinema, Rádio e TV da ECA(1) e
coordenador do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica(2) da PUC-
SP(3) .
Este material foi inicialmente preparado para publicação em periódicos diversos ou para
conferências ou encontros especializados. Isto talvez explique certa falta de unidade no
conjunto, embora a idéia que norteou o percurso deste trabalho tenha sido na direção
das poéticas tecnológicas.
Este trabalho, compilado no início dos anos 90, capta como uma foto o que acontecia,
naquele instante, de mais atual no mundo da tecnologia a serviço da
criatividade,imagem e comunicação.
Mas, como o desenvolvimento tecnológico caminha a proporções exponenciais, o leitor
do ano 2000, embora consiga, com a leitura deste trabalho aprender e amarrar diversos
conceitos, verá este estudo como algo um pouco antigo, porque depois da Internet,
como aconteceu similarmente com a imprensa de Gütenberg, mudaram as percepções e
conceitos de comunicação em todo o planeta.
Tirando este senão, a leitura é bastante profunda e abrangente, lidando com conceitos de
imagem e comunicação; e com o casamentoque há entre arte, ciência e tecnologia desde o
Renascimento(9) até os anos 80.
Introdução :
Nas últimas décadas a técnica foi rotulada como algo estranho ao homem, e este último
concebido como um animal nu, desprovido de qualquer prótese instrumental que não fosse a
linguagem, tudo sendo encarado como artificial, desmerecedoras de valor e excluídas do
universo da cultura. Seríamos aquilo que escapa a competência de um robô e nos deslocando
para tarefas que ele não poderia cumprir: “Somos condenados a reinventar nossa humanidade e
o estado do homem jamais é portanto conquistado” (Couchot).
Houve tempos em que os intelectuais constituíam a força de ruptura das sociedades,
hoje,concorre com a religião para preservar valores canônicos contra o rolo compressor da
civilização ou da sociedade de massa.
Mas seria preconceito, comodismo e instinto de autodefesa dizer que as máquinas usurpam as
atividades criadoras. Não se pode tomar a moderna civilização das máquinas e das mídias como
algo que uniformiza a pluralidade e empastela a diversidade.
Agora, é a máquina que realiza o trabalho físico da obra, cabendo ao artista, o trabalho
intelectual e a atividade imaginativa. O difícil é conseguir codificar a idéia construtiva de tal
modo que a máquina possa entende-la e executa-la corretamente.
Hoje, a cópia de uma obra de arte ainda está associada a um objeto único, mas não é mais um
original, mas uma matriz ou um negativo, não há mais diferença entre uma geração de cópia e
outra. Mas embora as inovações técnicas tenham uma rapidez vertiginosa, são inseridas em
práticas culturais estabelecidas que obscurecem ou neutralizam seus efeitos desestabilizadores.
Exposições recentes em todo mundo mostram como é cada vez mais difícil fazer uma distinção
categórica entre objetos originários da imaginação artística, da investigação científica e da
invenção técnico-industrial. Há uma interação de talentos e de investimentos das três áreas.
Há um casamento, mas não de papel fixados: a produtividade tecnológica deverá conviver com
a gratuidade anárquica da arte. O trabalho com tecnologias de ponta, exige sistematização,
eliminação do improviso,sem excentricidade ou irracionalismos, porém o trabalho artístico se
alimenta de ambigüidade, dos acidentes do acaso e das liberdades do imaginário. O trabalho
artístico depende muito pouco dos valores da produção, precisa da desordem, da
imprevisibilidade, sem os quais degenera na metáfora da utilidade programada.
Sem um projeto cultural e mais especificamente estético, as máquinas correm o risco de cair
rapidamente no vazio. Hoje há, nas sociedades industriais uma estratégia no sentido de produzir
uma informatização integral da sociedade. Trata-se, acima de tudo, de fundar um imaginário
social baseado na presença da mídia na paisagem urbana.
Assim, como a arte sempre dependeu de uma espécie de mecenato (da igreja, da nobreza, da
elite burguesa, dos colecionadores, das estatais), as modernas poéticas tecnológicas dependem
largamente do patrocínio de empresas e instituições detentoras dos meios de produção.
Definir o autor da obra de arte é cada vez mais impreciso,por exemplo no caso da fotografia: há
o talento do engenheiroque projetou a câmera, do físico que codificou o sistema óptico,do
químico, mas o crédito de uma foto pertence ao fotógrafo. Mas a máquina não é um simples
artefato mecânico, inventar uma máquina significa dar forma material a uma idéia.
Segundo Flusser, a tarefa da arte seria insurgir contra a automação estúpida, contra a
robotização da consciência e da sensibilidade.
A informática exibe de forma mais nítida o problema que estamos discutindo: entre a máquina e
o usuário, há o software, sem os quais as máquinas são inúteis.
Se já era difícil decidir sobre a paternidade de um produto da cultura técnica visto que oscilava
entre a máquina e os vários sujeitos que a manipulam, agora entra em cena um novo
personagem, o engenheiro de software. O trabalho deles também é considerado artístico desde
que eles aperfeiçoam a percepção e abrem as portas do imaginário, desde que o seu caráter
lúdico não tenha sido esmagado pela finalidade pragmática.
A foto e o vídeo são um sistema de signos com a qual se pode “escrever” verdades e mentiras,
como em qualquer outro código significante, não se pode ter a crença ingênua que eles atestam
a realidade das coisas.
O vídeo que lida, além das imagens, com o som tem um parentesco com a música. O vídeo é
verdadeiramente música com imagens e quase toda a história da vídeo-arte confirma esse
postulado.
Embora a computação gráfica tenha uma história curta, ela é cheia de acontecimentos e em
pouco tempo, desenvolveu técnicas e procedimentos sofisticados de construção de imagem.
Uma etapa difícil da computação gráfica é a reprodução das expressões fisionômicas, pois estas
dão vida e nos permite ler no seu rosto os seus mais diferentes estados psicológicos. (como dizia
Merleau-Ponty, fatos psíquicos como cólera, vergonha, ódio e amor não acontecem em nenhum
lugar oculto dentro de nós, nas se deixam ver do lado de fora , sob a forma de máscaras faciais
características).Os modelos para descrição de rostos se baseiam em estruturas tridimensionais e
um modelo mais recente e completo (1987), foi desenvolvido por Keith Waters, baseado no
trabalho dospsicologistas Ekamn e Friesden(1977), no qual diferentes estados emocionais são
expressos por distorções faciais correspondentes.Simplificando, os músculos são reduzidos a
polígonos ou grupos poligonais na estrutura wire frame em que as estruturas faciais são
modeladas.
Finalmente, é claro que a figura humana será sempre uma representação. No limite, a prótese do
homem nunca correrá o risco de ser fulminada em cena por um colapso cardíaco (como foi
Cacilda Becker), enquanto ao ator de carne e osso jamais irá desaparecer no ar por causa de uma
interrupção do fornecimento de energia elétrica. Cada um é definido pelo seu nível de realidade.
Conforme a teoria de sistemas tem advertido (Bertalanffy, 1973), nem todos os fenômenos
podem ser reduzidos a modelos matemáticos e a vida situa-se justamente entre os fenômenos
mais resistentes à formalização algorítmica. Algumas imagens podem ser mais calculáveis do
que outras, mas nem toda imagem pode ser a priori e imediatamente descrita por um algoritmo.
Finalizando,podemos dizer que predomina hoje, nas esferas de ponta da computação gráfica,
uma certa euforia produtiva, talvez até mesmo uma certa arrogância pseudocientífica,
disseminada por uma elite tecnológica entusiasmada com os seus próprios progressos e que
considera plenamente viável uma axiomatização integral do fenômeno visível. É preciso
considerar, entretanto, de que o universo estaria escrito em linguagem matemática deriva de
preceitos teológicos do século XVII, hoje questionados pela ciência e resultados surpreendentes,
porém sempre parciais, não nos devem enganar. O atual boom da imagem sintética resulta de
uma aplicação inevitável de conquistas formais já acumuladas nos vários campos da
matemática. A medida que os procedimentos forem se esgotando, as inovações se tornarão mais
lentas.
Uma das técnicas mais disseminadas é o chamado método dos elementos finitos, que utiliza um
conjunto de elementos simples e interconectáveis para representar um objeto complexo, fazendo
derivar desse modelo equações estruturais que especificam a contribuição de cada elemento ao
sistema inteiro, podendo-se prever o comportamento de estruturas complexas. Na indústria
aeroespacial, particularmente, os progressos têm sido expressivos: os complicados e custosos
túneis de vento para testar protótipos de aviões são agora substituídos por técnicas de
computação gráfica.
A crescente generalização das simulações é devida principalmente por razões práticas. Na vida
real, a experimentação implica custos muitas vezes proibitivos e certos testes (caso de aviões)
podem resultar na morte da tripulação. No universo das simulações tudo é permitido, desde que
tenha as equações adequadas.
Mas a substituição do modelo pelo real pode gerar confusão entre a realizada e signos. Como
são estreitas nossas categorias de interpretação, essas categorias podem ser embaralhadas, a
ponto de comprometer a operacionalidade. A imagem sintética, simulacro, já não é mais
original, nem cópia, nem modelo, nem “reflexo”, , nem qualquer dessas categorias dicotômicas.
Não é mais sombra do objeto porque pode muito bem existir sem ele e em alguns casos, tomar o
seu lugar. Ele tem propriedades do objeto físico e da imagem, mas não é nem uma coisa nem
outra, o simulacro é uma terceira coisa.
A representação não é o mundo, mas determinados conceitos que forjamos a respeito do mundo.
A computação gráfica apenas torna evidente e leva às últimas conseqüênciasesse fato que é da
própria natureza da imagem técnica.
O computador trabalha basicamente com cálculos matemáticos e leis puras da física, ele pode
trazer á luz imagens que nunca foram antes captadas por um olho humano, sejam elas realistas
(no sentido de verossímeis) ou assumidamente abstratas.
Ter ou não ter uma referência concreta no mundo material é, portanto, uma questão desprovida
de pertinência para a computação gráfica, pois ao contrário dos meios dependentes da
enunciação de uma câmera, como a fotografia, o cinema e a televisão, as imagens do
computador são inteiramente sintéticas e não dependem de nenhuma conexão física com objetos
do exterior. E mesmo quando imagens anteriormente enunciadas com câmeras são digitalizadas
na memória do computador, o que se visa é explorar as infinitas possibilidades de manipulação,
o que quer dizer transfigurá-las ao limite da abstração.
Os primeiros estudos de ondas couberam a Leonardo da Vinci(8) que são até hoje consideradas
observações acuradas, expressivas e exatas. Mas os leonardos da era da informática querem ir
um pouco mais longe: partindo do pressuposto de que deve haver alguma espécie de
isomorfismo entre as formas da matemática e as estruturas do universo, eles querem explorar os
limites do simulável, criar territórios experimentais onde o arbítrio do conceito possa se
materializar e se encarnar em figuras virtuais de um mundo paralelo. O que parecia vivo e livre
se vê agora fixado por modelosvatídicos (4) e podemos pensar o que “vive” nos algoritmos, o
que á de recursivo no vivo?
Falando agora do realismo das cenas, vemos que a expressividade de um quadro depende
basicamente da posição da câmera em relação à cena. No realismo conceitual se representa o
que se sabe do objeto e não o que se vê. Num certo sentido, a simulação visa colocar em
movimento a “vida” dos símbolos e resgatar a sua produtividade conceitual, O programador, o
inventor de algoritmos são algo como demiurgos(5) da formalização matemática, que têm por
tarefa forjar o conjunto das equações necessárias a gênese de micro-universos capazes de
evoluir de forma mais ou menos autônoma.
Mas nunca se zapou tanto como na era da televisão. O zapping é a resposta mais simples à
tirania dos índices de audiência.
O resultado pode ser tanto uma colagem “pós-moderna” de toda a diversidade cultural,
ideologia e mítica do planeta, como também a reiteração infinita e pleonástica do mesmo
enunciado. Já não aconteceu a todo mundo varrer todos os canais de televisão, num determinado
horário, e encontrar em todos eles um telejornal, repetindo todos a mesma notícia, sob o mesmo
e único enfoque, ilustrado com as mesmas imagens obtidas da mesma agência noticiosa? Assim,
o prazer perverso de uma desregulagem da máquina produtiva da televisão pode resultar, pura e
simplesmente, na mesma apatia indiferenciada da recepção passiva, ou na frustração diante do
determinismo estrutural do dispositivo simbólico.
O zapping tem contribuído para produzir uma mutação nas maneiras como vemos a televisão e
nos relacionados com ela. Uma outra mutação, porém, mais sutil mas não menos avassaladora,
dá-se na própria produção de mensagens midiáticas: uma vez que agora todos zapam e zipam
em todos os níveis e a todos os pretextos, uma vez que a televisão criou espectador diferente,
que mantém com as imagens e sons uma relação fundamental de impaciência e de evasão, o
efeito zapping acaba por contaminar as mensagens ao nível da própria produção e vira modelo
de construção. O cinema e a televisão deverão aprender a contar outro tipo de história que leve
em conta a impaciência preponderante do espectador.
No filme “Janela Indiscreta” em que o voyeur Jeff espiava entre inúmeras janelinhas e obtinha o
efeito de pluralidade de zapping. Mas, a diferença é que a medida que avança a intriga
principalas outras particulares convergem todas para ela, para um desfecho redentor e catártico.
Mas o efeito zapping é exatamente o contrario. O gesto do zapper consiste exatamente em
desmantela-las, confundi-las, tritura-las até o limite da desconexão absoluta.
O processo básico da geração de um texto “artificial” é dado por uma série estocástica ou
probabilística conhecida como cadeia de Markov (Pignatari 1968, Eco 1971, Bense 1971). Tal
processo baseia-se na idéia de que todo texto é construído operando-se uma seleção de sinais
(fonemas, letras) numa determinada fonte (alfabeto fonético ou escritural), segundo certas
regras de combinação previamente dadas pelo estudo estatístico de uma língua. A abordagem
seletiva executa essa operação através de etapas ou graus de aproximação. O processo poderia
gerar textos aleatórios e experimentais, baseados nas possibilidades combinatórias de uma
língua.
Um programa BASIC que coloca quaisquer palavras numa base aleatória, de modo a
proporcionar resultados semânticos de tipo aforístico (6) produz resultados desconcertantes e
revela uma fecundidade infinita de possibilidades combinatórias.
Autores já desenham estórias com várias alternativas de desfecho, mas neste caso ao invés de
explorar a arquitetura labiríntica do computador, como um Borges (7) cibernético penetrando no
jardim de caminhos que se bifurcam.
O hipertexto, considerando hoje, algo trivial na Internet estava apenas engatinhando quando
Arlindo Machado escreveu o textoe aqui o autor faz uma descrição do mesmo.
Neste ponto, o autor diz que não dá para saber o que o original, portanto, essa intolerância da
crítica é muitas vezes inconseqüente e os filmes colorizados e exibidos com trilhas inovadoras
nos anos 80 não podem ser recebidos com tanta apatia.
Cada filme, cada obra de arte é lida de acordo com a percepção do espectador da época. É
impossível dizer que mesmo uma obra intocada será recebida pelo espectador da mesma forma
que foi recebida pelo espectador da época do autor. Já dizia Bakhtin que o autor é prisioneiro de
sua época, de sua contemporaneidade, as épocas posteriores o liberam dessa prisão, uma obra
póstuma vai se enriquecendo de significados. Podemos dizer que nem Shakespeare, nem seus
contemporâneos conheceram O Shakespeare que conhecemos agora.Neste sentido, constitui um
contra-senso considerar as obras culturais algo acabado, encerrado em si, distanciado e
sepultado pelo tempo.
Estamos nos aproximando perigosamente dos labirintos de Borges. Toda noção de falsificação,
plágio, adulteração e outros quejandos pressupõem a idéia de um original, imutável e absoluto,
em relação ao qual divergem as réplicas. Mas nós pudemos verificar também como são frágeis
asa tentativas práticas de determinar com precisão a materialidade original e pertinência de sua
originalidade.
Por exemplo, no caso de Metrópolis, só podemos fazer a leitura do mesmo a partir de nosso
referencial histórico, como expectadores da era do rock, da televisão e da colorização digital,
jamais com os mesmo olhos do cidadão da República de Weimar.
É bem provável que num amanhã sejam lançadas versões holográficas dos filmes de hoje, mas
que se atribuam essas tarefas a gente de talento. Se as traições, falsificações e adulterações
forem realizadas com criatividade e competência, nada teremos a perder ou lamentar.
Capítulo VIII - Máquinas de vigiar
Aqui o autor fala sobre o aproveitamento do aparelho de vídeo para monitoramento de portarias,
supermercados, cadeias, aeroportos, enfim toda a sociedade.
A vigilância eletrônica se transforma num sistema abstrato de disciplinamento, já que, na
prática, é inviável exercer uma vigilância direta sobre instituições sociais, dada a magnitude
estatística dos observados.
A densidade demográfica dos grandes centros urbanos não autoriza sistemas de controle direto,
exigindo estratégias de operação de ordem estocástica ou probabilística. Assim a fantasia
orwelliana (livro 1984) de uma sociedade centralizada pela autoridade de um Big Brother torna-
se inverossímil, largamente ultrapassada pelo modelo benthamiano de sociedade, baseado numa
coerção imaginária, ficção de policiamento cultivado pela proliferação inexorável das máquinas
de vigiar.
Já houve que fizesse uma aproximação conceitual entre o sistema eletrônica de vigilância e a
estrutura do funcionamento da televisão. A posição dos apresentadores frente as câmeras dão ao
espectador a impressão de estarem sendo vigiados, pelo menos interpelados por um olhar.
Segundo Foucault, a partir do momento em que os telespectadores ligam seus receptores, são
eles mesmos, prisioneiros ou não, que entram no campo da televisão, um campo sobre o qual
não têm qualquer poder de intervenção.
A presença dessas máquinas nas comunidades indígenas certamente interfere na sua maneira de
conceber e representar o mundo, produzindo transformações penetrantes e irreversíveis na sua
cultura.
Mas no momento em que a cultura indígena parece ameaçada pela sua transformação em
espetáculo para a mídia, ocorre também um movimento no sentido inverso. Eles utilizam o
vídeo não apenas não apenas de registro passivo de suas tradições, mas também de luta política.
Na verdade estão aprendendo a dominar criativamente as modernas tecnologias de enunciação
para coloca-las a trabalhar em seu benefício.
A diferença da atitude dos índios simplesmente exibir sua imagem prototípica ao voyerismo das
câmeras midiáticas é que agora, aprendemem reverter a situação, deixando de aparecer como
objetos passivos e constrangidos de uma relação sobre a qual não têm qualquer domínio e
inventam, ao mesmo tempo, alternativas para garantir a preservação não mais de sua “pureza”
étnica ou cultural, mas de sua autonomia política e de sua opção (consciente e deliberada, em
alguns casos) por um modelo de vida diferenciado.
Talvez devêssemos aprender algo com os índios. Num momento em que as mídias tendem a
centralizar cada vez mais a vida material e imaginária, qualquer anseio de mudança e qualquer
lutar emancipatória passam necessariamente por uma reapropriação das máquinas de aprisionar
o carom, no sentido mesmo de reinventar as formas de comunicação social e de construir com
elas dispositivos de expressão originais e singulares.
Uma das forças criativas do Brasil nos anos 80 foi o chamado vídeo independente.O cinema
brasileiro entrou em declínio devido aos altos custos de produção. A fita magnética é
infinitamente mais barata e os equipamentos de gravação e edição eletrônica contam com
alternativas de custo e qualidade bem mais convidativos que o cinema.
Programas como Armação Ilimitada ou Tv Pirata, grandes sucessos da Rede Globo jamais
teriam sido possíveis não fosse a introdução pelos independentes de um estilo jovem de
produção.Surgiram várias produtoras responsáveis pelas séries mais inteligentes da tv brasileira:
Conexão Internacional, Xingu e Os Brasileiros.
Uma experiência bastante fértil foi do grupo TVDO, realizando reportagens invertidas. Por
exemplo: numa partida de futebol, a câmera se concentra na torcida, num show de rock se
concentra nos fãs, nos vendedores ambulantes e cambistas. Trata-se de um realismo grotesco, a
criação de uma realidade invertida, paralela à oficialmente reconhecida, permitindo lançar um
olhar divergente sobre o mundo, um olhar ainda não enquadrado pelo cabresto da civilização.
Na verdade, a intervenção do grupo TVDO acaba contribuindo para tornar mais acessíveis e
generalizadas conquistas formais e temáticas que se dão na vanguarda da invenção estética, sem
incorrer todavia em diluição. A máxima seguida ao pé da letra pelo grupo, tão cara a Oswald de
Andrade, segundo a qual a massa também pode provar o biscoito fino que as elites consomem.
A contribuição do vídeo independente no Brasil, a medida que ele lança um olhar diferenciado
sobre o Brasil e seu povo.
A imagem eletrônica não está mais restrita à sala de visitas de nossas casas, ela prolifera nas
escolas, empresas, bares, danceterias, aeroportos, metros e assim por diante, A cada dia, inventa-
se uma aplicação diferente, o que torna cada vez mais variável, múltiplo, instável e complexo o
fenômeno do vídeo.
A obra de Syberberg aparece cada vez mais como um esforço sistemático para realizar um
levantamento da Kultur germânica, através da óptica dos valores populares, recorrendo aos
mitos, heróis e anti-heróis da história recente da Alemanha, tal como eles foram trabalhados nos
veículos de massa.
O nazismo foi, entre outras coisas, uma mise em scène da política. Ao contrário dos gregos, dos
romanos e dos chineses, ele não se preocupou em deixar monumentos ou muralhas para que a
posteridade reverenciasse a sua memória; o que ele deixou às gerações seguintes foram os filme
e os registros magnéticos dos discursos radiofônicos. Hitler organizou a política e a guerra como
conseqüência do fato de ele já ter começado a encenar uma cerimônia. As Olimpíadas e depois
as grandes paradas militares destinavam-se, antes de mais nada, às câmaras de Leni Riefenstahl;
a guerra era encenada para que o povo pudesse ver-se nas telas das atualidades, como guerreiros
loiros extraídos de uma partitura de Wagner. É nesse ponto justamente que se dá a estratégia de
ataque de Hitler um filme da Alemanha, o Führer que aparece em cena é tomado, antes de tudo,
como um cineasta, um mau cineasta se levarmos em consideração os recursos de que dispunha.
Com ironia carnavalesca, Syberberg constrói um antiespetáculo a propósito do espetáculo
nazista: todo o espírito de parada, toda a oratória inflamante e os travelings sedutores de
Riefensstahl são reduzidos a um desfile de manequins, bonecos e marionetes, cobertos de teias
de aranha. O próprio Hitler invocado pelo filme não constitui senão um espectro, destinado a
engrossar a galeria de espectros clássicos do cinema alemão: Caligari, Nosferatu, Mabuse. O
combate a Hitler não se dá portanto sob a óptica de um sociologismo vulgar, mas no terreno
mesmo do cinema, de seu poder hipnótico de invocar mitos e de moldar o imaginário.
Depois, Syberbergdirigiu outros filmes e hoje ele é marginalizado, tanto na Alemanha quanto no
resto do mundo e encontra dificuldades cada vez maiores para filmar.
Referências:
(1)www.eca.usp.br