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Novo CPC.
R ev i s t a d o Ad v o g a d o
ção contrafática.
Esta função pode ser percebida em situações co-
tidianas como a de se parar o automóvel no semáforo
em um “sinal vermelho” para não colidir com outro
veículo e, obviamente, não ser multado. Tal tendên-
cia a parar aumenta exponencialmente se o semáfo-
ro for municiado do sistema de “registro de avanço”
Dierle Nunes em decorrência do acréscimo de fiscalidade.
Advogado. Doutor em Direito Processual pela
Mas qual seria a conexão desta função básica
PUC Minas e Universitá degli Studi di Roma La
Sapienza. Professor adjunto na PUC Minas e na do Direito com o Novo Código de Processo Civil
UFMG. Secretário-geral adjunto do IBDP. Membro
(NCPC)? Respondo: toda!
fundador da ABDPConst.
Ao se perceber uma série de vícios e descum-
primentos à normatização (inclusive constitucio-
nal), a nova legislação tenta, contrafaticamente,
implementar comportamentos mais consentâ-
neos com as finalidades de implementação de
efetividade e garantia de nosso modelo proces-
sual constitucional. Este é um de seus grandes
pressupostos ao se buscar corrigir problemas sistê-
micos. Adota-se, assim, uma série de “registros de Tal prática chega ao requinte de promover a
avanço” normativos para uma plêiade de compor- edição de enunciados de súmula com o objetivo de
tamentos não cooperativos habitualmente ado- criar ferramentas formais de impedimento do jul-
tados pelos sujeitos processuais. gamento de mérito das impugnações às decisões.
E para não aparentar se estar procedendo a Em face do vício manifesto da jurisprudência de-
uma discussão meramente teórica e de fundamen- fensiva, e em sua função contrafática, desde a parte
tação, nos valeremos de alguns singelos exemplos. geral (art. 4o do NCPC2), a nova lei impõe premissas
Passemos a eles: interpretativas e um novo formalismo que induz o
Uma situação recorrente na prática (no mundo máximo aproveitamento da atividade processual
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atividades processuais por rigorismos formais des- rarquia entre juiz e partes/advogados, na qual as
providos de fundamento constitucional adequado. últimas deveriam ajudar o primeiro. Aqui se trata
E, por falar em comportamentos não coope- de uma concepção normativa contrafática que
rativos, todos sabemos que o ambiente processual delimita ferramentas de controle de todos os su-
sempre está permeado destes, seja o advogado que jeitos processuais ao se perceber a interdependên-
se vale de manobras de má-fé com a finalidade cia entre suas atividades e fazendo com que todas
de atrasar o procedimento quando isto o interessa, ofertem um importante papel dentro do sistema
sejam os juízes que não auxiliam as partes a supe- processual (divisão de papéis).
rarem dificuldades que as impeçam do exercício Assim, o CPC/2015 traz uma série de preceitos
de faculdades ou ônus processuais, como os pro- normativos louváveis que viabilizarão um diálogo
batórios (dever de auxílio), as surpreende com mais proveitoso entre os sujeitos processuais com
decisões trazendo fundamentos não discutidos ao a adoção, por exemplo, do dever do juiz de levar
longo do processo e não enfrentam todos os argu- em consideração os argumentos relevantes das par- 53
mentos relevantes apresentados por elas. E estas tes (Recht auf Berücksichtigung von Äußerungen),
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são apenas algumas situações não cooperativas. atribuindo ao magistrado não apenas o dever de
Ao se vislumbrar tais hipóteses, o NCPC impõe tomar conhecimento das razões apresentadas
uma premissa forte (contrafática) ao adotar uma (Kenntnisnahmepflicht), como também o de con-
teoria normativa da comparticipação (NUNES, siderá-las séria e detidamente (Erwägungspflicht)
2008) ou cooperação que impõe, mediante vários em seus arts. 10 e 489, § 1º, inciso IV, do NCPC.
dispositivos, a necessidade de se repreenderem Há muito a doutrina percebeu que o contra-
ditório não pode mais ser analisado tão somente
como mera garantia formal de bilateralidade da
3. “Art. 932 - [...] Parágrafo único - Antes de considerar inadmissível
audiência, mas sim como uma possibilidade de
o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente
para que seja sanado vício ou complementada a documentação influência (Einwirkungsmöglichkeit) (BAUR, 1954,
exigível.”
p. 403) sobre o desenvolvimento do processo e sobre
4. Este também é o entendimento do Enunciado nº 82 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis (FPPC): (art. 932, parágrafo a formação de decisões racionais, com inexistentes
único; art. 938, § 1º) É dever do relator, e não faculdade, conceder ou reduzidas possibilidades de surpresa.
o prazo ao recorrente para sanar o vício ou complementar a docu-
mentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso, inclusive os Tal concepção significa que não se pode mais
excepcionais. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal, Teoria acreditar que o contraditório se circunscreva ao
Geral dos Recursos, Apelação e Agravo. Salvador, 2013).
5. Conforme o Enunciado nº 83 do FPPC: “Fica superado o enun-
dizer e contradizer formal entre as partes, sem
ciado 115 da súmula do STJ após a entrada em vigor do NCPC (‘Na que isso gere uma efetiva ressonância (contribui-
instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem
procuração nos autos’)”. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal,
ção) para a fundamentação do provimento, ou
Teoria Geral dos Recursos, Apelação e Agravo. Salvador, 2013) seja, afastando a ideia de que a participação das
partes no processo possa ser meramente fictícia, primento de um contraditório dinâmico e de uma
ou apenas aparente, e mesmo desnecessária no fundamentação estruturada, reestrutura-se a fase
plano substancial. de organização e saneamento no art. 357 da Lei nº
No sistema alemão, o princípio, nos termos do 13.105/2015, criando, inclusive, a possibilidade de
art. 103, § 1º, da Grundgezets (Lei Fundamental negociação processual típica sobre o objeto do pro-
alemã), inclui não só o direito de se expressar, mas cesso e calendarizando o procedimento mediante
também o direito a que essas declarações sejam acordo entre os sujeitos processuais (THEODORO
devidamente levadas em consideração. JR.; NUNES; BAHIA; PEDRON, 2015).
Julgados do Tribunal Constitucional Federal Os exemplos poderiam aqui se multiplicar à
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(por exemplo, BVerfGE 70, 288 NJW 1987, 485) exaustão, mas creio que fugiriam ao propósito
localizam esse dever como decorrência do contra- provocativo deste breve ensaio.
ditório (Anspruch auf rechtliches Gehör), apontan- No entanto, para terminar, há de se perce-
do que ele assegura às partes o direito de ver seus ber que devemos afastar aqueles argumentos
argumentos considerados. recorrentes “de que isto não funcionará porque
No entanto, o entendimento inconstitucional e sempre foi diferente”, uma vez que negam exata-
ilegal corrente no Brasil até o advento do NCPC, mente o papel corretivo e a função contrafática
por violador do dever constitucional e legal de fun- do Direito, que se presta a fiscalizar e a imple-
damentação das decisões judiciais, autoriza que o mentar balizas normativas (correção normativa)
Estado-juiz não enfrente um argumento jurídico a que os direitos, especialmente fundamentais,
relevante da parte, ou seja, mesmo argumentos que se prestam.
invoquem uma norma jurídica aplicável ao pro- Não podemos tolerar um processo judicial não
54 cesso e que guardem imediata vinculação com os dialógico e cooptado tão somente por imperativos
pontos controvertidos (questões) são singelamente de máxima produtividade e de qualidade zero, até
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desconsiderados por inúmeras decisões judiciais pela percepção óbvia de que esta concepção não
que não os acolhem. 6
vem trazendo bons resultados. Só uma nova racio-
E o problema na atualidade é de índole prática, nalidade de uso do sistema pode auxiliar na reso-
eis que a ausência de análise de todos os argumentos lução de nossos problemas.
relevantes, em especial pelos Tribunais Superiores, O NCPC busca, assim, dentro de seus estritos
induz à falta de coerência e estabilidade em sua ju- limites, por ser tão somente uma lei, e não uma pa-
risprudência, e se abre para uma constante reaber- naceia, ofertar um balizamento contrafático que
tura a que novos debates e novos argumentos, que possa otimizar a atividade processual e melhorá-la
já poderiam ter sido analisados desde o primeiro qualitativamente. Resta-nos agora compreendê-lo
recurso ou procedimento, sejam levados em consi- e aplicá-lo sempre sob a melhor luz e em confor-
deração, fomentando uma anarquia interpretativa. midade com sua parte geral, sua unidade e suas
E, em primeiro grau, o desprezo à preparató- premissas norteadoras.7
ria da cognição amplia a dificuldade de análise
racional dos argumentos relevantes, em decorrên- 6. Cf. com mais argumentos Nunes (2003; 2004, p. 73-85; 2008);
Nunes; Theodoro Jr. (2009).
cia do déficit da filtragem na fase do art. 331 do 7. Para a devida compreensão cf. Theodoro Jr.; Nunes; Bahia;
CPC de 1973 reformado. Assim, ao exigir o cum- Pedron (2015).
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