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MINHA EXPERIÊNCIA DE ANÁLISE COM FAIRBAIRN E WINNICOTT

(Quão completo pode ser um resultado em terapia psicanalítica?)

HARRY GUNTRIP, Leeds

Tradução de Valéria Moura Venturella*, 2004


e-mail: valvent@gmail.com

[INTRODUÇÃO EDITORIAL: Os escritos de Harry Guntrip têm uma importância na história da


Sociedade Psicanalítica Britânica, especialmente para o Grupo Independente nos anos 1961-1975.
(Antes de 1962, os Independentes eram conhecidos como “o grupo intermediário”.) Para entender isto
é essencial conhecer os contornos dessa história e do papel que desempenhou nela John Sutherland,
que por muitos anos foi diretor da Clínica Tavistock e do Instituto das Relações Humanas, e editor do
Jornal Internacional de Psicanálise, da Biblioteca Internacional de Psicanálise, e do Jornal Britânico
de Psicologia Médica. Antes de sua análise de formação1, Sutherland foi analisado por Ronald
Fairbairn. Mais tarde, de 1949 a 1960, Guntrip também procurou Fairbairn para psicoterapia
intensiva, que ele chamou “ uma análise de formação”.
Nos anos 40, Fairbairn escreveu uma série importante de trabalhos teóricos, e em 1952 ele os
republicou na forma de livro, “Estudos psicanalíticos da personalidade” (Publicações Tavistock),
(intitulado “Uma teoria das relações de objeto da personalidade”, em 1954, nos EUA). Este bem
poderia ter-se tornado (depois de Freud) o primeiro livro teórico do grupo intermediário nos anos 50,
se Winnicott e Khan não lhe tivessem escrito uma resenha desfavorável, publicada no IJPA
(International Journal of Psycho-Analysis) em 1953. O grupo intermediário foi o principal na
Sociedade Psicanalítica Britânica depois das Discussões Controversas de 1943-44 e por muitos anos
eles ultrapassaram em número os números somados das duas alas, o “grupo B” e os “kleinianos”. Na
resolução daquelas discussões, eles haviam se separado politicamente, ao formarem e nomearem a si
próprios como grupos. Embora os membros do grupo intermediário não se considerassem oficialmente
como “um grupo” até 1962, quando Paula Heimann apoiou a adoção de seu presente título,
“Independentes”, eles vinham de fato funcionado como grupo desde 1945, e foi sua continuidade na
principal Sociedade Britânica que possibilitou que nela as duas alas permanecessem “juntas” como
grupos. Por quinze anos, os mais importantes oficiais da Sociedade tinham sido escolhidos a partir do
“Grupo Intermediário”.
No treinamento de estudantes, todos os três grupos sempre usaram os escritos de Freud, mas os
kleinianos tinham “A psicanálise de crianças” (1932) de Klein e seus subseqüentes trabalhos e livros
como sua outra fonte teórica principal, enquanto o grupo B tinha para uso similar “O ego e os
mecanismos de defesa” (1937) e “O estudo psicanalítico da criança” (1945), de Anna Freud. O
“grupo intermediário” não tinha tal “novo testamento” (além de “Análise do sonho” (1937) e
“Artigos reunidos sobre psicanálise” (1950), de Ella Freeman Sharpe).
Embora na Biblioteca Internacional e no Jornal Internacional houvesse um fluxo constante de livros e
trabalhos que divulgassem opiniões independentes das duas alas, não houve uma figura encabeçadora
central que tivesse publicado um livro que apresentasse uma teoria coerente e unificada à qual os
membros da escola intermediária pudessem aderir. Ernest Jones, o fundador da Sociedade Britânica,
tinha sido um membro do grupo intermediário. James Strachey também tinha sido membro desse
grupo, e sua revisão da Edição Standard dos trabalhos de Freud, deu a seus membros um senso de

*
Doutora em Letras.
1
No original, ―training analysis‖, a análise que faz parte do processo de formação de um analista. (Nota da tradução).
unidade. Os livros de artigos reunidos de Jones, Balint, Fairbairn, Brierley e então os de Winnicott
foram extremamente úteis, mas nem sempre estiveram em acordo um com o outro. Eles às vezes
usavam termos e linguagem idiossincráticos para expressar idéias similares formuladas
independentemente. Foi, então, uma revelação bem vinda quando Guntrip, usando as idéias e a
terminologia de Fairbairn, publicou seu livro, “Estrutura da personalidade e interação humana” na
Biblioteca Internacional de Psicanálise (1961). Como filósofo clínico, preocupado em reconciliar
teorias divergentes, Guntrip apresentou os pontos de vista de escritores psicanalíticos importantes, de
Freud adiante, em uma clara perspectiva histórica. Fairbairn passou a ser mais utilizado. E em 1965,
quando Sutherland fez uma retrospectiva da vida e pensamento de Fairbairn, em um encontro em
memória a ele poucos meses após sua morte, Winnicott, que presidiu o encontro, e Khan reconheceram
abertamente a falta de compreensão que havia embasado sua resenha conjunta do livro de Fairbairn.
Guntrip nunca foi aceito como membro da Sociedade Britânica, mas vários de seus artigos e seu livro
posterior “Fenômeno esquizóide, relações de objeto e o self” (1968), foram também publicados sob a
égide da Sociedade, graças ao apoio de Sutherland no cargo de editor.
Estabelecido na Universidade da Escola de Medicina em Leeds, uma cidade a meio caminho entre
Londres e Edimburgo, Guntrip, com seu grande talento para ensinar, teve projeção entre médicos e
estudantes de medicina daquela cidade, mas atingiu psicanalistas —quase todos vivendo em ou perto
de Londres— somente através de seus escritos. Suas sessões de psicanálise com Winnicott em 1962-67
levaram-no a tentar reconciliar as idéias de Fairbairn e Winnicott. Ele fez isso usando Fairbairn para
explicar processos esquizóides do relacionamento entre duas pessoas, e, Winnicott para lidar com
processos depressivos em conseqüência de experiências de perda. Seu artigo, aqui republicado do
segundo volume da Revista Internacional de Psicanálise (1975), foi apresentado pessoalmente em
Tavistock e a um grupo de estudantes em treinamento no Instituto de Psicanálise, mas ele não viveu
para vê-lo publicado. O artigo apresenta um relato de algumas de suas experiências em psicanálise
com Fairbairn e, especialmente, de sua psicoterapia com Winnicott. Porém, baseado como era em sua
convicção pessoal sobre as falhas de sua mãe em criá-lo, e sobre sua auto-recuperação através de
uma série de sonhos imediatamente depois de ter notícias da morte de Winnicott, no início de 1971, o
trabalho não promoveu discussões naquelas ocasiões. (...).]

2
Não me parece útil tentar dar uma resposta puramente teórica para a pergunta que forma o subtítulo. A
teoria não me parece ser a preocupação principal. Ela é um serviçal útil, mas um mestre mau, capaz de
produzir defensores ortodoxos de todo tipo de crença. Devemos sempre lançar luz sobre a teoria e
buscar maneiras de melhorá-la à luz da prática terapêutica. É a prática terapêutica que é o verdadeiro
cerne da questão. Em última instância, bons terapeutas não nascem treinados, e fazem o melhor uso do
treinamento. Talvez a pergunta ―Quão completo pode ser o resultado de uma terapia psicanalítica?‖
implique uma outra pergunta: ―Quão completo foi o resultado de nossa análise de formação?‖. Os
analistas são aconselhados a serem abertos a enriquecimentos pós-analíticos, presumidamente porque
não esperamos que ―uma análise‖ resulte em um trabalho total e definitivo. Devemos conhecer
desenvolvimentos pós-analíticos se quisermos avaliar os resultados reais da análise primária. Não
podemos lidar com essa questão com base apenas nos registros de nossos pacientes. Eles devem ser
incompletos para a análise primária e inexistentes depois dela. Como essa questão tinha relevância
inesperada e urgente no meu caso, eu me vi impelido respondê-la. Assim, vou me arriscar a oferecer
um relato de minha própria análise com Fairbairn e Winnicott, e seus efeitos posteriores, especialmente
porque esse é o único modo de eu poder apresentar um quadro realista daquilo que eu considero que
seja a relação entre as respectivas contribuições desses dois proeminentes analistas e do que devo a
eles.
A pergunta ―Quão completo um resultado pode ser?‖ tinha importância fundamental para mim porque
ela está ligada a um fator incomum: uma amnésia total devida a um grave trauma ocorrido em
decorrência da morte de um irmão mais jovem, quando eu tinha a idade de três anos e meio. Duas
análises falharam em romper essa amnésia. No entanto, ela foi resolvida inesperadamente após o
término delas, com certeza somente pelo quanto essas análises haviam conseguido ―atenuar‖ a principal
repressão. Espero que isso possa ter um interesse tanto teórico quanto humano. O interesse para a longa
busca por uma solução para esse problema era tímido demais para ser totalmente bem recebido. Mas eu
não tinha escolha, não podia ignorá-lo, e então ele se tornou uma vocação que me permitiria ajudar
outros. Tanto Fairbairn como Winnicott acreditavam que, se não fosse por esse trauma, eu não teria me
tornado psicoterapeuta. Fairbairn disse-me uma vez: ―Eu não consigo imaginar o que poderia motivar
qualquer um de nós a nos tornarmos psicoterapeutas se não tivéssemos tido nossos próprios
problemas‖. Ele não era super-otimista, e numa ocasião me disse: ―Uma vez fixado o padrão básico de
personalidade na primeira infância, ele não pode ser alterado. Uma nova experiência pode drenar a
emoção dos antigos padrões, mas a água pode sempre voltar a fluir nos velhos leitos secos dos rios.‖
Você não pode dar a qualquer pessoa uma história diferente. Noutra ocasião, ele disse: ―Você pode
fazer análise para sempre e não chegar a lugar algum. É a relação pessoal que é terapêutica. A ciência
não tem valores exceto os científicos: os valores esquizóides do investigador que pára fora da vida e a
observa. É puramente instrumental, útil por um certo tempo, mas depois você tem de voltar a viver.‖
Essa era a sua visão do ―analista espelho‖, um observador que não se relaciona e simplesmente
interpreta. Assim, ele sustentava que a interpretação psicanalítica não é terapêutica per se, mas somente
à medida que ela expressa uma relação pessoal de entendimento genuíno. Minha própria visão é que a
ciência não é necessariamente esquizóide, mas é de fato motivada pela prática, e freqüentemente se
torna esquizóide, porque oferece um refúgio óbvio para intelectuais esquizóides. Não existe lugar para
isso em qualquer tipo de psicoterapia.
Eu já sustentava a visão de que a terapia psicanalítica não é puramente teórica, mas uma relação
pessoal verdadeiramente compreensiva, e já a havia publicado em meu primeiro livro antes de ter
ouvido falar de Fairbairn. Após ler seus trabalhos em 1949, eu o procurei porque compartilhávamos as
mesmas posturas filosóficas e porque não haveria desentendimentos intelectuais reais a interferir na
análise. Mas a capacidade de construir uma relação não depende somente de nossa teoria. Nem todos
têm a mesma facilidade para construir relações pessoais, e todos podemos construir uma relação mais
3
facilmente com algumas pessoas do que com outras. Aqui entra o fator imprevisível de
―compatibilidade natural‖. Assim, apesar de sua convicção, Fairbairn não tinha a mesma capacidade
para ―relacionamento pessoal‖ natural e espontâneo que Winnicott. Comigo, ele era um ―intérprete
técnico‖ mais do que imaginava ser ou do que eu esperava que ele fosse. Mas isso demanda
qualificação. Eu o procurei nos anos 50 quando ele já havia deixado para trás o pico de seus poderes
criativos dos anos 40, e sua saúde estava aos poucos se deteriorando. Ele me disse que nos anos 30 e 40
havia tratado um certo número de esquizofrênicos e havia regredido pacientes com sucesso. Aquilo
estava por trás de sua ―revisão teórica‖ nos anos 40. Ele sentia que havia cometido um erro por haver
publicado sua teoria antes de obter evidências clínicas. De 1927 a 1935 ele era psiquiatra na Clínica
Psicológica Universitária para Crianças, e realizou muitos trabalhos para a NSPCC 2. Não se pode ser
impessoal com crianças. Ele perguntou a uma criança que levava surras cruéis da mãe: ―Você gostaria
que eu encontrasse um outro tipo de mãe para você?‖. A criança respondeu: ―Não. Eu quero a minha
mãe‖, mostrando a intensidade do elo libidinal ao objeto ruim. O demônio que você conhece é melhor
que aquele que você não conhece, e melhor que nenhum demônio. A partir de tal experiência com
pacientes psicóticos regredidos e infantis, sua revisão teórica cresceu, baseada na qualidade das
relações entre pais e filhos, em vez de nos estágios de crescimento biológico, uma ―teoria da
personalidade‖, não uma ―teoria de controle de energia‖ impessoal. Ele a condensou dizendo que ―a
causa do problema é que os pais de algum modo falham em expressar para a criança que ela é amada
por ser quem é, como uma pessoa em seu próprio direito‖. Nos anos 50, quando eu estava com ele, ele
sabiamente recusou assumir responsabilidades por pacientes em severa regressão. Para minha surpresa,
quando senti que necessitava regredir ao nível daquele severo trauma de infância, eu o encontrei
gradualmente voltando à ―análise clássica‖, com uma ―técnica interpretativa‖.
Stephen Morse (1972), em seu estudo sobre a ―estrutura‖ nos escritos de Winnicott e Balint, concluiu
que eles haviam descoberto novos dados, mas não haviam desenvolvido uma teoria estrutural que
pudesse explicá-los. Ele acreditava, porém, que isso poderia ser feito através do que chamou de
―metáfora Fairbairn-Guntrip‖. Tendo me beneficiado da análise com esses dois destacados analistas, eu
sentia que a posição era de algum modo mais complexa. A relação entre Fairbairn e Winnicott era ao
mesmo tempo teoricamente importante e muito intrigante. Na superfície, eles eram bastante diferentes
um do outro no tipo de mente e de método de trabalho, o que impedia que soubessem o quão próximos
eles eram no final. Ambos tinham raízes profundas na teoria e na terapia freudianas clássicas, e ambos
se desenvolveram de maneira pessoal e diferente. Intelectualmente, Fairbairn via isso mais claramente
do que Winnicott. Ainda assim, nos anos 50, Fairbairn era mais ortodoxo na prática clínica do que
Winnicott. Tive mais de 1000 sessões com Fairbairn nos anos 50 e mais de 150 com Winnicott nos
anos 60. Para meu próprio benefício, mantive registros detalhados de cada sessão com eles, e toda sua
correspondência. Winnicott disse: ―Eu nunca tive um paciente que pudesse me dizer tão exatamente o
que eu disse da última vez‖. O artigo de Morse sugeriu um reestudo desses registros no ano passado, e
fiquei intrigado ao descobrir a luz que eles lançam sobre porque minhas duas análises falharam em
resolver minha amnésia decorrente do trauma aos três anos e meio de idade, e, mesmo assim, cada
uma, de modo diferente, me preparou para sua resolução em um desenvolvimento pós-analítico. Eu
tinha que perguntar novamente: ―O que é o processo terapêutico analítico?‖.
De maneira geral, eu descobri Fairbairn se tornando mais ortodoxo na prática que na teoria, enquanto
Winnicott era mais revolucionário na prática que na teoria. Eles eram opostos complementares.
Sutherland, em sua nota obituária (1965), escreveu:

2
National Society for the Prevention of Cruelty to Children (Sociedade Nacional para a Prevenção de Crueldade contra
Crianças). (Nota da tradução).
4
Fairbairn portava um ar ligeiramente formal —notadamente aristocrático. Mas, ao conversar com ele,
descobri que ele não era de modo algum formal ou distante. Arte e religião eram para ele expressões
profundas da necessidade do homem, pelas quais ele sentia um respeito profundo. Mas seus interesses
revelavam seu conservadorismo bastante incomum.
Eu o percebia formal nas sessões, o analista interpretativo intelectualmente preciso. Mas depois das
sessões nós discutíamos teoria e ele se descontraia, e eu encontrava o Fairbairn humano enquanto
conversávamos face a face. De maneira realista, ele era um pai bom e compreensivo após as sessões. E
nas sessões, na transferência, ele era uma mãe má e dominadora impondo interpretações exatas. Após
sua década de 40 criativa e experimental, eu tenho a impressão que seu conservadorismo lentamente
penetrou em seu trabalho nos anos 50. O choque da morte súbita de sua esposa em 1952 criou
problemas domésticos óbvios. No início dos anos 50 ele teve sua primeira crise de influenza viral, e
essas crises se tornaram mais virulentas à medida que a década avançava. Por dois anos após a morte
de sua esposa, ele trabalhou muito em seu belo ―Observações sobre a natureza dos estados histéricos‖
(1954), que finalizou seu pensamento original. Ele esclareceu suas visões sobre ―psicanálise e ciência‖
em dois trabalhos (1952b, 1955). Mas houve uma mudança sutil em seu próximo trabalho
―Considerações emergindo do caso Schreber‖ (1956). Aqui, ele cedeu em sua psicologia ―das relações
entre ego e objeto‖, explicando tudo como devido a excitações e medos libidinais da ―cena primal‖.
Finalmente, em seu último trabalho ―Sobre a natureza e objetivos do tratamento psicanalítico‖ (1958),
toda sua ênfase estava no ―sistema fechado interno‖ da análise amplamente edipiana, não em termos de
instintos, mas de relações internalizadas de objeto ruim libidinizadas e antilibidinizadas. Eu o procurei
para me libertar da amnésia pelo trauma da morte de meu irmão, para o que quer que residisse por trás
dela no período da infância. Lá, eu sentia, residia a causa de minhas vagas experiências anteriores de
isolamento esquizóide e não-realidade, e eu sabia que elas tinham a ver com minhas relações iniciais
com minha mãe, mesmo que somente por causa de informações que ela havia me dado.
Após a morte de meu irmão Percy, entrei em quatro anos de batalha ativa com minha mãe para forçá-la
a ―se relacionar‖, e então desisti e me afastei dela. Eu chamarei esse processo, por conveniência, de
período de relações edipianas internalizadas de objeto ruim. Esse período preenchia meus sonhos, mas,
de maneira repetidamente súbita, experiências esquizóides claras irromperiam, e Fairbairn
consistentemente as interpretava como ―ausências‖ no sentido de ―fugas‖ das relações internalizadas de
objeto ruim. Repetidas vezes ele me levava de volta para conflitos libidinais e anti-libidinais entre três
pessoas no meu ―mundo interior‖, ―rompimentos de objeto‖ kleinianos e ―rompimentos de ego
Fairbairnianos‖, no sentido de excitações libidinais edipianas. Em 1956, eu escrevi para pedir que ele
me dissesse exatamente o que ele pensava sobre o complexo de Édipo, e ele respondeu: ―O complexo
de Édipo é central para a terapia, mas não para a teoria‖. Respondi-lhe que não poderia aceitar aquela
idéia. Para mim, a teoria era a teoria da terapia, e o que era verdadeiro para uma deveria ser verdadeiro
para ambas. Desenvolvi conscientemente uma resistência dupla a ele, em parte sentindo que ele era
uma mãe ruim, forçando suas visões sobre mim, e em parte discordando abertamente com ele em bases
genuínas. Comecei a insistir que meu problema real não era as relações ruins do período pós-Percy,
mas a ―falha básica‖ de minha mãe ―para estabelecer‖ qualquer tipo de relação desde o começo. Disse-
lhe que sentia que a análise edipiana me forçava a marcar passo sempre no mesmo ponto, fazendo-me
crer que ter relações ruins é melhor do que não tê-las, mantendo-as operativas em meu mundo interior
como uma defesa contra o problema esquizóide mais profundo. Ele via isso como um traço de caráter
defensivo de ―afastamento‖ (1952a, cap. 1). Eu percebia isso como um problema em si mesmo, e não
apenas como uma defesa contra seu sistema fechado de ―relações de objeto ruim no mundo interior‖.
Mas minha análise edipiana com Fairbairn não foi uma perda de tempo. Defesas devem ser analisadas e
a análise esclareceu que eu havia realmente reprimido o trauma da morte de Percy, e tudo que residia
por trás disso, erguendo sobre isso uma experiência complexa de batalha continuada em relações de

5
objeto ruim com minha mãe, que eu também havia reprimido. Isso era a base de minha torrente de
sonhos, e produção intermitente de sintomas de conversão. Fairbairn por muito tempo insistiu que esse
era o âmago real de minha psicopatologia. Ele estava certamente errado, mas isso teve de ser
radicalmente analisado para abrir o caminho para as profundezas mais profundas. Isso aconteceu.
Fenômenos esquizóides negativos e consistentemente regressivos forjaram o material que eu lhe
trouxe, e finalmente ele começou a aceitar na teoria aquilo com o que sua saúde não lhe permitia mais
lidar na prática. Ele generosamente aceitou meu conceito de um rompimento do ―ego regredido‖ a
partir de seu ―ego libidinal‖, desistindo da batalha sem esperança de obter uma resposta de minha mãe.
Quando publiquei essa idéia, Winnicott escreveu para perguntar: ―O seu ego regredido é distanciado ou
reprimido?‖. Eu respondi: ―Ambos. Primeiro distanciado, e então mantido reprimido‖. Fairbairn
escreveu para dizer:
Isso é idéia própria sua, não minha, original, e explica aquilo de que nunca consegui abordar em minha
teoria: a regressão. Sua ênfase na fraqueza do ego produz resultados terapêuticos melhores que a
interpretação em termos de tensões libidinais e anti-libidinais.
Quando em 1960 escrevi ―Fraqueza do ego, o âmago do problema da psicoterapia‖, ele escreveu para
dizer: ―Se eu pudesse escrever agora, escreveria sobre isso‖. Eu sabia que minha teoria estava correta
de maneira ampla, uma vez que conceitualizava aquilo que eu ainda não podia analisar. Com o que eu
considero uma grande coragem, ele a aceitou.
Completarei meu relato sobre Fairbairn, como analista e como homem, ilustrando a diferença de ―tipo
humano‖ entre ele e Winnicott, um fator que desempenha um grande papel na terapia. O arranjo da sala
de consulta em si cria uma atmosfera que tem significado. Fairbairn morava no campo e via seus
pacientes na antiga casa da família Fairbairn em Edimburgo. Eu entrava em uma grande sala de estar,
que fazia as vezes de sala de espera, contendo lindas e valiosas antiguidades, e continuava até a sala de
estudos, que fazia as vezes de sala de consulta, também grande e com uma antiga estante de livros que
tomava a maior parte da parede. Fairbairn se sentava com pompa e cerimônia —como eu costumava
pensar— atrás de uma grande mesa de trabalho, em uma cadeira de braços de encosto alto coberta com
plush3. O divã do paciente tinha sua cabeça para a frente da mesa de trabalho. Às vezes eu pensava que
ele poderia se inclinar sobre a mesa e me bater na cabeça. Surpreendia-me um analista que não
acreditava na teoria do ―analista-espelho‖. Por muito tempo eu não me dei conta de que eu havia
―escolhido‖ aquela posição no divã, e que havia uma pequena poltrona ao lado de sua mesa de trabalho
em que eu poderia sentar se quisesse, e no final eu realmente o fiz. O fato de que aquela situação de
imposição tinha um significado de transferência inconsciente para mim se tornou claro em um sonho
que tive no primeiro mês. Devo explicar que meu pai havia sido um pastor metodista local de
eloqüência destacada como orador público, e a partir de 1885 formou e liderou uma assembléia
missionária que se tornou uma Igreja que ainda existe. Em todos os meus anos de sonhos, ele nunca
aparecia diferente de uma figura protetora que fazia frente à minha mãe. E, de fato, ela nunca perdia a
paciência na presença dele. Eu desejava Fairbairn na transferência como o pai protetor me ajudando a
fazer frente à minha mãe agressiva. Mas inconscientemente eu tinha outros sentimentos, pois sonhei:
Eu estava na assembléia missionária de meu pai. Fairbairn estava na plataforma mas ele tinha o rosto duro
de minha mãe. Eu estava deitado passivamente em um divã no chão da assembléia, com a cabeça do divã
para a frente da plataforma. Ele desceu e disse: ―Você sabe que a porta está aberta?‖. Ao que eu disse: ―Eu
não a deixei aberta‖. E me senti satisfeito por ter feito frente a ele. Ele voltou para a plataforma.
Aquilo era uma versão levemente disfarçada do arranjo de sua sala de consulta, e mostrava que eu
queria que ele fosse meu pai protetor, mas que esse desejo era sobrepujado por uma clara transferência
negativa de minha mãe dominadora e severa. Via-de-regra, esse continuou sendo o papel de Fairbairn

3
Tecido de trama grossa e profunda, feito de seda, nylon ou algodão. (Nota da tradução).
6
na transferência ―em sessões‖. Ele o interpretava isso como o movimento de ―um para cima e outro
para baixo‖ nas más relações ―de gangorra‖ entre pais e filhos. Isso só pode ser alterado por uma virada
de mesa. Eu achei isso muito esclarecedor, contendo todos os ingredientes das necessidades não
satisfeitas, da raiva sufocada, da espontaneidade inibida. Essa era a relação de transferência dominante
nas sessões. Depois das sessões, Fairbairn podia relaxar em nossas discussões sobre teoria e terapia, o
pai bom e humano.
Essa transferência negativa nas sessões era, eu acho, incentivada pelas interpretações intelectualmente
muito precisas de Fairbairn. Uma vez, ele interpretou: ―Alguma coisa recupera o processo ativo no
curso de seu desenvolvimento‖. Eu teria dito: ―Sua mãe esmagou seu self naturalmente ativo‖. Mas ele
analisou precisamente minha luta emocional para forçar minha mãe a ser mãe para mim depois que
Percy morreu, e mostrou que eu havia internalizado isso. Essa luta tinha de ser tratada primeiro, mas
ele sustentava que ela era o problema edipiano central e não conseguiu aceitar, até que fosse tarde
demais, que ela mascarava um problema muito mais sério e mais profundo. Mais tarde, Winnicott
comentou em duas ocasiões: ―Você não mostra sinal algum de ter tido um complexo de Édipo‖. Meu
padrão familiar não era edipiano. Era sempre o mesmo em sonhos. E é demonstrado pelo mais
surpreendente de todos:
Eu estava sendo importunado e estava sentado discutindo com meu pai. Era minha mãe que estava me
importunando, e eu disse para ele: ―Você sabe que eu jamais vou me submeter a ela. Não interessa o que
aconteça. Eu jamais vou me entregar‖. Ao que ele disse: ―Sim, eu sei. Eu vou dizer a ela‖. E ele foi e disse
a ela: ―É melhor que você se entregue. Você nunca fará com que ele se submeta‖. E ela realmente se
entregou.
A persistência de Fairbairn nas interpretações edipianas que eu não podia aceitar como finais o colocou
no papel da mãe dominadora. Nós ouvimos falar que Winnicott e Hoffer acreditavam que minha
aderência à teoria de Fairbairn se devia ao fato de que ela não permitia que ele analisasse minha
agressividade na transferência. Mas eles não me viram derrubar seu cinzeiro ou chutar seu aparador de
porta, feito de vidro, ―acidentalmente‖, é claro, e sabemos o que isso significa em sessões, o que ele
não tardou em observar. Eles não me viram espalhar alguns de seus livros da enorme estante pelo chão,
simbolicamente ―arrancando uma reação da mãe‖. E então colocando-os de volta organizadamente para
fazer uma reparação à la Melanie Klein. Mas após as sessões nós podíamos discutir, e eu encontrava o
ser humano natural e caloroso por trás do analista de interpretações exatas. Eu posso esclarecer isso em
uma comparação com Winnicott. Sua sala de consulta era simples, relaxante nas cores e na mobília,
sem ostentação, cuidadosamente planejada —como a Sra. Winnicott me disse— por ela e pelo marido,
para que o paciente se sentisse à vontade. Eu batia na porta e caminhava para dentro, e no mesmo
instante Winnicott entrava com uma xícara de chá na mão, dizia um alegre ―olá‖, e se sentava em uma
pequena cadeira de madeira ao lado do divã. Eu sentava de lado no divã, ou deitava, quando sentia
vontade. E mudava de posição livremente de acordo com o que eu estava sentindo ou dizendo. Ao
final, à minha saída, ele sempre oferecia a mão para um aperto amistoso. Quando eu estava finalmente
me separando de Fairbairn depois da última sessão, subitamente percebi que durante todo aquele longo
período nunca havíamos trocado um aperto de mãos, e ele estava me deixando partir sem esse gesto
amistoso. Eu estendi a mão e ele imediatamente a tomou. E eu subitamente vi algumas lágrimas
rolarem por sua face. Eu vi o coração caloroso desse homem de mente bela e natureza tímida. Ele
convidou minha esposa e eu para o chá sempre que visitássemos a mãe dela em Perthshire.
Para tornar significativo o final de minha análise com Fairbairn, devo traçar um breve esquema de
minha história familiar. Minha mãe era uma ―pequena mãe‖ sobrecarregada antes de se casar. A filha
mais velha de onze crianças que vira quatro irmãos morrerem. Sua mãe era uma beldade de cabeça de
vento, que deixava minha mãe gerenciar tudo, mesmo quando ainda era uma menina. Ela fugiu de casa
com doze anos por ser muito infeliz, mas foi trazida de volta. Sua melhor característica era seu forte
7
senso de dever e responsabilidade, para com sua mãe viúva e seus três irmãos mais jovens, que
impressionou meu pai quando todos eles ingressaram em sua assembléia missionária. Eles se casaram
em 1898, mas ela não sabia que já tinha tido sua dose de cuidados com bebês e que não queria mais.
Em minha adolescência, ela às vezes me fazia confidências e me contava os fatos mais importantes da
história da família, inclusive que ela me amamentou porque acreditava que isso impediria uma nova
gravidez. Ela se recusou a amamentar Percy, e quando ele morreu, ela evitou qualquer tipo de
intimidade. Meu pai era o filho mais jovem de uma família do alto clero e do alto Tory —um grupo da
esquerda política, e rebeldes não-conformistas do ponto de vista religioso— e um anti-imperialista, que
quase perdeu sua posição na City4 por se recusar a assinar uma petição em favor da Guerra dos Boers.
Aquela ansiedade momentânea ofereceu à minha mãe a oportunidade de parar de me amamentar e
iniciar seu próprio negócio. Nós nos mudamos quando eu tinha um ano de idade. Ela escolheu um
ponto ruim e perdeu dinheiro permanentemente por sete anos, embora tudo fosse mais do que
recuperado na próxima mudança. Aqueles sete primeiros anos da minha vida, seis dos quais na
primeira loja, foram para mim o período mais conturbado. Eu era deixado aos cuidados de uma tia
inválida que morava conosco. Percy nasceu quando eu tinha dois anos de idade e morreu quando eu
tinha três anos e seis meses. Minha mãe me disse que meu pai havia dito que ele teria vivido se ela o
tivesse amamentado, ao que ela se zangou. Foi um período conturbado. Já em idade avançada, morando
em nossa casa, ela me fazia revelações. ―Eu nunca deveria ter casado e tido filhos. A natureza não me
fez para ser esposa e mãe, mas para ser uma empresária‖. E também: ―Eu acho que nunca entendi as
crianças. Eu não gostava que elas me incomodassem‖.
Ela me contou que quando eu tinha três anos e seis meses, entrei num quarto e vi Percy deitado nu e
morto em seu colo. Eu corri e o peguei e disse: ―Não o deixe ir. Você nunca o trará de volta!‖. Ela me
mandou para fora do quarto. Fiquei misteriosamente doente e pensaram que eu iria morrer. Seu médico
lhe disse: ―Ele está morrendo de pesar por seu irmão. Se a vivacidade de sua mãe não pode salvá-lo, eu
também não posso‖. Ela então me levou a uma tia maternal que tinha uma família, e lá eu me recuperei.
Tanto Fairbairn como Winnicott acreditavam que eu teria morrido se ela não tivesse me mandado para
longe dela. Toda memória daquilo foi totalmente reprimida. A amnésia persistiu pelo resto de minha
vida, e por duas análises, até os setenta anos, três anos atrás. Mas ela permanecia viva em mim, sendo
ativada, sem ser reconhecida, por eventos análogos com amplos espaços entre si. Aos vinte e seis anos,
na universidade, eu fiz uma boa amizade com um colega que era uma figura fraterna para mim. Quando
ele foi embora, e eu voltei para casa de férias para encontrar minha mãe, eu comecei a sofrer de uma
misteriosa doença de exaustão, que desapareceu imediatamente quando eu saí de casa e voltei para a
universidade. Eu não tinha idéia de que isso era o equivalente à família de minha tia. Em 1938, aos
trinta e sete anos, eu me tornei ministro de uma igreja muito bem organizada em Leeds, que contava
com 1000 homens nas reuniões de domingo à tarde, uma congregação de 800 pessoas à noite e
atividades educacionais, sociais e recreacionais bem organizadas. Era grande demais para um ministro
apenas e eu tinha um colega que se tornou outro substituto de Percy. Ele foi embora com as
dificuldades da guerra. Novamente, de repente, eu comecei a sofrer da mesma doença misteriosa de
exaustão. Ela foi atribuída ao excesso de trabalho, mas naquela época eu já era instruído
psicanaliticamente, tinha estudado teoria clássica sob Flugel, conhecia a literatura corrente e tinha uma
tese ainda incompleta sob a supervisão do professor John Macmurray, objetivando traduzir a
psicobiologia de Freud, ou dados clínicos, em termos da filosofia de ―relações pessoais‖, e havia
estudado meus próprios sonhos por dois anos. Assim, eu fui alertado quando essa doença trouxe um
grande sonho.
Eu desci a uma tumba e vi um homem enterrado vivo. Ele tentou sair mas eu o ameacei com doença, o
tranquei lá dentro e me afastei rapidamente.

4
Centro político de Londres. (Nota da tradução).
8
Na manhã seguinte eu estava melhor. Pela primeira vez eu reconhecia o ressurgimento de minha
doença após a morte de Percy e via que eu vivia permanentemente por sobre sua repressão. Eu sabia
então que não poderia descansar até que esse problema fosse resolvido. Fui atraído à psicoterapia de
emergência de tempo de guerra pelo professor de Medicina de Leeds, recomendado para ocupar a
posição de conferencista na Escola de Medicina e continuei estudando meus próprios sonhos.
Recentemente reli o registro e descobri que havia feito apenas interpretações edipianas livrescas
forçadas. De mais importância era que três tipos dominantes de sonhos se destacavam: (1) uma mulher
selvagem me atacando; (2) uma figura paterna silenciosa, firme e amistosa, me apoiando; e (3) um
sonho misterioso de ameaça de morte; o exemplo mais claro baseado na memória de minha mãe me
levando aos seis anos de idade para dentro do quarto de minha tia inválida, que se acreditava estar
morrendo de febre reumática, deitada branca e em silêncio. Em um dos sonhos:
Eu estava trabalhando no andar de baixo, em minha mesa, e subitamente uma faixa invisível de
ectoplasma me amarrando à inválida moribunda no andar de cima me puxava com firmeza para fora do
quarto. Eu sabia que seria absorvido nela. Eu lutei e subitamente a faixa se rompeu e eu sabia que estava
livre.
Eu sabia o suficiente para pensar que a memória de minha tia à morte era uma memória figurativa para
a repressão da morte de Percy, que ainda exercia em mim uma atração inconsciente para fora da vida e
em direção ao colapso e à morte aparente. Eu sabia que de alguma maneira e em algum momento eu
deveria iniciar uma análise. Em 1946, o professor Dicks me recomendou para a posição de primeiro
membro da equipe do novo Departamento de Psiquiatria, e me disse que devido às minhas visões eu
deveria ler Fairbairn. Foi o que fiz, e no final de 1949 eu o procurei para a análise.
Durante os primeiros anos, o mundo de sua análise amplamente edipiana de minhas ―relações
internalizadas de objeto ruim‖ não correspondia ao meu verdadeiro período de infância. Após a morte
de Percy e minha volta para casa, dos três anos e seis meses aos cinco anos, eu lutei para coagir minha
mãe a ser mãe para mim, através de repetidas doenças psicossomáticas: dores de estômago, brotoejas,
perda de apetite, constipação e febres altas, súbitas e dramáticas. Em resposta, ela fazia para mim uma
cama-cabana no sofá da cozinha e vinha da loja muitas vezes para me ver. Ela me disse que o médico
havia dito: ―Eu não vou voltar para ver essa criança. Ele me assusta até a morte com essas febres altas
súbitas, e na manhã seguinte ele está perfeitamente bem‖. Mas tudo era em vão. Por volta dos cinco
anos, eu mudei de tática. Uma escola nova e maior me deu mais independência, e minha mãe me disse:
―Você começou a me desobedecer‖. Ela tinha violentos acessos de raiva e me batia, dos cinco aos sete
anos de idade. Quando as chibatas quebravam eu era enviado para comprar novas. Aos sete anos de
idade eu fui para uma escola ainda maior, e desenvolvi minha própria vida fora de casa. Nós nos
mudamos quando eu tinha oito anos para uma outra loja onde os negócios de minha mãe eram um
sucesso destacado. Ela ficou menos deprimida, me dava todo o dinheiro de que eu necessitava para
hobbies e atividades ao ar livre como escotismo e esportes e, gradualmente, eu esqueci as memórias
dos primeiros sete anos ruins, mas não todas. Foi com todos os medos, raivas, culpas, sintomas
psicossomáticos passageiros, sonhos agitados, canalizando os conflitos daqueles anos, entre os três e
meio e os sete, que a análise de Fairbairn lidou. Em idade avançada, minha mãe disse: ―Quando seu pai
e sua tia Maria morreram, eu tentei ter um cachorro, mas tive que desistir. Eu não conseguia parar de
bater nele‖. Isso foi o que aconteceu comigo. Não é surpresa alguma que eu tivesse um mundo interior
de relações de objeto ruim internalizadas libidinalmente excitadas, e eu devo muito à análise radical
que Fairbairn fez delas.
Mas após os primeiros três ou quatro anos eu me convenci de que isso estava me fazendo marcar passo
em um mundo interior sadomasoquista de relações de objeto ruim com minha mãe, como uma defesa
contra problemas bastante diferentes do período anterior à morte de Percy. Esse material mais profundo
continuava emergindo. A crise veio em dezembro de 1957, quando meu velho amigo, cuja saída da
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universidade havia causado o primeiro surgimento daquela doença em 1927, morreu subitamente. Pela
terceira vez, a exaustão me tomou. Eu me mantive o suficiente para trabalhar e viajar para Edimburgo
para análise, sentindo que agora eu chegaria ao seu fundo. Então, justo quando eu sentia que algum
progresso estava sendo feito, Fairbairn adoeceu de uma séria influenza viral, da qual ele quase morreu,
e se afastou do trabalho por seis meses. Eu tive que restabelecer a repressão, mas imediatamente
comecei a intelectualizar o problema com o qual não podia lidar junto a Fairbairn em pessoa. Não era
pura intelectualização através de pensamento deliberado. Insights espontâneos irrompiam em diferentes
momentos, e eu os registrava rapidamente à medida que eles fluíam com grande intensidade. A partir
de tudo aquilo, eu escrevi três trabalhos, que se tornaram a base de meu livro ―Fenômenos esquizóides:
relações de objeto e o self‖ (1968): ―A fraqueza do ego: o âmago do problema da psicoterapia‖, escrito
em 1960 (capítulo 6), ―O problema esquizóide, regressão e a luta para preservar um ego‖ (capítulo 2),
escrito em 1961, e ―O problema maníaco-depressivo à luz do processo esquizóide‖ (capítulo 5), escrito
em 1962. Em dois anos, eles me levaram além do ponto em que Fairbairn havia parado. Ele
generosamente os aceitou como uma extensão válida e necessária de sua teoria.
Quando ele retornou ao trabalho em 1959, eu discuti a morte de meu amigo e a doença de Fairbairn e
ele fez uma interpretação crucial: ―Eu acredito que desde minha doença eu não sou mais seu bom pai
ou sua mãe má, mas seu irmão morrendo diante de você‖. E subitamente vi a situação analítica sob uma
luz extraordinária, e lhe escrevi uma carta que ainda guardo, pois não enviei. Eu sabia que ela lhe
causaria um estresse maior do que ele poderia suportar com sua saúde precária. Vi que nunca poderia
resolver meu problema com um analista. Escrevi: ―Estou em um dilema, tenho que terminar minha
análise para ter uma chance de finalizá-la, mas então não terei você para me ajudar com ela‖. Uma vez
que Fairbairn havia se tornado meu irmão na transferência, perdê-lo, fosse finalizando a análise fosse
ficando com ele até sua morte, representaria a morte de Percy, e eu seria exposto a um irrompimento
em escala total daquele evento traumático, e não teria quem me ajudasse. Será que Fairbairn poderia ter
me ajudado com isso na análise de transferência? Não em seu estágio frágil de saúde. Assim, eu me
afastei gradativamente da análise naquele ano. Eu tenho muitos motivos para ser grato a ele por ter
ficado comigo em seu estado de saúde cada vez mais frágil, até eu ter tido aquele insight crítico. A
força direcionadora por trás dos escritos de minha teoria entre 1959 e 1962 foi a reativação do trauma
Percy, o que causou uma forte torrente de idéias espontâneas. Eu poderia contê-las e usá-las para
pesquisa construtiva, em parte porque pouco a pouco desistia de Fairbairn, em parte porque ele aceitava
a validade de minhas idéias, e em parte porque eu havia resolvido buscar análise com Winnicott antes
que Fairbairn morresse.
Fairbairn me apresentou para Winnicott em 1954, pedindo a ele que me enviasse uma cópia de seu
trabalho: ―Regressão na situação psicanalítica‖ (in Winnicott, 1958). Ele o enviou, para minha
surpresa, junto com uma carta que dizia: ―Convido-lhe a examinar o problema de sua relação com
Freud para que você possa ter sua própria relação e não a de Fairbairn. Ele arruína seu bom trabalho ao
tentar derrubar Freud‖. Nos correspondemos três vezes. Afirmei que minha relação com Freud havia
sido estabelecida anos antes de ouvir falar de Fairbairn, quando estudava sob Flugel no University
College em Londres. Eu rejeitava a psicobiologia de instintos de Freud, mas via a grande importância
de seus descobrimentos em psicopatologia. A respeito daquela correspondência, vejo agora que eu
antecipara a conclusão de Morse (1972), quase literalmente, dezoito anos antes: que o ―verdadeiro self‖
de Winnicott não tem lugar na teoria de Freud. Ele poderia somente ser encontrado no id, mas isso é
impossível porque o id é apenas energia impessoal. Na verdade, eu sentia que Winnicott havia deixado
Freud para trás na terapia, assim como Fairbairn havia feito na teoria. Em 1961, enviei-lhe uma cópia
de meu livro Estrutura da personalidade e interação humana (Guntrip 1961), e ele respondeu que já
havia comprado uma cópia. Eu lia seus trabalhos à medida que eram publicados, e também Fairbairn o
descrevera como ―clinicamente brilhante‖. Em 1962, eu não tinha dúvidas de que ele era o único

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homem que eu poderia procurar em busca de auxílio adicional. Eu estava então livre para ir a Londres
apenas uma vez por mês para duas sessões, mas a análise que eu já havia feito fazia com que fosse mais
fácil eu me beneficiar disso. De 1962 a 1968, eu tive 150 sessões e seu valor foi desproporcional ao seu
número. Winnicott disse que estava surpreso que tanto pudesse ser trabalhado em sessões tão
espaçadas, devido, eu acredito, em primeiro lugar, a todo esclarecimento preliminar que havia sido
feito por Fairbairn, e ao fato de que eu podia manter a análise viva entre as visitas. Mas, acima de tudo,
devido ao insights profundamente intuitivos de Winnicott em relação ao período da primeira infância
em que eu necessitava tanto me aprofundar. Ele me auxiliou a alcançar evidências extraordinariamente
claras de que minha mãe havia tido, quase que certamente, um período inicial de maternalismo natural
em relação a mim como seu primeiro bebê, por talvez uns dois meses, antes que seus problemas de
personalidade me roubassem a ―boa mãe‖. Eu havia esquecido a carta que não havia enviado a
Fairbairn sobre o dilema de não ser capaz de terminar a análise ou continuar com ela, uma vez que meu
analista havia se tornado Percy na transferência. Terminar a análise seria o equivalente à morte de
Percy e eu não teria pessoa alguma para me ajudar com as conseqüências. Se eu não a terminasse,
estaria usando meu analista para impedir o irrompimento do trauma, e assim não obter auxílio com ele,
e ainda arriscar presenciar sua morte. Minha amnésia daquele trauma precoce também não foi rompida
com Winnicott. Apenas recentemente eu percebi que, na verdade, inadvertidamente ele alterou a
natureza total do problema, tornando possível que eu alcançasse uma derradeira mãe boa, e a
encontrasse recriada nele na transferência. Descobri mais tarde que ele havia me colocado em uma
posição de encarar o duplo trauma da morte de Percy e da falha de minha mãe comigo.
Quando releio meus registros, me surpreendo com a rapidez com que ele foi ao coração do problema.
Na primeira sessão, mencionei a amnésia pelo trauma da morte de Percy, e senti que havia tido uma
análise radical com Fairbairn das ―defesas de objeto ruim internalizadas‖ que eu havia construído
contra esse trauma, mas não havia atingido o que eu sentia ser meu problema básico, não a mãe-objeto
ruim ativa da infância mais tardia, mas a mãe inicial que havia falhado em se relacionar.
Perto do fim da sessão ele disse: ―Não tenho coisa alguma em particular para dizer ainda, mas se eu não
disser alguma coisa você pode começar a pensar que eu não estou aqui‖. Na segunda sessão, ele disse:
Você tem conhecimento sobre mim, mas eu ainda não sou uma pessoa para você. Você pode ir embora
sentindo-se sozinho, e sentindo que eu não sou real. Você deve ter tido uma doença precoce antes do
nascimento de Percy e sentido que sua mãe o deixou para que cuidasse de si mesmo. Você aceitou Percy
como seu self infantil que necessitava de cuidados. Quando ele morreu, você ficou sem coisa alguma, e
colapsou.
Aquela era uma perfeita interpretação de relações de objeto, mas de Winnicott, não de Fairbairn. Muito
mais tarde, eu disse que ocasionalmente sentia um ―estado estático, imutável, sem vida em algum lugar
profundo em mim, sentindo que não podia me mover‖. Winnicott disse:
Se 100 por cento de você sentisse isso, você provavelmente não conseguiria se mover e alguém teria que
acordá-lo. Depois que Percy morreu, você colapsou desnorteado, mas conseguiu preservar o suficiente de
si mesmo para continuar vivendo, com muita energia, e colocou o resto em um casulo, reprimido,
inconsciente.
Eu gostaria que houvesse tempo para ilustrar seu insight penetrante em mais detalhe, mas devo oferecer
outro exemplo. Eu disse que as pessoas às vezes comentavam minha atividade e energia incessantes e
que nas sessões eu não gostava de espaços de silêncio e às vezes falava excessivamente. Fairbairn
interpretava que eu estava tentando tirar a análise de suas mãos e fazer seu trabalho; roubar o pênis do
pai, rivalidade edipiana. Winnicott lançou uma nova luz dramática sobre esse falar excessivo. Ele disse:
Seu problema é que aquela doença de colapso nunca foi resolvida. Você teve que se manter vivo apesar
dela. Você não consegue tomar o que você é agora como algo garantido. Você deve trabalhar muito para
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se manter em existência. Você tem medo de parar de agir, falar ou se manter acordado. Você sente que
poderia morrer em um espaço de tempo como Percy, porque se você parar de agir, sua mãe não pode fazer
coisa alguma. Ela não pôde salvar Percy ou você. Você se inclina ao medo de que eu não posso mantê-lo
vivo. Assim, você conecta sessões mensais para mim por meio de seus registros. Sem espaços vazios.
Você não pode sentir que é uma preocupação corrente para mim, porque sua mãe não pôde salvá-lo. Você
entende ―estar ativo‖ mas não ―apenas crescer, apenas respirar‖, enquanto você dorme, sem ter que fazer
coisa alguma.
Comecei a conseguir permitir alguns silêncios, e uma vez sentindo-me um pouco ansioso, me senti
aliviado ao ouvir Winnicott se mexer. Eu não disse coisa alguma, mas com intuição inusitada ele disse:
Você começou a ter medo de que eu o houvesse abandonado. Você sente que silêncio é abandono. O
espaço vazio não é você esquecendo sua mãe, mas sua mãe esquecendo você, e agora você revive isso
comigo. Você está encontrando um trauma inicial que você poderá nunca retomar sem o auxílio do trauma
de Percy o repetindo. Você tem que se lembrar de sua mãe abandonando você pela transferência comigo.
É difícil transmitir a impressão poderosa que Winnicott deixou em mim ao ir direto ao vazio de minha
―situação de relações de objeto‖ na infância com uma mãe que não se relacionava.
No final de minha análise, tive um retorno súbito à fala excessiva na sessão. Dessa vez, ele fez uma
declaração diferente e extraordinária. Ele disse:
É como se você estivesse dando à luz um bebê com minha ajuda. Você me deu meia hora de fala
concentrada, rica em conteúdo. Eu me senti tenso ouvindo e sustentando a situação para você. Você tinha
que saber que eu podia sustentar sua fala excessiva para mim e que eu não seria destruído. Eu tinha que
sustentá-la enquanto você estava sendo criativo, não destrutivo, produzindo algo rico em conteúdo. Você
está falando sobre ―relacionar-se ao objeto‖, ―usar o objeto‖ e descobrindo que não o destrói. Eu não
poderia ter feito essa interpretação cinco anos atrás.
Mais tarde, ele apresentou seu trabalho sobre ―O uso de objeto‖ (in Winnicott 1951) na América e
encontrou —o que eu não considero surpreendente— muitas críticas. Apenas um homem excepcional
poderia ter atingido aquele tipo de insight. Ele se tornou a boa mãe-seio para meu self infantil em
minha profunda inconsciência no ponto em que minha mãe verdadeira havia perdido seu maternalismo
e não podia mais me sustentar como um bebê vivo. Não era aparente naquela época, como se tornou
para mim mais tarde, que ele havia transformado todo meu entendimento do trauma da morte de Percy,
particularmente, quando ele acrescentou:
Você também tem um bom seio. Você sempre pôde dar mais do que receber. Eu sou bom para você, mas
você é bom para mim. Fazer sua análise é quase a coisa mais reconfortante que me acontece. O camarada
que vem antes de você faz com que eu sinta que eu não sou bom. Você não tem que ser bom para mim. Eu
não necessito disso. E posso me virar sem isso, mas o fato é que você é bom para mim.
Aqui, por fim, eu tinha uma mãe que podia valorizar seu filho, de tal modo que eu podia lidar com o
que estivesse por vir. Parece de pouco valor mencionar que o único ponto em que eu sentia que
discordava de Winnicott era quando ele ocasionalmente falava em ―chegar ao seu sadismo primitivo, à
falta de piedade e à crueldade do bebê, sua agressividade‖, de maneira a sugerir não minha luta
zangada para extrair uma resposta de minha mãe fria, mas ―a teoria do instinto‖ de Freud e Klein, o id,
a agressividade inata. Porque eu sabia que ele rejeitava o ―instinto de morte‖, e tinha ido muito além de
Freud quando eu fui até ele. Ele me disse uma vez: ―Nós somos diferentes de Freud. Ele era pelos
sintomas de cura. Nós estamos preocupados com pessoas vivas, vivendo e amando por inteiro‖. Em
1967, ele escreveu —e me deu uma cópia de seu trabalho— ―A localização da experiência cultural‖ (in
Winnicott 1971), em que ele disse: ―Vejo que estou no território de Fairbairn: ―procura de objeto em
oposição à procura de satisfação‖ ‖. Senti então que Winnicott e Fairbairn haviam unido forças para
neutralizar meus anos traumáticos mais iniciais.

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Devo completar esse relato com a única coisa que eu não pude prever. O fato de Winnicott ter se
tornado a boa mãe, libertando-me para ser vivo e criativo, transformou o significado da morte de Percy
de modo a me possibilitar resolver aquele trauma e meu dilema sobre como finalizar a análise.
Winnicott, se relacionando comigo em minha profunda inconsciência, possibilitou que eu visse que não
foi apenas perder Percy, mas ser deixado sozinho por minha mãe, que não podia me manter vivo, que
causou meu colapso, que era uma morte aparente. Mas graças a seu profundo insight intuitivo, eu agora
não estava sozinho com uma mãe que não se relacionava. Eu o vi pela última vez em julho de 1969.
Em fevereiro de 1970, foi diagnosticado que eu estava seriamente sobrecarregado de trabalho, e se eu
não me aposentasse ―a Natureza ia fazer com que isso acontecesse‖. Eu devo ter sentido
inconscientemente que aquilo era uma ameaça de que ―a Mãe Natureza‖ iria finalmente destruir meu
self ativo. Toda vez que eu descansava, eu me encontrava sob a compulsão de voltar ao passado, na
forma de um ensaio dos detalhes do episódio em que minha ―figura fraterna‖ na igreja foi embora em
1938, e de minha reação com a doença de exaustão. Eu logo vi que isso era significativo e que
conduziria a uma urgência para escrever toda a história da minha vida, como se eu tivesse que
descobrir tudo o que havia acontecido para mim. Em outubro, eu tive pneumonia e passei cinco meses
no hospital. O médico disse: ―Relaxe, você é excessivamente ativo‖. Eu não percebia que estava
lutando contra uma regressão compulsiva inconsciente. Eu nunca havia conectado a idéia da
―aposentadoria‖ com o medo profundo de perder a batalha com minha mãe para manter meu self ativo
vivo no final. Após um longa recuperação no inverno, eu fiquei sabendo que no ano novo de 1971,
Winnicott havia tido uma crise de influenza.
No mesmo momento, eu perguntei a Masud Khan como Winnicott estava, e ele respondeu que ele já
tinha se restabelecido e gostaria de receber notícias de seus amigos. Eu então lhe deixei um bilhete.
Pouco tempo depois, o telefone tocou, e a voz familiar disse: ―Olá. Obrigado por sua carta‖. E tivemos
uma breve conversa. Depois de duas semanas, o telefone tocou de novo e sua secretária me disse que
ele tinha falecido. Naquela mesma noite eu tive um sonho surpreendente. Eu vi minha mãe, preta,
imobilizada, olhando fixamente para o nada, ignorando-me totalmente enquanto eu estava parado a seu
lado, olhando para ela, e me sentindo congelado de imobilidade. Era a primeira vez que eu a via em um
sonho como aquele. Até então, ela sempre me atacava. Meu primeiro pensamento foi: ―Eu perdi
Winnicott, e fui deixado com minha mãe, afundada na depressão, ignorando-me. Foi assim que eu me
senti quando Percy morreu‖. Eu pensava que havia tomado a perda de Winnicott como uma repetição
do trauma de Percy. Foi apenas recentemente que se tornou claro que não era isso. Eu não sonhei com
minha mãe daquele jeito quando meu amigo da universidade morreu, ou quando meu colega na igreja
foi embora. Naquela época, eu adoeci, como após a morte de Percy. Essa vez era muito diferente.
Aquele sonho iniciou uma intensa seqüência de sonhos que continuaram noite após noite, me levando
de volta em ordem cronológica para todas as casas em que eu havia morado, em Leeds, em Ipswich, na
universidade, na segunda loja de Dulwich, e, finalmente, na primeira loja e na casa onde eu havia
passado os primeiros sete anos ruins. Figuras familiares, minha esposa, minha filha, tia Mary, meu pai
e minha mãe recorriam. Meu pai sempre apoiador, minha mãe sempre hostil, mas não havia sinal de
Percy. Eu estava tentando ficar no período de batalhas com minha mãe após Percy. Então, após dois
meses, dois sonhos finalmente romperam aquela amnésia devida à vida e à morte de Percy. Eu fiquei
surpreso de me ver em sonho aos três anos de idade, claramente, reconhecidamente eu, segurando um
carrinho de bebê em que estava meu irmão com um ano de idade. Eu estava exausto, olhando
ansiosamente para minha mãe, à esquerda, para ver se ela nos notava. Mas ela estava olhando
fixamente para longe, nos ignorando, como no primeiro sonho daquela série. Na próxima noite, o
sonho foi ainda mais surpreendente:
Eu estava parado com um outro homem, um duplo de mim mesmo, e ambos tentávamos alcançar um
objeto morto. De repente, o outro homem perdeu os sentidos e caiu. Imediatamente, o sonho mudou para
um quarto iluminado, onde eu vi Percy de novo. Eu sabia que era ele, sentado no colo de uma mulher sem
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face, sem braços e sem seios. Ela era simplesmente um colo para se sentar, não uma pessoa. Ele parecia
profundamente deprimido, com os cantos de sua boca voltados para baixo, e eu tentava fazê-lo sorrir.
Eu havia recuperado naquele sonho a memória de ter colapsado quando o vi como um objeto morto e
tentei alcançá-lo. Mas eu havia feito mais. Eu havia voltado em ambos os sonhos para uma época
anterior à sua morte, para ver a mãe despersonalizada ―sem face‖ e a mãe deprimida preta, que falhara
totalmente em se relacionar comigo e com meu irmão. Winnicott havia dito: ―Você aceitou Percy como
seu self infantil que necessitava de cuidados. Quando ele morreu, você não ficou com coisa alguma, e
colapsou‖. Por que eu sonhei primeiro com o colapso e então com a volta para cuidar de Percy? Minha
impressão é que meu colapso foi minha primeira reação de aterradora falta de esperança com o choque
de ter encontrado Percy morto no colo de minha mãe. Mas na família daquela tia, eu rapidamente me
agarrei à chance de continuar vivo ao encontrar outros por quem viver.
Aquela série de sonhos me fez retomar e reestudar todos os meus registros de análise até perceber que,
embora a morte de Winnicott tenha me lembrado a morte de Percy, a situação era inteiramente
diferente. Aquele processo de regressão intensa não havia iniciado com a morte de Winnicott, mas com
a ameaça da aposentadoria, como se minha mãe fosse finalmente me destruir. Eu não sonhara com a
morte de Winnicott, mas com a morte de Percy e com a falha total de minha mãe em se relacionar
conosco. Que melhor evidência em sonho se poderia ter da visão de Winnicott segundo a qual ―Não
existe uma coisa tal como um bebê‖, i.e. deve existir ―mãe e bebê‖, e que melhor evidência para a visão
de Fairbairn de que a realidade psíquica básica é a ―relação pessoal de objeto‖? O que me deu força em
minha inconsciência profunda para enfrentar novamente esse trauma básico? Devia ser porque
Winnicott não estava, e não poderia estar, morto para mim, e não poderia estar para muitos outros. Eu
nunca havia sentido que meu pai estivesse morto, mas sim, de uma maneira profunda, vivo em mim,
tornando possível que eu resistisse à influência ainda ativa de minha mãe, influência inibitória,
paralisante. Agora, Winnicott havia ressurgido em uma relação viva, precisamente com aquela parte
perdida de mim que havia adoecido porque minha mãe havia falhado comigo. Ele tomou o lugar dela e
tornou possível e seguro que eu me lembrasse dela em um sonho —revivendo outro distanciamento
esquizóide paralisante. Aos poucos, aquela se tornou uma firme convicção que crescia em mim, e eu
me recuperei da sublevação vulcânica daquela intensa série de sonhos autonomamente regressivos,
sentindo que finalmente eu havia colhido os frutos que havia buscado na análise por mais de vinte anos.
Depois de as memórias, sonhos, sintomas de eventos traumáticos, pessoas, e tensões emocionais
específicas, todos detalhados, terem sido gradativamente trabalhados, uma coisa permanecia: a
qualidade da atmosfera geral das relações pessoais que formaram nossa vida familiar naqueles
primeiros sete anos. Ela paira como um estado de tristeza para minha mãe, que havia sido tão
prejudicada na infância que não conseguia ser, nem me deixar ser, nossos ―verdadeiros selves5‖. Eu não
poderia ter um conjunto diferente de memórias. Mas isso é compensado pela minha descoberta na
análise do quão profundamente meu pai se tornara uma posse mental segura em mim, apoiando minha
luta para encontrar e ser meu ―verdadeiro self‖, e também pelo fato de Fairbairn ter resolvido minha
transferência negativa de minha mãe dominadora em direção a ele, até que ele tivesse se tornado um
outro pai bom que tinha fé em mim, e, finalmente, pelo fato de Winnicott ter entrado no vazio deixado
por minha mãe que não se relacionava, para que eu pudesse experienciar a segurança de ser eu mesmo.
Devo acrescentar que sem a compreensão e o apoio de minha esposa eu não poderia ter feito essas
análises ou alcançado esse resultado. O que é psicoterapia psicanalítica? É, da maneira como eu a vejo,
a provisão de uma relação humana confiável e compreensiva de um tipo que estabelece contato com a
criança traumatizada profundamente reprimida, de modo a permitir que a pessoa se torne cada vez mais
capaz de viver, na segurança de uma relação real nova, com o legado traumático dos primeiros anos de
formação, à medida que esse legado penetra ou irrompe na consciência.
5
Plural de self: si mesmo. (Nota da tradução).
14
Terapia psicanalítica não é como uma técnica das ciências experimentais, uma ―coisa-em-si‖ objetiva
que funciona automaticamente. É um processo de interação, uma função de duas variáveis, as
personalidades de duas pessoas trabalhando juntas em direção ao crescimento espontâneo livre. O
analista cresce assim como o analisando. Deve haver algo errado se o analista permanece estático
quando ele lida com experiências pessoais tão dinâmicas. Para mim, Fairbairn se construiu como
pessoa naquilo que meu pai fez por mim, e como analista ele me permitiu descobrir em grande detalhe
como minhas batalhas com minha mãe por independência, dos três anos e meio aos sete, haviam
evoluído em minha personalidade formada. Sem isso, eu poderia ter me deteriorado na velhice para ser
uma pessoa tão desajustada como minha mãe. Winnicott, um tipo de personalidade totalmente
diferente, entendeu e preencheu o vazio que minha mãe havia deixado nos primeiros três anos e meio.
Eu necessitava de ambos, e tive a suprema sorte de encontrar os dois. Suas próprias diferenças foram
um estímulo para os lados diferentes de minha caracterização. As idéias de Fairbairn eram ―conceitos
lógicos exatos‖ que esclareciam problemas. As idéias de Winnicott eram ―hipóteses imaginativas‖, que
desafiavam a pessoa a realizar futuras explorações. Como exemplos, compare os conceitos de Fairbairn
de egos libidinal, anti-libidinal e central, como uma teoria da estrutura endopsíquica com os ―selves
verdadeiros e falsos‖ de Winnicott como insights intuitivos em relação à realidade psíquica confusa de
pessoas reais. Talvez apenas um analista não possa realizar tudo aquilo que um analisando necessita, e
devemos nos contentar em permitir que os pacientes nos utilizem como necessitam. Não podemos
ousar pousar de oniscientes e de onipresentes porque temos uma teoria. Fairbairn também disse em
uma ocasião: ―Você obtém da análise aquilo que coloca nela‖, e acredito que isso seja verdadeiro para
o analista e para o analisando. Acredito que o desenvolvimento de um insight consciente e claro
significa que a pessoa se apropriou totalmente dos ganhos emocionais já realizados, colocando-se em
uma posição de se arriscar em tensões emocionais mais avançadas para realizar maior crescimento
emocional. Significa não apenas compreensão consciente, mas um reforço do âmago interior do
―indivíduo‖ e da capacidade de ―se relacionar‖. Do ponto de vista do material psicopatológico, sonhar
expressa nossa estrutura endopsíquica. É um modo de realizar experiências nos limites da consciência,
nossos conflitos internalizados, nossas memórias de batalhas originalmente no nosso mundo exterior, e
então de memórias e fantasias de conflitos que se tornaram nossa realidade interior, para manter vivas
as ―relações de objeto‖, mesmo se apenas ―relações de objeto ruim‖, porque necessitamos delas para
manter a posse de nosso ―ego‖. Minha experiência mostrou que quanto mais fundo aquela torrente final
de sonhos vasculhava minha inconsciência, mais os sonhos lentamente se dissipavam e eram
substituídos por um ―despertar disposto‖. Eu descobri que não estava fantasiando ou pensando, mas
simplesmente sentindo, conscientemente no controle de um estado de espírito em que —comecei a
perceber— eu havia estado conscientemente muito tempo atrás, e em que havia estado
inconscientemente, no fundo, desde então: um estado sem vida, mecânico, apático, sem interesse em
coisa alguma, silencioso, fechado em mim mesmo, realizando os movimentos de rotina com um sentido
de perda de todo significado da existência. Tive essa experiência por várias manhãs consecutivas, até
que eu comecei a descobrir que ela se dissipava em um interesse normal pela vida: o que, afinal, parece
ser o que uma pessoa espera.
Há uma ordem natural peculiar para cada indivíduo, determinada por sua história, em que (1) os
problemas podem se tornar conscientes e (2) as interpretações podem ser relevantes e mutáveis. Não
podemos decidir sobre isso, mas apenas observar o curso do desenvolvimento do indivíduo.
Finalmente, sobre a questão difícil das origens da teoria, parece que nossa teoria deve ser enraizada em
nossa psicopatologia. Isso foi sugerido na auto-análise corajosa de Freud em um tempo em que tudo era
obscuro. A idéia de que podemos divisar uma teoria da estrutura e do funcionamento da personalidade
sem que ela tenha tido qualquer relação com o funcionamento e a estrutura de nossa própria
personalidade, deveria ser uma impossibilidade auto-evidente. Se nossa teoria é excessivamente rígida,
ela tende a conceitualizar nossas defesas do ego. Se ela é flexiva e progressiva, é possível que ela
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conceitualize nossos processos correntes de crescimento e que ilumine os problemas dos outros e as
possibilidades terapêuticas. A ―falha básica‖ de Balint e o ―âmago incommunicado‖ de Winnicott, uma
vez que eles consideram esses fenômenos como universais, devem ser seus modos de ―perceber
intuitivamente‖ sua própria realidade básica e, portanto, a de outras pessoas. Em contraste com os
construtos teóricos de Fairbairn, definidos com exatidão intelectual, que afirmam desenvolvimentos
logicamente progressivos na teoria existente, eles abrem o caminho para uma exploração mais profunda
do período de infância em que, independentemente da herança genética do bebê, a habilidade ou a falha
da mãe em se relacionar é sine qua non da saúde psíquica da criança. Encontrar um bom progenitor
desde o início é a base da saúde psíquica. Em sua ausência, encontrar um ―objeto bom‖ genuíno na
análise é ao mesmo tempo uma experiência de transferência e uma experiência de vida real. Na análise,
como na vida real, todas as relações têm uma sutil natureza dual. Ao longo da vida, absorvemos em nós
mesmos tanto figuras boas quanto ruins que ou nos fortalecem ou nos perturbam, e o mesmo ocorre na
terapia psicanalítica: é o encontro e a interação de duas pessoas reais em todas as suas complexas
possibilidades.

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REFERÊNCIAS

FAIRBAIRN, W. R. D. (1952 a). Psychoanalytic Studies of the Personality, London: Tavistock.


––––– (1952b). Theoretical and experimental aspects of psychoanalysis. Brit. J. med.Psychol., 25: p.
122-127.
––––– (1954). Observations of the nature of hysterial states. Brit. J. Med. Psychol., 27: p. 106-125.
––––– (1955). Observations in defense of the object-relations theory of the personality. Brit. J.
med.Psychol.,28: p. 144-156.
––––– (1956). Considerations arising out of the Schreber case. Brit. J. Med. Psychol., 29: p. 113-127.
––––– (1958). On the nature and aims of psychoanalytical treatment. Int. J. Psychoanal.,39: p. 374-
385.
GUNTRIP, H. (1960). Ego-weakness, the hard core of the problem of psychotherapy. in Guntrip (1968).
––––– (1961). Personality Structure and Human Interaction. London: Hogarth Press.
––––– (1968). Schizoid Phenomena, Object-Relations and the Self. London: Hogarth Press.
MORSE, S. J. (1972). Structure and reconstruction: a critical comparison of Michael Balint and D. W.
Winnicott. Int. J. Psychoanal., 53: p. 487-500.
SUTHERLAND, J. (1965). Obituary. W. R. D. Fairbairn. Int. J. Psychoanal., 46: p. 245-247.
WINNICOTT, D. W. (1958). Collected Papers. Through Paediatrics to Psycho-Analysis, London:
Tavistock.
––––– (1971). Playing and Reality. London: Tavistock.

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