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A música e a mística da Humanidade Reconciliada

em Hildegarda Von Bingen


INTRODUÇÃO

Hildegarda foi uma mulher extraordinária! Este trabalho, feito para o curso de
Teologia, Música e Liturgia, foi uma introdução ao conhecimento da vida e da obra de
alguém, que, como diz Luís de Camões, se foi da «lei da morte libertando». Ler os seus
textos, conhecer o seu pensamento, ouvir a sua música é em si já uma experiência
mística. Contudo, apesar da notabilidade que teve no seu tempo, não deixa de ser
estranho que esta mulher (e talvez este possa ser o motivo) seja tão desconhecida e que,
por tantos séculos, quase fosse ignorada. É interessante que, em tantas obras consultadas
de história da música, a maioria delas seja omissa no que se refere à abadessa de
Bingen.
Este trabalho foi uma pequena introdução. Nele, analisamos o conceito musical
de Hildegarda, procurando ver a sua especificidade, unicidade e novidade. Socorremo-
nos fundamentalmente do que outros disseram, sem deixar de procurar ver e conhecer
as obras originais de Hildegarda. Contudo, dado o espaço limitado de que dispomos,
sabemos ser um trabalho que peca por ser superficial e não entrar em profundidade na
riqueza dos seus escritos.
Ele está dividido em três capítulos. O primeiro procura expôr sumariamente a
vida de Hildegarda, bem como o seu contexto histórico, inserindo-a dentro da cultura
fervilhante de vida do século XII. O segundo, procura entrar diretamente no tema do
nosso trabalho, abordando a influência dos padres da Igreja sobre o seu pensamento,
analisando alguns dos aspetos da sua teologia e expondo algumas das características
formais da música da nossa autora. No terceiro capítulo, pareceu-nos ser importante
analisar três das suas obras que representam usos diferentes que ela fez da música.
Fazer este trabalho, ainda que tenha sido díficil, porque não é fácil sintetizar um
pensamento tão rico e profundo, revelou-se uma atividade extremamente gratificante,
porque nos fez descobrir a grandeza deste mulher, que soube estar muito à frente do seu
tempo. Deixa-nos o apelo de continuar a aprofundar a rica espiritualidade que podemos
encontrar ao ler os seus textos e ao ouvir a sua música.
CAPITULO PRIMO

VIDA E OBRA

Hildegarda nasce no final do século XI (1098), na Renânia, na atual Alemanha.


Toda a sua vida decorrerá durante o século XII1, um século fascinante, que fervilha de
vida e que lança as bases daquele que é considerado o século de ouro do Medioevo, o
século XIII. Se alargarmos os horizontes, «poderemos colocar Ildegarda não só no

1 Do ponto de vista político e social, este é o período em que se dá a perda da unidade política do império
e a sua desintegração e, com esta, nascem vários reinos por toda a Europa, que se afirmam com centros de
organização política. Se por um lado se dá a afirmação do feudalismo nos meios mais rurais, ao mesmo
tempo, dá-se a ascensão das cidades como centros de comércio e, com estas, dá-se o nascimento de um
novo grupo social, a burguesia. O século XI e XII é também o período em que se redescobrem, através
dos grandes pensadores árabes, Avicena e Averróis, os grandes filósofos do período grego,
particularmente, Aristóteles e Platão. É o periodo do nascimento das universidades na Europa, a de
Bolonha, em 1088 e a de Paris em 1150, que se afirmam como centros de cultura e saber. É também um
período onde, as mudanças climáticas, económicas e sociais, permitem um aumento considerável da
população europeia. Do ponto de vista religioso são tempos de tensão. Os séculos XI e XII, são marcados
por acontecimentos que redefinirão a face da Igreja. Por um lado, o século XI vê surgir a afirmação do
poder temporal do Papado, às mãos de Gregório VII, com o Dictatus Papae (1075). Nele se definem as
prerrogativas papais, a independência da Igreja face ao poder dos imperadores, e a dependência destes
face à autoridade papal. É um tempo em que se vive na Igreja uma grande desgradação moral ( cf.
TABAGLIO, Maria Emanuela, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum), particularmente
entre a hierarquia eclesiástica, que suscita no seu seio o desejo de mudança e de reforma. É também o
tempo das heresias cátara, valdense e albigense, nas quais é afirmada a igreja dos puros e dos santos,
contra a igreja dos pecadores. Estas arrastam multidões de homens e mulheres que buscam um ideal de
perfeição cristã e que não o encontram na Igreja hierárquica. Ao mesmo tempo que se vive um periodo de
crise, é também um tempo em que surgem muitas tentativas de reforma da Igreja e das suas estruturas.
Surgem neste período várias reformas religiosas e novas fundações de mosteiros que buscam uma maior
radicalidade evangélica. Entre elas destacam-se a reforma Chartreuse por S. Bruno; e a de Citeaux por S.
Roberto de Molesme, promovida em toda a Europa às mãos de S. Bernardo, abade de Clairvaux (cf.
VAUCHEZ, André, Apogeo del Papato ed Espansione della cristianità (1054-1274), Borla/Città Nuova,
volume 5, Roma 1997, 168-170; cf. JEDIN, Hubert, Storia della Chiesa. Il primo medio evo, vol. IV, Jaca
Book, 1978, 431-439). É ainda o tempo em que surgem os primeiros grandes teólogos escolásticos, como
Anselmo de Aosta, Pedro Abelardo ou ainda os teólogos da Escola de Chartre, que contribuem para o
desenvolvimento e fixação da doutrina cristã nos seus conceitos fundamentais (cf. GARBINI, Luigi,
Breve Storia della Musica Sacra. Dal canto sinagogale a Stockhausen, Il Saggiatore, Milano 2005, 121-
123). É o período da pregação das Grandes Cruzadas e do sonho de recuperar os lugares santos do
domínio muçulmano, que mobilizam toda a Cristandade. Por último, é também o tempo da separação da
Igreja do Oriente da Igreja do Ocidente, com o Cisma de 1054. Todas estas circunstâncias, juntamente
com todo um ambiente de misticismo que se vive neste período, vão exercer a sua influência na vida e na
obra de Hildegarda, que, em muitos aspetos, será uma mulher fruto do seu tempo, mas fundamentalmente,
à frente do seu tempo.
contexto do seu lugar natal, mas no contexto cultural, político e religioso de uma
Europa densa de acontecimentos»2.
Hildegarda é a décima filha de Hildepert e de Mechtide de Bermersheim, uma
família da baixa nobreza rural, no seio da qual passa toda a sua infância 3. As suas visões
frequentes e a suas experiências místicas, bem como a sua frágil saúde, levam a sua
família a consagrá-la a Deus e a pô-la ao cuidado de Jutta de Sponheim, no mosteiro
beneditino de Disibodenberg, a 1 de novembro de 11064.
Os anos que passa no mosteiro são tempo de formação. Sob a orientação de Jutta
e segundo a regra de S. Bento, Hildegarda dedica-se à oração, aos trabalhos manuais, à
cozinha, ao cultivo e conservação de ervas medicinais, ao canto e ao estudo. Quando
Jutta morre, em 1136, Hildegarda assume a orientação da comunidade, com a ajuda do
monge Volmar, como diretor espiritual, e com a colaboração da noviça Richardis. A
partir deste momento, Hildegarda começa e pôr por escrito as suas visões. Tendo sido
apresentado um dos seus escritos a S. Bernando de Claraval, este incentiva-a a continuar
a escrever e recomenda-a ao Papa Eugénio IV, que a cita durante o Sínodo de Treveri
(1147-1148). São deste período as suas primeiras composições musicais5.
Com o proteção do Papa, a fama de Hildegarda espalha-se por toda a Europa. Tal
facto, faz crescer o número de monjas que procuram a sua comunidade, levando-a à
fundação de um novo mosteiro em Bingen; fá-la estabelecer correspondência com os
grandes do seu tempo que procuravam os seus conselhos (papas, imperadores, bispos,
irmãs religiosas, santos mestres e pastores, homens de poder e de responsabilidade
civil); e leva-a, ainda, a ser chamada para visitar dioceses, conventos, comunidades,
onde era convidada a discursar em catedrais, igrejas e praças, coisa absolutamente
impensável naquele período. Os seus discursos eram fortes e inquietantes, denunciando,
como um verdadeiro profeta, os vicíos dos seus contemporâneos, sem poupar ninguém6.
Hildegarda escreveu vários livros, fruto das visões místicas que acompanham
toda a sua vida. Escreveu livros de teologia, livros de ciências naturais, livros de poesia
e de música. Entre as suas obras mais importantes encontramos o Liber Scvias Domini,
o Liber vitae meritorum, o Liber Divinorum operum, o Ordo Virtutum, o Symphonia
armonie celestium revelationem. Relativamente às suas composições musicais, estas
têm particular importância, se tivermos em conta que do mesmo período são poucos os

2 Cf. ILDEGARDA DI BINGEN, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum, ed. M. Tabaglio,
Gabrielli, Verona 2014, 10
3 ILDEGARDA DI BINGEN, Ordo Virtutum. Il cammino di Anima verso la Salvezza, ed. M. Tabaglio,
Gabrielli editori, Verona 1999, 23
4 ILDEGARDA DI BINGEN, Ordo Virtutum. Il cammino di Anima verso la Salvezza, 24-25.
5 Cf. FROSINI, Giordano, Ildegarda di Bingen. Una biografia teologica, EDB, Bologna 2017, 16
6 Cf. FROSINI, Giordano, Ildegarda di Bingen. Una biografia teologica, 16

6
que dão o seu nome a qualquer obra musical; e daqueles que chegaram até nós, nenhum
outro tem uma obra tão vasta como Hildegarda. Também não podemos esquecer que
este facto é notável, considerando a sua condição feminina num tempo e num contexto,
essencialmente masculino.
CAPITULO SECONDO

A MÚSICA EM HILDEGARDA VON BINGEN:


“SACRAMENTO” DO MISTÉRIO

A música de Hildegarda, ainda que ela sempre se definisse como uma mulher
desconhecedora da ciência musical, revela-se como inspiradora e cheia de novidade. Por
um lado insere-se dentro da tradição do canto gregoriano, que remota à reforma
gregoriano do século VIII e que surge como o canto religioso por excelência, onde a
música aparece como serva da Palavra. A música tem como finalidade expressar aquilo
que a palavra procura revelar. Podemos dizer que o canto gregoriano, não canta Deus
em Si-Mesmo, mas Deus como é formulado, especialmente nos textos litúrgicos 7. Por
outro lado, o canto de Hildegarda reveste o gregoriano de um carácter novo e único,
particularmente como consequência da sua experiência mística. «Muito simplesmente
“inventa” um gregoriano adaptado à sua inspiração e à nova fluidez de comunicação
que é necessária. Simpifica-o e ao mesmo tempo retoma o espírito vital, que improvisa
sob a inspiração da palavra: previsivelmente o mesmo da sua criação originária»8.
Este segundo capítulo, subdividido em três pontos, quer entrar especificamente
no tema do nosso trabalho, isto é, estudar e compreender a dimensão musical de
Hildegarda, procurando conhecer a sua especificidade e novidade. Um primeiro ponto,
aborda a música como síntese mais elevado do espaço e do tempo, segundo o
pensamento dos padres da Igreja, particularmente S. Agostinho; um segundo ponto
analisa a concepção teológica e mística de Hildegarda, para compreender a forma como
a música está ao seu serviço; por fim, no ultimo ponto, ocupar-nos-emos de alguns
aspetos mais práticos da sua composição musical, procurando elencar algumas das suas
características formais.

7 Cf. SEQUERI, Pierangelo, Musica e mistica: percorsi nella storia occidentale delle pratiche estetiche e
religiose, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2005, 107-108
8 SEQUERI, Pierangelo, Musica e mistica: percorsi nella storia occidentale delle pratiche estetiche e
religiose, 109

8
2.1. O espaço e o tempo: a música como síntese

Hildegarda é devedora do pensamento dos padres da Igreja. «No que diz respeito
ao significado teológico da música, o século XII aprofunda, elabora e desenvolve as
teorias formulados no passado, em particular, aquelas atribuídas a Santo Agostinho e a
Boézio»9. A música, particularmente a cristã, torna-se instrumento para elevar-se para
Deus, para superar a realidade sensível e atingir a realidade espiritual.
A música, no pensamento de Agostinho, não é só revestida de elementos
matemáticos, como no pensamento dos filósofos clássicos. Acima de tudo, a música
traduz o inefável mistério de Deus, que não se pode explicar com palavras; mistério
pelo qual o homem pode chegar a uma certa compreensão da realidade na sua
profundidade. Pela música, segundo Agostinho, o homem tem uma certa experiência do
mundo divino, pois ela encerra em si, uma certa dimensão sacramental 10. Ao mesmo
tempo, a música traduz, a experiência inefável do encontro pessoal com o Mistério, que
as palavras não podem manifestar. Por isso, música e mística são duas realidades que
caminham juntas, que se iluminam mutuamente. O elemento musical deve traduzir a
beleza, a profundidade e a autenticidade desse encontro pessoal e, por isso mesmo, o
homem deve cantar, como diz o próprio Agostinho, “com arte e com alma”.
A música em Agostinho é reflectida também no contexto litúrgico. A liturgia
condensa no tempo presente o evento passado, antecipando o seu elemento profético.
No culto, «cada presente cristão incorpora em si a memória entre a origem e a meta, o
principio e a plenitude»11.
Sintetizando a concepção linear da pensamento hebraico com a circularidade do
pensamento grego, o tempo cristão, compreende-se à volta do Mistério Pascal de Jesus.
A história acontece numa permanente referência ao passado, antecipando o futuro para o
qual se caminha. A liturgia desempenha um papel fundamental neste processo, onde
passado e futuro e se unificam no presente celebrativo. E, dentro da liturgia, o texto-
cantado, como diz Sequeri, corresponde a uma espécie de mise-en-abîme do acto
celebrativo, pelo qual, no presente se participa na totalizante relação com Deus.
Assim, a palavra cantada torna-se o vértice mais elevado do encontro entre o
Homem e o mistério do Deus incarnado em Jesus Cristo, que se celebra na liturgia. Por
ela, a memória do evento passado, torna-se atual no presente celebrativo, antecipando o
9 Cf. ILDEGARDA DI BINGEN, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum, 67
10 Cf. PIQUÉ, J. Collado, Teología y Música: Una contribucíon dialéctico-trascendental sobre la
sacramentalidad de la percepción estética del Misterio (Agustín, Balthasar, Sequeri; Victoria, Schönberg,
Messiaen), Editrice Pontificia Università Gregoriana, Roma 2006, 108-109
11 SEQUERI, Pierangelo, Musica e Mistica. Percorso nella storia occidentale delle pratiche estetiche e
religiose, 113
momento pleno e definitivo, da participação da liturgia da Jerusalém Celeste, na qual a
criatura cantará o cântico novo, diante do seu Criador.

2.2. A mística da humanidade reconciliada

A teologia de Hildegarda é fruto da sua experiência mística. Não podendo expôr,


em poucas linhas, todo o seu pensamento, centro-me de um modo especial na sua
concepção antropológica, do Homem redimido pelo mistério pascal de Cristo. Na linha
de Ireneu de Leão, podemos falar da recapitulação como síntese do seu pensamento
teológico: a humanidade que, no mistério pascal de Cristo, é recriada a partir do seu
íntimo mais profundo, retornando à comunhão com Deus.
Segundo a teologia de Hildelgarda, expressa particularmente na carta enviado ao
Bispo de Mogúncia12, no início da criação, Adão, imagem de toda a humanidade,

tinha em comum com os anjos a voz para cantar os louvores (...). Adão perde esta
afinidade com as vozes angélicas, que tinha no paraíso, quando se fez enganar pelo
diabo, opondo-se à vontade do seu Criador. Por culpa da sua iniquidade, foi envolto nas
trevas da ignorância interior: foi como se tivesse dormido profundamente durante todo o
tempo no qual tinha possuído a ciência e agora, acordando, fosse titubiante e inseguro
das coisas que tinha visto nos sonhos13.

A história da salvação torna-se, desta forma, a redescoberta progessiva dessa


capacidade original que manifesta a comunhão com o Mistério, com a harmonia das
coisas celestes. Os profetas, ensinados pelo Espírito Santo, compuseram salmos e
cânticos e inventaram os instrumentos com a finalidade de fazer recordar ao homem o
doce canto do paraíso. Na Incarnação e no Mistério Pascal de Cristo, Filho de Deus, o
seu Corpo, que é Igreja, por meio do Espírito Santo, é revestido de uma nova alma, que
possui uma viva voz, pela qual deve entoar os louvores do seu Criador.
Por isso, o canto e a música, especialmente aquela que se faz na acção litúrgica
da Igreja, torna-se o meio por excelência de expressar a comunhão com Deus,
antecipando a vida plena e definitiva. Protologia e escatologia identificam-se, na medida
em que a meta do homem corresponde àquilo que ele foi na sua origem.
O homem redimido por Cristo, é o homem capaz de cantar as maravilhas de
Deus. E, por isso, a liturgia, especialmente a liturgia cantada, manifesta a humanidade
reconciliada com o seu Criador.

12 Esta carta é enviada na sequência de um interdito que o clero de Mogúncia fez ao mosteiro de
Hildegarda. Pelo facto de ela ter feito sepultar no mosteiro um nobre que estaria excomungado,
Hidelgarda e a sua comunidade foram proibidas de cantar na acção litúrgica. A carta mandata ao bispo,
procura mostrar a injustiça dessa decisão, fazendo-a comparar a uma insídia do diabo.
13 HILDEGARDIS BINGENSIS, Epistolarium (Pars Prima I-XC). Hildegardis ad praelatos Moguntienses,
ed. L. Van Acker (Corpus Christianorum. Continuatio Mediaevlis XCI), Brepols, Turnholti 1991, 63

10
2.3. Características formais da música de Hildegarda

Apontamos algumas dessas características que o tornam especial:


a) O ambitus muito mais dilatado que as composições tradicionais, levando a
que a música se desenvolva numa amplitude de duas oitavas e meia, sendo a sua
interpretação muito mais dificil, mas ao mesmo tempo, um música carregada de fascínio
que, com a elevação das vozes, faz elevar também os espiritos para o alto14.
b) Na composição de Hildegarda, a dominante, eixo do nosso sistema tonal
clássico, coincide sempre com a quinta. «o intervalo de quinta (ou de quarta) ascendente
ou descendente, mais carregado de energia motora e de articolação emotiva é usado
como elemento absolutamente característico»15.
c) A composição é fortemente melismática, no início, no meio e no fim das
composições, em géneros musicais tradicionalmente de andamento silábicos16. Estes
melismas provocam «rapidíssimas subidas e descidas da escala tonal, tornando o canto
extremamente rico de força, de entusiasmo, exemplar no que diz respeito à expressão da
alegria que nasce da acção de graças elevada a Deus»17.
d) A composição não é linear, mas feita de motivos diversos que são alongados
ou ligeiramente modificados, tornando a sua melodia sempre nova, inesperada e nunca
repetitiva.
E) A composição realça de forma melismática os conceitos teológicos que para
Hildegarda são mais importantes. Nos conceitos não importantes ou que manifestam
uma dimensão negativa, a música torna-se silábica, como que um apêndice no
desenvolvimento da peça.

14 Cf. ILDEGARDA DI BINGEN, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum, 70


15 SEQUERI, Pierangelo, Musica e Mistica. Percorso nella storia occidentale delle pratiche estetiche e
religiose, 140
16 Podemos encontrar nas composições de Hildegarda silabas que se prolongam por, quarenta, cinquento
e até setenta notas.
17 Cf. ILDEGARDA DI BINGEN, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum, 70
CAPITOLO TERZO

A COMPOSIÇÃO MUSICAL DE HILDEGARDA

Este terceiro capítulo quer analisar concretamente, ainda que de forma muito
sumária e susperficial, três das obras de Hildegarda de Bingen. Uma obra teológica;
uma obra não litúrgica, que entra dentro da dimensão didática da sua música; e uma
obra litúrgica, que se insere na dimensão espiritual da sua música.

3.1. Scivias. O conhecimento dos caminhos do Senhor

O Scivias é o primeiro livro de Hildegarda e também o mais importante. Foi


escrito entre 1141 e 1151 e relata todas as suas visões. Nele, podemos encontrar uma
espécie de compêndio da sua teologia e do seu pensamento. É composto de três partes
que relatam a história da salvação, deste a criação até à plenitude final, «dia em que
tudo será cumprido e virá a serena e eterna calma de um ‘fulgor sem fim’»18.
Ao longo do relato das visões, vemos Deus que responde às perguntas feitas, ao
jeito dos profetas veterotestamentários, por Hildegarda que procura compreender em
profundidade tudo quanto vê. Ao mesmo tempo, intervêm as virtudes, o Demónio e as
almas peregrinas. «No desenvolvimento da obra confluem símbolos e textos bíblicos
num complexo quadro espaço-temporal, articulados, com a narração dessa história
plena, numa espécie de imensa sinfonia que culmina nos cânticos finais»19.
Toda a obra é como um grande poema musical que tem o seu culmine no grande
cântico final, onde tudo é música. Diz Hildegarda:

Então, vi um ar muito luminoso no qual escutei, oh maravilha, todas as músicas com


todos os mistérios que o Senhor me havia revelado: os louvores de júbilo dos habitantes
celestes que alegremente perseveraram na senda da verdade; as lamentações de quantos
são chamados de novo a estes louvores da alegria; e as exortações das virtudes que se
alentam entre si para a salvação dos povos seduzidos pelas ciladas do Demónio: as
virtudes vencem-nas e, no final, os fiéis, pela penitência, saem do pecado e dirigem-se
para os céus. E aquele rumor, como voz de uma multidão, que em harmonia cantava os
louvores das ordens celestes, dizia assim...»20.

18 HILDEGARDA DE BINGEN, Scivias: conosce los caminos, Editorial Trotta, Sagaste (Madrid) 1999, 10
19 HILDEGARDA DE BINGEN, Scivias: conosce los caminos, 11
20 HILDEGARDA DE BINGEN, Scivias: conosce los caminos, 487

12
Toda a obra acontece sob a beleza do canto. Ao longo das visões, muitas são as
refrências musicais onde se atesta a sua importância e o seu significado. Ao longo do
último capítulo, vemos as contínuas exortações ao canto, feitas à criatura humana, para
que louve o seu Criador, com a voz e com todos os instrumentos; para que O louve com
um cântico que celebre, em harmonia e concórdia, a glória e o esplendor. Porque

O cântico adoça os corações de pedra, infunde-lhes o arrependimento, e chama ao


Espírito Santo. [...] Porque os louvores de júbilo e exultação, cantados na concórdia da
unanimidade e do amor, levam os fiéis a essa harmonia na qual não há discórdia
alguma; e a quantos estão na terra fá-los suspirar, com o coração e a boca, em busca da
suprema herança21.

O Scivas conta o drama da história humana desde a perda da harmonia orginal,


pelo pecado de Adão, até a comunhão plena e definitiva, no reino da harmonia celeste. A
música e o canto, constituem uma espécie de inclusão, pois manifestam a origem e a
finalidade do ser humano: vem da sinfonia primordial e caminha para a sinfonia plena e
definitiva da vida em Deus. O canto da criatura, na sua peregrinação sobre a terra, não é
senão o irromper da eternidade, na finitude da humanidade, fazendo-a experimentar a
vida que Deus lhe dá como herança.

3.2. Ordo Virtutum. A música como expressão didáctica

O Ordo virtutum é um drama não litúrgico, que se insere naquilo que podemos
chamar a dimensão didática da obra de Hildegarda. Este, para além de uma dimensão
lúdica, tem também uma função pedagógica de exortar os ouvintes a escutar a voz que
os quer encaminhar para Deus. Neste drama, «uma Alma procura no mundo terreno a
razão da própria existência, a realização da própria essência, reconhecendo o erro e
voltando-se, pelos seus próprios passos, em direção ao reino das Virtudes no qual tem
direito a viver em virtude da sua origem divina»22.
Todo o drama, desenvolvido em quatro partes, é marcado pelo caminho que a
Alma faz de reconhecimento dos seus erros, o arrependimento e a conversão. Esta é
motivada pelo canto das virtudes que procuram elevar a alma de forma a que esta se
afaste de todos os vícios e reencontre a harmonia da comunhão com Deus. Ao mesmo
tempo, o Diabo procurar seduzir a alma de forma a que esta se perca. No fundo, o
drama deste Alma é imagem do drama de toda a humanidade que, entre as vicissitudes

21 HILDEGARDA DE BINGEN, Scivias: conosce los caminos, 505


22 ILDEGARDA DI BINGEN, Ordo Virtutum. Il cammino di Anima verso la Salvezza, 17
da história, tendo dois caminhos diante de si, se encaminha ou em direção ao pecado ou
em direção à graça23.
No Ordo Virtutum, podemos descobrir o génio de Ildegarda que condensa nesta
obra a dimensão poética, teológica e musical, que se realizam plenamente no momento
em que é representada.
Não sendo possível fazer aqui uma análise acerca do conteúdo da obra ou acerca
do contexto em que esta mesma foi representada, detenho-se sobre a importância que a
música tem no seu desenvolvimento. Na obra de Hildegarda, a música tem a função de
expressar a comunhão com Deus. No Ordo Virtutum, em particular, parece que a música
tem uma função meramente estética e lúdica. Contudo, analisando mais profundamente,
percebemos que além desta, tem também uma função reveladora.
É interessante que no desenvolvimento do drama, as formas melódicas mais
desenvolvidas e mais melismáticas, ainda que em alguns momentos desempenhem uma
função estritamente “decorativa” muitas vezes acompanham o cântico da alma feliz,
como expressão da beatitude eterna à qual todos são chamados. É interessante também
referir que, em todo este drama, o Diabo é o único que, por determinação da autora, não
canta, mas somente recita o seu texto 24. Ao Diabo não é consentido cantar, pois ele não
pode cantar; ele mesmo é a negação da comunhão com Deus que a música, no
pensamento hildegardiano, representa.

3.3. Symphonia. A música como louvor ao Criador

Symphonia é um livro de poemas, fundamentalmente destinados ao uso litúrgico


da comunidade religiosa. Estes, segundo Hildegarda, são fruto da inspiração divina,
resultante da sua experiência mística. Os temas cantados são variados: a Trindade, a
História da Salvação, a Incarnação, a Rendenção. Tem vários poemas também
dedicados a Maria, aos anjos, aos santos, às virgens e à Igreja25.
Ainda que a antífona para o Ofício Divino seja o género poético mais comum
em Hildegarda, podemos também encontrar entre as suas composições os responsórios e
ainda alguns hinos litúrgicos. Quanto ao estilo, as antífonas,

ricas em melismas, são breves e relativamente simples, os responsórios apresentam


frases melódicas ricamente decoradas em numerosas sílabas, facto este que confere a

23 Cf. ILDEGARDA DI BINGEN, Ordo Virtutum. Il cammino di Anima verso la Salvezza, 59-60
24 Cf. PIQUÉ, J. Collado, Teología y Música: Una contribucíon dialéctico-trascendental sobre la
sacramentalidad de la percepción estética del Misterio (Agustín, Balthasar, Sequeri; Victoria, Schönberg,
Messiaen), 122
25 Cf. ILDEGARDA DI BINGEN, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum, 25

14
toda a composição musical un efeito simultaneamente dinâmico e dramático ainda que a
sua interpretação seja alternada entre um solista e o coro 26.

O canto litúrgico composto por Hildegarda decalca a tradição gregoriana do VIII


século, mas, ao mesmo tempo, como já foi dito, reveste-se de um carácter novidoso. A
sua música é «original, fresca, envolvente e extremamente comunicativa» 27. As
composições litúrgicas da Abdessa de Bingen, presentes no Symphonia «têm uma
melodia vigorosa, nem sempre silábica, nem sempre rigorosamente paralelas; os textos,
aparentemente arcaicos [...] são extremamente originais nas imagens vivas e no uso de
uma língua rica de invenções»28. A sua «personalidade, a força da sua inspiração fazem-
na frequentemente superar as regras da composição tipicas da época, fazendo com que
as suas melodias jamais fiquem fechadas em modelos rígidos, antes pelo contrário,
enchem, dilatam, superam e refrescam o existente»29.
A sua composição, particularmente aquela que se destina ao uso litúrgico,
manifestam esta profunda ligação entre texto e música. A música e o canto, segundo o
seu pensamento são a forma de participar na beatitude de Deus e, ao mesmo tempo, a
forma como Ele transmite uma mensagem de amor a toda a criação30.

26 ILDEGARDA DI BINGEN, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum, 26


27 Cf. ILDEGARDA DI BINGEN, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum, 65
28 DE CAPITALIN, Enrico, Tropi, Sequenze, Prosule. Ornamento ed espansione del canto gregoriano,
in Alla Scuola del Canto Gregoriano. Studi in forma di manuale, ed. Fulvio Rampi, Musidora, Parma
2015, 752
29 ILDEGARDA DI BINGEN, Carmina. Symphonia armonie celestium revelationum, 73
30 Cf. CAGNOLI, B., «Misticismo, poesia e musica in Hildegard von Bingen (1098-1179)», in Atti Accad.
Roveretana Agiati, Serie VIII A, vol. VIII (II), Rovereto 2008, 20
CONCLUSÃO

Do trabalho realizado, podemos concluir que a música e o canto em Hildegarda:

1. inserem-se na tradição do canto gregoriano dos séculos precedente, em


que a música aparece como serva da Palavra, procurando revelar aquilo que diz o texto;
2. dentro da continuidade com o passado, introduzem também elementos de
descontinuidade e novidade, rompendo com alguns dos parametros tradicionais, pelas
novas formas melismáticas que usa, pelo ambitus da música, pelos intervalos usados;
3. expressa a sua concepção teológica, especialmente, da humanidade que
em Cristo, recupera a harmonia celeste original, perdida por Adão, ao deixar-se seduzir
pelo diabo. O canto e a música expressam a comunhão original do ser humano com o
seu Criador, aquela que tinha no principio, aquela que terá plenamente no céu, aquela
que é chamada a experimentar na fragilidade da vida terrena;
4. têm função lúdica e pedagógica, porque permitem o fruimento de quem a
executa e de quem a escuta, ao mesmo tempo que estimulam a alma a abrir o seu
coração ao seu Senhor, pela conversão da vida;
5. têm um uso litúrgico, na medida em que desempenham uma função
central na acção celebrativa da Igreja, que no presente da história, faz memória do
passado antecipando a vida plena da Jerusalém Celeste.

Contudo, também é fácil concluir que, dado o seu carácter de “ruptura” com o
estilo gregoriano tradicional, a sua utilização caiu rapidamente em desuso e permaneceu
desconhecido e ignorado por quase um milénio.

16
BIBLIOGRAFIA

CAGNOLI, B., «Misticismo, poesia e musica in Hildegard von Bingen (1098-


1179)», in Atti Accad. Roveretana Agiati, Serie VIII A, vol. VIII (II),
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VAUCHEZ, André, Apogeo del Papato ed Espansione della cristianità (1054-


1274), Borla/Città Nuova, volume 5, Roma 1997.

18
20
ÍNDICE

Introdução..............................................................................................................3

Capitulo Primo...................................................................................................5
vida e obra.........................................................................................................5
Capitulo Secondo...............................................................................................9
A música em Hildegarda Von Bingen: “sacramento” do mistério.....................9

2.1. O espaço e o tempo: a música como síntese.........................................10


2.2. A mística da humanidade reconciliada..................................................11
2.3. Características formais da música de Hildegarda.................................12

Capitolo Terzo.................................................................................................13
A composição musical de Hildegarda.............................................................13

3.1. Scivias. O conhecimentos dos caminhos do Senhor.............................13


3.2. Ordo Virtutum. A música como expressão didáctica............................14
3.3. Symphonia. A música como louvor ao Criador....................................15

Conclusão............................................................................................................17
Bibliografia..........................................................................................................19
Índice...................................................................................................................21

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