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Bobby “Ahasverus” Fischer

por Hélder Câmara

Bobby Fischer(1970) Bobby Fischer(2004)

A lenda de Ahasverus surgiu no Século IV e apareceu na Europa a partir de 1228, quando


um arcebispo armênio, visitando a Inglaterra, mais precisamente o convento de Saint’Albans,
revelou conhecer em seu país uma testemunha viva da paixão de Christo. Tratava-se do judeu
Ahasverus, agora convertido e batizado por Ananias com o nome de Cartaphilus, o mesmo que
esmurrara o Salvador quando este, sob o peso da cruz, tombara diante de sua porta.

Ahasverus, o judeu errante e “eterno estrangeiro” aonde quer que vá em sua peregrinação
permanente, era um carpinteiro de Jerusalém que estava em sua tenda de trabalho no dia do
santo suplício. Jesus, humilhado, açoitado e sangrando, deteve-se um mínimo instante à sua
porta, haurindo forças para prosseguir em seu calvário. Ahasverus parou seus afazeres,
chegou-se para perto do divino nazareno e, empurrando-o, vociferou colérico:

-- Vai andando! Vai logo!


Jesus apenas olhou-o e respondeu-lhe mansamente:
-- Eu vou e tu ficarás até a minha volta...

E Ahasverus está até hoje errando pelo mundo, sem caminho certo, sem morrer, mas sem
descanso, esperando e esperando pela volta do Senhor.

Bobby Fischer devia estar em sua tenda de trabalho, quando uma mulher tanto bela quanto
maliciosa ofereceu-se a ele de corpo e alma. E Bobby a amou com uma sofreguidão suicida.

Ela deve tê-lo amado profundamente também, pois fez dele um rei. Em seguida, ele assumiu
uma atitude insana, que um desconhecido poeta árabe de tempos imemoriais já descrevera
num de seus poemas:

“Já esgotamos as palavras de amor...


O mesmo silêncio que se estabelece
entre duas fileiras que se vão entregar à batalha
-- este silêncio foi feito entre nós.

Eu comecei a batalha do amor.


O barulho dos sabres foram nossos beijos,
o suspiro dos feridos – nossa respiração ofegante;
o estrondo dos carros – o trepidar de nossas artérias...

Depois, atirei-te longe de mim como um estandarte rasgado!”.

A desgraça de Bobby, porém, é que esse “estandarte rasgado”, ou seja, essa mulher
caprichosa e bela se chamava Caíssa. E assim fica fácil pressupor qual tenha sido a sua
maldição:

“Tu vais, mas aonde fores a minha sombra há de seguir contigo!”.

Robert James Fischer é antes de tudo um mistério. Sua própria origem se perde em
contradições. Há registros de que seu pai seria o biofísico alemão Hans Gerhardt Fischer, que
estudou medicina em Moscou com sua mãe, Regina Wender, uma competente enfermeira
falecida em Berlim, em 1997. Em 1943 (9.3.1943), quando Bobby nasceu num hospital de
Chicago, Regina registrou-o como filho de Gerhardt – que se divorciaria dela dois anos depois.

O mccartysmo (movimento de caça aos comunistas, liderado pelo infame senador Joseph
McCarty) viria a acusar Regina de espiã soviética, isso na década de 1950. Gerhardt, impedido
de entrar (ou permanecer) nos Estados Unidos, viu-se compelido a refugiar-se no Chile, onde
Bobby foi procurá-lo em 1959.

O mestre chileno Eugenio Larrain, que o ciceroneou durante sua estada santiaguina,
descreve a cena:

-- Um carro da embaixada norte-americana levou-o a uma casa na Gran Avenida, onde ele
entrou e lá se demorou por meia-hora. À saída, um senhor, que eu suponho fosse seu pai,
despediu-se dele. Fischer nunca me disse quem era ele ou o que fora fazer lá.

Segundo os arquivos do FBI, o pai de Bobby seria Paul F. Nemenyi, um cientista húngaro
que trabalhou no Projeto Manhattan (construção da bomba atômica), tendo se separado de
Regina quando esta ainda estava grávida de Bobby e que morreu em 1952. Alguns críticos
maliciosos dizem que essa versão seria a que mais se aproxima da verdade, alegando que
aquele cientista obtivera êxito de fato ao engendrar “uma verdadeira bomba”.

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Se a Alekhine devemos a revitalização técnica do xadrez, a Fischer devemos o seu


marketing mundial, ao equipará-lo com os mais bem remunerados esportes, como o boxe e o
tênis. Antes dele, o xadrez era o jogo dos reis, mas com prêmios miseráveis.

A ascensão de Fischer coincidiu com o auge da guerra fria entre Estados Unidos e União
Soviética. Sua vitória sobre o representante doa sociedade comunista, Boris Spassky, em
Reykjavik, 1972, serviu como estrondosa propaganda capitalista e provocou o maior e mais
extraordinário boom enxadrístico em todos os tempos no Ocidente.

Em 1975, a maior bolsa de qualquer esporte até então seria a oferecida pela luta Ali x
Foreman, no Zaire: 6 milhões de dólares. Nesse mesmo ano, o ditador das Filipinas,
Ferdinando Marcos, oferecia para o duelo Fischer x Karpov a quantia de 5 milhões de dólares,
que Fischer recusou, abdicando de sua coroa de campeão mundial. Até nesse momento,
Fischer estabeleceria mais um fato insólito: sua abdicação transformou Karpov no único
campeão mundial da nossa história que nunca, nem naquela época nem depois, venceu outro
campeão mundial para laurear-se.

Fischer sempre foi um homem muito além de seu tempo e sua ciclópica visão futurista levou-
a a dinamizar o jogo de xadrez ao idear um relógio com bônus para cada lance executado,
além de propor o seu revolucionário módulo 960, consistindo no sorteio das peças antes do
início de cada partida – invalidando assim a muleta eletrônica de que se valem os enxadristas
pouco talentosos.

Em 1992, mesmo contrariando as sanções impostas pela ONU, Fischer aceitou o convite de
Milosevic para um revival na Iugoslávia de seu match contra Spassky, em que se disputaria
uma bolsa de 5 milhões de dólares, numa proporção de 3.5/1.5 para vencedor/perdedor. Data
dessa época sua condição de globetrotter, impedido de voltar ao seu país sob pena de pesada
multa pecuniária e cana dura (10 anos).

A ONU, para quem tem a memória fraca, é aquela organização que recentemente vetou a
proposição dos Estados Unidos de invadir o Iraque.

Em seu exílio, Bobby peregrinou por vários países, sendo Budapeste (Hungria) o lugar onde
ele mais se demorou, talvez pelo seu envolvimento com uma rival de Caíssa chamada Zita.
Nas Filipinas, terra de um de seus maiores amigos, GM Eugenio Torre, ele teria sua base de
maior permanência, e era para lá que se dirigia, quando foi detido no aeroporto de Narita, no
Japão (a pedido da embaixada norte-americana, que anulara a validade de seu passaporte),
permanecendo até agora em suspenso sua situação e seu destino.

Alguns países, como a Sérvia e Montenegro (Iugoslávia), assim como a Alemanha (terra de
seu pai) demonstraram interesse em acolher esse fenomenal jogador, que a maioria
esmagadora dos enxadristas considera como o maior de todos os tempos.

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O nosso escritor maior, Machado de Assis (exímio enxadrista, por sinal), escreveu uma
pequena peça (Viver!), narrando o infortúnio de Ahasverus, o judeu errante condenado a viver
perpetuamente. E chega a ser comovente o seu diálogo com Prometeu – outro infeliz que teve
a ousadia de furtar o fogo celeste para iluminar os homens. Mas certamente terá sido o
condoreiro poeta Castro Alves quem melhor retratou a figura angustiada desse eterno
estrangeiro.

Ahasverus e o gênio (Castro Alves)

Sabes quem foi Ahasverus?...— o precito,


O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!
Eterno viajor de eterna senda...
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde à vingadora voz!

Misérrimo! Correu o mundo inteiro,


E no mundo tão grande... o forasteiro
Não teve onde... pousar.
Co'a mão vazia — viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe — o grão de areia,
A gota d'água — rejeitou-lhe o mar.
D'Ásia as florestas — lhe negaram sombra
A savana sem fim — negou-lhe alfombra.
O chão negou-lhe o pó!...
Tabas, serralhos, tendas e solares...
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.

Viu povos de mil climas, viu mil raças,


E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão ...
Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração! ...

E caminhou!... E as tribos se afastavam


E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! Fazia tremer do vale à serra...
Ele que só pedia sobre a terra
— Silêncio, paz e amor! —

No entanto à noite, se o Hebreu passava,


Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.
"Ele não morre", a multidão dizia...
E o precito consigo respondia:
— "Ai! mas nunca vivi!" —

O Gênio é como Ahasverus... solitário


A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos...
E sempre a caminhar... sempre a seguir...

Pede u'a mão de amigo — dão-lhe palmas:


Pede um beijo de amor — e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o mísero de glória em glória corre...
Mas quando a terra diz: — "Ele não morre"
Responde o desgraçado: — "Eu não vivi!..."

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