Sei sulla pagina 1di 15

1) Título do Trabalho: “Estudando piano com Lúcia Uchôa”: proposta de obras didáticas para a

educação profissional – curso básico e técnico de piano ou O que isto que é escrito quer dizer?

2) Número de palavras (sem incluir título, resumo, palavras-chave e referências): 3.966 palavras

3) Indique, abaixo, em qual das categorias o texto se enquadra:

Projeto de Pesquisa ou Pesquisa em andamento


( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por estudante de graduação
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por estudante de especialização
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por estudante de mestrado
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por estudante de doutorado
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por pesquisador profissional, sem apoio de agência de fomento
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por pesquisador profissional, com apoio de agência de fomento
( ) Outros: especificar qual _________________________________________________________________

Pesquisa Concluída
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por estudante de graduação
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por estudante de especialização
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por estudante de mestrado
( ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por estudante de doutorado
( X ) Trabalho resultante de pesquisa realizada por pesquisador profissional, sem apoio de agência de fomento
( ) Trabalho resultante de pesquisa científica realizada por pesquisador profissional, com apoio de agência de
fomento
( ) Outros: especificar qual _________________________________________________________________

Relato de Experiência
( ) Relato de experiência resultante de atuação como professor (abrangendo todos os níveis de ensino)
( ) Relato de experiência docente a partir da atuação como aluno de graduação e/ou pós-graduação
( ) Outros: especificar qual _________________________________________________________________

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
“Estudando piano com Lúcia Uchôa”: proposta de obras didáticas para a
educação profissional – curso básico e técnico de piano ou O que isto que é
escrito quer dizer?

Comunicação

Resumo: Este escrito apresenta os resultados da pesquisa sobre as peças que compõem o livro
“Estudando piano com Lúcia Uchôa”. A pesquisa teve como objetivo investigar os significados
sociais das escolhas pedagógico-musicais presentes na obra. A autora Lúcia Uchôa é professora
de piano da Escola de Música da Universidade Federal do Pará. Sua prática composicional
iniciou na disciplina Arranjo e Composição, da primeira turma do curso de Licenciatura em
Educação Artística com habilitação em Música, da Universidade do Estado do Pará. Após
concluir o curso, percebendo a carência de repertório musical de caráter local para piano,
decidiu dar continuidade à sua produção composicional criando peças para os vários níveis do
curso de piano, marcadas pela sonoridade e pela rítmica amazônidas. Esta pesquisa foi realizada
com base na metodologia da história oral, como uma via de compreensão da prática
composicional como prática social. Adotamos a técnica da entrevista e na passagem do oral
para o escrito, a transcriação. Como resultado obtivemos que o processo criador de Lúcia Uchôa
recebeu influências de experiências por ela vividas, seja em família, seja na igreja ou no
contexto escolar; que sua música apresenta forte sentido lúdico, que visa um aprendizado
prazeroso que se destaca pela forte identidade com a cultura local e nacional; e finalmente que
os elementos pedagógico-musicais de suas composições apresentam, como efeito, marcas
sociais formais e não formais.
Palavras chave: Lúcia Uchôa, obra para piano, significados sociais.

Introdução

Com o intuito de dar continuidade à pesquisa “Proposta de obras didáticas para a


educação profissional – curso básico e técnico de piano”, que no ano de 2013 resultou na obra
“Pequenas Peças para Piano”, de Luiza Camargo, apresentamos agora a obra de Lúcia Uchôa,
intitulada “Estudando piano com Lúcia Uchôa”.
O objetivo da pesquisa sobre essa obra de Lúcia Uchôa foi investigar os significados
sociais das escolhas pedagógico-musicais da compositora.
Lúcia Uchôa é professora de piano da Escola de Música da Universidade Federal do
Pará – EMUFPA. Sua prática composicional em peças para piano iniciou na disciplina Arranjo e
Composição, da primeira turma do curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitação

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
em Música, da Universidade do Estado do Pará – UEPA. Naqueles anos entre 1989 e 1992, Lúcia
já atuava como professora de piano da EMUFPA e do Instituto Estadual Carlos Gomes – IECG.
Após concluir o curso de licenciatura, percebendo a carência de repertório musical de caráter
local para piano, decidiu dar continuidade à sua produção composicional criando peças para os
vários níveis do curso de piano, marcadas pela sonoridade (melódica, harmônica e percussiva) e
pela rítmica amazônidas.
É importante ressaltar que desde a década de 1990, as suas composições são adotadas
pelos programas do curso de Educação Profissional – Piano, do IECG e da EMUFPA.
O curso de Educação Profissional abrange, em geral, uma década de estudos. A
exemplo da educação básica, o estudante começa ainda na infância as primeiras experiências
em algum instrumento musical. Nesses primeiros anos de iniciação, um material didático
adequado e de qualidade é fundamental como ferramenta que ao mesmo tempo estimula e
auxilia na constituição de um alicerce seguro para os anos subsequentes de formação, que
igualmente exigem material didático adequado e de qualidade.
Entende-se por adequado o material que atende, no âmbito pedagógico, às
características de desenvolvimento musical do estudante, mediando a relação entre o nível de
interesse e possibilidades biopsicossociais do estudante e o nível de dificuldades musicais
(gramaticais e técnicas) da obra a ser executada. A qualidade está relacionada aos aspectos
composicionais, cuja preocupação estética deve independer do nível de dificuldade de
execução; obras para iniciantes devem receber tratamento estético compromissado tanto
quanto as de níveis mais avançados.
Some-se a esses aspectos a ênfase de Bozzetto (2004, p. 61) quanto à necessidade de
“outras opções mais atuais e criativas para, hoje, desenvolver essa habilidade [técnica] com os
alunos”. Nesse sentido, ressaltamos que o fato de no ensino do piano predominar um
repertório quase sempre datado do século XIX ou da tradição europeia ou norte americana
torna ainda mais importante a presença das composições de Lúcia Uchôa no ensino desse
instrumento, por apresentar sonoridade e rítmica que se aproximam da cultura local e nacional,
permitindo ao estudante a experiência de executar músicas que lhes soem familiares. Este
aspecto da familiaridade musical é enfatizado desde meados do século XX, quando as propostas

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
de Zoltan Kodaly, Carl Orff e Bela Bartok já utilizavam o vernáculo musical local no ensino da
música (PAZ, 1993; FONTERRADA, 2008).
As composições para piano de Lúcia Uchôa, reunidas neste livro, consistem em um
conjunto desses recursos didáticos que a empiria tem indicado como adequados e de
qualidade.
Esse material foi revisado e incrementado com orientações quanto à técnica de
execução, interpretação e estudo, por meio de breves comentários sobre cada peça musical. O
livro também é acompanhado de um CD com a gravação de todas as peças executadas pela
própria compositora. Destacamos que a proposta do CD é de suma importância na mesma
perspectiva constituída ainda na primeira metade do século XX por Shinichi Suzuki, a qual
consistia em o que fosse tocado deveria ser antes ouvido, para que o aluno se sentisse
motivado a tocar o que já conhecesse (SANTOS, 1986).
Por fim, ainda consta na obra a biografia Lúcia Uchôa, construída por meio da história
oral.

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa realizada com base na metodologia da história oral, como
uma via de compreensão de sua prática composicional como prática social (CHADA, 2007).
Dentre as várias definições de história oral apresentadas por Meihy e Holanda (2011),
adotamos a definição que a entende como “recurso moderno usado para a elaboração de
registros, documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas e de
grupos” (idem, p. 17).
Numa perspectiva mais abrangente, Queiroz (1988, p. 19) define-a como “termo amplo
que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de
documentação [...]”. A especificidade de relato oral recoberto por esta pesquisa consiste na
história de vida: “relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, tentando
reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu”
(QUEIROZ, 1988, p. 20). Nosso interesse na história de vida de Lúcia Uchôa está em apreender
sua percepção e valorizá-la como uma possibilidade do real do qual ela faz parte; apreender a

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
partir de quais perspectivas Lúcia percebe a realidade, as suas ações, as ações dos outros por
ela descritas, o quê seleciona para ser dito e como é dito.
Neste ponto, ressaltamos que a história contada recorre à memória, para narrar fatos
ocorridos em tempos não presentes, como a infância e a juventude. Ocorre que a seleção acima
mencionada consiste numa perspectiva do tempo atual que “filtra” os acontecimentos,
atualizando-os à luz do conhecimento adquirido nas experiências vividas que fundamentam a
percepção a partir do presente – “inerência da vida atual ao processo de reconstrução do
passado” (BOSI, 1994, p. 66). Por outro lado, “[...] se a vida social ou individual estagnou, ou
reproduziu-se quase que só fisiologicamente, é provável que os fatos lembrados tendam a
conservar o significado que tinham para os sujeitos no momento em que os viveram” (BOSI,
1994, p. 66). Nesse âmbito, Alberti (2004) esclarece que a memória pode causar mudanças nos
fatos, embora isto não descredencie a história oral; ao contrário, permite compreendê-la,
apreendendo não só o fato, mas ainda a construção da memória do fato.
Adotamos a técnica da entrevista, aplicada em várias sessões. A narrativa resultante do
processo de transcriação consta a seguir.

A narrativa: “Minha história de vida no mundo da música”


Meu nome é Maria Lúcia da Silva Uchôa. Sou professora de música, formada em piano.
Além deste instrumento, toco acordeom, órgão e violão, rejo coral e faço composições musicais.
Constitui uma família com Sebastião dos Reis Uchôa e temos três filhos: Flávia Paula, Fernanda
Paula e Felipe Mário. Minha primogênita, casada com Pablo José, presenteou-nos com dois
netos: Maitê e Miguel que são nossa alegria. Sou uma pessoa muito feliz! Vivo intensamente o
mundo da música, universo onde nasci, cresci, estudei e no qual trabalho desde os meus
dezoito anos de idade. Tenho vívido todo esse tempo mágico com muitas recordações
prazerosas, as quais compartilho nesta narrativa que conta minha história de vida.

Infância

Nasci em Macapá, no seio de uma família de músicos na qual a figura fundamental foi
meu avô Mestre Oscar Santos. Assim, minhas primeiras lembranças musicais foram formadas

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
por ternas cantigas de roda e de ninar cantadas por minha mãezinha Nelma, as brincadeiras
infantis com irmãos e coleguinhas em frente de casa no bairro do Laguinho e os sons
contagiantes da banda de música de meu avô em sua academia, nos desfiles escolares,
procissões religiosas, nas praças e no carnaval.
Segundo minha mãe, com sete anos, entrei para Academia do meu avô, Mestre Oscar
Santos, junto como minhas irmãs Lourdes e Neuma, onde fomos musicalizadas por ele no
acordeom. Lembro que na parte teórica nosso avô aplicava dois métodos: o “ABC Musical” e o
Bona. Vovô cobrava de todos os alunos a regência e o estudo desses métodos oralmente. Para o
estudo do acordeom ele usava o método de Mário Mascarenhas. Meu avô além de cobrar a
leitura de partitura, incentivava todos os alunos a tirarem “música de ouvido”, ou seja, tocar
sem partitura.

Juventude

Eu estudei Harmonia primeiro com meu avô. Foi na década de 1970. Ele mandava eu
estudar Harmonia porque eu e a minha irmã Neuma tocávamos as músicas de ouvido, na igreja.
Foi nessa época que eu comecei a estudar violão na academia do meu avô. Ele me fez
tocar um método todinho de violão clássico de Mário Mascarenhas! Ele me dava o método que
tinha todos os acordes para eu treinar em casa. Nos finais de semana, ele dizia para mim: “Leva
o violãozinho para ti, para tu treinares o prático!”. O “prático” significava tocar os acordes no
violão e cantar.

O estudo no Conservatório Amapaense de Música

Aos nove anos eu e minhas irmãs Lourdes e Neuma entramos para o Conservatório
para estudar piano. Como nós três tínhamos estudado com meu avô, e já sabíamos ler e
escrever música, fomos direto para o primeiro ano do instrumento.
Do estudo de piano no Conservatório, eu lembro que todo final de mês tinha uma
prova com banca examinadora. Ao final do ano havia a última prova que era para nós
passarmos de ano, com uma banca composta por vários professores. Esta prova acontecia no

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
auditório e nela tínhamos que apresentar dois programas. Cada programa tinha em torno de
três músicas. Na hora da prova, era sorteado um programa para ser executado diante da banca.
Recordo que fazíamos muitos recitais na época. Lembro-me da mamãe preparando
nossas roupas para nos apresentarmos nos recitais, costurando aquelas melindrosas,
bordando... Eu sempre fui muito vaidosa e ia toda de sapatinho e meinha. Nós tocávamos a
música decorada. Tocávamos no Auditório do Conservatório, depois no Palácio do Governo e na
Rádio Difusora de Macapá.
Nos recitais ou para meu entretenimento, eu sempre gostei de tocar as danças. Eu
estudava a mesma série que a Neuma e a professora geralmente a colocava para tocar valsas de
Chopin e de Francisco Mignone, e eu nesse tempo tocava as tarantelas, as danças, tango
brasileiro, choro. Na conclusão de meu curso, eu toquei o “Batuque”, “Tarantella” de Moskovski,
além das escalas que nós estudávamos em movimento direto, contrário, em terças, sextas,
cromáticas. Executávamos exercícios de velocidade diariamente: Kulak, Cramer, Czerny. O
Hannon era obrigatório e o Bach também. Tocávamos, ainda, sonatinas, sonatas, especialmente
as de Beethoven. Tocávamos a quatro mãos, mas era bem pouco.
Eu tinha aula de piano duas vezes por semana. Cada aula tinha duração de uma hora.
O curso tinha a duração de doze anos. Era organizado da seguinte forma:
musicalização, preparatório, quatro anos de básico, três anos do curso técnico primeiro ciclo e
mais três anos do curso técnico segundo ciclo. No básico, nós cursamos duas séries por ano.
Quando eu estudava, era proibido tocar música popular; eu tocava em casa.
No Conservatório, além da aula individual de piano, eu tinha aula de teoria musical,
solfejo e coral. Estudávamos o Bona, e tínhamos que reger!
Sobre o canto coral, lembro que cantávamos a quatro vozes, com vozes femininas e
masculinas. O repertório envolvia muito canto cívico: hinos do Pará, Amapá, Nacional, da
Bandeira, da Independência do Brasil. Era obrigatório cantar.
Na época em que eu era estudante do Conservatório, final da década de 1960, e início
da década de 1970, fiz muitos cursos, vinham muitos professores da FUNARTE, de Belém e de
São Paulo.

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
O magistério com crianças no Serviço Social da Indústria – SESI

Eu fui ser recreadora e professora de ginástica rítmica no SESI, em 1975.


Naquela época, o SESI já tinha uma escola de educação básica. As crianças dessa escola
não podiam ficar brincando em todo espaço do SESI, porque havia atendimento médico, tinha
biblioteca... Então havia a recreação e eu trabalhava com as crianças da pré-escola até a quarta
série na hora do recreio, nos turnos da manhã e da tarde. Dava aula também de ginástica
rítmica para as meninas, enquanto os meninos estavam no judô, no Projeto Semente, na pré-
escola. Eu trabalhava ainda com bandinha rítmica envolvendo todas as crianças da pré-escola,
porque havia um baú cheio de instrumentos no SESI, e eu tinha o auditório com um piano
exclusivo para eu dar aula. Eu aprendi a trabalhar com bandinha lendo livros, eu nunca fiz curso.
Eu fazia os arranjos para cantar e tocar nos instrumentos.

Magistério no Conservatório Amapaense de Música

Eu trabalhei no SESI de 1975 até 1980, quando fui indicada pelos professores da
FUNARTE, após fazer um curso com eles, para contratação como professora do Conservatório.
No Conservatório, eu ensinava Musicalização e Piano. Depois que eu voltei da
capacitação em Santa Maria (RS) – para a qual fui selecionada após um curso que o professor
Alberto Kaplan ministrou no Conservatório –, assumi a cadeira do Canto Coral. Também
ministrei o curso de Harmonia para os professores do Conservatório.
No Coral, eu dava aula para todos os alunos do Conservatório. Nós tínhamos três
corais: o coro infantil, o coro infanto-juvenil e o coral jovem que na época eles chamavam de
“coral dos adultos”.
Eu conseguia repertório por meio de cursos que eu fazia. Eu passei a vir a Belém para
fazer cursos. Às vezes, eu incluía músicas para as quais eu mesma fazia os arranjos a duas, três e
quatro vozes. Eu já fazia por intuição. Depois que eu fiz aquele curso de Harmonia com o
professor Kaplan, muita coisa esclareceu na minha cabeça, e passei a fazer os arranjos de forma
mais consciente.

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
Os corais se apresentavam no Dia do Músico. Também pediam para cantarmos em
praça, na Fortaleza São José de Macapá, em missas do governo do Estado, na Assembleia de
Deus...

Mudança para Belém

Depois de certo tempo não houve mais os cursos ofertados pela FUNARTE em Macapá.
Eu só fazia algum curso quando tinha em Belém. Mas, mesmo assim, eu estava inconformada
com a minha vida profissional. Eu tinha o sonho de continuar os meus estudos de música, fazer
uma graduação em música e em Macapá ainda não havia curso superior nessa área. Foi quando
recebi um telefonema da professora Glória Caputo, presidente da Fundação Carlos Gomes, no
início do ano de 1989. Ela me fez um convite para que eu viesse para Belém, para dar aulas no
Instituto Carlos Gomes.
Na época, a minha irmã Socorro estava morando em Belém, e trabalhava no Instituto
Carlos Gomes. Ela já havia me informado antes que haveria vestibular para a então Fundação
Educacional do Estado do Pará – FEP, hoje Universidade do Estado do Pará – UEPA. Eu fiquei
enlouquecida para vir! Então eu decidi aceitar o convite da professora Glória Caputo.
Quando cheguei a Belém, fiz vestibular, fui aprovada em Licenciatura Plena em
Educação Artística com habilitação em Música. Então, eu disse ao meu marido que eu não
queria mais voltar para Macapá, e ele veio para Belém.

Dando aula no Instituto Estadual Carlos Gomes

Eu dei aulas no Instituto Carlos Gomes para turmas de Musicalização e Preparatório;


ministrei aulas de Percepção, Solfejo e de Piano. Nos dois primeiros anos, eu trabalhava aos
sábados à tarde com canto coral com muitas crianças de um projeto da Fundação Carlos Gomes.
Com o coral, eu fiz várias apresentações no CENTUR. Eram crianças de várias idades
com quem eu fazia prática de canto coral.
As aulas de piano eram como as do Conservatório de Macapá, com os mesmos
métodos. Em Macapá, nós sempre tivemos a preocupação de acompanhar o que estava

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
acontecendo em Belém, tanto é que todos os alunos que vinham e ainda vêm de Macapá não
sentem impacto.
Nas aulas de musicalização, eu sempre gostei de desenvolver o brinquedo cantado com
muito canto e movimentação corporal. Eu também envolvia a flauta doce, e até criei um
método para quem nunca aprendeu.

Aulas no Serviço de Atividade Musicais – SAM / Escola de Música da Universidade Federal do


Pará – EMUFPA

No SAM, eu comecei a trabalhar no Núcleo de Piano, com musicalização e com


disciplinas teóricas, que eu sempre gostei de ensinar. Também dei aulas de Canto Coral para a
Licenciatura em Música. Recentemente, dei aulas de Música Popular Brasileira. Fui Diretora da
Escola de Música da Universidade Federal do Pará – EMUFPA nos períodos de 1998-2002 e
2008-2010.

Composições

Eu comecei a fazer arranjos mais ou menos na década de 1970. Eram mais


direcionados para igreja, inclusive para participar de festival.
Eu também fazia muitos arranjos para coral na época em que eu trabalhava no
Conservatório Amapaense de Música, quando eu ainda era professora de Canto Coral. Eu já
tinha estudado Harmonia com o professor Kaplan, e comecei a fazer os arranjos para coro.
Ainda tenho várias dessas músicas.
Sempre que eu trabalhava com coral, eu fazia arranjos específicos para as necessidades
de cada lugar. Por isso, eu tenho vários arranjos de minha autoria.
Quando eu vim para Belém e comecei a fazer a faculdade, cursei uma disciplina em que
a prática de conjunto tinha improvisação e arranjo. Era ministrada pelo professor Jonas Arraes,
que também ensinava harmonia. Ele nos passava trabalhos de composição e foi aí que eu
comecei mesmo a compor! Até música atonal ele pediu para mim, sem eu ter noção de nada!
Mas para mim era fácil e eu compus o “Respingos”. Quando o João Guilherme Ripper veio dar
um curso intitulado Encontros Musicais no Instituto Carlos Gomes e ouviu essa peça, ele me

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
perguntou se eu já havia lido Stravinsky e estudado Schoenberg. Eu respondi que não. E ele,
admirado: “E você fez isso?! Como, menina?!”. Sabe o que ele falou para mim? Que se eu
participasse de um concurso eu poderia receber um prêmio pela maneira como eu fiz essa
música. Ele levou o “Respingos” para o Rio de Janeiro.
Minhas composições são para piano e tenho pouquinhas coisas para flauta doce e
violão popular. Neste caso, eu faço a melodia e coloco as cifras.
Depois da licenciatura, eu comecei a dar aulas de piano para crianças pequenas e
compor para elas, porque eu não tinha em casa pecinhas para piano para criancinhas iniciantes.
Também já tive composições minhas das quais outro compositor fez arranjos. São os
casos de “Brincando no parque” e “Pierrot”, a partir das quais o Seguei Firsanov fez um arranjo
para orquestra, e que foram apresentadas em 2000 durante o XXVII ENARTE da EMUFPA –
Encontro de Arte de Belém. Foi o maior sucesso! O público do Theatro da Paz pediu bis!
Há composições também para alunos de piano mais adiantados.
Todas as minhas peças para piano foram classificadas por série do curso de piano do
Instituto Carlos Gomes pela professora Dóris Azevedo. O João Guilherme Ripper as ouviu e
analisou. Eu passei uma manhã tocando todas elas para ele, lá no Instituto. Ele as achou bem
didáticas.
Eu tenho ainda os brinquedos cantados, que resultaram no livro “Brinquedos Cantados
da Amazônia”, que estou publicando junto com a Simei Santos Andrade, professora da Escola de
Teatro e Dança da UFPA – ETDUFPA.
Eu também sou professora na ETDUFPA e fui diretora no período de 2003-2006. Lá, eu
sempre gostei de fazer esse trabalho de movimentação corporal com meus alunos da disciplina
Canto, do curso Técnico de Ator.
Estas e outras composições fazem parte de minha história de vida no mundo da
música, um mundo maravilhoso em que vivi e ainda vivo muitas alegrias.

Onde isto que é dito se reflete?


A história de vida de Lúcia Uchôa parece dividir-se em duas ênfases: a primeira que
compreende a infância e a juventude são predominantemente de formação e a segunda, na

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
fase adulta, de atuação, sendo que as vivências de quando era criança e jovem estão
fortemente presentes em suas realizações como compositora. Vejamos.
Sua infância, marcada por brinquedos cantados tem reflexos em suas peças para piano,
cujos títulos são caracterizados pelo sentido lúdico: Brincando com as duas mãos; Bonequinho
de mola; O passeio no trem; Dengosa; Brincando no parque; Brincadeira; Esperteza; Travessura;
Atirei o pau no gato; Ciranda, cirandinha, cirandeira; Ping-Pong; Dança do Pierrot; Rebolado.
O convívio na igreja, durante a infância e adolescência está presente nas peças Ave
Maria e Pai Nosso.
A cultura negra do bairro onde cresceu e onde vivenciou folguedos e o carnaval
transparece no chorinho sapeca Rebolado, no Batuque ao piano e no Canto Lamento na
Senzala.
Suas peças são predominantemente tonais, tal como é característico dos primeiros
anos de estudos em escolas de música, quando se firma o sentido tonal. Foi assim em sua
formação e é assim que ainda se formam os futuros pianistas.
Do mesmo, modo a métrica é desenvolvida nos compassos binário, ternário e
quaternário. O que remete às lições do ABC Musical e especialmente do método Bona utilizados
pelo seu avô em sua musicalização.
Lúcia Uchôa também reflete em sua obra sua vivência com a música popular, utilizando
a forma binária em suas composições. Cifras são aplicadas nas melodias de seis peças: Canto
Lamento na Senzala; Ave Maria; Pai Nosso; Pérolas; Saltos e saltitos; Maitê e Miguel. Segundo a
compositora, “essas peças foram compostas para os alunos exercitarem os acompanhamentos
da mão esquerda por cifras, utilizando o padrão rítmico de cada composição de forma livre,
colocando em prática criatividade e técnica ao piano” (UCHÔA, 2016, p. 52).
Quanto à técnica de execução instrumental, a compositora desenvolve aspectos como:
dissociação no dedilhado tanto na mão direita quanto na mão esquerda, cruzamento das mãos,
baixo de Alberti na mão esquerda, acordes na mão esquerda, escala cromática, escala em
movimento contrário, arpejos nas duas mãos em movimentos contrários, legato, non legato,
staccatto, crescendo e decrescendo entre piano – forte – piano. Lúcia Uchôa também explora

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
alguns elementos da música contemporânea, como: cluster (aglomerado) e trechos de
percussão executados na madeira do piano.
Suas escolhas técnicas certamente se basearam em sua experiência como aluna e
despois como professora de piano. Várias dessas peças já figuram como obrigatórias no
repertório das duas escolas (estadual e federal) de música de Belém do Pará.
Por fim, podemos perceber que suas composições são fruto não só de sua cultura
musical vivenciada na infância e na juventude, ou de suas experiências como professora e
arranjadora, mas também do conhecimento acadêmico adquirido em estudos em cursos de
extensão, graduação e pós-graduação, quando Lúcia Uchôa absorveu conteúdos técnicos que
lhe proporcionaram domínio de habilidades composicionais.

À guisa de considerações finais: que significados isto que é escrito reflete?


Seguindo as pistas de Rangel (2009) sobre o processo criativo, não pretendemos aqui
afirmar que as composições de Lúcia Uchôa sejam reflexo direto de sua vida.
Todavia, há que se considerar, como Blacking1 (apud CHADA, 2007, p. 8), que a música
é “uma síntese dos processos cognitivos que estão presentes na cultura e nos seres humanos: a
forma que ela toma e os efeitos dela sobre as pessoas são gerados pelas experiências sociais
dos seres humanos em diferentes contextos culturais”.
A esse respeito, Chada (2007, p. 14) conclui em seu estudo que o “sistema musical
[reflete] assim o sistema cognitivo de seus praticantes, seus sentimentos, suas experiências
culturais, além de suas atividades sociais, intelectuais e musicais” e que a “música tem os seus
próprios termos, os termos do grupo, da cultura e o dos seres humanos que as ouvem, criam
e/ou executam”.
Com base nesses autores, podemos considerar que o processo criador de Lúcia Uchôa
recebeu influências de experiências por ela vividas, seja em família, seja na igreja ou no
contexto escolar. E que sua música “tem os seus termos”, porque é de sua autoria, apresenta
traços de sua vida, de sua cultura.

1
Blacking, John. How musical is Man? 2. ed. Washington: University of Washington Press, 1974.

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
Então, quais os significados sociais dos aspectos pedagógico-musicais evidenciados nas
composições de Lúcia Uchôa?
Podemos depreender marcas ao mesmo tempo não formais e formais. Não formais
porque os termos da sua música são da brincadeira que visa um aprendizado prazeroso
(UCHÔA, 2016) favorecido pela identidade com a cultura local e nacional que torna a
sonoridade rítmica e melódica familiar, em face de suas raízes populares, aludida pelo uso da
cifra que dá espaço à prática da improvisação. Formais pelo uso da leitura e da escrita (marcas
do contexto escolar) como o pentagrama, as claves de sol e de fá, os compassos, a dinâmica
(crescendo e decrescendo) e ainda a técnica pianística.

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017
Referências
ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças dos velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.

BOZZETTO, Adriana. Ensino particular de música: práticas e trajetórias de professores de piano.


Porto Alegre: Editora da UFRGS/ Editora da FUNDARTE, 2004.

CHADA, Sonia. A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos. In: III Simpósio
de Cognição e Artes Musicais, 2007, Salvador. Anais... Salvador: EDUFBA, 2007. P. 137-144.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e


educação. 2.ed. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.

MEIHY; José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. 2. ed.,
1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2011.

PAZ, Ermelinda A. Um estudo sobre as correntes pedagógico-musicais brasileiras. Rio de Janeiro:


UFRJ, 1993. (Cadernos Didáticos, 11)

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos orais: do “indizível ao “dizível”. In: SIMSON, Olga de
Moraes Von. (Org.). Experimentos com histórias de vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice, 1988.
(Enciclopedia Aberta de Ciências Sociais, 5). p. 14-43.

RANGEL, Sonia. Olho desarmado – objeto poético e trajeto criativo. Salvador: Solisluna Design
Editora, 2009.

SANTOS, Regina Márcia Simão Santos. A natureza da aprendizagem musical e suas implicações
curriculares. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1986.

SOUZA, Jusamara. Contribuições teóricas e metodológicas da Sociologia para a pesquisa em


Educação Musical. In ENCONTRO ANUAL DA ABEM, 5., 1996. Anais... Londrina (PR): UEL, 1996.

UCHÔA, Maria Lúcia da Silva. Estudando piano com Lúcia Uchôa. Belém: PPGARTES/ICA, 2016.

XXIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical


Diversidade humana, responsabilidade social e currículos: interações na educação musical
Manaus, 16 a 20 de outubro de 2017

Potrebbero piacerti anche