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Doris Rinaldi

Joyce e Lacan:
algumas notas sobre escrita e psicanálise

Este artigo pretende trazer à discussão a importância da escrita para a experiência


psicanalítica, levando em conta que a psicanálise é essencialmente uma práxis
fundada na fala. A escrita de James Joyce fascina Lacan pelo modo como ele utiliza
a linguagem. Ao segmentar frases e quebrar palavras, o escritor irlandês apresenta
o modelo do inconsciente pensado como conjunto de letras, no qual estamos
engajados pela via do Sinthoma. No seminário que dedica a Joyce, Lacan desloca sua
concepção de sintoma, como metáfora significante que se oferece à decifração em
análise, para concebê-lo em relação ao real do inconsciente, na conjunção entre
letra e gozo. O Sinthoma, como escrita de gozo, é inalisável. O que tentamos mostrar
é como Lacan, inspirado pela escrita de Joyce, desenvolve sua escrita do nó
borromeano, apresentando-nos, através dela, o seu próprio Sinthoma, em que
sustenta o Real como sua invenção.
> Palavras-chave: Escrita, sinthoma, real, gozo
artigos > p. 74-81

This article consists of a discussion on the importance of writings for the psychoana-
lytic experience, taking into account the fact that psychoanalysis is essentially práxis
established in speech. The writing of James Joyce fascinates Lacan because of the way
the former uses language. By segmenting phrases and breaking up words, Joyce pre-
sents the model of the unconscious seen as a set of letters in which we are engaged by
the Sinthome. In his seminar on Joyce, Lacan re-locates his conception of symptom, as
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a significant metaphor offered for deciphering in analysis, in order to conceive it in


relation to the Real of the unconscious in the conjunction between letter and jouissance.
ano XIX, n. 188, dezembro/2006

The Sinthome, as writing of jouissance, is unanalyzable. We hope to show how Lacan,


inspired by Joyce’s writing, develops his writing from the Borromean knot, thus pre-
senting his readers with his own Sinthoma, where he sustains the Real as his invention.
> Key words: Written, sinthome, real, joy

*> Trabalho aceito para apresentação no Simpósio Joyce-Lacan, de 16 a 19 de junho de 2005, Castelo de
Dublin, Irlanda.

>74
Joyce é o signo do meu embaraço...
Lacan, Seminário 23. O sinthoma

O pedaço da frase proferida por Lacan na dos os seus sintomas. Ao final de O retrato
sessão de 16 de março de 1976 do Seminário de um artista quando jovem, ele acredita na
dedicado a Joyce (Lacan, 1975-1976), escolhi- “consciência incriada de sua raça” e reivin-
do como epígrafe para este trabalho, anun- dica um pai, ao dirigir uma oração ao “velho
cia a importância que ele atribui ao escritor pai, velho artífice”, pedindo que o mante-
irlandês que revolucionou a literatura, mas nha, “agora e sempre, em boa forma” (Joyce,
também o ponto em que Joyce, para Lacan, 1916, p. 263). Pedido vão porque toda sua
faz sintoma. Se o sentido do sintoma é o obra vem reafirmar a carência paterna. Em
real, enquanto aquilo que se coloca em cruz Ulisses ele busca esse pai, mas não o encon-
para impedir que as coisas andem bem, tal tra de modo algum. Leopold Bloom está de
como definido em “A terceira” (Lacan, 1974, certa forma nesse lugar, uma vez que procu-
p. 24), a arte de Joyce, com sua escrita enig- ra um filho para si, mas Stephen o descarta.
mática, fascina Lacan ao levá-lo a um pon- Stephen é o filho necessário, o que não ces-
to de embaraço, real, onde ele se defronta sa de se escrever. O romance é o testemu-
com os limites da análise. É a partir desse nho de que Joyce, ao mesmo tempo que
limite real que dá um passo a mais na teo- renega o pai, permanece enraizado nele;
ria, apresentando uma nova concepção de este é, para Lacan, o seu sintoma.
sintoma – que grafa como Sinthoma, numa Finnegans Wake é um sonho em que o so-
contração dos termos Santo homem,1 reti- nhador não é nenhum personagem em par-
rando-o da condição de metáfora significan- ticular, mas é o próprio sonho. Nele, a
te, efeito do recalque, para enraizá-lo no linguagem se compõe e se decompõe na far-
real, na conjunção entre letra e gozo. O Sin- ta produção de neologismos e a leitura tor-
thoma, tal como Joyce o apresenta de uma na-se possível somente porque se pode
forma artística, é inalisável. pressentir o gozo de quem escreveu. Vários
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De O retrato do artista quando jovem a comentadores da obra de Joyce observam


Finnegans Wake, passando por Ulisses, ro- que ele ria enquanto escrevia Finnegans
mance que marca uma virada decisiva na li- Wake. Fazendo da letra (letter) lixo (litter),2
teratura universal, a obra de Joyce se Joyce evidencia o que Lacan chama de Sin-
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mostra como uma longa fabricação de enig- thoma, não mais como algo que produz equí-
mas. Se Stephen Dedalus é seu duplo, na vocos que mobilizariam o inconsciente de
medida em que decifra seu próprio enigma, qualquer um, mas como sintoma puro eleva-
entretanto, como assinala Lacan, isso não do à potência de gozo da linguagem, o que
vai muito longe porque ele acredita em to- supõe um savoir-faire diante do qual não há

1> Também como grafia antiga.


2> Lacan trabalha sobre o deslizamento operado por Joyce, entre letter e litter, desde o texto de 1971, Li-
turaterra (2003). Sobre isso ver Martinho, J. (1986) e Laurent, E. (1986).

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nenhuma possibilidade de análise. Apesar abre os caminhos.5 É nesta perspectiva que
de jogar estritamente com a linguagem, retoma Joyce, interessado não em fazer
Joyce é, para Lacan, “não assinante do in- uma análise do conteúdo de sua obra – isto
consciente” (Lacan, 1975, p. 24). deixa ao cargo de Jacques Aubert, especia-
Como se explica, então, o interesse de La- lista em Joyce, que, a seu convite, faz uma
can por Joyce? Os detalhes biográficos, apre- longa intervenção em seu seminário – ou
sentados na conferência de abertura uma psicobiografia do autor, mas em anali-
proferida por ele no 5o Simpósio Internacio- sar a posição de Joyce em relação à escrita
nal James Joyce,3 em que se refere ao seu e a à letra.
precoce encontro com Joyce e ao fato de ter Nesse seminário, Lacan afirma que a escri-
carregado ao longo da vida os livros de ta o interessa porque, “historicamente, foi
Joyce, além dos livros sobre Joyce, dão uma por pequenos pedaços de escrita que se pe-
indicação do valor que o escritor teve para netrou no real, a saber, que se cessou de
ele, mas não são suficientes para explicar o imaginar. A escrita de letrinhas, letrinhas
fato de tê-lo tomado como objeto de traba- matemáticas, é isso que sustenta o real”
lho ao longo de todo um seminário. (Lacan, Seminário 23. O sinthoma, lição de
Joyce não falou, ele escreveu, e a psicaná- 13/1/1976). À diferença da fala que traz a
lise é essencialmente uma práxis fundada questão da verdade, do dizer verdadeiro,
na fala. Isso não significa que não se possa “quando se escreve pode-se bem tocar no
tomar textos – literários ou não – para aná- real, mas não no verdadeiro”, diz Lacan.
lise e/ou como esteio para avanços teóricos, (idem, 10/2/1972).
como fez Freud. O Presidente Schreber não A psicanálise, desde Freud, parte da suposi-
foi paciente de Freud, mas foi a análise de ção de que o inconsciente é um saber fala-
seu livro de memórias que permitiu que ele do. O inconsciente é efeito da linguagem
formulasse a noção de delírio como tentati- que no real faz furo. O ponto de partida da
va de cura, fundamental para a teoria da psicanálise é que a linguagem é habitada por
psicose. Lacan, ao fazer de alguns textos li- aquele que fala, onde os significantes, que
artigos

terários objeto de suas elucubrações,4 tomou se modulam na voz, engancham-se uns nos
o cuidado de dizer que não se tratava de outros, nos ditos e nos dizeres. É ao convi-
uma aplicação da psicanálise à arte, que dar o ser falante a dizer besteiras que a prá-
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sempre recusou, mas, inversamente, de uma tica analítica abre espaço para a emergência
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aplicação da arte à psicanálise, uma vez que de sujeito, como efeito do discurso, através
o artista sempre precede o psicanalista e lhe de um dizer verdadeiro que tem sempre um

3> Conferência dada por J. Lacan em 16 de junho de 1975, na abertura do 5o Simpósio Internacional James
Joyce, em Paris, intitulada “Joyce, O sintoma”.
4> Por exemplo: “A carta roubada” e “Juventude de Gide ou a letra e o desejo” em Escritos (1966).
5> “A única vantagem que um psicanalista tem o direito de tirar de sua posição, ainda que essa lhe tenha
sido reconhecida como tal, é a de recordar com Freud que, em sua matéria, o artista sempre o precede, e
que não há por que fazer-se psicólogo ali onde o artista lhe trilha o caminho” (Lacan, 1965, p. 8-9 apud
Regnault, 2001, p. 20).

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caráter contingente. A interpretação supõe dimensão, não exigindo necessariamente a
que o inconsciente é um saber e é esse sa- compreensão, como atesta a escrita poética.
ber que trabalha numa análise. Ainda que Lacan lamente não ter escutado
O discurso analítico, como laço social que Joyce, o seu fascínio por ele advém justa-
possibilita a elaboração do trabalho do saber mente do modo como utiliza a linguagem,
inconsciente, reserva o lugar da verdade e construindo uma escrita em que o jogo de
coloca nele a suposição de um saber como letras revela algo que é fundamental para a
interpretação. Em relação àqueles que o pro- experiência analítica, que é o lapso. Desde
curam para análise, Lacan observa que os Freud o lapso está no centro da noção de
dirige de modo a que lhes dê prazer dizer a inconsciente e, se o tomarmos como índice
verdade, como efeito da transferência. Mas do real, podemos dizer que a escrita de
adverte que a verdade se funda sempre na Joyce toca o real.
suposição do falso, na denúncia da não-ver- O interesse de Lacan pela escrita é bem an-
dade: ela é contradição e por isso só se diz tigo, como se pode ver ao longo de sua obra,
pela metade. Dessa divisão, resta alguma em que constrói diversos esquemas e grafos,
coisa impossível de dizer, real, que se apre- com farta utilização de letras. Do esquema
senta de forma enigmática. L ao grafo do desejo e, mais adiante, da ló-
Esse impossível diz respeito à não existên- gica dos quatro discursos às fórmulas quân-
cia de relação sexual, modo pelo qual defi- ticas da sexuação, sua tentativa é de, por
ne, neste momento de seu percurso, o real. meio da escrita, reduzir ao máximo o imagi-
É isto que se encontra, como enigma, no nário na transmissão da psicanálise.
centro do discurso analítico. O dizer verda- Tal interesse remonta às formulações sobre
deiro é a marca por onde escorrem os signi- o traço unário, a partir do einziger Zug for-
ficantes que contornam a impossibilidade de mulado por Freud na teoria da identifica-
se escrever a relação sexual como tal. O real ção,6 que Lacan retoma dando-lhe um caráter
só se franqueia pelo escrito, diz Lacan no estrutural, como a cifra mais simples, marca
Seminário 21, Os não tolos erram (1973-1974). primeira de surgimento do sujeito. Esta mar-
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O que isso quer dizer? O escrito, e mais ra- ca inscreve uma diferença a partir da qual o
dicalmente a letra, são também efeitos de sujeito pode se contar. Como letra, ao mes-
discurso. Estão, todavia, em outra dimensão mo tempo que representa o sujeito no seu
que o dizer, pois a letra por si só não tem nascedouro, possibilitando uma identifica-
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sentido algum. A matemática vem eviden- ção simbólica, traz a memória de um gozo
ciar isto, ao se articular numa escrita que perdido, que inaugura o processo de repeti-
está para além da linguagem corrente. O di- ção característico do movimento inconscien-
zer baseia-se na palavra, que comporta uma te na busca do objeto. Há, portanto, uma
dimensão imaginária, pois a fala tem função escrita primordial que marca o sujeito na sua
de significação; mas o escrito dispensa esta singularidade, onde se articulam letra e

6> No texto “Psicologia de grupo e análise do ego” (1921) Freud trabalha, na segunda forma de identifica-
ção, a introjeção do objeto no eu, através da identificação a um traço desse objeto (einsiger Zug).

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gozo. O sujeito “só inventa” o significante a terística dos elementos é que procedemos a
partir de “alguma coisa que já está lá para sua combinatória: real, simbólico e imaginá-
ser lida – o traço” (Kaufmann, 1996, p. 473)7. rio” (11/5/1976).
Pensar a escrita desta forma introduz uma O nó borromeano é mencionado pela primei-
novidade para a experiência analítica, por- ra vez por Lacan no Seminário 19, Ou pior
que traz, ao lado da dimensão da escuta, (1971-1972), mas é nos anos seguintes, prin-
uma outra dimensão: a da leitura. Lacan se cipalmente nos seminários Os não-tolos er-
pergunta sobre a função do escrito em psi- ram (1973-1974), RSI (1974-1975) e O sinthoma
canálise, enfatizando a dimensão da leitu- (1975-1976) que desenvolve a teoria dos nós,
ra e seu lugar no discurso analítico. “É como modo de escrita topológica por meio da
evidente que, no discurso analítico, só se qual pretende apresentar o inconsciente. A
trata disto, do que se lê, para além do que partir de então o simbólico não terá mais
vocês incitaram o sujeito a dizer” (Lacan, primazia sobre os outros registros, já que, no
1972-1973, p. 39). A relevância dada à leitu- nó, há equivalência entre eles. Suas princi-
ra decorre da supremacia que atribui ao sig- pais questões passam, nesse momento, a
nificante em sua relação com o significado, dizer respeito ao registro do real, que deixa
que faz com que se possa ler um enunciado de ser definido como pura suposição em re-
de modo diferente do que ele significa, mas lação aos dois outros registros (simbólico e
também da suposição de que há letras que imaginário). Em 1974 afirma que não se tra-
compõe uma escrita que pode ser lida. O in- ta mais de tomar o real como suposto, numa
consciente, estruturado como uma lingua- posição que o subjuga ao imaginário ou ao
gem, é concebido como ajuntamentos de simbólico, acrescentando que, para demons-
letras que constituem o que designa pelo trar o impossível, é preciso buscar o funda-
neologismo alingua (lalangue) que articula mento em outro lugar, isto é, no nó
traços que vão muito além do que o ser fa- (Seminário 21, 15/1/1974).
lante pode enunciar, constituindo-se como O real é apresentado como constitutivo do
enigmas, isto é, enunciações sem enuncia- nó a partir da noção de triplicidade, que já
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do. A linguagem já é uma elucubração de está marcada na língua, onde o três insiste.
saber sobre alingua, pois vem em suplên- Nós, como sujeitos, somos pacientes desta
cia daquilo que do real não pode jamais se triplicidade e a topologia, matematicamen-
dizer. te definida, permite não suportar um sujei-
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No Seminário sobre Joyce, Lacan dá ao tra- to porque ele é sempre suposto, mas
ço unário uma outra sustentação a partir do abordá-lo sem imagem, a partir de letras que
nó borromeano, através do qual reapresen- estão no real. Os três elos do nó são equi-
ta seus três registros – real, simbólico e ima- valentes, mas cada qual tem a sua especifi-
ginário. “O homem é um conjunto trinitário cidade: o imaginário é consistência, o
de elementos. Um elemento é o que faz Um, simbólico caracteriza-se pelo furo e o real
dito de outro modo, o traço unário... A carac- se suporta da existência. O nó borromeano

7> Lacan. L’identificatrion.

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idealmente concebido seria o mito do sujei- loucura, dá uma dica disso que o homem co-
to enquanto real. Mas, como diz Lacan, esse mum, dito “normal”, não percebe: o quanto
mito se dissolve na resolução do nó, na me- as palavras de que dependemos nos são im-
dida em que ele falha, que há lapso no nó, postas. Mas há em Joyce, na medida em que
o que o conduz a supor um quarto elo que ele é um artista, uma reflexão ao nível da
funcionaria como ponto de amarração. escrita e é por meio dela que a palavra se
É no contexto de seus exercícios sobre o nó decompõe, seja para libertar-se do parasita
borromeano em suas diversas formas, atra- que ela é ou, ao contrário, por se deixar in-
vés dos quais pretende “esbarrar” no real, vadir por sua polifonia.
que Lacan toma a escrita joyceana como Ao longo do Seminário 23, a análise que faz
instrumento para avançar neste caminho, de Joyce vem acompanhada todo o tempo de
pois ela evidencia de forma clara o lapso do suas tentativas de desdobrar, decompor,
nó. O quarto elo – que a partir daí será de- quebrar o nó borromeano, dissolvendo-o na
signado como Sinthoma – funciona onde o cadeia borromeana. Pode-se perceber um
traçado do nó falha, no lapso do nó. A arte gozo na manipulação das cordas, das retas
de Joyce substancializa em sua consistência e círculos, nas inúmeras possibilidades de
e em sua existência o quarto termo essen- amarração dos elos, que poderíamos ousar
cial ao nó, aproximando-se dele o mais pos- aproximar do gozo de Joyce ao escrever
sível. Para Lacan o texto de Joyce é Finnegans Wake. O que é importante mar-
igualzinho a um nó borromeano e, como ele, car, contudo, neste jogo de barbantes mui-
traz muitos enigmas. ta vezes enigmático para nós, é a relação
O nó a quatro já havia sido anunciado no fundamental com a escrita que esse exercí-
seminário anterior (RSI), sendo o quarto elo cio mantém. O nó é algo que se escreve, é
designado pelos termos de realidade psíqui- uma escritura através da qual Lacan elabo-
ca e complexo de Édipo, por referência a ra a questão do real. O nó, como escritura,
Freud, mas também pelo de Nome-do-Pai, suporta o real, uma vez que não há outra
como corda que sustenta os três registros. O idéia sensível do real. O nó é o próprio real.
artigos

trabalho sobre Joyce faz com que Lacan con- As últimas sessões do seminário são dedica-
ceba uma outra amarração possível, para das a isso, quando ele oferece a seus ouvin-
além do Nome-do-Pai. Sua hipótese é de que tes, por meio do nó, um pedaço de real. O
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a arte de Joyce supriu sua sustentação fáli- nó se apresenta aí como um caroço, um


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ca – partindo da suposição de que houve osso, uma ponta de real, em torno do qual
neste caso uma foraclusão de fato – permi- o pensamento circula.
tindo uma outra amarração do nó, que não Lacan se vale do texto de Joyce para mos-
pelo Nome-do-Pai. trar que, com sua maneira própria de lidar
Ao segmentar as frases e quebrar palavras, com as letras, o escritor dá o modelo do in-
em um progresso contínuo que chega a dis- consciente, pensado como conjunto de le-
solver a própria linguagem, a escrita de tras, no qual estamos engajados através do
Joyce revela como as palavras lhe eram im- Sinthoma. Isso pressupõe um laço estreito
postas. Lacan assinala que Joyce, com sua entre o Sinthoma e o real do inconsciente.
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Aqui não se trata mais do sintoma como for- ajudar a entender como Joyce funcionou
mação do inconsciente que se oferece à de- como escritor, mas “a psicanálise é outra coi-
cifração em análise, na busca do sentido, sa”. Passa por um certo número de enun-
mas da letra real como cifra de gozo, o que ciados e não leva necessariamente a
leva Lacan a um ponto limítrofe. “O que escrever (11/5/1976).
Joyce adianta de modo especialmente artís- Se nem toda invenção passa pela escrita e
tico é o Sinthoma tal que nada se pode fa- nem toda psicanálise com sucesso faz de um
zer para analisá-lo” (16/3/1976). analisante um escritor ou um artista, a lei-
Com sua arte, Joyce inventa, a partir de tura desse seminário, com suas articulações
pedaços de real que retornam nas epifanias e enigmas, não deixa dúvidas quanto à enor-
e nas palavras impostas, uma escrita que faz me gama de desenvolvimentos clínicos que
um nome, já que seu pai não lhe legou um, a invenção do Sinthoma, a partir de um pe-
e que sustenta o seu ego. Em um paralelo, daço de real, possibilita. Ao elevar o sinto-
podemos dizer que Lacan sustenta nesse ma à 2a potência, retirando-o da condição de
seminário sua própria invenção – a metáfora de desejo para apresentá-lo como
invenção do real. Não se trata apenas da escrita de gozo, Lacan abre novos caminhos
invenção de uma idéia, de um conceito, mas para pensarmos a função da escrita em psi-
de um pensamento suportado por uma canálise, seu lugar na clínica, em especial
escritura, através do nó. Com isso marca sua na clínica da psicose e o final de análise.
diferença em relação a Freud: “A instância Quanto ao último, podemos apenas dizer
de saber que Freud renova sob a forma de que Joyce, com sua invenção, ao fazer da
inconsciente, não supõe, de modo algum, letra lixo, evidencia um savoir faire com
obrigatoriamente, o real de que me sirvo” alingua que uma análise levada ao seu final
(13/4/1976). Algo se impôs a ele e o real é a pode propiciar. Ao se defrontar com este irre-
dutível do gozo do qual nada mais há a di-
sua resposta sintomática à descoberta
zer, inventa-se alguma coisa, entre elas,
freudiana do inconsciente, como ele mesmo
como sinthoma, fazer função de analista
diz é por essa via que Joyce faz sintoma
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e/ou escrever.
para ele e representa o signo do seu
embaraço.
Referências
Se tomarmos a palavra embaraço como indi-
FREUD, Sigmund (1921). Psicologia de grupo e
cativa de uma “forma ligeira de angústia”
análise do ego. In: ESB. Rio de Janeiro: Imago,
ano XIX, n. 188, dezembro/2006

(Lacan, 1962-1963), vemos que sua etimolo-


1976, p. 89-179. v. XVIII.
gia evidencia que se trata da experiência da
barra, da barra do sujeito () que Lacan nos JOYCE, James (1916). Retrato do artista quando
traz nesse seminário, ao deixar falar e ten- jovem, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1984.
tar escrever o seu próprio sinthoma. Às vol-
tas com este embaraço, ele marca, em sua _____ Finnegans Wake. Tomo I. Porto Ale-
última lição, uma distância entre a escrita, gre: Casa de Cultura Guimarães Rosa, 1999.
que precisa ser melhor investigada e a psi- _____ Ulisses. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
canálise, ao afirmar que a escrita do nó pode sileira, 2000.
>80
KAUFMANN, Pierre. Dicionário de psicanálise. Rio
de Janeiro, Jorge Zahar, 1996.
LACAN, Jacques (1962-1963). Seminário 10. A an-
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_____ (1966). Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998.
Os 10 mais vendidos
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Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. entre agosto, setembro
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dito.
_____ (1972-1973). Seminário 20. Mais, ainda.
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Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982.
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Porto Alegre: Cooperativa Cultura Jacques La- Tania Rivera e Vladimir Safatle (orgs.)
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_____ (1974-1975). Seminário 22. RSI, inédito. Arthur Tatossian
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Escher S. A., 1986. 5o
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Renate Meyer Sanches (org.)
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REGNAULT, François. Em torno do vazio. Rio de


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Janeiro: Contracapa, 2001.
ano XIX, n. 188, dezembro/2006

Narcisismo de vida,
narcisismo de morte
André Green
9o
Traumas
Ana Maria Rudge (org.)
10o
A violência no coração da cidade
Artigo recebido em julho de 2005 Paulo C. Endo
Aprovado para publicação em agosto de 2005
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