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ISBN 978-85-66789-25-6

Prof. Dr. Gustavo Noronha de Ávila (UniCesumar/UEM)


Prof.ª Me. Andrea Carla de Moraes Pereira Lago (UniCesumar)
Prof. Dr. Walter Barbosa Bittar (Pontifícia Univercidade Católica - Londrina)

PROVA PENAL,
PSICOLOGICA DO
TESTEMUNHO E DIREITOS
DA PERSONALIDADE

IDDM
EDITORA
O Mestrado em Ciências Jurídicas e o Curso de Direito da Unicesumar promovem o III Con-
gresso Internacional de Direitos da Personalidade e IV Congresso de Novos Direitos e Direitos
da Personalidade, sob o tema "Direitos da Personalidade de Minorias e de Grupos Vulnerá-
veis".

Trata-se da terceira edição de um evento internacional que debate os direitos da personali-


dade, tanto no que se refere aos novos direitos e aos limites da sua proteção na atualidade,
quanto nos mecanismos jurídicos e extrajurídicos, políticas públicas e ações judiciais voltadas
a sua concretização, juntamente com a quarta edição do evento nacional de Novos Direitos
de Direitos da Personalidade, que neste ano realizar-se-ão concomitantemente promovendo a
integração de discente, docente, pesquisadores e profissionais das mais diversas áreas do co-
nhecimento.

O evento se justifica, primeiramente, em razão da temática dos direitos da personalidade ser


abordada de forma inédita pelo Mestrado em Ciências Jurídicas da Unicesumar, e, por propor-
cionar uma cooperação internacional através do amplo diálogo e aproximação entre pesquisa-
dores brasileiros e estrangeiros sobre as inovações normativas, institucionais, jurisprudenciais
e as mais recentes literaturas na área.

Quanto ao alcance, o evento justifica-se por propiciar a difusão de conhecimento entre os


pesquisadores, professores, mestrandos, doutorandos e estudantes da graduação. Além disso, o
evento será aberto ao público e a toda a comunidade científica do Brasil e do exterior, que será
convidada a participar com envio de artigos científicos, painéis, exposição de arte e minicursos.
PROVA PENAL, PSICOLOGICA
DO TESTEMUNHO E DIREITOS DA
PERSONALIDADE

IDDM
EDITORA

PRIMEIRA EDIÇÃO
MARINGÁ – PR

2017
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Prova Penal, psicológica do testemunho e direitos da personalidade. /


P969 organizadores, Gustavo Noronha de
Ávila, Andrea Carla de Moraes Pereira Lago, Walter
Barbosa Bittar. – 1. ed. – Maringá, Pr: IDDM, 2017.
104 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:


<https://www.unicesumar.edu.br/category/mestrado/>
ISBN: 978-85-66789-25-6

1. Direitos humanos. 2. Depoimento. 3. Abuso sexual de crianças. 4.


Provas. 5. Processo penal. I. Título.

 CDD 22.ed. 345.06

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi –Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os Direitos Reservados à

IDDM
EDITORA
Rua Joubert de Carvalho, 623 – Sala 804
CEP 87013-200 – Maringá – PR
Copright 2017 by IDDM Editora Educacional Ltda.

CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alessandro Severino Valler Zenni, Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5969499799398310

Prof. Dr. Alexandre Kehrig Veronese Aguiar, Professor Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
(UnB).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2645812441653704

Prof. Dr. Fabrício Veiga Costa, Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Proteção em Direitos Funda-
mentais da Universidade de Itaúna.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7152642230889744

Prof. Dr. José Francisco Dias, Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9950007997056231

Profª Drª Sônia Mari Shima Barroco, Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0910185283511592

Profª Drª Viviane Coelho de Sellos-Knoerr , Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito da


Unicuritiba.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4609374374280294
A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO CONSEQUÊNCIA
DO MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS: IMPORTÂNCIA DA INICIATIVA E
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ATIVIDADE PROBATÓRIA
NAS AUDIÊNCIAS

Gabriel Antonio Roque


Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Cesumar de Maringá – UniCesumar, Maringá - PR. Endereço
eletrônico: gabriel.antonio.roque@outlook.com

Gustavo Noronha de Ávila


Graduado em Direito pela PUC-RS (2004), Mestrado (2006) e Doutorado (2012) em Ciências Criminais pela PUC-RS.
Professor do Mestrado em Ciência Jurídica do Centro Universitário Cesumar de Maringá – UniCesumar e de Crimino-
logia e Direito Penal na Universidade Estadual de Maringá. Endereço eletrônico: gustavonoronhadeavila@gmail.com

RESUMO: A utilização do encarceramento como prima ratio do sistema jurídico-penal brasileiro, facilmente identificada
por quem conhece minimamente a realidade carcerária nacional, é fator preocupante e corporifica frontal violação a um
dos princípios basilares de um direito penal democrático e não autoritário: o da prisão como exceção e não como regra.
Tal fato, que torna o Brasil um dos países que mais prendem pessoas no mundo, se choca com o reconhecimento efeti-
vo de direitos da personalidade como a liberdade e a vida, inerentes à dignidade da pessoa humana, e motiva reações
contundentes de grande parte de juristas, organizações internacionais, associações de defesa dos direitos humanos,
etc., sendo que o próprio Supremo Tribunal Federal se viu, em agosto de 2015, confrontado com uma realidade que o
fez declarar um “Estado de Coisas Inconstitucional” nas prisões brasileiras1. E para tentar mitigar a problemática do en-
carceramento sem julgamento, e muitas vezes sem lógica, foi que, através das Resoluções 213 e 214 do CNJ, se deu
densidade normativa ao previsto no art. 9º, “3”, do Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos das Nações Unidas e
art. 7º, “5”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, fazendo emergir no sistema jurídico pátrio as Audiências
de Custódia. Por meio de pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, bem como através de investigação de
dados estatísticos, o presente trabalho se propõe a analisar de forma breve tais audiências, sua previsão normativa
e importância, além de, ao fim, fazer considerações acerca da polêmica questão da admissão ou não da análise de
mérito em tais audiências, discorrendo acerca do melhor momento da produção da prova penal segundo a Psicologia
do Testemunho.

PALAVRAS-CHAVES: Direitos Humanos. Minorias. População Carcerária. Punitivismo Estatal.

INTRODUÇÃO
No início de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, comandado pelo também presidente do
Supremo Tribunal Federal à época, ministro Ricardo Lewandowski, lançou em parceria com o Mi-
nistério da Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o projeto Audiência de Custódia2
3
.

A iniciativa consiste na previsão de que todo preso em flagrante deverá ser apresentado em
um prazo de até 24 (vinte e quatro) horas para o juiz competente, com a presença obrigatória do
1 ADPF 347/2015.
2 Destaca-se que as Resoluções 213 e 214 do CNJ, que dispõe sobre como as audiências devem ser reali-
zadas, são decorrência e estão em consonância com decisões do Supremo Tribunal Federal, v.g., na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 5240 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 347.
3 Ressalta-se aqui o projeto pioneiro das audiências de custódia no Maranhão, ainda de 2014 e formalizado
pelo Provimento 24/2014-MA. 11
Ministério Público e do advogado do agente, ou da Defensoria Pública4 caso necessário, sendo que
nas localidades onde não haja Defensoria deverá ser nomeado previamente defensor dativo para
o acusado.

Ao magistrado ao qual é apresentado o acusado cabe, como expresso no projeto, analisar


“a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão
ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. O
juiz poderá avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irre-
gularidades”5.

No aspecto da legalidade, o magistrado analisará se a prisão está de acordo com a lei, ou


seja, se cumpre os requisitos legais da prisão em flagrante, tanto materialmente quanto formalmen-
te6, além de verificar os requisitos da prisão preventiva (CPP, art. 312). O juiz analisará também
se a prisão é realmente necessária e adequada para aquele momento e aquelas circunstâncias,
podendo relaxá-la sem prejuízo de medidas cautelares menos invasivas e que não privem sem ne-
cessidade o direito consagrado constitucionalmente7 de ir e vir do indivíduo. E justamente por isso
o projeto também prevê as chamadas centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento
eletrônico e de serviços e assistência social, além das câmaras de mediação penal, todas estas
direcionando a um caminho oposto frente à cultura do encarceramento provisório que se tornou
endêmica no país.

Assim, “o ato de apresentação do preso ao juiz almeja prevenir abusos na atuação policial,
evitar a tortura e, especialmente, proporcionar uma análise específica e atenta sobre a legalidade
do flagrante e a necessidade da imposição de qualquer medida cautelar” (VASCONCELLOS, 2016).

De fevereiro de 2015 em diante, várias resoluções conjuntas, protocolos, cooperações téc-


nicas, previsões, acordos, etc., foram firmados por inúmeros agentes envolvidos direta ou indire-
tamente com o sistema prisional brasileiro para auxiliar e aprimorar as Audiências de Custódia,
além de difundi-las para todos os entes federativos (um dos principais escopos dos idealizadores
do mecanismo8), cada qual levando em consideração suas peculiaridades e dificuldades na imple-
mentação das medidas.

O fato é que a iniciativa veio, apesar do atraso, em momento necessário, dando existência
concreta ao previsto em pactos internacionais os quais o Brasil se comprometeu a cumprir, caben-
do em grande parte ao Poder Judiciário a regulamentação dos procedimentos a serem cumpridos
diante da inércia do Legislador.

Apesar do ainda escasso material referente às audiências que tratem de uma análise quali-
tativa e quantitativa completa das mesmas (devido à sua precocidade, visto que as mesmas ainda
se encontram na fase de implementação em muitas localidades9) o presente trabalho objetivará
4 CNJ, resolução 213, art. 5º, parágrafo único.
5 CNJ, disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia>.
6 Vide regularidade da prisão da prisão em flagrante: Art. 302 e 303, CPP.
7 Art. 5º, inc. XV, CF/88.
8 Meta essa cumprida em 14 de outubro de 2015, com a adesão do Distrito Federal ao Projeto, conforme
dados do Conselho Nacional de Justiça disponíveis no sítio www.cnj.jus.br.
9 “Os resultados não são uniformes em todos os Estados, mas dados dão conta de que 45% dos presos em
12 flagrante estão sendo soltos atualmente [com as audiências de custódia], quando este número não chegava a 20%
trazer à baila a previsão normativa das medidas, decorrentes do movimento de internacionalização
dos direitos humanos no mundo, bem como analisará a função e necessidade da medida dentro do
quadro carcerário nacional, destacando a importância crucial da sistemática na realidade brasileira,
confrontando alguns argumentos contrários às audiências, especificamente àqueles que se utili-
zam do discurso do aumento da impunidade como legitimador de um Estado autoritário (e violador
de liberdades individuais) não condizente com o fundamento da República Federativa do Brasil
estampado logo no Art. 1º, inc. III da Constituição Federal/88, o da dignidade humana.

Tal desiderato justifica-se para a melhor compreensão das audiências, entendendo de forma
clara qual é sua posição dentro de um sistema extremamente punitivista como o nosso, que mesmo
sendo um dos que mais prendem no mundo10 ainda preserva em seu núcleo o discurso da genera-
lizada impunidade dos agentes que praticam atos delituosos.

Por fim, o trabalho se propõe a confrontar a argumentação dos dois pontos de vista conflitan-
tes acerca da análise do mérito nas audiências: de um lado, o que considera a proibição da cogni-
ção do mérito como exteriorização de um paternalismo processual penal desmedido e que prejudi-
ca o agente com condições de se defender de alegações falsas e sem fundamento; e de outro, a
visão de que a admissão de tal conhecimento traria uma arbitrariedade imensa ao procedimento,
desvirtuando sua real finalidade e o transformando apenas em juízo de condenação antecipado e
em meio de obtenção de uma confissão preliminar da conduta do agente. Assim, far-se-á também
uma breve análise acerca de um possível “momento ideal” para a produção da prova penal.

Tal análise se justifica pela premente necessidade de aprimoramento das audiências, para
que as mesmas, ainda em sua fase inicial, correspondam a um verdadeiro mecanismo de defesa
do indivíduo e de prevenção de reprimendas estatais desmedidas e truculentas, que fazem do
Brasil um país extremamente violador de direitos e garantias individuais fundamentais de seus
cidadãos, fato que motiva inúmeras denúncias contra o país em órgãos internacionais de proteção
aos direitos humanos.

Nesse mister se tem a importância dos dois pactos internacionais assinados e ratificados pelo
Brasil que preveem a necessidade da apresentação imediata da pessoa presa para o juiz compe-
tente.

anteriormente” (ABRAMOVAY, jun. 2016)


10 Nesse sentido, EL PAÍS, “Na contramão dos grandes países, Brasil aumenta o número de presos”, dispo-
nível em <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/04/politica/1417719782_496540.html>; e EXAME, “Os 10 países com
mais presos no mundo”, disponível em <http://exame.abril.com.br//mundo/album-de-fotos/os-10-paises-com-mais-pre-
sos-no-mundo/lista>. 13
1 DA INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E
DA PREVISÃO NORMATIVA DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA
A perplexidade ocasionada pelas duas grandes guerras que marcaram o século XX fez emer-
gir em grande parte da comunidade internacional a consciência da necessidade premente da prote-
ção dos direitos da pessoa humana em âmbito global, com o objetivo principal de proteger qualquer
cidadão em qualquer parte do planeta, independentemente de sua raça, nação, credo, sexo, língua,
etc.

Chegou-se um momento em que apenas a proteção nacional dos direitos humanos em muitos
momentos não seria suficiente para prevenir violações e discriminações denegatórias da dignidade
humana, levando em consideração sempre o reconhecimento do indivíduo enquanto sujeito nu-
clear de qualquer sistema jurídico democrático e justo.

Nesse aspecto, Mazzuoli (2015, pg. 895), destaca que:


A primeira premissa da qual se tem que partir ao estudar os direitos das pessoas é
a de que tais direitos têm dupla proteção atualmente: uma proteção interna (afeta
ao Direito Constitucional) e uma proteção internacional (objeto de estudo do Direito
Internacional Público). À base normativa que disciplina e rege tal proteção interna-
cional de direitos dá-se o nome de Direito Internacional dos Direitos Humanos. (...)

A premissa de que os direitos humanos são inerentes a qualquer pessoa, sem quais-
quer discriminações, revela o fundamento anterior desses direitos relativamente a
toda forma de organização política, o que significa que a proteção dos direitos huma-
nos não se esgota nos sistemas estatais de proteção, podendo ir muito mais além,
ultrapassando as fronteiras nacionais até chegar ao patamar em que se encontra o
Direito Internacional Público. (MAZZUOLI, 2015, pg. 895)

Destaca-se aqui o chamado Controle de Convencionalidade das normas internas, ainda não
aceito de forma unânime no país, mas importantíssimo para um controle das leis internas nacionais
frente aos pactos internacionais que o Brasil ratificou e se comprometeu a cumprir11 e para a efeti-
vação dos direitos humanos em nível internacional, o que serviria como barreira para em situações
anômalas combater um legislador arbitrário e autoritário e uma administração pública que não res-
peita minimamente as garantias individuais tão caras ao Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, asseveram Lopes Jr & Rosa (2015), que:


No exercício de tal controle [de compatibilidade das leis] deve o julgador tomar como
parâmetro superior do juízo de compatibilidade vertical não só a Constituição da
República (no que diz respeito, propriamente, ao controle de constitucionalidade di-
fuso), mas também os diversos diplomas internacionais, notadamente no campo dos
Direitos Humanos, subscritos pelo Brasil, os quais, por força do que dispõe o artigo
5º, parágrafos 2º e 3º, da Constituição Federal, moldam o conceito de “bloco de
constitucionalidade” (parâmetro superior para o denominado controle de convencio-

11 Para mais detalhes acerca do Controle de Convencionalidade, ver Mazzuoli (2015), Seção IV, Cap. 4, “O
controle jurisdicional da convencionalidade das leis”; GOMES, Luiz Flávio. Controle de Convencionalidade: Valerio
Mazzuoli “versus” STF. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI87878,91041-Controle+de+Con-
vencionalidade+Valerio+Mazzuoli+versus+STF>. Acesso em: 20 ago. 2016., no qual o autor destaca que “A CF/88 (no
caso do direito brasileiro atual) deixou de ser o único paradigma de controle das normas de direito interno. Além do
texto constitucional, também são paradigma de controle da produção normativa doméstica os tratados internacionais
de direitos humanos (controles difuso e concentrado de convencionalidade), bem assim os instrumentos internacionais
14 comuns (controle de supralegalidade)”.
nalidade das disposições infraconstitucionais). (LOPES JR. & ROSA, 2015)

Em sede de análise, vale a pena destacar os dispositivos dos dois Tratados Internacionais
que servem como legitimadores e razões da instituição das audiências de custódia no país.

Primeiramente, cumpre ressaltar o art. 9º, “3” do Pacto Internacional de Direito Civis e Políti-
cos das Nações Unidas, que apesar de sua vigência na ordem internacional desde março de 1976,
obteve execução no Brasil somente através do Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992. Assim versa
o dispositivo:
Art. 9º, “3” - Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação de uma infracção penal
será prontamente conduzido perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela
lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num prazo razoável ou liber-
tado. A detenção prisional de pessoas aguardando julgamento não deve ser
regra geral, mas a sua libertação pode ser subordinada a garantir que assegurem a
presença do interessado no julgamento em qualquer outra fase do processo e, se for
caso disso, para execução da sentença. (grifo nosso)

Aqui se observa de forma clara o repúdio da prisão utilizada como regra geral para aqueles
que aguardam julgamento pela justiça, uma estatística infelizmente bastante elevada no Brasil,
conforme se verá em mais detalhes no capítulo 2.

Uma observação a ser feita é que tal regra não é (ou pelo menos não deveria ser) dotada
de absoluta originalidade dentro do ordenamento jurídico pátrio a ponto de causar alvoroço na co-
munidade jurídica, já que, dentre outras questões previstas na lei e/ou aceitas na jurisprudência,
podemos destacar o artigo 236 do Código eleitoral de 196512, que prevê a necessidade da imediata
apresentação ao juiz do preso em flagrante.

Dessa forma, contra aqueles que se insurgem contra as audiências de custódia com o argu-
mento da falta de previsão legal expressa interna, CHOUKR (2015) nos lembra da aplicação da
analogia como integração neste caso, conforme estabelecido pelo art. 4º da Lei de Introdução as
Normas do Direito Brasileiro e permitido pelo art. 3º do Código de Processo Penal pátrio. E assim
conclui que esse dispositivo do Código Eleitoral é capaz “de satisfazer tanto os alinhados com uma
concepção de internacionalização do Direito e a plena fruição dos direitos humanos a partir de com-
promissos internacionais como os mais conservadores que tendem a buscar arrimo às suas posi-
ções nas construções mais apegadas a um saber jurídico tradicional” (CHOUKR, 2015, pg. 15-16).

E já que se aborda aqui algo que deveria ser visto com indignação pela sociedade por se
tratar de um verdadeiro paradoxo, o dos “presos sem condenação”, alguns dramas (ou tragédias,
termo que definiria melhor tais situações), valem a pena serem transcritos:

“- FLS foi preso em 26 de dezembro de 2007. Em quase dois anos a instrução sequer havia
sido iniciada.
12 Art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do
encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal
condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.
§ 2º Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz competente
que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator. (sem grifo no original).
§ 2º Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz competente que, se
verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator. 15
- AA furtou dois tapetes em um varal. Foi preso em novembro de 2006 e condenado, em julho
de 2009, a um ano de prisão no regime aberto. Apesar disso, apenas uma semana após a sentença
AA foi liberado.

- LSM foi preso em janeiro de 1998. Sem sentença até junho de 2009, LSM foi solto no mutirão
carcerário.

- RS ficou preso mais de 2 anos sem sequer ser denunciado”13

Apenas alguns casos isolados, que retratam uma parte ínfima da realidade das estatísticas
sobre os presos provisórios no país14.

Além deste dispositivo previsto no pacto anteriormente citado, temos também o art. 7º, “5”, da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
Art. 7º, “5” - Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à pre-
sença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais
e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade,
sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a
garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

A respeito da CADH, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, Choukr
(2015) nos traz a crítica de que “à luz da melhor interpretação da CADH que a apresentação é
da pessoa presa – e não apenas presa em flagrante! – ao Juiz competente seria demais para um
momento tão frágil de enfrentamento às estruturas processuais concebidas e repetidas da mesma
forma desde o Estado Novo. Ficou-se, assim, com a delimitação do tema no âmbito flagrancial”
(CHOUKR, pg. 7)

Assim, reconhece-se o direito inerente a pessoa humana de proteção a possíveis abusos


e maus-tratos cometidos pelos poderes estatais, mais notadamente a polícia, nos casos das pri-
sões em flagrante, servindo a apresentação ao juiz competente como verdadeiro escudo contra os
desmandos de uma polícia autoritária e truculenta como a brasileira, valendo ressaltar aqui que a
autoridade policial responsável pela prisão é, em regra, proibida a participação na audiência15.

Assim, com base nesses dois tratados internacionais, e em conformidade com decisões do
STF , o CNJ regulamentou-as através das Resoluções 213 e 214 (que não cabem neste trabalho
16

serem estudadas a fundo), que estão em vigência até que o Poder Legislativa resolva a matéria
através de alguma das propostas que tramitam no Congresso a respeito da questão17.
13 Situações trazidas por ZACKSESKI, Cristina. “O problema dos presos sem julgamento no Brasil”. Também
TEIXEIRA, Luciana de Sousa. “Audiência de custódia: eficaz para a redução da banalização das prisões cautelares?”
(2015) apud Choukr (2015).
14 Para um estudo abrangente acerca dos números de presos provisórios no país, ver ZACKSESKI, Cristina.
“O problema dos presos sem julgamento no Brasil”. Disponível em: < http://www.forumseguranca.org.br/storage/down-
load/anuario_iv_-_o_problema_dos_presos_sem_julgamento_no_brasil2.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2016.
15 Resolução 213 do Conselho de Justiça Nacional, art. 4°, parágrafo único, que dispõe que “é vedada a pre-
sença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia”.
16 Vide nota 2.
17 Nesse sentido, v.g, ver PLS 544 de 2011, projeto de maior destaque, que propunha redação nova para o
art. 306, § 1º, do CPP: “§ 1.o No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido
à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado
de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria
16 Pública”. Acompanhamento da tramitação do projeto em <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/mate-
2 DA IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE DAS AUDIÊNCIAS
Assevera Leonardo Machado, dirigindo loas à audiência de custódia, que a mesma é verda-
deira “medida de comprometimento humanitário e aprimoramento do processo de tomada de de-
cisões sobre as privações de liberdade especialmente cautelares (ou pretensamente cautelares)”
(MACHADO, 2015 apud VASCONCELLOS, 2016).

Mas apesar das mudanças que a medida pretende trazer para o modus operandi punitivo
exagerado presente hoje no Brasil não faltaram os que desaprovaram as audiências, vindos estes
dos mais diferentes setores da sociedade, desde parlamentares através de seus discursos até
organizações que ajuizaram ações no STF buscando impedir (seja por vício formal ou material) a
efetivação das medidas18, incluindo juristas que, na linguagem popular, em algum momento “torce-
ram o nariz” para as audiências19.

Garcia (2015) argumentou desde logo que a apresentação da pessoa física do preso frente ao
magistrado seria absolutamente desnecessária, já que somente através do auto de prisão lavrado
pela autoridade policial seria possível a análise da legalidade e necessidade da prisão cautelar,
podendo o juiz relaxá-la caso vislumbre desproporcionalidades ou ilegalidades no ato.

Para refutar essa tese, trazemos aqui a argumentação de Lopes Jr. & Rosa (2015), que,
após trazer um exemplo da descrição de uma conduta humana violenta em um auto de prisão e
salientarem a capacidade cognitiva do ser humano de preencher as lacunas das informações não
presentes no texto, asseveram que ao lermos a descrição de tal conduta
Não lembraríamos de um rosto doce, respeitador, educado, mas sim de um sujeito
que congrega em si os atributos do mal. Essa conduta humana (preencher os espa-
ços desprovidos de informação) cria o que se denomina de efeito priming, ou seja,
o efeito que a rede de associações de significantes opera individualmente sem que
nos demos conta, fundados naquilo que acabamos de perceber, mesmo na ausência
de informações do caso. Daí que a simples leitura da peça acusatória ou do auto de

ria/102115>.
18 Vide, v.g, ADIN 5240 - ADEPOL – Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (julgada improcedente,
sendo recomendável a análise da manifestação da Procuradoria Geral da República no processo); ADI 5.448 - Anama-
ges - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (seguimento negado por falta de legitimidade ativa da associa-
ção).
19 Nesse sentido NUCCI, Guilherme de Souza. “Os mitos da audiência de custódia”. Disponível em: <http://
genjuridico.com.br/2015/07/17/os-mitos-da-audiencia-de-custodia/>. Acesso em: 21 ago. 2016, no qual o autor faz uma
crítica a regulamentação dada aos dois tratados internacionais citados anteriormente argumentando criticamente que
CNJ, Ministério da Justiça, TJ-SP, entre outros, trataram a audiência de custódia “como se fosse algo novo, extrema-
mente relevante e urgente. Noutros termos, como se, em 23 anos, o Judiciário descumprisse cláusula fundamental
de direitos humanos e, pior, ninguém percebeu. Nem advogados, nem promotores, nem delegados, nem mesmo a
doutrina. Inexistem acórdãos considerando a nulidade da prisão em flagrante lavrada por delegado e fiscalizada por
juiz de direito em 24 horas, sem a presença do acusado em audiência de custódia, antes de ter sido levantada a polê-
mica” (NUCCI, 2015). A linha de raciocínio do autor, que causa perplexidade e exprime a máxima “este direito nunca
foi exercido, por isso não merece sê-lo agora” dispensa maiores comentários, bastando considerar que segundo a
argumentação do jurista uma possível “omissão” que durou décadas é legitimadora da preservação de um status quo
de violência sistemática contra os presos e de um imenso desrespeito aos direitos humanos desses agentes, como se
humanos não fossem. Também GARCIA, Gustavo Assis. “A falácia da audiência de custódia”. Disponível em: <http://
asmego.org.br/wp-content/uploads/2015/07/audiencia-de-custodia_Gustavo-Assis-Garcia.pdf>. Acesso em: 21 ago
2016. Referido autor, que coloca o delegado de polícia como o real responsável pela função que se quer dar aos juízes
através das audiências de custódia, conclui “que não há violação alguma a direitos humanos quando a lei autoriza que
a “audiência de custódia” seja realizada por outro órgão distinto do judicial, como preconiza o art. 7, item 5 da CADH,
tornando absolutamente desnecessária a instituição de outro ato processual para a apresentação do preso ao juiz.”
(GARCIA, 2015). 17
prisão em flagrante gera, aos metidos em processo penal, a antecipação de sentido.
(LOPES JR. & ROSA, 2015)

Assim, tem-se a extrema eficácia e humanização do processo penal quando há um encontro


face-a-face entre julgador e julgado, encarando o ser humano como o mesmo é: de carne e osso,
de existência física individualizada e portador de personalidade única dentro da ordem social, dei-
xando-se um pouco de lado o excesso de formalismo e frieza do papel para ir de encontro com a
realidade da pessoa humana20. E aqui uma falha brutal e muitas vezes presente no processo penal:
negar-se mais do que os direitos do indivíduo, mas negar-lhe também sua própria personalidade.

Em segundo lugar, e para os que bravejam que tais audiência “colocariam a criminalidade a
solta” e estimularia a impunidade, pela falta de dados mais abrangentes e completos trazemos aqui
dados da cidade de São Paulo, onde de março a julho de 2015, 1.301 acusados de furto foram de-
tidos, mas liberados pela justiça para responder em liberdade21, sendo que com isso o número de
furtos não aumentou, mas sim diminuiu. Segundo dados do TJ-SP e da Secretaria de Segurança
Pública de São Paulo, nos quatro primeiros meses da implementação o índice caiu 8,7%, compara-
do com o mesmo período de 2014 – de 104.485 (2014) furtos para 95.393 (2015)22.

Fora a economia que a medida poderá trazer aos cofres públicos23, e fazendo frente ainda ao
discurso da impunidade, tão em voga no Brasil, alguns dados nos dão a dimensão do problema e
indicam a importância da iniciativa das audiências de custódia para mitigá-los, já que em tese no
“país da impunidade” deveriam haver poucas pessoas presas, o que não é verdadeiro.

No Paraná, por exemplo, dos 28.309 presos, mais de 11.600 são provisórios24, número não
tão surpreendente quando comparado com estados como Amazonas, Piauí e Sergipe, nos quais
a porcentagem de presos provisórios no sistema carcerário passa dos 3/5. Todos acusados e que
aguardam julgamento encarceradas, privadas do convívio social e amontoadas em condições in-
descritíveis e sub-humanas, em convívio permanente com o crime organizado e sem a mínima
assistência do Estado. Indivíduos em tese inocentes, já que a presunção de inocência do artigo 5º,
LVII da CF/8825, estabelece que todos o são até que se prove o contrário, corporificando assim o
20 Discorrendo sobre o impacto que a presença física que o acusado traz para os agentes do processo,
Abramovay (2016) destaca uma cena verídica do documentário Justiça, em que uma magistrada, sem tirar os olhos
da descrição constante nos autos, pede ao réu para que confirme a conduta ali descrita de que teria pulado um muro
depois do furto. Ao passo que o réu não responde, a juíza se irrita e levanta a voz questionando novamente se o réu
confirma ou não o fato, e quando a mesma olha para o ser humano em sua frente se dá conta de que este é cadeirante,
mostrando a todos os presentes que até aquele momento sequer havia olhado para o réu, que, nas palavras de Abra-
movay, é coisificado e passa por um processo de reificação durante o processo penal. E aqui reside o risco de análises
superficiais apenas de papéis, desprezando-se a autonomia e existência concreta do indivíduo.
21 Aqui frisa-se, responder em liberdade, já que muitos, estimulados pelo senso comum e por programas po-
liciais apocalípticos, distorcem a questão e afirmam que a audiência de custódia faria com que o agente não respon-
desse pela sua conduta. Muito pelo contrário, o acusado responderá ao processo criminal normalmente, mas não será
privado do convívio social quando isso não for necessário.
22 Dados trazidos pelo CNJ, disponíveis em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80453-liberdades-provisorias-a-
-acusados-de-furto-nao-aumentam-tipo-de-crime-em-sp>.
23 Durante lançamento do projeto Audiências de Custódia em Minas Gerais, em julho de 2015, o presidente do
CNJ Ricardo Lewandowski estimou economia de R$ 4,3 bi aos cofres públicos. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/
noticias/cnj/79916-pais-pode-economi-zar-r-4-3-bi-com-audiencia-de-custodia-diz-lewandowski>.
24 Os dados aqui utilizados são de estudos do CNJ, jun. 2014. NOVO DIAGNÓSTICO DE PESSOAS PRE-
SAS NO BRASIL. Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução
de Medidas Socioeducativas - DMF
25 CF/88: Art. 5º, inc.LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
18 condenatória.
mandamento in dubio pro reo.

Frisa-se que não se propugna aqui o fim da prisão provisória, mas sim o seu maior controle,
e não sua aplicação desmedida e desproporcional26. Para um sistema penal mais justo se requer
o seu estabelecimento quando realmente necessário e quando verdadeiramente presentes as cir-
cunstâncias justificadoras dessa medida extremamente invasiva e sem volta27: por exemplo, quan-
do a liberdade do acusado colocar em risco a instrução do processo, quando há indícios de que
o agente possa ameaçar testemunhas ou destruir provas, quando há indícios concretos de que
o acusado voltaria a cometer crimes, de modo que a prisão se justificaria pela garantia da ordem
pública28, entre outras29.

A respeito do porquê as prisões cautelares devem ser tidas como exceção temos que:
[...] resulta completamente ilegítimo detener preventivamente a una persona con fi-
nes retributivos o preventivos (especiales o generales) propios de la pena (del dere-
cho penal material), o considerando criterios tales como la peligrosidad del imputado,
la repercusión social del hecho o la necesidad de impedir que el imputado cometa
nuevos delitos. Tales criterios no están dirigidos a realizar la finalidad procesal del
encarcelamiento preventivo y, por ello, su consideración resulta ilegítima para decidir
acerca de la necesidad de la detención preventiva. (BOVINO, Roberto, 1997 apud
ZACKSESKI, Cristina, 2014)

Observa-se assim que as prisões cautelares/provisórias não são somente uma exceção às
prisões de maneira geral, mas exceções também a verdadeiros princípios constitucionais penais,
como o in dubio pro reo, o devido processo legal, a ampla defesa, etc., jamais podendo servir como
mera antecipação da pena ou de uma sanção penal por simples suspeita da materialidade do fato.
Dessa forma, vemos que a prisão provisória, por si só, já seria uma violação a alguns princípios
cruciais ao Estado Democrático de Direito, por isso a importância de ser empregada apenas e tão
somente quando estritamente legais, necessárias e proporcionais, sendo aplicada assim com res-
ponsabilidade e não de forma banal e desmedida como muitas vezes é feito.

Um bom exemplo de ente federativo que conseguiu reduzir a população carcerária reduzindo
o número de prisões provisórias foi o Maranhão, onde o uso da prisão provisória caiu de 90% para
26 Sendo assim, é óbvio que as audiências de custódia não mudarão a forma arbitrária que boa parte dos jul-
gadores se utiliza para analisar os requisitos da prisão cautelar, conforme trazido por Ávila (2016) e Andrade & Alflen
(2016).
27 Frisa-se, sem volta, e aqui se colocam os casos citados anteriormente no texto: o que fazer com uma pessoa
que aguardou 5 anos por seu julgamento atrás das grandes, e foi condenada a 2 em regime aberto? Qual é o preço de
5 anos perdidos desnecessariamente? Qual indenização pagaria todo o sofrimento desse agente? Qual é o preço de
sua reinserção na sociedade? O que esse agente irá trazer de sua convivência na prisão e qual será sua visão do Es-
tado após deixa-la? Aqui vale destacar uma observação importante acerca de uma enorme inconsistência do sistema
trazida por Abramovay (2016): “Se é verdade que as penas alternativas viraram prática corrente, é necessário lembrar
que essas penas são aplicadas somente ao final do processo, em substituição às penas privativas de liberdade. Isso
cria uma distorção enorme num sistema que tem por lógica que a maioria das pessoas responda ao processo estando
presas. Muitos dos presos por crimes menos graves, sem violência, respondem ao processo presos, mas ao final são
condenados a uma pena alternativa. É como a Justiça os condenassem à liberdade”.
28 Frisa-se aqui a garantia da ordem pública dentro do limite do razoável e do lógico, já que muitas vezes essa
justificativa é utilizada de forma totalmente arbitrária pelo julgador.
29 Ver aqui Lei 7.960/89, Art. 1º e Lei 8072/90, Art. 2º, parágrafo 4º (prisão temporária); Artigos 311 a 316 do
Código de Processo Penal (prisão preventiva); Artigos 301 a 310 do Código de Processo
Penal (prisão em flagrante). Neste trabalho empregamos o termo prisão provisória como sinônimo de prisão cautelar,
as quais são gênero das três espécies citadas acima. Lembrando que as audiências de custódia se aplicam apenas
nos casos das prisões em flagrante, apesar de não haver essa restrição nos tratados internacionais citados, conforme
destacado por Choukr (2016). 19
50% dos detidos, sendo que o estado obteve até mesmo reconhecimentos internacionais por parte
de organizações de direitos humanos por conta da iniciativa30.

Quando tomamos os dados do Brasil, observamos que de todas as pessoas encarceradas,


41% ainda aguarda julgamento, ou seja, 231.046 presos, número bem superior aos que cumprem
prisão domiciliar, que somam 147.937 pessoas. No gráfico abaixo temos a comparação do número
de pessoas em prisão provisória em relação ao número de pessoas nos presídios (coluna 1) e em
relação ao total de presos, em regime fechado ou prisão domiciliar (coluna 2).

Gráfico 1: Presos Provisórios no Brasil

Fonte: CNJ, jun. 2014.

Por isso vemos que a iniciativa das Audiências de Custódia se coaduna perfeitamente com
a necessidade de internalizar normas de direito internacional as quais o Brasil se comprometeu a
cumprir, dando existência concreta ao que já a décadas está previsto nos Tratados Internacionais
e se inserindo dentro do movimento de internacionalização dos direitos humanos.

Afinal, quantos desses presos provisórios não deveriam estar encarcerados? Aqui está um
número que talvez nunca conseguiríamos expressar, mas o fato é que muitos deles não deveriam
estar presos, tanto levando-se em conta a legalidade quanto a necessidade e proporcionalidade.
É nesse momento que as audiências de custódia podem servir como escudo, como já destacado,
para prevenir certos tipos de abusos e agressões/torturas já perpetuadas no modus operandi de
boa parte das prisões em flagrante no Brasil.

Lopes Jr. & Rosa (2015) lembram que é evidente que “a cultura encarceradora não se muda
por mágica, nem pela audiência de custódia, mas podemos, ao menos, mitigar a ausência de im-
pacto humano”, tão presente atualmente no processo penal.

E aos que simplesmente não aceitam tal mecanismo de contenção da violência contra os
presos, as palavras do professor Alexandre Moraes da Rosa em comentários sobre as audiências
de custódia publicados no sítio Empório do Direito expressam e resumem muito bem a questão:
Retrógado é se manter um regime de prisão cautelar em que não há controle efeti-

30 “Audiência de custódia no Maranhão recebe reconhecimento internacional”. Disponível em < http://www.


20 tjma.jus.br/cgj/visualiza/publicacao/408649>. Acesso em: 21 ago. 2016.
vo sobre as práticas da força policial, em que as reiterações de violações não são
exceção, bem assim contam com a leniência dos poderes públicos. O Juiz precisa
assumir seu lugar de garante e responder por sua atuação [31]. O CNJ ao dar efetivi-
dade à normativa internacional, no fundo, promove a transparência e accountability
do Poder Judiciário em face de qualquer pessoa segregada do seu direito de ir, vir e
ficar. A qualidade da prisão e da decisão judicial restam potencializados. Daí a impor-
tância da normativa complementar editada pelo Conselho Nacional de Justiça que
torna homogênea a prática das audiências de custódia (ROSA, 2016)

Quanto às insurgências contra a medida, felizmente pouco surtiram efeito e não conseguiram
impedir que o mecanismo se espalhasse por todo país, contribuindo para a tentativa de construção
de uma justiça penal mais humana e democrática, sendo nossa visão e desejo que as audiências
se multipliquem e se aprimorem cada vez mais (corrigindo seus vícios obviamente existentes aos
quais não cabe aqui uma análise aprofundada) para que melhor possam atender seus escopos de
redução da população carcerária nacional e de maior controle e responsabilidade sobre aqueles
que estão sobre a tutela estatal em estabelecimentos prisionais.

Cabe também a ressalva ao otimismo exagerado trazido pela instituição da medida em âm-
bito nacional, conforme Ávila (2016), que nos alerta a respeito das revoluções que tem por escopo
perpetuar situações e sistemas, e o cuidado com o qual devemos tratar essas novidades. Conclui
o autor, recorrendo a Foucaut, que o ilegalismo muitas vezes “demostra perfeitamente esse desejo
de reformar para que tudo permaneça como está. É essa espiral punitiva que devemos severamen-
te interrogar, como forma de ampliar espaços de liberdade não acessíveis por concessões estatais”
(ÁVILA, 2016, pg. 154-155).

Portanto, a audiência de custódia, por si só, não resolverá o sério e generalizado problema
carcerário existente hoje no país, de frequentes abusos e transgressões legais, mas sem dúvida
poderá contribuir mesmo que de forma ínfima para tal quando bem utilizada pelos agentes proces-
suais, que deverão exercer a medida com responsabilidade.

3 DA COGNIÇÃO DO MÉRITO NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA


Questão polêmica e interessante no que se refere as audiências de custódia é a respeito da
possibilidade ou não de análise de matéria de fato nas audiências, produzindo-se assim provas
de mérito pelo Ministério Público e Defesa Técnica. A questão central é se seria ou não pertinente
para a eficácia das audiências que o juiz admitisse a produção de provas desde logo. Em regra, a
resolução 213 do CNJ estabelece que na audiência de custódia só se admitiria questões afeitas à
prisão, e não a análise do mérito32, e nesse sentido também o PLS 554/201133. Predomina também

31 “Cada preso no Brasil terá uma autoridade judicial responsável pelo ato, com as consequências daí advin-
das (CNJ, art. 213, art. 7º)” (ROSA, 2016).
32 Resolução 213, CNJ: “Art. 8º Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em
flagrante, devendo: (...)
VIII - abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos
fatos objeto do auto de prisão em flagrante (...)”
Art. 8°, § 1º (primeira parte) “Após a oitiva da pessoa presa em flagrante delito, o juiz deferirá ao Ministério Público e à
defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas
ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação (...)”.
33 Modificação do CPP, Artigo 306, § 6°: “a audiência de custódia a que se refere o parágrafo 5º será regis- 21
na doutrina esse entendimento34.

Mas afinal, o juiz deve se limitar a analisar questões atinentes à prisão ou pode, desde já,
admitir a atividade probatória levando-se em conta a materialidade do crime?

Tal questão pareceria ter uma resposta mais fácil, o ‘sim’ ou o ‘não’ para a análise do mérito,
não fosse o fato trazido por Pedro Abramovay em esclarecedora resenha sobre as audiências, “Ba-
nalidade do réu: um dia de observação das audiências de custódia”, na qual o autor denuncia que:
(...) os juízes se utilizam da ideia de que não se julga o mérito nas audiências de
custódia de maneira bastante arbitrária. As audiências de custódia, de fato, não são
audiências finais, nas quais se profere uma sentença de condenação ou não do réu.
Mas é claro que o mérito é relevante. Isso aparece em muitos momentos na justifica-
tivas dos juízes para manter os réus presos. Mas cada vez que a defesa tenta levan-
tar uma questão de mérito os juízes não admitem escutá-los. (ABRAMOVAY, 2016)

Foi nesse sentido que o defensor público federal Caio Paiva, que em primeiro momento35
considerou inadmissível perguntas que conduzissem ao mérito do caso penal, posteriormente mu-
dou seu entendimento, colocando essa proibição como expressão de um paternalismo processual
penal que impede o indivíduo de se defender frente a autoridade judicial.

Para esse autor, não há nenhuma limitação nos tratados internacionais já citados neste traba-
lho de que o juiz não pode formular perguntas objetivando atividade probatória, tampouco na doutri-
na estrangeira sobre o tema encontramos essa barreira a análise do mérito nessas audiências. Ou
seja, para Paiva (2016) trata-se de uma criação nacional. Aqui talvez podemos nos perguntar se tal
criação pátria não se deve ao fato de que temos muitos julgadores arbitrários e que utilizariam tal
permissão para produzir uma condenação antecipada através da coação, desvirtuando a real fina-
lidade das audiências como repressora da truculência estatal e garantidora da liberdade pessoal,
discussão essa que não caberia nos limites desse artigo.

Primeiramente cabe aqui destacar os argumentos mais utilizados pela maioria dos teóricos
contrários a análise do mérito, que defendem a análise restrita da legalidade e da cautelaridade da
prisão.

O primeiro diz respeito aos malefícios da antecipação do interrogatório, que em regra seria o
último ato da instrução, conforme artigo 400, caput, do CPP. Tal sistemática prejudicaria o direito
de defesa do réu, tanto por conta do curto período para planejamento de sua defesa, quanto pelo
risco trazido de tal antecipação produzir uma condenação antecipada para o mesmo. Além do fato
de que
qualquer outra consideração [que não questões adstritas à prisão] implicaria indevida
antecipação de elementos de convicção sobre o mérito, e, dessa forma, acarretaria a

trada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamen-
te, sobre a legalidade e a necessidade da prisão, a ocorrência de tortura ou de maus-tratos e os direitos assegurados
ao preso e ao acusado”.
34 Nesse sentido Choukr (2015), Rosa (2016), Lopes Jr., Aury & Rosa (2016). Também VASCONCELLOS, Vi-
nícius Gomes de. Audiência de custodia no processo penal: limites cognitivos e regra de exclusão probatória. IBCCrim,
boletim 283, junho/2016; FISCHER, Douglas. Art. 8º. In: ANDRADE, Mauro Fonseca; ALFEN, Pablo Rodrigo (org.).
Audiência de Custódia: Comentários à Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2016, p. 101; este último trazido por Paiva (2016).
22 35 Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro (Empório do Direito, 2015).
contaminação psicológica do julgador, o qual se tornaria debilitado em equidistância,
imparcialidade e equilíbrio para apreciar o caso em momentos futuros de maior es-
paço cognitivo. (AMARAL, Cláudio; 2015 apud VASCONCELLOS; 2016)

Paiva (2016), combate esse argumento lembrando que todas as alegações trazidas pelo réu
(e também as da vítima e testemunhas) nessas audiências seriam meramente provisórias, poden-
do ser retificados ou ratificados posteriormente e durante as investigações, além do fato de que o
mesmo terá o direito ao silêncio garantido e também o auxílio de sua defesa, seja esta da defenso-
ria pública ou particular. Sendo assim o interrogatório ali efetuado estaria “naturalmente (...) limitado
àquele contexto da flagrância” (PAIVA, 2016).36

O autor complementa:
(...) surpreende que a comunidade jurídica brasileira censure qualquer atividade pro-
batória na audiência de custódia, em que estão presentes o Ministério Público, a
defesa técnica e o juiz, mas admita, com tranquilidade, que a pessoa presa adentre
no mérito do caso penal quando é ouvida na lavratura do auto de prisão em flagrante
pela autoridade policial, sem o acompanhamento de advogado ou de defensor públi-
co” (PAIVA, 2016)

O segundo argumento frequentemente utilizado pelos defensores da estrita análise da prisão


nas audiências diz respeito à inexistência do direito do contraditório na fase de investigação, sendo
esse inerente à fase processual, na qual se irá discutir o mérito da causa de maneira abrangente e
com todos os recursos disponíveis e permitidos pelo direito.

Da mesma forma, Paiva (2016) se insurge contra essa linha de raciocínio argumentando que
por ser o auto de prisão em flagrante judicializado, apesar da audiência se realizar na fase de inves-
tigação, esta tem natureza processual, não podendo ser considerada simples ato ou instrumento
de investigação, cabendo falar daí no direito à ampla defesa e ao contraditório de forma ampliada.

Dessa forma, tal autor considera o discurso da proibição da análise do mérito como protetora
da pessoa presa um discurso que procura legitimar a proteção do autor de si mesmo, limitando-se
assim de forma grave a autodefesa e restringindo a liberdade comunicativa do réu que, frisa-se,
também possui o direito de permanecer calado.

Assim, voltamos ao comentário trazido por Abramovay (2016) acima, da utilização indiscrimi-
nada da regra da não admissão de matéria fática, para colocarmos aqui a dificuldade imensa da
separação entre mérito e legalidade da prisão, já que
O CPP exige prova da existência do crime e indício suficiente de autoria para que
a prisão preventiva possa ser decretada (artigo 312, caput). A Lei 7.960/1989 exige
fundadas razões, de acordo com as provas, de autoria ou participação do investiga-
do (artigo 1º, II), para que a prisão temporária possa ser decretada. E mais. O CPP
estabelece que o juiz deve conceder liberdade provisória, e não converter a prisão
em flagrante em prisão preventiva, quando o agente tiver praticado o fato amparado

36 Destaca-se nesse ponto a discussão acerca da admissão ou não da utilização da oitiva do preso realizada
em audiência de custódia na Ação Penal. Ver Vasconcellos (2016), op. cit., para quem não caberia tal utilização; PAIVA,
Caio. Depoimento da audiência de custódia pode ser utilizado na Ação Penal? Disponível em: <http://www.conjur.com.
br/2016-ago-23/tribuna-defensoria-depoimento-audiencia-custodia-utilizado-acao-penal>. Acesso em: 24 ago. 2016,
sendo que para este autor tal ato seria possível, desde que também sujeito a retificações posteriores, não sendo, por-
tanto, uma prova irrepetível. 23
por excludente de ilicitude37 (artigo 310, parágrafo único), assentando, ainda, que em
nenhum caso se admitirá a decretação de prisão preventiva se presente este cenário
(artigo 314). (PAIVA, 2016)

Aqui se destaca o extrema inconveniente/impossibilidade, do réu tentar influenciar o juiz sobre


tais questões sem adentrar no mérito do caso. Assim, como seria possível se defender de um falso
indício de materialidade ou de uma não materialidade quando não se pode alegar qualquer questão
atinente à materialidade? Ou seja, haveria nesse aspecto um real cerceamento de defesa do réu
quando seria possível fazê-lo, não podendo o mesmo confrontar a versão trazida pela polícia, ou
seja, não podendo o mesmo, grosso modo, se defender das alegações.

Agrega-se aqui o fato de, na prática, o réu não entender o porquê de estar na frente de um
juiz que irá decidir seu futuro, estar lá por conta de algum delito do qual é acusado, mas não poder
abordar se é culpado ou não, algo que no direito soaria normalmente, mas não para o réu que vê
a situação como um absurdo, sem poder trazer à baila se cometeu ou não o crime, conforme Abra-
movay (2016):
Este poderia ser apenas um caso no qual a impermeabilidade do argumento jurídico
para quem não tem formação legal aprofundasse a desconstrução do sujeito e a in-
capacidade do réu de assumir algum protagonismo sobre seu futuro e sua eventual
violação de direitos. Mas é muito mais do que isso. Afinal, os juízes usam argumen-
tos de mérito e os descartam conforme lhes convém, sobretudo para manter o réu
preso. (ABRAMOVAY, 2016)

Em contrapartida, temos o caso trazido por Vasconcellos (2016), em uma situação na qual a
partir de uma autoritária produção de mérito nessas audiências, teríamos um infeliz desfecho no
exemplo equatoriano em que “as Unidades de Gestão de Flagrância, criadas em Quito e Guayaquil
em 2012, embora se justificassem declaradamente para um maior controle da legalidade das de-
tenções, se transformaram em “máquinas judiciais para promover condenações imediatas”” (VAS-
CONCELLOS, 2016).

3.1 DO “MELHOR MOMENTO PARA A PRODUÇÃO DA PROVA PENAL?”

Já que a discussão gira em torno da possibilidade ou não da atividade probatória já na au-


diência de custódia, ou seja, logo após o cometimento do delito e consequente prisão em flagrante,
cabe aqui trazer a questão de como isso influiria no desenvolvimento da veracidade da prova, es-
pecialmente no que se refere ao reconhecimento de autores de condutas delituosas e da indagação
de como as mesmas ocorreram através das vítimas ou testemunhas, análise essa feita sob a ótica
da Psicologia do Testemunho.

A “transmissão” imediata de descrições de agentes e situações logo de início contribuiria, de


forma lógica, sobremaneira para o processo, já que
37 CP: Exclusão de ilicitude Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 
        I - em estado de necessidade; 
        II - em legítima defesa;
        III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
        Excesso punível 
24         Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
um dos fatores que podem influir de forma cabal na quantidade e acurácia das infor-
mações lembradas na etapa de recuperação, é o intervalo de retenção da memória,
em outras palavras, o tempo decorrido desde a ocorrência do evento até a recupera-
ção dessa memória pelo indivíduo, por exemplo, ao prestar seu depoimento.38

O efeito de um alargado intervalo, dessa forma, poderia causar não apenas um esquecimento
do que e de que forma realmente ocorreu o fato, mas também poderia “criar” situações inexistentes
através das falsas memórias, que são inerentes a forma de funcionamento do cérebro humano.

Essas falsas memórias, que operariam através de interferências internas e externas na com-
preensão do fato por aquele sujeito, poderiam distorcer toda uma lembrança, fenômeno que se
agregaria com outros fatores como a emoção vivida, a repercussão na mídia, o número de vezes
que aquela pessoa recuperou o evento falando ou pensando, etc.39.

Assim, a admissão da atividade probatória logo na audiência de custódia traria a chance de


um reconhecimento de agentes e situações muito mais claro, por conta do curto período decorren-
te entre a situação fática e o depoimento em juízo, já que “quanto mais detalhadas e fidedignas
forem estas lembranças [as lembranças do possível fato delituoso], melhor será o testemunho e a
capacidade de realizar um reconhecimento correto, e assim, potencialmente mais elucidativo para
o desfecho do caso”40.

É claro que tal só seria possível com o alargamento da competência atual das audiências,
admitindo inclusive o depoimento de testemunhas e vítima logo de início, demandando assim uma
reformulação total não apenas da previsão normativa da audiência em si, mas de toda a estrutura
judicial. O ponto positivo é que essa possibilidade livraria, por exemplo, e de imediato, o acusado de
responder por um ato que não cometeu ou, pelo menos, não exatamente da maneira como trazida
a juízo.

Por outro lado, há outro recurso natural do cérebro humano que é a reminiscência41, também
ocasionada pelo decorrer do tempo, mas positiva na medida em que faz com que o agente recu-
pere paulatinamente dados da sua memória que logo após o evento talvez não fossem tão claros
e/ou especificados. Assim o exposto acima “não significa que o testemunho seja inválido por ser
coletado um determinado período de tempo após o evento, tendo em vista a possibilidade do efeito
de reminiscência, e ao fato de que a memória não necessariamente irá se apagar se ela foi bem
codificada e mantida adequadamente”42.

Assim, a postergação de análise da prova penal no segundo caso seria extremamente saldá-
vel para a veracidade do processo, mas como o cérebro humano não funciona como uma máquina
estável e igual para todos, assim como cada um está sujeito às interferências internas e de seu

38 BRASIL. Avanços científicos em Psicologia do Testemunho aplicados ao reconhecimento pessoal e aos


depoimentos forenses. Série Pensando o Direito, nº 59. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legis-
lativos (SAL) ; Ipea, 2015.
39 Ibidem.
40 Ibidem. Assim, dando um exemplo de um assalto, assevera que “se as testemunhas fossem chamadas para
depor logo após o assalto ter ocorrido, a memória registrada recentemente tenderia a ser mais robusta, portanto, mais
provável de ser recuperada, além de mais acurada, se compararmos com o depoimento que as mesmas testemunhas
farão meses ou até mais de um ano depois em juízo [como normalmente acontece]”.
41 Ibidem.
42 Ibidem. 25
meio, eis aqui mais uma dúvida tortuosa acerca da produção ou não da prova de maneira imediata,
logo na audiência de custódia.

Uma possível solução para esse caso seria o de, assim como no caso sugerido por Paiva
(2016), sujeitar também os testemunhos colhidos na audiência de custódia a uma posterior retifica-
ção ou ratificação, o que não caberia na lógica equivocada que tem os atores jurídicos atualmente
de que “modificações” nos depoimentos seriam “um sinal de inconsistência, levando-os a concluir
que o testemunho é inacurado”43.

CONCLUSÃO
Conclui-se com o presente trabalho que as audiências de custódia se inserem de maneira
necessário e primordial dentro do movimento de internacionalização dos direitos humanos pós-
Segunda Guerra Mundial, sendo momento histórico oportuno para que se dê maior efetividade e
praticidade a normativas internacionais as quais o Brasil ratificou e se comprometeu a cumprir em
sua ordem interna.

Chega-se um momento em que barreiras à efetivação dos direitos humanos, especialmente


aqueles atinentes à liberdade e a dignidade da pessoa humana, devem ser quebradas. Maior im-
portância ainda quando se tratam de minorias como a população carcerária nacional, já que por
estarem a margem da sociedade estão sujeitas às mais diversas formas de violação e desrespeito
as suas garantias e direitos individuais fundamentais, muitas vezes de forma reiterada, brutal, pre-
conceituosa e excludente.

Essa minoria, já privada do convívio em sociedade, não pode ser privada também de sua con-
dição de pessoas, de seres humanos que o são e por isso também núcleo, finalidade e objetivo de
qualquer ordenamento jurídico ou sistema político-social que queira se colocar como democrático,
transparente e justo.

Dessa forma, tais audiências devem resistir a seus opositores, sempre buscando um maior
aprimoramento e maior eficiência para que verdadeiramente cumpram o fim a que se propõe, que,
em última análise, seria mitigar a exclusão social e trazer mais humanização para o processo pe-
nal, deixando de lado concepções excessivamente formais e que não consideram o ser humano
enquanto ser individualizado e possuidor de um subjetivismo único e essencial mesmo quando
dentro de um Estado marcado pela diversidade cultural. Também se alerta para o cuidado frente ao
otimismo cego na simples iniciativa das audiências, já que as mesmas podem ser apenas “mais do
mesmo” em um sistema perpetuador de violações e arbitrariedades históricas.

Quanto à admissão ou não da atividade probatória no âmbito das audiências de custódia, é


mister que se faz urgente uma revisão da maneira com que a regra vem sendo aplicada dentro do
procedimento, expurgando qualquer forma de arbítrio ou abuso dos julgadores quando confronta-
dos com a situação em concreto.

Percebe-se assim que a regra que originalmente veio para inibir qualquer tipo de coação ou
26 43 Ibidem.
abusos arbitrários e prevenir condenações antecipadas antes da instrução penal transforma-se aos
poucos, na prática, em verdadeiro instrumento de arbítrio e coações nas mãos de alguns julgado-
res.

A (in)admissibilidade de ampla cognição do mérito em tais atos é questão que somente mais
algum tempo de desenvolvimento e estabelecimento estável das audiências de custódia nos dirá
de forma clara, já que a concretização das iniciativas em todo o Brasil de forma efetiva nos forne-
cerá dados qualitativos e quantitativos que subsidiarão uma melhor análise da regra a fim de seu
aprimoramento, tornando-as mais democráticas e aptas a atender valores constitucionais e de le-
gislação internacional essenciais ao desenvolvimento dos direitos da pessoa humana. O ambiente
autoritário, que permeia/sustenta muitos desses atos pré-processuais, deve ser fator preponde-
rante para a avaliação de produção antecipada de prova. A inobservância desse aspecto cultural,
poderá levar a um “processo” penal instantâneo, automatizado, naturalmente dirigido às privações
de liberdade.

O fato é que a maneira com a qual o sistema vem se instalando em muitas ocasiões até o
momento é insustentável. Deve-se de forma urgente se encontrar uma maneira eficaz de fiscaliza-
ção dos magistrados para que estes não usem a regra da proibição da análise do mérito quando
lhes apraz e apliquem-na quando bem entendem; ou, caso a aplicação da regra não seja possível
de forma justa, seja pela impossibilidade de separar mérito e cautelaridade, seja pela sua não
observação por todos os agentes processuais, deve-se extirpá-la das audiências de custódia ime-
diatamente, por ser insustentável. Conclusões estas que valeriam outro trabalho, com uma maior
análise prática e estatística acerca da questão.

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THE CUSTODY HEARING AS CONSEQUENCE OF INTERNATIONALIZATION
MOVEMENT OF HUMAN RIGHTS: IMPORTANCE OF INITIATIVE AND
CONSIDERATIONS ABOUT THE EVIDENTIAL ACTIVITY IN THE HEARINGS

ABSTRACT: The use of incarceration as prima ratio of the Brazilian criminal justice system, easily identified by who
knows minimally the national prison reality, is worrisome and portrays front violation to the basic principle of a demo-
cratic criminal law and not authoritarian: the prison as an exception rather than the rule. This fact, that makes Brazil one
country that most arrest people in the world, collides with the effective recognition of personal rights as the freedom and
the life, inseparable the dignity of the human person and motivates reactions of many jurists, international organizations,
human rights associations, etc., so that the Supreme Court Brazilian, in August 2015, declared a “state of things Uncon-
stitutional” in Brazilian prisons. To try to reduce the problem of imprisonment without trial and often without logic, through
Resolutions 213 and 214 of the CNJ, normative density was taken to the article 9, “3”, of the International Covenant on
Civil and Political Rights of the United Nations and article 7, “5”, of the American Convention on Human Rights, giving
rise in the legal system of Brazil the Hearings Custody. Through bibliographic, doctrine and jurisprudence research, as
well as through analysis of statistical data, this paper aims to analyze briefly such hearings, its normative forecasting and
importance, and in the end, make considerations about the contentious issue admission or not the merits of the analysis
in such hearings, talking about the best time of the criminal trial production according to the psychology of testimony.

KEY-WORDS: Human Rights; Minorities; Prison Population; Punishment State

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