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OS NEGROS E A INQUISIÇÃO
Neusa Fernandes
neusafer@terra.com.br
Resumo Abstrat
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.
1
SALZANO, F.M. e Freire, Maia N. Populações Brasileiras. Aspectos Demográficos, Genéticos e
Antropológicos. São Paulo: Nacional/USP, p. 29.
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REDE-A: vol.1, nº2, jul.-dez. 2011.
Quadro nº1:
Média da população negra existente em comarcas e vilas da capitania de Minas
Gerais, 1735 a 1749.
FONTE: CAMPOLINA, Alda Maria et al. Escravidão em Minas Gerais. Belo Horizonte: Secretaria do estado de
Minas Gerais. Arquivo Público Mineiro/COPASA/MG, 1988. (Cadernos do Arquivo, 1) p .31.
APUD, Paiva, Eduardo, França - Escravos e Libertos nas Minas Gerais do Século XVIII, França - São Paulo:
Anna Brume, 1995.
2
Processo: Inquisição Lisboa nº 10.874.
3
Processo: Inquisição Lisboa nº 3.382.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 10.874.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 6.478 e MF- 2.595.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 11.784.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 9.985.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 11.786.
9
Réus confessos que eram readmitidos no seio da Igreja. Seus bens eram, entretanto, confiscados e tinha
que cumprir a pena de “hábito e cárcere penitencial perpétuo”, o que significava morar o resto da vida
numa aldeia determinada, usando o sambenito.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 1.377.
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Bolsa de mandinga foi uma das primeiras manifestações de feitiçaria no Brasil colonial, mas teve seu
uso mais difundido no século XVIII. Para serem penduradas no pescoço, as chamadas bolsas de
mandinga, também conhecidas como patuás, eram minibolsas, feitas de pano, contendo pedras de corisco,
moedas, pólvora, bala de chumbo, enxofre, olho de gato e até escritos. O conteúdo das bolsas variava
conforme o fim a ser alcançado.
12
Ibidem.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 4.944.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 15.559.
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“Desde há por estas partes, muitos e como ordinariamente são pretos e índios e
que lhes mandassem dar uns açoites (...) Também tenho notícia que alguns
soldados, homens brancos, fazem papéis com orações e coisas oriundas do
Marfim para alcançarem mulheres e não lhes fazerem nenhum mal (...) fazer-
lhes entregar os ditos papeis e adverti-los do perigo que expõem suas almas (...)
Como não temos faculdades para tanto, senão que tomamos as denunciações e
remetê-las (...)”15
Caso singular foi o de Thereza,16 preta da nação Mina que vivia no Pará, na
região de Santo Antonio de Ouro Branco, escrava que era do senhor Rodrigues. No ano
de 1728, em um dia de coragem, Thereza apresentou-se na casa do padre Francisco para
denunciar os abusos do padre Romão Furtado de Mendonça, vigário da mesma
Freguesia.
Contou Thereza que foi procurar o vigário Romão para se confessar e que
“chegando a porta do mesmo lhe mandara entrar para sua casa, para nela se confessar,
entrando para dentro, confessava (...) o vigário pegava dela e tinha cópula carnal e que
isto fora na Quaresma próxima passada deste mesmo ano”.17
Depois de narrar o episódio, disse Thereza que sentia a necessidade de
denunciar o fato e pedia ao padre para fazê-lo. E assim deu-se. O padre Feliz Simões de
Paiva escreveu carta de uma só página, verso e reverso, na qual narrou os
acontecimentos, assinou-a e encaminhou ao Tribunal do Santo Ofício. O documento foi
protocolado, ganhou número mas o processo não foi aberto.
Manuel da Piedade,18 preto escravo do capitão Gaspar de Valadares, era natural
da Bahia onde morou algum tempo. Mais tarde, transferiu-se para Pernambuco e pouco
tempo depois fugiu do seu senhor, indo para Portugal, morando em Viana, Porto e
Lisboa. Embora cristão batizado, foi denunciado em Coimbra, como mandingueiro,
pelos escravos Antônio Criança, Luis de Lima, José Luis, Sebastião Rocha e Ventura
Ramos.
Outras9pessoas fizeram depoimentos anônimos, acusando Manuel da Piedade
de mandingueiro conhecido e curandeiro. Quando foi preso pela Inquisição, em 1730,
trazia na algibeira uma oração usual no Brasil, para livrá-lo dos perigos do mar e de
pancadas.
15
Ibidem.
16
Processo: Inquisição Lisboa nº 15.485.
17
Ibidem.
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Processo Inquisição Lisboa nº 9.972- MF nº 4.974.
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19
Processo Inquisição Lisboa nº 631- MF nº 2.611..
20
Processo: Inquisição Lisboa nº 7.759. MF- 2.724.
21
A palavra Calundu veio do quimbundo, significando ente sobrenatural.f. NASCENTE, Antenor.
Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1967. 1º tomo-A-C,
p.364. “Calundu é um conjunto de festas ou celebrações de origem ou caráter religioso, acompanhadas de
canto, dança, batuque e que geralmente representavam um pedido ou consulta a divindades ou entidades
sobrenaturais.” In: HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico da língua portuguesa.
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Ibidem.
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Processo Inquisição Lisboa nº 254. MF- 2.591.
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Antônio da Silva, com quem trocou informações acerca do uso das bolsas. Com o
estudante aprendeu que as cestas de mandinga protegiam de ferimentos e livrava de
ferros e do fogo. Também foi informado que para a mandinga ficar forte era necessário
colocá-la na mesa do altar da igreja, entre a toalha e a pedra d’ara.
Acusado de feitiçaria e de ter trato com o demônio, Antônio Mascarenhas foi
preso pelo Tribunal do Santo Ofício. Inúmeras testemunhas foram ouvidas em seu
esbranquiçado e repetitivo processo, de difícil leitura. Foi açoitado e, em 17 de agosto
de 1743, Antônio foi colocado na Casa de Tormenta.
O Tribunal considerou-o herege, mas reconheceu nele sinais de
arrependimento. Por isso, foi reconciliado.
Nesse mesmo ano ouviu sua sentença: rezar uma semana o rosário à Virgem
Nossa Senhora; cinco padres-nossos e cinco ave-marias, cada sexta feira, em honra das
Chagas de Cristo; degredo de cinco anos para as galés e proibição de voltar ao Reino e à
Ilha da Madeira.
24
A mesma acusação sofreu o negro forro José Martins , de 26 anos de idade.
Toda a sua família era de escravos: seus pai, Leandro Martins, sua mãe Josefa Nunes e
sua mulher Luísa. Nascido e morador em Riachão, na Bahia, José foi preso pelo
Tribunal em 1752. Seu processo durou quatro anos. Em 1756, recebeu a sentença:
açoitado publicamente e degredo de cinco anos para Miranda, além de receber
penitências espirituais e cárcere a arbítrio
Por crime de bigamia, aos 31 anos de idade, foi preso Clemente da Fonseca da
Silva,25 também conhecido com o nome de Antônio da Fonseca. De profissão alfaiate,
era pardo, natural de Sabará e morador nas minas de Paracatu, em Minas Gerais. Sua
genealogia registra que seus pais foram os cariocas Antônio da Fonseca Barcelos,
senhor de engenho e Bárbara Cabral, escrava, tendo como avô paterno Gregório da
Fonseca e a avó materna Joana Gonçalves da Silva. Casou-se pela primeira vez com
Maria Teresa e a segunda vez com Florência Pereira da Silva.
Julgado pelo Tribunal do Santo Ofício, Clemente da Fonseca e Silva foi
encarcerado em 1757 e sentenciado em 1761, em auto-de-fé realizado nos claustros do
Convento de São Domingos, em Lisboa, recebendo as seguintes sentenças: açoites pelas
ruas da cidade, degredo de seis anos para as galés e penas espirituais, além do
pagamento das custas do processo.13
24
Processo: Inquisição Lisboa nº508.
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Processo maior, com mais de mil páginas, sofreu Antonio de Carvalho Serra,26
25 anos de idade, pardo livre, filho de Manoel Carvalho Serra, homem branco, lavrador
de ouro em Serro Frio e de Ana Barbosa, preta forra. Natural de Brumado, em Minas
Gerais, Antônio vivia como sapateiro e lavrador na cidade de Serro Frio, nas Minas,
onde também atendia pelo apelido de “Requibimba”. Antonio era neto de escravo de
Angola e era casado com Florência Costa. Foi acusado de roubar hóstias e, por isso, foi
preso em 1757, gozando de perfeitas condições mentais, portador de atestado de juízo e
capacidade.
Após dois anos de prisão, Antônio começou a se queixar de dificuldade para
escrever e, pouco depois, adquiriu total loucura “nascida da desesperação em que pôs o
seu gênio áspero e ardente vendo-se preso e doente” 27.
Foi Antônio removido para o Hospital de Todos os Santos, para loucos, em
1761 e, no ano seguinte, faleceu ignorando-se o seu estado.
Luiz Pereira de Almeida28, menor de 25 anos, analfabeto, era casado com
Maria Ferreira e escravo de D. Antonia Pereira de Almeida. Natural da Vila de Jacobina
e morador no Sítio do Riacho, na Bahia, Luiz era filho de João Correa, escravo do
senhor João Rodrigues Santiago e de Agostinha Pereira, preta forra, natural do Congo.
Apesar da superstição, o negro Luiz era batizado e praticante da fé católica.
Assistia regularmente às missas, comungava, ouvia as pregações e demais obras de
cristão.
Em 1756, Luiz Pereira de Almeida foi preso acusado de usar bolsas de
mandinga, com partículas sagradas, por oito testemunhas. No mesmo ano foi condenado
pelo Tribunal do Santo Ofício a degredo por dois anos em Lamego, apesar de ter
denunciado, minuciosamente, Joseph Martins e Mateus Pereira Machado.
Solteiro, filho de Joseph e Jacinta de Andrade, Mateus Pereira Machado29 era
natural de Cachoeira, e morador no Sítio Riachão. Nasceu em São José da Pereroca,
Vila da Cachoeira, na Bahia, e era escravo do senhor Veríssimo Pereira Machado.
Antes de ser preso, viveu em Portugal, nos sertões de Santo Antônio de Jacobina e na
Bahia, sendo conhecido como Mateus de Airó Nogueira de Andrade.14
25
Processo: Inquisição Lisboa nº 8.662.
26
Processo Inquisição Lisboa nº 1.078.
27
Ibidem.
28
Processo Inquisição Lisboa nº 1.134-. MF- 4. 971.
29
Processo Inquisição Lisboa nº 1.131.
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Consta do seu processo, uma petição que o preso Mateus fez solicitando fosse
perdoado o seu degredo para Castro Mirim.
O carpinteiro pardo José Fernandes30 foi acusado de superstição. Natural e
morador na
Bahia, José era viúvo de Isabel da Conceição e tinha 26 anos quando foi preso, em
1760.
Após um ano de prisão, foi dada a sua sentença, em 20 de setembro de 1761:
açoitado pelas ruas públicas da cidade e degredo de cinco anos para as galés.
Também roubava hóstias e pequenas partículas de pedra da sacristia, o celeiro
pardo Salvador de Carvalho Serra31. Cristão batizado e crismado, solteiro, natural de
Brumado e morador em Mariana, Salvador de Carvalho Serra fazia o serviço durante à
noite e de madrugada. Ficava com uma parte do material surrupiado e dava outra parte
ao amigo Antônio Correa. Preso em 1761, foi julgado pela Inquisição, que o instruiu
nos mistérios da Santa Fé Católica. Recebeu penas espirituais e foi obrigado ao
pagamento das custas do processo.15
30
Processo: Inquisição Lisboa nº 8.909
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Processo: Inquisição Lisboa nº 4684.
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Devo o interesse maior por essa escrava ao antropólogo Luiz Mott que, baseado no processo
inquisitorial da negra, escreveu obra biográfica completa intitulada: Rosa Egipcíaca - uma santa africana
no Brasil. Dela retirei os primeiros dados para essa síntese, completada à vista do Processo : Inquisição
Lisboa nº 9.065.
33
Ibidem.
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No segundo semestre deste mesmo ano, Rosa foi viver, primeiramente, na Rua
da Ajuda, em casa da viúva Maria Tecla de Jesus e, posteriormente, na própria casa do
padre Francisco, um dos mais ferrenhos batalhadores pela beatificação da negra. Já
alfabetizada pelos seus dois mestres, Maria Teresa do Sacramento e José Gomes,
durante esse tempo, Rosa escreveu, ou ditou muitas cartas e depoimentos, descrevendo
suas visões.
Segundo Luis Mott, Rosa fundou, junto à igreja de Nossa Senhora do Parto, um
recolhimento para mulheres negras e ex-prostitutas. Entretanto, seu nome como
fundadora foi omitido pelos historiadores que se dedicaram à história do Rio de Janeiro.
Enquanto ali viveu, sua cela foi frequentada pelo padre Francisco, com quem já vivia
amancebada desde as Minas Gerais, segundo voz corrente na Capitania.
Aos 44 anos de idade, Rosa Egipcíaca foi denunciada ao Tribunal da
Inquisição, pelo próprio representante do Tribunal no Rio de Janeiro, padre Antônio
José dos Reis Pereira de Castro. Acusada de feitiçaria e de auto imputar-se santidade,
Rosa foi presa em fevereiro de 1762, levada para Lisboa, onde enfrentou as sessões do
inquérito, iniciadas em 26 de janeiro. Ficou um ano encarcerada no aljube e contra ela
depuseram dezenove pessoas. Somente as duas últimas testemunhas, as cozinheiras do
17
Recolhimento do Parto, procuraram eximir ou atenuar as culpas da negra.
Em seguida, foi Rosa transferida para os “Cárceres Secretos” e encaminhada
para a sala de audiências. Logo nos primeiros depoimentos, confessou seus dons, não
omitindo nenhuma de suas experiências místicas e fixando o ano de 1760, como o mais
generoso para as suas “visões beatíficas.”
Entre os anos de 1764 e 1765, seu processo ficou parado. A última referência
no documento data de 4 de junho de 1765, quando Rosa foi chamada para a sexta
audiência. Daí em diante foi o processo interrompido, não constando dele a sentença
final atribuída a ré Rosa Egipcíaca.
O sacerdote Francisco de Paredes,35 meio cristão-novo, homem pardo, foi
acusado do crime de judaísmo e preso em 1716 aos 40 anos de idade. Natural e morador
do Rio de Janeiro, Francisco era filho de Gregório Brandão, alferes de ordenança, e de
Leonor da Costa, mulher parda.18
34
O autor Luis Mott, na obra supracitada, faz um minucioso levantamento do nome adotado pela escrava,
reportando-se à história religiosa, desde o século VI.
35
Processo: Inquisição Lisboa nº 8.198 e MF- 2.671.
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Processo: Inquisição Lisboa nº 252.
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sabia o nome. Comungava e praticava todas as obras de cristã . Afirmava que seus feitos
e palavras provinham de Deus.19
Luzia depôs que não tinha pacto com o demônio, não o invocara, nem nunca o
tinha visto em parte alguma, que Deus sabia estar dizendo a verdade. Articulava suas
rezas para atingir o objetivo das curas, com a prática de pagamento aos santos, pedindo
“aos enfermos duas oitavas de ouro, as quais repartia para Santo Antônio e São
Gonçalo”.
Vale lembrar que São Gonçalo era o padroeiro dos quilombolas. O Instituto
Histórico e Geográfico de Niterói, em pesquisas recentes, constatou vestígios da
devoção desse santo nos quilombos de Campos; de São Gonçalo, no Estado do Rio de
Janeiro.
Cumpridas as suas obrigações com os santos, Luzia ainda teve de responder a
inúmeras e repetidas perguntas. Após um ano de prisão, foi-lhe dado tormento,
amarrada no potro. 37
Durante o ano em que transcorreu o seu processo, a preta forra confundiu os
inquisidores ao afirmar sempre sua crença em Deus, que lhe dera os dons sobrenaturais,
para exercer o seu ofício de curandeira.
Longe de omitir suas opiniões ou de responder evasivamente, Luzia Pinto
negou sempre que tivesse algum pacto com o demônio. Pelo contrário, disse que tudo
obrava por destino que Deus lhe deu. Afirmava que suas aptidões eram virtudes com
que Deus a dotara.
Os inquisidores consideraram que a “ré” vivia apartada da fé católica e que
firmara um pacto com o demônio, fazendo curas supersticiosas e adivinhando coisas
ocultas.
A tarefa de condenar Luzia Pinto demandou 127 páginas de interrogatórios,
depoimentos, pareceres inquisitoriais sobre suas crenças e curas.
No convento de Santo Domingos, em ato público, ouviu Luzia Pinto sua
sentença: a condenação a quatro anos de degredo e a rezar cinco padres- nossos e cinco
ave- marias todas as sextas- feiras, a confessar-se na Páscoa, no Natal, na Ressurreição e
37
Potro, segundo descrição de Lúcio de Azevedo era “espécie de cama de ripas onde, ligado o paciente
com diferentes voltas de corda nas pernas e braços, se apertavam aquelas com um arrocho, cortando-lhes
as carnes”. Uma das vítimas deste tormento foi o jornalista Hipólito da Costa, que afirmou serem as
cordas causas de violentas compressões no corpo inteiro.
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Fontes Manuscritas
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Secção de Manuscritos, 18, 2, 6. pág.91. “Do
Mestre de Campo Ignácio Correia Pamplona sobre a Expedição do Campo Grande, Cuieté e
Abaeté, termo de Paracatu. De todos os sujeitos que escreveram sobre esta matéria”, 1769.,
Processos Inquisição Lisboa nºs : 210, 212, 213, 218, 252, 254, 258, 508, 631, 1.078,
1.131, 1.134, 1.377, 1.894, 2.279, 2.595, 2.691, 2.704, 2.706, 3.025, 3.382, 3.808, 4.684, 4944,
6.478, 7.759, 8.198, 8.284, 8.662, 8.862, 8.909, 9.065, 9.368, 9.972, 9.985, 10.068, 10.631,
10.874, 11.163, 11.774, 11.786, 11.874, 13.264, 13.356, 15.485, 15.559, 16.722,
Referências bibliográficas
38
Ibidem.
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FERNANDES, Neusa. Os negros e a Inquisição.
REDE-A: vol.1, nº2, jul.-dez. 2011.
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