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Modelos de Terapia Familiar

Brasília-DF.
Elaboração

Karina Santos da Fonseca

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE ÚNICA
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR............................................................................................................. 9

CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DA TERAPIA FAMILIAR.................................................................................................. 9

CAPÍTULO 2
TERAPIA FAMILIAR.................................................................................................................... 18

CAPÍTULO 3
ESCOLAS E TERAPIA PÓS-MODERNA........................................................................................ 24

CAPÍTULO 4
CONSTRUCIONISMO SOCIAL E TERAPIAS NARRATIVAS.............................................................. 32

CAPÍTULO 5
TERAPIA FAMILIAR E TRANSGERACIONALIDADE......................................................................... 38

CAPÍTULO 6
GENOGRAMA NO ESPAÇO TERAPÊUTICO................................................................................ 41

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 51

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 53
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

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Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
O Assistente Social, no exercício de suas atribuições, possui a necessidade do conhecimento
dos Modelos de Terapias Familiares. Por isso, torna-se relevante a obtenção de informações
sobre a existência dos diversos Modelos de Terapias Familiares, tais como: as pós-modernas, as
narrativas e o modelo trigeracional.

Este Caderno, portanto, tem o objetivo de proporcionar informações acerca dos Modelos de
Terapias Familiares, com o compromisso de orientar os profissionais da área de Serviço Social,
para que possam desempenhar suas atividades com eficiência e eficácia.

Objetivo
»» Conhecer os diversos Modelos de Terapia Familiar.

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MODELOS DE UNIDADE ÚNICA
TERAPIA FAMILIAR

CAPÍTULO 1
História da Terapia Familiar

“Família: grupo de pessoas ligadas entre si por laços de casamento ou de


parentesco, ou conjunto de ancestrais ou descendentes de um indivíduo
ou linhagem”. (LAROUSSE CULTURAL, 1992)

Embora a Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética tenham surgido em bases


comuns, logo os diferentes sistemas de crenças envolvidos na elaboração de teorias
resultaram em diferentes modelos de Terapia Familiar, caracterizados por sistemas de
inteligibilidade diversos. Com isso, surgiram as distintas escolas de Terapia Familiar,
com suas descrições, compreensões e interpretações próprias, podendo divergir, apesar
de terem os mesmos pontos de partida.

Na década de 1950, surgiu, nos Estados Unidos, a terapia de família. Inúmeros


fatores contribuíram para que seu surgimento ocorresse nesse país e nessa época,
entre os quais podemos citar, como um dos mais relevantes, o pós-guerra. Nessa
época de transformações, em diversas áreas dos Estados Unidos, como o aumento
da industrialização, a participação das mulheres no mercado de trabalho, de novas
tecnologias, de relações sociais modificadas, de aumento do acesso à educação, entre
outras, surgiram consequências da consolidação dessa expansão que já vinha ocorrendo
desde a Segunda Guerra Mundial.

De acordo com Ponciano (1999), todas essas transformações geraram um clima de


otimismo e fé no futuro, o que favoreceu o aumento das famílias e a crença de que a
família era um lugar da felicidade

A Segunda Guerra Mundial proporcionou um ambiente intelectual e diversificado, com


a imigração de vários profissionais de diversas áreas da Europa para os Estados Unidos.
Esses imigrantes levaram consigo suas histórias e experiências vividas durante a guerra,
e esses acontecimentos tiveram efeito importante sobre as disciplinas relacionadas

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UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

à saúde mental. Isso porque, em situações de guerras, a capacidade que as pessoas


costumam ter de possuir o controle sobre as próprias vidas e sobre o destino parece
ser posta à mercê de forças sobre as quais elas não têm nenhum controle. Para Bloch
e Rambo (1998), a consciência da importância do contexto social sobre a vida dos
indivíduos nessa época aumentou rapidamente e adquiriu maior complexidade.

Nesse contexto, de forma paralela, ocorreu a união de psicanalistas judeu-europeus com


psiquiatras militares norte-americanos parcialmente treinados que retornavam aos
Estados Unidos sem muita perspectiva profissional, o que resultou no crescimento do
movimento psicanalítico, e abriu as portas para terapias ativas que vieram suplantar a
psiquiatria biológica inicial. Em um curto período de tempo, o movimento psicanalítico
dominou o cenário psiquiátrico norte-americano, ao mesmo tempo em que começaram
a surgir sinais de descontentamento com essa teoria.

Segundo Bloch e Rambo (1998), o descontentamento com esse modelo teve origem
em alguns pontos, sendo os principais: o caráter limitado do modelo freudiano de
desenvolvimento psicológico feminino; as mudanças dos paradigmas nas ciências
sociais e naturais, o que inclui a física pós-einsteiniana, a Teoria da Informação,
a Cibernética, a Linguística e a Teoria Geral dos Sistemas; a consciência dos limites
das noções de saúde mental; e a tomada de consciência em relação à importância do
contexto, o que, segundo os críticos, estaria em desacordo com a psicanálise, já que esta
teria seu enfoque voltado para a história passada, na experiência interna do indivíduo,
expressa em sequências intrapsíquicas.

O trabalho inicial centrado na família iniciou-se como pesquisa voltada, principalmente,


para famílias com pacientes esquizofrênicos e delinquentes, que não estavam se
beneficiando dos tratamentos convencionais. As primeiras e principais pesquisas
direcionadas às famílias com pacientes esquizofrênicos foram as realizadas por Gregory
Bateson, Don Jackson, Weakland, Haley, Bowen, Lidz, Whitaker, Malone, Scheffen e
Birdwhistle, a maioria descrita no livro organizado por Bateson et al. (1980), “Interación
familiar”. Já as pesquisas direcionadas às famílias com delinquentes tiveram seu marco
inicial no projeto Wiltwick, realizado por Minuchin, no início da década de 1960.

Segundo Grandesso (2000), essas pesquisas representam o início de um novo campo


que começava a se desenvolver e que tinha como principal característica a mudança de
foco da prática terapêutica no indivíduo e nos processos intrapsíquicos, para a família,
com ênfase nas interações entre seus membros. Diferente de outras correntes teóricas,
como a psicanálise, por exemplo, que tinha em seu início formulações centradas em
torno de um autor principal, esse novo campo começou a se desenvolver com muitas

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MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

influências, vindas de diversos campos e autores. As influências mais marcantes na


formação desse campo foram da Teoria Geral dos Sistemas e da Cibernética.

Na década de 1930, foi desenvolvida, por Ludwig Bertalanffy, a Teoria Geral dos
Sistemas, tendo por objetivo desenvolver leis que explicassem o funcionamento de
sistemas gerais, independentes de sua natureza. Era, também, uma tentativa de aplicar
princípios organizacionais a sistemas biológicos e sociais (RAPIZO, 1996). Junto a um
biomatemático e um fisiologista, Bertalanffy criou o Centro de Estudos Superiores das
Ciências do Comportamento, que mais tarde se tornou a Sociedade de Pesquisa Geral
dos Sistemas, com o objetivo de desenvolver estudos sobre sistemas teóricos que fossem
aplicáveis a mais de uma das disciplinas tradicionais da ciência.

De acordo com essa teoria, existiam princípios e leis que se aplicam aos sistemas em
geral, independentemente de seu tipo particular, da natureza de seus elementos e das
relações que atuam entre eles. A busca por princípios universais aplicáveis aos sistemas
em geral, obteve como resultado três propriedades que estariam presentes em sistemas.

»» Totalidade: que se refere ao fato de todos os sistemas serem compostos


de elementos interdependentes e em interação.

»» Relação: que diz respeito às estruturas básicas dos elementos e ao modo


como eles se relacionam.

»» Equifinalidade: que é a característica de o mesmo estado final poder


ser alcançado partindo de diferentes condições iniciais e de diversas
maneiras.

De acordo com Ponciano (1999), para definir essas propriedades, essa teoria operou o
deslocamento da ênfase no conteúdo para a estrutura.

A palavra Cibernética vem do grego kybernetes, que significa piloto, condutor. Tal
palavra foi escolhida pelos criadores da Cibernética, Wiener, Rosenblueth e Bigelow,
para nomear o campo do conhecimento que se ocupa da teoria do controle e da
comunicação na máquina e no animal. Ao escolherem esse nome, gostariam que fosse
associado às máquinas que pilotam os navios, por estas serem as primeiras e mais bem
desenvolvidas formas de feedback, conceito central de sua teoria. À medida que suas
ideias foram apresentadas, outros cientistas interessaram-se e perceberam claramente
a analogia entre o funcionamento do sistema nervoso e o funcionamento das máquinas
de computação. Com o desenvolvimento de pesquisas e sua importância para a guerra,
visto que a construção de máquinas computadoras era essencial naquele momento
histórico, em 1946, aconteceu a primeira de uma série de conferências dedicadas

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UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

ao tema do feedback como promoção da Fundação Josiah Macy, em Nova York.


(VASCONCELOS, 2003)

A Cibernética evoluiu enquanto teoria, e o momento descrito é conhecido como


Primeira Cibernética. A Segunda Cibernética surge com a introdução do conceito
de morfogênese, feita por Maruyama (1968). Segundo esse autor, além de a
sobrevivência dos sistemas depender de sua capacidade de manter o equilíbrio e
a organização, apesar das modificações do meio (morfoestase), um sistema vivo
necessita, também, modificar sua organização básica, para se adaptar às situações
do meio. Dessa forma, o mecanismo, chamado por ele de morfogênese, funcionava
com sequências que amplificavam o desvio, fazendo com que o sistema conseguisse
sobreviver, adaptando-se às condições externas. Esses dois momentos, a Primeira
e Segunda Cibernéticas, constituem a Cibernética de Primeira Ordem, que evoluiu
para o que conhecemos como Cibernética de Segunda Ordem.

Para Vasconcelos (2003), essa passagem da Cibernética de Primeira para a de


Segunda Ordem representa uma mudança paradigmática nas ciências como um todo,
com o surgimento do que ela denomina cientista novo-paradigmático, ressaltando
a mudança que ocorre no cientista e não na ciência como algo independente. Nesse
novo paradigma, alguns pressupostos básicos da ciência tradicional são substituídos,
a partir de problemas que surgem no limite dessa ciência. Dessa forma, as dimensões
da simplicidade, da estabilidade e da objetividade são substituídas pela complexidade,
instabilidade e intersubjetividade, ou objetividade entre parênteses.

Todas essas teorias influenciaram o campo da Terapia de Família desde início e


continuaram a influenciar o seu desenvolvimento, havendo modificações que ocorreram
paralelamente em ambas. Em um primeiro momento, o principal responsável
pela aproximação entre a Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética e a área “psi” é
o antropólogo Gregory Bateson, que veio a ser o grande mentor do que se tornou a
Abordagem Sistêmica na Terapia de Família.

Novos aportes filosóficos, as questões da linguagem, a construção conjunta de


significados (construtivismo e construcionismo social), as contribuições da nova física
e os novos conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro e da mente formam
um pano de fundo para o surgimento de novas escolas de Terapia Família, que, sem
abandonar completamente os pressupostos anteriores, passam a explorar as narrativas
dos diversos membros de uma família, novas descrições para as histórias familiares
que tragam mais recursos para o funcionamento da família. O terapeuta deixa de ser
um observador externo, um expert em detectar problemas, para se transformar em um
articulador, um mediador de conversações, mais preocupado em conhecer como essa

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MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

família se organiza e opera, quais os significados que são ou não compartilhados por
seus membros.

No Brasil, podemos destacar como grandes nomes da Terapia Familiar, entre outros:
Marilene Grandesso, Maria José Esteves, Terezinha Féres, Rosa Macedo, Sandra
Fedulo, Roberto Faustino (Recife), Rosana Rapizzo e Luiz Carlos Prado.

É possível compreendermos que o sistema familiar vive interações que repercutem


no seu desempenho, tanto em seu ambiente interno quanto externo. Dessa forma,
conseguimos entender um dos principais pilares da Terapia Familiar, que é a
circularidade que estuda, atenciosamente, as sequências interacionais dos familiares,
para um olhar mais aprofundado acerca dos fatores que estão “segurando”o padrão
comportamental familiar. Sabe-se que todo sistema faz parte de um sistema maior. Por
esse motivo, é importante relacionar a família, observando-se sua rede de subsistemas,
mediante a leitura de contextos mais amplos, ou seja: indivíduo, grupo, comunidade,
sistema de crenças, cultural, político.

A família é compreendida como um sistema aberto e, dependendo de como “administra”


suas relações, poderá “trabalhar” para, diante de um desafio, problema, continuar na
sua zona de conforto e não propiciar a mudança, ficando na homeostase. Pode, também,
“trabalhar” no favorecimento da mudança, buscando condições de superação e novos
significados.

É importante ressaltar que a Terapia Familiar dos dias atuais tem seus paradigmas
baseados na Ciência Pós-Moderna e se apoia nos seguintes conceitos.

»» Complexidade: não existe só uma realidade; base no multiverso; há


diferentes olhares, múltiplos significados acerca de um mesmo fato.
Imprevisibilidade: compreender que as imprevisibilidades existem,
pois muitos fatos  não estão sob o nosso controle.

»» Intersubjetividade: influências recíprocas entre o observador e


a realidade observada; negação da neutralidade, ou seja, enquanto
participante do processo terapêutico, o terapeuta também coloca, nesse
percurso, suas vivências.

A Teoria Sistêmica nos ensina a olhar como a vida das pessoas é moldada pelas interações
tanto com seus familiares quanto pelos contextos nos quais estão inseridos. O contexto
familiar é compreendido de forma menos objetiva e mais complexa, no qual se vai em
busca dos diversos significados dos membros familiares e da família como um todo. O

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UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

terapeuta familiar deverá atuar como um facilitador, ajudando nesse processo de curar
feridas e, também, de mobilizar talentos e recursos.

Para tal, é preciso que, ao trabalhar no processo terapêutico familiar, o terapeuta possa
se aprofundar nos seguintes pontos significativos.

»» Contexto relacional.

»» Circularidade dos comportamentos: individual e familiar, emocional,


afetivo e cognitivo.

»» Padrão de comportamento familiar: abertura /fechamento à mudança.

»» Estrutura familiar: subsistemas, fronteiras, triângulos, alianças, colisões,


hierarquia, papéis.

»» Heranças familiares e suas influências: proximidade e diferenciação,


sentimento de pertencer à família por meio dos seus valores e aprendizados,
mas também se trabalhar em busca de um sentido de autoria própria –
autonomia. Esse olhar familiar é transgeracional, focando a família de
origem e a família nuclear. Muitas vezes, trabalhamos com a compreensão
de três gerações.

»» Processos de comunicação.

»» Crenças, valores e significados.

»» Ciclos de vida familiar.

»» Função do sintoma na família.

O terapeuta familiar sistêmico procura desenvolver uma epistemologia voltada à


atenção de como evolui na sua forma de conhecer, atuar, mediante a observação atenta
dos seus valores, sua visão de mundo, e a forma pela qual faz a integração desses fatores
ao contexto terapêutico. Seu olhar é, continuadamente, voltado ao contextual, ao
relacional, sem esquecer, também, o valor do fator individual em cada sistema familiar,
refletindo o terapeuta, que, ao mesmo tempo, é parte integrante do sistema.

Contextualizando uma visão pós-moderna,  no conceito da Terapia  Familiar (1980), 


Maria José Esteves coloca que é importante reforçar os seguintes pontos.

»» Entender que  a família é um sistema aberto e que o terapeuta não está a


serviço de reparar ou consertar a disfunção. Importante o trabalho cooperativo

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MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

entre família e terapeuta, voltando o olhar à família também como recurso, e não
só dificuldade.

»» A  intersubjetividade do terapeuta deverá ser compreendida e incluída


no contexto do sistema: o terapeuta deverá, ao mesmo tempo em que faz
parte do sistema, dele tomar distância, para refletir conteúdos que são
seus e das famílias.

»» Sabendo que não existe apenas uma realidade, o terapeuta precisa estar
consciente das suas ideias que tem acerca das patologias, estruturas
disfuncionais, seus preconceitos, das suas demandas, para que, colocando
tudo isso em parênteses, possa estar aberto para visões alternativas.

»» Essencial que o terapeuta aja como facilitador da autonomia do cliente,


vez que ele tem a função de “arquiteto do diálogo”, que incentiva condições
e facilita a abertura para a criação do espaço dialógico.

»» O terapeuta deverá compreender que adotar o pensamento circular não


significa anular o pensamento linear, que faz parte da sobrevivência
de todos nós. Importante é focalizar ideias, sentimentos e ações,
compreendendo como esses se entrelaçam e contribuem ao sentido de
autoria das famílias, olhando, também, as condições de interdependência
dessas situações.

»» Fundamental ao terapeuta pós-moderno é investir, continuadamente,


no exercício de aprender sobre Terapia Familiar, aprender como fazer
Terapia Familiar e aprender como ser um terapeuta de família.

Vivemos, hoje, na Terapia Familiar, a uma multiplicidade de abordagens, tantos quantos


forem os terapeutas em questão. Contudo, a ausência de um purismo de abordagens
não significa uma anarquia epistemológica, se considerarmos os marcos referenciais da
pós-modernidade como seus denominadores comuns. Uma coerência epistemológica
une as práticas pós-modernas de terapia em torno de alguns pressupostos teóricos
comuns que organizam a ação dos terapeutas.

»» A consciência de que o terapeuta co-constrói, no sistema terapêutico, em


ação conjunta com a família, a definição do problema e das possibilidades
de mudança.

»» A crença de que toda mudança só pode se dar a partir da própria pessoa


e da sua organização sistêmica autopoiética, sendo responsabilidade e
especialidade do terapeuta a organização da conversação terapêutica.

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UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

»» A mobilização dos recursos da família, da comunidade e das redes de


pertencimento, legitimando o saber local de pessoas e contextos.

»» Uma concepção não essencialista de self, compreendida como construída


no contexto das relações e práticas discursivas; a visão da pessoa como
autora de sua história e existência, competente para a ação e para o
agenciamento de escolhas, a partir de um posicionamento autorreflexivo,
moral e ético, podendo criar e expandir suas possibilidades existenciais.

»» A ênfase sobre os significados socialmente elaborados na linguagem e


nos espaços dialógicos, sendo construídos nos discursos emergentes e, ao
mesmo tempo, responsáveis por suas transformações.

»» A crença no diálogo, definido como um cruzamento de perspectivas,


como uma prática social transformadora para todos os envolvidos,
independente de seu lugar como terapeuta e cliente.

»» A ênfase nas práticas de conversação e nos processos de questionamento


como recurso para gerar reflexão e mudança, conforme expande os
horizontes de terapeutas e clientes.

»» A adoção de postura hermenêutica em que a compreensão é coconstruída


intersubjetivamente pelos participantes da conversação.

»» A ênfase muito mais no processo do que no conteúdo das histórias,


compreendendo as narrativas como locais e, portanto, idiossincráticas.

Refletindo sobre o panorama atual da Terapia Familiar, podemos considerar que sua
consistência decorre de uma epistemologia unificadora pós-moderna, apoiada numa
hermenêutica contemporânea construída na intersubjetividade, envolvendo a pessoa
do terapeuta como coconstrutor das realidades com as quais trabalha. A prática dessas
terapias ditas pós-modernas envolve um trânsito do terapeuta entre teoria e prática de
modo epistemologicamente coerente, de acordo com os meios que se lhe apresentem
mais úteis e despertem seu entusiasmo e sua criatividade enquanto interlocutor
qualificado.

Enquanto uma prática social transformadora, essa terapia se organiza a partir dos
contextos locais e das histórias culturais de distintas comunidades linguísticas. O
respeito pela diversidade e multiplicidade de contextos com seus saberes locais implica
numa terapia construída a partir da aceitação da responsabilidade relacional do
terapeuta, legitimando os direitos humanos de bem-estar e de exercício da livre escolha.

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MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

Os imensos desafios que se apresentam para o terapeuta, vindos do campo da saúde


mental, das instituições voltadas para o cuidado e do tratamento da pessoa, dentro
de uma perspectiva pós-moderna, convidam para a humildade na construção do
conhecimento e conduzem, cada vez mais, para uma ação transdisciplinar numa
instância de trocas colaborativas entre os distintos domínios de saber e no uso de
técnicas como recursos a serviço do bem-estar. O caráter autorreferencial e de reflexo
presente nas terapias pós-modernas desafiam o terapeuta a tornar explícitos seus
pré-juízos, seus valores e suas opções ideológicas, nos limites da sua subjetividade,
estabelecendo parâmetros para a clínica que pratica, harmonizando, de forma estética,
teoria e prática a serviço do bem-estar das famílias que são atendidas.

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CAPÍTULO 2
Terapia Familiar

Neste capítulo, abordaremos a temática relacionada aos modelos de Terapia Familiar,


desde sua gênese, para que, assim, possamos compreender como desencadeou o seu
desenvolvimento e quais foram as suas contribuições.

“A família é uma unidade social que enfrenta uma série de tarefas de


desenvolvimento. Estes diferem de acordo com os parâmetros das
diferenças culturais, mas têm raízes universais”. (MINUCHIN)

A Terapia Familiar estuda os indivíduos enquanto parte integrante de sistemas


interpessoais. Sistemas estes que, por sua vez, servem de contexto explicativo das
condutas. Esse enfoque é uma explicação da denominada Teoria Geral dos Sistemas
(TGS), no que concerne ao campo comportamental.

A Teoria Geral dos Sistemas é um modelo abstrato com um nível de generalização tal
qual se pode aplicar a diferentes ciências. O que os psicoterapeutas familiares fizeram
foi tomar os seus conceitos básicos e utilizá-los ao campo da Terapia Familiar.

O conceito de família está diretamente relacionado a uma unidade fundamental que


acompanha a formação e o desenvolvimento do ser humano. Sua composição ocorre por
pessoas que estabelecem, entre si, profundas ligações emotivas, que são naturalmente
complexas e diferentes ao longo da vida e, muitas vezes, unem várias gerações, podendo
possuir elementos que, não tendo ligação biológica com a família, são afetivamente
muito importantes no enredo das relações familiares. A família designa, assim, um
conjunto de elementos emocionalmente ligados entre si.

A Terapia Familiar é um diálogo que se constrói e se desenvolve no tempo, envolvendo


um terapeuta disponível e uma família, normalmente, em grande sofrimento.
É uma procura de novas alternativas que não passa por resolver problemas e corrigir
erros, mas, principalmente, por colocar em evidência a competência da própria família,
ativando sua participação na resolução dos seus problemas.

Os terapeutas não transformam, mas suscitam ocasiões favoráveis às mudanças.


Costumam orientar o seu foco de intervenção mais para o modo como os padrões de
interação sustentam um problema do que, propriamente, para a identificação das suas
causalidades. Considera-se que a família, como um todo, é maior do que a soma das
partes.

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MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

A Terapia Familiar, muitas vezes, está associada à sua variante de terapia de casal, e
conhecida como Terapia Familiar Sistêmica, devido à sua origem no seio do modelo
sistêmico. É um tipo de terapia que se aplica a casais ou famílias, em que os membros
possuem algum nível de relacionamento. A Terapia Familiar Sistêmica tende a
compreender os problemas em termos de sistemas de interação entre os membros de
uma família. Desse modo, os relacionamentos familiares são considerados como fator
determinante para a saúde mental, e os problemas familiares são vistos mais como um
resultado das interações sistêmicas do que como uma característica particular de um
indivíduo.

O Pensamento Sistêmico surgiu, no século XX, em contraposição ao pensamento


“reducionista-mecanicista”, herdado dos filósofos da Revolução Científica do século
XVII, como Descartes, Bacon e Newton.

É uma forma de abordagem da realidade que compreende o desenvolvimento


humano sobre a perspectiva da complexidade. O Pensamento Sistêmico não nega a
racionalidade científica, porém acredita que ela não oferece parâmetros suficientes
para o desenvolvimento humano. Assim, deve ser desenvolvida conjuntamente com
a subjetividade das artes e das diversas tradições espirituais. É considerado como
componente do paradigma emergente, representado por cientistas, pesquisadores,
filósofos e intelectuais de vários campos. Por definição, aliás, o Pensamento Sistêmico
inclui a interdisciplinaridade. É importante destacar sua abordagem sistêmica, que
lança olhar não somente para o indivíduo isoladamente, pois considera, também, seu
contexto e as relações aí estabelecidas.

Para se pensar de forma sistêmica, é necessário ter uma nova forma de olhar o mundo
e o homem. Além disso, também é exigida uma mudança de postura por parte do
cientista, postura esta que propicia ampliar o foco e entender que o indivíduo não é o
único responsável por ser portador de um sintoma, mas, sim, que existem relações que
mantêm esse sintoma.

De acordo com Capra (1996), o pensamento sistêmico tem raízes


teóricas na Biologia Organísmica, na Física Quântica, na Psicologia
Gestalt e na Ecologia. É uma disciplina, e não uma tecnologia, porque
constitui um regime de ordem livremente consentida pela pessoa ou
pelo grupo interessado. Entretanto, é possível “empacotar” (codificar)
os princípios da dinâmica de sistemas como tecnologia de modelagem
matemática. (BRIDGELAND)

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UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

A Terapia Familiar Sistêmica consiste em uma abordagem terapêutica em que todos


os indivíduos participam da sessão. A família funciona como um todo, e as pessoas
interagem umas com as outras e influenciam essas relações em apoio mútuo.

O terapeuta familiar pode oferecer uma melhora das interações no interior do sistema
familiar e fazer um processo de recodificação de mensagens, possibilitando maior
compreensão nas suas comunicações. Também pode facilitar uma busca e descoberta
de novos caminhos de relação sistêmica, incitar a todos para atuarem e descobrirem
onde convém introduzir mudanças, para favorecer uma evolução e um amadurecimento
ao paciente identificado e em todo sistema.

A Terapia Familiar evoluiu a partir de uma multiplicidade de influências, tendo recebido


contribuições de diferentes áreas do conhecimento. Desde o início da formulação da
psicanálise, Freud considerou e ressaltou, em seus estudos, as relações familiares. Em
“Fragmento da Análise de um Caso de Histeria” (1905), ele afirma que devemos prestar
tanto atenção às condições humanas e sociais dos enfermos quanto aos dados somáticos
e aos sintomas patológicos, ressaltando que o interesse do psicanalista deve dirigir-se,
sobretudo, para as relações familiares dos pacientes. Freud faz referência à família em
vários outros momentos de sua obra. Em uma das suas Conferências, ele se refere às
resistências externas, emergentes das circunstâncias do paciente, de seu ambiente, que
interferem no processo analítico e que podem explicar um grande número de fracassos
terapêuticos. Ressalta que, muitas vezes, quando a neurose tem relação com os conflitos
entre os membros de uma família, os membros sadios preferem não prejudicar seus
próprios interesses do que colaborar na recuperação daquele que está doente. Todavia,
apesar da preocupação com as relações familiares e da importância que atribui a elas,
Freud, como sabemos, não desenvolveu uma teoria da família nem tampouco uma
técnica de atendimento familiar.

Na área “psi”, podemos ressaltar algumas postulações teóricas de autores que colaboram
para o surgimento da Terapia Familiar. Um importante precursor, sem dúvida, foi Adler,
que enfatiza, em sua Teoria do Desenvolvimento da Personalidade, a importância dos
papéis sociais e as relações entre esses papéis na etiologia da patologia. Influenciado
pelas teorias de Adler, Sullivan coloca que a doença mental tem origem nas relações
interpessoais perturbadas e que um entendimento mais completo do indivíduo só
pode ser alcançado no contexto de sua família e de seus grupos sociais. Sullivan coloca,
assim, a patologia na relação, na dimensão interacional. Paralelamente a Sullivan,
Frieda Fromm-Reichman estuda a relação mãe-filho como possível fonte de patologia e
formula o conceito de mãe esquizofrenogênica, para explicar, em termos etiológicos, a
relação do paciente esquizofrênico com sua mãe.

20
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

No final da Segunda Guerra, surge o movimento das comunidades terapêuticas, proposto


por Maxwell-Jones, para a reformulação da assistência psiquiátrica. O conjunto das
relações imediatas do paciente internado passou a ser considerado no seu tratamento.
A ideia fundamental é que a melhora do quadro clínico do paciente vai ocorrer à medida
que ansiedades e conflitos surgidos nas relações entre os membros da comunidade
hospitalar possam ser trabalhados. Em seguida, Pichon-Rivière inclui a família na
sua compreensão da doença mental e desenvolve a noção de “bode expiatório” como
depositário da patologia que é de toda a família. Todos esses movimentos, formulações
teóricas e novas compreensões da patologia propiciaram o surgimento dos primeiros
estudos no campo da Terapia Familiar propriamente dita.

No início da década de 1950, ao mesmo tempo em que crescia, a partir da produção


teórica, a consciência da importância da família no desenvolvimento e na manutenção
da patologia mental, a prática clínica vigente era regida por regras que ressaltavam que
o contato com a família do paciente não deveria ser feito.

Essa situação postergou a divulgação do trabalho clínico inicial com famílias e tornou
a pesquisa, nesse período, o modo mais facilmente aceitável de se atenderem famílias,
facilitando a aprendizagem sobre seu funcionamento e sobre as possibilidades
terapêuticas de atendimento conjunto. Assim, os primeiros autores importantes na
área da Terapia Familiar produziram conceitos teóricos relevantes sobre estrutura e
dinâmica da família, ao longo do desenvolvimento de grandes projetos de pesquisa.
Essa pesquisa inicial foi realizada com a população esquizofrênica, tendo em vista ser a
esquizofrenia uma doença frequente, de longa duração, com alto índice de reincidência,
e muito resistente aos métodos terapêuticos vigentes. O problema social dela decorrente
justificou a aplicação de verbas públicas na investigação dessa patologia, o que ocorreu,
nesse momento, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Entre os vários grupos de pesquisa que se organizaram, o grupo de Gregory Bateson,


cujo trabalho foi desenvolvido em Palo Alto, tem como resultado, em 1956, a primeira
publicação na área: o artigo clássico intitulado “Toward a Theory of Schizophrenia”,
em que são postuladas as bases familiares da etiologia da esquizofrenia e formulado o
conceito de duplo-vínculo. Segundo esses autores, para que tenha lugar uma situação
de duplo-vínculo, são necessárias as seguintes condições: duas pessoas com um alto
nível de envolvimento (em geral, a mãe e o seu bebê); um paradoxo infringido pela
mãe ao bebê, que é chamado de “vítima”; a repetição dessa experiência, que passa a
ser habitual; e a impossibilidade da “vítima” de abandonar o campo, ou seja, escapar
ao paradoxo. Aos poucos, o foco desses estudos, inicialmente voltados para famílias
com pacientes esquizofrênicas, foi se ampliando, abrangendo famílias com pacientes
neuróticos e, eventualmente, famílias sem patologias sérias. Os trabalhos mostraram

21
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

que os fenômenos descobertos nas famílias esquizofrênicos eram elementos básicos


na dinâmica familiar. Constata-se que os mesmos princípios interacionais estavam
presentes em todas as famílias, embora em graus diferentes. A patologia não representava
(assim como não representa no indivíduo) uma situação qualitativamente diferente,
mas uma exacerbação de determinados padrões.

Campo da Terapia Familiar

Enfoque Sistêmico

Os Estados Unidos, que estão agora na terceira geração de terapeutas familiares,


reclamam para si o pensamento sistêmico no trabalho clínico com famílias. A partir
da Teoria Geral dos Sistemas e da Teoria da Comunicação surgiram várias escolas de
Terapia Familiar e vários institutos e centros de atendimento e de formação foram
criados. Para os teóricos da comunicação, qualquer comportamento, verbal ou não
verbal, manifestado por uma pessoa (emissor), em presença de outra (receptor), é
comunicação. Ao mesmo tempo em que a comunicação transmite uma informação, ela
define a natureza da relação entre os comunicantes. Essas duas operações constituem,
respectivamente, os níveis de relato (digital) e de ordem (analógico) presentes em
qualquer comunicação. Quando esses dois níveis se contradizem, temos o paradoxo. A
comunicação paradoxal está na origem da patologia familiar.

A família é vista como um sistema equilibrado. O que mantém esse equilíbrio são
as regras do funcionamento familiar. Quando, por algum motivo, essas regras são
quebradas, entram em ação meta-regras, para restabelecer o equilíbrio perdido.

A terapia desenvolvida a partir desse enfoque enfatiza a mudança no sistema familiar,


sobretudo pela reorganização da comunicação entre os membros da família. O passado
é abandonado como questão central, pois o foco de atenção é o modo comunicacional
no momento atual. A unidade terapêutica desloca-se de duas pessoas para três ou mais
na medida em que a família é concebida como tendo uma organização e uma estrutura.
É dada uma ênfase a analogias de uma parte do sistema com relação a outras partes, de
modo que a comunicação analógica é mais enfatizada que a digital.

Os terapeutas sistêmicos abstêm-se de fazer interpretações na medida em que


assumem que novas experiências, no sentido de um novo comportamento que
provoque modificações no sistema familiar, geram mudanças. Nesse sentido, são
usadas prescrições, nas sessões terapêuticas, para mudar padrões de comunicação, e
prescrições, fora das sessões, com a preocupação de encorajar uma gama mais ampla de

22
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

comportamentos comunicacionais no grupo familiar. Há certa concentração no problema


presente, mas este não é considerado apenas como um sintoma. O comportamento
sintomático é visto como uma resposta necessária e apropriada ao comportamento
comunicativo que o provocou. A partir do enfoque sistêmico, várias escolas de Terapia
Familiar se desenvolveram, entre elas a Escola Estrutural, a Estratégia, a de Milão e,
mais recentemente, a Escora Construtivista.

23
CAPÍTULO 3
Escolas e Terapia Pós-Moderna

A família poderia assim se constituir de uma instituição normalizada por


uma série de regulamentos de afiliação e aliança, aceitos pelos membros.
Alguns desses regulamentos envolvem: a exogamia, a endogamia, o
incesto, a monogamia, a poligamia, e a poliandria (MINUCHIN, 1990).

Escola Estrutural
Na década de 1950, a Teoria Estruturalista tornou visível o conflito entre as Teorias
Clássicas e das Relações Humanas. A primeira considerava a organização formal sob
uma visão de que, para as empresas serem eficientes, deveriam ter o foco na estrutura e
na forma. Já a última valorizou a teoria informal, as pessoas e os grupos internos.

A abordagem estruturalista criou uma teoria mais abrangente, entendendo a empresa


como uma organização aberta, ou seja, tendo grande interação com o ambiente externo
direto e indireto, além do conceito de homem organizacional, dos inevitáveis conflitos
e dos incentivos mistos dentro da organização.

A Escola Estruturalista surgiu em decorrência do declínio do movimento das relações


humanas, no final da década de 1950, com os seguintes aspectos.

»» Oposição entre os aspectos formais e os defendidos pelos autores da


Escola Clássica, informais, valorizados pelos autores da Escola de
Relações Humanas.

»» Necessidade de visualizar a organização como um todo, e não de forma


compartimentada e isolada. A organização lida com muitas variáveis
complexas de ordem interna e externa. Ela tanto influencia quanto pode
ser influenciada pelo ambiente externo direto e indireto.

»» Repercussão dos resultados dos estruturalistas na compreensão das


organizações como um todo integrado e complexo.

24
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

Conceito de Estruturalismo

O Estruturalismo é um método analítico e comparativo que estuda os elementos ou


fenômenos em sua totalidade, salientando seu valor de posição. Os estruturalistas
preocupam-se com as relações e interconexões das partes na constituição e na
compreensão de todos. O Estruturalismo está alicerçado na totalidade e na reciprocidade,
para facilitar o entendimento de que o todo é o maior que a simples soma das partes.

Fundamentos da Escola Estruturalista

O homem organizacional é aquele que desempenha diferentes papéis em organizações


diversas. Para cada papel desempenhado, o homem deve adotar posturas/
comportamento, como a flexibilidade, tolerância, capacidade de adiar as recompensas
e permanente desejo de realização.

A necessidade de o homem relacionar seu comportamento com o de outras pessoas, a fim


de atingir um objetivo, gera a organização social. Na organização social, encontramos o
elemento comportamento, gerado pelo estímulo, e o elemento estrutura, que é formado
por categorias de comportamento ou conjuntos de comportamentos agrupados. Os
conflitos, para os estruturalistas, são inevitáveis. Fazem parte de um processo social
fundamental, pois é o grande elemento propulsor do desenvolvimento, embora isso
nem sempre ocorra.

O movimento estruturalista não só reconheceu o conflito como inevitável, mas também


como, muitas vezes, desejável, para tirar os empregados da zona de conforto. Ele deve
estimular a mudança, ou seja, a passagem do estado estável para o estado instável.

A administração de conflitos requer a conservação de um nível adequado de conflitos


em um grupo. Pouco conflito gera estagnação. Muito conflito gera rupturas e brigas
internas. Ambos os casos são prejudiciais para o grupo. Dessa forma, compete ao gestor
manter um nível adequado de conflitos, por meio da utilização de técnicas de resolução
e estimulação de conflitos.

O conflito nas organizações pode ser decorrente tanto dos atributos estratégicos,
estruturais, processuais e ambientais quanto de desempenho. Fatores como origem,
educação, experiência e treinamento moldam cada empregado em uma personalidade
única com um conjunto particular de valores. O resultado é que as pessoas podem ser
vistas pelas outras como ríspidas, indignas de confiança, difíceis, estranhas de lidar.
Essas diferenças pessoais podem estimular o conflito.

25
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

As técnicas geralmente utilizadas na resolução de conflito são a abstenção, acomodação,


imposição ou coerção, acordo ou conciliação e colaboração.

Há que se ressaltar os incentivos mistos. Os estruturalistas consideram importantes


tanto os incentivos e recompensas psicossociais quanto os materiais, bem como as
influências mútuas.

Os símbolos e os significados também devem ser prezados e compartilhados pelos


outros, como a esposa, os colegas, os amigos, os vizinhos. Embora as recompensas sociais
sejam importantes, elas não diminuem a importância das recompensas materiais.

Alguns autores identificaram a corrente, que foi denominada corrente estruturalista,


cujo enfoque foi estabelecer uma crítica sobre o que tinha sido escrito até então dentro
desse campo. Com isso, foram passados em revista os conceitos da Escola Clássica,
de Relações Humanas e da Burocracia, tomando-se, novamente, a retórica sobre
organizações e sua complexidade.

As escolas anteriormente estudadas tinham visão parcial dos elementos que compunham
uma organização. E é impróprio considerarmos que o Estruturalismo constitui por si
só um corpo teórico com inovações conceituais sobre a administração, mas não o é
considerá-lo a forma organizada de analisar os mesmos problemas já abordados de
maneira fragmentada.

Ao estudarmos a organização sob a óptica estruturalista, estamos, necessariamente,


fazendo uma análise globalizante de todos os fatores que compõem o todo organizacional.
Mais que isso, estamos reconhecendo a integração e interdependência desses fatores.
Outro aspecto importante do conceito de Estruturalismo é a influência que esses fatores
exercem uns sobre outros, de onde surge a necessidade de reconhecer a existência de
um ambiente em que se inserem.

A finalidade da organização, em um sentido amplo, depende de alguma combinação


dos seguintes fatores: das hipóteses concernentes à natureza do homem; da unidade de
análise, ou seja, dos níveis institucionais, individuais e organizacionais; e, por último,
do ponto de partida da organização.

Minuchin é o principal teórico da Escola Estrutural e, para ele, a família é um sistema


que se define em função dos limites de uma organização hierárquica. O sistema familiar
diferencia-se e executa suas funções por meio de seus subsistemas. As fronteiras de
um subsistema são as regras que definem quem participa de cada subsistema e como
participa. Para que o funcionamento familiar seja adequado, essas fronteiras devem
ser nítidas. Quando as fronteiras são difusas, as famílias são aglutinadas; fronteiras

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MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

rígidas caracterizam famílias desligadas. Famílias saudáveis emocionalmente possuem


fronteiras claras. A estrutura não é, para Minuchin (1974), uma entidade imediatamente
acessível ao observador. É no processo de união com a família que o terapeuta obtém os
dados. A terapia estrutural é uma terapia de ação, e o sintoma é visto como um recurso
do sistema para manter uma determinada estrutura.

Escola Estratégica
A Escola Estratégica (HALEY, 1985; MADANES, 1984) é um modelo pragmático voltado,
essencialmente, para a clínica. Sua preocupação é com a solução do problema e com
a identificação dos comportamentos que mantêm o problema. Para cada resolução de
problema, são traçadas estratégias específicas. Há um plano geral que inclui a primeira
entrevista, a qual tem lugar muito importante, pois, além de explorar o problema,
estabelece as metas e as atribuições que cabem a todos. Progressivamente, vão sendo
planejadas intervenções que requerem cooperação de todos, até o estágio de resolução
do problema, e uma fase posterior de manutenção dos ganhos obtidos.

O termo estratégico é utilizado para descrever qualquer terapia em que o terapeuta


realiza ativamente intervenções para resolver problemas. A visão estratégica define o
sintoma como expressão metafórica ou analógica de um problema, representando, ao
mesmo tempo, uma forma de solução insatisfatória para os membros do sistema em
questão.

A abordagem terapêutica é pragmática: trabalham-se as interações e evitam-se os


porquês. O principal objetivo é mudar o comportamento manifesto do paciente.
São utilizadas instruções paradoxais que consistem em prescrever comportamentos
que, aparentemente, estão em oposição aos objetivos estabelecidos, mas que visam
a mudanças em direção a eles. A instrução paradoxal é mais utilizada sob a forma
de prescrição de sintoma, isto é, encorajando-se aparentemente o comportamento
sintomático. Para Watzlawick et al. (1967), o uso do paradoxo leva à substituição da
ação do duplo vínculo patogênico por um duplo vínculo terapêutico.

Escola de Milão
Refere-se à Escola da Psicoterapia Sistêmica, desenvolvida pelos psiquiatras e
psicanalistas milaneses Mara Selvini Palazzoli, Luigi Boscolo, Gianfranco Cecchin e
Giuliana Prata. Esse grupo de estudiosos afastou-se da psicanálise na década de 1970
e dava ênfase ao tratamento da família como um todo, priorizando a observação do

27
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

“jogo” intrafamiliar, ou seja, das regras internas e implícitas que regem a família − e
que, normalmente, servem de apoio à sintomática.

Foi, então, desenvolvido um Modelo Sistêmico de Intervenção Familiar, que é utilizado


no atendimento de famílias anoréticas e ou com problemas sérios emocionais.

Partindo da hipótese de que a família é um sistema autorregulado que se governa por


meio de regras, Palazzoli et al. (1978) relatam suas pesquisas com diferentes grupos
de famílias. Conclui que as famílias de anoréticos são caracterizadas pela presença de
redundâncias comportamentais e por regras particularmente rígidas, enquanto que as
famílias com um paciente psicótico, embora haja a rigidez do modelo base, apresentam
enorme complexidade nas modalidades transacionais.

Um princípio terapêutico fundamental para o grupo de Milão é a conotação positiva


dos comportamentos apresentados pela família, quando se qualificam como positivos
os comportamentos sintomáticos motivados pela tendência homeostática do sistema.
Outro tipo de intervenção utilizada pelo grupo de Milão é o ritual familiar, ou seja,
uma ação ou uma série de ações das quais todos os membros da família são levados a
participar. A prescrição de um ritual visa a evitar o comentário verbal sobre as normas
que perpetuam o jogo em ação. No ritual familiar, novas regras substituem, tacitamente,
as regras precedentes. Para elaborar um ritual, o terapeuta deve ser bastante observador
e criativo. O ritual é rigorosamente específico a uma determinada família.

A neutralidade é a posição de que o sistema deve ser visto em todas as suas partes,
e todas têm a mesma importância na sua expressão. Na prática, é fazer aliança com
todos os membros da família. Além do valor da equipe como um importante recurso
no atendimento, a Escola de Milão trouxe questionamentos sobre o intervalo entre as
sessões como outro recurso terapêutico (BOSCOLO; CECCHIN; HOFFMAN & PENN,
1993). Nichols & Schwartz (2006/2007) consideram que a Escola de Milão pode ser
vista como estratégica (na origem de seus conceitos e prescrições) e com ênfase na
adoção de rituais, que são ações prescritas para dramatização da conotação positiva.

Escola Construtivista
No final da década de 1970, utilizando os conceitos da Cibernética de Segunda Ordem e de
sua aplicação aos sistemas sociais, surge a Escola Construtivista. A partir da concepção
de retroalimentação evolutiva de Prigogine (1979), considera-se que a evolução de um
sistema ocorre por meio da combinação de acaso e história, em que, a cada patamar,
surgem novas instabilidades que geram novas ordens, e assim sucessivamente. Nessa
perspectiva em que os sistemas vivos são considerados como hipercomplexos e

28
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

indeterminados, instabilidade e crise ganham um novo sentido no sistema familiar. A


crise não é mais um risco, mas parte do processo de mudanças, assim como o sintoma.

Assim, os terapeutas de família da Escola Construtivista passam a considerar a autonomia


do sistema familiar, partindo do estudo dos sistemas auto-organizados da Cibernética
de Segunda Ordem e dos sistemas autopoéticos postulados por Humberto Maturana
(1990). Ocorre, nesse enfoque, uma ruptura entre o sistema familiar/observado e o
terapeuta/ observador. O sistema surge como construção de seus participantes. O
terapeuta estará interessado não mais no comportamento a ser modificado, mas no
processo de construção da realidade da família e nos significados gerados no sistema.
A ênfase é deslocada do que é introduzido no sistema pelo terapeuta para aquilo que o
sistema permite a ele selecionar e compreender. Alguns terapeutas estratégicos podem
ser citados como tendo incluído posteriormente na sua prática o modo de pensar
construtivista; entre eles, os do grupo de Milão. Palazzoli et al (1980) estabelecem
três princípios indispensáveis ao trabalho terapêutico: a formação de uma hipótese,
a circularidade e a neutralidade. A hipótese formulada deve ser testada ao longo da
sessão; se rejeitada, o terapeuta procurará outras, baseando-se nos dados obtidos na
verificação da primeira hipótese. Todas as hipóteses devem ser sistêmicas, ou seja,
devem incluir todos os membros da família e fornecer uma conjetura que explique a
função da relação. A circularidade diz respeito à capacidade do terapeuta de conduzir
a sessão, baseando-se nos feedbacks recebidos da família como resposta à informação
que solicitou em termos relacionais.

A neutralidade consiste numa atitude de imparcialidade do terapeuta, que se alia a


cada membro da família, neutralizando qualquer tentativa de coalizão ou sedução de
qualquer componente do grupo familiar.

O enfoque construtivista, proposto a partir de uma ótica sistêmica de segunda ordem,


questiona, portanto, o poder do terapeuta na Terapia Familiar e as intervenções
terapêuticas diretivas. A ênfase não é colocada na pergunta, mas na construção da
interação. A ação do terapeuta pretende explorar as construções em que surgem os
problemas.

A Terapia Sistêmica de Família mudou juntamente com o mundo, que já não é mais o
mesmo. As ideias pós-modernas, com contribuições dos aportes filosóficos, abordando
as questões da linguagem, as teorias sobre a construção conjunta de significado, as
questões de gênero, a ética, as contribuições da nova física e os novos conhecimentos
sobre o funcionamento do cérebro e da mente formaram um pano de fundo para o
surgimento de novas escolas de Terapia de Família.

29
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

Sem abandonar completamente os pressupostos anteriores, novas abordagens


terapêuticas passaram a explorar as narrativas dos diversos membros de uma família,
em busca de diferentes descrições para os problemas e de mais recursos para o
funcionamento da família, sempre se perguntando sobre o que seria adequado em cada
contexto sociocultural. O terapeuta deixou de ser um observador externo, um especialista
em detectar problemas, para se transformar em um articulador, um mediador de
conversações preocupado em conhecer como determinada família se organiza e opera.
E também os significados construídos e compartilhados por seus membros.

Nesse meio tempo, o desenvolvimento de nossas teorias da terapia


tem caminhado rapidamente em direção a uma posição mais
hermenêutica e interpretativa. Essa posição enfatiza os sentidos
à medida que eles são criados e vivenciados pelos indivíduos nas
conversações. Na busca por essa nova base teórica, desenvolvemos um
conjunto de ideias que conduzem nosso entendimento e explicações
à arena dos sistemas em movimento, que existem somente nos
caprichos do discurso, da linguagem e da conversação. É uma posição
firmada nos domínios da semântica e da narrativa que se apoia,
principalmente, no princípio segundo o qual a ação humana acontece
em uma realidade de entendimento criada pela construção social e do
diálogo. Desse ponto de vista, as pessoas vivem e compreendem seu
viver por meio de realidades narrativas construídas socialmente que
conferem sentidos e organização à sua experiência. (ANDERSON;
GOOLISHIAN, 1998, p.36)

Sem negar a importância do conhecimento do especialista, o pós-modernismo põe em


evidência o conhecimento local, o conhecimento trazido pelas histórias e narrativas
pessoais. Geertz (1978), inspirado em Ryle − filósofo inglês representante da geração
influenciada pelas teorias de Wittgentein sobre a linguagem −, menciona dois tipos de
narrativas ou descrições: as descrições superficiais, que buscam analisar os significados
culturais a partir do ponto de vista do especialista, determinando o que eles são; e as
descrições ou narrativas densas que analisam os significados a partir do ponto de vista
dos atores, interessando-se por quem eles são.

O pós-modernismo trouxe novas metáforas para a questão da comunicação. Chamamos


atenção para sua etimologia, que mostra a mesma origem das palavras comum, comuna
e comungar: todas se originaram da expressão latina commune. Além da ideia da
transmissão de informações, comunicação remete ao processo de construção de um
sentido comum por meio da relação mediada pela linguagem.

30
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

O pensamento da pós-modernidade, associado a uma prática clínica


sistêmica, manifesta-se em um conjunto de princípios e derivações
práticas em torno dos enfoques conhecidos como construtivismo e
Construcionismo Social (...) Posso dizer que, em linhas bem gerais,
a oposição dá-se entre uma visão de construção do conhecimento
centrada no indivíduo, no caso do construtivismo, e uma centrada na
construção social, no caso do construcionismo. (GRANDESSO, 2000,
p.56)

Para Benjamim, a experiência é fundamental; não a experiência isolada, mas, sim, a


experiência de uma pessoa em interação com seu contexto pessoal, familiar, social,
político, espiritual. E a narrativa que surgirá dessa experiência será sempre uma forma
artesanal de comunicação, cujo sentido surge a cada vez que é narrada, a cada encontro
entre narrador e ouvinte, que, estando em interação, em comunicação, construirão, em
conjunto, o sentido do que vivem.

31
CAPÍTULO 4
Construcionismo Social e Terapias
Narrativas

“Não é simplesmente a sociedade que é complexa, mas cada átomo do


mundo humano”. (MORIN, 1996:84)

Construcionismo Social
O Construcionismo Social considera o discurso sobre o mundo não como um reflexo
ou mapa do mundo, mas como um artefato de intercâmbio social. O Construcionismo
constitui-se um desafio significativo à compreensão convencional, sendo uma orientação
tanto em relação ao conhecimento quanto ao caráter dos constructos psicológicos.
Embora suas raízes possam ser rastreadas há bom tempo nos debates entre as escolas de
pensamento empirista e racionalista, o Construcionismo busca ultrapassar o dualismo
com o qual as duas teorias estão comprometidas e situar o conhecimento no interior dos
processos de intercâmbio social. Ainda que o papel da explicação psicológica se torne
problemático, o Construcionismo plenamente desenvolvido pode oferecer um meio
para compreender o processo da ciência e convidar para que se desenvolvam critérios
alternativos para a avaliação da investigação psicológica.

A pesquisa construcionista social ocupa-se, principalmente, em explicar os processos


pelos quais as pessoas descrevem, explicam, ou, de alguma forma, dão conta do
mundo em que vivem (incluindo-se a si mesmas). Busca formas compartilhadas de
entendimento tal como existem atualmente, como existiram em períodos históricos
anteriores e como poderão vir a existir se a atenção criativa se dirigir nesse sentido.

A importância do movimento construcionista é mais bem apreciada tendo como fundo


a história. Embora o tratamento completo dos antecedentes relevantes esteja além do
alcance deste artigo, é útil entender o Construcionismo em relação a duas tradições
intelectuais rivais. Estas tradições podem ser amplamente identificadas em termos
de orientações ou modelos básicos de conhecimento. Por um lado, pensadores como
Locke, Hume, os Mills e vários empiristas lógicos do presente século localizaram a
fonte do conhecimento (como representação mental) nos eventos do mundo real. O
conhecimento copia (ou deveria idealmente copiar) os contornos do mundo. Essa
perspectiva exogênica (GERGEN, 1982) tende, portanto, a ver o conhecimento como
um peão da natureza. O conhecimento apropriado mapeia ou espelha o mundo real como
ele é. Em contraste, filósofos como Spinoza, Kant, Nietzsche e vários fenomenólogos

32
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

tenderam a adotar uma perspectiva endogênica quanto às origens do conhecimento.


Nesse caso, o conhecimento depende de processos (algumas vezes considerados inatos)
endêmicos ao organismo. Diz-se, assim, que os humanos abrigam tendências inatas a
pensar, categorizar, ou processar informação, e que essas tendências (antes do que as
características do mundo em si mesmo) são de importância capital na configuração do
conhecimento.

A antinomia exogênico-endogênico tem, também, desempenhado papel importante


tanto pela filosofia pragmatista quanto pela positivista. O behaviorismo (juntamente
com o neobehaviorismo) localizou (e continua localizando) os determinantes principais
da atividade humana no ambiente. Para que o organismo se adapte com sucesso, alega-
se que seu conhecimento deve representar ou refletir adequadamente o meio ambiente.
Até recentemente, a perspectiva endogênica não conseguiu florescer em solo americano.

O interesse pela inferência lógica, modelos cognitivos, armazenamento e recuperação


de informação e heurística cognitiva ampliou a premissa lewiniana: a ação humana é
criticamente dependente do processamento de informação, ou seja, no mundo como
é conhecido, e não no mundo como é. É claro que tal mudança na ênfase explicativa
ocorreu, em grande medida, também na Psicologia em geral. Os contornos dessa
“revolução cognitiva” são amplamente reconhecidos.

Parece que o cognitivismo tampouco poderá atingir a hegemonia no discurso


psicológico. Essa tem sido uma história de disputas contínuas e não resolvidas entre
pensadores exogênicos (ou empiristas, neste contexto) e endogênicos (racionalistas,
idealistas, fenomenológicos). Essencialmente, a história da Filosofia do Conhecimento
pode ser amplamente escrita em termos de uma série contínua de movimentos
pendulares. Temos testemunhado o conflito entre as formas puras do conhecimento
de Platão versus o interesse de Aristóteles pelo papel da experiência sensorial; entre
a autoridade atribuída por Bacon, Locke e Hume à experiência versus as capacidades
racionais atribuídas à mente por Descartes, Spinoza e Kant; entre a ênfase colocada por
Schopenhauer e Nietzsche, na vontade e na paixão, na geração do conhecimento, e as
tentativas dos positivistas lógicos de basear todo conhecimento em dados observáveis.

Quando o cognitivismo é estendido às suas conclusões naturais, converte-se num infeliz,


inaceitável solipsismo. Além disso, o cognitivismo permanece perenemente incapaz
de resolver problemas espinhosos, tais como a origem das ideias ou dos conceitos e
a forma como as cognições influenciam o comportamento (GERGEN, 1985). Restam
para serem elaboradas explicações convincentes de como as cognições poderiam tanto
ser “construídas” a partir da experiência quanto ser geneticamente programadas.

33
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

Tampouco as teorias têm sido capazes de resolver o dilema cartesiano de explicar como
a “matéria mental” pode influenciar ou ditar diferentes movimentos corporais.

É contra esse fundo que se pode observar a emergência do Construcionismo Social. Ao


invés de uma vez mais retomar o movimento de pêndulo, o desafio (para muitos) tem
sido transcender o dualismo tradicional sujeito-objeto e todos os problemas que lhe
são concomitantes (cf. RORTY, 1979), e desenvolver uma nova estrutura de análise,
baseada numa teoria alternativa (não empirista) do funcionamento e dos potenciais da
ciência.

Esse movimento se inicia, efetivamente, quando se questiona o conceito de


conhecimento como representação mental. Dada a miríade de situações insolúveis a que
tal conceito dá margem, somos levados a considerar o que se toma por conhecimento
nos assuntos humanos. Há pelo menos um candidato majoritário, que é representado
pela interpretação linguística. Geralmente, tomamos por conhecimento aquilo que é
representado em proposições linguísticas – arquivado em livros, revistas, disquetes etc.
Essas interpretações, para continuar um tema anterior, são constituintes de práticas
sociais. Sob essa perspectiva, o conhecimento não é algo que as pessoas possuem em
algum lugar dentro da cabeça, mas, sim, algo que as pessoas fazem juntas. As linguagens
são, essencialmente, atividades compartilhadas. De fato, até que os sons ou sinais
cheguem a ser compartilhados no interior de uma comunidade, é desapropriado falar-se
em linguagem. Com efeito, podemos encerrar a investigação sobre a base psicológica da
linguagem (cuja descrição constituiria nada mais do que um subtexto ou linguagem em
miniatura) e nos focalizar no uso prático da linguagem nos assuntos humanos.

O construcionismo, inevitavelmente, encontrará resistências dentro da Psicologia em


geral. Ele se constitui num desafio potencial às premissas tradicionais do conhecimento;
a pesquisa psicológica é ela própria, colocada na desconfortável posição de um objeto
de pesquisa. Todavia, para o analista social, a mudança é de grandes proporções. A
investigação social já não se defronta com a ameaça de se tornar um empreendimento
secundário, meramente elaborando as implicações sociais de processos psicológicos
mais fundamentais. Ao contrário, o que se toma como processo psicológico, em última
instância, passa a ser um derivativo de trocas sociais. O locus explicativo da ação humana
muda da região interior da mente para os processos e as estruturas de interação humana.
A pergunta “por quê?” não é respondida com um estado ou processo psicológico, mas
se levando em consideração as pessoas em relação. Poucos estão preparados para um
deslocamento conceitual tão violento. Contudo, para os inovadores, aventureiros e as
pessoas flexíveis, os horizontes são de fato emocionantes.

34
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

O Construcionismo tem sido uma alternativa atraente por causa de sua ênfase nas
bases sociais do conhecimento, seus processos de interpretação e sua preocupação com
os fundamentos valorativos das descrições científicas. As feministas têm sido, portanto,
pioneiras no emprego de estratégias interpretativas de pesquisa, documentando a
construção científica de gênero, demonstrando os usos pragmáticos da investigação
construcionista (SASSEN, 1980) e explorando os fundamentos da metateoria
construcionista. (UNGER, 1983)

Esse movimento não oferece regras fundamentais de garantia e, nesse sentido, é


relativista. Contudo, isso não significa que “vale tudo”. Por causa da dependência inerente
dos sistemas de conhecimento em comunidades de inteligibilidade compartilhada, a
atividade científica será sempre, em grande medida, governada por regras normativas.
Entretanto, o Construcionismo convida os praticantes a verem essas regras situadas
histórica e culturalmente – sujeitas, portanto, à crítica e à transformação. Pode haver
estabilidade do conhecimento sem o embrutecimento do fundacionalismo. Além disso,
ao contrário do relativismo moral da tradição empirista, o Construcionismo reafirma a
relevância dos critérios morais para a prática científica.

Terapias Narrativas
A Terapia Narrativa é, às vezes, conhecida por envolver a “reautoria” ou a “renarração”
das conversas. Como esses relatos sugerem, as histórias são centrais para a compreensão
de formas narrativas de trabalho.

Elas se distinguem das outras abordagens terapêuticas na forma como olham para o
discurso das pessoas (suas narrativas). Enquanto as outras abordagens veem o discurso
das pessoas como meio para chegar aos fenômenos psicológicos relevantes, ou seja,
olham por meio da narrativa, as terapias narrativas veem esse discurso como sendo o
próprio fenômeno psicológico relevante. Essa abordagem se desenvolveu, após a década
de 1970, a partir dos trabalhos Michael White e David Epston, da Nova Zelândia, e
entende que as pessoas são os maiores especialistas em suas próprias vidas e, por isso,
o olhar sobre as histórias que elas contam sobre si mesmas passa a ser priorizado.

Há muitos temas diferentes que poderiam caracterizar o que ficou conhecido como
“Terapia Narrativa”, e cada terapeuta trabalha essas ideias de maneira diversa. Quando
você ouve alguém se referindo à “Terapia Narrativa”, elas podem estar se referindo a
formas peculiares de compreender as identidades das pessoas. Ainda como alternativa,
elas poderiam estar se referindo a certas maneiras de compreender problemas e seus
efeitos nas vidas das pessoas. Elas também poderiam estar falando sobre formas
singulares de conversar com as pessoas sobre suas vidas e sobre os problemas pelos
35
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

quais estão passando, ou formas particulares de compreender relações terapêuticas e a


ética ou política da terapia.

A Terapia Narrativa busca ser uma abordagem respeitosa, sem tentar achar culpados
para realizar os aconselhamentos e trabalhos com a comunidade, e que centra as pessoas
como especialistas em suas próprias vidas. Ela examina os problemas como situações
separadas das pessoas e pressupõe que as pessoas têm diversas habilidades, diversas
competências, diversas crenças, diversos valores, diversos compromissos e diversas
habilidades que irão ajudá-las a reduzir a influência dos problemas em suas vidas.

Há vários princípios que ensinam maneiras narrativas de trabalhar, mas, em minha


opinião, duas são particularmente significativas: sempre manter uma atitude de
curiosidade e sempre fazer perguntas cujas respostas você realmente não saiba. Eu o
convido a ler este caderno de estudos com esses dois princípios em mente. Eles nos
ensinam sobre as ideias, a atitude, o tom, os valores, os compromissos e as crenças da
Terapia Narrativa.

As conversas narrativas são interativas e sempre estão em colaboração com as pessoas


que estão consultando o terapeuta. O terapeuta busca entender o que é do interesse das
pessoas que estão se consultando com ele e como a jornada está se adequando a suas
preferências. Frequentemente, você vai ouvir, por exemplo, um terapeuta narrativo
perguntar o seguinte.

»» Como essa conversa está indo para você?

»» Devemos continuar falando sobre isso ou você estaria mais interessado


em outro assunto?

»» Isso é interessante para você?

»» Devemos passar nosso tempo falando sobre isso?

»» Talvez, você esteja mais interessado em me ouvir, fazendo mais perguntas


sobre isso, ou, talvez, você queira focar nossa conversa em outras opções?

Dessa forma, conversas narrativas são guiadas e dirigidas pelos interesses daqueles que
estão consultando o terapeuta.

Os terapeutas narrativos pensam em termos de histórias – histórias dominantes e


histórias alternativas; enredos dominantes e enredos alternativos; eventos sendo
conectados por meio do tempo que têm implicações para ações do passado, presente
e futuro; histórias que poderosamente moldam vidas. Os terapeutas narrativos estão
interessados em unir-se a pessoas, a fim de investigar as histórias que eles têm sobre
36
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

suas vidas e seus relacionamentos, seus efeitos, seus significados e o contexto no qual
elas foram formadas e criadas.

As Terapias Narrativas distinguem-se da seguinte forma.

Narrativa Dominante: é narrativa que suporta o problema. É restrita a único tema e,


independentemente das mudanças da situação de vida da pessoa/família, as narrativas
produzidas são sempre variações desse tema. Isso consolida o problema inviabiliza
percursos alternativos.

Narrativa Alternativa: utiliza elementos provenientes de uma ou mais das narrativas


que a pessoa/família trazia consigo, mas inclui, também, novas experiências, novos
temas e novas interações.

A intervenção explora a forma como são organizadas e contadas às narrativas dominantes


da pessoa/família, e produz uma transformação na natureza dessas histórias e/ou na
forma de contá-las, alternando a sua força na manutenção do problema.

Seguem algumas técnicas.

Externalização: procura situar o problema não na pessoa/família, mas como algo


separado e que exerce uma influência sobre pessoa/família.

Questões sobre resultados únicos: os resultados únicos são os acontecimentos


que contradizem a narrativa dominante.

Amplificação da Narrativa Alternativa: parte dos resultados únicos e procura


valorizar a sua importância na construção da narrativa alternativa, proporcionando a
pessoa/família experiência diferente de si próprio/a.

37
CAPÍTULO 5
Terapia Familiar e Transgeracionalidade

“Numa terapia orientada para o crescimento, a questão central é a de


focar sobre a expansão do significado da experiência e a ampliação dos
horizontes de vida”. (WHITAKER,1990, p.59)

Ao pensarmos sobre o processo terapêutico com olhar sobre a transgeracionalidade,


primeiramente consideraremos a postura do terapeuta no setting. A partir do momento
em que se inicia uma terapia, terapeuta e família formam um sistema, no qual o
terapeuta sai da postura de mero observador e atua dentro da configuração que se
estrutura, relembrando da premissa sistêmica que diz que onde existem elementos em
relação, há a um sistema operando.

Enfocaremos um terapeuta que baseia a sua prática em uma posição narrativa, que
considera que os sistemas humanos são geradores de linguagens e sentidos, (incluindo
o sistema terapêutico), os quais são construídos socialmente dialogicamente, em uma
troca de mão dupla, na qual novos sentidos são criados. O terapeuta passa a ser um
observador-participante que exercita a sua “arte” ao fazer perguntas terapêuticas,
a partir de uma posição de não saber, que objetiva a criação dialógica de uma nova
narrativa, que dá um novo sentido para a vida. (MCNAMEE; GERGEN, 1998)

A inclusão do observador, a co-construção, a autorreferência e a significação da experiência


na conversação são características da intersubjetividade, que, junto à complexidade e
instabilidade, fundamentam o pensamento sistêmico (VASCONCELLOS, 2002). Para
o terapeuta, é fundamental auto-observar-se, percebendo quais são os sentimentos, as
sensações e as imagens que aparecem nas situações durante a sessão terapêutica, pois
esse conteúdo lhe servirá de guia para a realização do tratamento. Essa autopercepção
está relacionada com o conhecimento que o terapeuta tem de sua própria vida,
sua história e dinâmica familiar. Para um terapeuta trabalhar com os fenômenos
transgeracionais, faz-se fundamental que ele mesmo tenha passado pela experiência
de identificar quais os padrões predominantes em sua família, mitos, crenças, tema,
conflitos de lealdade, para observar sua influência na prática profissional, identificando
quais possíveis dificuldades e facilidades no desempenho de sua função terapêutica.
Além de o terapeuta ter a experiência de fazer sua terapia pessoal, uma forma entrar
em contato com a transgeracionalidade de sua família é, durante a formação em
Terapia Familiar, confeccionar o Genograma de sua família de origem. O modo como o
Genograma é feito dispõe as informações da família graficamente, de forma a oferecer
uma visão compreensiva dos complexos padrões familiares. A utilização do Genograma

38
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

proporciona uma visão do quadro geracional de uma família e de seu movimento por
meio do ciclo de vida: “Os genetogramas são retratos gráficos da história e do padrão
familiar, mostrando a estrutura básica, a demografia e os relacionamentos da família”
(CARTER; MCGOLDRICK, 1985, p.144). As informações reunidas pelo Genograma
incluem nomes e idades de todos os membros da família; datas exatas de nascimentos,
casamentos, separações, divórcios, mortes, abortos e outros acontecimentos
significativos; indicações datadas das atividades, ocupações, doenças, lugares de
residência e mudanças no desenvolvimento vital; e as relações entre os membros da
família.

Por meio dos Genogramas, ao acessar os principais mitos e as principais crenças que
norteiam a vida da família atendida, que a acompanham há gerações e determinam
os padrões de relacionamentos, é possível a criação de hipóteses sobre o problema
clínico da família. Com isso, é possível fazer determinadas predições sobre os processos
futuros que a família vivenciará, baseando-se na utilização do Genograma. De acordo
com Bowen (apud WENDT; CREPALDI, 2007), passado e presente são examinados
para se obter possíveis informações sobre o futuro.

Ao chegarem para a terapia, as famílias encontram-se focadas no momento presente,


paralisadas pelos seus problemas e sentimentos ou ansiosas por um momento futuro,
perdendo a consciência do movimento contínuo da vida, que inclui passado, presente
e futuro, junto às transformações dos relacionamentos familiares. “Quando o senso
de movimento é perdido ou distorcido, a terapia pode devolver o senso da vida como
um processo e movimento” (CARTER; MCGOLDRICK, 1985, p.13). Whitaker (1990)
recomenda expandir o entendimento familiar dos sintomas por meio de sua extensão
para o passado, para as gerações prévias.

Outro método é impeli-los para frente, em direção às novas gerações. Ao supor que os
sintomas têm continuidade pelas gerações, é possível acessar o rico mundo simbólico
que percorre a família extensiva. Sequências comportamentais que formam padrões se
tornam organizadas em torno de temas que, frequentemente, servem como metáforas
para o tipo de sintoma que é escolhido. A palavra tema quer dizer uma questão específica
emocionalmente carregada, em torno da qual há um conflito periódico. Visto que há
muitos temas em toda família, o terapeuta procura aquele que é mais relevante para
o sintoma. O entendimento dessas crenças e temas serve de base para a intervenção
terapêutica (PAPP, 1992). A compreensão das crenças e dos temas é deduzida, por meio
da escuta da linguagem metafórica, no rastreamento de sequências comportamentais.
“O interesse primário do terapeuta é com o uso do comportamento e em como a
função de uma parte do comportamento está ligada com a função de outra parte do
comportamento, a fim de preservar o equilíbrio familiar”. (PAPP, Op. cit. p.22)

39
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

Os terapeutas do grupo de Milão recomendam a utilização de perguntas sobre o futuro,


pois pensam que estas podem revelar muitos temas familiares e serem transformadoras,
na medida em que questionam uma premissa. “Se uma família está organizada em torno
de uma premissa criadora de um problema, as perguntas relativas ao futuro podem,
também, desafiar o poder de tal premissa, evitando que se perpetue”. (BOSCOLO et al.,
1993, p.51)

A ação terapêutica pode ser considerada ritual que provoca uma estrutura espacial e
rítmica aos encontros e pode prescrever rituais singulares adaptados a cada contexto
familiar, os quais permitem que sejam abordadas situações que seriam explosivas, se
abordadas de frente. A ritualização terapêutica poderá apoiar-se em diversos suportes
mediáticos, bem como em suas hibridações recíprocas, tais como palavras, desenhos,
cartas, “objetos metafóricos”, equipamentos técnicos, registros, sala equipada com um
espelho unidirecional, pessoas dos terapeutas, jogos relacionais, jogos interinstitucionais
etc. (SELVINI apud MIERMONT, 1994)

Em relação às situações de maltrato e abuso, os terapeutas que atuam de forma clássica


enfocam a urgência de proteção no presente, perdendo de vista a história transgeracional.
Tilmans (2000) alerta sobre o risco que o terapeuta tem de que suas ações sejam
“antiterapêuticas”, se ele não considera a história das três gerações familiares e sua
complexidade, pois os pais que maltratam ou abusam de um filho foram maltratados
em sua infância ou em outra etapa de sua vida. Portanto, olhar apenas para a situação
de violência atual pode agredir, mais uma vez, os pais que já foram maltratados.

Culturalmente, na época em que os pais eram crianças, não havia uma proteção social
em relação às crianças como existe hoje, acumulando neles, então, sofrimentos e
experiências destrutivas para a construção de um eu positivo, em meio a muita solidão.
É necessário que terapeuta fale sobre esse tema, para proteger a criança maltratada que
existe dentro do adulto. O adulto que comete uma violência é responsável por seus atos
e, ao mesmo tempo, uma vítima que tem urgente necessidade de proteção e respeito. O
terapeuta deve saber como proteger a criança, vítima atual, sem maltratar, mais uma
vez, o adulto e sua criança interna.

Para Byng-Hall (1998), o papel do terapeuta, então, seria propor um modelo de


mudança no qual ele ajudará a família a se sentir segura o suficiente para arriscar a
improvisar nos relacionamentos inseridos nos scripts familiares. A terapia serve, dessa
forma, como uma base segura que facilita a mudança de um padrão inseguro para um
seguro, no qual novos scripts podem ser criados.

40
CAPÍTULO 6
Genograma no Espaço Terapêutico

Estudar família, hoje em dia, surge não só como uma necessidade de compreender
melhor as diversas formas como elas se organizam, mas, antes de tudo, é poder visualizar
as varias lentes que podem ser utilizadas, em busca do entendimento e da ampliação
das conversações entre os membros de uma família. Neste capítulo, temos por objetivo
compreender a família, relacionando-a com o Genograma no Espaço Terapêutico.

“O Genograma tem sido descrito como um instrumento de avaliação


e intervenção que proporciona uma aproximação com o ‘tecido de
transmissão familiar’.” (VITALE, 2004, p 234)

O Genograma foi desenvolvido na América do Norte, baseado no modelo do


Heredograma, e mostra, graficamente, a estrutura e o padrão de repetição das relações
familiares. Suas características básicas são: identificação da estrutura familiar e de seu
padrão de relação, mostrando as doenças que costumam ocorrer; repetição dos padrões
de relacionamento e os conflitos que desembocam no processo de adoecer (RAKEL,
1997; MOYSÉS, 1999; MOYSÉS; SILVEIRA FILHO, 2002); também pode ser usado
como fator educativo, permitindo ao paciente e à sua família ter a noção das repetições
dos processos que vêm ocorrendo e como estes se repetem.

O Genograma é traçado a partir de símbolos gráficos, ao lado dos símbolos data de


nascimento, eventos importantes, patologias e nome dos pacientes. Pode ser colocado
no início do prontuário, como sumário de problemas prévios, ações preventivas e
medicamentos em uso. (MOYSÉS, 1999)

O Genograma, também conhecido como Genetograma ou, ainda, Árvore Genealógica


de uma pessoa e família, é uma forma de representar, graficamente, a composição de
uma família, ao longo de duas ou mais gerações, ou seja, algo que fala de sua história
e de seus padrões. Um bom exemplo de seu uso é nas consultas médicas, em que,
frente a uma determinada doença, busca-se saber quem mais na família apresenta tal
enfermidade, apontando o seu viés hereditário.

O Genograma pode ser definido como um desenho gráfico da vida em família, sendo
um instrumento de avaliação e intervenção que proporciona uma aproximação com o
tecido de transmissão familiar tramado de geração em geração. O Genograma, inserido
na conversação terapêutica, transcende suas origens funcionalistas, para transformar-se
num recurso de compreensão colaborativa.

41
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

Pode-se considerar, então, que a função limitadora dos sistemas sociais, por um lado,
contribui para o senso de continuidade dos indivíduos e comunidades, por meio do
reconhecimento do familiar, do sentimento de pertencer, de fazer parte. Por outro, em
função de não conseguir dar conta de significar todas as contingências que aparecem
na vida das pessoas, propicia o aparecimento de lacunas e inconsistências que geram
as contradições, por meio das quais os sujeitos inventam e reinventam suas histórias
(WHITE, 1994), atualizando, também, as histórias que suportam a existência dos
sistemas sociais dos quais esses sujeitos participam.

Igualmente, os sistemas familiares elegem algumas histórias e abandonam outras, para


construir o contexto histórico intrínseco da família por meio das gerações. Uma vez que
a história da família esteja configurada em torno de um problema, ao selecionar partes
da experiência que tenham sentido nessa narração, as pessoas vão incrementando a
narrativa que mantém o significado problemático. Nesse processo, as famílias tendem
a confundir a sua própria história com a história de seus problemas, de forma que, com
o passar do tempo, não conseguem mais discriminar uma da outra.

A possibilidade de uma história que foi abandonada (marginal) emergir das


experiências vividas reside na ocorrência de um incidente que possa produzir um
acontecimento extraordinário, que constitua uma oportunidade para colocar dúvidas,
para desestabilizar o relato que a família conta e que a define. Acessar essas histórias
que, com o passar do tempo, foram marginalizadas nas narrativas familiares, constitui
um caminho para a elaboração de histórias alternativas que possam fazer sentido na
experiência vivida pelas pessoas.

White e Epson (1990) consideram ser este o fundamento da abordagem terapêutica:


por meio de encontros conversacionais, auxiliar as pessoas a vislumbrar novas
histórias. Não qualquer história, mas, sim, uma nova narrativa que encontre sentido no
contexto histórico daquela família. As ideias apresentadas neste texto buscam inserir o
trabalho com o Genograma no Espaço Conversacional Terapêutico. Ao serem descritas
na perspectiva das práticas construcionistas (ANDERSON, 2001, ANDERSON;
GOOLISHIAN, 1988; GERGEN, 1999; WHITE; EPSON, 1990), realiza-se uma
escolha, entre muitas outras possibilidades de abordagem teórica, ou seja, elegem-se
determinados aspectos.

O Genograma pode ser algo mais, embora pareça ser simples, se olharmos apenas um
aspecto. Um dos principais objetivos de sua realização é possibilitar uma (re) conexão
com a família de origem de cada um, revendo ou resgatando histórias perdidas ao
longo do tempo. Oferece um efeito especial, quando realizado conjuntamente com mais
membros da família junto com um profissional.

42
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

A inclusão dos aspectos relacionais, linhas de afinidade, de tensão, de intensa


amorosidade, separações, recasamentos etc., favorecem o universo de possibilidades de
interpretações e entendimentos da vida cotidiana. O mais importante é o processo de
realização do Genograma, na medida em que nos colocamos em contato com a história
familiar, com suas crenças, seus mitos, suas repetições, seus mandatos etc.

Existem algumas maneiras de iniciar e significar um Genograma. Tais dados, quando


explorados, são colaborativos para abertura de novas conversações e, consequentemente,
uma mudança de entendimento e postura frente a um evento paralisante ou conflitante
na família.

O Genograma é como uma foto que foi tirada há algum tempo e que, nesse momento,
revela-se, dando oportunidade de falar do momento que a “foto” foi tirada e que
significado ela traz agora.

»» Podemos começar um Genograma a partir de qualquer fase do ciclo de


vida, seja pelo membro em foco naquele encontro, seja por seus pais ou
seus avôs; o critério é construído pelo próprio autor do Genograma.

»» No casamento, ele mostra a união de duas famílias e a fase do ciclo de


vida em que cada membro do casal se encontra.

»» Naquela família formada a partir de um recasamento, há pelo menos


dois triângulos previsíveis: o novo casal e o(s) cônjuge(s) anterior(es) e
filho(s), se estes existirem.

»» O Genograma pode revelar estressores na passagem de uma fase para


outra. Quando vemos perdas ou eventos traumáticos coincidentes,
devemos avaliar seus impactos no processo familiar.

»» Após uma perda, o processo da fase do ciclo de vida pode paralisar-se ou


apresentar distorções.

»» Quando os filhos atingem a adolescência, é provável que se desenvolvam


triângulos envolvendo seus iguais, seus pais ou seus avós.

»» Na fase tardia, o Genograma poderá revelar qual filho ficou/ficará como


cuidador dos pais.

O uso do Genograma nos atendimentos de casais e famílias colabora no entendimento de


um membro com outro ou até mesmo aponta para diferenças significativas que, apesar
de todos já conhecerem, ao visualizá-las organizadas, numa determinada “distância”,

43
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

num formato (uso de cartaz ou lousa) de representação não habitual, permite que a
família converse decida o que fazer com elas para as gerações seguintes.

Não é incomum, ao fazer o Genograma, surgirem vazios, como dúvidas sobre a ordem
de irmãos, sobre os casamentos ou sobre o fato de saber mais sobre um dos lados da
família o paterno ou o materno. O significado desses “vazios” ou dessas dúvidas pode
proporcionar uma “ida” à família de origem. Abrem-se, assim, outras possibilidades
de entendimentos do que se vive no aqui e agora. O foco daquilo que era problema, até
então, pode se dissolver, ao compreender que um aspecto se repete há muitas gerações e
que há importância de explorá-lo, nem tanto para confirmar o fato em si, mas para criar
uma abertura e gerar negociações para modificar o preestabelecido. Ao reencontrar
o “álbum de fotografia” no domínio de um ou de outro, temas proibidos podem sair
da clandestinidade, segredos transformam-se em revelações, e comportamentos, até
então com causalidade desconhecida, passam a ter sentido, e daí sim, se for o caso,
transformados.

Construir o Genograma de famílias com crianças e adolescentes permite que inúmeras


histórias surjam e curiosidades apareçam. Possibilita, principalmente, o lúdico na
convivência familiar. O uso de imagens pode facilitar a dinâmica, incluindo-a ativamente
no processo, dando voz às suas dúvidas e tornando-a portadora e cuidadora de uma
nova forma de contar a sua própria história.

O Genograma é um riquíssimo instrumento para ser mentalizado e materializado,


segundo a disponibilidade e criatividade de cada participante. Ele pode ser (re) ativado
sempre que os interlocutores desejem, uma vez que muitas de nossas crenças, invisíveis
aos nossos olhos, tornam-se presentes, prontas para dialogar com nossos dilemas do
cotidiano.

Inúmeros exercícios de perguntas podem ser criados a partir de um Genograma.


Perguntas entre os membros – do pai para o filho, da nora para a sogra, de uma avó
para mãe da neta etc. Esse diálogo entre os vários membros rende inúmeras sessões e
muitas curiosidades que podem iniciar novas e interessantes conversas literais entre os
membros de uma família.

Na concepção de White e Epson (1990), os acontecimentos são pontuais na vida das


pessoas, ou seja, limitados a um contexto, tempo e espaço específicos. No entanto, os
significados atribuídos a esses acontecimentos são duradouros, permanecem na história
das famílias. As pessoas conferem maior ou menor relevância aos significados atribuídos
às experiências vividas, conforme a coerência que estes assumem nas narrativas atuais.
Dessa forma, agregam à sua história aqueles elementos da experiência que fazem
sentido à “história oficial”, que está construída com base nos diversos discursos que

44
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

circulam em nosso contexto cultural. Assim, as histórias que contam de si mesmos


estão estruturadas também por conceitos culturais, ou seja, pelos sistemas sociais nos
quais estão inseridos.

Pode-se considerar, então, que a função limitadora dos sistemas sociais, por um lado,
contribui para o senso de continuidade dos indivíduos e das comunidades, por meio do
reconhecimento do familiar, do sentimento de pertencer, de fazer parte. Por outro, em
função de não conseguir dar conta de significar todas as contingências que aparecem
na vida das pessoas, propicia o aparecimento de lacunas e inconsistências que geram
as contradições, por meio das quais os sujeitos inventam e reinventam suas histórias
(WHITE, 1994), atualizando, também, as histórias que suportam a existência dos
sistemas sociais dos quais esses sujeitos participam.

Igualmente, os sistemas familiares elegem algumas histórias e abandonam outras, para


construir o contexto histórico intrínseco da família através das gerações. Uma vez que
a história da família esteja configurada em torno de um problema, ao selecionar partes
da experiência que tenham sentido nessa narração, as pessoas vão incrementando a
narrativa que mantém o significado problemático. Nesse processo, as famílias tendem
a confundir a sua própria história com a história de seus problemas, de forma que, com
o passar do tempo, não conseguem mais discriminar uma da outra. A possibilidade de
uma história que foi abandonada (marginal) emergir das experiências vividas reside na
ocorrência de um incidente que possa produzir um acontecimento extraordinário, que
constitua uma oportunidade para colocar dúvidas, para desestabilizar o relato que a
família conta e que a define. Acessar essas histórias que, com o passar do tempo, foram
marginalizadas nas narrativas familiares, constitui um caminho para a elaboração de
histórias alternativas que possam fazer sentido na experiência vivida pelas pessoas.
White e Epson (1990) consideram ser esse o fundamento da abordagem terapêutica:
por meio de encontros conversacionais, auxiliar as pessoas a vislumbrar novas histórias.
Não qualquer história, mas, sim, uma nova narrativa que encontre sentido no contexto
histórico daquela família.

As ideias apresentadas neste texto buscam inserir o trabalho com o Genograma no


espaço conversacional terapêutico. Ao serem descritas na perspectiva das práticas
construcionistas (ANDERSON, 2001, ANDERSON; GOOLISHIAN, 1988; GERGEN,
1999; WHITE; EPSON, 1990), realiza-se uma escolha, entre muitas outras possibilidades
de abordagem teórica, ou seja, elegem-se determinados aspectos dessa complexa prática
e deixam-se de lado outros. As noções que fundamentam essa abordagem propõem o
diálogo como gerador de uma ação compartilhada na prática do encontro terapêutico.
No fluxo dessa interação, os participantes convidam um ao outro para interagir de certa
maneira, por meio de um silencioso e implícito entendimento, no qual as regras de

45
UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

conduta e de expectativas são criadas na prática. As formas como o terapeuta e a família


se encontram nesse diálogo é um reflexo das negociações sobre regras da conversação
que, segundo Rober (2005), constroem-se em torno de questões como: quem fala
e quem mantém o silêncio, o que é dito e o que fica sem ser dito, qual o propósito
da conversação, quem corre o risco de começar a falar sobre temas difíceis, quem se
responsabiliza pelo aumento da tensão, o que é aceitável e o que é inaceitável, entre
outras. Todas essas questões vão sendo respondidas, implicitamente, à medida que as
pessoas vão lidando com os significados que emergem na interação.

Assim como a família se apresenta ao diálogo, trazendo consigo suas intenções, também
o terapeuta se coloca como alguém que deseja compreender o sistema de significados
que emerge nessa conversação dialógica. Terapeuta e família vão construindo
caminhos para inserirem-se no domínio de compreensão criado por eles, ou seja,
buscam transformar em familiar o não familiar. Na relação dialógica que se estabelece,
a linguagem da família e seus significados são precedentes à linguagem do terapeuta, o
que quer dizer que a linguagem da família é o substrato no qual os novos significados
serão gerados por meio do diálogo. Nesse sentido, pode-se pensar que o terapeuta se
insere na conversação como um aprendiz. (ANDERSON, 2005)

A prática do trabalho com famílias ensina que, na reconstrução de suas histórias, as


famílias atribuem determinados significados aos acontecimentos que fortalecem os
sentidos que já trazem de suas famílias anteriores. Alguns desses relatos se entrelaçam,
organizam-se, de forma a preencher todos os espaços, restringindo sobremaneira o
movimento necessário para o surgimento de histórias alternativas. Em decorrência do
sofrimento gerado pela impossibilidade de atualização, as famílias, imersas em suas
histórias problemáticas, buscam ajuda.

O Genograma, nesse espaço conversacional, é capaz de transcender suas origens


funcionalistas, a fim de transformar-se num recurso para a compreensão colaborativa
de novas possibilidades de ser, de se relacionar e de viver no mundo. Iversen, Gergen
e Fairbanks (2005) afirmam que o Genograma pode ser congruente com a prática
dialógica, na medida em que se avança criticamente de forma que os dispositivos
desenhados sejam reapropriados para fins generativos. Propõem que é possível
trocar a ênfase na informação pela busca de novas oportunidades para re-historiar as
experiências vividas.

O Genograma tem sido definido como um desenho gráfico da vida familiar com o
objetivo de levantar informações sobre os seus membros e suas relações, através de
gerações, constituindo-se numa ferramenta de avaliação muito utilizada pela Terapia
Sistêmica de Família. A Teoria Sistêmica aborda os problemas humanos, considerando o

46
MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

indivíduo como um ser em interação interpessoal, inserido num determinado contexto,


tendo produzido conhecimentos que auxiliaram no trabalho terapêutico com enfoque
nas interrelações familiares. Grandesso (2000) expõe com propriedade um panorama
detalhado do desenvolvimento dos distintos modelos terapêuticos sistêmicos e da
história da Terapia Familiar, ilustrando os diferentes conjuntos de ideias que resultaram
em distintas escolas.

Desde muitos anos, o Genograma tem sido amplamente utilizado na área da Saúde
como auxiliar na elaboração de hipóteses diagnósticas. Somente na década de
1980, Murray Bowen (1978) e Jack Medalie (1987) viriam a definir, de forma mais
estruturada, os símbolos do Genograma, que são amplamente utilizados na atualidade.
Os traçados básicos do Genograma, identificados inicialmente por Gerson e McGoldrick
(1993), foram definidos utilizando figuras que representam as pessoas e linhas que
descrevem suas relações. As primeiras referem-se a símbolos para representação de
gênero (masculino e feminino), datas de nascimento e falecimento, gravidez e abortos
(espontâneo e provocado), conforme pode ser visualizado na Figura 1.

Figura 1. Simbolos para representar pessoas, datas e fatos.

A Figura 2 mostra como esses símbolos estão conectados por meio de linhas que indicam
as relações de parentesco. A conexão por linha horizontal contínua, com a figura masculina
à esquerda e a figura feminina à direita, indica indivíduos casados. Quando essa linha
aparece tracejada, indica união estável. A ruptura do vínculo conjugal é representada por
dois traços paralelos e inclinados sobre a linha horizontal. Acima dessa linha, coloca-se a
letra “M”, com a data de casamento/união, e a letra “S” ou “D”, com a data da separação
ou divórcio. A idade das pessoas é colocada dentro das figuras; e o nome, na parte inferior.
Os filhos são representados numa linha abaixo, conectados com o traço horizontal do
casamento por linhas verticais, sendo o mais velho à esquerda. A representação é distinta
para os filhos adotivos, com linhas pontilhadas, e para filhos gêmeos, cujo ponto de
conexão é um só. As diversas gerações, ascendentes e descendentes, são representadas
cada uma em um nível horizontal da figura, podendo-se distinguir, ao olhar, a geração
dos avós, dos pais, dos netos, entre outras. A linha pontilhada em torno de alguns
símbolos representa os membros da família que moram numa mesma casa e são de

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UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

especial importância, no caso de famílias reconstituídas, para localizar com quem


vivem os filhos.

Diante da complexidade intrínseca às relações familiares, não se pode esperar que o


desenho gráfico tenha suficientes propriedades para representá-las adequadamente.
A cada trabalho realizado, terapeuta e família vão elegendo aqueles elementos que são
considerados relevantes para cada história específica. Dessa forma, informações sobre
atividades profissionais ou de estudo, eventos e outras datas importantes, bem como
características específicas dos indivíduos e de seus relacionamentos, identificadas pela
família, podem também ser anotadas no desenho do Genograma.

Figura 2. Linhas para representar a relação de parentesco.

O terceiro nível de construção do Genograma refere-se ao traçado da qualidade das


relações entre os membros da família. As linhas básicas referem-se a pautas vinculares
que incluem relações: íntimas, muito íntimas, íntimas e conflitivas, pobres e conflitivas,
distantes e rompidas, conforme a legenda apresentada na Figura 3.

Figura 3. Símbolos para representar a qualidade das relações.

Configurações dos grupos familiares implicaram na necessidade de atualizações dos


símbolos e das convenções para o trabalho com o Genograma. Foi necessário incluir
as modificações reivindicadas por diferentes grupos culturais ao redor do mundo.
Essas atualizações podem ser encontradas no trabalho desenvolvido recentemente por
McGoldrick, Gerson e Petry (2008). Nessa produção, foram mencionadas apenas as
convenções que fundamentaram o desenvolvimento desse instrumento de avaliação.

Gerson e McGoldrick (1993) propõem que a construção do Genograma seja realizada por
meio de entrevistas, cujo fluxo obedeça a uma dimensão temporal e a uma dimensão de

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MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR│ UNIDADE I

complexidade, partindo-se da situação atual para o passado; e de questões mais simples


e menos ameaçadoras, para as mais complexas que provocam maior desconforto e
ansiedade. Ao final, segundo esses autores, podem-se extrair do Genograma informações
sobre a estrutura da família, sua adaptação às etapas do ciclo vital, repetição de pautas
interativas, pautas vinculares, capacidade de enfrentamento de eventos estressantes,
exploração de crenças e legados, viabilizando uma compreensão desses elementos
em interação. Recomendam, ainda, o Genograma como recurso de intervenção para
o desenvolvimento de uma responsabilidade compartilhada sobre os rumos da vida
familiar, viabilizada por meio do envolvimento de todos com o que acontece com cada
um, tanto no passado quanto no presente e futuro.

Vitale (2004) lembra, também, que a introdução de vivências familiares anteriores pode
trazer consigo outras formas de encarar os problemas, abrindo possibilidades de novos
entendimentos sobre as experiências familiares, assinalando novas possibilidades
para o futuro. Para White (1994), “as pessoas vivem as suas vidas de acordo com as
histórias que contam. Essas histórias têm efeitos reais e estruturam a vida das pessoas”
(p. 29). Quando uma família recorre ao trabalho terapêutico, traz consigo uma história
para contar, que é uma seleção de aspectos (vividos) que se podem verbalizar e de
outros aspectos (vividos) que permanecem não ditos. A possibilidade de ajuda está,
sem dúvida, em criar um espaço para o não dito (ANDERSON, 2001). A experiência
presente de contar a história num contexto diferente (num Espaço Terapêutico) abre
a possibilidade de incluir aquelas partes do relato que haviam sido deixadas para trás.
Nesse sentido, o trabalho com o Genograma pode proporcionar um contexto estético
original para a família. Ver-se por meio de uma história desenhada graficamente, num
espaço constituído entre o narrador e a história narrada, produz um estranhamento
capaz de abrir possibilidades para explorar outras ideias sobre si mesmo, podendo
incorporar novidades a suas vidas. Ao localizar elementos de suas histórias que foram
deixados para trás, abrem-se portas para “territórios alternativos” (WHITE, 1994, p.
35), revelando narrativas que estavam marginalizadas.

Segundo Anderson e Goolishian (1998), nos espaços terapêuticos ocorrem a expansão


e a expressão daquilo que não se fala. As mudanças, nesse contexto, são derivadas
das possibilidades de alteração dos significados por meio do historiar e re-historiar
das experiências. Nessa trajetória, por meio dos sinais descontínuos da narração, não
se pode ir a qualquer direção, “há caminhos privilegiados, há caminhos dificilmente
transitáveis e há caminhos que necessitam ser desbravados, para que abram novas
passagens”. (RAMOS, 2001, p.121)

Com base nas ideias expostas, este trabalho apresenta o Genograma como um recurso
terapêutico que auxilia na construção de um ambiente propício à introdução de novas

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UNIDADE I │MODELOS DE TERAPIA FAMILIAR

possibilidades para recontar as histórias familiares, ampliando, assim, oportunidades


de enfrentamento dos problemas. O estudo insere-se num trabalho de investigação
mais amplo (apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul), que, por meio de uma intervenção sistêmica breve,
procurou tanto compreender a dinâmica familiar no contexto da crise suicida
quanto buscar alternativas para o enfrentamento da crise e encaminhar recursos
terapêuticos. Especificamente, este trabalho, desenvolvido com famílias que passaram
pela experiência da crise gerada pela tentativa de suicídio de um dos seus membros,
busca inserir a construção do Genograma como recurso para o estabelecimento de um
contexto propício ao diálogo generativo.

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Para (não) Finalizar

Alguns terapeutas de família propõem um trabalho numa abordagem sistêmica pura,


como Palazzoli (1978) e Haley (1976). Outros pretendem trabalhar em Terapia Familiar
numa abordagem psicanalítica sem nenhum suporte sistêmico, como Eiguer (1984)
e Ruffiot (1981). Há, entretanto, autores que tentam fazer uma síntese dessas duas
abordagens no trabalho com famílias e casais.

É nessa possibilidade de síntese, de articulação dos dois enfoques, que estamos,


sobretudo, interessados. Às vezes, falta a algumas abordagens psicanalíticas conceber a
família como uma unidade sistêmica indivisível. É essencial estudar a articulação entre
o indivíduo e seu grupo familiar, levando em conta as descobertas mais significativas
das abordagens sistêmicas, sem se tornar prisioneiro das teorias.

Na perspectiva sistêmica, há uma preocupação com o comportamento e a busca de


modificá-lo, o que leva a uma desatenção em relação aos processos psíquicos subjacentes.
Na perspectiva psicanalítica, entretanto, há uma preocupação em expressar os desejos
inconscientes que estão na origem da disfunção familiar.

Essas duas concepções teóricas e as práticas delas decorrentes não podem deixar de
considerar que a família e o casal são grupos organizados, autorreguladores, com
linguagem própria, regras próprias de funcionamento e mitos próprios.

Nicolló (1988) fala de um rigor elástico, quer dizer, de uma atitude que requer,
nas disciplinas psicológicas, a intuição, a subjetividade do observador, que são
insubstituíveis para o conhecimento, quando discute a possibilidade de articulação dos
enfoques sistêmico e psicanalítico em Terapia Familiar.

Lemaire (1984) ressalta a necessidade de uma tríplice chave de leitura no trabalho com
família e casal, que passa pelo intrapsíquico, pelo sistêmico-interacional e pelo social.
Para ele, o fato, por exemplo, de o terapeuta conjugal compreender psicanaliticamente
os fenômenos inconscientes das identificações projetivas que estão na base da colusão
narcísica do casal, não deve impossibilitá-lo de lançar mão de desenvolvimentos
teórico-técnicos das teorias sistêmicas. Ele pode, ao mesmo tempo, trabalhar sobre a
comunicação, as expressões paradoxais, os duplos-vínculos, sem ser impedido de levar
em conta processos arcaicos inconscientes que estão em jogo desde o estabelecimento
da relação amorosa.

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PARA (NÃO) FINALIZAR

Dependendo do tipo de demanda familiar, pode-se escolher um referencial de


compreensão mais sistêmico ou mais psicanalítico. É importante escolher um quadro
de pensamento, mas este não deve ser rígido, pois também, do nosso ponto de vista, a
visão sistêmica e a visão psicanalítica não se excluem mutuamente.

Sem dúvida, consideramos importante a consistência entre teoria e prática, a coerência


com uma determinada posição epistemológica. Entretanto, dentro de uma mesma
posição epistemológica, incontáveis modelos de atendimento são possíveis. Como
ressalta Maturana (1990), há diversos modos de fazer terapia e esses modos distintos
têm a ver com as distintas características dos terapeutas.

Neste Caderno, procuramos fazer com que você tenha um conhecimento sobre a atuação
do Assistente Social e esperamos que esteja apto a identificar a relevância dos Modelos
de Terapias Familiares para a área de Serviço Social.

Muito obrigado pela oportunidade de interagir com você!

“O único meio de se não morrerem as ideias é continuar nascendo...”.


(WITTGENSTEIN, L.)

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Referências

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