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No início do século XX, a questão nacional era tema de grandes discussões entre
nossos intelectuais. Ao olhar de Alberto Torres um país não é realmente uma nação se
não tem uma política, a política de sua terra, de sua raça ou de suas raças, de sua índole,
de seus destinos. Muitos fatores eram atribuídos a dificuldade de consolidação do
Estado, entre os quais, o próprio capitalismo. Segundo Pecaut (1990), muitos
enxergavam o antagonismo de interesses gerado por este sistema, como um perigo à
nação, à medida que causava a desordem política, afastando qualquer possibilidade de
reforma democrática.
Ao olhar de Remond (1974), a contribuição dos intelectuais para o movimento
das nacionalidades foi grande. O termo nacionalismo tal como pensamos hoje envolve
idéias, sentimentos e forças políticas que ultrapassava a simples existência do povo.
Neste aspecto, o trabalho de escritores, lingüistas, filólogos, gramáticos, historiadores,
filósofos políticos e tantos outros foi fundamental a tal movimento, no sentido de
afirmar a singularidade característica de uma nação.
No Brasil, na década de 1920, ainda se buscava tal singularidade. Muitos
intelectuais recorreram ao método científico para o desenvolvimento de uma visão do
país. Esse período é marcado como nos lembra Machado (1995) por construções de
imagens sobre o território brasileiro. Os textos de Tristão de Alencar de Araripe, Sílvio
Romero, Euclides da Cunha e Oliveira Viana sobre as raças, a mestiçagem e a
imigração passam a ser alvo de intenso debate. Ao longo desse período, a educação
passa a ser vista como uma via de atuação destes intelectuais, logo, a reforma da
sociedade aconteceria através da reforma do ensino. Tal reformulação deveria atingir o
próprio conceito de educação e as práticas pedagógicas.
Deste contexto fez parte Carlos Delgado de Carvalho. Intelectual de formação
francesa, cidadão brasileiro, só conheceu o país apenas em 1906, aos 23 anos de idade.
Seu pai, diplomata ligado à monarquia, rejeitou o regime republicano, passando a
ignorar sua pátria. Na Suíça, onde a família passou a viver, sequer ensinou a língua
portuguesa ao filho. Despertado pelo relato de brasileiros que viviam na Europa,
Delgado de Carvalho resolveu estudar nossa geografia para sua tese de doutoramento na
Escola de Ciências Políticas de Paris. Após empreender longas viagens por nosso
território, elaborou Le Bresil meridional etude economique sur le etats du sul: São
Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (1910) e Geographia do Brasil (1913). Esta
última obra, destinada aos estudantes secundários, inovou a metodologia do ensino
geográfico ao apresentar o país dividido por regiões naturais, e não por uma divisão
político-administrativa, como se fazia anteriormente.
Como intelectual, considerava a geografia e a história como disciplinas de
nacionalização por excelência (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p.42). Sendo
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assim, lamentava o nosso atraso em relação a metodologia de ensino, baseada apenas na
memorização de nomes e números. Juntamente a Fernando Raja Gabaglia, Everardo
Backheuser, Honório Silvestre transformou não só os métodos como o conteúdo
programático desta disciplina no Colégio Pedro II, escolhido pelo governo como padrão
a ser seguido por outras instituições de ensino secundário, que desejassem o
reconhecimento oficial.
O objetivo deste trabalho é analisar a contribuição de Delgado de Carvalho para
institucionalização da geografia como disciplina autônoma, assim como a relação deste
processo com a questão nacional: de que maneira a institucionalização da geografia
escolar contribuiu para o desenvolvimento do sentimento nacional entre nós na década
de 1920. Para tal serão utilizados como fonte os livros de Delgado de Carvalho. Para
analisá-los, serão usados os estudos de Hobsbawm (1990) que nos propõe que a questão
nacional como algo que não se confunde com a formação territorial, à medida que a
construção da homogeneidade do povo é um processo mais complexo, onde o papel do
Estado se faz fundamental. Muitos países formaram uma rede de comunicação
constituída por imprensa, rádio, cinema e a escola primária para divulgar a idéia de que
o povo faz parte de um mesmo corpo, pois tem língua, história e tradições em comum.
A escola passou a ser um elemento de difusão da representação da nação. Neste caso, o
governo direcionou sua força política no sentido de massificar uma imagem que
fortalecesse não só o sentimento nacional como a sua imagem.
Para analisar o processo de institucionalização da geografia escolar no Brasil
ocorrida neste contexto, os estudos de Goodson (1995) são fundamentais. Para este
autor, a escola não é um simples elemento da cultura dominante. A disciplina é vista
como uma construção social, que envolve vários agentes: os professores, acadêmicos,
os alunos, a comunidade. Desta forma a disciplina tal qual é apresentada no currículo
passou por mudanças até chegar ao estágio em que se encontra: um status inferior no
currículo,, passando por estágio utilitário e, finalmente, alcançando como definição da
matéria como disciplina, como um conjunto exato e rigoroso de conhecimentos (p.120).
Em tal processo, o professor tem papel destacado, pois é ele que em troca de
recompensas profissionais, luta pelo reconhecimento de determinado conhecimento.
Ao chegar ao Brasil, Delgado de Carvalho teve contato com um campo cultural
ainda formado por diletantes, sem regras especificamente definidas de legitimidade para
os estudos de geografia. Como autor de manuais escolares e professor, suas idéias
causaram choque entre os que ainda não conheciam as perspectivas teóricas francesas
nas quais amparava suas análises. Sua trajetória intelectual muitas vezes se confunde
com o processo de institucionalização da geografia, como disciplina escolar. Para
analisar este aspecto, utilizarei a acepção de campo de Bourdieu (1983), compreendido
como um setor da sociedade em que os indivíduos produzem e disputam o controle
intelectual da produção, ou seja, tentam conquistar a autoridade para falar sobre um
determinado conhecimento.
A geografia no Brasil é escrita, nas duas primeiras décadas do século XX, por
diplomatas, militares, literatos e advogados. Esses intelectuais diletantes se valem de
uma autoridade proveniente da erudição da cultura para escrever sobre os mais variados
temas. Na geografia, em geral, preocupavam-se em descrever detalhes dos pontos
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geográficos nacionais e internacionais. Backheuser (1941) analisa este como um
fenômeno mundial ocorrido nos primórdios da ciência geográfica:
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para o português diversas obras, incluindo a Antropogéographie de F. Ratzel. Como
destaca Almeida (2000), Capistrano de Abreu publicou, em 1904, a Geographia no
Brasil, no qual fez uma crítica, dividindo os trabalhos em dois grupos: os que
enumeravam acidentes geográficos e os que por ele eram considerados científicos, uma
vez que relacionavam o quadro natural com o processo de ocupação humana.
Nesse contexto, a perspectiva geográfica de Delgado de Carvalho se aproxima
das idéias de antropogeografia desenvolvidas no Brasil, mas com uma preocupação
didática que o diferia destes pensadores, como ele mesmo relata:
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A nossa Amazônia, brutalmente cortada em duas partes, sob pretexto que
dois Estados, que duas divisões administrativas a partilham a nossa
Amazônia sem sua bella harmonia geológica, sem a majestade de sua
grande artéria central, cuja unidade, cuja economia constitue um mundo
por si só... (DELGADO DE CARVALHO, 1913, p. VI).
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Ets minhas patrícias,
As professoras do Distrito Federal,
Cuja competência e patriotismo são as melhores garantias da nossa geração
brasileira. (p.2)
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Transformando a metodologia da geografia pátria
No início do século XX, como nos lembra Gomes (1996), as distinções entre os
campos da história, da geografia e da sociologia não eram muito claras. Buscava-se
ainda o esclarecimento dessas fronteiras, sendo os espaços de conhecimento muito
amplos: Eles escrevem sobre a história da geografia ou geografia da história,
produzem textos sobre flora e fauna brasileiras, estudam línguas indígenas e olham
etnograficamente festas religiosas e populares, além de serem filósofos e literatos
(p.76). Esse aspecto pode ser percebido nos programas escolares ainda em 1925, nos
quais as disciplinas de História do Brasil e Geografia do Brasil não eram ministradas
separadamente, e sim, em conjunto, na chamada Corografia do Brasil.
Ao estudar as disciplinas escolares, Goodson (1995) relata que estas não se
constituem como entidades monolíticas, mas amálgamas mutáveis (p.120). As
mudanças são determinadas por disputas entre intelectuais tradicionais e os que
defendem novos paradigmas para a disciplina. A Corografia ministrada em nossas
escolas refletia o patamar descritivo dos estudos geográficos desenvolvidos no IHGB e
na Sociedade Geographica do Rio de Janeiro. Decorar nomes dos pontos geográficos, a
extensão territorial de países e as fronteiras compunham o conteúdo da disciplina.
Na luta pela transformação dos referenciais teóricos de nossa geografia escolar,
o Colégio Pedro II teve grande importância. Para analisar tal aspecto, os livros
publicados por Delgado de Carvalho, neste período, em especial, a Geographia do
Brasil (1913) e a Methodologia do ensino geographico (introdução aos estudos da
geographia moderna) (1925) são de extrema importância. Padrão de ensino da época,
abrigava em seu quadro de professores intelectuais de reconhecida autoridade científica.
O grupo formado por Everardo Backheuser, Fernando Raja Gabaglia e Honório
Silvestre, professores desta disciplina, e Delgado de Carvalho professor catedrático de
Inglês da mesma instituição, compartilhavam o mesmo desejo de mudança e a mesma
fundamentação teórica. As críticas destes professores aos métodos foram relembradas
nos estudos de Zarur (1941):
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legitimado através do currículo representa recompensas profissionais para aqueles que o
elaboram e o defendem. A preocupação dos intelectuais do Colégio Pedro II com o
ensino revelam outros caminhos da institucionalização da geografia como campo
científico autônomo; esse processo se desenvolveu tanto por meio do estudo de nosso
território como na estruturação do ensino da geografia. O colégio, a partir de 1923, teve
seus programas reformulados nestas bases, foram criados laboratórios para estudos do
clima e do solo com quadros de amostras dos vários tipos geológicos desenhados pelo
próprio educador. Ainda foram elaborados álbuns com mapas e fotografias.
Como nos lembra Bourdieu (1989), o Estado como instituição oficial, produz
classificações oficiais, estas por sua vez têm um valor de título. Tal título é concedido
aos catedráticos do Colégio Pedro II, à medida que havia seu reconhecimento pelo
Estado como uma referência. A mostra mais clara desse processo foi o decreto 16782 A
de 13 de janeiro de 1925. Também conhecido como Reforma Rocha Vaz, tinha entre
outros objetivos reformar o ensino secundário e superior. Em relação ao primeiro,
amplia o tempo do para seis em regime seriado e estabelece um caráter único para todo
território nacional. O fim do regime seriado extinguia os exames parcelados. Desta
forma os estabelecimentos que quisessem ser reconhecidos oficialmente deveriam
seguir o padrão pedagógico e administrativo do Colégio Pedro II.
O currículo de Geografia passa incluir a disciplina em três anos: no primeiro era
ministrada a Geografia Geral, no segundo sob forma de Corografia do Brasil, onde a
História e Geografia se misturavam formando uma só disciplina, e, por fim, no sexto
ano, a Cosmografia. Nos dois primeiros anos, os conteúdos prevêem a descrição geral
de cada região estudada na seguinte ordem: situação, limite, superfície e aspecto geral
do relevo. Ainda que houvesse permanência de determinados aspectos do programa
anterior, a Reforma Rocha Vaz trouxe muito da perspectiva de Delgado de Carvalho, à
medida que propunha a análise de cada região, a partir da descrição preliminar. Assim, a
houve não só a mudança no paradigma da geografia escolar, mas como a legitimação
deste intelectual diante do campo.
A Methodologia do ensino geographico (introdução aos estudos da geographia
moderna) (1925) é dirigida a um público bem definido: os professores. Já demonstra o
novo status de Delgado de Carvalho no campo científico, o da legitimação. Como o
próprio título sugere é dada maior ênfase ao método. Os três capítulos são utilizados
para prescrever aos professores suas atitudes nas aulas de geografia.
Numa rápida introdução, Delgado de Carvalho apresenta teoricamente a
proposta. Defende a antropogeographia de Ratzel como processo irreversível de
humanização dos conhecimentos geográficos: uma das novas tendências de geographia
é de se tornar cada vez mais humanas nas suas investigações(p.10). Depois situa sua
proposta para geografia escolar no amplo debate presente sobre a construção de nossa
nacionalidade: a geographia pátria precisa, por conseguinte, servir de base e de ponto
de partida ao estudo da physiographia e da geologia do globo. Devemos passar mais
rapidamente sobre os assumptos que não tem applicações no Brasil (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p.7). O autor compartilha da preocupação de outros autores em
nacionalizar os conteúdos de forma a divulgar o aspectos desconhecidos do nosso país
e, assim acelerar o processo de construção da nação, ainda incompleto na década de
1920.
A terceira edição da Geographia do Brasil (1927) é reflexo dessa nova
orientação da geografia escolar. A grande diferença em relação à edição anterior é a
publicação da Synthese geographica (1927), anunciada desde a primeira edição, mas só
nesta publicada:
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Venho tarde, é verdade, mas espero ainda poder trazer a minha
contribuição à grande obra da educação nacional, cumprindo com minha
promessa de 1913. Durante todos estes annos, me tenho batido pelo ensino
moderno da geographia entre nós; tenho escripto e tenho falado, mas só
agora me foi dado trazer a expressão do meu pensamento, em matheria de
geographia pátria, dando uma forma concreta, aliás defeituosa e pallida,
uma applicação tímida das idéias que venho defendendo (DELGADO DE
CARVALHO, 1927, p. IV).
A geografia da pátria
BIBLIOGRAFIA
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1941.
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