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Jameos del Água
Foto Almir Francisco Reis, dez. 2013
A mais oriental das Ilhas Canárias, Lanzarote, passou por um radical processo de
transformação territorial, entre 1960 e 1974, através de uma série de políticas e
propostas arquitetônicas e territoriais baseadas na paisagem e em valores
artístico-culturais e identitários locais. Estas diretrizes de atuação apontaram
um caminho alternativo para o desenvolvimento sócio espacial desta ilha que tem
no turismo uma de suas principais fontes econômicas. César Manrique, artista
plástico, ativista político e autor de inúmeras intervenções arquitetônicas,
urbanísticas e territoriais foi personagem central desse processo. Neste artigo
apresentamos e discutimos este trabalho ainda pouco divulgado no Brasil,
ressaltando tanto as buscas por uma expressão artística regional quanto os
resultados obtidos na direção de um processo de desenvolvimento que tem na
identidade do território, de sua cultura e de seus habitantes sua inspiração
maior. Fruto de tempos em que a regra foi a produção em série de espaços para o
turismo, bem como o consumo indiscriminado de território, a singularidade das
estratégias desenvolvidas em Lanzarote apontam importantes indicativos para o
planejamento de áreas sujeitas ao crescimento urbano-turístico.
Com sua paisagem vulcânica marcada por muitas movimentações da crosta terrestre,
Lanzarote tem um relevo pouco pronunciado, onde se destacam os maciços
montanhosos de Famara, ao norte e Los Ajaches, ao sul. Na área central da ilha,
El Jable, corredores de areia depositados pelo vento, caracterizam outros
aspectos de sua singularidade paisagística. Os muitos episódios vulcânicos marcam
fortemente a identidade espacial desses lugares, com destaque para o campo de
lavas de Timanfaya, cujas últimas erupções se deram em 1824, e onde ainda hoje
acontece forte atividade vulcânica.
Água, terra e fogo. A peculiar paisagem natural de Lanzarote
Fotos Almir Francisco Reis, dez. 2013
Condições excepcionais geradas pela natureza, aliadas a uma busca incessante pela
sobrevivência, geraram para a ilha uma paisagem excepcional caracterizada por
plasticidade e texturas pouco usuais. Fruto da necessidade e da pobreza, a ilha
possui também um patrimônio arquitetônico que demonstra o processo de adaptação
humana às condições do meio, onde o branco das arquiteturas, contrastando com o
acentuado cromatismo dos solos insulares, cria contrastes de grande força
plástica e paisagística, expressando a riqueza cultural do ilhéu.
Lanzarote: a paisagem transformada pelo trabalho humano
Fotos Almir Francisco Reis, dez. 2013
Este trabalho teve por base uma visão integral da ilha, sua paisagem e sua
identidade cultural. Levou a uma procura por alternativas qualificadas para o
desenvolvimento turístico, rechaçando a concentração no turismo massivo de sol e
mar, bem como a homogeneização e desqualificação da paisagem motivada pela
atividade, fato recorrente em outros lugares onde seu desenvolvimento ocorreu tão
somente em função das forças do mercado.
No livro Lanzarote, arquitectura inédita (2), esta arquitetura passa a ser o mote
principal, numa bela homenagem aos construtores anónimos de tão expressiva
manifestação cultural. A partir dos estudos realizados, que incluíram
levantamentos de campo minuciosos, Cesar Manrique reconhece valores de
modernidade, preconizando a possibilidade de utilização de seus princípios
estruturais nas novas construções da ilha. Tal atitude permitiria manter, a
partir de uma aplicação não mimética, valores arquitetônicos consolidados
historicamente, evitando os efeitos desastrosos que a multiplicação de
empreendimentos turísticos disseminava pelo território insular.
A nova arquitetura construída em Lanzarote, a partir dos anos 1950, com a chegada
do turismo, foi duramente criticada pelo artista, que passa a defender tanto a
possibilidade de aplicação de princípios arquitetônicos consolidados na
arquitetura popular da ilha quanto a necessidade de integração à natureza e à
paisagem como princípios fundamentais para as novas construções. A melhor maneira
de verificar como estes princípios se consolidaram na construção de sua
particular linguagem arquitetônica pode ser observada a partir da análise de sua
vastíssima obra construída. Se destacam, neste contexto, suas moradias
construídas em Tahíche e Haría e, principalmente, os Centros de Arte, Cultura e
Turismo. Destacaremos, neste trabalho, estes centros como, exemplos máximos de
expressão de sua linguagem artística, numa busca de desenho integral que
correlaciona, arte e natureza, arquitetura, paisagem, pintura, escultura e
mobiliário.
Foram construídos cinco destes centros entre 1960 e 1974: a Cueva de los Verdes,
os Jameos del Agua, a Casa-Museo Monumento al Campesino, as intervenções nas
Montañas del Fuego e o Mirador do Río. Em períodos posteriores são construídos o
Museu Internacional de Arte Contemporâneo e o Jardín de Cactus.
O trabalho realizado nas Montañas del Fuego, no lugar que a partir de 1974 passou
a constituir o Parque Nacional de Timanfaya, foi inaugurado em 1969. O parque, de
origem vulcânica, conta com mais de 25 vulcões, cujas ultimas erupções
aconteceram em 1824. As obras realizadas incluem um itinerário cuidadosamente
planejado no sentido de revelar as principais características geomorfológicas e
paisagísticas da área, bem como a construção de um edifício mirante, o
restaurante El Diablo, centro de acolhida para visitantes. Edificação compostas
por dois círculos entrelaçados, El Diablo aproveita a energia térmica proveniente
do terreno tanto para a cozinha como para diversas experiências que colocam o
visitante em contato íntimo com o caráter vulcânico do lugar. A construção
apresenta formas geométricas bastante puras, com planta constituída a partir de
dois círculos justapostos que, contrastando com a peculiar paisagem conformada
pelas montanhas de lava do entorno, expressa espetáculo de grande valor plástico
e artístico.
Timanfaya
Fotos Almir Francisco Reis, dez. 2013
A obra construída de Cesar Manrique vai muito além da Construção dos Centros de
Arte, Cultura e Turismo destacados acima, expandindo-se também para outras
localidades espanholas: miradores en La Gomera, equipamentos turísticos e parque
em Tenerife e Ceuta, etc. O destaque dado aos Centros de Arte, Cultura e Turismo
construídos em Lanzarote deve-se tanto ao ineditismo plástico e paisagístico
destes conjuntos quanto à importância de seu papel como estruturadores de um
roteiro de visitação e preservação da ilha como um todo. Ou seja, exemplos de
inserção em paisagens poderosas e ao mesmo tempo delicadas, são propostos também
no contexto de uma estratégia global de desvelamento do território, tanto para
turistas quanto para os moradores locais e, principalmente, como elementos
impulsionadores de um processo de desenvolvimento turístico que se propõe
diferenciado pela qualificação e consideração das condições socioculturais e
paisagísticas locais.
Trabalhos mais recentes (7) destacam esta faceta da obra de César Manrique que,
além de ter fornecido a Lanzarote uma alternativa qualificada de desenvolvimento
socio-social apoiada no turismo como um de seus motores principais, nos aponta
possibilidades que esta aposta encerra e possíveis estratégias no sentido de sua
efetiva implementação.
Considerações finais
O processo por que passou Lanzarote nos demonstra as possibilidades de atuação no
sentido da qualificação territorial embasada na riqueza expressa por sua natureza
e sua gente. Imaginação e construção coletiva perpassaram toda a experiência. O
envolvimento de diferentes atores e instituições e, fundamentalmente, a
perspectiva de um trabalho que incorpora a criatividade e a arte em todas as suas
etapas de pensamento e implementação constituem referências obrigatórias para
trabalhos de planejamento urbano e territorial.
notas
1
MANRIQUE, César. Lo que siento al ver donde estoy. In MANRIQUE, César. Escrito en el
fuego. Edirca, Las Palmas de Gran Canaria, 1988.
2
MANRIQUE, César (org.). Lanzarote, arquitectura inédita. Lanzarote, Edição de César
Manrique, 1974.
3
MANRIQUE, César. La palabra encendida. Leon, Universidad de Leon, 2005.
4
ZAMORA, Antonio; SABATE, Joaquín. Bases para el subconciente territorial: el proyecto
de Lanzarote. In Revista Iberoamericana de Urbanismo n. 02. Barcelona, Universidade
Politécnica da Catalunha, 2009.
5
SABATÉ, Fernando; SABATÉ, Joaquín; ZAMORA, Antonio. César Manrique. La conciencia del
paisaje. In DE LA ROSA, A. Jos; e SABATÉ, Joaquin. Cesar Manrique. La Conciencia del
Paisage. Las Palmas de Gran Canária, Fundación Cajacanárias, 2013.
6
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