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MEU RETRATO HISTÓRICO E

FILOSÓFICO

Louis-Claude de Saint-Martin
OBRAS PÓSTUMAS
DO
SR. DE SAINT-MARTIN

“Desejei fazer o bem, mas não desejei fazer alarde, porque


senti que o alarde não fazia bem, assim como o bem não
fazia alarde.”
St. Martin, 740o pensamento

TOMO I

Em Tours,
Edições LETHOURMY, Gráfica-Livraria
rua Colbert, no 2.

1807
Biblioteca Martinista Universal

RETRATO HISTÓRICO E FILOSÓFICO DO SR. DE SAINT-


MARTIN, FEITO POR ELE PRÓPRIO [1]

TEXTO EXTRAÍDO DAS OBRAS PÓSTUMAS, VOL. I (1807)

(SUBSTITUÍDAS NA ORDEM NUMÉRICA PELAS EDIÇÕES DE


AGAPE – 2014)

[1] O autor começa este retrato em 1789, e o continuou sem sequência e


sem nenhuma espécie de ordem, a não ser aquela na qual sua memória
lhe retraçava os diferentes eventos de sua vida. Encontraremos várias
lacunas na série dos No colocados no cabeçalho de cada um de seus
Pensamentos ou Notas históricas. Suprimos deles, de fato, um grande
número, não que tivéssemos a intenção de fazer uma escolha, mas
somente porque foi necessário nomear neles várias pessoas respeitáveis
ainda vivas, o que bos teria sido permitido somente antes de tê-las
consultado (NDLE 1808)

-1-
Fui alegre, mas a alegria foi apenas uma nuança secundária de
meu caráter. Minha cor real foi a da dor e da tristeza, por causa da
enormidade do mal (Baruch 2, 18) e de meu profundo desejo pelo
renascimento do homem. Também sou alegre apenas como de passagem
e porque não podendo sempre tratar meus semelhantes como homens
feitos, sinto-me levado a não tratá-los a não ser como crianças; o que faz
com que me entedie quando as alegrias são longas demais ou até

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mesmo me torne desagradável e duro por impaciência, coisa da qual


arrependo-me e que é bem oposta à minha maneira de ser.

-2-
Todos os homens podem ser úteis; não há nenhum deles que
possa me bastar. Preciso de Deus.

-3-
Meu maior encanto foi de encontrar pessoas que adivinhassem as
verdades: pois, há apenas essas pessoas que estão vivas.

-4-
As mesmas pessoas são, algumas vezes, revoltadas por meu
orgulho na admiração de minha modéstia; se essas pessoas se
elevassem um pouco mais alto, talvez elas ficariam mais embaraçadas
sobre meu respeito, pois o que sinto é mais belo que o orgulho.

-5-
Foi-me dado um corpo apenas em projeto.

-7-
Houve dois seres no mundo, em presença dos quais Deus me
amou; também ainda que um desses dois seres fosse uma mulher
(minha B), pude amá-los a ambos tão puramente quanto amo Deus e,
por conseguinte, amá-los na presença de Deus, e há apenas essa forma
com que deve se amar, se quer que as amizades sejam duráveis.

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- 10 -
Fiquei emocionado até as lágrimas com essas palavras de um
pecador: como Deus não estaria ausente de nossas preces, uma vez que
nós mesmos não estamos nelas?

- 12 -
Todos os homens deveriam ser médicos uns dos outros; creio que
nesta repartição de propriedades curativas, a minha foi de curar as
dores de cabeça. Quanto aos males do coração, foi Adão que no-los deu
a toda sua posteridade: também foi necessária uma potência bem
superior à sua para curá-los, isto é, que foi necessário o coração de
Deus.

- 14 -
Só tive dois postos neste mundo: a saber, o paraíso e a poeira;
não consegui permanecer nos postos intermediários. Eis o porquê fui
tão pouco conhecido pela maioria e que aqueles que me reprovaram
sempre me culparam ou me louvaram em excesso.

- 15 -
A natureza de minha alma foi a de ser extremamente sensível e
talvez mais suscetível de amizade que de amor, etc.

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- 16 -
Troquei sete vezes de pele ao ser amamentado; não sei se é a
esses acidentes que devo ter tão pouco de astral.

- 21 -
Não tive o dom de mostrar o espírito que nos acompanha e que
nos segue por toda parte, cercando-nos sem cessar de obras suas
físicas, sensíveis e efetivas; mas, tive o dom, pela graça de Deus, de
demonstrar esse espírito e esta certeza de seus atos reais e constantes
em torno de nós; e essas provas estão escritas na inteligência de todos
os homens.

- 24 -
A Divindade não me recusou enquanto astral, a não ser que ela
queria ser somente meu móvel, meu elemento e meu termo universal.

- 28 -
Com a idade de dezoito anos, ocorreu-me dizer, no meio de
confusões filosóficas que os livros me ofereciam: há um Deus, tenho
uma alma, não é preciso mais nada para ser sábio e é sobre esta base
que foi elevado, em seguida, todo meu edifício.

- 31 -
Meu verdadeiro dissolvente para o físico, era o leite: e, de fato, é
com leite que várias vezes em minha vida, curei-me da febre.

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- 32 -
Desde os primeiros passos que dei na carreira que me absorveu
por inteiro, disse: ou terei a coisa por inteiro ou não a terei; e, a partir
deste momento, tive várias razões de acreditar que este movimento não
era falso.

- 33 -
Está bem claro que minha cruz era um decreto, uma vez que não
podia nem evitá-lo nem combatê-lo; é assim que devem ser todas as
cruzes, sem que nos tenham que dizer para carregá-las.

- 36 -
Na ordem da matéria, fui muito mais sensual que sensível e creio
que se todos os homens eram de boa fé, eles conviriam que nesta
ordem, há dois deles como eu. Quanto às mulheres, creio que é
comumente o contrário e que elas são dispostas naturalmente a ser
mais sensíveis do que sensuais.

- 39 -
Senti mesmo que devíamos tudo divinizar à nossa volta, se
quiséssemos ser felizes e nas medidas da verdade; porém, senti também
que no lugar de cumprir essa lei essencial, materializamos Deus todos
os dias e que nós o emulamos sem cessar sobre o altar de todos os
objetos que nos cercavam.

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- 45 -
Os livros que fiz não tiveram como objetivo a não ser o de engajar
os leitores a deixar aí todos os livros, sem excetuar os meus.

- 50 -
Todas as circunstâncias de minha vida foram como escadas que
Deus colocava à minha volta para me fazer subir até ele, pois, ele não
queria que eu recebesse alegrias, consolações, luzes e felicidade real por
nenhuma outra mão a não ser pela sua e seu único objetivo era que eu
vencesse e que permanecesse exclusivamente com ele. Verdade escrita,
desde mais minha tenra idade, em meu destino e que me fez com que se
desenvolvesse em todas as fases de minha vida.

- 56 -
Não possuía nada mais do que os outros homens; senti que tanto
eles quanto eu, éramos todos filhos de Deus somente; tive tanta
persuasão da nobreza desta origem, que dei o melhor de mim para
conservar alguns resquícios de meu extrato batismal.

- 59 -
Em 1787, vi na Inglaterra um velho que se chamava Best que
tinha a propriedade de citar a cada um, bem a propósito, passagens da
Escritura sem que ele nunca o tivesse visto. Ao me ver, começou por
dizer de mim: “ele lançou o mundo atrás dele”. O que me deu prazer:
pois, há verdade nisso. Em seguida, ele me citou o terceiro versículo de

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Jeremias, cap. 33: “Clama ad me et exaudiam, et docebo te grandia et


firma quae nescis”. “Gritai em minha direção, e vos mostrarei coisas
grandes e seguras que vós não sabeis” . Isso também me deu muito
prazer; mas, o que me foi mais vantajoso, é que isso se verificou durante
a quinzena.

- 60 -
Na leitura das Confissões de J.-J. Rousseau, fiquei impressionado
com todas as semelhanças que encontrei entre ele e eu, tanto em nossas
maneiras tomadas emprestadas das mulheres quanto em nosso gosto,
tendo ao mesmo tempo razão e infância e na facilidade com a qual nos
julgaram estúpidos no mundo, quando não tínhamos uma inteira
liberdade de nos desenvolver. Nosso temporal teve alguma similitude,
visto nossas posições diferentes neste mundo; mas certamente, se ele
estivesse em meu lugar com seus meios e meu temporal, ele teria se
tornado um outro homem que eu.

- 62 -
De todas as rotas espirituais que foram oferecidas a mim, não
encontrei nenhuma mais doce, mais segura, mais rica, mais fecunda,
mais durável que as da penitência e da humildade.

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- 66 -
Reconheci que era uma coisa muito salutar e mesmo muito
honorável para um homem, que o de ser, durante sua passagem aqui
neste mundo, um pouco varredor da terra.

- 67 -
O respeito filial foi em minha infância um sentimento sagrado
para mim. Aprofundei este sentimento em minha idade avançada e ele
só fez fortificar-se por isso; também eu o disse altamente, alguns
sofrimentos que experimentamos da parte de nossos pai e mãe,
vislumbramos que, sem eles, não teríamos o poder de passar por eles e
de sofrê-los e, então, veremos aniquilar-se para nós o direito de nós de
reclamar deles; vislumbramos, enfim, que sem eles, não teríamos a
felicidade de ser admitidos em discernir o justo do injusto; e se temos a
ocasião de exercer a seu respeito este discernimento, e permanecemos
sempre no respeito com relação a eles pelo belo presente que recebemos
pelo órgão deles e que nos tornou seus juízes se mesmo sabemos que
seu ser essencial está na penúria e no perigo, invoquemos o soberano
Mestre para lhes dar a vida espiritual, em recompensa pela vida
temporal que nos deu.

- 69 -
Minha fraqueza física foi tal e sobretudo a dos nervos que, ainda
que tenha tocado violino passavelmente como um amador, meus dedos
nunca puderam vibrar tão forte para fazer uma cadência.

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- 71 -
A maneira com a qual senti, algumas vezes, que a oração deveria
caminhar para ser boa, seria que cada ato da oração do homem fosse
um hino ou um cântico concebido em seu coração, isto é, que deveria
criar para si mesmo salmos e não apenas contentar-se em lê-los.

- 73 -
Parecia-me que podia aprender e não ensinar; parecia-me que
estava em estado de ser discípulo e não mestre. Mas, excetuado meu
primeiro educador Martinès de Pasqually e meu segundo educador
Jacob Boehme, morto há 150 anos, não vi sobre a terra a não ser
pessoas que queriam ser mestres e que não estavam sequer na condição
de discípulos.

- 76 -
Vi as ciências falsas do mundo e vi por que o mundo nada podia
compreender da verdade; é que ela não é uma ciência e que ele quer
sempre compará-la com as falsas ciências das quais ele se berça e se
nutre continuamente.

- 86 -
É uma dor para mim ouvir falar tão superficialmente deste
sublime amor que é o verdadeiro e o único termo da obra. Eles sentem
que este belo nome não deveria ser pronunciado de nossa parte, que da

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mesma maneira com a qual ele é pronunciado da parte de Deus, isto é,


por obras, benfeitos e maravilhas viventes.

- 88 -
Foi-me claramente demonstrado que há duas vias: uma na qual
se ouve falar e a outra na qual se fala sem ouvir.

- 94 -
Dizia-me em minha juventude: Faça de modo a ser bastante feliz
para nunca ficar contente de não ser do que é verdadeiro.

O que podes temer? Não tens apoio a todo instante sob a mão;

Manter-se bom, é a verdadeira prece, porque é nela que se


mantém qualquer lugar em bom estado.

Não me deixe fazer o bem que quero e faça-me o bem que não
quero.

- 96 -
É uma verdade que não haveria papel o suficiente no mundo para
escrever tudo o que teria a dizer. Há 25 anos tive este pensamento. Que
seria, então, hoje que meus acervos cresceram tanto, que me prosterno
de vergonha e de reconhecimento pela mão benfeitora e misericordiosa

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que coloca com tanta atenção sobre mim e que não teme de me
abarrotar de suas graças, apesar de minhas ingratidões e covardias.

- 97 -
O mundo frívolo (sobretudo das mulheres) passa sua vida em uma
cadeia de vazios que se sucedem e que lhes tira até os meios de perceber
que há uma verdade, da mesma forma que a capacidade de captá-la. A
maioria das mulheres e dos homens se parecem como crianças que a
tudo observam, que gritam ante a menor contradição, mas que não têm
outra força a não ser a de gritar e que é preciso tudo proibir, porque o
medo e a impotência são seus elementos constitutivos.

-103 -
Falo ao mundo de uma amiga como não há igual: conheço tão
somente ela com quem minha alma possa entregar-se com toda sua
liberdade, e entreter-se sobre os grandes assuntos que me ocupam,
porque não conheço ninguém além dela que esteja colocada à medida
que desejo para que me seja útil, apesar dos frutos que teria junto a ela,
estamos separados pelas circunstâncias: meu Deus, que conheceis as
necessidades que dela tenho, façais chegar-lhe meus pensamentos e
façais com que chegue aos seus e abreviai, se possível, o tempo de nossa
separação.

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- 109 -
Da esperança da morte faço a consolação de meus dias; também
queria que nunca me dissesse a outra vida: pois, só há uma.

- 111 -
Tenho uma madrasta a quem devo talvez toda minha felicidade,
uma vez que é ela que me deu os primeiros elementos desta educação
suave, atentiva e piedosa, que me fez amar Deus e os homens. Lembro-
me de ter sentido em sua presença uma grande circuncisão interior que
me foi muito instrutiva e muito salutar. Meu pensamento era livre junto
a ela e o foi sempre, se tivéssemos apenas nós como testemunhas; mas
havia, do que éramos obrigados de nos esconder, como se tivéssemos a
intenção de fazer mal.

- 112 -
Minha caríssima B. lia um dia uma de minhas notas, na qual
havia colocado isso aqui: a palavra que se guarda torna-se apenas mais
forte, pois nada torna mais firme o homem como o silêncio. Ela tomou a
pena e acrescentou de sua mão: da capo.

- 113 -
Em uma circunstância crítica de minha vida na qual havia errado,
disse-me com segurança: a verdadeira maneira de expiar suas faltas é
de repará-las, e para as que são irreparáveis, não ficar por isso
desencorajado.

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- 115 -
A maioria dos pais dão nascimento a seus filhos e, depois, os
deixam aí como bichos; que infelizes! Não querem dar-se ao cuidado de
pensar na extensão de seus direitos e em todas essas vantagens que
resultariam de sua posteridade.

- 116 -
A partir dos primeiros anos espirituais, disse-me: é melhor
mastigar o vazio do que correr atrás da matéria; se Deus não perdoasse,
onde estaríamos nós?

O homem é um dos árbitros de Deus, é por isso que ele é tão


antigo quanto Deus, sem que haja para isso vários Deuses.

Somos todos viúvos, nossa tarefa é de nos casarmos novamente.

É apenas na tendência em direção ao nosso ser que se faz a


purificação; todos aqueles que não a sentem, nada expiam; eles apenas
se escondem cada vez mais.

Como os homens são cegos de acreditar na vida!

O que é o homem, enquanto ele não tem a chave de sua prisão?

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Não coloques teu dinheiro em uma bolsa para estar mais pronto
para dar esmola.

O que está mais longe de nós é o que não está.

Ó como Deus é pequeno! Poder-se-ia dizer, ele nada faz a não ser
de uma única maneira.

Os corpos são seres de vida, se eles fossem seres vivos, eles não
comeriam e nem morreriam.

Os homens fazem servir o verdadeiro ao culto da aparência, ao


passo que a aparência lhes havia sido dada para o culto do verdadeiro.

Nossas obras são a moeda de nossas luzes.

- 122 -
Tive um dia uma conferência sobre o magnetismo animal com M.
Bailly, que tornou-se na época prefeito de Paris. Ele havia sido um dos
delegados nomeados pelo Rei para examinar este fenômeno e havia
assinado o miserável resultado que a comissão lhe entregou. Quando
para ele persuadir da existência do poder magnético, sem suspeita de
farsa da parte dos doentes, citei-lhe os cavalos que se tratava na época
em Charleton por este procedimento, ele me disse: “como sabe que os
cavalos não pensam?” No lugar de se aproveitar com modéstia da

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vantagem que me dava sobre ele, por esta posição, respondi-lhe com
inadvertência:

Senhor, estais bem avançado para a sua idade.

- 127 -
Lavater, ministro em Zurique, é um daqueles que mais se deleitou
com o Homem de Desejo. Ele fez para ele um elogio dos mais distintos
em seu Jornal alemão do mês de dezembro de 1790. Ele confessa
ingenuamente que não o entendeu em nada; e na verdade, Lavater foi
feito para entender tudo, se tivesse tido guias. Porém, por falta deste
socorro, permaneceu no reino de suas virtudes que é, talvez, mais belo e
mais admirável que o da ciência. E, além disso, o que ele tinha de
ciência, ele a prodigalizou um pouco em seus livros. Talvez, devo a mim
mesmo semelhante reprovação? Este homem respeitável não me
conheceu pessoalmente.

- 129 -
O marechal de Richelieu queria me fazer familiar com Voltaire que
morreu na quinzena; uma outra pessoa da qual esqueci o nome, queria
me tornar familiar com o Sr. Devoyer que morreu também na quinzena.
Creio que teria tido mais afinidade e mais sucesso junto a Rousseau;
mas nunca o vi.

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- 134 -
Sim, se o homem nunca morresse, ele estaria em condição de
morrer: pois, o que é vivo não conhece sequer a morte. Mas também, da
mesma maneira que o que é vivo não conhece a morte, da mesma
maneira que o que está morto não conhece a vida.

- 138 -
Fiquei desgostoso desde cedo com as explicações científicas dos
homens, ou por melhor dizer, nunca houve uma delas que tenha
conseguido encontrar acesso a mim. Havia em mim alguma coisa que as
repudiava naturalmente e me dizia: como os homens podem encontrar
alguma coisa de fato na ciência? Eles explicam a matéria pela matéria,
de maneira que após suas demonstrações, ter-se-ia ainda necessidade
de uma demonstração.

- 141 -
Minha alma diz, algumas vezes, a Deus: Esteja totalmente comigo,
que não haja absolutamente mais nada além de Ti que estejas comigo: e
esta palavra é apenas a real expressão do que foi em todos os tempos o
verdadeiro desejo de minha alma.

- 145 -
Há um grande inconveniente em querer instruir a maioria das
mulheres sobres as grandes verdades; é que essas grandes verdades não
se ensinam a não ser pelo silêncio, ao passo que toda a necessidade das

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mulheres em questão, é que se fale e que elas falem, e então tudo se


desorganiza, como experimentei várias vezes.

- 146 -
Queria três coisas: 1) Que o homem nunca esquecesse de que há
uma outra luz além da elementar e da qual esta é tão somente o véu e a
máscara. 2) Que o homem se persuadisse que nada consegue e deve
impedi-lo de fazer seu trabalho. 3) Que ele sentisse que o que o homem
sabe melhor, é o que ele não aprende.

- 149 -
Quando é que me senti nada temer nos céus, sobre a terra e nos
infernos? É quando temi o pecado.

- 154 -
Pela razão que Deus quer ser o único que fecunda comigo para a
instrução. Ele quer ser o único com quem eu fecunde para a
comunicação e a confiança.

- 160 -
Seria muito infeliz para o homem, que após ter passado pelas
misérias da vida tivesse ainda que recomeçar: e tal é o destino daqueles
que creem em seu lugar sobre a terra. Pois, o que será tão forte para ter
tocado assim esta lama sem se sujar? Eis minha doutrina essencial.

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- 163 -
Está bem claro que os homens devem ser conduzidos, e que têm
seus olhos somente para conduzi-los; é por isso que há apenas a falsa
ciência que dá orgulho, pois há apenas ela que afasta do princípio e na
qual os homens se conduzem eles mesmos.

- 165 -
É em Lyon que redigi o livro Dos Erros e da Verdade. Eu o escrevi
por decepção e por raiva contra os Filósofos. Fiquei indignado de ler no
Boulanger que as religiões não haviam tirado seu nascimento a não ser
no pavor ocasionado pelas catástrofes da natureza.

Compus esta obra por volta do ano de 1774, em quatro meses e


junto ao fogo da cozinha, não tendo um quarto onde pudesse me
aquecer. Um dia mesmo, a panela de sopa virou sobre meu pé e o
queimou bastante. [2]

[2] Isso aconteceu na casa de Jean-Baptiste Willermoz e de


sua irmã Madame de Provensal.

É em Paris, com a partida de Mme de Lusignan, para


Luxemburgo, com a partida para a casa de Mme de la Croix, que escrevi
o Quadro Natural por instigação de alguns amigos; é em Londres e em
Estrasburgo, que escrevi o Homem de Desejo, por instigação de

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Thieman. É em Paris que escrevi Ecce Homo, de acordo com uma noção
que havia tido em Estrasburgo; é em Estrasburgo que escrevi o Novo
Homem, por instigação do caro Silverichm, antigo capelão do rei da
Suécia e sobrinho de Swedenborg. Peguei o epígrafo de cada uma dessas
obras naquele que precedia sua publicação.

- 170 -
Os princípios que me deram, me serviram muito bem, que posso
dizer de não ter perdido as causas de meus grandes objetivos, que as
que não pleiteei. Ainda que, no entanto, todas as que pleiteei, não as
ganhei por isso; porque há algumas delas cujo sucesso foi indeciso e
outras nas quais não produzi absolutamente nada; mas, em nenhuma,
fui obrigado a recuar e, ainda que minhas ideias se achem sempre a
estender e a adquirir com todas as pessoas que me honraram de muito
querer se entreter comigo, essas mesmas ideias nunca mudaram no
atrito e elas se confirmaram grandemente. Devo muito neste particular,
especialmente ao marquês de Lusignan, ao cura de Saint-Suplice
Tersac, ao marechal de Richelieu, ao duque de Orleans, ao médico
Brunet, ao cavaleiro de Boufflers, ao Sr. Thomé, etc.: todos
conhecimentos que me duraram um certo tempo e foram para mim
passagens.

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- 175 -
Homem, disse-me algumas vezes, tu tens dificuldades, e tens o
poder de orar a teu Deus! Mas, ao mesmo tempo, me dizia: como os
homens não teriam sofrimentos, uma vez que todos os seus cuidados
apenas os tendem a dispensá-los de orar a Deus!

- 177 -
Nada vi entre os homens que me demonstrasse a verdade de seu
princípio; mas, é sobre o objetivo que eles se enganam. No entanto, há
uma proporção contínua entre o crescimento das forças espirituais do
homem e os obstáculos sucessivos aos quais ele está exposto; mas,
como ele não coloca suas forças em proveito e que os obstáculos seguem
constantemente sua progressão constante, ele é vencido: a quem ele
pode queixar-se disso?

- 180 -
O espírito é para nossa alma o que nossos olhos são para nosso
corpo. Se tivéssemos apenas o espírito, nada seríamos, da mesma forma
que sem a vida de nossos corpos, os olhos nos seriam inúteis; as
estátuas também tiveram olhos, mas elas não os aproveitam para isso,
uma vez que não têm vida.

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- 182 -
É do fundo de meu ser que me disse frequentemente que nos
bajulamos em vão de conseguir o que quer que seja, se antes não
tomarmos a precaução de orar.

- 185 -
Os homens acreditaram que era um mau movimento que me
detinha tão frequentemente de falar da sabedoria, enquanto que isso só
vinha de meu pavor de que me fizeram não digno e tenho uma tal ideia
da sublimidade desta sabedoria, que não presumo que a rota que a ela
conduz possa ser desenvolvida em toda sua profundidade e ainda
menos divulgada à multidão.

- 189 -
Não é difícil de reconhecer que os males da natureza seriam tão
bem simples de aparência para nós, que se fôssemos fiéis a nossas
medidas, eles se curariam muito frequentemente por simples regimes,
no lugar desses remédios violentos que estamos obrigados de empregar.
É uma experiência que fiz várias vezes.

- 191 -
Quando tive a felicidade de me preservar algum tempo na
sabedoria, cheguei logo ao ponto de ser para os outros homens como
uma nação à parte e que fala uma língua estrangeira. É mesmo então
um esforço inútil a assumir junto a eles, que de tentar de se fazer

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 23


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entender. Eis porque os homens que se ocupam da verdade se tornam


tão facilmente parte dos anacoretas.

É da mesma forma falsas afeições das quais a espécie humana é a


presa e que a impedem de elevar-se à região livre e viva. Os homens são
quase todos como os insetos encerrados na cola ou nas gomas e nesses
fosseis transparentes que se encontram na terra. É impossível que se
mexam ou que lhes tire da prisão.

- 192 -
Escrevendo como fiz vários pensamentos destacados, disse-me
mesmo que não devia contar ter feito por isso uma produção durável,
porque pensamentos destacados são mais ou menos como pensamentos
perdidos. De fato, os pensamentos destacados não convêm apenas aos
espíritos muito fracos ou aos espíritos muito fortes. Mas, para aqueles
que estão entre os extremos, eles precisam de obras seguidas que os
alimentam, que os aqueçam e os ilumine ao mesmo tempo, e essas
vantagens, ainda que possam estar nos pensamentos destacados,
encontrar neles, no entanto, de uma maneira concisa demais para que a
maioria possa retirar deles uma substância suficiente.

- 195 -
Uma das razões que secundou os obstáculos matrimoniais para
mim foi a de sentir que o homem que permanece livre tem apenas a

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resolver o problema de sua própria pessoa; mas, aquele que se casa tem
um duplo problema a resolver.

- 196 -
Fui inimigo da ciência, porque amava os homens e porque os via
perdidos por ela em todos os seus passos. Os doutores, ao contrário,
tornam-se inimigos e rivais dos homens, por causa da ciência que eles
vislumbram apenas sob as cores do orgulho e da ambição terrestre.

- 198 -
É uma coisa que me foi demonstrada que as verdades são de
várias ordens. Recebi delas o que não podia dizer a ninguém; recebi
delas o que podia dizer a alguns; recebi delas o que podia dizer a vários;
recebi delas o que podia dizer a muitos; recebi delas o que podia dizer a
todo mundo.

- 202 -
Há várias probabilidades que meu destino foi de me fazer
sucessos em almas: se Deus permitir que esse destino se cumpra, não
me queixarei de minha sorte; pois, esta riqueza vale muito mais que
outras.

- 206 -
A mulher me pareceu ser melhor que o homem; mas, o homem
me pareceu mais verdadeiro que a mulher.

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- 209 -
Infelicidade àquele que se entrega aos gostos sensíveis antes de
ser bastante grande para desprezá-los! Este traço é uma das mais reais
dores de meu ser e exprime uma das minhas mais certas persuasões.

- 212 -
Há uma passagem de São Marco, cap. 10, “aquele que deixar por
mim seu pai, sua mãe, suas casas etc., encontrará neste mundo cem
vezes mais”, fato que se verificou para mim ao pé da letra. Deixei as
opiniões de meus pais, deixei até mesmo minha casa quando os deveres
sagrados de filho e de irmão me chamavam junto a eles; renunciei com
isso minha tranquilidade que teria tido em seu lar; mas, é certo que fui
por isso mais que compensado pelas ligações que meus objetivos me
supriram no mundo, e pelos palácios mesmo nos quais me encontrei
alojado e alimentado; tanto é verdade que a escritura nunca deixa de se
cumprir até o último iota! Mas essas compensações não me
desgarraram porque, em minha carreira, conhece-se alegrias acima das
alegrias deste mundo. Também, ainda que tenha passado minha vida
em grandes mesas, janto perfeitamente com um pedaço de pão e um
pedaço de queijo.

- 217 -
Como poderia eu esperar dos homens que me vissem tal como eu
poderia ser? Eles quase nunca me viram tal como sou. Também, estive
frequentemente na iminência de dizer-lhes (quando nesta ignorância

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 26


Biblioteca Martinista Universal

que eles tinham de mim, eles pretendiam me governar), espero mesmo


que irei a Deus, ainda mais que vós queirais me conduzir até lá.

- 229 -
A felicidade de que minha alma gozou é tal que muitas pessoas
não podiam formar disso a ideia; e vários a atacaram, sem duvidar
talvez que foi por orgulho e por arrependimento de não ser tão feliz
quanto eu.

- 232 -
Quando amei mais que Deus, alguma coisa que não era Deus,
tornei-me sofredor e infeliz. Quando tornei novamente a amar Deus
mais que qualquer outra coisa, senti-me renascer e a felicidade não
tardou a voltar em mim.

- 242 -
O mundo me deu um conhecimento que não lhe é vantajoso. Vi
que, como ele não tinha espírito a não ser para ser malvado, ele não
concebia que se pudesse ser bom sem ser bobo.

- 247 -
Não foi para instruir que escrevi livros, a não ser para exortar e
para preservar; mas, se falhei em alguma coisa com a sabedoria ao
escrever, não sofreria tanto como se tivesse querido ensinar e isso de
meu chefe. A bondade divina usará, espero, indulgência com relação a
mim em favor de minhas intenções.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 27


Biblioteca Martinista Universal

- 254 -
É por experiência que posso dizer que o alimento diário de um
homem de desejo é um pequeno pedaço de madeira da verdadeira cruz,
infundido nas lágrimas do profeta. Infeliz daquele se ele passe um dia
sem se repastar deste alimento! Se ele não tiver comido seu pão
cotidiano.

- 261 -
O tipo que foi acordado ao meu espírito, e que é de poder
combater a falsa filosofia e de desejar ardentemente a manifestação do
reino, fez com que não tivesse nunca outro lugar neste mundo a não ser
o de estar perto dos incrédulos para submetê-los, ou perto de pessoas
que tivessem os dons dos Apóstolos, a fim de que eu não deixasse sua
sombra e que eu beijasse a poeira de seus pés todos os dias de minha
vida.

- 262 -
Em Ecce Homo página **, disse que quase todos os erros que
repudiamos nos outros, somos deles os primeiros autores. Posso dizer
que este repúdio tem mais peso sobre a Nação Francesa do que em
qualquer outra, pela leveza que faz seu caráter constitutivo; posso dizer,
além disso, que entre os franceses, sou um daqueles a que esta
reprovação seja mais aplicável; e é sobretudo em minha carreira na qual
pude reconhecer esta verdade. Joguei fora demais e por isso ocasionei

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 28


Biblioteca Martinista Universal

nos outros movimentos falsos que não teriam tido sem isso. Corrijo-me
um pouco neste ponto hoje e espero, mediado por Deus, que eu retorne
totalmente na obra interior e que eu não faça mais coisas além desse
propósito. É no homem que devemos escrever, pensar e falar; não é
sobre o papel, no ar ou nos desertos onde encontramos somente
animais que não nos entendem ou lobos que irritamos ou que nos
devoram.

- 263 -
Uma vez, escrevi a meu pai com um sentimento profundo, que
tinha nascido para a paz e para a felicidade; e na verdade, nada é
comparável à calma suave da qual regozija minha alma e da qual ela
poderá gozar ainda mais pela sequência, quando terá dado alguns
passos a mais; e esses passos estão aí como assegurados para elas,
tanto que deles tem felizes anúncios.

- 264 -
A principal de minhas pretensões era de persuadir os outros que
eu não era outra coisa a não ser um pecador por quem Deus tinha
bondades infinitas.

- 271 -
Há cinco preceitos que me foram dados para a boa via e que
nunca deveria esquecê-los, ei-los aqui:

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 29


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Se na presença de um homem honesto, homens ausentes são


ultrajados, o honesto homem se torna por direito o representante deles;

Conduza-te bem, isso te instruirá mais na sabedoria e na moral


do que todos os livros que tratam disso; pois, a sabedoria e a moral são
coisas ativas;

Seria um grande serviço aos homens que de lhes proibir


universalmente a palavra: pois, é por esta via que é a abominação os
embriaga e os engole todos vivos.

A rota da via humana está cheia de tribulações que se religam de


posto em posto, e dos quais cada um não nos deixa a não ser quando
nos conduziu à seguinte estação para ali sermos atrelados por uma
nova tribulação;

Não é preciso ir ao deserto, a menos que não seja o espírito que


nos leva a isso. Sem o que ele não é obrigado a nos defender das
tentações que nós nele encontramos: também quantas pessoas não há
que nele sucumbem?

- 275 -
Reconheci que para o homem, havia apenas duas maneiras de
sair da vida; a saber: como insensatos com orgulho ou desespero, ou
como sábios e santos com êxtase místico e resignação.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 30


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- 283 -
Não posso impedir-me de olhar como uma enorme felicidade para
mim, do que a maioria do tempo os homens não me entenderam: pois,
teria parado nas medidas nas quais eles me teriam detido, e eles me
teriam impedido por isso, talvez, de atingir coisas que só eu podia
entender com Deus e pelo canal vivo de sua instrução direta e íntima.

- 290 -
Se eu não tivesse encontrado Deus, jamais meu espírito teria
podido fixar-se em nada sobre a terra.

- 302 -
Tudo o que eu queria era me defender dos movimentos viciosos,
dos falsos prazeres, dos falsos apegos, das falsas penas e atravessar o
inimigo, as doenças, os elementos, as assembleias santas, deixando
sempre pesar sobre mim a grande ação e deixando-me sempre
prosternar na humildade.

- 310 -
Demonstrei o suficiente em meus escritos o quanto a prece do
homem interior estava acima das preces das fórmulas, mas
experimentei, ao mesmo tempo, quanto as orações feitas nas Igrejas
tinham, algumas vezes, a vantagem sobre as preces feitas na solidão e
sem seus companheiros. Os templos estão carregados do magismo da

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 31


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oração e do sacrifício. Este magismo influencia sobre mim e me torna,


em parte, o que me falta. Os fortes podem ficar sem este socorro.

- 313 -
Fui tão frequentemente obrigado a diminuir meu coração que, por
várias vezes, pessoas que não me conheciam teriam duvidado se eu teria
um. Mas, como podia eu determinar-me a entregar meu coração a
pessoas que só o teriam sepultado em suas ignorâncias, em suas
fraquezas, em suas imundices.

- 314 -
Foi na efusão de meu coração que pedi a Deus para dar vida
espiritual àquele por quem ele permitiu que eu recebesse a vida
temporal, isto é, o meio de evitar a morte. Esta recompensa, em favor
deste ser que honro, foi um dos mais doces júbilos que puderam ser
acordados, e teria feito a balança de todas as provas que suportei por
ele e por causa dele.

- 317 -
Para mim foi fácil notar que os homens passavam seus dias a
esconder-se uns dos outros, mas com esta diferença que os insensatos e
os hipócritas escondem dos outros sua ignorância e suas paixões, ao
passo que os sábios lhes escondem suas luzes e suas virtudes.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 32


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Para mim foi fácil também notar que os homens agem assim com
seus corpos, como as crianças com seus bonecos, que vestem e despem
continuamente, alisam e maltratam, que os enfeitam e os despojam
depois de seus ornamentos.

- 319 -
Todos meus escritos provaram que não podíamos ter qualquer
confiança em nossas doutrinas, enquanto tivéssemos colocado nosso
espírito aos cuidados das Escrituras Santas. É preciso excetuar minha
primeira obra intitulada: Dos Erros e da Verdade; porque nesta obra;
tendo como objetivo apenas combater a filosofia da matéria, não podia
deixar de ver o termo onde conduzia o leitor, sem expô-lo a desgostar-se
por antecipação, tanto as escrituras estão em descrédito entre os
homens. Aliás, fui nutrido por princípios naturais, são os únicos que se
deve apresentar à inteligência humana e às tradições que vêm em
seguida, por mais sublimes e profundas que elas sejam, não devem
nunca serem empregadas a não ser como confirmação, porque a
inteligência do homem existia antes dos livros.

- 323 -
Vi que os homens ficavam impressionados em morrer, e que não
ficavam impressionados em nascer. É aí, no entanto, o que mereceria
mais de sua surpresa e de sua admiração.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 33


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Vi que a criança desdenhava e deixava abaixo de si as coisas do


mundo que ocupava os homens, porque elas estão acima delas. Mas, vi
também que os homens que não são nada mais que crianças grandes, e
faziam o mesmo relativamente às luzes e às verdades eternas da divina
sabedoria: é nisso o que tão frequentemente atravessou minha alma
como uma espada.

- 328 -
Quando vi os pobres e os ambiciosos pedir socorros e graças a
outros homens, disse-me, é preciso que os homens tenham antigamente
dirigido suas preces a outros homens que não eram Deus e o que fazem
hoje é certamente a consequência disso e a punição.

- 334 -
Minhas obras, particularmente as primeiras, foram o fruto de meu
terno apego ao homem, mas, ao mesmo tempo, do pouco conhecimento
que tinha de sua maneira de ser, e do pouco de impressão que lhes
causam as verdades neste estado de trevas e de descuido onde ele se
deixa corromper. É, de fato, uma coisa lamentável que ver o pouco fruto
que ele retira de tudo o que lhe é oferecido para seu adiantamento. Não
são minhas obras que mais me fazem gemer sobre esse descuido, são
aqueles de um homem de quem não sou digno de desatar o cardaço de
seus sapatos, meu caríssimo Böhme. É preciso que o homem tenha
inteiramente se tornado rocha ou demônio, para nada ter aproveitado do
que fez este tesouro enviado ao mundo há cento e quarenta anos.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 34


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- 335 -
Vi a universalidade dos humanos não ser ocupados a não ser
para ganhar o que eles chamam sua vida; pareceu-me que eles teriam
melhor feito chamar isso ganhar sua morte: pois, não cumprem seu
objetivo a não ser com coisas mortas e com cadáveres e isso tanto no
moral quanto no físico.

- 338 -
Uma das maravilhas que mais atraiu minha admiração é de ver
quanto foi necessário que Jacob Böhme tivesse uma grande dose de
amor e de água viva para que ela não tivesse sido dissecado pela
grandeza de seu fogo e de seus conhecimentos.

- 340 -
Foi bem doloroso para meu espírito e para meu zelo ver que vários
daqueles que eram carregados por sua condição de professar e de pregar
a fé, eram aqueles que menos tinham fé, e que riam até mesmo daqueles
que tinham o mínimo raio desta fé.

- 341 -
Senti o inconveniente que teria de contemplar continuamente a
vida do lado ruim. Senti que isso poderia desencorajar, e que era bom
olhar também frequentemente a beleza da verdade; porque sua vista nos
regozija, nos eleva e nos fortifica. Aliás, senti que o homem devia andar
somente com respeito entre todas as obras da natureza, uma vez que

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 35


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não pode dar nela um passo sem encontrar seu Deus. Enfim, senti que
aqueles que se acostumaram a saudar a cruz deveriam em todos os
passos ter o chapéu na mão, uma vez que a universalidade dos seres só
existe e se move por este pivô. Essas três ideias de minha juventude:
porém, na idade em que me encontro atualmente, recebi disso
demonstrações tão consoladoras que fazem, ao mesmo tempo, minha
vida e minha felicidade (1o de fevereiro de 1793).

- 347 -
Meu destino foi de estar em guerra com todos os homens, uma
vez que há tão poucos deles que buscam a verdade. Estive em guerra
com o mundo que não trabalha a não ser para fomentar o espírito do
homem e em fazê-lo cair na ruína, quando ele não é bastante forte para
livrar-se das grandes iniquidades. Estive em guerra com os filósofos que
quiseram degradar a natureza do homem e equipará-lo ao nível dos
animais. Estive em guerra com os cientistas que tanto desfiguraram a
natureza, que este espelho tornou-se completamente irreconhecível
entre suas mãos. Estive em guerra com alguns teólogos que desviavam a
alma humana e a tirava de suas vias. Tentei concluir meu dever tanto
quanto pude nas diversas circunstâncias nas quais me encontrei, e
desejo que meus serviços neste gênero possam um dia fazer passar a
esponja sobre meus descartes e minhas infidelidades.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 36


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- 349 -
Aconteceu-me de dizer, algumas vezes, que eu acreditava pouco
em nossas casas; mas, era uma distração, tendo escrito sobre isso
ideias diferentes em meu tratado de admiração. Mas, além disso, provei
o contrário indo ver o Sr. e a Sra. Mores, ingleses de nação, que ocupam
a casa onde nasci no grande mercado em Amboise. Lá, experimentei
uma sensação doce e terna, revisitando lugares onde passei minha
infância, e que estão marcadas por mil circunstâncias interessantes de
minha pequena idade.

- 353 -
Frequentemente, senti a necessidade de reencontrar ocasiões de
desenvolver para os homens as bases sobre as quais todo meu edifício
se repousa, e os princípios que fazem minha felicidade. Eu mesmo
murmurei, algumas vezes, de como essas ocasiões eram tão raras; mas,
quando refleti o quanto o homem estava afastado de sua verdadeira via,
e mesmo de querer escutar a língua de seu desejo; quando, além disso,
senti o quanto ele daria pouco tempo à instrução, em razão dos imensos
e numerosos circuitos que seria necessário mandar fazer para conduzi-
lo somente a reconhecer que ele tem uma grande obra a fazer, e que
esta grande obra é a única coisa que ele tem a fazer; então, calei-me,
fechei-me em mim mesmo, contento-me de lançar-me nos braços de
meu Deus, e de orar a Ele para que lembre a todos os meus irmãos
deste doce lar.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 37


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- 354 -
Se fugi algumas vezes dos homens de medo de ser infectado por
sua corrupção, aconteceu-me também outras vezes de fazê-los fugir por
fraqueza, e mesmo por orgulho, em que senti que seus males e,
sobretudo, os poderes de sua vontade corrompida estavam acima de
meus meios de vitória, e não teriam feito que detectar minha
humilhante impotência; reprovações que muitos outros que eu podem
se fazer sobre a terra, mas que tive que me fazer mais que um outro;
pois, fui o mais fraco dos homens, e sem os socorros que a providência
me dera, teria sido completamente nada; ora, encontrando por toda
parte homens que estavam completamente em sua letargia e em sua
corrupção, e eu sendo apenas uma metade do espírito ou apenas uma
metade do eleito, não é de se admirar que eu tivesse tido desvantagem.
Também, tive logo cedo a força de resistência como a força de redução, e
se não se tem, sob todas as relações, esta última força, a prudência e o
amor-próprio devem nos engajar não buscar o combate.

- 359 -
Meu temor mais vivo na ordem das coisas espirituais, não é a
crença de não ser um dia tirado do lamaçal pela grande misericórdia,
mas é de ver que nele deixo e deixarei tantos outros! Esta dor espiritual
é o verdadeiro tesouro precioso que a divindade me deu. Por mais
amarga que seja ao meu coração e, no entanto, ele que é meu resgate, e
cabe a mim de não deixá-la perder inutilmente.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 38


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- 362 -
Minha obra tem por base e seu curso no divino. Eis por que ela é
tão estranha ao sensível e tão pouco marcante na ordem exterior. Ela
não falhará, eu espero, de ter também seu fim neste mesmo divino. Eis
por que ela se fará livremente, deliciosamente e completamente apenas
quando eu estiver despojado de meu envoltório terrestre. Este mundo
não é capaz de receber e de captar a obra de um homem de paz que não
quer viver e agir a não ser no princípio. Também minhas suspensões,
minhas privações, minhas próprias tribulações não me alarmam, ainda
que elas me aflijam e me façam sofrer e chorar. Sinto que no meio de
todas essas tenebrosas angústias, um fio secreto me mantém ligado
para me preservar, creio ser como um homem caído no mar, mas que
mantém na mão uma corda da qual seu punho está fortemente
envolvido e que corresponde até a embarcação. Apesar de que este
homem seja o brinquedo dos refluxos, apesar de que as ondas o
inundam e passam por cima de sua cabeça, elas não conseguem engoli-
lo; ele sente de vez em quando seu sustento e a firme esperança que
logo retornará à embarcação.

- 364 -
Um abuso que reconheci mais tarde, ainda que o tenha
pressentido quase toda minha vida, é o no qual o espírito do homem é
arrastado pelos encantos das ciências humanas e o império do olho de
seus semelhantes. Este perigo é tal que o homem não se vê mais como o
único termo da empreitada; e contanto que sua glória seja salva e

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 39


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satisfeita, ele não acredita ter outro objetivo a propor-se. Eis este voraz
espírito do mundo que engole diariamente os humanos, e que os
alimenta com este veneno corrosivo do qual ele é, ao mesmo tempo, o
princípio e o órgão. O princípio de verdade impõe aos homens outras
leis. Ele não lhes comunica nada a não ser para sua própria obra; ele
não lhes deixa o lazer de se contemplar e de imaginar para eles; ele os
trata como mercenários; ele não lhes faz ganhar o pão a não ser com o
suor de seu rosto; ele não lhes manda dar um passo, que não paguem
por esforços peníveis e longas dores e, no entanto, não é assim que são
felizes; nada é comparável à felicidade de ser empregado no serviço de
tal mestre.

- 365 -
Uma verdade certa, e que frequentemente repeti, é que pode-se
encontrar Deus em todos os lugares: eis porque infelicidade está para
aquele que se desencoraja e que se deixa enfraquecer sua fé em Deus,
como se ele cessasse de crer em sua existência universal e soberana.
Mas uma verdade que não é menos certa, que se pode perder Deus por
toda parte, se não estiver perpetuamente sob sua guarda. Eis porque a
infelicidade está para aqueles que se deixam levar pela negligência, ou
que se deixam tomar pelas numerosas ilusões das quais todos os
lugares de nosso triste deserto estão repletos.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 40


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- 367 -
Veio-me ao pensamento que o dom que fora dado era de natureza
a não poder ser exercido neste mundo, e que era apenas na região
verdadeira que minha inclinação para verdade poderia se fazer
entender. Acontece-me, além disso, desde algum tempo, que tais
desenvolvimentos e tais percepções, seja em luzes, seja em consolações,
que me sinto tentado de olhá-las como provisões que a providência me
envia, e das precauções que ela me fez tomar por algumas grandes
aflições e angústias que poderiam me vir. Os momentos atuais parecem,
de fato, ter que conduzi-los em mais de um gênero. Escrevo isso em
Amboise, em 25 de abril de 1793.

- 377 -
Em um romance do Sr. de Mayer, 1 a parte, página 29, encontrei
uma ideia que me pareceu bem suave e bem verdadeira: amar, não é por
ter perdido a inocência; há somente as consequências do amor que
podem ser criminosas; mas nada é tão puro como seu berço.

O autor que havia escrito esta charmosa ideia, compreendeu dela


toda a extensão? Eu o ignoro. Poderia presumir que não; pois, não teria
escrito romances.

- 381 -
O mais belo verso que, na minha opinião, esteja na literatura dos
homens é o 853o do sexto livro de Eneida,

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 41


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Parcere subjectis, et debellare su superbos.

Este verso é belo demais pela justeza da ideia e pela simplicidade


da expressão, para não ter lugar entre as coisas inspiradas.

- 382 -
Um dia dizia a alguém: você quer compreender o que a Escritura
ensina? Comece por fazer o que a Escritura ordena. Veja sobre o que
repousa todas as promessas feitas por Moisés e os profetas ao povo
hebreu; sobre a fidelidade deste povo em observar as ordenanças do
Senhor. Veja sobre o que repousam as ameaças sobre a negligência a
seguir sobre as leis cerimoniais e espirituais da promessa e da aliança.
Veja quais eram as promessas de possuir a terra, de ser o povo de Deus
e de ter Deus e seu espírito como guia. Veja quais eram as ameaças:
padecer nas trevas e na ignorância. Ora, como os doutores e todos
aqueles que se apropriam da chave da ciência, não observam a lei e as
ordenanças da Escritura, uma vez que eles não creem nessas
ordenanças, eles não compreendem mais essas mesmas ordenanças, e
perdem de vista o espírito e o sentido da verdade, em seguida, tudo o
que não compreendem, eles os modificam ao seu gosto, e acabam por
mutilá-lo por completo, ou para explicá-lo por um sentido vago e
material; o que é mais que arrasar e virar de cabeça para baixo a vinha
do Senhor. Lex lux.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 42


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- 385 -
Vi que a imagem da virtude agradava aos ricos e aos felizes do
século, contanto que estivessem bem seguros de ter todos os meios de
ser dispensados de segui-las. Mas, enfim, este mesmo gosto que eles
ainda têm por sua imagem é uma fagulha de sua chama original e que
depõe em favor de sua primitiva natureza.

- 393 -
Extraído de uma carta para mim do Sr. Vial d’Aig com respeito à
Virgem. O Espírito que preside a terra não é nenhum outro que a
Virgem, como você o crê, assim como M. Dutoit. A Virgem é da ordem
das almas humanas privilegiadas. Ela teve por obra a regeneração de
seu círculo, servindo de lar e de receptáculo na formação humana da
chave divina que devia abrir para nós a região eterna. O espírito da terra
se atém ao espírito geral do mundo temporal, e não tem por obra a não
ser a realização dos planos físicos espirituais de Deus para o tempo.
Quando esta obra estiver concluída, ele voltará em sua ação espiritual
simples, para trabalhar nos novos céus e na nova terra. Mas e a Virgem
e ele serão eternamente de uma categoria diferente. Olha este espírito e
todos de sua classe, como o templo; olhe a alma da Virgem e de todos os
homens, particularmente dos eleitos, como adoradores, olhe as
potências eternas e sagradas de Deus como os ministros e nosso
soberano Criador como o Deus único que brilhará no meio de todos
esses agentes e de todas essas regiões dos quais ele receberá uma
eterna homenagem e você terá a ideia que, creio, é preciso ter desta

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 43


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grande e harmoniosa ordenança na qual todas as classes não farão a


não ser uma e serão consumadas na unidade.

- 396 -
O número de pessoas que se enganam é seguramente
considerável; mas o das pessoas que enganam a si próprias é
infinitamente maior.

- 398 -
As tribulações da terra, se me fizeram murmurar algumas vezes,
me ensinaram por que a providência permitia que elas nos chegassem, é
que temos inclinações demasiadas em crer que a terra deve ser suave e
é para nos ensinar que ela deve ser amarga. Mesmo o justo deve se
ressentir dessas tribulações, não somente para que ele conserve o
sentimento desta amargura da terra, mas também por uma sequência
de pavorosa degradação das coisas após o pecado. Pois, quando Deus
tem planos com relação à terra, a execução disso é dolorosa para sua
própria sabedoria que se encontra então comprimida e como estreitada.
Após isso, como o justo ousaria ele a murmurar de encontrar-se tão
pressionado por sua vez por males que ele não teria cometido?

- 399 -
Em meu zelo pela justiça sofri de ver que aqueles que, por
condição, se estabeleceram médicos das consciências, apenas

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 44


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procuravam governá-las, ao passo que deveriam somente ocupar-se em


curá-las e depois fixar-se nisso.

- 404 -
Os homens que vivem apenas na superfície têm somente
pequenas penas e pequenos prazeres. Eles são logo consolados mais que
os aflitos, logo afligidos que os consolados. São apenas figuras de
homens. Também seria necessário que a vida desses homens
recomeçasse, assim que tivessem deixado esta região visível e aparente,
uma vez que eles teriam apenas vivido durante o tempo que a teriam
atravessado, e é este prolongamento de tempo que faria o suplício deles,
porque a combinação de suas substâncias não seria uma medida tão
suave e tão harmoniosa a não ser neste mundo, onde tudo está nas
proporções da misericórdia e da salvação.

- 413 -
As situações as mais prejudiciais em que me encontrei na vida
são aquelas nas quais tinha apenas somente eu como mestre e como
apoio, e somente eu como obstáculo e como adversário.

- 418 -
É à obra da Abadia, intitulada “A Arte de se Conhecer” que devo
meu desapego das coisas deste mundo. Eu a lia em minha infância no
colégio de Pont Levoy com deleites, e parecia-me que mesmo na época
eu a compreendia; o que não deve infinitamente surpreender, uma vez

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 45


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que é tanto uma obra de sentimento quanto de profunda reflexão. É a


Burlamaqui, como disse em outro lugar, que devo meu gosto pelas
bases naturais da razão e da justiça do homem. É a Martinès de
Pasqually que devo minha entrada nas verdades superiores. É a Jacob
Böhme que devo os passos mais importantes que dei nessas verdades.

- 422 -
Sempre fui arrebatado de admiração pela leitura de Young e de
Klopstock; fiquei na admiração de ver quanto recurso esses dois
escritores tinham encontrado em seu gênio para bastar aos planos que
eles tinham se proposto. Mas, reconheci, ao mesmo tempo, que tinham
sido mais instruídos pelas terras que percorriam, eles não teriam
suprido por ornamentos de literatura e poesia às profundas verdades
que eles ignoravam. Uma única passagem de nossos profetas apaga
todos os prodígios de suas plumas. Milton, ele próprio, era um pouco
submisso ao astral; ele não sentia sua inspiração criativa a não ser nos
equinócios.

- 423 -
Rousseau era melhor que eu, eu o reconheci sem dificuldade. Ele
tendia para o bem pelo coração; eu tendia para o bem pelo espírito, para
as luzes e para os conhecimentos. É isso que nos caracteriza tanto um
quanto o outro. Deixo, no entanto, aos homens a inteligência para
discernir o que chamo de verdadeiras luzes e verdadeiros conhecimentos

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 46


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e não confundi-los com as ciências humanas que criam apenas


orgulhosos e ignorantes.

- 427 -
Um dos meus erros mais graves e ao qual, no entanto, não prestei
atenção a não ser mais tarde, é de ter-me entregado na vida à alegria e à
brincadeira. Este frívolo uso do espírito é pernicioso àqueles que querem
caminhar na carreira da sabedoria. Não somente isso dá a seu espírito
uma mancha de leviandade que o impede de fazer parte da mais
substanciosa das verdades com as quais ele deve se nutrir; mas isso faz
ainda com que seu coração, com o passar do tempo, passe também para
essa mesma mentalidade e acabe por evaporar-se. Infeliz daquele que
não alicerça seu edifício espiritual sobre a base sólida de seu coração
em perpétua purificação e imolação pelo fogo sagrado! É apenas este
ouro que pode ser empregado pelo grande Betzalel.

- 429 -
No meio dos males que arrasam minha pátria e que me poupam,
não pude me impedir de experimentar um momento de surpresa ao ver
que eu, que tão pouco aproveitou das graças de Deus, ele me tratar
como se não tivesse nenhuma reprovação por essas mesmas graças, se
eles as tivessem recebido, não somente delas foram privados, mas
tratados como se delas tivessem abusado. Mas, aprendi que nenhum de
nós sabe o que tem escondido no fundo do nosso ser, se Deus não no-lo
revelar, e o que ocasiona esta impressionante predileção de Deus para

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 47


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certos homens, é o grão de seu próprio desejo que lhe agradou de


colocar neles, e sobre o qual depositam todos os olhares e todas as
atenções.

- 433 -
Quando considero todos os eleitos de Deus, desde a primeira
idade do mundo até o nosso tempo, vejo que todos experimentaram a
mesma dor que é de sentir a verdade lhes dar mais bens e
magnificências que eles não conseguiam espalhá-los em volta deles.
Assim, é preciso com toda a necessidade que todos os que estão no
caminho esperem em ressentir as mesmas angústias; é preciso que
renunciem em encontrar-se na medida com os homens que os cercam; é
preciso que eles se empenhem em encontrar somente essas medidas
justas, verdadeiras e completas somente em seu Deus.

- 440 -
Os Livros me pareceram ser apenas as janelas do templo da
verdade, e não ser dela a porta, é que, com efeito, eles apenas mostram
as coisas aos homens, e que não lhas dá. Ora, os homens estão em um
tal estado de languidez e de indiferença, que não basta apenas
impulsioná-los, se não se arrastá-los à força. Não apenas atraí-los, é
preciso puxá-los como carroças pesadas e inertes; também o Reparador,
que estava na via, não escreveu livros, mas mostrou no alto sobre a
cruz, a fim de atrair e puxar tudo para si. (Este pensamento vale por si
só muitos livros, segundo eu)

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 48


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- 446 -
Deus disse que colheria onde não havia semeado, e fui obrigado
quase continuamente a semear onde não havia terra. Os homens que vi
exigiram que, no momento no qual lhes fosse conveniente, eu estivesse
sempre a mostrar-lhes o fim e, no entanto, nos víamos tão raramente
que eles se colocavam somente no começo. É preciso muito tempo para
se colocar mesmo neste começo.

- 451 -
Observei quanto os homens se enganavam sobre a felicidade deste
mundo. Esta felicidade não lhes é acordada a não ser para que vão mais
longe e para que subam. Ao contrário, eles param aí; eles fazem como os
cristãos nas coisas religiosas; eles tomam o meio pelo final, e quando
este meio que eles tomam por final lhes é tirado, eles caem; no lugar de
ter subido mais alto, a escada poderia se retirar, para que eles ficassem
ainda sobre seus pés.

- 453 -
Senti que havia apenas duas maneiras de encontrar a verdade;
uma, o silêncio absoluto e mais exclusivo, o mesmo que aquele dos
pitagóricos, contanto que o desejo interno continue aceso; a outra, falar
sempre desta verdade e de falar apenas nisso. O que faz com que os
homens a encontrem raramente, e acabam por acreditar que ela não
existe mais; é que falam sempre e nunca falam dela.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 49


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- 456 -
Quantas vezes fui levado a fazer uma triste reflexão sobre os
humanos, é que eles parecem sempre quase todos a um homem que
teria caído em um rio e que esperava, para se pôr a nadar, que este rio
estivesse seco, esperando sempre que as águas se escorram. Quantas
vezes eu fui este homem?

- 458 -
Considerando a condição do homem neste baixo mundo, e minha
situação pessoal no meio de tantos mortais dos quais não posso esperar
nenhum socorro espiritual, e mesmo a quem não posso isso fornecer,
veio-me em pensamento de me olhar lá onde estou, como o Robinson da
espiritualidade, e obrigado, como ele, de manter somente minha
subsistência, de me defender dos animais vorazes, e de me empregar
sem cessar todo meu ser na minha preservação e na minha
manutenção. Mas, encontrei-me como ele uma confiança que me
fornece consolações e uma forte esperança de que um dia algum barco
hospitalar viria me tirar de meu deserto.

- 459 -
Poucas pessoas acreditariam no que vou dizer e no que senti, é
que nas maiores tribulações e nas maiores injustiças que podemos ser
testados, seríamos ainda mais embaraçados com nossas prosperidades
e com nossos favores, que atormentados por nossos males e nossos

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 50


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desastres, se tivéssemos cuidado de contemplar os socorros poderosos


que nos cercam e não nos abandonam nunca.

- 468 -
Sinto no fundo de meu ser uma voz que me diz que sou de uma
terra onde não há mulheres. Eis porque, sem dúvida, todas as empresas
maritais que me fizeram falharam. Isso não impede que, desde que
adquiri profundas luzes sobre a mulher, eu a honre e a ame apenas nas
efervescências de minha juventude, ainda que eu saiba também que sua
maneira é ainda mais degenerada e mais temível que a matéria do
homem.

- 472 -
Nas causas célebres, percorri o processo da Sra. S… e de seus
filhos, com os quais ela havia matado seu marido. Era uma família de
Marselha. O crime permaneceu escondido vários meses. Ele foi
descoberto por um engano do Sr. de Cavoy que, remetendo-se ao Sr. de
Pontchartrain, então chanceler, papéis de negócios a serem examinados,
entre eles escorregou, sem prestar-se atenção, uma carta na qual todo o
crime estava detalhado. Não é somente esta marcha secreta da justiça
que me impressionou neste evento, é a viva e tocante eloquência do
capuchinho que, acompanhando os criminosos ao suplício, em Aix, dizia
ao povo: orai por esses infelizes, mas orai também por vós. Somos todos
pecadores, e se vedes como Deus trata àqueles mesmo a quem ele
perdoa, julgai como ele tratará aqueles que não perdoam e que não

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 51


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terão feito penitência. Se os capuchinhos nunca tinham dito essas


coisas e que não tivessem colocado sua virtude na sobrecasaca, não
teriam sido tão desprezados. Este do qual é questão, levará a
sentimentos tão arrependedores e tão piedosos, os penitentes dos quais
ele se encarregou, que foram um exemplo de devotamento e de
resignação, após ter sido a vergonha da humanidade: são esses
movimentos mergulhados na sublime lógica do amor, que sempre
tiveram sobre mim mais preponderância.

- 479 -
A coisa que me pareceu mais rara, frequentando os homens, é de
encontrar um que se abrigasse na casa dele; eles se alojam quase todos
em quarto guarnecido, e ainda não estão aí mais desprovidos e que mais
reclamam; há os que não se abrigam a não ser sob as portas, como os
Lazaronis de Nápoles ou mesmo nas ruas ou sob a bela estrela, tanto
que têm pouca preocupação de conservar sua casa patrimonial, e de
não se deixar bloquear seu próprio domínio.

- 482 -
Não é uma dor para o pensamento de ver que o homem passa sua
vida a buscar como ele a passará! Infelizmente eu tenho que me fazer
esta crítica como os outros homens, ao passo que havia recebido bem
mais socorros que eles para me preservar disso.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 52


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- 488 -
Minha seita é a providência; meus prosélitos, sou eu; meu culto, é
a justiça; há muito tempo que tal é a base de todas as minhas ideias, de
todos os meus sentimentos e de toda minha doutrina. Quanto mais
avanço na idade, mais esses princípios e esses movimentos se fortificam
em mim, porque o alimento que toma meu espírito é absolutamente
deste tipo. Não é de impressionar que esta relação e esta
correspondência deixam em mim efeitos que lhes sejam análogos.

- 505 -
É uma triste verdade que infelizmente experimentei muito, que
não somente só nos instruímos por nossos erros; mas, poderia-se dizer
a não ser por nossos crimes. É certo que sempre aprendi alguma coisa
de grande na sequência de algum grande desvio, sobretudo, a burrice do
inimigo e o amor do pai.

- 507 -
Eis como me imaginei como era um sábio, em comparação com o
resto dos homens. Disse-me que um sábio (todavia no sentido mais
completo que se estende até a formação das línguas) era um homem que
tomava tanto cuidado de esconder o que ele tinha que os outros se
esforçam para mostrar o que eles não têm.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 53


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- 536 -
Durante minha estada em Paris desde a Revolução, estive ao
alcance de perceber o tom das pessoas de Corte. No tempo no qual eram
alimentadas pela atmosfera real, seu orgulho, sua cupidez e todas as
outras corrupções delas não se percebia a não ser através de uma
amabilidade e de uma elegância de tom de modo de ser que fazia passar
por cima de tudo. Hoje, que esta fonte não existe mais para eles, não se
vê quase mais neles que o que estava escondido sob esses fora tão
sedutores. Eles desprezaram o mercador quando tinham a certeza de
ser distinguidos por seus títulos. Hoje, eles não seriam mais distintos
por seus títulos, eles se fazem mercadores, a fim de serem distintos por
sua fortuna; pois, todo o pavor deles é de serem confundidos com os
outros homens. Antigamente, eles eram cercados de tudo o que havia de
famoso em todos os gêneros, e esta abordagem estendia algumas vezes
véus sobre sua ignorância; hoje desprovidos deste recurso, sua
ignorância patente e grosseira se mostra ao descoberto. Antigamente,
elas eram contidas pelas aparências da moralidade e pela decência
exterior que era necessária afetar na Corte; hoje a brutalidade e a
grosseria vegetam sozinhas: e é por esses tristes efeitos que teria
aprendido o que havia no fundo de um homem da Corte, quando não o
teria visto, por assim dizer, desde os primeiros momentos de minha vida
na qual fui levado a exercer meu pensamento.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 54


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- 548 -
O bem-estar terrestre me pareceu tão bem um obstáculo ao
progresso do homem, e a demolição de seu reino neste mundo, uma tão
grande vantagem para ele, que no meios dos gemidos que ocasionavam
o desmoronamento das fortunas durante a Revolução, por uma
sequência de falta de habilidade e ignorância de nossos Legisladores,
sempre me encontrei bem pronto a orar para que esse gênero de
desordens aumentasse mais ainda, a fim de fazer o homem sentir a
necessidade de apoiar-se sobre seu verdadeiro sustentáculo em todos os
gêneros.

- 553 -
Quando me perguntam se creio na volta dos mortos, respondo
que não, porque não creio nos que se vão, posto que apesar de nossa
morte terrestre, os espíritos não se vão realmente, e que é a afeição
deles que faz toda sua localidade.

- 576 -
Deslandes, oficial do regimento da Bretanha, me qualificou um
dia com o título de espiritualista, em oposição ao de naturalista, ao qual
provavelmente seus sucessos no magnetismo lhe fariam dar a
preferência. Apesar de sua mente que é muito amável, e suas virtudes
heroicas, ele ignora que não é o suficiente para mim ser espiritualista; e
se ele me conhecesse, longe de ater-se a isso, ele me chamaria divinista:
pois, é meu verdadeiro nome.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 55


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- 591 -
Feliz daqueles que apenas chegam às suas lágrimas! Tenho a
esperança que tal será um dia meu destino; é o conjunto dos
desenvolvimentos e dos movimentos de minha vida passada que arrasta
meu espírito a essas conjecturas.

- 592 -
Quanto mais a obra que me chama e que me espera é grande,
mais ela me preserva do orgulho: pois, mais sinto que me é possível de
fazê-la eu mesmo.

- 593 -
Não é uma coisa lamentável e dilacerante que não saibamos, por
assim dizer, conhecer o amor de Deus por nós, a não ser por nossos
crimes! Se o encontrássemos tão suave e tão grande, quando nos
havíamos perdido, o que deve ser então, quando somos sábios e
virtuosos! Sim, seria pelo interesse próprio de nossos prazeres, que
deveríamos ser fiéis a seus preceitos e a suas leis. Infeliz do inimigo do
homem, tu sabes o quanto tu perderias a ti mesmo, se ele fosse sábio,
para que não te ocupes sem cessar do cuidado de impedi-lo; mas tu
ignoras também que Deus é doce, mesmo após nossos crimes, e que por
isso todos os teus projetos são desfeitos: pois, como perdeste a ciência
do começo das coisas, não podes ter a de seu termo e de seu fim.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 56


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- 594 -
Um dos grandes objetivos da Revolução Francesa foi de mostrar
aos homens o que eles se tornariam, se Deus os abandonasse
inteiramente à fúria de sua justiça, isto é, à fúria das trevas deles. Ele
quis fazer com que eles percebessem a raiz infectada sobre a qual se
repousa o reino da potência humana; ele quis lhes ensinar visivelmente
que ele é a fonte bem mais amável e bem mais saudável para eles. Mas,
infelizmente! Quantos são os que aproveitarão a lição! Quantos serão os
que, pelo contrário, desde que no dia seguinte a prova terá passado,
esquecerão o serviço que a mão suprema lhes queria dar por isso, e
mergulharão novamente no rio do esquecimento ou na torrente! Quem
não gemeria ao ver o quão é difícil pescar o homem nessas águas
turbulentas, quantas vezes o pescador lança a rede em vão e sem nada
pegar! Infelizes, infelizes daqueles que se deixarão passar sem proveito a
grande lição que eles nos dá! Ela tendia a nos aproximar de Deus, e os
homens infelizes não fazem e não farão que se afastar mais dele.

- 597 -
Salomão disse ter tudo visto sob o sol. Poderia citar alguém que
não mentiria, quando ele dissesse ter visto alguma coisa de mais: isto é,
o que há acima do sol, e que este alguém está bem longe de se glorificar.

- 598 -
Antes de nos queixarmos dos males que sofremos e das privações
que experimentamos, principalmente, se era por ordem da providência,

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 57


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deveríamos começar por agradecê-lo pelos bens que ela nos faz e pelos
presentes contínuos que ela nos envia.

- 601 -
São Paulo teria consentido de ser anátema para a salvação de
seus irmãos; com quanto mais justiça deveríamos consentir de ser
anátema para Deus, isto é, para que Sua glória chegue! Também tive
algumas vezes, por Sua graça, a felicidade de lhe dizer que, assim
mesmo sua glória deveria me cobrir de vergonha e perder-me por causa
de meus crimes, eu orava a ele para não parar, enquanto eu sentisse em
mim o desejo que ele avançava em suas vias, e que ele estendesse seu
conhecimento e sua luz entre a família humana, a única que pode senti-
lo, contemplá-lo e louvá-lo!

- 603 -
Apesar dos erros e das imprudências que cometi na
administração de meu talento, senti-me frequentemente um tal respeito
para as altas verdades, (sobretudo no gênero ativo) que teria algumas
vezes preferido passar por um homem vicioso e imundo, que por um
homem que era a este alto ranque. Teria visto, por assim dizer, envolver
essas altas verdades sob uma casca repugnante, para deixá-los ignorar
ao vulgar e ao tempo, persuadido, como estou, que nem um nem o outro
não são dignos que elas lhes sejam conhecidas e que elas se aproximam
deles. E é aí uma das minhas grandes dores neste mundo: pois, Deus
sabe se eu os amo esses infelizes mortais, e quanto eu queria que eles

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 58


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conhecessem as verdadeiras sendas por onde eles deveriam caminhar. É


verdade que antigamente eu colocava muito mistério para falar-lhes
dessas vias que conduzem à verdade; hoje tomo uma rota mais análoga
à minha franqueza, eu mostro o objetivo imediatamente àqueles,
todavia, que não se enveredaram pelas doutrinas filosóficas; eu lhes
mostro, dizendo-lhes que não é eu que posso conduzi-los a ela, eu me
dou bem com esse método.

- 603 -
bis
A grande e respeitável verdade me pareceu sempre tão longe do
espírito dos homens, que temia bem mais parecer sábio que loucura a
seus olhos. Também, quantas vezes lancei-me diante deles em alegrias e
parábolas forçadas que não podiam explicar a não ser a meu
detrimento. Eu sentindo mesmo que algumas vezes teria forçado o
temor de ser conhecido deles até deixar-me velar pelo verniz dos vícios e
da imundície. E é aí uma das grandes dores neste mundo; pois, Deus
sabe se eu os amo esses infelizes mortais e quanto eu queria que eles
conhecessem as verdadeiras sendas por onde eles deveriam caminhar.

- 614 -
Não tenho nada com eles que nada tem; tenho alguma coisa com
aqueles que têm alguma coisa; tenho tudo com aqueles que têm tudo:
eis o porquê fui julgado tão diversamente no mundo e a maioria do

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 59


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tempo tão desavantajosamente. Pois, no mundo, onde estão aqueles que


têm tudo? Onde estão mesmo aqueles que têm alguma coisa?

- 618 -
A passagem do Evangelho: eis quais sinais se os reconhecerá; os
venenos não lhe farão mal; eles tocarão serpentes, etc., se verificou
sobre mim em ordem filosófica. Eu li, vi, escutei os filósofos da matéria e
os doutores que arrasam o mundo pelas instruções e não há uma gota
de seu veneno que tenha penetrado em mim, nem uma só dessas
serpentes cuja mordedura me tenha sido prejudicial. Mas, tudo isso se
fez naturalmente em mim e por mim: pois, quando fiz essas salutares
experiências, eu era jovem demais e ignorante demais para poder contar
com minhas forças para alguma coisa.

- 619 -
Quanto a atmosfera do mundo e seus usos retêm o homem na
ignorância, e o impedem de encontrar a verdade, mesmo se este homem
parece tanto procurá-la? Estes homens infelizes mesmo fazem quadros
satíricos e picantes contra aqueles que se afastam dela que nos
enganam. Mas, sempre parecendo desejar que ela venha se estabelecer
em seu templo, eles têm o cuidado de murá-lo com cal e areia, as portas
e as janelas, e após tê-la assim impedindo de entrar neles, eles
caçoariam e ririam altamente de alguém que pretendesse ter feito um
mais amplo conhecimento dela.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 60


Biblioteca Martinista Universal

- 621 -
Se somos sábios, servimos de riso às pessoas da torrente; se
somos loucos, fazemos rir o demônio. A que extremidades nos
encontramos expostos neste mundo?

- 626 -
A oração do Espanhol: Meu Deus, guarda-me de mim, atenha-me
a um movimento bem salutar, quando podemos despertá-lo em nós; é o
de sentir que somos o único ser que devíamos ter medo sobre a terra; ao
passo que Deus é o único ser que só tem medo do que não está com ele.
Poderia-se acrescentar à oração acima, a seguinte prece: Meu Deus,
tende a bondade de me auxiliar em impedir-me de Vos assassinar.

- 631 -
Quero muito menos mal a um idólatra do que um deísta, porque
este abjura e proscreve toda comunicação entre o homem e Deus e que
o outro só faz a não ser enganar-se sobre o modo e o órgão desta
comunicação.

- 633 -
Uma das vivas dores de minha alma é de ver o quanto é grande o
pecado que devora o mundo. Pois, este pecado não é outra coisa senão o
de abandonar-se universalmente à inquietude, à desconfiança e a todos
esses movimentos cupidos e impacientes que arrastam todos os
humanos, ao passo que eles têm tão perto deles a fonte abundante que

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 61


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poderia lhes suprir de tudo! Eles estão em Deus, eles vivem em Deus,
eles vivem de Deus e, no entanto, eles vivem como se Deus estivesse
ausente, ou melhor, como se Deus não existisse.

- 634 -
Disse-me algumas vezes que o homem era um ser que atravessava
sem guarda-chuva a região tempestuosa desta natureza sempre repleta
de tempestades; e dizia também com a alegria que me foi bastante
ordinária, que ele parecia nela à sua frisura.

- 635 -
Há para a prece um grau ainda mais elevado que o de n o 626. É o
de sentir que a única prece que teríamos a fazer, seria de trabalhar
continuamente a não impedir-se de orar em nós Aquele que não pode
cessar de orar por nós, seja em nós, seja fora de nós: pois, é em nós que
Ele mais ora, porque somos seu Oratório; mas quando não Lhe
deixamos o acesso livre, Ele vai orar fora de nós e leva Sua paz com Ele.

- 637 -
Algumas vezes, nossos crimes se voltam ao nosso proveito, graças
à grande misericórdia divina: pois, os retornos que nos mandam fazer
sobre nós mesmos, excitam em nós uma sensibilidade que dispõe nosso
coração a experimentar disso uma de um gênero bem superior e Deus
aproveita desta disposição para nos enviar esta incomparável

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 62


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sensibilidade: eis como a infinita sabedoria tem a indústria de tirar em


nós o bem do mal.

- 642 -
Não é a cabeça que é preciso quebrar para avançar na carreira da
verdade, é o coração.

- 647 -
É bem fácil reconhecer que nas alegrias de nossa matéria não é
que somos felizes, é nossa bestialidade.

- 648 -
Antes de nos entregar a atos importantes, teríamos três conselhos
a consultar: 1) Se podemos; 2) se queremos; 3) se devemos. Infelizmente,
quase sempre são as circunstâncias que nos têm o valor de vontade ou
de desejo, e são nossas vontades e nossos desejos que nos têm o valor
de deveres. Eis porque há tão poucas coisas na ordem, e porque há
tantas decepções e infortúnios entre os homens.

- 651 -
Homem, quer fazer alguns progressos na carreira da sabedoria e
da verdade, entre nela apenas quando tiver, de alguma forma, esmagado
o mundo inteiro sob seus pés como um inseto.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 63


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- 653 -
Minha dor, na Revolução Francesa, foi a de ver que, porque se
rejeitava os produtores de vinho, a maioria dos homens acreditavam
também que era preciso rejeitar a vinha.

- 657 -
Ainda que as pessoas digam frequentemente que elas sejam bem
pagas para acreditar que nosso reino não é deste mundo; mas, eles
dizem isso somente porque se lhes tiram as posses e seus gozos neste
mundo, ao passo que, para falar certo, eles não deveriam dizer isso a
não ser que tivessem recebido, de fato, algumas porções dos tesouros do
outro reino. Não há a não ser esse meio de fazer a comparação.

- 659 -
Quantas vezes os raciocinadores me afligiram, dizendo com sua
tenebrosa e arrogante razão: o homem nasce sem prazer, vive na
extravagância e morre na dor; a que, pois, serviria criá-lo, para ser
assim um quadro exclusivo das trevas e do sofrimento? Mas, eu tinha
que dizer-lhes: por que fazeis esta questão, se credes que não se pode
respondê-la; e por que tendes a necessidade de fazê-la, se estais em
vossa situação natural, e se não há nenhuma outra para vós do que
aquela em que vos encontreis? Ora, se há uma outra, por que não
tentais conhecê-la antes de vos queixar? Talvez que então não vos
queixaríeis mais como fazeis.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 64


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- 661 -
Com muita frequência me dei conta, para minha vergonha e para
a da humanidade, que as aflições que nos causávamos a nós mesmos,
eram muito mais rudes que as que Deus nos enviava. Poucas pessoas
sabem dizer, laetati sumus pro diebus, etc. (Ps. 89, 15).

- 665 -
Julgaram-me inconstante nas coisas deste mundo: ter-se-ia
devido me julgar muito mais indeciso, se tivesse que me entregar a elas.
Pois, de fato, estive frequentemente em combate entre o atrativo dessas
coisas, e a persuasão que o mundo e eu não éramos feitos um para o
outro.

- 666 -
Vi os homens geralmente abandonados a uma tal nulidade que
ficava grandemente espantado por isso, que eles não fossem ainda mais
maldosos e mais infelizes, tanto que deixavam neles portas abertas para
o mal; e era isso para mim também uma das maiores provas da
vigilância contínua da providência, que age com eles como com
crianças, que não se pode deixar um só instante, e que é preciso
preservar sem cessar daquilo que eles não se preservam por si mesmos.
Sem minha grande missão (amor pela sabedoria) teria, talvez, me
tornado ainda mais nulo e mais maldoso que os outros homens: pois,
teria nascido muito mais fraco.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 65


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- 674 -
Uma das minhas mais úteis vias foi a de visar constantemente e
teimosamente e toda hora, tudo inteiro, em toda parte e perpetuamente.

- 678 -
Todas as pessoas do mundo têm duas vezes mais espírito do que
eu: eis por que encontro-me no fim de tê-lo mais sempre do que eles,
porque não me sirvo a não der daquele que tenho, no lugar de buscar a
servir-se de um outro espírito do que aquele que a natureza lhes tinha
dado e que, segundo os princípios, um deve levar vantagem sobre
qualquer outro número; ou que, segundo uma proposição conhecida, o
espírito que se quer ter prejudica aquele que se tem.

- 679 -
Com relação às pavorosas tribulações que afligiram a França
durante a Revolução, fizeram-me algumas vezes objeções sobre a sorte
de tantas pessoas que tiveram a impressão de ser como que
abandonadas pela providência. O que tive de melhor para responder-
lhes é que estamos tão fixados na região inferior e material, que quando
esta região chega a ser perturbada para nós ou nos é tirada, cremos que
tudo nos é tirado e que estamos sem recursos. Somos como o escolar no
colégio; quando se o condena ao chicote, ele chora como se tudo
estivesse perdido para ele; ele se crê morto, porque ele considera sua
parte traseira como toda a sua pessoa.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 66


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Não é menos verdade que a sorte dos infelizes que fizeram a


Revolução é verdadeiramente lamentável. Eu mesmo, fiquei embaraçado
por um momento para resolver esta questão; mas como acreditei na
mão da providência em nossa Revolução, posso acreditar igualmente
que seja talvez necessário que haja vítimas da expiação, para consolidar
o edifício, e certamente então não estou inquieto pela sorte deles, por
mais horrível que seja neste baixo mundo, o fato de vê-los passar.

- 680 -
A esmola não me pareceu fazer parte da obra, ainda que ela
contribua para nossa purificação e que ela cubra muitos pecados, como
diz a Escritura. Também, esta esmola, quado eu a dei, não me pareceu
uma coisa tão importante com relação à obra, ainda que ela o seja
infinitamente com relação à nossa salvação. Parece-me que, quando dei
a um infeliz e que aliviei um pobre, não tenha feito com isso uma coisa
que possa se contar, por mais que isso seja correto. Esta maneira de
sentir de minha parte vem do que apenas tenho de verdadeiro e inteiro
atraído para a obra, do que contribui para obra, e por aquilo que nos
adianta em direção à obra. Também o mundo que não se sabe o que é a
obra, extasiar-se-ia diante da beneficência e diante da esmola e, depois,
permaneceria aí.

- 681 -
Nas minhas alegrias, adverti-me algumas vezes de nomear o
homem o cicerone das regiões divinas e das curiosidades eternas.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 67


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- 683 -
Algumas vezes, persuado-me que passei pelo mundo, como em
minha juventude, passei boa parte dela na frivolidade. Mas sim, na
verdade, passei o mundo em minha inteligência, sinto mesmo que meu
homem de pecado está bem longe de estar além deste mundo, e que ele
está quase sempre aquém.

- 684 -
Entre as dores espirituais que tão frequentemente experimentei, e
que parecem ser meu destino neste mundo; há uma delas que é quase
que diária para mim, é de ver os homens tão pouco curiosos para se
explicar as coisas. Isso me prova, ou que não possuem neles o menor
desejo acima deles que são da classe do animal, ou que já possuem
alguns vislumbres das verdades superiores, é preciso que eles os
julguem muito mal em crer que elas param no ponto onde eles
chegaram, e que elas não procedam a todos os instantes, e não
engendram sem cessar elas próprias novas verdades.

- 685 -
É me dito o dia inteiro no mundo: tal ideia, tal opinião são aceitas.
Não se sabe, de fato, que opiniões e ideias filosóficas, gosto mais das
coisas que são rejeitadas do que aquelas que são aceitas.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 68


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- 690 -
Aconchegando-se uma noite com minha prima Perchais, disse-lhe
que a razão pela qual sentia-me com tanto ardor e tão exclusivamente
em minha vida superior e providencial, é porque eu mesmo era o ser
mais raquítico e o mais despojado que houve no mundo, e que sem esta
via tão dominante e tão imperiosa para mim, eu não teria
absolutamente nada. Há aqueles que são tratados de forma diferente
que eu, e como, em sua qualidade de homens, lhes deram mais que a
mim, eles não precisam subir tão alto quanto eu para encontrar sua
substância. Mas, o que faço por minha conta, engajo também os outros
a fazê-lo para o deleite e o prazer deles. Eis um de meus traços mais
reais.

- 693 -
Quando eu comparecer diante do tribunal de Deus, dir-lhe-ei: sei
que fui imundo, que tenho mil erros a me condenar e que é impossível
que não me faça suportar todos os rigores da purificação. Mais, sei
também que me enviou mil favores e mil bondades que nada mais são
que tu mesmo, e que estão totalmente combinadas comigo, que elas e
eu formamos apenas um só, é impossível que me rejeites para sempre
de tua face: pois, se me rejeitares por isso, seria necessário que
rejeitasses a ti mesmo.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 69


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- 694 -
Há um número infinito de pessoas que não conseguem orar sem
imagem e sem o crucifixo. Elas não sabem que a única imagem que nos
seja permitida e útil de contemplar é nós, como sendo os únicos que
somos a imagem de Deus. Elas não sabem tampouco que não é diante
dos olhos, mas no coração, que devemos buscar a ver o crucifixo, que
mesmo deveríamos buscar em ter ali o crucificado, a fim de poder
expulsar dele o crucificador.

- 696 -
Melle Lecouvreur, em seu leito de morte, disse a seus amigos que
se lamentava, que ela deixava apenas o mundo para os moribundos; eu
poderia dizer um pouco mais que ela, é que todos os homens da terra
não me oferecem, durante toda a vida deles, a não ser a imagem de seus
sepultamentos, tanto no moral quanto no físico. O corpo deles não sai
do seio de suas mães, a não ser para andar cada dia em direção ao
cemitério; disso veio-me esses versos: Este longo sepultamento que se
chama a vida… (Cemitério de Amboise).

E o espírito deles não se coloca em movimento a não ser para


caminhar sem cessar para as trevas que são seu sepulcro.

- 707 -
Nosso culto religioso, tal como se tornou pela ignorância, não
adianta muito o homem, mas, apesar de sua precária eficiência, ele tem

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 70


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uma pompa que fixa os sentidos grosseiros e inferiores e que os impede,


pelo menos, por um momento, de extasiar-se e de extravasar-se como
fazem sem cessar. Além disso, as almas puras como as almas fortes têm
sempre, em seu culto, benefícios a serem feitos; assim, dão guarida
estes mesmos que são os instrumentos de sua abolição; mas, dão
guarida ainda mais àqueles que são dela a causa.

- 708 -
Quereis que vossa alma esteja na alegria? Fazes com que vossa
alma esteja na tristeza.

- 721 -
Refletindo sobre os rigores da justiça divina, que caíram sobre o
povo francês na Revolução e que o ameaçam ainda, experimentei o que
era um decreto da parte da providência; que tudo o que podiam fazer,
nesta circunstância, os homens de desejo, era obter por meio de suas
orações que esses fluxos os poupassem; mas, que não podiam alcançar
até obter de impedi-los de cair sobre os culpados e sobre as vítimas.

- 722 -
Quando os homens do mundo viam um homem de Deus avançar
sobre as verdades, eles riem dele; quando um homem de Deus vê as
pessoas do mundo avançar em suas falsas e nulas medidas, ele chora,
ele implora sobre eles a misericórdia.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 71


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- 726 -
Em 21 de janeiro de 1797, fez-se em Paris, na igreja de Notre-
Dame, uma festa na qual as autoridades constituídas juraram ódio à
Realeza. Esta festa, correspondente à morte de Luís XVI, pareceu feroz a
muitos. Para mim, que quer considerá-la aqui apenas sob o aspecto
religioso, achei que jurar o ódio em um lugar onde deveria sediar o amor
era cumprir a profecia de Daniel: quando a abominação da desolação
estiver no templo, etc.

- 727 -
Se nos persuadíssemos mesmo que tudo o que concerne somente
nosso mundo temporal, e todas as suas variáveis situações passageiras
que nos ocupam tanto, não são dignas de entrar um instante no
verdadeiro espelho no qual Deus se contempla, não murmuraríamos
tanto nossas pretensas infelicidades e nossas aflições imaginárias. Há
somente um mal que Deus conta, é aquele que nos mantém afastados
de nosso centro e que nos impede de cair nele como nos cairíamos por
nossa própria inclinação, se não procurássemos continuamente em
acumular os obstáculos.

- 740 -
Desejei fazer o bem, mas não desejei fazer alarde, porque senti
que o alarde não fazia o bem, assim como o bem não fazia alarde.

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- 743 -
Viram-me muito frequentemente como um iluminado, sem que o
mundo saiba, todavia, o que deveria ser entendido por essa palavra.
Quando me taxam assim, respondo que isso é verdade; mas que sou um
iluminado de rara espécie, pois posso, quando me agrada, tornar-me
totalmente como uma lanterna surda, que estaria trinta anos junto a
alguém, que não se daria conta de minha iluminação, se não me
parecesse feito que se falasse dela, e quantos se encontram poucos
deste número!

- 749 -
Cometi, algumas vezes, grandes erros; mas, pela bondade da
providência, esses grandes erros me preservaram de falsos passos que
teriam, talvez, sido maiores ainda.

- 751 -
Uma das coisas que mais me abalou nos escritos que me fez o Sr.
Moulard sobre a conduta de Luís XVI, por ocasião de seu processo, foi
de que ele teria tentado, como Rei, de não responder a seus juízes que
não os reconheciam como tal, mas de que esqueceu de sua própria
glória, dizendo que podia saber o que suas respostas poderiam produzir
e que não era preciso recusá-las a seu povo a menor das ocasiões que
poderiam impedi-lo de cometer um grande crime. Encontrei muita
virtude nesta resposta. Quanto ao resto, o Sr. Moulard me contou
inúmeros traços os mais surpreendentes e, ao mesmo tempo, os mais

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 73


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horríveis que aconteceram em nossa Revolução e que eu ignorava.


Minha alma se dilacerou no relato de todas essas injustiças e senti que,
em situações semelhantes, a coragem era fácil, porque o sentimento da
injustiça era mais forte que o da vida. Também, quase todas as vítimas
foram mortas como heróis. Que pena pode se comparar à de sentir que
todas essas mortes enviaram por isso diante do tribunal supremo,
numerosas testemunhas que os acusam e os condenam antes mesmo
da hora da sentença.

- 752 -
Não há no mundo, para o homem, a não ser um estado que seja
sem inconveniente, é o estado no qual ele sofre no espírito e para o
espírito. Todos os outros sofrimentos poderiam lhe sentir úteis, se ele
soubesse tirar partido disso, porque eles subjugariam o homem de
matéria que nem sempre está pronto para se fazer rei; mas, quase
sempre eles dão origem apenas a queixas, a blasfêmias, quando não se
teve a felicidade de conhecer os sofrimentos dos primeiros espíritos.

- 753 -
O outro mundo me parece ser o verdadeiro hospital deste; é o que
me fez pensar, algumas vezes, o quão inútil é tentar curar neste mundo
aqueles que não querem curar a si mesmos.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 74


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- 760 -
Uma pessoa, que considero muito, me dizia algumas vezes que
meus olhos eram dublês da alma. Eu lhe dizia que sua alma era um
dublê do bom Deus, e que é por isso o que fazia meu charme e meu
treinamento junto a ela.

- 763 -
É porque eu vim neste mundo com dispensa, como eu o disse e
escrevi várias vezes, que o tipo que me foi dado, assim como todas as
delícias que o acompanha, são invisíveis e desconhecidos para o mundo.
Ele e eu não somos da mesma era; é também por isso que as tribulações
temporais me atingem um pouco.

- 767 -
Nos surpreendemos de como a experiência dos outros homens
não nos serve para nada; mas a nossa própria nos é inútil, uma vez que
nossas próprias faltas não nos corrigem. Como podemos, pois, nos
gabar que a experiência dos outros nos seja mais aproveitável?

- 775 -
Os homens deveriam ajudar-se mutualmente para corrigir seu
destino ruim, e, pelo contrário, não fazem a não ser punir uns aos
outros.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 75


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- 776 -
Abomino o espírito do mundo, no entanto, gosto do mundo e da
sociedade. Eis onde os três quartos e meio de meus juízes se
enganaram.

- 780 -
As fraquezas atrasam, as paixões se perdem, os vícios
exterminam.

- 784 -
São Paulo se queixa de fazer, algumas vezes, do mal que ele não
quer. Devo me louvar, ou melhor louvar a Deus pelo contrário: pois, é
uma verdade que sua bondade foi, algumas vezes, grande demais para
comigo, por me mandar fazer o bem, quando eu queria fazer o mal.

- 785 -
Foi sempre eu que fui obrigado a começar a buscar Deus; mas é
uma coisa certa que nunca foi Ele que me abandou primeiro.

- 787 -
Aqueles que chamo realmente de meus amigos, queria vê-los
todas as horas e a todos os instantes; pois, é apenas por uso contínuo
da amizade que ela pode mostrar tudo o que ela é e dar tudo o que ela
vale. Aqueles que me mostram, algumas vezes, sua amizade e que não

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 76


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possuem as mesmas ideias e esses mesmos desejos são simplesmente


amigos superficiais.

- 789 -
Ao reler alguns trechos de Swedenborg, senti que ele tinha mais
do que se chama ciência das almas que a ciência do espírito e, sob esta
relação, ainda que não seja digna de ser comparada a B… pelos
verdadeiros conhecimentos, é possível que ele seja conveniente a um
número maior de pessoas: pois, B… só convém aos homens
inteiramente regenerados ou, pelo menos, tendo uma grande vontade de
sê-lo.

- 795 -
Para provar que se regenerou, é preciso regenerar tudo o que está
à nossa volta.

- 799 -
Sim, Deus, espero que, apesar de minhas faltas, encontrarás
ainda em mim do que te consolar.

- 801 -
Repito com prazer que o erro do homem é de crer que ele esteja
neste mundo por sua própria conta, no lugar de estar nele por conta de
Deus.

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- 805 -
Os sábios do mundo apenas falam e isso sobre o falso. Os sábios
não falam e, à imagem da sabedoria, eles operam sem cessar o vivo e o
verdadeiro.

- 807 -
Tenho apenas uma função a cumprir no mundo, a de chorar; e
esta função deve me fornecer todas as riquezas e todos os prazeres.

- 819 -
Felizes, quando os bons amigos, como as gotas de água que
embebem a terra, se reconhecerão em mim, que se assemelharão a elas,
que eles se lamentarão sobre os males que fazemos a Deus, que se
abraçarão fundindo-se em lágrimas, que se fortificarão todos os sete,
emulando-se uns aos outros, e que receberão o sinal de aceitação de
seus sacrifícios! Mais felizes ainda, quando o próprio Divino nele se
encontrará, e que se lamentará sobre o que se negligencia e que se
ultraja!

- 820 -
Tive uma persuasão secreta que minha felicidade é construída
sobre pilares.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 78


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- 821 -
Uma felicidade inexprimível para mim foi a de sentir que, apesar
de que não tenha nem inimigos nem infortúnios sobre a terra, pude
dizer a Deus: tira-me deste mundo, se quiseres, e isso não amanhã, mas
o quanto antes.

- 822 -
Pode-se dizer coisas deste mundo, o que se diz, com razão, das
ciências matemáticas, manipuladas pela mão dos homens, que tudo é
feito nele somente por aproximação.

- 826 -
É menos sobre os mortos do que sobre os vivos que é preciso nos
afligir; e, de fato, como o sábio se afligiria sobre os mortos, quando sua
aflição contínua e diária é de estar em vida ou neste baixo mundo.

- 827 -
A sociedade do mundo em geral me pareceu como um teatro onde
é preciso passar continuamente seu tempo a representar seu papel, e
onde nunca há um único momento para apreendê-lo. A sociedade da
sabedoria, ao contrário, é uma escola onde se passa continuamente seu
tempo a aprender seu papel, e onde se espera, para representar, que a
tela seja levantada, isto é, que o véu do universo tenha desaparecido.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 79


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- 831 -
No fim de minha vida terrestre, não direi que não tenha passado
no mundo: pois, na verdade, terei passado ao lado do mundo, seja na
fortuna, seja nas honras, seja nos prazeres mundanos, seja mesmo
nessas alegrias vivas e puras que a sorte permitiu de desfrutar àqueles
não tendo sido, como eu, treinados na carreira que segui, foram
bastante livres para entregar-se aos deliciosos sentimentos do seu
coração. Mas também poderei dizer que passei ao lado das tribulações
dos ambiciosos, das angústias dos invejosos, dos apavorantes choques
que sofrem tão frequentemente as almas que neste mundo têm o prazer
de abandonar-se à sua ternura e a todos os movimentos de seus
desejos, de modo que não tendo tido as infelicidades e os inconvenientes
do mundo, e de me queixar de não ter tido as vantagens, deveria a Deus
os agradecimentos sem fim, de me ter dado muito mais o que todos os
prazeres de todos os séculos juntos teriam podido fazer por mim.

- 832 -
Era a Igreja que devia ser o sacerdote, e é o sacerdote que deveria
ter querido ser a Igreja...

- 836 -
Encontrei a paz somente quando elevei-me bastante para o
mundo das realidades, para poder colocá-lo em paralelo com a nossa e
convencer-me por isso que este mundo terrestre, temporal político,
social era apenas uma figura.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 80


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- 841 -
O que vejo diariamente neste mundo? Pessoas que querem que as
tratemos como grandes pessoas e que é preciso, no entanto, conduzi-las
como crianças.

- 844 -
Minha ligação com Lalande não foi longe. Após ter-me exposto as
bases de seu sistema, que são as maiores puerilidades que se possa
imaginar, ele não somente quis considerar um instante a primeira
observação que havia lhe feito. Assim, ficamos aí; e se outras
circunstâncias não nos aproximam, é provável que não nos veremos
mais. Quanto ao resto, ainda que não creia em seu ateísmo, ele se
encontra, no entanto, colocado de maneira e de modo que se afunde
cada vez mais em seu sistema. O inimigo tem cuidado de formar-lhe um
reino neste mundo e não o deixa, nem o tempo, nem o meio de ver para
além deste reino fantástico e mentiroso.

- 859 -
Pareceu-me algumas vezes que estava cansado de minha alma, e
que não podia conceber a não ser saindo deste mundo. Eis o que me
dava tanta vontade de passar deste para o outro.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 81


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- 867 -
Senti que devia confessar que não há nada indispensável para o
homem a não ser o que pode e deve fazer, sem nenhum socorro dos
homens e das circunstâncias. Eis por que a verdade é a mais simples e
a mais fácil de todas as ciências.

- 877 -
Como a via por onde eu era chamado a caminhar estava à parte
de todo mundo, não era surpreendente que todo mundo fosse dela o
adversário, seja por corrupção, seja por ignorância.

- 886 -
Frequentemente, para não ser um monstro, bastaria para isso que
eu crescesse sábio. O que é o homem!

- 901 -
Disse algumas vezes que Deus era minha paixão. Poderia ter dito,
com mais justiça, que era eu que era a sua pelos cuidados contínuos
que ele me prodigou, e por suas teimosas bondades para comigo, apesar
de todas as minhas ingratidões: pois, se Ele me havia tratado como eu o
merecia, ele teria somente me olhado.

- 905 -
Os homens impetuosos e curtos de mente, quando enxergam
alguns defeitos em seus semelhantes, não os explicam a não ser pela

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 82


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maldade, e não pela fraqueza, porque esta fraqueza não lhes é análoga.
Os homens meigos explicam, ao contrário, as maldades de seus
semelhantes pelo erro e pela fraqueza, porque eles não lhes têm análogo
nas maldades. É assim que nosso julgamento se mantém ante a tintura
de nosso caráter; mas, a única e verdadeira tintura que lhe convém, é a
meiguice e a caridade. Há apenas isso que o afasta de todas as nuvens;
e quando essa caridade se relaxa de seus direitos, seu julgamento não
sofre por isso porque ela age com conhecimento de causa.

- 906 -
Alguém dizia a Rousseau que queria falar: eles não se ouvirão.
Poderia-se frequentemente me dizer a mesma coisa e poderia-se
acrescentar: eles não quererão te escutar, sem contar que seria
necessário dizer antes: eles não acreditarão em ti.

- 911 -
Ouço sempre falar no mundo de servir Deus; mas quase nunca
ouço falar de servir a Deus: pois, há muitos poucos que sabem o que
isto quer dizer.

- 928 -
Não é para mim este provérbio comum: diga-me com quem andas
que te direi quem és; pois, na maioria das vezes sempre fui obrigado a
ser o contrário daqueles a quem frequentava.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 83


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- 930 -
Aqueles que se extasiam com a bondade humana de alguns
indivíduos não preenchem a não ser a metade: algumas vezes mesmo
eles me fazem sofrer. Pois, fixando assim nossos olhos e nossa
admiração sobre o homem, eles nos impedem de fixá-los sobre Deus ou
melhor sobre suas maravilhas. Louvemos a Deus, estudemos suas
obras; há apenas Ele que é bom. As virtudes do homem e sua bondade
são tão poucas coisas, que gostaria que quase não se falasse a respeito,
conquanto se devem supô-las como necessárias, se caminha-se na linha
e que elas sejam uma condição, sine qua non.

- 931 -
Vi a marcha dos doutores filosóficos sobre a terra; vi que por suas
incomensuráveis divagações, quando discutiam, eles afastavam tanto a
verdade, que eles sequer suspeitavam de sua presença; e após tê-la
expulsado, elas a condenavam por hábito.

- 932 -
Tive a felicidade de sentir e dizer que me acreditava muito infeliz
se alguma coisa me prosperasse neste mundo.

- 943 -
A maneira com a qual as pessoas do mundo passam seu tempo,
dir-se-ia que elas têm medo de não ser bastante burras.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 84


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- 948 -
Como era na região do espírito que tinha sido chamado para
caminhar, foi necessário que eu bebesse até o fim a taça da estupidez.

- 952 -
Abomino a guerra, adoro a morte.

- 953 -
Disse algumas vezes a Deus: combata contra mim, como Jacob
contra o anjo, até que eu tenha te abençoado.

- 964 -
Nos momentos onde a felicidade me toma, digo algumas vezes que
se os homens se abusam diariamente, esforçando-se de olhar este
mundo somente com relação a eles, como doces, a potência justa e
severa que o governa, não negligência nada para lhes fazer sentir
mesmo que ele é outra coisa: ela faz com eles, (e está aqui minha ponta
de alegria) como se faz com os gatinhos que fazem cocô no apartamento;
se lhes pega e esfrega bem o nariz dentro da sujeira, de modo que eles
não possam desprezar a coisa e que aprendam a não fazer novamente.

- 965 -
É porque o espírito do mundo não é reto, que ele necessita de ser
adestrado. Mas o espírito de verdade não se preocupa em ser adestrado,

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 85


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e está acima desta necessidade: toda sua força e toda sua confiança
estão em sua retidão.

- 969 -
O objetivo do fluxo que a Revolução fez cair sobre os nobres é de
purgar, aqueles que podem sê-lo, das influências do orgulho que este
título lhes havia transmitido, e de torná-los mais nítidos e
apresentáveis, quando aparecerão nas regiões da verdade.

- 973 -
Deus quis que eu visse tudo sobre a terra: vi por muito tempo
nela o abuso do poder dos grandes: seria necessário mesmo que eu visse
em seguida o abuso do poder dos pequenos.

- 977 -
Os grandes do mundo me tratam por louco, quero mesmo não
contestar com eles sobre isso. Somente queria que eles se convencessem
de que, se há loucos para ligar, haja talvez, no mínimo, loucos para
desligar e eles deveriam, pelo menos, examinar em qual desses duas
espécies seria necessário me classificar, a fim de que não se
enganassem quanto a isso.

- 979 -
O bom Jeremias era apenas o Jeremias de Jerusalém, Hoje é
preciso ser o Jeremias da universalidade.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 86


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- 980 -
As pessoas do mundo creem que não se pode ser santo, sem ser
um tolo. Elas não sabem, ao contrário, que a única e verdadeira
maneira de não ser um tolo, é de ser um santo.

- 981 -
Não basta ter o espírito, é preciso ter espiritualidade.

- 982 -
Como entender-se com as pessoas da corrente com respeito ao
assunto do no precedente? Para as ciências humanas, é preciso apenas
a mente, e elas não pedem a alma. Para as ciências reais e divinas, não
é necessária a mente, porque a alma as engendra todas. Assim, é
impossível que não haja nada de mais perverso que o mundo da
verdade.

- 983 -
Deus tem ciúme do homem: dei-me conta que ele o tinha de mim,
como de todos os meus semelhantes, e que ele esperava para fazer uma
inteira aliança comigo, assim que eu tivesse rompido com todos os rivais
que ocupavam ainda minha alma, meu coração e minha mente.

- 985 -
Deus não cessa de empregar todos os meios possíveis para
ensinar aos homens que o reino deles não é deste mundo: a maioria tem

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 87


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a cabeça tão dura e uma conduta tão mal ordenada, que não se pode
lhes ensinar esta verdade a não ser por tribulações, infelicidades e
enfermidades. Quanto a mim, ele se dignou de me ensiná-la de duas
maneiras que são infinitamente mais suaves: pois, por uma Ele me
inunda das magnificências do outro mundo e pela outra Ele se contenta
de testar pela burrice deste.

- 990 -
A principal ambição que tive sobre a terra foi a de não estar mais
nela, tanto que senti o quanto o homem estava deslocado e estranho
neste baixo mundo.

- 991 -
Vendo os assalto e os roubos que se exercem universalmente da
parte dos homens, e que me abalaram tão sensivelmente em nossa
Revolução, disse, em meu estilo alegre, que tínhamos nos esforçado
para apagar todos os santos do calendário; havia um irremovível e que
era o mais católico de todos os santos: é também aquele cujo culto é o
mais geral e o mais tranquilo. Ora, este santo é sancte rapiamus: pois,
com este nome, não há ninguém que não diga, ora pro nobis.

- 994 -
O mundo me rejeitou por causa da obscuridade e da imperfeição
de meus livros. Se ele fizesse o esforço de me escrutar mais
profundamente, talvez, teria gostado de meus livros por causa de mim,

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 88


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ou melhor, por causa do que a providência colocou em mim, e que


estava bem longe de ver, uma vez que ele não via mesmo o que havia em
meus livros.

- 999 -
Paguei caro por ter confiança em meus princípios, porque fui
persuadido que profundamente todos os homens da terra pensam como
eu, sem exceção aqueles que mais se opuseram a mim em aparência.
Somos todos como um só, dissolvidos em diferentes águas, tanto pela
qualidade como pela quantidade. Ora, seria necessário apenas outra
coisa: deixar evaporar nos homens essas águas diversas que são seus
preconceitos, sua ignorância, etc.; e encontrar-se-ia em todas as partes
neles o mesmo sal, como isso acontece nas evaporações naturais dos
sais que dissolvemos todos os dias nos diferentes líquidos.

- 1000 -
No dia 21 Messidor, ano VIII, retornei a Paris, para visitar o amigo
Div…, esperando que ele me consolasse pela perda de meu amigo
Kirchberger. No dia 25 Prairial último aconteceu a famosa batalha de
Marengo, na qual o impressionante Bonaparte avançou tanto sua glória
e a paz na Europa, que o olho como um instrumento temporal dos
planos da providência com relação à nossa Nação. Este evento me
confirma cada vez mais nas opiniões que tenho expressado há seis anos
sobre nossa Revolução.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 89


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- 1001 -
As palavras nos são dadas para tomar conta, assim como as
ovelhas são dadas para que um pastor tome conta; e se nós as
deixarmos perderem-se, emagrecer ou serem comidas pelos lobos,
seremos tratados ainda com mais rigor que ele.

- 1002 -
Como tenho uma universalidade para mim, é preciso mesmo que
tenha uma universalidade contra mim; também o inimigo não para de
semear à minha volta e, sobretudo, sobre meu objetivo, emboscadas de
todos os gêneros.

- 1003 -
Fiquei tocado pelas ternas honestidades de Degerando com
relação a mim, quando um dia entrando em uma sociedade na qual ele
se encontrava, sem que eu soubesse, ele veio à minha frente e abraçou-
me afetuosamente. É um homem do qual me falaram as boas
qualidades e que pode, como meu amigo e membro do Instituto, ser-me
de um grande auxílio na carreira da instrução e das ciências humanas.

- 1008 -
Um dos prodígios mais inexplicáveis para mim, é que a Divindade
que me abarrota de tantas doçuras e consolações, e que, no entanto, há
ainda em mim tão poucas coisas que possam prender meus olhos.

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- 1009 -
Disse, algumas vezes, que os escritores não nos davam a não ser
a casca dourada e que eu lhes dava o ouro em casca.

- 1002 -
É uma coisa dolorosa para mim, quando considero os homens por
ser obrigado a olhá-los, ou como loucos, ou como crianças, ou como
animais malvados.

- 1016 -
Oro principalmente para as almas de tantas miseráveis vítimas
que todos os diversos flagelos tiraram antes que estivessem livres dos
entraves que baixam de sua prisão; pois, não sei orar quase nunca para
o corpo, considerando que quando a alma soube subir em grau, a morte
de seu corpo não é mais uma infelicidade para ela.

- 1019 -
No dia 3 de Nivose ano IX, às oito horas da noite, explodiu, na rua
Saint-Nicaise, a máquina infernal dirigida contra Bonaparte que ia à
Opera, para a primeira representação do famoso Oratório de Haydn. Seu
cocheiro estava bêbado, ele não ia mais rápido do que o de costume, e
passou por onde não deveria ter passado com sangue-frio. Isso fez com
que a carruagem ultrapassasse a máquina em alguns segundos: o que
bastou para que a explosão não o tivesse atingido, Não resisti a
reverenciar Bonaparte, tanto pelos talentos que mostrou, como pela

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 91


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proteção marcada pela providência a seu respeito. Não se pode negar


que havia grandes destinos atrelados a este homem notável.

- 1024 -
É em 30 Ventose, véspera do primeiro Germinal, ano IX,
correspondendo ao equinócio de primavera, 21 de março de 1801, que a
paz continental foi publicada em Paris. A pompa foi modesta,
reservando as festas para o 14 de julho. A alegria foi medíocre, o tempo
bastante ruim. Em geral, tudo o que foi ostensível nesta época, parece
de acordo com o que está escondido, a saber: que esta pacificação
externa e esta ordem aparente, produzido pelo efeito da revolução, não
são o termo no qual a providência tivera exclusivamente a intenção de
nos conduzir, e que assim os agentes e os instrumentos que
concorreram a esta obra, se enganarão, se eles acreditassem
acontecidos. Eu os olho, ao contrário, como gotas de cuspe que fizeram
seus postos; mas eles são apenas gotas de cuspe de província; será
preciso para isso outros para nos fazer chegar ao objetivo de viagem,
que é de nos fazer entrar na capital da verdade.

- 1031 -
Na minha vida, eu sempre encontrei homens melhores ou piores
que suas reputações.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 92


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- 1032 -
Como varredor do templo da verdade, não devo ficar
impressionado de ter tido tanta gente contra mim; os lixos se defendem
da vassoura, o tanto quanto podem.

- 1033 -
O que me dá tantas alegrias em minha carreira é sentir que,
graças a Deus, era que tinha chegado antes mesmo de partir, ao passo
que há tantos que não partiram após ter chegado.

- 1036 -
Há boas razões para que os livros dos sábios e dos literatos levem
a melhor sobre os meus; 1) eles são melhores feitos e, na verdade, seus
autores têm grande necessidade de suprir pela forma ao que falta no
fundo nas suas produções; no lugar que as minhas repousam sobre um
fundo tão sólido e tão inexpugnável, que elas podem ficar sem a forma;
ainda que, se os autores fossem justos, eles conviriam de que de todos
os escritores espiritualistas, sou o que deu a este acervo verdadeiro e
fecundo, a forma menos repugnante. 2) As obras deles devem fazer
fortuna mais que as minhas, porque eles vislumbram mais que eu em
trabalhar neste mundo, ao passo que eu não trabalho a não ser para o
outro. As obras deles são curvas com duplas curvaturas que repousam
sobre dois planos. As minhas só repousam sobre um plano. Enfim, eles
querem muito falar do outro mundo ao leitor, mas tendo grande cuidado
de deixá-lo neste aqui, sem o que eles se fariam pouco partidários, no

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 93


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lugar que tendo plenamente a arranchá-lo deles. Não é, pois,


impressionante que eu seja para o mundo e para aqueles que trabalham
por ele como um verdadeiro reprovado.

- 1050 -
Desde que eu exista e que eu pense, tive apenas uma ideia, e todo
meu voto é de conservá-la até o túmulo: o que faz que minha última
hora seja a mais ardente de meus desejos e a mais doce de minhas
esperanças.

- 1051 -
Nunca gozei por muito tempo das belezas que a terra oferece aos
nossos olhos, o espetáculo dos campos, das paisagens, etc. Meu espírito
se elevava mais para o modelo do qual esses objetos nos pintam as
riquezas e as perfeições; e ele abandonava a imagem para regozijar do
doce sentimento de seu autor. Quem ousaria negar mesmos que todos
os charmes que gozam os admiradores da natureza, fossem tomados na
mesma fonte, sem que eles o creiam?

- 1052 -
É uma verdade, e devo dar graças por isso ao céu que, em mil
ocasiões onde no curso da vida submete o homem a provas para sua
instrução, ele me dispensou da experiência.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 94


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- 1064 -
O estudo e o pensamento são um caso de necessidade para mim,
e nem um pouco um caso de vaidade. Não tenho conhecimentos o
suficiente para bajular meu orgulho científico, mas estou pouco à
vontade quando deixo jejuar meu espírito: eis o móvel de meu gosto
para os estudos e as especulações.

- 1069 -
Nome de minha pátria escrita sobre a areia. Uma águia o apaga
com suas asas, à medida que o infeliz o queria ler, não devendo
recuperar o que perdeu por doença, que após ele terá lido este nome;
pesquisas daquele que o havia traçado (Novo Tobias. Poema projetado)

- 1075 -
Frequentemente a Divindade nos deixa entregues a distrações e
mesmo nos envia a pequenas contrariedades para nos preservar de uma
infelicidade ainda maior. É por uma sequência desta engenhosa atenção
de sua parte, que evitei de ser esmagado pela chaminé de meu gabinete
que caiu, em Paris, por ocasião de um furacão em 13 de dezembro de
1786. Recebi, aliás, muitas outras marcas de sua vigilante caridade por
mim, que seria muito ingrato de ignorá-las. No entanto, raciocinaria
como um homem profano, se eu dissesse que a morte foi uma
infelicidade para mim. Ela só foi tal na medida que estava preparado
para ela. E, sem dúvida, ainda não estou maduro, uma vez que não fui
julgado no propósito de recebê-la. Pois, quando se tem a felicidade de

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 95


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estar pronto, este evento deve preencher o justo com mais prazeres que
não experimentaria o último e o mais infeliz dos homens, se viesse
anunciar-lhe que foi nomeado Rei de sua nação e que subirá sobre o
trono.

- 1077 -
É melhor fazer o cavalheiro burguês do que o burguês cavalheiro.

- 1084 -
É ordinariamente junto aos homens puros e virtuosos, que recebo
ideias salutares sobre a grandeza de Deus, sobre nossa miséria e sobre
as vantagens da oração, para nos curar; junto aos homens impuros e
malvados, recebo ideias afligentes; junto aos homens elevados no
espírito, meu espírito se eleva com eles; junto aos ímpios e aos filósofos,
meu espírito se irrita e recebe quase sempre soluções mais fortes e mais
verdadeiras que seus argumentos. É mesmo junto a eles que recebi
quase todas as armas que empreguei contra eles, e todas as que estão
depositadas em meus arsenais, esperando que delas eu faça o uso
conveniente. É preciso que passemos neste mundo por todas essas
diversas impressões. É somente por isso que podemos nos tornar ou
homens de estado consumidos, ou militares experientes na inteligência.
Aqueles que são destinados a sê-lo na ação, têm igualmente suas provas
a suportar, uma vez que é preciso que o antigo pare, In sudore, etc. se
realize.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 96


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- 1085 -
Em minha infância, não conseguia me persuadir que os homens
que conheciam as doçuras da razão e do espírito pudessem ocupar-se
um instante das coisas da matéria. Meu pensamento é ainda o mesmo,
ainda que eu esteja bem longe de pretender que minha conduta e
minhas ações tenham sido sempre conformes a sentimentos tão
elevados, e está aí uma das fontes de minhas penas; mas também tenho
uma grande fonte de consolos, quando vislumbro a fonte das
misericórdias que derramam sempre sobre nós, quando nós a buscamos
com zelo, com ardor, com confiança.

- 1086 -
Ordinariamente os autores fazem seus livros, como apenas faziam
isso, e eu fui obrigado a escrever os meus, como se não os escrevesse.
Poderia dizer mesmo que não escrevi meus livros a não ser como se
entrega uma lavagem. Eis o porque eles são tão negligentes e tão pouco
atraentes para o mundo.

- 1090 -
Por volta do fim de 1802, publiquei o Ministério do Homem
Espírito. Ainda que esta obra seja mais clara que as outras, ela está
longe demais das ideias humanas para que eu tenha me dado conta de
seu sucesso. Senti frequentemente, ao escrevê-la, que eu fazia isso,
como se fosse tocar meu violino, valsas e contradanças no cemitério de

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 97


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Montmartre, onde faria de tudo para ir minha vareta, os cadáveres que


estão lá não ouviriam nenhum de meus sons e não dançariam.

- 1092 -
No dia 18 de janeiro de 1803, que completa meus sessenta anos,
me abriu um novo mundo. Minhas esperanças espirituais só
aumentarão. Avanço, graças a Deus, em direção aos júbilos que me são
anunciados desde há muito tempo e que devem chegar ao ápice das
alegrias das quais minha existência foi constantemente acompanhada
neste mundo.

- 1093 -
Aqueles que têm alma emprestam às minhas obras o que lhes
falta. Aqueles que não as lê com sua alma, lhes recusam mesmo o que
elas são.

- 1095 -
Em 27 de janeiro de 1803, tive um entrevista com o Sr. de
Chateaubriand, em um jantar marcado para isso, na casa do Sr. Neveu,
na Escola Politécnica. Teria ganhado muito em conhecê-lo mais cedo. É
o único homem de letras honesto com quem me encontrei na presença
desde que existo; e ainda não desfrutei de sua conversa a não ser
durante a refeição: pois, imediatamente após apareceu uma visita que o
tornou mudo para o resto da sessão e não sei quando a ocasião se
apresentará novamente, porque o rei deste mundo tem um grande

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 98


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cuidado de colocar bastões nas rodas de minha carroça. Quanto ao


resto, de quem necessito a não ser Deus?

- 1098 -
A morte de Harpe, ocorrida no começo do ano de 1803, é uma
perda para a literatura. Seu fim foi muito edificante. Nunca tive ligação
com ele; mas nunca duvidei da sinceridade de sua conversa, ainda que
não acredite que seja dirigida para as verdadeiras vias luminosas. A
morte deste homem célebre é igualmente uma perda para a coisa
religiosa, porque era um espantalho para aqueles que a desprezam.
Creio que teríamos acabado por nos entender ele e eu, se tivéssemos
tido o tempo de nos ver (Veja o Jornal dos debates de 16 ventose ano II).
A Sra. de Talaru nos pintou um e outro de uma maneira bastante
significativa, dizendo que ele morderia até vivo os adversários da
verdade e eu, que lhes provaria evidentemente que estavam errados.

- 1099 -
Não é na audiência que os defensores oficiosos recebem o salário
das causas que eles pleiteiam; é fora da audiência e após que ela tenha
acabado. Tal é minha história e tal é também minha resignação de não
ser pago neste baixo mundo.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 99


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- 1105 -
Chego a uma idade e a uma época na qual eu não posso mais
temer a não ser aqueles que têm minha doença. Ora, esta doença é o
baço do homem. Este baço é um pouco diferente daquele dos ingleses,
Pois, o dos ingleses os torna negros e tristes, e o meu me torna interior e
exteriormente todo cor-de-rosa.

- 1106 -
A vista de Aulnay, perto de Sceaux e Châtenay, me pareceu
agradável tanto quanto podem me parecer no momento as coisas deste
mundo. Quando eu vejo as admirações do grande número pelas belezas
da natureza e dos lugares felizes, volto logo na classe dos anciãos de
Israel que, vendo o novo templo, choravam sobre a beleza do antigo
(Esdras 3, 12-13).

- 1116 -
Há em algumas de minhas obras vários pontos que são
apresentados com negligência, e que deveriam ter sido tratados com
mais precaução, para não levantar adversários. Tais são os artigos dos
quais falo dos Padres e da religião, em minha Carta sobre a Revolução
Francesa e no Ministério do Homem Espírito. Concebo que estes pontos
puderam prejudicar minhas obras, porque o mundo não se eleva até os
degraus nos quais, se fosse justo, ele encontraria abundantemente do
que se acalmar e me fazer graça, no lugar que ele não é mesmo bastante
comedido para me fazer justiça. Creio que as negligências e as

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 100


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imprudências onde minha preguiça me arrastou neste gênero,


aconteceram por uma permissão divina que quis por isso descartar os
olhos vulgares das verdades sublimes que eu apresentava, talvez por
minha simples vontade humana, e que esses olhos vulgares não deviam
contemplar.

- 1119 -
Comumente os grandes e os ricos são apenas os Gengis Khan do
mundo, ao passo que eles não deveriam ser por isso a não ser os
modelos, os sustentáculos e os benfeitores.

- 1120 -
Quando os homens sábios, após terem sido preenchidos pelas
influências da verdade, se espalharão no mundo, eles perdem aí o mais
frequentemente o que eles haviam adquirido. Eles são como pessoas de
ofício e os operários que comerão e beberão no cabaré, no domingo, tudo
o que eles ganharam na semana.

- 1121 -
O mundo não conhece o meio entre o fingimento e a impiedade:
ora, é o que este meio me foi necessário até, seja em meus discursos,
seja em meus escritos; de modo que de um lado, os autores ou os
leitores nada encontrando no que saía de mim que parecesse o
ensinamento de um Capuchinho e de outro nada que parecesse o
ateísmo nem o deísmo, eles não eram mais. Eis porque tão poucas

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 101


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pessoas, e poderia-se dizer, quase ninguém me compreendeu. (veja n o


1135).

- 1123 -
Jesus Cristo dizia a seus discípulos que eles podiam fazer as
mesmas obras que ele e mesmo até maiores. Não era para lhes dizer que
todos os dons podiam pertencer a cada um deles, uma vez que vemos,
segundo São Paulo, que o mesmo espírito compartilha seus dons entre
os diferentes homens. Mas, cada homem, desde a vinda de Cristo pode,
no dom que lhe é próprio, ir mais longe que o Cristo.

- 1124 -
Comparei, algumas vezes, as senhoras fazendo círculo e
recebendo os flertes dos homens, a um grande turco e esses homens
frívolos e ociosos, aos sultões de seu harém, fazendo-lhe a corte e
incensando seus caprichos. Este papel de grande truco é, de fato, aquele
que representa as damas da casa na França e, particularmente, em
Paris; e os homens representam nela apenas o papel de sultão, tamanho
é o poder roedor da sociedade que é nulo e vazio, mudou as relações e a
natureza das coisas.

- 1130 -
É um grande erro, aos olhos dos homens, de ser um quadro sem
moldura, de tanto que estão acostumados a ver molduras sem quadros.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 102


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- 1131 -
Agradeci a Deus frequentemente por duas coisas: a primeira de
que havia soberanos e governos; a segunda de que não o era. De fato, é
para eles que são todos os encargos da sociedade; seus benefícios são
apenas para os particulares.

- 1132 -
No verão de 1803, fiz uma pequena viagem a Amboise, onde
encontrei com prazer alguns bons amigos. Encontrei-os também em
Orleans; mas não conhecia ainda nenhum no grau que eu o desejasse, e
dos quais eu teria tão grande necessidade. Antes de minha partida, tive
algumas pequenas advertências de um inimigo físico que, segundo
qualquer aparência, é aquele que me dominaria, assim como dominou
meu pai. Mas, não me afligi por isso, nem me queixei por isso
tampouco. Minha vida corporal e espiritual foi por demais bem cuidada
pela providência, para que eu tenha outra coisa a não ser ações de
graça a render-lhe e não lhe peço a não ser que me mantenha pronto.

- 1135 -
Minha missão neste mundo foi de conduzir o espírito do homem
por uma via natural para as coisas sobrenaturais que lhe pertencem por
direito, mas das quais ele perdeu totalmente a ideia, seja por sua
degradação, seja pela instrução tão frequentemente falsa de seus
instituidores. Esta missão é nova, mas está cheia de numerosos
obstáculos, e ela é tão lenta que não será a não ser após minha morte

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 103


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que ela produzirá seus mais belos frutos. Mas, ela é tão vasta e segura,
que devo grandemente agradecer a providência de me ter como
encarregado desta missão, que não vi até agora ninguém exercer, uma
vez que aqueles que me ensinam todos os dias não fazem a não ser
exigir a submissão ou que relatam fatos maravilhosos.

- 1137 -
(e último) – A unidade não se encontra quase nunca nas
associações; ela não se encontra a não ser em nossa junção individual
com Deus. E é somente após que ela é realizada, que nos achamos
naturalmente irmãos uns dos outros.

Meu Retrato Histórico & Filosófico – Louis-Claude de Saint-Martin 104

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