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DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
BELO HORIZONTE
2006
Introdução
Nicolau de Cusa inicia o texto d’ A Douta Ignorância1 com uma carta ao Cardeal da Santa Sé
Apostólica na qual explica as razões que o levaram a escrever a obra. Na conclusão da carta, Cusa diz:
(...) julgo, com razão, que o admirar-se, causa do filosofar, precede o desejo de saber,
para que o intelecto, cujo ser é entender, se realize no estudo da verdade 2.
Vemos aqui um interesse pelo conhecimento da verdade. Esse julgar humano tende não para um
conhecimento qualquer, mas para o conhecimento da verdade. Para Cusa, a busca conhece a verdade
quando é são o intelecto, mas no caso de julgar o incerto, o conhecemos apenas através de relações de
proporcionalidade, “comparando-o, em termos proporcionais, com pressupostos certos”3.
Na busca da verdade, Cusa esbarra no infinito uma vez que, para ele, o infinito rigorosamente
só se aplica a Deus e a verdade máxima está necessariamente em Deus. Esta posição de infinito como
Deus não é discutida filosoficamente, aparece como axioma já certo, coerente com a crença religiosa
do cusano e a herança da filosofia medieval, também cristã.
Cusa considera que o conhecimento se dá através de relações comparativas de
proporcionalidade. No caso do conhecimento do infinito, ele nos aparece como inacessível, uma vez
que o infinito escapa a qualquer proporção4. Faz-se necessário, então, conciliar o lugar do finito com o
do infinito, afinal a filosofia não pode ser feita do ponto de vista do infinito, já que homens finitos não
podem abarcar a totalidade; a parte jamais consegue vislumbrar o todo na sua completude. Por esse
motivo, a busca da verdade só pode se dar em uma relação de aproximação, e nunca de identidade.
Como o conhecimento do infinito nos é inacessível através das nossas possibilidades cognitivas,
para Cusa “o que desejamos é saber que ignoramos. Se pudermos chegar plenamente a isso,
atingiremos a douta ignorância”5. O objetivo da douta ignorância é de fazer uma desmontagem. Com
essa desmontagem não se saberá o que é mas ao menos se saberá o que não é e qual é o problema, a
dificuldade. A finitude humana e conseqüente finitude da sua linguagem culmina na incapacidade de
atingir um conhecimento certo sobre o infinito. Nicolau de Cusa busca alcançar a douta ignorância com
1
Cusa, Nicolau de. A douta ignorância. Tradução: João Maria André. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
(doravante colocarei a citação simplificada, com o número do livro, seguido do capítulo e do parágrafo e da página na
referida edição).
2
(§1); p.2.
3
(I, 1, §2); p.3.
4
(I, 1, §3); p. 4.
5
(I, 1, §4); p.4.
a ajuda da linguagem matemática que possibilita um deslocamento conceitual. A matemática, pensada
fora do terreno quantitativo, possibilita fazer o movimento de comparação aproximativa. O presente
trabalho volta atenção especial o máximo absoluto e as analogias matemáticas utilizadas por Cusa para
tentar se chegar a um conhecimento aproximativo acerca dele.
Máximo Absoluto
Diferente de Aristóteles, que considera o infinito como potência, isto é, o infinito é aquilo a que
sempre se pode acrescentar algo, para Cusa o infinito é substanciado. Ele é aquilo a que eu não
acrescento nada, já que corresponde a Deus e este é pleno. Um infinito pleno não pode ser maior nem
menor caso contrário não seria pleno. Retirando o aspecto quantitativo do máximo e do mínimo
chegamos à coincidência dos opostos. O máximo coincide com o mínimo uma vez que o máximo não
pode ser maior nem o mínimo pode ser menor. “A quantidade máxima é maximamente grande; a
quantidade mínima é maximamente pequena”6.
Desse modo, em um movimento de retirada do quantitativo, pensando em uma imagem de
contração máxima, chegamos à entidade. A entidade é todo ato possível e sendo união de todas as
coisas é una. O infinito, o máximo absoluto, corresponde, portanto, à plenitude e à totalidade. Como
totalidade, abarca todas as coisas, logo é também plural.
Cito Santinello:
La coincidenza fra massimo e minimo indica la superiorità del maximum absolutum
rispetto ad ogni molteplicità e differenza, la sua unità ove ogni oposizione fra i
molteplici scompare unificata.7
Temos aqui uma de tentativa de aproximação da maximidade através dos contrários. De acordo
com a lógica, que guia a linguagem humana, máximo e mínimo são contraditórios e não podem,
portanto, serem pensados conjuntamente. “Isto, contudo, transcende todo o nosso intelecto, que não
pode combinar os contraditórios no seu princípio pela via da razão”8. No entanto, a aproximação do
máximo só é possível através dessa contraditoriedade aparente na perspectiva finita do homem. Para
escapar à oposição, é necessário deslocar o problema do máximo coincidente com o mínimo da
linguagem para a ontologia.
A saída ontológica faz coincidir o máximo absoluto com Deus. Deus como entidade, ser, e não
linguagem. Não se trata de palavras; para a compreensão é necessário transcendê-las. Deus para Cusa
corresponde, portanto, ao infinito que é, como já foi dito, tudo em ato. Na busca de um conhecimento
6
(I, IV, §11); p.9.
7
SANTINELLO, Giovanni. Introduzione a Niccolò Cusano. Editori Laterza, s/d. (p.30) (doravante, Santinello seguido do
número da página).
8
(I, IV, §12); p.10.
aproximativo acerca dessa verdade, o cardeal utiliza como exemplos matemáticos a linha, a esfera, o
triângulo e a circunferência.
Os exemplos matemáticos utilizados pelo cusano são todos de relação entre a linha
em finito que é em ato e potência essas figuras.
Consideremos a figura ao lado. Tentaremos mostrar
como ela abarca todas as possibilidades da linha BAD.
Fazendo um giro de AB até o ponto B mantendo o ponto
fixo em A, temos uma circunferência. Com a rotação de BA até
AC com ponto fixo em A temos um triângulo e com um giro em
si mesma da linha BD temos uma esfera. Esse exemplo explica
as possibilidades da linha, mas não demonstra claramente como
ela é em ato todas essas figuras.
Para mostrar como uma linha é em ato essas figuras Cusa utiliza os seguintes
exemplos adaptados para facilitar a compreensão:
Aqui, ao diminuirmos
sucessivamente dois ângulos do
triângulo e aumentado o terceiro,
Aqui uma circunferência de raio chegamos ao fim a uma reta que
infinito culmina em uma reta. coincide com os três lados e com os
três ângulos.
Os exemplos utilizados por Nicolau de Cusa permitem uma aproximação da totalidade. Assim
como a reta é ato e potência das referidas figuras, o máximo absoluto é ato e potência de todas as
coisas. Segundo Mouliner, “La puissance s’identifie en effet chez Nicolas avec la tendence à être, le
pouvoir déjà efficace. Elle est représentée par la personne du Père dans la Saint-Trinité” 9. Temos, então,
Deus como representando a potência. Ele é todas as coisas e por esse motivo é uno, uma vez que a
unidade precede a diversidade.
Segundo argumento que aparece no capítulo VII do livro I, a unidade é anterior à alteridade e o
que precede o que muda deve ser imutável, e, portanto eterno. Deus como potência é uno, eterno e
imutável (complicatio), mas, ao mesmo tempo, temos a explicatio de Deus, em ato no mundo, todas as
coisas, e, portanto, plural, múltiplo. Outra vez temos a oposição para a aproximação do que seria o
máximo absoluto.
9
MOULINER, L. Introduction. IN: Cusa, Nicolas de. De la docte Ignorance. Traduction de L. Mouliner. Paris: Librairie
Félix Alcan, 1930. p. 18.
Uma última questão importante acerca do máximo trata-se da relação do uno com o trino. Já
mostramos acima como um triângulo de lados infinitos pode ser potência e ato da linha infinita. Além
disso, o triângulo é a menor medida perfeita para as figuras geométricas. É possível dividir um
polígono em quantidades iguais de triângulos, mas não necessariamente de quadriláteros.
O triângulo aparece como importante na geometria e também na teologia cristã, que acredita na
Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. No entanto, tentamos mostrar acima como Cusa nos mostra como
o máximo absoluto é entidade, unidade e totalidade. Para pensar o máximo como trindade Cusa coloca
o argumento da igualdade no capítulo VIII do livro I, que buscamos sintetizar através do quadro
abaixo:
Jesus é igualdade de Deus. Temos uma única repetição pois, se a unidade se desdobrasse em
mais de um, ela perderia seu caráter uno e perfeito. Jesus, igualdade é, também unidade. Ele é a
igualdade e
A igualdade do ser é aquilo que na coisa não é susceptível de mais nem de menos, de
nada superior e de nada inferior. Pois se fosse demais, a coisa seria monstruosa. Se
fosse de menos, não seria10.
Desse modo tentamos mostrar como “il Cusano si propone d’ilustrare due cose: che l’infinito è
in atto, nell’unità senza differenza, ogni molteplicità che è in potenza nel finito; che l’infinito è uni-
trinità”11.
10
(I, VIII, §22); p. 17
11
Santinello. p.35,36.
Conclusão
Primária:
Cusa, Nicolau de. A douta ignorância. Tradução: João Maria André. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2003.
Secundárias:
MOULINER, L. Introduction. IN: Cusa, Nicolas de. De la docte Ignorance. Traduction de L. Mouliner.
Paris: Librairie Félix Alcan, 1930.