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Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Maringá (1980), graduação
em Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual de Maringá (1988), mestrado e doutorado
pelo programa de pós graduação da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho, concluídos respectivamente em 2003 e 2009, e é vinculada ao grupo de pesquisa
em História Oral e Educação Matemática (GHOEM). Profissionalmente, é professora titular da
Universidade Paulista, campus Bauru, desde 2003.
CDU 511.2
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Simone Oliveira dos Santos
Sumário
História da Matemática
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 MATEMÁTICA: DA PRÉ‑HISTÓRIA AO MUNDO ANTIGO................................................................... 13
1.1 A Pré‑História: panorama cultural................................................................................................. 13
2 MATEMÁTICA NO ANTIGO EGITO............................................................................................................... 18
2.1 Influência egípcia.................................................................................................................................. 24
3 MATEMÁTICA NA MESOPOTÂMIA............................................................................................................. 26
4 MATEMÁTICA NA GRÉCIA ANTIGA............................................................................................................ 33
Unidade II
5 MATEMÁTICA NA CHINA, ÍNDIA E MUNDO ÁRABE............................................................................ 72
5.1 Matemática na China.......................................................................................................................... 72
5.2 Matemática na Índia............................................................................................................................ 76
5.3 Matemática no mundo árabe........................................................................................................... 84
6 MATEMÁTICA NA ÉPOCA DO RENASCIMENTO E PANORAMA CULTURAL DOS
SÉCULOS XVI A XVIII........................................................................................................................................... 86
7 A MATEMÁTICA NOS SÉCULOS XVI A XX E A ESCOLA BRASILEIRA............................................ 107
7.1 A matemática nos séculos XVI a XVIII......................................................................................... 107
7.2 A matemática nos séculos XIX e XX............................................................................................120
8 ESCOLA BRASILEIRA: OS GRANDES MATEMÁTICOS DO PAÍS......................................................136
APRESENTAÇÃO
A introdução a seguir tem a função de apresentar de forma mais elaborada os objetivos da disciplina
História da Matemática e sua vinculação com o projeto pedagógico e político do curso. É uma perspectiva
que defende não ser concebível estudar a história da matemática como algo estanque, sem vinculação
pedagógica com disciplinas específicas e muito menos utilizá‑la como mero atrativo inicial para conteúdos
específicos. A história da matemática é, sobretudo, uma forma de orientação aos profissionais docentes
a respeito da origem de questões ideológicas que perpassam o ensino, notadamente, a força da visão
eurocêntrica da matemática. Portanto, o objetivo aqui proposto é sistematizar o conhecimento que a
humanidade acumulou nesta área, mas sem perder de vista as análises dos contextos social, histórico e
cultural que proporcionam a possibilidade de compreensão da ciência de modo mais abrangente e, em
consequência, uma ação política mais efetiva na esfera da educação.
INTRODUÇÃO
Nascer: já assisti gata parindo. Sai o gato envolto num saco de água e todo
encolhido dentro. A mãe lambe tantas vezes o saco de água que este enfim
se rompe e eis um gato quase livre, preso apenas pelo cordão umbilical.
Então a gata‑mãe‑criadora rompe com os dentes esse cordão e aparece um
fato no mundo. (...) Estou dando a você a liberdade. Antes rompo o saco de
água. Depois corto o cordão umbilical. E você está vivo por conta própria
(LISPECTOR, 1973, p. 41).
A primeira perspectiva que este texto irá abordar é o fato de ele ter sido elaborado para um curso
de educação à distância. Esta é uma questão importante, uma vez que estabelece um ambiente
de aprendizagem diferente daquele utilizado pelo ensino presencial e, portanto, com exigências
diferenciadas. Mais do que em outra modalidade, a educação à distância caracteriza‑se por ser uma
prática educativa que exige do estudante construir conhecimentos e participar efetivamente de seu
próprio crescimento. Esse modelo implica, obviamente, um processo de ensino próprio, uma vez que
modifica ou mesmo suprime o aparato físico e estrutural do ensino presencial. Assim, a função docente
sofre um deslocamento: o professor tem seu papel descentralizado e a forma de atenção ao aluno
está mais próxima do que se entende por pesquisa em meios acadêmicos. É um novo formato de
ensino‑aprendizagem na graduação, no qual os estudantes, assim como aqueles que se iniciam em
pesquisas acadêmicas, devem aprender a estudar sozinhos, buscar informações com base em indicações
do docente responsável pelo curso e serem capazes de fazer inferências na produção de seu próprio
conhecimento.
Como este texto foi produzido para a modalidade EaD, as leituras indicadas estão em sua maioria
disponíveis on‑line. Essa preocupação está relacionada ao fato de alguns alunos da UNIP Interativa serem
de regiões onde o acesso a determinados materiais impressos é difícil. Porém, isso não os descompromete
de fazer pesquisas de materiais pertinentes à área de interesse das disciplinas em bibliotecas locais.
Este texto foi dividido em três unidades (e seus subtópicos), conforme o leitor poderá aferir no sumário.
No entanto, essa foi uma arbitrariedade da autora, já que a história da matemática se desenvolveu de acordo
7
com condições e necessidades históricas, ou seja, ela não é linear e nem suas descobertas estiveram sempre
relacionadas. Na verdade, a história da matemática é caótica, muitas vezes completamente anônima. Essa ressalva
é importante porque há na sociedade uma visão arraigada – e inúmeros trabalhos acadêmicos comprovam isso
– de que a abordagem que a maioria dos professores de matemática defende (conscientemente ou não) é a
abordagem internalista, que privilegia somente o conhecimento do ponto de vista interno da própria matemática,
levando os estudantes a crerem que o desenvolvimento da área sempre esteve pautado pela racionalidade.
Em sua obra, Michel Foucault defende a possibilidade de se interrogar o discurso do outro além da
ideologia no qual se inscreve: o discurso é muito mais. O discurso é o que se deve apreender a partir de
posições assumidas, da fala, das práticas cotidianas, de profissionais que denunciam os efeitos recíprocos
do par saber‑poder e a sua integração estratégica na conjuntura de correlação de forças nos diversos
confrontos produzidos na reprodução da vida (BERNARDES, 2009, p. 53‑54).
Dentro dessa perspectiva, a matemática é uma forma de discurso do poder e, como o estudante
perceberá no decorrer da leitura deste texto, o panorama cultural da humanidade avaliza essa
perspectiva.
A história da matemática não conseguiu atribuir muitas de suas descobertas aos seus autores. Feita
por e para as coletividades, ela não concedeu certificados, apenas alguns nomes são conhecidos e, mesmo
assim, em muitos casos apenas porque transmitiram, exploraram e comentaram certos conhecimentos
desenvolvidos por outras pessoas.
Saiba mais
Outro aspecto que deve ser mencionado com clareza nesta introdução é a identificação da perspectiva
a partir da qual foi desenvolvido este texto: ele está atrelado ao projeto pedagógico do curso, formador
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de professores em matemática. Porém, entrelaçada a essa diretriz fornecida pela Instituição está a
perspectiva atual da comunidade de educadores matemáticos. Na introdução do livro de Bicudo &
Garnica (2001), há uma observação que nos mostra a complexidade atual do fazer docente, daqueles
profissionais que trabalham tanto com pesquisas quanto com o ensino da matemática:
Nessa perspectiva, não é concebível estudar a história da matemática como algo estanque, sem
vinculação pedagógica com disciplinas específicas e muito menos utilizá‑la como mero atrativo
inicial para conteúdos específicos. A história da matemática é, sobretudo, uma forma de orientação
aos profissionais docentes a respeito da origem de questões ideológicas que perpassam o ensino,
notadamente, a força da visão eurocêntrica da matemática.
O objetivo aqui proposto é sistematizar o conhecimento que a humanidade acumulou nesta área,
no entanto, tendo sempre em vista que a análise do contexto social, histórico e cultural proporciona
a possibilidade de compreensão da ciência de modo mais abrangente do que aquele mantido pelo
positivismo, como assim defendem Bicudo & Garnica:
Essa forma de pensar caracteriza‑se por ser analítica, crítica, reflexiva e abrangente e, segundo a
perspectiva aqui defendida, o caro leitor talvez já possa desenvolver ferramentas para romper o saco
gestacional que tem guardado a gestação do futuro professor e, com os próprios dentes, obter a liberdade
de propor ações, intervenções e decisões em seu ambiente formativo e, posteriormente, profissional.
Assim, ele poderá contribuir efetivamente para o conhecimento do mundo cultural, científico,
tecnológico, religioso, artístico, enfim, do mundo humano. Poderá analisar também qual a função do
cordão umbilical que normalmente liga os estudantes e professores às crenças fortemente arraigadas
ao pensamento matemático de que a matemática é independente do humano, portanto, independente
dos âmbitos cultural e social.
Essa liberdade é estar “vivo por conta própria”, como definiu Clarice Lispector no recorte que inicia
esta Introdução. É analisar e refletir propostas e ações educacionais nos diferentes contextos em que
ocorrem. O futuro professor, liberto do saco gestacional e do cordão umbilical que a escola lhe impõe,
9
terá condições de educar o olhar: não só observar a escola, mas buscar a finalidade e a intenção dos
procedimentos na área de educação.
Souza (2001) observa que só é possível perscrutar a paisagem escolar a fim de identificar a rede
de fenômenos que ela abriga quando se educa o olhar usando ferramentas intelectuais adequadas.
As paisagens que o olhar captura não são construídas somente a partir do natural, mas, também,
segundo uma perspectiva histórico‑social: há os atores das paisagens que nela transitam, transitaram
ou transitarão e há sempre presença e não presença naquilo que permanece e naquilo que muda. Os
sujeitos que percorrem anonimamente a paisagem se movem e agrupam‑se sob um substrato comum: a
sociedade, que é historicamente determinada, vinculada a uma dada cultura e abrange um conjunto de
vidas e suas infinitas relações. Desse modo, embora o olhar sempre tenha algo de pessoal ou individual,
ele avalia a paisagem a partir de juízos e de valores estéticos e éticos que a sociedade da qual faz parte
lhe insufla: ao construir a paisagem, o sujeito também é construído por ela.
Souza ainda considera que o fato de o tempo não ser um continuum é importante na constituição
das paisagens pelo sujeito: há um ponto entre o passado e o futuro no qual o ser humano se encontra e
no qual o tempo se modifica, onde o ser individual tem de se posicionar, “tensionado” ao mesmo tempo
pelo passado e pelo futuro. A educação é a possibilidade de o ser humano arbitrar essa luta, projetando‑se
para o futuro a partir do ponto em que, apesar da mobilidade, se encontra indefinidamente.
Para que esse ponto não se torne uma lacuna entre o passado e o futuro, mas uma terceira força1, é
necessário um esforço do sujeito, que deverá marcar simultaneamente posições frente ao passado e ao
futuro. A proposta do autor parece óbvia: o passado balizando o futuro. Essa é a finalidade de se estudar
a história da matemática.
No entanto, há uma grande dificuldade nesta tarefa delegada à educação: a de não alimentar as
possibilidades de perpetuar relações hegemônicas. O grande entrave desse encargo atribuído à educação
é a memória coletiva sempre ter sido disputada por classes, grupos ou estamentos.
Ao manipular a memória, esse mecanismo do poder instala uma luta na constituição da paisagem
na mente do sujeito, resultado de movimentos de lembranças e apagamentos. Souza observa que a
memória, o olhar, o cenário e a paisagem estão imbricados em uma teia de relações que impede o
1
Em Souza (2001), percebe-se claramente que essa terceira força é uma resultante – metáfora apoiada obviamente
numa concepção vetorial, no paralelogramo de composição de forças. As forças do passado e do presente chocar-se-iam
caso o sujeito (cuja interferência determina a intensidade da resultante) não se interpusesse de modo a provocar um
“desvio” no ponto onde ocorreria o “choque”.
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privilégio de um sobre o outro. Essa teia de relações constitui o sujeito da paisagem como elemento
do próprio cenário. Segundo o mesmo autor, por essa razão o olhar do nosso tempo precisa buscar as
relações entre o visível e o invisível, pois nelas é que se encontra uma possível interpretação do real. A
análise dessa articulação permite perceber a memória e o cotidiano como artífices da paisagem, sendo
esta distinta da estática percepção do natural.
Assim, Souza considera que educar o olhar é buscar analisar quais práticas educacionais habitam
o cotidiano escolar e relacioná‑las às normas e regras praticadas no contexto social mais amplo,
objetivando a percepção e a análise de um campo múltiplo e móvel de correlação de forças existentes
em dada sociedade. Em suma, educar o olhar é se perceber sujeito da paisagem em qualquer cenário,
seja ele escolar, urbano, rural, de miséria ou de luxo.
Saiba mais
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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Unidade I
1 MATEMÁTICA: DA PRÉ‑HISTÓRIA AO MUNDO ANTIGO
De acordo com Le Goff (2003), no estudo da memória histórica é necessário dar uma importância
especial para a lacuna entre as sociedades de memória essencialmente oral e as de memória essencialmente
escrita e, também, para as fases de transição da oralidade à escrita. Esse cuidado é necessário uma vez
que as novas gerações, acostumadas à extensão da memória à maquina – com o advento dos modernos
computadores –, tendem a negligenciar as manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse,
a afetividade, o desejo, a inibição e a censura exercem sobre a memorial individual e, consequentemente,
refletem na memória coletiva.
O primeiro momento a ser focado é o da Idade da Pedra (c. 5000000 – 3000 a.C). O período designado
para essa era é arbitrário, pois não se sabe com certeza quando a Idade da Pedra começou.
Nessa época, o ser humano era nômade, vivia em pequenos grupos, caçava pequenos animais
selvagens, pescava e colhia frutas, castanhas e raízes. Segundo Eves (2004), esses grupos ocupavam
porções habitáveis da África, sul da Europa, sul da Ásia e América Central.
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Unidade I
Eves ainda observa que também não se pode precisar com certeza o final da Idade da Pedra:
algumas culturas persistiram nesse estágio em algumas partes do mundo até o século XIX ou XX. Os
conquistadores europeus se depararam nos séculos XVI e XVII no sul da África, Austrália e Américas com
povos que ainda viviam na Idade da Pedra.
Figura 01 – Machado de pedra encontrado no sítio Santa Clara (de propriedade de Valério Otávio Rabelo Rezende), no município de
Engenheiro Beltrão, Paraná
A sociedade era rígida e as comunidades formadas por clãs ou tribos tinham um líder ou chefe. Não
havia ascensão social e nem rudimentos de política, valendo a “lei do mais forte”. Os homens caçavam
para obter alimento e as mulheres cuidavam dos filhos, da limpeza e preparavam os alimentos. Os
grupamentos humanos não eram numerosos, uma vez que a comida era escassa e estragava rapidamente.
Por isso, era necessário que frequentemente se deslocassem, o que justifica o caráter nômade das tribos
primitivas.
Le Goff (2003) afirma que, nessas sociedades sem escrita, a memória coletiva aparentemente
ordenava‑se segundo três grandes interesses: a idade coletiva do grupo, que se fundava em certos
mitos de origem; o prestígio das famílias dominantes, expresso pelas genealogias; e o saber técnico,
transmitido por fórmulas práticas fortemente ligadas à magia religiosa.
Uma possível esquematização da Idade da Pedra em três períodos é dada por Eves e mostra como
as necessidades humanas foram modificando‑se e, com elas, as adaptações possíveis ao mundo em
transformação foram surgindo. Segundo o autor, os historiadores esquematizam essas transformações
dividindo a Idade da Pedra em três períodos:
Nos dois primeiros períodos da Idade da Pedra, há poucos registros de avanços científicos e intelectuais
em decorrência da atividade de caça e colheita de frutos desses povos. Embora sem tempo para as
atividades intelectuais em função da dificuldade para sobreviver, algum progresso científico ocorreu
em decorrência da comercialização já existente entre as pessoas. Elas comercializavam entre si e havia
necessidade de anotar a parte de cada família na caçada e na colheita – um prelúdio do pensamento
científico. Assim, em relação ao desenvolvimento matemático, no período pré‑histórico o ser humano
iniciou um rudimentar processo de contagem no qual utilizava desenhos em cavernas e em pedras,
ranhuras em ossos e marcas em galhos. Mas, de acordo com Le Goff, foi no período Paleolítico Médio
que apareceram as primeiras figuras, ligadas à mitologia.
O último período caracterizou‑se pelo declínio da Idade da Pedra e por dar lugar às Idades do
Bronze e do Ferro. Por volta do ano 4000 a.C., com o desenvolvimento dos utensílios de bronze e com o
florescimento da agricultura, a vida dos grupamentos humanos foi se modificando. Quando a produção
de alimentos passou a ser superior às necessidades locais, começou a surgir o comércio. A partir daí,
iniciou‑se as descobertas científicas e se desenvolveram as grandes civilizações.
Em torno de 3000 a.C., as primeiras civilizações emergiram ao longo das margens de grandes rios
tais como o Nilo, na África (Egito); o Tigre e o Eufrates, no Oriente Médio (Mesopotâmia); o Amarelo, na
China; e os rios Indo e Ganges, na Índia.
Observação
As civilizações que emergiram nesse período diferiam amplamente das sociedades de caçadores e
colhedores da Idade da Pedra. Eves (2004) afirma que a densidade populacional obrigou esses povos a
encontrar outros meios de obter alimentos. Iniciou‑se, assim, uma agricultura intensiva. O autor pontua
que essa espécie de “revolução agrícola” criou novas necessidades, tais como o desenvolvimento da
engenharia em construções de sistemas de barragens e irrigações, registros das estações das chuvas e
das enchentes e, também, traçados de mapas que especificavam as valas de irrigação. “Os agricultores
rezavam aos deuses para que as cheias e as chuvas pudessem vir conforme as tabelas e, no processo,
observavam o movimento das estrelas. Todas essas atividades deram origem a novas classes de homens
educados: sacerdotes, escribas e astrólogos” (Ibidem, p. 53). No interior desses agrupamentos já fixados
em cidades e sem a necessidade de se deslocar atrás de alimento, surgiram pessoas – reis, sacerdotes,
mercadores e escribas – que tinham tempo para ponderar sobre os mistérios da natureza e da ciência.
As cidades propiciavam condições para mercados de agricultores e artesãos trocarem bens, surgindo,
assim, uma classe de mercadores.
Figura 02 – Pintura rupestre esquemática em Peña Escrita, Fuencaliente, província de Ciudad Real (Espanha)
Nessa época, há a criação da escrita, evolução das antigas figuras rupestres ainda desordenadas.
16
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
escrita: uma mais simples, denominada demótica, e uma forma mais complexa, a hieroglífica, composta
de símbolos e figuras. O aparecimento e difusão da escrita provocaram uma revolução na memória
coletiva, propiciando a preservação de registros necessários ao desenvolvimento urbano que emergia
nessas regiões:
Eves afirma, assim, que a ênfase da matemática primitiva ocorreu na aritmética e na mensuração
prática, como uma ciência empírica para assistir atividades ligadas à agricultura e à engenharia. Essas
atividades necessitavam de uma forma de cálculo para um calendário utilizável; do desenvolvimento de
um sistema de pesos e medidas para ser empregado na colheita; da criação de métodos de agrimensura
para o armazenamento e distribuição de alimentos, a construção de canais e reservatórios e para dividir
a terra; e da instituição de práticas financeiras e comerciais para o lançamento e arrecadação de taxas
para propósitos mercantis. No entanto, foi nesse contexto que se desenvolveram tendências no sentido
da abstração e, até certo ponto, passou‑se então a estudar a ciência por si mesma. Assim, conclui o
autor que a álgebra evolui ao fim da aritmética e a geometria teórica originou‑se da mensuração.
Resumidamente, conclui‑se então que a invenção dos algarismos é anterior à escrita e estes
estiveram relacionados com o pensamento místico e religioso do homem no decorrer da história. Assim,
a lógica não foi o fio condutor da história da matemática. Em verdade, uma nova civilização emergiu
no período de 3000 a 525 a.C. por conta da necessidade de uma economia agrícola que desse conta
das necessidades colocadas pelos agrupamentos ao longo dos rios Nilo, Amarelo, Indo, Tigre e Eufrates.
Esses povos construíram cidades, criaram escritas, utilizaram metais e desenvolveram empiricamente a
matemática básica da agrimensura, da engenharia e do comércio. No entanto, foram as preocupações
de contadores, sacerdotes, astrônomos‑astrólogos e, em último lugar, de matemáticos que presidiram
à invenção e à revolução dos sistemas de numeração. Muitos nomes de números, notações e símbolos
distintos existiram ao longo da história da humanidade, entretanto, apenas alguns acabaram por ter
influência na civilização ocidental, daí serem denominados de “berços da civilização” as regiões agrícolas
do Oriente Médio, da China e do Egito.
18
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
O Egito localiza‑se no nordeste da África, na região do deserto do Saara. A vida no Egito sempre
dependeu e teve estreita relação com o rio Nilo, que provia a população de água e dos peixes para sua
sobrevivência, além de viabilizar em suas margens a agricultura e o cultivo do papiro para a escrita. O
Nilo também possibilitava o transporte e a comunicação entre as diversas regiões situadas de Norte a
Sul e, por ter águas caudalosas, facilitava a construção de canais de irrigação e diques.
A história do Egito Antigo vai de aproximadamente 4000 a.C. até 30 a.C., quando essa civilização entra
em declínio com a invasão dos romanos. Sua subdivisão é feita em diversos períodos, porém, os contextos
social, político e econômico se assemelham, assim como o matemático e o científico. A sociedade egípcia
era composta pelo faraó, a nobreza, os sacerdotes, os militares, os escribas, os artesãos, os mercadores, os
camponeses (lavradores e pastores) e os escravos. O faraó era o senhor do Egito, considerado uma divindade
– o que lhe dava o poder absoluto – e a nobreza o auxiliava na administração estatal. Os egípcios eram
politeístas, ou seja, acreditavam em vários deuses e animais sagrados. Havia também a crença na vida após a
morte, motivo pelo qual os egípcios desenvolveram a técnica de mumificação de corpos para sua preservação
e construíram pirâmides para abrigar esses corpos e os artefatos da nobreza para a próxima vida.
Inicialmente, a economia egípcia foi centrada na agricultura, com os camponeses cultivando a terra
e fornecendo os produtos para o faraó e a nobreza e retendo para si somente o suficiente para a
sobrevivência. O desenvolvimento do comércio com outros povos para a troca de mercadorias ocorreu
somente num momento posterior.
O desenvolvimento da ciência e da matemática no Antigo Egito teve estreita relação com suas
necessidades práticas. Os estudos de astronomia e agrimensura surgiram pela premência que os egípcios
tinham em saber quando ocorreriam enchentes no Nilo e quais seriam suas extensões. No entanto, o
fato de o rio ter um comportamento bastante regular e, segundo Boyer, de o país ser geograficamente
protegido de invasões estrangeiras permitiram um alto grau de estagnação no desenvolvimento das
ciências. No campo da administração territorial, surgiu a necessidade de registros e cálculos para
possibilitar a cobrança de impostos e taxas diversas.
Quanto à educação no Egito Antigo, ela se destinava apenas ao faraó e sua família, aos sacerdotes
e aos nobres e era uma educação elementar. Por decisão do faraó, alguns escribas tinham acesso à
educação para exercerem sua função.
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Unidade I
Por volta do ano 3000 a.C., os egípcios já tinham desenvolvido seu sistema de escrita: os hieróglifos.
Eles não desenvolveram um alfabeto, mas determinaram símbolos correspondentes aos sons de sua
língua. Ao combinar os fonogramas, formavam‑se as versões esquematizadas de palavras. Com o passar
do tempo, foram desenvolvidas mais duas formas para a escrita: a hierática e a demótica. A hierática
foi usada pelos sacerdotes em textos sagrados e era uma escrita cursiva, geralmente gravada em papiro,
madeira ou couro. A demótica era uma forma simplificada de escrita, usada para as situações de comércio
e situações gerais do dia a dia.
A partir das figuras anteriores, é possível observar as duas formas de escrita egípcia. No entanto,
segundo Boyer, as escritas demótica e hieroglífica só foram desvendadas a partir da descoberta em
1799 pela expedição de Napoleão da pedra de Rosetta (antigo porto de Alexandria). Ela continha uma
mensagem em três línguas: demótica, hieroglífica e grego. Champollion, na França, e Thomas Young, na
Inglaterra, decifraram as escritas antigas por serem conhecedores da língua grega.
20
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Desta forma, Boyer indica que a numeração hieroglífica egípcia foi facilmente decifrada. Pelo menos
tão antigo quanto as pirâmides e datando de cerca de 5000 anos atrás, o sistema baseava‑se na escala
de dez. Para a representação numérica, tinham símbolos em hieróglifos e em hierático:
Figura 10 – Hiróglifos
21
Unidade I
Figura 11 – Hierático
O sistema de numeração dos Egípcios baseava‑se em sete números‑chave: 1, 10, 100, 1.000, 10.000,
100.000 e 1.000.000. Todos os outros números eram escritos combinando os números chave.
Figura 12
Esses símbolos eram colocados lado a lado e repetidos até nove vezes. Por exemplo, o número 1.342
seria escrito da seguinte forma:
Figura 13
O sistema usado era o decimal, ou seja, cada dez símbolos eram trocados por um símbolo de ordem
superior, mas não era posicional: cada símbolo não tinha um valor relativo, ou seja, um valor que dependia
da sua posição dentro do número. Não havia um símbolo para o zero. Os sistemas de numeração tinham
por objetivo prover símbolos e convenções de agrupamento desses símbolos de forma a registrar a
informação quantitativa e poder processá‑la.
Boyer aponta que as inscrições egípcias revelam familiaridade com grandes números desde tempos
remotos. Os egípcios eram precisos no contar e no medir e, em razão disso, as pirâmides foram construídas
com alto grau de precisão e orientação.
Com base na relação que estabeleceram entre as inundações do rio Nilo e os surgimentos heliacais
da estrela de Sirius, os egípcios construíram um bom calendário solar feito de 12 meses de 30 dias e mais
cinco dias de festa. Como esse calendário perdia um quarto de dia por ano, as estações avançavam em
torno de um dia a cada quatro anos. A data de sua origem é discutível, mas se supõe que esse calendário
tenha sido construído em torno de 2773 a.C.
22
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Para Eves, o Egito sempre se manteve em um semi‑isolamento. A natureza tranquila do rio Nilo fez
com que o desenvolvimento do conhecimento matemático no Egito não tenha sido tão importante
quanto aquele alcançado na Babilônia.
O papiro que ficou conhecido como papiro de Rhind (ou papiro de Ahmes), segundo Boyer, foi comprado
em 1858 pelo escocês Alexander Henry Rhind em uma loja de Luxor. Ele é um antigo papiro egípcio, com
cerca de 0,30 m de altura e 5 m de comprimento, contém 85 problemas matemáticos escritos em hierático
e foi feito pelo escriba Ahmes, que o copiou por volta de 1650 a.C. de outro documento mais antigo, de
aproximadamente 2000 a.C. Em sua maioria, os problemas envolvem assuntos de natureza prática, são de
cunho aritmético ou geométrico e cada um deles está acompanhado de sua resolução. O papiro de Rhind
encontra‑se no British Museum (exceto alguns fragmentos, que estão no Brooklin Museum).
De acordo com Boyer, os numerais e outros assuntos não foram escritos no papiro de Rhind na forma
hieroglífica, mas sim em escrita cursiva. A numeração é decimal, mas com a introdução de sinais especiais
para representar dígitos e múltiplos de potências de dez, em um processo denominado de ciferização. O
autor ainda complementa que, introduzido pelos egípcios há cerca de 4000 anos, esse processo significou
uma importante contribuição à numeração e continua sendo um instrumento eficaz até os dias atuais.
Eves afirma que, ao descrever os métodos de multiplicação e divisão utilizados por este povo, os
papiros também são fontes primárias ricas sobre a matemática egípcia antiga, já que através deles
sabe‑se que os egípcios faziam uso das frações unitárias e do emprego da regra de falsa posição2,
solução para o problema da determinação da área de um círculo e para muitos problemas práticos os
quais as aplicações da matemática solucionariam.
2
O método de falsa posição será mostrado no tópico “Influência egípcia”.
23
Unidade I
Papiro de Moscou
O papiro de Moscou data de aproximadamente 1850 a.C. e foi escrito por um escriba desconhecido e com
menos cuidado do que o papiro de Rhind. Ele também é chamado de papiro de Golonishev em homenagem
a quem o comprou em 1893, no Egito. O papiro de Moscou está também escrito em hierática e nele são
apresentados 25 problemas matemáticos, quase todos da vida prática. O curioso em relação a esse papiro é
que nele há um trapézio, mas os cálculos associados são referentes ao tronco de uma pirâmide.
Papiro de Berlim
O papiro de Berlim também foi adquirido por A. H. Rhind, em Luxor, em 1850. Boyer afirma que ele
data de aproximadamente 2000 a.C. e está parcialmente danificado. Ele é o mais antigo documento que
chegou até nossos dias e apresenta uma equação de 2° grau.
Cronologia
Quadro 1
Aritmética e álgebra
Eves expõe que todos os 110 problemas dos papiros de Moscou e de Rhind são numéricos. A maioria
deles é de natureza prática, mas há também alguns de natureza teórica.
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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
O autor sustenta que uma das características do sistema de numeração egípcio é o caráter aditivo
da aritmética dependente. A multiplicação e a divisão eram em geral efetuadas por uma sucessão de
duplicação, considerando que todo número pode ser representado por uma soma de potências de 2.
Esse sistema se adequa muito bem ao ábaco e, por essa razão, perdurou enquanto este esteve em uso.
Boyer indica que, para os egípcios, era familiar a comutatividade da multiplicação e muitos dos
problemas do papiro de Ahmes mostram manipulações equivalentes à regra de três.
Observação
x
Considere a equação: x + = 24
7
7
Assumindo um valor conveniente para x, tal qual x = 7: 7 + = 8
7
Como 8 deverá ser multiplicado por 3 para resultar 24, o valor de x
correto é 3.(7) = 21.
Ainda, os egípcios eram calculadores e estudaram geometria, contudo, não faziam provas geométricas
nem generalizavam suas conclusões. Por meio de exemplos, conheciam o teorema de Pitágoras e
contribuíram com os gregos com relação às regras de cálculo.
Eves percebe que já havia certo simbolismo na álgebra egípcia, já que no papiro de Rhind
aparecem símbolos para mais e menos e símbolos ou ideogramas para igual e incógnita também eram
empregados.
Frações Unitárias
Na Idade da Pedra não havia o conhecimento sobre frações. Boyer considera que foi com o advento
de culturas mais avançadas durante a Idade do Bronze que parece ter surgido a necessidade do conceito
de fração e de notação de frações.
Geometria
Eves aponta que dos 110 problemas presentes nos papiros de Moscou e de Rhind, 26 são geométricos.
Muitos deles estão relacionados à mensuração de terras e a volumes de grãos. Aparecem também
25
Unidade I
problemas relativos à proporção e tentativas de cálculo de volumes de sólidos. Boyer chama atenção
para o fato de o conhecimento de proporção ser vital na construção de pirâmides, uma vez que as faces
deveriam manter uma inclinação constante. Eves complementa afirmando que, no papiro de Moscou,
existe um exemplo correto da fórmula do volume de um tronco de pirâmide e nenhum outro exemplo
inquestionavelmente genuíno dessa fórmula foi encontrado na matemática oriental antiga.
Boyer revela que não se conhece teorema ou demonstração formal na matemática egípcia. Entretanto,
algumas comparações relacionando perímetros e áreas de círculos e quadrado efetuadas no vale do rio
Nilo estão entre as primeiras afirmações precisas da história referentes a figuras curvilíneas.
3 MATEMÁTICA NA MESOPOTÂMIA
A Mesopotâmia localizava‑se no Oriente Médio, na região situada no vale dos rios Eufrates e Tigre,
onde hoje se localiza o Iraque e a Síria. A palavra Mesopotâmia, em grego, significa “entre rios”. A região
foi habitada inicialmente pelos sumérios que, por volta do ano 4000 a.C., desenvolveram o sistema de
escrita provavelmente mais antigo da história humana.
Ao longo do tempo, essa região foi invadida por diversos grupos humanos, tais como os amoritas, os
cassitas, os elamitas, os hititas, os assírios, os medos e os persas, que absorveram a cultura local. Os antigos
povos que habitavam a Mesopotâmia são frequentemente chamados de babilônios, embora, segundo Boyer,
essa denominação não seja inteiramente correta. Ele afirma que, a princípio, a cidade de Babilônia não foi o
centro de cultura associado com os dois rios, mas a expressão “babilônica” foi atribuída à região durante o
período de 2000 a.C. a 600 a.C., aproximadamente. Quando a cidade foi tomada por Ciro da Pérsia, em 538 a.
C., o império babilônico terminou. A região é ocasionalmente denominada de Caldeia em razão da dominação
dos caldeus, provenientes do sul da Mesopotâmia, principalmente durante o último século antes de Cristo.
Os povos da Mesopotâmia escreviam em tabletes de argila cozida em fornos ou ao sol e, para gravar
os caracteres, usavam estiletes. Como mencionado anteriormente, eles desenvolveram uma escrita que
ficou conhecida como cuneiforme, pois as marcas feitas na argila pareciam pequenas cunhas. Esses
tabletes se mostraram mais resistentes ao tempo do que os papiros e uma enorme quantidade deles
26
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
resistiu e chegou até os nossos dias, permitindo acesso à cultura dos babilônios. Hoje, eles estão no acervo
de diversas universidades inglesas e norte‑americanas. Dessas, destaca‑se particularmente a coleção G.
A. Plimpton, da Universidade de Columbia, com tabletes de 1900 a.C. a 1600 a.C., aproximadamente. Nos
tabletes, entre outros assuntos, estão registrados problemas matemáticos, fórmulas e desenhos.
Eves relata que os arqueólogos têm trabalhado nessa região sistematicamente desde antes da metade do
século XIX, tendo sido desenterrado mais de meio milhão de tábuas de argila. Somente no sítio da antiga Nipur
foram encontradas mais de 50.000 tábuas. Das cerca de meio milhão delas, quase 400 foram identificadas como
estritamente matemáticas. No entanto, o autor observa que o trabalho para decifrar sua escrita cuneiforme foi
árduo e posterior à decifração dos hieróglifos egípcios, ocorrendo, portanto, pouco antes de 1800.
Boyer pondera que, apesar da abundância de materiais relativos à Mesopotâmia, eles provêm estranhamente
de dois períodos muito distantes no tempo. Há uma quantidade de material dos primeiros séculos do segundo
milênio a.C. (Babilônia antiga) e outra dos últimos séculos do primeiro milênio a.C. (período selêucida). A
maior parte das contribuições importantes em matemática remonta ao período mais antigo.
Por volta de 3000 a.C., a civilização dos sumérios era avançada, com estruturas políticas e religiosas definidas
e um sistema sofisticado de irrigação, com canalização e diques para o controle das enchentes dos rios Tigre
e Eufrates. Entre 2100 a.C. e 2004 a.C., os sumérios tiveram grande prosperidade e consolidaram seu sistema
jurídico, seu sistema meteorológico simplificado, seu calendário e ainda construíram diversos templos.
O desenvolvimento da civilização na Mesopotâmia ocorreu em estreita dependência dos rios Tigre e Eufrates.
Os povos prosperaram com base na agricultura, que se desenvolvia graças à fertilização da terra decorrente das
inundações dos dois rios. Contudo, de forma diversa do que se passava com as águas do rio Nilo, os períodos de
cheia dos rios Tigre e Eufrates eram bastante irregulares, obrigando a realização de numerosas obras de irrigação
e drenagem. Desse modo, desenvolveu‑se a engenharia e a navegação para o transporte de mercadorias.
Quanto à matemática, assim como no Antigo Egito ela se desenvolveu em função das necessidades
do dia a dia: inicialmente para contabilizar animais, cereais etc., posteriormente para a administração dos
bens, organização de obras e cobrança de impostos. Eves observa que as tábuas encontradas mostram
que os sumérios antigos estavam familiarizados com todos os tipos de contratos legais e usuais, tais
como faturas, recibos, notas promissórias, crédito, juros simples e compostos, hipotecas, escrituras de
venda e endossos. O autor afirma que há tábuas que são documentos de empresas comerciais e outras
que lidam com sistemas de pesos e medidas. Os sumérios efetuaram também medições do tempo e
observações na astronomia para auxiliar suas atividades práticas.
Boyer indica que os babilônios usavam um sistema numérico sexagesimal, isto é, com base no número 60.
Eles conheciam os resultados das multiplicações e divisões, raízes quadradas e cúbicas, equações e o processo
de fatoração. Eles usavam palavras como incógnitas num sentido abstrato. Os assuntos matemáticos que
se apresentam nos tabletes vindos da Mesopotâmia são: o sistema de numeração sexagesimal e as tábuas
trigonométricas e, na geometria, o estudo do tronco de cone e do tronco de pirâmide quadrangular regular; o
perímetro da circunferência; e o teorema de Pitágoras e as ternas pitagóricas. Ainda, o sistema de numeração
usado variava entre o posicional, o decimal e o sexagesimal e a base 60 era apropriada principalmente para o
cálculo com frações, por conta dos divisores naturais de 60: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20, 30, 60.
27
Unidade I
Segundo Boyer, especula‑se que o sistema sexagesimal teve origem provavelmente na astronomia,
especificamente na contagem do tempo, isto é, na divisão do tempo em horas, minutos e segundos. O
sistema seria originário da junção de dois sistemas mais antigos: o decimal e outro de base seis. No entanto,
o autor considera mais provável que a base de 60 unidades tenha sido adotada e legalizada no interesse da
metrologia, uma vez que uma grandeza de 60 unidades pode ser mais facilmente subdividida em metades,
terços, quartos, quintos, sextos, décimos, dozeavos, quinzeavos, vigésimos e trigésimos, fornecendo assim
dez subdivisões. Eves informa que, mesmo nas tábuas mais antigas, o sistema sexagesimal posicional já
estava estabelecido. Muitos dos textos dos primeiros tempos mostram a distribuição de produtos agrícolas
e de cálculos aritméticos baseados neste sistema. Apesar da forma fundamentalmente decimal das
sociedades atuais, esse sistema ainda permanece nas unidades de tempo e angulares.
Saiba mais
Operações fundamentais
De acordo com Boyer, os babilônios desenvolveram a melhor notação para frações conhecida até
a Renascença. A precisão de seus resultados diferia muito pouco daqueles possibilitados pelo processo
atual. Além disso, segundo o autor, os matemáticos babilônios não foram hábeis apenas com sistemas de
28
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
numeração, mas também no desenvolvimento de processos algoritmos, entre os quais um para extrair a
raiz quadrada. As operações aritméticas fundamentais eram tratadas de forma semelhante à atual e com
facilidade comparável. Ainda segundo o autor, também existem tabelas babilônicas que contêm potências
sucessivas de um dado número, semelhante às atuais tabelas de logaritmos ou, mais propriamente, de
antilogaritmos. Apesar de existirem lacunas em suas tabelas exponenciais, os babilônios utilizavam a
interpolação por partes proporcionais para a obtenção de valores intermediários aproximados.
Geometria
Este campo sempre esteve relacionado à mensuração prática. Segundo Eves, no período de 2000
a.C a 1600 a.C., os babilônios já conheciam as regras gerais do triângulo retângulo, do volume de um
paralelepípedo reto‑retângulo e o volume de um prisma reto com base trapezoidal. No entanto, como
observa o autor, a principal marca da geometria babilônica é seu caráter algébrico.
Álgebra
Eves aponta que, em torno de 2000 a.C., a aritmética babilônia já havia evoluído para uma álgebra
retórica bem desenvolvida. Eles não só resolviam equações quadráticas, seja pelo método equivalente ao
de substituição numa fórmula geral, seja pelo método de completar quadrados, mas também discutiam
algumas equações cúbicas e algumas equações biquadradas. Para Boyer, esses conhecimentos indicam
tanto o alto grau de habilidade técnica dos matemáticos babilônios quanto a maturidade e flexibilidade
dos conceitos algébricos envolvidos.
Plimpton 322
Do ponto de vista matemático, um dos mais importantes documentos que chegaram até nós
é o tablete designado por Plimpton 3223. Eves indica que ele foi escrito no período babilônico
antigo (aproximadamente entre 1900 e 1600 a.C.). Boyer observa que a tábula encontra‑se
parcialmente danificada, mas o esquema de construção é claramente discernível. Inicialmente,
ela foi tomada como um registro comercial, mas uma análise mais profunda mostrou que aquilo
que foi registrado nela constitui em profundo significado matemático na teoria dos números.
Sabe‑se que, entre outras notações, a tábula traz a relação entre os três lados de um triângulo.
29
Unidade I
Boyer faz uma observação curiosa que, no contexto de um curso de licenciatura, vale a pena ser
comentada:
O comentário do autor é interessante porque ele reitera uma perspectiva que não pode passar
despercebida ao futuro professor: a matemática é uma criação humana e a forma como ela é apropriada
difere conforme o contexto em que ela é utilizada. De fato, nos primórdios da sociedade humana a
ênfase da matemática primitiva ocorreu na aritmética e na mensuração, como uma ciência prática para
assistir a atividades ligadas à agricultura e à engenharia. Mas foi exatamente esse contexto que criou as
condições para que se desenvolvessem tendências no sentido da abstração. Uma forma de se perceber
isso é o alerta de Ifrah (1996) em relação à importância de se diferenciar a forma como o número é
concebido por diferentes grupos humanos, ou seja, as pessoas nem sempre são capazes de conceber
qualquer número abstrato.
O autor aponta que inúmeras hordas “primitivas”, como os zulus e os pigmeus da África, os aranda
e kamilarai da Austrália, os aborígenes das ilhas Murray e os botocudos do Brasil percebem o número
de modo um tanto qualitativo. Para esses grupos, o número se reduz a uma “pluralidade material” e
assume o aspecto de uma realidade concreta indissociável da natureza dos seres e objetos em questão.
O traço comum de diferentes agrupamentos possuírem a mesma quantidade de itens, tais como cinco
carneiros ou cinco árvores, se reduz a uma espécie de capacidade natural chamada de “percepção
direta do número” ou “sensação numérica”. Expressões como “muito” e “vários” são utilizadas para
caracterizar agrupamentos e avaliá‑los. Essa aptidão natural não pode ser confundida com a “faculdade
abstrata de contar”, que diz respeito a um fenômeno mental mais complicado e constitui uma aquisição
relativamente recente da inteligência humana.
30
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Figura 18 – Objeto de decoração reproduzindo momento de reflexão de um membro de uma horda primitiva
Determinadas espécies animais também são dotadas de um certo tipo de percepção direta dos
números. Em alguns casos, são capazes de reconhecer as modificações de conjuntos numericamente
reduzidos. No entanto, é curioso notar que as faculdades humanas de percepção direta dos números
não ultrapassavam a de certos animais, pois não iam além do número quatro. Ifrah indica que, para que
o ser humano pudesse progredir no universo dos números, foi necessário que certos procedimentos
mentais fossem agregados à sensação numérica inata. Daí que, diante da existência de um embrião
de capacidade de abstração entre os babilônios, a perplexidade de Boyer causa certa estranheza, pois
as condições geográficas da Mesopotâmia exigiam o desenvolvimento da matemática e ela de nada
serviria se ficasse trancafiada a um grupo de sábios.
É importante observar a história segundo essa perspectiva porque, atualmente, ainda há controvérsias
a respeito de a quem deve ser dada a capacidade de abstração e de inferência. É a discussão que Vianna
(2003) coloca para a educação matemática:
Os professores de matemática irão se deparar com essas dificuldades de comunicação que os objetos
matemáticos colocam para sua prática. Além disso, em um primeiro momento ainda confundirão os
31
Unidade I
Por fim, vale destacar que é da civilização que se desenvolveu na Mesopotâmia o primeiro código de
leis escrito da história: o código do imperador Hamurabi. Esse código continha uma legislação sobre o
direito de propriedade, escravidão, relações familiares, religião, crimes, comércio, empréstimos a juros etc.
e era extremamente rígido. Nele, estavam previstas as punições para roubo, auxílio à fuga ou ocultação
de escravos e incesto, por exemplo.
Acredita‑se que, infelizmente, vários problemas matemáticos da época não foram registrados,
contudo, provavelmente a civilização que se desenvolveu na Mesopotâmia produziu conhecimentos
além do que podemos imaginar.
Quadro 2 – Cronologia
32
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
A atividade intelectual das civilizações do Egito e da Mesopotâmia perdeu seu ritmo bem antes da era
cristã, cedendo espaço para uma nova civilização assumir a hegemonia cultural. Segundo Struik (1997),
os novos povos que se destacavam eram os hebreus, os assírios, os fenícios e os gregos. No entanto,
como já mencionado anteriormente, o período anterior à era cristã foi marcado por um longo período
de progresso intelectual e científico. Em regiões agrícolas denominadas “berço da civilização” (Oriente
Médio, China e Egito), projetos de irrigação foram desenvolvidos e as primeiras cidades, pirâmides,
monumentos e os Jardins Suspensos da Babilônia foram construídos. Além disso, a escrita foi inventada
e desenvolveu‑se a matemática, a astrologia e a metalurgia. O sistema de tribos foi substituído por
sistemas complexos de governo, como as cidades‑estado e os pequenos impérios. Porém, como observa
Eves, as realizações culturais mais impressionantes ocorreram na Grécia, durante o período Helênico (c.
800‑336 a.C.), e na China, nos primeiros tempos do Período Clássico (c. 600‑221 a.C.).
A civilização na Grécia antiga se constituiu por volta de 2000 a.C. pela migração vinda do Egito e do
Oriente Médio, pouco depois da fundação do Império Babilônio pelos amoritas.
Eves nota que, em 300 anos, despontou na Ilha de Creta uma nova civilização, altamente avançada,
que dominava a escrita e a leitura. A localização geográfica dessa civilização foi entre os mares Egeu,
Jônico e Mediterrâneo, mas, como observa Boyer, a civilização helênica não estava só localizada ali. Em
600 a.C., colônias gregas podiam ser encontradas ao longo das margens do Mar Negro e Mediterrâneo e
foi nessas regiões afastadas que um novo impulso se manifestou na matemática. O autor constata que
os colonistas da beira‑mar, especialmente na Jônia, contavam com duas vantagens: tinham o espírito
ousado e imaginativo típico de pioneiros e estavam mais próximos dos dois principais vales de rio
dos quais podiam extrair conhecimentos. Ainda de acordo com o autor, os gregos não hesitavam em
absorver elementos de outras culturas, de outra forma, não teriam aprendido como passar tão depressa
à frente de seus predecessores imputando a tudo sua marca.
33
Unidade I
Os gregos atuais se denominam helenos em função de seus antepassados. Considera‑se que o povo
heleno, denominação dada aos cidadãos da Grécia antiga, foi aquele que construiu a base da civilização
ocidental.
Struik afirma que a Idade do Bronze foi substituída, então, pela Idade do Ferro, o que transformou a
arte da guerra, baixou os custos dos instrumentos de produção, aumentou o excedente social, estimulou
o comércio e permitiu maior participação dos cidadãos nas questões econômicas e de interesse público.
As cidades que surgiam ao longo da costa da Ásia Menor e no continente grego eram cidades comerciais,
onde os antigos proprietários de terras tinham que lutar contra uma classe de mercadores independentes
e politicamente conscientes.
Ainda segundo as afirmações de Struik, por volta de 800 a.C. começaram a surgir as “pólis”, isto é,
as cidades‑estado, delineando a vida política grega. Essa nova organização social criou um novo tipo
de homem. Os mercadores eram independentes, mas sabiam que tinham de lutar por esse estado de
coisas constantemente. Não havia lugar para uma visão estática de vida. Adicionalmente, a religião era
politeísta – os deuses possuíam características humanas – e a mitologia era muito importante para os
gregos, já que os mitos e as lendas eram usados para transmitir ensinamentos.
Embora tivessem existido várias dezenas de cidades‑estado gregas, algumas se sobressaíram. Como
ilustra Eves, sendo portos marinhos, Corinto e Argos eram cidades comerciais de grande movimento.
Situadas nas costas da Jônia (hoje Turquia), Mileto e Esmirna eram cidades‑empório importantes. Rodes,
Delfos e Samos eram comunidades ilhoas que se dedicavam à pesca e ao comércio. Siracusa era a maior
das colônias gregas, na Itália. Tebas era um grande centro agrícola e Olímpia era sede dos famosos Jogos
Olímpicos quadrienais. Porém, o autor conclui que as cidades gregas mais importantes eram Atenas
(grande centro comercial e cultural) e a militarista Esparta.
O período até 336 a.C. foi marcado por conflitos entre as cidades‑estado em virtude da escassez de
alimentos. Premido pela deficiência de condições de sobrevivência, o povo espartano se militarizou ao
máximo e travou sangrentas guerras com outras cidades‑estado. Eves afirma que o exército espartano
era temido em toda a Grécia, mas a manutenção do poderio bélico teve como consequência uma herança
intelectual praticamente nula. Atenas também passou por momentos de turbulência em decorrência da
escassez de alimentos e sofreu inclusive com uma guerra interna entre pobres e ricos. Ela só retomou o
caminho da prosperidade quando o reformador Sólon foi eleito. O novo líder alterou a forma agrícola da
região, incentivando o cultivo de oliveiras e videiras, e deu início a uma constituição bastante democrática
para o mundo antigo, apesar de, à época, mulheres e escravos serem impedidos de votar.
Contudo, um período turbulento de guerras contra a Pérsia e contra Esparta arruinou parte do
mundo grego. Uma vez enfraquecidas, as cidades gregas foram dominadas pelos macedônios e, em 336
34
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
a.C., Alexandre, o Grande (356‑323 a.C.) uniu toda a Grécia sob o Império Macedônio. Alexandre havia
sido aluno do grego Aristóteles e, por este motivo, admirava a cultura grega, que seguiu progredindo.
Nessa fase, o centro se desloca para Alexandria e a cultura grega se funde com a oriental, o que leva
a novo desenvolvimento da matemática e das ciências. Após a morte de Alexandre, o império se divide
em três partes e, no século I a.C., todas as cidades‑estado foram dominadas pelos romanos, levando a
cultura grega ao declínio.
Os gregos se destacaram na dramaturgia (como foi o caso de Sófocles (496?‑406? a.C.)), na poesia,
nas artes plásticas e na arquitetura. Segundo dados de Eves, a descrição das vitórias gregas sobre
os invasores persas feita por Heródoto (484?‑424? a.C.) e o relato da luta fratricida entre Esparta e
Atenas feito por Tucídides (460?‑400? a.C.) foram os primeiros relatos reais do mundo antigo. Eles
desenvolveram a filosofia principalmente no período clássico, sendo Platão e Sócrates os filósofos mais
conhecidos desse tempo.
A matemática grega começou a se desenvolver na Jônia, localizada na Ásia Menor, e tomou impulso
a partir dos conhecimentos e descobertas dos egípcios e dos babilônios com os quais os gregos tiveram
contato por meio de viagens. Entretanto, a grande diferença entre os gregos e esses outros povos era
que aqueles tentaram explicar os fenômenos da natureza de forma científica, sem recorrer a mitos e à
religião. A utilização do raciocínio dedutivo em matemática – o que, segundo Eves, se deve a Tales de
Mileto (640?‑564?) e Pitágoras (586?‑500 a.C.) – deu origem à criação de uma matemática organizada,
diferente daquela de caráter prático desenvolvida no Egito e na Mesopotâmia. A lógica foi sistematizada
num tratamento medicinal de Aristóteles e Hipócrates de Quio (a quem se deve o famoso juramento
médico hipocrático), que lançou os fundamentos da medicina moderna.
Portanto, em torno do século VI a.C. surgiram Tales e Pitágoras, que tiveram para a matemática a
mesma importância que Homero na história e Hesíodo na literatura, no entanto, as obras desses últimos
foram copiadas e sobreviveram, chegando aos nossos dias atuais, enquanto que as de Tales e Pitágoras
se perderam e chegaram até nós apenas pelas narrações de historiadores e matemáticos posteriores,
sendo que Tales e Pitágoras viajaram ao Egito e à Babilônia e tiveram informações diretas dos povos
dessas civilizações.
Como nos ensina a história, qualquer prática social está atrelada às múltiplas relações de poder que
perpassam, caracterizam e constituem o corpo social. Desde a época dos filósofos gregos e seus discípulos,
o ensino é um campo de experimentação para que objetos (matemáticos ou de qualquer outra área)
se transformem; novas comunicações apareçam; conceitos sejam elaborados, metamorfoseados ou
importados; e estratégias sejam modificadas frente à realidade de que os discursos que regem a educação
ou qualquer outro campo do saber são discursos de perspectivas, sejam individuais ou de grupos.
35
Unidade I
E, se esse sujeito que fala do direito (ou melhor, de seus direitos) fala da
verdade, essa verdade não é, tampouco, a verdade universal do filósofo. É
verdade que esse discurso (...) é sempre um discurso de perspectiva. Ele só
visa à totalidade entrevendo‑a, atravessando‑a de seu ponto de vista próprio.
Isso quer dizer que a verdade é uma verdade que só pode se manifestar a
partir de sua posição de combate, a partir da vitória buscada, de certo modo
no limite da própria sobrevivência do sujeito que está falando (FOUCAULT,
2000b, p. 61).
Nesse recorte, o que Foucault destaca é que a mobilidade de um sistema se dá de duas formas:
primeiramente, por meio das modificações intrínsecas aos seus elementos (no caso, dos conceitos
em matemática), já que, como a história mostra ao seu decorrer, a matemática evoluiu de puramente
utilitária para uma forma mais sistematizada e, nesse movimento, ocorreu a evolução humana de uma
espécie de capacidade natural chamada de “percepção direta do número” ou “sensação numérica” para
a “faculdade abstrata de contar”. Essas modificações internas de um domínio podem determinar novos
objetos e, dessa forma, novos edifícios teóricos podem ser construídos, possibilitando ao sujeito novas
perspectivas. E, em segundo lugar, as tendências externas e as necessidades reais de sobrevivência
modificam o que é aceito como verdade pelo sujeito. Foram as condições historicamente acumuladas
que permitiram ao período helênico grego as realizações intelectuais e as mudanças de perspectivas
individuais e coletivas.
No entanto, é interessante observar como os dois níveis propostos por Foucault não se desenvolvem
segundo uma autonomia sem limites: da diferenciação primária dos objetos da matemática à formação
das estratégias discursivas de uma sociedade existe toda uma sorte de relações. Quanto a essas questões,
Foucault (1972) não admite dúvidas:
Portanto, não se trata apenas de buscar a instância originária das relações – no caso deste texto,
as que possibilitaram o aparecimento dos objetos matemáticos –, mas sim buscar as variantes dessas
relações, ou seja, a forma como a educação é instituída pela sociedade e como, reciprocamente, atua
sobre os indivíduos, permeando as relações de poder, crenças e visões de mundo, obrigando essa
sociedade a recusar e validar qualquer explicação ou prática que negligencie as condições históricas.
Tales de Mileto
Mileto era uma cidade da Jônia, na qual Tales nasceu supostamente por volta do ano 624 a.C. No
entanto, essa é uma aproximação, pois não se tem nenhum registro que ateste a veracidade desses
dados, o que existe são apenas extrapolações ligadas a fatos contados sobre sua vida como, por exemplo,
o fato de que ele teria previsto o eclipse de 585 a.C. Boyer observa, contudo, que o importante é que a
36
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
opinião antiga o considera como o primeiro filósofo, matemático e astrônomo ocidental e um dos sete
sábios da Grécia histórica. Diz‑se ter sido um homem muito astuto, comerciante de sal, estadista de
visão e defensor do celibato.
Boyer ainda revela que foi atribuído a Tales o status de primeiro matemático verdadeiro por ele ser
considerado o responsável pela organização da geometria dedutiva. Tales iniciou a geometria abstrata a partir
de conhecimentos empíricos que, no entanto, já eram do domínio dos agrimensores egípcios e babilônicos.
Boyer e Eves declaram que, embora não exista comprovação histórica, atribui‑se a Tales a demonstração
dos seguintes teoremas:
C2
α
Cn
α
C1
α
A B
• Os pares de ângulos opostos formados por duas retas que se cortam são iguais.
• Se dois triângulos são tais que dois ângulos e um lado de um são iguais respectivamente a dois
ângulos e um lado de outro, então os triângulos são congruentes.
O Teorema de Tales: quando retas paralelas são cortadas por retas transversais, então as medidas dos
segmentos correspondentes determinados nas transversais são proporcionais.
37
Unidade I
Isto é: AD = AE ou AB = AC .
DB EC AD AE
Como foi dito anteriormente e como bem observa Boyer, não há documentação que prove tais
afirmações. O que chegou até nós foi escrito por Proclus, que viveu de 410 d.C. a 485 d.C. Segundo este
autor, Tales foi ao Egito e lá aprendeu diversas proposições e, de volta à Grécia, instruiu seus sucessores
sobre elas. Proclus atribui a Tales o enunciado dos teoremas.
Conta‑se ainda que Tales tornou‑se famoso por divulgar um método de cálculo da altura de uma
pirâmide a partir do comprimento de sua sombra. Ao colocar um bastão de altura A perpendicular ao
solo e observar sua sombra B, temos que os triângulos de base C e altura D e o outro de base B e altura A
(vide figura) são semelhantes, então D = C . Logo, para conhecer a medida da altura D de uma pirâmide,
A B
basta conhecer as medidas A do bastão, B da sombra do bastão e a medida C constituída pela sombra da
pirâmide mais a metade da medida da aresta de sua base. A altura será então: D = A.C
B
A
B C
Figura 22 – Ilustração do teorema geométrico atribuído a Tales
38
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Pitágoras de Samos
Enquanto Tales foi um homem prático e de negócios, como afirma Boyer, Pitágoras foi um profeta e um
místico. Há relatos de que ele nasceu na ilha de Samos, no mar Egeu, tendo vivido aproximadamente de 571 a
500 a.C. Ele é historicamente uma figura imprecisa, pois sua vida está envolta em muita fantasia, uma vez que
não existem escritos próprios de Pitágoras que tenham chegado até nossos dias. Os registros históricos que
temos sobre ele são todos de fontes muito posteriores à sua existência. Uma das primeiras menções históricas
a Pitágoras vem de um grego chamado Filolau e foram escritas quase 100 anos depois de sua morte.
Conta‑se que, assim como muitos dos filósofos gregos, Pitágoras também viajou pela Ásia Menor
e pelo Egito e lá assimilou informações de matemática e de astronomia. Alguns autores afirmam que
ele foi discípulo de Tales, mas, como observa Boyer, possivelmente as semelhanças que existem entre
as obras dos dois sejam decorrentes das viagens que este engendrou durante a vida, uma vez que há
uma diferença de meio século entre suas idades. Quando Pitágoras retornou de suas viagens a Samos,
o poder local estava nas mãos do tirano Polícrates, o que o levou a migrar para o porto marítimo de
Crotona, que era uma colônia grega na península itálica. Ali, de acordo com Eves, ele fundou a famosa
Escola Pitagórica que, além de ser centro de estudo de filosofia, matemática e ciências naturais, era
também uma irmandade estreitamente unida por ritos secretos e cerimônias.
A reprodução da obra de arte acima é interessante porque, como aponta Eves, uma das características
da escola pitagórica era a suposição de que a causa última das várias características do homem e da
matéria são os números inteiros, o que levava a uma exaltação ao estudo das propriedades dos números
e da aritmética, junto com a geometria, a música e a astronomia. No entanto, como indica Boyer,
observa‑se também na obra de arte a existência de vegetais, uma alusão ao fato de que o vegetarianismo
era imposto aos seus membros, aparentemente porque a ordem acreditava na doutrina da metempsicose,
ou transmigração de almas, e, portanto, matar um animal poderia representar para um amigo falecido
perder sua nova morada.
39
Unidade I
Num certo sentido, a Escola Pitagórica foi a primeira universidade do mundo ocidental. Ela era organizada
na forma de irmandade religiosa e intelectual secreta, com centenas de alunos, e usava o pentagrama como
símbolo. Seus membros acreditavam na purificação da mente pelo estudo de geometria, aritmética, música
e astronomia. Eves informa que esse grupo de matérias ficou conhecido na Idade Média como quadrivium,
ao qual se acrescentava o trivium, formado de gramática, lógica e retória. Os ensinamentos da escola eram
inteiramente orais e as descobertas eram atribuídas ao fundador. Portanto, não se sabe ao certo o que de
fato se pode atribuir ao próprio Pitágoras em relação ao conhecimento produzido.
Muitas civilizações primitivas partilhavam de várias crenças sobre numerologia e, atualmente, tais
preceitos ainda se encontram em certas comunidades místicas. No entanto, por mais que a numerologia
não seja uma criação dos pitagóricos, sua adoração aos números mostra aspectos de abstração como,
por exemplo, a veneração ao número dez não estar ligada à anatomia de mãos e pés humanos. Boyer
faz um relato sobre o pensamento místico que direcionava a escola pitagórica:
O número um, diziam eles, é o gerador dos números e o número da razão; o dois
é o primeiro número par, ou feminino, o número da opinião; três é o primeiro
número masculino verdadeiro, o da harmonia, sendo composto da unidade e
da diversidade; quatro é o número da justiça ou retribuição indicando o ajuste
de contas; cinco é o número do casamento, união dos primeiros números
verdadeiros feminino e masculino; e seis é o número da criação. Cada número
por sua vez tinha atributos peculiares. O mais sagrado era o dez ou o tetractys,
pois representava o número do universo, inclusive a soma de todas as possíveis
dimensões geométricas. Um ponto gera as dimensões, dois pontos determinam
uma reta de dimensão um, três pontos não alinhados determinam um triângulo
com área de dimensão dois e quatro pontos não coplanares determinam um
tetraedro com volume de dimensão três; a soma dos números que representam
todas as dimensões é, portanto, o adorado número dez (BOYER, 2003, p. 36).
Observação
Apesar do misticismo e religiosidade, os pitagóricos eram grandes matemáticos. Eves observa que
parece haver uma concordância universal de que os números figurados se originaram com os pitagóricos.
São exemplos de classificações numéricas interessantes os números triangulares, os números quadrados
e os números perfeitos.
40
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
T1 = 1
T2 = 2 + 1 = 3
T3 = 3 + (2 + 1) = 6
T4 = 4 + (3 + 2 + 1) = 10
n(n + 1) n(n + 1)
Tn = Tn−1 + n = (1 + 2 + 3 + ... + n) + n = Tn =
2 2
Q1 = 1 Q2 = 4 Q3 = 9 Q4 = 16
Seja Qn o n‑ésimo número quadrado. Então, Qn = n2
Assim, podemos determinar uma relação entre os números triangulares e os números quadrados. A
soma de dois números triangulares consecutivos formam um número quadrado:
T2 + T1 = Q2; T3 + T2 = Q3; T4 + T3 = Q4
Ou seja: Qn = Tn + Tn − 1 = n + 2Tn – 1
Os números perfeitos são aqueles cuja soma dos divisores (excetuando‑se ele próprio) é o próprio
número. Exemplos: O numero 6 é um número perfeito pois seus divisores são: 1,2,3 e 6. Então,excetuando‑se
o 6 temos a soma dos divisores é 1 + 2 + 3 = 6.
Proporções
De acordo com Boyer (2003), é possível que Pitágoras tenha conhecido na Mesopotâmia as três médias: a
aritmética, a geométrica e a subcontrária (posteriormente denominada harmônica) e, ainda, a proporção áurea,
que relaciona duas delas: “o primeiro de dois números está para a sua média aritmética como a média harmônica
está para o segundo” (Ibidem, p. 38). Acredita‑se que os pitagóricos expandiram esse conhecimento posteriormente,
mas não é possível precisar a data de listagem das dez possibilidades de médias, como apresentado a seguir.
41
Unidade I
Se b é a média de a e c, sendo a menor do que c, então as três quantidades estão relacionadas por
uma das equações:
Saiba mais
A proporção áurea demonstra que “o primeiro de dois números está para a sua média aritmética
como a média harmônica está para o segundo” número, usando uma notação moderna que pode ser
escrita como:
A C B
a-x
AB BC
Sendo: =
BC AC
a x a− x x
Ou, de forma equivalente: = ou =
x a− x x a
Essa proporção se mostrou de grande utilidade em estudos arquitetônicos e artísticos. Daí, é interessante
se definir conceitos derivados dela que foram utilizados como parâmetros para deteminado padrão estético.
42
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
43
Unidade I
Número de ouro: também chamado de razão áurea, seção áurea ou segmento áureo. Esse número
é simbolizado pela letra f, inicial de Fídias, escultor grego que o utilizou em suas obras, ou por τ(tau). O
número de ouro é obtido da seguinte maneira: quando uma linha segmento é dividida em duas partes,
de tal modo que a razão entre o segmento inteiro e a parte maior seja igual à razão entre a parte maior
e a parte menor, essa relação é chamada relação áurea e o número obtido é o número de ouro.
m+n m
Utilizando a definição dada, temos: =
m n
Ao desmembrar a primeira parte da equação, temos:
m n m
+ =
m m n
n m
1+ = (**)
m n
m
Denominando, assim: =f
n
n 1
Obtém‑se, reciprocamente: =
m f
Ao substituir as duas últimas relações em (**), tem‑se:
1
1+ = f
f
f +1
=f
f
f + 1 = f2
f2 − f − 1 = 0
44
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
1± 5
f=
2
Ou seja, a raiz positiva é dada por:
1 + 2.23607
f=
2
f = 1618034
,
1
Ainda, quando se quer obter o segmento áureo de outro segmento dado, basta multiplicá‑lo por
f
e, quando se quer obter um segmento AB onde é conhecido o segmento áureo, basta multiplicar AB por
f = 1,618034 (número de ouro).
Saiba mais
Teorema de Pitágoras
Eves afirma que credita‑se à Escola Pitagórica a demonstração de um dos mais famosos teoremas
da matemática, que ficou conhecido como O teorema de Pitágoras e demonstra que “num triângulo
retângulo, o quadrado sobre a hipotenusa é igual a soma dos quadrados sobre os catetos”. Esse teorema
já era conhecido pelos babilônios há mais de um século, mas sua primeira demonstração geral pode ter
sido dada por Pitágoras. Muitas conjecturas têm sido feitas a respeito do encaminhamento dado por
Pitágoras ao teorema, porém, a mais provável é a demonstração por decomposição, como ilustrado na
figura a seguir:
45
Unidade I
b a a b
c c
a b b b
b2
c2
b c c a a a2 a
a b a b
Observação
De acordo com Eves, o problema de encontrar inteiros a, b e c que possam representar os catetos e
a hipotenusa de um triângulo retângulo está estreitamente ligado ao teorema de Pitágoras. Ternos de
números dessa espécie são chamados de ternos pitagóricos. No entanto, o estudo da tábula Plimpton
322 mostra evidências razoáveis de que os babilônios antigos sabiam como calcular esses ternos.
A figura a seguir é interessante porque mostra uma fotografia do fragmento YBC 7289 (c. 1800‑1600
a.C.), no qual se percebe um estudo babilônico sobre relações em um triângulos isósceles, o que
4
Eves informa que o Sumário Eudemiano consiste nas páginas de abertura do Comentário sobre Euclides, Livro I, de
Proclo, e é um breve resumo do desenvolvimento da geometria grega desde seus primeiros tempos até Euclides.
46
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
posteriormente levou os pitagóricos ao problema da raiz quadrada de dois. O fragmento original está na
Babilônia Yale Collection.
Para os pitagóricos, o número era algo perfeito, assim, só admitiam números racionais. Estranhamente, na
aplicação do teorema de Pitágoras em um triângulo de catetos valendo 1, surge a necessidade de um número
que, ao ser elevado ao quadrado, fosse igual a 2. Esse número não é racional, o que levou a um grande problema
conceitual para os pitagóricos, que consideravam que tudo dependia dos números inteiros. Além disso, Eves
observa que, na definição pitagórica de proporção – em sua teoria geral das figuras semelhantes e assumindo
como comensuráveis duas grandezas quaisquer similares –, o resultado esperado só poderia ser uma grandeza
comensurável. Por muito tempo a descoberta de números irracionais se limitou a raiz de 2, no tanto, mais tarde
Platão e Teodoro de Cirene (c. 425 a.C.) descobriram muitos outros números irracionais em situações semelhantes,
isto é, para o cálculo da hipotenusa de um triângulo retângulo de catetos 2 e 1, surge o 5 e, para o cálculo da
hipotenusa de um triângulo retângulo de catetos 3 e 1, surge o 10 e assim por diante.
Eves conclui que o problema criado para a ideia de proporção foi resolvido por Eudoxo, discípulo de Platão
e do pitagórico Arquitas, através de uma nova definição. O tratamento por Eudoxo dado aos incomensuráveis
coincide com a exposição moderna dos números irracionais feita por Dedekind, em 1872.
Aritmética e logística
Observação
47
Unidade I
No entanto, o que não se discute é que os povos da antiguidade evitavam o uso excessivo de frações,
uma vez que o ábaco podia ser facilmente adaptado a qualquer sistema de numeração ou qualquer
combinação de sistemas. Essas técnicas eram atribuídas a uma disciplina denominada logística. Boyer
ainda observa que os pitagóricos não se preocupavam com a enumeração das coisas, tarefa esta atribuída
à logística. Para eles, o importante era a essência e as propriedades do número em si – disciplina que
denominavam aritmética, o que atualmente corresponderia à teoria dos números.
Observação
A Escola Pitagórica ensejou forte influência na poderosa habilidade de Euclides, Arquimedes e Platão,
na antiga era cristã, na Idade Média, na Renascença e até em nossos dias, com o Neopitagorismo.
Introdução e posterior desenvolvimento significativos da geometria dedutiva Thales (600 a.C); Pitágoras (540 a.C.)
Início da teoria dos números (Escola Pitagórica) 540 a.C.
Descoberta das grandezas incomensuráveis (Escola Pitagórica) 540 a.C.
A Idade Heroica
Como afirma Boyer e como já mencionado anteriormente, praticamente não existem documentos
comprobatórios das atividades matemáticas entre os gregos até o século V a.C. Toda a história dessa
época se baseia em narrações fragmentárias e elaboradas nos séculos seguintes. Entretanto, o autor
assegura que, durante a segunda metade do quinto século, uma série de matemáticos esteve envolvida
com problemas que constituíram a base dos desenvolvimentos posteriores em geometria. Daí essa
era ser denominada de Idade Heroica da matemática. As mudanças fundamentais por que passou a
matemática pouco antes do século 400 a.C. podem ser resumidas da seguinte forma:
Sócrates
Boyer coloca que a influência de Sócrates na matemática foi ínfima, pois ele considerava que nem
a matemática nem a ciência poderiam satisfazer seu desejo de conhecer as coisas. Sócrates morreu
no início do quarto século a.C., mas Platão, seu discípulo e admirador, tornou‑se inspiração para a
matemática do século IV a.C.
Platão
Ao fim de 431 a.C., com o início da guerra do Peloponeso entre Atenas e Esparta, pouco se fez em
temos de desenvolvimento matemático. Platão nasceu em torno de 427 a.C., o ano da grande peste
que matou quase um quarto da população de Atenas. Segundo informações de Eves, Platão estudou
filosofia com Sócrates, matemática com Teodoro de Cirene nas costas da África e tornou‑se amigo
íntimo de Arquitas. Fundou em Atenas sua famosa academia, responsável por quase todos os trabalhos
importantes do século IV a.C. e pelo elo de ligação da matemática dos pitagóricos mais antigos com a
posterior e duradora Escola de Alexandria.
Eves nota que a importância de Platão está menos em descobertas matemáticas e mais em sua
convicção de que o estudo da matemática fornecia o mais refinado treinamento do espírito. Foi por
intermédio de Platão e Aristóteles que se soube o que ocorreu na Idade Heroica grega. Amante da
matemática, Platão escreveu na porta de sua academia: “aqui não adentrem aqueles não versados
em geometria”. Alguns veem nos diálogos de Platão a primeira tentativa séria de uma filosofia da
matemática.
Platão estudou os poliedros regulares, que eram associados aos quatro elementos de um sistema
cósmico (tetraedro tendo origem no fogo; o cubo, na Terra; o octaedro, no ar; e o icosaedro, na água), que
fascinou os homens por séculos. A admiração dos pitagóricos pelo dodecaedro levou‑os a considerá‑lo
o quinto e último sólido regular como símbolo do universo.
49
Unidade I
Em geral, os matemáticos importantes que viveram nessa época se relacionaram com a Academia
de Platão.
Eudoxo de Cnido
Eudoxo viveu de 408 a.C. a 355 a.C. Nasceu em Cnidos, na Península Resadiye, na Ásia Menor – onde
hoje é a Turquia – e foi discípulo de Platão. Ele foi astrônomo, matemático e também filósofo, o que
era comum para os sábios daquela época. Para adquirir conhecimentos, Eudoxo viajou para estudar
com mestres famosos: foi a Tarento aprender matemática e astronomia com Arquitas (discípulo de
Pitágoras), à Sicília estudar medicina com Filiston e, em seguida, foi à Atenas assistir aos debates de
filosofia na Academia de Platão.
Segundo Boyer, suas maiores contribuições na matemática são: a teoria das proporções e o método
de exaustão. Até o aparecimento de Eudoxo, não havia uma definição para os números irracionais.
Os irracionais são números tais como 52 , por exemplo, que não podem ser escritos a partir da razão
entre dois números inteiros. Isso foi um transtorno no que diz respeito às proporções, que eram dadas
apenas para razões de números inteiros e não se podia explicar, por exemplo, a razão entre a diagonal e
o lado do quadrado. A partir do estabelecimento dos irracionais, torna‑se possível comparar quaisquer
comprimentos.
Boyer ainda indica que os matemáticos gregos sabiam inscrever e circunscrever poligonais em
curvas, mas não tiraram nenhuma conclusão sobre elas, pois não tinham o conceito de limite. Segundo
Arquimedes, Eudoxo introduziu o Axioma de Arquimedes, que serviu de base para o chamado método
da exaustão, o equivalente grego do cálculo integral. O axioma estabelece que dadas duas grandezas,
pode‑se achar um múltiplo de uma que excede a outra. A base do método é a seguinte propriedade: se
subtrai‑se de uma grandeza uma parte não menor que a sua metade e assim por diante, restará uma
grandeza menor que qualquer grandeza dada da mesma espécie.
Eratóstenes de Sirene
Natural da colônia grega de Sirene, Eratóstenes viveu de 276 a.C. a 194 a.C. Desde jovem, revelou‑se
um prodígio e teve a oportunidade de estudar com os maiores mestres da época. Sua formação
em matemática se deu na linha pitagórica, a mais avançada de seu tempo. Escreveu trabalhos em
astronomia e matemática, além de se interessar por gramática, poesia, filosofia, história e geografia.
Na astronomia, acreditava que a Terra era esférica, solta no espaço e girava ao redor de um centro de
fogo junto com outros corpos celestes. Suas principais contribuições foram: o cálculo do comprimento
da Terra e um método para o cálculo dos números naturais primos, que ficou conhecido como Crivo
de Eratóstenes.
Eratóstenes calculou a circunferência da terra chegando a uma medida que corresponde a 40.000
km, valor que está muito próximo ao atual, o que é surpreendente para um cálculo tão antigo.
50
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
• No solstício de verão em Assuan, uma vareta fincada no solo não fazia sombra ao meio‑dia.
Utilizando uma vareta cravada verticalmente em Alexandria no mesmo dia e horário do solstício de
verão em Assuan, podia‑se calcular o ângulo formado entre a vareta e sua sombra.
7012’
Vareta
Sombra
Relacionando esses tamanhos, Eratóstenes chegou ao ângulo de 7º12’, provavelmente com o uso da
cotangente.
Alexandria
C Assuan
^b Raios solares
Considerando:
• C: o centro da Terra.
• ^b : ângulo com vértice C e lados formados pelos prolongamentos das varetas cravadas
verticalmente em Alexandria e Assuan.
51
Unidade I
Os raios do sol são aproximadamente paralelos, então â e ^b são ângulos alternos internos e concluímos
portanto que â = ^b = 7012.
7012 → 793km
3600 → x
3600.793
Logo: x = = 50.793 = 39650 km
7012’
Então, a circunferência da Terra é de aproximadamente 40.000 km e seu raio é de 6.310 km. Na
unidade de medida da época:
1º passo: colocar em ordem crescente os números inteiros até o valor limite estabelecido. Por
exemplo, quanto ao número 33:
2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33.
3º passo: eliminar todos os múltiplos de 2, 3, 4, e 5, isto é, de todos os números naturais até a raiz
quadrada do valor limite.
Temos, então, que os números primos até 33 são: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29 e 31.
Com a inesperada morte de Alexandre, em 323 a.C., seu império foi repartido entre seus
generais. A época posterior a Alexandre é chamada de Civilização Grega Helenística ou
Alexandrina.
Euclides de Alexandria
Conforme mencionado, depois da morte de Alexandre Magno, seu império foi dividido entre
seus lideres militares, dentre eles Ptolomeu I, que ficou com o controle da parte egípcia do Império.
52
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Assim, por volta de 306 a.C., o Egito tinha Alexandria como sua capital. Segundo Boyer, foi criada
nela uma famosa escola conhecida como Museu e os homens sábios da época eram atraídos para
ela. Vieram de Atenas os homens de maior talento e o grego Euclides foi convidado para chefiar
o departamento de matemática. Pouco se sabe a respeito de sua vida e presume‑se que tenha
estudado com Platão ou pelo menos na Academia. Euclides de Alexandria foi autor da obra Os
Elementos, da qual infelizmente apenas a metade resistiu ao tempo e chegou até os nossos dias.
Nessa obra, ele sistematizou conhecimentos acumulados por seu povo nos séculos anteriores,
além de diversos teoremas que ele mesmo demonstrou. No entanto, com exceção de A esfera de
Autólico, só sobreviveram os livros relacionados aos mais antigos tratados gregos. Muito do que o
próprio Euclides escreveu, inclusive algumas de suas obras mais importantes, como o Tratado sobre
as Cônicas, se perdeu.
Observação
Segundo Eves, nenhum trabalho, exceto a Bíblia, foi tão largamente usado e estudado e provavelmente
nenhum exerceu influência maior no pensamento científico do que o livro Os Elementos, de Euclides.
Essa obra foi copiada inúmeras vezes de forma que erros e variações acabaram sendo incorporados a ela.
Suas edições modernas se baseiam numa revisão feita por Teon de Alexandria, no século IV d.C.
Eves ainda aponta que a primeira tradução latina de Os Elementos foi em árabe. Cópias chegaram
até nós através das traduções do árabe para o latim, no século XII, e para o inglês, no século XVI. Esse
livro não tratava apenas de geometria. Ele é composto por 465 proposições, distribuídas em 13 livros.
Das obras de Euclides, apenas cinco foram preservadas: Óptica (sobre a visão), Os Fenômenos (sobre
astronomia), Divisão das Figuras (sobre figuras planas), Os Dados (uma espécie de manual de tabelas) e
Os Elementos (sobre aritmética, geometria e álgebra).
Por meio dos relatos de Proclus, tomamos conhecimento de que Euclides compilou em Os Elementos
muitas das proposições de Eudoxo. Os 13 livros de Os Elementos são capítulos na verdade, uma vez que foram
escritos à mão em pergaminho. Nele, há 465 proposições organizadas numa dedução lógica dos teoremas,
definições, axiomas e postulados. Os seis primeiros livros são sobre geometria elementar, os três seguintes são
sobre a teoria dos números, o décimo é sobre grandezas irracionais e os três últimos são sobre geometria.
A respeito do conteúdo de cada livro de Os Elementos, Eves comenta: no livro I estão definições, axiomas
e postulados; congruência de triângulos; teoria das paralelas; relações entre áreas de paralelogramos,
triângulos e quadrados. Contém também o teorema de Pitágoras e resume os conhecimentos da escola
pitagórica. O livro II possui 14 proposições de transformações de áreas e álgebra geométrica pitagórica. O
53
Unidade I
livro III tem 39 proposições, apresentando teoremas sobre ângulos, círculos, cordas, secantes e tangentes.
O livro IV apresenta as construções de polígonos regulares inscritos e circunscritos num círculo. O livro V
apresenta a teoria das proporções de Eudoxo. O livro VI apresenta aplicações das proporções eudoxianas
à geometria plana. Os livros VII, VIII e IX tratam da teoria elementar dos números e o livro X enfoca as
grandezas irracionais e é, para muitos especialistas, o livro mais notável da obra. Os três últimos livros
(XI, XII e XIII) versam sobre geometria espacial.
Para Eves, apesar da grande importância do conteúdo, o que Os Elementos apresentam de mais
importante talvez seja a maneira formal segundo a qual ele é apresentado. Essa obra pode ser considerada
como um protótipo da forma matemática moderna. Para demonstrar as leis, Euclides definiu premissas,
verdades absolutas e inquestionáveis da matemática, para que, a partir delas, se estabelecessem conclusões.
A este grupo de normas foi dado o nome de postulados ou axiomas, e as leis que deveriam ser provadas a
partir deles foram chamadas de proposições. O autor ainda acrescenta que uma consequência relativamente
moderna desse estudo foi a criação de um campo de estudos denominado axiomática, dedicado ao exame
das propriedades gerais dos conjuntos de postulados e do raciocínio postulacional.
De acordo com Struik (1997), o raciocínio algébrico de Euclides era totalmente expresso numa forma
geométrica. A expressão A era definida como sendo o lado de um quadrado de área A e o produto a.b
era definido como sendo a área de um retângulo de lados a e b. As equações lineares e quadráticas eram
resolvidas por construções geométricas, através do método aplicação de áreas.
Observação
• Uma linha reta pode ser traçada de um ponto a qualquer outro ponto.
• Qualquer segmento finito de reta pode ser prolongado indefinidamente para constituir uma reta.
• Dados um ponto qualquer e uma distância qualquer, pode‑se traçar um círculo de centro
naquele ponto e raio igual à distância dada.
• Se uma reta cortar duas outras retas de modo que a soma dos dois ângulos interiores de um
mesmo lado seja menor que dois ângulos retos, então as duas outras retas quando suficientemente
prolongadas se cruzam do lado da primeira reta em que se acham os dois ângulos.
54
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Além dos cinco postulados, Euclides define os seguintes axiomas (adaptado de BOYER, 2003, p.73):
• Se quantias iguais forem subtraídas das mesmas quantias, os restos serão iguais.
Os axiomas se diferenciam dos postulados por tratarem de comparação entre grandezas, enquanto
que os postulados tratam especificamente de questões geométricas.
A partir desses cinco axiomas e desses cinco postulados, Euclides demonstrou todas as proposições
geométricas.
Na história da matemática, existem alguns problemas que se tornam famosos por merecerem
a atenção da comunidade matemática por longos períodos de tempo. Esse é o caso dos problemas
clássicos da geometria grega.
Eles são problemas sobre construções geométricas com régua e compasso. São eles: a quadratura do
circulo, a duplicação do cubo e a trissecção do ângulo.
55
Unidade I
A essa altura do texto, o aluno deve estar perplexo com a falta de exatidão da história da matemática.
Fragmentária e caótica, ela é feita de retalhos do passado que foram preservados em pedaços de argila,
papiros e bambus e, em sua maior parte, foram preservados através de inferências a partir do material
existente. Este é um aspecto importante em relação a essa faceta do trabalho dos historiadores e não
somente daqueles preocupados com a história da matemática.
O tempo na história não é um continuum, uma vez que as informações se perdem ou são distorcidas.
Portanto, só resta aos historiadores buscar desvendar os tipos de racionalidade implicadas em certo
processo. Essa racionalidade pode estar presente nas dispersões de elementos, com suas lacunas, falhas,
misturas, incompatibilidades, superposições, conversões e substituições. É um processo que procura
definir e descobrir como certos discursos são instituídos sob as formas do justo e ordená‑los tal como
são impostos e admitidos em seus mecanismos institucionais.
Assim, conforme a opção do escritor, a história da matemática pode ser organizada de forma a
perpetuar práticas como, por exemplo, a predominância de uma postura internalista que, malgrado os dados
alarmantes de pesquisas institucionais demonstrarem não dar conta da aprendizagem em matemática,
apoia uma resistência sistemática a qualquer tentativa de implementar novas abordagens provenientes
de concepções alternativas. Porém, é justamente a diferença das instituições e das inserções na cultura
que talvez permitam a visualização de perspectivas novas para o ensino, isso a partir do entendimento de
práticas dominantes e da razão de se mostrarem assim: naturais, eternas, inquestionáveis e aceitas sem
maiores suspeitas. É nas diferenças que se notam mais claramente os jogos de relações que influem nas
perspectivas educacionais de cada instituição de ensino e de cada professor.
Outro aspecto interessante da escrita da história que se mostra com muita ênfase na história
da matemática é o papel da memória coletiva. Segundo Le Goff (2003), o que sobrevive não é o
conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no
desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer por aqueles que se dedicam à ciência do
passado e do tempo que passa, ou seja, os historiadores.
Já foi esclarecido anteriormente que muito do que se sabe, por exemplo, da escola pitagórica é fruto
de relatos posteriores aos fatos que podem ter sido deliberadamente atribuídos ao fundador da escola
e aos seus primeiros seguidores. Como observa Le Goff, os materiais da memória têm sido apresentados
pela história sob duas formas: os monumentos, herança do passado; e os documentos, escolha do
historiador. Historicamente, o monumento tem conotação de perpetuação e muito raramente é
relacionado a documentos escritos:
A palavra latina monumentum remete para a raiz indo‑europeia men, que exprime
uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (menini). O verbo monere
56
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
O uso da palavra “monumento” abarca dois sentidos: a perpetuação voluntária ou involuntária das
sociedades históricas e a recordação. No entanto, a perpetuação da memória não consiste apenas em
recordar algo do passado, mas tem também a função de “instruir”, tal como as obras comemorativas
cuja função é relembrar o passado de acordo com uma imagem que a sociedade tinha de si própria. O
interesse de quem fez as obras está no futuro (em se tratando de obras humanas, o interesse reside na
formação ou manipulação das opiniões das gerações vindouras). Logo, uma das tarefas de quem está de
posse de um documento histórico é justamente desmontar, demolir possíveis montagens, desestruturar
essa construção e analisar suas condições de produção.
Observe a figura seguinte e verifique que a constituição de monumentos pode ter diversas formas:
Nesse quadro, de autor desconhecido e exposto no Museu e Galeria de Capodimonte, alguns elementos
constituem o ambiente para o retrato do frei Luca Pacioli (1495). Nele, Pacioli está em pé, atrás de uma mesa,
vestindo o hábito de um franciscano. Ele faz uma construção sobre uma placa na qual o nome de Euclides
está escrito na borda. Sua mão esquerda repousa sobre uma página de um livro aberto. Esse livro pode ser sua
Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalità ou uma cópia de Os Elementos, de Euclides.
57
Unidade I
Na mesa, foram alocados instrumentos de um matemático: uma esponja, um transferidor, uma caneta, um
compasso, um pedaço de giz e bússolas. No canto direito, há um dodecaedro sobre um livro com as iniciais
de Pacioli. Na extremidade superior esquerda do quadro há um Rombicuboctaedro, um sólido de Arquimedes
constituído de 18 quadrados e oito triângulos. A identidade do jovem à sua direita é incerta.
Uma possibilidade de entendimento da obra é a de que, ao fazer uso de vários elementos que
remetem a um determinado período da história da matemática, o artista buscou propiciar a quem
observa o quadro uma atmosfera própria da época ou, talvez, a de um ambiente solene próprio ao
estudo de algo ainda misterioso para o período.
Agora, reflita: quais seriam as percepções que a obra lhe proporciona, face o que foi desenvolvido
sobre a história da matemática até este momento?
A quadratura do círculo
Segundo Eves, provavelmente nenhum outro problema exerceu um fascínio maior ou mais duradouro
do que o de construir um quadrado de área igual à área de um círculo dado utilizando apenas régua não
graduada e compasso.
O teórico afirma que os egípcios deram uma solução para o problema em 1800 a.C., ao considerar o
lado do quadrado como 8/9 do círculo dado. Muitos matemáticos têm se envolvido com esse problema,
sendo que o primeiro grego conhecido a se interessar por ele foi Anaxágoras (c. 499 a.C a c. 427 a.C.),
entretanto, não se conhece o seu estudo. Hípias de Elis (c. 425 a.C.) inventou uma curva denominada
quadratriz que foi utilizada tanto para a resolução da quadratura quanto para trisseccionar ângulos.
Mas, ao que parece, Hípias de Elis utilizou a quadratriz para a trissecção de ângulos e um geômetra
posterior, Dinostrato (c. 350 a.C.), se valeu dela para a quadradura.
Eves ainda afirma que é possível obter uma solução elegante para o problema da quadradura com a
espiral de Arquimedes (c. 225 a.C.), que foi construída por ele com essa finalidade.
A trissecção do ângulo
Na Grécia antiga, era conhecido o processo de construção da bissetriz de um ângulo qualquer AÔB. Para
isso, basta construir uma circunferência de centro O, coincidente com o vértice do ângulo do qual se quer obter
a bissetriz; em seguida, constrói‑se duas circunferências de mesmo raio centradas nos pontos de intersecção
da circunferência anterior com os lados do ângulo (pontos A e B). A intersecção das duas circunferências é
o ponto C. A semirreta com origem no vértice do ângulo e que passa por C divide o ângulo dado em dois
ângulos com a mesma medida. O almejado é obter as trissecções com os equipamentos euclidianos.
58
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
s
F
B
H
E
G
D O A r
Demais processos particulares, tais como para se saber o ângulo reto, eram conhecidos, porém,
não se sabia de um processo geral. Hoje em dia, tem‑se conhecimento de que não existe solução geral
apenas usando régua e compasso. No entanto, alguns processos aproximados e soluções como a de
Arquimedes, usando a régua graduada, apareceram na história, além de que foram inventadas tentativas
de soluções por meio de curvas.
Saiba mais
A duplicação do cubo
Esse problema se diferencia dos demais por ser de geometria espacial, enquanto os outros dois são
de geometria plana. Ele consiste em construir um cubo com o dobro de volume de um primeiro cubo
dado, utilizando para isso a régua não graduada e o compasso.
Segundo Eves, existem várias histórias que contam a origem desse problema. Uma das versões pode
ter surgido com o relato de um poeta sobre a insatisfação do mítico rei Minos com o tamanho do túmulo
erguido para seu filho Glauco. Como o poeta era ignorante em matemática, ele introduziu o erro de
sugerir que, para dobrar o tamanho do túmulo, o rei teria ordenado dobrar as arestas. Conta‑se também
que, posteriormente, uma peste havia afetado a cidade de Atenas e os habitantes teriam ido até o oráculo
da Ilha de Delfos, o mais famoso da Grécia e consagrado ao deus Apolo, em busca de auxílio. O oráculo
orientou‑os para que um altar igual ao dobro do já existente e também em formato cúbico fosse erguido,
para que assim se cessasse a peste. O problema, denominado problema deliano – em decorrência desta
última versão –, foi supostamente encaminhado a Platão, que o submeteu aos geômetras.
59
Unidade I
Hipócrates de Chios foi o primeiro a tentar resolver o problema algum tempo depois de seu
surgimento. Sua ideia foi calcular duas médias proporcionais entre os segmentos de comprimento a e
2a, isto é, achar x e y, tal que: a = x = y .
x y 2a
Dessas proporções, resulta:
x2 = ay
y2 = 2ax
x2
y=
a
2
x2
= 2ax
a
x4
= 2ax
a2
x 3 = 2a3
x = a3 2
Eves ainda indica que Arquitas (c. 400 a.C.) apresentou uma solução para o problema, que envolvia
um cilindro circular reto, um toro de diâmetro interior zero e um cone circular reto. O autor aponta que
é interessante observar a extensão que a geometria teria atingido nesses tempos remotos, já que vários
outros estudiosos apresentaram soluções diversas para o problema.
Arquimedes
Figura 31–Alavanca de Arquimedes. Ilustração baseada em sua afirmação de que, com uma alavanca e um ponto de apoio,
conseguir‑se‑ia levantar a Terra
60
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Natural da cidade grega de Siracusa, situada na Ilha da Sícilia, Arquimedes figura entre os
maiores matemáticos de todos os tempos e certamente foi o maior da Antiguidade, segundo
dados de Eves (2004). Arquimedes nasceu por volta de 287 a.C. e morreu em 212 a.C., durante
o cerco que os romanos fizeram a Siracusa. Sabe‑se muito pouco sobre sua vida, mas há a
suposição de que pode ter estudado em Alexandria com os estudantes de Euclides e, apesar
de ter vivido toda a vida em Siracusa, mantinha contato com a Universidade de Alexandria,
em particular com Cônon, Dositeo (sucessores de Euclides) e Eratóstenes (bibliotecário da
Universidade).
Apesar de seu nome estar ligado às possibilidades das alavancas, não foi ele quem formulou sua lei
geral. No entanto, a lei da alavanca até então estava baseada no argumento cinemático aristotélico.
Arquimedes propôs a lei por princípios estáticos (Lei do Equilíbrio) e a junção desse com o argumento
cinemático aristotélico produziu progressos tanto na ciência como na matemática.
A obra de Arquimedes sobre a lei da alavanca é parte de seu tratado Sobre o equilíbrio dos planos,
escrito em dois volumes. Essa obra não pode ser considerada como a mais antiga da física, uma vez
que Aristóteles, um século antes, havia publicado uma obra em oito volumes denominada Física.
Contudo, Boyer observa que Arquimedes teve o mérito de estabelecer uma relação estreita entre a
matemática e a mecânica, o que muito contribuiu para o avanço da produção de conhecimentos
em ambas as áreas.
Boyer e Eves indicam que o conhecido princípio de Arquimedes, que relaciona sólidos imersos
em água com a quantidade de líquido deslocada, é associado a histórias cômicas, embora não
muito prováveis. Pelo que consta, o rei Hierão suspeitava da honestidade de um ourives que
confeccionara uma coroa. Então, ele solicitou a Arquimedes que verificasse se não havia prata
misturada ao ouro da coroa.
Este, quando um dia se encontrava nos banhos públicos, descobriu a solução para o pedido
e estabeleceu a primeira Lei da Hidrostática: um corpo mergulhado em um fluido recebe um
empuxo de intensidade igual ao peso do volume de água deslocado. O distraído Arquimedes,
em sua excitação, esqueceu‑se de se vestir e saiu nu pelas ruas, indo para sua casa gritando
“Eureka, eureka!” (“Achei, achei!). Ele colocou a coroa em um dos pratos de uma balança e um
peso igual em ouro no outro prato. Com isso, repetiu a operação sob a água. O prato com a
coroa ergueu‑se, mostrando que ela continha algum material diferente, menos denso que o
ouro.
61
Unidade I
Como afirma Boyer, Arquimedes sempre atendia emergências mecânicas. Conta‑se que, em determinada
ocasião e a pedido do rei Hiero, ele conseguiu lançar ao mar um navio que era pesado demais com uma
combinação de alavancas e polias. Eves, por sua vez, comenta que, graças às máquinas de defesa idealizadas
por Arquimedes, a cidade de Siracusa resistiu ao cerco de Roma por quase três anos.
62
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Arquimedes tinha preferência pelo tratado Sobre a esfera e o cilindro. Nele, ele mostra que a área
de uma superfície esférica é exatamente dois terços da área da superfície total do cilindro circular reto
circunscrito a ela e que o volume da esfera é exatamente dois terços do volume do mesmo cilindro
(BOYER, 2003, p. 90 e EVES, 2004, p. 194).
A expressão “Eureka” é utilizada por diversos grupos que talvez até desconheçam a origem de seu
sentido original. É mais um dos aspectos interessantes da história:
Observe a figura abaixo no que diz respeito às condições em que a pessoa foi retratada, o ambiente
e as peças que compõem o cenário. Quais as percepções que o desenho lhe proporciona, face ao que foi
desenvolvido sobre a história da matemática até agora?
De acordo com Eves, Arquimedes escreveu dois opúsculos sobre aritmética, relacionados entre si,
mas um deles se perdeu. O trabalho que foi preservado forneceu dados sobre um novo sistema de
numeração, que objetivava números muito grandes (o fato ficou conhecido como “o contador de areia”) e,
63
Unidade I
supostamente, possibilitaria encontrar um limite superior para o número que representasse a quantidade
de grãos de areia que caberia em uma esfera de centro na Terra e raio igual à distância até o Sol. Boyer
complementa que esse trabalho que envolvia números imensos fez com que Arquimedes mencionasse,
muito incidentalmente, “o princípio que mais tarde possibilitou a invenção dos logaritmos – a adição
das “ordens” dos números (o equivalente de seus expoentes quando a base é 100.000.000) corresponde
a achar o produto dos números” (BOYER, 2003, p. 86). Eves observa que foi nesse trabalho que se tomou
conhecimento que Aristarco (c. 310‑230 a.C.) antecipou a teoria heliocêntrica de Copérnico.
Medida do círculo
Ao avaliar a razão da circunferência para o diâmetro de um círculo, Arquimedes mostrou mais uma
vez sua habilidade em computação. Boyer aponta que Arquimedes iniciou seu estudo calculando o
perímetro de um hexágono regular inscrito e foi dobrando sucessivamente a quantidade de lados até o
número de 96.
O autor conclui que a aproximação obtida por Arquimedes para o valor de π foi superior à dos
egípcios e à dos babilônios.
Invenções mecânicas
Uma das invenções mecânicas mais conhecidas é a bomba de água em parafuso, desenvolvida para
irrigar campos, drenar charcos e retirar água de porões de navios. Eves informa que o aparelho ainda é
usado atualmente no Egito.
64
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Figura 37–Utilização do parafuso de Arquimedes em uma moderna estação de bombeamento em Kinderdijk, Holanda
Em sua página na internet, o portal Conexão Tocantins veicula uma reportagem sobre os
resultados obtidos por pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá em relação às escadas
de peixes utilizadas nas usinas hidrelétricas no Brasil. Parte da reportagem está reproduzida a
seguir:
Na página on‑line chamada Jus Brasil (2009) foi veiculada a reportagem sobre o mesmo assunto.
Parte dela está reproduzida a seguir:
A fotografia abaixo retrata uma escada para peixes. Quais as percepções que o desenho lhe proporciona
e como poderia ser feito um trabalho com alunos do ensino médio, integrando as diversas temáticas
(tecnologia, história da matemática e meio ambiente) de forma a mediar o trabalho estudantil?
66
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Observação
O Método
Segundo Boyer, um dos aspectos impressionantes da proveniência das obras de Arquimedes está
na descoberta feita no século XXI de um de seus mais importantes trabalhos, denominado por ele
simplesmente O Método e que esteve perdido até 1906. De acordo com Eves, este trabalho é uma carta
endereçada a Eratóstenes e Boyer afirma que ele é de particular importância por revelar uma faceta do
pensamento de Arquimedes não encontrada em outras obras. Eves indica ainda que Arquimedes não
considerava seu método rigoroso e, no entanto, ele estaria relacionado intimamente às ideias do cálculo
integral.
Apolônio
Eves aponta que Euclides, Arquimedes e Apolônio foram os três grandes gigantes da matemática do
século III a.C. Apolônio era cerca de 25 anos mais novo do que Arquimedes e nasceu em torno de 262 a.C.,
em Perga, sul da Ásia Menor. Quando jovem, foi para Alexandria estudar com os sucessores de Euclides.
Sua fama se deve principalmente ao trabalho Secções cônicas. A obra foi escrita em oito volumes, mas só
se tem conhecimento de sete deles, sendo os quatro primeiros em grego e os outros três em árabe.
Antes de Apolônio, os gregos tiravam as cônicas de três tipos de cones de revolução. Os nomes elipse,
parábola e hipérbole foram introduzidos pelo estudioso e foram tomados da terminologia pitagórica
antiga referente à aplicação de bases. Trata‑se de um grande tratado, mas, devido à sua extensão, ao
apuro de sua exposição e à pomposidade dos enunciados de várias proposições complexas, é penoso de
se ler, conclui Eves.
De acordo com as afirmações de Boyer, os métodos de Apolônio em seu tratado são tão semelhantes
aos modernos que, às vezes, se considera sua obra como uma geometria analítica, antecipando em
1800 anos a de Descartes. A grande desvantagem de Apolônio em relação aos inventores modernos da
geometria analítica era não dispor de uma ferramenta mais avançada do que a álgebra geométrica. A
álgebra grega, por exemplo, não englobava grandezas negativas e o sistema de coordenadas era sempre
superposto a posteriori de uma curva dada, a fim de estudar suas propriedades.
determinadas pelas curvas, mas não que curvas fossem definidas por
equações. Coordenadas, variáveis e equações eram noções subsidiárias
derivadas de uma situação geométrica específica; e infere‑se que do
ponto de vista grego não era suficiente definir curvas abstratamente
como lugares satisfazendo condições dadas sobre as coordenadas. Para
garantir que um lugar fosse realmente uma curva, os antigos achavam
que era necessário exibi‑lo estereometricamente como uma secção de
um sólido ou descrever um processo cinemático de construção (BOYER,
2003, p. 106‑107).
Boyer considera que, assim como outros ramos da matemática, a trigonometria foi obra de
muitos estudiosos e nações. Os antigos egípcios e babilônios já conheciam razões entre lados
de triângulos semelhantes. Mas foi com os gregos que apareceu pela primeira vez um estudo
sistemático de relações entre ângulos (ou arcos) num círculo e os comprimentos das cordas que o
subentendem. Na obra de Euclides não aparece trigonometria no sentido estrito da palavra, mas
há teoremas equivalentes a leis e fórmulas trigonométricas específicas. Além disso, Eves observa
que os astrônomos babilônicos dos séculos IV e V a.C. acumularam uma massa considerável de
observações que foram transmitidas para os gregos. Segundo o autor, foi essa astronomia primitiva
que deu origem à trigonometria esférica.
Aristarco de Samos
A partir da obra de Arquimedes e Plutarco que foi preservada, pode‑se aferir que Aristarco
propôs um sistema heliocêntrico, antecipando‑se a Copérnico por mais de um milênio e
meio. Entretanto, como indica Boyer, o que Aristarco escreveu a esse respeito infelizmente se
perdeu.
Hiparco de Niceia
Eves diz que provavelmente Hiparco foi o mais eminente dos astrônomos da Antiguidade. Ele viveu
em torno de 140 a.C. e suas observações mais notáveis foram feitas no observatório de Rodes, importante
centro comercial. Boyer ilustra que ele foi considerado o “pai da trigonometria” por ter compilado
presumivelmente a primeira tabela trigonométrica. Possivelmente, foi também ele que introduziu o uso
sistemático do círculo de 360º através de sua tabela de cordas. Não se sabe muito da obra de Hiparco
porque quase tudo se perdeu.
Ptolomeu
Boyer observa que a fama de Ptolomeu se deve principalmente a um único livro, o Almagesto,
ligado à astronomia. No entanto, uma obra importante é Geografia. Nela, foi desenvolvido o sistema
de latitudes e longitudes tal como é usado atualmente e ainda métodos de projeção cartográfica.
Ele escreveu também uma obra denominada Óptica, que sobreviveu a partir de uma tradução latina
68
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
de uma tradução árabe. No entanto, Ptolomeu foi o responsável pela escrita de Tetrabiblos (ou
Quadripartitum), que representa uma espécie de religião sideral, que leva a pensar que ele não era
um cientista racional e de pensamento claro. Ele parece ter compartilhado dos preconceitos de sua
época.
Resumo
Eves afirma que, entre 550 a.C. e 476 d.C., o mundo ocidental foi
dominado por uma série de grandes impérios. O Império Persa foi
conquistado por Alexandre, o Grande, em 330 a.C. No período de 323
a.C. e 31 a.C., o controle foi dividido entre três impérios gregos: Egito
ptolomaico, o reino selêucida e a Macedônia. O Império Romano
dominou durante o período de 31 a.C. e 476 d. C. Em Alexandria, Egito,
os reis gregos construíram e proveram financeiramente uma grande
universidade e a cultura avançou por cerca de 150 anos. Depois desse
período, a busca científica entrou em declínio por vários fatores: carência
de equipamentos, diminuição do apoio governamental após a conquista
do Egito por Roma em 31 a.C., uso crescente de mão de obra escrava,
interesse paralelo pela filosofia e religião e oposição da parte de alguns
líderes religiosos. Por volta de 529 d.C., a última escola grega, a Academia
de Atenas, foi desativada. Somente quase um milênio depois a ciência do
mundo ocidental voltou a florescer.
Exercícios
Questão 1. Nas épocas mais primitivas, a numeração escrita nasceu do desejo de manter
registros de gado ou outros bens com marcas ou traços em paus, pedras etc., aplicando o princípio da
correspondência biunívoca. Os sistemas de escrita numéricos mais antigos que se conhecem são os
dos egípcios e dos babilônios, que datam aproximadamente do ano 3500 a.C. Os egípcios usavam um
sistema de agrupamento simples, com base 10.
Para eles, um traço vertical valia 1; o número 10 era representado por um osso de calcanhar invertido
; o 100 por um laço e o 1000 por uma flor de lótus . Outros números eram escritos com a
combinação desses símbolos.
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Unidade I
A) 225
B) 1.111
C) 2.125
D) 2.225
E) 10.000
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: o número 225 é muito inferior ao valor que se obtém da soma dos valores numéricos
dos símbolos egípcios presentes no exemplo.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: para se obter o número 1.111 a partir dos símbolos numéricos egípcios, seria preciso
inicialmente, por exemplo, apenas uma flor de lótus. No exemplo em questão, há duas delas.
C) Alternativa correta.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: seria necessária a presença de mais um laço no exemplo para que o resultado da soma
dos valores dos símbolos fosse 2.225.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: o número 10.000 é muito superior ao valor que se obtém da soma dos valores numéricos
dos símbolos egípcios presentes no exemplo e, para fazê‑lo, seria preciso apenas enfileirar 10 flores de
lótus.
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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Questão 2. O método da falsa posição foi empregado para resolver equações lineares a partir de
um “chute inicial”. Nesse período, a incógnita x era chamada de aha e o método consistia da escolha de
um número arbitrário como valor para x. A partir desse valor, a expressão à esquerda da equação era
computada e seu resultado era comparado ao lado direito da mesma. Para finalizar, calculava‑se um fator
de correção para obter o valor correto para a incógnita x satisfazer a expressão original. O problema 25 do
papiro de Rhind, por exemplo, consiste na determinação de uma quantidade sabendo que essa quantidade
e sua metade somam 16. Com relação ao problema 25 do papiro de Rhind, pode‑se afirmar que:
A) Esse problema pode ser representado por uma equação polinomial do primeiro grau e o valor de
aha é 16.
B) Esse problema pode ser representado por uma equação polinomial do terceiro grau e o valor de
aha é 32 .
3
C) Esse problema pode ser representado por uma equação polinomial do segundo grau e o valor de
aha é 32 .
3
D) Esse problema pode ser representado por uma equação polinomial do primeiro grau e o valor de
aha é 32 .
3
E) Esse problema pode ser representado por uma equação polinomial do primeiro grau e o valor de
aha é 16.
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