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MEDICINA SOCIAL:
CONCEITO E
HISTÓRIA
Ronaldo Ribeiro Jacobina*
SALVADOR
2007**
I - INTRODUÇÃO
Na Inglaterra e, mais ainda, nos Estados Unidos, foi pequeno o interesse pela
medicina social, provavelmente devido aos fatores identificados por Rosen:
“ao papel dominante que as ciências e técnicas de laboratório começaram a
desempenhar na medicina, ao crescimento e expansão concomitante da especialização
médica e à concepção limitada de saúde pública que havia nos dois países”, além da
tendência criada por esses fatores ser “reforçada por poderosas ideologias sociais”
como o liberalismo, centrado no individualismo(p.180). 26
Com a implantação, nos anos 40, do Welfare State (Estado de Bem Estar Social) na
Inglaterra, a medicina social rompeu as barreiras ideológicas e avançou com a criação,
em Oxford, em 1943, do Instituto de Medicina Social. Já nos EUA as barreiras
ideológicas permaneceram como um obstáculo. Garcia11 chega a referir que, nos anos
50, “o ambiente criado pelo macarthismo tornava impossível adjetivar algo como
‘social’, por considerá-lo relacionado com ‘socialismo’ii” (p.150). As escolas médicas
americanas usaram o termo medicina preventiva, num movimento de reforma da
prática e do ensino médicos que incluía temas e recursos das ciências sociais. A
prioridade deste movimento, no entanto, foi formar um novo médico, com atitude
preventiva, para garantir o exercício liberal da profissão, centrado nos consultórios,
ameaçado pelo alto custo e baixo impacto, resultante de uma prática curativista,
fragmentada e especializada, com grande incorporação de tecnologia.2
A hegemonia dos Estados Unidos, ampliada no pós-guerra, para além das esferas
econômica e política, consolidou-se no campo ideológico-cultural, na maioria dos
países da América Latina. Na medicina, a influência européia, sobretudo francesa e
alemã, do século XIX até meados do século XX, foi superada pela norte-americana.
No ensino médico, a cadeira de higiene, de matriz francesa, vai ser substituída, nos
anos 50, pelo movimento preventivista, no marco conceitual da medicina integral
que adotou a tríade epidemiológica, como concepção causal (agente, hospedeiro e
meio ambiente), e medidas preventivas no período pré-patogênico, ou seja, antes do
evento (doença ou agravo), chamada de prevenção primária - promoção da saúde e
proteção específica – e depois, no período patogênico, tanto a prevenção secundária
(diagnóstico precoce e tratamento imediato) quanto a terciária (reabilitação). Integral,
portanto, porque engloba medidas tanto preventivas quanto curativas a serem
desenvolvidas pelo novo médico, na sua prática liberal, em consultório. 2 11
A transferência desse movimento para os países latino-americanos foi feita através
de seminários, como o de Viña del Mar, no Chile e Tehuacan, no México. No Brasil,
com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde e das Fundações norte-
americanas (Kellog, Rockefeller), foram criados núcleos ou departamentos de
Medicina Preventiva, em algumas escolas médicas. Porém, a institucionalização
efetiva desses departamentos e de suas disciplinas só ocorreu com a reforma
universitária de 1968. Numa conjuntura autoritária, era escassa a possibilidade da
reflexão crítica e de práticas inovadoras.
Nos anos 70, muitos dos novos cursos já tinham um novo rótulo, pois a influência
passou a ser feita por um desdobramento da medicina preventiva: o movimento da
saúde comunitária, também de matriz norte-americana, lá, voltada para os guetos5 e,
nos países periféricos, em geral, adotada como política de saúde para segmentos das
populações excluídas8, funcionando de modo complementar ao modelo privatista de
assistência à saúde, caro e excludente. Por outro lado, num momento de luta pela
ii
Macarthismo - movimento anti-socialista desencadeado nos EUA, depois da II Guerra Mundial, pelo
senador republicano Joseph McCarthy. Durou até final dos anos 50 do século passado e caracterizou-se
pela implacável perseguição aos comunistas e simpatizantes, usando como base de informação a
15
delação (p. 3768).
6
sintética, utilizará todos os métodos que forem necessários ou adequados para tratar
do problema em estudo.”(grifos nossos) (p. 140).
Identificados os sentidos e feito este breve estudo no âmbito do ensino e da
pesquisa, cabe agora analisarmos historicamente a Medicina Social no campo das
práticas sanitárias nos diferentes períodos históricos do país.
iii
Este item se baseia no texto didático de Jacobina, RR; Diniz, DR; Souza, APJD. Medicina social no
campo das práticas de saúde no Brasil. Salvador: DMP/FAMED/UFBA, 2001.
9
negativa desse pensamento é a de subestimar o impacto das ações setoriais, que é real,
mesmo reconhecendo os determinantes estruturais dos problemas de saúde.
Em 1963, dando continuidade à crescente adoção de responsabilidades na área da
assistência médica pelo governo federal, iniciada com a criação das CAPs e ampliada
com os institutos (IAPs), surgiu o FUNRURAL (Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural). Os IAPs foram unificados como Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS) no final de 1966, sob o regime militar, e apenas em 1974 foi criado o
Ministério da Previdência e Assistência Social. Essa vertente da política de saúde se
identifica mais com a noção foucaultiana de medicina da força de trabalho, que se
estruturou no pós-guerra, com os avanços tecnológicos de uma medicina de massa,
com a produção industrial dos medicamentos (antibióticos, quimioterápicos,
ansiolíticos e sintomáticos) e consolidou-se no país com a hegemonia da assistência
previdenciária, sob a direção do INPS (1966-67).
O final da década de 60 foi marcado pela crise no setor de saúde e pela difusão do
discurso preventivista por parte dos Departamentos de Medicina Preventiva das
universidades. A crise no setor de saúde tem como um dos pontos-chave a crise
econômico-financeira no sistema previdenciário, intimamente relacionada ao seu
crescimento mal planejado. Data deste período a hegemonia da privatização e da
mercantilização da prática médica, processos iniciados na década de 50, mas só
incrementados nos anos 60, com um modelo de gerência estatal para financiar e
viabilizar o setor privado lucrativo23.
Dois outros processos favoreceram esse novo modelo médico-assistencial
privatista: um de caráter internacional, o avanço tecnológico das indústrias de
medicamentos e de equipamentos, que possibilitou uma medicina de massa e
hospitalocêntrica, curativista e cada vez mais especializada; outro fator foi a
proliferação de escolas médicas (13 em 1950; 58 em 1968), possibilitando o
assalariamento da categoria médica, necessário ao novo modelo. Por outro lado, esse
mesmo período caracteriza-se pela marcada deterioração do quadro social do país
(aumento da concentração de renda, diminuição do poder aquisitivo e do salário
mínimo real), ambos refletindo na queda dos níveis de saúde da população. Este
quadro propiciou a incorporação da análise social nos estudos das doenças e chamou a
medicina a intervir no próprio processo social.18
O regime militar que passou a governar o Brasil em 1964 preocupou-se em retirar
o caráter político e questionador das instituições existentes e para tal as reestruturou
em nome da racionalidade técnico-administrativa, fechando os canais para a
participação popular. Na estruturação do INPS, o número de representantes
governamentais cresceu, enquanto a representatividade dos trabalhadores foi
significativamente reduzida.
Por outro lado, a ditadura não modificou o caráter assistencialista da saúde
pública, utilizando-a para amenizar pressões sociais. Para tanto, o governo foi forçado
a ampliar progressivamente a cobertura (em 1973, todos os trabalhadores urbanos,
com exceção dos informais, tinham cobertura previdenciária) e, por tabela, os gastos
do INPS com saúde cresceram vertiginosamente (158% em cinco anos), plantando as
bases para a futura crise do sistema. Além do assistencialismo, a medicina
previdenciária deste período foi marcada pelo caráter individual e curativo em
detrimento da saúde pública, de caráter social e preventivista, beneficiando as
multinacionais de produtos farmacêuticos e de equipamentos médicos. A intervenção
12
MEDICINA SOCIAL
1. GERAL: A Medicina como uma prática - prática médica - é sempre social, nos diversos
períodos históricos: antiguidade, idade medieval, moderna e contemporânea. (Henry Sigerist,
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