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O P L A N O

D A

SALVAÇÃO

EUIÇÕES VIDA NOVA


L E I R I A - P O R T U G A L
Crédito: Mazinho Rodrigues.

Doação Exclusiva para:

)t.com .l|^B
http://entretextosteologicos.blogspot.

T R A D U Z ID O E P U B L IC A D O

com perm issão de

W m . B. E erd m an s P ub lish ing C om■pany


pan y

Grand R a p id s, M ichigan , U SA
e
T h e Presbyterian and R eform ed P u b lish in g C om p any

P h ila d elp h ia, P en n sylvan ia, U SA

LISB O A
O PLANO
D A

SALVAÇÃO
Pelo

I)r. ISKN.IAMIM B. W A R F IE L D
A n ligo professor do Sem in ário T eo ló gico
de P rinceton

T R A D U Ç Ã O D A EDIÇÃO R EVISTA
19 5 8
Í N D I C E

Págs.

I — AS DIFERENTES CONCEPÇÕES . . . . . 5
II ---AUTOSOTEKISMO........................................... 29
III — U N IV E R S A L IS M O .............................................................. 77
IV — SACERDOTALISM O . . . . . . . . 55
V ---- C A L V I N I S M O ............................................................... 101

n o t a s ............................................................................. . 125
I

AS DIFERENTES CONCEPÇÕES

O assunto de que nos vamos ocupar nesta série de


prelecções, é comummente denominado «O Plano da
Salvação». Numa designação mais técnica chama-se-
-lhe «A Ordem dos Decretos». Esta designação técnica
tem sobre a anterior (que é a mais popular) a van­
tagem de indicar com maior exactidão o campo da
matéria em causa. É que, realmente, esta não se limita
apenas ao processo da salvação em si, mas abrange,
duma maneira geral, todo o curso das relações de
Deus com o homem, relações que, de facto, vêm a
culminar na salvação do ser humano. A Criação, a
Queda e a condição do homem desta resultante,
comummente, são também abrangidas por esta maté­
ria. No entanto, estes últimos aspectos podem com
bastante propriedade, ser considerados mais autên­
ticos pressupostos do que partes essenciais da matéria
em si. E não haverá grande dano em ficarmos com a
designação mais popular. O facto de ser mais concreta
dá-lhe uma vantagem que não pode ser menospre-
6 O PLANO DA SALVAÇÃO

zada; e, acima de tudo, tem o mérito de pôr em relevo


o assunto principal — a salvação. A série de activi­
dades diversas que vão ser consideradas, são, em
qualquer caso, tidas como vogando em volta da sal­
vação do homem pecador, assunto este que é o seu
objectivo imediato. Quando consideramos correcta­
mente o que esta matéria implica, não parece que
seja preciso justificar com argumentos a designação
geral de «O Plano da Salvação».
Não achamos necessário determo-nos a discutir a
questão prévia de saber se Deus, nas suas actividades
de salvação, actua de acordo com um plano. Que
Deus actua de acordo com um plano em todas as
suas actividades é já admitido, pelo Teísmo. Esta­
belecida a existência de um Deus pessoal, tal questão
perde a razão de existir. É que «pessoa» significa
intenção: o que distingue precisamente uma pessoa
de uma coisa é que os modos de actuar da primeira
são intencionais; tudo quanto a pessoa faz tem um
fim em vista; e a pessoa escolhe até os meios para
chegar a esse fim. Por conseguinte, até o Deísta deve
admitir que Deus tem um plano. Podemos, sem
dúvida, imaginar uma forma extrema de Deísmo, em
que se pretenda sustentar que Deus não tem o menor
interesse nas coisas que acontecem no Seu universo;
que, tendo criado o mundo, o tenha abandonado,
deixando-o seguir o seu próprio rumo em direcção
a qualquer fim que possa ter, sem lhe dar qualquer
atenção. Não seria necessário dizer, contudo, que tal
forma extrema de Deísmo não existe realmente, em­
bora haja, (estranho é dizê-lo) alguém, como teremos
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 7

ocasião de ver, que pense que, no assunto da salvação


do homem, Deus se conduza da maneira irresponsável
que mencionámos.
O que o verdadeiro Deísta sustenta é a existência
de uma lei. Crê, assim, que Deus confiou o Seu uni­
verso, não a um capricho imprevisto e desprecatado,
mas sim à referida lei; lei esta que Deus pôs no Seu
universo, que pôde confiar com segurança o governo
dela. Isto significa que o próprio Deísta concebe que
Deus tem um plano; plano este que abrange tudo o
que acontece no universo. O Deísta difere do Teísta
só no que diz respeito às formas de actividade pelas
quais entende que Deus leva a cabo o seu plapo. O
Deísmo implica uma concepção mecânica do uni­
verso. Deus fez uma máquina e, exactamente porque
essa máquina é muito boa, pode deixá-la executar os
Seus fins e não os da própria máquina. Paralelamente,
pode-se construir um relógio e depois, exactamente
porque o relógio é bom, deixá-lo realizar o tique-
-taque dos segundos, marcar os minutos, dar as horas,
marcar os dias do mês, as fases da Lua e as respec­
tivas marés, e, se quisermos, podemos pôr-lhe um
cometa que apareça no mostruário uma só vez durante
a vida do relógio, não ao acaso, mas sim quando e
onde e da maneira que nós tivermos marcado. Este
relógio não escolhe o seu funcionamento; segue o
funcionamento que lhe imprimiu aquele que o fez
o funcionamento que lhe foi destinado pelo fabri­
cante; e o relógio de Deus, o universo, não executa
o seu próprio plano mas sim o de Déus, como Ele
8 O PLANO DA SALVAÇÃO

o ordenou, executando os inevitáveis acontecimentos


com precisão mecânica.
É uma grande concepção, esta concepção da lei
do Deísta. 'Livra-nos do acaso. Mas só o consegue
atirando-nos para as rodas dentadas duma máquina.
Não é, pois, a mais alta concepção. A melhor con­
cepção é a do Teísmo, que nos livra até da lei e- nos
coloca directamente nas mãos de uma pessoa. É uma
grande coisa ficar livre do desordenado reino de um
acaso sem desígnio. A deusa Tyche (Fortuna) era uma
das mais terríveis divindades do mundo antigo, quase
tão terrível como o Fado e dificilmente distinta dele
É uma grande coisa estar sob a direcção dum desígnio
inteligente. Mas há uma grande diferença entre o
facto do referido desígnio ser executado por uma mera
lei, que actua mecanicamente, e sê-lo pelo governo
pessoal sempre presente da própria pessoa. Não há
nada mais ordenado do que a direcção ou governo
duma pessoa cujas acções são totalmente orientadas
por um propósito inteligente e visam um fim.
Se cremos num Deus pessoal e muito mais ainda,
se, sendo Teístas, .cremos no governo imediato do
mundo pelo Deus pessoal que lhe deu origem, então
devemos crer num plano em que assenta tudo o que
Deus fez e, por consequência, também, num plano
de salvação. A única questão que pode surgir não diz
respeito à realidade deste plano, mas sim à sua natu­
reza. Quanto à sua natureza, deve dizer-se que tem
havido muitas opiniões diferentes. Na verdade quase
todas as opiniões possíveis têm sido enunciadas em
muitas ocasiões e em muitos lugares. Mesmo que
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 9

ponhamos à parte todas as opiniões não cristãs, não


chegará a ser necessário modificar a afirmação ante­
rior. Várias linhas divisórias têm sido traçadas dentro
do cristianismo; facções se têm erguido contra fac­
ções; diferentes tipos de crença se têm desenvolvido
e dado nada menos do que diferentes sistemas de
religião que se chamam cristãos, mas só têm de
comum o nome.
Nesta prelecção, é meu propósito pôr ràpidamente
diante de nós uma perspectiva das várias opiniões
que têm sido defendidas pelos maiores grupos dentro
do cristianismo, para que se possa fazer ideia da sua
extensão e das suas ligações. Talvez possamos conse­
guir melhor este nosso objectivo pela análise das
grandes divergências que os separam, pelo menos
para O nosso primeiro propósito. Enumerá-las-ei — as
várltu opinlflos — nu ordem da sua importância, indo
das dlícrciiçus mais profundas e de mais longo alcance
nu dlvi.são dos cristãos, até às de efeito menos radical.
I — () inais profundo abismo que separa os cha­
mados cristãos, quanto às suas concepções do plano
de salvação, é o que os divide no que podemos cha­
mar as doutrinas Naturalista e Supernaturalista. A
linha de divisão neste assunto da salvação do homem
é: ou Deus planeou simplesmente deixar o homem
com capacidade maior ou menor para a si próprio
se salvar; ou planeou intervir Ele próprio para o sal­
var. A diferença entre o Naturalismo e o Supernatu-
ralismo é muito simples, sim, mas absoluta: ou é o
homem que se salva a si próprio ou é Deus Quem o
salva.
10 O PLANO DA SALVAÇÃO

O consistente esquema Naturalista é conhecido na


História da doutrina pelo nome de Pelagianismo. Q $
Pelagianismo puro afirma que todo o poder que actua
na salvação do homem provém do próprio homem.
Mas o Pelagianismo não é meramente assunto da
história nem tão-pouco aparece sempre em estado de
pureza. Assim como os pobres de bens terrenos estão
sempre connosco, assim também estão sempre con­
nosco os pobres das coisas espirituais. Pode-se real­
mente pensar que nunca houve na história do
cristianismo um período em que as concepções natu­
ralistas do processo da salvação tenham sido mais
largamente espalhadas ou mais radicais do que
actualmente. Uma espécie de Pelagianismo, que
ultrapassa o próprio Pelágio na inteireza do seu
naturalismo, está de facto muito em voga na hora
que passa entre muitos que a si próprios se elevaram
à posição de guias do pensamento cristão. E, em
toda a parte, em todos os ramos do cristianismo, são
correntes as concepções que atribuem ao homem, no
uso dos seus poderes naturais, pelo menos a activi-
dade decisiva na salvação da sua alma, o que implica
a suposição de que Deus tenha disposto que se sal­
vem aqueles que, no ponto decisivo, de uma maneira
ou de outra operam a sua própria salvação.
As chamadas opiniões intermediárias são, como é
óbvio, em princípio, opiniões naturalistas, uma vez
que (qualquer que seja a parte que atribuam a Deus
nas circunstâncias da salvação), quando chegam ao
ponto crucial da própria salvação, colocam o homem
na dependência dos seus próprios poderes. Proce­
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 11

dendo assim, separam-se definitivamente da doutrina


Supernaturalista do plano de salvação e, destarte, dò
testemunho unânime de toda a Igreja organizada
Porque, embora se tenha dado a entrada de muitos
aspectos de doutrina naturalista nas pessoas de muitos
membros das igrejas, toda a Igreja organizada — a
Católica Ortodoxa Grega, a Católica Romana Latina
e a Protestante, em todas as suas grandes formas his­
tóricas, Luterana e Reformada, Calvinista e Armi-
niana — manifesta o seu acordo, firme e categórico,
na concepção Supernaturalista da salvação. Teremos
de jornadear até às regiões periféricas do cristianismo,
onde encontraremos seitas de posição duvidosa den­
tro da corporação dos cristãos, como os Unitarianos,
por exemplo, para depararmos com uma corporação
organizada de cristãos sem confissão de fé Superna­
turalista.
Esta confissão, em oposição directa ao Naturalismo,,
declara categoricamente que é Deus, o Senhor, Quem
salva a alma e não o próprio homem; e para que
nenhum erro seja cometido, a referida confissão não
se esquiva à declaração completa e, com plena com­
preensão do problema, afirma precisamente que todo
o poder exercido na salvação da alma provém de
Deus. Eis aqui, pois, o eixo da balança que sepai'a os
dois grupos. O supernaturalista não se contenta em
dizer que parte do poder usado na salvação da alma
(ou até a maior parte desse poder) é de Deus. Afirma
que todo esse poder vem de Deus, e que qualquer
parte que o homem possa ter no processo dá salvação
é subsidiária, como efeito, da acção divina; e que é
12 O PLANO DA SALVAÇÃO

Deus e só Deus Quem salva a alma. E o Supernatu-


ralista é, nesta acepção, a Igreja inteira organizada,
em toda a extensão do seu testemunho oficial.
2 — Há, sem dúvida, diferenças de opinião entre
os Supernaturalistas, e diferenças que não são nem
pequenas, nem de pouca monta. A mais profunda é
a que separa os Sacerdotalistas dos que seguem o
espírito evangélico. Mas tanto os Sacerdotalistas como
os do espírito evangélico são Supernaturalistas, isto
é,í concordam em que todo o poder exercido na sal­
vação da alma provém de Deus. Diferem na maneira
como o poder salvador de Deus se exerce sobre a
alma. O ponto exacto cla divergência entre eles está
na questão do modo: Deus, por Cujo único poder se
efectua a salvação, salva os homens por uma relação
directa e imediata com eles como indivíduos; ou
então, salva-os por meio de agências com poder
sobrenatural por Ele estabelecidas no mundo. O pro­
blema é, pois, saber se a operação salvadora de Deus
é ou não imediata: Deus salva os homens por acção
imediata ou directa da Sua graça sobre as suas almas,
ou actua sobre eles tão-sòmente por meio de agências
estabelecidas para esse fim ?
O ensino da Igreja Romana apresenta-nos um mo­
delo de Sacerdotalismo. No referido ensino afirma-se
que a Igreja é a instituição salvadora, isto é, só por
ela exclusivamente pode a salvação ser apresentada
aos homens. Fora cla Igreja e das suas leis, dizem
eles, não pode alcançar-se a salvação: a graça só pode
ser transmitida por meio e através do ministério da
referida Igreja, e não de qualquer outro modo. Duas
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 13

máximas mostram o seu poder: onde está a igreja


está o Espírito; fora da igreja não há salvação.
Sempre que para salvação há necessidade indis­
pensável daquelas agências consideradas como por­
tadoras da graça salvadora, eis, então, de qualquer
maneira, a presença do espírito sacerdotal; e, torna-se
dominante, sempre que tal indispensabilidade se
torne absoluta. Assim, os chamados Meios da Graçap
tornam-se «meios indispensáveis» e são, no sentido'
estrito, não somente meios «sine quibus non», mas.
até o real «quibus» da salvação.
Em antagonismo completo com tal doutrina está
a doutrina do espírito evangélico, que procura con-;
servar o que considera o único e coerente supernatu-
ralismo, elimina qualquer intermediário entre a alma
e o seu Deus, e deixa a pessoa em dependência abso­
luta de Deus para a salvação da sua alma: sobre ela>
Deus opera directamente por meio da Sua Graça. O
espírito evangélico sente a sua dependência para
salvação, não de quaisquer meios de graça, mas sim
directamente de Deus; espera a Graça directamente
de Deus, e não de meios de graça; e sustenta, por
consequência, que o Espírito Santo é, não só capaz
de actuar, mas que realmente actua onde, quando e
como quer. O espirito evangélico concebe a Igreja
e as suas ordenanças como instrumentos que o Espí­
rito utiliza e não como agentes que utilizam o Espírito
Santo na obra da salvação. Em directa oposição às
máximas do consistente sacerdotalismo, o princípio
evangélico toma como lemas: onde está o Espírito,
14 O PLANO DA SALVAÇÃO

aí está a Igreja; fora da corporação dos regenerados


não há salvação.
Ao caracterizarmos assim o espírito evangélico,
não deixará de notar-se que estamos a caracterizar
o Protestantismo. De facto todo o Protestantismo
Confessional, em todos os seus ramos — Luterano e
Reformado, Calvinista e Arminiano — é evangélico
na doutrina do plano da salvação. O Protestantismo
e o princípio evangélico estão contidos dentro dos
mesmos limites, se é que estas duas designações não
são exactamente sinónimas. Assim como todo o cris­
tianismo organizado afirma categoricamente a sua
confissão de supernaturalismo puro, assim também
todo o Protestantismo organizado é igualmente claro
€ categórico na sua confissão do espírito evangélico.
Destarte o princípio evangélico aparece-nos como
uma concepção do plano da salvação distintamente
protestante; e talvez não seja estranho que, na sua
imediata oposição ao sacerdotalismo, por vezes quase
perca de vista a sua mais profunda oposição ao natu­
ralismo. O princípio evangélico não deixa de ser fun­
damentalmente antinaturalista, ao verificar-se anti-
-sa-cerdotal: o seu protesto primário continua a ser
contra o naturalismo e, pelo facto de se opor tam­
bém ao sacerdotalismo, só se revela coerentemente
supernaturalista, pois recusa-se a admitir quaisquer
intermediários entre a alma e Deus, Que é a única
fonte de salvação. O único e verdadeiro princípio
evangélico, portanto, é aquele em que ressoa clara­
mente a dupla confissão: que todo o poder exercido
na salvação da alma provém de Deus; e que Deus.
na Sua obra de salvação, actua directamente na alma,
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 15

3 — Mesmo assim, contudo, há muitas e profundas


diferenças entre os que seguem o princípio evangé­
lico. Todos eles estão de acordo em que todo o poder
exercido na salvação provém de Deus e em que Deus
actua directamente na alma, ao desempenhar a Sua
acção salvadora. Mas diferem muito uns dos outros,
quanto aos métodos exactos empregados por Deus,
ao levar muitos filhos para o estado glorioso de sal­
vação. Alguns deles atingiram a sua posição evangé­
lica por meio de correcção modificadora aplicada a
um fundamental sacerdotalismo, de que saíram. Muito
naturalmente, certos elementos desse sacerdotalismo
subjacente permaneceram incrustados na reconstru­
ção e deram cor à sua maneira de conceber a posição
evangélica. Há ainda outros no grupo evangélico
cujas concepções estão semelhantemente coloridas
por um naturalismo subjacente, naturalismo de que
eles provieram, tendo chegado à melhor confissão
por um processo semelhante de modificação e
correcção. O-primeiro destes grupos é representado
pelos evangélicos Luteranos, que, por isso, gostam
de falar de si próprios como partidários duma «Re­
forma Conservadora»; isto significa que formaram as
suas concepções evangélicas na base do sacerdota­
lismo da Igreja Romana, da qual saíram, talvez difi­
cilmente e nem sempre com perfeição. O outro grupo
é formado pelos evangélicos Arminianos, aqueles cujo
princípio evangélico é um aperfeiçoamento do subja­
cente semipelagianismo dos «Remonstrantes Holan­
deses». Em oposição completa a grupos tais como
os mencionados, há ainda outros grupos evangélicos
16 O PLANO DA SALVAÇÃO

que adoptam o princípio evangélico fundamental na


sua pureza sem cor alguma de elementos estranhos.
Nesta variedade de posições, não é fácil estabelecer
um princípio de classificação que facilite a tarefa de
discriminar nitidamente as formas principais que o
princípio evangélico assume. Tal princípio, contudo,
parece apresentar-se-nos naquelas duas concepções
opostas do plano de salvação denominadas Universa-
iísta e Particularista. Todos os que seguem o princí­
pio evangélico concordam em que o poder para a
salvação da alma provém de Deus e é sobre ela exer­
cido directamente por Deus. Mas diferem sobre jc
Deus exerce esse seu poder de salvação igualmente,
ou, pelos menos, indiscriminadamente, sobre todos
os homens (universalmente), sejam salvos ou não, ou
se o exerce somente sobre alguns, ou (particular­
mente) sobre apenas os que são realmente salvos. O
ponto de divergência é este: ou se entende que Deus
tem um plano realmente Seu para salvar os homens
pela Sua Graça indubitavelmente eficaz e omnipo­
tente, ou se entende que apenas derrama a Sua
Graça sobre os homens, tornando-os assim capazes
de ser salvos, sem no entanto assegurar indubitàvel-
mente, a salvação de alguns, em quaisquer casos
particulares.
A controvérsia específica daqueles a quem chamei
universalistas, é que, ao mesmo tempo que todo o
poder exercido na salvação vem de Deus e é por Ele
exercido directamente sobre a alma, também tudo
aquilo que Deus faz relativo à salvação dos homens,
fá-lo em favor e para o bem de todos os homens, sem
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 17

discriminação alguma. Esta declaração parece dar


origem a uma doutrina de salvação universal. Se fosse
Deus o Senhor quem salvasse a alma e não o próprio
homem; e se Deus, o Senhor, salvasse operando com
a Sua Graça salvadora directamente sobre a alma e
se, por fim, Deus exercesse a Sua Graça salvadora
igualmente sobre todas as almas; pareceria segura­
mente inevitável a conclusão de que todos seriam
salvos. Nesta ordem de ideias tem aparecido por vezes
fervorosos militantes do espírito evangélico que, par­
tindo exactamente destas bases, têm defendido vigo­
rosamente que todos os homens são salvos: a salvação
vem totalmente de Deus, e Deus é omnipotente; e
como Deus opera a salvação por meio da Sua Graça
toda-poderosa em todos os homens, todos os homens
são salvos. É, contudo, um facto que a grande massa
dos universalistas não tem aceitado este consistente
universalismo, e isto devido às afirmações claras e
categóricas da Bíblia de que realmente nem todos os
homens são salvos. Dão de face com um grande pro­
blema e têm despendido grandes esforços para de­
fender que as actividades de Deus na salvação são
inteiramente universalistas, enquanto que o facto
central da salvação, é particularista; no entanto, o
princípio evangélico fundamental de que só a Graça
de Deus é que salva, é ainda afirmado por eles. Estes
esforços deram em resultado, especialmente, duas
correntes, a do Luteranismo evangélico e a do Armi-
nianismo evangélico. Ambas afirmam que a salvação*1
está inteiramente nas mãos de Deus e que toda a
actividade de Deus na salvação incide indiscrimina­
18 O PLANO DA SALVAÇÃO

damente sobre todos os homens, ainda que nem todos,


mas apenas alguns, sejam salvos.
Em oposição a este incoerente universalismo, outros
evangélicos há que sustentam que o particularismo
ligado ao ponto central do processo da salvação —
por isso que é Deus e só Deus Quem salva — faz,
necessàriamente, parte também do próprio processo
de salvação. Em defesa' do princípio evangélico
comum, em defesa também do supernaturalismo fun­
damental comum a todos os cristãos, nenhum deles
chegou à sua posição legítima por outra maneira —
mais em defesa da própria religião — e todos eles
advogam que, através de todo o processo da salvação,
Deus actua, não com os homens em massa, mas com
cada um individualmente, de cada um se apodera
com a Sua Graça, e a cada um, pela Sua Graça, leva
à salvação. Como é Ele Quem salva os homens, como
os salva por acção directa nos seus corações, e como
a Sua Graça salvadora é o Seu poder infinito que
efectua a salvação, os homens são devedores a Deus,
não meramente da oportunidade geral de salvação
mas em cada caso e em todos os casos da sua própria
salvação real. Por consequência, a Ele — e só a Ele
— pertence, em cada caso, toda a glória, que, aliás,
ninguém pode partilhar com Ele. Assim, para que o
justo lema Soli Deo Glória possa transparecer como
verdadeiro e não sofrer restrições, nem no seu signi­
ficado, nem na sua força, afirmam que é necessário
compreender que é de Deus que cada um que tem a
salvação, recebe cada coisa que a ela diz respeito e.
acima de tudo, o próprio facto de que é Ele que entra
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 19

na salvação. A questão exacta que divide os univer-


salistas e os particularistas é, por consequência, saber
se a graça salvadora de Deus, na qual exclusivamente
há salvação, salva realmente. A presença da graça
salvadora significa salvação, ou pode ela estar pre­
sente e não haver salvação ?
4 — Até os particularistas, no entanto, têm as suas
divergências. A mais importante dessas divergências
è a que separa aqueles que sustentam que Deus tem
em vista não todos os homens mas só alguns, nomea­
damente aqueles que são realmente salvos, em todas
as suas operações que visam a salvação dos homens;
e aqueles que desejam distinguir, entre as operações
de Deus neste campo, umas de carácter particularista
e outras de carácter universalista. Esta última ma­
neira de ver é uma tentativa para conseguir uma
harmonia entre a concepção particularista e a con­
cepção universalista, preservando o particularismo,
tanto no processo como no desfecho da salvação, o
suficiente para fazê-la depender exclusivamente da
graça de Deus e para Lhe dar toda a glória da sal­
vação real; enquanto que, ao mesmo tempo, cede ao
universalismo do processo da salvação, tanto quanto
os seus aderentes julgam poder ser feito dentro da
conservação lógica deste particularismo fundamental.
A operação especial da salvação que é cedida por
eles ao universalismo é a da redenção do pecador
operada por Cristo. Supõem que, no plano de Deus,
este facto tenha em vista todos os homens, não de
uma maneira absoluta, mas potencialmente. Todos
os homens são redimidos por Cristo, claro, desde que
20 O PLANO DA SALVAÇÃO

creiam n’Ele. A sua crença n’Ele está, no entanto,


dependente da obra da fé levada por Deus, Espírito
Santo, aos seus corações, nas Suas realizações que
têm por objectivo dar efeito à redenção de Cristo.
Esta opinião é, pois, conhecida, não meramente pelo
nome do seu autor como Amyraldianismo, mas tam­
bém, mais descritivamente como Redencionismo Hi­
potético, ou mais comummente, como Universalismo
Hipotético. Transfere a questão que divide os partí-
cularistas e os universalistas a respeito do plano da
salvação como um todo, para a questão mais espe­
cífica do trabalho de redenção realizado por Cristo.
E o centro exacto do problema vem, por consequên­
cia, a ser se o trabalho redentor de Cristo salva
realmente aqueles por quem foi consumado, ou se
apenas abre uma possibilidade de salvação para os
tais. Os universalistas hipotéticos, sustentando que o
objectivo da redenção visa todos os homens sem
qualquer diferença e que nem todos os homens são
salvos, não podem considerar a redenção como uma
operação especificamente salvadora, e estão, por
consequência, acostumados a falar dela como capaz
de tornar a salvação possível para todos, como
abrindo o caminho da salvação aos homens, como
removendo todos os obstáculos à salvação dos ho­
mens, ou de outra maneira semelhante. Por outro
lado, o particularista coerente é capaz de considerar
a redenção realizada por Cristo como efectiva, e
insiste em que ela é, em si mesma, um acto salvador
que salva realmente e assegura a salvação daqueles
a favor de quem foi realizado.
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 21

O debate vem assim a incidir sobre a natureza da


obra redentora de Cristo, e os particularistas são
capazes de tornar muito claro que qualquer coisa que
lhe seja adicionada em extensão, lhe é tirada em
intensidade. Por outras palavras, o assunto é aqui o
mesmo do debate com o universalismo geral dos lute­
ranos e arminianos, nomeadamente, se as operações
salvadoras de Deus realmente salvam; embora o ponto
aqui se concentre só numa destas operações salva­
doras. Se as operações salvadoras de Deus salvam
realmente, então todos aqueles em quem Ele opera
para salvação, são salvos e o particularismo é apre­
sentado na própria natureza do caso, a menos que
estejamos dispostos a seguir completamente o uni­
versalismo e a declarar que todos os homens se sal­
vam. Assim, no interesse do postulado fundamental
do Supernaturalismo (que separa todo o cristianismo
organizado do mero naturalismo) de que todo o poder
exercido na salvação da alma vem de Deus — e da
grande declaração evangélica Soli Deo Glória — é
que o particularista consequente afirma que a exten­
são da redenção operada por Cristo não pode ir além
do grupo daqueles que são realmente salvos, mas
deve sustentar-se que é somente uma das operações
pelas quais Deus salva aqueles a quem salva, e não
eles a si próprios. E não são somente eles que o pre­
tendem mas nós devemos dar lugar ao particularismo
tanto no processo como na realização da salvação;
mas um lugar deve ser exigido para ele igualmente
em todos os processos da salvação. É Deus, o Senhor,
quem salva; e, em todas as operações pelas quais
22 O PLANO DA SALVAÇÃO

realiza a salvação, não opera a favor de todos os ho­


mens e sobre todos eles indistintamente, mas só a
favor e sobre alguns homens, nomeadamente aqueles
a quem Ele salva. É esta a única maneira de preser­
varmos a Sua glória e de Lhe imputarmos a Ele, e
tão-sòmente a Ele, toda a obra da salvação.
5 — As diferenças que temos enumerado esgotam
as possibilidades de diferenças de grande importância
dentro dos limites do plano de salvação. Os homens
estão numa destas duas opiniões: ou são naturalistas
ou supernaturalistas; e os supernaturalistas ou são
sacerdotalistas ou do espírito evangélico; os do espí­
rito evangélico ou são universalistas ou particularis-
tas; os particularistas devem-no ser acerca de algumas
das operações salvadoras de Deus ou a respeito de
todas elas. Mas os próprios particularistas consisten­
tes acham ainda possível a existência de diferenças
entre eles próprios, não, em boa verdade, sobre os
termos do próprio plano da salvação, sobre o qual
têm todos a mesma opinião, mas no domínio dos
pressupostos desse plano; e para completar a enume­
ração apresentada, é bom que a referida diferença
seja também aqui mencionada. Nada tem que ver
com o que Deus tenha feito no decorrer das suas
operações salvadoras, mas, passando sobre o assunto
da salvação, inquire se lidou em geral com a raça
humana, como raça, no que diz respeito ao seu des­
tino. Estas duas facções são conhecidas na história
do pensamento pelos nomes que exprimem o seu
contraste, de Supralapsarianos e Sublapsarianos ou
Infralapsaríanos. O ponto de divergência entre eles
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 23

é se Deus, ao tratar com os homens quanto ao seu


destino, os divide em duas classes meramente, como
homens, ou como pecadores. Isto é, se o decreto
divino da eleição e preterição diz respeito aos homens
considerados meramente como homens, ou conside­
rados já como homens pecadores, uma massa corrupta.
O simples facto de pôr esta questão parece trazer
em si a resposta. É que o que está em causa, a saber,
a relação autêntica com os homens é condicionada
pelo pecado, e isto a respeito das duas classes igual­
mente, tanto a dos que são eleitos, como a dos que
são omitidos: não podemos falar de salvação nem de
perdição sem levar em conta o pecado. O pecado pre­
cede necessàriamente em pensamento, não a ideia
abstracta de discriminação, mas o caso concreto de
discriminação que estamos a discutir, uma discrimi­
nação a respeito de um destino, que envolve ou sal­
vação ou punição. Tem de haver a perspectiva do
pecado para o estabelecimento de um decreto de
salvação, assim como para o estabelecimento de um
decreto de punição. Não podemos, portanto, falar
num decreto de discriminação entre homens, no que
diz respeito a salvação e punição, sem pôr, como
antecedente lógico, a consideração de que os homens
são pecadores.
O erro desta divergência de opinião que estamos
agora a considerar está no facto de procurarem
levantar a questão da discriminação que Deus faz
entre os homens, dividindo-os em dois grupos, um,
o dos que recebem o Seu imerecido favor e o outro,
o dos que são objecto do Seu desagrado, procurarem
24 O PLANO DA SALVAÇÃO

levantá-la, dizíamos, fora do domínio da realidade;


assim se perdem em meras abstracções. Quando tra­
tamos deste assunto concretamente, vemos que se
resume nisto: ou Deus faz discriminação entre os
homens com o fim de salvar alguns; ou salva alguns
com o fim de fazer discriminação entre os homens.
A causa imediata que O leva a esse desejo abstracto
de discriminação será a vontade de ter alguma varie­
dade nas suas relações com os homens ? E, por isso,
unicamente para actuar segundo todas as suas possi­
bilidades, é que Ele torna alguns desses homens
objecto do Seu favor inefável e trata outros em
estrita concordância com os seus méritos pessoais ?
Ou a causa imediata que a isso o impele será, por­
ventura, o não desejar que toda a humanidade morra
nos seus pecados, e, assim, para actuar de acordo com
tal compaixão, intervém para resgatar da sua ruína
e miséria uma multidão numerosa que ninguém pode
contar — de tantas pessoas para quantas, sob a pres­
são de Seu sentido de justiça, possa obter o consen­
timento de toda a Sua natureza para isentá-los das
penas justas dos seus pecados — por um expediente
em que se encontram e se conjugam a Sua justiça e
a Sua misericórdia ? O que quer que possamos res­
ponder à primeira pergunta, o certo é que a última é
aquela que se nos apresenta com uma orientação
justa acerca das tremendas realidades da existência
humana.
Um dos motivos principais na estrutura do esquema
supralapsariano é o desejo de preservar o princípio
particularista através de todas as relações de Deus
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 25

com os homens; não apenas a respeito da salvação


do homem mas através de todo o curso da acção
divina para com o homem. Desde a própria criação, P
como já foi dito, que Deus se relaciona com os ho­
mens como divididos em duas classes, os que recebem
respectivamente o Seu imerecido favor e os que rece­
bem a Sua condenação bem merecida. De acordo
com isto, alguns supralapsarianos situam o decreto da
discriminação como o primeiro na ordem do pensa­
mento, antecedendo até o decreto da criação. Todos
eles o situam, na ordem do pensamento, antes do
decreto da queda. É, pois, oportuno salientar que
esta tentativa de particularizar toda a relação de
Deus com os homens não está, na verdade, cabal­
mente terminada. O decreto da criação do homem, e
mais particularmente o decreto de permitir que o
homem, cuja criação está planeada, caia no pecado
são necessàriamente universalistas. Não foram criados
apenas alguns homens, nem tão-pouco foram criados
alguns homens diferentes dos outros; muito pelo
contrário, toda a humanidade foi criada no seu pri­
meiro homem, e toda foi criada igual. Não foi pei-
mitida a queda de só alguns homens; foi-o, pelo con­
trário, a todos os homens e a todos de igual maneira.
A tentativa para expulsar o particularismo da esfera
do plano da salvação, onde o problema é diferente
(porque reconhecidamente só algumas pessoas se
salvam) e de o introduzir na esfera da criação ou da
queda, onde o problema é comum (porque todos os
homens foram criados e todos os homens experimen­
taram a queda) é incapaz de resolver a própria neces­
26 O PLANO DA SALVAÇÃO

sidade do caso. O particularismo só pode vir à baila


quando os diversos problemas exigem a postulação
de diversas relações que encerram problemas varia­
dos. Não deve, pois, ser introduzido na região das
relações divinas com o homem antes de o homem
necessitar de salvação e dos tratos de Deus com ele
a respeito de uma salvação que não é comum a todos.
O supralapsarianismo erra, tanto, tão sèriamente num
lado, como o universalismo no outro. O infralapsa-
rianismo apresenta o único esquema consistente con­
sigo próprio e consistente com os factos.
Há-de ser difícil ter deixado de notar que as várias
concepções da natureza do plano de salvação que
acabamos de passar em revista, não existem singela­
mente lado a lado como concepções variadas do refe­
rido plano, cada uma delas fazendo o seu apelo em
oposição a todas as outras. Estão antes relacionadas
umas com as outras como uma série progressiva de
correcções de um erro original, atingindo de cada
vez mais e mais consistência na corporização da ideia
fundamental da salvação. Se queremos, então, abrir
caminho entre elas, não o conseguiremos lançando-as
indiscriminada e corrosivamente umas contra as
outras, mas sim seguindo-as com regularidade ao
longo da série. O Supernaturalismo deve ser, em pri­
meiro lugar, considerado como contrário ao Natura­
lismo; a seguir o Espírito Evangélico, como contrário
ao Sacerdotalismo; depois, o Particularismo como
contrário ao Universalismo. E assim chegaremos
afinal à concepção do plano de salvação que faz
inteira justiça ao seu carácter específico. É segundo
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES 27

esta perspectiva que dirigiremos a nossa atenção nas


prelecções que se seguem.
O diagrama que damos a seguir mostra numa visão
sinóptica as várias conceções que acabam de ser
enumeradas nesta prelecção; tal diagrama facilita a
apreensão das suas relações mutuas.-
II

ÂUTOSOTERISMO

Fundamentalmente só há duas doutrinas de salva­


ção (*): uma diz que a salvação vem de Deus; a outra
diz que a salvação vem de nós próprios. A primeira
é a doutrina geral da Cristandade; a última é a dou­
trina do paganismo universal. «O princípio do paga­
nismo», nota o Dr. Herman Bavinck (2), «é, negati­
vamente, a negação do verdadeiro Deus ê da dádiva
da Sua graça; e, positivamente, a noção de que a
salvação pode alcançar-se pelo poder e saber do pró­
prio homem. «Vinde, edifiquemos para nós uma
cidade e uma torre, cujo cume chegue até ao céu, e
façamo-nos um nome» (Gén. 11:14). Quer as obras,
pelas quais o paganismo busca o caminho da salva­
ção, tenham um carácter mais ritual ou mais ético,
quer sejam de natureza mais positiva ou mais nega­
tiva, em qualquer caso, o homem continua sempre o
seu próprio salvador; todas as religiões com excepção
do Cristianismo são autosotéricas... E a filosofia não
conseguiu superar isto: mesmo Kant e Schopenhauer,
30 O PLANO DA SALVAÇÃO

os quais com a sua opinião acerca da maldade inata


do homem, reconhecem a necessidade de uma rege­
neração, acabam, finalmente, por recorrer à vontade,
sabedoria e poder do homem.»
Foi, por conseguinte, com muita propriedade que
Jerónimo chamou ao Pelagianismo, o primeiro sis­
tema organizado de salvação própria ensinado na
Igreja, a «heresia de Pitágoras e Zenão» (3). Com
•efeito o Pelagianismo foi a cristalização, em formas
cristãs, da ética estóica largamente difundida e pela
-qual o pensamento dos homens se tinha governado
através de toda a precedente história da Igreja (4).
À volta do princípio central da plena aptidão da von­
tade humana, sustentado com uma confiança com­
pleta e proclamado, não na fraca forma negativa de
que a obrigação é limitada pela capacidade, mas na
exultante forma positiva de que a capacidade é intei­
ramente competente para realizar toda a obrigação.
Pelágio, não querendo sistematizar, constrói um sis­
tema autosotérico completo (5). Por um lado, este
sistema ficou protegido pela negação de qualquer
«queda» sofrida pela humanidade no seu primeiro
chefe, e consequentemente de qualquer vínculo, quer
de pecado, quer de mera fraqueza, derivado da sua
história passada. Cada homem nasce na mesma con­
dição na qual Adão se criou; e cada homem contínua
através da vida na mesma condição em que nasceu.
Pela sua queda Adão, quando muito, deixou-nos um
mau exemplo, o qual, contudo, não temos necessi­
dade de seguir a não ser que-o queiramos; e os nossos
pecados passados quando, claro, formos „chamados a
AUTOSO TERISM O 31

prestar contas e tivermos que sofrer o justo castigo


que é uma consequência deles, não podem de qual­
quer maneira diminuir ou limitar o nosso dever
inerente de fazer o que é justo. «Declaro», diz Pelá-
gio, «que o homem pode estar sem pecado, e que é
capaz de guardar os mandamentos de Deus» (6). E
esta capacidade permanece intacta depois, não só do
pecado de Adão, mas também de todo e qualquer
pecado cometido pelo próprio. «É», diz Juliano de
Eclanum, «precisamente tão perfeito depois de pecar
como era antes de pecar» (7). Por isso, em qualquer
momento que queira, qualquer homem pode cessar
de pecar e daí por diante ser e continuar a ser per­
feito. Por outro lado esta afirmação categórica da
completa capacidade para cumprir toda a rectidão,
está protegida pela negação de toda a «graça» no
sentido de uma ajuda interior de Deus. Como tal
ajuda da parte de Deus não é necessária, nem é dada,
cada homem, no mais absurdo sentido, opera a sua
própria salvação: seja com medo e tremendo ou não,
isso dependerá unicamente do seu temperamento
individual. Certamente que o termo «graça» está tão
profundamente entranhado nas descrições das Es­
crituras que não pode ser banido completamente.
Por isso os Pelagianos continuaram a empregá-lo mas
explicaram-no de tal maneira que o esvaziaram do
fecundo significado que tem nas Sagradas Escrituras
Para eles a «graça» é o dom fundamental e consiste
no seu livre arbítrio inalienável e também nos moti­
vos que Deus põe no homem para que ele use esta
liberdade para o bem.
32 O PLANO JDA SALVAÇÃO

O esquema Pelagiano, portanto, abrange os pontos


que se seguem. Deus dotou o homem com um inalie­
nável livre arbítrio, em virtude do qual este é per­
feitamente capaz de fazer tudo quanto dele se exija.
Deus acrescentou a esta grande dádiva as dádivas da
Lei e do Evangelho para iluminarem o caminho da
rectidão e para persuadirem o homem a andar nele;
e até a dádiva de Cristo foi feita para suprir uma
expiação pelos pecados passados daqueles que de­
sejam proceder rectamente, e especialmente para
fornecer um bom exemplo. Aqueles que, por estes
motivos e na posse da sua liberdade inextirpável,
abandonam os seus pecados e fazem o que é recto,
serão aceites pelo Deus justo e recompensados se­
gundo as suas obras.
Foi este o primeiro esquema puramente autosoté-
rico proclamado na Igreja, e é inteiramente distinto
de todos os que se lhe seguiram de então para cá
Pela providência de Deus a divulgação deste
esquema autosotérico foi imediatamente combatida
por uma defesa da doutrina da «graça» igualmente
clara e consistentemente elaborada, de maneira que
o grande conflito entre a graça e o livre arbítrio se
travou na Igreja, de uma vez para sempre, nos
começos do século V. O campeão da graça nesta
controvérsia foi Agostinho; cujo sistema inteiro girava
em torno da afirmação de a graça ser a única fonte
de todo o bem no homem e isto de uma maneira tão
sincera e completa como Pelágio fizera em roda da
afirmação da plena capacidade da vontade humana,
só por si, poder realizar toda a rectidão. Vê-se clara­
AU TOSOTERISM O 33

mente o alcance da afirmação de Agostinho pelas


exigências do Concílio de Cartago (417 a 418 AD)
o qual recusou dar-se por satisfeito a não ser com a
confissão inequívoca de que «nós somos ajudados
pela Graça de Deus, por meio de Cristo, não somente
a conhecer o bem, mas a fazê-lo, em cada acto sim­
ples, de tal maneira que, sem a graça, somos inca­
pazes de ter, pensar, dizer ou fazer qualquer coisa
que diga respeito à piedade. «Assim, a oposição entre
os dois sistemas era absoluta. Num, tudò era atribuído
ao homem; no outro, tudo se imputava a Deus. Nele^,
duas religiões, basicamente as duas religiões possíveis,
se encontraram em combate mortal: a religião da fé
e a religião das obras; a religião que desespera do
eu e põe toda a sua confiança em Deus, o Salvador,
e a religião que põe toda a esperança no eu; ora,
visto ser a religião, na sua própria natureza, com­
pleta dependência de Deus, religião na pureza da sua
própria concepção não é mero moralísmo quase reli­
gioso. A batalha foi violenta mas o desfecho não foi,
felizmente, duvidoso. Com o triunfo do Agostinia-
nismo tornou-se claro, duma vez para sempre, que o
Cristianismo continuaria como religião e uma reli­
gião para homens pecadores necessitados de salvação,
e não se corromperia transformando-se num mero
sistema ético que conviria somente para justos que
não precisam de salvação.
Mas como se costuma dizer, o preço da liberdade
é uma vigilância contínua. Assim, a Igreja depressa
descobriu que a própria religião só pode conservar-se
à custa de uma luta contínua. O Pelagianismo difx-
34 O PLANO DA SALVAÇÃO

cilmente morreu; ou talvez não tenha morrido com­


pletamente, mas apenas se tenha retirado da cena e
aguarde o momento propício, e, entretanto, vai mo­
lestando a Igreja com formas suas disfarçadas apenas
o bastante para escapar à condenação da Igreja. O
Semipelagianismo tomou imediatamente o lugar do
Pelagianismo; e, quando a controvérsia com este foi
ganha, em seu lugar apareceu um Semi-semipelagia-
nismo, que o Concílio de Orange introduziu, por
traição, dentro da Igreja, o génio de Aquino siste­
matizou e o Concílio dé Trento, finalmente, prendeu
com cravos de ferro àquela parte da Igreja que o
seguiu. Como resultado da controvérsia Pelagiana,
surgiu o reconhecimento da necessidade da graça;
como resultado da controvérsia Semipelagiana, o da
sua preveniência mas a sua completa eficácia, a sua
«irresistibilidade», como lhe chamam os homens, foi
negada pelo fatal compromisso de Orange e assim,
a marcha conquistadora iniciada pelo Agostinianismo
foi sustida e a confissão pura da salvação pela graça
tornou-se para sempre impossível dentro daquela
secção da Igreja cujo orgulho ostensivo se expressa
em que ela é semper eadem. Na verdade, não mais
foi legalmente possível, dentro dcxs limites da Igreja,
atribuir ao homem, como fizeram os Pelagianos, a
totalidade da salvação; nem mesmo, como os Semi-
pelagianos, a iniciação da salvação. Mas também não
foi mais possível legalmente atribuir a salvação tão
completamente à graça de Deus que esta sozinha
pudesse completá-la sem a ajuda da desacreditada
vontade humana — na verdade esta ajuda surge
AU TOSOTERISM O 35

somente como autorizada e impelida pela graça pre-


veniente, mas não tão eficazmente impelida que não
possa reter e anular as operações da graça salvadora.
À tendência deste sistema Sinergista é, obviamente,
descendente e por isso não nos surpreenderá saber
que fàcilmente caiu no mencionado Semipelagia-
nismo, o qual, a despeito da sua condenação oficial
pela Igreja, parece ter constituído pràticamente a fé
da maior parte dos homens da Idade Média, e neste,
o acto que determina a salvação é atribuído, não à
graça de Deus portadora da salvação, mas à anuência
da vontade, que dá eficácia à omnipotente Graça de
Deus. Eis aqui uma salvação pelas obras, tão genuína,
embora tão grosseira, como a do próprio Pelagia-
nismo puro; e, consequentemente, através de toda a
Idade Média, o legalismo reinou soberanamente, um
legalismo que produziu exactamente os mesmos efei­
tos que se manifestaram nos círculos judaicos de que
saiu o apóstolo Paulo, tão vividamente descritos por
Heinrich Weinel. «Só pode ser feliz debaixo da dis-
pensação da lei» diz Weinel (8), «quem pode viver
numa vida inteira de mentira... Mas as naturezas
sólidas, altivas, sinceras, não podem ser espoliadas
com uma mentira. Se são incapazes de resistir, mor­
rem da mentira; se são fortes, é a mentira que morre.
A mentira inerente na lei, estava na presunção de
que esta pode ser cumprida plenamente. Todos os
companheiros de Paulo entendiam que os manda­
mentos não podiam ser guardados mas não aplicavam
isto a si mesmos. O mais velho procedia na presença
do mais novo como se os pudesse guardar; cria-se
36 O PLANO DA SALVAÇÃO

nisto pela fortaleza de outrem e não se reconhecia a


impossibilidade de si mesmo. Encobriam os pecados
aos seus próprios olhos comparando-se com outros
homens justos e recorrendo aos tempos remotos de
Enoque, Noé e Daniel, para arranjarem advogados a
favor das suas almas (9). Confiavam em que Deus
consentiria que as boas obras dos santos cobrissem
as suas deficiências, e não se esqueciam de, ocasional­
mente, implorarem perdão, embora, na generalidade,
eles mantivessem a mentira e procedessem como se
estivessem bem.»
Eis um quadro verdadeiro da Idade Média. Os
homens sabiam muito bem que não podiam alcançar
a salvação por eles próprios, mesmo debaixo do inci­
tamento da Graça de Deus; sabiam muito bem que
falhavam nas suas «boas obras» a cada passo; e,
mesmo assim, continuavam a manter esta ficção ca­
davérica (10). Não havia então homens fortes «que
derrubassem esta mentira» ? Realmente eles aparece­
ram em vários lugares, um Gottschalk no século IX,
um Huss no XV, um tardio Jansen no XVII; mas, a
despeito dos seus protestos, a mentira continuou
viva, até chegar o último homem realmente forte,
Martinho Lutero, que fez com que essa mentira mor­
resse. O Agostinianismo que tinha sido reprimido na
Igreja de Roma não pôde ser suprimido. A Igreja
tinha-se subordinado à doutrina que não podia
admitir o Agostinianismo. Este não tinha, pois, outra
solução a não ser queimar os laços que o uniam à
Igreja e sair desta. A explosão surgiu com aquilo a
que nós chamaAios a Reforma. A Reforma não é
AUTOSO TERISM O 37

nada mais do que o Agostinianismo assumindo os


seus direitos: o abandono de tudo que é humano para
apoiar-se somente em Deus no problema da salvação.
Por isso, nada é tão fundamental na doutrina dos
Reformadores como a consideração da completa inca­
pacidade do homem e da sua absoluta necessidade
da Graça divina; e contra nada os Reformadores
lutaram tão firmemente como contra a afirmação do
poder inato de o homem realizar a sua justificação.
Para Lutero, o Pelagianismo foi a heresia das heresias,
equivalente, do ponto de vista religioso, à increduli­
dade; e, do ponto de vista ético, a um mero egotismo.
Foi «para ele, o termo compreensivo de todas aquelas
coisas que ele particularmente desejava atacar na
Igreja Católica» (12). O seu tratado D e Servo Arbitrio
escrito contra a exaltação pelagirúazadova que Erasmo
fez da capacidade humana foi considerado por ele o
único dos seus livros, juntamente com o Catecismo,
no qual não encontrou nada que corrigir (13). «Quanto
à doutrina do livre arbítrio, como tinha sido pregada
antes de terem aparecido Lutero e outros Reformado­
res», escreve Calvino (13 a) «o único resultado dela foi
encher os homens de uma opinião presumida acerca
da sua própria virtude, fazendo-os inchar de vaidade,
e não dando nenhum lugar à Graça de Deus e ao auxí­
lio do Espírito Santo». «Quando dizemos a alguém»,
continua a escrever (14), «que busque a rectidão e a
vida fora de si próprio, isto é, só em Cristo, visto esse
alguém nada ter em si mesmo a não ser pecado e
morte, imediatamente estala uma controvérsia sobre
a liberdade e o poder da vontade. Pois se o homem
38 O PLANO DA SALVAÇÃO

tem qualquer capacidade proveniente de si mesmo


para servir a Deus, já não obtém a salvação inteira­
mente pela graça de Cristo, mas atribui-a, em parte,
a si próprio. Embora não neguemos que o homem
actua espontâneamente e de livre vontade, quando é
guiado pelo Espírito Santo, mantemos que toda a
sua natureza está tão imbuída de depravação que,
por si só, não tem capacidade de actuar recta­
mente» (15).
Não passou muito tempo, contudo, até nos próprios
círculos de verificado Agostinianismo onde a atribui­
ção da salvação somente a Deus era uma paixão, para
que o velho fermento da salvação pelo próprio
começasse novamente a actuar (16). Foi nada menos
do que por Filipe Melanchthon que esta nova «queda
da graça» entrou, no pensamento da Reforma, posto
que, por seu ensino só tenha feito um pequeno pro­
gresso. Três períodos se podem distinguir no desen­
volvimento desta sua doutrina (17). No primeiro, foi
um Agostiniano puro, como Lutero ou o próprio Cal-
vino. No segundo, que principia em 1527, começa a
seguir Aristóteles na sua doutrina geral da vontade.
No terceiro, de 1532 por diante, atribui à vontade do
homem, embora só como poder puramente formal,
algum lugar no próprio processo da salvação: isto
pode colocar as qualidades espirituais, criadas unica­
mente pelo Espírito Santo, em cadeias ou no trono.
A partir deste começo o sinergismo ganhou terreno,
ràpidamente, na Igreja Luterana (1S). É verdade que
encontrou oposição: os velhos Luteranos, um Ams-
dorf, um Flacius, um Wigand, um Brenz, todos eram
AU TOSOTERISM O 39

Agostinianos inteiramente convictos. Mas a oposição


não foi tão calorosa como podia ter sido se a contro­
vérsia com os Calvinistas não estivesse no seu auge.
Até Brenz admitiu que Strigel dele escarnecesse, na
disputa de Weimar, com seu predestinacionismo, pois
não tomou corajosamente a ofensiva. E assim Andrea
pôde corromper a doutrina de Lutero, na Conferência
de Mompelgard, em 1586, sem arguição (19); Aegidius
Hunmius pôde ensinar abertamente a resistibilidade
da graça (20); e John Gerhard pôde condicionar a
eleição à presidência da fé (21). Quando Melanchthon
se recreava com frases tão ambíguas como «Deus
atrai a si aquele que o busca», «Livre arbítrio é o
poder de o próprio homem buscar a graça», estava a
brincar com o fogo. Cem anos depois os teólogos
saxões Hoe van Hohenegg e Polycarp Leyser, na
Conferência da Lípsia, em Março de 1631, podiam
confiadamente apresentar como doutrina Luterana a
declaração de que «Deus certamente nos elege pela
graça de Cristo; mas isto teve lugar de acordo com a
Sua presciência de quem podia, verdadeira e cons­
tantemente, acreditar em Cristo; e àqueles que Deus
previu que podiam crer, a esses predestinou e elegeu
para os tornar abençoados e gloriosos». A obra mara­
vilhosa da Graça de Deus, ressuscitadora dos mortos,
a qual Lutero tão apaixonadamente proclamou, foi
então posta completamente à disposição daquela von­
tade do homem que Lutero declarou estar totalmente
escravizada ao pecado e ser somente capaz de rea­
lizar alguma coisa boa, quando a ela é levada pela
graça que a faz nascer de novo (22).
40 O PLANO DA SALVAÇÃO

Nada disto melhorou com o rolar dos anos. Até


um dos mais considerados professores luteranos dos
nossos dias, Wilhelm Schmidt, Professor de Teologia
em Breslau, nos diz (23) que «o propósito e amor
divinos só podem actuar precisamente através da
vontade do ser a que se dirigem»; e «numa palavra,
há em face dos sagrados decretos de Deus, uma liber­
dade estabelecida por Ele próprio, contra a qual tais
decretos, muito frequentemente se quebram e podem,
na verdade, quebrar-se em cada caso particular» í24').
Portanto não fica satisfeito com a rejeição da prae-
destinatio stride dicta dos Calvinistas, e repudia
igualmente a praedestinatio late dieta dos antigos
teólogos luteranos, a qual sustenta a existência de
um decreto de Deus pelo qual todos os homens
designados para salvação, conforme uma vontade
antecedente, enquanto que, por uma vontade conse­
quente, são postos à parte e destinados à salvação,
todos os que Deus prevê que crerão, finalmente, em
Cristo. «Porque», diz ele (25), «com a divina ou infalí­
vel presciência a respeito deles, as decisões do homem
cessam de ser livres». Assim não só a predestinação
divina, como também a presciência divina, são sacri­
ficadas no altar da liberdade humana e a conclusão
de toda a matéria é enunciada nas palavras: «Todos
os homens estão, no que diz respeito a Deus, escritos
no Livro da Vida (benevolente universalis); mas no
fim da jornada será determinado, finalmente quais os
que, de entre todos estes, permanecem escritos nele».
O resultado não pode ser conhecido antecipadamente
nem mesmo por Deus (26). Não basta que a redenção
A U TOSO TERISM O 41

comprometa a yontade, de maneira a poder-se dizer


que não há redenção, «a não ser que o pecador nela
coopere muito energicamente», mesmo se interpre­
tarmos isto como querendo significar «que ele próprio
permite ser redimido» (2r). Devemos prosseguir e
dizer que «a redenção falhará em alcançar o seu fim
e ficará sem efeito, por mais que a vontade divina,
de amor e conselho de salvação, possa desejar de
outro modo, se não lhe é dada eficácia pelo íntimo
do homem, fazendo-o realizar-se, ele agarra a mão
salvadora e arrepende-se, abandona o seu pecado e
passa a viver uma vida recta» (3S). Quando Schmidt
chega, contudo, a falar da Aplicação da Salvação pelo
Espírito Santo (20), é explícito em negar ao Espírito
Santo qualquer poder para produzir a salvação numa
alma que a não quer. «Mesmo o Espírito Santo» diz,
«não pode, em face da livre vontade que por natureza
pertence ao homem, compelir ninguém a aceitar a
salvação. Até Ele, só pode realizar o Seu propósito
de nos salvar, se nós não fizermos obstrução, não nos
desviarmos d’Ele, não nos opusermos à Sua obra em
nós. Temos poder para tudo isto e Ele é impotente
(ohnmachtig) a este respeito, quando usarmos mal
o nosso poder... Aquele que não quer ser salvo,
não pode ser ajudado nem mesmo pelo Espírito
Santo» (30).
A afirmação da capacidade do eu dificilmente
poderá ir mais longe; nem mesmo naqueles versos
excitantes, mas, sem dúvida, algo jactanciosos de
W . E. Henley.
42 O PLANO DA SALVAÇÃO

Na noite que me cobre,


Negra como a sepultura, de polo a polo,
Agradeço o que quer que Deus possa ser
Para a minha alma inconquistável.

Ao sentir a garra dos acontecimentos,


Não me tenho encolhido nem vociferado,
Debaixo das mocadas da sorte,
A minha cabeça sangra mas não se curva.

Para além deste lugar de ira e lágrimas,


Nada luz a não ser o horror das trevas,
E mesmo assim a ameaça dos anos
Encontra-me e encontrar-me-á sem medo.

Não interessa quão estreita seja a porta,


Quão cheio de punições seja o rol,
Sou o senhor do meu destino;
Sou o capitão da minha alma.

Isto é, sem dúvida, um Pelagianismo sem pejo, a


menos que prefiramos chamar-lhe paganismo puro.
contudo, é citado com acalorada aprovação, por um
considerado ministro da Igreja da Escócia, ao escre­
ver, absolutamente neste mesmo espírito, acerca do
grande assunto da «Eleição». Usa-se, na verdade,
directamente para sustentar a alegre afirmação do
princípio fundamental do Pelagianismo de que a capa­
cidade limita a obrigação: «Aquela vida cônscia que
se expressa dizendo “Tu deves”, acorda dentro de nós
AUTOSO TERISM O 43

um eco não menos certo que diz: “Porque devo,.


posso” . Aquele “posso” permanece para sempre por
mais fraco que se possa tornar» (31) Pelágio não exigi'
ria mais nada.
Podemos inferir de tal fenómeno como o meneio-
nado que as Igrejas Reformadas, embora retendo a
sua confissão Agostiniana, o que as Luteranas não
puderam fazer e, abandonando o Semi-pelagianismo
Arminiano que brotou no começo do século XVII
para os afligir como os Luteranos não o conseguiram
fazer com o seu sinergismo, tem ainda nos nossos dias
sido penetrado pelas mesmas concepções pelagiani-
zadoras. Isto é tão grandemente verdadeiro, que nos
encontramos hoje, de todos os lados, mesmo nas
Igrejas Reformadas, com as mais ilimitadas afirma­
ções da independência humana, e da impossibilidade
da acção da vontade humana ser governada ou pre­
vista. Os excessos a que isto pode conduzir por certo
se vê em claro, pois que incidentalmente, nas obser­
vações feitas pelo Dr. David W. Forrest no infeliz
livro a que chamou, por certo muito iludidamente
«A Autoridade de Cristo» (1906). Nas suas mãos a
liberdade humana tornou-se de tal modo toda-pode-
rosa que claramente aboliu não só os princípios
comuns à religião evangélica, mas toda a fé na pró­
pria providência divina. Adoptou de facto, acerca da
livre agência, um ponto de vista que reserva ao
homem uma independência completa e exclui todo o
controle divino ou até presciência da acção humana.
Incapaz de governar os actos de agentes livres, Deus
é forçado a ajustar-se constantemente a eles. Por isso
44 O PLANO DA SALVAÇÃO

tem que aceitar no Seu universo muitas coisas que


preferiria que nele não estivessem. Está por exemplo
neste caso toda a esfera do acidental. Se cooperarmos
com outros em empreendimentos perigosos, ou, diga­
mos, se sairmos à procura de diversão numa caçada,
podemos ser mortos por um acto de inexperiência
dum companheiro ou por um tiro perdido dum ati­
rador descuidado. Deus nada pode fazer neste caso e
de nada valerá apelarmos para Ele relativamente a
isto. Pois, diz o Dr. Forrest (32), «Deus só poderia
evitar que o mau companheiro ou atirador causas,;e
a morte aos outros privando-o da liberdade de traçar
o seu próprio destino. Não há, numa palavra, controle
providencial, sejam quais forem os actos dos agentes
livres. Consequentemente, diz-nos o Dr. Forrest (33)
que um homem sensato não ficará surpreendido com
o facto de sobreviverem crueldades trágicas no
mundo, as quais o fazem parecer quase obscuramente
errado: «reconhecerá as possibilidades de liberdade
do homem quando desdenha da vontade de Deus,
tanto por meio dos castigos aplicados por meio do
sofrimento, quanto pela recusa de ser ensinado pelo
sofrimento». Nem a graça de Deus pode intervir
para sanar a imperfeição da Sua providência. A livre
vontade humana interpõe uma barreira real ao ope­
rar da Sua graça; e Deus não tem poder para vencer
a oposição do coração humano .«Não há barreira à
entrada do Espírito Santo no coração», nota o
Dr. Forrest, com o ar de fazer uma grande confis­
são (34), «excepto aquela que é criada pela recusa do
coração em recebê-LO», isto constitui, evidentemente,
a u t o s o t e r is m o 45

apenas uma outra maneira de dizer que a recusa do


coração é uma barreira insuperável à entrada nele do
Espírito Santo (35). Por consequência, o progresso do
Seu reino no mundo não pode ser planeado, nos seus
pormenores, por nosso Senhor, mas jaz na Sua mente
só esboçado nas suas linhas gerais. «Viu», diz o
Dr. Forrest, «que a “conversão” tinha o seu factor
humano assim como o seu factor divino; e que as
poderosas obras de Deus podem ser tornadas impos­
síveis pelas perversidades do homem incrédulo. Por
isso, o curso detalhado do Reino no mundo é algo
inescrutável...» (36). Mesmo na própria Igreja o pro­
pósito divino pode falhar, a despeito da prometida
presença do Espírito de Deus nela: porque, embora
o Espírito não falhe em guiar a Igreja, esta pode falhar
em «preencher as condições dentro das quais ela pró­
pria utilizaria a direcção do Espírito» (37). Numa
palavra, o Dr. Forrest é tão zeloso em emancipar o
homem do domínio de Deus que chega quase a colo­
car Deus debaixo do domínio do homem. O mundo
que Deus criou escapou ao Seu controle. Deus não
tem mais nada a fazer senão aceitá-lo como ele se
Lhe apresenta e ajustar-se-lhe o melhor que possa.
Certa vez disseram a Tomás Carlyle que Margaret
Fuller tinha declarado com a sua maneira solene:
«Aceito o universo»; pois o simples comentário do
sábio foi «Co’a breca, é o melhor que ela tem a fazer».
Está Deus Omnipotente no mesmo caso ? Ora se Deus
está neste caso, seja em que grau for, então não se
pode falar de salvação do homem por Deus. Se, de
qualquer maneira, o homem tem que ser salvo, embora
46 O PLANO DA SALVAÇÃO

seja contestável se a palavra «salvação» é a que se


deve usar neste caso, é claro que ele deve «salvar-se»
,a si próprio. Se pudermos ainda falar de um plano
de salvação da parte de Deus, esse plano reduzir-se-á
só a conservar o caminho da salvação aberto, para que
o homem, que é senhor do seu próprio destino (38),
não possa encontrar nenhum obstáculo quando esco­
lher seguir por esse caminho. Em boa verdade é esta
concepção da «salvação» que, nos mais largos cír­
culos, é agora confíadamente proclamada. É este o
gonzo em que gira todo o pensamento desse Novo
Protestantismo que surgiu nos nossos dias, repudiando
a Reforma e todas as suas obras como mero medie-
valismo e agarrando-se antes ao lluminismo, como o
nascimento de um novo mundo, um novo mundo em
que só o homem governa como Senhor de tudo. Tem-
-se chamado Racionalismo a todo este movimento e,
como a um se segue outro, diremos: o Rationalismus
Vulgarís de Wegscheider; o de Kant e seus seguido­
res; o das Escolas post-Kantianas; e agora o nosso
«Novo Protestantismo», a que devemos ao menos con­
ceder o elogio de reproduzir o modelo com maravi­
lhosa fidelidade.
Pensadores profundos como Kant, talvez possamos
dizer, ainda mais pensadores de mentalidade espiri­
tual como Rudolfo Eucken, seriam incapazes de ava­
liar tão nèsciamente a natureza humana se vissem
nela apenas o bem. Mas mesmo a percepção da radical
depravação da natureza humana não pode libertá-los
do círculo fixo de pensamento que afirma a existência
da capacidade humana para toda a esfera da obriga­
A U TOSO TERISM O 47

ção humana como quer que essa capacidade seja


arquitectada. «Como é possível que um homem natu­
ralmente mau se transforme a si mesmo num homem
bom», exclama Kant (39), «isso frustra inteiramente
o nosso pensamento, porque, como pode uma árvore
má dar bom fruto ?» Mas, apesar de compreender a
impossibilidade disto, ele acaba por adoptar a solu­
ção, ou talvez não seja solução, do fraco. «Deve ser-
-nos possível tornarmo-nos melhores, mesmo se aquilo
que nós somos capazes de fazer for insuficiente, e
tudo o que podermos fazer for tomarmo-nos recep­
tivos de um auxílio mais alto, de natureza inescru­
tável» (40). Para além de semelhante apelo a um poder
místico inescrutável que corre através da vida do
homem que se esforça por se ajudar a si mesmo, nem
mesmo um Rudolfo Eucken consegue ir. E, por isso,
o nosso pensamento moderno só reproduz o antigo
Pelagianismo, com um sentido de culpa menos pro­
fundo e um sentido mais profundo das dificuldades
que o mal trouxe ao homem. Acerca da expiação nada
se diz; e enquanto esta procura uma maneira de auxi­
liar, deve ser um auxílio que corre para a alma em
resposta e paralelamente às directrizes dos seus pró­
prios esforços criadores.
O espectáculo é ainda pior fora do ambiente das
mais profundas filosofias, pois aí reproduzem-se as
mais baixas formas do Pelagianismo com toda a in­
consciência da sua capacidade. A mais característica
expressão deste ponto de vista geral é dada, talvez,
na alegação corrente de que a parábola do Filho
Pródigo engloba não meramente a essência mas a
48 O PLANO DA SALVAÇÃO

totalidade do Evangelho. Preciosa como esta parábola


é pela sua grande mensagem de que há alegria nos
céus por um pecador que se arrepende, quando é des­
viada do propósito pelo qual ela foi proferida e feita
como contendo todo o Evangelho (corruptio optimi
péssima) torna-se o instrumento de destruição de todo
o edifício do Cristianismo. Não há então expiação
nesta parábola, e nem sequer Cristo, na função mais
atenuada que poderia atribuir-se possivelmente a um
Cristo. Não há graça criadora nesta parábola; e, em
verdade, nem Espírito Santo em qualquer função,
mesmo a mais ineficaz, que lhe possa ser atribuída.
Não há, tão-pouco, nesta parábola, o amor de Deus
que procura o pecador: o pai da parábola não presta
absolutamente nenhuma atenção ao seu filho errante,
mas deixa-o só, e aparentemente não se interessa por
ele. Considerada como uma representação pictórica
do Evangelho, o seu ensino é unicamente este e nada
mais: que quando alguém, inteiramente por sua pró­
pria resolução, escolhe levantar-se e ir ter com Deus,
será recebido com aclamação. É com certeza um
evangelho muito lisongeiro. É lisongeiro dizerem-nos
que podemos levantar-nos e ir ter com Deus todas as
vezes que o queiramos, e que ninguém nos impor­
tunará por causa disso. É lisongeiro dizerem-nos que
quando resolvermos ir ter com Deus podemos esperar
uma excelente recepção e nada nos será perguntado.
Mas é este o Evangelho de Jesus Cristo ? Todo o
ensino de Jesus Cristo se resumirá nisto: que as portas
do céu permanecem abertas e que qualquer pessoa
que o queira pode entrar por elas em qualquer altura ?
AU TOSO TERISM O 49

Este é, contudo, todo o sistema dos nossos modernos


teólogos liberais: os nossos Harnacks e Boussets e os
seus inumeráveis discípulos e imitadores.
«Inumeráveis» discípulos e imitadores, disse, pois,
que estes ensinos se espalharam, sem dúvida, por todo
o mundo. Erick Schader diz-nos que durante toda a
sua vida de professor não conheceu nenhum aluno
que não tivesse sido profundamente impressionado,
durante mais ou menos tempo, com o facto de ver
nas duas parábolas — a do Fariseu e do Publicano em
oração no templo e a do Filho Pródigo — que o per­
dão de Deus não é condicionado por coisa nenhuma
e que não há necessidade de Expiação (41). Como se
vê é um Pelagianismo que ultra-pelagianiza Pelágio.
Este admitia em parte a culpa do pecado e reconhecia
também em parte a obra expiatória de Cristo ao fazer
a expiação pela dita culpa. Ora esta teologia não
admite nada disto. Sem um sentido real de culpa, e
sem o mínimo sentimento de falta de capacidade que
nos vem do pecado, põe complacentemente o perdão
de Deus à disposição de quem quiser dignar-se rece­
bê-lo das Suas mãos. À visão de Deus implícita nestas
opiniões, alguém chamou, com propriedade embora
sarcasticamente, «a concepção de Deus como animal
doméstico». Assim como vós cuidais das ovelhas para
obterdes a lã, e das vacas para obterdes o leite, assim
também cuidais de Deus para d’Ele obterdes o per­
dão. O alcance disto é horrivelmente ilustrado pela
história do pobre Heinrich Heine debatendo-se na
agonia do seu leito de morte, que ao ser interrogado
por uma visita caridosa se tinha esperança de lhe
50 O PLANO DA SALVAÇÃO

serem perdoados os seus pecados, replicou com um


relance de zombeteira amargura «Porque n ã o ! Cer­
tamente que sim: para isso é que Deus existe». Para
isso é que Deus existe ! É assim que a nossa moderna
teologia liberal considera Deus. Este não tem senão
uma função e só num ponto entra em contacto com
o homem: existe para perdoar os pecados.
Num espírito semelhante ouvimos soar por toda a
parte da Terra em proclamação apaixonada daquilo
a que os seus aderentes gostam de chamar um «evan­
gelho de todo aquele que o quer». Sem dúvida o que
se pretende enfatizar é a universalidade da oferta do
evangelho. Mas não estamos a ultrapassar as marcas
quando parecemos fazer depender a salvação pura­
mente da vontade humana ? E não deveríamos nós
deter-nos na consideração de que se desta maneira
parecemos por um lado abrir o caminho da salvação
a «todo aquele que o quer», por outro lado abrimo-
-lo somente a «todo aquele que o quer ?» E quem
há neste mundo de morte e pecado, já não digo mera­
mente que queira mas que possa querer o bem ? Não
é uma verdade eterna que não se colhem uvas dos
espinheiros nem figos dos abrolhos ? Que só a árvore
boa pode dar bom fruto e que a árvore má dá sem­
pre, e em qualquer lugar, somente mau fruto ? Não
é só o Black Giles de Hannah More, no seu livro
«Caçador Furtivo» que pode por acaso achar difícil
arrepender-se no momento em que o desejar». De
nada serve falar da salvação como sendo para «quem
quer que a queira» no mundo de um universal «não
quero». Eis aqui o ponto verdadeiramente difícil:
AU TOSO TERISM O 51

como e onde podemos nós obter a vontade P Deixemos


os outros regozijarem-se com um «evangelho de todo
aquele que o quer»: para o pecador que se reconhece
como tal e sabe o que é ser pecador, somente bastará
um evangelho de «Deus quer». Se o evangelho tem
que ser confiado às vontades mortais dos homens
pecadores, e não há nada superior ou para além,
quem então pode ser salvo ?
Como um escritor moderno, que não faz grandes
reivindicações para uma ortodoxia especial mas tem
algum discernimento filosófico, assinala «o eu que
determina é o mesmo eu que é determinado»; «o eu
que, de acordo com Pelágio deverá fazer melhorar
alguém e o mau eu que necessita ser tornado bom».
«A doença reside no querer, não em qualquer parte
de nós próprios mas no querer que a vontade pode
controlar. Como é que a própria doença pode rea­
lizar a cura ? (42). O problema situa-se nas nossas von­
tades: podemos ser bons se quisermos, mas não o
queremos; e não podemos começar por querer isto, a
não ser que nós assim queiramos começar, isto é, a
não ser que nós sempre queiramos isto. «Quem me
livrará do corpo desta morte ? Graças a Deus por
Jesus Cristo nosso Senhor». Dizem-me que me arre­
penda se quero ser perdoado; mas como posso arre­
pender-me ? Eu só faço o que está errado porque
gosto disso e não consigo deixar de gostar disso ou
gostar de algo melhor lá porque me dizem para eu
assim fazer, nem mesmo que me provem que isso
será melhor para mim. Se tenho que ser transformado,
algo deve apossar-se de mim e transformar-me» (4S).
52 O PLANO DA SALVAÇÃO

«Pode o pêssego renovar a frescura perdida R» Per­


gunta Cristina G. Rossetti, mais poèticamente, mas
com a mesma agudeza pungente:

Pode o pêssego renovar a sua frescura perdida,


Ou a violeta o seu perdido perfume,
Ou a neve manchada tornar-se branca com o na noite
[tínterior ?
O homem não pode alcançar isto, contudo nunca tem ais:
0 leproso Naamã
Mostra-nos o que Deus quer e pode.
O Deus que então operou, opera agora aqui;
Por isso não deixeis que o opróbrio anuvie a vossa
[fronte.
Deus que operou então, está a operar agora.

O pecador só pode confiar na misericordiosa omni­


potência de Deus e no Seu amor omnipotente,
«Cristo», brada Carlos Spurgeon (44j, «é não só “capaz
de salvar” aqueles que se arrependem, mas é também
capaz de fazer com que os homens se arrependam;
levará aos céus aquele que crê; mas, além disso, tem
poder para criar corações novos nos homens e para
operar neles a fé. É poderoso para fazer com que o
homem que detesta a santidade, a ame, e para cons­
tranger a dobrar os joelhos diante d’Ele, aquele que
despreza o Seu nome. Mas nisto não está tudo ô que
Ele é, porque o poder divino se vê igualmente na
obra que se segue a estas coisas...
Ele é poderoso para conservar puro o Seu povo
depois de assim o ter tornado, e para preservá-lo em
temor e amor até à consumação da sua existência
espiritual no céu».
AU TOSOTERISM O 53

Se assim não fosse, a condição do pecador seria


desesperada. O pecador só pode esperar numa graça
toda-poderosa; pois só esta é capaz de ressuscitar os
mortos. De que serve mandar um pregoeiro entre as
/'v p i* - p o r l o r í i lo iv r i n d q « A o n r v v l-r in y~J r\ / - i/ i t ú f f n n

abertas; qualquer pessoa que queira pode entrar» ? A


pei*gunta real e de premente necessicfefejí; Quem
pode dar vida a estes ossos secos ? A^ratóáontra tojctó^
o ensino que tenta levar o homá&V-confiar
mesmo como podendo r e a liz ^ ^ u m a coi t^ipiesmo
a mais pequenina part^riá^^a salvação^o^ristia-
nismo ordena-lhe quç^(|u|raieta intei&@ente a Deus.
É Deus e só Detts^qtfetn salva, em cada ele­
mento do procè^so'/da salva^^Dj'« Se houver, ainda
que seja u ^ sè^ òn to», diz:^|pr%e()n com inteligência,
«na v çsn m e m a ceiestiaKCía nossa rectiaao, que possa
ser \da^^’ or nós, estamos perdidos».
III

SACERDOTALISMO

O testemunho consistente da Igreja universal é que


a salvação vem de Deus e só de Deus. E por isso
a tendência que constantemente se manifesta igual­
mente em todos os sectores da Igreja, de se conceber
a salvação, de uma maueúa ou de outva, wum grau
maior ou menor, como vinda do homem, é estigma­
tizada pelo próprio testemunho oficial de toda a
Igreja como um resíduo de paganismo ainda não
inteiramente eliminado do pensamento e sentimento
daqueles que se declaram e se chamam a si mesmos
Cristãos. A reaparição incessante desta tendência,
debaixo de uma ou de outra forma, por toda a Igreja,
é evidência bastante, contudo, da dificuldade que os
homens sentem em preservar na sua pureza, a atri­
buição cristã da salvação unicamente a Deus. E esta
dificuldade intromete-se de uma ou outra maneira
por meio da diferença grande e de longo alcance que
se levantou nas afirmações elaboradas pela própria
Igreja, a respeito do modo divino de operar ao rea­
lizar a salvação do homem.
56 O PLANO DA SALVAÇÃO

Embora se declare que a salvação vem de Deus,


que só Ele pode salvar, ensina-se, contudo, numa
grande parte da Igreja (modernamente na maior
parte), que Deus ao operar a salvação não o faz direc­
tamente na alma humana, mas indirectamente, isto é.
por meio de instrumentos que estabeleceu como meios
pelos quais a Sua Graça salvadora é comunicada aos
homens. Como estes instrumentos são confiados a
mãos humanas para serem administrados por elas,
assim se introduz um factor humano entre a graça
salvadora de Deus e a sua acção efectiva nas almas
dos homens; e este factor humano é, na verdade
constituído como factor determinante da salva­
ção ('''’). Toda a Igreja Protestante, em todas as
suas partes componentes, Luterana, e Reformada,
Calvinista e Arminiana, se levanta, num protesto
apaixonado, contra este sistema sacerdotal, como
apropriadamente se lhe chama. Segundo o puro
supernaturalismo da salvação, insiste-se que Deus, o
próprio Senhor, opera pela Sua graça imediatamente
nas almas dos homens e que não faz depender a sal­
vação de nenhum homem, da fidelidade ou capricho
dos seus semelhantes. Como diz o velho John Hooper
que condena como «uma opinião ímpia» a noção
«que atribui a salvação do homem à recepção de um
sacramento externo», «como se o Espírito Santo de
Deus, não pudesse ser levado pela fé à consciência
arrependida e aflita, excepto sempre que é transpor­
tado por esse veículo sacramental externo» (46). Em
oposição a esta «opinião ímpia» o Protestantismo faz
depender o bem estar da alma directa e unicamente
SACERDOTALISM O 57

çla Graça de Deus, sem absolutamente quaisquer


intermediários,
A essência do sacerdotalismo encontra uma expres­
são cabal no sistema da Igreja de Roma inteiramente
desenvolvido e logicamente arrumado. De acordo
com este sistema, Deus, o Senhor, nada fez para a
salvação do homem directa e imediatamente: tudo o
que faz para salvar os homens, fá-lo por mediação
da Igreja, à qual depois de a ter investido com os
poderes adequados para essa tarefa, confiou toda a
obra da salvação (47). «Não será incorrecto dizer»,
nota o Dr. W. P. Paterson ao expor a doutrina da
Igreja Romana acerca deste assunto «que na
concepção do Catolicismo Romano o carácter predo­
minante da religião Cristã está na instituição sobre­
natural que representa Cristo, a qual leva por diante
a Sua obra e actua como mediadora virtual das bên­
çãos da salvação. A sua vocação ou comissão não é
senão o perpetuar da obra do Redentor. Claro que
não substitui a obra de Cristo. Pressupõe que Cristo,
o Filho Eterno de Deus, assentou o fundamento da
Sua obra na Sua Encarnação e na Sua morte expia­
tória, que todo o poder, autoridade e graça, vêm
finalmente d’Ele; e que, assim como todas as bên­
çãos espirituais procedem d’Ele, também só a Ele
pertence toda a glória. Mas na dispensação presente,
a Igreja, numa grande escala, tomou sobre si a obra
de Cristo. Ela é, num sentido real, a reincarnação
de Cristo com o fim de continuar e completar a Sua
missão redentora. Através da Sua Igreja continua a
realizar as funções de Profeta, Sacerdote e Rei. Ela
58 O PLANO DA SALVAÇÃO

perpetua a sua função de Profeta testemunhando a


verdade uma vez entregue aos santos, e, interpre­
tando e determinando, com uma autoridade infalível,
a doutrina que tem a mesma importância e firmeza
que a Sua própria revelação original. A Igreja é a
Sua sucessora na terra no exercício da função sacer­
dotal. Representa-O tão completamente na Sua fun­
ção sacerdotal de mediação entre Deus e os homens
que, não obstante não haver outro nome dado entre
os homens a não ser o de Jesus, pelo qual podemos
ser salvos, contudo não há promessa de salvação fora
da organização visível de que Ele é o Cabeça invisí­
vel. Além disso, entende-se que ela O representa como
sacerdote sacrificador pela repetição perpétua na
Missa do sacrifício que Ele uma vez ofereceu na
Cruz. Neste sacrifício divino que é celebrado na
Missa, ensina-se (49) «que o próprio Cristo está con­
tido e imolado duma forma incruenta no altar da
cruz; e que este sacrifício é verdadeiramente propi­
ciatório. E, finalmente, que ela administra o régio
poder de Cristo na terra. Tem direito absoluto pois
a reivindicar a obediência dos seus membros em
todos os assuntos da fé e prática com o direito e
dever de punir os desobedientes pela infracção das
"suas leis, e de coagir os contumazes».
Numa palavra, a Igreja neste sistema é considerada
cõmo sendo o próprio Jesus Cristo na sua forma ter­
rena, e, por conseguinte, sua substituta como objecto
próximo da fé dos Cristãos (50). «A Igreja visível» diz
Mohler (51), «é o Filho de Deus como aparece, con­
tinuamente, como sempre se repete a si mesmo e
SACERDOTALISM O 59

eternamente renova a Sua Juventude entre os homens


em forma humana. É a Sua encarnação perene». É
então à Igreja que os homens devem recorrer para
encontrarem a salvação; somente através da Igreja
e dos seus ritos é que essa salvação é transmitida aos
homens; numa palavra, a salvação dos homens é
mais atribuída à Igreja do que a Cristo ou à graça
de Deus. Somente «por meio dos santíssimos sacra­
mentos da Igreja», declara-se abertamente (52), é «que
toda a verdadeira justiça ou começa ou, tendo come­
çado, se desenvolve; ou tendo sido perdida é recupe­
rada». «O defeito religioso essencial desta concep­
ção», comenta muito bem o Dr. Paterson (53), «está
em fazer com que o pecador caia antes nas mãos
dos homens do que nas mãos do Deus todo-miseri-
cordioso. Voltamo-nos para Deus para obtermos a
salvação, e afinal somos entregues a uma instituição
que, a despeito das suas elevadas reivindicações está
demasiado manifestamente imbuída e controlada
pelos pensamentos de homens como nós». E de
novo (S4): «O erro radical do sistema Romano foi o
de a Igreja visível, que é tanto humana como divina,
; e que se tem tornado cada vez mais humana, se ter
j amplamente colocado a ela própria no lugar de Deus
e do Salvador: e a um discernimento religioso mais
profundo os homens aparecem como convidados e
solicitados a correrem o risco nada satisfatório, de
se confiarem às disposições e leis de origem humana
como condição para obterem a salvação divina. Sen­
tiu-se que a alma devia passar do inseguro instru­
mento terreno, com as suas reivindicações e serviços:
60 O PLANO DA SALVAÇÃO

de Mediadora, para as promessas de Deus e para uma


obra acabada do Salvador divino e devia recorrer
a Deus para a melhor certeza da verdade e salvação
que é dada interiormente pelo Espírito Santo de
Deus. Em resumo, a revisão Protestante foi mais que
justificada pela necessidade religiosa de basear a sal­
vação num fundamento puramente divino, e de dis­
pensar a maquinaria eclesiástica que era perfeita­
mente humana na sua origem e concepção». Numa
palavra, a questão que se levanta com o sacerdota-
lismo é precisamente saber se é Deus, o Senhor,
quem nos salva, ou se devemos recorrer aos homens
actuando no nome de Deus e aparelhados com os
poderes de Deus, para obtermos a salvação. É este o
ponto que divide o sacerdotalismo e a religião evan­
gélica.
A essência do esquema sacerdotal, ao encarar a
salvação real dos homens individuais, pode talvez ser
expressa claramente dizendo que, de acordo com ele,
Deus deseja verdadeiramente (ou com uma frase
lapidar, quer por uma vontade condicional antece­
dente) a salvação de todos os homens e providenciou
adequadamente a salvação deles na Igreja com o seu
sistema sacramental: mas confia o trabalho real da
Igreja e do seu sistema sacramental à acção de causas
secundárias através das quais é efectuada a aplica­
ção da graça por meio da Igreja e o do seu sistema
sacramental. Como este sistema das causas seguradas
não foi instituído com o fim de transmitir os sacra­
mentos aos homens individualmente, nem tão-pouco
com o fim de impedir essa transmissão, mas pertence
SACERDOTALISM O 61

à sua previsão geral para o governo do mundo, a


distribuição real da graça de Deus através da Igreja
e dos, sacramentos está fora do governo da Sua von­
tade graciosa. Aqueles que são salvos por receberem
os sacramentos e aqueles que se perdem por os não
terem, salvam-se ou perdem-se, por conseguinte, nãó
por decreto divino, mas por operação natural dessas
causas segundas, A vontade antecedente e condicio­
nal de Deus de que todos possam vir a salvar-se, a
qual está na condição do recebimento da Sua graça
através dos sacramentos distribuídos debaixo dó
governo das causas segundas, fica portanto, suplan­
tada pela vontade consequente e absoluta da salva­
ção, portanto, somente no caso daquela que Ele
prevê quererem, debaixo do governo das causas
segundas receber verdadeiramente os sacramentos e
a graça que é transmitida por eles. Supõe-se assim
que Deus fica isento de toda a responsabilidade rela­
tivamente à desigualdade de distribuição da graça
salvadora. Pela Sua vontade antecedente condicional
Ele deseja a salvação de todos. O facto de não se
salvarem todos é devido à falha de alguns não rece­
berem a graça indispensável, por meio dos sacra­
mentos. E a falta de receberem os sacramentos e a
graça que é transmitida por eles é devida unica­
mente à acção das causas segundas, às quais foi con­
fiada a distribuição dos sacramentos, isto é, à opera­
ção duma causa geral completamente independente
da vontade antecedente de Deus com respeito à sal­
vação. Isto parece satisfazer as mentes dos pensa­
dores sacerdotais. Para um estranho parece que isto
62 O PLANO DA SALVAÇÃO

.significa somente que Deus, tendo feito certas pro­


visões gerais para salvação, confia a salvação dos
homens à obra do sistema geral das causas segundas;
isto é, recusa estar interessado pessoalmente na sal­
vação dos homens e abandona-os à «natureza» quanto
às contingências da sua salvação.
Todo este assunto está muito bem exposto por um
inteligente escritor Jesuíta, William Humphrev S.
J. (35). Com uma referência particular ao caso espe­
cial das crianças que morrem por baptizar (e, por
isso, inevitàvelmente perdidas), que é considerada,
aparentemente, como um caso particularmente difícil
que requer um estudo muito cuidadoso. Vale a pena
seguir a sua exposição do assunto.
«O raciocínio», diz-nos ele, «faz-se nesta ordem:
Como consequência da previsão do pecado original,
•e da contaminação imediata de toda a raça humana,
pela transgressão voluntária de Adão, seu progenitor
e cabeça, Deus, na Sua misericórdia, deseja que toda
a raça humana seja restaurada. Para esse fim Deus,
<desde a eternidade, destina, promete e envia na ple­
nitude dos tempos, o seu Filho Encarnado, tendo
tomado a mesma natureza da raça humana. Ele quer
.que este Filho Encarnado, que é Cristo, possa apre­
sentar uma inteira satisfação por todos os pecados.
Aceita esta satisfação como é prevista. No tempo
designado, Cristo realmente a oferece por todos os
pecados humanos». «Deus enviou o Seu Filho para
que o mundo seja salvo por Ele». «Ele é a propiciação
pelos pecados de todo o mundo». Todos estão com­
preendidos na raça humana restaurada, mesmo aque-
SACERDOTALISM O 63

]es que morrem na infância, antes do uso da razão.


Por conseguinte na disposição da redenção estão
compreendidas todas estas crianças. Na vontade di­
vina que aceita a satisfação e na vontade humana de
Cristo que oferece esta satisfação, por todos os peca­
dos da humanidade há também uma aceitação e ofe­
recimento de satisfação pelo pecado original que
afecta todas as crianças. Por isso, tendo em vista os
méritos de Cristo e o Seu sangue derramado e em
virtude disto, Deus estabeleceu para todas estas
crianças um sacramento por meio do qual podem ser
aplicados a cada uma delas os méritos e a satisfação
de Cristo. Todas estas disposições foram pela sua
natureza ordenadas por Deus para a salvação das
crianças.
«Uma disposição da salvação tal como esta, não é
uma mera complacência pela bondade do objecto
considerado em si mesmo, e neste caso uma compla­
cência na bondade da salvação. É da parte de Deus
uma vontade activa e operosa pela salvação das
crianças. Esta disposição é relativa a todas e a cada
uma delas.
«Deus deseja efectuar a aplicação do sacramento
do baptismo, não imediatamente por Ele mesmo, mas
por meio das causas segundas; e através desta, não
a todas as crianças por uma vontade absoluta, mas
a todas elas tanto quanto as causas segundas, dispos­
tas de acordo com a Sua providência universal e
ordinária, actuem movidas por ela.
«Entre estas causas segundas estão, em primeiro
lugar, as vontades livres dos seres humanos, das quais
64 O PLANO DA SALVAÇÃO

depende a aplicação do sacramento, pelo menos 110


caso de muitas crianças. Deus antecipa estas von-
,! tádes humanas, excita-as e inclina-as pelos seus pre-
: ceitos, conselhos e auxílios, tanto de ordem natural
como sobrenatural. Assim providencia isso pela dili­
gência e solicitude dos interessados; pela obediência
destes e pela sua cooperação com a graça recebida;
pelos méritos adequados e pelas boas obras; pelas
esmolas dadas e pelas orações especiais dos pais e
daqueles a quem foi confiada a tutela das crianci­
nhas e pelo trabalho apostólico dos Seus ministros,
as crianças serão levadas à graça do baptismo. Tantò
na ordem natural como também na ordem sobrena­
tural da santificação e salvação eterna, Deus deseja
providenciar em benefício das crianças por meio dos
outros seres humanos e de acordo com as exigências
das leis gerais da providência divina.
«Desta maneira o desejo divino de salvação actua
nas vontades dos homens para conseguir a salvação
de, pelo menos, muitas crianças que apesar disso se
não salvam por culpa dos homens. Tendo em vista
estas crianças, a vontade antecedente de Deus é uma
vontade activa de que elas se salvem; não obstante,
esta não é absoluta, mas debaixo da condição de que
os homens por seu lado façam o que podem e devem
fazer segundo a vontade divina, embora consequen­
temente, quando os homens agem ao contrário, Deus
permita a morte no pecado original, e, na previsão
disto, não deseje com uma vontade consequente, a
salvação dessas crianças.
SACERDOTALISM O 65

«Além das vontades dos seres humanos que são


de ordem moral e livre, há também causas segundas,
de ordem física e estas não são livres. Estas causas
contribuem, de acordo com as leis comuns e ordiná­
rias da providência, para tomarem possível ou impos­
sível a concessão do baptismo. Deus deseja que o
curso destas causas e as leis universais pelas quais
são governadas tais como são agora em consequência
do pecado original. Deus não restaurou o estado pre-
ternatural de imortalidade, mesmo depois da reden­
ção da raça humana ter sido decretada, e efectuada
por Cristo. Daí resulta, de acordo com o curso nor­
mal destas leis, a morte de muitas crianças antes do
uso da razão; e isto algumas vezes independente­
mente de todo o exercício da vontade e livre acção
dos seres humanos.
«Com esta voga natural dos acontecimentos, há
em Deus uma vontade condicional antecedente intei­
ramente consistente que tem em vista a salvação de
todas estas crianças. A condição segundo a qual Ele
quer que se lhes aplique o baptismo é — só quando
o permita a ordem geral, que foi instituída perfeita
e sàbiamente.
«Se Deus tivesse querido esta ordem de causas fí­
sicas de si mesma com o fim de que as crianças
morressem no pecado original, certamente não se
podia dizer que Ele quisesse a salvação destas crian­
ças. Deus contudo não constituiu aquela ordem com
este fim nem tão-pouco a regula pela Sua vontade.
Ele qui-la para outros fins, para os mais sábios fins.
66 O PLANO DA SALVAÇÃO

«Por isso Deus não pretende directamente a con­


sequente morte das crianças no pecado. Só a permite
j:j visto que Ele não quer, para todas as crianças, as
^ exigências naturais das leis físicas, pela mudança da
ordem geral ou por milagres contínuos.
«Tal permissão prova somente que não há em Deus
uma vontade absoluta a respeito da salvação destas
crianças. Isto não prova de nenhuma maneira que
não haja em Deus uma vontade condicional da sal­
vação de todas elas.
«Em resumo, Deus quer a salvação de todas as
crianças que morrem no pecado original por uma
vontade antecedente de acordo com a Sua provi­
dência comum. Nesta providência comum Deus
preestabelece um determinado fim para cada coisa,
concebe e prepara meios suficientes para obter esse
fim, deixa que cada coisa use estes meios de acordo
com as exigências da Sua natureza. O mesmo será
dizer, deixa as causas naturais e necessárias actuarem
natural e necessàriamente e as causas contingentes
actuarem contingentemente, e as causas livres actua­
rem livremente».
Basta ! Certamente que agora está diante de nós
o esquema completo e, generalizando (a partir do
caso particular tratado) esse esquema inteiro é óbvia
e exactamente o seguinte: Deus providenciou tudo
o que era necessário para a salvação de todos os
homens, fê-lo, no mundo, integrado no governo das
causas ordinárias da natureza, e deixou què a sal­
vação real dos homens se operasse de acordo com
este curso normal da natureza. É uma espécie de
SACERDOTALISM O 67

concepção Deísta do plano da salvação: Deus intro­


duz no conjunto das causas pelas quais o mundo é
governado, um novo grupo de causas, trabalhando
confluentemente com as outras pela salvação, e
então deixa ao trabalho comum destas duas ordens
de causas o moldar os resultados reais. Ele não quer
«mudar a ordem geral»; e não quer intervir na ordem
geral por «milagres contínuos». Limita-se a confiar
a salvação à ordem geral como está realmente esta­
belecida. Isto é obviamente, quando muito, atribuir
a salvação do indivíduo a Deus, somente no sentido
em que se atribuem a Deus todos os outros acon­
tecimentos que lhe dizem respeito; estas coisas decor­
rem sob a acção de leis gerais. Não há nenhum
, supernaturalismo especial na sua salvação, embora
seja salvo pela operação de instrumentos superna­
turais especiais inseridos na ordem do mundo. Deus
fica oculto por detrás das Suas obras, e o homem,
\se chegar a ser finalmente salvo, é salvo pela lei.
~§e perguntarmos, por conseguinte, por que é que
neste esquema um homem é salvo e outro não, deve­
mos responder: porque os sacramentos são dados a
um e não a outro. Se perguntarmos por que é que
os sacramentos são dados a um e não a outro, deve­
mos responder: porque a ordem geral da providên­
cia, instituída sábia e justamente para governar o
mundo, consente nisso; e os agentes livres envolvi­
dos, debaixo da ordem de Deus, concorrem livre­
mente para este fim num caso e não noutro. Se
perguntarmos se foi Deus quem assim dispôs a pro­
vidência para produzir estes efeitos precisos, devemos
68 O PLANO DA SALVAÇÃO

responder: Não, porque a ordem geral da providên­


cia foi instituída para o governo geral e sábio do
mundo e estes efeitos particulares são meramente
incidentais nele. Se prosseguirmos perguntando, se
Deus não podia ter preparado a Sua providência
geral de maneira a obter melhores resultados e se
não podia ter governado de tal maneira o mundo
que assegurasse tudo o mais que queria e ainda a
salvação dos homens em grande número e com mais
particularidade de escolha da Sua parte, somos estú­
pidos. Pois há aqui uma sujeição manifesta das acti­
vidades de Deus ao operar dos instrumentos que Ele
instituiu, há uma manifesta subordinação de Deus,
nas Suas obras, às causas segundas; ou, pondo isto
de outra maneira, há uma manifesta remoção do
homem, no que diz respeito à sua salvação do con­
trole directo de Deus e uma entrega deste, em con­
trapartida, às ternas misericórdias de um mecanismo.
A interpretação do cristianismo em termos de
sacerdotalismo não se limita, infelizmente, nos nossos
dias, à velha Igreja não-reformada da qual saiu o
.'" Protestantismo, precisamente para escapar, no que
diz respeito à salvação à dependência mais da Igreja
\do que de Deus unicamente. Uma facção muito in­
fluente (talvez presentemente a mais influente, e
certamente para quem a vê, a mais notável) na
grande Igreja Protestante da Inglaterra, e, a seguir
a esta, nas grandes parcelas das Igrejas filhas dela,
ressuscitaram-no com uma maior ou menor perfeição
de expressão e positivamente sem hesitação nenhuma
de afirmação. É comum nos nossos dias ouvirmos os
SACERDOTALISM O 69

escritores Anglicanos atribuírem a salvação dos


homens mais à Igreja do que directamente a Deus;
e definirem a Igreja como a «extensão da encarna­
ção» (56). «Para todo aquele que pensa cuidadosa­
mente e crê na Encarnação», diz-nos um influente
clérigo da Inglaterra (57), com toda a ênfase de con­
vicção, «é evidente que a Igreja, o Corpo de Cristo,
sempre unido à sua divina Cabeça, conserva em si
mesma os poderes da vida d’Ele», e por conseguinte
está «equipada», não meramente para falar do seu
Senhor, mas predominantemente «para aplicar à
alma individual a graça alcançada para a sua Igreja
pelo nosso santo Redentor, e residente nesse corpo
porque ele está sempre unido à Cabeça» (58). Todo
o sistema sacerdotal está contido nesta declaração.
Diz-nos Darwell Stone que a Igreja é uma sociedade
visível cujo trabalho é duplo, correspondendo ao tra­
balho do Senhor, como está expresso em João 1:17: —
a Graça e a verdade vieram por Jesus Cristo»: «A
/Igreja, como Seu corpo místico e Seu órgão no
mundo, é a ensinadora da verdade e o armazém da
graça». Desde o dia de Pentecostes, dia da criação
da Igreja Cristã», expõe mais adiante (50), «o caminho
habitual pelo qual Deus outorga graça às almas dos
homens, é através da glorificada humanidade de
nosso Senhor, e da obra de Deus Espírito Santo. Os
meios mais próximos de undão com a humanidade
glorificada de Cristo e os modos mais imediatos de
contacto com Deus Espírito Santo estão no corpo
/ místico de Cristo que é a Igreja e estão patentes aos
l homens no uso dos sacramentos. Assim a Igreja
70 O PLANO DA SALVAÇÃO

Cristã é o canal da graça». A partir disto o Sr. Stone


continua a expor o sistema sacerdotal de tal maneira
que se não distingue da exposição geralmente feita
pela Igreja de Roma.
Recorremos, contudo, a um teólogo americano
para que nos explique o sistema sacerdotal tal como
tem sido ensinado nas Igrejas Episcopais Protestan­
tes (60). «O homem», lemos no livro «Catholic Faith
and Practice», do Dr. A. G. Mortimer, «tendo tido
a sua queda antes de se ter cumprido o amoroso
propósito de Deus, tem que ser redimido, resgatado
do seu cativeiro, libertado dos seus pecados, reconci­
liado mais uma vez com Deus, de tal maneira que a
Vida Divina possa novamente fluir na sua natureza
enfraquecida» (p. 65). Cristo pela Sua vida e morte
fez expiação pelos pecados de todos os homens, quer
dizer satisfação suficiente para toda a humanidade,
pois através da Expiação é dada a toda a alma graça
bastante para a sua salvação; mas essa graça, embora
suficiente, se é negligenciada torna-se sem valia»
(p. 82) (61). «A Encarnação e a Expiação afectaram
a humanidade somente como raça (62). Alguns meios,
contudo, que foram necessários para transmitirem as
dádivas inestimáveis que delas dimanam, para os indi­
víduos de que se compõe a raça humana, não somente
quando nosso Senhor esteve na terra, mas até ao fim
do mundo. Tendo, por isso, em vista esta necessidade,
é que nosso Senhor fundou a Igreja» (p. 84). «Assim
se tornou a Igreja o agente vivo pelo qual as graças
e bênçãos de Cristo eram Graças dispensadas a cada
' alma individual que delas se apropriaria» (p. 84). «A
SACERDOTALISM O 71

Igreja clama não somente que é a ensinadora da


verdade e guia da conduta, mas... a dispenseira
daquela graça, que só por si pode tornar o homem
capaz de crer na verdade, de fazer o que é justo, e
de atingir o seu verdadeiro fim, servir a Deus acei-
tàvelmente aqui e viver com Deus em felicidade no
além» (p. 114). «Os principais instrumentos da graça
são os sacramentos» (p. 120). «Estes são os canais
pelos quais o dom espiritual é levado às nossas
almas... Os Sacramentos Cristãos, portanto, não signi­
ficam meramente graça; eles de facto transmitem-na.
Por isso são chamados sinais “eficazes” da graça. A
sua acção é ex opere operaio» (p. 122). «O Baptismo
é absolutamente necessário para a salvação, porque,
ninguém pode ter vida se não tiver nascido. A isto
chama-se “necessita medii” visto que o Baptismo é
o instrumento pelo qual é dada à alma a vida sobre-
\j natural e pelo qual o indivíduo é incorporado em
Cristo». «Sem o seu auxílio (da Eucaristia) seria tão
difícil obter a salvação, que se torna pràticamente
impossível» (p. 127). Eis aqui nitidamente expresso
um sacerdotalismo como o da própria Igreja de Roma,
do qual, na verdade, foi simplesmente copiado. A
-> Igreja tomou completamente o lugar do Espírito de
Deus, como fonte imediata da graça, e a acção do
Espírito divino, aplicar a salvação, é transferida para
a Igreja e submetida às obras desta através das suas
ordenanças. Assim se tira a alma da dependência
imediata de Deus, e se ensina antes a recorrer à
Igreja e dela directamente esperar todas as dádivas
da graça.
72 O PLANO DA SALVAÇÃO

Uma forma diferente de sacerdotalismo mais mo­


derado está inerente no Luteranismo Confessional, e
continuamente se eleva a uma maior ou menor proe­
minência em certas «fases» do pensamento Luterano,
criando assim também na Igreja Luterana, uma fac­
ção da Igreja Alta. Tem sido a vanglória do Lute-
ranismo o facto de representar duma maneira dife­
rente do Calvinismo, uma «reforma conserva­
dora» (63). Essa vanglória é justificada tanto noutros
assuntos como neste porque tem incorporado no seu
sistema confessional a essência do sacerdotalismo que
caracterizou a Igreja Velha. O Luteranismo Confes­
sional, como o Romanismo, ensina que a dádiva da
salvação é transmitida aos homens pelos meios da
graça e não de outro modo. Mas faz certas modifi­
cações no ensino sacerdotal que recebeu da Igreja
Velha e estas modificações são de tão longo alcance
que transformam todo o sistema. Não se ouve falar
muito vulgarmente, no sacerdotalismo Luterano,
acerca de «a Igreja» que é o verdadeiro cor cordis
do sacerdotalismo Romano: mas do que se ouve falar
em lugar disso, é de «os meios da graça». Entre estes
«meios da graça», o principal lugar não é dado aos
sacramentos, mas à «Palavra» que é considerada
como o principal dos «meios da graça». Estes não são
apresentados como actuando ex opere operato mas
declara-se constantemente que são efectivos somente
pela fé. Não digo que este esquema seja consistente:
de facto está cheio de inconsistências. Mas continua
a ser sacerdotal em grau suficiente para confinar as
actividades da graça salvadora aos meios da graça,
SACERDOTALISM O 73

isto é, à Palavra e aos sacramentos, e assim, interpõe


os meios da graça entre o pecador e o seu Deus. Por
isso o principal erro do sacerdotalismo está presente
neste esquema na sua significação completa e, sem­
pre que aparece em actividade plena, vemos os
homens a exaltarem os meios da graça e a esque­
cerem, mais ou menos, o verdadeiro agente de todas
as obras graciosas, o próprio Espírito Santo pela Sua
absorção nas agências através das quais, somente, se
supõe que Ele pode operar. Por isso tem um grande
interesse religioso o facto de os Reformados, contra
os Luteranos, insistirem com energia em que, impor­
tantes como são os meios da graça, e honrados como
devem ser por nós porque o são por Deus Espírito
Santo como instrumentos com os quais e através dos
quais Ele opera a graça nos corações dos homens,
contudo, a despeito dessa graça que Ele opera com
eles e através deles, mas imediatamente fora de si
mesmo, extrinsecus accedens.
Há três aspectos do funcionamento do sistema sa­
cerdotal que devemos ter claramente em vista se que­
remos avaliar, com alguma exactidão, o dano que
inevitàvelmente produzem nos interesses religiosos. Já
a eles aludimos mais ou menos expressamente, mas
parece-nos acertado atentarmos agora neles formal­
mente tanto em particular como em conjunto.
Em primeiro lugar o sistema sacerdotal separa a
alma do contacto directo e da dependência imediata
do Deus Espírito Santo como fonte de todas as suas
graciosas actividades. Interpõe entre a alma e a fonte
de toda a graça um corpo de instrumentos dos quais
74 O PLANO DA SALVAÇÃO

a faz depender; e assim entrega à alma a concepção


mecânica da salvação. A Igreja, os meios de graça,
tomam, no pensamento do Cristão, o lugar do Deus
Espírito Santo, e assim o crente perde toda a alegria
e o poder que vem de uma consciente comunhão
directa com Deus. O facto de dependermos conscien­
temente ou dos meios de graça ou do próprio Deus,
o Senhor, pela experiência' da Sua presença pessoal
nas nossas almas, operando a salvação pela Sua graça
amantíssima, torna totalmente diferente a vida da Fé
e o conforto e segurança que dele vêm. Os dois tipos
de piedade provocados pela dependência, quer dos
instrumentos da graça quer da comunhão consciente
com Deus, o Espírito Santo, como Salvador pessoal,
são absolutamente diferentes e, esta diferença, do
ponto de vista da religião vital não é favorável ao
sacerdotalísmo. É por isso que, no interesse de uma
religião vital, o espírito Protestante repudia o sacer-
dotalismo. E é este repúdio que constitui a verdadeira
essência do Evangelicalismo. Precisamente o que a
religião evangélica quer é a dependência imediata
da alma de Deus, e só de Deus, para alcançar a sal­
vação.
Em segundo lugar o sacerdotalísmo trata Deus, o
Espírito Santo, a fonte de toda a graça, com completa
indiferença pela Sua personalidade, como se Ele fosse
uma força natural, operando não quando, onde e
como Lhe agrada, mas uniforme e regularmente sem­
pre que as Suas actividades são permitidas. Apresen­
ta-nos a Igreja como «instituto da salvação» ou como
«o armazém da salvação» com, aparentemente uma
SACERDOTALISM O 75

completa inconsciência de que isto é o mesmo que


falar da salvação como algo que pode ser acumulado
ou armazenado para ser usado sempre que seja neces­
sário. Esta concepção não é essencialmente diferente,
digamos, da de armazenar electricidade numa garrafa
de Leyden, donde pode ser tirada para consumo.
Quão terrível é esta concepção, pode ser avaliado
falando dela simplesmente com franqueza, segundo
as sua verdadeiras formas de expressão: é equivalente
a dizer que a graça salvadora do Deus Espírito Santo
se fecha como uma torneira e se abre à vontade da
Igreja para fazer a obra que se lhe exige. Não será
provàvelmente nenhum exagero dizer que nenhuma
heresia pode ser mais grosseira do que a heresia que
concebe as operações do Deus Espírito Santo sob a
forma de agir de uma força natural e impessoal. E,
contudo, é absolutamente óbvio que no fundo é esta
a concepção que está na base do sistema sacerdotal.
A Igreja, os meios de graça, contêm em si o Espírito
Santo como um poder produtor da salvação que opera
sempre que, e onde quer que, dificilmente o conse­
guimos dizer, é aplicado.
E isto envolve obviamente, em terceiro lugar, a
sujeição do Espírito Santo, nas suas operações gra­
ciosas, ao controle dos homens. Em lugar da Igreja e
dos sacramentos, os meios da graça, serem concebidos
como são apresentados nas Escrituras e como devem
ser concebidos em todas as sãs concepções religiosas,
como instrumentos que o Espírito Santo usa ao ope­
rar a salvação, transforma-se o Espírito Santo num
instrumento que a Igreja, os meios de graça, usa ao
76 O PLANO DA SALVAÇÃO

operar a salvação. Atribui-se a iniciativa à Igreja, os


meios de graça, e, o Espírito Santo fica à disposição
deles: Vai onde eles O levam; opera onde lhes agrada
que opere; as Suas operações dependem da permissão
deles; e sem a sua direcção e control Ele não pode
operar a salvação. Desnecessário é dizer que esta é
uma concepção degradante dos modos de actividade
do Espírito Santo. As suas afinidades são, não com a
religião em qualquer sentido digno desta palavra que
implica relações pessoais com um Deus pessoal, mas
com a magia. No fundo, põem as acções divinas à
disposição dos homens que usam Deus para os seus
próprios fins; e esquece completamente que devemos,
pelo contrário, conceber Deus como usando o homem
para os seus fins.
O espírito evangélico repudia tudo isto e recorre
a Deus Espírito Santo em humildade e dependência
d’Ele como nosso Salvador gracioso, como nosso
Senhor pessoal e nosso santo Governador e Guia, e
por isso recusa ter qualquer ligação com o sacerdota-
lismo e afasta-se de todos os instrumentos da salvação,
colocando a sua única confiança no Salvador pessoal
da alma.
IV

UNIVERSA LISM O

O princípio evangélico é proclamado formalmente


por todo o Protestantismo organizado. Isto quer dizer
que todos os grandes organismos protestantes con­
cordam formalmente nas suas confissões oficiais na
afirmação da profunda dependência da graça de
Deus para salvação, e só da graça de Deus,■‘■que se
encontra o pecador e em conceber esta dependência
como imediata e directa do Espírito Santo, em acção
Pessoal e operação directa sobre o coração do peca­
dor. É esta característica evangélica que determina a
preciosidade da devoção ou piedade das igrejas pro­
testantes. A feição característica desta piedade é uma
profunda consciência de uma íntima comunhão pes­
soal com Deus, o Salvador, em Quem a alma descansa
com amor e confiança directos. É óbvio que esta pie­
dade é individualista até o âmago e está alicerçada
numa intensa convicção de que Deus, o Senhor, se
relaciona directamente e individualmente com cada
alma pecadora. Não obstante, em estranha contradí-
78 O PLANO DA SALVAÇÃO

ção com este sentimento individualista que dá forma


a toda a verdadeira piedade evangélica, existe no
Protestantismo uma dilatada tendência para inter­
pretar as actividades de Deus na salvação, não indi-
vidualisticamente mas universalisticamente, numa pa­
lavra, para afirmar que tudo que Deus faz visando
a salvação do pecador, o faz não a favor ou para os
homens como indivíduos, mas a favor de e para todos
os homens igualmente, sem- distinção. É esta a carac­
terística controvérsia daquilo que conhecemos como
Arminianismo Evangélico e do Luteranismo Evangé­
lico e é convicção profunda de grandes grupos pro­
testantes que são constituídos em muitas denomina­
ções, sob variados nomes.
Em face disto, pareceria que, se é Deus, o Senhor,
e só Ele, Quem opera a salvação, por uma acção da
Sua graça directamente sobre o coração (o que vem a
ser o âmago da confissão evangélica), e, se tudo que
Deus faz quanto à salvação dos homens, o faz para e
a favor de todos eles igualmente (o que vem a ser a
substância da pretensão universalista), então, todos os
homens sem excepção devem ser salvos. Poderia pare­
cer que só poderíamos escapar a esta conclusão abran­
dando num sentido ou noutro a forte pressão duma ou
doutra das premissas sustentadas: — Ou temos de sus­
tentar que não é Deus, e só Deus, que opera a salva­
ção mas que o gozo real da salvação depende decisi­
vamente de qualquer coisa no homem, ou de qualquer
coisa que deva ser feita pelo homem (e então teremos
caído fora do nosso espírito evangélico e dentro de
um mero naturalismo ou autosoterismo); ou então
UNIVERSALISM O 79

temos que sustentar que as graciosas actividades de


Deus que dizem respeito à salvação não são, depois
de tudo, nas suas operações, absolutamente universais
(e então teríamos apostatado do nosso afirmado uni­
versalismo); ou finalmente parecerá inevitável que
tenhamos de admitir que todos os homens são salvos.
Um evangelicalismo consistente e um universalismo
também consistente só poderão coexistir, se estiver­
mos dispostos a sustentar a salvação de todos os
homens sem excepção pela graça omnipotente de
Deus.
De acordo com isto, tem existido sempre uma ten­
dência naqueles círculos evangélicos que recuaram
mais ou menos decisivamente da atribuição de um
completo particularismo a Deus na distribuição da
Sua graça, para afirmar a real salvação de todos os
homens, uma vez que, está claro, aquele seu sentido
da completa dependência do pecador de Deus para
a salvação é forte e eficaz. Entre as condenações de
erros incluídos na Summa Confissionis et Conclusio-
nurn do Sínodo realizado em Deebreczen, em 24 de
Fevereiro de 1567, encontra-se uma cláusula dirigida
contra o que ali se chama os «Holopraedestinarii»,
concebida nos seguintes termos (64): «As Sagradas
Escrituras refutam por estas razões também os Holo­
praedestinarii, isto é, aqueles que imaginam que todo
o mundo está abrangido pela «eleição» e que, por­
tanto, uma predestinação universal se segue de uma
promessa universal; e ensinam que a predestinação
é de poucos, e é particular, e que o número dos eleitos
é certo e que a sua descrição abrange até os seus
80 O PLANO DA SALVAÇÃO

próprios cabelos («e até os cabelos da vossa cabeça


estão contados»)... Mas não se segue desta doutrina
absolutamente que Deus seja parcial ou faça acepção
de pessoas». Não fizemos uma investigação cuidadosa
sobre quem tenham sido estes holopraedestinarii do
século dezasseis f ’4 a); mas é certo que, de então para
cá, nunca tem faltado gente que, no intuito de defen­
der Deus da acusação de «parcialidade ou respeito de
pessoas», se tenha inclinado para crer que Ele tenha
eleito todos os homens para a salvação e pela Sua
omnipotente graça os leve todos a esse objectivo
bendito.
Os mais recentes e talvez mais instrutivos exemplos
desta tendência são dados por dois teólogos da Igreja
da Escócia, nos nossos tempos, O Dr. William Hastie,
falecido professor de teologia na universidade de
Glasgoro e o Dr. William P. Paterson, com regência
actual da Cátedra de Teologia, a Cátedra de Chal-
mers de Flint, na Universidade de Edimburgo. Nas
suas admiráveis prelecções Croal sobre «A Teologia
das Igrejas Reformadas nos seus Princípios Fun­
damentais», diz o Dr. Hastie: «a palavra da espe­
rança eterna parece-me a última mensagem da
Teologia Reformada» (65); e o Dr. Paterson retoma
o assunto e nele espraia-se no excelente capítulo sobre
«O Testemunho das Igrejas Reformadas», incluído na
sua Prelecção Baird a respeito de «A Regra da Fé» (66l
O Dr. Paterson considera que o calvinismo contém
em si elementos «que são mutuamente repulsivos»,
na sua «doutrina das penas eternas», por um lado, e
na sua «doutrina da eleição e graça irresistível», por
UNIVERSALISM O 81

outro. Pode-se encontrar alívio, sem dúvida, «quando


o pensamento se revolta contra o tornar Deus respon­
sável pelo castigo eterno de alguns «por uma doutrina
de condenação, refugiando-se num tipo de pensa­
mento Arminiano ou semi-Arminiano». Este alívio
deveria, contudo, ser adquirido pelo preço muito ele­
vado do abandono da idoneidade de pensamento pela
apostasia da fidelidade ao princípio evangélico, que é
o coração do cristianismo. Segundo o Dr. Paterson não
há outro remédio senão rejeitar a doutrina das penas
eternas e «reduzir a condenação a uma temporária
falta de privilégios e de benefício espiritual». E, um
tanto condescendentemente, nota que «uma curiosa
circunstância é que, enquanto o calvinismo se tem
tornado grandemente impopular, principalmente de­
vido à sua identificação com uma horrenda e cruel
doutrina de castigo eterno, é o único sistema que
contém princípios — nas suas doutrinas da eleição e
da graça irresistível — que poderiam tornar crível uma
teoria de restauração universal».
O que o Dr. Paterson diz nestas últimas palavras
é bastante verdadeiro: mas é verdadeiro só porque,
quando considerado com rectidão, é o calvinismo com
as suas doutrinas da eleição e da graça irresistível, o
único sistema que pode tornar crível a salvação de
qualquer pecador; é que só nestas doutrinas estão
incorporados na sua pureza os princípios evangélicos
que afirmam que a salvação é de Deus unicamente
e d’Ele só na obra directa da graça. Se esta graça na
misericórdia inefável de Deus, é dada somente a
alguns homens ou é derramada sobre todos os homens
82 O PLANO DA SALVAÇÃO

igualmente, isso é uma outra questão que se há-de


determinar no seu lugar. E esta questão, por certo,
não é fácil de resolver por meio da simples suposição
de que a misericórdia de Deus deve ser derramada
sobre todos igualmente, desde que de outro modo não
podem ser salvos todos os homens. O pressuposto fun­
damental de tal hipótese é que Deus deve salvação
a todos os homens, o que equivale a dizer que o
pecado não é realmente pecado e deve ser encarado
mais como um infortúnio do que como um demérito.
Que é esta a fraca opinião a respeito do pecado
que é determinativa de toda a directriz do pensa­
mento do Dr. Paterson sobre este assunto, torna-se
evidente do exame dos termos que ele usa na sua
argumentação. «Tem-se dito vulgarmente», argu­
menta ele, «que, como não teria havido injustiça na
punição de todos os seres culpados, também não
haverá nenhuma injustiça na punição de alguns de
entre eles. Aqueles que são salvos, são-no devido
à misericórdia de Deus, enquanto que os que se
perdem, perecem devido aos seus pecados. Isto é
tão verdadeiro como dizer que as pessoas doentes
que são salvas pela capacidade e dedicação dum
médico, lhe devem as suas vidas, e as que morrem,
perecem devido às suas doenças; mas neste caso,
não poderá o médico fugir à censura, desde que se
possa mostrar que estava no seu poder ter tratado e
salvo os que morreram. Não é, pois, possível afirmar
que a doutrina do amor divino não seja afectada, visto
que, segundo o princípio calvinista, Deus tem poder
de tratar todos da mesma maneira que trata alguns.
UNIVERSALISM O 83

Uma vez que ex hypotesi, Deus tem poder, em vir­


tude do princípio da graça irresistível, de salvar até
os piores, e se, no entanto, há uma parte da humani­
dade destinada ao castigo eterno, parece que isto só
pode ser explicado pela suposição de que o amor
divino não é perfeito, porque não é nem amor infa­
tigável nem amor que abranja a todos».
É, então, inconcebível que a mão divina possa ser
impedida de salvar a todos por qualquer outra coisa
diferente da falta de poder ? O assunto completo do
demérito do pecado e da justiça de Deus que res­
ponde com fervente indignação a esse demérito, tudo
isto é deixado fora na argumentação do Dr. Paterson.
Se o caso fosse realmente como ele o apresenta e os
homens na sua extrema miséria jazessem diante da
mente divina apelando unicamente para a piedade de
Deus, seria inexplicável que Ele não os salvasse a
todos. Um médico que, tendo poder de tratar e curar
todos os seus doentes, escolhesse arbitràriamente
alguns e os curasse só a eles, incorreria com justiça
na condenação dos homens. Mas um juiz que tenha
poder de soltar todos os criminosos à sua responsabi­
lidade, não pode ser impedido por mais elevadas con­
siderações, de soltar a todos ? Pode ser inexplicável
que o médico do caso suposto os não salve a todos;
mas no caso do juiz, o que nos pode causar admiração
é que ele possa soltar alguns. O amor de Deus exerce-
-se necessàriamente sob o controle da Sua justiça; e
pretender que o Seu amor tenha sofrido um eclipse
lá porque Ele não tenha feito tudo aquilo que tem o
poder de fazer, é, realmente, negar-Lhe uma natureza
84 O PLANO DA SALVAÇÃO

moral. A solução real da perplexidade levantada a


respeito da distribuição da graça divina não deve ser
procurada nem ao longo das linhas da negação da
omnipotência da graça de Deus, como fazem os Armi-
nianos, nem a partir da negação da realidade da con­
denação como fazem os nossos neo-universalistas, mas
sim na afirmação da Sua justiça. A velha resposta é,
afinal, a única suficiente: Deus, no Seu amor, salva,
da delinquente raça humana tantos quantos Lhe per­
mite a aquiescência da Sua natureza inteira. Sendo
Deus e quanto Deus é, não permitirá até que o Seu
inefável amor O leve a alguma acção que não seja
justa. Devemos, portanto, louvá-Lo, confiar n’Ele e
amá-Lo. Pois Ele não é um Deus só em parte, um
Deus nisto ou naquilo, com apenas alguns e não todos
os atributos que pertencem ao verdadeiro Deus: Ele
é totalmente Deus, Deus de um extremo ao outro,
tudo o que Deus é e deve ser.
Não foi, no entanto, o consistente universalismo
que pretende a salvação real de todos os pecadores,
aquele que tem sido adoptado pela massa dos pro­
testantes universalístas. Pois não há dúvida de que
as Escrituras são inteiramente claras em não permi­
tirem a indulgência deste sonho agradável: é absolu­
tamente certo que nem todos serão salvos, mas, no
último dia, continuarão as duas classes, a dos salvos
e a dos perdidos, e cada uma delas é enviada para
o destino que lhes pertence. O grande problema que
tem de ser encarado peio evangelismo universaíízante,
é o de como Deus, e somente Deus, salva a alma e
de que tudo que Deus faz visando a salvação da
U N IVERSALISM O 85

alma, o faz para os homens e a favor de todos


eles igualmente, e, no entanto, nem todos os homens
são salvos. As suas tentativas para resolver este
problema deram-nos as elaborações doutrinais conhe­
cidas como Luteranismo Evangélico e Arminianismo
Evangélico que pretendem associar uma evangeli­
zação própria e um universalismo próprio e ainda
providenciar quanto aos diversos problemas de sal­
vação e condenação. Que tais sistemas tenham con­
seguido resolver este (digamo-lo francamente, irreso-
lúvel) problema, não o acreditamos, naturalmente; e
o princípio que sofre detrimento com os ajustes for­
çados que eles propõem, e em ambos os casos, o
princípio evangélico fundamental. Mas deve ser
reconhecido, com franqueza, que os dois sistemas
pretendem ter encontrado a solução e são, portanto,
enfáticos nas suas profissões, tanto de puro evange-
licalismo, quanto de completo universalismo na acção
de Deus quanto à salvação. Valerá a pena tornar isto
claro para nós próprios. E, ao fazê-lo, seleccionaremos
declarações de que possamos aprender alguma coisa
mais do espírito e dos pontos de vista desses dois
grandes sistemas do que dos factos particulares que,
mais imediatamente, prendem a nossa atenção.
Podemos ver quão profundamente está incluída a
convicção evangélica na consciência do Arminianismo
evangélico por meio de uma instrutiva exposição dele
dada pelo Dr. Joseph Agar Beet (e7). Esta exposição
ocorre num contexto em que o Dr. Beet está a rebater
acaloradamente a doutrina da eleição incondicional.
«Este terrível erro», diz ele, «que era predominante
86 O PLANO DA SALVAÇÃO

há um século, é apenas um exagero da importante


verdade do Evangelho de que a salvação é, desde a
primeira volta para Deus até a salvação final, total­
mente uma obra de Deus no homem e a consumação
misericordiosa de um propósito de Deus desde antes
do princípio do mundo». «Ao rejeitarmos esta dou­
trina da eleição incondicional e d!a predestinação,
precisamos recordar que a salvação, desde o seu pri­
meiro desejo até o seu acabamento final é a consu­
mação de um propósito divino de misericórdia, for­
mado antes do começo do mundo». Rejeitando a
doutrina da eleição incondicional, o Dr. Beet é assim
cuidadoso em preservar o evangelicalismo, que, re­
conhece, está no seu centro; e dá-nos, assim, uma
definição de evangelismo, do ponto de vista wes-
leyano. Prova estar certo que todo o processo da
salvação vem de Deus, e que todo o poder exercido
na salvação da alma é de Deus. Pode apetecer-nos
passar a perguntar se este evangelicalismo se pode
realmente separar da doutrina da eleição incondicio­
nal, como o deseja o Dr. Beet; e notamos que ele
próprio parece reconhecer que nas mentes de alguns,
pelo menos, os dois podem ser mantidos juntos. Mas
o que agora nos convém particularmente observar é
o relevo com que, como wesleyano que é, o Dr. Beet
dá o seu apoio ao postulado evangélico geral. Se ele
dá validade a este postulado em todo o seu pensa­
mento, isso é naturalmente um outro assunto.
A consciência do princípio evangélico é igualmente
proeminente do lado Luterano. Realmente o lutera-
nismo evangélico está muito disposto a considerar o
U NIVERSALISM O 87

princípio evangélico seu património particular, e a


mostrar uma certa surpreza quando o encontra tam­
bém nas mãos de outros. A. J. Haller, na «Zahn and
Burgers Magazine» (6S), exprime-se na forte lingua­
gem que se segue: «Que a salvação não é adquirida
pelo homem por meio de qualquer actividade própria
mas lhe é dada pela graça de Deus; que eu não
posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, ou ir a Ele
pela minha própria razão ou pelo meu próprio poder;
mas que foi o Espírito Santo que me deu luz, me
santificou e me preservou — isto constitui segura­
mente o alfa e o ómega da fé evangélica, e nem é
negada nem por calvinistas nem por metodistas».
Devemos reconhecer francamente a pureza desta con­
fissão evangélica, posto que não possamos evitar
dúvidas aliciantes, se é permitido condicionar todos
os pensamentos do seu autor, dúvidas, na verdade,
imediatamente justificadas quando ele prossegue tra­
tando da regeneração, de tal maneira que o faz num
espírito mais sacerdotal do que evangélico, insensível
no entanto, ao naturalismo que usualmente acom­
panha este tipo de sacerdotalismo. Tem a certeza de
que a regeneração é monergístria e também que ela
é o efeito do baptismo como uma causa promotora;
e está muito interessado em defender esta concepção
da acusação de obra mágica «Poderia ser chamada
mágica», anota ele (69), se fosse afirmado que os
homens eram inteiramente transformados na regene­
ração, sem exigência subsequente sobre eles de qual­
quer determinação ética própria. Que, no entanto,
Deus crie neles um poder absolutamente novo e que
88 O PLANO DA SALVAÇÃO

dele dependa o acto de salvar ou condenar pela sua


subsequente ou concomitante determinação (Ents-
cheidung), isso nada tem que ver com a magia, tal
qual como a crença em que é verdade que na Ceia
do Senhor o corpo e o sangue de Cristo são dados
certamente de maneira a transmitirem bênçãos a uns
e condenação a outros»,
Um passo como este revela a dificuldade que tem
um Luterano que deseja permanecer na sua confissão
oficial, ao dar realização à sua convicção evangélica.
Pode declarar que todo o poder exercido na salvação
da alma vem de Deus, mas tal declaração é contra­
riada pela sua consciência sacerdotal de que a graça
é transmitida pelos meios da graça, e não doutro
modo. A graça da regeneração, por exemplo, é trans­
mitida ordinàriamente (alguns dizem somente) pelo
baptismo. E esta graça da regeneração é operação
monergística de Deus. Mesmo assim, no entanto, não
se pode dizer que o efeito é todo de Deus. Pois, em
primeiro lugar, se, de qualquer modo, tem efeito, isso
depende da atitude de quem o recebe. Não pode
cooperar com Deus para o produzir; mas pode opor-
-lhe resistência fatal. Por isso é que Baier (70) define
cuidadosamente: «Deus produz no homem que é
baptizado e que não resiste à graça divina, a obra
da regeneração ou renovação por meio do Sacra­
mento, pelo próprio acto (oc actu ipso). E, depois,
em segundo lugar, se esta dádiva da regeneração se
revela uma bênção ou uma maldição para aquele que
o recebe, isso depende de como ele o recebe e usa.
«Um poder absolutamente novo é criado nele por
UNIVERSALISM O 89

Deus», diz Haller (71) «cuja acção para bênção ou


para maldição, depende da decisão eficaz subse­
quente ou até presente daquele que o recebe». Isto
implica, naturalmente, o que aqui se oculta por in­
teiro, que esta autodeterminação do que recebe está
na sua autodeterminação natural. Porque se ela pró­
pria fosse dada no novo poder transmitido na rege­
neração, então seria inconcebível que actuasse senão
para bênção. Se o homem é salvo ou não, isso não
depende, portanto, em nenhum sentido, da regene­
ração monergística realizada por Deus no seu bap­
tismo. Depende de como o homem recebe este «novo
poder» que lhe foi comunicado e do modo como o
usa. Desta forma, cá voltamos ao plano do natura­
lismo puro.
Podemos, pois, fazer mais do que perguntar se o
evangelicalismo favorito da urdidura Wesleyana e
Luterana não é mais teórico do que prático (71 a);
posto que, no entanto, devamos reconhecer que, por
fim, acabem por postular, em teoria, o princípio
evangélico.
A nota universalística é, no entanto, a que carac­
teriza esses sistemas. Como declara o Professor
Henry C. Sheldon, da Universidade de Boston (72):
«Nós pugnamos é pela oportunidade universal dos
seres individuais para a vida eterna». Deve-se regis­
tar nesta declaração (x) o cônscio relevo do univer­
salismo como nota característica do Wesleyanismo,
e (2) o reconhecimento consequente de que tudo o
que Deus faz atinente à salvação é dar uma opor­
tunidade de salvação; desta sorte o que é realmente
90 O PLANO DA SALVAÇÃO

afirmado não é que Deus não salve apenas alguns,


mas que Deus não salva realmente ninguém — Ele
limita-se a abrir um caminho de salvação a todos e, se
alguém é salvo, salva-se necessariamente a si próprio.
Se afirmamos, pois, que tudo o que Deus faz atinente
à salvação, o faz para todos e em favor de todos
igualmente e que, no entanto, nem todos se salvam,
é inevitável que tomamos tudo quanto Deus faz
insuficiente para uma salvação real: ninguém deve
receber mais do que aquele que recebe o mínimo.
Talvez, no entanto, a nota essencial do universa­
lismo de toda a concepção Arminiana nunca tenha
recebido mais forte expressão do que a que lhe é
dada no credo do grupo da União Evangélica, mais
conhecida p or Morrisonianismo, cu ja verdadeira
razão de existência é erguer o seu protesto contra a
incondicionabilidade da eleição. O seu credo posi­
tivo resume-se no que eles chamam as «três univer-
salidades»; «o amor de Deus Pai na dádiva e sacri­
fício de Jesus a todos os homens por toda a parte
sem distinção, excepção ou respeitos humanos; o
amor de Deus Filho na dádiva e sacrifício de Si
próprio como verdadeira propiciação dos pecados
do mundo; o amor de Deus Espírito Santo na Sua
obra pessoal de aplicar às almas de todos os homens
as provisões da graça divina» (73). Se se declara que
Deus ama todos os homens igualmente, que o Filho
fez propiciação pelos pecados de todos os homens
igualmente, e que o Espírito tem aplicado a todos
os homens igualmente, os benefícios dessa propicia­
ção, sem dúvida, não nos resta outra alternativa
UNIVERSALISM O 91

senão afirmar que todos os homens, por consequên­


cia, são igualmente salvos; ou, o que é mais, afirmar
que tudo o que Deus é capaz de fazer em prol do
pecador não basta para o salvar e que este tem
necessàriamente de salvar-se a si próprio. E onde
está, pois, o nosso evangelicalismo com a sua grande
afirmação de que é o Senhor Deus e só Ele Quem,
com a Sua graça omnipotente, salva a alma ?
Uma luz pálida é lançada sobre a origem real
destas afirmações vigorosas do universalismo das
actividades salvadoras de Deus por algumas notas
de um simpático historiador, ao descrever o começo
da seita Morrissoniana (74): «Acerca do movimento
que vai prender a nossa atenção», diz ele, «nada é
mais verdadeiro do que ser ele o fruto genuíno do
/seu tempo. Durante os últimos trinta anos do século
passado as legislaturas do nosso país foram obrigadas
a reconhecer os direitos do homem como nunca o
tinham feito antes. Em política, tinha desaparecido
a longa noite dos privilégios e começou a raiar
a aurora de uma nova idade. A fraternidade, a
igualdade e a justiça alarmavam altamente a todas
as portas que se lhes fechavam, recusando-se a
desistir. Um clamor correspondente com inteira inde­
pendência da política, se levantou em nome da
teologia cristã. Nisto se exigiu também que as portas
dos privilégios fossem inteiramente abertas. A senha
nacional estava a ser agora liberdade para todos,
pão para todos, educação para todos e salvação para
todos.» Dificilmente se poderiam escolher palavras
que mais rigorosamente apresentassem a exigência
92 O PLANO DA SALVAÇÃO

das «três universalidades» como simples clamor do


coração natural em prol da igual distribuição dos
bens da outra vida como dos desta, ou, por outras
palavras, que significassem apenas o aspecto reli­
gioso da exigência de «nivelamento» que tem
enchido a nossa vida moderna. O grito «Dai-nos a
todos uma oportunidade igual!» pode ter a sua
justificação relativa quando é a expressão das neces­
sidades de homens que perecem sob o tacão de
privilégios adquiridos. Mas o que diremos a seu
respeito, quando for apenas a turbulenta autojustifi-
cação duma chusma de criminosos a assaltarem um
tribunal, onde são administradas não «sortes», para
escapar a penas justas, mas clemência sàbiamente
dirigida, tendo em consideração todos os direitos
envolvidos ? Sem dúvida a perniciosa recompensa
do pecado, o justo governo de Deus e a inefável
graça da salvação, são coisas totalmente esquecidas,
quando os homens se põem a raciocinar sobre qual
deva ser o procedimento adequado de Deus ao levar
os pecadores à salvação, se põem a raciocinar, dizía­
mos, com o auxílio de analogias com as políticas
nivelatórias do seu tempo. Não assentaremos de
uma vez para sempre nos nossos pensamentos que
nenhum homem tem direito à salvação ? Que a
«sorte» de se salvar a si mesmo, não é «sorte» de
salvação para ninguém ? Que, se alguém da geração
pecadora dos homens é salvo, tem que o ser neces-
sàriamente por um milagre da omnipotente graça
de Deus ? E que no referido milagre, o homem não
tem direito a qualquer reivindicação, mas que, muito
UNIVERSALISM O 93

ao contrário, ao contemplar o facto desse milagre


só pode sentir-se cheio duma surpreendente adora­
ção das maravilhas do inefável amor de Deus ?
Exigir que seja dada a todos os criminosos uma
«sorte» de escapar às suas penas, e que a todos seja
concedida uma «sorte» igual é simplesmente escar­
necer da própria ideia de justiça, e, não menos, da
própria ideia do amor.
O universalismo de todas as obras divinas que
dizem respeito à salvação, é tão rigorosamente afi­
nado na doutrina luterana como na arminiana, mas,
se possível, ainda com menos sucesso lógico na
suposição de que deve ser preservado o princípio
evangélico da dependência exclusiva de Deus para
salvação. Na verdade, o fermento do sacerdotalismo
que a denominação luterana herdou da igreja velha,
na sua doutrina dos meios da graça, mancha, desde
o princípio, até a pureza do seu universalismo, trans-
nudando-o numa mera indiscriminação,' que é algo
muito diferente; e, entre os modernos luteranos, deu
origem ao aparecimento de monstruosos desenvolvi­
mentos.
O velho luteranismo, alegando que a honra de
Deus lhe exigia que fizesse tudo que está a fazer
acerca da salvação do género humano, visando todos
os homens e em proveito de todos igualmente, afir­
mou, por consequência, que Cristo morreu para
expiar os pecados do mundo inteiro, e que pelos
meios da graça, se fez provisão para que o seu sacri­
fício fosse realmente aplicado a todos os seres huma­
nos; e que os meios da graça (tendo em mente, em:
94 O PLANO DA SALVAÇÃO

especial, a proclamação do evangelho em que eles


culminam) estão realmente a ser levados a todos os
seres humanos sem excepção. Não é, naturalmente
um facto verdadeiro a afirmação de que o Evangelho
tenha sido proclamado a todos os homens sem
excepção; e um esforço foi feito, consequentemente,
para esconder a manifesta falsidade dessa afirmação,
substituindo-a pela proposição essencialmente dife­
rente de que em três fases históricas (nomeadamente
no tempo de Adão, no tempo de Noé e na era apos­
tólica) o evangelho tenha sido tornado conhecido de
todos os homens que então viviam, «e», é adicionado,
«se foi tornado universal para aquelas três gerações,
então o foi também indirectamente para os seus su­
cessores». A futilidade deste expediente para ocultar
a circunstância de que, como matéria de facto, o
Evangelho não tenha sido levado a cada ser humano
que tenha vindo ao mundo (e nada menos do que
isto pode satisfazer as exigências do caso) é por
demais manifesta para que seja preciso pô-la em
relevo; e não nos surpreende o facto de que tenham
deixado de sustentar este ponto. «Mais recentes teó­
logos ortodoxos da nossa igreja» continua a dizer-nos
o historiador (o teólogo norueguês Lars Nielsen
Dahle) (75), «dizem simplesmente que a universali­
dade da chamada é um pressuposto necessário, um
postulado que deve ser assumido na base do teste­
munho das Escrituras a respeito da vontade que
Deus tem que todos se salvem por um lado, e por
outro, na verdade estabelecida biblicamente de que
esta salvação não será realizada no indivíduo, a
UNIVERSALISM O 95

menos que realmente a chamada de Deus chegue até


ele; mas, como isso se dá, não o sabemos explicar,
pois é facto que hoje só um número comparativa­
mente pequeno foi atingido, ou, quando muito, uma
minoria do género humano». O Professor Johnson
escreve também (76): «Em oposição a todas as opi­
niões particularistas, devemos manter como Um pos­
tulado de fé a universalidade desta chamada da
graça mesmo no caso de sermos incapazes de
demonstrar como é que ela realmente atinge cada
indivíduo». É um mistério sem solução.
Os luteranos, pois, ao tentarem ligar a graça salva­
dora e os meios da graça, e ainda dar-lhes uma difu­
são realmente universal, têm dado consigo próprios
numa dificuldade, exactamente no ponto em que os
wesleyanos estão livres. Estes fazem a universalidade
do sacrifício de Cristo e a dádiva consequente da
graça suficiente independentes de todas as transac­
ções terrenas, de sorte que os homens nascem todos
num estado de redenção e graça. A última solução
apresentada pelo moderno luteranismo, solução com
que o próprio Dahle concorda, consiste na invenção
da doutrina da extensão da prova humana até o
outro mundo, a famosa doutrina erradamente cha­
mada «a segunda prova», pois não é uma doutrina
de segunda prova para qualquer homem, mas somente
a doutrina de que cada homem que vive tem de
receber a apresentação do Evangelho duma forma
atraente, senão nesta vida, então na vindoura. Pela
invenção desta doutrina, os luteranos proveram-se.
pela primeira vez, com um verdadeiro universalismo
96 O PLANO DA SALVAÇÃO

da graça. Não há confessionalmente sustentáculo bí-


blíco directo para esta doutrina; é simplesmente um
postulado do universalismo da vontade de salvação
de Deus em ligação com a restrição da graça aos meios
da graça. As Escrituras afirmam que ninguém pode
ser salvo sem conhecimento de Jesus na Sua obra de
salvação. Isto é transmudado no seu contrário de que
ninguém pode ser perdido sem um conhecimento de
Cristo na Sua obra de salvação; e, assim, no interesse
desta proposição, tomam providências para que cada
pessoa seja posta face a face com a oferta do Evange­
lho sob circunstâncias favoráveis, senão neste mundo,
então no outro. Não há dúvida de que era indispen­
sável uma invenção destas, desde que as premissas
luteranas se mantivessem. Mas uma pessoa pode pen­
sar que a necessidade de recorrer a uma invenção
destas para sustentar as referidas premissas é indi­
cação suficiente de que seria melhor abandonar essas
premissas.
Tendo, os luteranos, por meio desta invenção, evi­
tado o fâcto de que a provisão da salvação não é
realmente universal, não puderam, de modo algum,
fugir às suas dificuldades. Dão de face com a dificul­
dade ainda maior, comum a eles e aos wesleyanos, de
explicar a falha da graça de Deus, agora livremente
levada a todos os seres humanos, em operar a salva­
ção de todos. E nisto não há outra saída senão a dos
wesleyanos, nomeadamente, introduzir subrepticia-
mente o desacreditado naturalismo, e atribuir a dife­
rença nos efeitos da graça às diferenças dos homens
em conhecer a graça. Os luteranos, no entanto, têm
UNIVERSALISM O 97

o seu método próprio de introduzir este naturalismo.


São categóricos em que o homem, estando morto no
pecado, não pode cooperar com a graça de Deus,
dificuldade esta avançada pelo Arminianismo pela
postulação duma capacidade graciosamente restau­
rada para todos os homens, adquirida para eles pelo
sacrifício de Cristo e aplicada a eles automàticamente.
Mas supõem que, embora morto em pecados, o homçm
pode resistir, e resiste com sucesso à graça omnipo­
tente. A resistência é, no entanto, em si própria, uma
actividade; e uma resistência com vitória a um poder
omnipotente em criar de novo é uma actividade consi­
deravelmente grande— para um homem morto! Tudo
regressa, portanto, ao fundamento pelagiano de que
numa altura decisiva, a salvação do homem está no
seu poder: os homens são salvos ou não de acordo
com as diferenças naturais neles existentes. Destarte,
é negada fundamentalmente a graça de Deus, e a
salvação é confiada, em última análise, ao próprio
homem.
O resultado final de toda esta matéria é que a ten­
tativa para estabelecer a universalidade das graciosas
operações de Deus atinentes à salvação, conduz ine-
vitàvelmente, de toda e qualquer maneira, ao naufrá­
gio do princípio evangélico, em cuja base todas as
igrejas protestantes declaradamente se unem, ou me­
lhor, digamo-lo, conduz inevitàvelmente ao naufrágio
do princípio supernaturalista, em cuja base se unem
declaradamente todas as igrejas cristãs. Quer este
universalismo tome uma forma sacerdotal, quer tome
outra forma que o liberte de todo o enredo de tran-
98 O PLANO DA SALVAÇÃO

sacções terrenas, termina, sempre e em todo o lugar,


por transferir de Deus para o homem o poder deci­
sivo e real de salvação. Isto nem sempre é entendido
claramente, nem sempre é admitido com franqueza.
Algumas vezes, no entanto, é uma e a outra coisa.
O Professor W. S. Steele, da Universidade de Denver,
por exemplo, entende-o claramente. Não admite se­
quer qualquer discussão, de «graça omnipotente».
Ocupando uma posição que é, pràticamente (por mais
que teoricamente dela se diga), indistinguível do pre­
sunçoso naturalismo de W. E. Henley, o primeiro
artigo do seu credo é uma crença calorosa na omni­
potência do homem, na esfera das escolhas morais.
«Quando alguém declara» (7T): «Eu creio em Deus.
Pai, Omnipotente», fá-lo com reserva quanto ao domí­
nio das decisões morais do homem sob a graça, pois
o próprio homem é omnipotente de acordo com a
própria limitação de Deus, ao fazer o homem à Sua
imagem e semelhança». Ele até acha que o próprio
Deus tem um credo que começa assim: — «Creio no
homem, omnipotente nas suas decisões». Ê óbvio que
um homem como este é incapaz de ser religioso, pois
o sentido da absoluta dependência de Deus é a pró­
pria essência da religião; tal homem está também
inibido do espírito evangélico, que consiste na humilde
confiança em Deus, e somente em Deus, para salva­
ção. Em vez de retinir em seu coração uma autêntica
Gloria soli Deo, ele próprio orgulhosamente indepen­
dente de Deus, agarra no elmo e proclama-se a si
mesmo senhor do seu próprio destino. O moralismo
baniu por completo a religião. Não tinha Lutero isto
UNIVERSALISM O 99

mesmo na ideia quando satiricamente descrevia os


moralistas do seu tempo nestas palavras chocantes:
«Não estamos nós aqui sempre a querer inverter os
papéis e fazer bem, nós próprios, àquele pobre homem
que é o nosso Deus e Senhor, de Quem nós devemos
antes receber esse bem ?» (7S).
A antipatia largamente sentida contra o postulado
evangélico fundamental que leva a alma a um con­
tacto imediato com Deus e que faz depender toda a
sua santidade das operações imediatas de Deus, encon­
tra uma estrambótica ilustração no ensino de Albrecht
RitschTs de que o objecto directo até da justificação
não é o indivíduo, mas sim a sociedade cristã; e de
que aela passou para o indivíduo somente como resul­
tado do facto de ele tomar lugar na fraternidade
cristã e partilhar dela na sua vida» (T9). Isto repre­
senta, naturalmente, apenas uma outra maneira e
muito mais pobre, de afirmar o princípio da elabo­
ração geral do universalismo: Deus não lida directa­
mente com os indivíduos em nenhuma fase do pro­
cesso da salvação; sempre e por toda a parte, tem em
vista as massas; e a parte do próprio indivíduo no
seu actuar, consiste em apossar-se da salvação posta
assim, à disposição geral. Quão diferentemente se
exprime Lutero com estas palavras: «Não é necessário
que tu faças o que quer que seja. Tão somente dá
glória ao Senhor Deus, recebe o que Ele te dá e crê
no que Ele te diz» (80). O problema é, em verdade
e fundamentalmente, um só e definitivamente posto.
É Deus, o Senhor, Quem nos salva, ou somos nós que
nos salvamos a nós próprios ? E Deus, o Senhor,
100 O PLANO DA SALVAÇÃO

salva-nos ou limita-se apenas a tornar-nos patente o


caminho da salvação e a permitir-nos, segundo a nossa
escolha, que enveredemos ou não por ele ? A divisão
dos caminhos é a antiga separação entre cristianismo
e autosoterismo. Não há dúvida que só pode pre­
tender ser evangélico aquele que, com perfeita cons­
ciência, confia inteira e directamente em Deus — e
só em Deus — para a sua salvação.
CALVINIS

O Cálvinismo toma, itó^M itude opostáflà dos que


tentam con ceb era s''^‘gSgs salvadí^pMe Deus uni-
versalisticamer^O^o é, com o_^^airigidas à massa
total da jhu^^M aae, e insiste em que essas
acções dç'>pBtis que ^is^mía salvação são dirigidas,
em ^cíidsi ihiso, imediívtiiinònte aos indivíduos que são
sStbwP O partiçiá^srao nos processos de salvação
toma-se o ppap^araçterístico do Cálvinismo. Como
ó supemaàæprlismo é característico do Cristianismo^
em o evangelicalismo é característico do Pro-
te^Stism o, assim também o particularismo é carac­
terístico dõ Cálvinismo. Calvinista é, pois, aquele que
sustenta com piena consciência que ueus, o aennor,
nas Suas operações de salvação, trata, não geralmente
com a humanidade inteira, mas de uma maneira parti-’
cularista, com os indivíduos que são realmente salvos-
Assim — e 'somente assim — sustenta o Calvinista,
podem,' tanto o supernaturalismo da salvação (que é
característico do Cristianismo em geral e atribui toda
102 O PLANO DA SALVAÇÃO

a salvação a Deus) como a acção imediata das ope­


rações da graça salvadora (que é característico evan-
gelicalismo e que atribui a salvação ao trabalho
directo de Deus sobre a alma) — um e outro podem,
dizíamos, chegar a usufruir os seus direitos, a receber
a justiça que lhe é reconhecida. O particularisme nos
processos da salvação, afirma ele, está já contido no
supernaturalismo da salvação e na acção imediata
das operações da graça divina; e negar o particula­
risme é negar estruturalmente a acção imediata da
graça salvadora, e, portanto, do evangelicalismo e do
supernaturalismo da salvação; o próprio Cristianismo.
Logicamente, vem a implicar, pois, a rejeição total
do Cristianismo.
É possível, no entanto, aplicar mais ou menos ple­
namente (não deveremos antes dizer com maior ou
menor discernimento ?) o particularismo das opera­
ções salvadoras de Deus que caracteriza o Calvinismo,
aos nossos pensamentos acerca das actividades de
Deus para com as Suas criaturas pecadoras (ou deve­
remos dizer, largamente, para com as Suas criaturas ?)
É assim que têm de surgir diferentes variedades de
Calvinismo na história do pensamento. Como se dis­
tinguem umas das outras pelo lugar que dão ao par­
ticularismo nas operações de Deus, isto é o mesmo
que dizer que se distinguem umas das outras pelo
lugar que dão ao decreto da eleição na ordem dos
decretos divinos.
Alguns são tão zelosos do seu particularismo que
consideram que a discriminação está na raiz de todas
as relações de Deus oom as suas criaturas. E supõem
CALVIN! SMO 103

ser no interesse dessa discriminação que, de qual­


quer modo, Ele tem com algumas criaturas e que
tudo o que decreta a respeito delas, visa unicamente
discriminá-las umas das outras. Por consequência
colocam o decreto da eleição, pelo qual se considera
a diferença entre os homens na ordem dos decretos,
logicamente antes do próprio decreto da criação; ou,
de qualquer modo, antes de tudo o que está decre­
tado quanto ao homem como homem; isto é, desde
que a história do homem começa com a queda, antes
do decreto da própria queda. São chamados, portanto,
Supralapsarianos, isto é, aqueles que colocam o de­
creto da eleição na ordem do pensamento antes do
decreto da queda (81).
Outras, reconhecendo que a eleição tem que ver
especificamente com a salvação (o mesmo é dizer que
ela é o antecedente lógico, não da criação nem do
governo providencial do mundo, mas da salvação do
homem pecador), entendem que o princípio do parti-
cularismo, no sentido de discriminação, pertence à
esfera soteriológica da criação, e não à sua esfera
cósmica. Por consequência, entendem que a «eleição»
é o antecedente lógico, não da criação, nem da queda,
mas das operações de Deus que se relacionam com
a salvação. O lugar que eles lhe dão na ordem dos
decretos é, portanto, à cabeça dos decretos de Deus
que visam a salvação. Isto implica que, na ordem do
pensamento, aparece consequentemente a seguir aos
decretos da criação e da queda, que se referem igual­
mente a todos os homens, uma vez que indubitàvel-
mente todos os homens foram criados e todos sofre­
104 O PLANO DA SALVAÇÃO

ram a queda; e que precede os decretos da redenção


e suas aplicações, uma vez que, como é justo e certo,
nem todos os homens são remidos e levados ao gozo
da salvação. É por isto que são chamados Sublapsa-
rianos ou Infralapsarianos, o que quer dizer, aqueles
que, no arranjo dos decretos em ordem lógica, sus­
tentam que o lugar do decreto da eleição, é logica­
mente depois do da queda.
Há outros, no entanto, que, impressionados por
aquilo que supõem ser ensinado nas Escrituras acerca
da alusão universal da redenção de Cristo, e desejosos
de fundamentar a oferta universal da salvação numá
provisão igualmente universal, sustentam que podem
seguramente transferir a introdução do princípio par-
ticularista para um ponto já dentro das próprias ope­
rações salvadoras de Deus, sendo tão somente cui­
dadosos em introduzi-lo suficientemente cedo para
fazê-lo determinativo do desfecho real da obra da
salvação. Propõem, portanto, que se considere a pro­
visão da salvação em Cristo como universal na sua
intenção; mas que se exponha como tendo efeito na
sua aplicação pelo Espírito Santo aos indivíduos só
particularisticamente. Isto quer dizer que entendem
que algumas das operações atinentes à salvação dos
homens são universalísticas nas suas relações, en­
quanto que a salvação rião é realmente experimen­
tada senão quando, não apenas algumas mas todas
elas são eficazes. Como a operação particular de
salvação, a que eles atribuem relação universalística,
é a redenção de Cristo, o seu esquema introduz o
decreto da eleição na ordem do pensamento, num
CALVINISMO 103

ponto subsequente ao decreto da redenção em Cristo.


Podemos, pois, adequadamente chamar-lhes Pós-Re-
dencionistas, isto é, aqueles que concebem que o
decreto da .Eleição é logicamente posposto ao decreto
da redenção. Nò seu modo de ver, a redenção está
em relação igual para todos os homens, e é sòmerite
nà aplicação da Sua redenção, aos homens que Deus
faz escolha:, entre elés, e, assim, neste sentido, actua
particularisticamente.
É óbvio que este é, na ordem dos decretos, o ponto
mais baixo em que a eleição pode ser introduzida e
reter ainda de qualquer modo o princípio particula-
rista.
Se a aplicação da redenção de Cristo pelo Espírito
Santo se tornar também universalista, isto é, se a in­
trodução do princípio particularista for posposta ao
desfecho reaí do processo da Salvação então não
haverá, é óbvio, particularismo nenhum nas operações
divinas que têm por objecto a salvação. A «eleição»
desaparece totalmente do esquema dos decretos divi­
nos, a menos que prefiramos dizer, como tem sido
cinicamente . declarado, que Deus elege cuidadosa­
mente para salvação só aqueles que Ele prevê, que,
no uso do seu próprio livre arbítrio a si mesmos se
hão-de eleger. Todos os cãlvinistas têm, portanto, de
ser, ou Supralapsarianos ou Infralapsarianos, ou, pelo
menos, Pós-Redeneionistas, o que equivale a ser tam­
bém Ante-aplieacionistas.
No entanto, não atingimos nos Pós-Redeneionistas
encarados puramente do ponto de vista deste eter
mento das suas ideias, a mais baixa variedade possível
106 O PLANO DA SALVAÇÃO

ou realmente a mais baixa variedade, de Calvinistas.


Os Pós-Redencionistas podem diferir entre si, se não
na posição do decreto da eleição, na ordem dos decre­
tos (porque deprimir ainda mais a sua posição nessa
ordem equivaleria a deixar todo o princípio do parti-
cularismo e sair fora da categoria de calvinistas), ao
menos na sua maneira de conceber a natureza da
obra do Espírito Santo, ao aplicar a redenção, sob
o domínio do decreto da eleição; e ainda quanto ao
papel do espírito humano ao receber a redenção. Tem
existido sempre entre os calvinistas um partido que
tem mantido um tão grande interesse na autonomia
da vontade humana que não tem estado disposta a
concebê-la como «passiva» quanto à operação de
Deus a que chamamos regeneração, e tem sincera­
mente desejado considerar a recepção da salvação
como dependente, num sentido verdadeiro, da acção
inalterável da própria vontade. Têm, portanto, inven­
tado uma variedade de calvinismo que admite que é
na verdade Deus Quem escolhe aqueles que, para
salvação, serão levados a Cristo, e ainda que é o
Espírito Santo Quem, pela Sua graça, os leva infa­
livelmente a Cristo (preservam desta maneira o par-
ticularismo na aplicação da salvação), mas que
imagina que o Espírito Santo, que assim os leva
realmente a Cristo, não o faz por uma acção toda-
-poderosa e criadora sobre as suas almas, pela qual
são feitas novas criaturas funcionando subsequente­
mente como tal, mas sim puramente por operações
persuasivas, adaptadas na Sua sabedoria infalível ao
estado exacto da mente e coração daqueles a quem
CALVINISMO 107

tem escolhido para salvação, e assim assegurando da


sua própria livre acção uma vinda voluntária a Cristo
e à aceitação d’Ele para salvação: Não há nisto uni­
versalismo,- o particularismo está expresso. Usaram
contudo de um expediente que os habilitou a dize­
rem que os homens vêm voluntàriamente a Cristo e
unem-se a Ele por um acto livre das suas vontades não
renovadas, enquanto que só vêm aqueles a quem
Deus escolheu para-assim os persuadir a virem (Ele
que conhece completamente os corações) de modo
que eles certamente virão pelo exercício da sua livre
vontade. Este tipo de pensamento recebeu o adequado
nome de «Congruísmo», porque o princípio da sua
controvérsia é que a graça ganha aqueles a quem
ela é «congruentemente» oferecida, o que significa
que a razão porque alguns homens são salvos e outros
não, reside no simples facto de que Deus, Espírito
Santo, opera na sua graciosa persuasão de uma ma­
neira que é cuidadosa e infalivelmente adaptada por
Ele a assegurar a sua adesão ao evangelho e não
opera noutros com a mesma cuidadosa adaptação.
Devemos, contudo, fazer aqui uma advertência: a
designação de «Congruístas» é tão ambígua que existe
um outro grupo que usa o mesmo nome e que é tão
anti-calvinista, quanto aqueles a quem nos referimos
são, por intenção calvinistas nas suas concepções.
Ensinam estes que Deus, Espírito Santo, concede âs
Suas influências persuasivas a todos igualmente, não
fazendo nenhuma distinção; mas que esta graça d o
Espírito Santo concedida universalmente só produz;
efeito à medida que é realmente côngrua ou incôn-
108 O PLANO DA SALVAÇÃO

grua ao estado de mente e coração daqueles a quem


ela é igualmente dada. Neste caso já não é a graça
soberana de Deus que determina a salvação, mas sim
uma diferença natural nos homens, estando tal dou­
trina já nos domínios do autosoterismo. O perigo de
confundir os «Congruístas» calvinistas com este
maior partido anti-calvinista deu origem ao hábito
de designá-los preferivelmente pelo nome do seu
mais distinto representante, Claude Pajon, Professor
que foi na Escola Teológica de Saumur, França; foi
ele na verdade que introduziu esta corrente de ideias
nâs igrejas calvinistas, nos meados do século dezas­
sete. Foi o seu predecessor e professor na mesma
Escola, Moisés Amyraut, aquele que, em primeiro
lugar, formulou nas Igrejas Reformadas o esquema
Pós-Redencionista. O Pajonismo é uma forma adulte­
rada deste esquema. Assim a Escola de Saumur tem
a infeliz eminência de ter originado, dos nomes dos
seus professores, as correntes designações de duas
das mais reduzidas formas de calvinismo, o Amyral-
dianismo ou Universalismo Hipotético, como também
ê chamado; e o Pajonismo ou Congruísmo, como é
designado de acordo com a sua natureza.
Temos assim posto diante de vós quatro formas
de calvinismo; e estas quatro, cremos, esgotam as
possibilidades de tipos gerais: Supralapsarianismo,
Sub ou Infralapsarianismo, Pós-Redencionismo (cha­
mado também Amyraldianismo ou Universalismo Hi­
potético). e Pajonismo (chamado também Congruísmo).
Todas estas São formas de calvinismo, porque todas
elas dão, validade áo princípio do : particularismo
CALVINISMO 109»

como governando as relações divinas com ó homem


na matéria da salvação; e, como já vimos, ò que
caracteriza a doutrina calvinista é o particularismo.
Se o particularismo fosse não só característica do
calvinismo, mas também a sua substância, todos estes
quatro tipos de calvinismo, uma vez quê todos eles
preservam o princípio do particularismo, poderiam
alegar que não só eram semelhantemente calvinistas
mas igualmente calvinistas, e poderiam até exigir a
sua colaboração em ordem de excelência, segundo o>
lugar por cada um deles concedido, ria sua estrutura,,
ao princípio do particularismo e o relevo que lhe dão,
O particularismo, no entanto, posto que seja a carac­
terística distintiva do calvinismo, pela qual ele pode
ser identificado em face daquelas outras concepções'
do plano da salvação, de cuja comparação o fizemos:
brotar, não constitui a sua substância; e ò que, na ver­
dade, é mais, posto que afirmado enèrgicamente pelo'
Calvinismo, não é afirmado por todo ele juntamente e
nem só por causa de si mesmo. A mais consistente
encorporação do princípio do particularismo não é,
necessàriamente, a melhor forma de calvinismo; e a
simples afirmação do princípio do particularismo,
posto que até certo ponto, possa constituir alguém
calvinista, não o constitui necessàriamente um bom
calvinista. Ninguém pode ser calvinista desde que
não dê validade ao princípio do particularismo nas
operações de Deus que têm por objectivo a salvação
do homem; mas não deve ser permitido ao princípio-
do particularismo que, à semelhança das vacas ma­
gras de Faraó que devoravam todo o gado gordo
do Egipto, devore tudo o mais que é rico e suculento
110 O PLANO DA SALVAÇÃO

e bom no calvinismo, nem tão-pouco pode a simples


afirmação de particularismo ser aceite como calvi-
Bismo suficiente.
O Pós-Redencionismo (ainda que seja uma forma
reconhecível de calvinismo, porque dá validade real
ao princípio do particularismo), não é todavia neces-
sàriamente uma boa forma de calvinismo, uma forma
aceitável de calvinismo, nem mesmo uma forma
defensável de calvinismo. Por essa razão é uma forma
logicamente inconsistente e, portanto instável de cal­
vinismo. Por outra razão, e esta muito mais impor­
tante, desvia-se da expiação substituta, que é tão
preciosa para o calvinista como o seu particularismo,
e à salvaguarda da qual realmente muito se deve o
sen zelo pelo particularismo. Afirmo que o Pós-Re­
dencionismo constitui logicamente um calvinismo
inconsistente. Pois como é possível sustentar que
Deus deu o Seu Filho para morrer por toda a huma­
nidade semelhante e igualmente; e, ao mesmo tempo
declarar que, quando Ele deu o Seu Filho para
morrer, já tencionava absolutamente que a sua morte
não serviria para toda a humanidade semelhante e
igualmente, mas somente para alguns que Ele es­
colheria (aos quais, porque Ele é Deus e não subse-
quência de tempo nos seus decretos, Ele já tinha
escolhido), para serem os beneficiários ? Mas muito
mais porque Deus é Deus, e conhece todas as coisas
que projecta, desde o princípio e todas ao mesmo
tempo, e projecta todas as coisas que projecta desde
o princípio e todas simultâneamente, é impossível
sustentar que Deus projecta a dádiva de Seu Filho
CALVINISMO 111

para todos os homens semelhante e igualmente e, ao


mesmo tempo, projecta que essa dádiva não salvará
de facto senão tão-sòmente um grupo escolhido que
Ele próprio prepara para isso. A esquematização da
ordem dos decretos apresentada pelos Amyraldianos,
numa palavra, implica necessàriamente uma relação
cronológica de precedência e subsequência entre os
decretos, cuja suposição abole Deus, e só podemos
éscapar a esta conclusão lógica pela modificação da
natureza da expiação. A natureza da expiação é, pois,
alterada por eles, e o Cristianismo é assim ferido no
seu próprio coração.
Os Amyraldianos aapontam com orgulho» para a
pureza da sua confissão da doutrina da eleição e
desejam focar a atenção sobre ela como matéria que
faz deles bons calvinistas. Mas o gonzo verdadeiro
do seu sistema gira á volta da sua doutrina alterada
da expiação, e nisso ferem o próprio coração do cal-
vinismo. Uma substituição condicional é um absurdo,
porque a condição não é condição para Deus, desde
que lhe concedais tanto como o pobre atributo de
conhecimento prévio, e por isso se desviam eles jun­
tamente de uma expiação substitutiva. Dessa sorte,
parece que Cristo não morreu no lugar do pecador
para suportar os seus castigos e adquirir para ele a
vida eterna; mas moiteu antes para tornar a salvação
dos pecadores possível, para abrir o caminho da sal­
vação aos pecadores, para remover todos os obstá­
culos do caminho da salvação dos pecadores. Mas
que obstáculo se levanta no caminho da salvação dos
pecadores, senão justamente o seu pecado ? E se este
112 O PLANO DA SALVAÇÃO

obstáculo (o seu pecado) é removido, não-estão eles


salvos.? Alguns outros obstáculos, portanto, podem
ser inventados, os quais podem dizer ter sido remo­
vidos por Cristo (desde que não possam atribuir-Lhe
,a remoção do obstáculo do pecado), para que alguma
função Lhe possa ser deixada e possa ser atribuída
alguma espécie de efeito à Sua morte sacrificial. Ele
não removeu o obstáculo .do pecado, pois, nesse caso,
todos aqueles por quem Ele morreu têm de ser sal­
vos, e não Lhe pode ser admitido ter salvo alguém.
O que Ele removeu, pois, foi, digamos, tudo o que
impedia Deus de salvar os homens* excepto o pecado;
e assim preparou o caminho para Deus entrar com
segurança no Seu governo moral para salvar os
homens. A expiação não assenta os alicerces para tal
salvação de homens: abre meramente o caminho para
que Deus livremente os salve sòbre outras bases,
Estamos agora claramente na Teoria Governa­
mental da expiação; e em verdade é esta a mais
elevada forma de doutrina da expiação que, sobre
tàis premissas podemos atingir. Noutras palavras,
toda a substância da expiação é evaporada, para que
possa ser-lhe dado um sinal de universalidade. E, na
verdade, podemos imediatamente reconhecê-la como
um inevitável efeito de universalização da expiação
que ê, por esse mesmo acto, extirpada, Se nada faz
por algum homem que o não faça por todos os
homens, então é óbvio que não salva ninguém; pois
é claro que nem todos os homens são salvos. Temos
forçosamente de escolher entre uma expiação de alto
valor e uma expiação de larga extensão. Não podemos
CALVINISMO 113

ter as duas coisas ao mesmo tempo. E esta é a objec­


ção real do calvinismo a este esquema de compro­
misso que a si mesmo se apresenta como aperfeiçoa­
mento do seu sistema: universaliza a expiação à custa
do seu valor intrínseco e o calvinismo exige uma
expiação substitutiva que realmente salva. E como
uma real expiação substitutiva que realmente salva,
não pode ser universal, porque obviamente nem
todos os homens se salvam, no interesse da integri­
dade da expiação, insiste em que o particularismo
tenha entrado no processo da salvação antes, na
ordem do pensamento, da expiação.
Por muito mau calvinismo que o Amyraldianismo
seja, o Pajonismo é, naturalmente, muito pior. Não
contente com a destruição de toda a substância da
expiação por virtude da qual o calvinismo é precioso
(«que m e amou e se entregou a Si próprio por mim)
prossegue também na destruição de toda a substân­
cia daquela regeneração, pela qual, na obra criadora
do Espírito, fomos feitos novas criaturas. Que valor
tem o facto de dever ser confessado que é Deus
Quem determina quem será salvo, se a salvação que
Ele produz não vai além daquilo que eu próprio
posso produzir, desde que possa ser persuadido a
fazê-lo ? Eis aqui a falta de toda a provisão não
somente para livrar da culpa do pecado mas também
para alívio da sua corrupçãò e poder. Não se deixou
nenhum lugar para a mínima compreensão real,
quer de culpa quer de corrupção; não se oferece
nenhuma salvação, quer da ira violenta de um Deus
justo, quer do inveterado mal dos nossos corações:
114 O PLANO DA SALVAÇÃO

depois de tudo acabado, ficamos exactamente onde


estávamos antes. A perspectiva que nos foi oferecida
é nada menos do que aterradora: vamos permanecer
por toda a eternidade fundamentalmente as velhas
criaturas apenas com algum melhoramento das nossas
maneiras, na medida em que podemos ser persua­
didos a aperfeiçoar-nos. É evaporada toda a substân­
cia do cristianismo e somos convidados a reconhecer
o trivial remanescente como genuíno calvinismo,
porque, sem dúvida, salvaguarda a soberania de
Deus. Entenda-se, de uma vez para sempre, que o
mais completo reconhecimento da soberania de Deus
não basta para constituir um bom calvinista. Doutro
modo deveríamos reconhecer em cada maometano
um bom calvinista. Não pode haver calvinismo sem
uma sincera confissão da soberania de Deus; mas o
reconhecimento da soberania de Deus, representa,
por si só, apenas um caminho muito pequeno para
um calvinismo verdadeiro. O próprio Pajon, autor do
Congruísmo calvinista, foi, no seu pensamento fun­
damental pouco além de um elevado tipo de deísmo.
Parece particularmente importante tornar estas
coisas claras, pois talvez nada haja, nada que, na
opinião geral, mais prejudique o calvinismo do que
a sua identificação, correntemente, com uma dou­
trina abstracta da soberania sem levar em conta os
interesses concretos que a dita soberania salvaguarda.
De facto, a soberania de Deus sustentada pelo calvi­
nismo não representa apenas uma implicação neces­
sária daquele particularismo sem o qual não pode
existir uma relação verdadeiramente religiosa entre
CALVINISMO 115

a alma e o seu Deus; mas é igualmente a indispen­


sável salvaguarda daquele complementar universa­
lismo de redenção igualmente proclamado nas Escri­
turas, em que se manifesta a largueza da compaixão
de Deus. É preciso ter bem em mente que o parti­
cularismo e a parcimónia da salvação não são con­
cepções equivalentes; e é uma mera caricatura do
particularismo calvinista o representá-lo como tendo
a sua parte central na proclamação de que são poucos
os que se salvam (82). O particularismo em que o
calvinismo crê é a relação directa de Deus com a
alma individual; aquilo contra que ele protesta é a
noção de que nos processos da salvação, Deus nunca
actua em contacto directo com o indivíduo, nunca
chega a ser considerado o seu Deus que o salva mas
tudo que faz relativamente à salvação é feito sòmente
para os homens em massa. Se, ao lidar com as almas
individuais dos homens, Ele visita com a Sua graça
salvadora poucos ou muitos, tantos que na nossa
imaginação pode prontamente passar a todos, não
faz parte da questão. Tanto quanto diz respeito aos
princípios de soberania e do particularismo, não há
razão para que um calvinista não possa ser univer-
salista no significado mais expressivo deste termo,
sustentando que cada alma humana será salva; e de
facto alguns calvinistas (esquecidos então das Escri­
turas) têm sido universalistas no significado mais
expressivo do termo. O ponto em que insiste o par-
ticularismo calvinista não é a afirmação de que Deus
salva da massa humana de pecadores sòmente um
aqui e outro ali, alguns tições arrebatados da foguei­
116 O PLANO DA SALVAÇÃO

ra, mas que o método de Deus na salvação dos


homens é descer sobre eles com a Sua graça omni­
potente, resgatá-los para Si próprio por meio do pre­
cioso sangue do Seu Filho, visitá-los no mais recôn­
dito âmago dos seus seres por meio das operações
criadoras do Seu Espírito, e Ele próprio, o Deus todo
Poderoso, realizar a salvação deles. Quantos tenha
Deus assim trazido ou quantos haja de trazer, de
toda a raça humana, à eterna comunhão Consigo
Próprio, entrando Ele Próprio em comunhão pessoal
com eles, é assunto, repito, que está inteiramente
fora da questão do particularismo. Universalismo,
neste sentido do termo, e particularismo são tão
pouco inconsistentes um com o outro que somente
o particularista pode logicamente ser esta espécie de
universalista.
E devemos acrescentar ainda mais alguma coisa: o
calvinismo tem, de facto, a importante missão de
preservar o universalismo do evangelho (pois há um
verdadeiro universalismo do Evangelho), exacta­
mente como tem a missão de preservar o verdadeiro
particularismo da graça. A mesma insistência sobre
os princípios supernaturalista e evangélico (que a
salvação vem de Deus e só de Deus, e que Deus
salva a alma por relação directa com Ele na Sua
graça) que faz do calvinista um particularista, torna-o
também um universalista no sentido bíblico da pala­
vra. Por outras palavras, a soberania de Deus põe o
único fundamento para uma segurança viva da sal­
vação do mundo. Não passa de um universalismo
espúrio aquele que os chamados sistemas universa-
CALVINISMO 117

listas nos oferecem: não um universalismo de salva­


ção, mas, quando muito, daquilo que se chama opor­
tunidade, contingência da salvação. Mas que certeza
pode uma oportunidade universal ou uma contin­
gência universal de salvação (se ousamos usar tais
palavras) dar-te de que todos, de que muitos, de que
algum na verdade será salvo ? Esta oportunidade ou
contingência universal da salvação tem, há dois mil
anos, aproveitado somente a uma lamentável minoria
daqueles a quem se supõe ter sido dada. Que razão
há, pois, para acreditar que, se o mundo pudesse
continuar a existir dez biliões de biliões de anos, se
conseguiria uma aproximação de um mundo comple­
tamente salvo maior do que aquele que os nossos
olhos contemplam hoje, quando o cristianismo, até
na sua forma nominal, tem conquistado para si, não
digo apenas metade da raça humana, mas digo ape­
nas metade daqueles a quem ele tem sido pre­
gado ? (83) Se ao levantardes os vossos olhos para o
distante horizonte do futuro, desejais ver na orla do
tempo a glória de um mundo salvo, podeis encontrar
autoridade para uma tão grande visão tão somente
nos altos princípios de que é Deus, e só Deus, quem
salva os homens, e de que toda a salvação vem d’Ele,
e de que no tempo e da maneira que Ele achar me­
lhor levará o mundo na sua inteireza aos pés d’Aquele
a Quem Ele não hesitou em oferecer à nossa adora­
ção e amor, não meramente como o Salvador das
nossas próprias almas mas como o Salvador do
mundo; e de Quem Ele próprio declarou de que o
tem feito propiciação, não só pelos nossos pecados,
118 O PLANO DA SALVAÇÃO

mas pelos pecados do mundo. Assim, o calvinismo


é o guardião não só do particularísmo que me asse­
gura que Deus, o Senhor, é o Salvador da minha
alma, mas igualmente do universalismo pelo qual fico
seguro de que Ele é também o verdadeiro e genuíno
Salvador do mundo. Em nenhum outro fundamento
se pode obter qualquer segurança, quer de um quer
do outro. Mas neste fundamento podemos ficar segu­
ros com uma segurança que não tem falhas, que, não
somente será salvo o indivíduo a quem Deus visita
com a Sua graça salvadora, mas também o mundo
em que Ele bafeja com o seu propósito salvador em
todo o seu comprimento e largura.
A redenção de Cristo para ser vista de uma ma­
neira própria e digna tem de ser examinada não me­
ramente no seu aspecto individualista mas também
nas suas relações sociais, ou melhor ainda nas suas
relações cósmicas. Os homens não são partículas
separadas, afastados uns dos outros como unidades
mutuamente isoladas. São membros de um orga­
nismo, a raça humana; e esta mesma raça é um ele­
mento num organismo maior que se chama significa­
tivamente o universo. Muito naturalmente, o plano
da salvação como está na mente divina não pode
supor-se que diga respeito só aos indivíduos como
tais: tem necessàriamente as suas relações com as
maiores unidades dentro das quais esses indivíduos
entram como elementos. Quando, por consequência,
temos pensado na redenção de Cristo só quanto aos
seus modos e efeitos de operar sobre o indivíduo,
não há dúvida de que a temos entendido só parcial­
CALVIN1SMO 119

mente. Devemos também perguntar como e o que


ela realiza no organismo da raça humana e quais são
os seus efeitos no organismo do universo. Jesus
Cristo veio para salvar homens, mas não veio para
salvar homens, a cada um como um todo em si pró­
prio fora da relação com os outros homens. Ao salvar
homens, veio para salvar a humanidade; e, portanto
as Escrituras insistem que Ele veio para salvar o
mundo, e, de acordo com isso, dão-lhe o grande título
de Salvador do mundo. Vão aliás mais longe: não
cessam o aumento da sua perspectiva até que pro­
clamam que foi o grande prazer de Deus «reunir
todas as coisas em Cristo, as que estão nos céus e
as que estão sobre a terra». Não temos feito justiça
à doutrina bíblica do plano da salvação, portanto,
enquanto confinarmos as nossas atenções aos modos
da operação divina na salvação do indivíduo, e nessa
ordem de ideias insistirmos só no que temos chamado
o seu particularismo. Há um panorama mais vasto
em que devemos regozijar os nossos olhos, isto se
queremos contemplar todo o domínio da salvação.
Deus mandou o Seu Filho unigénito porque amou
o mundo; Jesus Cristo fez propiciação pelos pecados
do mundo; foi o mundo que Ele veio salvar. Nada
menos que o mundo será salvo por Ele.
O que é altamente importante que tenhamos em
mente neste particular é que o plano de Deus é sal­
var quer o indivíduo quer o mundo, por processo.
Não há dúvida de que a salvação completa do peca­
dor individual entra no gozo pleno desta salvação
realizada tão somente por fases e com o decorrer do
120 O PLANO DA SALVAÇÃO

tempo. Redimidos por Cristo, regenerados pelo Espí­


rito Santo, justificados pela fé, recebidos na própria
família de Deus como Seus filhos, guiados pelo Espí­
rito para a floração e frutificação da nova vida, a
nossa salvação está ainda em processo e ainda não
completa. Somos ainda presos da tentação, ainda
caímos no pecado; sofremos ainda a doença, a tris­
teza e a própria morte. Os nossos corpos redimidos
não podem esperar senão deterioração pelo enfraque­
cimento, e a queda pela morte na sepultura. As
nossas almas redimidas só lentamente podem entrar
na sua herança. Só quando a última trombeta soar
e nós nos erguermos das nossas tumbas, e almas per­
feitas e corpos incorruptíveis entraremos juntos na
glória preparada para os filhos de Deus, só então é
que a nossa salvação estará completa.
A redenção do mundo dar-se-á por um processo
similar. Tem também as suas fases: também ela
avança gradualmente para o seu termo. Mas também
ela será, finalmente completa; e, então, veremos um
mundo inteiramente salvo. Segue-se naturalmente
que, em qualquer fase do processo, estando longe do
fim, o mundo, como o indivíduo, tem de apresentar-
-se à nossa observação como incompletamente salvo.
Não podemos opor a imperfeição da salvação do
mundo hoje à perfeição da salvação do mundo, como
não podemos também opor a imperfeição da nossa
salvação pessoal hoje (os restos do pecado em nós,
o enfraquecimento e morte dos nossos corpos) à per­
feição da nossa salvação pessoal. Cada coisa tem de
ser posta na sua ordem própria: primeiro a semente;
CALVINISMO 121

depois, a erva e, por fim, o grão grado na espiga. E.


como quando Cristo vier, cada um de nós será seme­
lhante a Ele, então O veremos como Ele é; assim
também, quando Cristo vier, será para um mundo
inteiramente salvo, e então haverá um novo céu e
uma nova terra em que habita a justiça.
Não está nas nossas atribuições enumerar neste
mundo as fases por que o mundo deva passar até a
sua completa redenção. Não perguntamos quanto
tempo durará tal processo; não inquirimos por que
meios será efectuada a sua redenção completa. Tais
matérias pertencem à escatologia e até a mais leve
alusão a elas aqui nos leva para além do escopo da
nossa presente tarefa. O que nos diz respeito agora
é tão somente assegurar que o mundo será comple­
tamente salvo e que a consumação deste resultado
através de um longo processo, passando por muitas
fases, com a implícita imperfeição da salvação do
mundo através de extensas idades, não representa
uma dificuldade de pensamento. Esta imperfeição da
salvação do mundo através de numerosas gerações
envolve, naturalmente, a perda de muitas almas no
decurso do longo processo pelo qual o mundo avança
até a sua salvação. Por consequência, a doutrina bí­
blica da salvação do mundo não é «universalismo»,
no sentido comum do termo. Não significa que serão
salvos todos os homens sem excepção. Muitos homens
se perderão inevitàvelmente durante todo o curso
de avanço do mundo para a sua salvação completa,
exactamente como a salvação do indivíduo por um
processo significa que muito serviço é perdido para
122 O PLANO DA SALVAÇÃO

Cristo através de todos estes anos mesquinhos de


salvação incompleta. Mas, tanto num caso como no
outro, o objectivo é atingido, por fim: há um homem
completamente salvo e há um mundo completamente
salvo. Talvez possamos expressar esta verdade di­
zendo que as Escrituras ensinam um universalismo
escatológico, não um universalismo de um e de todos.
Quando as Escrituras dizem que Cristo veio para
salvar o mundo, que Ele salva o mundo e que o
mundo será salvo por Ele, não querem com isto signi­
ficar que não há ser humano a quem Ele não tenha
vindo salvar, a quem Ele não salve, que não seja
salvo por Ele. Querem com isto dizer que Ele veio
para salvar e salva a raça humana; e que a raça
humana está a ser levada por Deus para uma salva­
ção racial: que no desenvolvimento da derradeira
idade da raça dos homens, esta atingirá por fim uma
salvação completa e que os nossos olhos serão deli­
ciados com o glorioso espectáculo dum mundo salvo.
É assim que a raça humana atinge o objectivo para
o qual foi criada, e o pecado não a arrebata das mãos
de Deus: o propósito primário de Deus para com a
raça é cumprido; e por Cristo, a raça do homem, posto
que caída no pecado, é recuperada para Deus e
cumpre o seu destino original.
Não podemos então imaginar que o desenvolvi­
mento da raça, o seu fim determinado, seja motivo
de acaso, ou que seja confiado às incertezas da sua
determinação própria. Se assim fosse, nenhuma sal­
vação haveria ou poderia existir antes desse fim como
seu objectivo seguro. A meta para a qual a raça
CALVINISMQ 123

está a avançar é posta por Deus: é a salvação. E,


no avanço para esta meta, cada fase é, naturalmente,
determinada por Deus. O progresso da raça é, por
outras palavras, um progresso determinado por Deus
para um fim também determinado por Deus. Sendo
isto assim, cada minúcia em cada momento da vida
da raça é também determinada por Deus; e é uma
fase no seu avanço determinado por Deus para o
seu fim determinado por Deus. Cristo foi feito em
perfeita verdade o Cabeça sobre todas as coisas da
Sua Igreja: e tudo o que acontece na Sua Igreja, cada
coisa que a Sua Igreja é em cada momento da sua
existência, cada «fortuna» (como nós absurdamente
lhe chamamos), pela qual passa a Sua Igreja, é
designada por Ele. A proporção do progresso da
Igreja em direcção ao seu objectivo de perfeição, a
natureza desse progresso, os indivíduos particulares
que são introduzidos nela em cada fase do seu pro­
gresso: tudo isto se encontra nas mãos divinas. O
Senhor acrescenta à Igreja diàriamente aqueles que
se vão salvando. E é por meio deste governo divino
de todas estas coisas, que é, em resumo, a condução
progressiva da raça para a salvação, que é atingido,
por fim, o grande objectivo. Dizer isto, equivale,
claro, a dizer eleição e condenação. Não há, pois,
antinomia no dizer que Cristo morreu pelo Seu povo
e que Cristo morreu pelo mundo. O Seu povo pode
ser hoje pouco numeroso: o mundo será amanhã o
Seu povo. Mas deve ser religiosamente observado
que, a menos que seja Cristo Quem realmente salve
o Seu povo, e não apenas Quem abra o caminho da
124 O PLANO DA SALVAÇÃO

salvação para todos, não há base para crer que venha


a haver jamais um mundo salvo. A salvação do
mundo é absolutamente dependente (tanto como é
a salvação da alma individual) da obra exclusiva do
próprio Senhor Jesus Cristo, no Seu irresistível poder.
Sòmente o calvinista tem autoridade para crer na
salvação, quer individual, quer do mundo. Ambas se
apoiam totalmente na soberana graça de Deus (84).
Toda e qualquer outra base é areia movediça.
NOTAS

0) Cf. A. A. H o d g e : «outlin es o f T h eo lo g y » — 1878 ,


pág. (JQ — «H á d e facto, c o m o p o d e m o s ter an tecip a d o ,
som ente dois sistem as com p letos e consistentes de T e o lo ­
gia C ristã: — A g ostin ia n ism o e P elag ian ism o».
(2) G eref. D og. II, pág. 125-12,C.
(3) JPrefácio do livro IV da sua obra sobre Jerem ias.
Conf. M ilm an, «L atin G hristian ity» I, pág. 106', nota 2 ;
D e P ressansée Trois Prem . Siecle, II, pág. 3Í75; H efele,
«C ou sseils», E . T . II, pág. 44:6, nota 3 ; cf. W a r fie ld , «T-wo
Studies in the H isto ry o f D o c trin e», 1897, págs. 4 e 5.
( 4) N ão que a ideia autosotérica jam ais tenha satisfeito
realm ente o coração religioso. C f. T . R . G lover, «C o n flic t
of R eligion s etc.» pág. 6 7 : — «Que a salvação não vin h a
de dentro do hom em foi o testem unho de tod os os h om en s
que se subm eteram ao taurobolium.
T anto quanto isto po d e ser, está estabelecido, pelo tes­
tem unho de todas as m entes relig io sa s, que, seja isto sen ­
tim ento justo ou não, não se p o d e d eixar de sentir que
a von tade é inaquada e que a religião só com eça quando
fin alm en te é abandonada a ideia estóica de alguém se
salvar p o r sua p ró p ria resolução e esfo rço .
(5) Sem elhantem ente tam bém K an t (Religon innerhall
der Grezen der blossen Vernarft Gesammelte Sehriften
1907. Bd. V I ) : «Se a lei m oral ordena que nos tornem os
hom en s m elh ores, segue-se in evitavelm ente que isto nos
é p o ssív e l».
126 O PLANO DA SALVAÇÃO

( 6) «O n N ature and G race», 49.


( 7) «T h e U n fin ish e d W o r k » , I. 91.
( 8J «St. P a u l», E. T . pág. 72' e 7,3.
( 9) A ideia de que é possível guardar a lei inteira apa­
rece frequentem ente no T alm u d. A braão, M oisés e A arão
eram apontados com o tendo-o feito. R. C hanina diz ao
anjo da Morte, «T raz-m e o Livro da Lei e vê se está nele
algu m a coisa que eu não tenha o bserv ad o». (Scoeltg. I
p á g . 1 6 0 e 161'. V er ta m b é m . E d erssh em , «L a n d T .» I,
p ág. 3 ® 6 ). — A lred P lu w er, Com ent. sobre L u cas X V III,
21, pág. 443.
( 10) Cf. A. C. H eadlaam , «St. Paul and C h ristian ity»,
19'1®, pág. 1 3 8 : « A con trovérsia da R eform a foi realm ente
a velha con trovérsia da Fé e das Obras. P ràticam ente
(ain da que isto seja m u ito encoberto em teoria) o sistem a
m e d ie v a l ensinou a salvação p elas obras».
( ” ) N ortlen , «T h e o lo g y of Luth er», E. T . I. 479.
( 12) A. T . Jorgensen, « Theolo. Stud. und K rit» 1910 , 83,
p á g . 63 a 8 2 ; c f . JatiresbericM d e 1910>, 10 1 2 , p á g . 590
( 13) K ostlin , II. 3 0 1 : «N ão con sidero nenhum dos m eus
liv ro s absolutam ente certos, excepto, talvez, De Servo Arbí­
trio e o C atecism o.» Estas palavras foram escritas em 1537.
( i 3 a) « x h e N ecessity of R efo rm in g the C hurch» em
«T r a c ts » , E. T ., p á g . 134. E scrito em 1544.
(**)• Pág. 159.
( ls ) A declaração de verdad eira doutrina da vontade
en volvida na últim a afirm ação é notável.
( le) Cf. Jean B arn aud , Pierre Vinet, 1 9 tll, pág. 505. «B ol-
sec que foi o p rim eiro a levantar-se contra ela (a doutrina
dos R e fo r m a d o r e s), com eçou p o r contestar que a eleição
divina fosse ensinada nas E scritu ras, e então p ro clam a d a
a n ecessid ad e da graça, e, atacando o determ in ism o cal-
vin ista, negou que a queda tivesse p rivad o o h om em da
sua vontade livre. D estas prem issas con clu iu q u e a fé , para
os h om en s, resulta do exercício da livre von tade, ferid a
e corrom p id a, m as não absolutam ente destruída e tornada
in cap a z de realizar o bem e consequentem ente que a
NOTAS 127

eleição não p rec e d e a fé, e que a sa lvação, fin a lm en te,


en con tra a sua causa suprem a, não som ente na vontade
de D eus, m as tam bém num a livre determ in ação do
hom em ».
( 17) V er E. F. F isc h er, Melanchthons Lehre von d. B e­
kehrung. Eine Studie zum Entwickelung der Ansicht.
Melanchthons über Monergismus und Synergism us 1905.
(is) p ara o qué se segue ver E. B o h o l; Beitrage zur
Geschieht der Reformation in Oesterreich, p ág. 26 e seg.
( 19) S ch w eitzer, Centraldogmen, I, pág. 503.
( 20) P ág. 509.
( 21) L o c i, 161,0, ed. Preuss. II, pág. S6 6 .
( 22) K o stlin I, pág. 326.
( 23) Christliche Dogmatila, II, 18i9'8, pág. 146.
( 24) P or outro lado m esm o T h H a r in g em «T h e Cristian
F a ith », E. T . 1913, pág. 347’, d iz : «Q ualqu er suspeita de
que o nosso D eu s possa ser um a von tade boa m as im p o ­
tente, um génio m ora l sem ser senhor d o m u n do, destrói
as raízes de todo o p o d e r religioso».
( 25) Pág. 311.
(26) Pág. i31ß.
<27) Pág. 317.
<28) Pág. 3171
<29) Pág. 431.
(30) Pág. 431.
( 31) A S. M artin, art. «E leetio n », na «E n c y c. o f R eligion
an d E lh ic s » , de H astin g V . 1912 pág. 261 a ).
( 32) « T h e A u th ority o f Crist» 18(M5, pág. 14®.
(33) Pág. 1 Ä
(34) Pág. 34 9.
(35) D e igual m o d o , L ew is F. Stearns, em «P resent D ay
T h e o lo g y » , 1&9©, pág. 416, declara red o n d a m en te: «O único
p o d e r que p o d e arrancar um a alm a a Cristo é a livre v on ­
tade da p r ó p r ia alm a». Esta é um a afirm ação tão forte
quanto p o ssív e l a de que a vontade livre da p ró p ria alma
p o d e arrancar a alm a a C risto. E d isto p o d em o s in ferir, se
c o n fia rm o s em R om . 8>: 39, que a von tade livre não é algo
128 O PLANO DA SALVAÇÃO

que fo i criado, e de fa cto , para falar verdad e, (R om . 8 :3 8 )


que não tem existên cia, quer real, quer p ro sp ectiva . Se
a n ossa von tade liv re é m ais forte do q u e o p o d e r de
Cristo em nós, então é om nipotente, porqu e E le é o m n ip o ­
tente, e ninguém p o d e ser salvo.
( 36) Pág. 300.
■(” ) Pág. 370.
(38) A . S. M artin diz na obra citada, na pág. 2fiil. «A
cren ça da m aior p arte da Igreja C ristã em tod os o s tem pos,
de que o destino do h om em está nas suas p ró p ria s m ãos».
(39) Religion innerhalb der Grenzen der blossen Ver­
nunft (Gesammelte Sch riften , 1907, V I pág. 45).
(40) Idem .
(41) E . Sch ader, Uber des W esen des Christentums und
seine m odernen D arstellu n gen, 1904, cita d o p o r A . Schalat­
ter, Beitrage Z. Forderung d. Christ. T h eo lo gie, 1904,
pág. 39.
(42) W i i i i am T em p le in «F o u n d ation s», 1913, pág. 237.
(43) Id em p á g. 256.
(“ ) «M orning b y M o rn in g », pág. 14.
( 45) George T y rrell, com base na sua p ró p ria ex p e riê n ­
cia, ex cla m a : « A paz é m ais necessária até do que o s
Sacram en tos, que os h om e n s p o d em dar ou não a seu b el-
-prazer e usar com o um açoite». (« L ife » , p o r M iss Petre,
II, p á g . 3 0 5 ) . N en h u m as palavras po d em m ostrar m elhor
a em an cip ação de T y rr e ll.
(■**) An A n sw er to m y L o rd of W in c h e ste r ’ s B ook, «15 47 ,
em E a rly W r itin g s o f B ishop H o o p e r», P ark er Society,
pág. 129.
(47) «C om o se o T o d o Poderoso lhe tivesse feito e sc ri­
tura (co m o um a com p an h ia de seguros) de um m on o p ó lio
de salvação nesta p o rçã o do U niverso, e con co rd asse em
não p ô r m ais aí as suas m ãos» — com o diz adequadam ente
o Sr. W isto n C h u rch ill («T h e In side o f de C up», pág. 8).
(«) «T h e R ule of F a ith », 1912, pp . 2 4 0 segs. C f. o que
n os diz da Igreja no sistem a R om ano H. B av in ck , Het
Christendom, 1912, pp . 3i3 e 3 6 : «Cristo entregou toda esta
NOTAS 129

superabundante graça (e verd ad e) à Sua Igreja para que


esta fosse a distrib u idora nela, Ele p ró p rio con tin u a a
viver na terra ; ela é a perp etu ação da sua en ca rn a ção ;
na M issa E le repete o seu sa crifíc io na cruz de form a
in cru en ta ; po r m eio do sacerd ote, com u n ica a sua graça
aos sa cra m e n to s; por m eio da b oca in fa líve l do Papa,
dirige a sua Igreja para a verdade. A Igreja é, acim a de
todas as coisas, o instituto da salvação, não assem bleia
de crentes ou com u n h ão de santos, m as, em p rim eiro
lugar um a instituição sobrenatural estabelecida p o r D eus
para preservar e distribu ir aqui na terra os b en efício s
salvadores da graça e da verdade. A Igreja abriga os
crentes 110 que quer que lhes possa ser necessário na
doutrina e vid a porqu e ela tem 0 seu po d er 110 sacer­
dócio e nos sacram entos e neles p erm an ece com o p a rti­
cipante eterna dos atributos da u nidade e santidade, de
catolicid ad e e a p osto licid ad e» (pág. 3 3 ). «Som ente a Igreja
pode quebrar o p o d e r da sedução (d o diabo e s-eus a n jo s );
e assim o faz da m an eira m ais m an ifesta, p elo s seus sacra­
m entos e sacram en tação, pelas suas acçõ es santas (gra­
ças, b ên çãos e ex orcism os) e p elos objectos sagrados
(am uletos, filacteras, escapulários, etc.) sem pre que 0
h om em natural não é san tificado pela Igreja, ele p erm a ­
nece p ro fa n o e de categoria in fe rio r», (pág. 36).
í*19) C o n e . T r id . Sess. X X I I , cap. 2.
( 50) N ão pa rem os para in qu irir quanto é que, no m o ­
derno sistem a R om an o, 0 Papa absorveu em si as fun ções
da Igreja e se tem torn ad o, com o diria George T y rrell,
em cap acid a d e separada, 0 representante e sustituto de
Cristo na T erra. Cf. com «Joint P astoral of the E n glish
C atholic H iera rc h y de 29 de D ez., 1900, e com a c on ­
trovérsia que daí resultou e de que M iss Petre, em «L ife
o f T y r r e ll» , vol. II, cap. V II, pp. 14 6-161, deu um bom
e b reve resum o.
( 51) S y m b o lik , pp . 332 e 333.
( 62) C one. T r id . Sess. V II, P roem .
( 53) O p. cit., pág. 244.
130 O PLANO DA SALVAÇÃO

(M) Pág. 274.


(55) «H is D ivin e M ajesty», L o n d res, 1897, pág. 191 e
seguintes.
( 56) O D r. J. A rm itage R obin son ensinou os A n glican os
m od ern os a tradu zirem E f. 1 :2 $ : «A Igreja é o acaba­
m ento d’EIe, que tudo em tudo está sendo rea lizad o». E
todos aaueles aue têm ten dên cia sacerdotal não c lfn n n r íi-
ram a utilizar na sua inteireza esta interpretação do texto.
Cf. W . T em p le, em «F o u nd atioiis», 1912', p p . âáíke 3i59.
( 57) W . J. K n o x L ittlc. « S a c e r d o ta lis i^ ^ lp ^ í, pp. 4 ^ >

( ss) «O utlines of C liristian D o g i n a ^ ^ W ; p p . 107 (@ll|^.


■(“ ) Pág. 149. ^
( co) A. G. M ortim er, «C a th c^ íN M ÍÍli and Pract^% »', 1897,
I, p p . 65, 82>, 84, 100, 1 1 4 ^ * ^ 2 2 . e 1 2 7 ^ ,-f f 130.
( cl) Cf. pág. 1 3 0 : < á ^ w a ^ ^ n c a r n a ç ã ^ ^ E x p i a ç ã o de
C risto, a naturez£K?BHinSna com o t ^ ^ b o d o foi levada a
D eus e com o ^ u ító ^ lro fo i salv&.((phs, com o se pudesse
haver um m ^ jj^ fid ep o is d i s t ô ^ ^
(63) H averá ( W w m a n t e coisa , a «raça» que
possa fe u iiir ' independ-eásgnlente dos in d ivíd u os que con s-
tU u M n U a ra ç a ? C o m ^ e que a E n carn ação e a E xp iação
po^eím afectar ^ (g S a ça» e deixar intactos os in d ivíd u os
que a constJKreffi'7
( C3) de um volu m e de p o lé m ica Luterana pelo
fa le c }jfe jEft-. C. P. K rauth.
E . F. K arl M uller, D ie B ek en n tn issch riften der R e-
form irten Iiirch e , 190S1, pág. 451.
m uel H ube , nascido em 1547 e fa lecid o em
1624, P rofessor em W itte m b u rg de 1592 a 1595, fo i um
exem plo m od elo de «h olop red estin atário», para a geração
seguinte. Mas o a p ropriad o ensino deste «am argado m ártir
d o u n ive rsa lism o», parece ter com eçado só com o C oló­
quio M um pelgart (1568). U m a boa d escrição dele p o d e
ser exam in ad a em D ie P ro testa n tisch en C en tra ld ogm , de
A. Sch w eitzer, 1854, I, p p , 501 e segu intes; ver tam bém
o artigo de G. M uller em Ilerzog . U m a edição do D e S erv o
N OTAS 131
\
\
Arbítriòy de L u tero, fo i p u b licad a em N eustadt n o PI a ti -
nato em 1591, com o ataque à noção N eo p la gia n a de que
D eus tenha eleito todos os h om en s igualm ente e não haja
eleição p a rticu la r de in d ivíd u os. L u th ard t fala do p a rtid o
oposto com o N eolu teran os (D ie L eh re v o m freien W ille n ,
C. E. Luthardt, 1SG3, p. 122, nota). Com o os dogm atistas
do século dezassete tratavam este assunto, p o d e ver-se
em H ollaz, Exam. Theolog. Acvomn. 174(1, p . 64®, o u em
Q uenestedt, Theologia Didactico-Polémica, 17 15 , II, p . 72.
Quenestedt d iz-n os que foi Sebastião Castalio o arquitecto
do erro da eleição universal, segu ido de Sam uel H u ber,
que absurdam ente en sin o u : «a E leição é u n iversal, D eus
elegeu realm ente todos os h om en s para a salvação no
sentido pró p rio e sem am b igu idade, e sem nenhum a con ­
sideração pela fé » . A crescen ta que H u ber não teve p a r­
tid ários e que o seu erro se extinguiu.
( 65) E d im b u rgo , 1904, p á g. 282.
( 66) L o n d res e N ova Iorqu e, 1912, p p . 310 e 313i
( eT) €The H om ileticsl R e v ie w », Fev.°, 19âD, vol. L1X,
n.» 2, p á g. 101.
( 6S) Neue Kirchliche Zeitschrift, 1900, X I, pág. 500.
( 6S) Pág. 601.
X70) S ch m id , pág. 421.
( n ) Com o citado, pág. 601.
(7i a.) a este resp eito J. W . P o w e ll dá um testem unho
de interesse com «O que é um c r istã o ?», 1*91*5', págs. 144
e 145. D eixa n d o o A rm in ia n ism o , em que fo i p rep arado
para o M odern ism o— ou, c o m o ele p ró p rio diz, a E p ístola
aos R o m a n os p ela pa ráb ola do F ilh o P ród igo — c o m ­
preen de ainda o Sr. P o w e ll que, co m o antigo arm in ian o,
não tem realm ente m u dado a sua p o siç ã o . O P ecado
O rigin al e a G raça U n iv ersal do A rm in ia n ism o eram p u ra ­
m ente teóricas e não tinham acção sobre a vid a activa —
«o m aq u in ism o teo lóg ico, que era u m tributo pago à inter­
pretação literal do N ovo T esta m e n to ». T udo que ele perd eu
por desistir d e le e v ir a p o siçã o racion a l da b on d ade
132 O PLANO DA SALVAÇÃO

natural do h om em , é, di-lo ele com verdade, «um a quan­


tidade con siderável de obscuro ra cio cín io teológico».
( 72) «Sistem a de D ou trin a C ristã », 1903, pág. 417.
( 73) H . F. H en d erson , «A s C ontrovérsias R eligiosas da
E sc ó c ia », 1905, pág. 1 8 7 ; con f. W . B. Selbie, «A V ida de
A n d re w M artin », F a irb airn , 1914, pág. 8.
( 74) H . F . E n d erson , op. cit., págs. 182 e 183.
( 73) «V id a A p ós a M orte», págs. 184 e 185.
( 76) G rundrids af den System . T h eo lo gi, págs. 114 e 155
(citad o p o r D ah le).
( 77) «R evista M etodista», (N . Y .), Julho de 19ÜÜ.
( 75) Erlangen E d ition o f W o r k s, X L IX , p á g . 343.
( ” ) W . P. P aterson, op. cit. pág. 3 7 5 ; referid o a A.
R itsch l, «Justificação e R eco n cia lia çã o» E. T ., pág. 20.
( 80) Erlangen E d ition o f W o r k s, X V III, pág. 20.
( 81) É im portante observar que os term os Su pralasaria-
nos, Sublapsarianos (ou In fralapsarian os) dizem respeito
ao lugar da colocação do decreto da eleição relativa­
m ente ao decreto da queda. Entre os historiadores que
não entendem este assunto tem -se desen volvido o hábito
de defin irem Su p ralapsarianism o com o a opin ião que
sustenta que o decreto de D eus em geral é fo rm a d o antes
da queda. A ssim T h . H arin g, em «T h e C hristian F a ith »,
E. T . 1912, pág. 479, fala de um a opinião cham ada Supra­
la p sa ria n ism o , porque fa z «a vontade de D eus in clu ir a
queda do p rim eiro h om em . «N enhum C alvinista (seja Su-
p ralap sarian o, S u blapsariano, P ó s-red en cion ista, A m y ra l-
dian o, P ajonista) duvida ou po d e duvidar de «que a von­
tade de D eus in clu i a queda do p rim eiro h o m e m ». N enhum
Teísta que entenda claram ente o seu teísm o, p o d e tam bém
duvidar disso.
( 82) D e acordo com a tendência para exigir a escassez
dos salvos com o um dogm a não tem ligação especial com
o calvin ism o, m as é realm ente assunto p ro em in en te entre
(p o r ex em p lo) o s Luteranos. Q uenstedt, in «T h eo lo gia
D id a c tico -P o le m ic a », 17 1 5 , II, pág. 30, faz a p rim eira atri­
buição aos «eleitos» sem «pequeno n ú m ero», assim com o
NOTAS 133

aos «rép ro b o s» serem «em m u ltid ã o »; e Jlion Gerliard,


iri «L oci T h eologich , E d . Cotta, 187, X X , pág. 518, «do
objecto de vid a eterna» entre os seres h u m an os, p rim eiro
de tudo, que eles são «p o u c o s». V eja m ais na «Revista
da Igreja L u teran a», de Janeiro de 1915, o artigo : «São
pou cos os que se salvam ?» Para ideias do pon to de vista
sacerdotal, veja F. W . F arrar, «E ternal H o p e », 1878, p á g i­
nas 90 e segs. e «M ercy and Judgeinent», 1881, p p . 13 7 a 155.
( 83) Cf. o que é dito p o r R . A. K n o x em «Som e Loose
Stones», 1913', págs. 111 e seguintes. W illia m T em p le disse
notavelm en te: «A terra será h abitável, m uito p ro v a v e l­
m ente, ainda p o r m iríades d e anos. N ós som os a Igreja
p rim itiva ». R. A. K n o x faz excep ção a isto (que no entanto
parece bastante verdad eiro) e prossegue argum entando que
não há uma base sólida para supor que o cristian ism o
seja ja m ais triunfante sobre os seus in im igos. «T e o lo g i­
cam ente», afirm a ele, «parece certo que, se o livre arbítrio
for algo m ais d o que um a expressão, continua a p e rm a ­
necer a p o ssib ilid a d e de que a m aioria do m undo rejeite
a salvação cristã». C on cord am os realm ente que, se o caso
depender do livre arbítrio, não haja base para esperar
que haja ja m ais um m undo salvo.
( 8‘ ) D e acordo com isto, até o testem unho de um T h .
H arin g (« T h e C hristian F a ith », E. T . 1913, pág. 4 7 4 ) é
v erd a d eiro : «É só m ediante a fé no D eus vivo que a fé
em atingir um objectivo derradeiro a ser seguram ente
atingido, se tem tornado um p o d er no m undo e no coração
in d iv id u a l».

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