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Alexandre Cheptulin

A DIALÉTICA
MATERIALISTA
Categorias e leis da dialética
A DIALÉTICA MATERIALI
Categorias e Leis da Dialética
BIBLIOTECA ALFA-OMEGA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Série l. a
— Volume 2

Coleção
FILOSOFIA
ALEXANDRE CHEPTULIN

A DIALÉTICA MATERIALISTA
Categorias e Leis da Dialética
Tradução
Leda Rita Cintra Ferraz

EDITORA ALFA-OMEGA
São Paulo
1982
Planejamento Gráfico e Produção
Anselmo da Silva Filho

Título do srcinal francês


Categories et lois de la dialectique
Éditions du Progrès — Moscou
© VAAP — Moscou — URSS

Capa

Jayme Leão

Revisão
Eunice Aparecida de Jesus

Composto/Impresso
Gráfica A Tribuna - Santos/SP.

Direitos Reservados
EDIT ORA ALFA-OM EGA, LTD A.
05413 — Rua Lisboa, 500 — Tel.: 280-
01000 — São Paulo — SP

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SOBRE O AUTOR

Alexandre Cheptulin é doutor em Filosofia, professor e autor


de várias monografias dedicadas ao materialismo dialético,
dentre as quais podemos citar Sistema das categorias dialéticas,
Leis da dialética materialista, Filosofia do marxismo-leninismo.
Este é um estudo dos problemas fundamentais da filosofia
marxista, uma análise das categorias e das leis dialéticas. Neste
estudo, o autorinterdependentes,
de conceitos procura apresentá-las sob a forma de
um determinando um sistema
o outro e um
decorre ndo do outro . Ele consi dera essas categorias e leis
como reflexos das propriedades e relações reais, como graus
e formas de desenvolvimento do conhecimento da sociedade e
como princípios do conhecimento dialético e de uma transfor-
mação orientada pela realidade.

V
INTRODUÇÃO

Este livro dedica-se à análise das principais categorias e


leis da dialética materia lista. Colocando em evidência o con-
teúdo das categorias e das leis da dialética, exporemos a
essência do materialismo dialético, enquanto teoria filosófica
particular.
O materialismo dialético estuda as formas gerais do ser, os
aspectos e os laços gerais da realidade, as leis do reflexo desta
última na consciênc ia dos homens. As for mas essenciai s da
interpretação filosófica, do reflexo das propriedades e das cone-
xões universais da realidade e das leis do funcionamento e do
desenvolvimento do conhecimento são as categorias e as leis da
dialética. Com o elementos necessários da teoria filos ófica, elas
têm uma função ideológica, gnoseológica e metodológica.
Quando estas categorias e leis são usadas pelo homem, para
elaborar um sistema de concepções do mundo e uma concepção
única dos fenômenos que aqui são produzidos, elas cumprem a
fun ção de conce pção do mundo ideológ ico. O conhec imento
das propriedades e das conexões universais da realidade, que
se exprimem
pensável nas categorias
ao home m para suafilosóficas, é absolutamente
orientação, indis-
para que possa deter-
minar as vias que lhe permitirão resolver as tarefas práticas
que surgem no proces so de desenvolvimento da sociedade. Fo r-
necendo um sistema global de idéias sobre a realidade ambiente,
a filosofia ajuda o homem a elaborar uma atitude em relação à
vida social, ao regime social, a compreender a essência da polí-
tica adotada por um Estado e, por isso mesmo, permite-lhe
participar de forma consciente da vida política da sociedade, da
luta pelo progresso social e da realização dos grandes ideais da
humanidade.

1
Representando o conhecimento das formas universais do
ser, das propriedades e das relações universais das coisas,
e ocupando, dessa maneira, a função ideológica, as categorias
e leis da dialética refletem as leis do desenvolvimento do
conhecimento, além de constituírem os pontos centrais, os graus
e as formas do funcionamento e do desenvolvimento do pro-
cesso de cognição.
apreender a essência Por tudo issocognitiva
da atividade elas po dee mdasserleis
usada
de s sua
para
obra. No pres ente caso, as leis e as categorias da dialética
desemp enham um a funç ão gnoseológica. Sua assimilação per-
mite um desenvolvimento da faculdade cognitiva, da capacidade
de pensar com exatidão.
Sendo o reflexo das formas universais do ser e das relações
que se manifestam no mundo material e no conhecimento, as
categorias e as leis da dialética permitem a formulação dos im-
perativos, aos quais devem-se submeter a atividade do pensa-
ment o e a ativid ade prátic a. Esses imperati vos constituem os
princípios do pensamento dialético, do método dialético do
conheci mento e da tra nsf orm açã o criativa da reali dade. O
conhecimento desses princípios eleva o nível do pensamento,
alarga suas possibilidades criativas.
. A apt idã o das leis e das cate goria s da dial ética , pa ra de-,
sempenhar uma função gnoseológica e metodológica, coloca
em evidência a necessidade de seu estudo e de sua utilização
consciente na ativid ade do pens ame nto. Em sum a: o homem,
diferentemente do animal, cuja conduta repousa nos instintos
e nos reflexos, é dota do de uma consciência. Tod os os seus
atos têm um caráte r consciente. Ant es de praticá- los, ele
analisa a situação, fixa objetivos adequados, define os modos
e os meios pa ra sua realização . No decorr er desse processo, ele
pensa de maneira contínua. Se ele pensar de forma correta,
poderá facilmente ter uma idéia clara da situação que se cria,
orientar-se, fixar um objetivo exato, utilizar os meios mais
racionais para atingir esse objeti vo. Se seu nível de pensame nto
é baixo, ele tem tendência a se confundir mesmo diante das
situações mais simples; não consegue orientar-se corretamente.
É importante lembrar o quanto é importante para cada homem
o saber pensar corretamente e com certo espírito criativo, nota-
damente no século da revolução científica e técnica e das gran-
diosas transformações sociais, onde os homens têm de resolver
problemas particularmente complexos, tan to técnicos como

2
tecnológicos, além de determinar as vias e as formas do pro-
gresso social . Mas, um pens ame nto criativo correto, corres-
pondente ao nível atual de desenvolvimento da ciência e da
prática social, faz supor que os homen s conheçam as leis do
funcionamento e do desenvolvimento do conhecimento, as leis
da atividade do pensamento, e que aprendam a usá-las racio-
nalme nte para deve
contemporâneo resolver
dominaras perfeitamente
tar efa s prátiocas. O dialético
método especialista
do conhecimento, deve conhecer e aplicar conscientemente os
princípios da dialética, as formas e os procedimentos lógicos da
pesquisa científica e da criação. Tudo isso mostra a necessi-
dade de um estudo profundo da teoria da dialética, de suas
categorias e de suas leis.
O estudo das leis e das categorias da dialética tem um
papel importante na elevação do nível cultural do homem. E
isso porque os resultados do desenvolvimento do conhecimento
científico e da prática social concentram-se nas leis e categorias
filosóficas. As categorias e leis são graus do desenvolvimento
do conhecimento
história e da prática
do desenvolvimento sociais, econclusões
da ciência tiradas
da atividade da
prática.
Familiarizar os homens com as categorias e as leis da dialética,
fazê-los assimilar sua essência, nada .mais é do que os iniciar
na cultura humana e alargar seus horizontes.
Em sua exposição das principais categorias e leis, o autor
procura mostrar as funções gnoseológicas, metodológicas e
ideológicas que elas desempenham; ele as considera como
for mas do reflexo de prop ried ades e relações universais da
realidade, como graus e formas do desenvolvimento do conhe-
cimento social, como princípios do método dialético do conhe-
cimento e da transformação orientada pela realidade.

papelSegundo o autor,
importante essa análisepelas
desempenhado permite que se e evidencie
categorias o
leis da dialé-
tica na atividade teórica e prática dos homens.

3
I. NATUREZA DAS CATEGORIAS

A definição da natureza das categorias, de seu lugar e de


seu papel, no desenvolvimento do conhecimento está direta-
mente ligada à resolução do problema da correlação entre o
particular e o geral na realidade objetiva e na consciência, assim
como à colocação em evidência da srcem das essências ideais
e da relação destas últimas com as formações materiais, com os
fenômenos da realidade
Esse prob objetiva.
lem a nasce u com a Filo sofia e sempre foi o
centro de atenç ão dur ant e to da a sua história. Estr eita mente
ligado à questão fundamental da Filosofia (isto é, à questão
que decide o que vem primeiro: a matéria ou a consciência),
ele foi objeto de discussões intermináveis entre as diferentes
escolas filosóficas, entre os representantes das tendências mate-
rialistas e idealistas. Ludwig Feu erb ach tinha razão quand o
afirmava que "esta questão é uma das mais importantes e, ao
mesmo tempo, uma das mais difíceis do conhecimento humano
e da Filosofia. .., toda a história da Filosofia está, no fundo,
centralizada nesta questão" . 1

Na Filosofia
de forma da antiga
muito precisa e umaGrécia,
solução esse
para problema foi colocado
ele foi apresentada
pelos pitagóricos que, depois de estudar o aspecto quantitativo
das coisas e descobrir sua semelhança com o número, con-
cluíram que o número representa uma essência universal
independente das coisas individuais e singulares e determina
sua nature za e sua existência. A propósito dessa que stão,
Aristóteles indica que os pitagóricos observaram que os núme-

1
L. Feuerbach, Vorlesungen über das Wesen der Religion, Leipzig,
1851, p. 153.

5
ros tinham muitos traços de semelhança, e que é por essa
razão que eles decidiram que os princípios dos números deve-
riam ser os princípios de todas as coisas e que os números deve-
riam ocupar o primeiro lugar na natureza, medir e reger as
coisas singulares, constituindo sua essência.
Os pitagóricos colocaram em evidência um dos aspectos
(propriedades) universais dos objetos e dos fenômenos da rea-
lidad e: as relações quantitativas . Mas, abstra indo toda s as
outras relações e propriedades (singulares e gerais) das coisas,
eles erigiram a categoria da quantidade, transformando-a em
essência ideal autônoma.
Platão desenvolveu essa doutrina pitagórica das categorias.
Segundo Platão, o ser verdadeiro e real é formado pelas idéias
— as essências ideais que são autônomas, independentes das
coisas singulares e que criam estas últimas, unindo-se à matéria.
Essa matéria existe nelas durante um determinado tempo e
depois elas retornam novamente para o mundo ideal, provocan-
do com isso o des apa rec ime nto das coisas. As essênc ias ideais,
segundo Platão, são eterna s e imutáv eis. As coisas sensíveis
são transitórias, elas aparecem e desaparecem.
Aristóteles critica o ponto de vista pitagórico e platônico
relativo à nat urez a das categorias. Segundo e le, as categorias,
que são noções gerais, não existem antes das coisas singulares,
mas são, pelo contrário, o resultado do conhecimento destas,
assim como o reflexo das propriedades e das relações que lhes
são própria s. Ai nda segundo Aristóteles, perc eben do as coisas
singulares, nós conhecemos não apenas o singular, mas também
o geral, que se reproduz em numerosos objetos ou mesmo em
todos eles. No proces so da perce pção reit erad a das coisas, o
geral, que lhes é próprio, cristaliza-se na consciência dos
homens e exprime-se sob a forma de um conceito geral que
existe ao lad o das image ns singulare s. Qu an do o geral inicial
já foi fixado no espírito, conceitos ainda mais gerais são
formados a partir dele refletindo as propriedades e as ligações
de um grupo maior de coisas, e depois os conceitos mais gerais
de todos — que são chamados categorias, que refletem as
formas universais do ser — são formados.
A teori a de Aristót eles sobre a natu reza das categorias,
embora sendo just a na sua essência , não é conseqüe nte. De-
clarando que, na realidade objetiva, o elemento análogo do
conteúdo dos conceitos gerais são a matéria e a forma, Aris-

6
tóteles acreditava que a forma era ideal, que ela podia ter uma
existência aut ônom a, independe nte das coisas mater iais . Isso
não significa que todo o geral, próprio ao mundo objetivo,
seja material e que exista apenas por meio das coisas indivi-
duais, sing ulares. Uma part e do geral possui uma natureza
ideal e existe independentemente e fora das coisas sensíveis.
Isso é uma concessão séria feita a Platão e ao mesmo tempo
à visão idealista do problema.
Na Idade Média, a concepção da naturez a das categorias,
assim como a solução encontrada para outros problemas filo-
sóficos, adquir iu um a colora ção teológica. Os fil ósof os que
representavam a tendência realista retomavam, sob uma forma
ou outra, o ponto de vista platônico sobre as categorias, que
eles consi dera vam como essên cias ideais aut ônom as, existindo
inde pend ent emen te dos home ns e das coisas. Os nominalis tas
repudiavam essa concepção das categorias, negando-lhes uma
existência independente não apenas na realidade objetiva, mas
também na consciência.
Johannes Scotus Erigena, por exemplo, filósofo realista
da Idade Média, afirmava que os conceitos gerais eram criados
por De us e constituíam a natureza primeira. Deus, intervindo
no princípio enquanto universal indeterminado, criou um mundo
ideai que constitui o princípio primeiro e a essência das coisas.
Esse mundo ideal divide-se em noções de gênero e espécie que,
reun idas uma s às outras , for mam as coisas singulares. Assim,
para Erigena, as categorias sendo elementos do mun do ideal,
não podiam ser reflexos de formações materiais e de coisas
sensíveis, e sim suas criadoras, existindo anterior e indepen-
dent ement e das últimas . O nominal ista Rosc eli n, pel o contrá-
rio, partiu essencialmente da solução aristotélica do problema,
mas, estabelecendo como absoluta sua negação da existência
independente do geral na realidade, ele terminou por negar
completamente a existência do geral, isto é, negou sua exis-
tência na realidade, não apenas sob a forma de uma existência
ideal independente, mas também sob a forma de qualidades,
de prop rie dade s das coisas singulare s. Ess e filó sofo considerou
que os gêneros e as espécies (as noções de gênero e de espécie)
não existiam realmente, eram apenas nomes dados pelos homens
para coisas particulares, coisas que eram absolutamente singu-
lares e que não tinham nada de geral.

7
A tentativa de conciliar a visão realista e a nominalista
sobre as noções e categoria s gerais foi feita por Tomá s de
Aqui no. Da mesma maneira que Aristó teles, ele achava que
as coisas singulares apareciam em decorrência da união da
maté ria com a for ma , que constitui a essência. O fat o de que
existiam, na realidade, várias coisas possuindo uma mesma
matéria e uma mesma forma mostrava, segundo ele, que a
essência se manifestava enquanto geral nas coisas singulares.
No processo de conhecimento, o home m pod e distinguir o que
é geral e concebê-lo como tal. Em decor rênci a disso, aparece
na razão o geral em seu estado puro, isto é, ao lado do singular.
Mas, a partir do fato de que, segundo esse filósofo, existem
duas razões — a humana e a divina — a existência ideal do
geral é dup la. Po r um lado , o geral existe na raz ão divina
sob a forma de modelo das coisas singulares e, por outro, ele
existe na razão humana sob a forma de noções surgidas em
conseqüência do desligamento do geral das coisas singulares.
As essências ideais gerais, que se encontram na razão divina,
manifestam-se sempre, segundo Tomás de Aquino, em seu
estado pur o, fora de qualquer ligação com o singular . Elas
enge ndra m e deter minam as coisas singulares. Ess as mesmas
essências ideais que existem sob a forma de conceitos, de
categorias, na consciência dos homens, não são autônomas,
nem indepe ndentes das coisas parti cular es, são o resul tado
do conheci mento dessas últimas. Pel o fato de que a essência
de uma coisa particular qualquer é determinada pela essência
ideal, que se encontra no pensamento divino, os conceitos e
as categorias, criados pelos homens, devem ser o reflexo dessa
essência ideal, isto é, do geral, existindo de forma autônoma,
e não das propriedades reais das coisas.
Assim, a tentativa de Tomás de Aquino de conciliar as
soluções nominalista e realista, apresentadas para a questão
da natureza dos conceitos gerais e das categorias, terminou
em frac asso . Essa tentati va limitou-se ao pla no das posiçõ es
do realismo do reconhecimento do ser autônomo, independente
das coisas materiais singulares, e das essências ideais que cons-
tituem o conteúdo dos conceitos e das categorias.
Os materialis tas dos tempos mode rno s (Fran cis Bacon,
Thomas Hobbes, John Locke etc.) negaram a concepção
realista da natureza das essências ideais (dos conceitos gerais
e das categorias) e procuraram desenvolver o ponto de vista

8
aristotélico sobre o conceito, considerado como uma forma do
reflexo do geral na realidade (da natureza geral, das proprie-
dades gerais, das qualidades das coisas singulares).
Hobbes, por exemplo, considerava que, na realidade, exis-
tiam apenas coisas singulares que se caracterizavam por pro-
priedades determinadas ou acidentes. Algumas dessas proprie-
dades ou acidentes pertenciam a todas as coisas e outras a
apenas algu mas dentre ela s. Re fle tin do o processo do conhe-
cimento das propriedades das coisas, o homem criou os con-
ceitos corresp ondentes . A par tir do fat o de que os objetos
possuem propriedades universais, os conceitos que refletiam
essas propri edade s eram aplicáveis a toda s as coisas. São
nomes universais . 2

Assim, segundo Hobbes, as categorias não representam as


essências ideais gerais autônomas, que determinam a natureza
das coisas, mas são apenas o reflexo das propriedades gerais,
dos acidentes pró pri os das coisas. Lock e desenvolve u esse
mesmo ponto de vista, mas de forma mais conseqüente .3

George Berkeley opôs-se a essa concepç ão da nature za


de conceitos gerais e de cate goria s. Parti ndo do fat o de que
o geral, na realidade objetiva, existe somente nas coisas sin-
gulares , ele proc urou prov ar a impo ssib ilid ade da existênci a _de
conceitos e de categ orias. Segu ndo Berkel ey, tod os os conceitos
s| õZj in gul ar es , representam as idéias das coisas particul ares
que podemos perceber. Ningué m jamai s percebeu idéias gerais,
ele afirma.
O posterior desenvolvimento filosófico das idéias sobre
a natureza das categorias e dos conceitos gerais ultrapassa a
concepção fundamentalmente nominalista de Berkeley e passa
pela reabilitação do ponto de vista de Locke. Essa atitude
foi desenvolvida particularmente pelos materialistas franceses
do século XVIII (Denis Diderot, Paul-Henri Holbach, Claude-
Adrien Helvétius etc.).
Emanuel Kant expôs um outro ponto de vista sobre a
natur eza das categorias. Segundo ele, as catego rias não são
o reflexo de aspectos ou de conexões da realidade objetiva,

2
T. Hobbes, Leviathan or the Matter, Form and Power of a Com-
monwealth Ecclesiasticall and Civil, Londres, 1928, p. 19-20.
3
J. Locke, Essai philosophique concernant I'entendement humain,
Paris, 1975, t. 1, p. 290-8; t. 2, p. 257-61; t. 3, p. 58-71 e 176-80.

9
mas representam as formas da atividade do pensamento, con-
cedi das ~ãco nsci ênci a peiã natu reza . Seu conteúdo" è determi-
nã3õ~pèla__consciência, representa uma ou outra forma de suas
características e é introduzido no mundo dos fenômenos pelo
sujeito no decorrer do processo da atividade cognitiva que se
produz porque o sujeito dispõe a priori das categorias corres-
pondentes.
Os pensamentos de Kant encerram uma boa parte racional
se tomarmos um homem isolado, o indivíduo, como sujeito do
conheciment o. Co m rel açã o a cada indivíduo , as categorias são
as formas da atividade do pensamento próprias da consciência
social anterior a qualquer, experiência de conhecimento, anterior
a toda ação cognitiva, a priori. É apenas assimilando-as que
um indivíduo pode pensar'dé acordo com sua época e assim
conhecer a rea lid ade que o rodei a. Mas o sujeito real do
conhecimento nã o é um indivíd uo, é a sociedade. Com relaç ão
à sociedade, as categori as n ão são absolu tamente nad a que
preceda o conhecimento, e tamb ém não são fo rm as da atividade
do pensamento
elas são formasque a priori lhes
do reflexo são próprque
da realidade, ias. seSob essa relaçã
formaram no o,
decorrer do processo da atividade prática e do desenvolvimento,
a partir dela, do conh ecim ento . Seu cont eúdo é dete rmina do
não pela consciência, mas pela atividade objetiva, e se mani-
festa como um reflexo das características das formas universais
do ser. El e não é subjet ivo, nem é intro duzido no mun do dos
fenômenos pelo sujeito, que o tira da realidade objetiva e o
expressa sob uma forma ideal.
O subjetivis mo da conc epçã o kant iana da natur eza das
categorias e a tese, segundo a qual o caráter universal de seu
conteúdo é condicionado pela consciência dos homens, foram
criticados por Hegel: "Oindividual
crítica, profundamente material .sensível é, segundo
. . e apenas a filosofia
o entendimento
que o examina lhe traz unidade e o erige, por meio da abstração,
como universal" . Cont inuan do, ele diz ainda: "A afirmativa
4

de Kant consiste no fato de que as determinações do pensa-


mento têm sua srcem no "eu", e é então o "eu" que determina
o universal e o neces sárái o. Assim, o "e u" seria uma espécie

G. W. F. Hegel,
4
Werke. Vollständige Ausgabe, Berlim, 1843, v. 6,
p. 85-91.

10
de cadinho onde o fogo devora a multiplicidade indiferente e a
reconduz à unidade" . 5

Embora criticando Kant por seu subjetivismo na concepção


da natureza das categorias, Hegel não adotou o ponto de vista
materialis ta. El e criticou Kant não por seu idealismo, não por
deduzir do pensamento o universal, a necessidade e as leis da
consciência,
ponto mas por
de vista, porque
qu e ele não no
pa rou podia seguir
meio logicamente
do caminho esse
e também
porque entendia a atividade das leis da consciência e do pen-
samento como relacionada unicamente com os fenômenos e
não com o mundo todo, isto é, com a "coisa em si"; ele o
criticava porque Kant deduzia da consciência apenas o neces-
sário, o universal e as leis, mas não tudo o que existia, isto é,
não as coisas particulares; criticava-o porque Kant deduzia o
universal e o necessário da consciência humana e do pensa-
mento e não da consciência e do pensamento como tais; criti-
cava-o ainda porque Kant construía um muro intransponível
entre o subjetivo e o objetivo, entre o conceito e a coisa, entre
a idéianão
único, e afazia
realidade e depois
da realidade um não os fundia
momento em um
da idéia, todo
do con-
ceito.
Hegel interpretava a natureza das categorias no plano do
idealismo objet ivo. Segundo ele, essas categorias apare ciam
não no decorrer do processo do reflexo da realidade na cons-
ciência dos homens, mas em decorrência do desenvolvimento
da idéia, que existe anterior e independentemente da existência
do mundo material, das coisas sensíveis.
A idéia absoluta desenvolve seu conteúdo por meio das
categorias que aparecem sucessivamente, e ela se transforma
em natureza, em mundo material, se encarna nas formações
materiai s e nas coisas. En tã o, sem ter consciência de si mesm a,
ela sofr e um certo desenvolviment o. Em seguida, depois de
rejeitar a forma do ser físico que lhe é estranha, a idéia absoluta
volta novamente para seu elemento espiritual adequado; depois,
por meio da toma da de consciência do caminho percorrido no
decorrer do processo de desenvolvimento do conhecimento,
regressa definitivamente para si mesma, para existir, em seguida,
eternamente sob a forma de espírito absoluto.

5
Hegel, op. cit., p. 91.

11
Assim , par a Hegel, as categorias repr ese nta m essências^
ideais^ que exprimem os momentos correspondentes da ideia
absoluta, assim como os graus de seu desenvolvimento dialético _ L

Sendo as formas da atividade criadora da idéia, as categorias


determinam a essência das coisas materiais, essência que se
manifesta nelas e que se reproduz no estado puro, em decor-
rência do conhecimento.
Após ter apresentado sob uma forma universal a dialética
do autodesenvolvimento das categorias, e de haver pressentido
a multiplicidade das leis gerais reais do desenvolvimento da
realidade objetiva e do conhecimento, Hegel transforma a dia-
lética das categorias em uma dialética determinante que submete
a si mesma a dialética das coisas, transformando esta última em
um caso particular da lógica.
Embora sem deixar de reconhecer o mérito considerável de
Hegel na ela bora ção da dialética, Ma rx e Enge ls criticaram
severamente sua concepção idealista da natureza das categorias.
Eles assinalaram que, para Hegel, as coisas que existem obje-
tivamente são apenas motivos, cujas categorias lógicas são o
esboço. Sendo tirad as das coisas pela abst raçã o do particula r
e do singular, as categorias são, segundo Hegel, essências autô-
nomas, que existem independentemente das coisas e antes delas,
fazendo o papel de substância dessas últimas. "Qu and o, traba-
lhando sobre realidades, maçãs, peras, morangos, amêndoas, eu
formo a idéia geral de "fruto"; quando, indo ainda mais longe,
eu imagino que minha idéia abstrata do "fruto", deduzida de
fatos reais, é um ser que existe fora de mim e, ainda mais, que
constitui a essência verdadeira da pera, da maçã etc., eu de-
claro — em linguagem especulativa — que o "f ru to " é a
"substância" da pera, da maçã, da amêndoa etc. ". 6

"Ora, tanto é fácil, escrevem Marx e Engels ainda, par-


tindo de frutos reais, engendrar a representação abstrata do
"fruto", como é difícil, partindo da idéia abstrata do "fruto",
engendrar frutos reais"?.
A razão especulativa procura sair desse embaraço expli-
cando o conceito geral não por uma essência morta, desprovida
de diferenças, mas por uma essência viva, que distingue, no seu

K. Marx, F. Engels, La Sainte-famille, Paris, Editions Sociales, 1969,


6

p. 73-4.
K. Marx, F. Hengels, op. cit.
7
p, 74,
;

12
interior, as coisas concretas e as faz nascer no curso de seu
desenvolvi mento. O result ado é que fru tos reais pode m ser
manifestações diversas do fruto como tal, isto é, de uma
essência ideal.
"Pode-se ver por isso, concluem Marx e Engels, que
enquanto a religião cristã conhece apenas uma encarnação de
Deus,
são as acoisas;
filosofia especulativa
é assim tem tantas
que ela possui, neste encarnações quantas
caso, em cada fruto,
uma encarnação da substância do fruto absoluto"8.
Na filosofia burguesa contemporânea, a concepção realista,
que supõe o reconhecimento da existência autônoma das cate-
gorias sob a forma de essências ideais particulares — as uni-
versais —, foi desenvolvida pelo filósofo inglês G. E. Moore.
Segundo ele, o mundo é composto por três espécies de coisas:
os objetos sensíveis, as verdades ou os fatos e os universais . 9

Moore critica particularmente o ponto de vista segundo


o qual existem apenas as coisas sensíveis singulares, enquanto
que as universais são consideradas como produtos do pensa-
men palavras
das to. El e "idéia",
acredit a "conceito",
que tal pont"pensamento"
o de vista nasceu do emprego
e "abstração"
com duplo sentido. "Nós empregamos, d iz Moor e, a mesma
palavra "idéia", "conceito" e "abstração" tanto para o ato do
pensamento como para os objetos. Sabemos que todos os
universais são, em um certo sentido, abstrações, isto é, coisas
ideais po r sua próp ria natureza. É por isso que vários filósofos
pensam que quan do chamamos uma coisa de abstração, suben-
tende mos que ela é um prod uto do cérebro. Ent ret ant o, esse
é um erro grave. Há , é verdade , um processo físico cham ado
abst raçã o. Mas, no decorrer desse processo, os universais não
são criados, apenas tomam os consciência deles. E é exata-
mente a consciência
processo, e não os que nós temos
universais deles
em si" 0. que é o produto do
1

Apresentando a existência objetiva das categorias (deno-


minadas universais), fora da consciência humana e das dife-
rentes coisas, Moore segue o raciocínio: "A última vez eu

8
K. Marx, F. Hengels, op. cit., p. 75.
9
G. E. Moore, Some main problems of philosophy, Londres-New
York, 1953, p. 372.
10
G. E. Moore, op. cit., p. 371.

13
tomei o exemplo de coisas diferentes, que estão todas a uma
certa distância de uma mesma coisa" . 11

Designando as coisas que se encontram à distância de


uma única e mesma coisa pelas letras B, C, e D e a coisa que
serve de referência pela letra A, ele prossegue: " . . . a pro-
priedade de encontrar-se a um a certa distância de A é uma
propriedade
versal", uma que
"idéiaé geral",
comumapesar
às trêsdocoisas B, que
fato de C, Destae proprie-
é um "uni-
dade consiste em ter uma relação com A, isto é, com alguma
coisa que é não-universal" . 12

Examinemos a propriedade que Moore chama de universal.


Ela é apenas um momento geral, um aspecto em várias relações
particulares: B/A , C/A, D / A . Essa propriedade existe ao lado
das relações partic ulares estud adas? Nã o. El a existe apenas
mediante essas relações particulares, no interior dessas relações.
Se é assim, quais os fundamentos de Moore para classificá-la
de universal? Será por que ela pertence a todas essas coisas —
B, C e D? Isso apenas pro va que essa prop rie dade pertence
da
quemesma maneir
ela existe a às três coisas das
independentemente em ques tão.e aoMas,
coisas ladonãodelas.
prova
Assim, a prova apresentada por Moore da existência real, fora
da consciência, de idéias e de universais, não resiste à crítica.
A concepção das categorias apresentada por K. Popper
é bastante próxima da de Moore . Pa ra Popp er, há três mun-
dos : o mundo físico, o mundo espiritual de um homem concreto,
mundo__das„essências inint eligí veis ou das idéias. O "terceiro
mundo encerra não apenas os conceitos universais, mas tam-
bém todas as afirmações e as teorias. Criando ._.a_existênçia_
au tô nr ai a„ da s_ catego rias —- conceitos universais — P°PP!i
r

agiu exatament e da mesma for ma que Mo or e. Segundo ele, os


objetos do terceiro
qüentemente tomadosmundo — assubjèfivãs7
por idéias idéias objetivas — sãoperten-
p"õr objetos fre-
centes ao segundo mundo, embora isso seja totalmente falso.
As_es sênçia s ideais universais, são ..objetivas,.. elas exis tem fora
e independentemente do espírito humano e formam um mundo
à parte.
Essas reflexões de Popper são uma transposição da con-
ce pç ão pl at ôn ic a da natureza das categorias. O autor, al iás,

"G. E. Moore, op. cit., p. 371.


12
G. E. Moore, op. cit., p. 312.

14
não esconde o laço que existe entre sua própria concepção e
a teoria das idéias de Platão.
A concepção realista da natureza das categorias inclui a
possibilidade de conclusões idealistas. Efetivamente, se o geral,
como declaram os realistas, existe de maneira autônoma, inde-
pendentemente do singular, a única forma possível de sua
existência
jamais é a idealo porque,
observou entreque
que quer as coisas
seja demateriais, ninguém de
geral existindo
modo independente, mas todo o mundo pode observá-lo nos
pensamentos sob a fo rma de idéias e de conceitos gerais. E se o
geral, como pode-se deduzir das reflexões dos realistas, precede
as coisas materiais e as engendra, o ideal, o pensamento, vem
em primeiro lugar, determinante, enquanto o material, as coisas
sensíveis, é secundário do ideal, dos conceitos, das idéias.
Opostamente ao ponto de vista realista sobre a natureza
das categorias, desenvolve-se na filosofia burguesa atual a con-
cepção nominali sta. Essa conce pção nominalis ta é encontrada
nos trabalhos de vários positivistas e particularmente nos tra-
balhos dosnominalistas
mamente semânticos. da Como exemplo
natureza de interpretação
das categorias, extre-
podemos
citar as reflexões de Stuart Chase e de Walpole Hugh.
Chase, como Moo re e Pop per , analisa esse proble ma
começando por colocar em evidência as razões que determinam
a confusão de idéias surgidas na consciência do homem com
rela ção às coisas que existem objet ivame nte. E como Moor e
e Popper, ele também considera que essas razões vêm do
emprego abusivo das abstr ações e das noções gerais. Entr e-
tanto, Chase tira disso uma conclusão diametralmente oposta
à dos dois primeiros. Se, par tin do do fato de que os homens
têm o hábito de confundir os produtos de seus cérebros e os
modelos ideais,
consciência, surgidos
Moore em sua
e Popper consciência,
concluem com
que os o que negam
homens visa a
abus ivam ente a existênci a dos univ ersa is. Chase, por sua vez,
partindo do mesmo ponto, chega à conclusão de que os homens
consideram de modo errôneo como existindo objetivamente o
que nã o passa de um símbolo, um a palav ra. "Nós conf undi -
mos constantemente, escreve Chase, a etiqueta com os objetos
não-verbais e damos assim uma falsa validez à palavra, como
se fosse a lgo vivo"i3. £ preci sament e, segundo Chase, esta

13
S. Chase, The Tyranny of Words, New York, 1938, p. 9.

15
concepção que faz com que as pessoas considerem noções tão
abstratas — as de "liberdade", de "justiça" e de "eternidade"
— como essências existindo realmente, enquanto que na reali-
dade objetiva existem apenas objetos e fenômenos singulares
e não há nem pode hav er na da que se asseme lhe a essas
essências gerais .14

apenasAssim,
coisas segundo
singularesChase, existem,particulares,
e fenômenos na reali dade objetiva,
enquanto
que os conceitos gerais e as categorias são somente palavras
vazias que nã o exprimem nem significam nad a, já que no
mundo objetivo não há coisas (pontos de referência) às quais
eles possam corresponder.
No mundo, efetivamente, não há cgisas existindo de modo
autônomo que representem essa ou aquela categoria ouconceito
geral. Mas isso nã o quer absolut amen te dizer que os conceitos
gerais não exprimem nada e que não possamos pensar neles
como tais sem relacioná-los com um ponto de referência con-
creto (objeto par tic ula r). Os conceitos ge rais relacion am-se
com
medida os em
objetos
que particulares
eles possuam nãoessa
como
ou tais, maspropriedade
aquela somente nae
aspecto gerais. Essas prop rie dad es e aspectos gerais, que se
repetem em cada objeto particular desse ou daquele grupo, são
os pontos de referência que se refletem nesse ou naquele con-
ceito geral ou categoria.
Walpole Hugh defende uma posição análoga sobre a na-
turez a dos concei tos gerais e das catego rias. Com o Chas e, ele
nega o conteúdo real dos conceitos e das categorias, conside-
rando-os como ficções, pelo fato de que o que eles definem não
existe na real idade objeti va. "U m home m da rua que diz 'que
não existe justiça' diz coisas mais precisas do que ele próprio
po
é de
umaimaginar. Esse como
ficção , assim tipo de
suascoisa nunca
compan heir existiu. A justiça
as: a amizade, a
disciplina, a democracia, a liberdade, o socialismo, o isolacio-
nismo e o apazigu amento. Nã o se pode indicar seus ponto s
de referênc ia"iõ. Com o Chase, Wal pol e Hug h não compreen de
ou não quer compreender que os homens, em conseqüência da
atividade da abstração e do pensamento, separam o geral do

"S. Chase, op. cit., p. 9.


15
W. Hugh, Semantics. The nature of Words and their Meaning,
N e w York, 1941, p. 159.

16
particular e o fixam em conceitos gerais. Que é precisamente
esse geral refletido e fixado no conceito geral e na categoria
que constitui o conteúdo, e que é exatamente dele que se trata
quando os conceitos gerais ou as categorias são utilizados para
exprimir o pens ament o. Eles real mente não disp õem de pont os
de referência individuais, mas possuem, em compensação, uma
grande quan tida de de pont os de referênc ia, já que existem
objetos concretos encerrados nos limites desse ou daquele
conceito geral. E isso tes temun ha não sua ficção, mas sua
realidade.
A concepção nominalista da natureza das categorias pro-
voca toda uma série de conclu sões anticientífic as. Se, com o
afirmam os nominalistas, o geral não existe realmente, se é
apenas uma denominação, uma palavra vazia, e na realidade
existem somente coisas sensíveis e singulares, não há matéria,
ninguém jamais a percebeu, ninguém jamais a viu, ela é apenas
uma palavra sem significado, equivalente ao termo "nada".
Mas se é assim, também o materialismo é falso, já que ele
parte
mente da concepção
existe da matéria
. Fo i preci samen te como
essa a alguma
maneira coisa
que que real-
Berkeley
escolheu par a ref uta r o materi alismo . Mas, se os conceitos gerais
não significam nada, se na realidade não existe nada a que
eles possam corresponder, então, sua utilização não pode per-
mitir aos homens que se orientem em sua atividade, na resolução
das tarefas práticas e, ainda mais, esses conceitos gerais indu-
zem os homens ao erro, engendram todas as ilusões possíveis e
imagináveis.
Assim,história_,do-,desenvolvimento do pensamento fi-
losófico, quatro tendências (sem contar a tendência marxista)
aparecem -na "co ncep ção das categorias: alguns filóso fos consi-
deram que as categorias existem fora e independentemente da
consciência humana, so'n a forma de essências ideais particula-
res (tendê ncia re al is ta ); outro s declaram que essas mesma s
categorias são ficçõe s,, pal avr as, vazias que não expri mem ne m
designam nada (tendência nominalista); outros, ainda consi-
deram as categorias como formas da atividade do pensamento,
a priori próprias à consciência do homem e constituindo suas
características e suas propriedades inerentes (tendência kantia-
na); e finalm ente os últimos, que consideram as categorias
como imagens ideais que se formam no decorrer do desenvol-
vimento da consciência da realidade objetiva c que refletem

17
os aspectos e os laços correspondentes das coisas materiais_
(Aristóteles, Locke, os materialistas franceses do séc. XVIII).
A teoria jn §t oi al is ta dia lética das categor ias represen ta o
desenvolvimento da quarta concepção que foi elaborada na
historia da Filosofia, em geral, pelos representantes do mate-
rialismo.
Como os materialistas pré-marxistas, também os fundado-
res do materialismo dialético consideravam que as categoriss
represe ntam as imagens ideais que refletem os aspectos e os
laços correspo ndentes das coisas mater iais. Ent ret ant o, à di-
ferença dos materialistas pré-marxistas, que afirmam que o
conteúdo dessas imagens coincide diretamente com as proprie-
dades e os laços correspondentes das coisas, o marxismo con-
sidera que essas imagens são o resultado da atividade criadora
do_s ujei to no - dec orr er da qual este úl tim o distingue o gera!
do.singul ar. Esse g eral exprime as proprieda des e as correla-
ções inter nas necessá rias . É po r isso que a imagem ideal que
representa o conteúdo dessa ou daquela categoria, sendo a uni-
dade do subjetivo e do objetivo, não coincide imediatamente
com os fenômenos, com os quais se encontra na superfície das
coisas. Pelo cont rári o, ela se dist ingue sensivelmente dos
fenômenos e chega mesmo a contradizê-los, já que eles não
coincidem com sua essênci a. O con teúdo das categori as deve
coincidir e coincide até determinado ponto, não com o fenô-
meno , mas com sua essênci a, com esse ou aquele de seus
aspectos.

18
II. O PROBLEMA
DA CORRELACÃO
DAS CATEGORIAS
DA DIALÉTICA

As formações materiais do mundo objetivo simplesmente


existem e nad a mais. El as encontram -se em contínua intera-
ção. Nesse proces so de inte raçã o manifest am-se suas propri e-
dades, que as caracterizam como corpos isolados, determinados,
fenômen os que, em certas circunstâncias , passam uns pelos
outros. O resu lta do disso é que todos os fenôme nos da reali-
dade se encontram
pendência em um
universais. estado
Mas, de correlação
nesse caso, os econceitos,
de interde-pelos
quais o homem reflete, em sua consciência, a realidade am-
biente, devem ser igualmente interdependentes, ligados uns aos
outros, móveis e, em determinadas circunstâncias, passar uns
pelos outros e tra nsfor ma r- se em seus contrários, porque é
somente dessa maneira que eles podem refletir a situação real
das coisas. "Os conceitos huma nos, escrev eu Leni n, nã o são
inamovíveis, mas, pelo contrário, eles movem-se perpetuamente,
mudam-se uns nos outros, escoam-se um no outro, porque,
sem isso, eles não refletem a vida existente" . É po r isso que
1

o estudo dos conceitos faz supor que se evidencie sua correlação


e suas mudanças
criação recíprocas
de um sistema de um noasoutro,
que reproduza assim
relações como a
necessárias
dos diferentes aspectos do objeto estudado.
O que caracteriza o estudo dos conceitos, em geral, rela-
ciona-se igualmente, é claro, ao estudo das categorias — dos
conceitos que refletem as formas universais do ser, os aspectos
e os laços universais da rea lid ade objetiva. Desvenda r a riqueza
das leis dialéticas só é possível se analisarmos as categorias que

Lenin, Oeuvres, t. 38, p. 238.

19
as refletem em sua correlação e em sua interdependência, se
fizermos um sistema no qual cada uma delas ocupará um lugar
rigorosamente definido e no qual terá o relacionamento neces-
sário com todas as outras.

1. RESO LUÇÃ O DO PRO BLE MA


DA CORRELAÇÃO DAS CATEGORIAS
NA FILOSOFIA PRÉ-MARXISTA

Foi Aristóteles quem, primeiramente, procedeu a uma


pesquisa sistemática das relações das categorias e fez destas
últimas um sistema deter minad o. Mas a classificação aristo-
télica não reproduzia a correlação real das categorias porque
baseava-se total e unicamente nos princípios da lógica formal.
O defeito da classificação aristotélica reside igualmente no fato
de que ela não englobava todas as categorias já estudadas na
época do próprio Aristóteles.

Depo
análise da iscorrdeelaAristóte
ção dasles, Kant dedicou-se
categorias. Ent ret antmuito
o, sua temp o à
classifi-
cação ainda contém todos os defeitos próprios à classificação
de Aristóte les. El a baseou-s e igualmente nos princípios da
lógica formal, na qual as categorias eram divididas em grupos,
não segundo o lugar histórico que ocupavam no processo do
conhecimento, mas a partir desse ou daquele traço comum;
além disso elas não eram apresentadas por seus laços naturais
e necessários, mas sim por sua associação contingente. O
sistema kantiano, assim como o sistema aristotélico, estava
longe de incluir todas as categorias existentes.
Embora tenha reagrupado as categorias como já o fazia
Aristóteles, Ka nt colocou-as
etapas do desenvolvimento em uma certae esforçou-se
do conhecimento depend ênciaem das
mostrar que a cada grau de conhecimento correspondem de-
termi nadas categorias. Assim, por exemplo, o estágio da per-
cepção sensível dos fenômenos, segundo Kant, corresponde às
categorias de espaç o e de tem po; o estágio do pens ament o
discursivo, às categorias de quantidade, de qualidade, de relação
e de moda lid ade . Ao mesmo tempo, na resoluçã o do proble ma
das categorias, Kant deu um passo atrás em relação a Aristóteles.
Ao contrário de Aristóteles, que considerava que as categorias
representavam uma forma particular do reflexo das coisas e das

20
relações reais, Kant declarou que as categorias são formas
subjetivas da atividade do pensamento, próprias à consciência
antes de qualquer experiência.
Foi apenas com a filosofia de Hegel que houve uma apre-
sentaç ão global do proble ma. Hegel criticou vivam ente a
concepção kantiana das categorias e, em particular, sua ten-
dência subjetivista. É verdade que Hegel criticava Kant a
partir das bases do idealismo, e foi sobre essas mesmas bases
que ele deu sua própria resolução para o problema da corre-
lação das categorias da dialética. Mos tra ndo a corr elaç ão das
categorias a partir do quadro da solução idealista dada para a
questão conce rnent e ao relaci onamento entre a m até ria e a
consciência, Hegel colocou, ao mesmo tempo, os princípios
dialéticos como base para seu sistema de categorias. Ele
procurou apresentar as categorias em seu desenvolvimento,
em suas passagen s de uma s às outras. Pa ra Hegel, as catego-
rias são momentos ou graus do desenvolvimento da idéia exis-
tindo fora e independentemente do mundo material e do homem.

A categoria
representa da qual parte
uma vacuidade pura,seudesprovida
sistema é de
a doqualquer
ser puro,con-
que
teúdo preciso . Sob essa fo rma o ser pur o é idêntico ao
2

"nada"3.
Sendo idêntico ao "nada", o "ser puro" de Hegel não é
fixo, não se encontra eternamente no mesmo estado e, agindo
com o "nada", transforma-se em um "vir-a-ser" que, sendo o
resultado da unidade do ser puro com o "nada", chega à abstra-
ção absoluta, ao vazio, e adquire um certo conteúdo, trazendo
à luz uma nova categoria — o "ser-aqui".
É evidente que nem na realidade objetiva nem no conhe-
cimento é possível que algum vir-a-ser possa transformar o
"nada" em doumserserpuro,
categorias concreto determinado,
do vir-a-ser e do eser-aqui,
a correlação dasé
que nos
apres entad a por Hegel, é absolut amente artificial. Mas há algo
racional, e isso se dá quando Hegel coloca na qualidade de
princípio de partida da passagem de uma categoria pa ra a outra
o movimento condicionado pela unidade dos contrários — o

2
G. W. F. Hegel, Wissenschaft der Logik, in Sämtliche Werke,
Stuttgart, 1928, v. 4, p. 87-8.
3
Hegel, Werke. Vollständige Ausgabe, v. 6, p. 169.

21
"ser puro" e o "nada" —, sua luta e a passagem de um para
o outro.
O "ser-aqui" que apareceu em Hegel representa o ponto
de partida do movimento ulterior do pensamento, de sua pas-
sagem pa ra outr as categorias. A partir do fat o de que, segundo
Hegel, o "ser-aqui" à diferença do "ser puxo" possui uma certa
determi nação, ele manife sta-s e como qualida de. Ana lis ado sob
o ponto de vista interior, a qualidade manifesta-se como "algu-
ma coisa".
No movimento das categorias, Hegel captou os laços e
as relações reais, própr ios ao processo de conhec iment o. To do
"ser-aqui", toda forma determinada de existência da matéria
é percebida pelo sujeito, antes de tudo pelo ângulo da quali-
dade, e o sujeito chega à conclusão de que a qualidade dada
possui sua própria especificidade; ela é diferente das outras
qualidades, ela não é nem uma nem a outra.
Depois de ter colocado em evidência a categoria de "algu-
ma coisa", que reflete o momento real do processo de conhe-
cimento da qualidade, Hegel, seguindo o método dialético e
sua profunda intuição histórica, esclareceu passo a passo outros
momento s do desenvolvi mento desse processo. El e concentr a
sua atenção sobre o fato de que no decorrer de uma análise
rigorosa o "alguma coisa" deixa aparecer sua natureza contra-
ditória e revela ser a uni dad e dos contrários. Po r um lado, ele
encerra um momento positivo, por outro, um momento negativo.
Enquanto momento positivo, ele representa a realidade, isto é.
o ser real (ou, segundo a expressão de Hegel, o ser-em-si),
enquanto momento negativo, ele é o ser-outro (ou o "ser-para-
um-outro").

Hegel,Desegundo
tudo isso depreende-se
o qual, mesmo quenitidamente o pensamento
esse ou aquele de
ser determina-
do exista por si mesmo, possua seu próprio ser, sua natureza
srcinal, ainda assim ele não está isolado, desligado de outras
formas determinadas do ser, mas sim estreitamente ligado a elas,
existindo apenas graças a elas, às outras formas do ser, porque
estas últimas lhe estão tão estreitamente ligadas que se integram
a ele enquanto momentos determinados de sua natureza interna.
Sendo um aspecto interno do "ser-aqui" ou de "alguma
coisa", a negação do ser-outro (ou "ser-para-um-outro"), en-
contrando-se em interação com a realidade, com o ser-em-si,

22
determina seu limite que, por sua vez, não lhe é exterior (ao
"alguma coisa"), mas "penetra todo ser-aqui" 4
.
"Alguma coisa", segundo Hegel, modificando-se, transfor-
ma-se em "outra coisa", mas esta outra é em si mesma uma
certa "al guma cois a". É por isso que, modif ican do-se por sua
vez, esta outra coisa transforma-se mais cedo ou mais tarde
em uma outra alguma coisa, e esta última, por sua vez, em
outra alguma coisa etc., até o infinito . É assim qu e surge a
5

categoria do infinito.
Apresentando a categoria do infinito enquanto progresso,
Hegel nã o pá ra aí. E ainda mais, ele não consi dera o conceito
do infinito verdadeiro, porque, como ele mesmo declara: "aqui
nós não temos nada mais do que uma mudança superficial que
nã o sai jam ais do domí nio do finito"®. o ver dad eiro infin ito,
segundo Hegel, não é um movimento eterno e uniforme indo
de alguma coisa para outra sempre nova, mas um movimento
graças ao qual alguma coisa srcinal, no decorrer do processo
da passagem de uma para a outra, não se perde, não desaparece
na série infinita de outras coisas, mas, pelo contrário, volta
para si mesma, "e m sua outra, regressa pa ra si mesma'" . 7

Em outros termos, se, no momento do exame dessa ou


daquela coisa, nós fazemos a abstração daquilo a que ela está
ligada, e se dessa relação ela se revela e se distingue como
possuindo uma natureza específica, uma qualidade, transforma-
se inevitavelmente em "um" que não se distingue de nada.
O aparecimento e a explicação da categoria do um, em
Hegel, corresponde plenamente ao processo real da formação do
conceito. A hist ória do conhecimen to mos tra que o "u m" , en-
quanto categoria, foi elaborado e utilizado para designar o que
foi reconhecido como o único existente, não se distinguindo
de nada e incluindo, em si mesmo, tudo (a agua de Thales, o
ar de Anaxímenes, o fogo de Heráclito, o "um" dos Eleatas
etc.).
Mas o um, uma vez aparecido, não permanece, segundo
Hegel, em repouso, ele relaciona-se imediatamente consigo
mesmo e diferenc ia-se de si mesmo. Est a rel açã o do um con-

"Hegel, Werke cit. , p. 182.


5
Hegel, Werke cit. , p. 184.
«Hegel, Werke cit., p. 185.
'Hegel, Werke cit. , p. 184.

23
sigo mesmo nada mais é do que a repulsa de si por si mesmo.
Em conseqüên cia de tal repulsa apar ece o múltipl o. Assim,
Hegel deduz a categoria do múltiplo da categoria do um.
No processo de repulsão do um com relação a ele mesmo,
e da posição de si mesmo como múltiplo, o um intervém não
apenas como "repelente" e os múltiplos não apenas como "re-
pelidos", "cadtal
um" , e como
8 a um dosigualmente
repele múltiplos,o diz
outr Hegel,
o. Masé essa
ele repulsa
próprio
universal transforma-se necessariamente em seu contrário, em
atr açã o univer sal e, no lugar de um a repu lsa unilatera l, nós
observamos a unidade da repulsa e da atração.
A despeito do caráter artificial da dedução da repulsa
e da atração, Hegel captou de maneira genial a lei da correlação
desses processos e, em particular, suas passagens de umas para
as outra s e de sua unidad e. Efet iva ment e, no processo do
conhecimento desse ou daquele grupo de fenômenos, o sujeito
conhecedor, analisando os fenômenos um depois do outro, age
como se ele se afastasse de um obieto (do um) para dirigir-se
a outrostempo,
mesmo (comoevidenciando
se se dirigisse para ose características
os aspectos múltiplos), mas, ao
gerais
dos objetos estudados, unindo-os em um conceito geral, ele
2iga-os em um todo, evidenciando e conservando sua unidade
(como se ele os obrigasse a unirem-se novamente um ao outro).
Hegel termina seu estudo da categoria da qualidade pela
análise das categorias do um e do múltiplo e passa ao estudo
da catego ria da quant idade . A passage m da quali dade para a
quantidade, a despeito de seu caráter artificial, reflete e exprime,
em Hegel, em traços gerais, o processo real do desenvolvimento
do conhe cimen to. No decorrer da assimi lação, pelo homem , da
real idad e objeti va, tant o na práti ca como no conhecimento,
dever-se-ia
a pass agemefetuar
de um necessariamente,
objet o pelos como já oe,dissemos
outr os, no momeacima,
nto da
evidenciação da identidade desses (múltiplos) objetos, a deter-
minação qualitativa de cada um deles (pelo menos no plano
de um grupo comparado e comparável) daria a impressão de
ter sido anulada em cada um dos outros (e ela permaneceria a
mesma , ind is tin ta) . Ao mesmo tem po, a bas e real se criaria,
primeiro, pela evidenciação das diferenças quantitativas de

8
Hegel, Werke cit., p. 192.

24
objetos de uma mesma ordem, sob um ponto de vista qualitativo,
e, depois, por sua quantidade.
Em sua análise da categoria da quantidade, Hegel, sempre
fiel à dialética, prende-se primeiramente aos momentos contrá-
rios que existem na quantidade e a representa como a unidade
dos contrários, e mais precisamente como a unidade da conti-
nui dade
quant idadee , da descontinui
segundo Hegel,dade.
é o .desenvolvime
A essência nto
contradit
ulteriória
or da
da
essência contradit ória da quali dade. Como já vimos acima,
Hegel caracteriza a qualidade pelo fato de que ela encerra os
momentos contraditórios do um e do múltiplo, condicionados
pelos processos de repulsa e de atração próprios à qualidade.
Com a passagem evolutiva da quali dade par a a quanti dade,
em decorrênci a desses dois processos direta mente contrários
(repulsão e atração), a unidade transforma-se em continuidade
e a multiplicidade em descontinuidade.
A categoria de quantidade, assim como as categorias pre-
cedentes, é apresentada por Hegel não sob uma forma fixa,
mas em movi ment o. Surgi ndo a um certo estágio do desenvol-
vimento da categoria de qualidade, ela própria transpõe vários
estágio s de evolução. No parti cular , ela manifest a-se primeira-
mente sob a forma de quantidade abstrata, pura, de quantidade
como tal. Depois ela tra nsf orma -se em uma dada quanti dade.
Transpondo, no decorrer de seu desenvolvimento, os está-
gios de quantidade pura e determinada, a quantidade em seu
estágio supremo transforma-se, segundo Hegel, em qualidade,
isto é, age como se ela retornasse a seu ponto de partida, repete
a etapa já transp osta, mas repet e-a sobre um a outra base. A
qualidade à qual retorna a quantidade, no estágio supremo de
seu desenvolvimento, já não é mais indiferente frente a frente
com a qualidade, não se manifesta mais como alguma coisa de
independente em relação a ela, mas sim como alguma coisa
que lhe é organi cament e ligada. Com a colocaç ão em evidênc ia
da correlação e da interdependência da qualidade e da quanti-
dade, surge uma nova categoria — a categoria de medida que
inclui sob uma forma anulada a quantidade e a qualidade . 9

O desenvolvimento ulterior da quantidade e da qualidade,


assim como sua passagem de uma para a outra, no decorrer do

"Hegel, Wissenschaft cit., in Sümtlicha Werke, p. 409-10

25
processo desse desenvolvimento, conduzem necessariamente,
em Hegel, à colocação em evidência e, ao mesmo tempo, ao
aparecimento de uma nova categoria, a categoria da essência.
"Apenas com a migração de uma qualidade para a outra, apenas
com a passagem da qualidade para a quantidade e vice-versa,
declara Hegel, nós não chegamos ao fim; há ainda nas coisas
uma permanência e essa é primeiramente a essência"* . 0

A passagem à essência marca o fim da primeira e o co-


meço da segunda etapa do desenvolvimento da idéia hegeliana.
Até aqui o desenvolvimento realizava-se completamente apenas
no plano do ser; as categorias de quantidade, de qualidade e
de medida eram momentos do ser, graus de seu desenvolvimento.
Com o aparecimento da essência, o ser como tal se apaga, ele
parece retor nar pa ra dentro de si mesmo, transformar-se em
um momento da essência, em sua aparência.
A essência relaciona-se antes de mais nada com ela mesma,
e Hegel indica que "ela se identifica com ela mesma"* -. Então,
1

aparec e a categoria de identidad e. Na análise da categoria de


identidade,
dade como Hegel destaca
igualdade particularmente
formal, desprovida dea toda
noçãodiferenciação,
de identi-
abst raíd a dela próp ria, e a criti ca ao mesmo temp o em que
acentua a insuficiência da lei de identidade da lógica formal.
À identidade formal, Hegel opõe a verdadeira identidade que
não apenas não é desprov ida de diferenças , mas ainda as
encerra nela mesm a. E efetivamente, em Hegel, a identidade
surgiu em decorrência da relação da essência com ela mesma.
A essência aparece em decorrência da anulação e da negação
do ser e de suas determinações que, como conseqüência, não
desapareceram, mas conservaram-se, transferidos para a essên-
cia e continuando a existir nela sob uma forma anulada cons-
tituindo
rela ção aseu
ela ser-o
mesm utro
a. e"Aao
qui mesmo tem Hegel
— escreve po sua —difer ença em
o ser-outro
— do qual nós vimos a essência — não é mais um ser-outro
qualitativo, um a determinação, um limite, m a s . . . uma difere n-
ça, um formulado, uma mediação que se encontra na essência" . 12

Entretanto, sendo identidade, a essência "comporta essencial-

Hegel, Wissenschaft cit., in


10
Sämtliche Werke, p. 225.
»Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 229.
Hegel, Wissenschaft cit., in
l2
Sämtliche Werke, p. 233.

26
mente em si a determinação da di fe re nç a" . A diferença
13

transformou-se em seu contrário.


A tese de Hegel, segundo a qual toda identidade está
necessariamente ligada à diferença, supõe a diferença e que a
diferença supõe a identidade, corresponde ao estado real das
coisas. Na real idade objetiva não há iden tida de abst rata , pura,
nem diferença abstrat a e pura. Tod a identidade é a identidade
do diferent e, assim como tod a diferen ça é a difer ença do
idêntico. A idéia, segundo a qual, no processo do movimento,
a identidade transforma-se em diferença e a diferença em seu
contrário, e segundo a qual a contradição manifesta-se não sob
uma forma acabada, mas se desenvolve a partir da diferença
que aparece primeiramente como exterior, não essencial, depois
transforma-se em essencial e em seguida em seu contrário, é
igualmente justa.
Entretanto, o aparecimento das categorias de identidade e
de diferença no estágio do movimento do conhecimento, indo
da medida à essência, e sua representação como momentos ou
grausradiprecis
cont zem amente
a históriadessa etapa domento.
do conheci desenvolvi
Essamento do saber
s categorias ma-
nifestam-se muito antes e, mais exatamente, desde os primeiros
estágios do conhecimento da natureza pelo homem, no estágio
de seu movimento, indo de um ser-aqui ao outro, no estágio
da evidenciaç ão de "alguma coisa". No proce sso do movimen-
to do pensamento de um ser-aqui ao outro, há necessariamente
comparação e ao mesmo tempo evidenciação da identidade e
da difere nça. O aparecimento das prime iras repres entaç ões e
conceitos gerais é o resultado da tomada de consciência, pelos
homens, da identidade do diferente que se manifesta na prática.
A distinção dos aspectos quantita tivos, das características e,
logo, a formação
se a partir do conceito
da descoberta de quantidade
da diferença só podem
do idêntico, produzir-
de um e do
semelhante no múltiplo, isto é, sobre a base de uma certa
tomada de consciência da identidade e da diferença.
As categorias de identidade e de diferença são consideradas
por Hegel, aqui, e não anteriormente (não na seção da qualida-
de e da quantidade onde seu exame impõe-se e onde elas apare-
cem sob uma forma ou outra), sem dúvida, porque elas tornam

"Hegel, Werke cit., p. 232.

27
particularmente fácil a passagem aos contrários e depois à
contradição.
Analisando a contradição, Hegel mostra que ela é geral,
que entra no conte údo de cada co isa, de cada se r. "Tu do o
que existe, escreve Hegel, é alguma coisa de concreto e, logo,
alguma coisa de dif eren te e opo sta em si. O caráter finito das

coisas, continua
corresponde a suaHegel, consiste
essência"!*, por em
isso,que
elasseu ser imediato
esforçam-se não
sempre
para resolver esta contradição e realizar o que elas têm nelas
mesmas e, em decorrência, elas modificam-se constantemente.
A modificação das coisas é, pois, a conseqüência de seu caráter
contra ditóri o. Em outro s termos , a cont radi ção é a fonte do
movimento e da vitalidade; ". . .é apenas na medida em que
alguma coisa comporta em si uma contradição que ela se move;
que ela possui um impulso, um a atividade"! 5. Opondo- se aos
autores que consideravam que não se pode pensar a contradição,
Hegel excl ama: "É a cont radi ção que, na realid ade, põe o
mundo em movimento, logo, é ridículo dizer que é impossível
6

pensarO apensamento
cont radição"! .
de Hegel, segundo o qual tudo o que existe
encerra em si uma contradição e de que a contradição é a
srcem do movimento, o impulso da vida, é na realidade um
pensamento genial, que entrou na história da ciência para
tornar-se o centro da dialética.
Na nossa opinião, Hegel també m conseguiu determinar
corretamente o lugar das categorias de "contrário" e de "con-
tr adi ção ". Os aspectos e os laços que elas refletem só são
efetivamente assimilados no estágio do movimento do conheci-
mento, dirigido para a essência, quando aparece a necessidade
de apresentar o objeto em seu movimento, em seu aparecimento
equestão
em seudadesenvolvimnto,
srcem do movimento, qua ndoda, aforça
propós ito disso,
motora s urge a
que con-
diciona seu vir-a-ser, sua vitalidade e a passagem de um estágio
de desenvolvimento para outro.
Nascida da diferença, a contradição, segundo Hegel, não
é eterna; a um determinado estágio de seu desenvolvimento ela

Hegel, Wissenschaft cit., in


14
Sämtliche Werkt, p. 242.
Hegel, Wissenschaft cit., in
15
Sämtliche Werke, p. 562.
»Hegel, Werke cit,, p. 242.

28
se resolve e se transforma ou, segundo os próprios termos de
Hegel, mergulha até a sua base (f und am en to ). "A contradição
resolvida é, em conseqüência, o fundamento" .
17

"É por isso que no fundamento, escreve Hegel, o contrário


e sua contradição são igulamente destruídos ou conservados" .
18

Eles são destruídos enquanto existentes de forma autônoma


ediferença,
são conservados enqudoanto
característica mome ntos de. i dentida de e de
fundamento" 19

A passagem da contradição para seu fundamento, como


a apresenta Hegel, a despeito de seu caráter artificial, encerra
muitos elementos raciona is. Hegel exprimiu aqui certas leis
reais da correlação dos aspectos refletidos pelas categorias que
examinamos. A reso luçã o da contr adiçã o própria a essa ou
àquela formação material conduz necessariamente a sua trans-
formação e, em certas circunstâncias, ao aparecimento de uma
nova for maç ão materia l. O apare cimen to do novo é, port ant o,
a conseqüência da resolução de uma contradição e a resolução
da contradição é a base que trouxe à vida essa conseqüência.
O fundamento
a forma foi representado
de fundamento absoluto, queinicialmente
em seguidaporseHegel sob
determina
como forma e matéria.
A for ma, segundo Hege l, está organicamente ligada à
essência. El a ence rra a essência da mesm a for ma que a es-
sência encerra em sua natureza a forma.
Em bo ra sendo no fu nd o idêntica à forma , a essência
distingue-se e manifesta-se, com relação à forma, como alguma
outra coisa, como um indeterminado, como uma "identidade
informe". Sob esse aspe cto, a essência, segundo Hegel, é a
matéria.
Para Hegel, a matéria apresenta-se como alguma coisa
passiva, enquanto que a forma é ativa. Pelo fato de que a
forma tem uma contradição própria, ela afasta-se de si mesma
e determina-se na maté ria. A maté ria, por sua natureza , é algo
que só pode relacionar-se consigo mesmo e por isso ela é indi-
fere nte a qualqu er coisa além dela. Mas, ao mesmo tem po,
ela encerra, sob um aspecto velado, a forma, e esta inclui nela

"Hegel, Werke cit,, p. 242.


"Hegel, Werke cit., p. 242.
"Hegel, Werke cit,, p, 242.

29
mesma o princípio da matéria . Tu do isso faz com que a
20

matéria ganhe, então, forma e a forma tem de se materializar . 21

A matéria transformada em forma representa a categoria do


conteúdo.
O conteúdo, segundo Hegel, possui primeiramente uma
certa forma e uma certa matéria e é de fato sua unidade . 22

O conteúdoEssas
matéria. é o últimas
que é idêntico
são, de ao
certamesmo
for ma,tempo
suas àdetermi
forma nantes
e à
exteriores. Mas esta iden tida de é a ident idade do fu nda me nto
que, desta maneira, adquire um conteúdo e uma forma e con-
verte-se em um fundamento determinado.
O fundamento determinado relaciona-se negativamente
com ele mesmo e tra nsf orma -se em um estabelecido. E é ape-
nas no decorrer de seu estabelecimento que ele torna-se o
fundamento de um ser estabelecido.
A idéia de Hegel concernente à correlação orgânica, ao
estabelecer mútuo, às passagens recíprocas do fundamento e
do estabelecido é verd adei ra. El a refl ete a dialética real do
fundamento
terior e do cime
e no conhe estabelecido
nto. Naque observamos
reali dade, um no mundo
aspecto ex-de
dado
uma formação material torna-se um fundamento unicamente
na medida em que ele começa a influir de maneira sensível
sobre seus outros aspectos, a determinar a orientação de suas
transformações e a condicionar, dessa maneira, a formação de
uma nova quali dade. Al ém disso, um aspecto dado torna- se
determinado ou condicionado unicamente na medida em que
sua existência, seu funcionamento e sua transformação come-
cem a depender de um outro aspecto ou relação que se revelem
nas condições dada s determ inant es, isto é, o fun dam ent o. E,
ainda mais, o que, em certas condições, em certo estágio do
desenvolvimento da formação
em outras condições, em outrosmaterial torna-se
estágios determinante,
do desenvolvimento
da formação material torna-se determinado, isto é, estabelecido,
e o determinado torna-se um fundamento determinante do fun-
cionamento e da orientação das transformações de todos os
outros aspectos do todo dado.

2
°Cf. Hegel, Werke cit., p. 258.
21
Ver Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 562.
22
Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 566.

30
Uma lei análoga é observad a no conhecimen to. Um a
suposição dada torna-se fundamento apenas quando outras
suposições forem deduzidas dela e desde que outras suposições
sejam assim fu nda me nt ada s. E estas últimas serão fu nda me n-
tadas unicam ente graças a seu laço com o fun dam ent o. Sendo
fundamentadas, elas podem servir de fundamento para outras

idéias, outrasfundamento.
seu próprio suposições e, em certas condições, fundamentar
Tendo sido determinado por meio do estabelecimento de
si mesmo e do fundamentado, o fundamento, segundo Hegel,
não permanece em repouso, imutável, mas continua a se trans-
for mar e a se desenvolver. Ele começa como fu nd am en to
formal, depois torna-se fundamento real e, finalmente, trans-
forma-se em fundamento completo.
Hegel passa da categoria de fundamento para a categoria
de condição.
O laço da condição e do fundamento não se esgota, em
Hegel, pelo fato de que a condição é a premissa do fundamento,
ae ela
mediadora;
mes ma éa det
condição depende,
er min ada ela própria,
por ele. E, efetivdo fundamento
amente , o fa to de
que um ser dado seja ou não condição de um fundamento dado
depende da natureza desse fundamento que, por seu funciona-
mento, exige condições rigorosamente determinadas.
Supondo-se mutuamente e passando de um para o outro,
po r meio deles mesmos, a condição e o fundamento formam
um todo, uma certa unidade de conteúdo e de forma e manifes-
tam-se como um incondi cionad o "verd adei ro", como "uma
coisa pensada a partir dela mesma" . Dessa for ma , par a
23

Hegel, a coisa pensada representa a unidade ou a identidade


do fundamento com a sua condição.

coisa Hegel escreve


pensável estãoque: "Quando
reunidas, ela todas
entra as
na condições de uma
existência"24.
A dialética da correlação do fundamento e da condição é
apresentada aqui por Hegel de maneira bastante completa e
em sua essência justa. O fun dam ent o não pode efeti vamen te
dar nascimento a esse ou àquele ser imediato, a não ser em
condições rigorosamente determinadas que, sendo o ser-aqui,

23
Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 590.
24
Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 594.

31
não estejam ligadas imediatamente com o fundamento dado,
não dependam dele no seu aparecimento e na sua existência,
mas, pelo contrário, possuam seu próprio fundamento em um
outr o. Send o autôno mo e independe nte, com rela ção a um
fundamento dado, o ser-aqui é a condição do fundamento, mas
não está meno s ligado a ele (ao fu nd am en to ). O fa to de que
seja a condição do fundamento dado depende não apenas dele
mesmo, mas igualmente do fundamento, de sua natureza, e é
precisamente o fun dament o que dita suas condições, determina
qual ser-aq ui é necessário par a sua realiza ção. A idéia de
Hegel de que a condição, ainda que necessária para a realização
do fundamento, não é a força motora que obriga o fundamento
a dar nascimento ao fundamentado, que esta força motora está
contida no próprio fundamento e que este se desenvolve sob a
pressão de contradições internas que lhe são próprias, nos
parece justa.
Igualmente justa é a tese de Hegel segundo a qual as
condições não permanecem indiferentes ao processo do esta-

belecimento
por do fundam
esse processo, ento, mas,
contribuem para pelo
a forcontrário,
ma ção do são atraídas
fundamen-
tado e, em uma determinada medida, transformam-se neste
último, tornando-se um momento de seu conteúdo.
No que concerne às afirmações de Hegel, de que o con-
teúdo do fundamento com suas condições conduz primeiro ao
aparecimento da coisa pensada e depois ao aparecimento de sua
existência, essas idéias não correspondem à realidade; isso é
apenas uma conseqüênc ia do idealismo de Hegel, em cujo
quadro ele era obrigado a construir seu sistema de categorias.
Da categoria de coisa, Hegel passa ao fenômeno que se
apresenta como a existência da coisa anulando a si própria do
25

interior delaoutra
flete-se na mesma . Po r meio
e relaciona-se do defenô
com ele men o,determinada.
maneira a essência re-
A existência de um fenômeno não é assim nada além de
outra relaç ão. Hegel conside ra esta últim a como a verd ade de
tod a a existência, como o mod o geral de m anif est ação das
coisas . 26

A unidade da essência e da existência constitui em Hegel

25
Hegel, Werke cit., p. 260.
28
Hegel, Werke cit., p. 260.

32
a realidade . A reali dade manifesta-se primeiro sob a for ma
27

de possibilidade que representa o que é essencial para a reali-


dade, mas que ainda é abstrata e que se opõe à unidade concreta
do real . Sendo abstr ata, a possibilidade apare ce como con-
28

tingente em um a reali dade concreta dada. Hegel considera


como contingente o que "tem o fundamento de seu ser não em
si mesmo, mas em um outro" . A unid ade da possibilidade e
29

da real idad e constitui a necessidade. Cons idera da do interior,


a necessidade manifesta-se como uma relação absoluta em si;
sob sua forma imediata há a relação de substancialidade e de
acidentalidadeSO, a qual, em decorrência, manifesta-se como
relação causal desenvolvendo-se em interação 31
. À bas e da
interação encontra-se o conceito que constitui a verdade do ser
e da essência.
Por meio desses esquemas artificiais da correlação das
categorias de essência e de f enôm eno, de possibilidade, de
realidade, de necessidade e de causalidade transparece, em Hegel,
a dialética real, e, sob uma forma mistificada, exprime-se uma
sérieconhecimento
no de teses importantes
das leis que constituem um passo
de relacionamento considerável
das formas gerais
do ser, refl etid as nas categorias em questão. É verd ade que a
ordem — aqui apresentada por Hegel — do movimento do
pensamento de uma categoria a outra nã o reflete, na nossa
opinião , o proces so real do conhecimento hum ano . No co-
nhecimento, o homem não vai do possível ao real, como diz
Hegel, mas, pelo contrário, ele vai da realidade para a possi-
bilidade, e nã o vai da necessidade à causalidade e à interação,
mas sim da interação (correlação) à causalidade e à necessi-
dade.
Analisemos o movimento ulterior das categorias na lógica
de Hegel.
Segundo Hegel, com a passagem ao conceito, o pensa-
men to sai da essência. Est a última é negad a pelo conceito,
o qual, em conseqüência, parece voltar sobre o ser e repetir o
que já se pas sou sobre um a nova base. O ser e a essência

27
Hegel, Werke cit., p. 281.
28
Hegel, Werke cit., p. 284.
29
Hegel, Werke cit., p. 288.
30
Hegel, Werke cit., p. 299-300.
31
Hegel, Werke cit., p. 307.

33
entram, sob uma forma anulada, no conteúdo do conceito e
nele const ituem todos os momen tos necessários . O conceito é,
portanto, a "verdade do ser e da essência"32. Ou, entã o, em
outros termos, ele é a "essência que volta sobre o ser como
sobre uma simples imediação"33.
O conceit o, segundo Hegel, encerra três mome nto s: a
universalidade, a particularidade e a singularidade . No con-
34

ceito, esses momentos encontram-se em estado de interdepen-


dência e de correla ções orgânicas. Eles perde m-se um no outro,
dissolvem-se um no outro e manifestam-se como momentos
conf undi dos do conceito. Hegel conside ra que no conceito é
impossível reter todos esses momentos, um fora do outro, sob
uma forma isolada.
No decorrer do movimento ulterior do pensamento, diz
Hegel, o conceito atinge a objetividade, prosseguindo assim o
desenvolvimento de seus novos aspectos e fazendo-se sempre
de modo mais concreto.
Hegel rec orr eu às construções mais complexas e mais
fantasiosas.
nobras Entréetaque
astuciosas nto, elas
o que torn a algumas
refletem válidas relações
todas es sas
reaisma-
(captadas ou adivinhadas) entre as coisas ou no interior das
coisas que, em virtude de sua repetição ocorrida alguns milha-
res de vezes, foram fixadas na consciência humana sob a forma
de figuras lógicas determinadas.
Da objeti vidade , Hegel passa à idéia. A idéia é a unid ade
do subj etiv o e do obje tivo , do concei to e da rea lid ade. A
categoria de idéia é uma categoria mais concreta do que as
categorias precedentes; ela as inclui sob uma forma anulada e,
todas junt as, elas aprese ntam-s e como o vir-a-se r da idéia. "Os
graus do ser e da essência objetiva examinados até o presente,
assim como
Hegel, os graus
não são, nessa do conceitoquee lhes
diferença da objetividade, escreve
é própria, alguma
coisa imóvel, existindo de for ma aut ônom a. Não , eles mos-
traram-se como dialéticos e sua verdade consiste em ser mo-
mentos da idéia . 35

32
Hegel, Werke cit., p. 311.
33
Hegel, Werke cit., p. 312.
34
Hegel, Werke cit., p. 320.
35
Hegel, Werke cit., p. 387-8

34
Segundo Hegel, no decorrer de seu desenvolvi mento, a
idéia tra nsp õe três graus. Ela manifesta- se pri meir amen te sob
forma de vida, depois sob forma de conhecimento e, finalmente,
sob forma de idéia absoluta.
Transformando a realidade objetiva, o conceito realiza-se
nela e a to rn a idênt ica a ele mesmo. É dessa mane ira que se
comple ta a passagem à idéia absoluta. Essa categoria é a mais
conc reta de toda s as que já examinamos até agora. Seu con-
teúdo é formado por todo o sistema do qual, em traços gerais,
aco mpa nha mos o desenvolvimento. "Po de- se dizer, escreve
Hegel, que a idéia absoluta é o universal, mas não apenas
enquanto forma abstrata à qual todo conteúdo particular opõe-
se como alguma outra coisa, e sim enquanto forma absoluta
à qual todas as determinações, toda a plenitude do conteúdo
estabelecido por elas estão voltadas"36.
É pela idéia absoluta que termina o processo do desen-
volviment o lógico. Impre gnada de tod a a diversi dade do
conteúdo do movimento dialético das categorias, a idéia abso-
luta, a partir da forma ideal, transforma-se em seu contrário,
"aliena-se", toma corpo e manifesta-se na qualidade de natu-
reza, onde, sem ter consciência dela mesma, sofre um certo
desenvolvimento e, depois de ter rejeitado a forma de ser físico
que a to rno u estr anha, ela volta a seu elemento espiritual
adequado e, no decorrer do processo de seu desenvolvimento
ulterior, volta-se sobre ela mesma.
Como podemos ver, Hegel, ao contrário de Aristóteles e
de Kant, estabeleceu as categorias sobre uma base histórica e as
apresentou em movimento e em desenvolvimento, em seu apare-
cimento e em sua for maç ão. Ent ret ant o, ele realizou tud o isso
no plano da idéia pura, do pensamento puro, o que faz com que

as categorias manifestem-se
desenvolvimento do processoemdosuaconhecimento,
obra não como
pelo graus do
homem,
do mundo exterior, mas como graus do desenvolvimento do
pensamento pur o e da idéia, em sua existência anterior à na-
tureza. É po r isso, se nã o foi por acaso, que, a despeito de
seu gênio e de sua aptidão para prever a situação real das
coisas, Hegel foi obrigado, para seguir os seus princípios idea-
listas e aplicá-los, a contradizer a todo instante a realidade e

36
Hegel, Werke cit., p. 409.

35
dela afas tar -se. Mas , apesa r disso, Heg el conseguiu em seu
sistema incrivelmente artificial e contraditório das categorias,
reproduzir uma série de ligações e de leis profundas e universais.
Depois de Hegel, numerosos filósofos burgueses tentaram
criar sistemas de categorias, mas as soluções que eles propu-
seram não acrescentavam nada ao estudo do problema e cons-
tituíam um passo para trás em relação a Hegel.
Examinemos algumas dessas teorias relativas à correlação
dessas categorias. Wilhelm Windelband3 7, fil ósofo alemão,
apresenta um sistema de categorias que é o seguinte: ele consi-
dera as categorias como funções sintéticas elementares do
pensamento. Sendo diferentes tipos de síntese, elas são, se-
gundo ele, diferentes formas de ligação ou de relação e existem
sob o aspecto d e noções e julgamen tos corre sponde ntes . Win-
delband divide primeiramente todas as categorias em dois
grupos. Em um ele inclui as categorias que têm um "valor
objetivo", que existem fora e independentemente do pensamento
e que só por este último pode m ser cons tata das. No outro ele
inclui as categorias que existem no pensamento e têm por isso
mesm o apenas "um valor repre sent ativ o". As categorias do
primeiro grupo são chamadas de constitutivas e as do segundo,
reflexivas . As categorias constitutivas, por sua vez, subdivi-
dem-se em categorias principais e categorias secundárias.
Entre as categorias reflexivas, Windelband considera que
a "di fer enç a" é uma catego ria dete rmina nte. El e destaca que,
sem a diferença, não se pode pensar nenhuma relação, nenhum
sistema, e, portanto, nenhuma categoria, pelo fato de que essas
categorias não representam nada mais do que diferentes formas
de rela ção ou de síntese. A categoria de "dife ren ça" está,
segundo ele, ligada à repre sent ação. Sua fu nç ão é o desmem-
bramento da diversidade dada na representação, em elementos
correspondentes, e sua síntese em novas associações que marcam
a passagem da representação ao conceito.
A diferença, no decorrer de seu desenvolvimento, trans-
forma-se em "identidade", que Windelband define como um
caso parti cula r (limi te) da diferen ça. A fu nç ão da categoria
de "identidade" é a comparação, a confrontação mútua dos
diferentes elementos e o estabelecimento da identidade no seu

37
W. Windelband, Vom System der Kategorien, Tübingen, 1924.

36
conteú do. As categ orias de ident idade e de diferença, segundo
Windelband, estão indissoluvelmente ligadas e não podem fun-
cionar um a sem a outr a. "A comp araç ão, ele sublinha, é
impossível sem a diferença e, reciprocamente, a diferença é
impossível sem a comparação" . 38

A categoria de "identidade", em Windelband, nas condi-


ções correspondentes (quando o "grau do idêntico é relativa-
mente pouco importante em relação ao diferente"), transforma-
se em categoria de "co nfo rmi dad e". A categoria de "di fer enç a"
transforma-se em categoria de cálculo (quantidade), que repre-
senta a soma do diferente sobre a base de uma identidade dada.
A categoria de cálculo, ocupando a função de medida, desen-
volve-se em categorias de "graus", de "medida" e de "grandeza".
Sobre a base da categoria de "diferença" e de "identidade",
apare ce tod a uma série de categorias ditas lógicas. Trat a-se
antes de tudo da "abstração" da "determinação", da "subordi-
nação", da "coordenação", da "divisão" e da "separação", que
constituem o primeiro grupo; depois vêm as categorias da silo-
gística, às quais Windelband relaciona as diferentes formas da
dependência lógica.
Ao número das principais categorias constitutivas, Windel-
ba nd acrescenta as categorias de "realidade" e de "causalidade".
Segundo elej elas são formas essenciais pelas quais deve ser
pensada "a dependência recíproca real dos conteúdos" . 39

Windelband deduz igualmente essas categorias, da função sin-


tética do pensamento, de nossa faculdade de pensar um certo
conteúdo como uma coisa ou como um processo necessário.
Às categorias constitutivas secundárias, submissas à cate-
goria de "realidade", Windelband acrescenta: a "propriedade
inalienável", a "qualidade", o "atributo", o "modo", o "estado",

asubmissas
"substância", a "coisa
à categoria em si"; às categorias
de "causalidade", secundárias,
ele acrescenta: o "de-
saparecimento", o "aparecimento", o "desenvolvimento", a
"ação", a "força", a "possibilidade", a "dependência teleoló-
gica", a "lei".
No pensamento real, as categorias constitutivas e reflexivas,
segun do ele, agem jun tas . Isso se deve ao fato de que elas

38
E. Lysinski, Die Kategoriensysteme der Philosophie der Gegenwart,
Weida, 1913, p. 21.
38
E. Lysinski, Die Kategoriensysteme cit., p. 23.

37
provêm de uma mesma fonte — a atividade sintética do
pensamento.
Pode-se facilmente perceber que os princípios que guia-
ram Windelband na elaboração de seu sistema de categorias são
bastante próximos dos de Kant, embora, no conjunto, seu sis-
tema não seja semelhante ao sistema kantiano de categorias.
Assim, como Kant, é da consciência, de certas funções da ati-
vidade do pensa mento que ele deduz as categorias. E também
como em Kant, elas são formas a priori determinadas e puras
da consciência, por meio das quais o homem toma consciência
e ordena o conteúdo daquilo que é percebido no processo de
conhecimento do ser.
A atividade sintética do pensamento, a partir da qual Win-
delband deduz as categorias e as suas relações, não é uma cate-
goria primária e determinante, mas representa o reflexo dos
processos sintéticos que se desenvolvem na realidade objetiva
e na atividade prática, reproduzindo esses processos em condi-
ções especiais, criadas artificial mente pelo home m. Mas, sendo
assim,
ção de ela
um não podedeservir
sistema de ponto
categorias, paradea partida
deduçãopara
de acertas
elabora-
cate-
gorias de outra s categorias. Par ece que é preciso procurá-l a
nos fatores objetivos, que condicionam o desenvolvimento do
conhecimento humano e a formação das categorias correspon-
dentes, para exprimir os aspectos e as conexões refletidas da
realidade.
O sistema de Günther é um exemplo da teoria subjetivista
de categorias. Gün the r critica, a part ir de uma posição idea-
lista, as análises aristotélicas e kantianas do problema das cate-
gorias, que ele nã o considera satis fatória s. Em particula r, ele
não fica satisfeito com o fato de que Kant proíba a aplicação
das categorias à "coisa em si" e a dedução desta última da
consciência. Günt her tem por objet ivo "reduzir a for ma cris-
talina de cada categoria a seu estado primeiro, maleável e
informe... e compreender o 'corpo morto' das categorias,
dadas a priori por Kant, a partir da vida empírica do espírito" . 40

As categorias, segundo Günther, representam a forma dos pen-


samentos nos quais o espírito, no curso de sua autoconsciência,
exprime-se a si mesmo e exprime sua própria vida.

M. Klein, Die Genesis der Kategorien in Processe des Selbstbewusst


40

Werdens, Breslau, 1881, p. 9-10.

38
Na qualidade de categoria determinante, que é a "mã e de
todas as outras categorias", Günther apresenta a categoria de
"relação", a qual, para ele, se revela idêntica ao pensamento.
O pens amen to, ou a rela ção (o que é a mesma coi sa) , segundo
Günther, encerra em si mesmo dois momentos contrários liga-
dos necessariamente entre si: o fenômeno e o número; um
constituindo a categoria de "acidente" e o outro a categoria
de "sub stâ ncia ". Por inte rmédi o da categoria de substância,
a idéia de relação manifesta-se com idéia de substancialidade.
Sendo único, o pensamento tem por correlato necessário o
mom ent o de dualida de. Gra ças à int eraç ão do um e do duplo,
no processo da atividade do pensamento, são obtidas as seguin-
tes categorias: o "único" e o "múltiplo", o "único" e o "uni-
versal". Relaciona ndo-se com os contrários que se encontra m
em si mesmos como o "único" e o "múltiplo", o EU pensante
estabelece a rela ção do tod o e da par te. Anal isan do o "ún ico "
e o "múltiplo", do ponto de vista da unidade numérica que se
encontra neles, o EU pensante estabelece relações quantitati-
vas e, ao mesmo tempo, a categoria de "qu ant ida de" . A cate-
goria de qualidade é estabelecida a partir da análise do ponto
de vista de sua diferença.
As categorias de qualidade e de quantidade manifestam-se
como momentos da autoconservação e da auto-afirmação da
substânci a e de sua objet ivação . Enc ont ran do- se em estad o de
repouso, o EU pensante é a relação da substância com os
acidentes, a relação de si mesmo com seus diferentes estados,
que mudam constantemente, passa ndo de um par a outro. Nesse
caso, segundo Günther, o espírito pensante não está inerte,
ele está vivo, é um princípio ativo que engendra os acidentes
na quali dade de fenô menos determ inado s. É por isso que a
relação da substância com os acidentes deve ser considerada
como a relaçã o da causa e da ação . Pa ra Günthe r, as idéias
de possibilidade, de realidade e de necessidade, que são os
mome ntos do pens amen to causal, e stão, ligada s à idéia de
causalidade.
Dessa maneira, Günther, passo a passo, reproduz todas as
categorias apresentando-as sob a forma de momentos da cons-
ciência que se desenvolve sobre sua própria base, de momentos
do espírito pensante, sob as formas de objetivação e de auto-
afirmação deste último.

39
Opondo-se a Kant, Günther não encontrou nada melhor
do que retomar certas idéias hegelianas do desenvolvimento das
categorias. É ver dade que, ao contrár io de Hegel, que em seu
sistema de categorias conseguira reproduzir a grande quanti-
dade de leis reais da correlação das categorias, o sistema das
categorias de Günther não reflete em nenhum lugar a situação

exata das coisas,


da criação do seue autor,
esse sistema
livre derevela ser, objetividade
qualquer além disso, parali-
o fruto
sando o pensamento.
Charles Renouvier, filósofo francês do século XIX, de-
senvolve um ponto de vista próximo ao de Günther, no que
concerne à corre lação das categorias. Par a ele, as categorias
são igualmente funções do processo psicológico, notadamente
do pensam ento e da perc epçã o sensível. Em seu conj unt o,
segundo Renouvier, elas constituem a consciência, da qual são
as leis, assim como os fen ômen os, que Renouv ier considera
como o conteúdo das representações.
Renouvier considera que a categoria de "relação" é a
categoria
função maisprimei ra. daEl consciência,
simples a repre sentaé, uma
em lei
seuuniversal,
pens ament
baseo, a
de todas as outras categorias, que ele considera como diferentes
form as de relações. Da mass a geral das categorias, Renou vier
distingue as cate gori as ligada s à rel açã o de causa e efeito e
denomina-as dinâmicas. Tod as as outras categorias são reun i-
das por ele no grupo das categorias estatísticas.
Às categorias estatísticas ele acrescenta as categorias de
"qualidade" (relação qualitativa), exprimindo a relação de
coordenação do gênero, da espécie e do indivíduo; de "quanti-
dade", cuja função é a de designar uma maioria indeterminada
e de negá-la, e essa categoria transforma-se em categoria de
núme ro quan
encontra-se do a síntese
realizada: de duasde quantidades
de "duração", "espaço" ou dedetermina
"situa- das
ção ". A fu nç ão dessas categorias, segundo Renouv ier, encon-
tra-se na expressão de uma duração indeterminada, na negação
desta última e no estabelecimento de uma fronteira espacial
sob forma de ponto, de linha, de superfície, de figura.
Renouvier considera como categorias dinâmicas a categoria
de "efeito", que exprime uma relação temporal; a categoria de
"vir-a-ser" (aparecimento), que exprime a modificação no
tempo; a categoria de "finalidade", que é concernente à relação
do estado presente do ser vivo com seu estado futuro; a

40
categoria de "causalidade", que representa a síntese da ação
e da força e a categoria de "individualidade", que é a síntese
de todas as funções da consciência e portanto de todas as
outras categorias.
Todas as categorias consideradas, segundo a teoria de
Renouvier, são aplicáveis apenas ao domínio dos fenômenos,
que constituem o conteúdo das representações; esse domínio,
segundo ele, representa a única realidade.
O sistema de categorias de Renouvier é uma modernização
srcinal da teori a kan tia na das categorias. Mas, a pior part e
dessa teoria é, precisamente, a concepção subjetivista e idealista
das catego rias e de sua correl ação que aí é incluída . A ten-
dência materialista própria da filosofia crítica é, aqui, comple-
tament e reje ita da. Tu do o que existe realme nte reduz-se aqui
a um conjunto de fenômenos que estão submetidos às relações
das categorias representando as funções da consciência e as
diferentes formas de sua atividade.
Edu ard von Hart mann ^l dedicou um grande espaço à
elaboraç
vier, ão de um
Hartmann sistema
também de categorias.
entende por categoriaAssim como sinté-
as funções Ren ou-
ticas elementares da consciência. É verdade que Ha rt ma nn , à
diferença de Renouvier, que acha que essas funções são cons-
cientes , considera que elas são inconscientes, que são um a
"determinação lógica inconsciente", que estabelece uma "certa
relação" . 42

E Hartmann construiu seu sistema de categorias mediante


o desmembramento do conteúdo da consciência em partes de-
terminadas, para disso deduzir as relações das categorias cor-
respondentes. Segundo Har tma nn, no ponto onde acaba a
relação as categorias deixam de existir.

se porApoiando-se na categoria
coloca r em evidênci adeo relação, E. Hartmann
con teú do de toda s esforça-
as outr as
categorias. Ca da um a delas é aprese ntada so b a fo rm a de uma
relação.
Embora E. Hartmann esforce-se para mostrar a aplicação
da maior parte das categorias na esfera real objetiva do ser,
ele deduz, contudo, seu conteúdo e sua correlação da esfera
ideal subjetiva, do princípio espiritual que é, para ele, a função

41
E. Hartmann, Kategorienlehre, Leipzig, 1923, t. 1-3.
4 2
0. Spann, Kategorienlehre, Jena, 1939, p. 45.

41
fundamental, o atributo da substância, e existe nesta última sob
a for ma do lógico e da vont ade . Idealist a desde a raiz, a
teoria filosófica de E. Hartmann não reproduz a correlação
necessár ia que existe ent re as cate goria s. Em seu sistem a, as
categorias são colocadas uma ao lado das outras segundo as
funções desempenhadas pela percepção sensível e o pensamento.
Ele procura
cia das evidenciar
categorias; as leis queclassificam-se,
as categorias determinam asegundo
interdependên-
ele, em
grupos de acordo com o princípio da lógica formal e não se-
gundo o lugar que cada uma delas ocupa no desenvolvimento
histórico do conhecimento e da prática, nem na relação das
formas gerais do ser refletidas no processo desse desenvol-
vimento.
O ponto de partida no sistema de categorias de Wilhelm
Wundt é igualme nte o conceit o de relaç ão. Wund t considera,
assim como os outros filósofos que analisamos, as categorias
como noções puramente a priori, que exprimem as relações do
pensamento lógico. Wu ndt cita a "forma" e a "matéria" como
as principaisantes
necessário, categorias,
de tudo,para a formação
o exame de tododasobjeto
quaisda seexpe-
faz
riência. Segundo ele , elas enco ntra m-se no pont o mais alto
dos conceitos puros de relação e são ainda a base da classifi-
cação de todas as outras . 43

A categoria de matéria, analisada ao mesmo tempo que


a forma, resulta, segundo Wundt, na categoria de conteúdo.
A relação do conteúdo e da forma, faz aparecer as categorias
de "real" e de "formal", de "real" e de "possível", que são as
categorias paralelas do conteúdo e da forma.
Em seguida, depois de dar sua relação das categorias de
conteúdo e de forma, todas as outras categorias dividem-se em
conceitos puros de forma e em conceitos puros de conteúdo e
de realidade.
Wundt considera como conceitos gerais de forma as cate-
gorias do um e do múltiplo; os conceitos obtidos pela seqüência
da diferenciação do conceito de múltiplo são os conceitos
especiais de fo rm a: a quali dade e a quant idad e como dois
aspectos a partir dos quais podemos analisar todo múltiplo, o

43
E. Lysinski, Die Kategoriensysteme cit., p. 75.

42
simples e o com ple xo, e segund o os quais des memb ra- se a
qualidade; o singular e o múltiplo que são obtidos em decor-
rência da diferenciação da categoria de quantidade.
Aos conceitos gerais de realidade (de conteúdo), Wundt
acrescenta as categorias de "ser" e de "vir-a-ser" que, trans-
formando-se, tornam-se as categorias de "substância" e de

"cauesali
ser dade" idade
a causal . Wun dt considera
como a substância
a corre lação comocion
do ser. Rela a base
ando- do
se
uma à outra, a substância diferencia-se nela mesma (substância
no sentido próp rio do te rm o) e em acidente, e nqua nto que a
causalidade diferencia-se em causa e efeito. Esses dois pare s
de categorias reúnem-se em seguida para formar o conceito de
força que se divide em força potencial (inclusive na substância)
e em força atual (manif estan do-se na açã o) ; a causalidade
divide-se em causalidade substancial e em causalidade atual
que, em seu desenvolvimento ulterior, transformam-se em causa
e fim.
Segundo Wundt, a categoria de fim é aplicável não apenas
aos atos conscientes
da natureza; do de
a relação homem, mas igualmente
finalidade está contidaaosnoprocessos
próprio
fun dam ent o do ser, na substâ ncia em si. O idealismo mani -
festa-se aqui de forma particularmente clara.
O sistema de categorias proposto por Wundt, apesar d"e
um certo rigor lógico e da reprodução de algumas relações de
categorias que existem na realidade (quantidade-um-múltiplo;
conteúdo-substância-acidente; substância-causalidade-causa-efei-
to), é artificial, reúne de forma arbitrária as categorias, que não
encontram entre elas uma correlação e uma interdependência
necessárias. Po r exemplo, nem na realida de, nem na consciên-
cia, a forma desmembra-se em um e em múltiplo, as categorias
de "um"
goria de eforde
ma,"múltiplo"
como asnão
apreaparecem sobre
sen ta Wund t. a As
basecategori
da cate-
as de
"qualidade" e de "quantidade" não se manifestam em decor-
rência da difer encia ção da categoria de "múlt iplo". O apare-
cimento das categorias de simples e de complexo não nos
parece estar ligado à qualidade etc. Logo, o sistema de cate-
gorias de Wundt não reflete, no final das contas, as leis reais
de rela ção das categori as. E isso é norm al porqu e o autor
coloca-se em posições idealistas e por essa razão não pod e
voltar-se para a esfera da realidade na qual encontram-se os
fatores que condicionam o movimento do pensamento de uma

43
categoria a outra, fatores que determinam sua correlação e sua
interdependência.
Hermann Cohen44, filósofo alemão do fim do século XIX
e começo do século XX construiu um sistema de categorias um
pouco diferente daquele de Wundt e dos outros sistemas que ana-
lisamos anteriormente. Em sua teoria das categorias, Cohen
parte de Ka nt.
ele suprime todasMa
ass tendências
ele o corrige sensivelmente.
materialistas da teoriaEmkantiana
particular,
e nega a existência da "coisa em si", independentemente da cons-
ciência. Segundo ele, tu do o que existe no mu nd o depen de da
consci ência, do "pensam ento puro" . Cohen deduz do pensa-
mento puro não apenas as formas a priori da percepção sensível
e do entendimento, mas também a "coisa em si", que se transfor-
ma em princí pio lógico do conhecimento. De acordo com isso,
o "pensamento puro", que engendra não apenas os conceitos,
mas também o próprio objeto do conhecimen to^, constitui o
princípio primeiro das categorias e de suas relações.
Cohen considera as categorias como elementos do pensa-
mento puro, conceitos
as categorias elementares
são para ele a priori. do
formas fundamentais Ao julgamento
mesm o temp o,®. 4

É por isso que, construindo seu sistema, Cohen esforçou-se


para deduzir as categorias a partir dos juízos correspondentes.
Ele divide os juízos segundo^ as quatro formas abaixo:
1) Juíz os das leis do pensa mento,
2) Juízos da mate máti ca,
3) Juízos da ciência da natur eza matem átic a,
4) Juízos do método .
Cohen acrescenta as categorias de "srcem", de "continui-
dade", de "identidade" e de "contradição" aos julgamentos das
leis dos pens amen tos . As duas primeiras categorias, segundo
ele,
puro,sãoa terceira,
convocadas a produzirsua
a conservar os identidade
elementos do
e a pensamento
quarta, a re-
forçar a identidade pela negação de tudo o que não é idêntico.
Dos julgamentos da matemática, Cohen deduz as cate-
gorias de "cálculo", "tempo", "número", "espaço" e "todo".
A categoria de cálculo cria, segundo ele, a realidade do objeto

44
H. Cohen, Logik der reinen Erkenntnis, Berlin, 1902.
43
Lysinski, Die Kategoriensysteme cit.. p. 83.
46
Lysinski, Die Kategoriensysteme cit.. p. 84.

44
da matemá tica . As catego rias de tempo e de núm ero produze m
o conteúdo desse objeto sob a forma de diferença numérica ou
de maiori a indet ermin ada. A categoria de "t od o" é convoc ada
pa ra refletir a unidade ideal da multiplicidade infinita do
singu lar. Apl icado às ciências do espírito , o juízo geral, assim
como o juízo de maioria, manifesta-se sob a forma de categoria

de
do "sociedade", e o segundo
indivíduo que, juízo de realidade sob aa realidade
Cohen, cria forma de categoria
da mora-
lidade.
Os juízos da ciência da natureza matemática condicionam
as categorias de movimento, de re pouso da substância, de
inércia, de lei, de função, de causalidade, de energia, de con-
ceito, de objeto, de sistema, de natureza, de fim, de sujeito
e de ação moral, assim como certas categorias especiais da
ciência da nat ure za matemát ica. Ao cont rário das categorias
precedentes, que são um meio metafísico de produção dos
objetos do conhecimento em seu isolamento, as categorias aqui
apresentadas por Cohen desempenham um papel de meio de
pr oduçã
po r isso oque
doseleobjetos do conhecimento
as considera em suadecorrelação,
como categorias relação. e é
Os juízos do método supõem as categorias de possibilidade,
de consciência, de hipótese, de medida, de realidade, de singular,
de grande, de cronologia, de necessidade, de geral e de par-
ticular. A necessida de da categoria de possibil idade não é
fundamentada por Cohen, já que, segundo ele, ela explica-se
sozinha. A categoria de consciên cia, par a Cohen , é a premissa
de toda possibilidade e graças a ela realizam-se todas as de-
terminaç ões impor tant es. A categoria de hipótes e está colocada
à base de todas as formas de possibilidade e com a categoria
de medida está o meio de produção de objetos novos.

dução,A acategoria
partir dodepensamento
grandeza épuro,
destinada, por Cohen,
da realidade à pro-
do singular
e manife sta- se sob a for ma de espaço e de tem po. Na s.
ciências do espírito, a grandeza exprime-se sob a forma de
cronologia e constitui igualmente um meio de definição da
reali dade. As categorias de "geral " e de "pa rti cul ar" têm por
função estabelecer a ligação entre os objetos isolados.
Para Cohen, a dedução das categorias a partir das dife-
rentes formas de juízos reduz-se à determinação das funções
que elas desempenham no processo do pensamento puro que
cria a reali dade. O sistema obtido nã o tem nen hum valor

45
científico, porque não reflete a correlação e a interdependência
necessárias reais entre as categorias, mas apenas representa a
aliança arbitrária de conceitos existindo no conhecimento social.
No sistema de Cohen, as categorias são mais freqüentemente
fixas e descritas do que deduzidas uma da outra, e é por isso
que, se não for por acaso, nesse sistema, elas não se relacionam
umas com as Pelo
das outras. outras,f atmas simplesmente
o de que o seuexistem,
princípioumas
de aoparlado
tid a é
idealista, Cohen concentra sua atenção não sobre a colocação
em evidência das leis da correlação das categorias, mas sobre
o estabelecimento de seu papel imaginário na produção do ser
real a partir do pensamento puro.
Paul Natorp desenvolveu o ponto de vista de Cohen sobre
a correlaçã o das categorias. Assim como Cohen, tamb ém
Na tor p esforça-se por criar seu sistema de categorias a partir
da análise do ato do pensamento elementar que, para ele, é
constituído pelo juízo . A essência do juízo e, por tan to, do
pensamento representa, segundo Na tor p, um a for ma de uniã o
da multiplicidade dessa
desmembramento na unidade
unidadee,emao multiplicidade.
mesmo tempo, um certo
Analisando a atividade analítica e sintética do pensamento
sob o aspecto exterior e interior, descobrimos, segundo Natorp,
que há nela a qua nti dad e e a qualid ade. Na to rp considera
que o primeiro grau desta atividade elementar do pensamento
é o estabelecimento da unidade quantitativa e a distinção do
singular do um na qualidade de base da síntese quantitativa.
O segundo grau é a repetição do ato de estabelecimento dessa
unidade e da formação da multiplicidade, a qual, nesse grau,
é indeterminada pelo fato de que a repetição pode realizar-se
até o infinit o. No terceiro grau, a repet ição dessa mesma
unidade quantitat iva limita- se à form açã o de um todo. Em
decorrência, a multiplicidade indeterminada transforma-se em
multiplici dade dete rmin ada, isto é, em núm ero . Em seguida,
tudo se repete igualmente e forma uma nova multiplicidade
indeterminada, depois um todo (um número novo etc., até o
infinito).
A correl ação da unid ade e da mult iplicida de, segundo
Natorp, constitui a qualidade. No primeiro grau do conheci-
mento, a qualidade aparece sob a forma de unidade qualitativa
(identidade), no segundo grau, à unidade qualitativa acrescen-
tam-se outras, e assim fica estabelecida a diferença que aqui

46
é inde term inad a. No terceiro estágio do conheci ment o, as
identidades diferentes são generalizadas e uma nova unidade
qualitativa aparece, considerada por Natorp como gênero, como
unidade qualitativa dessa ou daquela multiplicidade.
As sínteses qualitativa e quantitativa no desenvolvimento
do pensamento, segundo Natorp, reúnem-se ulteriormente em
uma
A nova das
síntese síntese (síntese
relações das ao
conduz sínteses) e formam
aparecimento a "relação".
de um sistema,
depois de um a ord em geral. No primeiro grau da síntese das
relações, estabelece-se uma série fundamental que existe de
maneira imutável em todas as ordens e que representa a substân-
cia, alguma coisa de geral, determinando todas as mudanças
que se prod uzem . O geral aparece primeiro sob a f or ma de
tempo, comum a todas as transformações, e, em seguida, sob
a forma de espaço, que engloba em um todo unido todas as
relações (o rd en s) . No segundo grau da síntese das relações
(do conhecimento, da criação, o que é, segundo Natorp, a
mesm a coisa) estabelece-se a sucessão dos mome nto s no tempo ,
odasque const estabelece-se
relações itui a caus ali
a dade . No das
correlação tercei ro grau
séries da que
paralelas síntese
representam a interação.
Tudo o .que foi exposto na obra de Natorp concerne ao
conhecimento, à síntese (e ao mesmo tempo à criação), e não
a um ser conc ret o qua lqu er, mas ao ser em geral. Mas , ao lado
desse grau de desenvolvimento do pensamento, Natorp distingue
o grau do conhecimento, da síntese (da criação) do ser con-
creto, do obje to. No estágio do conhecim ento (da síntese, da
criação) do objeto, aparecem as categorias de modalidade,
Natorp considera como primeira ação do pensamento, visando
a síntese do objeto, o estabelecimento da possibilidade de uma
tal síntese,
riência, isto depois
é, na arealidade,
verificação dessa possibilidade
verificação pela expe-
que se manifesta sob
a forma de determinação progressiva indeterminada e infinita e,
enfim, pela dedução e indução completas, estabelece-se a ne-
cessidade, que Natorp identifica com a dependência lógica 47
.
Apesar do idealismo manifesto de Natorp, que considera
o movimento do conhecimento de uma categoria para a outra,
como o.processo da síntese (da criação), a partir do "pensà-

47
E. Lysinski, Die Kategoriensysteme cit., p. 109.

47
mento puro", aspectos e laços gerais refletidos nas categorias,
ele soube exprimir em seu sistema certas relações reais exis-
tentes entre as categorias. Sua apre sent ação do movimento
do conhecimento indo do um ao múltiplo e depois voltando
ao um, assim como a apresentação do estudo separado da
qualidade e da quantidade com sua correlação, e, por meio
dela, as relações
parece-nos fundamentais de causalidade e de necessidade,
correto.
O filósofo alemão Alóis Riehl 48
, desenvolveu um ponto
de vista sobre a correlação das categorias que é essencialmente
kant ian o. Pa ra ele, assim como pa ra Kan t, as categorias
representam as funções do pensamento que se resumem ao
estabelecimento da identidade. Est a última representará a única
categor ia. As ou tras categorias, segundo Rieh l, são forma s
especiais de ident idade. Assim, as categorias de espaço e de
tem po apare cem, segundo ele, em decor rênci a da ação da
função de identidade do pensamento sobre a sensação e a per-
cepção; a categoria de substância aparece no decorrer da

aaplicação desta função


"causalidade" do pensamento
manifesta-se à grandeza
em decorrência de suado aplicação
ser real,
às transformações temporais etc.
Não é sem fund am ento real que as categorias são decla-
rad as com o constitui ndo diversas for mas de ident idade . Sendo
o reflexo de aspectos e de laços gerais da realidade, as catego-
rias refl etem incontest avelmente es sa ou aquela ident idade. Mas
esta particularidade das categorias não permite estabelecer entre
elas a correlação e a interdependência necessárias, nem repre-
sentá-las em movimento, nem mesmo exprimir suas passagens
recí proca s etc. A única solução à qual nós pode mos che gar
apoiando-nos sobre este índice das categorias, no decorrer da
elaboração de seu
com as formas sistema, deé identidade
particulares dividi-las em gruposesses
e dispor de grupos
acordo
uns ao lado dos outros, isto é, dar uma classificação lógica e
for mal . E foi precisame nte isso o que fez Rie hl.
Na filosofia de Nicolai Hartmann , uma grande atenção
49

foi dedicada à elaboração do sistema de categorias.

A. Riehl,
4 8
Der philosophische Kriticismus und seine Bedeutung
für dis positive Wissenschaft, Leipzig, 1876/1877, p. 1-2.
49
N , Hartmann, Der Aufbau der realen Welt. Grundriss der allge-
meinen Kategorienlehre, Berlin, 1940.

48
Hartmann apresenta o mundo sob a forma de um ser es-
trati ficado , port ant o, uma das camad as da consciência. Assim,
N. Hartmann suprime a questão fundamental da filosofia,
transformando-a em uma questão particular da relação de uma
cama da do ser com a outr a. O objetivo fund ame nta l da filo-
sofia, segundo ele, é o estudo do sistema (da estrutura) do
mundo e a construção de um sistema de categorias que expri-
mam essa estrut ura. As categorias, segundo Ha rt man n, são
as diferenças e os traços fundamentais das camadas e dos graus
do ser que é evidenciado. "T oda s as difere nças funda ment ais
de domínio do existente — graus ou camadas, traços gerais,
que dominem no interior das camadas e relações que os reúnem
— tomam a forma de categorias" . É por isso que a teori a
50

das categorias, para Hartmann, "é a ontologia fundamental, isto


é, o estudo das bases gerais do ser que se diferenciam segundo
as esfe ras do ser e const ituem um domí nio especial que se
encontra sob o ser" *. 5

Ignorar a questão fundamental da filosofia leva Hartmann

à negação
pelos da unidade
materialistas e osdoidealistas.
mundo, talSegundo
como éele,
compreendida
a unidade do
mundo consiste em seu caráter estruturado e no fato de que
toda s essas camad as encont ram-s e em relaç ão e em ligação
dete rmina das que constituem um sistema defini do. "C om-
preender a unidade do mundo real significa compreender esse
mun do em sua constru ção e em seu desme mbram ento. A
unidade que ele possui não é a unidade da uniformidade, mas
a unidade da disposição e da elevação das variedades formadas
de maneira tal que, dispostas de certa forma, as que são infe-
riores e grosseiras encontram-se na base e as que são superiores,
que repousam sobre as primeiras, elevam-se acima delas"52.

Falando dadestaca
N. Hartmann relaçãoque
das ascategorias
primeirascom as camadas
estão contidas reais,
nas se-
gundas e desempenham nelas um papel permanente, geral e
domin ante. Enco ntr ando -se nas camad as reais concretas do
ser, as categorias, segundo ele, podem entrar em uma camada,
em várias ou em todas.

S 0
N . Hartmann, Der Aufbau der realen Welt, cit., p. 1.
51
N . Hartmann, Der Aufbau der realen Welt, cit., p. 42.
52
N . Hartmann, Der Aufbau der realen Welt, cit., p. 197.

49
Como conseqüência, elas dividem-se em categorias espe-
cíficas de camadas e em categorias fundamentais que, indo de
alto a baixo (do intemporal mais complexo, do ideal eterno,
até às camadas físicas mais simples), penetram todas as ca-
mad as e, exatame nte por isso, unem- nas. Essa s categorias
que constituem a parte "baixa" (no fundamento) do ser, uma
camada particular, são os princípios gerais da relação das
categorias no interior das camadas particulares e entre as ca-
madas . 53

Formando uma camada especial, as categorias fundamen-


tais dividem-se em três grupos: categorias modais, categorias
elementares e leis categoriais. Ele acrescent a às categorias mo-
dais, as categorias de possibilidade, de realidade, de necessi-
dade; às categorias elementares, as categorias que têm um ca-
ráter estrutural e que se manifestam sob a forma de termos
opostos, como, por exemplo, o um e o múltiplo, a forma e a
matéria, a qualidade e a quantidade, a continuidade e a des-
continuidade etc.; às leis categoriais, acrescenta as categorias
que definem
uma camada, oa princípio de das
disposição união das categorias
camadas no interior
de categorias de
e a de-
pendência que reina entre elas. N. Hartmann chama estas
últimas de as leis da const rução do mu ndo real. Essas lei s, se-
gundo ele, são a lei da implicação e as leis da unidade e da
integri dade das camadas . Essas três leis exprime m, segu ndo
ele, a correlação e a dependência mútuas das categorias de uma
camada, a prioridade da integridade do sistema das categorias
sobre as categorias particulares e também o fato de que a essên-
cia de cada categoria encerra-se tanto nela mesma, como nas
outras categorias que lhe estão ligadas.
Hartmann analisa detalhadamente os princípios do co-
nhecimento
assim como daentre
relação das categorias
as camadas, no plano
notadamente de uma que
indicando camada,
toda
categoria particular é cognoscível unicamente na medida em que
são cognoscíveis todas as outras categorias da camada; ele
indica também que no conhecimento da correlação (coes ão)
das categorias de uma camada dada pode-se partir de qualquer
categoria, que as categorias das camadas inferiores devem ser
conhecidas partindo das categorias das camadas superiores e

53
N . Hartmann, Der Aufbau der realen Welt, cit., p. 198-9.

50
que, apoiando-se sobre as categorias da camada inferior, po-
de-se representar a particularidade das categorias da camada
superior etc.
Em seus raciocínios sobre o caráter estratificado do ser,
sobre a especificidade da estrutura de cada camada, sobre a
presença, sob uma forma tra nsfo rmada , da estrutura da camada
inferior na camada superior etc., Hartmann exprime de maneira
confusa teses do materialismo dialético sobre as formas fun-
damentais do movimento da matéria e sua correlação no pro-
cesso do desenvolvimento progressivo desta última. Ao lado
de certos pensamentos justos que concernem às relações do
geral e do particular, do inferior e do superior, Hartmann apre-
senta um grande número de teses errôneas, que visam a conci-
liar o materialismo e o idealismo, a operar a "ontologização"
da consciência, a transformá-la do ideal em uma forma univer-
sal do ser fora do tempo e do espaço e, por isso mesmo, a
criar a resposta idealista para a questão fundamental da Filoso-
fia. Ao mesmo tempo, o sistema de categorias prop osto por
Hartmann ainda é uma construção idealista, que faz da Filo-
sofia a ciência das ciências, determinando o lugar e a ligação
recíprocas de todas as outras ciências, nas quais a fantasia su-
planta a ausência de conhecimentos necessários. Em uma única
palavra: Hartma nn não apenas não conseguiu ir além de Hegel,
mas ainda ficou atrás dele.
Oskar Fechner 54
construiu seu sistema de categorias a
partir dos princípios idealistas e metafísicos. Ele rejeita todas
as teorias tradicionais sobre as categorias, considerando-as fal-
sas, e propõe sua solução, dita ontológica sobre o problema:
"Nós não reproduzimos nada, escreve ele, nem as filosofias tra-
dicionais, nem os conceitos estruturais e categoriais científicos,
mas,
endersim,as mediante umaapresentadas
categorias análise profunda, procuramos compre-
e autenticamente ontoló-
gicas"^.
Fechner, além da existência das coisas e da consciência
dos indivíduos, reconhece a existência objetiva das ditas "obje-
ções", idéias, e das "formações gerais", que não dependem do
homem nem de sua consciência, residem em diferentes esferas,

3 4
0. Fechner, Das System der ontischen Kategorien , Dammtor-Verlag,
Hildesheim, 1961.
5 3
0. Fechner, Das Syistem cit., p. 5.

51
situadas fora da razão humana e são captadas pelo homem no
processo de seu pensamento individual. As "objeções" (idéias
gerais), segundo Fechner, são universais, eternas e imutáveis,
transmitem-se de um sujeito empírico a outro e criam a apa-
rência da modificação dos pensamentos . Cada "obje ção",
56

segundo Fechner, possui uma estrutura mental (formal) e obje-


tiva (mater ial) . A primeira manifesta-se nos pensamentos (fo r-
mações ger ais ); a segunda, nos objetos singulares. Cada objeto
singular, segundo ele, representa uma certa associação de "ob-
jeções", e é por isso, segundo Fechner, que, conhecer um
objeto particular é apontar sobre ele "objeções captadas" pelo
pensamento empírico e compreendê-lo por meio destas.
Partindo do fato de que os objetos singulares que consti-
tuem o mundo material são formados de "objeções" imutáveis,
segundo a teoria de Fechner, o mundo é imutável em sua base,
ele não possui desenvolvimento, existe eternamente em seu es-
tado uniforme e não contraditório. Apoiando -se nessas teses
metafísicas, Fechner critica Hegel, que apresenta o mundo em
um estado de contradição, condicionando suas mudanças e seu
desenvolvimento per man ent es . Ele escreve que a "afi rmaç ão
de Hegel, segundo a qual o processo mundial pode ser represen-
tado por meio do desenvolvimento dialético dos conceitos, flu-
tuantes e contradi tórios, é errôn ea. Na verdad e, as "obj eçõe s"
são sempre universais, constantes e formalmente livres de todas
as contradições" 7. 5

Esses princípios metafísicos e idealistas, em sua essência,


são colocados por Fechner à base de seu sistema de categorias.
Por categorias, Fechner compreende os "elementos estru-
turais ou as estruturas elementares de uma ou de várias esferas
de objetivos" . 58

A divisão das categorias em grupos particulares e, no


interior dos grupos, em subgrupos, é efetuada por Fechner se-
gundo os princípios da lógica formal; é por isso que todos esses
grupos, subgrupos e categorias particulares, no sistema que ele
propõe, nã o se en contra ndo em uma relação necessária, nã o
são deduzidos uns dos outros, mas simplesmente coexistem.
Fechner limita-se a fixá-los e a descrevê-los.

5 6
0. Fechner, Das System cit., p. S.
5 7
0. Fechner, Das System cit., p. 20.
5 8
0. Fechner, Das System cit., p. 37.

52
Archie J. Bahm dá uma classificação de categorias que
repou sa igualmente sobr e a lógica for mal . Em bor a o princípio
fundamental da construção de seu sistema das categorias seja
a relação de contradição, ele não mostra sua interdependência
necessária, nem as passagens de uma a outra ou seu contrário.
As diferentes formas das contradições desempenham, para ele,
o papel de fundamento lógico e formal da divisão das catego-
rias em diferentes grupos . Em parti cular , Archi e J. Ba hm dis-
tingue nove tipos de relações contrárias, das quais examinamos
cinco: one-pole-ism, other-pole-ism, dualismo, aspectism que
se manifestam sob duas formas (extremas e modificadas) e o
organismo, como tipo central. No tod o, ele disting ue 26 par es
diferentes de contrários polares^.
Wolfgang Cramer construiu seu sistema de categorias no
espírito hegeliano. El e faz seu sistema repousar sobre o con-
ceito do absolut o. O absoluto é o pon to de parti da do movi-
mento do pensamento, indo de uma categoria a outra, que se
realiza por meio da auto dete rmin ação do absoluto. Co mo

unidade do imediato
gundo Cramer, tende eà do princípio de
mediatização e àpartida, o absoluto,
determinação se-
e mani-
festa-se como sujeito de todas essas determinações e mediatiza-
ções. No processo de auto dete rmin ação e de mediatizaç ão, o
absoluto, para Cramer, descobre, um após o outro, os momen-
tos de seu conteúdo e engendra as categorias correspondentes.
Na passagem de uma categoria à outra, ele esforça-se para imi-
tar Hegel: entretanto, a riqueza das idéias incluídas no sistema
hegeliano de categorias não é encontrada nos esquemas que
ele propõeBO.
Bela von Brandenstein6l parte igualmente de Hegel para
construir seu sistema de categorias. Entretanto, à diferença de
Hegel,
rio, porque
sua toma o "ser
natureza puro" —sua
e, portanto, nada idênticocomo
mudança, — contraditó-
ponto de
partida do movimento do pensamento puro de um a categoria a

59
Lewis E. Hahn, Of shoes and ships and sealing-wax, and cabbages
and kings, The Journal of Philosophy , Lancaster, 55(2): 55-6, 1958.
60
Cf. W. Cramer, Aufgaben und Methoden einer Kategorienlehre.
Kant-Studien, in Philosophische Zeitschrift, 1960/1961, t. 3, v. 52, p.
351-68.
"Bela von Brandestein, Der Aufbau des Seins. System der Philo-
sophie, Tübingen, 1950.

53
outra, Brandenstein parte, por sua vez, da "realidade imutá-
vel" que, sendo eterna, impõe, por sua ação sobre alguma coisa,
as modificações correspondentes e, no decorrer dessas modifi-
cações, engendra as categorias correspondentes.
Fazendo um balanço do exame dos sistemas de categorias
apresentados pelos filósofos burgueses posteriores a Hegel, é

conveniente
em relação asalientar
Hegel, que
umatodos esses sistemas
contribuição nova ànão constituem,
pesquisa e ao
estudo do problema da correlação das categorias, mas, na rea-
lidade , eles fic am aqu ém do sistem a de Hegel. E nã o é por
acaso que isso acontece. Um desenvolvimento ulterior fru tíf e-
ro da teoria das categorias só seria possível no plano do mate-
rialismo, a partir dos princípios da dialética formulados por
Hegel. Em regra geral, os filóso fos, dos quais nós já fala mos,
ignoravam, na elaboração de seus sistemas de categorias, tanto
o materialismo como a dialética e, exatamente por isso, eram
obrigados a repetir o que antes disseram Hegel, Kant e até
mesmo Aristóteles . No prese nte caso, Othma r Spann tem tod a
razão quando escreve a respeito dos sistemas de categorias sur-
gidos depois de Heg el: "E m rela ção a Hegel, todas as teorias
modernas sobre as categorias são um passo atrás, já que, em
vez de seguirem em profundidade os grandes pensamentos do
idealismo alemão, caem na barbárie do gênero empírico e me-
cânico . . . "62.
Os princípios da construção de um sistema de categorias
da dialética, apresentados por Hegel, foram objeto de uma
interpretação materialista, de um fundamento científico e de um
desenvolvimento uni came nte da filo sofi a marxista. A filos ofia
marxista apresenta, pela primeira vez, uma solução científica
pa ra o problema da correlação das categorias. Aplicado à ciên-
cia econômica,
gulos, por Marxesseem problema foi analisado,
seu Le capital sob todos
e, aplicado os ân-
à lógica dialé-
tica, ele foi analisado em Cahiers philosophiques de Lenin.

6 2
0. Spann, op. cit., p. 42.

54
2. DO PRIN CIPI O DE PART IDA
E DOS PRINCÍPIOS DE EDIFICAÇÃO
DO SISTEMA DAS CATEGORIAS
DA DIALÉTICA

Uma boa solução para o problema da correlação das ca-


tegorias supõe, antes de tudo, uma escolha correta do princípio
de partida, das categorias das quais se parte para que permitam,
no processo de sua análise, que se efetue a passagem de uma
categoria a outra e por ela mesma, a colocação em evidência
das leis de sua relação recíproca e, por meio delas, as leis da
relação recíproca das ligações e das formas universais do ser
que elas refletem.
À primeira vista, pode parecer que a definição das catego-
rias de partida não é uma coisa muito difícil, já que o marxis-
mo determina que, no estudo de todo objeto, se comece pelo
aspect o ou pela relação fund ame ntal e determinante. Ent re-
tanto, na realid ade, tudo isso nã o é assim tão simple s. Por

exemplo, ou
aspectos como fazer quando
as relações se tem ea determinantes
fundamentais impressão de não
que são
os
apenas um, mas vários, e que eles são concernentes a diferentes
domínios? Com o estudo das categorias, podemos nos encon-
trar precisamente nessa situação.
Efetivamente, em toda filosofia, incluindo o materialismo
dialético, há uma questão fundamental — a questão da relação
do pensamento com o ser, cuja solução deixa sua impressão na
resolução de todos os outros problemas filosóficos e, em última
análise, deter mina o car áte r da Filo sofia , sua essência . É por
isso que as categorias ligadas a essa questão e, em particular,
as categorias de matéria e consciência devem necessariamente

esera relacionadas
análise devecom as categorias
começar por elas.fundamentais e determinantes
Mas, ao mesmo tempo, o materialismo dialético estuda os
aspectos e as relações universais da realidade objetiva. E esses
não são todos semelhantes. Há entre eles alguns que desempe-
nham um papel fundamental e determinante e outros que são
subord inados e deter minad os. Os clássi cos do materi alism o
dialético, e em particular Lenin, consideravam como relações
fundamentais e determinantes, na realidade objetiva, as rela-
ções recíprocas entre os aspectos opostos, isto é, a lei da unida-
de e da luta dos contr ários . Em conseqüência, as categorias

.55
que estão ligadas à lei da unidade e da luta dos contrários
devem igualmente ser relacionadas às categorias de partida,
pelas quais é preciso começar a análise.
Sendo o reflexo dos aspectos, das ligações e das relações
universais reais, as categorias são, ao mesmo tempo, os produ-
tos da consciênci a, da atividade cognitiva dos home ns. No co-
nhecimento, há fatores fundamentais e determinantes que mar-
cam toda atividade cognitiva e, em particular, seus resultados:
são as categorias e sua correl ação. Os fund ado re s do marxis mo
consideravam que a prática social é esse fator determinante do
conhec iment o. Engel s escreveu: "É preci sament e a transfor-
mação da natureza pelo homem, e não a própria natureza como
tal, que é o fundamento mais essencial e mais direto do pensa-
mento humano, e a inteligência do homem aumentou na medida
em que ele aprendeu a transformar a natureza" . Se é assim,
63

as categorias que refletem esse fator fundamental, determinante


do conhecimento, devem igualmente ser consideradas como ca-
tegorias de partida.

fatoresAssim, no exame
diferentes dascada
que são, categorias chocamo-nos
um a sua com três
maneira, fundamen-
tais e determinantes e que podem desempenhar o papel de prin-
cípios de par ti da. Como resolver a questão de saber qual dess es
é um fator de partida, determinante, no momento do exame das
categorias e quais categorias devem ser analisadas em primeiro
lugar?
Vejamos o que se produz se, na qualidade de ponto de
partida, tomamos a questão funda me ntal da Filosofia, começan-
do pela análise das categorias de "matéria" e de "consciência".
Partindo da solução do problema da relação do pensa-
mento com o ser, da consciência com a matéria, estabelecemos
que as categorias
formaram são osdeprodutos
no processo da consciência,
desenvolvimento que elas se
do conhecimento,
que seu conteúdo é emprestado da realidade objetiva, que elas
são cópias, fotografias de certos aspectos e ligações do mundo
exterior. Incont esta velme nte, todos esses mome nto s colocados
em evidência são muito import antes . Sem eles, nã o podem os
compreender a essência das categorias e, sem termos com-

F. Engels,
63
La Dialectique de la nature, Paris, Editions Sociales,
1952, p. 233.

.56
preendido sua essência, não podemos colocar em evidência sua
rela ção real, sua ligação recíproca necessária. Mas , mesmo
sendo importantes, os momentos discutidos não são suficientes,
não encerram os princípios, partindo dos quais poderíamos
estabelecer entre eles semelhante correlação.
O que aconteceria se, no momento do estudo da correlação
das categorias,
que se relacionaapoiássemo-nos no fator
com a realidade essencial
objetiva, na lei determinante
da unidade
e da lut a dos cont rári os? Como essa lei const itui o centr o da
dialética, ela permite-nos explicar a lei de sua correlação com
as outras leis fundamentais e categorias da dialética, assim como
a lei da ligação recíproca dos pares categoriais, pelo fato de
que sua relação representa a manifestação concreta da unidade
e da luta dos contrá rios. Mas essa lei, assim como a q uestão
fundamental da Filosofia, não permite que se determine plena-
men te a corre laçã o e a interde pendênci a das categorias. Apli-
cando essa lei, nã o podemos estabelecer a orde m a que as
categorias devem seguir.
Dirij amo-nos agora ao terce iro fator funda ment al deter-
minante que se encontra no domínio do conhecimento: a
prática.
O conhecimento começa precisamente com a prática, que
funciona e se desenvolve com base na prática e se realiza pela
prática. É precisamente com base na prática que se formam
as categorias nas quais são refletidas e são fixadas as ligações
e as formas universais do ser.
Dese nvolve ndo-s e com base na prát ica, o conhecim ento
representa um processo histórico, no decorrer do qual o homem
penetra cada vez mais profundamente no mund o dos fenômenos.
Nesse
minada processo,
cada umaasdelas
categorias
em umaparecem em uma ordem
estágio rigorosamente deter-
deter-
min ado do desenvolvimento do conheci mento. Fi xan do os
aspectos e as ligações universais colocadas em evidência pelo
conhecimento em um estágio dado do desenvolvimento, as ca-
tegorias refletem as particularidades desse estágio e são, de
certa maneira, graus e pontos de apoio para a elevação do
hom em acima da nature za, par a o conheciment o desta. Em
outros termos, as categorias, refletindo as ligações e os aspectos
universais do mundo exterior, são, ao mesmo tempo, graus do
desenvolvimento do conhecimento, momentos que fixam a pas-

.57
sagem do conhecimento de certos estágios do desenvolvimento
a outros.
A idéia, segundo a qual as categorias são graus, momentos
determinados ou pontos centrais do processo do conhecimento,
foi apresentada pela primeira vez, e com bastante precisão, por
Lenin. Ana li san do a lógica de Hegel, na qual as categorias
são representadas sob a forma de graus, de momentos do de-
senvolvimento da idéia que existe eternamente fora da natureza
e antes da natureza, Lenin, em seus Cahiers philosophiques,
salientou várias vezes que as categorias são graus, momentos
do conhe cime nto. Exp ond o o conteú do da categoria de lei,
Lenin nota por exemplo, que "O conceito de lei é um dos graus
do conhe cimen to, pel o hom em, da unidade e da ligação, da
interdependência e da totalidade do processo universal"64. So-
bre as categorias de essência e de fenômeno, ele escreve que:
"O fundamental aqui é que o mundo dos fenômenos e o mundo
em si são momentos do conhecimento da natureza pelo homem,
graus, modificações ou aprofundamentos (do conhecimento)" .
65

A categoria
essencial de substância,
no processo escreve ele, ainda,
de desenvolvimento do é conhecimento
"um grau
humano da natureza e da matéria"66. E, pa ra concl uir, ele
diz que: "M omentos do co nh ec im en to .. . da natureza para o
homem, eis o que são as categorias lógi cas '^.
O aparecimento de toda nova categoria é necessariamente
condicionado pelo curso do desenvolvimento do conhecimento.
Ela aparece porque o conhecimento, penetrando sempre mais
pr ofund ament e o mund o dos fenômenos, colocou em evidência
novos aspectos e laços universais que não voltam mais para as
categorias existentes e que exigem, para exprimir-se, ser fixados
em novas categorias . Surgindo, toda nova categoria entra nas
relações e ligações
já existentes necessárias,
e, assim, ocupa determinadas com as categorias
um lugar particular, determinado
pelo processo do conhecimento no conjunto do saber, no sistema
geral das cate goria s. E se nós dispo mos as catego rias, na
ordem em que elas apareceram no processo de desenvolvimento
do conhecimento, será fácil encontrar o lugar, o papel e a

64
V. Lenin, op. cit., p. 142.
M
Lenin, op. cit., p. 144.
G6
Lenin, op. cit., p. 149.
67
V. Lenin, op. cit., p. 188.

.58
importância de cada categoria, de sua relação e de sua corre-
laçã o. Da í a necessi dade do tra tame nto dialético da história
do pensamento, da ciência e da técnica, assim como a do estudo
da história do pensamento, do ponto de vista do desenvolvi-
mento do sistema de categorias.
É conveniente destacar que é desse modo que Lenin for-

mulava
Mar x. a"Comissão
nti nuaulterior
r a obrdoa de
estudo da edialética
Hegel de Ma rxde, Hegel e de
deve consistir
no tratamento dialético da história do pensamento humano, da
ciência e das técnicas"68.
"Une histoire de la pensée du point de vue du dévelop-
pement e de 1'aplication des concepts et catégories généraux
de la logique — voilà ce qu'il faut!" *.
69

Indicando que as categorias formaram-se em uma deter-


minada ordem, não devemos, entretanto, pensar que elas segui-
ram-s e hist oricam ente. Algumas dentr e elas apa rece ram ao
mesmo temp o, a um mesmo g rau do conhec iment o. E ainda
mais, depois de seu aparecimento, elas não conservaram sua
forma
decorrênsrcinal,
cia do mas transformaram-se,
desenvolvime desenvolvendo-se
nto e da prát emass im,
ica. Mas se for
como classificar as categorias para que elas exprimam o movi-
mento do conhecimento de seus graus inferiores a seus graus
superiores?
De acordo com o método dialético, devemos considerar
cada momento do todo estudado "no ponto de desenvolvimento
de sua plen a mat uri dade , na sua purez a clássica'"70. Lev and o
isso em conta, devemos ligar cada categoria ao grau de desen-
volvimento do conhecimento no qual seu conteúdo está mais
desenvolvido, no qual ela adquire uma forma clássica.
Considerando as categorias como graus do conhecimento,
isto é, na ordem em que elas apareceram com base no desen-
volvimento da prática social e do conhecimento do qual ela
depende, poderemos não apenas reproduzir na consciência,

68
Lenm, op. cit., p. 138-
69
Lenin, op. cit., p. 167.
* Texto em francês no srcinal russo — "Uma história do pensa-
men to, do pon to de vista do desenvolvi mento e da aplicaçã o dos
conceitos e categorias gerais da lógica, se faz necessária!".
70
K. Marx e F. Engels, Oeuvres choisies en trois volumes, Moscou,
Editions du Progrès, 1976, t. 1, p. 535.

.59
numa certa ordem, as leis e aspectos universais da natureza, da
sociedade e do pensamento humano, refletidos e fixados nas
categorias, mas igualmente reproduzir o desenvolvimento do
conhecimento, de seus estágios inferiores a seus graus superio-
res, isto é, apresentar sua história e sua teoria, assim como um
método de conhecimento — uma lógica que será aqui efetiva-
mente "uma teoria não das formas exteriores do pensamento,
mas das leis do desenvolvimento de 'todas as coisas materiais,
naturais e espirituais' ou seja, das leis de desenvolvimento de
todo o conteúdo concreto do mundo e do conhecimento deste,
isto é, apresentar o balanço, a soma, a conclusão da história
do conhecimento do mundo"? . Ness e caso, pa ra designar a
1

lógica, a dialética e a teoria do conhecimento do materialismo,


é preciso apenas três palavras: "são a mesma coisa"72.
Tomando como ponto de partida a prática e a tese sobrs
as categorias consideradas como graus do desenvolvimento do
conhecimento, realizamos aqui, fora da elaboração do sistema
de categorias e de leis do materialismo dialético, o princípio
de identidade da dialética, da lógica e da teoria do conheci-
mento.
Assim, as categorias de partida, na análise das categorias,
devem ser aquelas que refletem o fator fundamental e deter-
minante do desenvolvimento do conhecimento, isto é, as cate-
gorias da práti ca. Seguindo o desenvolvi mento desse f ato r
determinante (prática social), reproduzimos as categorias na
ordem em que elas apareceram no processo da evolução do
conhecimento e, assim, nós os apresentamos em sua correlação
e em sua interdependência naturais e necessárias.
Mas, tomando como ponto de partida, nesse estudo das
categorias, os fatores que se referem ao domínio do conheci-
mento, primordia
tância não podemos
l dae questão
também fund
não devemos
ame nta l ignorar a impor-Pelo
da Filosofia.
contrário, o estudo das categorias deve começar pela análise da
questão fundamental da Filosofia e, depois de haver determinado
a ordem da análise das categorias a partir da ordem de seu
aparecimento no processo de desenvolvimento do conhecimento,
devemos analisar cada uma delas à luz dessa questão, no plano

"V. Lenin, op. cit., p. 90.


"Lenin, op. cit., p. 304.

.60
de rela ção da mat éri a e da consci ência. Depoi s, seguindo as
categorias na ordem em que elas apareceram, em que elas se
formaram no decorrer do processo de desenvolvimento do co-
nhecimento, e colocando em evidência sua correlação e sua inter-
dependê ncia que apare ceram sobr e essa base, não podemos
deixar de lado os laços (ligaçõe s) que existem entre o s aspectos
universais da realidade objetiva e que são refletidos nas cate-
gorias em sua inter depend ência . Pel o contr ário, apres entand o
o conteúdo dessa ou daquela categoria, devemos sempre ter
em vista esses aspectos e essas ligações reais, e devemos levá-los
em consideração e apoiar-nos sobre eles.
A decorrência do que acaba de ser dito é que o ponto de
partida, no estudo das leis e das categorias do materialismo
dialético, devem ser as categorias de matéria, de consciência e
de práti ca. Os princípios diretivos da const rução do si stema
devem ser: primeiramente, a concepção das categorias como
graus do desenvolvimento do conhecimento exprimindo a uni-
dade do histórico e do lógico e, em segundo lugar, o princípio
de identidade da dialética, da lógica e da teoria do conheci-
mento.

.61
III. MATÉRIA E CONSCIÊNCIA

Determinando o princípio de partida da construção do


sistema de categorias da dialética, dissemos que era preciso
empreender a análise a partir da revelação das leis de relacio-
namento entre a matéria e a consciência, visto que a descoberta
da natureza das categorias, de sua correlação e de sua interde-
pendência só é possível levando em consideração essas leis. É
por isso que as primeiras categorias do sistema serão, obrigato-
riamente, as categorias de matéria e de consciência.

1. A MA TÉ RI A

O conceito de matéria encontra-se em todos os sistemas


filosóficos, com as mais diversas acepções. Ape sar da varie-
dade de definições da matéria, dada pelos diferentes filósofos,
os idealistas têm em comum tanto a negação da existência da
matéria, como a negação de sua objetividade.
Berkeley, por exemplo, representante do idealismo subje-
tivo, declara claramente que não há matéria, que nós nunca
a vimos e que, se rejeitarmos o conceito de matéria, seu desa-
parecimento passará desapercebido, porque nã o designa nada.
"Os senhores podem, escreveu ele dirigindo-se aos materialis-
tas, se fizerem muita questão, usar a palavra 'matéria', onde
outros empregam a pala vra 'n ada ' "1. A rejei ção da matéria
não corres ponde apenas aó sistema filosófi co de Berkele y,
que reduz o mundo a um conjunto de sensações, mas decorre

1
V. Lenin, Oeuvres, t. 14, p. 24.

.62
da maneira usada para defender o idealismo e a religião que
ele escolheu.
Outros representantes do idealismo subjetivo, embora não
cheguem a negar abertamente a existência da matéria, reduzem-
na, contudo, ou a um con jun to de sensações (M ac h) ou à
possibilidade permanente de sensações (Mill, Poincaré) ou,
ainda, a (Merleau-Ponty)
homens uma concepção etc.
racional da experiência srcinal dos
Diferentemente dos idealistas subjetivos, os representantes
do idealismo objetivo, considerando que a matéria existe fora
e independentemente da consciência humana e de suas sensa-
ções, colocam, em última análise, sua existência sob a depen-
dência da consciência, do espírito. Na obra de Hegel, por
exemplo, a matéria apa rece em decorrênci a da atividade da
"idéia absoluta" que, a um certo estágio de seu desenvolvimento,
engendra a matéria (seu "ser outro") e começa a existir sob
a for ma de coisas materiais. No sistema filosófic o de Leibniz,
a matéria ocupa uma posição similar: à base do mundo en-
contram-se as mônadas, espécie de átomos espirituais que, para
defend er sua essência srcinal, tom am a for ma de matér ia
inerte e grosseira e, por isso mesmo, isolam-se umas das outras.
É verdade que há idealistas que não colocam a existência
da matéria na dependência do espírito, considerando que ela
existe por si mesma. Mas, faz end o isso, eles confer em-lh e uma
forma de existência (de ser), que é equivalente ao não-ser, isto
é, ela represe nta não o ser real, mas apena s o ser possível. A
transformação do ser possível em ser real depende da consciência
(d a "idéi a", de De us ). No sistema idealista do filós ofo Pla tão ,
por exemplo, a matéria ocupa exatamente esse lugar: ela existe
independentemente
existência é apenas da consciência,
potencial; do espírito,
sob essa da ainda
forma ela idéia, émas sua
apenas
nada . E para que ela se tor ne realidade, uma id éia e uma
definição matemática devem ser-lhe acrescentadas, isto é, a
realidade da matéria é dada precisamente pelo espírito, pela
idéia.
Diferentemente dessas teorias idealistas conseqüentes da
matéria que acabamos de enumerar, e que não reconhecem sua
existência objetiva, os idealistas não conseqüentes, como Kant,
po r exemplo, admitem a existência real, objetiva da matéria,
mas negam que ela possa ser conhecida, consideram-na como

.63
"uma coisa em si", transformando-a assim em uma "abstração
vazia, sem vida".
Entre os materialistas existem igualmente as concepções
mais diversa s da maté ria . Mas todos concor dam em reconhe cer
a existência objetiva da matéria, uma existência independente
da consciência ou do espírito, sejam o que eles forem.
É sabidoe que
Antigüidade os filósofos
os primeiros chineses,
filósofos indus e babilónicos
materialistas gregos con-da
sideravam como matéria esse ou aquele corpo concreto sensível,
notadamente a substância mais expandida, que eles considera-
vam como o princí pio prime iro de tudo o que existe . Pa ra
Thales , por exemplo, o papel da maté ria era desemp enhado
pela água, para Anáximenes, pelo ar, e para Heráclito, pelo
fogo.
Tomando por matéria uma certa substância, esses filósofos
esforçavam-se para explicar, a partir dela, a diversidade das
coisas e dos fenô meno s observad os no mund o. Mas nenhum
desses filósofos conseguiu mostrar de maneira mais ou menos
convincente como toda essa diversidade aparecia a partir de
uma única substâ ncia concret a. Er a difícil de acredita r que
a quantidade de coisas diversas são a água, o ar ou o fogo em
seus aspectos cambiantes; é por isso que, em decorrência, os
filósofos tomaram como matéria não mais uma substância, mas
várias. Empé docl es, por exemplo, já apresent a quat ro substân-
cias: a água, o ar, o fog o e a terra. Ulter iorment e, essa quan -
tid ade foi acres centa da ao infinito. Anax ágor as, por exemplo,
considera que há uma quantidade inumerável de "sementes de
coisas" (que desempenham o papel de matéria primitiva) como
princípio primeiro. Demócrito afirma a mesma coisa e apresenta
como matéria (princípio primeiro) a quantidade inumerável
dos átomos.
Os átomos e o conjunto de substâncias que eles formam
foram considerados como matéria até o fim do século XIX e
começo do XX . É preci sament e essa a concepçã o da matér ia
que tinham os materialistas ingleses e franceses, assim como
Feuerbach.
A identificação da matéria com a substância desempenhou
um pape l impo rta nte no nascime nto da crise da ciência da
natureza, na junção dos séculos XIX e XX, quando foram
descobertos o elétro n e a radioa tivid ade. Com a descoberta

.64
do elétron, percebeu-se que o átomo não é absolutamente o
último elemento do universo, mas que ele próprio é constituído
por partículas menores — os elétrons. E ainda mais, ficou
estabelecido qu e a m ass a do elétron varia, não per man ece
imutável como acreditava-se antes em relação à massa do átomo.
Viu-se, então, que essa massa aumenta ou diminui de acordo
com a aceler ação ou o ret arda ment o do moviment o. No co-
meço, pensou-se mesmo que o elétron não possuísse absoluta-
mente massa própria, que toda a sua massa fosse de srcem
eletromagnética. Des sa maneir a, a matéria dava a impres são
de reduzir-se à eletricidade, logo, ao movimento. Fo i nesse
mesmo espírito que foi interpr etad a a radioat ividade . A fiss ão
do urânio (des cobe rto em 1894 por Becquerel) e depois, a
do radium, foram consideradas como a transformação da subs-
tância em energia pur a. De tudo isso, os idealistas tir ara m
imediatamente conclusões contrárias ao materialismo. Eles
começaram a afirmar que a matéria havia desaparecido, que
ela fora substituída pela energia, pelo movimento, e que o ma-
terialismoetc.
ciências era refutado por todas as últimas descobertas das
"A eletricidade, escreveu Lenin, torna-se um auxiliar do
idealismo, já que ela destrói a antiga teoria da estrutura da
matéria, decompõe o átomo e descobre novas formas de mo-
vimento material, tão diferentes das antigas, tão inexploradas,
pouco estudadas, pouco habituais e tão 'maravilhosas' que
torna possível a introdução fraudulenta de uma interpretação
da natureza considerada como movimento imaterial (ou seja,
espiritual, men tal , ps íq ui co) . O que, era ontem o limit e de
nosso conhecimento das partículas infinitamente pequenas da
matéria desapareceu, logo, conclui o filósofo idealista, a matéria
desapareceu
todo engenheiro(mas
sabeo que
pensame nto permaé nece
a eletricidade ). Tod o físico
um movimento (ma- e
terial), mas ninguém sabe exatamente o que se move; assim,
conclui o filósofo idealista, podemos enganar as pessoas des-
providas de instrução filosófica, fazendo-lhes esta proposta de
sedutora 'economia': Imaginemos o movimento sem matéria"2.
Torna-se necessário generalizar as últimas descobertas
científicas, do ponto de vista do materialismo dialético, assim

2
V. Lenin, op. cit., p. 295.

.65
como defende r o fu nd am en to teórico do marxismo. E esse foi
o traba lho de Leni n. Em Matérialisme et empiriocriticisme,
Leni n apres entou um a análise das últimas descobert as das
ciências e não apenas provou que elas não desmentiam o ma-
terialismo dialético, mas que, pelo contrário, elas confirmavam
a sua veracidade (su a exa tid ão) . Ele mostrou que o materia-
lismo adialético
nem não reduz
alguns outros e jamaisimutáveis,
elementos reduziu a amatéria
nenhumaaos essência
átomos,
imutável, mas sim que o mater iali smo considera o mun do
infinito em sua diversidade.
O reconhecimento de elementos imutáveis e absolutos do
mundo caracteri za apenas o materi alis mo metafísi co. É por
isso que a descoberta dos elétrons não desmente o materialismo
em geral e, a fortiori, o materialismo dialético, mas apenas o
materialismo metaf ísic o. "A física, esc reve Lenin , desviou -se
para o idealismo principalmente po rq ue os físicos ignoravam a
dialética. Eles com bat era m o materi alism o met afís ico. . . com
sua 'mecanicidade' unilateral e fizeram isso de maneira pouco
apropriada. Nega ndoatéa então
elementos da matéria imutabili dade daseles
conhecidos, propriedades e dos
esbarraram na
negação da matéria, isto é, da realidade objetiva do mundo
físico" . 3

Religando o conceito da matéria ao da substância e ao


conj unto dos átomo s, os filó sofo s e os físicos de tendên cia
metafísica consideravam os estados e as propriedades especí-
ficas da substância como propriedades gerais e necessárias da
matéria. E é por isso que a evidenciaçã o, com a descoberta
do elétron e da radioatividade, da relatividade desses estados
foi percebida por eles como a da falência da teoria da matéria,
como a do desa pare cime nto da maté ria. De fato , o que desa-
parecia não era a matéria, ma s o limite de nossos conhecimentos
sobre a matér ia. "A mat éri a desapa rece, escrev e Lenin, is so
quer dizer que desaparece o limite até o qual vai nosso conhe-
cimen to da matéria, conhecim ento que agora se apro fund a;
propriedades da maté ria qu e antes nos pareciam absolutas,
imutáveis, primordiais (impenetrabilidade, inércia, massa etc.)
desaparecem, reconhecidas agora como relativas, inerentes
apenas a certos estados da matéria" 4
.

3
Lenin, op. cit., p. 272.
4
Lenin, op. cit., p. 363.

.66
Tud o isso, é óbvio, test emunh a o caráter relat ivo de
nossos conhecimentos sobre a estrutura da matéria, mas, em
nenhum caso, anula a concepção marxista da matéria como
realidade objetiva, existente fora e independentemente da
consciência humana, que engloba todas as formações materiais:
as que já são conhecidas e as que ainda são desconhecidas pe'a

ciência.
Os pesquisadores que se ocupam do desaparecimento da
matéria a partir das descobertas da Física, das quais já falamos,
e os seguidores de Ma ch que fal am do envelheci mento do
conceito de matéria, especulando sobre essas descobertas, ma-
nifestadamente confundiram a categoria da matéria com a teoria
sobre a estrutura da matéria.
Lenin, mostrando que é errado identificar a matéria com
suas formas ou aspectos concretos, prova que o materialismo
dialético reúne novamente o conceito de matéria à realidade
objetiva e ao mu nd o exterior, que existe inde pende ntem ente
da consciência humana e que, segundo o materialismo dialético,

otudo
muno doqueexterior
é realidade
refereobjetiva, tudo oa. queÉ tem
-se à matéri por relação compara
isso que,
resolver a questão de saber se o elétron ou qualquer outro
fenômeno recentemente descoberto relacionam-se à matéria, é
preciso estabelecer se se tra ta ou nã o de uma realidade objetiva.
A dependência de um fenômeno dado à realidade objetiva é a
prova de sua dependência à matéria.
Criticando os físicos e os filósofos que não negam a exis-
tência da matéria, mas estão inclinados a concluir a impossi-
bilidade de conhecê-la, visto o caráter relativo de nossos
conhecimentos, Lenin salientou que a matéria não é incognos-
cível não é uma "coisa em si", como diziam os agnósticos, mas
que podemos conhecê-la, que ela é dada ao homem em suas
sensações, que ela é copia da, fot ogr afa da pelos sentidos. Est a
última tese, embora tenha sido reconhecida pelos materialistas
pré-marxistas, nã o fo i apresentada como fator necessário para
desvendar o conteúdo do conceito de matéria e é por isso que
ela não figurava nas definições da matéria dadas pelos ma-
terialistas.
Generalizando as descobertas indicadas e desenvolvendo a
teoria marxista da matéria, Lenin deu uma definição clássica
da matéria: "A matéria é uma categoria filosófica que serve
para designar a realidade objetiva dada ao homem po r meio

.67
de suas sensações, que a copiam, a fotografam, a refletem e
que existe independentemente das sensações" . 5

É conveniente considerar esta definição como clássica,


porque ela opõe a concepção marxista da matéria às concepções
exprimidas pelos representantes das diferentes correntes e esco-
las idealista s e metafísi cas. Na realid ade, a tese segundo a
qual a mat éri a repre sent a uma realidade, distingue a conc spç ão
marxista da matéria da concepção de Platão e da de Aristó-
teles, entre outras que consideravam que a matéria não possui
existência real, mas apenas uma existência possível, qus ela
não repr ese nta um ser real, mas apenas um não-s er. O relevo
dado ao fato de que a matéria é uma realidade objetiva, exis-
tente fora e independentemente da consciência, distingue a idéia
marxis ta da maté ria das concepções idealistas. Em seguida,
a tese segundo a qual a matéria não é uma realidade objetiva
concreta qualquer, mas uma realidade objetiva em geral, distin-
gue a concepção marxista da matéria, da concepção que tinham
sobre ela os materialistas da Grécia antiga que identifica-
vam a matéria com qualquer fenômeno qualitativamente de-
terminado (a água, o ar, o fogo), ou ainda com um grupo de
fenômenos (p. ex., a terra, a água, o ar e o fogo); esta tese
distingue-a ainda da tese que tinha o materialismo mecânico
pré-marxista que identificava a matéria com a substância.
Enfim, a idéia segundo a qual a matéria é uma realidade
objetiva, dada ao homem por suas sensações, diferencia a
concepção marxista da matéria da concepção que têm sobre
isso alguns agnósticos e, em particular, Kant, que reconhecia
a existência da matéria, mas considerava que ela é inacessível
aos nossos órgãos sensitivos, que é uma "coisa em si" incognos-
cível.

Não écontra
é dirigida difícilosperceber
idealistas,que
os ametafísicos
definição eleninista da matéria
os agnósticos, e
ainda que ela visa exprimir o que distingue fundamentalmente
a concepção materialista dialética desta questão em relação à
concepção que têm sobre ela os representantes das outras ten-
dências filosóficas.
Ent re ta nto , alguns autores nã o levam isso em cont a e,
interpretando livremente a definição leninista da matéria, des-
vir tua m seu signif icado. Segundo eles, "o rele vo dado ao fato

5
V. Lenin, op. cit., p. 169

.68
de que a única propriedade da matéria é a propriedade de ser
uma realidade objetiva, que nos é dada em nossas sensações,
ocupou o primeiro plano na obra de Lenin, Materialisme et em-
piriocriticisme, em razão da luta contra um adversário concreto
— o idealismo subjetivo". "A limitação da definição da ma-
téria por essa tese, declaram eles, desarma-nos na luta contra
um outro adversário e, em particular, contra as diferentes formas
do idealismo objetiv o". È por isso que eles cons ideram a
definição mencionada acima insuficiente .6

Em noss a opinião, ess es raciocínios são falsos . Eles


partem do fato de que, ao lado da consciência humana , existe
ainda uma consciência não humana, uma consciência em geral.
E, por isso, indica r que a matér ia repre senta um a reali dade
objetiva, existente fora e independentemente da consciência
humana, não nos separa, segundo eles, do idealismo objetivo
que pode igualmente considerar a matéria como uma realidade
objetiva existente fora e independentemente da nossa consciên-
cia, mas que se encontra em uma certa dependência da consciên-

cia razão
da não humana,
suprema,dadaconsciência em geralde(da
vontade universal, idéiaetc.).
Deus absoluta,
Mas não há outras consciências além da consciência hu-
mana . A consciência universal apre sent ada pelos idealistas
objetivos representa a mesma consciência humana, mas sepa-
rada do homem e erigida em absoluta.
Uma outra tendência errônea, em nossa opinião, nasceu
da tentativa de certos autores considerar como matéria não o
mundo objetivo sensível exterior existente independentemente
da consciência humana, não a realidade objetiva, mas certas
propriedades desse mundo, dessa realidade, como, po r exemplo,
o espaço, o temp o, o movimento. Est e últim o pon to de vista
é compartilhado
"A energia, por
po rHanz Klotz, escreve
exemplo, Giinther KHõpfner
lotz , é,e outros.
no senti do
filosófico, a matéria" . "A matéria, declara Jants ch, é tudo
7

o que existe fora da consciência, e deste tudo fazem parte


também todas as relações, propriedades, aspectos e mudanças
(en erg ia) , assim como a substância, o campo etc." . "Seria

6
Cf . Mysl Filozoficzna, (16) 1955, 2.
"H. Klotz, "Ist die Energie Materie? Bemerkungen zu einem alten
Problem' in Deutsche Zeitschrift für Philosophie, 1959, v. 2, p. 307.

.69
possível, no mais alto grau, podemos ler em Hõpfner, dizer
sobre o sujeito do material que, em relação à consciência, ele
é a matéria" . "O espaç o e o tempo , nos quais se movem
8

as formas e os fenômenos quantitativa e qualitativamente di-


versificados da matéria, representam a matéria" .9

Esses autores justificam seu ponto de vista, mediante o


seguinte raciocínio: a matéria representa uma realidade objetiva.
Todas as propriedades da matéria, com exceção da consciência,
existem objetivamente, isto é, em relação à consciência elas
representam a matéria.
A tese segundo a qual a existência objetiva, independente
da consciência humana, e suficiente para definir a matéria é
correta . Mas os autores em questão utili zam-na em um plano
em que ela não é aplicável, e disso eles tiram falsas conclusões.
De fato, o marxismo concebe por matéria, enquanto reali-
dade objetiva existente independentemente da consciência e re-
fletindo-se nela, o mundo exterior, a realidade objetiva, na qua-
lidade do todo, como o conjunto de todas as formas do ser
objetivo, comque
as relações todas
lhesuas
são propriedades
própri as. características, com todas
O obj eto a partir do qua l
é abstraído o conceito de matéria é toda a realidade objetiva,
todo o mundo exterior, toda a realidade que rodeia o homem,
isto é, o mu nd o em sua total idade. Mas, a tese aplicada ao
objeto considerado como um todo, não é, em regra geral, apli-
cável aos diferentes aspectos, propriedades e relações desse
objet o. Po r exemplo, o conceito de "á to mo " só pode ser-lhe
aplicado como a um todo, mas ele é inaplicável às propriedades
particulares, às partes e às relações que constituem o átomo.
Não podemos, por exemplo, chamar de átomo o peso que
caracteriza um átomo dado, os elétrons que entram em seu
invólu ntos
mome cro, odonúclátomo
eo, a têm
carga sua
do própri
núc leoa etdesignaçã
c. . . Todo eos outros
esses
conceitos correspondentes, elaborados especialmente para eles.
Sua ligação com o átomo, sua dependência do átomo exprimem-
se pelo conceito "atômico", que é utilizado em sua característica.
Usamos freqüentemente expressões como "peso atômico"

G. Höpfner,
8
Uber den Materiebegriff des dialektischen Materia-
lismus, in Deutsche Zeitschrift für Philosophie, 1958, v, 3, p. 455.
G. Höpfner, op. cit., p. 457.
9

.70
"núcleo atômico", "carga atômica", "invólucro eletrônico do
átomo" etc.
E o mesm o acontece com a categoria d e "matér ia" . Ela
é aplicável à realidade objetiva enquanto tudo, mas ela é ina-
plicável às suas diversas propriedades e relações. Todas essas
propriedades e todas essas relações, pelo fa to de que são pro-

priedades e relações
ceito de matér ia, mas da
nãorealidade objetiva,
o constituem. Nósrefletem-se no con-
as cha mamos de
materiais, e isso é amplamente suficiente para salientar sua
existência objetiva independente da consciência humana.
Esforçando-se para demonstrar, por todos os meios, que
o movimento, o espaço, o tempo e outras propriedades da
matéria constituem a matéria, certos autores chegam a afirmar
a existência de duas matérias. E são, ent ão, obrigados a dis-
tinguir, por um lado, a matéria concebida no plano da questão
fundamental da Filosofia e, por outro lado, a matéria que não
está ligada a essa questão. A prime ira é, par a eles, toda
propriedade objetiva e real da matéria — o espaço, o tempo,
a energia
"Fora etc.; acom
da ligação segunda distingue-se
a questão dessas
fundamental propri
(na qual a edades
ma- .
téria é tudo o que possui a propriedade de existência objetiva
real — A. Ch.), quando do estudo da estrutura da realidade
objetiva, escreve Hans Klotz, a matéria não é idêntica às suas
propriedades, o que é óbv io" ". 1

O resultado disso, no plano da questão fundamental da


Filosofia, é que devemos utilizar um conceito dado da matéria
nesse pla no e, fo ra dele, um outr o conceit o. Uma tal afirm a-
ção não pode ser reconhecida como justa, porque ela vai de
encontro ao princípio da unidade da gnoseologia e da ontologia
no materialismo dialético, e, ainda mais, ela contradiz as regras
elementares
que da lógica
exige uma formalunívoca
definição e, em particular,
e uma a lei de minaç
deter identidade
ão dos
conceitos.
Alguns autores, que estão de acordo com o pensamento de
que não podemos identificar as diferentes propriedades da ma-
téria à matéria enquanto todo, opõem-se a que, na definição
da matéria, seja indicada sua diferença com relação às suas
propriedades. Eles consideram que dessa maneira é possível

10
H. Klotz, op. cit, p. 308.

.71
confundir a questão de saber, que representa a matéria, com
a questão de sua estrutura e de seus modos de existência.
A definição do que representa a matéria, segundo eles, supõe
unicamente a indicação relativa à sua existência, fora da cons-
ciência .
11

A referência ao fato de que a matéria existe fora da


consciência
senta do homem
a matéria, mostrao incontestavelmente
mas apenas que ela representa ocom
querelação
repre-
à consciência. Mas sua rel açã o com a consciência só pod e
existir quando a consciência existe e esta não é eterna, ela
aparece somente em condições muito precisas e existe apenas
enqu anto são reunid as essas condições favoráveis. A matéria*
por sua vez, existe eternamente. Ela existe antes do apareci-
mento da consciência, existe em sua presença e existirá depois
de seu desaparecimento, se isto acontecer.
É por isso que, quando definimos a matéria, não temos o
direito de limitar-nos ao estabelecimento de sua relação com a
consciência. Indi cand o sua rela ção com a consciência, devemos
igualmente
for salientar os traços
a da consciência. A difeque
rencia ação
caracterizam enquanto
da matéri tal, ou
a dessa
daquela de suas propriedades é precisamente a característica
que permite o esclarecimento do que representa a matéria, fora
da consciência, nela mesma.
As discussões relativas ao fato de que. a referência a esta
característica leva a uma confusão entre a definição da matéria
com a definição dos modos de sua existência, ou de sua estru-
tura , são artificiais. Da nd o relevo à difere nça entre a matéria
e suas propriedades, chegamos não ao conceito de estrutura,
nem ao conceito de modo ou de forma de existência da ma-
téria, mas ao conceito de matéria, ao que ela representa.
Aqui é igualmente
características da matériaconveniente notar que,
em três grupos a divisão das
(características da
matéria, características dos modos de sua existência, caracterís-
ticas de sua est rut ura ), é abso lut amen te relativa. O que ca-
racteriza os modos da existência e da estrutura da matéria
caracteriza, igualmente, de uma maneira ou de outra, a própria
maté ria. E, exata mente po r isso, nã o seria natur al colocar

"Cf. R. Rochhausen, Gegen eine Erweiterung oder Einengung des


Leninischen Materiebegriffts, in Deutsche Zeitschrift für Philosophie,
1959, v. 2, p. 298.

.72
obstáculos a que, na definição do conceito de matéria, recorra-se
a certas características gerais concernentes às estruturas ou aos
mod os de existência da mat éri a. E, ainda mais, se levar mos
em conta, nesse plan o, a princi pal prop rie dad e da matér ia (ser
uma realidade objetiva, existir for a e indep endent ement e da
consciência humana), que os autores desse ponto de vista con-
sideram como sua única propriedade, opondo-a a todas as
outras propriedades, que eles relacionam com os modos de
existência ou de estrutura da matéria, não é difícil notar que
ela não é nada mais do que um modo de existência da matéria.
Isso testemunha mais uma vez o caráter artificial da divisão
das propriedades da matéria em seus modos de existência e em
sua estrutura, que a caracterizam.
Se falamos das propriedades da realidade objetiva que
temos o direito de utilizar para descobrir o conteúdo do conceito
da matéria, e daquelas que não podemos utilizar, então será
necessário, antes de tudo , dividir tod as as proprie dades da
matér ia em universais e partic ulares . As propri edades univer-
sais entram
não. no conteúdo
No que concerne doàs conceito
prop rieddeades
matéria, queiramoscaract
particulares, ou e-
rísticas de um aspecto dado ou de uma forma concreta da
existência da matéria ou de seus diferentes estados, elas não
entram necessariamente no conteúdo do conceito de matéria e
é por isso que elas não devem ser utilizadas em sua definição.

2. MATÉRIA
E FORMAÇÃO MATERIAL.
ASPECTOS DA MATÉRIA

Sendo uma realidade objetiva, a matéria existe não sob


o aspecto de uma massa homogênea, mas representa um todo
desmembrado, do qual todas as partes, encontrando-se em
correlação universal, estão em um certo isolamento e, em
decorrência disso, manifestam-se como formações materiais
autônoma s. Às forma ções materiais estão ligados conceitos
como o "corpo", a "coisa", o "fenômeno" (no sentido de coisa).
Cada formação material representa, assim, uma parte da
matéri a, um de seus elos. Junt as, elas con stituem a matéria.
Sendo os elos de uma mesma matéria, as diferentes for-
mações materiais (coisas, corpos, fenô men os) possuem toda

.73
uma série de propriedades comuns que entram no conteúdo
do conceito de matéria e é preciso notar que elas existem obje-
tivamente, fora e independentemente da consciência humana,
possuem características espaciais e temporais ,estão em movi-
mento, têm seus próprios aspectos e ligações necessárias e
contingentes, singulares e gerais, possíveis e reais, incluem a
causalidade,
forma, uma aessência
contradição
e ume fenômeno
possuem todas
etc. uin conteúdo e uma
Mas, ao lado das propriedades e ligações universais pró-
prias de cada formação material particular, o conceito de
matéria inclui em si propriedades e ligações, que são caracterís-
ticas não de cada formação material particular, mas apenas de
todo seu con jun to, isto é, do mun do em sua tota lida de. Esses
traços são, por exemplo, a eternidade da existência, a infinidade
espacial.
Cada fo rma ção material particular não é eterna. Sua
existência te m um come ço e um fim. El a apare ce, exis te um
certo tempo e depois desaparece, transforma-se em uma outra
formação
mas, pelo material. Nenh uma
contrário, ocupa forma determinado
um lugar ção material e élimitado
ilimitada,
no espaço. É apenas o mun do em sua tot ali dade que é eterno
e infinito.
A decorrência disso é que o conceito de matéria, no sentido
estrito do termo, é inaplicável às formações materiais parti-
culares (cor pos, coisas, fe nô me no s) . Seu obje to é apenas o
mundo em seu tod o, o con jun to das form açõe s materiai s. (O
ponto de vista segundo o qual o conceito de matéria é aplicável
a cada formação material, corpo, fenômeno e coisas é, entre-
tanto, amplamente difundido.).
Isso decor re necess ariame nte das leis da correl ação do
todo e da parte. De fato, cada forma ção material particular
é uma par te da mat éri a. Mas nem tudo o que é própr io ao
todo é próp rio a cad a uma de suas parte s. Por isso, o conceito
de todo não pode ser idêntico ao conceito de uma parte dada
desse todo.
As formações materiais por meio das quais, a cada mo-
mento dado , existe e manifes ta-se a matéri a estão organica-
mente ligadas entre elas e formam toda uma "série de grandes
grupos bem delimitados" , que representam certos pontos
12

12
F. Engels, La dialectique de la nature, p. 276.

.74
centrais, graus do movimento da matéria do inferior ao superior
e constituem formas particulares desta.
Logo, o aspecto da matéria é apenas o conjunto das for-
mações materiais representando, cada uma delas, um certo grau
de seu desenvolvimento.
A questão dos aspectos da matéria continua sendo até
agora
da uma em
matéria que st ão contr aspectos;
diferentes overti da. outros
Alguns opõem-sequeà esta
consideram divisão
divisão é necessária e discutem entre si sobre o número de
seus aspectos e sobre as formas de existência da matéria que
devem ser con sider ado s como seus aspectos . A divis ão da
matéria em dois aspectos — substância e campo — é bastante
difundida. Ent ret ant o, esse ponto de vista não nos parece
fund amen tad o. Nã o se pode r eduzir a matéria somente à
substância, mas igualmente a dois aspectos como a substân-
cia e o campo . Pri meir amen te, isso decorre da desco berta
do fat o de q ue t oda um a série de partí culas que relacio -
namos ante rio rmen te à substância (com o p. ex., os méso ns,
os elétrons, os pó sit rons ) relacionam-s e igualm ente com o
domínio do campo, já que elas formam os campos correspon-
dentes, e as partículas que relacionamos anteriormente, unica-
mente com o campo (como, p. ex., os fótons e os gravitons),
entr am na compos ição da substância. Logo, nã o há uma
diferenci ação rigo rosa entre a substância e o cam po. Há to da
uma série de forma çõe s materiais que in clui nelas um a e
outra, isto é, elas relacionam-se simultaneamente com a subs'-
tància e o camp o. Em segundo lu gar, a própr ia substânc ia não
pode desempenhar o papel de um aspecto da matéria, porqu e
ela integra nela formações materiais que representam graus os
mais diversos
matéria do grandes
em dois desenvolaspectos
vimento —daa substância
matéria. eA odivisão
campo da
— é muito rudimentar e inexata. O ponto de vista de que
existem não dois, mas uma grande quantidade de aspectos da
matéria, parece-nos mais correto.
Visto que o aspecto da matéria representa o conjunto de
formações materiais que constituem um nó qualitativo deter-
minado da matéria,, correspondente a um grau preciso de sua
evolução, as particularidades características da formação ma-
terial enquanto forma particular da existência da matéria são
igualmente próp ria s ao aspecto da matéria. O aspecto da ma-

75

Savério ^mko
.: ^ .
•Sposito
téria representa uma realidade independente e possui a facul-
dade de transformar-se em outros aspectos da matéria.

3. DA SUBSTANCIALIDADE
DA MATÉRIA

Se o problema da distinção da matéria, das formações


materiais (corpos, coisas, fenômenos) e das propriedades for
desenvolvido, conduzirá à necessidade de considerar a matéria
como substância. Na qualidade de substância a matéria opõe-se
não à consciência, mas às suas manifestações, entre as quais
figura tam bém a consc iência. Enqu ant o substância, a matéria
é a base do tod o sendo. Todos os fenô meno s observados no
mundo não representam nada mais do que as diferentes mani-
festações de uma natureza material única, as diferentes formas
de sua existência, seus diferentes estados e propr ieda des. Nesse
pla no, a consciência sendo uma função , uma propriedade de
uma
outrasdas formas da mas
propriedades, matéria — o com
constitui cérebro
elas —uma
nãomesma
se opõe às
série.
Como as outras propriedades da matéria, ela possui sua causa
final, fonte de sua existência na matéria, seja qual for a forma
de' organ izaçã o desta últim a ou seu esta do etc. É aqui que
apare ce de mane ira parti cularme nte clara a rel ativida de da
oposição da matéria e da consciência da qual falou Lenin em
Materialisme e emp¿riocriticisme 3. 1

Analisando a matéria como uma substância manifestando-


se por meio da multiplicidade das for maç ões materiai s, dos
fenômenos e das propriedades que existem no mundo, é preciso
acreditar que esta substância representa alguma coisa de
imutável ee de
absoluta absolu to.
imutável O reconh
caracteriza ecimen to de
unicamente o uma substância
materialismo
metaf ísi co. O materialismo dialético nã o recon hece, por sua
vez, ne nh um a substância absoluta. A substan cialid ade da ma-
téria, do ponto de vista do materialismo dialético, consiste no
fato de que, modificando-se continuamente e passando de um
estado qualitativo a outro, ela permanece sempre a mesma.
Isso traduz-se, primeiramente, pelo fato de que ela conserva
sua quantidade, e, em segundo lugar, ela não perde nenhum

13
V. Lenin, op. cit., p. 152-255.

.76
de seus atri butos ou de suas pro pri eda des . Se essa ou aquela
propriedade desaparece em um certo ponto em certas forma-
ções materiais, ela reaparecerá necessariamente em outro lugar,
em outras formações materiais . Em tercei ro lugar, cada
14

formação material (fenômeno) contém em potencialidade (em


sua natureza), todas as propriedades da matéria, todos os seus
atributos, pelo fato de em
dentes, transformar-se queuma
ela outra
pode, formação
em condições correspon-
material (fenô-
me no ). Por exemplo, segundo dados da ciência moder na,
cada elemento químico, em certas condições, pode transformar-
se em um outro elemento químico, cada partícula "elementar"
em uma outra partícula "elementar", uma substância em campo,
um campo em substância etc.
Se a substancialidade da matéria consiste no fato de que
ela jamais perde seus atributos e suas propriedades e de que
cada um a de suas formações (fen ômen o) encerra nela mesm a
potencialmente essas mesmas propriedades é, então, absoluta-
mente evidente que não podemos dizer quem, entre a matéria
(substância) e as suas propriedades, é o primeiro, já que a
matéria fora de suas propriedades e relações e antes delas
nun ca existiu. El a existe apenas medi ant e as form açõe s mate-
riais particulares, passando uma pela outra e qualitativamente
são determinadas e possuem propriedade universais e particula-
res. A única questão que podemos levant ar aqui é a de saber
quais são as formações materiais, os estados qualitativos, as
propriedades e as relações que, na cadeia geral das correlações
e das passagens recíprocas, são as primeiras ou determinantes
em relação às outras (formações materiais, estados qualitativos,
propriedades, relaç õe s). O que é primeiro ou secundário
concerne, assim, não às relações da matéria com suas proprie-
dades formas
rentes e correlações,
materiaismas às relações
(formações), existentes propriedades,
as diferentes entre as dife-
as diferentes ligações, os estados qualitativos.

14
F . Engels escreveu sobre isso que: "A mat éri a perm anec e eter-
namente a mesma... nenhum de seus atributos pode jamais perder-se
e . . . em conseqüência disso, se el a tiver um dia de extermi nar, com uma
necessidade imperiosa, sua floração suprema, o espírito pensante, é
prec is o com a mesma necess idade que em ou tra parte qu al qu er e em
outra hora ela o reproduza" op. cit., p. 46.

.77
4. O RE FL EX O

Segundo o materialismo dialético, a consciência não é uma


propriedade universal da matéria, ela é própria apenas a certas
formas altamente organizadas de sua existência e aparece
somente em um certo estágio de seu desenvolvimento. Entre-
tanto, a consciência representa não uma manifestação contin-
gente da matéria, mas o resultado necessário de seu desenvol-
vimento progressivo, a forma superior da faculdade que lhe
é eter namen te própri a — o reflexo. A consciênc ia é um a das
formas do reflexo própria a toda a matéria, a todas as coisas e
fenômenos do mundo exterior .15

O reflexo representa a faculdade de uma formação material


reagir de uma maneira determinada, sob a influência de uma
outra formação material, e, através das modificações correspon-
dentes de certas propriedades ou estados, a faculdade de repre-
sentar ou de reproduzir as particularidades desta outra formação
material.

Partindo
existente do fato objetiva,
na realidade de que, age
sobre
nãocada formação
apenas material
uma formação
material qualquer, mas uma quantidade infinita de formações
materiais, que lhe estão ligadas de uma maneira ou de outra,
ela reproduz em si, em suas particularidades, em suas proprie-
dades e suas modifi cações , as pa rtic ular idade s de todas as
formações materiais que agem sobre ela .16

Ref let ind o em s uas modificaçõe s os objet os agentes, a


formação material não é passiva, mas ativa; ela própria age
sobre as formações materiais que lhe estão ligadas, provocando
nelas modificações que reproduzem suas próprias particulari-
dades sob essa ou aquela forma condicionada pela natureza da
formação material correspondente dada.
"A presença do reflexo como propriedade universal da matéria,
1 5

escreve sobre isso o psicólogo soviético S. Rubinstein, significa que a


sensação e os fenômenos psíquicos têm sua base e suas premissas no
mun do mat eri al. Eles não são absol utame nte estr anhos em rela ção a
tudo o que existe; eles não devem ser, por essa mesma razão, introduzidos
do ex terior; no própr io fun dam ent o do mun do materi al, exis tem as
pr em iss as para seu de se nv olvi me nt o nat ur al; eles representam uma
forma específica superior da manifestação das propriedades, que toda
natureza possui sob formas elementares qualitativamente diferentes" (S.
L. Rubinstein, Ser e consciência, Moscou, 1957, p. 12. Original em russo).
16
Cf. S. L. Rubinstein, op. cit., p. 11.

.78
Assim, o reflexo está ligado não apenas à ação de uma
formação material sobre a outra, mas também à sua interação,
em decorrência da qual cada formação material particular é.
ao mesmo tempo , refl etor a e refleti da. El a repr oduz sob uma
forma específica as particularidades dos objetos e dos fenô-
menos que agem sobre ela e reproduz-se ela própria nas par-
ticularidades correspondentes desses objetos e desses fenômenos.
Pelo fato de que todas as modificações surgidas na forma-
ção material, sob a ação de outras formações materiais, são
resultado de uma ação não unilateral, mas bilateral, isto é, de
uma interação, as particularidades não somente dos corpos que
agem (os refletidos), mas igualmente dos corpos sobre os quais
essas ações são conduzidas, isto é, os refletores, são represen-
tadas nessas modifica ções. É por isso que nã o é tod o o con-
teúdo das modificações, surgidas na formação material em
decorrência da ação de outras formações materiais sobre ela,
que representa o reflexo destas últimas, mas somente o que é
isomo rfo a esse ou àquele aspecto dos obj eto s que agem. É
verdade que esses aspectos são organicamente construídos com
outros aspectos de modificações que não são representantes das
modificações materiais agentes e não podem ser inteiramente
separados destes últimos a não ser pela abstração.
Essa idéia é expressa com precisão pelo filósofo soviético
V. Tioukhtine: "As modificações ou as marcas no objeto re-
fletido representam um produto total, integral, como resultado
da int eraç ão dos objetos . Em outros termos, as características
dos objetos agentes são adicionadas segundo a lei de sua inte-
ração, embora nas modificações do corpo refletor sejam cifradas
ou codif icad as as propr iedad es do agente, do refl etor . O qu?
se segue é que essas modificações não podem ser ainda captadas
pelo reflexo
realiza-se em seu
quando sentido
o que exato. a Ofonte
caracteriza reflexo propriamente
do reflexo é desli- dito
gado da marca, do produto total da ação e o que pertence ao
suporte do reflexo é "anulado", "eliminado" .
1,7

A parti r disso, certos autores negam compl etam ente a


possibilidade do reflexo dos objetos agentes nas modificações
sobrevindas da formação material em decorrência de sua inte-

17
V. S. Tioukhtine, Sobre a natureza da imagem, Moscou, 1963,
p. 112. Original em russo.

.79
ra ção com eles. O refl exo, segundo eles, só pode estar ligado
a modificações que aparecem em decorrência de ações orien-
tadas unilateralmente do refletido sobre o refletor.
Esse pon to de vista, em nossa opini ão, é errôneo. Na
realidade objetiva, não há ações puras, orientadas unilateral-
ment e. Cada ação está necessa riament e ligada a uma reação.
Cada formação material representa um sistema de movimento
relativamente estável, é ativa por sua natureza e, por isso, ela
é não apenas um objeto submetido à ação de outras formações
materiais que lhe estão ligadas, mas é igualmente ela própria
um agente sobre estas últimas.
Assim, não é uma ação orientada unilateralmente, mas a
interação que é a ligação geral, universal das coisas e das for-
maçõ es materiais . E se a in ter ação exclui o reflexo, isso
significa que este não pode existir na realidade objetiva, isto é,
que o reflexo é uma ficção.
Os defensores desse ponto de vista referem-se habitual-
mente a Lenin, que escreveu que o reflexo é segundo em

relação ao orefletido,
enquanto refletido que ele não
existe pode existir semdo o refletores.
independentemente refletido,
Visto isso, temos de raciocinar da seguinte maneira: a interação
exclui todo primeiro absoluto e todo segundo absoluto, pelo
fa to de que ela é um processo bil ater al. O refle xo é segund o
em relação ao refletido, o que significa que no ponto onde há
interação, não pode haver reflexo.
Contudo, do fato de que o reflexo é segundo em relação
ao refletido, e de que o refletido existe independentemente do
refl etor , não decorre que a int eraç ão exclui o refle xo. Como
já o dissemos, na interação, cada uma das formações materiais
age sobre a outra e provoca nela as modificações correspon-

dentes, nas quaisda são


particularidades refletidas
formação suas que
material particularidades
se modifica.e as
É por
isso que cada uma delas é, ao mesmo tempo, o refletor e o
refletido, nela é representada uma outra formação material e
ela própri a é representada n essa outra. Quan do ela desem-
pe nh a o papel de refletor, os elementos do conteúdo de suas
modificações, que reproduzem, sob uma outra forma, as parti-
cularidades da formação material agindo sobre ela, serão

18
V. Lenin, op. cit., p. 68-9.

.80
segundos com relaç ão ao refletid o, pelo fa to de que eles
depende m dele, e o repres entam no refl etor . O refleti do, nesse
caso, aparece como independente do refletor.
Poderemos sofrer a seguinte objeção: pelo fato de que o
refletor age sobre o refletido e modifica suas particularidades,
não se pode dizer que o refletido existe independentemente
do refl etor . Est a observação teria um sentido s e, na qualidade
de reflexo, nós considerássemos todo o conteúdo das modifi-
cações do refletor surgidas em decorrência de sua interação
com o refletido, porque é somente nesse caso que o objeto
refletido será representado no refletor sob a forma que ele tomou
depois da ação do refle tor sobre ele. Po r refle xo, nós enten-
demos não todo o conteúdo das modificações do refletor, mas
apenas a parte que representa o refletido, assim como ele é
em si mesmo, isto é, indep enden temen te do refle tor. É prati -
camente possível separar esta parte do conteúdo das modifi-
cações, do outro, que depende de sua ação sobre o refletido
e por isso mesmo e reproduzir as particularidades do refletido,
no ref let or. Por isso, é prec iso colo car em evidência as leis
da interação do refletido e do refletor e, apoiando-se nelas,
estabelecer os desvios provocados pela ação de retorno do
refletor sobre o refletido.
O que é característico para uma formação material em
inte ração também o é par a um a outra . É por isso que não há
aqui absolutame nte um primeir o lugar, nem um segundo. Mas
tudo isso só terá lugar quando os considerarmos como elementos
iguais da interação e não sobre o plano do reflexo das parti-
cularidades de um nas modific ações do outro. Se nós os
examinamos sob esse ângulo, considerando a maneira como,
no processo de sua interação, as particularidades de um
fixam-se com
refletido nas modificações do outro,
relação ao reflexo a primazia
e sua absolutacom
independência do
relaç ão a este últim o e ao refle tor serão incontestáveis. O ponto
de vista oposto, isto é, o de que o reflexo é idêntico à interação,
parece-nos igualmente incorreto.
O reflexo está ligado à interação, representa um resultado
desta última, mas nã o é idêntico a ela. A inter ação representa
a influência recíproca de formações materiais ligadas entre si,
que provocam certas mudanças nas propriedades, nos estados
etc. de cada uma delas. O refl exo é apenas um dos mome nto s
da correlação de formações materiais que se encontram em

.81
interação, isto é, a propriedade de cada formação material
de reproduzir, nas mudanças surgidas nela mesma, em decor-
rência da interação, certas particularidades de outras formações
materiais agindo sobre ela.
Logo, o reflexo não é a interação de um objeto sobre um
outro, nem as mudanças que se produzem no decorrer desta,
mas sim a faculdade de reproduzir nessas mudanças esses ou
aqueles traços ou aspectos do objeto agente.
Nesse plano, a identificação do reflexo com o movimento,
com as mudanças sobrevindas na formação material em decor-
rência de outras formações materiais que ela sofre, não tem
fundamento.
O reflexo não é simplesmente a modificação do objeto
sob a ação de fatores exteriores ou interiores, mas uma repre-
sentação particular, nessas modificações, das particularidades
dos fato res agentes. A modif icaç ão do obje to em decorrência
de interações exteriores ou interiores representa não o reflexo,
mas o movimento.
Certos autores identificam igualmente o conceito de
reflexo com o conceito de prop rie dade . Seu raciocínio é o
seguinte: toda propriedade do objeto, sendo seu momento
interior, manifesta-se e existe apenas em suas relações, na
interaç ão desse objet o com outros objet os. No decorrer da
inte ração , um obje to ref lete-se no out ro. As proprie dades
desse objeto constituem a forma de seu reflexo em um outro
objet o. Assim, as propri edades de cad a obje to dado existem
como reflexos de outros corpos.
Sem dúvida alguma, o reflexo de uma formação material
em uma outra está ligado à colocação em evidência de algumas
de suas propri edade s. Mas o refl exo não é idêntico às pro-
priedades do objeto refletor. As pr oprie dades do objeto refletor
não representam uma forma de reflexo de outros objetos,
mas, antes de tudo, uma forma de manifestação de sua essência.
Não são as propriedades, mas suas mudanças, reproduzindo
as particularidades dos objetos agentes, que são a forma de
refle xo nele e em outros objetos. A úni ca propr ied ade à qual
pgdemos identificar o reflexo é a faculdade das formações
materiais de representar nas mudanças de uma ou outra de
suas propriedades outras formações materiais agindo- sobre elas.
Mas, mesmo essa prop ried ade nã o constitui uma fo rm a de
existência do reflexo de alguns objetos em outros, ela é uma

.82
forma da manifestação da natureza interna dos próprios objetos
refletores.
Assim, o reflexo é uma propriedade universal da matéria,
que consiste na capacidade de reproduzir, das formações mate-
riais, as particularidades de outras formações materiais agindo
sobre elas, nessas ou naquelas modificações de seu estado ou
de uma propriedade qualquer.
A forma de reprodução das particularidades dos objetos
agindo sobre ela, em uma formação material, é determinada
pela sua natureza. É por isso que as formações materiais qua-
litativamente diferentes refletem as mesmas ações sob uma
for ma diferente. Assim como a matéria , em sua diversidade
qualitativa é infinita, há, também, uma variedade inumerável
de for mas de reflexo. A modi fic açã o das for mas do reflexo
são particularmente observadas na passagem da matéria de
um grau qualitativo d e seu desenvolvi mento a outro. Assim,
na natureza inanimada, o reflexo toma a forma de uma reação
física ou química em retorno, que coincide com a mudança
do estado interno da formação material submetida às ações
exteriores* .
9

Com o surgimento dos organismos vivos, entre os quais


o metabolismo é uma condição necessária para sua existência,
o cará ter de reflexo modific a-se. El e torn a-se biológico e
manifesta-se como irritabilidade, como ação em retorno que
depende não apenas da natureza do organismo refletor, mas
igualmente de seu estado concreto, e na qual se manifesta,
sob uma forma embrionária, uma certa regularidade de ações .
20

Aqui, as interações do meio exterior refletem-se sob a forma


de uma ação em retorno seletivo.
Com a evolução da matéria viva, que é contínua pela
adaptação sempre mais perfeita dos organismos ao meio, no-
tadamente com o aparecimento dos organismos pluricelulares,
a forma do reflexo, característica dos organismos vivos elemen-
tares, aperfeiçoa-se . Esse aper fei çoam ento caminh a no sentido
de uma especialização dos diferentes tecidos dos organismos
vivos, tendo em vista ocupar certas funções bem determinadas
de reflexo, e alguns tecidos especializam-se, particular e unica-
mente no reflexo (percepção, fixação) da ação e da excitação

19
S. L. Rubinstein, op. cit., p. 13.
20
F. Engels, op. cit., p. 179.

.83
que se segue, enquanto outros especializam-se na transmissão
dessa excitação da parte do organismo em que se efetua a ação
imediat a a outra par te do organi smo. Os tecidos que são
especializados na função do reflexo distinguem-se progressiva-
mente e formam um órgão especial, ou seja, o sistema nervoso
que se torna uma espécie de mediador entre as diferentes partes
do organismo e o mundo exterior e que exerce um controle sobre
a ligação recíproca entre o organismo e as condições exteriores
da existência e, ainda, contribui para estabelecer um equilíbrio
entre o organismo e "as forças exteriores do meio ambiente" . 21

O reflexo, pelo organismo, das forças exteriores, que têm para


ele uma importância vital, é mediado pelo sistema nervoso e
distingue-se em uma forma autônoma de irritabilidade chamada
excitabilidade.
O sistema nervoso, que surgiu primeiramente sob a forma
de fibras e de células nervosas particulares, dispersas no corpo
do animal, complica-se no decorrer da evolução dos organis-
mos, torna ndo-s e sempre mais perf eit o. Alguma s células ner-
vosas unem-se estreitamente e formam núcleos nervosos que,
por sua vez, unem-se entre eles e formam os centros, a medula
espinhal e o cérebro.
Assim, passo a passo, é constituído o sistema nervoso
centra l. A for ma do refl exo segue o desenvolvimento do sis-
tem a nervoso. Essa fo rm a tor na-s e sempre mais flexível e
aperfeiçoada e, com o surgimento do sistema nervoso central,
adquire possibilidades que modificam fundamentalmente sua
qualidade e, exatamente por isso, transformam-na em uma
nova forma superior de reflexo.
Com efeito, entre os organismos que não possuem sistema
nervoso central, a correlação com o meio ambiente realiza-se
por meio do reflexo e da formação de certas reações aos exci-
tant es que têm uma impo rtâ ncia vital pa ra o organismo. Ent re
os organismos que possuem um sistema nervoso central, esta
correlação realiza-se não apenas por meio do reflexo e da
reação aos excitantes ligados à atividade vital do organismo,
mas igualmente por meio do reflexo e da formação de reações
determinadas aos excitantes, que não apresentam nenhuma
importância para a vida do organismo, se sua ação precede
no tempo à do excitante tendo uma importância vital.
I. P. Pavlov, Obras completas, 72- ed. 3, Moscou-Leningrado, 1951,
21

t. 3, Parte 1, Livro 2, p. 124. Original em russo.

.84
A reação aos excitantes que não têm importância vital
imediata para o animal, mas que precedem, algumas vezes no
tempo, a ação dos excitantes que têm uma importância vital
imediata para o organismo, leva o nome de reflexo condicio-
nado, diferentemente da reação do organismo ao excitante que
tem para ele uma importância direta e constitui o reflexo incon-
dicionad o. O refle xo condi ciona do elabora-se no processo da
vida de um indivíduo, no curso de sua experiência pessoal,
enquanto o reflexo incondicionado é inato, isto é, transmite-se
de uma geração a outra.
Dessa maneira, entre os animais que possuem um sistema
nervoso central, os reflexos condicionados começam a desem-
penhar um papel importa nte na correlação do organismo com
o meio, ao lado dos reflex os incondic ionados. Graças a el es,
esses animais reagem com precisão às modificações das con-
dições de vida e a elas adaptam-se rapidamente.
O reflexo condicionado, enquanto forma nova, mais ele-
vada do que o refle xo, adquire , diferen tement e de tod as as
form as precedent es ao refl exo que eram puram ente biológicas,
um caráter psíquico; é a partir deste reflexo que surge o psiquis-
mo, forma nova, mais elevada do reflexo da realidade e qua-
litativamente diferente das precedentes.

5. O PSÍ QUI CO
E O FISIOLÓGICO

O reflexo psíquico é um sinal, uma imagem dos objetos


do mundo exterior que agem sobre o organismo.
O laço do psíquico com a atividade reflexiva condicionada
não
comoé jáfortu ito. Um
dissemos, tra ço específico
é o reflexo do refle
dos fenômenos xo condic
do mundo ionado ,
exterior
que em si mesmos são indiferentes ao organismo, não desem-
penham nenhum papel era sua atividade vital, mas encontram-se,
contu do, ligados aos fenô meno s que têm uma impor tânc ia
biológica imediata. Esses fenômenos indiferentes manifestam-
se como sinais de outros fenômenos biológicos significantes para
o organismo, representam estes últimos '. Sua ação sobre o
22

22
I. P. Pavlov. Obras completas cit., p. 196.

.85
organismo equivale à ação de fenômenos biologicamente signi-
ficantes, dos quais eles são os sinais, isto é, no momento de
sua percepção, a partir de laços temporários formados no córtex
surgem imagens de outros fenômenos biologicamente signifi-
cantes que lhes estão ligados.
Assim, o mecanismo do reflexo condicionado inclui como
um dos momentos necessários o aparecimento (a reprodução)
da imagem de um objeto biologicamente significante, a partir
do sinal percebido — do fenômeno indiferente que se encontra
em ligação mai s ou menos det erm ina da e estável com esse
objet o. E é por isso que a sua fo rma çã o é consi derada como
o princípio do surgimento do psíquico, da forma psíquica do
reflexo da realidade.
Numerosos psicólogos e filósofos unem o psíquico, como
uma forma particular do reflexo da realidade, à atividade re-
flexiva condi ciona da. Ent re ta nto , há entr e eles divergê ncias
quanto à definição do órgão do psiquismo e o estágio de desen-
volvimento do mundo animal no qual ele aparec e. A questão
é que a formação do reflexo condicionado é observada não
apenas entre os animais que possuem um córtex, mas igual-
mente entre os que são desprovi dos dele. Ain da mais, alg uns
autores consideram que os laços temporários específicos, per-
mitindo o reflexo condicionado, surgem inclusive entre os
protistas . É por isso que, reu nin do o aparecimento' do psí-
23

quico à formação dos laços temporários, reflexos condiciona-


dos, devemos reconhecer a existência do psiquismo entre os
organismos que não somente não possuem córtex, mas ainda
não têm sistema nervoso.
Por outro lado, o sábio russo Pavlov, depois de haver
descoberto o laço da atividade psíquica e dos reflexos condi-
cionados especialmente, salientou que o psíquico é uma função
do cérebro-, res ult ado da ati vida de do cór tex : "A atividade
psíquica é o resultado da atividade psicológica de uma certa
massa determinada do cérebro" 24
. Ele disse tam bém que:
" . . . A atividade dos grandes hemisférios recebeu o nome de
atividade especial, psíquica, de acordo com a maneira pela

A. N. Léontiev,
23
Ensaio sobre o desenvolvimento do psiquismo,
Moscou, 1947. Original em russo,
I. P. Pavlov, Refle xos condic ionado s, in Grande Enciclopédia
24

Médica, t. 33, p. 43. Original em russo.

.86
qual nós a sentimos, percebemo-la em nós mesmos e supomos
sua existência entre os animais, por analogia conosco"25.
Apoiando-se na teoria de Pavlov, alguns autores recusam-
se categoricamente a reconhecer a existência do psiquismo entre
os animais que não possuem sistema nervoso central, relacio-
nando seu aparecimento apenas ao cérebro, ao córtex.
Só podemos resolver essa disputa respondendo à questão
de saber se todo laço tem porá rio supõe o aparec iment o da
imagem do objeto refletido ou se o reflexo em imagem da
realidade constitui uma função do cérebro, resultado da forma-
ção de conexõe s nervo sas no cére bro, send o dad o que o
psíquico, simplesmente nã o é nem os laços temporários, nem
os próprios reflexos condicionados, mas sim as imagens dos
obje tos agentes que eles fazem surgir. A ques tão de saber
em que estágio do desenvolvimento da matéria viva aparecem
as primeiras imagens dos objetos do mundo^ exterior ainda não
foi suficie ntemente est udada . O fat o de que elas existe m entre
os animais superiores, possuidores de um córtex já foi provado,
mas ninguém pode, com certe za, afir mar que elas existe m
também entre os animais que possuem um sistema nervoso
menos desenvolvido, e menos ainda, que elas existem entre
os protistas, que são desprovidos de sistema nervoso.
A identificação do psíquico com o reflexo condicionado
conduz necessariamente à deformação da correlação do psíquico
com o fisiológico e, em particular, a reduzir o psíquico ao
fisiológico e a eliminar o primeiro enquanto fenômeno par-
ticular, qualitativamente determinado.
O psíquico é um dos aspectos interiores do reflexo que
concern e a sua fu nçã o refle tiva social. O psíquico é o reflexo
em imagem da realidade, surgido no processo da formação dos
laços temporários.
Sendo um aspecto do reflexo condicionado e represen-
tando no conjunto um fenômeno fisiológico, o psíquico está
organicamente ligado ao fisiológico, aparece e existe sobre sua
base, é uma conseqüência dela, uma propriedade particular.

25
I. P. Pavlov, Obras completas cit., t. 4, p. 17.

.87
6. A CON SCI ÊNCI A

A atividade psíquica dos animais superiores, a um certo


grau do desenvolvimento de seu sistema nervoso, do cérebro,
transforma-se necessariamente em uma forma qualitativamente
outra do reflexo da realidade — transforma-se em consciência.
O aparecimento da consciência é condicionado pelo desen-
volvimento do sistema nerv oso, do cérebro. Entr eta nto, esse
desenvolvimento nunca é insuficiente para que apareça a
consciência. O apa rec ime nto da consciên cia está ligado a
fato res exteriores à fisiologi a da ativida de nervosa superior.
Como propriedade da matéria altamente organizada, a cons-
ciência é, ao mesmo tempo, o produto do trabalho humano,
o result ado do desenvolviment o social. Um sistem a nervoso
altamente desenvolvido cria apena s a possibilidade real do
aparecimento da consciência; mas, a transformação dessa pos-
sibilidade em real idad e está ligada ao trab alho . Foi precisa-
mente sob a ação do trabalho que a forma psíquica do reflexo,
própria aos ancestrais animais do homem, transformou-se
progressivamente em consciência, em reflexo consciente da
realida de. O pont o de par ti da desse processo foi o mome nto
no qual uma espécie superior de macacos começou a utilizar
objetos da natureza para obter um resultado ligado à satisfação
de uma ou outra necess idade do organismo . No começo, essas
ações constituíam apenas casos isolados, mas, pelo fato de que
elas davam, em geral, resultados positivos, e de que «las con-
tribuíam para a satisfação de uma ou outra necessidade, um
reflexo condicio nado elab orou-s e a part ir delas e, com esse
reflexo, apareceu o hábito de utilizar, em certas condições, os
objetos da natureza como "fer rame nta s". Esse hábito co nduziu
a mudanças fundamentais no comportamento desses animais.
Sua ligação com a rea lid ade ambi ente foi, desde então ,
mediatizada pelos objetos da natureza.
Uma tal complicação da ligação do organismo com o
meio ambiente influenciou de maneira positiva o desenvolvi-
mento do sistema nervoso e, em particular, o desenvolvimento
do cérebro que, obrigado a criar novos laços e a cumprir novas
funções cada vez mais complexas, desenvolveu-se e aperfei-
çoou-se, o que, em comp ens açã o, exerceu uma influência
benéfica sobre a "utilização das fe rra men tas" pelos macacos
superiores. Ess a ativida de complicou -se e desenvolv eu-se. A

.88
um determinado estágio de seu desenvolvimento, os macacos
superiores, quando da ausência da "ferramenta" necessária
para a execução de um determinado ato, procuravam adaptar
o objeto não adequado, modelando-o segundo a necessidade.
Surge, então, a tendência de criar as ferramentas necessárias a
partir de objetos da natureza. Pode-se observar tentativas de
transformar um objeto que não é conveniente para uma função
dada e de criar uma ferramenta necessária, mesmo entre os
macacos atuais ®. 2

O desenvolvimento dessa tendência entre os ancestrais


animais do homem condicionou a transformação progressiva
dos reflexos em atividade consciente, visando a modificação
da realidade ambiente com a ajuda de ferramentas criadas para
esse fim. Ess a ativida de tornou -se uma for ma necessária de
ligação entre os seres que se distinguem do estado animal,
entre eles próprios, de um lado, e com a realidade ambiente, de
outro. Essa atividade os coloca em relações determ inadas
independentes de sua vontade, e assim os reúne em um todo
único, organi camen te ligado. Pa ra que tudo isso possa surgir,
funcionar normalmente e desenvolver-se, uma certa coordena-
ção das ações dos indivíd uos que a for mam é necessária. Mas
isso. suporia to mar consciência dos objetivos e das tare fas,
repart ir as fun çõe s no processo de sua realização. Tu do isso
tornaria necessária uma troca de pensamentos entre indivíduos
que agem em comu m. "Log o, os homens em for maç ão chega-
riam a um ponto em que eles teriam reciprocramente alguma
coisa para se dizer*'M. Ca da nova necessidade condiciona
tamb ém o aparec ime nto de meios par a satisfazê-la . Um desses
meios é a lingu agem. Co m a linguagem, a consciência rec ebe u
uma forma material de existência correspondente a sua natureza
social. Por meio dela, os pensa mento s de um homem tor na-
ram-se acessíveis a outros homens, a um grupo de homens.
Sublinhando o laço orgânico da consciência com a linguagem,
Mar x e Engels e screv eram: "A linguag em é tão velha quant o
a consciência; a linguagem é a consciência real, prática, exis-

26
N . N. La di gu in a- Ko ts , De se nv ol vi me nto das for mas de refl exo no
processo da ev ol uç ão do s orga nism os , in Problemas de filosofia, 1956,
v. 4, p. 101. Original em russo.
27
F. Engels, op. cit., p. 174.

.89
tindo também, para outros homens, existindo, portanto, so-
ment e p ara eu m esmo ta mb ém . . . "28. Por interm édio da
linguagem, os homens trocaram idéias e chegaram a uma coor-
denação de sua atividade necessária para o trabalho coletivo e
para a vida social.
Sendo ligada ao trabalho e à sociedade que a engendrou,

a consciência
necessário é dotada
da forma de uma
social natureza social,
do movimento é um embora
da matéria, aspecto
exista na consciência dos indivíduos que formam a sociedade.
Com efeito, cada indivíduo, por intermédio da linguagem, dos
meios de trabalho, dos modos de atividade, assimila a expe-
riência acumulada pela sociedade e transmite sua experiência
individual, encarnando-a em valores culturais e materiais
criados — as formas da vida e da ação.
O fato de que a consciência seja um aspecto da forma
social do movimento da matéria, um "produto social" ', é 2 9

freqüentemente deixado de lado pelos autores que estudam


o prob lem a da consciência. A afir maçã o, segundo a qual a
consciência do
fisiológica representa
cérebro ,o éproduto ou o ida.
muito difund resultado
Nã odaháatividade
dúvida de
que a consciência está ligada a certos processos que se desen-
volvem no cérebro, mas esses processos não têm condições
pa ra engendrar a consciência. Para que ela apareça, o ser
possuidor de um cérebro deve necessariamente estar incluído
em um sistema de relações sociais e agir em comum com outros
homens; ou, em outros termos, deve viver uma vida humana,
social . Logo , os processos fisiológicos do céreb ro fazem
nascer a consciência apenas em sua união ou, mais exatamente,
em sua ligação orgânica com as atividades sociais determinadas
que são executadas pelo sujeito, e não pela ligação com o
exercício neurodinâmicas
ligações dessa ou daque
do lacérebro,
fu nçã oousocial.
seja, as Aiestruturas
nd a mais,a as
partir das quais surge e func iona a consciência, estabelecem-se
sob a ação de fat ores soci ais, da atividade prá tic a. "O psiquis-
mo do hom em, escreve sob re isso o psic ólogo soviético A.
Léontiev, é uma função das estruturas cerebrais superiores, que
se formam de maneira ontogénica no processo de assimilação
das formas historicamente constituídas da atividade em relação
K. Marx e F. Engels,
28
L'idéologie allemande, Paris, Editions So-
ciales, 1968, p. 59.
K. Marx e F. Engels, L'idéologie cit., p. 59.
29

.90
ao mundo ambiente" . É por isso que não pode mos admitir
30

a afirmação de que a consciência é uma função, um produto,


uma manifestação ou uma propriedade de interações fisiológi-
cas, isto é, uma forma biológica do movimento da matéria.
Ela é uma propriedade, um produto, um resultado de interações
sociais, uma forma social do movimento da matéria, que
encerra em si, sob uma forma anulada, todas as outras formas
anteriores do movimento, notadamente as formas física, quí-
mica e biológica. Leva ndo tud o isso em conta , parece-nos
mais correto falar dos laços da consciência, não com os pro-
cessos fisiológicos do cérebro, mas com o próprio cérebro e
não simplesmente com o cérebro, mas com o cérebro humano,
por qu e é aqui que se exprimirá em uma certa medida a idéia
do cérebro, órgão do pensamento, e este com a consciência,
enquanto sua função, representam uma forma mais elevada do
movimento da matéria do que a forma biológica.
A impossibilidade de deduzir o superior do inferior é,
freqüentemente, utilizada pelos filósofos burgueses, assim como
pelos
qual aneotomistas,
consciência para
é uma"refutar"
prop rieadade
teoria
da marxista,
maté ria. segundo
É sobrea
isso que Josef de Vries baseia sua crítica da resposta materia-
lista à ques tão do laço da consciência e da maté ria . "O
materialismo dialético, escreve ele, afirma que todo o 'psíquico',
todo o 'espiritual', é apenas uma função da matéria ou, mais
exatamente, a função do sistema nervoso central, do cérebro" .
31

"Nós consideramos a resposta materialista insuficente, já que


explicamos o que é mais elevado, a alma, o espírito, a partir
do que é inferi or, a ma té ri a. . . Seja qual for a grandez a das
forças descobertas da matéria, elas permanecerão sempre insu-
ficientes para produzir qualquer coisa de mais elevado, a alma
32

ou o Assim,
espírito"o existente
. pode efetivamente engendrar alguma
coisa de mais elevado do que ele mes mo? É cla ro que sim.
Foi precisamente assim que se produziu a evolução da matéria.

30
A. N. Léontiev, Sobre a abordagem histórica no estudo do psi-
quismo humano, in Ciência Psicológica na URSS, t. 1, p. 41. Original
em russo.
31
J. de Vries, Die Erkenntnistheorie des dialektischen Materialismus?
Munique, Salsburgo Kiiln, 1958, p. 141.
32
J. de Vries, op. cit., p. 166.

.91
Algumas formaçõ es materiais, em decorrênci a de interações,
formam outras , mais complexas. E estas últi mas, por sua vez,
formam outras ainda mais complexas, e assim sucessivamente
até o infinito.
Tudo o que é novo, mais elevado, provém unicamente do
inferio r. Ess a é um a lei univers al da evoluçã o da matéria.
O filósofo
e mat éri a"alemão
exprimWalter
iu esseHollitscher,
pon to muiemto seu
bemartigo
. "U"Consciência
ma nova form a
determinada, ele escreve, provém unicamente de uma forma
antiga determinada em suas condições interiores e exteriores,
que são determinadas segundo as leis objetivas determinadas" . 33

É verdade que podem-nos fazer uma objeção: a de que


falamos da passagem de formações materiais ou de estados
qualificativos a outros mais elevados. De Vries considerou a
possibilidade da passagem do material ao espiritual como forma
mais elevada e perfei ta, do cérebr o à consciência. No que
concerne a essa passagem, não há nenhuma relação com a
geração do superior pelo inferior, com a transformação do
segundo em
formar-se em primeiro . A for ma çã
sua propriedade. Elao mate
pode rial não pode trans-
transformar-se u ni-
camente em uma outra ou, mais exatamente, em outras forma-
ções materiais ou estados qualifi cativos . Tra nsf orma ndo- se de
uma formação material, ou de um estado qualificativo em uma
outra, ela pode perder algumas propriedades e adquirir outras,
além de modif ica r e desenvolver tercei ras. É por isso que é
totalmente inexato falar da passagem ou da transformação da
matéria em consciência, pelo fato de que esta última é sua
propriedade. Trata-se aqui apenas do aparecimento da cons-
ciência no processo da passagem ou da transformação de
algumas formações materiais ou de alguns estados qualificativos
em outros,
estrutura do laço
s nas dessa
formaç ões propriedade
materia is. com as interações
À essa questão, oe mate-
as
rialismo dialético e a ciência psicológica contemporânea dão
uma respos ta muit o precis a: a consciência está ligada a algum as
formações estruturais do cérebro e a algumas formas de inte-
ração dos homens, entre eles e com a natureza, e a algumas
formas de sua atividade.
Essa solução não satisfaz a De Vries, porque ela exclui

W. Hollitscher, Bewusstsein und Materie, in


33
Weg und Ziel, Viena,
1964, v. 2, p. 112.

.92
a necessidade de explicar a consciência apelando para a "alma"
e par a Deus. Par a ele é necessár io mostr ar que a "al ma " e
Deus existem e que sem eles é impossível explicar o apareci-
mento da consciência. Ê po r isso que ele repu dia a limine
todas as tentativas de deduzir a consciência da maté ria. Se-
gundo ele, a consciência não tem nen hum a relaç ão com a
matéria,
essência pelo fato ede espiritual.
pura ment que ela extrai seu princípio
De Vries declara de
queDeus,
não se
pode encontrar a causa da primeira aparição da consciência
sensív el ou espiritual nesse mun do. Mas, levand o isso em
consideração, a saída para fora dos limites desse mundo torna-se
inevitável, e essa saída contradiz completamente o materialismo
dialético. A causa fina l de to da vida espir itual nesse mund o,
prossegue De Vries, deve ser uma essência puramente espiritual.
Mas, essa essência supra-universal, puramente espiritual, to-
mada exatamente nesse sentido, não dependente de nada além
dela, é, em conseqüênci a disso, incondi cionada , "absoluta",
logo, essa essência constitui o que a religião chama, desde há
muito tempo, pelo grande nome de Deus .
34

Refutando, assim, a possibilidade de encontrar as causas


do aparecimento da consciência no mundo realmente existente
e sua explicação a partir da matéria, De Vries teria necessa-
riamente de procurá-las fora desse mundo, em um mundo
supranat ural, is to é, no idealismo. Isso é norma l, já que existem
apenas dois caminhos para explicar a consciência (assim como
para explicar qualquer outro fenômeno): o materialismo e o
idealismo. Se nós rep udia mos o primeiro , queiramos ou não,
engajamo-nos no segundo.
Sendo uma propriedade da matéria altamente desenvolvida,
que se formou a partir do trabalho e das relações sociais
surgidas entre os indivíduos no decorrer da produção dos meios
necessários para a vida, a consciência representa uma forma
nova, mais elevada do reflex o psíquico da realidade . Ela é
uma fotogr afia , uma cópia, um a imagem particular desta. E,
como qualquer outio fenômeno psíquico, ela também possui
uma natureza ideal.
A idealidade da consciência exprime-se no fato de que
suas imagens constitutivas não possuem nem as propriedades

3J
J. de Vries, op. cit., p. 169-70.

.93
dos objetos da realidade refletidos nela, nem as propriedades
dos processos nervosos a partir dos quais essas imagens nas-
ceram. Ela s nã o ence rra m nem um grão de substância,
característica da real ida de refl eti da e do cérebro. São, além
disso, privadas de peso, de características espaciais e de outras
propriedades físicas. Distinguindo-se fu ndame ntalme nte do
material, o ideal lhe é organ icame nte ligado. Ele aparece e
existe unicamente no material — no cérebro do homem —
e é um produto da interação do homem com a realidade
ambiente, por um lado, e do homem com outros homens, por
outro lado. Seu cont eúdo é dete rmina do por essa reali dade, a
qual repre sent a o ref lex o. Des tac and o a ligação do ideal
com o material e a dependência do primeiro com relação ao
segundo, Marx saliento u que: " ( . . . ) O movimento do pensa-
mento é apenas a reflexão do movimento real, transportado e
transposto para o cérebro do homem" . 35

Constatando que a consciência aparece no cérebro, corpo


material altamente organizado, a partir de conexões nervosas
que se estabelecem, alguns autores sentem-se inclinados a
considerá-la como um fenômeno material, como uma forma
particular do movimento da matéria.
A afi rmaç ão de que o psíquico (a consciência) é corp oral
e constitui uma forma particular do movimento da matéria,
análoga às oscilações eletromagnéticas, não reflete a situação
exata das coisas. A consciência nã o é um processo cor poral ,
uma forma particular do movimento da matéria encontrando-se
na mesma série de suas outras formas de movimento, não existe
sob o aspecto de qual quer for ma ção materi al, ao lad o do
cérebro, do homem e da sociedade, ela é uma propriedade
particular do cérebro, o produto de processos que nele desen-

rolam-se
social e em resposta
natural que oà interação do homem com
rodeiam, reproduzindo estaa realidade,
realidade
não sob a forma em que ela existe, nem sob a forma de
propriedades, laços e processos materiais corporais, mas sob
a forma de imagens ideais desprovidas de características físicas.
Embora essas imagens apareçam a partir de processos corporais,
de conexões materiais e, em particular, de conexões nervosas,
elas não são idênti cas a esses process os e laços. Seu conte údo

35
K. Marx, Le Capital, Paris, Editions Sociales, v. 1, p. 21.

.94
é constituído não por esses processos e esses laços, não pelas
propriedades características destes últimos, mas sim por cópias,
fotografias particulares dos processos, das propriedades e dos
laços correspondentes da realidade ambiente.
Alguns autores falam da materialidade da consciência re-
ferin do-se à real idad e de sua existência. A consciência, consi-
der am eles, existe na real idad e. Tu do o que existe na reali-
dade é material; em conseqüência, a consciência é material.
"O materi alis mo, escreve, por exemplo, I. Shipos, designa
tradi cional mente, com a aj uda do conceito de mat éri a do
Universo, o mun do real ex istente. Assim, tudo o que existe
na realidade é 'material': não há nada de 'imaterial' no mundo...
Nesse sentido, o pensamento é, ele próprio, material: existe
realmente na qualidade de pensamento, de reflexo"36.
Podemos notar facilmente que os raciocínios de Shipos
encerram uma certa inexatidão, que deforma a teoria marxista-
leninista da mat éri a e do materia l. Segundo o mate rial ismo
dialético, tudo o que existe na realidade está longe de ser

mater ial. Nã o como


e a caracteriza é matealgo
rial diferente
o que seda relacio na como aquematér
consciência, se ia
manifesta como realidade objetiva, isto é, o que existe fora e
inde pende ntem ente da consciência. O pens amen to e a cons-
ciência existem igualmente na realidade, mas não na qualidade
de realidade objetiva, não materialmente, mas sob a forma de
imagens dessa realidade, desprovidos de formas do ser que
a constituem e das propriedades que os caracterizam, isto é,
de for ma ideal. Há duas realidades: a realidade objetiv a que
existe fora e independentemente da consciência e a realidade
subjetiva enge ndra da pela primeir a, da qual é o refl exo. A
primeira realidade é, por sua natureza, material e a segunda

é ideal.
O método mais utilizado para basear a materialidade da
consciência é o de considerar esta sob dois aspectos: gnoseo-
lógico e ontológico, com relação ao objeto refletido e com
relaç ão ao céreb ro. Os parti dários desse pon to de vista
afirmam que se examinamos a consciência sobre o plano gno-
seológico, com relação à realidade refletida, ela manifesta-se

Problemas de Filosofia marxista-leninista. Artigos


36
de autor es
húngar os, Mosco u, Ed. Progres so, 1965, p. 424. Original em russo.

.95
como ideal, represe nta uma imagem ideal, um a fotogra fia,
uma cópia de objetos e de fenômenos do mundo exterior; e
quando a examinamos sobre o plano ontológico, como pro-
priedade ou produ to da atividade do cérebro, a consciência
manifesta-se como fenômeno material . 37

Esse ponto de vista não pode ser considerado justo pelo


fato de que coloca a natureza da consciência na dependência
da orientação da pesquisa, dos desejos subjetivos do pesquisador
e de sua von tade. Com efeito, segundo esse ponto de vista,
a consciência é ideal não em si mesma e não sempre, mas
apenas quando a examinamos sob o plano gnoseológico, isto
é, em rela ção ao objeto refletid o. Des de que tran sport emos
nossa atenção para sua ligação com o cérebro, nós a considera-
mos como uma propriedade deste, e ela perde então sua idea-
lidade e torna-se um fenômeno material, no sentido em que
"falamos, por exemplo, da materialidade da massa, da energia,
do espaço, das relações sociais" . Segue-se que é o pes quis ador
38

que m decide se a consciê ncia será idea l ou nã o. Se ele quiser


examiná-la sob o plano gnoseológico ela será ideal, mas se
ele interessa-se pelos aspectos ontológicos, a consciência perderá
sua ideal idade e se manife stará sob um a fo rm a material ,
semelhante à massa, à energia e ao espaço.
Entretanto, a natureza da consciência, assim como a de
qualquer outro fenômeno, não pode depender do ângulo sob
o qual nós a examinamos, nem da orientação do pesquisador.
É verdade que a consciência, enquanto reflexo da realidade nas
imagens ideais, manifesta-se em sua relação com a realidade,
com o objeto refletido, mas ela é ideal em todas as suas relações
e nã o apenas nessa aqui. A consciência é ideal po r sua natu -
reza, por sua essência, e como tal permanece, qualquer que
seja a maneira como nós a consideremos: tanto em ligação
com a realidade refletida, como com o cérebro, ou, ainda, em
qualquer outra ligação. Na nossa opinião, Rubins tei n tem
razão quando escreve que "Na relação gnoseológica com a
realidade objetiva, os fenômenos psíquicos manifestam-se como

N . P. Antonov, Origem e essência da consciência, Ivanovo, 1959,


37

p. 283; F. F. Kal hs in , Problemas fundamentais da teoria do conheci-


mento, Gork, 1957, p. 10; Y. A. Ponomariob, Psiquismo e intuição,
Mos cou , 1967, p. 64. Originais em russo .
Ciências filosóficas, 1968, v. 3, p. 112. Or igi nal em rus so.
3S

.96
uma imagem desta . E é prec isa ment e a essa rel açã o da imagem
com o objeto, da idéia com a coisa que está ligada à caracterís-
tica dos fenômenos psíquicos como ideais, é precisamente no
plano gnoseológico que o psíquico manifesta-se como ideal,
fi claro que isso não significa que os fenômenos psíquicos
deixem de ser ideais quando eles são considerados sob um
outro ângulo, por exemplo, como fu nç ão do cérebro. A ca-
racterística dos fenômenos psíquicos, como de qualquer outro
fenômeno, não depende do ponto de vista segundo o qual eles
são considerados" . Nã o é nem a natureza da consciência,
39

nem sua essência que dependem do ângulo sob o qual a análise


é feita, mas a evidenciação de alguns aspectos. Efet ivam en-
te, a idealidade da consciência — isto é, sua existência sob
a forma de imagem, de cópia do objeto — só aparece em sua
relação com o objeto, da mesma maneira que o fato de que
ela é uma propriedade, uma função do cérebro, só é descoberto-
no estu do de sua rela ção com este. Mas , será que sua idea-
lidade desaparece, deixa de ser uma cópia do ideal, uma
fotografia, quando reconhecemos que ela é uma propriedade
do cérebr o? É lógico que nã o. Dep ois da col ocaç ão e m
evidência dessas novas características, el a ainda perman ece
sendo uma imagem, uma cópia ideal, uma fotografia da rea-
lidade ambiente.
Alguns autores emitem um ponto de vista que diferencia
a consciência, por um lado, como reflexo da realidade, e, por
outro, com um a aptidão para esse refle xo. O reflexo da
realidade objetiva, segundo eles, é ideal, e a aptidão ao reflexo
é material . 40

Essa maneira de colocar a questão parece-nos correta.


A aptidão ao reflexo da realidade nas imagens ideais e o reflexo
em si são
mente, foracoisas muit o difer entes .da Aconsciência,
e independentemente prim eir a existe
e por objet
issoiva-
ela é material. Condici ona o aparecime nto das imagens ideais
que reproduzem a realidade e constituem a consciência, mas
não se transforma ela própria nessas imagens, existe fora e
indepe ndent ement e delas. Ligado organica mente às imagens

30
S. L. Rubinstein, op. cit., p. 41.
40
K-H Oberländer, Einige Bemerkungen zum Verhältnis von Materie
und Bewusstsein, in Wissenschaftliche Zeitschrift der Universität, Ros-
tock, 1962, t. 3, v. 11, p. 204-5.

.97
indicadas, o segundo realiza-se e existe unicamente por meio
delas. E por isso é ideal. A idea lida de da cons ciênc ia é,
portanto, determinada pela idealidade das imagens através
das quais, enquanto forma superior do reflexo, ela existe e
reproduz a realidade que a rodeia.
Existindo sob a forma de imagens ideais surgidas no
cérebro
que do homem
a rodeia, em decorrência
a consciência da interação
representa com a realidade
um reflexo subjetivo
da reali dade. A subjet ividade da consciência exprime-se no
fato de que ela existe como mundo interior, espiritual do
homem-sujeito e da sociedade humana, que reflete o mundo
exterior, a real idad e objetiv a. Mas, tud o o que constitui o
mundo interior do sujeito, tudo o que entra na esfera de sua
consciência, nã o dep end e dele. No mun do subjetivo do
homem há aspectos e momentos que são condicionados pela
realidade objetiva, que correspondem a ela e que não dependem
nem .do homem-sujeito, nem da humani dade. Esses aspecto s
e esses momentos representam igualmente o objetivo no subje-
tivo e constituem
exterior no mu ndoumainterior
forma particular da existência
do sujeit o. do mundo
A consciência, sendo
assim o reflexo subjetivo da realidade objetiva, representa a
unidade do subjetivo e do objetivo, a unidade do que depende
do sujeito, do estado de seu sistema nervoso, de sua experiência
individual, de sua situação social, de suas condições de vida
etc. e do que não depende dele, mas que é condicionado pela
realidade ambiente e a reflete.
Surgida sob a ação do trabalho na qualidade de aspecto
da vida social e de função do espírito humano, a consciência
manifestou-se, antes de tudo, como uma tomada de consciência,
pelo ancestral do home m, de seu ser^i, de sua própria existência,
de sua separação do mundo exterior e de uma certa relação
com este últi mo. O animal não se distingue da real idad e que
o rodeia, não sabe que ela existe . Ele se co nfu nde comple ta-
mente com sua atividade vital. Pa ra o animal, não há nenh uma
relação com ele mesmo, nem com a realidade que o rodeia.
"Onde existe uma relação, salientam Marx e Engels, ela existe
pa rá mim. O animal 'não está em relação' com nada, não

41
K. Marx e F. Engels, L'idéologie, cit., p. 51.

.98
conhece, no final de contas, nenh uma rela ção. Pa ra o animal,
suas relações com os outros não existem enquanto relações" '. 42

O selvagem, após haver adquirido consciência, percebe


primeiro que ele existe, que está rodeado de objetos e que esses
objetos apresentam certas relações e certas ligações entre eles
e com ele própr io. To ma nd o consciência de seus instintos e

de seusao hábitos,
passa ele progressivamente
seu re dor, em sua realidadecompreende
ambiente.o que se a
Assim,
consciência é a comprensão do que se produz na realidade
ambiente.
Mas a compreensão do que se produz não representa nada
além de seu saber. Com o conseqüência, a consciência é um
certo saber. O mun do exterior é apre sent ado na consciência
sob a forma de imagens produzidas no cérebro humano pela
int eraç ão do hom em com esse mund o. O con jun to dessas
imagens que refletem a realidade ambiente constitui o saber
do hom em. Util izand o essas imagens e a in for ma ção que elas
contêm sobre essas ou aquelas propriedades e ligações dos
objetos
comp reeensão
fenômenos
do que sedo prod
mundo exterior,
uz em o homem
tor no dele. chega
Assim, à
o saber
é um a fo rma da existência da consciência. "O modo de exis -
tência da consciência e o modo de existência de qualquer outra
coisa para ele, escreve Marx, é o saber"^.
Ainda que a consciência manifeste-se como saber, ela está
longe de lhe ser idêntic a. A consciência existe nã o apena s sob
a forma de conhecimentos, mas igualmente sob a forma de
emoções, sentim entos, vont ade etc. Po r out ro lado, tod o o
saber não constitui a consciência. O saber repre sent a o con-
junto de informações, sobre a realidade ambiente, do qual
dispõe a sociedade humana . A consciência é for mad a unica-
mente
creto dopela rede de informações
pensamento do sujeito e que entram
a partir dosnoquais
processo con-
elabora-se
sua comp reen são da situaçã o. Em outros term os, a consciência
não é todo o saber, mas somente aquele do qual o homem
utiliza-se a cada momento dado, que nasce de seu cérebro,
quando da compreensão dessa ou daquela situação concreta.

42
K. Marx e F. Engels, L'Ideologie cit., p. 59.
4 3
K. Marx e F. Engels, Das primeiras obras, p. 633. Orig inal em
russo.

.99
No decorrer de sua vida, de sua atividade prática, o
homem passa progressivamente da tomada de consciência
de alguns aspectos e de algumas ligações da realidade para
outros, o que faz com que o conteúdo de sua consciência
modifiqu e-se constant emente. Ao mesmo tempo, o conjunt o
de conhecimentos que entram na esfera da consciência também
mu da contin uamente . Alguns desses conhecim entos animam-
se e entram na esfera da consciência, enquanto outros, depois
de ter cumprido sua função, saem da esfera da consciência e
passam para o domínio do inconsciente.
Alguns autores não levam esse fato em conta e incluem
na consciência todo o saber do qual dispõe a humanid ade,
esteja ele contido ou não no processo do pensamento do sujeito,
seja ele utilizado ou não para chegar à compreensão dessa ou
daquela situação . 44

Falando das leis da relação da consciência e do saber,


temos em vista a consciência de um único h omem . Mas tam-
bém podemos tratar da consciência referindo-nos não apenas
a um indivíduo, mas igualmente à socieda de. Nesse caso, o
saber não será um modo de existência da consciência social?
A totalidade do saber, o saber enquanto tal também não pode
manife star -se na qualidade de fo rm a do ser da consciên cia
social. No conteúdo da consciência social entr a apenas a part e
do saber que reflete, de uma maneira ou de outra, o ser social
existente.
O saber é um modo ou uma forma de existência da cons-
ciência que não existe nele mesmo, mas na medida em que
chegamos, por meio dele, à tomada de consciência (intelecção,
compreensão) de um estado de coisas dado.
A tomada de consciência de certos momentos da realidade
efetua-se seja introduzindo-os nos conceitos e representações
correspondentes, dos quais dispõe o sujeito, seja descobrindo
ou penetrando o sentido de novos aspectos e ligações do objeto
consid erado, anteri ormente desconheci dos do sujeito. A to-
mada de consciência do objeto pela descoberta, nesse objeto,
de novo s aspectos e ligaçõe s estabelece o conhecimento. O
que significa que a consciência manif esta -se igualmente como
conhecimento da realidade.

A. Spirkin,
44
Origem da consciência, Moscou, 1960, p. 9. Original
em russo.

.100
Levando em conta o fato de que todos os conhecimentos
dos quais o homem dispõe foram adquiridos no decorrer da
evolução da consciência social e do reflexo da realidade, a
parar de sua modificação na prática, é fácil perceoer que o
conhecimento é um aspecto necessário da essência da consciên-
cia, sem o qual seu funcionamento e seu desenvolvimento são
impossíveis.
Embora sendo um aspecto necessário da consciência e
uma forma de sua manifestação, o conhecimento não esgota o
conteúdo desta, assim como também não exclui suas outras
form as de manif esta ção. O conheci mento, como já dissemo s,
supõe a descoberta do novo, de novas propriedades e ligações
do objet o do qual tomam os consciência. Mas a consciên cia não
está sempre ligada ao reflexo do novo, ela pode funcionar
igualmente no plano do conhecido, sobre a base de conheci-
ment os já existen tes na sociedade. Esse pon to escapa a certo s
autores que, para caracterizar a consciência, indicam que ela
está ligada apenas a novos momentos, anteriormente desconhe-
cidos do sujeito, da real idade ambiente, do objeto do qual
toma mos consciência . E po r isso que ela manifes ta-se apenas
quando o sujeito defronta-se com uma situação desconhecida
e que está ausente nos casos em que se repete o que já aconteceu
uma vez, aquilo com que o sujeito já se defrontou várias vezes.
O sábio alemão E. Schrõdinger desenvolve o seguinte tipo de
ponto de vista sobre a consciência: "Penetra m na esfera da
consciência apenas as modificações ou as diferenças graças às
quais uma nova corrente de fenômenos distingue-se das prece-
dentes .. . " . Par a ilustra r seu pens ame nto com exemplos, ele
4 5

prossegue: "Nós tomamos o caminho habitual para ir par a o tra-


balho, passamos do outro lado da rua, atravessamos sempre no
mesm o lugar, pensa ndo em outra coisa. Se produzir-se um a mo-
dificação na situação (p. ex., se o caminho estiver fechado e nós
tivermos de con tor ná- lo) , isso pene tra na consciência . A
rami fica ção do caminho é igual mente fixa. Se a situação
apresenta diversas variantes (como, p. ex., às vezes vamos à
universidade, às vezes ao instituto de física), nós escolhemos
as variantes de nossas reações racionais (ou atravessamos ou

45
E. Schrödinger, Geist und Materie, Braunschweig, Yieweg, 1961,
v. 2, p. 6.

.101
continuamos em frente) de maneira automática, completamente
inconsciente. Assim, as diferente s variant es de rami ficaç ão
colocam-se umas sobre as outras, em número infinito e somente
as variantes novas, que não requerem treinamento, penetram
na consciência" . "E u poderi a resumi r as coisas da seguinte
46

maneira: a consciência está ligada à educação da substância


orgânica, à habilidade orgânica e inconsciente" ?.
4

Assim, segundo Schrodinger, todo fenômeno está "ligado


à consciência do sujeito apenas na medida em que ele é novo
par a o sujeito" , e tudo o que se repete "sai da esfera da
48

consciência" . 49

Schrodinger tem razão quando considera que as ações


uniformes, que se repetem freqüentemente, são automática e
inconsc ienteme nte efetu adas pelos home ns. Mas isso não quer
absolutamente dizer que eles não têm consciência da situação
na qual eles se encontram, embora ela repita casos precedentes.
Por mais automáticas que possam ser suas ações, os homens
não podem deixar de estar conscientes do lugar em que eles
se encontram, do que eles fazem, do que se produz na realidade
que os rodeia . Em uma palav ra, apesar do autom atis mo da
execução dessa ou daquela ação, o homem não perde jamais a
compreensão do que se passa mesmo que isso não tenha nada
de novo, de diferente em relação a algo que já foi feito várias
vezes. Isso é natu ral , já que essa com pre ens ão é atingida não
apenas pelo conhecimento, a colocação em evidência do que é
supostamente novo, do que ainda é desconhecido, mas igual-
mente pela utilização das informações das quais dispõe o
sujeito sobre a realidade que o rodeia, de conhecimentos do
que já se repetiu muitas vezes.
Mais acima falamos dos caminhos da compreensão do que
se passa
rodeia comoutr
, por o sujeito,
o. Masporqual
um lado,
o papeelcom
que a arealidade queãoo do
compr eens
que se prod uz desem penha na vida dos home ns? El a é a con-
dição necessária da orientação do homem na realidade.
Apoiando-se sobre uma compreensão justa da realidade, sobre
o conhecimento de certos aspectos e ligações necessários, o

46
E. Schrodinger, op. cit.
47
E. Schrodinger, op. cit.
48
E. Schrodinger, op. cit.
49
E. Schrodinger, op. cit.

.102
homem, como se prevesse o futuro, reproduz sob a forma de
imagens o que ainda não existe, mas que deve se produzir em
decorrência dessa ou daquela modificação da realidade que o
rodeia, dessas ou daquelas ações exercidas sobre ele. A parti r
desse reflexo antecipado da realidade, o homem fixa objetivos
correspondentes e a eles submete seu comportamento e suas
ações. A antecipação do futuro, baseada no conhecimento dos as-
pectos e ligações necessários dos fenômenos do mundo exterior
e sobre a compreensão do que se passa na realidade ambiente, e
a fixação, em conseqüência disso, constituem a função essencial
da consciência. A execução dessa fu nç ão é que distingue o
comport amento do homem do compor tame nto do animal, a
atividade racional do homem, das ações instintivas dos animais.
"Uma aranha, escreve Marx, realiza operações semelhantes às
do tecelão, e a abelha, pela estrutura de suas células de cera,
con fun de a habil idade de mais de um arquit eto. Mas o que
distingue, antes de tudo, o pior dos arquitetos, da mais esperta
das abelhas, é que ele constrói a célula em sua cabeça antes
de construí-la na colméia. O res ulta do ao qual se chega com
o trabalho preexiste idealmente, na imaginação do traba-
lhador'^.
O reflexo antecipado da realidade pela consciência está
não apenas na base da fixação do objetivo, na orientação ra-
cional do sujeito na realidade ambiente, mas igualmente na
base da atividade criadora e transfor ma do ra , aspecto necessá-
rio do tra bal ho. Surgindo sob a ação imediata do trab alho
que supõe a transformação da realidade segundo as necessidades
da sociedade, com a ajuda das ferramentas criadas para esse
fim, a consciência não apenas torna possível a compreensão
dos atos executados, e cria uma imagem ideal do que deve
resultar dessas ações, mas também coloca em correlação, reúne
todas essas ações ao resultado final, isto é, a partir do conheci-
mento da situação efetiva das coisas e das possibilidades reais
que ela condiciona, a consciência cria qualquer coisa de novo,
que não existe na realidade e que, sendo expresso no sistema
de imagens ideais, torna-se um plano real da atividade material
transformando uma possibilidade dada da matéria em realidade.
Sem esse plano preciso indicando os caminhos da transforma-

50
K. Marx, op. cit., p. 136.

.103
ção da realidade, segundo as necessidades do homem, a ativi-
dade prática, laboriosa, é impossível. Isso confi rma o fat o de
que a consciência, aspecto necessário da atividade produtiva,
forma-se e desenvolve-se ao mesmo tempo que esta última.
Embora sendo esse aspecto prático que transforma a
realidade objetiva da atividade em interesses da sociedade, a
consciência nã o se con fun de com essa atividade. Essa atividade
é um processo material . "O tra bal ho, escreve Marx, é antes
de tudo um ato que se pass a ent re o hom em e a natureza . O
próprio homem desempenha, nesse caso, frente a frente com
a natur eza, um papel de potência natural ( . . . ) . As forças
das quais seu corpo é dotado, braços e pernas, cabeça e mãos,
são colocadas em movimento, por ele, a fim de assimilar as
matérias dando-lhes uma forma útil para sua vida" 51
. Quanto
à consciência, é, por natureza, ideal; ela é o reflexo, a fotografia,
a cópia da realidade existente e a representação, repousando
sobre ess e reflexo (sob a fo rm a de um sistema de imagens
ideais e de relações), da realidade futura, que atualmente ainda
não existe. El a não é o process o real da criação de novas
formações materiais, mas sim o modelo ideal do processo de
criação e seu resultado, assim como o fator que controla o
desenrolar da criação, conf ron ta ndo constan temente a esse-
modelo os atos do sujeito e seus resultados.
Assim, a consciência repr ese nta um refle xo consciente
ideal por sua natureza, associado à compreensão, pelo sujeito,
do que é refletido, reflexo que antecipa a realidade, representa
de forma subjetiva o resultado de sua transformação e de
seu desenvolvimento, e, a partir disso, torna possível a fixação
do objetivo e a criação. Em um a palav ra, a "consciênci a
humana não reflete apenas o mundo objetivo, mas também o
52

criado" em
lidade, . sua
São correlação
soment e tode os esses moment orgânicas,
interdependência os, em suaquetota-
constituem a essência da consciência, sua natureza específica.
A tentativa de reduzir as particularidades da consciência
unicamente ao reflexo da realidade conduz à supressão de sua
especificidade qualitativa e a identificá-la com formas inferiores
do reflexo.

K. Marx, op. cit., p. 136.


31

52V. Lenin, op. cit., t. 38, p. 201.

.104
Certos críticos contemporâneos da teoria leninista do
reflexo estabelecem da seguinte maneira seu raciocínio: inter-
pretando a consciência como reflexo da realidade, o marxismo
teria eliminado sua essência específica, pelo fato de que ele
a identifica aos processos de reflexo, próprios aos organismos
animais e vegetais e até mesmo às formações materiais da
natureza inanimada.
O filósofo iugoslavo Mihailo Markovic diz, por exemplo,
que o reflexo "não é uma característica específica da consciên-
cia humana; a percepção dos animais, o reflexo das plantas
e mesmo a interação dos objetos da natureza inorgânica são
igualmente formas particulares do reflexo" 53
. De acord o com
esse ponto de vista, "do qual o representante mais característico
é Lenin, além de muitos outros, entre os quais Todor Pavlov,
Gajo Petrovic declara que toda nossa vida espiritual é, em sua
essênc ia, reflexo. E tod as as for mas de nossa consciência são
apenas diferentes aspectos do reflexo subjetivo da realidade
objetiva. Mas a consciência não é a única font e de refl exo; a
matéria possui igualmente uma propriedade próxima da sen-
sação, a pro pri eda de do reflexo . O reflexo é uma propri edad e
geral do mundo material. . . "54.
É correto dizer que o reflexo é próprio de toda a matéria.
Mas a decorrência disso não é a de que a consciência não seja
o reflexo da real idade . A consciência repres enta um a for ma
superior do reflexo que é própria ao homem e que aparece
apenas na sociedade, sobre a base da atividade produtiva trans-
form an do a rea lidade ao red or no intere sse do hom em. 13,
por isso que, jogando alguma luz sobre a essência da consciên-
cia, nós não podemos ignorar o fato de que ela representa o
reflexo da reali dade. Por ém, outra coisa é dizer que essas
características são insuficientes par a colocar em evidência a
especificidade da consciência. Indi cand o que a consciência é
uma forma superior do reflexo da realidade, devemos mostrai-
as particularidades dessa forma de reflexo que a distingue das
outras forma s de refle xo da reali dade. Essa parti cular idade
reside no fato de que a consciência é o reflexo consciente da

53
M. Markovic, Humanizam i díjalektika, Belgrado, 1967, p. 129.
G. Petrovic, Mladost, in
54
Filozofija i marksizam, Zagreb, 1965,
p. 252.

.105
realidade, a compreensão pelo sujeito, de seu ser e de seu
relaci onamento , com o que o rode ia; que ela está ligada à
fixação do objetivo e à atividade, tendo em vista realizar os
objetivos e, ao mesmo tempo, transformar a realidade; ou,
em outros termos, essa particularidade reside no fato de que
a consciência é um aspecto e uma condição necessários da
atividade criad ora. Ne nh um desses traç os pert ence às outras
formas de reflexo, anteriores à consciência.
Mas, será suficiente, na definição da consciência, indicar
apenas os momentos específicos que a diferenciam dos outros
fenômenos, sem mencionar que ela é um reflexo, já que esse
refl exo não a distingue de outr as fo rma s de reflex o? Não , isso
nã o é suficiente. O refl exo da real idad e é uma prop rie dad e
fundamental da consciência, que condiciona a possibilidade de
existênci a de suas outra s prop rie dade s. Se a consciência perd e
sua faculdade de refletir a realidade, ela perde também, ne-
cessariamente, toda s as suas outr as propr ieda des. De fato , a
tomada de consc iênci a, pel o suje ito , de seu ser e de seu
relaci onament o com a real idad e ambiente , na quali dade de
índice de consciência, é apenas o reflexo da realidade; o sujeito
não compreende o que se passa ao seu redor a não ser por
meio do reflexo, por meio da utilização da informação obtida
dessa maneir a. A fixaç ão da met a como fu nç ão determinada
da consciência apóia-se sobre as informações das quais o
homem dispõe e que são concernentes às propriedades e às
ligações da realidade ambiente, isto é, sobre os resultados do
reflexo, e, em última análise, sobre o reflexo das necessidades
do sujeito e ao mesmo tempo, de seu ser.
Enfi m, chegamos à ativi dade cria dora da consciência. Vá-
rios autores que se opõem à concepção da consciência como

reflexo
e não oda realidade
relac pensam
ionam ento quemeomreflexo
do ho com a caracteriza
real idade . o Oanimal
homem ,
declaram eles, é essencia lmente criado r. A atitu de criadora ,
praticada com relação à realidade, é característica do homem.
É por isso, segundo eles, que a consciência do homem deve
ser considerada não como o reflexo da realidade, mas como
sua criação . "Qu and o nós fala mos da relação do homem e
da consciência humana com o mundo, declara Mihailo Mar-
kovic, devemos partir do fato de que somos seres práticos,
que antes de tudo nós tra bal ham os. Ess a é nossa característica
fundamental. É por isso que ( . . . ) a propriedade do reflexo

.106
nã o é típica da consciência hum ana . Da mesma forma como
a teoria do conhecimento não é típica da filosofia marxista.
O reflexo não é típico da consciência human a, porq ue ele
existe igual mente na cons ciênc ia dos animai s. O que é típico
para a consciência do home m e sua atitude em relação ao
mundo é o fato de que esta atitude é criadora, ativa, prática" .
55

Segundo os partidários desse ponto de vista, o homem


não reflete, mas cria, transforma o mundo, e não o faz apenas-
quan do age prat ica men te sobre ele, mas também qua ndo o
inte rpret a e o explica. Criti cando a segunda tese de Mar x
sobre Feuerbach, segundo a qual os filósofos marxistas limi-
taram-se a interpretar o mundo de maneiras diferentes, sem
fixar-se como missão trans formá -lo, Ga jo Petrovic escreve:
"Uma interpretação do mundo que não signifique sua trans-
formação é logic amen te im pos sí ve l. .. Quando o homem
interpreta o mundo, ele muda, pelo menos, sua concepção do
mundo e, modificando sua concepção do mundo, ele não pode
deixar de modif icar seu rel aci onam ento com o mun do. Modi fi-
cando sua concepção e sua conduta, ele influencia a compreen-
são e atividade de outros homens, que se encontram com ele
em diferentes relacionamentos.
É a prática que mostra até que ponto uma teoria modifica
o mun do. Mas, em princ ípio, um a teoria filosófica não po de
deixar de modific ar o mu nd o. É impossível porqu e to da teor ia
filosofia e, em geral, toda interpretação do mundo significam
uma certa criação do mundo" .
56

Assim, segundo Petrovic, toda explicação, todo conheci-


ment o do mund o constitui a criação, mas não o reflexo. O
reflexo é incompatív el com a criação. "N ão há nad a nela de
criador" . "C omo conseqüên cia, co nclui Petrovic, a teori a
57

leninista
tível comdoa concepção
reflexo nãomarxista
tem valor científico,
do homem ela é ser
enquanto 'incompa-
criado,
prático' . As tentat ivas de salvar a teoria do reflexo não têm
58

muitas chances de sucesso" . 59

Neki problemi teorije odraza, Belgrado, 1961, p. 140.


55

G. Petrovic, op. cit., p. 256.


56

G. Petrovic, op. cit., p. 257.


57

G. Petrovic, op. cit., p. 250.


58

G. Petrovic, op. cit., p. 256.


59

.107
Vejamos até que ponto esses raciocínios estão bem fun-
dame ntado s. É exato que o traç o distinti vo do relac ionam ento
humano com a realidade é a transformação desta no curso da
atividade prát ica . E é igualmente exato que devemos part ir
desse fato para definir a essência da consciência, que surgiu a
partir da atividade laboriosa dos homens e que constitui uma
condição
Mas dissoessencial de sua
não decorre existência e que
absolutamente de seu desenvolvimento.
a consciência apenas
cria, sem nada reflet ir. A consciência não pode criar, não
pode produzir na da de novo sem refletir a realidade, sem
apoiar-se em suas propriedades e ligações necessárias refletidas
nas leis de sua transformação e de seu desenvolvimento, porque
tudo o que é novo, que aparece na realidade objetiva, graças
ao homem, em decorrência da atividade criadora de sua cons-
ciência, deve subm ete r-s e a leis objetivas , existentes fo ra e
inde pende ntem ente da consciência. Além disso, tod a verda-
deira criação é o reflexo e a realização na consciência e na
realidade de possibilidades reais.
É lógico que, se pela atividade criadora da consciência
compreendemos a criação de qualquer idéia, corresponda ou
não ela à realidade, seja ou não ela realizável, então o reflexo
não será um aspecto necessário da consciência e essa criação
não pode transformar a realidade, fazendo dela um meio de
satisfa zer as neces sida des da socie dade. É po r isso que ela
não pode constituir a essência das relações do homem com a
realidade. O rela cion ament o do homem com a reali dade ca-
racteriza-se unicamente pela criação que conduz a uma trans-
formação real da realidade ambiente, ao estabelecimento de
condições necessárias para a existência e a evolução da socie-
dade. Com o decorrê ncia disso, só é possível qua ndo ela reside
no reflexo da realidade existente e de possibilidades reais que
lhe são próprias.
Segundo os críticos da teoria leninista do reflexo, a ativi-
dade criadora da consciência não deve repousar sobre o reflexo,
E se o reflexo é necessário, não será nunca para realizar a
transformação prática da realidade, assim como também não
será para a criação do novo, mas sim para conhecer o que já
foi cria do. É por isso que o refl exo realiza -se não na criaç ão,
nem no período que a precede, mas quando a atividade criadora
já foi executada. "Ninguém poderia saber antecipadamente,
escreve sobre isso Dragan Jeremie, qual seria a sociedade

.108
iugoslava antes que os políticos e nosso povo tivessem começado
a criá-la. At é 1 950, ninguém poderi a preve r qual seria o
tra bal ho dos conselho s operários . No começo, foi prec iso
observar seu trabalho na prática para, em seguida, compreender
que era uma nova forma de gestão socialista dos meios de
pro du ção. " Mais tarde, "a partir da prática, modificações
fora m-se pro
seqüência, eleduzconclui,
ind o em nosso sistem
é preciso agir, acriar,
econômico.
modificar Em con-
e, em
seguida, observar atentamente como se desenrolaram as ações,
a criação, a tra ns fo rm açã o. .. "60. Segun do Jeremie, os ho-
mens criam cegamente, por acaso, sem saber o que resultará
disso.
É fácil compreender que tal criação, assim como a criação
arbitrária das construções conceituais, não constitui a essência
do relacionamento do homem com a realidade, a função ne-
cessár ia de sua consciê ncia. A essência da ati tud e do hom em
em relação à realidade constitui a criação que repousa sobre
o reflexo da realidade existente e de suas possibilidades reais,
de
sua seus
tra nsfaspectos
orm açã oe eligações
de seu necessários, das leis Éobjetivas
desenvolvimento. de
precis amente
a essa atividade criadora que a consciência está ligada, porque
é precisamente ela que determina sua essência específica.
Assim, qualquer que seja o ângulo sob o qual abordemos
a característica da consciência, somos obrigados a nos referir
ao fato de que ela representa o reflexo da realidade, reflexo
específico que se distingue fundamentalmente de outras formas
de reflexo próprias à matéria, mas que dela nada mais são
do que o reflexo.
A tese segundo a qual há, na consciência dos homens,
pensamentos, conceitos, juízos que, mesmo sendo verdadeiros,
na realidade nada refletem é habitualmente apresentada para
refutar a concepção da consciência como reflexo da realidade.
"Todos nós, escreve Petrovic, emitimos a cada dia juízos ver-
dadeiros, de cuja verac idade não duvidamos absolut amente,
embora nã o possa mos resp onder à seguin te per gun ta: 'O que
eles ref let em? ' O juízo existencialista negativo, po r exemplo ,
é verda deiro, embo ra o que ele reflete não existe. Pod emo s
inter preta r esse juízo como um reflexo da reali dade? O que

Neki problemi teorije odraza, p. 141.


eo

.109
reflete o juízo: 'Os centauros não existem' ou, então, 'Não há
quadra do redo ndo' ? To do o siste ma dos juízos matemáticos
é um sistema de juízos verdadeiros, embora seja difícil precisar
o que eles ref let em. O que reflete, pergunta-se o autor, o
juízo de passado, de fu tur o, de possibilidade, de impossibili-
dade?'^.
Esse raciocínio
a impressão não tem
de que, para nenhum
o autor, só sefund amen
pode to real.
tratar Tem-se
de reflexo
quando na consciência aparece a idéia de um objeto, de uma
propriedade ou de uma relação, realmente existentes. Entre-
tanto, isso está muito longe da realidade, já que a consciência
fixa não apenas o que existe, o que é próprio a um objeto
dado, mas igualmente o que não existe, o que não caracteriza
o objeto. No prime iro e no segundo casos, os juízos nos
quais realiza-se esta fixação são verdadeiros unicamente porque
eles refletem a situação real das coisas.
• Os juízos de passado, de futuro, de possibilidade e de
impossibilidade são considerados por Petrovic a partir dessas
mesmas
que posições.
existe no mom El
ente o acha quee, é nopossível
present mom entrefletir
o dadoapenas
. Mas,o
os juízos sobre o passado, o futuro, o possível e o impossível
concernem ao que não existe em um momento dado¡ ao que
não exist e no mom ent o prese nte. O autor nã o leva em conta
o fato de que o reflexo é não apenas imediato, mas também
mediato . O refl exo imedi ato supõe um obje to refl etid o exis-
tindo realmente em um momento dado, enquanto que o reflexo
mediato supõe que o objeto pode não existir realmente em um
mome nto dado. Sua rep rod uçã o na consciência faz-se por
meio do reflexo de outros objetos que permitem a expressão
desse ou daque le juízo verda deiro sobre ele. O que nos serve
de base rea
objetos para pensar
lmen no que foi Ae rep
te existentes? no rod
queuçãserá,
o naquanto aos
consciência
do passado e do futuro, a partir do reflexo do presente, é pos-
sível porque o passado existe igualmente sob uma forma anu-
lada no prese nte. Ref let ind o a essência dessa ou daquela
formação material e descobrindo as leis de seu funcionamento
e de seu desenvolvimento, reproduzimos, de uma maneira ou
de outra, o processo de seu vir-a-ser, os graus transpostos de

61
G. Petrovic, op. cit., p. 254.

.110
seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, os traços que lhe
são própr ios. Sendo conhecida a essência da fo rma çã o ma-
terial existindo realmente e colocando-se em evidência os
aspectos e tendências que lhe são próprios, podemos julgar
no que se tornará essa formação material no futuro, em outras
condições, e dizer como suas propriedades se transformarão,
o que elas virã o a ser. Esses juízo s serão verd adei ros e refle-
tirão a situação real das coisas.
A veracidade dos juízos de possibilidade e de impossibili-
dade resolve-se tam bém nesse plan o. A idéia de possibili dade
ou de impossibilidade repousa sobre o reflexo da realidade,
dos aspectos e ligações que lhe são próprios e necessários, das
leis da transformação.
Para provar que o reflexo não é uma característica necessá-
ria da consciência, alguns se referem igualmente a fenômenos
da consciência, como as emoções e a vontade, que não refletem
nad a na real idad e. "Q ua ndo eu digo, escreve sobre isso Pe-
trovic, que ele (o reflexo — A. Ch.) é incompatível com o
fenômeno
porque, em da que
consciência,
sentido penso
e de que
queelemaneira
não podetodas
explicar-nos
as nossas
ações conscient es refle tem a reali dade. O que refl ete a von-
tad e e a emoç ão? O amor, o ódio, a inveja , a mal dad e serão
diferentes formas do reflexo de objetos exteriores aos quais
eles se dirigem?" . 62

Percebe-se facilmente que esses raciocínios repousam


sobre um a comp reen são estreita e simplista do refle xo. Se-
gundo esse autor , só pode ser reflexo o que rep rod uz na
consciência um objeto que se encontra diante de nós, enquanto
que a consciência reflete não apenas os objetos que agem sobre
os órgãos sensitivos do homem, mas também suas condições
de vida,
Ela refleteasnãorelações
apenas econômicas
sob a formanasde quais ele ideais,
imagens se encontra.
repro-
duzindo esses ou aqueles aspectos dos objetos agentes, mas
também sob a forma de emoções, de aspirações, de estados
de espírito, de sentiment os. Estes últimos, em part icul ar, re-
fletem a importância, para o sujeito, dos fenômenos que agem
sobre ele e sua atitude com relação a eles.
Para provar que a consciência não pode ser um reflexo
da realidade, alguns se referem às leis da correlação do sujeito

62
G. Petrovic, op. cit., p. 254.

111
com o objeto, que testemunhariam de fato que a consciência
representa não o reflexo subjetivo da realidade, mas sua criação.
Danko Grlic diz que os que consideram a consciência como
um reflexo subjetivo do mundo objetivo "opõem claramente,
e sem qualquer equívoco, o sujeito a toda realidade objetiva
e assim excluem- na". "O que repr ese nta, pergunt a ele, um
determinado sujeito, se ele não é nem uma realidade material,
nem uma realidade objetiva?". E ele mesmo resp onde: "Trat a-
se entã o de um a ficção vazia, um a ilusão, uma invenção,
alguma coisa irreal. . . " . 6 3

A identificação do conceito de sujeito e do conceito de


reflexo subjetivo da realidade objetiva deve reter nesse ponto
nossa aten ção. São, de fat o, coisas extre mamen te diferentes.
O sujeito — se não for o reflexo subjetivo da realidade, nem
a consciência, mas sim um sistema material — a sociedade,
formada pelos homens, a partir da produção, da partilha e do
consumo de bens materiais, que são dotados de uma consciência
e, por essa razão, estão em condições de refletir, em imagens
subjetivas, a reali dade objetiva. Sendo um sistema social ma-
terial, o sujeito não se exclui da realidade objetiva, mas inter-
vém na qualidade de uma de suas partes constitutivas, de uma
das for mas do seu ser. Ele age ta mbé m sobre outras formas
de existência da matéria que o rodeiam, reflete suas proprie-
dades e suas ligações em imagens subjetivas que aparecem nele
no curso dessa interação e, a partir da informação que elas
contêm, transforma de maneira racional a realidade ambiente.
Entretanto, não se deve pensar que Grlic ignora tudo isso.
Ele sabe o que os marxistas entendem por sujeito e é por isso
que ele se vê obrigado a deter-se especialmente sobre essa
con cep ção . "Pode mos dizer, el e escreve . . . que o sujei to da
teoria marxista do reflexo representa um resultado histórica
e social mente condici onado, que deco rre da inte rpene traçã o
das leis dos fatores reais e do grau dado de desenvolvimento
social. Mas a dialética, par a certos 'teóric os', prossegue, não
é a confusão de conceitos, um ecletismo insensato, que salva
sua inconsequência por meio de frases sobre a interpenetração
de pólos opostos. Pelo fat o de que o sujeito é o prod uto de
leis sociais, a tentativa de o introduzir na tese da imagem subje-
tiva do mu ndo objetivo é tota lmen te absurda . Nesse caso,

Neki problemi teorije odraza, p. 134.


S3

.112
não seria apenas o sujeito que seria uma ficção, mas também
todas essas leis econômicas, históricas e sociais, que conside-
ramos ilusões não objetivas, ineficazes e vazias e que opõem-se
à realidade" 64.
Assi m, o recon hecim ento da consciê ncia como imagem
subjetiva da realidade objetiva deve, segundo Grlic, necessa-
riamente transformar o sujeito em alguma coisa de ilusório,
não efetivo, ou, em outras palavras, em uma ficção.
Mas de onde vem tudo isso? Por que então a facu ldad e
do sujeito de refletir, na consciência, sob uma forma subjetiva,
a realidade objetiva deve excluir o sujeito dessa realidade?
Por que essa faculdade deve transformá-lo em alguma coisa de
irreal? Pelo contrário, é precisam ente esse fato, isto é, a
presença no sujeito da capacidade de um reflexo subjetivo da
realidade objetiva, do seu conhecimento, que o transforma em
um sujeito real, capaz de agir sobre o mundo ambiente e de
transformá-lo de forma criativa, porque, como já dissemos,
uma transformação que tende a uma meta da realidade pres-
supõe o conhecimento de suas propriedades e ligações necessá-
rias, das leis do seu funcionamento, do desenvolvimento e das
possibilidades que disso dependem. O sujeito privado da
faculdade de refletir a situação real das coisas, de conhecer as
leis do movimento e do desenvolvimento do mundo ambiente
não está em estado de agir de maneira racional, de transformar
praticamente a realidade, de criar o novo. Sem isso, ele não
pode ser um sujeito real, válido. Isso significa que nã o é a
presença, no sujeito, da faculdade do reflexo subjetivo da rea-
lidade objetiva, mas sua ausência, que transforma o sujeito em
ficção, em alguma coisa de irreal.
Um outro argumento é apresentado contra a concepção

de que a consciência
representa o reflexo daé o realidade,
reflexo daseu
realidade: se a consciência
desenvolvimento deve
necessariamente conduzir ao conhecimento definitivo da natu-
reza e da socieda de. Mas, nesse caso, o mun do inteiro teria
de ser contido em nossa consciência e, então, esta, como cons-
ciência humana, teria, a nosso ver, de desaparecer, perder sua
atividade e transformar-se em um espelho-refletor un ive rsa l.
Esse raciocínio, assim como o seu precedente, não tem

Neki problemi teorije odraza, p. 133-4.


u

Neki problemi teorije odraza, p. 134.


e5

.113
nenhum fundamento real, não reflete a situação verdadeira das
coisas. Prim eira ment e, o conheci mento hu ma no nun ca atingirá
o pont o de desenvolvimento em que tu do será inteira mente
conhecido, em que o mundo inteiro será refletido na consciência
dos homens; isso é impossível, porque a realidade refletida não
é estática, mas transforma-se e desenvolve-se continuamente.
Em segundo lugar, nenhum desenvolvimento do conhecimento
pod
em econsciência
conduzir universal,
à transformaç ão asdapossibilidades
porque consciência dede um
um indi-
homem
víduo são sempre limitadas e ele não está em condições de
possuir todos os conhecimentos dos quais dispõe a humanidade.
Em terceiro lugar, o acréscimo dos conhecimentos dos homens
não apenas não elimina sua atividade, mas a reforça pelo fato
de que sua possibilidade criativa e seu campo de atividade
alargam-se.
A crítica da teoria marxista da consciência, considerada
como reflexo da realidade, reserva um lugar importante para
a demonstração da "falsidade" da tese leninista sobre a sensa-
ção como imagem subjetiva da real ida de objeti va. Essa
demonstração é feita, em geral, da seguinte forma: toma-se
uma certa sensação, freqüentemente a sensação de cor, e mos-
tra-se que ela não é uma cópia exata, uma fotografia das ondas
luminosa s de compri mentos corre spond entes . Em seguida ,
conclui-se que a teoria leninista das sensações como cópias,
imagens de objeto s do mund o exterior é fals a. Pro cede m
dessa maneira, em particular, A. James Gregor e H. B. Acton.
Tem-se a impressão, diz Gregor, de que a declaração leninista,
segundo a qual as sensações são cópias ou imagens de objetos,
deve ser incontestável, mas mesmo uma análise preliminar será
suficiente para evidenciar mais do que o caráter insensato dessa
afirmação.
"A primeira dificuldade, ele prossegue, surge com o exame
dos simples predicados que devem ser atribuídos aos objetos
do mu nd o exterior. O que temos em vista, por exemplo,
qua ndo dizemos de alguma co isa que ela é vermel ha? A cor
vermelha da qual partimos não pode ser concebida em um
sentido pouco significativo, como uma 'cópia', um 'reflexo', ou
uma 'fot ograf ia' da onda luminosa de um comprimento de
647.760 milionésimos de milímetro" .66

66
A. James Gregor, Lenin on the nature of sensations, in Studies
on the left, 1963, v. 3, n. 2, p. 35.

.114
"A vibração do éter e a sensação da cor, escreve Acton,
desenvolvendo a mesma idéia exposta acima, são muito diferen-
tes uma da outra, embora pareça estranho supor que as cores
percebidas sejam cópias, fotografias ou espelhos refletores da
vibração" . 67

Torna-se evidente, aqui, que esses autores dão aos termos


"cópia", "fotografia" e "reflexo" o mesmo sentido que eles
adquirem quando os empregamos para a concepção dos fenô-
menos físicos. Por cópia, eles ente ndem cópia física, por
fotografia, clichê fotográfico, e por reflexo, reflexo do espelho.
Isso é o que se destaca, em particular, da afirmação de Gregor:
"Nós todos temos consciência do que entendemos quando fa-
lamos de 'image ns' no sentido de fot ogr afi a, pensamo s na
semelhança icônica — como se falássemos da semelhança de
um retrato" . 63

Mas Leni n dava um outro sentido a esses termos. Ele


salientava que as sensações são imagens subjetivas das coisas,
ideais, cópias, clichês ideais e não físicos . Send o imagens
69

subjetivas, isto é, existindo unicamente na consciência dos


homens, as sensações sofrem a influência não apenas do objeto
refletido, ou de suas propriedades, mas também do homem
refletor, dependendo não apenas do objeto, mas também do
sujeito, de seus órgãos sensitivos, de seu sistema nervoso, de
seu esta do psíquico. Em outros termo s, a sensaç ão é o resul-
tado da interação do objeto com o sujeito, ela traduz a apre-
sentação do objeto ao sujeito e, como todo fenômeno, não
apenas exprime a essência do objeto agente, mas, ao mesmo
tempo, a deform a. Nã o é por acaso que todo fenômeno,
quando coloca em evidência a essência desse ou daquele objeto,
nã o coincide com ela, mas dela distingue-se. Isso é ainda
mais característico da sensação, que exprime a essência do
objeto agindo sobre os órgãos sensitivos do homem, não sob
uma for ma material, mas sob uma fo rm a ideal, subje tiva.
Segue-se que a sensação não pode ser uma cópia literal e
completa, um espelho refletor fiel aos objetos, mas sim uma

87
A. B. Acton, The illusion of the epoch. Marxism-leninism as a
Philosophical creed, Londres, 1955, p. 40.
e8
A. James Gregor, op. cit., p. 35.
69
V. Lenin, op. cit., p. 121.

.115
reprodução modificada, segundo as particularidades do sujeito
refletor, desses ou daqueles aspectos, propriedades, do objeto.
Não se deve acreditar que isso tenha escapado aos críticos
da teori a leninista do refl exo. Ele s citam especialmen te a pas-
sagem em que Lenin faz referência à subjetividade das sensações
e o criticam. "Um a das tendê ncias do marxi smo contempo râ-
neo, escreve sobre isso A. J. Gregor, dá uma interpretação das
declarações de Lenin com um espírito crítico realista, isto é,
afi rma que a for ma da sensação é subjetiva, enquant o seu
conteú do é objetivo. Em outros termos, a sensação de vermelho
é um a for ma subjetiva 'do co nteú do objetivo' da onda de
comprimento dos 647.670 milionésimos de milímetro".
" ( . . . ) Mas essa interpretação, e le prosseg ue, é vulnerá vel
e podemos fazer a ela numerosas objeções'" 70
.
Em seu raciocínio cont ra a int erpr eta ção da sensação
enquanto "imagem subjetiva do mundo objetivo", Gregor diz
o seguinte: "Se consideramos que a sensação possui uma forma
subjetiva e um conteúdo objetivo no sentido anteriormente ci-
tado, poderemos então dizer de forma precisa que as sensações
'refletem', 'representam' , 'fot ograf am' a realidade? Não seria
mais exato dizer que, nas mel hore s condi ções, as sensações
'assinalam' a 'realidade' (isto é, as ondas luminosas, os elétrons,
os fótons etc.), que pode ser deduzida apenas por uma análise
conceituai e uma construção lógica?'"? . 1

O fato de que a sensação seja uma imagem subjetiva não


exclui um outro fato, o de que ela reflete a realidade objetiva,
da qual ela é uma cópia. A necess idade do pensamento abstra-
to, da análise lógica e da síntese para estabelecer a situação
real das coisas e descobrir a essência do objeto agente sobre
os órgãos sensitivos não mostra que a sensação não reflete a
realidade, mas sim que ela reflete, copia seus aspectos exterio-
res, o que se encont ra na superfí cie, isto é, o fenôme no. E o
fenômeno, como já dissemos, não coincide com a essência, ele
a def orm a. Refl eti ndo o fen ôme no e os aspectos exteriore s
da realidade objetiva, a sensação não está em condições de nos
for nec er o conhecim ento da essência. É po r isso que surge a
necessidade do pensamento abstrato que, por meio da análise

70
A. James Gregor, op. cit., p. 38.
71
A. James Gregor, op. cit., p. 38.

.116
lógica das sensações e da edificação de construções correspon-
dentes, realiza a passagem do exterior ao interior e reproduz
de maneira mais ou menos precisa a situação exata das coisas.
É preciso salientar aqui que a passagem do exterior ao interior,
da fixação do fenômeno nas sensações à reprodução da essência
do objeto no processo do pensamento abstrato torna-se possível
unicamente porque a realidade objetiva, seus aspectos e seus
momentos são refletidos,
é apenas apoiando-se sobresãoo copiados nas sensações,
conhecimento porquee
desses aspectos
propriedades próprios ao objeto refletido, existente objetiva-
mente com relação à natureza, que o conhecimento teórico
pode edificar construções conceituais, que reproduzirão a
essência do objeto estudado no sistema dos conceitos abstratos.
Assim, a subjetividade das sensações e o fato de que elas
não estão em condições de fornecer o conhecimento da essência
do objeto agente sobre os órgãos sensitivos não provam que
elas não refletem a realidade objetiva.
A segunda objeção de Gi'egor à subjetividade das sensa-
ções é igualmente sem fu nda me nt o. "Se, ele declara, apenas
a forma subjetiva (as sensações) nos é imediatamente dada,
quem pode nos garantir que podemos adivinhar o conteúdo
objetivo da experiência sensível?" . 72

Quando Lenin diz que a sensação é uma imagem subjetiva


do mundo objetivo, ele entende por subjetividade a dependência
das sensações ao sujeito, isto é, sua existência na consciência
do homem, como form açõ es ideais, esp irituais. Sendo subjetivas
por sua forma de existência, as sensações encerram, em seu
conteúdo, mome ntos que, sob uma for ma específic a pa ra o
sujeito (sob a forma de imagens ideais conscientes), refletem
os aspectos correspondentes do objeto agente sobre os órgãos
dos sentidos do homem e têm "um conteúdo independente do
sujeito,, indep endent e do home m e da humanidade" ,
a
7 3

presença desses momentos objetivos no conteúdo das sensações


garante o fato de que a experiência sensível nos dá um conhe-
cimento definido, verdadeiro, do mundo exterior, da realidade
objetiva.
Gregor entende a subjetividad e a sua maneira . Pa ra ele,
a subjetividade das sensações designa a ausência no mundo das

72
A. James Gregor, op. cit., p. 38.
73
V. Lenin, op. cit., p. 125.

.117
propriedades das quais tomamos consciência por meio das
sensaçõ es. É por isso, e nã o por acaso, qu e ele nega a existên-
cia no mundo ambiente de todas as propriedades colocadas em
evidência pelos home ns no proce sso do conhe cime nto. E ainda
mais, ele faz a imputação dess a negação a Lenin. " ( . . . ) Ago-
ra, com o aparecimento da relatividade e da física nuclear, ele
declara, não há mais qualidade única das 'coisas' que, em um
certo sentidonem
a extensão, , nãoa seja
cor, 're
nemfut ada '. Ne nem
o gosto, m o acomprimento,
forma, nem naem
estrutura, nem a impenetrabilidade podem apresentar-se como
qualidad es objetivas no sentido ontológic o. Sob a pr essão
dessas considerações, Lenin foi obrigado a afirmar que a 'filo-
sofia do materialismo' não deve designar qualidades definitivas
do objeto percebido, com exceção da propriedade 'de existência
incondicional fora da consciência' . Depo is de ter feito de
7 4

Lenin um subjetivista, Gregor escreve que: "Se nós só somos


capazes de determinar corretamente, em parte, as propriedades
objetivas da matér ia, como pod emo s dizer que as sensaçõ es
'copiam', 'refletem' e 'fotografam' essas propriedades?" 75
.
No que concerne a Gregor, ele deve ter, é claro, liberdade
par a ter a representação que ele quiser para essa ou aquela
propriedade da realidade ambiente. Ma s, pelo fato de que ele
confere a Lenin seu próprio ponto de vista, devemos deter-nos
nesse particular e examiná-lo mais detalhadamente.
Em primeiro lugar, nem a teoria da relatividade, nem a
física nuclear refutaram a objetividade da existência das pro-
priedades da matéria como o espaço, o tempo, a fo rma , a estru-
tur a etc. Nã o é sua objeti vidade, sua existência fo ra e indepen-
dente mente da consciência que é re fut ad a, mas seu caráter
absoluto, sua imutabilidade, sua independência com relação às
formasEmconcretas
segundodelugar,
existência
falandoda da
matéria.
objetividade da existência,
como propriedade única da matéria, em cujo reconhecimento
está ligado o materialismo filosófico, Lenin não negava a exis-
tência, na matéria, de outras propriedades universais e especí-
ficas; como por exemplo, ele salientava especialmente que esta

74
A. James Gregor, op. cit., p. 38-9.
75
A. James Gregor, op. cit., p. 39.

.118
é inconcebível sem o movimento, fora das características
espaciais e tempor ais etc. El e fazi a refer ência não à ausência
na matéria e nas formas concretas de seu ser dessas ou daquelas
propriedades objetivas, mas à relatividade de nossas represen-
tações d essas propr ieda des, à inevitabi lidade da modif icaç ão
dessas representações no decorrer do desenvolvimento do co-
nhecime nto social e da prát ica. Mas , fal and o do caráter rela-
tivo de nossos conhecimentos dessas ou daquelas propriedades
da realidade objetiva, Lenin destacava que elas trazem em si
momentos de absoluto, que nem tudo em seu conteúdo muda
com o desenvolvimento do conhec iment o. Alguma s idéias,
teses, conceitos, por refletirem de forma justa esse ou aquele
aspecto da realidade, permaneceram e constituem elos que
formam uma corrente infinita da verdade absoluta.
Logo, a afir maç ão de Grego r, segundo a qual "nós só
podemos determinar corretamente uma parte das propriedades
objetivas da matéria", é, simplesmente, muito errada, não cor-
respo nde à situação real. A prá ti ca social mos tra que pod emo s
determinar com precisão suficiente numerosas propriedades da
realidade ambiente. El a demonstr a constantemente que nossas
sensações refletem, copiam essas propriedades.
Certos autores, e em particular Acton, apresentam o se-
guinte argumento cont ra a conce pção marxis ta da sensaç ão
enquanto reflexo, cópia da rea lid ade obje tiva : "Se o sujeito
perceptivo, ele declara, nunca tem acesso direto às realidades
materiais que existem fora dele, mas tem apenas acesso às
cópias que essas matérias produzem nele, então o sujeito não
pode saber quais cópias são verdadeiras e quais são falsas,
quais as que se assemelham e quais as que não se assemelham
a seus srcinais" . 76

sob aEfetivamente, a realidade


forma de imagens objetivaqueapresenta-se
subjetivas ao homem
são suas cópias, mas
isso não significa que o homem não tenha acesso imediato à
realidade objetiva. Ess e acesso é aberto para ele pela atividade
prática, no curso da qual, orientando-je pelas cópias ideais
dos aspectos e ligações dessa realidade que se encontram em
sua consciência, o homem transforma a realidade e assim ele
próprio diz se essas cópias correspondem ou não ao original.

76
H. B. Acton, op. cit., p. 37.

.119
Da mesma maneira, referem-se freqüentemente ao fato de
que a concepçã o da consciência, como refle xo da realidade,
não é específica do marxis mo, que nã o repres enta o que o
marxismo trouxe de novo para o estudo desse problema e que
tal solução da questão é um feito não apenas de todos os
materialistas pré-marxistas, mas também de certos idealistas.

Alegando
grafias a concepção
e imagens de coisas,dasexpressa
sensações
porcomo
Lenin,cópias, foto-
A. James
Gregor faz notar, por exemplo, que: "Tem-se a impressão de
que Lenin adota esse tipo de representação identificando-se com
o materialismo dos séculos XVII e XVIIF' ' . "A teo ria do
7 1

reflexo, escreve sobre isso Markovic, não é típica da filosofia


marxista; desde Demócrito, ela foi defendida pelas diferentes
form as do reali smo ingênuo e do materia lismo mecanicista.
Esta teoria não exprime o elemento novo trazido por Marx à
Filosofia'" . Segundo Bra nko Bosni ak, se se tra ta da teoria
78

do reflexo, é interessante lembrar que ela não é específica da


teoria do ma teria lismo filosó fico. A teoria do reflexo foi

apresentada pelaa primeira


que consi derav que tu dovezo no
quesistema
existe filosófico
(o re al ) de Platão,
deve ter seu
mode lo em algu ma coisa de abs olut o (a idé ia) . . .'"79. A teoria
do reflexo, decl ara Da no Grl ic, "evide ntemen te não é um
produto especial do pensamento marxista e os materialistas nã o
são os únicos a aceitá-la. . . já que ela também é aceita por
vários idealistas objetivos. Pl atã o que, por coisas objetivas
entende as idéias e também considera que o processo cognitivo
desenvolve-se no plano do subjetivo está, sem dúvida alguma,
de acordo com ela.. . "so.
É verdade que a concepção da consciência como reflexo
da realidade caracteriza não apenas o marxismo, mas também
a filosofi
não a pré-ma
constitui rxist a. novo
o elemento É tamtrazido
bém verd ademarxismo
pelo que esta concepçã
à Filo- o
sofia. A filos ofia marxi sta não nasce u do nad a, ela é herdeira
de tudo o que é racional, de tudo o que foi obtido pela filosofia
precedente. É precisamente a esse racional que se relaciona
a tese segundo a qual a consciência é um reflexo da realidade.

"A. James Gregor, op. cit., p. 36.


M. Markovic, op. cit., p. 129.
78

™Neki problemi teorije odraza, p. 108.


"Neki problemi teorije odraza, p. 134.
s

.120
Tendo emprestado essa tese dos filósofos materialistas, Marx
e Engels não a deixaram em sua forma primitiva, mas a desen-
volveram. Ele s a livr aram de seu caráter contempl ativo e
mecanicista. Pa ra Ma rx e Engels, o reflexo da rea lida de
objetiva pela consciência não se produz passivamente, como
no espelho, nem de forma estática, como pensavam os materia-
listas pré-marxistas, mas de maneira ativa, criativa, sobre a
base e no decorrer da transformação prática da realidade. E
tudo isso constitui precisamente o elemento novo introduzido
por Mar x e Engels na concepção do reflexo da realidade
objetiva pela consciência, concepção da qual parte Lenin na
elabo ração da teor ia do refle xo. Os críticos da teor ia leninista
do reflexo a apresentam como se ela não se distinguisse em
nada das concepções da consciência, apresentadas pelos mate-
rialistas pré-marxistas.
Alguns, como Gajo Petrovic e outros, consideram que o
mérito de Marx e Engels foi o de considerar o homem como
um ser criador e de assim ter transposto o caráter contempla-
tivo do materialismo anterior, mas eles também afirmam que
a teoria do reflexo contradiz a essência da teoria marxista,
embora essas teses tenham sido apresentadas tanto nas obras
de Mar x e .Engels com nas de Lenin. Sobre isso Petrovic
escreve que: "Eu sublinho que a teoria do reflexo é incompa-
tível com a concepção marxista do homem, como ser criador
prático. Qua ndo digo isso, não afirmo absolutamente que essa
teoria não se encontre nas obras de Engels e Lenin e mesmo
nas de Marx" . "O s elementos da teoria do reflex o, ele
81

prossegue, são descobertos até mesmo onde não esperávamos


encontrá-los, como, por exemplo, na primeira parte da tese de
Mar x sobre Fe uer bac h, se a examinamos isolad amente. Em
compensação, essa teoria encontra-se em contradição com toda
a concepção marxista do mundo e do homem" 82
.
Outros ainda, percebendo a introdução feita por Marx,
do momento da atividade na teoria do conhecimento, dizem
que ele foi obrigado a adotar essa atividade para satisfazer sua
teoria materialista do desenv olvime nto social. ( . . . ) Para ga-
rantir, escreve Henry B. Mayo, o fundamento determinista de

«G. Petrovic, op. cit., p. 255.


s G. Petrovic, op. cit., p. 257.
2

.121
suas leis de aço da história, Marx tinha freqüentemente a ten-
dência de adotar essa atividade (atividade do sujeito manifes-
tando-se no processo de sua interação com a realidade que o
rodei a — A. Ch .) e faze r dela alguma coisa que se assemelha
às mais simplistas concepções de Engels e de Lenin, segundo
as quais a consciência é um simples reflexo da matéria dia-
lética'^.
Os críticos da concepção leninista da consciência como
reflexo da realidade não podem ou não querem compreender
que essa tese não somente não contradiz a concepção marxista
do homem enquanto ser prático criador, mas que ela é um
aspecto necessário dessa concepção e que não apenas ela não
conduz à diminuição da atividade do sujeito em sua influência
sobre a realidade ambiente, mas ainda que ela torna possível
o fundamento científico dessa atividade, descobrindo as condi-
ções da ação criadora do sujeito.
No que concerne aos argumentos segundo os quais os
idealistas objetivos compartilham a concepção da consciência
como reflexo
cepção da realidade,
caracteriza a teoria edesegundo
Platão, os quais
esses uma tal con-
argumentos não
têm nenhum fun dam ent o real. Pa ra os marxistas, a concepção
da consciência como reflexo da realidade está ligada à solução
materialista da questão fundamental da Filosofia e constitui um
aspecto necessário dessa soluç ão. A consciência é secundária
em relação à matéria, porque é engendrada por ela em um
certo estágio de seu desenvolvimento e também porque é o
reflexo da matéria que existe fora e independentemente dela.
Nenhum idealista pod e aceitar essa solução da questão. Para
os idealistas, a consciência não é segunda em relação à matéria,
ela é primeira, engendra a matéria, as coisas sensíveis e, de uma
maneiraqueoua de
idéias out ra, reflete-se
constituem nelas. Pa cópias
que são fotografias, ra eles,dasnã coisas
o são as
materiais, mas, pelo contrário, estas últimas é que são cópias
das idéias. E isso é ta mbé m preci samen te o que acontece com
a solução dessa ques tão na teor ia de Pla tão . Parec e-nos, entã o,
muito claro que a concepção marxista da consciência, como
reflexo da realidade, não apenas nada tem em comum com
a concepção idealista e, em particular, com a concepção pla-
tônica, mas ainda que ela é diretamente oposta a elas.

83
H. B. Mayo, Introduction of marxist theory, New York, 1960, p. 44.

.122
Examinamos o conjunto dos principais argumentos apre-
sentados por diferentes autores contra a concepção marxista
da consciência como reflexo da realidade e vimos que eles não
têm fun dam ent o. A consciên cia é uma for ma particu lar, supe-
rior do reflexo do mundo exterior e é unicamente por isso
que ela pode orientar o homem na realidade ambiente e trans-
formá-la, modificá-la de forma criativa.

.123
IV. AS CATEGORIAS
COMO GRAUS
DO DESENVOLVIMENTO
DO CONHECIMENTO
SOCIAL E DA PRÁTICA

Com o surgimento da consciência, o reflexo da realidade,


pelo sujeito, adquire um caráter consciente e manifesta-se, antes
de tudo, sob a forma de conhecimento, chamado para assegurar
à sociedade os conhecimentos necessários para a organização
e o desenvolvimento da produção, assim como a transformação
do meio ambiente no interese do homem.
Estando ligado organicamente à atividade laboriosa dos
homens e à prática, o conhecimento, como já fizemos observar,
funciona a partir da prática e desenvolve-se da intuição viva
ao pensamento abstrato, e do pensamento abstrato à prática,
como critério de verda de. Rep eti ndo um núm er o infinit o de
vezes o ciclo: intuição viva-pensamento abstrato-prática, o co-
nhecimento desenvolve-se, descobre novos aspectos e ligações
e, em um certo estágio de seu desenvolvimento, começa a captar
e a distinguir as propriedades e as ligações universais e a tomar
consciência das leis universais da realidade e das formas uni-
versais do ser.

Os aspectos
se, como e as ligações
já dissemos, universais que,
nas categorias conhecidos
sen do exprimem-
for mas do
reflexo do universal, são também, ao mesmo tempo, pontos
centrais, graus do movimento do conhecimento inferior ao
superior.
Em que ordem realizou-se o conhecimento das formas
universais do ser, das propriedades e das ligações universais da
realida de? Em que ordem surgiram as categorias filosóficas e
qual a relação existente entre elas, enquanto graus do desen-
volvimento do conhecimento social?
Vamos tentar aqui responder a essas perguntas.

.124
1. A RELA ÇÃO EN TR E
AS CATEGORIAS
DA DIALÉTICA ENQUANTO
GRAUS DO DESENVOLVIMENTO
DO CONHECIMENTO

mentoSabemos que a forma


da consciência, primeira,
é a tomada de aconsciência,
mais simplespelo
do homem,
apareci-
de sua existência, a separação de si com relação à natureza e a
compre ensão de sua relação com ela . O animal não se distin gue
da real idade que o rodeia, ele não sabe que existe. "O animal,
escrevem a esse respeito Marx e Engels, 'não está em relação'
com nada, não conhece, somando tudo, nenhuma relação.
Para o animal, suas relações com os outros não existem en-
quan to rela ções "!. É o homem que, tend o já adquiri do a
consciência, not a pela primeira vez sua existência e toma
consciência de seu relacionamento com o mundo exterior.
Desligando-se da natureza pelo trabalho, o homem toma
consciência de sua
mundo exterior porautonomia
meio da eação
de seu
ativarelacionamento comsobre
que ele exerce o
este último, transformando-o, segundo seu projeto, no interesse
da sociedade. Isso condiciona o fa to de que a rela ção do
homem com o mundo exterior manifeste-se, antes de tudo,
como uma interação com o mundo, cujo resultado é a trans-
for maç ão deste último. Esses mome ntos do relaci onamento
do homem com a realidade ambiente são captados por meio
dos conceitos de correlação e de movimento.
A separação em si, com relação à natureza, supõe a tomada
de consciência pelo homem da espacialidade, da existência dos
objet os for a dele e, ao mesmo tempo, do aparec iment o da
representação,
espaciais. O depois do conceito
conheciment o dasdeparti
espaço, das características
cular idade s das tran sfor-
mações intervindo na realidade ambiente, em decorrência da
atividade laboriosa, conduz à formação do conceito de tempo,
como medida de toda modificação e de todo movimento con-
cretos.
Confrontando-se no processo do trabalho e na vida quo-
tidiana com o particular, isto é, com os objeto s, fenômenos,
processos particulares, o homem distingue aqueles dentre eles

'K. Marx, F. Engels, L'idéologie alemande, p. 59.

.125
que,'estando de uma maneira ou de outra ligados a sua atividade
vital, poderiam ser utilizados para a satisfação dessa ou daquela
necessidade da socie dade e os concebia, no começo, como
alguma coisa singular, inédita, jamais encontrada.
Mas, à medida que foi descobrindo outros objetos, capazes
de satisfazer a essa mesma necessidade, o homem os reuniu em
um mesmo grupo e fez deles uma representação geral, depois
um conceito, e assim executou a passagem, na consciência, no
pensamento, do singular ao geral e, no curso do desenvolvi-
mento ulterior da prática, ao universal.
Tomando consciência do particular (objeto, processo,
fenômeno) como singular, o homem julgava-o sob o ângulo de
sua qualidade e esforçava-se para elucidar o que representava
esse objeto. Nesse grau do desenvolviment o do conheci mento
do objeto, as características quantitativas eram indiferenciadas
e manifes tavam-s e como qualitat ivas. Mas, à medida que o
homem passava de um objeto para vários, e comparando-os na
prática
o geral ee o nadiferente
consciência, ressaltava
(particular), sua semelhança,
ele começava isto é,
a tomar cons-
ciência das características quantitativas. Cad a aspecto da qua-
lidade, cada uma de suas propriedades pareciam desdobrar-se;
ao lado da mani fes taç ão do que ela re presen tava, revelava
também sua grandeza.
As características qualitativas e quantitativas distinguidas
nesse grau do desenvolvimento do conhecimento são considera-
das pelo homem como coexistentes, independentes umas das
outras. O desenvol vimento ulter ior do conheci mento do obj eto
conduz à descoberta da correlação e da interdependência orgâ-
nicas das características qualitativas e quantitativas, de sua in-
terpenetração e de sua passagem de uma a outra.
Com o conhe cimen to da corre laçã o entre os diferentes
aspectos da qualidade, entre as características quantitativas e
as passagens recíprocas da quantidade e da qualidade, o ho-
mem consegue tomar consciência de que a transformação de
um aspecto, de uma propriedade, de um fenômeno é condicio-
nada por uma certa modificação de um Outro aspecto, uma
outra propr ieda de, um o utr o fe nôm eno . O que engendra o
outro e condiciona seu aparecimento reflete-se no conceito de
causa-, o que é engendrado e condicionado reflete-se no conceito
de efeito.

.126
O estudo da ligação de causa e efeito, mostra que, em
certas condições, a causa engendra o efeito corespondente, que
a ligação da causa e do efeito possui um caráter necessário.
Surge, então, o conceito de necessidade. A necess idade é,
antes de tudo, concebida como propriedade da ligação de
causa e efeito . Ent re ta nto , no decorrer do desenvolvimen to
do conhecimento, o conteúdo do conceito de necessidade vai
precisando-se. Começa-se a considerar como necessários nã o
somente os laços causais, mas também todas as ligações que
se mani fes tam neces sari amente em certas condições, e não
apenas as ligações, mas também as propriedades e os aspectos,
próprios ao objeto por sua natureza. As ligações necessárias
estáveis, repetindo-se, começam a ser consideradas como leis,
a ser conceb idas med ian te o conceito de lei especialmente
criada pelo seu reflexo .
 medida que vão-se acumulando conhecimentos sobre
as propriedades e ligações (leis) necessárias no domínio estu-

dado damentos
conheci realidade,
em surge
um atodnecessidade
o único e dede reunir todos
consider essess os
ar todo
aspectos (propriedades) e ligações (leis) necessárias do objeto
em sua interdependêncianat ura l. A repr oduç ão, na consciência
e no sistema, de imagens ideais (conceitos) do conjunto dos
aspectos e ligações necessários próprios ao objeto representa
o conhecimento de sua essência.
O movimento em direção da essência começa com a defi-
nição do fundamento — do aspecto determinante, da relação
— que desempenha o papel de célula original na tom ada de
consciência teóri ca da essência do tod o estuda do. A dedu ção
(explicação), desde o princípio de partida, de todos os aspectos
que constituem a essência do objeto supõe a análise do funda-
mento (do aspecto determinante, da relação) em seu movimen-
to, seu aparecimento e seu desenvolvimento, porque é precisa-
mente no curso de seu desenvolvimento que o fundamento faz
nascer e transforma outros aspectos e relações do todo (do
fun dam ent ado ) e assim for ma sua essência. A represen tação
da célula srcinal (do fundamento) do todo estudado em mo-
vimento e em desenvolvimento presume a descoberta de ten-
dências contraditórias que lhe são próprias, da luta dos contrá-
rios que condiciona sua passagem de um estado qualitativo a
outro . Assim, o conheci mento, desenvolvendo-se, chega final -

.127
mente à necessidade da formação das categorias de "contradi-
ção", de "unidade" e de "luta dos contrários".
Colocando em evidência a contradição própria do funda-
mento e seguindo seu desenvolvimento e sua resolução, assim
como a transformação do objeto, o sujeito descobre que a
passagem do objeto de um estado qualitativo a outro, efetua-se
mediante a negação
a manutenção do quedialética de certas
é positivo formas edoa ser
no negativo por outros,
repetição do
que já passo u sobre um a nova base superior. Os conceitos de
negação dialética e de negação da negação surgiram para re-
fletir essa lei.
O conhecimento do objeto não termina com a reprodução
da essência na consciência. Ele vai ainda mais longe: por
um lado, da essência ao fenômeno (as propriedades e as liga-
ções contingentes exteriores explicam-se a partir dos aspectos
e das ligações int eri ore s), por outro lado, da essência da
ordem primeira à essência da ordem segunda e assim suces-
sivamente até o infinito (à medida que descobrimos novas
propriedades e ligações necessárias do objeto, são produzidas
a el ucidaç ão teóric a de sua essênc ia e a elab oraç ão de um
sistema de conceitos por seu reflexo, que é sempre mais pre-
ciso e completo).

2. ORDE M DE APAR ECIM ENTO


E DE APLICAÇÃO DAS CATEGORIAS
DA DIALÉTICA NO CURSO
DO DESENVOLVIMENTO
DO CONHECIMENTO CIENTIFICO
Pode-se observar a lei do movimento do conhecimento
de uma categoria a outra no desenvolvimento dos conhecimen-
tos científicos. Pelo fat o de que as categorias são gra us ne-
cessários do desenvolvimento do conhecimento social, o mo-
vimento de umas às outras deve necessariamente surgir em
qualquer domínio do saber.
Tomemos como exemplo a história do desenvolvimento do
conhec iment o dos fenôme nos elétricos. Sabe-se que na Anti-
güidade o âmbar foi descoberto sob a forma de objetos par-
ticulares, existindo de fo rma autô noma . Com o manusei o do
âmbar, do qual faziam jóias e ornamentos, os homens notaram
que, fric cion ado, ele adquiria a f acul dade de atrair outros

.128
corpos . A primeira c oisa que foi obser vada nesse fenôm eno
foi a ligação existente entre a faculdade do âmbar de atrair
outros corpos e a fricção, e a ligação do âmbar, pela atração,
com outros corpos, assim como as modificações condicionadas
por essas ligações (interações), isto é, o movimento. Tudo
isso no começo não passou de observações isoladas, concernin-
do certos
que esse casos de poli
fenômeno se ment o do âmbar
reproduzia, . Em seguida,
os homens à medi
conceberam a da
idéia de que o âmbar era uma substância capaz de manifestar,
por meio da fricção, propriedades elétricas. O desenvolvimento
ulterior do conhecimento da eletricidade prosseguiu com a des-
coberta de novos corpos capazes de manifestar, por meio da
fricção, propriedades elétricas e da formação, assim, de uma
repre sent ação sempre mais geral da eletricidade. Na Grécia do
século IV, antes de nossa era, por exemplo, a propriedade de
atrair corpos leves por fricção foi observada em uma pedra
preciosa chamada lynkurion. No fim do século XV I, o sábio
inglês William Gilbert descobriu essa mesma propriedade no
diamante,
fre na safira,
, na resina e emna outras
ametista, no cristal de Em
substâncias. rocha, no enxo-
seguida, ficou
estabelecido que a faculdade de uma substância de atrair por
fricção outros corpos (mais. leves) pertencia a todos os corpos
maus condut ores de eletricidade. Fin alme nte, no começo do
século XVIII (1729), o físico inglês Stephen Gray descobriu
essa faculdade em corpos que eram também bons condutores
de eletricidade. El e estabeleceu, entã o, que se esses corpos
fossem colocados sobre um suporte isolante, eles poderiam ser
eletrizados por fricção.
No decorrer dessas pesquisas, as características qualitativas
e quantitat ivas dos fenômen os elétricos fo ra m colocadas em
evidência. Depois de haver descob erto a prop rie dad e do
âmbar de, friccionado, atrair outros corpos, os homens esfor-
çaram-se, naturalmente, para compreender o que representava
esse fenômeno, isto é, esforçaram-se para elucidar seu aspecto
qualitat ivo. E par a conseg uir isso, eles com para ram esse a
outros fenôme nos. Com para ndo os fenô meno s elétrico s com
os fenômenos eletromagnéticos, Gilbert (1600) observou, por
exemplo, que a força elétrica surge graças à fricção, que desa-
parece no momento do contato com alguns corpos, que atrai
os mais diferentes corpos etc. Mais tard e, Guericke ( 16 72 )
estabeleceu que ao lado da atração elétrica existe também a

.129
repulsã o elétrica. Em 1729 Stephe n Gray, generalizando várias
experiências com a eletricidade, concluiu que todos os corpos
dividem -se em condu tore s e em isolantes . Algum temp o depois
(1730), Du Fay estabeleceu que a eletricidade é qualitativa-
mente hetero gênea e que há dois tipos de eletricidade. Em
1749, Franklin descobriu que, no momento da eletrificação
dos corpos, manifestam-se sempre dois tipos de eletricidade,
iguais em quali dade. Alguns anos mais tard e, Joh n Cant on
descobriu a faculdade que um corpo, colocado sobre um suporte
isolante, tem de eletrificar-se , se dele for aprox imad o um
outro corpo carre gado de eletri cidade etc. Assim, evidencian-
do uma após a outra, as propriedades da eletricidade, os sábios
formaram uma idéia cada vez mais completa de sua qualidade.
Depois de ter sido dada uma certa explicação sobre o
aspecto qualitativo dos fen ôme nos elétricos, a aten ção dos
pesquisadores voltou-se em direção ao aspecto quantitativo e
às características desses fenô meno s. Charles Coulomb deu
um passo decisivo no estudo do aspecto quantitativo da eletri-
cidade.
medir as Utiliza
forças ndo um apare elh
de atração deo repulsão
que ele elétricas
havia criado
(balançapara
de torsão), estabeleceu, em 1784, uma série de características
quantitativas fundamentais da eletricidade.
A partir do século XIX, observa-se a passagem ao estudo
da correlação entre os diferentes aspectos quantitativos e qua-
litativos, assim como entre as características qualitativas e
quantitati vas dos fe nôm enos elétricos. Em 1826, o físico
alemão Ohn provou que a resistência do condutor depende do
comprimento desse condutor, da superfície de sua secção e de
sua natur eza. Bem mais tar de, o ac adêmico russo Lenz e o
físico inglês Joule estabeleceram que a quantidade de calor
desprendida
um condutornodepende
momentoda da passagemdesse
resistência da corrente
condutor,elétrica em
da inten-
sidade da corrente e de sua duração.
No decorrer da análise da correlação das características
qualitativas e quantitativas dos fenômenos elétricos, foi feita
a tentativa de estabelecer o laço de causa e efeito desses fenô-
menos e de colocar em evidência as causas que os condicionam.
Assim, no começo do século XIX, o italiano Volta explicou
que há o aparecimento de uma corrente elétrica quando metais
diferentes são reun idos por um a artic ulação úmi da. Em 1821,
o francês Arago descobriu que a agulha imantada desvia-se

.130
no campo de uma corrente elétrica; em 1831, Faraday explicou
porque a rotação de um círculo de cobre provoca o desvio da
agulha imantada etc.
Os laços de causa e efeito, colocados em evidência nos
fenômenos elétricos, foram apresentados como necessários, pro-
duzindo-se nece ssar iame nte em certas condições. Ara go, por

exemplo,
no apresentou
aparecimento como
de um necessário
campo o laço
magnético em de causa
torno e efeito
de um con-
dutor percorrido pela corrente elétrica; o laço do campo
magnético e do desvio da agulha iman tada foi apre sent ado
como necessário por Oersted.
As ligações necessárias mais importantes são concebidas
median te a categori a de lei. A dependência da resistência
do condutor de sua substância, de seu comprimento e da
superfície de sua secção, por exemplo, colocada em evidência
por Ohm, foi cha mada de lei. A quantidade de calor emitida
no momento da passagem da corrente elétrica pelo condutor
depende necessariamente da resistência do condutor, da inten-
sidade
Física da
porcorrente
Len z ee do
Joutempo; issomeio
le. Por foi expresso em umadeleileida foi
da categoria
concebida a ligação necessária, evidenciada por Faraday, entre
a substância depositando-se sobre os elétrons e a quantidade
de eletricidade que atravessa o eletrólito etc.
À medida que houve o acúmulo de conhecimentos sobre
os aspectos e as ligações (leis) concernentes aos fenômenos
físicos, houve também a tentativa de estabelecer sua interde-
pendência, de reuni-los em uma teoria única, isto é, de repro-
duzir na consciênc ia a essência da eletricidade. O perí odo
do desenvolvimento do conhecimento dos fenômenos elétricos,
que começou com a descoberta do elétron e do próton. é um
exemplo do gra u do movime nto do conheci mento. Com a
descoberta do elétron, portador de carga elétrica negativa, e
depois com a descoberta do próton, cuja carga é positiva, o
átomo foi considerado como uma formação material consti-
tuída por um a qua nti dad e igual de elétrons e de prót ons . A
carga do corpo era explicada pelo fato de que, por determina-
das razões, o número de elétrons não correspondia ao número
de próton s. Se hav ia meno s elétron s do que próton s, o cor po era
considerado como tendo carga positiva, se havia mais elétrons
do que prótons, o corpo era considerado como tendo carga
negativa. Segundo e ssas concepções, a eletrific ação dos corpos

.131
não representava nada mais do que a criação neles de uma
insuficiência ou de uma superabundância de elétrons para sua
transmissão para outros corpos ou seu empréstimo destes
últimos. Isso explicava porq ue o aparec imento de uma certa
carga elétrica em um corpo acarreta necessariamente o apare-
cimento de uma carga oposta equivalente em um outro corpo.
Partindo da interação dos elétrons e dos prótons, a divisão da
carga entre os corpos carregados ou não-carregados no mo-
mento de seu contato, assim como o desaparecimento da carga
no momento do contato de corpos carregados opostos e a
int rodu ção eletroe státi ca etc. eram facilm ente explicados. A
descoberta do elétron, como parte constitutiva do átomo de
qualquer substância, permitia igualmente a compreensão do
fat o de que certos corpos são condutor es de eletricidade,
enqu anto outr os corpos não o são. Ess e fen ôme no está ligado
à estr utura da cam ada eletrônica dos átomo s. Par tin do da
estrutura eletrônica, a essência de alguns fenômenos elétricos
torna-se compreensível, como, por exemplo, a corrente galvâ-
nica, a termoeletricidade, a introdução eletromagnética etc.
Dessa forma, o elétron constitui a base, o elo fundamental e
decisivo a partir do qual poderia ser explicado o conjunto
dos fenômenos elétricos, representando-os como um todo, como
uma corrente única da manifestação da natureza eletrônica da
substâ ncia. Ness e estágio de seu desenvolviment o, o conheci-
mento consegue captar a essência da eletricidade e compreender
as propriedades (fenômenos) elétricas em sua ligação necessá-
ria e em sua interdependência.
Assim, o desenvolvimento do conhecimento da eletricidade
testemunha que o conhecimento começa com a colocação em
evidência do particular, dos fenômenos particulares, de seu
isolamento e que passa ao reflexo de sua correlação, de sua
interação e da modificação (do movimento) desses fenômenos
particulares, que ele acarreta. No começo, o particular era
percebido como singular, depois, no curso da comparação com
outros fenômenos (objetos) particulares, o geral distinguiu-se
e houve o movimento do menos geral para o mais geral e,
enfim, para o universal. No processo do movim ento do co-
nhecimento, do singular para o geral, efetua-se a evidenciação
da qualidade e da quantidade do objeto estudado e a passagem
da primeira à segunda, assim como sua correlação e, depois,

.132
a passagem à causalidade, à necessidade, à lei, ao fundamento,
à contradição e à essência.

3. A REL AÇÃ O DAS CATE GORI AS


COMO PONTOS CENTRAIS,

CONSIDERADA
DO SOB O ÂNGULO
DESENVOLVIMENTO
DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

A lei do movimento do conhecimento de uma categoria a


outra, que mencionamos acima, aparece claramente na história
da Filosofia, na ordem do estudo das categorias e da elaboração
das forma s de movimento do pensamento filosófico. Para
examinar esse ponto, deteremo-nos um pouco na história da
Filosofia ocidental.
Os primeiros filósofos gregos, Thales, Anaxímenes e Ana-
ximandro davam uma importância excepcional às categorias
de "li gaçã
nhavam o o" e de
papel de "movi ment iniciais
princípios o". Essas categorias dedesempe-
na elaboração suas
concepções do mun do. O estudo das categorias de correlaç ão
e de movimento tornou necessária a análise dos conceitos de
espaço e de tem po. Os filósofos da Anti güid ade referia m-se
aos conceitos de espaço para fundamentar o ser real das coisas
e de seu movim ento. Para a e xistênc ia e o movi ment o das
coisas, segun do eles, é preciso um lugar, isto é, o espa ço. Lu -
crécio, por exemplo, dizia que se não houvesse nem espaço,
nem lugar — o que nós chamamos de vazio — os corpos
não pode ria m encontrar -se em lugar algum e tam bém não
poderiam deslocar-se. A formação do conceito filosófico de

espaço aencerrou-se
meiro comconceito
utilizar esse a filosofiacomo
de Aristóteles
categor ia.que Cons
foi oidera
pri- ndo
o espaço como um lugar ocupado alternadamente pelas coisas,
ele relaciona essa categoria com o limite que separa um corpo
do outro e assim reúne a categoria de espaço à categoria de
relaçã o. No que concerne ao conceito de tem po, apena s Aris-
tóteles o estabeleceu definitivamente como categoria. Ò tempo,
segundo Aristóteles, é uma característica do movimento que
exprime nele a duraç ão. O tempo, salientava Aristóteles, é
apenas "o número do movimento" . Pa ra mos tra r a ligação
2

2
Aristóteles, Phisique, Paris, I-IV t. 1, v. 1-4, p. 150.

.133
orgân ica do tempo e do movimento, ele escreve u: " . . . medi-
mos não somente o movimento pelo tempo, mas também o
tempo pelo movimento, porque eles determinam-se reciproca-
mente; já que o tempo determina o movimento, do qual ele é
o número, e o movimento, o tempo" . 3

Nesse mesmo período desenvolveu-se a elaboração das


categorias do "singular" e do "geral". Os primeiros filósofos
gregos e, em particular, os representantes da escola de Mileto
elaboraram suas concepções partindo do particular, do singular
(da água, do ar etc), que tomava, para eles, a forma do ser
dos fenômenos concretos, embora também desempenhasse o
papel de princípio primeiro de tudo o que existe. Para Platão,
a forma determinante do ser é o geral, as essências ideais gerais
que constituem o mundo real; quanto ao particular, ao singular,
Platão denomina-o o mundo das sombras, cópia imperfeita do
mundo das idéias.
Aristóteles empreende a tarefa de colocar em evidência
dialética do singular e do geral, do geral e do particular.
Considerando o mundo exterior, a realidade ambiente por
meio do prisma do particular, do singular, os primeiros filósofos
gregos estudavam os fenômenos que aí se desenvolviam sob o
ângulo de sua qual idad e. Os pitagóricos conc ent rar am sua
atenção no aspecto quantitat ivo dos objetos . No estudo d esse
problema, Empédoc les e Anaxágoras deslocaram o centro da
gravidade par a a corre laçã o da quant idad e e da quali dade.
Segundo Empédocles, por exemplo, a qualidade de uma coisa
é determinada pela prop orç ão na qual agrupam-se os quat ro
elementos ("princípios") que a compõem: a água, a terra, o
ar e o fogo . Ess a elaboração , e a trans formaç ão posterior, d os
conceitos de qualidade e de quantidade e de sua correlação
em categorias foi efetuada por Aristóteles.
A filosofia de Aristóteles encerra o período do movimento
do conhecimento do singular ao geral e, em conseqüência, da
qualida de à qua nti dad e e de sua correla ção. Mas, ence rrand o
uma etapa do movimento do conhecimento, Aristóteles come-
çava outra. El e analisa as categorias de "ca usa lid ade " e de
"fo rma ". A filosofi a da Ida de Média nad a acrescentou à
contribuição de Aristóteles na elaboração dessas categorias
e também não trouxe nada de novo na análise das categorias

3
Aristóteles, op. cit., p. 153-4.

.134
de singular e de geral, que permaneceram, entretanto, sempre
no centro das atenções.
Mais tarde, a intelecção das categorias de causalidade e
de forma entra, juntamente com a filosofia de Francis Bacon,
nos tempos modernos.
Ao contrário de Aristóteles, segundo o qual a causa ori-
ginal encontrava-se fora da matéria, Bacon considerava que
as causas das coisas estão contidas nos elementos (as nature-
zas), a partir dos quais se forma a coisa, isto é, não fora da
matéria, mas nela própria . Proc edend o à análise da causa-
4

lidade, Bacon pressentiu sua ligação com as categorias de forma


e de lei (ne ces si dad e). Segundo ele, as causas das nat urez as
particulares (fenômenos, propriedades) são formas que não
representam nada além de leis®.
Na questão da concepção da form a, Francis Bacon deu
um grande passo a fr en te de Arist óteles que, se par and o a
forma da matéria, reconhecia a existência de uma matéria
indefinida (in for me) e de uma for ma imaterial pura e, part i-
cularmente, a fo rm a de toda s as forma s — Deus. Segundo a
teoria de F. Bacon, a forma é inseparável da coisa material,
existe nela mesma, determina sua natureza, é uma lei à qual
esta coisa é submissa .
6

Isso prova, precisamente, que a teoria de Bacon é que


representa esse estágio da história da Filosofia, que corresponde
ao grau de conhecimento ligado à colocação em evidência da
ligação de causa e efeito e à formação dos conceitos de forma
e de lei (necessidade).
Mas esse estágio nã o se encerra com Fran cis Bac on. En -
contramos o desenvolvimento da teoria da causalidade e de
sua ligação com a necess idade em Spinoza, que salie ntou o
caráter geral, universal da ligação da causa e efeito, identifi-
cando com a neces sida de. Ao mesmo tem po, Spinoza colocou
a questão da causa primeira, do fundamento dos fenômenos
observados no mundo, da maneira pela qual as coisas começa-
ram a existir e em que tipo de dependência elas encontram-se
com relação à causa primeira; ele via na substância que, sendo

4
F. Bacon, Oeuvres de Bacon: Nouvel Organon, Essais de morale
et de politique de la sagesse des anciens, Paris, 1945, p. 86.
F. Bacon, op. cit., p. 85-6.
5

6
F. Bacon, op. cit., p. 150.

.135
sua própria causa, é também o fundamento de tudo o que
existe.
Prosseguindo o estudo da causalidade e da necessidade,
começado por F. Bacon, Spinoza passa para um novo grau,
um novo ponto nodal do desenvolvimento do conhecimento —
passa às categorias do funda me nto e do fun dament ado . Mas,
tomando a substância
e declarando-a eterna,como fundamento
infinita, imutável,deSpinoza
tudo o não
que existe
podia
explicar o aparecimento e a modificação das coisas e dos fenô-
menos limitados no espaço e no tempo.
No começo de sua atividade filosófica, Kan t fez a primeira
tentativa para resolver esse problema — deduzir o fundamen-
tad o do fu nd am en to . Segundo a hipóte se de Kant , o surgi-
mento e o desaparecimento dos mundos, das coisas e dos
fenômenos é o resultado de tendências (forças) contrárias pró-
prias à matéria — a atração e a repulsa. Tendo dado um passo
no estudo da correlação do fundamento e do fundamentado,
que consiste na colocação em evidência da natureza contradi-
tória do fundamento
mentado e nae explicação,
(aparecimento a partir
transformação das dela, do funda-
coisas e dos
fenômenos particulares), Kant dedicou também uma grande
atenção ao problema da lei, da necessidade, da forma, problema
colocado e, de uma certa maneira, resolvido por F. Bacon e
Spinoza. O perí odo do estudo das categorias de necessário e
de contingente, de conteúdo e de forma estende-se até Hegel
que, na análise dialética dessas categorias, delimitou-as rigo-
rosamente, colocando em evidência sua unidade contraditória,
mostrando suas correlações e suas passagens de umas. às outras
e que, dessa maneira, marcou o fim dessa etapa do movimento
do pen sam ent o filosófi co. Mas isso nã o é o essencial da filo-
sofiadohegeli
leis ana. Ao
movimento do nome de Hegeldirigido
conhecimento está ligado
para ao essência.
estudo das
Dese nvol vendo a idéia de Spinoza, segundo a qual a
substância é sua própria causa, assim como a causa de tudo o
que existe, e desenvolvendo também a teoria de Kant sobre a
natureza contraditória da causa primeira, Hegel mostrou como
a substância (o fundamento) desenvolve seu conteúdo e en-
gendr a a diversi dade das for mas do ser. Na quali dade de
substância — de fundamento e de causa primeira de tudo o
que existe — é encontrada em Hegel a "idéia absoluta" que,
graças a sua natureza contraditória, no curso da negação

.136
dialética de certas formas do ser por outras, cria e, ao mesmo
tem po, fun da me nt a sua essênc ia. Mos tra ndo o processo do
movimento do conhecimento em relação à essência, Hegel re-
consi derou e colocou em uma ligação necessária e em uma
dependência rigorosa todas as outras categorias da dialética.
Mas foi Marx quem apresentou, com uma base materialista

eda científica
essência, conseqüente, leis da formação
aplicadas à formação capitalista.e do conhecimento
Como podemos ver, a ordem da elaboração das categorias
na história da Filosofia corresponde, em seu conjunto, à rela-
ção entre as categorias enquanto graus do desenvolvimento do
conhecimento social.

4. AS CATEGORIAS ENQ UA NT O GRAUS


DO DESENVOLVIMENTO
DA PRÁTICA SOCIAL
O conheci mento das form as universais do ser dá-se no
decorrer
orie ntad adaematividade
direção aprática, no processo
uma meta e à realda transformação,
idade . As ligaçõ es
e as propriedades universais colocadas em evidência exprimem-
se nã o apenas nas imagens e conceitos ideais surgidos no
decorrer do desenvolvimento do conhecimento, mas igualmente
pelos meios de trabalho criados pelos homens e pelas formas
de sua ativid ade hum ana . É por isso que, no curso da for-
mação dessa ou daquela categoria, reflete-se não somente a
especifici dade do estágio corres pondent e ao desenvolvimento
do conhecimento, mas também as particularidades de formas
da atividade dos homens, formas de relacionamentos existentes
entre eles, assim como as existentes entre eles e a natureza, que
são dominantesto nohistórico
desenvolvimen período da
considerado
sociedade.comoPorsendo o do a
exemplo,
correlação, a interação e a modificação (movimento), con-
cebidos pelo homem como formas universais do ser, nos pri-
meiros graus do desenvolvimento do conhecimento, são mo-
mentos necessários e universais do trabalho, da transformação
racional dos objetos da natureza em meios de existência.
Com efeito, a atividade laboriosa tem por meta transfor-
mar esse ou aquele objeto ou fenômeno da natureza, por meio
da ação de outro objeto (ferramenta) sobre ele, isto é, criar
entre esses objetos uma certa ligação. No processo do tra balho ,

.137
colocando os objetos em uma outra ligação que não aquela
encontrada em seu estado natural e fazendo-os agir uns sobre
os outros, o homem conseguiu sua transformação no sentido
que lhe convi nha. Obse rvan do milhares de vezes esse fenô -
meno, ele concluiu, inevitavelmente, que tud o na reali dade
ambiente encontra-se em correlação, em interação e que tudo
leva a modif icaç ões e tra nsfo rmaç ões de um no outr o. Ain da
mais, é prec isam ente essa convicção de que os objet os do
mundo exterior se encontram em correlação, agindo uns sobre
os outros, e, em decorrência, a convicção de que eles podem
transformar-se, que foi uma das condições necessárias para a
organização consciente e o desenvolvimento ulterior da produ-
ção. Se o hom em nã o soubesse ou nã o tivesse certeza de que
os objetos que o rodeiam pudessem transformar-se, ele não
teria começado a agir sobre eles, não teria igualmente organi-
zado a produ ção. Na Antigüidade, o próprio funci oname nto
e o desenvolvimento da produção provaram não apenas que
o homem conhecia a capacidade dos objetos do mundo exterior
de se transformar, em decorrência de sua interação, mas tam-
bém que ele utilizava com sucesso esse conhecimento em sua
atividade laboriosa.
A história do desenvolvime nto da técnic a t est emu nha a
utilização da interação e das transformações que esta última
implica, na atividade prática e, mais exatamente, no começo
do desenvol vimento do conhec iment o. Po r exemplo , as pri-
meiras formas de obtenção do fogo baseiam-se no fricciona-
mento de dois objetos, assim como as primeiras máquinas
elétricas basearam-se na interação, e assim por diante.
A influência da atividade prática — e, em particular, das
formas de ligação que se estabelecem na sociedade entre os
homens,
categorias,dasé formas de suas
expressa, relações —pela
por exemplo, sobre a formação
maneira como das
se
estabelece o fundamento da ligação e do movimento universais
dados por Heráclito e que se baseiam na unidade (comunidade)
da nat urez a primei ra de tud o o que existe. Pa ra prov ar que
todos os fenômenos do mundo estão ligados e que passam uns
pelos outros, a partir do fa to de que eles têm uma natureza
comum — o fogo —, Heráclito compara o papel desempenhado
pelo fogo no mund o das coisas ao papel do ouro na s relações
comerciais da sociedade huma na. Esse filósofo dizia que tudo
po de ser troca do pelo fogo e o fogo pod e ser trocado po r

.138
qualquer coisa, assim como toda mercadoria pode ser trocada
pelo ouro e o ouro por qualquer mercadoria.
A ligação da teoria de Aristóteles sobre os quatro tipos
de causas — final, normal, material, produtiva — na prática,
é bas tan te evidente. Aristóteles expõ e a base de sua teoria
da causalidade, tomando, como exemplo, a construção de
uma casa.
Esse exemplo e o próprio fato de que Aristóteles tenha
apresentado quatro tipos de causas mostram que ele procurava
explicar o aparecimento das coisas na realidade ambiente por
analogia com a criação no processo da atividade laboriosa dos
homens.
A dependência da formação das categorias da dialética,
com relação à atividade prática, e o reflexo por elas desses
ou daqueles aspectos e formas surgem igualmente na elaboração
da conc epçã o mecanicista da causalidade na filo sofi a pré-
marxi sta . Segundo essa concepção, as causas são forças ext e-
riores que são aplicadas aos corpos para provocar o movimento.
Essa representação da causa tem suas raízes na atividade labo-
riosa, exatamente na forma que ela possuía quando realizava-se
essencialmente pela ação do organismo humano sobre o mundo
exterior, assim como no mecanismo terrestre baseado na duali-
dade da relação de causa e efeito: um aspecto sendo ativo e
o out ro passiv o. Mos tra ndo o caráter limitado da noç ão pré-
marxista da causa como uma força agindo sobre o corpo, Engels
escrev eu: " ( . . . ) A idéi a de força, pelo próprio fato de que
tem sua srcem na ação do organismo humano sobre o mundo
exterior e também no mecanismo terrestre, implica que apenas
uma parte é ativa e operante, enquanto a outra é passiva, re-
cept iva . . .

A idéia sociais
as relações de dependência frentepor
foi aplicada a frente
Marx com a prática
e Engels a eoutras
com
categorias da dialética e, em particular, às categorias do sin-
gula r e do geral. Most ra nd o a ligação dessas teorias com as
formas de vida e de atividade dos homens, Marx escreveu que:
"O que diria, então old (o velho) Hegel se viesse a saber no
outro mundo que o Allgemeine (o geral) em alemão e em nór-
dico, nada mais significa do que o Gemeinland (os bens co-

TF. Engels, La dialectique de la nature, p. 87.

.139
muns), e o Sundre, Besondere (o particular), nada mais é do
que a parcel a partic ular desligada dos bens comuns? Assim,
portanto, as categorias lógicas resultam simplesmente de nossas
relações humanas" . 8

O resul tado disso é que as categorias nã o são apenas


graus do desenvolvimento da consciência, mas também graus
do desenvolvimento da prática social dos homens, de suas re-
lações entre eles e deles com a natureza.
Desempenhando o papel de graus do desenvolvimento do
conhecimento social e da prática, as categorias refletem não
apenas as formas universais do ser, as propriedades e as ligações
universais da realidade e suas leis universais, mas também as
leis do movimento do conhecimento do inferior ao superior, as
leis do funcionamento e do desenvolvimento do pensamento.
" ( . . . ) As cate gorias do pensamento, es crevia Lenin , não
são um formulário do homem, mas a expressão das leis que são
obedecidas tanto pela natureza como pelos homens" . E, em
9

outro ponto, ele escreve, citando a expressão de Hegel: "O


movimento da consciência, 'assim como o desenvolvimento de
toda vida natural e espiritual', baseia-se na 'natureza das essen-
cialidades puras que formam o conteúdo da lógica' "; além disso
ele salienta que: "A inverter: a lógica e a teoria do conheci-
mento devem ser deduzidas do 'desenvolvimento de toda vida
natural e espiritual' " . 1 0

As categorias, formando-se em uma certa ordem no curso


do desenvolvimento do conhecimento social, estabelecem, en-
tre elas, ligações e relações necessárias e assim formam a estru-
tura da atividade do pensamento dos homens, que se manifesta
sob a forma de uma ordem lógica do conhecimento, sob formas
universais do movimen to do pen sam ent o. No decorr er do co-
nhecime nto do objeto, o sujeit o o concebe pelo prism a das
categorias, que se criou em sua consciência e, realizando uma
síntese categorial, coloca em evidência as propri edades e as
ligações próprias a esse objeto e, em seguida, as formas espe-
cíficas de sua manifestação em um domínio concreto da reali-
dade. Ao mesmo tempo, o sujeit o tam bém coloca em evidên-

K. Marx e F. Engels,
8
Correspondance, Moscou, Ed. Progresso,
1971, p. 202.
V. Lenin, Oeuvres, t. 38, p. 89.
9

Lenin, op. cit., p. 86.


10

.140
cia as características qualitati vas e quantitat ivas do obje to
estudado, das ligações de causa e efeito que lhe são próprias
e as leis de seu funcionamento e de seu desenvolvimento.
À luz de tudo isso, a estrutura categorial que assegura o
movimento do pensamento em direção à verdade é verificada
em cada ação cognitiva e prática, em cada operação do pensa-
mento e, em virtude de milhares de repetições e de confirma-
ções, na prática, adquire um caráter de universalidade e de
verdade.
"Quando Hegel, observa V. Lenin, esforça-se — e às
vezes ele chega mesmo a aplicar-se, a esmerar-se — para
introduzir a atividade humana, propondo-se um fim nas cate-
gorias da Lógica, dizendo que essa atividade é um 'silogismo'
(.Schluss), que o sujeito (o homem) desempenha o papel de
um 'termo' da 'figura' lógica do 'silogismo' etc.
ISSO NÃO É APENAS FORÇA, NÃO Ê APENAS UM
JOGO. HÁ AQUI UM CONTEÚDO MUITO PROFUNDO,
PURAMENTE MATERIALISTA. Ê PRECISO INVERTER:
É PRECISO QUE A ATIVIDADE PRÁTICA DO HOMEM
LEVE A CONSCIÊNCIA HUMANA A REPETIR MILHA-
RES DE VEZES AS DIFERENTES FIGURAS LÓGICAS,
PARA QUE ESSAS FIGURAS POSSAM GANHAR O VA-
LOR DE AXIOMAS. NO TA BENE" U.
Assim, sendo um produto da atividade cognitiva, as cate-
gorias refletem as particularidades dos estágios do conhecimento
no próprio momento em que elas se formam e, por meio de
relações necessárias surgidas entre elas — as leis do movimento
do conhecimento do inferior ao superior, as leis do funciona-
mento e do desenvolvimento do pensamento; estando ligadas
à prática, que coloca em evidência as formas universais do ser,
as propriedades
rializa nos meiose deas trabalho
relações criados
universais dasformas
e nas coisasdee atividade
as mate-
— as categorias refletem, de uma maneira ou de outra, as leis
do funcionamento e do desenvolvimento da atividade prática.

"V. Lenin, op. cit., p. 180-1.

.141
5. O DES ENV OLV IME NTO DAS FOR MAS
DO PENSAMENTO NO PROCESSO
DO MOVIMENTO DO CONHECIMENTO
DE UMA CATEGORIA A OUTRA

O problema da modificação das formas do pensamento


no curso
pelo do desenvolvimento
materialismo metafísico doe pela
conhecimento é desconhecido
lógica forma l. Na lógica
formal, as formas do pensamento não são consideradas nem em
movimento nem em desenvolvimento, mas sim como estáticas
e imutáveis umas ao lado das outras; e a partir desse fato, os
sistemas de classificação elaborados não refletem o processo
histórico do surgimento e do desenvolvimento das formas do
pensamento, nem colocam em evidência sua correlação e sua
interdepend ência necessárias. Essa classificação das form as do
pensamento é encontrada em Aristóteles, fundador da lógica
formal, e em Kant, além de outros filósofos.
Hegel procurou, pela primeira vez, apresentar as formas
do pen sadas
partida menfotormem
as seu desenvol vimento.
do pensamento Pa ra ele,é oo po
em movimento nt o de
conceito,
embor a na real idad e isso não seja corr eto. Hist oric ament e, o
conceito é precedido por toda uma série de outras formas do
pensamento, fo rm as mais simples cujo desenvolvimento prepara
o ter reno pa ra seu apar ecim ento . O conceito é o resu ltad o do
desenvolvimento e da correlação de formas do pensamento,
assim como o juízo e o racioc ínio. É prec isa mente a part ir do
juízo e do raciocínio que nascem e se constituem os conceitos.
Formando-se, o conceito nega-os e os inclui sob uma forma
anulada na qualidade de momentos necessários de seu conteúdo.
Para Hegel, o desenvolvimento do conceito e a descoberta,
no decorrer desse processo, de certos momentos do conteúdo
do conceito condicionam o surgimento dos juízos e dos racio-
cínios. O juízo, par a ele, é o iso lame nto e a con fro nta ção de
momentos do conceito, assim como o singular, o particular e
o universal. O juízo conserva essa fun çã o, mes mo qua ndo
ele não concerne o próprio conceito, mas o objeto, as coisas.
Aplicado ao objeto, o juízo representa "o objeto nos diferentes
mome ntos do conceito. El e (o juízo — A. Ch.) conté m o
objeto na determinação do singular e na determinação do
universal da mesma forma como a relação simples e desprovida
de qualquer conteúdo do predicado com o sujeito — 'é' —

.142
representa a cópula." . "No raciocínio, d iz Hegel, devemos
12

considerar o objeto de duas maneiras: primeiramente, em sua


realidade singular" , e, em segundo lugar, em seu conceito.
13

É por isso que aqui o objeto é representado seja como singular


erigido em sua universalidade, seja, o que finalmente dá no
mesmo, como universal tornado singular quando passa para
14

sua realidadea verdade,


representar , é porjá isso que,exprime
que ele segundonele
Hege l, o juízo
mesmo a con-deve
cordância ou a correspondência do conceito e da realidade.
Mas esta correspondência do conceito com a realidade no
juízo somente é atingida, segundo Hegel, no estágio mais ele-
vad o do desenvolvimento do juízo. No começo, este engloba
apenas o imediato, apenas o que se encontra na superfície dos
objetos, e é por isso que ele é o juízo do ser-aqui.
Hegel construiu sua classificação dos juízos inteiramente ba-
seado na correlação do singular e do geral e nas passagens do
singular ao geral e vice-versa, assim como no movimento do
exterior, do universal abstrato ao universal subjetivo, ao con-
ceito. O juízo do ser-aqui engloba, então , apena s o laço exte-
rior do singular abstr ato com o universal abstr aio. Em decor-
rência do desenvolvimento desse juízo, o singular e o universal
voltam para eles mesmos por meio do seguinte elo: o particular.
E a partir de então passam pela primeira vez a apresentar-se
como determinados e não como abstratos.
Em decorrência do desenvolvimento do juízo, e, em par-
ticular, do juízo de reflexão e de necessidade, dá-se o movi-
men to do universa l ao partic ular, que chega a uni dade do
universa l e do parti cular. A partir desse mome nto , o juízo
entr a na esfera do conceito e contin ua a desenvolver-se. No
processo desse desenvolvimento, o singular, por um lado, eleva-
se até o universal por meio do particular e, por outro lado, o
universal (igualm ente por meio do par tic ula r) desce até o
singular. Em decorrência, a verda deira naturez a do objet o
singular assim como sua correspondência com um certo conceito
aparecem e por esse fato conseguimos obter o saber verdadeiro.
Assim , apesar do carát er artificial de sua classificação

"Vollständige Ausgabe Durch einen Verein..., in Hegel's Werke,


p. 125-6.
13
G. W. F. Hegel: Wissenschaft der Logik, in Sämtliche Werke,
Stuttgard, 1928, v. 5, p. 75.
"Hegel, Wissenschaft der Logik, in Sämtliche Werke cit.

.143
dos juízos, Hegel teve sucesso em sua tentativa de exprimir a
lei geral do movimento do conhecimento, pelo homem, do
mun do ambien te. Sua tenta tiva de determ inar o lugar e o
papel correspondentes de cada juízo nesse processo do conhe-
cimento da verdade está assentada sobre uma base objetiva.
O raciocínio, segundo Hegel, é a representação completa
do conceque
mentos ito.se Ele é o tanto
produz ciclo node processo
mediaç ão
da de tod os osda seus
passagem natu-mo-
reza universal por meio da particularidade em direção da sin-
gularidade, como no processo que consiste em elevar a singu-
laridade até o estado que lhe é idêntico, por meio do particular
até o universal. O raciocíni o, pa ra Hegel, assim como o juízo,
executa um movimento determinado, tem um desenvolvimento.
Em suas formas inferiores, ele engloba apenas as correlações
exteriores do singular, do particular e do universal; e em suas
formas superiores, ele engloba as correlações internas, essenciais,
necessárias.
Os diferentes tipos de raciocínios são classificados por
Hegel na ordem em que eles aparecem no processo do movi-
mento do conceito, a partir da correlação exterior, contingente
de seus movimentos (universal, particular, singular) — assim
como ela aparece no raciocínio do ser-aqui — dirigida para a
necessidade desta ligação que ela adquire em decorrência do
desenvolvimento do raciocínio de reflexão e, daí, para a iden-
tidade, para a unidade imediata desses momentos, fixada na
objetividade imediata do conceito, em sua transformação em
coisas. Ao mesmo temp o, no proce sso desse movimento
realiza-se a passagem dos momentos abstratos do singular, do
particular, do universal para os mome ntos concretos, essenciais.
Em seus esquemas, Hegel conseguiu captar uma lei efetiva
do conheciment o do mun do objetivo, pelo home m. O conhe-
cimento vai realmente da apreensão do mundo exterior, da
compreensão das correlações abstratas do singular, do par-
ticular e do universal nas coisas, até o conhecimento e a
representação, mais ou menos correta, de sua natureza interna,
de seu aspecto essenci al, por ta nto , o conheciment o vai do
exterior, do geral superfical ao essencial, ao necessário —
à lei.
Tendo captado, embora confusamente, esta lei do conhe-
cimento, Hegel classifica os diferentes tipos de raciocínio de
mane ira extrema mente artificial. No conhecimento histórico

.144
dos fenômenos do mundo ambiente, pelo homem, os raciocínios
surgiram em uma ordem diferente daquela dada por Hegel.
Por exemplo, antes de raciocinar do geral ao particular e ao
singular, como é o caso para Hegel (mesmo se esse geral é
superficial e abstrato), seria preciso primeiro elaborar repre-
sentações gerais, sepa rar o geral do part icul ar, isto é, seria
preciso primeiramente
particular conduzir Éosporaciocínios
e deste ao universal. r isso que odoprimeiro
singulartipo
ao
de raciocínio não poderia, em nenhum caso, ser o raciocínio
que Hegel apresenta como o racio cínio do ser -aqui. Este
raciocínio deveria ter sido o de indu ção. Ent ret anto , Hegel
liga esse raciocínio ao segundo tipo, do segundo grupo de
raciocínio, isto é, ao raciocínio de reflexão.
Em seguida, os raciocínios condicionais e disjuntivos
desempenha ram um pap el consider ável (e, por esta razã o,
apareceram de forma verossímil) no estágio do movimento do
conhecimento do geral superficial ao geral essencial, do exterior
ao interior, do efeito à causa, isto é, no momento da elaboração
dos
para conceitos
relevar o gerais.
conceito Pa ra Hegel,
genérico os racio
comum em cínios
todas asapasuas
rec era m
par-
ticularidades e espécies. É evidente que os raciocí nios em
questão são utilizados para alcançar esse fim, mas em primeiro
lugar isso é uma etapa ulterior de sua utilização e, em segundo
lugar, isso não constit ui sua função essencial. Na história do
conhecimento, eles ocupam um outro lugar e desempenham um
outro papel muito diferente deste.
Assim, embora Hegel tenha pressentido toda uma série
de leis profundas da passagem de certas formas do pensamento
pa ra outras, ele não conseguiu reproduzir seu movimento, e seu
desenvolvimento reais por causa de seus princípios de partida
idealistas.
O desenvolvimento das formas do pensamento está inevi-
tavelmente ligado ao desenvolvimento do conhecimento, a sua
passagem por certos estágios e graus de desenvolvimento a
outros . Com a passage m do conheciment o par a estágios novos ,
superiores, de novos aspectos da realidade objetiva, novas
relações e ligações, que exigem os meios correspondentes de
expressão e de fixa ção aparecem. Tudo isso conduz necess a-
riamente a modificações e a aperfeiçoamentos das antigas
formas do pensamento e suscita novas formas destes novos
tipos de juízos, de raciocínios e de conceitos.

.145
Vejamos a evolução das formas do pensamento.
A for ma mais si mples do pen sam ent o é o juízo. É por
isso que o desenvolvimento das formas do pensamento deve
ser observado, antes de tudo, a partir do juízo.
Nós já dissemos que conhecer o meio ambiente é, antes
de tudo, perceber o particular como singular, colocar em evi-
dência essas ou aquelas propriedades singulares que não eram
encont radas anteriorme nte. Esse saber exprime-se e fixa-se
nos juízos singulares do seguinte ti po: "O particula r é o sin-
gular ". No estudo da Uni ão Soviética, por exemplo, d esco-
brimos várias propriedades que eram desconhecidas antigamente
e que fixamos nos seguintes juízos: "A União Soviética está
procedendo à construção do comunismo"; "Na União Soviética'
impera a propriedade social dos principais meios de produção"
etc. Out ro exem plo: desde a Anti güid ade, os homen s perce-
ber am que o âmbar, quando friccionado com a lã, ou com
algum tecido de lã, apresent ava um a pro pri eda de insólita: a de
atrair outros corpos . Eles nã o havi am obser vado proprie dades
semelhantes em outros corpos. Os home ns expri miram este
conhecimento no juízo: "O particular é o singular"; "O âmbar
adquire propriedades magnéticas pelo friccionamento".
Todos esses juízos apresentam-se no começo como juízos
singulares indeterminados pelo fato de que não sabemos se as
propriedades fixadas neles pertencem també m a outras for-
mações materiai s. O processo do conhec iment o pode co nduzir
à demonstração, posterior, de que essas propriedades não
pertencem a outros objetos de um grupo dado. Nesse caso, o
juízo singular indeterminado torna-se determinado e exprime-se
sob a seguinte forma: "Dentre todos os objetos desse grupo,
apenas esse objeto possui essa propriedade, até então desconhe-

cida"; os
todos "Dentre
objetostodos os S, apenas
estudados, um único S dado
o âmbar é P"; por
adquire, "Dentre
meio
do friccionamento, propriedades magnéticas".
Mas à medida que se alarga o círculo dos objetos estudados,
à medida que aprendemos que a propriedade expressa em um
juízo singular determinado nã o pertence aos objetos de um
grupo dado, nem aos de outros grupos, o juízo singular deter-
minado, desenvolve-se em um juízo singular seletivo: "Apenas
este particular, e unicamente este, possui esta propriedade an-
teriormente desconhecida"; "Apenas o S dado e, unicamente
ele, é P".

.146
Se, no decorrer do estudo de outros objetos de um grupo
dado , descobrimos que a pro pri eda de enco ntra da no objeto
anteriormente estudado, e que havíamos exprimido em um juízo
singular indeterminado, pertence também a outros objetos estu-
dados do grupo considerado, o juízo singular indeterminado
transforma-se em um juízo singular do seguinte tipo: "O par-
ticular é o geral"; "Na União Soviética (mas não apenas na
União Soviética) a propriedade social dos meios de produção
existe"; "O âmbar (mas não apenas o âmbar) adquire, peló
friccionamento, a propriedade de atrair outros corpos".
O juízo, "o particular é o geral", indicando que o objeto
particular dado possui a propriedade geral dada, destaca exata-
mente, p or isso, o fat o de que outros objetos particulares
tam bém possuem esta propr ieda de. É por isso que o juízo
singular desse tipo transforma-se necessariamente em um juízo
particular: "Certos objetos particulares possuem essa proprie-
dade"; "Certos S são P", "Certos países europeus possuem a
propriedade social dos meios de pr oduç ão"; "Certas substâncias
adquirem, poroutros
atrair alguns fricçãocorpos".
com outras substâncias, a propriedade de
Mas o desenvolvimento posterior do conhecimento também
pode seguir uma outra orientação. Quando do estudo de
outros objetos do grupo dado podemos descobrir que eles
possuem todos a propriedade considerada. O iuízo particular
indeterminado torna-se então um iuízo geral: "Todos os S são
P"; "Todos os países socialistas possuem a propriedade social
dos meios de produção"; "Em todos os países socialistas é
aplicado o princípio: 'De cada um segundo suas capacidades,
a cada um segundo seu trabalho'"; "Todas as substâncias, em
certas condições, adquirem propriedades magnéticas".
O juízo geral manifesta-se, antes de tudo, como juízo in-
determinado, porque não sabemos, a princípio, se a propriedade
pertence somente aos objetos considerados ou se ela pertence
também aos objetos de outros grupos.
O desenvolvimento do conhecimento pode conduzir à evi-
denciação do fato de que os objetos de uma série de grupos
estuda dos não possuam a prop rie dade indica da. Nesse caso, o
juízo geral indeterminado transforma-se em um juízo geral
determinado: "Dentre todos os grupos de objetos estudados,
apenas o grupo considerado possui a propriedade em questão";
"Dentre todos os S, apenas os S dados são P"; "Dentre todos os

.147
países contemporâneos, somente nos países socialistas existe a
propriedade social dos meios de pr oduç ão"; "Dentre todos os
países contemporâneos, é apenas nos países socialistas que é
aplicado o seguinte princípio: 'De cada um segundo suas capa-
cidades, a cada um segundo seu trabalho' ".
Se fica estabeleci do que essa ou aquela propr ieda de das

formações materiais
o juízo geral está ausente
determinado em todos em
desenvolve-se os um
outrosjuízo
grupos,
geral
seletivo: "Apenas os objetos em questão e, unicamente eles,
possuem essa propriedade"; Apen as os S em questão e, unica-
mente eles, são P"; "Apenas os países socialistas e, unicamente
eles, aplicam o seguinte princípio: 'De cada um segundo suas
capacidades, a cada um segundo seu trabalho' ".
Mas à medida que há o desenvolvimento do conhecimento,
pode parecer que essa ou aquela propriedade fixada em um
juízo geral indeterminado pertence a objetos que se relacionam
com outros grupos. Nesse caso, o juízo geral trans forma- se
em um juízo mais geral: "Todos os S (mas não apenas eles)
são
têm P";
uma"Todos os países
produção socialistas
mercantil"; "Todos(mas
os não apenas
países eles)
socialistas
(mas não apenas eles) têm um Estado".
Esse juízo mais geral se- desenvolverá, por sua vez, em
dois sentidos: por um lado, ele se desenvolverá no plano hori-
zontal, isto é, pode transformar-se em um juízo seletivo, e, por
outro lado, ele se desenvolverá no plano vertical, transforman-
do-se em um juízo ainda mais geral e assim sucessivamente,
enquanto não forem evidenciadas as propriedades universais,
isto é, as propriedades que são próprias a todos os objetos do
grupo estudado ou a todos os objetos em geral.
Assim, no estágio do movimento do conhecimento do
singular ao
singulare geral
s par a ose juízos
ao universal, os res
parti cula juízos desenvolvem-se
e em seguida par dos
a os
universais. Ao mesmo tempo, cada um dos grupos indicados
desenvolve-se por sua vez, indo dos juízos indeterminados aos
juízos determinados e depois aos seletivos, isto-é, a consciência
leva, por um lado, a uma procissão, uma separação do par-
ticular, e, por outro lado, a uma evidenciação do geral e do
universal.
Todas as formas de juízo examinadas fixam apenas o que
é dado imediatamente a nossa observação, o que se encontra
à superfície dos fenômenos, e por isso seu valor cognitivo não

.148
é grande. Por exemplo , se considerarm os todos ess es juízos
do ponto de vista da verdade, descobrimos que, nesse estágio
do conhecimento, os juízos gerais (contrariamente aos juízos
singulares e particulares cuja verdade é incontestável, já que
eles fixam o que é) são probl emático s, porque não podem os
observar em uma primeira tentativa — e, aliás, não é apenas
em uma primeira tentativa que não podemos observar — todos
os objetos dessa ou daquela classe mais ou menos extensa.
É por isso que a conclusão, de que todos os objetos dessa ou
daquela classe possuem uma propriedade geral é hipotética.
Baseia-se em uma simples repetição e no fato de que todos os
objetos observados do grupo dado possuem essa propriedade.
Mas o conhecimento não pára nesse estágio de desenvol-
vimento, com a constatação das propriedades gerais, ele esfor-
ça-se para explicar as propriedades gerais dos objetos a partir
de sua natureza, esforça-se para penetrar no interior das coisas.
Os homens constróem hipóteses relativas às causas que condi-
cionam o aparecimento dessas ou daquelas propriedades gerais.
A suposição das causas dessa ou daquela propriedade exprime-
se no juízo de possibilidade: "É possível que esta circunstância
seja a causa do fenômeno estudado"; "É possível que S seja P";
"É possível que a condutibilidade elétrica de um condutor de-
penda de seu comp rimento"; "É possível que as propriedades
químicas dos elementos dependam da carga do ponto de par-
tida"; "É possível que a diferença de velocidade dos corpos
em queda livre pro ven ha da resistência do ar". Nesses juízos,
é o laço hipotético do efeito com sua causa que se encontra
fixado.
No estudo do laço de causa e efeito, habitualmente, não
é construída uma única hipótese, mas sim várias, e é por isso

oqueprimeir
o juízo de possibilidade
o tran sform ando-s ée substituído
no segund o.pelo "Sjuízo
é Pdisjuntivo,
ou P I " ; "A
condutibilidade elétrica de um condutor depende ou de seu
comprimento ou da composição de sua substância"; "As pro-
priedades químicas dos elementos dependem ou da carga do
centro ou do peso atômico"; "A diferença de velocidade dos
corpos em queda livre a um ponto dado da terra depende seja
da resistência do ar seja da diferença de sua aceleração".
Verificando a correlação dessa ou daquela suposição,
chegamos a conseqüências que devem necessariamente produ-
zir-se se a causa suposta é a causa real da propriedade estudada.

.149
Esse movimento do pensamento exprime-se no juízo condicio-
nal: "Se S é P, então SI é PI"; "Se a condutibilidade elétrica
de um con duto r depen de de sua secção, os condu tore s de
grande secção, qualquer que seja a composição de sua substân-
cia, devem conduzir eletricidade"; "Se as propriedades químicas
dos elementos dependem da carga do núcleo, as propriedades
do elemento mudam ao mesmo tempo em que se modifica a
carga do núcleo".
Os resultados da verificação da presença real do efeito
suposto são fixados em juízos categóricos, nos quais o que é
estabelecido exprime-se sob uma forma incondicional: "S é P";
"S não é P"; "A modificação da carga do núcleo de um ele-
men to químico dado levou à tr ans for maç ão desse elemento
(em um outro elemento químico)"; "Um fio condutor de seda
grosso não conduz a eletricidade".
O juízo categórico fixa o que existe e por isso ele é, na
verdade, um juízo de realidade, contrariamente ao juízo de
possibilidade, do qual tratamos no começo do estudo de causa
e efeito.
A par tir dos resul tados estabelecidos pela verificação,
concluímos, diante da presença ou da ausência de um laço de
causa e de efeito entre os fenômenos estudados também sob
a forma de juízos categóricos, que "S é P"; ou "S não é P";
"A condutibilidade elétrica de um condutor não depende de
sua secção"; "As propriedades químicas de um elemento depen-
dem da carga do núcleo"; "As propriedades químicas de um
elemento não dependem do peso atômico".
Mas, diferentementemente dos juízos categóricos que fixam
os resultados da verificação, e que são juízos de realidade, os
juízos dados são juízos de necessidade, po rq ue fixam nã o apenas
o que existe,
certas mas também
condições: o que se produzP"necessariamente
"S é necessariamente em s
; "As propriedade
químicas dos elementos dependem necessariamente da carga do
núcleo"; "A condutibilidade elétrica de um condutor depende
necessariamente da composição de sua substância".
Assim, no processo do movimento do efeito à causa, do
exlerior ao interior e ao necessário, realiza-se a passagem dos
juízos de possibilidade, po r meio dos juízos disjuntivos, condi-
cionais e categóricos, para os juízos de realidade e de necessi-
dade. Os juízos disjuntivos, condicionais e categóricos mani -
festam-se sob formas de elos de uma corrente reunindo nova-

.150
mente os juízos de possibilidade aos juízos de realidade e de
necessidade.
Da colocação em evidência das ligações particulares ne-
cessárias, o conhecimento, em seu desenvolvimento, dirige-se
para a essência — pa ra a reprodução da correlação necessária
dos aspectos interiores das formações materiais estudadas.
Nesse estágio do movimento do conhecimento, aparecem novos
tipos de juízos.
Se observa rmos bem os juízos analis ados mais acima,
notaremos facilmente que alguns dentre eles fixam o que se
encontra na superfície, o que existe, o que aparece e existe em
toda sua imediatez, como unidade do contingente e do neces-
sário, enquanto que outros fixam as ligações necessárias.
Em primeiro lugar, o necessário ainda não está bem distin-
guido, separado do contingente, e, em segundo lugar, esse
necessário é pensado enquanto tal, sem ligação com o contin-
gente. Os primeiros juízos, como já vimos, apar ece ram no
estágio do movimento do conhecimento do singular ao geral,
os segundos no estágio da passagem do efeito à causa, do
exteri or ao interior e ao necessário. Enge ls classifica o primeir o
grupo de juízos, de singularidade, e o segundo, de juízos de
particularidade.
Os juízos de singularidade são caracterizados pelo fato de
que eles fixam o ser-aqui, o ser enqu ant o fat o. Eles ainda não
exprimem os aspectos interiores dos objetos, dos fenômenos;
não refletem, não reproduzem as ligações internas necessárias.
Por exemplo, "a fricção engendra o calor", "a carga do núcleo
do hidrogêni o é um pró ton ", "o urâ nio é radi oati vo". Em
todos esses juízos está fixado o que existe, o que já foi desco-
berto. Aqui, o interior, o necessário nã o é refletido, a natureza
dos fenômenos ou das propriedades fixadas não é explicada.
Mas o homem, como já vimos, não se limita a fixar o
ser-aqui. Ele esforça-s e para explicar esse ser a part ir das
ligações e de suas relações internas, isto é, o homem esforça-se
para compreendê-lo como necessário. A expressão do conhe-
cimento do necessário concretiza-se, como já dissemos, nos
juízos de necessidade, que representam os juízos de particula-
ridade, porque fixam a ligação necessária de um grupo particular
de fenômenos com um outro grupo particular de fenômenos em
condições particulares, rigorosamente determinadas: "Todo mo-
vimento mecânico transforma-se, por fricção, em calor"; "O

.151
urânio, depois de uma desintegração alfa transforma-se em
tório"; "O radium, passando por uma desintegração alfa, trans-
forma-se em radônio"; "Todos os elementos químicos, cuja
carga do núcleo torna-se igual a duas unidades, adquirem as
propriedades químicas do hélio".
Todos os juízos citados são juízos particulares, já que
fixam a ligação
com outros necessária
fenômenos de certos
particulares, em fenômenos particulares
condições particulares,
rigor osamen te determi nadas. No prim eir o juízo é fixa do o fat o
de que uma forma particular do movimento da matéria (movi-
mento mecânico) transforma-se em uma outra forma de mo-
vimento particular (em calor), em condições particulares,
rigor osame nte determinadas (por fr ic çã o) . No segun do juízo
exprime-se a ligação necessária, cujo conteúdo reside no fato
de que um elemento químico particular (o urânio) transforma-
se em um outro elemento químic o (o tó ri o) , em con dições
particulares, rigorosamente determinadas (no momento de sua
desintegração alfa) etc.

Em decorrência
na medida em que se do desenvolvimento
acumulam do conhecimento
os conhecimentos de diversose
aspectos gerais necessários desse ou daquele grupo de fenôme-
nos, os homens, tendo distinguido um aspecto fundamental,
decisivo e geral, reproduzem, passo a passo, o conjunto dos
aspectos necessários internos dos fenômenos estudados, sua
essência. Nesse estágio do conhe cimen to, eles for mul am juízos
de universalidade, como por exemplo: "Toda forma de movi-
mento da matéria, em condições rigorosamente determinadas
em cada caso, pode transformar-se e transforma-se inevitavel-
mente em uma outra forma de movimento da matéria"; "Um
elemento químico, em condições rigorosamente determinadas,
pode e deve
elemento químicnecessariamente
o". Esse juízo trfiansformar
xa nã o -se
apenaem
s o um outro
ser-aqui,
não apenas o que existe, mas igualmente o que se produz ne-
cessariamente; e não somente uma ligação necessária particular,
mas o sistema de ligações necessárias que engloba todos os
objetos de um grupo dado e todos os seus aspectos fundamen-
tais. O juízo dado é, por sua fo rm a e po r seu conteúdo, o
desenvolvimento posterior, superior dos conhecimentos do
grupo de fenômenos limitados por esse juízo, que fixa a ligação
de cada objeto do grupo dado com qualquer outro objeto desse
grupo. Nesse juízo, são confer idas a ca da objeto do grupo

.152
dado todas as propriedades que pertencem a um grupo dado
de objetos (tanto as já reveladas, como as que ainda não o
foram), e isso pelo fato de que se exprime o conhecimento
de que cada objeto pode, em condições determinadas, vir a ser
um outro objeto qualquer, transformar-se em qualquer outro
objeto e, dessa maneira, manifestar as propriedades de cada
um deles. O apare cime nto, nesse o u naque le domínio da ciên-
cia, de um tipo dado de juízos, é uma prova direta de que
nesse domínio a ciência alcançou o conhecimento da essência
dos objetos estudados.
Abordemos agora, rapidamente, as transformações dos
raciocínios e dos conceitos no processo do movimento do co-
nhecimento de um grau ao outro.
No primeiro estágio do movimento do conhecimento, apa-
rece o raciocínio indutivo, no qual, a partir de várias premissas
que fixam fatos singulares, chega-se à conclusão de que essa
ou aquela propriedade, ligação ou relação, pertence ou não
pertence a todos os objetos do grupo estudado. Nos raciocínios
indutivos, o pensamento vai do singular ao geral e ao universal.
Os raciocínios dedutivos aparecem no estágio em que se
estabelece o laço de caus a e efei to e de nece ssid ade. No raci o-
cínio dedutivo, . o pe nsam ento vai do geral ao partic ular, do
geral ao geral, do singular e do particular ao singular e ao
particular. Os raciocínios dedutivos apresentam-se sob nume-
rosas form as. No estágio da descoberta do laço de causa e de
efeito e do estabelecimento da necessidade, os raciocínios dedu-
tivos aparecem sob a forma de um silogismo categórico disjun-
tivo e de um silogismo categ órico condi ciona l. Qua ndo , após
ter enunciado uma série de teses sobre as supostas causas desse
ou daquele fenômeno (efeito) e tê-las verificado, raciocinamos
e, conseqüentemente, exprimimos nossos pensamentos com um
silogismo categóric o disj unti vo. Po r exemplo, temos duas
suposições concernentes à causa da condutibilidade elétrica.
Como causas, citamos a composição da substância e a secção
do condu tor. No decorrer da pesquisa , estabelecemos que uma
suposição é exata, enqu ant o que a outra não o é. Exprim imos
tudo isso no seguinte raci ocíni o: "A condutibil idade elétrica
pode depender tanto da secção como da composição da substân-
cia do condut or. Ent ret ant o, no final, ficou estabelecido que
a condutibilidade elétrica não depende da secção do condutor,
logo, ela depende da composição da substância".

.153
No momento da verificação dessa ou daquela suposição
relativa à causa de um fenômeno dado, quando procedemos a
conclusões, a p artir desta suposiç ão, e qua ndo verificamos
como isso acontece na realidade, e, ainda depois, quando resol-
vemos a questão de saber se o laço dado é ou não o da causa
e efeito, exprimimos nossos pensamentos mediante um silogismo
categórico condicional. Po r exemplo , qua ndo estudamo s a
causa da propriedade que certos corpos têm de conduzir a
eletricidade, raciocinamos da seguinte maneira: "Se a conduti-
bilidade elétrica depende da secção de um condutor, modifican-
do-a, podemos fazê-lo de tal maneira que em um caso esse
condutor conduza a eletricidade e em outro caso não o faça
mais. Modi fic ando a secção de um cond utor feito de cobre,
não obtivemos resultado na tentativa de impedi-lo de conduzir
a eletricidade. Isso significa que a pro pri eda de de conduzir
eletricidade não depen de da secção do co nd ut or . . . Ent ão, se
a condutibilidade elétrica depende da composição da substância
do condutor, quando modificamos essa composição, chegamos
aos seguintes resultados: no primeiro caso, o condutor conduz
a eletricidade, enq uant o no segun do ele nã o o faz. O fio de
cobr e conduz a eletricidade , mas o de seda não a conduz. Isso
significa que a condutibilidade elétrica depende da composição
da substância do condutor".
As conclusões tiradas dos resultados da verificação dessa
ou daquela suposição, exprimem-se, como já o dissemos, nos
juízos de necessidade. E isso significa que eles refletem
aspectos e propriedades próprias a todos os objetos e fenô-
menos, compreendidos em toda a extensão do sujeito do juízo
dado. Por isso, os juízos de neces sidade pod em ser usado s
pa ra o entendimento do saber, que entra em seu conteúdo e

que, a cada comp


ao domínio objetoreen
concreto e a cada
dido pelo juízo caso
indicparticular,
ado. Essarefere-se
utilização
desses juízos pode-se dar tanto no lugar que lhes é próprio,
como quando reproduzem os laços de um aspecto da formação
material com um outro, ou, ainda, no estágio do movimento
do conhecimento, indo da colocação em evidência dos aspectos
particulares comuns a objetos estudados à reprodução de sua
essência, (do conjunto dos aspectos internos necessários) ou,
ainda, finalmente, no estágio da utilização desses ou daqueles
conheciment os na ativida de prát ica dos homens . Esse movi-
mento do pensamento exprime-se por meio do silogismo cate-

.154
górico. Por exempl o: "A carga do núcleo, sendo igu al a um
próton, condiciona propriedades químicas, cujo conjun to
caracteriza o hidrogênio. Ou ainda: "To da mercadoria tem
seu valor. O dinheiro ta mbé m é um a mercadoria. Isso signi-
fica que o dinheiro deve ter um valor".
Assim, os diferentes tipos de raciocínio não são fixos,

dados umantem
inde pende vez ente
por todas,
do outexistindo
ro. Eleum ao lado
s estão emdomoviment
outro e um
o, em
desenvolvimento, em uma ligação orgânica necessária, condi-
cionad a pelo proces so evolutivo do conhecim ento, por suas
passagens de um grau a outro.
Usando os juízos e os raciocínios, os homens elaboram e
formam representações e conceitos nos quais fixam o que é
conheci do. E esses conceitos e essas representações são , de
certa forma, pontos centrais do complexo e contraditório cami-
nho do conhecimento do mun do ambiente. Refletindo o pro-
cesso do movimento e do desenvolvimento do conhecimento,
e formando-se no decorrer desse processo, os conceitos não
permanecem imutáveis, mas, pelo contrário, eles modificam-se
e desenvolvem-se à medida que há o desenvolvimento e a
modificação de seu conteúdo.
No primeiro estágio do conhecimento, no estágio da intui-
ção viva, aparecem e formam-se conceitos concretos que re-
fletem o objeto ou o fenômeno na totalidade de suas proprieda-
des e de seus aspectos. Ma s esse concre to nesse estágio é
apenas sensív el. É uma repre sent ação desordena da, caótica
do todo e, por essa razão, o conceito confunde-se, aqui, com
as representações, aparece como uma representação concreta
sensíve l. Depois , qua ndo o sujeit o conhecedor analisa os
dados concretos sensíveis, começa a distinguir os diferentes
aspectos e pr opri edad es dos objetos estudados e pass a do
singular para o geral, e então aparecem e se formam conceitos
abstratos que refletem apenas certos aspectos dos objetos e dos
fenôm enos . Mas, à med ida que o conheci mento hum an o em
desenvolvimento penetra na essência das formações materiais
estudadas, reproduz na consciência, passando de um elo a outro,
todo o sistema de ligações e de relações necessárias e internas,
então aparecem nov ame nte conceitos concretos. Ma s esse
concreto, ao contrário do concreto que apareceu no estágio
inicial do conhecimento, não é uma representação visual, sen-

.155
sível e caótica do todo; ele reflete a natureza interna das
formações materiais.
Essas são algumas leis do desenvolvimento das formas do
pensamento no processo do movimento do conhecimento de
uma categoria (um grau) a outra.
Examinamos a transformação das principais formas do
pensamento,
social, e vimosno que
decorrer do desenvolvimento
elas estão ligadas a estágios dodeterminados
conhecimento
do desenvolvimento do conhecimento social, à intelecção de
formas universais determinadas do ser, de ligações e de pro-
priedades universais da realidade, refletidas pelas categorias
filosóficas correspondentes.
Isso indica que as categorias filosóficas são graus do
desenvolvimento do conhecimento e que sua relação, refletindo
íeis universais determinadas do ser, exprime a lei do funcio-
namento e do desenvolvimento do conhecimento.
A parte que se segue nesta nossa obra será dedicada à
análise das diferentes categorias e leis da dialética, que serão
consideradas na ordem
desenvolvimento em que elas
do conhcimento aparecem
social no processo do
e da prática.

.156
V. O PARTICULAR,
O MOVIMENTO, A RELAÇÃO

1. O PA RTI CU LAR

Para o materialismo dialético, o movimento e o repouso


relativo, compreendidos como um dos momentos do movimento,
são, por sua natu reza , própri os à matér ia. O movime nto con-
diciona "a corrente", a modificação permanente da matéria;
o repouso acarreta o equilíbrio do movimento, a transformação
da matéria, como se interrompesse a corrente contínua, obri-
gando-a a "parar" nesse ou naquele lugar e a manter-se nesse
ou naquele estado, embora a corrente contínua do movimento
apareça como descontínua, como um conjunto de diferentes
sistemas de movim ento. Com base em cada um desses siste-
mas, constitui-se uma formação material, uma coisa particular,
ou naquele estado, embora a corrente contínua do movimento
constitui uma coisa concreta, cuja natureza é determinada pela
for ma do movim ento que a constitui. Sendo eterno como a
matéria, o movimento absoluto assim como o repouso relativo
condicionam a existência eterna da matéria, mediante as forma-
ções materiais particulares, encerradas no espaço e no tempo.
O particular é, portanto, uma forma universal da existência da
maté ria. E aqui relac ionam -se conceitos de "co rpo ", de "coi sa"
e de "objeto".

2. O MOVI MEN TO

a) O CONCEITO DE MOVIMENTO

O movimento como forma universal do ser da matéria foi


analisado pelos pensadores, logo no começo do desenvolvimento

.157
da Filosofia, como forma particular da consciência social. Entre
os primeiros filósofos gregos, por exemplo, o movimento desem-
penhou o papel de principio inicial, a partir do qual pro cu ra-
ram explicar todos os fenômenos observados na realidade
ambiente. To ma nd o como princípio primeir o uma ou out ra
substância concreta, eles mostraram que todas as formas do ser
observadas no dessa
transformações mu nd osubstância
apa rece ram em decorrênci
(princípio primeiro),a e deque,certas
sendo diferentes estados de uma mesma natureza, elas estão
organicamente ligadas, passando uma pela outra e pelo prin-
cípio inicial.
Tomando como princípio primeiro o apeiron, uma matéria
indeterminada, por ex emplo, Ana xima ndro diz ia que: "O infi-
nito é o princípio primeiro do existente, porque é dele que tudo
nasce e nele tudo se destrói. É dele que 'se desligaram os
céus e os mundos em geral', cujo 'número é infinito' e eles
todos perecem depois que um tempo bastante considerável
tenha decorrido desde seu aparecimento; e todos eles executam
um movimento circular desde tempos imemoriais. ..".
É evidente que na obra de Anaximandro a universalidade
do movimento desempenha o papel inicial de sua teoria do
mundo exterior.
Enc ont ram os uma tese anál oga a essa em Thale s, que
toma como princípio primeiro a água, e também em Anaxí-
menes, que to ma esse princ ípio no ar. Simplici us afir ma, por
exemplo, que na obra de Anaxímenes, o princípio primeiro das
coisas (o ar), em decorrência de modificações que lhe são
próprias, é, às vezes, uma determinada substância, às vezes
outra substância: quando se rarefaz, ele torna-se fogo; com-
primindo-se, ele torna-se vento e depois nuvem; comprimindo-
se ainda mais, torna-se água, depois terra e depois pedra; e
todo o resto nasc e dessas substânci as. Simplic ius acresc enta
que Anaxímenes reconhece que o movimento é eterno e que
acarreta as transformações das coisas.
A idéia de universalidade do movimento é expressa de
maneira partic ularme nte clara por Herácli to. Ele di z que a
morte do fogo é o nascimento do ar, a morte do ar é o nasci-
mento da água; da morte da terra nasce a água, da morte da
água nasce o ar, da morte do ar nasce o fogo e vice-versa.

.158
Assim, os filósofos gregos reconheciam a universalidade
do movimento dos fenômenos da realidade e elaboravam, a
partir dela, sua concepção do mundo.
Salientando que o homem descobre o movimento no
estágio inicial do conhecimento e que essa forma universal do
ser é conceitualizada já nas primeiras concepções filosóficas do
mundo, Engels escreveu que: "Quando submetemos ao exame
do pensamento a natureza ou a história humanas, ou ainda
nossa próp ria ativida de menta l, o que temos como pri meir o
resultado é o quadro de um entrelaçamento infinito de relações
e de ações recíprocas, no qual nada permanece como era, no
lugar onde estava ante rior ment e e como estava, mas em que
tudo muda, modifica-se, vem a ser e perece.. .
Essa maneira primitiva e ingênua, porém fundamental-
mente correta, de encarar o mundo, foi a maneira adotada pelos
filósofos gregos da Antigüidade, e o primeiro a formulá-la de
modo claro foi Heráclito. . . "1.
Os primeiros filósofos gregos da Antigüidade concebiam o
movimento com essa
gimento (sobre um processo
mesma base)de destruição
do outro. de um e do sur-
Eles colocavam o conceito do movimento, da transforma-
ção em primeiro plano, deixando, dessa maneira, de lado, a
estabili dade. Somen te um pou co mais tar de é que outros
filósofos e, em particular, os eleatas se interessaram pela esta-
bilidade. Ao contrário dos jónicos, eles colocaram a estabili-
dade como princípio inicial, erigiram-na como absoluta e che-
garam finalmente a negar o movimento, porque para eles,
tudo o que existe baseia-se no todo único, imutável e homogêneo,
preenchendo tudo. Sobre o ser, escreveu Par mênide s: "Há
mil sinais de que o sendo não pode ser engendrado e é impere-
cível, inteiro em seu corpo, contínuo, imóvel, sem começo nem
fim'*.
Empédocles retoma o conceito do movimento, mas con-
serva igual mente a estabili dade. Suas quat ro "raí zes " (a terra ,
a água, o ar e o fogo), que constituem os objetos e os fenô-
menos do mu nd o exterior, são eternas e imutáveis. Po r isso
o movimento para ele não é o surgimento de uma coisa e o
desaparecimento de outra, como era o caso para os filósofos

X
F. Engels, Anti-Diihring, Paris, Editions Sociales, 1950, p. 52.
2
Y. Battistini, Trois présocratiques, Paris, 1969, p. 113.

.159
de Mileto, assim como par a Herá cli to. Pa ra Empédoc les o
movimento representa apenas um descolamento de raízes e seu
diferente reagr upame nto. Ele diz que: "N ad a do que é morta l
tem seu nascimento ou seu fim determinado pela morte que
tud o leva. Os elem entos apenas asso ciam-se e, um a vez mis-
turados, eles se disass ociam. Nas cim ent o é ape nas um nome
3

dado Essa
pelosquestão
homensé para um momento
resolvida de formadesse ritmo das
semelhante porcoisas"
Anaxá- .
goras. Ele sustenta va que as palav ras "apar eci men to" e "desa -
parecimento" não eram empregadas corretamente pelos heléni-
cos, porque, na verdade, não há coisas que apareçam, nem que
desapareçam, mas cada coisa é formada pela mistura das coisas
existentes ou delas se sepa ra. Assi m, seria mais corr eto dizer
"misturar-se" no lugar de "aparecer", e no lugar de "desapa-
recer", "desintegra r-se". Esse mesm o conceito pod e ser encon-
trado em Demóc rito . Os átomos eternos e imutáveis consti-
tuem, segundo ele, a base de tudo o que existe, o movimento
resume-se apenas a seu deslocamento, sua reunião e sua
separação.
Caracterizando a doutrina de Demócrito, Aristóteles es-
creveu, por exemplo, que: "Demócrito e Leucipo, pelo contrá-
rio, depois de terem estabelecido as figuras, tiram delas a alte-
ração e a geração: a separação e a união dessas figuras pro-
duzem a geração; e a corrupção, e sua ordem e sua posição,
a alteração" . Plut arco, analisando a teor ia de Demócr ito,
4

escreveu que, para ele, "os seres infinitamente numerosos, invi-


síveis e indiferenciáveis, não sendo possuidores de qualidades
(internas), nem submissos a uma ação (exterior), habitam um
espaço vazio; quando eles reaproximam-se, chocam-se ou en-
trelaçam-se e, dentre essas acumulações (assim formadas),
algumas parecem
ser plantas ser a água,
e, finalmente, outras oofogo
as quartas, e as para
homem; terceiras parecem
Demócrito,
elas são apenas (n a realidade) formas ind ivi sí vei s. .. como e le
as chama, e, além delas, nada mais existe".
Aristóteles desenvolveu posteriormente a teoria do movi-
mento e da correl ação. Ele retomou o pont o de vista dos
jónicos e de Heráclito, que consideravam o movimento como o
aparecimento de um a coisa e a destrui ção de outr a. Rest abe-

3
Y. Battistini, op. cit., p. 155.
"•Aristóteles, De la génération et de la corruption, Paris, 1951, p. 10.

.160
lecendo o que haviam dito os primeiros filósofos gregos, ele
incluía, sob uma forma anulada, em sua teoria do movimento
e da correlação, as concepções de filósofos que se seguiram a
esses primeiros, tais como Empédocles, Anaxágoras e Demó-
crito. Segundo Aristóteles, o movi ment o nã o é apenas a des-
truição e o aparecimento, mas igualmente o crescimento e a
diminuição, assim como o deslocamento dos corpos no espaço.
Aristóteles distinguia seis formas de movimento: "há seis espé-
cies de movimento: a geração, a corrupção, o crescimento, a
diminuição, a alteração e a modificação local" . Destacando
5

a eternidade do movimento, o fato de que "o movimento sempre


existiu e existirá o tempo todo" , Aristóteles une-o novamente
6

à natureza e às coisas materiais, porque considerava qüe o mo-


vimento é uma característica universal das coisas e que não
existe sem elas. "A nat ure za é o prin cíp io do movi men to e da
modificação" . E em outr a par te do mes mo text o ele diz que :
7

" . . . não há mov ime nto fora d as coisas" . 8

A filosofia de Aristóteles encerra a formação da categoria


do movim ento
categorias que . distinguia,
Em bo ra utilizava-a
ele não a te nha um
como incluído entreunifi-
conceito as dez
cador para categorias como as de "posição", "posse", "ação"
e "sofrimento".
No período imediatamente posterior de seu desenvolvi-
mento, a filosofia materialista tende a erigir em absoluto a forma
mecanicista do movimen to da matér ia. Nos séculos XV II e
XVIII esta foi uma tendência dominante, e o movimento é,
então, interpretado como um deslocamento dos corpos no
espaço. Enc ont ram os essa concep ção em Desca rtes e em
Holbach, que escreveu que: "O movimento é um esforço pelo
qual o corpo muda ou pelo menos tende a mudar de lugar,
isto é,
espaço. .a."corresponder
9
. sucessivamente a diferentes partes do
A concepç ão do movimento como deslocam ento dos
corpos no espaço é limitada e, por essa razão, incorreta,

5
Aristóteles, Organon, I. Catégories, II, Paris, 1946, p. 72.
«Aristóteles, Physique, Paris, 1931, t. 2, v. 5-8, p. 138.
'Aristóteles, Physique cit., Paris, 1926, t. 1, v. 1-2, p. 88.
8
Aristóteles, Physique cit., p. 90.
9
P. Holbach, Systéme de la nature ou des lois du monde physique
et du monde moral, Londres, 1769, p. 13.

.161
Ela não inclui a diversidade das transformações próprias à
matéria. As tra nsf orm açõ es que se produz em, por exemplo,
no núcleo atômico, no organismo vivo, na sociedade etc. não
são apenas simples deslocamentos.
Uma definição científica do movimento foi dada, pela
primeira vez, pelos fund ado re s do materialismo dialético e,
em particular, por Engels que escreveu que: "o movimento,
aplicado à matéria, é a modificação em geral" . Ele "inclui
w

todas as mudanças e todos os processos que se produzem no


universo, da simples mudança de lugar até o pensamento" . 11

O movimento é um atributo da matéria, sua propriedade


fund ame nta l. É po r isso que ele está indissoluvelmente ligado
a ela. Nã o houve , não há e nã o pod e haver matéria sem
movimento, nem movimento sem matéria.
A lei de correspondência da massa e da energia é teste-
munha desse laço indissolúvel entre a matéria e o movimento.
Segundo essa lei, a c ada qua nti dad e dete rmin ada de massa
corresponde uma quanti dade muito precisa de energi a. Tod a
modificação
correspondenteda demassa é acompanhada
energia de toda
e, inversamente, uma transformação
transformação
de energia acarreta uma modificação correspondente de massa.
Certos filósofos e físicos burgueses não reconhecem o laço
orgânico do movimento com a matéria, eles "estabelecem" a
possibilidade de uma redução da matéria ao movimento e,
baseados nisso, consideram a energia como primeira e determi-
nante, considerando que a matéria é uma das formas de energia.
Para provar seu ponto de vista, eles se referem à transformação
da substância em luz e, notad ament e, à tran sfor maçã o do
elétron e do pósitron em dois ou três fótons, considerando-os
como a transformação da matéria em energia pura.
"A matéria, escreve, por exemplo, o sábio norte-ameri-
cano Roy K. Mars hal l, é um a das for mas de energia. Em
certas condições, a transformação da matéria em energia pura,
ou da energia pura em matéria, é possível"^.
É evidente que os partidários desse ponto de vista têm uma
concepção pré-marxista, metafísica da matéria como substância
e que, dessa for ma, eles defo rmam a realidade. A trans forma -

F. Engels, Dialectique de la nature cit., p. 252.


10

"F. Engels, La dialectique de la nature cit., p. 75.


R. K. Marshall, The nature and things, New York, 1951, p. 47.
12

.162
ção de elétrons e de pósitrons em fótons — partículas de luz —
não é a tran sfor maçã o da matéria em energ ia (movimen to
puro), mas sim a transforma çã o de uma for ma de matéria
em outra forma , porqu e toda realidade ob jetiva é matéria . Não
apenas a substância relaciona-se com a matéria, mas também
uma variedade infinita de formas do ser, já conhecidas, assim
como as ainda desconhecidas.
Sendo uma realidade objetiva, existindo fora e independen-
temente da consciência humana, a matéria não pode desaparecer
total ou parcialmente, nem se transformar em qualquer coisa
de imaterial. El a existe eternamente, passando contin uamente
de um estad o ou aspect o qualitativo a outr o. E o mesmo
acontece com o movi ment o. Es ta ndo organi camen te ligado à
matéria, ele não pode desaparecer ou se transformar em nenhu-
ma outra coisa que não seja o movimento, porque sua quanti-
dade per mane ce semp re a mesma . Salientan do a ete rnid ade da
matéria e do movimento, assim como sua ligação orgânica,
Engels escreveu qu e: "A maté ria sem o moviment o é tã o in-
concebível qua nto o movi mento sem a matéri a. O movi ment o
é, portanto, tão impossível de ser criado e destruído quanto a
própria ma téria. . .". E mais adiante ele diz que: " . . . a quan-
tidade de movimento existente no mundo permanece constan-
te"i3.

b) O MOVIMENTO E O REPOUSO

Quando apresentamos o movimento como uma proprie-


dade fundamental da matéria, não podemos nos esquecer de
indicar sua outra propri edade — uma certa estabilidade e
invariabilidade. A matéria "fl ui" continuamente, tra nsfo rma-
se, mas, mesmo
permanece se transformando
imutável, em repouso. a esse ou àquele grau, ela
É preciso observar, aqui, que certos autores compreendem
o repouso em um sentido restrito, portanto, de maneira incor-
reta. Eles consid era m que o repouso é a ausênc ia de movi-
mento, sob essa ou aquela relaç ão. Por exemplo, toma-s e um
corpo que se encontra em estado imóvel em relação à Terra
e diz-se que esse corpo está em estado de repouso em relação

13
F. Engels, Anti-Dühring cit., p. 92.

.163
à Ter ra. Pa ra conf irma r essa idéia, refer em-se habi tual ment e à
característica do repouso que é dada por Engels em sua obra
Anti-Diihring, na qual ele cita um caso análogo como exemplo
de repouso. Mas, nes sa referência são freqüe nteme nte om itidas
as passagens que mostram o caráter limitado desse exemplo.
Engels, quando descrevia o caso em questão, indicava também
que a noção de repouso é tomada aqui em um sentido mecânico,
e que o corpo está em repouso apenas do ponto de vista da
forma mecânica do movimento da matéria 14
. De fat o, se a
forma mecânica do movimento é o deslocamento dos corpos
no espaço, e ntão , o repo uso, no q uadr o dessa for ma do "movi-
mento será, naturalmente, a ausência de deslocamento, a "liga-
ção" com um certo lugar.
Além disso, os autores que citam esse exemplo de repouso
não precisam a que forma de movimento ele é aplicável, permi-
tindo, dessa maneira, que se entenda que ele é um exemplo
clássico do repouso em geral e é exatamente por isso que eles
deformam a concepção marxista do repouso e sua essência.

Sendo, onãcontrário
entre tanto do movimento,
o a ausência o repouso
de movi mento , masrepresenta,
sua for ma
particular, ou seja, o movimento em equilíbrio. De fato, o
sistema solar é um sistema em repouso, não porque ele seja
isento de movimento (ele está em movimento constante e diver-
si fic ado ), mas por que há um equilíbrio entre suas diferentes
partes: o átomo de um a substância, enquanto for ma ção mate-
rial, possui o repouso não porque ele está imóvel, assim como
suas partes, mas porque é um sistema de movimento relativa-
ment e estável das partículas "ele ment ares ", um sistema de
equilíbrio. É precis amente is so, ou seja, a prese nça de um
movimento em equilíbrio, e não a ausência de movimento, que
é u ma prop
igualmente rie dad e universal
movimento, movimentodoem repo uso. então
equilíbrio, Se o asrepou
tesesso é
do materialismo dialético, assim como "o repouso é um movi-
mento do movimento" e "o repouso é um caso particular do
movimento", tornam-se perfeitamente claras.
O sistema de movimento relativamente estável que cons-
titui uma coisa dada não esgota todo o movimento dessa coisa.
Ao lado do movimento em equilíbrio, próprio a uma formação

14F. Engels, Anti-Diihring cit., p. 92.

.164
material, produzem-se transformações contínuas, tanto no qua-
dro desse sistema, como nas relações dele com outros sistemas
de movimento relativamente estável.
Por exemplo, em um átomo, ao lado do sistema relativa-
mente estável, do movimento dos elétrons em redor do núcleo,
dos prótons e de outras partículas, produzem-se certas modifi-
cações no estado
elétron pode passar endeergético das apartí
uma órbita culas
outra, "el ement
perdendo umaares ". O
certa
quantidade de energia ou mesmo adquirindo-a; o átomo pode
perder um ou vários elétrons e, em interação com outros
átomos, pode constituir um sistema de movimento relativamente
estável e mais complexo etc.
Em uma única palavra, paralelamente ao movimento em
equilíbrio, no quadro, e ao lado desse movimento, produz-se
uma massa de outras transformações e de outros movimentos.
Todas essas transformações incorporando-se até um certo mo-
mento ao sistema de movimento dado, relativamente estável,
não comp rome tem o equilíbrio de suas diferen tes parte s. Mas
desde que essas transformações atinjam um nível em que elas
ultrapassem o quadro do sistema de movimento relativamente
estável, o equilíbrio é perturbado, o sistema fica arruinado e,
em seu lugar, aparecem um ou outros sistemas de movimento
relativamente estável, representando novas formações materiais
ou novas cois as. Nesses novos s istemas de movi ment o relati-
vamente estável produz-se a mesma coisa: as transformações
que afetam alguns de seus elementos não influem, no começo,
sobre seu equilíbrio e perman ecem em seu qua dro . Mas, a
seguir, desde que um certo nível seja atingido, essas transforma-
ções destroem esses sistemas e fazem aparecer sistemas novos,
e assim por diante.

c) O MOVIMENTO E O DESENVOLVIMENTO

Se o movimento condiciona a passagem constante da ma-


téria de um estado estável a outro, a destruição contínua de
formações materiais e o aparecimento de novas formações que
as substituem, a questão que se coloca é a de saber qual é a
tendência de todas essas transformações, qual é o sentido do
movimento e o que aparece no lugar das formações materiais
destruídas que desaparecem?

.165
Segundo a teoria do movimento circular, todas as trans-
formações observadas no mundo transpõem os mesmos estágios,
voltando, a cada vez, à posição de partida, isto é, elas descrevem
um círcu lo. Est a idéia foi formula da de maneir a muit o precisa
pelos filósofos gregos da Antigüidade (Thales, Anaxi ma ndr o e
Anax ímen es). To ma nd o como princípio primeiro algo conside-
rado como um apeiron, Anaximandro, por exemplo, dizia que:
"O infinito é o princípio primeiro da existência, porque é dele
que tudo nasce e nele tud o se destrói ". É do apeiron que "se
desligaram os céus e, em geral, todos os mundos", "que perecem
todos depois que um tempo bastante considerável tenha decor-
rido desde seu aparecimento; e eles todos executam um movi-
mento circular, desde tempos imemoriais. . .".
Em sua forma mais categórica, que supõe a repetição
literal e absoluta dos estágios já transpostos, a idéia do movi-
mento circular foi expressa pelos pitagóricos que consideravam
que todos os 760.000 anos, tudo no mundo, volta a seu
estado inicial e repete os estágios já transpostos.
"Os pitagóricos acreditavam, escreve sobre isso Eudeme,
um dos alunos de Aristótele s, que eu fa lari a nov ame nte a
vocês, que teria nas mãos esta mesma vara, que vocês estariam
sentados no m esm o lugar e q ue me es cut ari am. . . " . 1 5

Segun do u ma outra teoria, as t ransf ormaçõe s que se


produzem no mundo não se fazem segundo um círculo, mas
têm uma tendência à destruição, à morte, a ir ao encontro do
que é cada vez meno s perfe ito. Ent re essas teorias , encon tra-
mos também as do "movimento inverso", da "regressão" etc.
O astrônomo inglês James Jeans desenvolve uma teoria desse
tipo. Gener aliza ndo, em seu livro O movimento das estrelas,
sua experiência no estudo do Universo, ele declara que esse
Universo "vive sua vida e vai do nascimento à morte como
todos nós, já que a ciência não conhece nenhuma outra trans-
formação além da passagem para a velhice e nenhum outro
progresso além do movimento em direção ao túmulo" . 16

O materialismo dialético reconhece tanto o movimento em


círculo, como o retorno para trás (regressão), mas não consi-

L. Vaciliev, Espaço, tempo e movimento, Petrogrado, 1923, p. 7.


15

Original em russo.
J. Jeans, The stars in their courses, Cambridge University Press,
16

1948, p. 152.

.166
dera essas como tendênci as dominante s. A tend ênci a domi-
nante, no mundo material, é o movimento progressivo, as trans-
formações que conduzem à passagem do inferior ao superior,
do simples ao complexo, isto é, o desenvolvimento.
A tese do materialismo dialético sobre o desenvolvimento
que se produz na realidade objetiva é confirmada, de forma
evidente, pelo s dados das ciências conte mporâ neas , not ada -
mente das ciências da natureza e da sociedade.
A ciência moderna, por exemplo, afirma que a luz irra-
diada no Espaço por corpos incandescentes transforma-se, em
certas partes do Universo, em partículas "element ares", que
possuem uma massa de repouso, isto é, transforma-se em par-
tículas de substâncias que se acumulam em grandes quantida-
des, formam os átomos de elementos químicos, depois as
molécu las de algumas substâncias. Em decorr ência da intera-
ção, essas partículas materiais se aquecem, condensam-se e, a
um certo estágio de seu desenvolvimento, formam os corpos
celestes, sobre os quais, à medida que as condições necessárias
aparecem, como por exemplo, sobre a Terra, combinações mais
complexas de substâncias orgânicas nascem e, desenvolvendo-se,
transformam-se em organismos vivos.
Os organismos vivos depois de aparecerem não permane-
cem imóveis, mas, seguindo as modificações do meio ambiente
e a ele adaptando-se, transformam-se, passam de menos per-
feitos para mais perfeitos, de simples para mais complexos e,
em particular, passam de simples bolinhas de substância viva,
desprovidas de estrutura celular, para organismos unicelulares,
e de organismos unicelulares, os mais simples, aos organismos
pluricelulares e, finalmente, passam de seres dota dos unica-
mente de excitabilidade a seres dotados de sensações e de
rudimentos de pensamento elementar.
Na história da sociedade humana , observamos o mesmo
processo. A hum anidade começou a existir sob uma for ma
muito simples, a sociedade primitiva, depois conheceu o regime
escravagista, que é mais elevado e mais complexo do que o da
comunidade primitiva, em seguida, o regime feudal, o regime
capitalista e, enfim, o socialista, erguendo-se cada vez a um
grau mais elevado, passando a uma forma cada vez mais perfeita
de vida social.
Assim, a história da natureza, da mesma maneira que a
história da sociedade, mostra que, no processo da passagem da

.167
matéria de formações materiais ou de estados qualitativos a
outros, aparece uma tendência ao desenvolvimento, isto é, ao
movimento progressivo, à modificação indo do inferior ao
superior.
O reconhecimento do desenvolvimento é um dos princípios
de partida fundame ntais do materialismo dialético . Entreta nto,
na literatura marxista, não encontramos uma concepção única
do movim ento. Exist em variados pon tos de vista sobre esse
assunto. Lev and o em conta o laço que existe entr e nosso tema
e o problema do desenvolvimento, vamos nos deter um pouco
sobre ele.
Certos autores entendem por desenvolvimento as diferentes
transformações que se produzem na natureza, na sociedade e
no conhecim ento. V. Molodt sov, por exemplo, emite o se -
guinte ponto de vista: "Por desenvolvimento, no sentido mais
amplo da palavra, a dialética marxista entende as diferentes
transformações dos objetos da natureza, dos fenômenos da vida
social, assim como as modifica ções do conhec imento que o
homem tem do mundo objetivo" .
17

Mas se o desenvolvimento é qualquer modificação, então


não há nen hum a diferença entre desenvolvi mento e movi-
mento, e os conceitos de "desenvolvimento" e de "movimento"
designam a mes ma coisa. Ent ret ant o, a anális e da teori a dos
fundadores do materialismo dialético, concernente ao movi-
mento e ao desenvolvimento, mostra que eles davam um sen-
tido difer ente a essas duas noções e ta mbé m que não as
identi ficavam . Efet ivam ente , se o movi ment o e o desenvo lvi-
mento designassem a mesma coisa, Engels, definindo a dialé-
tica, não teria dito que ela é "a ciência das leis gerais do
movime nto e do desenvolvimento da nat urez a, da sociedade
18

humana
palavras equedosignificam
pensamento"
a mesma. coisa.
Nã o se ju nt a com um "e"
Se o movimento e o desenvolvimento fossem noções iguais,
Marx e Engels teriam criticado os materialistas anteriores a eles,
não pela negação do desenvolvimento, como é o caso, mas
por haverem-no reduzido a uma forma mecânica, porque os
materialistas pré-marxistas reconheciam algumas modificações,

V. Molodtsov,
l r
A dialética marxista sobre o desenvolvimento na
natureza e na sociedade, Mos cou , 1953, p. 31. Ori gin al em russo.
18
F. Engels, Anti-Diihring cit., p. 171-2.

.168
tais como o desl ocam ento dos cor pos no espa ço. Alé m disso,
se Marx e Engels entendessem por desenvolvimento todas as
modificações, Engels, analisando o processo da moagem dos
cereais, não teria podido dizer que nenhum desenvolvimento
tinha lugar no decorrer desse processo, já que as transformações
eram nele muito ev identes. Tu do isso most ra que esse pont o
de vista não está de acordo com a teoria dos clássicos do
marxismo-leninismo relativa ao desenvolvimento.
Ao contrário dos partidários do ponto de vista que aca-
bamos de examinar, que reduz o desenvolvimento a qualquer
modifi caçã o, os partidá rios de out ro pon to de vista agem de
mane ira exatam ente diversa. Eles defin em corre tamen te o de-
senvolvimento como movimento, "segundo uma linha ascen-
dente, como um processo infinito de renovação, de surgimento
do novo e de deterioração do antigo", e declaram ainda que,
todas as modificações são um movimento, segundo uma linha
ascendente, o nascimento do novo e a deterioração do antigo,
o que o materialismo dialético compreende o movimento como
desenvolvimento.
"A natureza, assim como essas diferentes partes, declara
A. Visloboko v, encontra-se em um movime nto perpé tuo, em
uma mudança perpétua, e esse movimento segue uma linha
ascendente, indo das formas inferiores às formas superiores"* 9
.
"É o movimento, a mudança a cada instante, da existência de
todos os objetos materiais que constituem o mundo material,
prossegue ele, que é o conteúdo do processo do desenvolvi-
mento da matéria dos graus inferiores aos graus superiores"20.
O resultado é o mesmo: identificação do movimento e do
desenvolvimento. A única difere nça é q ue os autores do
primeiro ponto de vista dissolvem o desenvolvimento no mo-
vimento,
todo enquanto que
o movimento no os do segundo, pelo contrário, dissolvem
desenvolvimento.
F. Kalsine e A. Fou rma n fu nda men tam de maneira um
pouco diferente a identificação de qualquer muda nça com o
desenvolvimento. Eles estão de acor do quant o ao fa to de que,
ao lado do desenvolvimento — movimento do inferior ao supe-
rior na realidade objetiva — há outras formas de mudanças e,

A. Vislobokov,
19
A indissolubilidade da matéria e do movimento,
Mos cou , 1955, p. 29. Original em russo .
A. Vislobokov, A indissolubilidade cit., p. 33.
20

.169
em particular, o movimento circular, as mudanças regressivas
etc. Mas, pelo fat o de que tod as essas mud anç as são sempre
aspectos de um processo mais complicado de desenvolvimento,
que condiciona seu aparecimento, devemos considerá-los como
momentos, elos do movimento progressivo, isto é, do desenvol-
vim ent o. " ( . . . ) A mudan ça, escreve Fourman, p ode -se dar
em qualquer direção: do simples para o complexo, do com-
plexo pa ra o simples, em círculos etc. Mas se começarmos a
procurar o por qu ê da realização dessa ou daquela mudanç a
regressiva ou circular, poderemos descobrir que sua causa en-
contra-se sempre em um processo mais complexo e mais geral
do des envo lvi ment o.. . Isso signi fica que todos os processos
da natureza inanimada e da natureza viva devem ser considera-
dos como diferentes aspectos ou momentos do desenvolvimento
geral e progressivo do mundo" . 21

A respeito desse juízo, é preciso dizer, antes de tudo, que


nem todos os movimentos circulares e mudanças regressivas —
mas longe disso — são engend rados pelo proce sso geral de
desenvolvimento; vários dentre eles são aspectos, elos desse ou
daquele processo geral da degradação, da desagregação desse
ou daquele sistema, e é por isso que eles não podem, absoluta-
mente, ser considerados como momentos do desenvolvimento.
No que concerne aos movimentos circulares e às mudanças
regressivas, que se desenrolam no quadro de um sistema em
desenvolvimento, também estes não são momentos do desen-
volvimento, já que o desenvolvimento representa o movimento
do inferi or par a o superio r. No mel hor dos casos, pode mos
considerá-los como condições do desenvolvimento se o movi-
mento do sistema do inferior para o superior for impossível sem
eles. Mas a condi ção do desenvolv imento e seu mo men to estão
longeFazendo
de ser adesse
mesmaou coisa.
daquele movimento circular ou mudança
regressiva um desenvolvimento, unicamente porque ele está li-
gado a esse ou àquele processo mais geral do desenvolvimento,
o autor mostra uma aproximação unilateral, porque ele se limita
a conside rá-lo apen as como um a par te do tod o. O movim ento
circular, sendo uma parte de um todo mais geral, manifesta-se,
ele próprio, como um todo possuidor de suas próprias partes.

Livro de leitura sobre a filosofia marxista, Moscou, 1960, p. 142-3.


n

Original em russo.

.170
O autor não leva em conta esse aspect o das coisas. A par te e
o todo são noções correlativas; todo fenômeno é, ao mesmo
tempo , part e e todo . Sob uma certa relaçã o ele manifesta-se
como parte, enquanto que, sob uma outra relação, ele aparece
como todo. Po r exemplo, a mu dan ça de nossa Terr a em relaç ão
às mudanças do sistema solar é uma parte, mas, em relação às
mudanças do mundo vegetal e animal que vivem sobre ela, é
um tod o; as muda nça s de nosso organ ismo em rela ção às
mutações da espécie humana são uma parte e, em relação às
modificações das células ou dos órgãos que as constituem, são
um todo.
Segue-se que não devemos nos limitar a considerar esse mo-
vimento circular unicamente como uma parte desse ou daquele
todo, mas sim estudá-lo como um todo e, portanto, resolver
a questão: um movimento circular ou uma mudança regressiva
são um desenvolviment o? Re sp on de nd o a essa questão, che-
gamos necessariamente à conclusão de que as mudanças regres-
sivas e os movimentos circulares não se relacionam ao desenvol-
vimento, mas que o desenvolvimento é apenas o movimento do
inferior ao superior.
Denominando todo movimento de desenvolvimento, os
autores, cujo ponto de vista acabamos de analisar, consi-
deram-se vitoriosos na tentativa de ultrapassar a estreiteza da
conc epç ão metafís ica relativa a essa ques tão. Mas, na reali-
dade, embora de forma invertida, a estreiteza metafísica também
está pres ente em seu pont o de vista. Os metafísicos reduzem
toda mudança, inclusive o desenvolvimento, a uma única forma
de movimento, notadamente ao simples deslocamento dos cor-
pos no espaço. Já os autores do ponto de vista em questão
declaram, contrariamente, que toda mudança, inclusive o deslo-
camento dos corpos no espaço, é um desenvolvimento.
Dialético não é o que vê o desenvolvimento onde ele não
existe, mas sim o que representa a realidade em toda a sua
diversidade, sem confundir progresso e regressão, aquele que
vê na massa das mudanças o que intervém no desenvolvimento
— o movimento progressivo que, "apesar de todos os acasos
aparent es e de todos os retornos pa ra trás, . . .ter mina por
aparecer" .
22

22
K. Marx e F. Engels, Etudes phylosophiques, Paris, Editions So-
ciales, 1961, p. 45.

.171
Ao contrário dos autores que identificam totalmente o
conceito de desenvolvimento com o de movimento, S. Meliukhin
distingue-os, mas apresenta como critério de sua diferenciação
momentos e aspectos que não constituem a essência específica
do desenvolvimento. Ele cons ider a, por exemplo, a integral i-
dade, o caráter lógico e a espontaneidade das mudanças do
estado qualitativo de uma formação material como principais
particularidades do desenvolvimento. "A noção de desenvol-
vimento, ele escrev e, caract eriza apena s a muda nça integral,
lógica e espontânea do estado qualitativo de um sistema dado,
como um todo único" . Incon test avel mente , esses traços ca-
23

racterizam o processo de desenvolvimento, mas não lhe são


específicos. E eles caract eriza m igualme nte o movimen to
circular e as mudan ças regressivas. A especificidade d o desen-
volvimento é constituída não pela integridade, o caráter lógico
ou a espontaneidade das mudanças das formações materiais,
mas pelo caráter progressivo das mudanças, pela passagem do
inferior ao superior, do men os perfe ito ao mais perfeito. É
precisamente esse caráter que os clássicos do marxismo toma-
ram como critério do desenvol vimento. O autor ignora e,
portanto, deforma o conceito de desenvolvimento. Não é por
acaso que ele dá o nome de desenvolvimento tanto à mudança
das formações materiais, indo do inferior ao superior, como à
mud anç a do superior ao infe rio r. Par tin do desse critério de
desenvolvimento, o autor termina por pensar que as mudanças
irrever síveis devem ser consi derada s como desenvolvimento.
Seu raciocínio é o seguinte:
O Universo não é um sistema integrado, no qual todos os
elementos estariam em uma ligação funcional única, mas re-
presenta "o conjunto da multiplicidade infinita de sistemas
relati vamente autôn omos, na qual cada um está ligado ao
outro, mas cada um desenvolve-se de maneira completamente
independente" . Por isso o Unive rso não se modifi ca inteira-
24

mente do inferior ao superior: algumas das formações mate-


riais que o constituem (sistemas relativa mente autônomo s) se
desenvolvem do inferior ao superior, outras desenvolvem-se
no sentido contrário, e outras, ainda, seguem um movimento

23S, Meliukhin, Sobre a dialética do desenvolvimento da natureza


inorgânica, Mos cou , 1960, p. 10. Orig inal em russo.
S. Meliukhin, Sobre a dialética cit., p. 158.
24

.172
circul ar. Mas há algo comum a tod as essas mud anç as, e isso
é o fato de que elas são irreversíveis e de que não repetem
total mente os estados já trans posto s. Por isso não devemos
considerar o desenvolvimento como um movimento progressivo,
mas como uma mudança irreversível.
"Em relação ao conjunto do Universo, escreve Meliukhin,
podemos falar nã o de desenvolvimento progressivo, mas de
mudança irreversível, que supõe a impossibilidade de retorno
completo aos estados já trans post os. Os processos de desenvol-
vimento progressivo são apenas casos particulares de sua mu-
dança irreversível geral, pelo fato de que esta última encerra
não apenas a complicação das ligações e das formas do mo-
vimento, mas igualmente a degradação e a desintegração dos
sistemas materiais" . 25

V. Koziutinski defe nde um po nto de vista análog o. Em seu


artigo "De la direction du développement des objets cosmiques".
ele escreve: "Qual é, então, o critério de desenvolvimento dos
sistemas cósmicos e dos ele ment os que os constit uem? Se o
desenvolvimento se resumisse principalmente a uma mudança se-
guindo uma linha ascendente, a resposta seria clara: o critério
do desenvolvimento é o grau de "complicação" da estrutura,
das ligações e das formas de movimento da matéria, atingidas
pelo sistema. Mas, desde que a matéria inanimada não se
desenvolve em um sentido preferencial, e desde que o desen-
volvimento dos objetos cósmicos consiste em sua passagem a
novos estados qualitativos, que dão a impressão de ser, a cada
vez, srcinais e únicos em seu gênero, mas que nem sempre
são mais complexos do que os estados que os precedem, é
preciso introduzir, então, um novo critério de desenvolvimento
O desenvolvimento pode ser determinado como processo de
trans formaç ões qualitativas irreversíveis do objeto. No desen-
volvimento "ascendente", o novo significa ao mesmo tempo a
ascenção a um novo grau qualitat ivo. Mas o desenvolvimento
"ascendente" é apenas uma das direções do desenvolvimento
irreversível dos objetos cósmicos, uma das ramificações de
processos extremamente complexos que se desenrolam na Me-
tagaláxia" .26

25
S. Meliukhin, op. cit., p. 159.
26
V. Koziutinsky, Sobre o sentido de desenvolvimento dos objetos
cósmicos, in Ciências filosóficas, 1961, v. 4, p. 91-2. Original em russo.

.173
Nesses raciocínios é ressaltado o caráter nã o fundam enta-
do das conclusões relativas à necessidade de expandir a noção
de desenvolvimento e de estender, a todos, os processos irre-
versíveis.
Esses autores descobriram que o movimento do inferior
ao superior não engloba todos os processos que se desenrolam
no mundo, que existem ainda os movimentos circulares e des-
cendente s. A par tir disso, eles concl uíram que o conceito de
desenvolvime nto como mov ime nto do infe rior ao superior é
insuficiente, que é preciso substituí-lo por um outro conceito
que possa englobar toda s as mud anç as observáveis. Segundo
eles, esse conceito seria o da irreversibilidade das mudanças.
Ele caracteriza tão bem o movimento do inferior ao superior,
como os movim ento s circulares e as mud anç as regressivas. Vê-
se então , claram ente, que as tent ativ as desses autores para
expandir a noção de desenvolvimento, qualificando de desen-
volvimento qualquer mudança que intervenha na realidade
objetiva, decorrem da vontade de mostrar o caráter universal
do desenvolvimento.
Afirmando que toda mudança não é desenvolvimento e
que, ao lado dos processos de desenvolvimento, observamos
movimentos circulares e mudanças regressivas, não estaremos
colo cando em dúvida a unive rsal idad e do desenvolvi mento? É
evidente que não . O desenvol vimento é um a pro pri eda de uni-
versal da matéria, necessariamente própria a todas as formações
materiais. El e existe sob a fo rm a de capa cid ade à complica ção
e à passagem do infe rior ao superior. Sendo pró pri o a toda
a matéria e a cada formação material, esta capacidade, como
qualquer outra, aparece apenas em condições adequadas. Onde
essas condições reúnem-se, há necessariamente mudança do
inferior ao superior, do simples ao complexo; onde essas con-
dições não são criadas há, ou movimento circular, ou mudanças
regressivas. As forma ções mate riai s que part ici pam do movi-
mento circular ou sofrem mudanças regressivas não perdem a
capa cida de de passar do infer ior ao super ior. Es sa capacid ade
conserva-se sob todas as transformações e mudanças, manifes-
tando-se desde que as condições favoráveis sejam reunidas.
A idéia segundo a qual a capa cid ade de passagem do
inferior ao superior é necessariamente própria da matéria e de
que ela se manifesta necessariamente onde são criadas condi-
ções correspondentes foi exposta de uma maneira particular-

.174
mente clara por Enge ls: "A mat éri a move-se em um ciclo
eterno: ciclo que, é bem verdade, só executa sua revolução
nas durações pelas quais nosso ano terrestre é apenas uma
unidade de medida suficiente, ciclo no qual a hora do supremo
desenvolvimento, a hora da vida orgânica e, ainda mais, a hora
em que vivem os seres que têm consciência deles mesmos e da
natureza é medida com tanto mais de parcimônia quanto o
espaço no qual existem a vida e a consciência de si; ciclo no
qual todo modo de vida finito de existência da matéria — seja
ele o Sol ou nebulosas, animal singular ou gênero de animais,
combinação ou dissociação química — é igualmente transitório
e no qual nada é eterno, a não ser a matéria em eterna mu-
dança, em eterno movimento, e as leis segundo as quais ela se
mov e e se modif ica. Mas, qualq uer que seja a freq üênc ia e
qualquer que seja o inexorável rigor com os quais o ciclo se
complete no tempo e no espaço; qualquer que seja o número dos
milhões de sóis e de terras que nascem e que perecem; por
maior que seja o tempo necessário para que, em um sistema
solar, as condições de vida orgânica estabeleçam-se, mesmo
que apenas em um único planeta; por mais numerosos que
sejam os seres orgânicos que terão primeiro de aparecer e
perecer antes que saiam de seu seio animais com um cérebro
capaz de pensar e, mesmo que eles encontrem, apenas por um
curto lapso de tempo, condições próprias a sua vida, para em
seguida ser exterminados sem piedade, ainda assim, temos a
certeza de qu e. . . se ela (a ma té ri a) tiver um dia de exter-
mina r sobre a Terr a, com um a necess idade imperiosa, sua
floração suprema, o espírito pensante, será preciso que, com
a mesma necessidade, em algum outro lugar e em alguma outra
hora, ela o reproduza" .2,7

Dessedo raciocínio
clássicos marxismo,deconsiderando
Engels destaca-se o fato da
o movimento de matéria
que os
do inferior ao superior como uma evolução, levavam em conta
movimentos circulares infinitos próprios à matéria, a presença
de mudanças regressivas e o caráter temporário da existência
de cada sistema, de cada formação material.
Analisamos vários pontos de vista relativos à concepção
do desenvolvimento, diferentes, todos eles, do que havíamos

27F. Engels, La dialectique cit., p. 45-6.

.175
exposto anteriormente, e acreditamos que a teoria mais justa
do desenvolvimento é a que o considera como um movimento
progressivo, segundo uma linha ascendente, como mudança no
decorrer da qual se produz a passagem do inferior ao superior,
do simples ao complexo, do menos perfeito ao mais perfeito.

3. A RE LA ÇÃ O

As diferentes formações materiais, sendo sistemas de


movimento relativamente estáveis, não coexistem simplesmen-
te, mas agem uma s sobre as outras, prov ocan do muda nças
mútuas e encontrando-se, assim, em correlação e interdepen-
dência determinadas.
A ligação é a rela ção entre os objetos da reali dade. Mas
nem toda rela ção é liaa ção. O conceito de "re laç ão" é mais
vasto do que o de "li gaçã o". Es se conceito engloba não apenas
a ligação entre os fenômenos da realidade, mas igualmente seu
isolamento, sua separação, não apenas sua interdependência,
mas também uma certa independência, uma relativa autonomia.
A ligação é uma relação entre dois fenômenos quando a mo-
dificação de um su põe um a certa tr ans form açã o do outro,
quando a essa ou àquela modificação em um correspondem
essas ou aquelas modif icaç ões no out ro. Po r exemplo, o mo-
vimento do corpo está organicamente ligado a sua massa, já
que a modificação do primeiro acarreta necessariamente a
modificação da segunda; as propriedades químicas dos elemen-
tos estão ligadas à carga do núcleo atômico, porque sua mo-
dificação acarreta uma certa modificação dessas propriedades;
os organismos animais e vegetais estão em correlação com o
mundo exterior: mudanças precisas do meio acarretam neces-
sariamente mudanças correspondentes nos organismos; as
ferramentas de trabalho estão em correlação com o objeto
do trabalho e toda modific ação da fe rramen ta provoca uma
modifi cação rigor osamen te dete rmina da do objeto. Por sua
vez, a transformação do objeto do trabalho acarreta certas
modificações das ferramentas de trabalho etc.
O isolamento (a separação) é uma relação entre os fenô-
menos da realidade feita de tal forma que as mudanças de um
deles não afetam os outros fenômenos, não acarretam mudanças
nestes últimos. Por exemplo, os princípios morais da sociedade

.176
e a natureza exterior estão em estado de isolamento, as modi-
ficações dos princípios morais não acarretam uma mudança da
natureza e vice-versa, as mudanças na natureza não modificam
os princípios morai s. Fen ôme nos como a nature za biológica
do homem e a luta de classes, as jazidas de carvão e de ferro
etc. nã o estão ligados entre si. Uma modifi cação de um nã o
acarreta umaesses
Dando modificação
exemplosdedeoutro.
correlação e de isolamento (sepa-
ração), nós não queremos absolutamente dizer que a correlação
é particular a certos fenômenos, enquanto o isolamento é ex-
clusivo de outros . No caso da correlaçã o que consi deramo s
mais acima, há igualmente isolamento, assim como no caso de
isolamento há tam bém correl ação. A única diferen ça é que,
em certos casos, a correlação está em primeiro plano, enquanto
que, em outros , é o isolam ento, a separaçã o. Te ndo fi xad o por
meta mostrar o que representa a correlação, escolhemos, natu-
ralmente, exemplos em que ela aparece de maneira particular-
mente clara, em que ela predomina sobre o isolamento.
E procedemos da mesma forma para mostrar o que repre-
senta a sepa raçã o (o is ol ame nto ). A correlaçã o e a sep ara ção
(o isolamento) existem conjuntamente e caracterizam todos os
fenômenos, sem exceção.
No mundo, todos os fenômenos estão, ao mesmo tempo,
ligados e isolados . Ele s estão ligados sob certas relações e não
o estão sob outras; neles são produzidas tanto mudanças que
supõem outras corre sponde ntes em outros fenômen os, como
mudanças que não implicam absolutamente em correspondentes.
O núcleo atômico, por exemplo, está organicamente ligado à
camada eletrônica, embora esteja, ao mesmo tempo, separado
dela (i so la do) . Nesse núcleo produzem-se modificações que
acarretam modificações correspondentes na camada eletrônica,
e outras que nã o a afet am. Assim, a modifi cação da carga do
núcleo acarreta uma modificação de sua camada eletrônica.
Mudanças, como a troca permanente de mésons, que se efetua
entre os núcleos que é acompanhada por suas transformações
uns nos outros, não acarretam nenhuma modificação da camada
eletrônica, assim como uma modificação nesta última e, em
particular, a pe rda ou a aquisição de elétrons não acarreta
mudanças no núcleo.
A relaç ão organis mo-mei o é um exemplo manife sto da
unidade da ligação e da separ ação (is ola men to) . O organis mo

.177
está indissoluvelmente ligado ao meio e, ao mesmo tempo, está
separado dele; porque o organismo possui uma certa autonomia,
conhece um certo isol amento . Algumas mudan ças no meio
engendram necessariamente mudanças no organismo, enquanto
outras não o faz em. Ape nas as muda nças do meio que con-
cernem aos aspectos e aos fatores ligados à atividade vital do
organismo inf lue mvital
afetam a atividade sobredo elorganismo
e. As mudnãoançacarretam
as do meio que não
mudanças
para ele.
As idéias de separação, de isolamento da existência dos
fenômenos e de sua correlação surgiram com o nascimento da
Filosofi a. Assim , entr e os primeir os filós ofos gregos, a corre-
lação desempenhou um papel de princípio inicial na explicação
dos fenômenos observados na realidade ambiente.
Tomando como princípio inicial uma substância ou um
fenômeno natural (a água, o ar, o fogo), os filósofos da Anti-
güidade mos tra ram que todos os fenômenos observados no
mundo provinham de modificações dessa substância (fenô-
meno) e que,
eles estão sendo diferentes
organicamente estados
ligados, de uma
passam um mesma natureza,
no outro e no
princípio inicial.
A idéia da correlação universal dos fenômenos foi muito
claramente exprimida por Heráclito que tomava o fogo como
princípio inicial e dele fazia o fund amento de tod a separação
e de toda ligação.
Nas teorias dos primeiros filósofos gregos, a correlação
era compreendida como a passagem dos fenômenos uns nos
outros. Mas logo depois, esse pont o de vista foi substit uído
por um outro, segundo o qual a correlação manifesta-se sob a
forma de junção e de disjunção mecânicas dos mesmos elemen-
tos invariáveis. Ess e pon to de vista foi part icul arme nte desen-
volvid o por Empédoc les e Anaxágoras . Fo i somente Aristó-
teles quem conseguiu supera r esse pon to de vista limit ado.
Pa ra ele, a corr ela ção é a inte rdepe ndênci a das coisas. El e
ensina que tudo o que é correlativo a qualquer outra coisa é
expresso em relação às coisas que estão em interdependência.
Aristóteles foi o primeiro a denominar de categoria o conceito
de "relação", dando-lhe, dessa maneira, o caráter geral neces-
sário.
A categoria de "relação" foi, em seguida, desenvolvida por
Kant, para quem a relação compreende, ao mesmo tempo, a

.178
ligação e a sepa raçã o. Ele destacava que, no juízo, os con-
ceitos estão, ao mesmo tempo, ligados e sepa rado s, e que
todo juízo fixa tanto a presença de ligação, como sua ausência.
Por exemplo, o juízo "o lobo é um animal" exprime que o lobo
está ligado aos animais e também que ele está separado de todos
os outros animais, com exceção de seus semelhantes, isto é, dos
lobos.
ração sãoDes envoaspectos
dois lven do que
a justa idéia de que em
se condicionam a ligação
qualquere arela-
sepa-
ção, Ka nt deu um grande passo à fre nte na reso luçã o desse
problema. Mas, ao mesmo tempo, deu um passo atrás. Ele
negava a pres ença da correl ação dos fen ôme nos no mun do
exterior, na rea lid ade objetiva. Pa ra ele, a corr ela ção é intr o-
duzida no mu nd o dos fenô menos pelo sujeit o pens ante . Hegel
opunha-s e a essa afirmaç ão de Kan t. El e afirm ava que a cor-
rel ação e as relaç ões são, por nature za, própria s às coisas. É
precisamente por meio das relações que as coisas manifestam
sua essência. Hegel dizia que: "T udo o que existe encont ra-se
em relação, e essa relação é a verdade de toda existência" .28

Embora demonstrasse que a ligação e a relação são próprias


às coisas, Hegel estava longe de adotar posições materialistas.
Ele acreditava que as relações são, por sua natureza, ideais,
que elas const ituem mome ntos ou graus do desenv olvim ento
da idéia absoluta que existe fora e antes do mundo material
e das coisas sensíveis.
Além da concepção dialética das relações desenvolvida
pelos filósofos já citados, aparece na história da Filosofia uma
concepção metafísica, cujos partidários erigiam em absoluto o
isolamento, a separação e, de uma maneira ou de outra, negavam
a correlaçã o dos fenômenos da realidade. Essa concepção
nasceu do fato de que, em um determinado estágio do desen-
volvimento da consciência social (séculos XV e XVI), os sábios
passaram do estudo do mu ndo em seu conjunto, como se fazia
anteriormente, ao estudo dos objetos particulares, que forma-
vam esse mun do, e de suas propri edades . Ele s distinguiram
os objetos uns dos outros, desmembraram-nos em partes e
examinaram cada uma delas separadamente, fora de qualquer
laço com as outras part es e objetos. Esse s mo do de pesquisa

28
G. W. F. Hegel, Werke, Vollständige Ausgabe, Berlin, 1843, t.
6, p. 267.

.179
engendrou o hábito de considerar o mundo, a realidade como
um conjunto de corpos, de propriedades e de elementos iso-
lados, sem nenhuma ligação entre eles.
Essa concepção filosófica das relações dos fenômenos da
realidade foi elaborada de uma maneira ou de outra por Francis
Bacon e Joh n Locke. Dentre os filósofos burgueses contem-

porâneos,
Segundo essasão teoria,
os partidários da teoria
cada objeto pluralista
apresent que a adotam.
a-se como alguma
coisa encerrada em si mesma, portanto, não pode haver ligação
entre os objetos.
Em oposiç ão aos metafísicos que erigiram o isolamento
em absoluto e negaram a correlação dos fenômenos da reali-
dade, e também em oposição aos idealistas que deduzem a
correlação da consciência, o materialismo dialético acredita
que esta última é uma forma universal do ser, própria a todos
os fenô meno s da reali dade. Tod os os fen ôme nos que existe m
no mundo representam elos de uma matéria única, "um con-
junto coerente de corpos" . 29

Por exemplo,
uma certa segundo
ligação com o Solos edados daosciência,
os outr pla netaas Terra tem a
do sistem
solar. O Sol é um elo da Galáxi a que enc erra um a grande
quan tid ade de outra s estrelas ligadas entre elas. A Galáxia
faz parte de um sistema ainda mais imenso e, nos limites desse
sistema, está ligada a uma série de outras formações estelares
etc., até o infini to. Observa mos um fen ôme no análogo, quan do
penetramos a matéria. De fato, todo corpo celeste representa
um conjunto de diferentes substâncias ligadas entre elas de
diferentes maneiras; cada substância é um conjunto de molé-
culas ligadas entre elas de uma maneira bem determinada; a
molécula é um conjunto de átomos em ligação recíproca; o
átomo
elas. éAum conjunto
ligaçã o dosdecorpo
partículas "elementares"
s celestes efe tua -seligadas entre dos
por meio
camp os de gravit ação. A ligação das substâ ncias que consti-
tuem um corpo assim como a ligação dos átomos na molécula
e da camada eletrônica com o núcleo atômico realizam-se por
meio dos campos de gravitação e eletromagnéticos.
A natureza viva e a natureza inanimada, o mundo vegetal
e o mundo animal, a natureza e a sociedade, os diferentes

29
F. Engels, Dialectique cit., p. 76.

.180
aspectos da vida social, os fenômenos da consciência e do
conhecimento estão todos ligados entre eles de forma deter-
minada.
Logo, na realidade, tudo está em correlação, "cada coisa
(fenômeno, processo etc.) está ligada a uma outra coisa qual-
quer'^.

4. O ESP AÇO E O TE MP O

Como já fizemos observar, a matéria, que possui um mo-


vimento absoluto e um repouso relativo, existe não sob a forma
de massa totalmente homogênea, mas divide-se em um con-
junto de formações materiais particulares. Cada formação
material particular, enquanto parte do mundo material, possui
uma certa extensão e está em correlação, de uma maneira ou
de outra, com outros objetos e formações materiais particulares
que a rodeiam .
A entre
relação extensão
cada das
uma formações
delas com materiais
as outras particulares e a
formações mate-
riais que a rodeiam é o espaço.
Pelo fat o de que a matéria possui como própri o um
movimento e um repouso relativo, cada formação material
particular nã o é eterna, mas aparece em decorrência da negação
de formações materiais determinadas que lhe são anteriores,
transpõe certos estágios de desenvolvimento e desaparece,
transformando-se em outras formações materiais, isto é, ela
possui uma duração determinada de existência e está em relação
determinada com as formações materiais que a precedem e
com as que a seguem.
A dura ção da existên cia das fo rmaç ões materiais e a
relação de cada uma delas com as formações anteriores e pos-
teriores é o tempo.
Os idealistas, como de regra, negam a existência objetiva
do tem po e do espaço. Assim, por exemplo , Berkeley, repre-
sentando o idealismo subjetivo, reduz o mundo a um conjunto
de sensações e declara que todo laço ou extensão existe apenas
no espírito, na consciência, e que não há, fora da consciência

30
V. Lenin, Oeuvres t. 38, p. 210.

.181
e de nossas sensações, nem espaço, nem tem po. O tempo,
segundo Berkeley, transforma-se em nada se afastamos a su-
cessão de idéias em nosso espírito.
Outros representantes do idealismo subjetivo têm um ponto
de vista semelhante, como por exemplo Ernest Mach, físico e
filósofo austríaco da segunda metade do século XIX e começo
do século XX. Pa ra ele, o temp o e o espaço repr ese nta m
sistemas ordenados (ou harmonizados) de séries de sensações.
Kant acreditava que o espaço não constitui a propriedade das
coisas, mas que, assim como o tempo "que não é alguma coisa
que exista em si, ou que pertença às coisas", ele representa
"exatamente uma forma de sentimentos exteriores", uma forma
de intuição, que o homem utiliza para abordar o mundo dos
fenômenos, por meio da qual ele as percebe" . 31

Poincaré apresentou igualmente um ponto de vista subje-


tivo do espaço e do tem po. Segundo e le, o te mpo e o espaço
são apenas conceitos elaborados pelo homem, para sua como-
didade.

maioriaA concepção idealista


dos filósofos do espaço
burgueses e do tempo
contempor âneos,caracteriza
assim comoa
certos físicos que, não sabendo adotar o ponto de vista do ma-
terialismo dialético, para explicar estes ou aqueles fenômenos
físicos, ten dem pa ra o idealismo. Assi m, o ast rôn omo inglês
J. Jeans reprova o materialismo dialético por fazer do espaço
e do tempo "qualidades primeiras" e por acreditar que todos
os fenômenos podem ser inteiramente representados no espaço
e no tempo, quando a física moderna mostra que o espaço e o
tempo são próprios apenas aos aspectos exteriores das coisas
e que não caracterizam os processos internos . Segundo Jeans ,
32

só pertence ao espaço e ao tempo o que está na superfície, os


processos internos
representam existem
uma espécie fora doà espaço
de mundo parte. e do tem po , isto é,
O físico contemporâneo Arthur Eddington também não
reconhece a realidade do espaço e do tempo para o mundo das
partículas elementares. Referindo-se a esses estados da maté-
ria ele declara que: "Para tais estados, o espaço e o tempo não
existem — ou pelo menos eu não tenho nenhuma razão para

siKant's Werke, Berlim, 1904, t. 3, p. 55.


J. Jeans, The new background of science, Cambridge, 1933, p. 81.
32

.182
pensar que eles existam" . Os materia listas que, ao cont rári o
33

das diferentes concepções idealistas do espaço e do tempo,


consideram que a matéria, a natureza são primeiras, iniciais,
determinantes e que a consciência, o espírito são segundos,
derivados da matéria e que constituem uma propriedade da
matéria que aparece apenas em um estágio determinado de
seu desenvolvimento, reconhecem a existência objetiva e real
do espaço e do tempo, existência independente da consciência.
Segundo o materialismo dialético, o espaço e o tempo são pro-
priedades fundame ntais da matéria, formas determinadas de
sua existência, for mas objet ivamen te reais do ser. "O Universo ,
escreve Lenin, é apenas matéria em movimento, e essa matéria
em movimento só pode mover-se no espaço e no tempo" . 34

Se o espaço e o tempo são propriedades fundamentais da


matéria, formas de sua existência, é totalmente normal e ne-
cessário que eles estejam em ligação orgânica com a matéria.
Mas, na história da Filosofia, foi a opinião contrária que pre-
valeceu por muito tempo. Os filósofos acreditav am que o
espaço e o tempo, embora existindo objetiva e independente-
mente da consciência, não estavam absolutamente ligados à
mat éri a, nã o depen diam dela. Essa idéia já fo ra expost a de
maneira bastante clara pelos filósofos gregos da Antigüidade,
e, em particular, pelo pitagórico Archytas de Tarente, em cuja
obra encontramos a afirmação de que o espaço existe realmente
e de que ele lembra uma imensa caixa na qual encontram-se
coisas e números separados, e que ele não depende das coisas
e que po de existir sem elas. Dem ócri to rec onhec eu igualme nte
a independência do espaço com relação às coisas materiais.
Segundo ele, o espaço existe sob a forma de um vazio, no qual
movem -se os átomo s. Aristóte les expôs um pon to de vista
semelhante; é verdade que ele não falou de espaço vazio, mas
escreveu que o espaço é apenas um lugar ocupado alternada-
mente pelas coisas.
Foi Newton que, em sua teoria do espaço absoluto, desen-
volveu a tese da indepe ndênci a do espaço com rel ação à
mat éri a, que torn ou-s e um pilar da física clássica . Segundo

A. S. Eddington,
33
The nature of the physical world, New York,
The Macmillan Company, 1929, p. 198.
V. Lenin, op. cit., t. 14, p. 181.
34

.183
essa teoria, o espaço não está ligado às coisas de forma neces-
sária, não depende delas; ele é eterno, imutável e imóvel, en-
quanto que as coisas particulares dependem do espaço, existem
no espaço, movem-se com relação a ele.
Na história da Filosofia, houve tentativas de ligar o espaço
à matéria, à s coisas materiais. Gior dano Bru no (Itál ia, Renas-
cença), por exemplo, tentou disseminar a idéia de que não
existe nenhum espaço vazio, que o espaço está indissoluvelmente
ligado à matéria e em especial ao éter, o qual, sendo penetrável,
incorpora todas as coisas existentes.
Descartes reúne de maneira mais clara o espaço à matéria.
Para ele, o espaço não está ligado a uma forma qualquer da
matér ia, como dizia B runo , mas a toda s as for mas de sua
existência. A verda de é que ele pra tic ame nte caiu em um outro
extremo identificando o espaço à matéria.
A tese da ligação orgânica do espaço com a matéria foi
igualmente sustentada por outros filósofos e, em particular, por
Spinoza (Holanda, séc. XVII), segundo o qual o espaço é um
atributo da matéria, e pelo filósofo inglês John Locke
(1632/1704), que identificava o espaço à grandeza dos corpos,
à sua "extensão".
Os materialistas pré-marxistas que salientaram, com justa
razão, a ligação do espaço e da matéria, pensavam, entretanto,
que o espaço é o mesmo para todos os corpos, que possui as
mesmas qualidades e obedece às mesmas leis, o que manifesta-
mente não corresponde à situação real das coisas e é o resul-
tad o da influê ncia metafís ica próp ria do materia lismo pré-
marxista.
Apenas o materialismo dialético rompeu definitivamente
com a metafísica na interpretação da correlação do espaço e
da matér ia.ligado
nicamente Ele àconside ra que
matéria, o espaço
às coisas não estámasapenas
materiais, orga -
também
que depende igualmente da matéria, de suas formas de exis-
tência e que não é, em conseqüência, o mesmo para todos os
corpos, mas que muda de uma forma de existência da matéria
a outra. Assim, por exemplo, os gazes, cuja atração molecular
é tão fraca que as moléculas podem deslocar-se em todas as
direções, possuem relações espaciais dete rmina das. Os líquidos
caracterizam-se por outras relações espaciais: suas moléculas
têm uma atração muito mais forte e, por esse motivo, elas não
podem mover-se livremente, seus movimentos são atrapalhados

.184
pelas moléculas vizinhas e deslocam-se apenas com elas.
Outras relações espaciais existem, por exemplo, nos sólidos,
nos metais em que as moléculas e os átomos estão dispostos
em uma ordem rigorosa e formam uma rede cristalina estável.
As aquisições da física contemporânea e, em particular,
a teoria geral da relatividade são um poderoso testemunho da

dependência
forma imediatas. do Segund
ções materiai espaço o com
essa relação
teoria, à asnatureza das
características
espaciais dependem da divisão e do movimento das massas
em atração, isto é, da densidade da matéria que constitui essa
ou aquela parte do Universo e de suas forças de atração
(campo s de g ravi taçã o), que ela determina. Em particular,
nas partes do Universo caracterizadas por uma forte densidade
de matéria e por grandes forças de atração, o espaço curva-se
tanto mais quanto a densidade e a força de atração cresçam.
O prob lema da maté ria e do tem po é análo go. Du ran te
muitos anos, acreditou-se que o tempo não estava ligado à
matéria, não dependia da natureza das formações materiais,
mas existia ritemmo.si mesmo,
o mesmo Spinoz corria
a, por deexemp
maneira
lo, regular,
escreverepetindo
u q ue : "A
dur ação é a con tin uaçã o ind efi nid a da existên cia. . . ela nã o
pode jamais ser determinada pel a pró pri a natureza da coisa
que existe; nem pode ser determinada pela causa eficiente"35.
Essa idéia foi levada ao extremo por Newton que acreditava
que o tempo, enquanto tal, era absoluto, que existia em si
mesmo, independente dos acontecimentos; que corria de forma
igual, uniforme.
A sepa ração do te mp o da matér ia, dos acontec imentos
que se davam na realidade objetiva, pode ser encontrado igual-
men te na liter atura filo sófic a soviética. Certos filósofo s sovié-
ticos defendem
não será e desenvolvem
preenchido, a teoria
nem "sujado" de um tempo
por nenhum puro que
acontecimento
Como tempo puro, el es pro põe m o temp o futu ro. O futur o,
efetivamente, não está preenchido pelos acontecimentos, como
é o caso do presen te e do pas sado . Mas, por enqu anto , ele
nã o é real, é apenas um tem po possível. Po r isso não é válido
compará-lo aos acontecimentos presentes, podemos confrontá-
lo apenas com acontecimentos possíveis, com acontecimentos
que se prod uzir ão no fu tu ro . E desde que colocamos a questão

35
Spinoza, Ethique, Paris, 1908, p. 64.

.185
nesse plano, a "pureza" do tempo futuro desaparecerá imedia-
tamente, este verificar-se-á "sujo", preenchido pelos aconte-
cimentos, e precisamente pelos acontecime ntos futu ros. O ma-
terialismo dialético não reconhece nenhum tempo puro existindo
for a e independent emente dos aconteci mentos que têm lugar
nesse mundo.
O tempo, assim como o espaço, está organicamente ligado
à matéria, depende dessa ou daquela forma de sua existência.
A dependência do tempo com relação às formas de existência
da matéria é confirmada pelos dados mais recentes da ciência
da natu reza contemp orân ea. Po r exempl o, segundo a teoria
da relatividade, o decorrer do tempo, seu ritmo dependem da
densidade da substância desse ou daquele sistema e das forças
de atração que agem entre os corpos dados: quanto mais a
densidade da substância é elevada, tanto mais lentamente corre
o tempo.
A dependência do espaço e do tempo, com relação à
matéria, sua determinação pelas formas concretas de existência
da matéria decorrem necessariamente do fato de que o espaço
e o tem po estão organi cament e ligados ao movim ento. Com
efeito, mesmo o movimento mecânico é testemunha dessa cor-
rela ção. Por exemplo, a distância per cor rid a por um corpo
em movimento uniforme é determinada pelo produto do tempo,
pela velocidade. A distância é a medida do espaço; a veloci-
dade, a medi da do movim ento. Po rt an to , o espaço é, aqui,
dete rmin ado pelo movi mento e pelo tem po. A dependê ncia da
duração da existência de certas partículas "elementares" com
relação à sua velocidade testemunha igualmente que o tempo
depen de do movim ento. Por exemplo , o méson existe tanto
mais temp o, qua nto maio r fo r sua veloc idad e. Isso se encont ra
confirmado em certas teses da teoria da relatividade e, em
particular, no fato de que, em um sistema em movimento,
com par ado a um sistema em repo uso, as relações espaciais
modificam-se, reduzem-se, e poderíamos mesmo dizer que o
corpo é comprimido no sentido do movimento, que os períodos
temporais aumentam e que o escoar do tempo torna-se mais
lento.
Se o espaço e o tempo estão ligados ao movimento, e se
o movimento é um atributo da matéria, o tempo e o espaço
estão, no entanto, organicamente ligados à matéria, dependem
das formas de seu movimento e, portanto, de sua existência.

.186
A caract erísti ca do espaço é a de ser tridimens ional. A
representação das três dimensões do espaço é dada por três
linhas perpendiculares uma a outra, passando por um único
e mes mo pon to do espaço. Um a delas vai da esquerda para
a direita, a outra de cima para baixo e a terceira da írente
para trás. Esses três eixos são totalmente suficientes pa ra
que possamos, deslocando-nos paralelamente a eles, atingir
qualquer que seja o corpo e localizá-lo no espaço.
Certos filósofos idealistas contestam essa tese, afirmando
que as três dimensões não são absolutamente necessárias para
todos os corpos, nem par a todos os ser es. Ernes t Mach, por
exemplo, acreditava que os átomos dos elementos químicos não
são tridime nsionais . Po r isso, segu ndo Mac h, "nós nã o deve-
mos representar-nos os elementos químicos em um espaço com
três dimensões" . Out ros repr ese nta ntes do idealismo e, em
36

particular, os espiritualistas, proc ura ram justificar um espaço


com quatro dimensões e seres também com quatro dimensões.
O professor Zelner, espiritualista, chegou a recorrer ao seguinte
raciocínio: Admitamos que existam seres com duas dimensões,
que só pod em deslocar-se da esq uer da pa ra a direita, par a
fre nte e pa ra trás, mas não de baix o pa ra cima. Eles seria m
parecidos com um peixe chato, por exemplo, o linguado, colo-
cado em um aquário chato, e privado da possibilidade de se
deslocar par a o alto e par a baix o. Esses seres viventes nã o
sabem nada da terceira dimensão espacial que nós conhecemos,
já que somos seres de três dimensões. É por isso que, pa ra
chegar ao centro do círculo, esses seres só podem deslocar-se
no sentido do rai o e, assim, eles cor tar ão forç osa ment e a
circun ferênc ia. Qua nto a nós, pod emo s chegar ao centro do
círculo de outra maneira, seguindo a terceira dimensão, isto é,
aproximando-nos do alto para baixo e de baixo para o alto.
Segundo Zelner, nós, os seres de três dimensões, estamos em
relação aos seres de quatro dimensões como os seres de duas
dimensões estão em relaç ão a nós mesmos . Efet ivam ente , não
pode mos chegar ao centro de uma esfera evitando sua superfície,
nem podemos entrar em uma casa sem passar pela porta ou
pela janela etc., porque só conhecemos três dimensões e todas
elas pas sam pel a superfície das for maç ões indicadas (esf era,

36
E. Mach, Erhaltung der Arbeit, Praga, 1872, p. 54-5.

.187
ca sa ); os seres sobre natur ais que conhecem outras direções
podem penetrar na esfera ou na casa sem passar por sua super-
fície . Daí todas as maravilha s sobrenaturais que não podemos
compreender nem explicar, a partir do ponto de vista de nosso
espaço de três dimensões.
Esses raciocínios mostram o quanto a quarta dimensão é
necessária a certos filósofos para fundamentar a existência de
Deus e todo o misticismo.
Quanto às teorias físicas de um espaço com quatro, cinco,
ou mesmo um número infinito de dimensões, não têm nada a
ver com as afirmações que acabamos de examinar e refletem
certas leis do mundo objetivo sem, entretanto, invalidar a tese
do espaço de três dimensões. Qu an do os físicos falam de
quatro dimensões, eles consideram, na verdade, quatro coorde-
nadas, das quais três se relacionam ao espaço e a suas dimen-
sões e a quart a é o tem po. A mes ma coisa acontece quand o
se fal a em espaço pluri dime nsio nal. Qua ndo os físicos ou os
matemáticos falam de dimensões, eles, habitualmente, têm em
vista não somente as dimensões do espaço, mas igualmente as
de outros aspectos e propriedades das coisas, que são em
número infinito. Tud o isso não enfraque ce em nada a teoria
do espaço de três dimensões, mas simplesmente mostra que
os termos "espaço de quatro dimensões", "espaço de várias
dimensões" ou "espaço de n dimensões" não correspondem a
seu conteúdo, mas são empregados para definir as característi-
cas que ultrapassam grandemente o quadro das dimensões
espaciais.
Ao contrário do espaço, o tempo possui apenas uma di-
mensão, ele vai sempre em um único sentido: para a frente,
do passado para o present e e depois para o fut uro. Não pode-
mos mudar a disposição dos momentos nem modificar o curso
do tempo, porque o tempo é irreversível.
Outra particularidade do tempo e do espaço é que eles
são infinito s. Emb ora a maté ria exista apenas mediante for-
mações materiais limitadas no espaço e no tempo, enquanto
tudo , ela é infinit a. Ca da fo rm aç ão materi al, colocada à parte,
possui suas relações espaciais, ma s é apenas .um elo da corrente
das coisas materiai s. Cad a coisa está ligada a uma quant idad e
infinita de outras coisas, e é por isso que as relações espaciais
de uma coisa, de uma formação material transformam-se ime-
diatamente em relações espaciais de outras coisas, e assim até

.188
o infinito. Em bo ra a existência de cada form ação material seja
marcada por um começo e um fim, já existia antes dela um
número infinito de formações materiais, da mesma maneira
que, depois de seu desaparecimento, existirão outras formações
materiais. O desa parec iment o de uma conduz ao surgimento
de outra e, assim, sucessivament e. O mund o nunc a teve co-
meço, nem terá fim, ele existia e existirá eternamente.
Ent ret ant o, o cará ter infi nito do espaço e do temp o é
contestado pelos representantes das diferentes escolas idealistas,
assim co mo pe los teólogos. Os teólogos resumem o carát er
finito do mundo, no espaço e no tempo, à doutrina religiosa da
criação do mun do po r Deus . Deus, segundo eles, te m um a
existência eterna e não tem necessidade nem de espaço, nem de
tempo. O espaço e o tem po apare ceram, dizem eles, depois
da criação do mundo, que Deus situou no espaço e no qual
Ele deixou um lugar pa ra a mar cha dos acontecimentos. Os
teólogos propõem-se a aceitar sua doutrina do espaço e do
tempo como uma fé e recusam-se a qualquer discussão sobre
seu fun dam ent o e sua lógica. Qua ndo , por exemplo, pergu nta-
vam para Luther: "Onde se encontrava Deus e o que Ele fazia
antes da criação do mundo?", ele respondia que Deus estava
sentado em um bosque de bétulas e preparava açoites para os
que fizessem perguntas desse tipo.
Nos últimos tempos, a no ção de um mundo limitado no
tempo e no espaço é freqüentemente ligada à teoria da relati-
vida de, a alguma s de suas teses e deduç ões. Segundo a teor ia
da relatividade, a julgar pela densidade da substância e pelas
forças de atração que condiciona, o Universo representa uma
esfera fechada, limitada no espaço. Conclu ir pelo caráter
finito do mundo no espaço, resulta em equações da teoria geral
da relatividade, que supõem que a matéria é repartida de forma
homogênea nesse espaço. Entr etan to, os últimos dados da
astronomia most ram o con trá rio : a divisão da maté ria no
espaço é extremamente heterogênea ?. 31

Também não tem nenhum fundamento dizer que o mundo


é finito no espaço e no tempo, referindo-se ao processo de
expansã o do Universo. O fa to de que os sábios observem o

V. Ambartsumian,
37
Alguns problemas metodológicos da cosmo-
gonia, 1957, p. 6. Ori gin al em rus so.

.189
deslocamento de raios espectrais na direção do vermelho, quan-
do observam a luz proveniente das estrelas, foi utilizado para
concluir que a parte observada do Universo está em expansão,
que as galáxias afastam-se umas das outras a uma velocidade
inacreditável, atingindo, para algumas estrelas mais afastadas,
a velo cida de de 120. 00 0 a 17 0. 00 0 Km /s . Levando e m conta
que a velocidade na qual as galáxias afastam-se umas das
outras e a posição em que foram observadas, os sábios calcula-
ram a época em que essa matéria em recessão ainda permanecia
junto, isto é, eles estabeleceram quando começou essa dilatação
suposta da maté ria. Iss o rep res ent a de 2 a 5 milhões d e anos.
Os idealistas e os teólogos imediatamente tiraram conclusões
correspo ndentes. Assim , fo ra m criad as teorias, segund o as
quais todo o Universo tem por começo um átomo pai, criado
po r Deus, isto é, o mundo teve um começo no tempo, portanto,
ele tam bém é limi tado no espa ço . O pa pa Pio XII, base ando -se
nessas reflexões, decidiu acrescentar uma correção à Bíblia e
declarou que o mundo foi criado não há 7.500 anos, mas há
vários milhões de anos.
É evidente que esses são raciocí nios incorret os. O erro,
nesse caso, reside no fato de que leis próprias a algumas partes
do Universo são estend idas para to do o Universo. Do fat o de
que a parte observada do Universo esteja em expansão não
decorre absolutamente que as outras partes também estejam
expandindo-se . Elas tant o pod em estar em dilatação, como em
contra ção. E é mes mo mui to prov ável que algumas part es do
Universo estejam dilatando-se, enquanto outras estejam con-
traindo-se, ou ainda que em um momento elas se dilatam e no
outro se contraiam.

.190
VI. O SINGULAR,
O PARTICULAR
E O GERAL

1. CRITICA
DAS CONCEPÇÕES IDEALISTAS
E METAFISICAS DO SINGULAR
E DO GERAL

O problema do singular e do geral nasceu ao mesmo tempo


que a Filosofi a. A for maç ão de representações da reali dade
exterior, do mu nd o em seu con ju nt o e a inte rpre taç ão dos
fenômenos que aí se produzem supõem que uma explicação
seja dada quanto ao aparecimento e às relações das diferentes
coisas e quan to a sua essência comum. Nã o é, por ta nto , po r
acaso que todos os filósofos se interessaram por essa questão
e tentaram, de uma maneira ou de outra, resolvê-la
Na história da Filosofia manifestam-se claramente duas
tendências para a resolução desse problema: tendência realista
e tendência nominalis ta. Os partidário s da primeira afirmam
que o geralAlgexiste
singular. de forma
uns dentre e lesautônoma, independentemente
consi deram que o geral, podo
r sua
própria natureza, existe sob a forma de idéias, de essências
ideais, enquanto que outros declaram-no material, existindo
fora e independentemente da consciência.
Platão, por exemplo, conferia ao geral uma forma ideal
de existência; o geral manifestava-se, para ele, como conceitos
gerais, como idéias particulares e autônomas, existindo fora e
independent emente da sociedade humana . Par a os filósofos
de Megara (Euclides, Stil pon), o geral tomava a for ma de
idéias de "be m", de "r az ão " e de "De us" . O filós ofo inglês

.191
contemporâneo George Moore* exprime o geral como relações
espaciais e outra s relações. Segundo os filóso fos burgueses
contemporâneos, George Santayana , Alfred Whitehead3 e
2

outros, o geral é feito de essências ideais, absolutamente inde-


pendentes de coisas materiais.
Os eleatas (Xenófanes, Parmênides, Zenon) acreditavam

que o geral
imutável, é material,
idênti ca a elaquemes
elemaé "um"
e que—tuuma massa única,
do ocupa. Pa ra o
filósofo da Idade Média, Roscelin, o geral existia sob a forma
de uma classe de objetos singulares, como o exército, o povo etc.
Quanto ao singular, os partidários dessa tendência decla-
ravam-no ou inexistente ou secundário, dependendo do geral e
sendo po r ele engen drado . Além disso eles o consider avam
temporário, transitório, surgido sob a influência direta do geral
e desaparecendo em condições correspondentes, enquanto o
geral era cons tant e, imutável, eterno. Por exemplo, as escolas
de Eléia e de Megara negavam a existência real do singular.
Elas declaravam que as coisas e fenômenos singulares são uma
aparê ncia, oum
res como a miragem.
mundo Pl atã o conside rava as coisas singula-
das sombras.
Whi teh ead demon stra o carát er transi tório do singular. As
coisas singulares, segundo ele, tendo características espaciais e
temporais, são finitas, cambiantes, aparecem e desaparecem. Seu
aparecimento é condicionado pelo geral, por essências ideais,
eternas, existentes fora do mundo espacial-temporal que obser-
vamos.
Os repr esen tant es da segunda tendênc ia, a nominali sta,
afirmam, pelo contrário, que não é o geral mas sim o singular,
que possui um a existência real. O geral é o pr odu to da ativi-
dade do pen sam ent o dos homen s e existe apena s em suas
consciências, sob a forma de nomes gerais, designando objetos
singulares.
A teo ria de William Occam, filós ofo da Id ad e Média ,
fornece um exemplo da concepção nominalista do singular e
do geral; ele declara que o geral não existe realmente na rea-
lidade objetiva, mas que é um produto do pensamento, que existe

'G. E. Moore, Some maine problems of philosophy , Londres-New


York, 1953.
G. Santayana, The real of essence, New York, 1927.
2

A. N. Whitehead, Science and the modern world, Cambridge, 1933.


3

.192
apenas sob a forma de conceito, sinal de numerosas coisas sin-
gulares. En tr e os filósofos contem porâne os, a conce pção no-
minalista do singular e do geral é aceita, por exemplo, por
Chase , W. Hugh.5 e Cassius . Hugh, por exemplo, considera
4 6

que os conceitos gerais são ficções que não refletem nada, mas
que confundem os homens, introduzindo entre eles mal-enten-
didos e conf lit os. Segundo ele, ape nas as coisas singulares
existem na realidade, e é por isso que apenas os conceitos sin-
gulares e individuais têm um verdadeiro valor.
De cre ta ndo que apenas o singular existe realme nte, os
nominalistas resolvem de diferentes maneiras a questão da
for ma de sua existência. Alguns dentr e eles (Will iam Occam
e Richard Midlton) consideram que o singular existe sob a
fo rm a de objet os materiai s isolados, outros (Ber kele y) afirmam
que ele existe sob a forma de sensações, e outros, ainda (Lei-
bniz), sob a forma de "mônadas", átomos espirituais únicos
em seu gênero.
Houve na história da Filosofia tentativas de ultrapassar
os
do defeitos
singulareea doestreiteza das concepções
geral (Aristóteles, Duns,realistas
Scotus,eBacon,
nominalistas
Locke
e Fe ue rb ac h) . Entret anto, eles também não conseguiram che-
gar a nenhuma solução científica-do problema, porque partiam
do fato de que apenas o singular tem uma existência verdadeira,
enquanto que o geral existe somente sob a forma de um aspecto,
de um momento do singular.
Erigindo o singular em absoluto, esse ponto de vista
aproximava-se do nominalista e impedia a elucidação do
problema.
Apenas a filosofia marxista conseguiu definitivamente
ultrapassar os defeitos próprios aos nominalistas e aos realistas
e dar uma solução justa e científica para essa questão.

S. Chase, The tyranny of words, New York, 1938.


4

W. Hugh, Semantics.
5
The nature of words and their meaning,
New York, 1941.
J. K. Cassius, The rational and the superrational, New York, 1952.
6

.193
2. A RE LA ÇÃ O
DO SINGULAR E DO GERAL

Como já demonstramos nos parágrafos precedentes, as


formações materiais estão em correlação, em interação e modi-
ficam- se mutua mente . Essas modificações s ão próprias a cada
formação material, porque cada uma delas possui seu próprio
ambiente, diferente do das outras, sua própria série de estados
qualitativos, que difer em das séries anteriores, e sua próp ria
histór ia presente nela sob um a for ma anulada. Tud o isso con-
diciona em cada formação material a existência de propriedades
e ligações que são próprias apenas a ela mesma.
As propriedades e ligações que são próprias apenas a uma
formação dada (coisa, objeto, processo) e que não existem em
outras formações materiais constituem o singular.
O singular para cada coisa é, por exemplo, o fato de que
ela ocupa um lugar dado no espaço, que ela é consti tuída
justamente por moléculas dadas e que, exposta a uma alta
temperatura, ela emite fótons dados etc.
Cada formação material, possuindo propriedades e ligações
singulares, representa essa ou aquela forma de existência da
matéria, um a fo rm a part icul ar de seu movime nto. É por isso
que, em cada formação material, ao lado do singular, do que
não se repete, deve haver o que se repete, o que é próprio não
apenas a ela, mas também a outras formações materiais (coisas,
objetos, processos).
As propriedades e ligações que se repetem nas formações
materiais (coisas, objet os, proce ssos ) constituem o geral. O
que é geral nessa ou naquela coisa é, por exemplo, o fato de que
ela existe objetivamente, independentemente de uma consciên-
cia qualquer, que ela está em movimento, que possui caracterís-
ticas espaciais e temp orai s. O geral no hom em é o fa to de que
ele é um ser vivo, que vive em sociedade, que sua essência é
determinada pelas relações de produção correspondentes, que
ele é dotado de uma consciência, reflete o mundo ambiente por
meio de um sistema de imagens ideais, possui uma familia etc.
O resultado do que acaba de ser dito é que o singular e o
geral não existem de maneira independente, mas somente por
meio de formações materiais particulares (coisas, objetos, pro-
cessos) , que são mome nto s, aspec tos destes últimos. Cada

.194
formação material, cada coisa representa a unidade do singular
e do geral, do que não se repete e do que se repete.
Existindo sob a forma de aspectos, momentos das forma-
ções materiais particulares (coisas, processos), o singular e o
geral estão organ ica ment e ligados um ao out ro, inter pen etr am-
se e só pod em ser sepa rado s no estado pur o po r abs tra ção . A
correlação do singular e do geral no particular (formação ma-
terial, coisa, processo) manifesta-se como correlação de aspectos
únicos em seu gênero, que são próprios apenas a uma formação
material dada, e a aspectos que se repetem nesse ou naquele
grupo de outras formações materiais.
A correlação do singular e do geral no particular manifes-
ta-se igualmente na transformação do singular em geral e, vice-
versa, no proc ess o do movi ment o e do desenvo lvimen to das
formaçõe s materiais. Essa lei pode ser observada nas transfor-
mações das propriedades dos vegetais no momento de sua trans-
plantação. Os biólogos acreditam que algumas plantas, subme-
tidas a condições de vida diferentes, adquirem faculdades de
adaptação
reforça da, eessas
que, faculdad
quando aesação
de de fatores
adapta ção correspondentes
trans forma m-seé em
propriedades gerais que caracterizam primeiro uma pa rte dos
exemplar es de um a espécie e depois tod a a espécie. Como
exemplo, podemos nos referir às modificações de algumas pro-
priedades das planta s selvagens que crescem nos Cáucasos.
Na região de Kazbek, essas plantas selvagens têm, em
geral, favas revestidas de pelos e as plantas com favas sem pelos
são rar as. O fa to de haver favas sem pelos é aqui singul ar
e é tam bém algo que pert ence apenas a algumas pla ntas . Mais
para o Oeste, as plantas com favas sem pelo pr edomina m cla-
ramente, embora ainda haja 25% de plantas com favas reco-
bertas de pelo.
desprovidas Ainda
de pelos mais
. Assi m, para o Oeste,
qua ndo todas de
as condições as existência
fava s são
das plantas mudam, a propriedade singular (favas sem pelo)
torna-se geral e a propriedade geral (favas recobertas por uma
camada de pelo) torna-se singular, excepcional.
Abo rda mos aqui a correl ação do singular e do geral. Mas
é conveniente distinguir especialmente a correlação do particular
e do geral. Se o singular é uma propr ied ade que nã o se repete,
e que é próprio apenas a uma formação material dada (coisa,
objeto, processo), o particular é a própria formação material,
a próp ria coisa, o pró pri o objet o, o próp rio process o. O pa r-

.195
ticular é simple smente o singular, mas é igual mente o geral. O
particular é a unidade do singular e do geral. A correlação do
particular e do geral representa uma correlação do todo e da
parte, em que o particular é o todo e o geral é a parte. Sendo
uma parte do particular, "todo o geral engloba, apenas aproxi-
mativamente, todos os objetos particulares", e "todo particular
entra, de maneira incompleta, no geral'" 7
, já que ele possui o
singular ao lado do geral e que, ao lado das propriedades repe-
titivas, há propriedades únicas em seu gênero, que são próprias
exclusivamente a ele.
Em uma certa medida, cada formação material particular,
em condições adequadas, pode transformar-se em uma outra
formação material (por exemplo, cada elemento químico em
um outro elemento químico, cada partícula "elementar", em
uma outra partícula "elementar", a substância em um campo
físico, o campo físico em uma substância), porque "todo par-
ticular" é religado, por milhões de passagens, a particulares de
um outro gênero (coisas, fenômenos, processos) e "existe
8

apenas nessa ligação que conduz ao geral" .


Efetivamente capaz, em condições adequadas, de transfor-
mar-se em uma outra formação material (coisa, objeto, proces-
so), cada particular encerra em potencial as propriedades
dessas outras formações materiais (coisas, objetos, processos)
e pode, portanto, ser considerado como sendo-lhe idêntico, isto
é, como geral.

3. O GER AL E O PA RTI CU LAR

Se estudamos um objeto dado, do ponto de vista das


categorias de "singular" e de "geral", colocamos em evidência,
por um lado, as propriedades e as ligações de caráter único,
próprias somente a esse objeto e, por outro lado, as que se
repetem e que são próprias a toda uma série de objetos. Mas,
freqüentemente na prática, não se trata de evidenciar o que é
único (não repetitivo), mas de estabelecer a identidade (a se-

7
V. Lenin, Oeuvres, t. 38, p. 345.
8
Lenin, op. cit.

.196
melh ança ) e a diferença entre os objetos confr onta dos. Torn a-
se, portanto, necessário opôr o geral ao particular e não ao
singular.
O que distingue os objetos confrontados constitui o
particular e o que exprime sua semelhança é o geral.
Assim, a predominância da propriedade privada na socie-
dade capitalista e da propriedade social na sociedade socialista
representa o particular dessas sociedades, na medida em que
esse traç o distingue uma da outra . Da mesma form a, a explo-
ração do homem nos países capitalistas e sua ausência nos
países socialistas é o particular.
O singular apresenta-se sempre como particular, porque,
sendo próprio apenas a uma formação material dada, ele a
distingue de qualqu er outra for maç ão mater ial. Assim, um
fenômeno único, tal como a instauração do poder dos Sovietes,
pela primeira vez na URSS, representará sempre o particular
pa ra a URSS e marcará a diferença entre ela e qualquer outro
país.

te. NoEl e que


pode,concerne
seguindoao ageral, seu comportamento
natu reza de suas relaçõesé ,cambian-
desem-
penhar, tanto seu próprio papel, como o papel do particular.
Nesse caso, em que ele anuncia a semelhança das formações
materiais conf ront adas , ele encarn a o geral, mas qua ndo as
distingue umas das outras, então, dese mpenh a o papel do
particular.
O fato, por exemplo, de que a ditadura do proletariado
na Bulgária existe sob a forma de democracia popular constitui
o geral se compararmos esse país com a Polônia, com a RDA
ou mesmo com a Hungria; e, ao mesmo tempo, se compararmos
a Bulgária com a URSS, esse mesmo fato tornar-se-á o par-
ticular,
Bulgáriao daregime
URSS,da onde
democracia popular
a ditadura distinguindo afirma-se
do proletariado então a
sob a forma de República dos Sovietes.
É conveniente observar, quando se fala da faculdade que
o geral tem de assumir o papel de particular, que isso não é
absoluta mente própri o a qualquer geral. Pa ra desem penhar a
função de particular, o geral deve poder distinguir as formações
materiais uma s das outras. E essa fac uld ade não perte nce a
qualqu er geral. Por exemplo, as pro prie dade s e as ligaçõ es
comuns a todas as formações materiais (objetos, coisas, proces-
sos) nã o pode m distin guir as forma ções materia is. Assim, a

.197
presença, em cada coisa, de uma causa que seja a origem de
sua existência, de uma forma e de um conteúdo determinados,
de ligações e de propriedades necessárias e acidentais, de uma
essência etc. não pode assumir o papel do particular, pelo fato
de que tudo isso caracteriza qualquer coisa ou formação ma-
terial. Aba rca ndo todas as formações materiais, o geral exprime
apenas, quais quer que sejam suas relações , a semel hança , a
identidade e não pode, portanto, distingui-las umas das outras.
Cada formação material representa, portanto, a unidade
do geral e do particular, a unidade do que a identifica a outras
formações materiais, assim como a unidade do que a distingue.
É conveniente tirar dessa lei a seguinte conclusão para a
prática e o conhec imento: se cada fo rm aç ão material é a uni-
dade do geral e do particular, então, para poder formar uma
representação exata de um objeto dado é necessário colocar
em evidência o que o identifica e o que o distingue de outras
formações materiais. Assim, se quisermos compr eende r a es-
sência do poder de Estado da URSS de hoje, devemos explicar
em que
nesse ouele assemelha-se
naquele e em que
país capitalista, elepoder
e do difereque
do existia
poder dena Estado
URSS
no período da passagem do capitalismo para o socialismo, ou do
poder nos países de democracia popular. Somente assim estará
completa e exata nossa representação da natureza do poder em
questão, de seu conteúdo e de sua forma, de sua essência e da
especificidade de suas manifestações nas circunstâncias dadas.
Prossi gamos. Se cada for maç ão materi al, cada domínio
da real idade poss ui necess ariame nte o geral e o parti cular ,
então, para resolver os problemas práticos, teremos de levar
em cons ider ação nã o somente o geral que se repet e, mas
também o particular próprio a um único domínio, a uma única
forma
e dos ção material.
caminhos para aIsso determina
resolução de uma diversidade das pro-
único e mesmo formas
blema prático. Podem os citar, a título de exemplo, a diversi-
dade das formas que toma a realização da revolução socialista
em diferentes países, em função da diversidade das particulari-
dades nacion ais e da evolução histórica. Por exempl o, na Uniã o
Soviética, a revolução socialista teve lugar em uma época em
que, em todos os outros países do mundo, o poder pertencia
aos exploradores, à burguesia que se recusava a ceder, o que
explica porque a revolução efetuou-se sob a forma de uma
insurreiçã o arm ada . Em outros países (Bulgária, Romê nia,

.198
RDA etc.), a revolução socialista desenrolou-se em outras con-
dições, que permitiram a instauração da ditadura do proleta-
ria do por vias pacífi cas. As diferen tes condições nas quais se
desenrolaram as revoluções socialistas na URSS e em outros
países de democracia popular não deixaram de influir na forma
que a dit adur a tom ou, assim c omo na re sol ução de certos
problemas sociais. Assim, a ditadura do proletariado na União
Soviética foi realizada sob a forma de República dos Sovietes,
enquanto que em outros países mencionados ela tomou a forma
de demo crac ia pop ula r. Na Uni ão Soviética, a burgues ia foi
privada de seus direitos políticos, o que não aconteceu em
outros países, e um sistema político com um partido único
tomou o seu lugar, enquanto que em certos países de democracia
popular reina o pluripartidarismo.

4. A COR REL AÇÃ O DO GE RA L


E DO PARTICULAR
NO MOMENTO DO MOVIMENTO
DA MATÉRIA
DO INFERIOR PARA O SUPERIOR

O movimento da matéria, de suas formas inferiores para


suas for mas superiores, faz nasce r propr ied ade s e ligações
novas, consecutivas ao aparecimento de novas correlações, que
constituem a essência de uma forma nova, superior, do movi-
mento da matéria.
Sabemos que toda forma superior do movimento da ma-
téria encerra nela mesma sua forma inferior modificada e que
por isso tem muitos traços comuns (o geral) com ela. Entre-
tanto,
entre asesses traços materiais
formações comuns (oquegeral) diferem dos
se encontram que existem
na mesma etapa
de desenvolvimento e que são refratados mediante a especifi-
cidade das formas superiores do movimento e só podem ser
compr eend idos na quali dade do elo que liga o inf erio r ao
superior.
Consideremos, a título de exemplo, o átomo de um ele-
ment o químico e a molécula f or ma da pelos átomo s desse
eleme nto. A moléc ula contém os átomos, por tan to, essas duas
for maç ões poss uem vários traços comuns . Assim, as mesmas
partículas "elementares" é que os compõem, portanto, a intera-

.199
ção condiciona, no fim das contas, a existência de algumas
propriedades comuns nessas formações. Ma s se no átomo essa
interação se produz diretamente na superfície do fenômeno, na
molécula, pelo contrário, ela é refratada através da interação
dos átomos; e estes últimos, sendo o resultado da interação de
partículas "elementares" que constituem o átomo, nem por isso
representam alguma coisa de menos nova em relação à interação
das partículas elementares. Depois de serem refra tadas me-
diante essa nova interação, as propriedades do átomo manifes-
tam-se sobre a superfície de uma maneira completamente dife-
rente daquela como se manifesta no átomo livre.
O geral ganhará um aspecto ainda mais cambiante se con-
fro nta rmo s o áto mo e um organi smo vivo. As propri edade s
inerentes ao átomo serão várias vezes "refratadas" — mediante
a interação dos átomos, das moléculas e das proteínas; por isso,
sua manifestação no organismo vivo, será ainda mais modificada.
Segue-se que o que é geral (comum) às formações mate-
riais, que representam diferentes etapas da evolução da matéria,
é muito pobre, insuficiente para caracterizar essas formações,
pa ra exprimir sua essência. Na s formações materiais que per-
tencem ao estágio inferior, esse geral relaciona-se apenas aos
elementos do cont eúdo que, de um a man eir a ou de outra,
subsistiram e estão presentes nas formações materiais do estágio
superior, e isso ainda sob o aspecto que eles tomaram depois
de ser "refratados" mediante as interações que constituem a
forma superior do movimento, isto é, sob uma forma modificada.
No que concerne às formações da forma superior do mo-
vimento da matéria, esse geral que exprime apenas o que une
essa formação às formações inferiores também não é capaz de
exprimir sua essência. Ess e geral deixa de lad o exatame nte o
que a formação material adquiriu durante sua progressão, o
que a distingue das formações surgidas nos estágios anteriores
de desenvolvimento. Par a compree nder o significa do verda-
deiro desse geral e suas relações com a essência das formações
materiais confrontadas, é preciso preencher as lacunas existen-
tes entre essas formações, restabelecendo os estágios do desen-
volvimen to que as separ am. Citamo s, a seguir, conceitos signi-
ficati vos de Engels, que consta m da obr a Dialectique de la
nature: "Se colocarmos à parte duas coisas extremamente dife-
rentes — como um meteorito e um homem, por exemplo —
e os aproximarmos, não sairá disso grande coisa, no máximo

.200
veremos que os dois têm em comum o peso e outras proprie-
dades físicas gerais. Mas entr e eles intercala-s e u ma série
infinita de outras coisas naturais e de outros processos naturais
que nos permitirão completar a série do meteorito ao homem
e de designar o lugar de cada um na conexão natural e, como
conseqüência, poderemos conhecê-los"9.
Restabelecendo os momentos do desenvolvimento que se-
param as formações materiais compara das, seguimos a passagem
da matéria em evolução, de uma formação material a uma
outra: de uma formação material representando um estágio do
desenvolvimento a uma outra representando um outro estágio,
do inferi or ao superior. E exat amen te po r isso colocamos em
evidência o lugar real, a significação real do geral, assim como
do particular e, ao mesmo tempo, a essência das transforma-
ções materiais estudadas.
A correlação entre o geral e o particular nas formações
materiais que pertencem a um único e mesmo estágio do desen-
volvimento aprese nta um aspect o algo diferen te. Aq ui o geral
é que constitui sua essência, o que elas adquiriram atingindo
esse estágio do desenvolvimento, suas ligações e aspectos neces-
sários e parti culare s surgidos nesse momen to. Por exemplo, o
geral, para os países que chegaram ao estágio capitalista, indica
o que surgiu nesses países depois que eles abordaram esse
estágio de desenvolvimento. E isso é, not ada men te, a domina-
ção da propriedade privada capitalista dos meios de produção,
o modo de produção baseado no assalariado e a exploração dos
operários privados de meios de produção, além da chegada da
burguesia ao poder , a instauração de sua ditadura etc. Isso
constitui, na essência, a formação sócio-econômica capitalista.
No que concerne ao particular próprio às formações materiais
que pertencem a um único e mesmo estágio de evolução, o
geral não exerce nenhuma influência sobre a essência, sendo
apenas uma forma particular de sua manifestação, um modo
particular de sua existência.
A conclusão que podemos tirar disso, para a prática e o
conhecimento, é a seguinte: se o geral, no seio de formações
materiais que pertencem a diferentes estágios de desenvolvimen-
to não caracteriza nem a essência da formação material do

9
F. Engels, La dialectique de la nature, p. 235.

.201
estágio inferior nem a essência da formação material do estágio
superior, a comparação dessas formações materiais deve-se
basear essencialmente sobre diferenças e não sobre sua seme-
lha nça , isto é, sobre o part icul ar e nã o sobre o geral. Assim,
quando confrontamos o Estado socialista com o Estado capita-
lista, descobrindo, por um lado, o geral e, por outro lado, o
particular que os caracterizam, o que importa sobretudo é pres-
tar atenção ao particular, ao que os distingue.
O estudo das formações materiais de um único e mesmo
estágio de desenvolvimento deve-se basear essencialmente no
particular que os distingue um do outro e nã o em sua seme-
lhan ça, sua iden tida de. É só então que pod ere mos explicar sua
essência e, analisando-os sucessivamente, seguir a multiplicida-
de das formas de sua manifestação.

.202
VII. A QUALIDADE
E A QUANTIDADE

1. OS CON CEI TOS


DE QUALIDADE E DE QUANTIDADE
Como já observamos, cada coisa representa a unidade do
geral e do particular, o que indica sua semelhança com outras
coisas e o que as distingue. Mas , o que distingue um a coisa
das outras,
Assim, ou o caracteriza-se
a coisa que indica suapor
semelhança, é uma propriedade.
uma quantidade infinita de
propriedades diferentes. Algumas dentre elas indicam o que
ela repre sent a, outras indicam, suas dimensões , sua grandeza.
Por exemplo, as propriedades da água, assim como sua facul-
dade de dissolver algumas substâncias, de matar a sede e o
fato de que ela seja constituída pelo oxigênio e o hidrogênio
etc. indic am o que ela repres enta e o que ela é. As proprie-
dades que testemunham o volume da água e seu peso caracteri-
zam-na do ponto de vista de sua grandeza.
O conjunto das propriedades que indicam o que uma coisa
dada representa e o que ela é constitui sua qualidade.
Na literatura filosófica, encontramos definições as mais
variadas de categorias de qualidade e de quantidade.
Numerosos autores consideram que a qualidade é o con-
junto de propriedades que constitui determinismo interno da
coisa e a distingue das outras coisas.
A definição da qualidade como determinismo interno da
coisa é insuficiente, já que não coloca em evidência o conteúdo
da categoria considerada, não permite que seja distinguida, não
apenas de toda a série de outras categorias da dialética, mas
também da categoria de "quantidade", que lhe é organicamente
ligada.

.203
Efetivamente, o determinismo de uma coisa é não apenas
sua qualida de, mas igualmen te sua quan tid ade. Ò determinismo
do cloro, por exemplo, inclui não somente o fato de que, em
condições habituais, ele é um gás de cor amarelo-esverdeada,
nocivo e ativo, que se liga diretamente com a maioria dos
metais e de outros corpos etc., mas igualmente o fato de que
a carga de seu núcleo atômico é 17, de que a camada eletrônica
de seu núcleo comporta 17 elétrons e sua molécula dois átomos,
que a ligação entre os átomos estabelece-se na molécula com
a ajuda de dois elétrons, que ele é 2,5 vezes mais pesado do
que o ar, que a 0°C e sob pressão normal seu peso específico
é de 3,214 gramas, que sua temperatura de fusão é de 100,98°C
e sua tem pera tura de ebuli ção é de 34, 05° C etc. Logo, o
determinismo interno do cloro inclui não apenas suas caracte-
rísticas qualitativas, mas igualmente as quantitativas.
E isso é válido também para qualquer formação material,
assim como para qualquer coisa ou qualquer fenômeno.
O "determinismo interno" é insuficiente para distinguir
a categoria de "qu al ida de" da categ oria de "essên cia" e de
"conteúdo", porque essas últimas refletem igualmente o deter-
minismo interno da coisa na unidade dialética de seus aspectos
quantitativos e qualitativos.
Esse "determinismo interno" também é insuficiente para
definir a qualidade, assim como para representá-la como um
conjunto das propriedades que distinguem uma coisa das
outras, como sendo ligada ao que distingue e, finalmente, como
sendo algo que traduz apenas a especificidade da coisa.
A qualidade inclui não apenas as propriedades que dis-
tinguem uma coisa das outras, mas igualmente as que indicam

sua semelhança
atômico, no qualcom elas. prótons,
entrem Po r exemplo
nêutrons, ae posse
outrasdepartículas
um núcleo
"elementares", e de uma dupla camada eletrônica, além do fato
de ser um metal alcalino, que se liga facilmente aos halogênios,
decompõe a água, expelindo hidrogênio, e dissolve-se nos
ácidos, são compone ntes essenc iais da quali dade do lítio. Mas
todas essas propried ades rep etem -se em. outras substâncias e,
assim, exprimem não apenas a diferença, mas também a seme-
lhança do lítio com outros elementos químicos.
A qualidade de toda coisa representa a unidade do singular
e do geral, do geral e do particular.

.204
Reunindo a qualidade ao singular, ao particular, os auto-
res do ponto de vista mencionado acima reduzem o geral, o
que se repete nas coisas, direta ou indiretamente à quantidade.
A idéia de que a categoria de "quantidade" reflete somente
o que é o geral nas coisas diferentes é tão incorreta quanto a
idéia de que a categoria de "qualidade" reflete apenas a dife-
rença. A categoria
"qua lid ade" deo"qusoment
, fixa nã ant id ade
e o", geral
assim (acomo a categoria
sem elh de
ança ), mas
igualmente o parti cular (a di fe re nç a) . Por exemplo, entre as
características do hidrogênio, do lítio e do sódio, há não apenas
o fato de que seu átomo possui, em sua camada eletrônica
exterior, um elétron (propriedade geral), mas igualmente o fato
de que cada um desses ele ment os possui um peso atô mic o
específico.
Assim, embora a categoria de qualidade reflita o que dis-
tingue uma formação material dada de outras formações ma-
teriais, esse traço não constitui seu conteúdo específico, da
mesma forma como na categoria de "quantidade" o reflexo do
geral As
nasduas
coisas não constitui
categorias seu tanto
refletem conteúdo específico.como a
a semelhança
dife renç a das coisas. O ref lex o da dife rença entre as coisas
é o conteúdo específico das categorias do "particular" e do
"sin gular " e não o da categoria de "qual idade ". O reflexo da
semelhança é o conteúdo específico das categorias do "geral",
da "identidade", e não o da categoria da "quantidade".
Certos autores identif icam a qualidade às pro prie dades
fundamentais . A defini ção da quali dade co mo prop rie dade
1

fundamental ou conjunto de propriedades essenciais não pode


ser conside rada como exata. Se toda s as propriedades essen-
ciais das coisas relacionam-se à qualidade, apenas o domínio
do não-essencial deve pertencer à quantidade .
2

Mas, na realidade, nem todas as características quantita-


tivas de uma coisa são essenciais. Ape nas algumas dent re elas
são essenc iais e neces saria mente ligadas a sua nature za. Po r
exemplo, é essencial, para cada elemento químico, que o número
de prótons que entra em seu elemento atômico seja rigorosa-

íUemov, Coisas, propriedades e relações, Editora da Academia de


Ciênc ias da URS S, 1963, p. 39. Ori gin al em russo .
2
M. N. Rutkebiych, Materialismo dialético, 1959, p. 329. Ori gin al
em russo.

.205
mente determinado, assim como o número de átomos de sua
moléc ula. Ess a parti cular idade é cla rame nte exposta na lei
química da composição constante da substância.
O fato de que toda mudança afeta as características quan-
titativas dadas acarreta necessariamente a modificação da essên-
cia do fenômeno correspondente, sua transformação em um
outro fen ôme no, test emunh a de seu carát er essencial. Por
exemplo, a grandeza da velocidade de 7.910 m/s é essencial
para o vôo "terrestre" porque seu crescimento, mesmo que seja
de apenas um metro por segundo, transforma o vôo terrestre
em um vôo cósmico . São essenciais pa ra um vôo cósmico as
grandezas da velocidade do corpo: 7.911 e 11.188 m/s; a
diminuição da primeira tra nsf orm a o vôo cósmico em vôo
terrestre, o crescimento da segunda transforma o movimento
cósmico elíptico em paraból ico. É essencial par a o oxigênio
a presença, em sua molécula, de dois átomos (Oa); o aumento
de um átomo acarreta a transformação do oxigênio em uma
nova substância qualitativa, o ozônio (O 3) . Pa ra o óxido de
carbono
bono (CO),
e de um aátomo
presença, na molécula,
de oxigênio de um átomo
é essencial porqu edeo car-
aumento
de um átomo de oxigênio conduz à transformação do óxido de
carbono em gás carbônico (CO2).
Em conseqüência disso, a definição da qualidade como
propriedade essencial já é inexata pelo fa to de que ela elimina
o limite entre a qualidade e a quantidade e conduz à confusão
entre as características qualitativas e quantitativas.
Decretando as características quantitativas com não-essen-
ciais, os autores do ponto de vista considerado não relacionam,
entretanto, todas as propriedades não essenciais das coisas às
caracterís
tivas, elasticas quantitativas
conservam unica. ment
En tre e asas prop
característi
ried adescas ligadas
quantit a-à
intensidade, à grandeza, ao número, ao volume, ao grau de
maturidade de uma coisa, de um fenômeno etc., ligadas a seu
crescimento. Eles só relac ionam à qual idad e as proprie dades
essenciais. O res ult ado disso é que as coisas pos suem , além de
suas propriedades que constituem a qualidade e a quantidade,
propriedades que não são nem qualitativas, nem quantitativas.
Mas será que propriedades que não constituem nem o
aspecto qualitativo nem o aspecto quantitativo de uma coisa
podem pertencer a essa coisa? É óbvio que não. As catego-

.206
rias de "qualidade" e de "quantidade", desdobrando uma coisa
em aspectos, excluem-se mutuamente e, quando há ligação
entre eles, englobam toda s as suas prop ried ades e todo seu
cont eúdo . Tud o o que há em um a coisa, seja quantid ade, seja
qualidade, indica ou o que a coisa representa ou, então, sua
grandeza, sua dimensão. Nã o há, nem pode haver proprieda-
des for a da qualid ade e da qua nti dad e de um a coisa. É por
isso que todas as propriedades que não são concernentes às
dimensões de uma coisa, nem à sua grandeza, seu volume, seu
número, à velocidade de seu deslocamento ou à intensidade de
sua cor etc. relacionam- se com sua quali dade. Ent re essas
propriedades, há algumas essenciais, que são sempre próprias
à coisa, em qualquer que seja a condição e em todos os estágios
de seu desenvolvimento, propriedades sem as quais a coisa não
pode existir, e há também outras, que não são essenciais, que
se manifestam em certas condições, em certos estágios de sua
existência e que desaparecem em outras condições, em outros
estágios. A quali dade do cobre, por exemplo, será sempre
relacionada não apenas ao fato de que ele é um metal de cor
vermelha, muito maleável, bom condutor de eletricidade e de
calor, mas igualmente ao fato de que ele liquidifica-se entre
1.083°C e 2.360°C e torna-se gasoso a uma temperatura superior
a 2.360°C, e ainda que ele fica coberto por uma camada cinza-
esverdeada etc., sob a ação do ar, da umidade e do gás sulfu-
roso.
O principal critério de depen dênci a dessa ou daquela
propriedade à qualidade de uma coisa nã o é seu caráter essen-
cial, mas sua capacidade para caracterizar essa coisa, partindo
do que ela repr ese nta , e indi car o que ela é. É fácil observar
que não apenas o primeiro grupo de propriedades do cobre
(propriedades
dades essenciais)
não-essenciais) mas oigualmente
indicam o segundoo (proprie-
que ele representa, que ele
é, e é por isso que todas essas propriedades devem entrar na
composição de sua qualidade, porque todas elas são caracterís-
ticas qualitativas.
O fato de pertencer ao essencial ou ao não-essencial em
uma coisa é o critério de distinção não da qualidade e da
quan tida de, mas da próp ria essência do fenô meno . Assim, a
definição da qualidade como conjunto de propriedades essen-
ciais e da quan tida de com o con jun to de propri edade s n ão-
essenciais representa, na realidade, a identificação das catego-

.207
Tíiseu Savério Sposito
Maria Incarnação "Bétrão Sposito
rias de "qualidade" e de "quantidade" com as categorias de
"essência" e de "fenômeno".
Parece-nos mais exato definir a qualidade como o conjunto
das propriedades que indicam o que uma coisa dada repre-
senta, o que ela é, e a quantidade como o conjunto das pro-
priedades que exprimem suas dimensões, sua grandeza. Essa
definição
categorias destaca os momentos
de "qualidade" específicos que
e de "quantidade", do as
conteúdo das
distinguem
uma da outra e também das outras categorias da dialética, e
conferem a elas a autonomia e a autodeterminação necessárias.
Fal and o da qual idad e e da quan tid ade, temos em vista
aspectos, propriedades e características determinadas das coisas.
Entretanto, a qualidade e a quantidade são próprias apenas às
coisas , embor a pert ença m igualm ente às suas propri edades .
Por exemplo, cada ângulo é uma das propriedades do triângulo,
mas possui igualmente uma qualidade e uma quantidade rigoro-
sament e definidas. O fat o de que ele seja for mad o por círculos
partindo de um mesmo ponto e de que ele tenha outras pr o-
priedades constitui sua qualidade, enquanto que sua grandeza
concreta, sua dimensão, expressa em graus, constituem sua
quantidade.
Tomemos um outro exemplo: uma das propriedades da
água é a de dissolver o sal de cozinha . Ent ret ant o, assim como
a água, essa pro pri eda de possui qual idade e quantid ade. As
particularidades que caracterizam o processo de dissolução e
indicam o que ele representa são a qualidade dessa propriedade,
e o quanto de sal a água pode dissolver, ou dissolveu, constitui
sua quantidade.

2. O PR OB LEM A
DA MULTIPLICIDADE
DAS QUALIDADES DAS COISAS

A aplicação das categorias de "qualidade" e de "quanti-


dade" às diferentes propriedades das coisas permite encontrar
a solução do seguinte debate: uma coisa possui uma ou várias
qualidades?
Na literatura filosófica soviética, há dois pontos de vista
diretamen te opostos sobre es sa ques tão. Certos autores con-

.208
sideram que cada coisa possui apenas uma qualidade . Outros
3

acreditam que elas possuem várias qualidades . 4

Qual desses dois pont os de vista é o correto? Pare ce-n os


que o segundo é o mai s exato. A neces sidad e de rec onh ece r
nas coisas uma mutiplicidade de qualidades decorre do fato
de que a coisa possui uma multiplicidade de propriedades, cada
uma das quais tem sua qualidade, diferente das outras proprie-
dades e da coisa em si.
É verdade que, a uma primeira aproximação, pode parecer
que a definição de qualidade que demos contradiz o fato de
que a coisa possui um a multiplici dade de qualidades. Com
efeito, se a qualidade da coisa é o conjunto de propriedades que
indica o que a coisa representa, a coisa deve, então, possuir
uma única qualidade, porque todas as propriedades que cons-
tituem esse ou aquele determinismo qualitativo entram de uma
maneira ou de outra nesse conjunto.
Esse raciocínio seria incontestável se a coisa, em todas as
suas relações e sob qualquer condição, manifestasse todas as
propriedades
não é assim. indicando
Em diferentoes que ela erepresenta.
relações Na condições
sob diferentes realidade,
concretas, a coisa manifesta propriedades diferentes, rigorosa-
mente determi nadas, específicas de cada caso concreto. E se
é assim, em certas relações e sob certas condições, a coisa
representará isso e, em outras, aquilo, e em certas condições e
em certas relações ela terá uma qualidade e, em outras, uma
outra. A pro pri eda de que surgirá em primeiro plano sob uma
relação dada, em condições dadas, representará a coisa nessa
relação e nessas condições, e sua qualidade será considerada
como a qualidade da própria coisa.
Em outros termos, pelo fato de que, em diferentes relações
eousob
nãocondições
todas as diferentes da existência
suas propridades, mas da coisa, ela rigorosa-
propriedades manifeste
mente determinadas, ela pode ser considerada não apenas sob

3
Materialismo dialético cit., Caderno 1, p. 48.
4
B. P. Rojin, A dialética marxista-leninista como ciência filosófica,
1957, Ed. da Uni vers idad e Esta tal de Leni ngrad o, p. 66-7 ; Original em
russo; I. B. Andreev, Passagem das mudanças quantitativas às qualitati-
vas — o principal elem ento "da dial ética ", in Problemas do materia-
lismo dialético, 1960, Ed. da Academia de Ciências da URSS, p. 90-1;
Original em russo. Uemov, op. cit., p. 34-42.

.209
o ângulo de sua qualidade particular e fundamental, mas igual-
mente do ponto de vista da qualidade dessa ou daquela pro-
priedade que ela possua. Por exemplo, representando uma
substância particular, constituída por dois átomos de hidrogênio
e um átomo de oxigênio, a água, por meio do estado líquido
de gotas, pode manifestar-se como líquido e mostrar, dessa
maneira, sua qualidade de líquido; pelo fato de que ela é capaz
de dissolver algumas substâncias, ela pode ser considerada
como seu dissolvente etc. Segue- se que cad a objet o, fenôm eno,
além de suas qualidades fundamentais, que exprimem sua na-
tureza específica, pode possuir também uma grande quantidade
de qualidades não fundamentais que aparecem em certas con-
dições e que estão ausente s em out ras . Po r isso, a perd a, pela
coisa, dessa ou daquela qualidade não acarreta a perda ne-
cessária de sua qualidade fundamental e de suas outras qualida-
des não fund ame ntai s. Por exempl o, a perd a, pela água, de uma
quali dade, ou seja, do estado líquido , no mome nto de sua
passagem a um outro estado de agregação (vapor ou ge lo),
não acarreta a perda de sua qualidade como substância parti-
cular, constituída de hidrogênio e de oxigênio.
Há pontos de vista os mais diversificados sobre a questão
da quali dade e da quan tida de. Cert os filós ofos negam com-
pletamente a objetividade das diferenças qualitativas, acredi-
tando que elas são apenas aparência, ou, então, eles simples-
mente deixam de reconhecer a existência de um ou de vários
estados qualitativos e negam a multip licid ade infinita dos
outros. Assim, por exemplo, Thales acreditav a que a multi-
plicidade das qualidades observadas representava a. mudança
de aspecto de uma única e mesma qualidade, ou seja, a água.
Anaxímenes pensava mais ou menos a mesma coisa e colocava
o ar no pape l de qual idad e univers al. Da mesma maneira
Heráclito, que reduzia todos os fenômenos do mundo à mani-
festação de uma mesma e única qualidade — o fogo.
O filósofo inglês Locke dividia a qualidade em dois grupos:
qualidades primárias (existindo independ entemen te da cons-
ciência do ho me m) e quali dades secun dárias (condic ionada s
pela especificidade dos órgãos sensitivos) . Ele relacionava, às
primeiras qualidades, a extensão, o movimento, o repouso etc.,
e às segundas, a cor, o gosto, o odor etc.
A divisão de todas as qualidades em primárias e secundá-
rias torn ava possível uma concl usão idealist a. E esta foi

.210
for mul ada p or Berkeley. Ele achava que Locke não era
conseqüente quando afirmava que algumas qualidades são de-
pendentes do sujeito e outr as não. To da s as qualidades, de-
clarava Berkeley, dependem do sujeito, ou seja, dependem dele
o movimento, o repouso, a extensão e não apenas a cor, o odor e
o gosto, porque todas as qualidades podem ser reduzidas, em
últi ma anális e, às noss as sens açõe s. E daí ele chegava a sua
conclusão: todas as qualidades são diferentes sensações; não
há nada além de MIM e de minhas sensações.
Embora Berkeley identificasse todas as qualidades às sen-
sações, ele também distinguia o sujeito perceptivo como o único
real. Assim, ele comet ia a mes ma inconse qüência que repro -
vava em Locke . Hu me observou essa inconseqüê ncia em Ber-
keley e, desenvolve ndo ainda mais seu princípio, chegou à
negação da existência objetiva não apenas das coisas e de suas
qualidades, mas também daquele que é o sujeito perceptivo.
Hume raciocinava da seguinte maneira: se todas as qualidades
que percebemos são nossas sensações subjetivas, então a cons-
ciência de si mesmo também é subjetiva, porque ela só se ma-
nifesta no momento em que experimentamos esse ou aquele
estado que nos é próprio, como a fome, o cansaço, a dor, uma
certa posiç ão do corpo etc. É por isso que não apena s as
diferenças das coisas, mas também o próprio Eu que as percebe
devem ser considerados como um conjunto de sensações.
Assim, Hume mostrou que a redução dessa ou daquela
qualidade às sensações subjetivas conduz necessariamente não
apenas à negação da existência real de todas as coisas, de todos
os fenômenos, mas também à redução do mundo ambiente ao
mundo subjetivo do EU e, em última análise, à negação desse
mesmo EU.
Os partidários do materialismo dialét ico, contrariament e
aos filósofos que negam a objetividade das qualidades, acredi-
tam que as características qualitativas existem de forma objetiva,
fora e independentemente da consciência humana e que elas
são as relações e as propriedades universais das formações ma-
teriais, formas universais de seu ser.

.211
3. LE I DA PASSAGEM
DAS MUDANÇAS QUANTITATIVAS
ÀS MUDANÇAS QUALITATIVAS
E VICE-VERSA

1
Prime irame nte, tem-s e a impre ssão de que a quali dade e
• a quantidade comportam-se uma para com a outra de maneira
independe nte. Por exemplo , as muda nça s quantitat ivas não
são acomp anhad as por muda nças qualitativas. Entre tant o, as
mudanças quantitativas não acarretam mudanças qualitativas
apenas até um certo limite e em um quadro determ inado . Os
limites nos quais as mud anç as quantitati vas não acarret am
' muda nças qualit ativas exprimem a medi da. Assim, as muda n-
ças qualitativas aparecem apenas no momento em que as mu-
danças quantit ativa s saem dos limites de uma medid a dad a. A
destruição de uma medida, em decorrência da ultrapassagem,
pela quantidade, dos limites rigorosamente determinados em
cada caso preciso, não significa, entretanto, que uma coisa dada
(ou um fenômeno dado) tenha entrado em um estado incomen-
surável. A qua nti dade e a qualida de, for a dos limites de uma
medida, não se comportam de forma caótica, mas, pelo con-
trário , mostra m-se ligadas um a à outra , interd ependent es, e
constituem um a nov a medi da. Por exemplo, qua ndo a tempe-
ratura do gelo atinge 0°C, isso acarreta a mudança de quali-
dade desse gelo: ela tra nsfo rma- se em água. Mas a água não
é um caos de quantidade e de qualidade, ela possui uma me-
dida, notadamente uma escala de temperaturas bem definida:
de 0° C a 100° C. A ult rapas sage m desses limites implica, por
sua vez, transformações da qualidade da água, destruição de
sua medida e a entrada no quadro de uma nova medida.
Em outros termos, a transformação de um estado quali-
tativo em outro é a passagem de uma medida a uma outra.
O momento da realização dessa passagem, segundo Hegel, pode
ser classificado de nó, e uma série de tais momentos ou nós, de
linha nodal. Assim , a maté ria desenvolve-se pelo desenlaçar
ininte rrupto de alguns nós e a criação de outros. Um exemplo
dessa linha nodal é fornecido pelo quadro de classificação pe-
riódica dos elementos de Mendelev, em que cada elemento
representa um nó natural, formado pelo crescimento de uma
unid ade da carga do núcleo (carga do núcleo de hidrogênio —

.212
um próton; do hélio — dois prótons; do lítio — três prótons;
do berílio — quatro prótons etc).
Assim, o aparecimento de uma nova qualidade está ne-
cessariamente ligado a uma mudança de qualidade, ou, em
outros termos, toda mudança qualitativa é o resultado de mu-
danças quanti tati vas e por elas são provoc adas. Ess a lei ca-
racteriza um dos aspectos essenciais do processo de movimento
e de desenvo lvimen to da matér ia e é por isso que ela foi
formulada como uma das leis fundamentais da dialética, das
quais Enge ls definiu da seguinte mane ira a essência: " ( . . . ) Na
natureza, de uma forma claramente determinada por cada caso
singular, as mud anç as qualitativas só podem ter lugar por
acréscimo ou retração quantitativos da matéria ou do movi-
mento (co mo dizemos geralmente, de energi a)"5. Em out ros
termos, toda mudança qualitativa é o resultado de certas mu-
danças quantitativas.
Uma qualidade nova, surgida em decorrência de mudanças
quantitativas determinadas, não se comporta de maneira passiva
com relação a essas últimas, mas, pelo contrário, exerce uma
influência de volta, acarretando também mudanças caracterís-
ticas quantitativas rigorosamente determinadas.
Por exemplo, o volume da água é diferente daquele do
vapor, no qual tra nsf orma -se a água, quando ela mud a de
quali dade. E essa nova quant idade é diretamente condicion ada
pela nova qu alidad e: uma interação determinada das moléculas
que caracterizam o estado gasoso da substância, notadamente
da água. Assim, o desenvolvimento faz-se por meio da mu-
dança de quantidade e de qualidade, mediante a passagem das
mudanças quantitativas às mudanças qualitativas e vice-versa.
Os metafí sicos negam habitu alment e a c orrela ção e as
passagens recíprocas da quantidade e da qualidade. Os pré-
reformistas, por exemplo, acreditam que toda mudança é apenas
uma mu danç a de quantida de, que os objetos nã o se mo-
dificam qualit ativa mente. O naturali sta e filósofo suiço Bonn et
(1720/1793), em particular, acredita que um organismo adulto
já está pré -f or ma do no embrião e que passando para o estado
adulto ele não se modifica qualitativamente, mas simplesmente
aumenta de volume sob todas as relações, manifestando sempre

5
F. Engels, La dialectique de la nature, p. 70.

.213
as qualidades presentes, que se encontravam dissimuladas no
estado embrionário.
Ao contrário dos pré-reformistas e, em geral, dos evolucio-
nistas, partidários da teoria que nega as modificações qualita-
tivas e que reduz todas as mudanças a mudanças quantitativas,
o natura list a fra ncê s Georges Cuvier (fins do s éc. XV II I e
começo do XIX) afirmava, por exemplo, que a única forma
possível de mo dificaç ão era a for ma qualitativa. Segundo sua
teoria, as modificações entre os animais e os vegetais, assim
como o desaparecimento de certas espécies e o aparecimento de
outras, são o resultado de catástrofes repentinas que se abatem
sobre a Ter ra . Em decorrênci a dessas catást rofes, as velhas
for mas animais e vegetais desapa reciam compl etame nte, en -
qua nto que out ras apar ecia m. No perí odo que se escoa entre
essas catástrofes, não há nenhuma modificação no mundo ani-
mal nem no vegetal.
O botânico holandês Hugo de Vrie s (1 84 8/ 19 35 ) defend e
um ponto de vista análogo: a transformação de uma espécie
em outra executa-se igualmente em decorrência de uma espécie
de explosão — mutação — e, no período entre duas mutações,
não há nen huma modifi cação . El e escreveu que: "Cheg o à
conclusão de que o progresso no mundo da vida produziu-se
por pulsões. Durante milênios, tudo permaneceu cal mo. . .
De vez em quando, entretanto, a natureza procura criar qual-
quer coisa de nov o e de mel hor . El a capta uma vez uma
espécie , outr a vez out ra espécie. A for ça criad ora entra em
movimen to e, sob re um a ba se antiga e até ent ão imutável,
surgem formas novas" . 6

O filósofo contemporâneo norte-americano, Sidnay Hook,


considera falsa a tese da correlação e do intercondicionamento
da quan
bora as tidad e e da qualid
quantidades e as ade. Ele escreve
qualidades possamque: " ( . . . ) Em-
modificar-se e a
relação entre suas modificações possa ser descrita por funções
contínuas e desc ontí nuas , é absu rdo dizer que a qua nti dade
torna-se qualidade ou que a qualidade torna-se quantidade'" . 7

A quantidade, segundo Hook, não pode transformar-se em

6
H. de Vries, Die Mutationen und die Mutationsperioden bei der
Entstehung der Arten, Leipzig, 1901, p. 38.
7
S. Hook, Dialectical materialism and scientific method, Manchester,
1955, p. 20.

.214
qualidade, porque esta última precede logicamente a quanti-
dade e não pode existir sem ela. "N ão podemo s, ele declar a,
falar das quantidades sem supor a existência das qualidades,
mas também não podemos falar das qualidades em situações
em que a existência das quant idade s é pro ble mát ic a. . . Nin-
guém pode, falando literalmente, definir a quantidade de qua-
lidades tais como a inocência e a perfeição" . 8

A afirmação de que a qualidade precede logicamente a


quan tid ade é corret a, No conheciment o, o home m foi histo-
ricamente do conhecimento da qualidade à colocação em
evidência, à tomada de consciência da quantidade. Mas isso não
quer dizer que as mudanças qualitativas não são a conseqüência
de mud anç as quant itat ivas. No conhecimen to, somos, às vezes,
obrigados a ir em sentido contrário ao da reali dade. Arist óteles
já havia revelado esse fenômeno indicando que o primeiro, na
realidade, é o último no conhecimento e vice-versa, o primeiro
no conhecimento é o último na realidade.
Efetivamente, na realidade, o processo desenvolve-se das
mudanças quantitativas às mudanças qualitativas (da causa ao
efe ito ). Enq uan to que no conhecimento, procedemos da qua-
lidade à qua nti dad e (d o efeito à caus a). É óbvio que isso
não significa que as ligações e as relações do conhecimento não
refletem as ligações e as relações do mundo exterior, mas
testemunha apenas que, ao lado dessas leis que são fotografias
feitas a partir das leis universais da realidade, o conhecimento
possui igualmente leis, ligações e relações que são condicionadas
por sua natureza e que são próprias apenas a ela. Por isso é
preciso tra tar da realidade com base nas leis dessa mesma
realidade.
A afirmação de Sidnay Hook de que a qualidade pode
existir sem a qua nt ida de é tota lmen te inexata. Os exemplos
que ele dá de uma qualidade pura, com exceção das caracterís-
ticas quantit ativas , não são de qualidades puras . A "in ocê nci a"
e a "perfeição", que ele cita como qualidades puras, não são
qualidades puras. Como todo fenômeno, como toda proprie-
dade, elas têm características quantitativas e, notadamente, um
certo grau de man ife sta ção. Além disso, elas estão orga nica-

8
S. Hook, Dialectical cit.

.215
mente ligadas a tod a uma série de mud anç as quantitativas ,
próprias ao ho me m.
Cont rari ament e às doutrinas metafísicas, o materialism o
dialético apóia-se sobre dados das ciências da natureza e reco-
nhece não apenas as mudanças quantitativas e qualitativas, e
sua correlação, mas considera também que essa é uma das leis

fundamentais do movimento e do desenvolvimento da matéria.

4. SALTO. TIPO S DE SAL TOS

As mudanças quantitativas e qualitativas têm suas parti-


cularid ades. As muda nças quantitat ivas são, habitua lmente,
lentas, progress ivas, dissimuladas e cont ínua s; as mudan ças
qualitativas, pelo contrário, são bruscas, evidentes, constituindo
uma ru pt ur a de grad açã o e de conti nuida de. Por isso, as mu-
danças qualitativas são chama das de saltos. O salto é o pro-
cesso de passagem de uma coisa de um estado qualitativo a um

outro Oquesalto,
é acompanhado por uma
que se distingue dasruptura de continuidade.
mudanças graduais quanti-
tativas por seu caráter evidente, seu ritmo relativamente rápido,
não se realiza sempre da mesma maneira. . A forma concreta
de realização do salto, seu ritmo dependem da natureza da
formação material em que se executa a passagem de um estado
qualitativo a outro, das condições concretas nas quais efetua-se
essa pass agem. Como há uma quan tid ade mui to grande de
formações materiais, de natureza diferente, também pode haver
um núme ro infinito d e formas de salto. Entr eta nto , a diver -
sidade das formas de saltos pode ser reduzida a dois tipos:
os saltos que se produzem sob a forma de ruptura e aqueles
que
acumulse ação
desenvolvem, gradualmente,
gradu al dos elementos sob a forma
da nov de deuma
a qual ida e do
enfraquecimento dos elementos da antiga qualidade.
Um dos traços principais do salto-ruptura é o fato de
que ele se produz brutalmente, impetuosamente, e afeta toda a
quali dade em seu conj unto . Um exemplo d isso po de ser dado
por uma explosão de dinamite ou de pólvora, que acarrete
uma brusca transformação da substância em uma nova qua-
lidade. Em decorr ência da explosão, a subs tânci a inicial de-
saparece e, em seu lugar, apa recem novas substâncias . Um
exemplo de salto sob a forma de ruptura é dado pela trans-

.216
formação do elétron e do pósitron em dois fótons, quando eles
se choc am. A colisão dessas partíc ulas "el emen tare s" prod uz
um clarão que marca o surgimento de novas partículas elemen-
tares e o desaparec iment o das partí culas inic iais. Na sociedade,
um exemplo de salto sob a forma de ruptura pode ser dado
pela revolução social que se efetua mediante a insurreição
arm ada . No decorrer dessa revol ução, produz -se uma trans-
formação impetuosa das formas antigas das relações humanas
em novas formas, que atingem todos os aspectos fundamentais
da vida.
A particularidade do salto sob a forma de acumulação
gradual dos elementos da nova qualidade e do enfraquecimento
dos elementos da antiga qualidade é a de produzir-se de forma
relativamente lenta; no curso desse salto, a qualidade não se
tra nsf orm a nem inteira, nem rapi damen te, mas aos poucos . Um
exemplo desse tipo de salto pode ser dado pelo surgimento de
novas espécies de vegetais e de animais, que se estende por
centenas de milhares de anos e se produz em decorrência da
acumulaçãodo gradual
evolução de novas pela
meio ambiente, propriedades correspondentes
transformação gradual deà
certas funções e da morfologia desses ou daqueles órgãos.
Na sociedade, esse tipo de salto é característico, por exemplo,
da evolução da língua. O apare cimen to de uma nova língua
é o resultado de uma longa acumulação de elementos de uma
nova qualidade e do enfraquecimento dos elementos da antiga
quali dade. No curso do desenvolvimento, da práti ca e do co-
nhecimento sociais, palavras novas aparecem e se acumulam e,
com o tempo, essas palavras começam a fazer parte do voca-
bulário, enquanto que as palavras velhas tornam-se inúteis,
supérf luas e caem no esqueciment o. De manei ra análoga é

que se modi fica


modificações de mfundo
certasléxico
formaes de
gramaticais. À medi da tor-
estruturas gramaticais que as
nam-se mais importantes, uma nova qualidade da língua
torna-se precisa e uma nova língua vai-se formando.
Falando dos saltos-ruptura e dos saltos que se realizam
por acumulação gradual dos elementos da qualidade nova e
do enfraquecimento da antiga qualidade, tomamos como base
de sua distinçã o o cará ter do dese nvol vimen to do salto. O
sal to-r uptu ra é súbito, bru tal e engloba a quali dade em seu
conj unto , em todos os seus aspectos e suas ligações. O salto
que se realiza por acumulação gradual dos elementos da qua-

.217
lidade nova desenvolve-se lentamente e modifica a qualidade
aos poucos e gradualmente.
Mas, para classificar os saltos, podemos apoiar-nos não
apenas no cará ter de seu desenvolvime nto, mas tam bém no
caráter das transformações qualitativas que se produzem em
decorrência desse ou daquele salto.

Como jápossui
fundamental, dissemos,
tambémcada
uma coisa, além dedesua
multiplicidade qualidade
outras qua-
lidades não fundamentais que, sendo qualidades das proprieda-
des particulares da coisa, representam-na sob esses ou aqueles
aspect os ou condições. A muda nça da qualidade funda ment al
e da qualidade não fundamental da coisa produz-se sob a forma
de saltos, mas esses saltos são completamente diferentes quanto
ao seu fun da men ta l. O salto, no curso do qual modifi ca-s e a
qualidade fundamental da coisa, supõe a destruição radical do
fundamento qualitativo presente, a modificação da essência da
for maç ão mate rial . O salto, no curso do qual modifi ca-se a
qualidade não fundamental da coisa, não acarreta a destruição
radical de seu
condiciona fundamento
mudanças qualitativo,
qualitativas de sua essência,
determinadas da coisa, mas
no
quadr o do m es mo deter minis mo qualitat ivo, nos limites da
mesma essência. O prim eiro tipo de salto representa a forma
revolucionária das mudanças qualitativas e o segundo repre-
senta a forma evolucionista.
A revolução é, portanto, um tipo particular de salto que,
em seu curso, a passagem à nova qualidade é acompanhada pela
destruição radical do antigo fun dam ent o qualitativo e pelo
aparecimento de uma formação material que tenha um funda-
mento qualitativo novo, uma essência nova.
No que diz respeito à evolução, ela é, nesse caso, uma
noção
isto é, oposta
o saltoà da
em revolução e designa
cujo curso um outro
a passagem tipo qualidade
à nova de salto,
realiza-se no quadro da essência dada da coisa, sem a destrui-
ção radical de seu fundamento qualitativo presente.
A passagem de uma formação sócio-econômica a outra,
assim como a passagem de um elemento químico a outro, ou
a transformação de uma partícula "elementar" em outra, são
exemplos de revol ução. Por exemplo, a tr ans for maç ão do
rádio em radônio, a passagem do capitalismo ao socialismo etc.
serão revoluções.
Como caso de passagem evolucionista de um estado qua-

.218
litativo a outro, podemos citar a passagem da substância de um
estado de agregação a outro, como, por exemplo, do gelo à
água, da água ao vapor e vice-versa, a passagem do capitalismo
pré-monopolista ao capitalismo monopolista, a passagem do
socialismo ao comunismo etc.
Certos aut ore s ut ilizam os conceitos de evoluç ão e de
9

revolução em um
eles entendem umsentido um pouco
salto-ruptura diferente
e não . Po r revolução
toda modificação em
cujo curso produz-se a destruição radical do fundamento qua-
litativo da coisa, e por evolução, eles entendem um salto que
se realiza por acu mul açã o gradu al dos elementos da nova
qualidade e do enfraquecimento gradual dos elementos da
antiga qualidade.
A iden tifi caçã o da revol ução com o salt o-rup tura e da
evolução com a passagem de um estado qualitativo a outro, por
acumulação dos elementos da nova qualidade e o enfraqueci-
mento dos elementos da antiga qualidade, não nos parece
justificada. A revolução distingue-se da evolução não pela
forma com pelo
outra, mas que se realizaa aprofundidade,
caráter, passagem deo uma
grau qualidade a uma
de transforma-
ção da coisa, se essa passagem é acompanhada da destruição
radical da qualidade existente, da transformação da coisa em
uma outra coisa ou simplesmente de uma modificação de seu
aspecto, de um desenvolvimento no quadro do próprio funda-
mento qualitativo.
Outros autoresio entendem por revolução as mudanças
qualitativas e por evolução as mudanças quantitativas. Ent re-
tanto, embora a utilização dos conceitos de "revolução" e de
"evol ução" nesse sentido esteja prof unda ment e enraizado na
literatura filosófica, esta significação não constitui o conteúdo
específico
categorial. das categorias em questão, não é sua signifi cação
O que é fu nd am en ta l e específico no cont eúdo desses
conceitos é que um deles — "revolução" — designa um salto,
que supõe a destruição radical do antigo fundamento quali-

9
L. V. Vorobiov, V. M. Kagarov, A. E. Furman, As categorias e
leis fundamentais da dialética materialista, Ed. da Universidade Estatal
de Mos cou , 1961, p. 220-3 9. Orig inal em russo.
10
N . I. Bor in , A lei de passagem das mudanças quantitativas às
qualitativas, 1960, p. 21. Origi nal em russo.

.219
tativo cia formação material existente e o surgimento de uma
nova formação material, enquanto que o outro — "evolução"
— designa um salto que supõe a passagem de uma forma çã o
material de um estado qualitativo a um outro, no quadro de
um fundamento qualitativo dado, no quadro de sua essência.
São esses momentos do conteúdo dos conceitos em questão que
lhes conferem a autonomia e o caráter categorial necessários.
Os conceitos de revolução e de evolução são universais,
aplicáveis a to dos os domínios da real ida de. Ent ret ant o, esses
conceitos adquirem um caráter específico quando são utilizados
para exprimir as leis da passagem de um estado qualitativo a
outro, nesse ou naquele domínio concreto da natureza ou da
vida social.
Se na natureza, a revolução é sempre um salto que provoca
a destruição radical do antigo fundamento qualitativo, em alguns
domínios da vida social, nos quais o desenvolvimento está
ligado à ação de um fato subjetivo, a revolução não será abso-
lutamente a passagem de uma qualidade a uma outra, que é

acompanhada
presente, maspela destruição
apenas radical que
a passagem do fundamento qualitativo mais
engendra formações
perfeitas, isto é, a passagem do inferior ao superior. No que
concerne aos saltos ligados à destruição radical do fundamento
qualitativo presente, em decorrência dos quais opera-se a pas-
sagem de uma formação mais aperfeiçoada a uma formação
menos aperfeiçoada, isto é, do superior ao inferior, estes não
represe ntam uma revolução, mas uma contrarevoluçã o. Uma
revolução é, por exemplo, a passagem do poder político de uma
classe hist orica mente conde nada a uma classe progressista,
como o dos senhores feudais para a burguesia, ou o da bur-
guesia pa ra o prol etar iado. E a cont rare volu ção é o restabele-
cimento provisório da dominação econômica e política da
classe historicamente condenada e destruída no curso da
revolução.
A evolução aplicada a fenômenos sociais dados manifes-
ta-se como ref orm a ligada, como já sabemos , a muda nças
qualitativas no quadro do próprio fundamento qualitativo e
mudanças que não colocam em questão a essência do regime
econômico ou político da sociedade.
Tendo indicado a diferença entre as mudanças reformistas
e revol ucioná rias , Leni n escrev eu que: "A ciência histórica nos
diz que o que distingue uma mudança reformista de uma mu-

.220
dança não reformista em um regime político dado é, em geral,
que, no primeiro caso, o poder permanece nas mãos da antiga
classe dominante, e que, no segundo caso, o poder passa das,
mãos dessa classe para as de uma nova" 1
!. Mas ao mesmo
tempo ele destacava que: "seria absolutamente falso pensar
que, para lutar diretamente a favor da revolução socialista,
possamos ou devamos abandonar a luta pelas reformas. Não
é isso absolut amente. Nós nã o po de mo s saber em quanto
tempo alcançaremos o sucesso e em que momento condições
objetivas permitirão o acontecimento dessarevolu ção. É pre-
ciso que sustentemos qualquer melhoria, toda melhoria real da
situação econômica e política das massas" .
12

Desde que a passagem de um estado qualitativo a outro


efetua-se por meio de saltos, no que concerne às transformações
da sociedade, assim como às relações sociais, e ainda a qualquer
outro problema concreto, é preciso ser revolucionário, não ter
medo de derrubar tudo o que já está ultrapassado, tudo o que
já envelheceu.

duz-sePelo fato de que


a passagem da os saltos,
antiga em decorrência
qualidade dos quais pro-
à nova qualidade, não
têm o mesmo caráter, nem a mesma forma, é preciso, na prática,
que, no momento de uma ação consciente sobre esse ou aquele
processo da transformação de uma qualidade a outra, estudemos
minuciosamente a situação e que escolhamos a melhor forma
de salto, correspondente às condições concretas dadas, porque
somente dessa maneira estaremos livres de erros e poderemos
realmente acelerar o curso objetivo dos acontecimentos.
Os clássico s do marxismo -lenini smo confer iram sempre
uma grande importância a essa questão primordial e souberam
utilizar as leis de mudanças qualitativas em sua atividade prá-
tica. Leva
situação, elesndo em conta asapresentaram
freqüentemente condições concretas ou deuma
uma forma pas- nova
sagem a uma nova qualidade no lugar de uma outra forma já
elaborada e adotada porque, em condições novas, a anterior
correspondia menos ao fundo do problema do que a nova.
Por exemplo, nos anos 70 do século XIX, K. Marx e F. Engels,
levando em conta o fato de que na Inglaterra e nos EUA não

"V. Lenin, Oeuvres, t. 18, p. 588.


V. Lenin, op. cit., t. 23, p. 174.
12

.221
havia o aparelho burocrático que caracterizava os outros países
capitalistas, e também que esses países ainda não estavam
extremamente militarizados, fizeram uma exceção quanto a
esses países, no que concerne às formas da passagem ao socia-
lismo. Se em tod os os outr os países, segundo Mar x e Engels,
essa passagem tivesse de ser efetuada sob a forma de insurreição
armada, na Inglaterra e nos EUA, pelo contrário, ela poderia
dar-se pela via pací fica. Em seguida, quan do o capitalis mo
entrou em seu último estágio de desenvolvimento — o imperia-
lismo, e quando a tendência ao fascismo do Estado e à hiper-
trofia do aparelho burocrático e militar tornou-se característica
de vários países capitalistas, essa exceção perdeu seu funda-
men to real e deixou de corr esp onde r à nov a situa ção. Por isso
Lenin, no começo do século XX, substituiu a tese de Marx e
de Engels por uma tese nova emitindo a idéia de que, na época
atual, a passagem ao socialismo é impossível por via pacífica
e que esta só é possível sob a forma de insurreição armada —
de ruptu ra. Mas, depois de fevereiro de 1917, quand o na
Rússi a um concurso de circunstâncias (dual idade do poder,
fraqueza da burguesia russa e de seu governo provisório etc.)
criou a possibilidade de uma passagem pacífica do poder para
o proletariado, Lenin substituiu o slogan de insurreição armada
pelo de tomada do poder por via pacífica, obtida pela modifi-
cação da comp osição .dos Sovietes, graças à elimina ção dos
mencheviques e dos S . R . e a sat isf ação da exigê ncia da devo-
luçã o de tod o o pode r aos Sovietes. Ma s, depois do s aconteci-
mentos de julho, quando os mencheviques desempenharam
abertamente o papel de valetes da burguesia, que o período de
dualidade do poder chegou ao fim e que todo o poder já se
encontrava nas mãos da burguesia e de seu governo provisório,
o perí odo pacífic o da revo luç ão ta mb ém chegou a seu fim. Nes-
sas novas condições, a única forma possível e justa para con-
seguir a vitória da revolução socialista tomou-se a insurreição
arm ada . Por isso Lenin colocou na ord em do dia a insurr eição
armada que, como sabemos, conduziu à derrubada da burguesia
e ao estabelecimento da ditadura do proletariado.
A tese de Lenin sobre a insurreição armada, como a forma
melhor adaptada para a conquista da ditadura do proletariado
nas condições do imperialismo, correspondeu durante muito
temp o à situaçã o real das coisas e perm ane ceu aplicável a
qualqu er país capitalista. Ent re ta nt o, com a vitória do socia-

.222
lismo na URSS e, em particular, com o surgimento do sistema
mundial do socialismo surgiu também a necessidade de precisar
e de desenvolver essa tese de acordo com as novas condições do
desenvolvimento social. O XX Congresso do PCUS, genera-
lizando a experiência da revolução socialista em diferentes
países e analisando a nova situação internacional (nascimento,
desenvolvimento e fortalecimento do sistema socialista mundial,
enfraquecimento geral do capitalismo e agravamento de suas
contradições, crescimento dos efetivos, do grau de organização
e da coesão da classe operária, alargamento do número de seus
aliados objetivamente interessados na luta contra o imperialis-
mo, aumento dos efetivos dos partidos comunistas e operários
e de seu prestígio), apresentou e criou a idéia da possibilidade,
nas condições atuais, de efetuar, em alguns países, a revolução
socialista pela via pacífica, assim como a de utilizar o parlamento
burguês. Essa idéia foi desenvolvida e firmada no Programa
adotad o no XX II Congresso do PCUS. Esse programa destaca,
em particular, que: "Nas atuais condições, em alguns países
capitalistas, a classe operária, sob a direção de sua vanguarda,
tem a possibilidade de, base ada em um confr onto popul ar e
operário ou em outras formas eventuais de acordo e de cola-
bor ação política de diversos partidos e organizações sociais, unir
a maioria do povo, conquistar o poder de Estado sem guerra
civil e de fazer passar os principais meios de produção para as
mãos do povo. Apo ia ndo -s e na maiori a do povo e opon do-s e
resolutamente aos elementos oportunistas, incapazes de renun-
ciar à política de conciliação com os capitalistas e os agrários,
a classe operária pode infligir uma derrota às forças antipopula-
res, reacionárias, e conquistar uma sólida maioria no parla-
mento, transformando-o de um instrumento ao serviço dos
interesses da classe da burguesia em um instrumento ao serviço
do povo trabalhador, além de desenvolver amplamente a luta
extraparlamentar das massas, quebrar a resistência das forças
da reação e criar as condições necessárias para a realização
pacífica da revolução socialista"* .
3

13
Rumo ao comunismo, compilação dos documentos do XXII Con-
gresso do Partido Comunista da União Soviética, (17-31 de outubro de
1961), Moscou, Edições em línguas estrangeiras, p. 517, 1961.

.223
VIII. A CAUSA E O EFEITO

1. A EV OL UÇ ÃO DOS CONC EITOS


DA CAUSALIDADE
NA FILOSOFIA PRÉ-MARXISTA

Com o nascimento da Filosofia surgiu uma certa concepção


da causa. Ent ret ant o, entre os primeiros filósofos , ela era
extre
nã o mamen te con fusdo
se distinguia a e princípi
indet ermina da. Par, adaeles
o primeiro a causa
maté ainda
ria que se
encont ra à bas e das coisas e dos fenô menos existentes. Na
filoso fia grega, ela adqui re primei rament e a fo rm a de água
(Th ale s) , de ar (Anaxí menes ) e de fogo (He rác li to) , que
engendram, no curso de sua transformação todos os fenômenos
observado s no mun do. Em seguida, a causa é repr ese nta da por
átomos eternos e imutáveis, que se distinguem entre eles por
sua forma, posição, ordem e que formam, quando se chocam,
diferentes corpo s. Aristóteles caracterizava da seguinte ma-
neira a concepção dessa questão que havia em Leucipo e De-
mócrito: eles "admitem que há certas diferenças (os átomos
— A. enos.
fenôm Ch.), Entquere ta
sãont o,aseles
únicas causas
reduzem essasde diferenças
todo o resto doss
a apena
três: a forma, a ordem e a posição" . 1

Mais tarde, foram considerados como causas todos os


fatores que condicionam o aparecimento de coisas particulares.
Pa ra Pla tão , esses fato res eram: a matér ia informe, uma idéia
determinada, a relação matemática e a idéia de "bem supremo".
Segundo sua teoria, cada coisa particular aparece em decorrên-

1
Aristóteles, Métaphysique d'Aristote, Par is , 1879, p. 43-4.

.224
cia da interação do não-ser (matéria) com o limite (limitação
mat em át ic a) . O mode lo da coisa em for maç ão é essa ou
aquela idéia, que penetra na coisa sensível e, com a relação
matem átic a, constitui sua essência. O elemento mot or dessas
transformações é a idéia de "bem supremo", situado fora e
acima delas.
Aristóteles agrupa esses fatores em quatro tipos distintos
de causa: 1.°) — a material, que representa a matéria parti-
cipando da formação da coisa; 2.°) a formal, que comunica
uma form a à matér ia; 3.° ) a produtiva, que une a form a à
matéria no processo de formação da coisa; e 4.°) — a finalista,
que representa o objetivo que se realiza no curso do apareci-
mento da coisa.
Aristóteles explica o processo do aparecimento das coisas
por analogia com sua criação pelos homens. Não foi por acaso
que, para exprimir a manifestação das quatro causas, ele tomou
exemplos da prática da criação, pelos homens, desses ou da-
queles valores materia is. Em particul ar, ele cita o exemplo da

oconstrução
papel de de umamaterial;
causa casa, emo que o material
plano, o papel dedebase
causadesempenha
formal; o
trabalho do arquiteto e sua experiência, o de causa produtiva;
o objetivo que deve ser realizado ao fim da construção, o de
causa final . El e escreveu que, nesse caso , a arte e o construt or
são o começo do movimento; o produto é "o porquê" (,o obje-
tivo) ; a terra e as pedras são a matéria; a concepção é a forma.
A concepção aristotélica da causalidade dominou durante
muito tempo na histór ia da filosofi a. A filos ofia da Id ad e
Média nada acrescentou à contribuição de Aristóteles na ela-
bora ção dessas categorias. Utilizando sua teoria das causas
formal e final, ela foi inteiramente absorvida pelo fundamento
da existência de Deus
Francis Bacon deue um
da passo
criaçãoa divina do conhecimento
frente no mundo sensível. da
causalidade . Em bo ra ele reconhecesse as quat ro causas aristo-
télicas (material, produtiva, formal e final), só conferiu, entre-
tanto, uma importância categorial a uma delas: a causa formal
que, para ele, encontra-se não fora da coisa, como era para
Aristóteles, mas na própria coisa, porque ela representa a lei de
existência da coisa . 2

2
F. Bacon, Oeuvres de Bacon, Nouvel Organum, Paris, 1845, p. 138.

.225
Ao cont rár io de F. Bac on, Hob bes rejeit a as causas
form al e fina l e consi dera como reais apenas duas causas : a
produtiva (para ele, eficaz) e a material. Por causa produtiva,
ele entende o conjunto de propriedades (acidentes) do corpo
ativo que acarreta mudanças correspondentes no corpo passivo;
por causa material, o conjunto de propriedades (acidentes) do
corpo passivo que assegura o aparecimento dessas mudanças . 3

Se F. Bacon, na definição de causa, apoiava-se no fato de


que ela pertence ao domínio interior da coisa, à sua natureza,
Hobbes, por sua vez, concede, à causa, o domínio exterior,
liga-a aos acidentes, às propriedades flutuantes e acessórias;
enfim, a reduz à ação de um corpo sobre o outro.
Em Spinoza, igualmente, a causa situa-se fora dos fenô-
menos concretos singulares dos corpos: "Toda coisa singular
ou, em outros termos, toda coisa finita e que tem uma existência
limitada não pode existir, nem ser determinada a agir, se ela
não for determinada a isso, por uma outra causa, que é ela
própria finita e que tem igualmente uma existência limitada...4,

Entretanto, odapróprio
concepção Spinozae percebe
causal idade procur a oatenuá-lo.
caráter restrito
Ele dessa
colo ca a
questão da necessidade de pesquisar as causas da existência
das coisas nas próp ria s coisas e, a esse respe ito, apres enta o
conceito de causa sui. Por "causa sui", ele entende "aquilo cuja
essência envolve a existência, ou seja, aquilo cuja natureza só
pode ser concebida como existente" . É ver dad e que a causa
5

de sua existência, segundo Spinoza, pode ser contida somente


no mundo tomado em seu conjunto, na natureza absoluta infi-
nita. Qua nto às coisas finitas , as causas de sua existência estão
contidas não nelas mesmas, mas fora delas, em outras coisas
finitas.

cerra Anela
idéia extremamente
mesma a causa deprogressista de que
sua existência, e dea que
natureza en-
não tem
absolutamente necessidade de uma forma exterior, fora dela mes-
ma, desempenhou um grande papel na luta contra o idealismo
e a religião, mas ela era insuficiente para ultrapassar a concepção
metafísica da causalidade, que reduzia o laço de causa e efeito
à ação de um cor po sobre o outro . É po r isso que nã o é de

3
T. Hobbes, Hobbes Selections, Chicago, 1930, p. 94-5.
"Spinoza, Ethique, Paris, 1908, p. 43.
5
Spinoza, op. cit., p. 13.

.226
espantar que a causa sui de Spinoza não tenha trazido nenhuma
modi fica ção par a a con cepç ão de causali dade da época. Nas
ciências da natureza, assim como na Filosofia, continuavam a
entender por causa a ação de uma força exterior sobre essa
ou aquela coisa. En co nt ra mo s essa defini ção da caus a em
Newton, nos materialistas franceses do século XVIII etc. As
causas, escreve, por exemplo, Newt on, são as forç as que é
preciso conferir aos corpos a fim de produzir o movimento.
Holbach salienta, por sua vez, que: "Uma causa é um ser que
coloca um outro em movimento ou que produz alguma mu-
dança nele"6.
Reduzir a causa do aparecimento e do desenvolvimento de
uma coisa à ação de uma outra coisa acarreta toda uma série
de dificuldades par a o domínio do conhecimento. Efeti vamen-
te, o conhecimento de uma coisa supõe o conhecimento de sua
causa. Arist óteles já sabia disso. En tã o, se a causa de uma
coisa dada está contida em uma outra coisa, para conhecer a
coisa dada devemos também conhecer a outra coisa, a que é
a causa da prim eira . Mas o conhecim ento da segunda coi sa
supõe a colocação em evidência de sua causa que, por sua vez,
encontra-se em uma terceira coisa, cuja causa encontra-se ainda
em um a qua rt a coisa. E assim sucessivamente até o infini to.
Em conseqüência, o conhecimento de qualquer coisa conduz-nos
necess ariame nte ao inf init o e supõe o conhe cime nto de um
número infinito de outras coisas, o que, é claro, é irrealizável.
Spinoza já havia observado isso e chegara à conclusão da
impossibilidade de um conhecimento adequado das coisas sin-
gulares.
É ver dad e que os filós ofos e os natur alis tas do século
XVin, que haviam apresentado o princípio metafísico de cau-

salidade,
pa nha. não viam a contradição
Guiando-se que necessariamente
por esse princípio, o acom-
nã o somente eles nã o
duvidavam da possibilidade de conhecer a coisa estudada, mas
ainda consideravam-no como suficiente para obter um conhe-
cimento completo de todo o Universo, para explicar qualquer
fen ôme no que tivesse aconteci do no pass ado e pa ra prever
qualquer acontecimento do futuro . Iss o é expl icad o pelo
7

6
P. Holbach, Systeme de la nature ou des loix du monde physique
et du monde moral, Londres, 1769, p. 13.
P. Laplace, Essai philosophique sur les probabilites, Paris, 1920, p. 8.
7

.227
fato de que eles reduziam todos os fenômenos, todas as mu-
danças ocorridas no mundo a simples deslocamentos mecânicos
e acreditavam que podiam explicá-los a partir das leis da mecâ-
nica clássic a. O nível de desenvol vimento da física de entã o
permitia, desde que se conhecesse a for ça que agia sobre os
corpos, as coordenadas e a velocidade de seu movimento em
um dado instante, determinar suas coordenadas e sua veloci-
dade em qualque r outro mome nto do fut uro . Mas se essa
concepção de laço de causa e efeito é aceitável, em uma certa
medida, para explicar os fenômenos do movimento mecânico
simples em que a mudança do estado de um sistema isolado
não está ligada à mudança de sua qualidade, ela é absoluta-
mente inaceitável para explicar os fenômenos de outras formas,
mais complexas, de movimento, cujo aparecimento está ligado
a certas mud anç as qualitativas condi ciona das não tant o pela
ação de forças exteriores, como pela interação no interior do
objeto.
Hegel foi o primeiro a chamar a atenção para o caráter
restrito e contraditório da concepção metafísica da causalidade.
Mostrando que a aproximação metafísica do laço de causa e
efeito dos fen ôme nos conduz neces saria mente a um infinito
errôneo (cada fenômeno que desempenha o papel de causa e
de efeito tem, por sua vez, sua causa em outros fenômenos etc.),
Hegel recu sou essa concepção de causal idade e propô s uma
solução dialética para o probl ema. Segundo el e, a causa e o
efeito estão em interação dialética.
A causa, sendo uma substância ativa, age sobre a substân-
cia passiva e acarreta nessa certas mudanças que produzem nela
um efeito. A substânc ia passiva exerce um a ação de retorn o
e anula, dessa maneira, a ação da substância ativa e, assim, de
substânci a pass iva ela tran sfor ma-s e em substâ ncia ativa e
começa a interferir em relação à primeira substância ativa como
alguma coisa de inicial, isto é, como causa.
Gra ças à inte raçã o, a causa e o efeito, segundo Hegel,
passam um pelo outro, mudam de lugar e, ao mesmo tempo,
manifestam-se um frente ao outro, de uma só vez, como causa
e efeito. Com o conseqüência, quando se dá o conheciment o
do fen ômen o, não há necessidade de consi derar um número
infinito de outros problemas que se unem a ele, é suficiente
estuda r sua int eraç ão. Conhecen do-a, conhec emos també m a
causa e, ao mes mo temp o, a natu reza dos dois fenôme nos. Foi

.228
assim que Hegel, baseado na interação da causa e do efeito,
anulou, de fato, o caráter limitado da concepção metafísica da
causalidade.
Tomando como ponto de partida a interação da causa e
do efeito, Hegel aproximou-se muito da concepção marxista da
causalidade.

2. A CONCEP ÇÃO MAR XI STA


DA CAUSALIDADE

A definição da causa como fenômeno que condiciona o


aparecimento de um outro fenômeno e do efeito como fenôme-
no engendrado pelo primeiro fenômeno está amplamente difun-
dida na literatura filosófica . 8

Mas essas definições de causa e de efeito parecem-nos


insuficie ntes. Ela s não permite m a cap taç ão da diferença exis-
tente entre a concepção marxista da causalidade e a do mate-
rialismo mecanicista pré-marxist a. Segundo e ssas definições, a
causa de qualquer fenômeno encontra-se fora dele, em um outro
fenô meno . Ess a tese servia de pon to de par tid a para a con-
cepção da causalidade feita pelos materialistas pré-marxistas,
que consideravam a causa como a ação de um corpo sobre o
outro e o efeito como mudanças surgidas nesse segundo corpo.
O materialismo dialético não nega as ações exteriores e
suas possibilidades de acarretar mudanças correspondentes nos
fen ôme nos submetid os a essa ação. Mas , não reduz a causa do
aparecimento e da existência de fenômenos às ações exteriores
que eles sofrem, nem procura essa existência no exterior, em
outros fenômenos, mas no próprio fenômeno, em sua natureza

interna.
É verdade que o termo "fenômeno" pode ser utilizado não
somente no sentido de "corpo", de "coisa", de "formação ma-
terial", mas igualmente no sentido de manifestação, à superfície
da essência de uma coisa, de um corpo, de uma formação
mat eri al. Será possível que a uti liz ação , nesse sentido, da

8
Materialismo dialético, Moscou, 1962, p. 262. Redação de A. B.
Ma kar ov, A. V. Vost rikov e E. N. Tchesnákov . Original em r usso. N. A.
Mussabaeva, O problema da causalidade na filosofia e na biologia,
Alma-Ata, 1962, p. 9. Original em russo.

.229
palavra "fenômeno " possa nos ajud ar a evitar os erros observa-
dos nas definições já estudadas da causa e do efeito?
Não, já que uma tal utilização do termo "fe nôm eno " não
salva a situação, não evidencia a essência da concepção dialé-
tico-materi alista da causa lidad e. Com efeito, se o fenô meno
representa o aspecto exterior de uma coisa, a forma da manifes-
tação, à superfície de sua essência, então, quando definimos a
causa como fenômeno que engendra um outro fenômeno e o
efeito, como sendo esse segundo fen ôme no engend rado pelo
primeiro, reduzimos, exatamente po r esse processo, o laço de
causa e de efeito às ligações exteriores, às ligações dos aspectos,
das propriedades exteriores, das formações materiais.
Na realidade, o laço de causa e de efeito é próprio não
somente aos aspectos exteriores dos objetos, não somente ao
domínio dos fenômenos, mas igualmente aos aspectos internos
e necessários, ao domínio da essência, assim como à correlação
do interno com o externo, da essência com o fenômeno.
Port anto , se part imos da defi nição da causa, como um
fenômeno que engendra
primeiro, chegamos um outro fenômeno,
inevitavelmente à negaçãoengendrado pelo das
da existência
causas internas e do laço de causa e efeito entre os aspectos
internos e externos de uma coisa, entre a essência e o fenômeno.
Decretar como causa o conjunto de circunstâncias necessá-
rias ao aparecimento desse ou daquele fenômeno (efeito) é uma
tentativa de ultrapassar os defeitos dessas definições da causa . 9

Esse ponto de vista sobre a causa, embora sendo uma


reação à tendência de reduzir a causa à ação exterior, não é
novo. Ele foi desenvolvi do pel o positivista John -Stu art Mill.
"A causa, escreveu ele, é, filosoficamente falando, a soma total
das condições positivas e negativas do fenômeno, tomadas em
conjunto, a totalidade
presença acarreta de toda espécie
necessariamente de contingências
o efeito" . 10 cuja
O defeito dessa definição da causa reside no fato de que,
dissolvendo a causa no conjunto dos fatores necessários ao
aparecimento desse ou daquele fenômeno, esquecemos o essen-
cial, o que constitui uma parte fundamental do conteúdo da

L. B. Vorobiov, V. M. Kaganov, A. E. Furman,


9
As categorias e
leis fundamentais da dialética materialista,Mo sc ou , 1962, p. 60. Ori-
ginal em russo.
J. S. Mill, System of logic, 6? ed., Londres, 1865, v. 1, p. 372.
10

.230
categoria de causa, ou seja, o momento da atividade, o fato de
que a causa é um elemento motor, que impulsiona as mudanças
correspondentes nas coisas e nos fenômenos.
Parece-nos mais correto definir a causa como a interação
de dois ou mais corpos ou, ainda, como a interação de elemen-
tos ou aspectos de um mesmo corpo acarretando certas mu-
danças nos corpos, elementos ou aspectos, agindo uns sobre os
outros, e o efeito como as mudanças surgidas nos corpos,
elementos e aspectos agindo uns sobre os outros, em decorrência
de sua interação. Fo i precisament e assim que os funda dore s
do materialismo dialético e, em particular, Engels definiram a
causa: " ( . . . ) A açã o recíp roca é a verda deira causa finalis
das coisas"H.
A interação conduz à modificação dos corpos ou aspectos
em interação, assim como ao aparecimento de novos fenômenos
e à passa gem de um esta do quali tati vo a outro . Po r exemplo,
a interação das classes antagônicas condiciona o aparecimento
do Estado, a mudança do sistema social e de estado e a passa-

gem
outr a.da Asociedade
causa da de
corruma
osão formação
do met al sócio-econômica
está na inte raçã oa química
uma
dos metais e dos gases presentes no ar assim como na água e
nas substânci as que nela. são dissolvidas. A causa do apar e-
cimento da corrente indutiva em um circuito fechado, deslocan-
do-se em um campo magnético, é a interação do circuito fechado
e do campo magnéti co. A causa da incandes cência do fila-
mento de uma lâmpada elétrica não é a corrente elétrica que
a atravessa, como pensam certos autores , mas a interação da
12

corrente elétrica com a substância da qual é feito o filamento.


To rn an do evidentes as raízes do carát er limitado e da
insuficiência da concepção da causa como ação unilateral dessa
ou daquela
idéia de que força sobre
a causa de otodo
objeto, a coisa,
fenômeno Engelse que
é dupla salientou
ela re-a
presenta a interação de duas partes, ou me lho r:
"Todos os processos naturais são duplos, baseiam-se na
relação de pelo menos duas partes agentes, a ação e a reação.
Então, a idéia de força, pelo fato de ter sua srcem na ação
do organismo humano sobre o mundo exterior e, em seguida,

U
F. Engels, La dialectique de la nature, p. 234.
As categorias da dialética materialista, Mos cou ,
1!í
1957, p. 93.
Original em russo.

.231
da mecânica terrestre, implica que apenas uma parte seja ativa,
operante, e que a out ra seja passiva, rece pti va. . . A reaç ão
da segunda parte, sobre a qual a força age, aparece mais do
que tudo como uma reação passiva, como uma resistência" 13.
Mais adiante ele diz que: "A força de refração da luz tanto é
inerente à luz, qua nto aos corp os trans paren tes. No que con-
cerne à aderência e à capilaridade, a força encontra-se segu-
rame nte tant o na superfí cie sólida, como na líquida. Pa ra a
eletricidade de contato é, de qualquer forma, certeza que os
dois metais contri buem e a "for ça de afinidade química",
quando encontrada, mostra que, nesse caso, as duas partes
combinam" . 14

Mesmo os partidários do materialismo mecanicista, que


apresentaram a idéia da causa como ação mecânica de um corpo
sobre o outro, foram obrigados, quando da elaboração de sua
teoria da causalidade, a levar em conta de uma maneira ou de
outra, a ret roa ção do segundo corpo sobre o primei ro. Com
efeito, segundo seu ponto de vista, o estado futuro (efeito) do
movimento mecânico de um corpo depende do estado desse
corpo (das coordenadas e da velocidade de seu movimento)
em um dado momento e da força que age sobre o corpo durante
todo o movimento, isto é, da interação dos corpos considerados.
Segue-se que, do ponto de vista do materialismo dialético,
a noção de causa designa a interação dos corpos ou dos elemen-
tos, dos aspectos de um mesmo corpo, que acarreta em mu-
danças correspondentes nos corpos, elementos e aspectos em
intera ção. O con teú do do conceito de "ef eit o" é constituí do
pelas mudanças que aparec em nos corpos, elementos e aspectos
em interação, em decorrência de sua interação.

3. CAU SALI DADE E NECESSIDADE

O laço entre a causa e o efeito que ela acarreta, é neces-


sário. O laço de causa e efeito representa, portanto, uma das
forças da existência da necessida de. Esse mome nto é desta-
cado, com justa razão, por David Bohm em seu livro Causali-

13
F. Engels, op. cit., p. 87.
14
F. Engels, op. cit., p. 87.

.232
dade e contingente na física moderna. "A causa lidad e. . . é
uma forma particular, mas muito difundida da necesidade" . 15

O caráter necessário do laço de causa e efeito é reconhecido


por vários autores . 16

Ao mesmo tempo, certos autores acreditam que não é


cada laço de causa e efeito que é necessário, mas que há

eefeitos
efeitosquequeestão
estãoligados
ligadosàs àssuas
suascausas
causasde demaneira
maneiranecessária,
contin-
gente. Esses autore s justi ficam s eus ponto s de vista pelo fa to
de que todo s os fenô meno s (ta nto os n ecessários, como os
conting entes) tê m uma causa par a seu aparecimento. Se for
assim, a ligação causal, segundo eles, pode-se man ife sta r
tanto sob uma fo rm a necessária , como sob uma form a con-
tingente .
17

Que os fenômenos contingentes tenham causas que os


produzam é verdade, mas disso não decorre absolutamente
que a ligação desses fenômenos (efeitos) com as causas que
os engendrou seja contingente. Uns ou outros fenôme nos são
considerados
cessariamente contingentes, não porque
de suas causas, eles não
mas porque são decorrem ne-
engendrados
po r causas contingentes. A destruição das sementes pelo
granizo é reconhecida como contingente não porque a interação
do gelo com os organismos vegetais (causa) não condicione
necessariamente a destruição desses últimos (efeito), mas porque
essa int era ção , o graniz o, ness a época do ano, é apena s o
resul tado do acaso , n ão decor rendo nem da nature za das
condições climáticas, nem do lugar, nem das leis do funciona-
men to e do dese nvol vime nto dos vegetais. A mor te de um
homem, em decorrência da queda de uma pedra, que cai de
um telhado, sob o efeito do vento, deve-se ao acaso não porque
ae ligação da causahumano)
do organismo (interação
comde ouma pedra,
efeito de umdocerto
(a morte peso
homem)
seja contingente. El a é necessária. O choque de uma pedr a
de tamanho adequado sobre a cabeça de um homem acarreta
necessar iamente a mort e desse último. A morte d o homem é

13
D. Bohm, Causality and chance in modem physics, Londres,
Routledge and Kegan Paul Ltd., 1957, p. 2.
Problemas de causalidade na física contemporânea, Mosc ou, 1960,
16

p. 380. Or ig inal em ru ss o.
17
N . A. Mu ssaba eva , op. cit., p. 108.

.233
contingente porque a causa que a acarreta é contingente, con-
dicionada por toda um a série de circunstânc ias. Da natu reza
da pedra e do homem não decorre necessariamente sua colisão.
Essa colisão poderia não ter acontecido, isto é, a causa poderia
não se apresentar, mas como ela se produziu, porque o choque
teve lugar, o efeito — a morte do homem — tornou-se neces-
sária e inevitável.
Outros autores, e, em particular, Mário Bunge, reconhe-
cem igualmente a existência do laço contingente de causa e
efeito. Bunge acred ita que seu domíni o de manif esta ção é o
movimento dos microcorpos, no qual a situação de um acon-
tecimento (causa) não condiciona a necessidade do apareci-
mento de um outro acontecimento (efeito), como acontece no
domínio do movimento dos macrocorpos, mas somente a pro-
babilidade de seu aparecimento. Ele denomina esse laço de
causa e efeito de "determinismo estatístico" ( statistical déter-
minacy)í%.
Como exemplo, pr ov an do o dito cará ter contingente do
laço de causa
passagem dos eelétrons
efeito no micromundo,
através é citado
da abertur o caso
a de um da
diafragma
situado em sua tra jet ória . Co mo sabemos , os elétrons idênticos
que se deslocam na mesma direção não caem em um mesmo
ponto, mas dispersam-se sobre tod o o écran. Conclu ímos disso
que o laço da causa (o elétron em movimento) e do efeito (seu
ponto de impacto sobre o écran não é necessário, unívoco,
mas que, aqui, a mesma causa e as mesmas condições engen-
dram os efeitos os mais diversos.
Será essa dedu ção exata? Em nossa opinião, ela é in-
correta.
O fato de que os elétrons, depois de haver transposto a
mesma
exclui oabertura, terminem em
caráter necessário pontosde diversos
do laço causa e do écran, não
efeito, concer-
nent e a esse impa cto. Em bo ra os elétro ns estejam em inte raçã o
com um mesmo objeto (o diafragma), essas interações não são,
entretanto, absoluta mente idênticas. No diafragma, com o qual
os elétrons estão em interação, assim como no meio ambiente
que eles atravessam qua ndo se dirigem par a o écran, cada
elétron provoca, em sua passagem, certas mudanças e, por esse

18
M. Bunge, Causality, Harvard Unrversity Press, p. 14-7.

234
fato, cada elétron não está em interação nem com o mesmo
objeto, nem com o mesmo meio, mas com objetos e com meios
cada vez dife rent es. É por isso que nã o podem os dizer que,
em todos os casos, a causa é a mes ma. Exist e, nesse caso,
tantas causas diferentes quanto são os elétrons em movimento.
Cada uma delas condiciona necessariamente a queda do elétron
sobre um ponto dado do écran. Em outros termos, embora
cada elétron em movimento possua diferentes possibilidades de
cair sobre esse ou aquele ponto do écran, somente uma dentre
elas realiza-se e, precisamente, realiza-se aquela para a qual
estão reunidas as condições adequadas, e ela o faz de maneira
necessária.
O laço da causa (interação do elétron, do diafragma e do
meio ambiente) e do efeito (sua queda sobre um ponto preciso
do écran) é nec ess ári o. O que será contin gente aqui não é a
queda desse ou daquele elétron sobre esse ou aquele ponto do
écran, mas a divisão dessas quedas sobre o écran, pelo fato
de que cada elétron, em seu movimento, tendo seu meio am-
biente específico, entre em interações únicas em seu gênero,
que condicionam sua queda em um ponto dado do écran. O
ponto da queda de outros elétrons não depende necessaria-
mente do ponto da queda do elétron indicado e encontra-se
com ele e com to dos os outr os em rela ções contingentes. É
isso, precisamente que condiciona o caráter estatístico das leis
das partículas em movimento.
O racio cíni o de G. Svetchni kov a esse respeito parece
plenamente justificado. Ele escreve que: "Na interação das
micropartículas e dos microcorpos existe um traço particular,
que determina o caráter estatístico da mecânica quântica. . .
No interior de um macroambiente dado produzem-se micro-
processos que deexercem
comportamento uma influência
um microobjeto fundamenatl
considerado, mas que sobre
são o
não essenciais para o macroambiente em seu conjunto, conside-
ra do do ponto de vista da físi ca clássica. Isso conduz a que
o ambiente macroscópico dado possa ser realizado por todas as
combinações dos microprocessos; essas combinações distin-
guem-se entre elas no nível microscópico, mas não são discer-
níveis no nível macr oscó pico . Cad a combinação dada dos
microscópicos que se desenvolvem no quadro de um ambiente
macroscópico dado acarreta um comportamento bem definido
do micro obje to. A inter ação do micro objet o e dos micropro-

.235
cessos que constituem o mieroambiente dado condiciona seu
comportamento...
Segundo essas concepções, o caráter estatístico da mecâ-
nica quântica é a expressão do fato de que, por um lado, o
movimento de cada microobjeto individual depende de sua
interação com um número considerável de microprocessos, que
constituem seu ambiente real e, por outro lado, a mecânica
contemporânea considera o ambiente de um microobjeto dado
de maneira macroscópica, sem uma análise detalhada da estru-
tura microscópica desse ambiente" 19
.
O caráter necessário do laço de causa e efeito foi situado,
na base da explicação do movimento das partículas "elemen-
tares", pelo filósof o alemão Her bert Hõrz. Anali sand o o com-
porta mento das partículas elementares, quando de sua passa-
gem através de uma fenda estreita, ele escreve: "A queda da
partícula sobre um pon to determinado do écran situado atrás
da fenda é condicionada de maneira c a u s a l. . . A partícu la
encontra-se necessariamente em um ponto determinado do
écran. Ess e é o resu ltad o do fat o de que à causa relacione -se
o conjunto de todas as condições necessárias e suficientes, que
conduziram a isso" . A part ícul a elementar em movi mento
20

encontra-se, segundo Hõrz, em numerosas ligações causais com


o meio ambie nte. Qualq uer modifi caçã o, por mais leve que
seja, no comportamento da partícula, é o resultado da ação da
causa corr esp onde nte que lhe é dire tamen te ligada. O con jun to
dessas causas determina a orientação do movimento da par-
tícula e sua queda sobre um ponto dado do écran.
Falando do laço necessário de causa e efeito no movimento
dos microobjetos, é conveniente lembrar que, em virtude da
diferença essencial entre o microobjeto e o macroobjeto e, em
particular, pelo fato de que o primeiro representa a unidade
das propr ieda des corpuscu lares e ondul atória s, é impossível
observar esse laço e traduzi-lo sob a forma de leis dinâmicas
adequ adas . A natu reza da micropa rtícul a, ao cont rári o do ma-
crocorpo, não permite a definição simultânea e exata de sua
posição e de sua velocidade. Quanto mais o lugar da micro-

0 Problema da causalidade na física contemporânea, p. 355-6.


1S

Original em russo.
Hörz, Zum Verhältnis von Kausalität und Determinismus, DZFPh,
20

n. 2, p. 155-7, 1963.

.236
partícula for determinado com precisão, tanto mais sua veloci-
dad e ou sua impul são se tor nará imprecisa. E, pelo contrár io,
quanto mais a velocidade seja definida com precisão, tanto
mais será impreciso seu lugar. Ess a circunstânc ia exclui a
posssibilidade de prever de forma unívoca o comportamento
fu tu ro do obje to, tend o como base o conhec iment o de sua
posição no momen to presente.
Certos físicos e filósofos, que identificam o princípio de
causalidade com o determinismo mecânico (dito determinismo
de Laplace), que permite, a partir do conhecimento da velocida-
de e da posição de um objeto em um momento dado, calcular
sua posição e sua velocidade em um outro momento, deduziram,
da relação de indeterminismo, a impossibilidade de aplicar o
princípio da causalidade ao micromundo.
Gerhard Hennemann diz que é precisamente em relação
à questão da possibilidade de prever o curso dos futuros pro-
cessos natur ais que aparece o conflito entre as concepções
causais da física clássica e os dados da mecânic a quânti ca. Ao
mesmo tempo em que a primeira considera como evidente que
todo fenômeno da natureza está completamente determinado, e
pode também ser determinado no futuro, a mecânica quântica,
escreve ele, recusa-se a reconhecer a possibilidade de prever
até o fim o curso futuro dos acontecimentos na natureza, e
exatamente por isso destrói a convicção, segundo a qual todos
os fenômenos da natureza estão submissos a um condiciona-
mento causal universal ' . Ar thu r Lukowsky , tend o em vista o
2 1

princípio de indeterminismo de Heisenberg, escreveu que: "(...)


Esses dados revolucionários da física moderna levaram à ques-
tão de saber se as noções fundamentais da física clássica per-
deram seu fund amen to, ou pelo menos seu fund amen to na
esfer a do fen ôme no atômico. No caso da lei da causalidade,
essa dúvida parece absolutamente necessária. . ."22.
Mesmo Heisenberg, que, pela primeira vez, estabeleceu a
rel ação dos indet ermina dos, chegou a essa conclusão. A teoria
quântica "conduz necessariamente a formular leis, exatamente

21
G. Hennemann, Das Verhältnis der Quantenmechanik zur Klassis-
chen Physik, Bonn, 1947, p. 16-7.
22
A. Lukowsky, Uber die Entwicklung des Kausalbegriffes, in Kant-
Studien, 1955/1956, vol. 47, p. 362.

.237
em sua qualidade de leis estatísticas, e a rejeitar o determinis-
mo de forma categórica" . 23

Paulette Fevrier classifica a teoria quântica de indetermi-


nista, porque não pode "indicar medidas tais que, a partir de
seu resultado, possamos prever com certeza o resultado de
qualquer medida anterior" .
24

Todos esses raciocínios sobre a impossibilidade de aplicar


o princípio de causalidade ao micromundo vêm do fato de
que a essência desse princípio é a questão da possibilidade
de predizer com uma certeza unívoca o comportamento futuro
do objeto, partindo de suas coordenadas e de sua impulsão
presentes. Entretanto, isso não é ve rdade. A essência do
princípio de causalidade, na realidade, é o reconhecimento do
fato de que todo fenômeno pode ser condicionado de forma
causa l e de que o laç o de caus a e de efeito é nece ssár io. A
previsão do comportamento futuro do objeto é a conseqüência
do reflexo mais ou menos completo do laço de causa e efeito
na consciência, assim como nas teorias elaboradas, e a eviden-
ciação de toda uma série de momentos que marcam de forma
suficientemente exata o estado inicial do objeto e o caráter de
sua interação com o meio ambiente, no processo do movimento.
A mecânica quântica, no estado atual de seu desenvolvimento,
não dá nem um nem outro. É por isso que ela só pode expri-
mir, no momento atual, o laço de causa e efeito, no domínio
do micromundo, sob a forma de lei estatística.
Focalizamos aqui os pontos de vista que negam o caráter
necessário do laço de causa e efeito no micromundo e consta-
tamos que el es nã o resistem a um a análise . Mas , ao la do desse
ponto de vista, há outros que negam completamente o laço
necessário
mesmo no da
quecausa e efeito
concerne e queomun
ao macr o consideram
do. Ent re contingente,
esses autores,
encontramos particul armente Robe rt Hav ema nn. Ele explica
a tese do laço necessário de causa e efeito como uma sobrevi-
vência do materialismo mecanicista.
"No mecanicismo clássico, escreve ele, a causalidade
designou a ligação como absolutamente necessária entre causa
e efeito. Na conce pção do mun do mecâ nico clássic o, uma

W. Heisenberg,
23
Das Naturbild der heutigen Physik, Hamburgo,
1955, p. 28.
P. Fevrier, Determinisme et indeterminisme, Paris, 1955, p. 9.
24

.238
causa, em condições correspondentes, só pode ter um efeito,
ou seja, aquele que ela produz . En tã o, 'X engendra necessa-
riamente Y' . Nessa fórmula, encontramos a antiga concepção
materiali sta mecanicis ta da causalidad e. Noss a conce pção da
causalidade deve ser o u t r a . . . De uma causa nasce a penas um
efeito, entretant o, cada causa pod e ter várias possibilidades. E
aquele dos efeitos possíveis que se manifesta é objetivamente
continge nte"25. El e escreveu mais adian te que: "Se uma causa
engendra um certo efeito sem necessidade e pode produzir toda
uma série de efeitos diferentes, então um desses efeitos será
sempre contingente"26.
Assim, segundo Havemann, a causa está ligada a seu efeito
de forma contingente, engendra-o, mas não poderia absoluta-
mente engendrar um outro.
A idéia do autor, segundo a qual uma mesma causa, em
condições semelhantes, pode engendrar não apenas um efeito,
mas uma gran de quant idad e de efeitos diversos, é inexata e
contradiz o estado real das coisas.
De fato, o hidrogênio reunido ao oxigênio na proporção
de 2 por 1, em condições adequadas, sempre resulta em água;
a água a 100°C e sob pressão normal transforma-se em vapor;
um elétron que entra em interação, nas condições requeridas,
engendra, com um pósitron, um par de fótons; um fuzil carre-
gado sempr e atira se pressi onarmos o gatilh o. Se, em um dos
casos, o efeito esperado não se produz, por exemplo, se a água
não ferve a 100°C, se um fuzil não dispara depois de apertado
o gatilho, isso mostra não que o laço de causa e efeito é
contingente, mas que uma das condições foi violada, que a
causa necessária não agiu e que uma outra causa entrou em
ação, prod uzi ndo um outro efeito, que nã o o esper ado. Na
análise desses casos, podemos desembaraçar a causa da não-
reali zação do efeito espera do e, assim, demo nst rar o caráter
necessário do laço de causa e efeito.
Quando Havemann escreve que toda causa tem uma
grande quantidade de possibilidades diferentes e pode engendrar
uma série de efeitos, ele está identificando manifestamente a
causa ao objet o, à coisa. O obje to (coisa, proc ess o) tem

23
R. Havemann, Dialektik ohne Dogma? Naturwissenschaft und
Weltanschauung, Reinbeck, Hamburgo, 1964, p. 99-100.
R. Havemann, op. cit., p. 86.
2S

.239
efetivamente uma grande quantidade de possibilidades de mu-
danças e de trans forma ções. Mas o objeto e a causa são coisas
muit o diferentes. A identi ficação da causa com o objeto ca -
racteri za apenas o materiali smo metaf ísi co. O materialis mo
dialético não entende por causa o obje to, a coisa, mas a

interaçãoquedos
pectos objetos,
forma das coisas
m o objeto, ou dos
a coisa; elementos
e, por efeito, easdos as-
mudanças
surgidas nos corpos, nos elementos e nos aspectos em interação.
Uma mesma interação, em condições apropriadas, não acarreta
muda nça s diferentes, mas apenas idênti cas. Po r exemplo, o
hidrogênio, aquecido e sob a pressão de 5.000 atmosferas, mis-
tura-se com o ozônio para formar o gás amoníaco (NH3). O
objeto pode efetivamente engendrar diferentes mudanças (efei-
tos), mas isso deve-se ao fato de que ele entra em diferentes
interações . Assim, o hidro gênio em int eraç ão com o oxigênio
forma a água, em interação com o flúor, produz o gás
fluorídrico (H F), em interaç ão c om o cloro, produz o gás
clorídrico, em interação com o carbono, a uma temperatura de
1400/1800°C, produz o etilênio (C2H4) e a uma temperatura
superior a 1800°C, produz o acetileno (C2H2) etc. Em bo ra
em todos esses casos figure sempre uma mesma substância, o
hidrogê nio, as causas são nele diferentes . No primeiro exemplo,
a causa é a interação do hidrogênio com o oxigênio, no segundo
com o flúor, no terceiro com o cloro, no quarto com o carbono.
Assim, embora cada objeto tenha a possibilidade de acar-
retar uma grande quantidade de efeitos diferentes, isso não
significa absolutamente que todos esses efeitos serão engendra-
dos por um a mesma causa. Ca da um deles terá sua próp ria cau-
sa, ou seja, a interação concreta à qual está necessariamente
ligado oquantidade
grande apareci mento de um efeito preciso.
de possibilidades diferentes Anasprese nça de uma
formações
materiais não exclui, portanto, o laço necessário de causa e
efeito.
Mas, se todo fenômeno está ligado a uma causa que o
engendra, então a existência do contingente e do acaso não
estaria sendo post a em dúvida? É prec isa mente com base
nisso que os representantes do materialismo metafísico negavam
a existência objetiva do acaso.
O reconhecimento do caráter de necessidade de todo laço
de causa e efeito acarreta a negação da existência objetiva da
contingência somente qua ndo per man ece mos em posição no

.240
materialismo mecanicista na compreensão da causalidade, isto
é, quando entendemos por causas os próprios corpos, quando
um corpo desempenha o papel de suporte da causa e um outro
corpo é o suporte do efeito.
Se, por causa, entendemos a interação dos corpos ou dos
elementos que constituem um único e mesmo corpo, e por
efeito, entendemos as mudanças que se produzem nos corpos
ou nos elementos, em decorrência de sua interação, o reconhe-
cimento do laço necessário de causa e efeito não conduz à
negação da contingência. Com efeito, os corpos ou os elemen-
tos que os constituem podem entrar em interação, mas eles
pode m igualmente não o fazer; se eles entram em interação,
essa acarretará necessariamente, neles, as mudanças correspon-
dentes. Por exemplo, o hidrogê nio pod e ou não entrar em
interação com o flúor, mas se ele entra nessa interação, a for-
mação do ácido fluorídrico é inevitável, em condições apro-
priadas.
Assim, a esf era de existê ncia da contin gência nã o é a
correlação de causa e efeito, mas a dos elementos que causam
a interação dos corpos e dos elementos que os constituem.

.241
IX. O NECESSÁRIO
E O CONTINGENTE

1. OS CON CEI TOS


DE NECESSIDADE E DE CONTINGÊNCIA

Há várias definições diferentes das categorias de necessário


e de contingente.
Robert Havemann esforça-se em tirar da dialética, da pos-
sibilidade e da realidade o conteúdo das categorias de "neces-
sidade" e de "con ting ênci a". Seu raciocínio é o seguinte:
quando, nos manuais teóricos falamos dessa ou daquela ne-
cessidade ou lei, descrevemos não o que é na realidade, não o
que se passou, mas o que deve produzir-se de acordo com a lei.
E não pode ser diferente, ele prossegue, porque apenas as
possibilidades são definidas com necessidade. A tran sformaçã o
das possibili dades em real idad e está ligada às contingências.
Elas podem transformar-se em realidade e podem não se trans-
formar. " ( . . . ) Se uma coisa é definid a apena s como possível,
segundo a lei e com a necessidade, ela só pode aparecer na
realidade de fo rm a continge nte. Sendo apena s possível, ela
pode aparecer ou não e, se ela aparece, isso se produz sem
necessidade, somente de forma contingente*.
A idéia segundo a qual a necessidade existe apenas como
possibilidade é falsa, contradiz o estado real das coisas. Os
aspectos e as ligações necessárias existem não somente na pos-
sibilidade, mas igual mente na realida de. A prese nça de oito
prótons no núcleo atômico do oxigênio e de um próton no

R. Havermann: Dialekik
1
ohne Dogma? Naturwissenschaft und
Weltanschauung, p. 90.

.242
átomo do hidrogênio é inevitável, necessária não somente para
os átomos do hidrogênio e do oxigênio que aparecerão, mas
igualmente pa ra aqueles qu e já aparece ram e existem. É abso-
lut ame nte a mes ma coisa no que concern e às relaç ões dos
átomo s de s ódio e de cloro na mol écul a do sal de cozi nha.
Ê necessário para todas as moléculas do sal, tanto para as que
existem atualmente, como para as que ainda não existem, mas
que podem aparecer.
Reunindo a realização da possibilidade necessária à con-
tingência, Havemann deforma igualmente o conteúdo da cate-
goria de "possibilidade", identificando-a à categoria de "contin-
gente ". Efe tiv ame nte , a possibilidade é definida por ele como
o que po de ser e o que pode não ser. Mas esse tra ço espec ífico
não é o da poss ibi lid ade, e sim o da cont ingê ncia . A possi bi-
lidade designa não o que pode surgir ou não, mas o que acon-
tecerá em certas condições.
O elo intermediário entre a possibilidade e a realidade não
é a contingência, como pensa esse autor, mas as condições con-
cretas. Se elas são reunidas , a possibilidade nã o po de deixar
de se transformar em realidade, ela realiza-se necessariamente
e torn a-se real idade . Isso se produzi rá em qual quer lugar e
sempre, desde que haja possibilidade e as condições correspon-
dentes. "Sabem os, diz F. Engels, salie ntando a inevita bilidad e
da realização dessa ou daquela possibilidade, quando do apare-
cimento de condições que lhe correspondem, que o cloro e o
hidrogênio, em certos limites de temperatura e de pressão e
sob a ação da luz, iuntam-se em uma explosão para formar o
gás clorídrico e, tendo consciência disso, sabemos também que
isso se dá sempre e em qualquer lugar, desde que as condições
citada s este jam re un id as .. . " .2

Se a realização da possibilidade real, em presença das con-


dições correspondentes, não fosse necessária, o homem não
poderia organizar a produção, porque nã o conseguiria fazer
com que certas ações produzissem m uda nça s rigor osame nte
determinadas.
A existência e o desenvolvimento da produção, da ativi-
dade laboriosa dos homens demonstram que a possibilidade, em
condições apropriadas, realiza-se com necessidade e que certas

2
F. Engels, La dialectique de la nature, p. 236.

.243
.ações não produzem quaisquer mudanças, mas apenas aquelas
muit o precisas . Em outros termos, a ativi dade práti ca mostra
a existênci a obje tiva e rea l da nece ssi dade . Os clássicos da
filosofia marxista e, em particular, Engels, mais de uma vez
cham aram a aten ção par a esse aspecto do prob lem a. Criticando
Hume, que acreditava que fosse impossível demonstrar a exis-
tênc ia objeti va da necessi dade, el e esc reve u que: " ( . . . ) A
prova da necessidade está na atividade humana, na experiência,
no trabalho: se eu posso produzir o post hoc, ele torna-se
idêntico ao propter hoc"3.
Havemann ignora tudo isso e, fiel a seu ponto de vista,
crê que a atividade prática dos homens não se fundamenta
na necessidade, mas na contingência, na probabilidade, que
exprime esse ou aquele grau de possibilidade de um aconte-
cimento conting ente determi nado. Po r isso a atividade prática
e a vida humana, em geral, segundo ele, estão constantemente
ligadas a algum risco, porque na prática o resultado esperado
é contingente e não necessário, isto é, ele pode ter ou não ter
lugar. Ta mb ém o homem , antes de empr eend er uma ação,
deve medir todas as chances que podem assegurar seu sucesso.
Todas as pessoas são incapazes de determinar o grau de pro-
babilidade do resultado de suas atividades, que é passivo e não
ativo. "No ssa vida, salienta Ha ve man n, é semp re um risco.
A cada nova empreitada, esforçamo-nos numa estimativa de
nossas chanc es. E há mesmo algun s que nã o chegam jamais
a cometer qualquer ato, já que são incapazes de fazer as contas
exatas de suas chances" . 4

Se fosse efetivamente assim, como prevê o autor, se todos


os homens baseassem sua atividade na contingência, no acaso,
a sociedade humana teria deixado de existir em razão da im-
possibilidade de organizar a produç ão contínua dos bens ma-
teriais. Ma s na da de semelhante a isso aconte ce, unica mente
porqu e o homem, em sua atividade, apóia-se não no acaso,
mas na necessidade, guia-se não pelo que pode acontecer ou
deixar de acontecer, mas pelo que acontecerá necessariamente,
sob certas condições.
Certos autores identificam as categorias de "necessidade"

3
F. Engels, La dialectique cit., p. 232.
4
R. Havemann, op. cit., p. 100.

.244
e de "cont ingen te" às categorias de "ger al" e de "singula r". O
geral, segundo eles, sempre tem um caráter necessário, pelo fato
de que é determinado por leis internas, pela essência interna dos
fenôm enos . O singular, como mani fes taçã o do geral, depende
das condições exteriores e por isso ele possui necessariamente
aspectos contingentes.
A idéia segundo a qual o geral, determinado por leis
internas, pela essência interna dos fenômenos, é necessário, é
um a idéia em si justa. Mas disso nã o se seg ue absolu tamente
que to do geral é necessário. O geral pod e manife star-s e ao
mesmo tempo sob a forma de necessário e sob a forma de
contingente, porque a repetição é condicionada não apenas
pela presença de uma grande quantidade de formações mate-
riais, de fenôm enos tend o um a essência comum, submetidos
às mesmas leis internas, mas igualmente pelo fato de que as
diferentes formações materiais, os diversos fenômenos surgem
e existem freqüentemente em condições semelhantes, que im-
primem neles suas impressões. Por exemplo, a análise de
várias gotas de água pode mostrar em todas elas a presença
do sal. En tã o, a prese nça deste, em tod as as go tas de água,
repres enta um a propr ieda de geral. Mas será essa um a pro-
priedade necessária da água? É lógico que nã o, porque ela
não decorre da natureza interna dos elementos que constituem
a água, mas é condicionada por um concurso de circunstâncias
e, em particular, pelo fato de que a água, antes de surgir da
terr a, transp ôs um a cama da salina. O fat o de que a água tenha
passado através dessa camada salina e tenha também dissolvido
o sal é contingente, porque ela teria podido igualmente ter
deixado de atravessá-la.
Mas se o geral não é idêntico ao necessário, se ele pode
existir tanto como contingente quanto como necessário, se-
gue-se que o contingente também não é idêntico ao singular;
A essência específica do singular consiste no fato de que ele
é único, enquanto que o contingente, como vimos, pode-se
repetir.
Além disso, um traço específico do contingente é o de
ser condicionado pelas circunstâncias exteriores, enquanto que
o singular pode ser o efeito da interação dos aspectos internos,
das tendências, da manifestação de leis internas do desenvol-
vimento desse ou daquele processo, de uma formação material.
Por exemplo, a vitória da revolução socialista na Rússia, em

.245
1917, há muito tempo constitui um fenômeno único, mas ela
deve sua explosão não a causas exteriores, mas interiores; ela
foi o efeito necessário do desenvolvimento de processos inter-
nos, o que explica que ela seja considerada como necessária
e não como um fenômeno contingente.
O necessário traz, portanto, em si mesmo a causa de seu
aparecimento e de sua existência e também se produz, inevita-
velmente, nas circunstâncias adequadas, enquanto que a razão
de ser do contingente não está nele mesmo, mas em uma outra
coisa . 5

A definição das categorias de "necessário" e de "contin-


gente", a partir da categoria de causalidade, é em nossa opinião,
justa, por qu e os conceitos de "necessário" e de "contingente"
estão geneti camente ligados à causal idade, decor rem dela e
representam o grau seguinte, depois da causalidade, do apro-
fundamento do conhecimento humano do mundo dos fenô-
menos.

2. A CR ÍTI CA
DAS CONCEPÇÕES IDEALISTAS
E METAFÍSICAS
DA CORRELAÇÃO DA NECESSIDADE
E DA CONTINGÊNCIA

O problema da necessidade e da contingência foi objeto


de estudos filosóficos ao longo de toda a história da Filosofia
e as soluções apresentadas para ele, pelos mais diferentes filó-
sofos, são variadas.

Os idealistas
necessidade, subjetivos
que eles situavamnegaram a existência
unicamente na esferaobjetiva da
da cons-
ciência, do pensam ento. Por exemplo, o filósofo norte-amer i-
cano Santayana tem uma concepção subjetivista da necessidade:
ele não a vê na rea lid ade obje tiva . A real idad e apresenta-s e,
para ele, como uma "corrente de contingência". Segundo seu
ponto de vista, o que os homens consideram habitualmente co-
mo necessidade é "um complô de contingências" . Segu ndo o
6

G. W. F. Hegel, Werke. Vollständige Ausgabe, v. 6, p. 288.


5

6
G. Satayana, The realm of matter, Ne w Yor k-Lo ndr es, 1930.

.246
filósofo inglês contemporâneo Wittgenstein, apenas as contin-
gências existem no mundo.
O sociólogo alemão-oriental Walter Theimer nega a ne-
cessidad e na históri a. Segundo ele, várias contingênci as agem
na história e excluem completamente o determinismo, assim
como to da necessi dade. É por isso, afir ma ele, que tudo na
vida depende das próprias pessoas, de sua vontade, de suas
aspirações subjetivas .7

Günter Jacobi esforça-se bastante em sua argumentação


sobre a ausência da necessi dade na natur eza. Segundo ele , os
sistemas ontológicos e os elementos que os consti tuem são
baseados uns nos outros. E são desprovidos de qualquer iden-
tidad e de ligação. E sem essa identi dade, ne nh uma necessid ade
é concebível. Segundo Jacobi, a necessida de só po de ser lógica,
psicocognitiva. Ela reside na sistemática lógica, na identidade
do sistema dos conceitos mediante os quais esforçamo-nos para
refletir e abarcar o sistema ontológicos.
Johannes Hessen fundamenta à sua maneira a concepção
idealisuma
lado, ta dahipótese
necessique
dade.os homens
Ele faz admitem
dessa conc epçãtese
como o um post u-
inicial
para conhecer a realidade, mas aos quais nada corresponde
na natu reza . Seu raciocínio é o seguinte: os homen s, em
razão de sua organização particular, da natureza humana, não
pode m explicar o mundo a não ser mediante o reconhecimento
das ligações necessárias de um fenô meno com outro. Mas a
natureza não tem, absolutamente, nenhuma razão para condu-
zir-se da maneira como nos é conveniente, como nós lhe pres-
crevemos .9

Com um a tal concepção da reali dade, o hom em não


poderia explicar ne nh um dos fenômenos da realidade ambiente
efinalista,
muito menos
porque poderia
baseia-semodificá-la no cursode desuasualigação
na evidenciação atividade
ne-
cessária com sua causa e com outros fenômenos, e sua mudança
orientada para uma meta precisa baseia-se nessas ligações ne-
cessá rias e em sua util izaçã o. A existênci a e a evol ução da

7
W. Theimer, Der Marxismus. Lehre-Wirkung-Kritik, Berna, 1957,
p. 49-51.
s
Bruno, Baron von Freitag-Löringhoff, Zum Problem des Zufalls,
in Philosophia Naturalis, t. 2, v. 7, p. 163.
9
J. Hessen, Das Kausalprinzip, Augsburg, 1928, p. 228.

.247
ciência e da produção testemunham, de forma evidente, que
a necessidade existe na realidade e que ela é concebida e utili-
zada pelo homem com sucesso em suas ações.
Contrariamente aos idealistas, os materialistas, como de
regra, reconhecem a existência objetiva da necessidade e
consideram-na como uma das propriedades fundamentais da
naturez a. Est ando de acordo sobre a questã o do reconhec i-
mento do caráter objetivo da necessidade, os materialistas,
entretanto, divergem fundamentalmente na resolução de outras
questões e, em particular, no que concerne ao caráter objetivo
da contingência. Alguns repres entante s do material ismo pré-
marxista, como Demócrito, Spinoza, Holbach, negavam total-
ment e a existência objetiva da contingência. Eles acreditavam
que o homem inventou a contingência para disfarçar sua igno-
rância, sua falta de conhecimentos nesse ou naquele domínio
dos fenô meno s. Segundo Demóc rit o, os hom ens invent aram o
mito do acaso para que servisse de pretexto para disfarçar sua
própria inconseqüência. Spinoza dizia que : "Mas uma coisa
só pode ser chamada de contingente relativamente à nossa falta
de conhecimento" . 10

Entre os filósofos burgueses contemporâneos, esse ponto


de vista é desenvolvido pelo filós ofo fra ncê s He nri Ber r. Ele
classifica o reconhecimento do acaso como uma "sobrevivência
do antropomorfismo primitivo" 11
. E acre dit a que essa sobre-
vivência encontra-se "exatamente quando o jogo da causalidade
nos escapa, nós falamos facilmente do acaso como de coisa
r e a l . . . " De fato, "o acas o é algum a coisa de puramente
subjetiva, de relativa a nós, ao estado de nossos conhecimen-
tos" . Segundo Berr, pelo fat o de que não conhecemos um
12

certo domínio da realidade, também não podemos prever, nesse

domínio, o aparecimento
inclinamo-nos a acreditar desse ou daquele
que esse fenômeno
fenômeno dado ée, contin-
então,
gente. Para ele o acaso não é mais do que um "capricho im-
previsto" que desaparece com o desenvolvimento do conheci-
mento.

Oeuvres de Spinoza, Ethique, Paris, 1872; t. 3, p. 187.


10

"H. Berr La synthèse en histoire, Paris, Ed. Albin Michel, 1951,


p. 57.
H. Berr, op. cit., p. 57.
1 2

.248
O filósofo alemão Bruno Baron von Freitag-Lõringhoff
declara igualmente que a contingência é o fruto da atividade
consciente do home m. "Q uan do agimos de for ma consciente
e planificada, nós a provocamos inevitavelmente" - . Ligando
1 3

o aparecimento do acaso à atividade consciente do homem, o


autor a considera como o resultado do caráter limitado de nosso
saber. "N o quad ro de nosso conhecimen to, seja ele grande ou
pequeno, ele declara, a categoria de "acaso" exprime de forma
curta e insuficiente o caráter fundamentalmente limitado de
toda explicação" . 14

Para negar a existência objetiva da contingência, a maioria


dos autores parte do caráter universal do princípio de causa-
lidade. O seu raciocínio é o seguinte: t odo fenô meno tem sua
causa independentemente do fato de que nós a conheçamos
ou nã o. A causa está sempre neces saria mente ligada ao efeito.
Sendo assim, não há fenômenos contingentes, eles são neces-
sariamente engendrados por sua causa.
A afirmação de que todos os fenômenos têm sua causa e de
que toda causa está necessariamente ligada ao seu efeito é justa.
Mas disso não decorre que eles sejam todos semelhantemente
necessários. A necessidade de sse ou daque le fenô meno ê con-
dicionada não pela necessidade de sua ligação com a causa que
o acarre ta, mas pela necessidade da causa. E isso porq ue as
causas pod em ser necessárias ou contingent es. Sabemos que
as causas dos fenômenos estão em interação entre as formações
materiais ou, então, entre os elementos, os aspectos de uma
mesma formação material.
A interação das formações materiais ou de seus elementos,
de seus aspectos, pode tanto ser contingente, isto é, devido a
um concurso de circunstâncias, quanto necessária, em razão de
sua nat urez a específica. Por exemplo, na sociedade capitalista,
o fato de que o operário venda ao empregador sua força de
trabalho e de que este seja explorado pelo último não é nem
contingente, nem devido a um concurso de circunstâncias exte-
riores, é necessário: isso ê necessariamente condicionado pelo
modo de produção dominante na sociedade capitalista e pela
situação econômica do proletariado e da burguesia, que é de-

"Bruno Baron von Freitag-Lõringhoff, op. cit., p. 166.


"Bruno Baron von Freitag-Lõringhoff, op. cit.

.249
terminada por esse modo de produção, isto é, pela própria
natureza dos aspectos em interação; e o fato de que o operário
trabalhe justamente para esse capitalista e justamente com esses
operários, e não com outros, é um fenômeno (momento) con-
tingente condicionado por uma série de circunstâncias exteriores.
O caráter necessário da correlação da causa e do efeito
não exclui, portanto,
contingência, a possibilidade
forma universal da existência
do ser, assim objetiva da
como a necessidade.
Somente que, ao contrário da necessidade, que se manifesta
no domínio da correlação dos elementos que constituem as
causas e no domínio do laço das causas com seus efeitos, a
contingência manifesta-se apenas no domínio das causas, no
domínio da interação das formações materiais (e nas forma-
ções materiais), acarretando as mudanças correspondentes.

3. A CON CEPÇ ÃO MARX ISTA


DA CORRELAÇÃO
DO NECESSÁRIO E DO CONTINGENTE
A necessidade e a contingência não existem de forma
separada, uma ao lad o da outra. Ela s encontram-se em ligação
orgânica e em interdependência e pertencem aos mesmos fenô-
menos. Cada fenôme no, cada for maç ão material é, ao mesmo
temp o, necessár io e contingen te. Alg umas de suas propr ie-
dades e ligações são condic ionad as pelas causas inte rnas e
traduzem a natureza de seus elementos formadores, outras
são condicionadas por suas causas externas, por sim interação
com o meio ambien te. Por exemplo, cada organis mo vivo,
no decorrer de seu desenvolvimento e de sua existência, ma-
nifesta uma série de propriedades que o caracterizam como
repres entant e de um a certa espécie. Essa s propr ieda des são
condicionadas por sua natureza, por seus aspectos e ligações
internos e são também programadas neles e constituem o ne-
cessário.
Por outro lado, surgem nesse organismo vivo, propriedades
quç são engendradas, pelas condições individuais de sua existên-
cia, por sua interação com outras formações materiais e com o
meio ambiente. Elas fo rm am o contingente. As propr ieda des
necessárias do organismo vivo existem nele, não ao lado das
propriedades contingentes, mas nelas mesmas, e manifestam-se

.250
por meio delas. As propriedades e as ligações contingentes são
uma fo rm a de mani fes taç ão das propri edades e das ligações
necessária s. A necess idade cria seu caminh o por meio de uma
massa de desvios contingentes que, exprimindo-a como uma
tendência, introduzem no processo o fenômeno concreto, e uma
grande quantidade de novos elementos que não decorrem da
necess idade, Po
exteriores. mas que são
r exemplo , a condicionados
dependênci a doporpreçcircuns tâncias
o da merc a-
doria da quantidade de trabalho socialmente necessária, gasta
pa ra produzi-la, existe nã o ao lado da dependência do preço
com relação a outros fatores e, em particular, com relação à
correlação entre a oferta e a procura existentes no mercado,
mas manifesta-se nela, sob a forma de tendência, mediante
uma grande quantidade de desvios nesse ou naquele sentido,
que acompanham as operações de trocas.
Pelo fato de que a necessidade é condicionada pela natu-
reza da coisa e realiza-se necessariamente, enquanto a contin-
gência é chamada à vida por circunstâncias exteriores e pode
dar-se ou não, na prática, não devemos orientar-nos pela con-
tingência, mas sim pelas propriedades e ligações necessárias.
Segue-se igualmente que o conhecimento da necessidade é uma
taref a fun dam ent al da ciênc ia. Mas, como o necessário não
existe no estad o pu ro e se manif esta medi ante um a gran de
quan tid ade de desvios contingentes, seu conhe cimen to só é
possível por meio do estudo do contingente e a colocação em
evidência, nele, das tendências necessárias.
A contingência, sendo uma forma da manifestação da ne-
cessidade é, ao mesmo tempo, seu complemento, porque ela
encerra não somente a natureza específica da formação material
estudada, mas igualmente as particularidades de outras forma-
ções materi ais com as quais ela entr a em intera ção. En co nt ra n-
do-se em correlação orgânica e em interdependência, o contin-
gente e o necessário passam um no outro no curso do movi-
mento e do desenvolvimento da formação material, do fenô-
meno, e mudam de lugar: o contingente torna-se necessário e
o necessário, contingente.
A passagem recíproca do contingente no necessário, e
vice-versa, no curso do desenvolvimento da matéria, pode ser
clara mente obs erv ada qua ndo da análise das mud anç as das
for mas animais e vegetais. Como teste munha, a Biologia, em
um passado distante, os organismos vivos existiam e desenvol-

.251
viam-se apena s na água. Mas, quando os mares secaram, os
animais aquáticos tiveram, cada vez mais freqüentemente, de
viver em terra firme e algumas espécies de peixes, sob a forma
de desvios contingentes, foram dotados de órgãos que permi-
tiam que usa sse m o oxigênio do ar. Ess es desvios, que per-
mitiram que os organismos vivos sobrevivessem em terra firme,
desenvol
abso rver veram-se
o oxigênie otrans
do forma
ar. ram-s
O reseult em
ado órg ãos é capazes
disso de
que certos
animais aquáticos adotaram um modo de vida terrestre; e, por
essa razão, suas brânquias não tinham mais utilidade e desa-
pareceram pouco a pouco, transformando-se em alguma coisa
de contingente, totalmente desligadas da natureza interna das
formações materiais em questão.
Tom em os um outro exemplo. Na socie dade primitiva a
econo mia nat ura l imperav a. Cad a comu nida de assegurava seus
próprios meios de vida. Em conseqüência do baixo nível de
desenvolvimento das forças produtivas, tudo o que era produ-
zido na comu nid ade era consumi do. Nessas condições, a
per
menmuta de um ate. produção
o contingen Mas, à por
medioutra prod
da que asuçforç
ão as
era produtiv
um fenô-as
desenvolveram-se, tornou-se possível a produção de bens
materiais que excedessem o número necessário para assegurar
a vida de seus produtores diretos, então, a permuta de uma
prod ução contra a outra expandiu-se e, com o surgimento da
pr oprieda de privada, transformou-se em um momento neces-
sário do modo de produção escravagista, surgido das ruínas do
regime da comu nida de primitiva. Assim, no processo de desen-
volviment o, o contingente tran sfo rma- se em necessário e o
necessário em contingente.
Pelo fato de que o contingente pode transformar-se em
necessário
condições eme oquenecessário em contingente,
essa passagem se conhecermos
se efetua, poderemos as
recriá-las
artificialmente e transformar as propriedades contingentes em
necessárias e vice-versa, em função de interesses práticos.

.252
X. A LEI

1. O CON CEIT O DE LE I

Como já fizemos observar no capítulo precedente, a


necessidade existe sob forma de propriedades e ligações dos
fenôm enos . Alguma s relações e ligações necessárias são cha-
mad as de lei. A lei é, por tant o, o que se mani fest a, necessa-
riamen te, nas condições apropri adas. Por exemplo, a lei do
valor, que exprime a dependência do preço da mercadoria da
quantidade de trabalho socialmente necessária para sua pro-
dução e que age necessariamente em qualquer lugar em que
haj a uma produção mercan til. Tomemo s um outro exemplo:
a lei física da dependência da resistência de um condutor e a
composição de sua substância, seu comprimento e sua secção,
que se manifesta necessariamente à cada passagem de corrente
elétrica, porque ela depende da natureza da substância, da
qual é fabricado o condutor, e das características objetivas que
lhe são próprias.
Indicando que a lei representa uma ligação necessária,
ainda não definimo s total mente sua especificidade. Efetiva-
ment e, nem todas as ligações necessárias são leis. Por exemplo,
ligações necessárias, singulares (individuais) não podem de-
semp enha r o papel de leis. A lei é unic amen te uma ligação
necessária geral, isto é, uma ligação própria a vários fenômenos.
Por exemplo, a lei do período de radioatividade, segundo
a qual, em um certo intervalo de tempo, próprio a cada subs-
tância, a metade da substância decompõe-se, qualquer que seja
a quantidade de substância considerada, manifesta-se não em
um processo radioativo qualquer, mas em todos os processos
análogos, e é própria a todas as substâncias radioativas, isto é,

253
Zfíseu Savérío Sposito
um a ligação geral. Isso concerne a qua lqu er lei da natureza ,
da sociedade e do pensamento.
Sendo uma ligação geral e iterativa, a lei é, ao mesmo
tempo, um a ligação e stável. El a existe enq uan to dura a fo rm a
do movimento da matéria (ou de um estágio dado de seu
desenvolvimento) ou do pensamen to e permane ce enquanto
existem os fenômenos que representam essa forma de movi-
ment o. Por exemplo, a lei do cond ici onam ent o da consciência
dos homens, por seu ser social, surgiu com o nascimento da
socieda de hum an a e existirá enq uant o esta últi ma existir. Um
outro exemplo: a lei do valor entrou em ação com o desmoro-
nar da comunidade primitiva e permaneceu efetiva nas socieda-
des escravagista e feudal, é ainda efetiva na sociedade capitalista
e conti nua a existir inclusive nas condições do socialismo. Essa
lei só será afastada com a construção do comunismo no mundo
inteiro, quan do a neces sidade da p ro du çã o mercan til tiver
desaparecido completamente.

2. AS LEIS DIN ÂMIC AS


E ESTATÍSTICAS

Manifestando-se como ligações (relações), as leis apare-


cem em uma grande quantidade de fenôm enos . Entre tant o, a
fo rm a de sua mani fest ação varia. Al gum as leis agem em cada
um dos fenômenos (ou formações materiais) que representam
esse ou aquele domínio da realidade, enquanto que outras agem
apena s na massa dos fenôm enos. As prim eira s leis, habitu al-
mente, são denominadas leis dinâmicas, e as segundas, leis
estatísticas.
Como exemplo de leis dinâmicas, podemos citar a lei de
Ohm, que exprime a dependência da resistência do condutor,
da composição de sua substância, da superfície de sua secção
e de seu compr iment o. Essa lei conc erne uma grande quanti-
dade de condutores diferentes e age em cada condutor particular.
Um outro exemplo de lei dinâmica pode ser fornecido pelo laço
descober to por Fa ra da y entre a subst ância que aparece nos
elétrodos e a eletricidade que atravessa o eletrólito, essa lei
exprime a dependência proporcional da massa da substância
descarregada sobre o elétrodo e da quantidade de eletricidade
que atravessou o eletrólito. Ess a lei é um a característica de

.254
todos os casos de passagem da corrente através de um eletrólito
e manifesta-se em cada um deles.
A correlação das mudanças de pressão do gás e seu volume
a uma temperatura constante, evidenciada por Mariotte e Boyle,
tem um caráter estatístico. Es sa lei é concern ente apenas à

massa das moléculas


constituem esse ou que se deslocam
aquele volu me dedomaneira
gás. caótica
Um a emolécula
que
isolada não é submet ida a essa lei. Ent ret ant o, chocando-se
com outras moléculas, a molécula modifica a direção de seu
movime nto e sua veloci dade. Em conseqüê ncia, a for ça com
a qual essa ou aquela molécula de gás atinge a parede do reci-
piente é contingente, depende de um a quantidade infinita de
circunstâncias. Mas, medi ant e essas inúme ras mudan ças da
velocidade do movimento e, portanto, da força de impacto
sobre a par ede do recipient e das difere ntes moléculas que
constituem esse volume, nasce uma lei determinada: a pressão
do gás é inversamente proporcional a seu volume.

As leis
vimento das da mecânica quântica,
micropartículas relacionando-se
são igualmente com o não
estatísticas; mo-
podem definir o movimento de cada uma das partículas, ma s
determinam o movimento dos grupos de partículas dessa ou
daquela multiplicidade.
As leis dinâmicas têm a particularidade distintiva de per-
mitir a previsão, de forma bastante precisa, do surgimento do
fenômeno correspondente e a modificação de suas propriedades
e estado s. Por exemplo , apoi ando -se na lei da dependênc ia
proporcional da massa da substância que se desprende sobre
o elétrodo com relação à quantidade de eletricidade que atra-
vessa o eletrólito, podemos prever com exatidão a quantidade
de substância que será
Ao contrário das desprendida em um
leis dinâmicas, casoestatísticas
as leis preciso. não
permitem que se preveja com exatidão, o aparecimento ou o
não-aparecimento de algo denominado concreto, nem a direção
e o caráter da mudança dessas ou daquelas de suas caracterís-
ticas. Basea dos nas leis estatísticas , não podemo s definir o grau
de probabilidade, nem o do surgimento ou da modificação do
fenômeno correspondente.

.255
3. AS LEIS GER AIS
E AS ESPECIFICAS, SUA RELAÇÃO

Embora todas as leis sejam ligações (relações) gerais, nem


todas ag em nos mesmos círculos de fenôme nos. Alguma s
dentre
um elas mais
círculo abarcam um grande círculo de coisas e, outras,
restrito.
As leis que agem em um grande círculo de fenômenos são,
com relação às leis que agem em um círculo mais restrito, leis
gerais, enquanto que as segundas são as leis específicas ou
particulares.
Por exemplo, a lei da dependência das propriedades dos
elementos químicos, em relação à carga do núcleo atômico, que
é aplicada a todos os elementos químicos, é geral em relação à
lei do deslocamento de Soddy-Fajans, que concerne unicamente
aos elementos radioativos.
O conceito de lei geral e, em conseqüência, o de lei par-
ticular são relativos. Um a mesma le i, em diferentes cond ições,
pode ser geral ou particular. Com relação à lei que é con-
cernente a um grande círculo de fenômenos, esta será particular,
e com relação à lei que age em um círculo mais restrito, esta
será geral. Po r exem plo , a lei do val or, com rela ção à lei da
correspondência do caráter das relações de produção ao nível
de desenvolvimen to das for ças produtiv as, é partic ular, pelo
fato de que ela não age em todas as sociedades, como a pri-
meira, mas apenas ond e existe uma pro duç ão mercantil. Mas,
em relação à lei da mais valia, ela é geral, pelo fato de que
essa última manifesta-se em um círculo mais restrito de fenô-
menos: a ação da lei da mais valia está ligada não a toda a
produção mercantil, mas somente à produção mercantil capita-
lista.
Ao lado dessas leis que, em função de relações concretas,
podem agir como gerais ou como particulares, há outras leis
que, sob qual quer rela ção, são ge rais. Essas le is são chamadas
universais. E são própri as a tod os os domínios da realida de.
Em relação a elas, todas as outras leis são particulares, pelo
fato de que elas só estão ligadas a alguns domínios da realidade.
As leis universais são estudad as pela Filos ofia. E as leis
ligadas a essa ou àquela forma de movimento, de matéria, são
estudadas pelas ciências particulares.

.256
Como agem as leis part icu lare s e as leis gerais? As leis
gerais podem agir de forma autônoma e manifestar-se por meio
das leis particulares quando tanto umas, quanto as outras são
concernentes às mesma s ligaçõe s (rela çõe s). Qua ndo as leis
gerais e particulares concernem a ligações diferentes (relações),
elas agem e existem lado a lado.
Tomemos como exemplo a lei do deslocamento de Soddy-
Faia ns. Segundo essa lei, um átomo de um elemento radio ativ o,
submetido a uma desagregação, sofre as seguintes transforma-
ções: pela emisssão de uma partícula alfa, a carga do núcleo
do elemento inicial diminui de duas unidades. Em cons eqüên -
cia, o elemento é deslocado duas colunas à esquerda, no quadro
periódico dos elementos, em relação ao elemento inicial. Com
a emissão de uma partícula beta, aparece um novo elemento,
que é deslocado de uma coluna à direita, em relação ao elemento
inicial, de acordo com o aumento da carga do núcleo e em
conseqüência do aumento de uma unidade no número atômico.
Essa lei, sendo geral, existe mediante as leis esoecíficas, seu
conteúdo constitui apen as um moment o ou um aspecto do
conteúdo das leis específicas. Por exemplo, o rádio, q uan do
desagr ega-se , tra nsf orma -se em radôni o. É uma lei específic a
para o rádio. Ela fixa a transformação do rádio em radônio.
Mas um dos momentos dessa transformação é o deslocamento
de duas colunas à esquer da no quadr o periód ico. Esse momen-
to, o deslocamento de duas colunas à esquerda, é repetido por
todos os outros elementos radioativos, quando da emissão de
uma partícula alfa pelos núcleos de seus átomos. Out ros mo-
mentos, como, por exemplo, a transformação, quando da desa-
gregação alfa, do rádio precisamente em radônio, e não em
um outro elemento químico qualquer, não se repetem entre
todos os outros elementos radioativos, eles são próprios unica-
mente aos átom os do rádio. O urâni o nos forne ce um exemplo
análogo. Qua ndo da desagregação alfa, o urânio tra nsf orm a-
se em tório que se encontra, por sua vez, duas colunas mais à
esquerda, no quadro periódico, isto é, o tório possui uma carga
atômica duas unid ades inferior à do urânio. A tra nsf orm açã o
em tório é uma lei válida unicamente para o urânio, mas, na
qualidade de momento no conteúdo dessa lei, encontramos o
deslocamento de duas colunas à esquerda, que é comum a todos
os elementos radioativos.

.257
Essa manifestação da lei geral por meio das leis específicas
não se deve ao acaso: ela é concernente à mesma ligação da
mesma relação. Ou tr o exem plo : a lei geral da constânci a da
composição química age por meio de leis particulares que in-
dicam quais os elementos e em qual correlação constituem essas
ou aquelas associações (c om bi naç õe s) . Isso se pro duz porqu e
a primeira
mesmas e as segundas concernem às mesmas ligações, às
relações.
Descobrimos também outra coisa na correlação da lei geral
de Mariotte-Boyle, concernente a todos os gases ideais e que
indica que, para uma massa dada, à temperatura constante, a
pressão do gás é inversamente proporcional a seu volume, e
descobrimos também que a lei particular de Dalton, que se
relaciona não a todos os gases ideais, mas unicamente àqueles
que estão presentes na mistura com outros gases ideais, deter-
mina a ligação entre a pressão particular do gás constituinte
dessa mistu ra. Essas duas leis existem lad o a lad o, mas seu
conteúdo absolutamente não coincide.
Aqui, as leis gerais e particulares são concernentes às dife-
rentes relações e ligações. Se a prim eira lei, a de Mari ott e-
Boyle, caracteriza a correlação entre a pressão e o volume do
gás em condições determinadas, a segunda, a de Dalton, define
a correlação entre a pres são geral da mist ura e a pressã o
particular dos diferentes gases que constituem essa mistura.
Encontramos uma situação análoga a essa na correlação
da lei da correspondência do caráter das relações de produção
com o nível do desenvolvimento das forças produtivas (lei geral)
e a lei fundamental econômica do socialismo que exige a sa-
tisfação máxima das necess idades materi ais e culturais dos

homens,
baseada emgraças ao desenvol
uma técnica vimento
altamente da pro duç
desenvolvida ão particular).
(lei socialista,
A primeira caracteriza o laço entre o nível de desenvolvimento
das forças produtivas e as relações de produção, e a segunda,
o laço entre o crescimento contínuo da produção e as necessi-
dades dos homens . O conte údo da primeira lei indica a neces-
sidade de mudar as relações de produção na medida em que
se processa o desenvolvimento das forças produtivas, o conteúdo
da segunda indica a finalidade da produção e os meios de
atingi-la. No que conce rne às diferentes relações e ligações,
essas leis não podem manifestar-se uma por meio da outra e
agem de forma totalmente autônoma, uma ao lado da outra.

.258
Embora autônomas, não estão isoladas, mas, pelo contrário,
estão organicamente ligadas; essa interdependência distingue-se,
entretanto, radicalmente da manifestação de algumas leis por
meio de outras.
A correlação que examinamos aqui, entre leis gerais e
específicas, decorre das leis universais do desenvolvimento da
matér ia. No proce sso do desenvolviment o realiza-se a neg açã o
de algumas for maç ões materiai s e o apareciment o de out ras
que representam um grau mais elev ado. Tod a for maç ão ma-
terial de um estágio mais elevado de desenvolvimento inclui,
sob uma forma anulada (transformada), o que era próprio à
formação de um estágio inferior de desenvolvimento, isto é,
retém tudo o que era positivo, tudo o que foi obtido pela ma-
téria em sua evoluç ão ante rior . Mas, ao lado disso, ent re as
formações materiais de um estágio mais elevado de evolução,
aparecem novas propriedades específicas que provêm do apa-
reciment o de novo s mod os de inte ração , de ligações e de
relações novas. Po r exempl o, qua ndo da passagem do átomo
à molécula, esta última, retendo tudo o que era condicionado
pela interação das partículas "elementares", que constituem
esse átomo, adquire novas propriedades específicas, condicio-
nadas pelas novas relações, pelo novo modo de interação —
inte ração dos áto mos entr e si. Qua ndo da passa gem das
formas de vida não celular para os organismos celulares, estes
últimos conservam algumas relações e ligações próprias aos
primeiros e, ao mesmo tempo, for ma m um novo sistema de
ligaçõe s e de rela ções . A mes ma coisa acontece qu an do da
passagem, na sociedade, de uma fo rm açã o econômica a outra.
Mas, pelo fato de que, quando da passagem da matéria
de um estágio de desenvolvimento a outro, relações e ligações
novas aparecem nas novas formações materiais, ao lado das
antigas leis que agiam nas formações materiais dos estágios
inferiores de desenvolvimento, leis específicas novas também
entram em jogo, com o nascimento de novas ligações e relações
específicas. Assim, na molécul a, ao lado das leis que regiam
a relação das partículas "elementares", que constituíam os
átomos, começam a agir novas leis que regem a relação dos
átomos . Na soci edade socialista, ao lado de certas leis pró pri as
às formações precedentes (leis da correspondência das relações
de produção, no nível do desenvolvimento das forças produti-
vas, leis da produção em expansão etc.), começam a agir novas

.259
leis (lei fundamental do socialismo, lei da distribuição social,
segundo o tra bal ho etc .). Essa s novas leis são específicas em
relação às antigas leis, que passaram para as novas formações
materiais com as antigas relações e ligações que sobreviveram.
As antigas leis são gerais, pelo fato de que as primeiras agem
unicamente nas formações materiais que representam o grau
superioralém
agem, dadodisso,
do desenvolvimento, enquantode que
nas formações materiais todosas ossegundas
estágios
inferiores do desenvolvimento.
Sendo específicas, essas novas leis não podem ser a forma
de manifestação das leis antigas, porque regem relações quali-
tativamente novas, que refletem o novo grau, mais elevado de
desenvolvimento de uma classe dada de fenômenos.
Consideramos, aqui, a relação das leis gerais e específicas
estudadas pelas ciên cias particula res. Mas o que acontece na
correlação das leis da dialética e das leis das ciências particula-
res? As leis da dialética são univers ais e só se man ifestam por
meio de outras leis que são particulares em relação a elas.
Por exemplo, a lei da passagem das mudan ças quantit ativas
para as qualitativas não se manifesta fora das leis particulares,
concretas, da correlação das mudanças qualitativas e quantitati-
vas, próprias às formas concretas do movimento da matéria e
aos fen ôme nos concretos, mas age somente por mei o deles. A
lei da unidade e da luta dos contrários comporta-se de forma
análoga. Agi ndo em cada fenô meno concreto, ela manifes ta-
se por meio das leis gerais e específicas que caracterizam a uni-
dade e a luta dos aspectos opostos d esse fen ôme no. E o
mesmo acontece com outras leis gerais que a filosofia marxista
estuda. As leis da dialética manifes tam-se por meio das leis
particulares e específicas e estão organicamente ligadas com
todo seu conteúdo, mas elas têm, entretanto, seu conteúdo
particular, que permite que se diga que elas são leis autônomas.
Seu cont eúdo part icul ar é precisamente o que se repete em
todas as leis e processos particulare s corres ponden tes. O que
é específico, particular para cada domínio concreto em que se
manifesta essa ou aquela lei da dialética, não entra no conteúdo
da lei universal.
Analisando a lei da negação da negação, Engels escreveu
que: " ( . . . ) Eu não digo abso lutam ente nada do proce sso de
desenvolvimento particular seguido, por exemplo, pelo grão de
cevada, desde a germinação até o enfraquecimento da planta

.260
que traz o fruto, quando digo que ele é a negação da negação.
Com efeito... o cálculo diferencial é igualmente negação da
n e ga ç ã o . .. Se eu disser de todos esses processos que eles são
a negação da negação, estou entendendo-os todos conjunta-
mente, sob essa única lei do movimento e, por esse fato, não
levo precisamente em conta as particularidades de cada processo
especial,
caracterizatomado
esse ouà aquele
parte" processo
. O particular
concreto, (esp ecífi co), o que
1

constitui precisa-
mente o conteúdo fundamental das leis específicas, particulares.
É exatamente por isso que o conhecimento dessa ou daquela
lei da dialétic a, é insufi ciente par a ori ent ar esse ou aquele
processo concreto. É preciso, antes de tudo, conhecer as leis
específicas, particulares, que regem o processo concreto dado.
Assim, as leis da dialética, sendo leis universais, agem
em todas as esferas do movimento da matéria e têm seu con-
teúdo particular, que permite distingui-las das outras leis,
menos gerais. Ent ret ant o, elas não agem de for ma autô noma,
mas somente por meio de outras leis que são, em relação a
elas, leis específicas.
Aqui, podemos encontrar a mesma lógica: as leis gerais
dadas manifestam-se por meio de outras, específicas, somente
porque elas são concernentes às mesmas relações e ligações.
Se as leis da dialética existem e se manifestam unicamente
po r meio de leis específicas estudadas pelas ciências concretas,
o método geral de conhecimento e de ação elaborado a partir
delas deve ser aplicado, em cada caso concreto, de forma par-
ticular e somente por meio de leis específicas que estão a seu
serviço nos fenômenos estudados.
O método elaborado a partir das leis gerais descobertas
pelas ciências concretas só pode ser aplicado ao conhecimento
de fen ôme nos nos quais essas leis gerais agem. Po r exemp lo,
o método de conhecimento, elaborado com base na lei geral
(para todas as formações econômicas e sociais) da correspon-
dência do caráter das relações de produção e do nível de desen-
volvimento das forças produtivas, ou com base na lei do papel
determinante da base econômica em relação à superestrutura,
não pode ser aplicado ao conhecimento das leis do desenvol-
vimento e do funcionamento da língua, porque essas leis gerais

"F. Engels, Anti-Dühring, p. 171-2.

.261
nã o <se man ife st am por meio dessas últ imas . Ma s esse método
é sempre aplicável, por exemplo, ao conhecimento das leis
específicas da interação da base e da superestrutura na socie-
dade socialista, ou ao das leis específicas da correspondência
das relações de produção socialistas com as forças produtivas,
que existem na sociedade socialista, e que se manifestam, é
claro, por meio das leis específicas dessa formação.

.262
XI. O CONTEÚDO E A FORMA

1. OS CON CEI TOS


DE CONTEÚDO E DE FORMA

Os conceitos de "conteúdo" e de "forma" são definidos de


maneira diferente.
Certos autores consideram que o conteúdo, enquanto cate-
goria filosófica, designa o conjunto dos elementos, dos aspectos
que constituem uma coisa dada, um objeto dado .
1

Entretanto, vários outros autores opõem-se a essa defini-


ção de conteúd o. Eles a consi deram como não-dialét ica. E,
em nossa opinião, el es têm râz ão. Com efeito, ela per de de
vista a atividade do conteúdo que é representado, aqui, como
inerte, em estado de repou so, desp rovi do de vitalidade. O
conteúdo não pode ser o simples conjunto dos elementos ou
aspectos que constituem a coisa, ele é um processo no qual
todos esses elementos e aspectos encontram-se constantemente
em interação, em movimento, mudam-se um no outro e mani-
festam às vezes uma, às vezes outra de suas propriedades.
A concepção de conteúdo como aspecto principal, funda-
mento da coisa, definindo o determinismo qualitativo e mani-
festando-se em todas as suas propriedades, é muito difundidas.
Definir o conteúdo como fundamento das coisas significa
identific á-lo com a essência, mas estes são coisas diferentes. A
essência é o que é estável, o que permanece na coisa, enquanto

x
O materialismo dialético e as ciências naturais contemporâneas,
Mo sc ou, 1957 , p. 340. Origina l em rus so.
2
F. T. Zunnurov, Conteúdo e forma,Vo lgo gra do, 1957, p. 3. Ori-
ginal em russo.

.263
i o cont eúdo é o que se desl oca, o que é instável, em movim ento
; perman ente, o que se renov a; a essência represe nta o geral n a
\ coisa, no objeto, o cont eúdo repr esent a sempre o individual e
; inclui em si mes mo ta nt o o geral , com o o singular ; a essência
j é o necessário na coisa, o conteúdo é a unidade do necessário
j e do contingente.
Identificando o conteúdo com o elemento principal, fun-
damental da coisa, esses autores entendem, pela forma, a estru-
tura interna do conte údo. Mas se o conte údo é o funda ment al
e o principal, na coisa, e sua forma é a estrutura interna do
conteúdo, então: primeiro, na coisa, no objeto, apenas o prin-
cipal, o fun dam ent al devem ter u ma fo rma, um conteú do;
quanto ao acessório, ao não-fundamental, este deverá represen-
tar alguma coisa de informe, de amorfo, de indeterminado, vazio
de conteúd o; segundo, além do conte údo e da form a, deve
haver na coisa algo que não seja nem o conteúdo, nem a forma.
Tanto o primeiro como o segundo pontos contradizem o estado
real das coisas. No objet o, tu do — o fund amen tal e o não-
fundamental, o principal e o acessório — tem seu conteúdo
e sua forma; sua estrutura; no objeto, não há aspectos, momen-
tos ou propriedades que não se relacionem nem ao conteúdo,
nem à form a. Medi ant e as categorias de "co nte údo " e de
"forma", o homem desdobra a coisa em dois aspectos contrá-
rios, organicamente ligados e que se mudam um no outro e
incluem o ser da coisa.
Definindo o conteúdo, salientamos, às vezes, que ele re-
presenta o domínio do interior na coisa, que ele é o conjunto
dos processos internos das propriedades.
Se o conteúdo constitui o domínio do interior que é,
vejamos bem,cont
int erna do oposto
eúdo ,à forma, a forma
ela deve não expressão
ser sua pode ser aexterio
estrutura
r. A
essas conclusões chegam inevitavelmente os autores das defini-
ções consideradas.
Refletir o interior não é a função específica da categoria
de "conteúdo", assim como refletir o exterior não é a função
específica da categoria de "f or ma ". As categorias de "ext erio r"
e de "interior" são o reflexo da especificidade do exterior e
do interior. Além disso, o inte rior, enquan to necessário na
coisa e constituindo sua natureza, e o exterior, na qualidade
de manife staçã o dessa mes ma nat ure za e desse necessário,

.264
mediante uma grande quantidade de desvios contingentes,
refletem-se nas categorias de "essência" e de "fenômeno".
A especificidade, para a categoria de "conteúdo", é a de
refletir o conj unt o dos processos próprios à coisa. Um a par te
dentre eles é concernente ao domínio interior e a outra parte
ao domínio exterior. Por exemplo, no conteúdo d esse ou da-
quele organismo
desenrolam vivo entram
no interior não apenasmas
do organismo, os processos que seo
também todo
comportamento do organismo, todas as ações que ele produz
em respos ta aos fat ores exteriores correspondente s. O cont eúdo
do homem, na qualidade de ser social, será constituído não
somente pelos processos que se desenvolvem nele, como sujeito,
mas também por aqueles (e essencialmente por estes) que estão
ligados à ação finalista sobre o mundo exterior e à sua inte-
raç ão com outr os homen s. O conteú do desse ou daquele objeto
é formado não somente pelas interações que existem entre os
elementos e os aspectos que o constituem, mas também pelas
ações que ele exerce sobre os outros objetos ao seu redor.

entre Oos específico


elementos,para a categoriaque
os momentos de constituem
"forma" é orefletir o laço
conteúdo da
estrutura do conteúdo e não da manifestação, não da expressão
do interior no exterior . Sendo uma estrutura do conte údo que
inclui tanto os processos internos, como os externos da coisa,
do objeto, a forma penetra tanto no domínio interior, como no
domínio exterior, tanto na essência, como no fenômeno.

2 CRITICA
DAS CONCEPÇÕES IDEALISTAS
E METAFÍSICAS
DE CONTEÜDO E DE FORMA
Na história da Filosofia, alguns autores separam metafisi
camente o conteúdo e a forma e tentam fundamentar sua exis-
tência como aut ôno ma e indep enden te. Fo i exata mente assim
que Aristóteles apresentou a correlação do conteúdo e da forma.
Segundo sua doutrina, o conteúdo e a forma existem primeira
mente em si, inde pende ntem ente um do outro. E é a penas
depois, quando da formação de uma coisa determinada, que
eles se encon tram em correl ação orgânica. Assim, um cont eúdo
puro, desprovido de qualquer forma será, para Aristóteles, a

.265
"matéria primeira", a matéria que se encontra na base de todas
as coisas existentes. Ao mes mo tem po, Aristót eles prop õe uma
forma pura — Deus — que para ele desempenha o papel de
forma de todas as formas.
A separação entre a forma e o conteúdo é, na obra de
Aristóteles, a conseqüênci
qu e encon tram os em suas a conce
inevitável
pçõe s da
filos tendên
óficas cia idealista
e de uma
aprox imaç ão metafís ica que coexiste em sua dout rina com
alguns elementos isolados da dialética.
O método idealista, que observamos na obra de Aristóte-
les, da resolução do problema da correlação do conteúdo e da
forma, foi desenvolvido na filosofia burguesa contemporânea.
Certos autores e sábios contemporâneos levaram ao extremo a
separ ação do conte údo e da fo rm a. Nã o somente e les reco-
nhecem a existência de uma forma pura, mas declaram-na,
tamb ém, a única fo rm a do ser. Rec onh ece r a existênci a real
do conteúdo é, na opinião deles, uma concessão ao materia-
lismo,
cimentoporque esse reconhecimento
da existência da matéria. pode conduzir ao reconhe-
Essa é a idéia que é defendida, por exemplo, pelo físico
contemporâne o Erwi n Schrõdinger. Quan do ele "cria " sua
concepção idealista do mundo, que nega a existência objetiva
da matéria, do substrato material, ele declara que a forma não
pode ser indissoluvelmente ligada ao conteúdo, que ela pode
existir sem o conteúdo, no estado puro, que o conteúdo absolu-
tam ent e nã o existe, que as part ícul as "el emen tare s" que se
encontram à base do mund o repre sent am uma for ma pura. Ele
escreveu que: "Quando ouvimos pronunciar as palavras "figura"
ou "forma", o hábito da linguagem cotidiana nos induz ao
erro e parece exigir que seja a figura ou a forma de alguma
coisa, que ha ja um subst rato mat eri al a essa for ma . No plan o
científico, essa atitude nos faz reaproximar de Aristóteles, de
suas causa materialis e causa jormális. Mas qua ndo chegamos
às partículas elementares, que constituem a matéria, verifica-
mos que não há nenhum ponto de vista sobre elas, enquanto
forma doras da próp ria matéria . Ela s são, e isso desde sempre,
uma forma pura, nada além de uma forma, o que nos remete
cada vez mais a um estudo aprofundado dessa forma e não ao
estudo de uma partícula individual da matéria" . 3

E. Schrõdinger, Science and humanism.


S
Physics in our time, Cam-
brid ge, 1952, p. 21.

.266
Tod os esses raciocí nios contra dizem a reali dade. No
mun do real não existe nen hum a for ma pura . Tod a forma, todo
sistema relativamente estável de ligações é um sistema de ligação
desses ou daqueles elementos da realidade objetiva, uma estru-
tur a relat ivamen te estável dos proces sos materiais . Em outr os
termos, toda figura é organicamente ligada a um certo conteúdo,
do qual ela é a estrutura.
Grõbner, professor da Universidade de Innsbruk, apre-
senta um ponto de vista fund amen tal ment e ideali sta sobre a
relaçã o do conteúdo e da for ma. Caracterizando os fenôme -
nos observados no mundo, ele afirma que eles são considerados
"como estruturas" de dados que são organizados segundo certas
leis matem ática s e geométri cas. Assim , o "elét ron não é, na
realidade, nada além do que uma estrutura, nascida dos resul-
tad os da s med id as .. . " .4

Mas se as partículas "elementares" não representam nada


mais do que form as puras , as "e stru turas " são construídas

pelos
objetivahomens segundo aspelas
tudo é constituído leispartículas
matemáticas, e se naentão
"elementares", realidade
a matéria, enquant o real idad e objetiva, desapa rece. A cons-
ciência, que cria todas as estruturas lógicas possíveis — as
"formas puras" — e que as transfere para o mundo dos fenô-
menos observados, torna-se determinante.
O carát er ideali sta desses raciocí nios é evidente. Não há
nenhuma "forma" não material na realidade objetiva e nem
po de haver. Toda forma existente no mundo exterior é a es-
trut ura dessa ou daquel a for maç ão material. Quanto às estru-
turas elaboradas e expressas por fórmulas matemáticas e lógi-
cas, essas também não são formas puras, mas encerram um
conteúdo determinado
correlação que reflete
entre os elementos direta ou do
correspondentes indiretamente
mundo exte-a
rior. Est ando , de um a manei ra ou de outra, li gadas às form a-
ções materiais, essas estruturas não somente não podem ser
introduzidas no mundo dos fenômenos, determiná-los e orde-
ná-los, mas aind a, elas próp rias , são deduzidas do mu nd o
exterior e são determinadas por ligações e relações das forma-
ções materiais, pelas estruturas que lhes são próprias.
Assim, os raciocínios sobre a existência de formas puras
contradizem a realidade.

4
W. Grõbner, Scientia, ano 51, 1957, n. 1, série 6, p. 4.

.267
3. LEIS DA COR REL AÇÃ O
DO CONTEÚDO
E DA FORMA

Na realidade, toda forma está organicamente ligada ao


conteúdo, é uma forma de ligação dos processos que o consti-
tuem. A forma e o conteúdo estando em correlação orgânica,
dependem um do outro, e essa dependência não é equivalente.
O papel determinante nas relações conteúdo-forma é desem-
penhado pelo conteúdo.' Ele "determina a for ma e suas mu-
danças àcaríeía~m "mu danç as correspo ndentes da for ma. Por
sua vez, a forma reage sobre o conteúdo, contribui para seu
desenvolvimento ou o refreia.
Pelo fato de que o conteúdo representa o conjunto dos
processos e das mudanças que ele acarreta, próprias a uma
formação dada, ele está ligado ao movimento absoluto, que
é uma característica de toda formaçã o material. A for ma está
ligada ao repouso relativo, porque ela é um sistema relativa-
mente estável de ligações de momentos (elementos) do con-
teúdo. Es ta nd o ligado a um movime nto absoluto , o cont eúdo
muda constantemente, enquanto que a forma, que deve seu
aparecimento e sua existência a um repouso relativo, perma-
nece imutável e estável durante um tempo mais ou menos longo.
Inicialmente, as mudanças que se produzem no conteúdo
não influem no sistema relativamente estável das ligações da
forma; elas instalam-se completamente em seu quadro e, por
esse fato, o cont eúdo evolui ráp id a e imperio samente . Mas há
um ponto em que as mudanças no conteúdo atingem um nível
em que os quadros desse sistema de correlação tornam-se muito
estreitos. O sistema rela tiva ment e estável começa a entrav ar
o desenvolviment o do conte údo, a reprimi -lo. Nesse estágio
de desenvolvimento do conteúdo, a forma deixa, de corresponder
ao conteúdo, contrariamente ao primeiro estágio, em que ela
correspondia-lhe e dava-lhe toda possibilidade de desenvolvi-
mento. A não-co rrespo ndênci a da for ma com o novo conteúdo,
à medida que esse se desenvolve, torna-se sempre mais aguda
e finalmente um conflito explode entre o conteúdo e a forma:
o novo conteúdo rejeita a antiga forma, destrói o sistema rela-
tivamente estável de movimento e, baseado em um novo sistema
relativamente estável de movimento (isto é, da forma), trans-
forma-se, passando a um outro nível qualitativo.

.268
Inicialmente, a nova forma corresponde a seu conteúdo,
dá-lhe toda possibi lidade de se expandir, então o- conte údo
começa a desenvolver-s e impetuosa mente. Mas, no curso d e
seu desenvolvimento, chega a um estágio em que a forma co-
meça novamente a comprimi-lo, a refrear seu desenvolvimento,
donde o aparecimento de uma discordância entre a forma e o
conteú do que, em dec orrência do desenvolvimento, leva à
rejeição da antiga forma, inserindo-se nessa nova forma que,
em decorrência do desenvolvimento, conhece a mesma sorte.
E assim sucessivamente até o infinito.
A matéria desenvolve-se por meio da luta do conteúdo e
da forma, da rejeição da antiga forma e da criação de uma
forma nova.
Quando, na literatura, falamos da rejeição e da destruição
da antiga forma e da criação de uma forma nova, temos, em
geral, em vista as mudanças na forma que a adaptam ao desen-
volviment o do cont eúdo no quad ro da antiga for ma. O resul-
tado disso é que o conteúdo da nova formação material e do
novo estado qualitativo, surgido em decorrência da substituição
da antiga forma pela nova, é criado inteiramente no seio da
antiga formação material ou do antigo estado qualitativo, e o
salto em decorrência do qual foi quebrada a antiga forma e
criada a nova não representa uma modificação qualitativa do
conteúdo, mas unicamente a aquisição, para ele, de uma nova
for ma. Tu do isso contradi z o estado real das coisas. Na reali-
dade, o processo da destruição da antiga forma é um processo
de transf orma ção qualitati va radical do conteúdo. Quan do
dessa destruição, certas interações e processos são eliminados,
enquanto outros aparecem e outros ainda mudam de forma.
Por exemplo, quando é quebrado o sistema de ligação ca-
racterístico das moléculas do octano e das moléculas do oxigê-
nio, dur ant e a combus tão da essênc ia, e que se fo rma um
sistema de ligações próprio às moléculas do gás carbônico e
da água, em decorrência dessa reação química, produz-se não
somente uma mudança qualitativa do conteúdo, uma transfor-
mação não somente da estrutura das moléculas e das substân-
cias que participam da reação, mas igualmente das próprias
substâncias . As moléculas de octano, quan do da combu stão
da essência, são submetidas ao choque das moléculas de oxigê-
nio e são destruí das ao mesmo tempo que as última s. As
forças que unem, nas moléculas da essência, um ou dois átomos

.269
de carbono e um átomo de hidrogênio, assim como as forças
que unem dois áto mos de oxigênio em um a moléc ula de
oxigênio, não podem opôr-se, como se diz na química, à afini-
dade mais forte entre os átomos de oxigênio, por um lado e
os átomos de ca rbo no e de hidrogê nio, por out ro. Po r isso,
as antigas interações dos átomos das moléculas (conteúdo) são
destruídas e os átomos reagrupam-se e criam novas formações
estáveis com um novo sistema relativamente estável de ligações
(forma) e um novo conteúdo, ou seja, moléculas de gás car-
bônico e de água. As substâncias que aparecem em decorrência
dessas mudanças possuem, assim, não somente as novas estru-
turas (forma), mas igualmente um conteúdo novo, qualitati-
vamente diferente daquele das substâncias iniciais.

4. PA RT E E TOD O,
ELEMENTO E ESTRUTURA
Quando analisamos a coisa do ponto de vista de seu
conteúdo, este apar ece como um todo, como o con jun to de
todos os processos que lhe são próprios e que incluem um
sistema relativamente estável de ligações, no quadro do qual
esses process os se desenvolve m. É exat amen te ness a fo rm a
global, nessa totalidade, que o conteúdo se relaciona com a
for ma. Mas , à med ida que se dá o desenvol vimento do conhe-
cimento do obje to, a caracte rísti ca global de seu cont eúdo
torna-se insuficiente e um estudo mais detalhado dos diferentes
momentos do conteúdo, assim como dos processos e relações
que o constit uem, torn a-s e necessári o. O cont eúdo decom põe-
se em partes qualitativamente isoladas, e a análise dessas partes
conduz à necessidade de colocar em evidência as leis de sua
correl ação m út ua com o tod o. Essas leis da corr elaç ão das
partes isoladas, com o todo que as contém, refletem-se nas
categorias de "todo" e de "parte"; as leis da correlação das
partes entre elas, no qu adr o do todo, refletem-se nas categorias
de "elementos" e de "estrutura".
A parte é o objeto (processo, fenôme no, rela ção) que
entra na composição de um outro objeto (processo, fenômeno,
relação) e que se manifesta na qualidade de momento de seu
conteúdo. O tod o represe nta o objeto (proces so e fe nô me no ),
incluindo em si, na qualidade de parte constitutiva, outros obje-
tos organicamente ligados entre eles (fenômenos, processos,

.270
relações) e possuind o propriedades que não se reduzem às
propriedades das partes que o constituem.
Cada formação material representa um todo constituído
de partes bem determinada s. Por exemplo, a molécul a da
água, enquanto todo, é constituída por um átomo de oxigênio
e por dois áto mos de hidrogênio. Na moléc ula da água, ao
redor do núcleo de oxigênio, gravitam dez elétrons, sendo que
a primeira camada conta com dois elétrons e a segunda camada
com oito. De nt re esses oito elétrons, quat ro gravitam unica-
mente ao redor do núcleo do átomo do oxigênio e os quatro
outros são comuns: dois com um átomo de hidrogênio,
dois com o outro; eles gravitam não somente ao redor do
núcleo do át omo de hidrogênio. Em deco rrên cia disso,
na molécula da água, os átomos de oxigênio e de hidro-
gênio estão organicamente ligados e formam um todo úni-
co que possui uma nova qualidade distinta daquelas do
oxigênio e do hidrogê nio. Cada átomo e cada elétron que
entra na molécula da água, sendo uma parte do todo, não se
perde nesse tod o, não se funde com sua qualidade, mas conserva
seu determinismo qualitativo específico, possui uma certa
autonomia e independência, o que lhe permite ocupar um
lugar determinado no todo e desempenhar um papel bem defi-
nido. A molécula representa, portant o, um to do desmembrado
complexo que inclui certas partes, tendo seu próprio conteúdo
específico. Ma s seu cont eúdo específico, seu pap el específico
no todo é determinado não somente pela sua natureza especí-
fica, mas igual mente pela natureza g eral do tod o. É por isso
que eles não se manifestam no papel específico de forma inde-
pendente, ma s como uma parte do todo. Por outro lado, a
natur eza geral do tod o, no caso da mol écula, dep end e da
natureza específica de suas partes constitutivas e, em particular,
dos átomos.
Por isso, o desmembramento da formação material em
partes é uma condição necessária de sua existência enquanto
todo, possuindo uma natureza e uma essência próprias, enquanto
que a correlação de suas partes com o todo é uma condição
necessária de sua existência enquanto partes, tendo uma essência
específica.
Assim, cada form açã o material manifesta-se ao mesmo
tempo como alguma coisa de dividido em partes e como um
todo organicamente ligado.

.271
A correlação do todo com a parte, que se exprime em
particular na dependência da qualidade do todo da natureza
específica de suas partes constitutivas, e na dependência das
qualidades das partes da natureza específica do todo, é a con-
seqüência de uma certa correlação das partes, em seu conjunto,
que fo rm a a estr utura do todo. É exat amen te a correlaçã o
desses ou daqueles elementos que condiciona o aparecimento
do tod o e sua tra nsfo rmaç ão em part es constitut ivas deste
último . Sem estrut ura não existe todo . El a é a condição
primordial pa ra a existência do todo.
O conceito de "estrutura" designa a forma de união e de
corr elaç ão dos elementos do todo. "N a catego ria de estrut ura,
escreve Igor Hrusovsky, evidenciando o conteúdo do conceito,
exprimimos, sob uma forma resumida, a unidade específica das
relações e das funções lógicas, as ligações causais e dialéticas
do objeto, a unidade de sua diferenciação interna"5.
O conceito de "elementos" designa os componentes do
todo que se encontram entre eles em uma certa correlação e
interdependência.
A correlação desses ou daqueles objetos (processos, fenô-
menos, relações), que forma o todo e torna-se sua estrutura,
transforma-os simultaneamente em partes do todo e em ele-
mentos da estrutura correspondente. Entr eta nto, os conceitos
de "ele men to " e de "p art e" não são idênti cos. E isso já foi
observado por vários autores . Mas, em nossa opinião, os
6

autores não indicam toda a diferença real que existe entre esses
conceito s. L. Valt, por exemplo, vê essa dife renç a no fat o de
que o conceito de "parte" designa os objetos, os fenômenos,
os processos que constituem esse ou aquele todo, seja quando
eles se encontram unidos, seja quando estão em um estágio
anter ior a essa uni ão. O conceito de "e lem ent o" designa ,
segundo ele, apenas os objetos, fenômenos e processos que se
encontram em correlação correspondente, formando um todo,
isto é no qua dro de uma estrut ura dad a. Es sa ou aquela

5
I. Hrusovsky, Die Kategorie der Struktur, in Wissenschaft-liche
Zeitschrift der Martin-Luther Universität, 1960, t. 9, v. 2, p. 165.
6
G. A. Yugai, A dialética da parte e do todo, Alma-Ata, 1965,
p. 93-4. Or ig in al em russo. L. O. Va lht , Correlação en tr e a es trutura
e os elementos, in Problemas de filosofia, 1963, v. 5, p. 45-6. Origina]
em russo.
parte, segundo Valt, torna-se elemento somente depois de sua
entrada em uma união determinada, que forma um todo, e
depois de uma certa mudança sob a influência dessa união:
antes disso, ela não é elemento, embora seja parte.
Dizer que esse ou aquele objeto (processo, fenômeno)
torna-se elemento somente depois de sua entrada em uma
ligação correspond ente que for ma um tod o é exato. Mas o que
não é exato é a concepção, segundo a qual, um objeto (pro-
cesso, fenômeno) já era parte antes de sua entrada nessa ligação,
nessa uniã o. Esse objet o torno u-se par te somente depois de
sua entrada na ligação dada, em decorrência da formação desse
tod o. Ante s desse todo, fora d ele, o objeto não era parte.
É por isso que as noções de "elemento" e de "parte", nesse
caso, coincidem, já que elas designam objet os (fenôm enos,
processos) que se encontram em correlação correspondente,
que formam um todo possuidor de sua especificidade qualita-
tiva e não se reduz às qualidades dos objetos que o constituem
(processos, fenômenos).
Também não podemos concordar com a afirmação, se-
gundo a qual o elemento distingue-se da parte, pelo fato de que
tudo o que faz o objeto, o que se relaciona com seus compo-
nentes, pode tornar-se elemento, enquanto que apenas os
componentes, nos quais reflete-se a especificidade do obieto na
quali dade de tod o, pode m torn ar-s e parte?. Cada elemento
que entra na estrutura correspondente exprime, de uma forma
ou de outra, a especificidade do todo, que possui essa estrutura.
Exprimir a especificidade do todo é, portanto, uma caracterís-
tica não apenas das partes, mas igualmente dos elementos.
Mas onde, então, está a diferença entre o elemento e a
parte? Os elementos manifestam seu conteúdo específico na
relação com a estrutura, com um certo sistema de ligações que
se estabelece entre eles. Poss uindo um a certa autonomia e um
certo isolamento qualitativo, os elementos distinguem-se funda-
ment alm ente da correl ação na qual eles se encont ram. En-
quanto que o conteúdo específico das partes manifesta-se não
em sua relação com a ligação existente entre elas, mas em
sua relação com o todo, e é por isso que elas não podem ser

7
G. A. Yugai, A dialética da parte e do todo, p. 93. Original em
russo.

.273
opostas às ligações que constituem a estrutura do todo, pelo
fato de que essas ligações são, elas mesmas, partes do todo.
O conceito de "parte" é, portanto, mais extenso do que o de
"elemento". As partes do tod o nã o são somen te os elementos
que se encontram em uma certa correlação, mas as próprias
correlações entre os eleme ntos, isto é, a estr utura . No que
concerne ao conteúdo específico do conceito de "estrutura",
este é a designação do modo de ligação das partes (elementos)
no quad ro desse ou daqu ele sistema integral. É verd ade que,
nessa designação, o conceito de "estrutura" confunde-se com
o de "forma", mas esse fato é inevitável e absolutamente natu-
ral, porque apareceu com base no desenvolvimento do conceito
e representa sua concretização.
Sendo a concretização do conteúdo da categoria de "for-
ma", o conceito de "estrutura", entretanto, exprime não apenas
as leis da correlação do conteúdo e da forma quando ele se
manifesta em relação à categoria de "conteúdo", mas igual-
mente as leiseledase correlação
eles, quando dosrelação
manifesta em elementos do conteúdo
ao conceito entre
de "elemen-
to". Essa última correla ção, em particular, caracteriza-se pelo
fato de que cada elemento, estando qualitativamente isolado,
possuindo um a autonomia relativa, uma independência relativa
no quadro do todo, depende essencialmente de outros elemen-
tos que constituem esse todo, do caráter de suas ligações com
eles. Essas ligações, em um certo grau, deter minam seu lugar,
seu papel e sua importância no todo, além de suas caracterís-
ticas quantitativas e qualitativas.
Por outro lado, a mesma ligação entre os elementos de-
pende de sua natureza, de suas características qualitativas e
quantitativas . Po r exemp lo, as caracterís ticas qualitativas e
quantitativas do núcleon, elemento constitutivo do núcleo atô-
mico, estão estreitamente ligadas à natureza de toda uma série
de outras partículas "elementares", que entram no núcleo etc.
Por sua vez, as propriedades dessas outras partículas "elemen-
tar es" depende m essenc ialme nte dos núcleons . Por exemplo,
a transformação de um méson em próton e antipróton está
ligada à ação dos núcleons e dos antinúcleons, assim como ao
campo de forças existente ao redor dele, do qual os quanta
são os núcleons. Po r intermé dio des se mesmo campo nucleô-
nico, a inte raçã o entr e os próp rios mésons fica assegu rada. O
fato de que o nêutron seja estável na qualidade de parte inte-

2.74
grante do núcleo atômico, enquanto que em estado livre ele
é extre mamen te instáve l e desagrega-se em um pr óto n, um
elétron e um neutrino, prova igualmente a dependência das
propriedades do elemento da estrutura do todo, do qual ele é um
componente.
A interdependência da estrutura e dos elementos foi intei-
rament e prov ada por V. Zveguintsev: "C ada elemento da
estru tura, escreve ele, . . . est ando isolado da est rutu ra e se ndo
considerado fora das ligações internas que existem nela, fica
privado das qualidades que lhe são conferidas por seu lugar
na estrutura dada, e é por isso que seu estudo isolado não
fornec e uma justa repres entaçã o de sua natureza real. Ent ran -
do na composição da estrutura, todo elemento adquire uma
'qualidade de estruturalidade'. . . " .
8

Assim, as propriedades dos elementos dependem da estru-


tura do todo que eles constituem e a estrutura desse todo
depende desses elementos, de sua natureza e de sua quantidade.

Em outros
objeto termos, osprópria
e a estrutura elementos
a esseque constituem
objeto — o modoesse de
ou ligação
aquele
dos elementos — encontram-se em uma interdependência ne-
cessária, em uma unidade dialética.
Todas essas leis que se refletem na categoria de "estrutura"
estão diretamente ligadas à categoria de "forma".

8
V. A. Zveguintsev, Ensaios de linguística geral, Moscou, 1962,
p. 66. Ori gi na l em ru ss o.

.275
XII. A ESSÊNCIA E O FENÔMENO

1. OS CON CEIT OS
DE ESSÊNCIA E DE FENÔMENO

À medida que explicamos, um após o outro, os processos


que constituem o conteúdo do objeto estudado, à medida que
colocamos em evidência os aspectos e as ligações necessários
que lhes são próprios, surge a necessidade de reagrupar esses
conhecimentos em um todo único, de os fundamentar em um
princípio único, de se representar todos os aspectos e ligações
necessários em sua interdependência e sua correlação.
A resolução dessa tarefa leva à reprodução, na consciência,
da essência do fenômeno estudado, que representa precisamente
o conjunto de todos os aspectos e ligações necessários e internos
(leis), próprios do objeto, tomados em sua interdependência
natural . E o fenô meno representa a manife stação dess es as-
pectos e ligações, na superfície, mediante uma grande quan-
tida de de desvios contingentes. Def ini ndo a essência como o
conjunto das ligações e aspectos internos e o fenômeno como
a manifestação exterior da essência, isto é, como exterior,
devemos elucidar o conteúdo das categorias de "interior" e
de "exterior".
A designação do que está na coisa, do que é inseparável
dela, do que é, nela, necessário e específico para a categoria
de "in teri or". Se adot amos essa concepç ão do interior, dir i-
gido para o exterior, teremos, então, o que não é condicionado
pela natureza interna da coisa, o que lhe é contingente.
Entretanto, ao lado dessa utilização dos termos "interior"
e "exterior", nós os vemos também ser utilizados para designar
o que é interior ou exterior espacialmente.

.276
Para caracterizar a essência enquanto interior, tanto uma
como a outra significação dessas categorias é válida, porque a
essência representa o interior, ao mesmo tempo, como cons-
tituinte da natureza da coisa, inseparável dela, como espacial-
mente interior, encontrando-se no interior da coisa e não em
sua superfície.
Salientando, com justa razão, que a essência constitui o
interior ou o aspecto interior — da coisa, certos autores con-
sideram que isso é um indício suficiente para a elucidação do
conteúdo da categoria estudada . Ent ret ant o, isso não é exa-
1

tam ente assim. O aspecto interior da coisa nã o é soment e a


essência, mas igualme nte a causa, a necessidade, a lei. Dize ndo
apenas que a essência é o aspecto interior da coisa, não pode-
remos distingui-la dessas categorias. Certo s autores, indi cando
que a essência é o aspecto interior da coisa, acrescentam que
ela é também o fundamento da coisa . 2

Não podemos admitir a redução da essência ao fu nd a-


mento da coisa.
representa O fun
as ligações e dam en to constitui
os aspectos uma par
necessários te da essência,
e principais e
determinantes da coisa, enquanto que a essência inclui ainda
as ligações e os aspectos necessários não-fundamentais, não-
principais.
Certos autores, que se opõem à redução da essência ao
que é principal e determinante na coisa e, em particular, à lei
fundamental de funcionamento e de desenvolvimento do objeto,
definem a essência como o conjunto de todas as leis que agem
na coisa . Mas essa definição é igualmente insuficiente. Nã o
3

apenas as leis às quais estão subordinados seu funcionamento


e seu desenvolvimento relacionam-se à essência da coisa, mas
igualmente
Emboratodos
haja os aspectos próprios
divergências entre os efilósofos
necessários da coisa.
na concepção
da essência, há uma quase unanimidade no que concerne à
concepção do fenôme no. O fenômeno é, habitualmente, def i-

1
0 . M. Che mani n, Possibil idade e realida de. Essência e fenô meno ,
in Materialismo dialético, Moscou, 1960, (Col.) Cad. 2, p. 46. Original
em russo.
2
S. T. Sebastianov, Conteúdo e forma, essência e fenômeno, in
Problemas do materialismo dialético, Voronej, 1958, (Col.) p. 138. Ori-
ginal em russo.
3
Coletânea de artigos sobre o materialismo dialético, Moscou, 1959,
p. 203. Or igin al em ru ss o.

.277
nido como o aspecto exterior, camb iant e do objeto e que
exprime sua essência. E isso está corre to. O fen ôme no é o
conjunto dos aspectos exteriores, das propriedades, e é uma
forma de manifestação da essência.

2. AS LEIS DE CO RR EL AÇ ÃO
DA ESSÊNCIA E DO FENÔMENO

Embora sendo uma forma de expressão da essência, o


fenômeno não coincide com ela, mas dela distingue-se e chega
mesmo a deformá-l a. A defo rma ção produz-se pelo fato de
que a essência do objeto manifesta-se mediante a interação
desse último com outros objetos que o rodeiam, que têm in-
fluência sobre o fenômeno, introduzem certas modificações em
seu conteú do e, exatam ente po r isso, o enriquecem. Em de-
corrência disso, o fenômeno aparece como a síntese do que
vem da essência, do que é condicionado por ela e do que é
introduzido do exterior, do que é condicionado pela ação da
realidade que rodeia o objeto, isto é, de outros objetos que
lhe estão ligados.
Certos autores não levam em conta essa circunstância e
afirmam que nem todos os fenômenos deformam a essência,
e que há fenômenos que transmitem a essência assim como
ela êi.
Reconhecer a existência de fenômenos que não deformam
a essência pode conduzir a duvidar da universalidade da tese
do materialismo dialético sobre a não-coincidência do fenômeno
e da essência, sobre a diferença e a oposição entre a essência
e o fenômeno, e pode, inclusive, levar a afirmar que a essência
de alguns fenômenos pode ser conhecida por sua percepção
direta. Nã o é por acaso que esses autores, que recon hecem
uma dessas teses, são obrigados, dessa ou daquela maneira, a
reconhecer a outra. Por exemplo, N. Vakh tomi n escreve que:
"Se um objeto dado é tal qual a essência, então é, nesse caso,
absolutamente natural que as sensações forneçam uma repre-
sentação exata do objeto" . E ain da: "Se os fenômenos de fo r
5 :

N . K. Vakhtomin, Sobre o papel das categorias de essência e fenô-


4

meno no conhecimento, Mo sc ou , 1963, p. 52. Origin al em russ o.


N . K. Vakhtomin, op. cit., p. 52.
5

.278
mam a essência do objeto, as sensações fornecem uma falsa
representação deste; se os fenômenos não deformam a essência
do objeto, as sensações fornecem uma representação justa" 6
.
O fenômeno não pode nunca ser "como a essência", já que
ele distingue-se sempre dela e, de uma forma ou de outra, a
defo rma . É po r isso que a perc epçã o dos fenôm enos nã o nos
fornece nunca um conhecimento verdadeiro da essência.
Pelo fato de que o conteúdo do fenômeno é definido não
somente pela essência — conjunto dos aspectos e das ligações
necessários interno s da coisa — mas igualmente pelas con di-
ções exteriores de sua existência, por sua interação com outras
coisas — e essas últimas estão em constante mudança — o
conteúdo dos fenômenos deve ser flutuante, cambiante, en-
quanto que a essência representa alguma coisa de estável, que
se conserva em to da s as mud anç as. Por exemp lo, os preç os
dessa ou daquela mercadoria mudam constantemente, enquanto
que seu valor per man ece imu tável durante um certo tempo. E
o mesmo acontece com as condições de vida dos homens e, em
particular, com as condições de vida dos operários na sociedade
capitalist a. Ela s vari am de um operário a outro, de um perí odo
(ou fase) do desenvolvimento da produção a outro e, em par-
ticular, da re to ma da da expan são, da crise à depres são. En -
tretanto, o conjunto das relações de produção (essência), que
determina a situação material dos homens, permanece relati-
vamente imutável, estável.
Exprimindo essa lei da correlação da essência e do fenô-
meno, Lenin escre veu que: " ( . . . ) O que não é essencial, o
aparente, o superficial, desaparece mais freqüentemente, não é
tão 'sólido', tão 'firmemente instalado', como a 'essência'
Embora sendo estável com relação ao fenômeno, a essên-
cia també m não per mane ce totalment e imutável. Ela s e
modifica, embora o faça mais lentamente do que o fenômeno.
Sua modificação é condicionada pelo fato de que, no processo
do desenvolvimento da formação material, certos aspectos e
ligações necessários começam a ser reforçados e a desempenhar
um grande papel, enquanto que outros são rejeitados para um
segundo pla no ou desap arec em comple tament e. Um exemplo

6
N . K. Vakhtomin, op . cit.
7
V. Lenin, Oeuvres, t. 38, p. 124. Origin al em russ o.

.279
da modificação da essência no decorrer do desenvolvimento da
formação material pode ser fornecido pela passagem que se
efetua no capitalismo no estágio pré-monopolista para o estágio
imperialista. Se no perí odo pré-m onopol ist a da existência do
capitalismo domina a livre concorrência a exportação das
mercadorias sem que os monopólios desempenhem um papel
considerável, no período do imperialismo, a livre concorrência,
embora ainda existente, é muito limitada pelo monopólio que
se torna, então, um fenômeno universal e que começa a desem-
penhar um papel determinante na vida da sociedade. A
exportação de mercadorias, nesse mesmo período, passa para
um segundo plano e o que se torna então dominante é a
expor taçã o de capitais etc. Tud o isso mos tra que, com a
chegada do capitalismo ao estágio do imperialismo, sua essência
sofre certas mudanças, embora sua natureza tenha permane-
cido imutável.

3. O FUN DAME NTO E O FUN DAM ENT ADO


O movimento do conhecimento a partir da evidenciação
do conteúdo e da forma do objeto estudado e de sua essência
— a repro dução dos aspectos e das ligações (leis) necessários
internos que lhes são próprios, em sua correlação natural —
começa com o estabelecimento de seu fundamento, de seus
aspectos e relações fundamentais, determinantes.
O fundamento, como aspecto ou relação determinante,
repre senta o interior do to do estuda do, é o mom ent o mais
profundo de sua essência; entretanto, o sujeito conhecedor
procura a essência primeiramente no nível do exterior, do
fenômeno, para representá-la sob a forma de aspectos e de
traços dete rmina dos deste último. O fu nda me nto assim repre-
sentado é o fundamento formal e ele o é — nesse grau inicial
do conhecimento — porque é totalmente idêntico ao funda-
mentado, pelo conteúdo, do qual distingue-se apenas pela forma:
ele é considerado como alguma coisa de determinante e o fun-
damentado como alguma coisa de determinado.
A identidade do fundamento formal com o fundamentado
nã o exprime a ident idade real, necess ariamen te pr ópri a ao>
fundamento e aos fenômenos condicionados por ele, mas a
expressão diferente de um único e mesmo conteúdo: o do

.280
fun dam ent ado . É por isso que o fund ame nto form al é, de fato,
tautológico, porque exprime-se aqui sob a forma de fundamento,
quando, em regra geral, ele é o que foi exprimido sob a forma
de fun dame nta do. Por exemplo, na qualidade de fund amen to
dos fenômenos elétricos, ele intervém como a "força elétrica",
como fundamento dos vegetais, como a "força vegetal", como
fun dam en to do calor, como o "flo gist o" etc. Po r isso, seu
valor gnoseológico é medíocre, sua evidenciação não traz ne-
nhu m novo conhecime nto ao obje to est udad o. E o que é
enunciado aqui sob a forma de fundamento é o que ele foi sob
a forma de fundamentado.
O caráter limitado e tautológico do fundamento desse tipo
foi bem demonstrado por Hegel: "Uma tal indicação dos fun-
damentos, escrevia ele, analisando o tipo de fundamento con-
siderado, é acompanhado. . . pelo mesmo vazio que os enun-
ciados conformados à proposição sobre sua identidade . São8

discursos tautológi cos vazios. Com efeito, prosse gue ele, de-
clarar fundamento de uma forma de cristalização, uma dispo-
sição part icul ar das moléculas, não é um a tauto logia. Mas "a
cristalização em questão é precisamente essa mesma disposição
que chamamos de fundamento" . Um a coisa análoga se pro-
9

duz, segundo Hegel, no raciocínio de um lógico que, conferindo


ao fundamento da lei toda a razão, declara que nossa faculdade
de pensar é feita dessa maneira e que nós somos obrigados a
inquirir sobre os fundamentos de qualquer coisa: seja junto
ao médico, quando este explica que a morte do afogado deve-se
ao fato de que "o homem é feito de uma determinada maneira,
e por isso não pode viver sob a água", seja junto ao jurista
quando este explica a necessidade de punir o criminoso pelo
fato de que "a sociedade civil é feita de forma que os crimes
não podem permanecer impunes"* . 0

Em todos esses casos, declara Hegel, o fundamento é um


cont eúdo que temos imediat amente diante de nós "e toda a
diferença reside simplesmente no fato de que o conteúdo é então
transferido para a forma do interior" . 11

8
G . W. F. Hegel, Wissens chaft der Logik, in Sämtliche Werke,
Sttutgart, 1928, v. 4, p. 570.
9
G. W. F. Hegel, Werke, Vollständige Ausgabe, v. 6, p. 244-5.
10
G. W. F. Hegel, Werke cit., p. 246,
U
G . W. F. Hegel, Wissensch aft der Logik, in Sämtliche Werke, cit.,
p. 570.

.281
O fundamento formal está ligado aos graus iniciais do
desenvolvimento do conhecimento, quando o sujeito conhecedor
evidencia e fixa as características, propriedades e relações
singulares e gerais, qualitativas e quantitativas, e as considera
como coexistentes. Com a passagem do conhecimento da coe-
xistência à causalidade e à evidenciação das causas dos fenô-
menos estudados, modifica-se sensivelmente a concepção do
fundamento que, então, aparece como fundamento real.
Como o fundamento real reflete a causa real que condi-
ciona o aparecimento do fundamento, podemos então, partindo
dele, explica r e destacar o fund ame nta do. Ext rai r o fun da-
mentado de um fundamento real dado, nada mais é do que
estabelecer a identidade entre o fundamento e o fundamentado.
O fundamentado é idêntico ao fundamento porque é a forma
de manifes tação e de existê ncia de seu conteú do. Entr eta nto,
nem tudo no conteúdo do fundamentado é extraído do funda-
mento, alguns de seus momentos são condicionados, não pela
causa evidenciada, mas por circunstâ ncias exteriores . É po r
isso que, entre o fundamento e o fundamentado, há não apenas
identidade, mas também diferença.
O conteúdo do fundamentado, determinado pela causa
que o engendra e deduzido, de uma forma ou de outra, dessa
causa, como real, é considerado como essencial, enquanto que
o conteúdo do fundamentado que é introduzido no exterior e
condicionado por circunstâncias exteriores é considerado como
não essencial.
Mas, desde o que é considerado não essencial no conteúdo
do fundamentado tem igualmente sua causa e, portanto, seu
fund ame nto, pod e ser considerado como essencia l. Enq uan to
que tudo o que não decorre desse fundamento será considerado,
em relação a ele, como não essencial, condicionado por circuns-
tâncias exteriores.
O resultado disso é que o fundamentado possui, ao mesmo
tempo, uma grande quantidade de fundamentos reais diferentes,
ou seja, com ple tam ent e opostos. É por isso que cad a coisa
concreta pode receber muitas definições diferentes e, partindo
do "fundamento real", é impossível determinar qual é a essen-
cial. O fu nd am en ta do não contém, em si, na da que indique
qual dessas muitas definições do objeto deve ser considerada
como essencial. Des sa mane ira, a escolha de um a delas, assim
como a característica desse ou daquele aspecto, que entra no

.282
conteúdo do fundamentado, enquanto necessário ou contingen-
te, dependerá não da natureza objetiva da coisa, mas da posição
subjetiva do sujeito conhecedor.
Foi Hegel quem, pela primeira vez, chamou a atenção
sobre essa carência do fundament o real. "Isso pe r ma ne ce ...
indeterminado, escreveu ele, ou seja, qual, dentre as numerosas
definições do conteúdo
admit ida como essencial de uma como
e qual coisa fund
concreta,
am en todeveria
. É porserisso
que a escolha entre elas permanece livre" . 12

Assim, a descoberta das causas do fenômeno estudado,


de um ou de outro de seus aspectos e ligações necessários,
condiciona a passagem do fundamento formal ao fundamento
real que, contrariamente ao primeiro que é fictício, representa
o fundamento real, determinando e explicando o fundamentado
não em toda sua diversidade, em toda a riqueza de seu con-
teúdo, mas somente no nível de algumas de suas propriedades.
No que concerne às outras propriedades, elas explicam-se à
medida que há a descoberta de outros laços de causa e efeito,
assima como
sob forma dedeaspectos e de ligaçõesreais,
novos fundamentos necessários, que aparecem
autônomos do todo
estudado. O crescimento do númer o de fun dam ent os diferentes
e contrários de uma coisa cria condições para escolher arbitra-
riam ente uns e ignorar outros. Torna-s e, então, necessário
reunir todos esses fundamentos e as propriedades que eles con-
dicionam em um todo único e explicá-los a partir de um
princípio único, isto é, passar a um novo fundamento, mais
apr ofu nda do. Esse novo funda mento , que constitui um todo
único, e que explica todo o conteúdo do fundamentado, é um
fundamento completo.
O fundamento completo é constituído pelos aspectos
(re laç ões ) essenciais do todo estuda do. Des de que os aspecto s
e as relações essenciais determinem a formação, a mudança e
a correlação de todos os outros aspectos da formação material,
se nós os separarmos e adotarmos como princípio de partida,
podere mos explicar todos esses aspectos, evidenciar sua corre-
lação e determinar o lugar, o papel e o alcance de cada um
deles.

1 2
G. W. F. Hegel, Wissenschaft der Logik, in Sämtliche Werke, cit.,
p. 577.

.283
Se consideramos um elemento químico, seu "fundamento
com ple to" será a carga do núcl eo atômico . Par tind o deste,
podemos explicar as propriedades e as ligações mais ou menos
fundamentais do elemento químico, incluindo os "fundamentos
reais", que determinam algumas de suas propriedades, notada-
mente a estrutura do envólucro eletrônico e a presença de uma
certa aquantidade
Para sociedade deem elétrons
geral, o na camada
papel desse eletrônica
fundamentoexterna etc.
é desem-
penh ado pelo mod o de produção, e para a sociedade capitalista,
em particular, pela mercadoria, as relações comerciais etc.
O "fundamento completo", ao contrário do "fundamento
real", determina não somente a identidade do fundamento e do
fundamentado, mas igualmente sua diferença; ele encerra, sob
uma forma anulada, todos os fundamentos reais da coisa, todas
as suas determinaçõe s, assim como sua corr elaç ão. A categoria
de "fundamento completo" exprime, de maneira mais ou menos
adequada, o fundamento do objeto estudado.
O movimento do conhecimento do fundamento, que vai
do "fundamento formal", que é idêntico ao fundamentado e
não é nada mais do que uma outra expressão de seu conteúdo,
ao "fundamento real", que exprime a identidade e a diferença
entre fundamento e fundamentado, revela a grande quantidade
de fundamentos do fundamentado, que se excluem mutuamente
e que, finalmente, chegam ao "fundamento completo", que de-
termina e explica todos os aspectos do fundamentado e sua
correlação, traduz a tendência histórica real do desenvolvimento
do conhecimento.
Na Antigüidade, por exemplo, consideravam a eletricidade
(matéria elétrica), que se encontrava no âmbar e que se ma-
nifestava por fricção, como o fundamento dos fenômenos elé-
tricos. Temo s aqui uma identificação completa do fundame nto
e do fun da men ta do. Depois, foi estabele cido que os fenômeno s
elétricos são engendrados pela fricção de duas substâncias, pelo
contato de diferentes materiais colocados em uma mesma solu-
ção, pelo contato de diferentes metais possuindo temperaturas
diferentes, pelo deslocamento de um condutor encerrado em um
campo magnético, pela irradiação dos condutores metálicos etc.
O fund ame nto e o fund amen tado nunc a coincidem . Descobri-
mos diferentes fundamen tos em um mesmo fundamen tado . E
ainda mais, manifestaram-se propriedades que não decorriam
desses fun dam ent os. Por exemplo, estabel ecemos que a eletri-

.284
cidade desprende uma centelha, eleva a temperatura do objeto,
decompõe os líquidos e os gases, provoca um movimento
mecânico, atravessa alguns corpos e não atravessa outros, atrai
certos corpos e repudi a outros. Tu do isso nã o decorria do
fato de que ela foi engendrada pela fricção, nem porque ela
surgiu em um circuito constituído por diferentes materiais co-
locados em em
ela surgiu umadecorrência
solução alcalina, nemcament
do deslo mesmoo do
de fato
um decondu
que tor
encerrado em um campo magnético, ou ainda como conse-
qüência da irrad iação dos corpos ou de seu aqueci mento. Essas
propriedades foram explicadas a partir de outros fundamentos.
Mas, quando foram descobertos os elétrons e as leis de sua
interação com os prótons, e entre eles, começamos a explicar
todos esses fundamentos e propriedades dos fenômenos elétri-
cos e de sua correlação a partir de um princípio único: a estru-
tura eletrônica da substância. Ess e princí pio desempenhou,
então, o papel de fundamento completo determinante, em últi-
ma análise, das propriedades dos fenômenos elétricos e de sua

correlação.
Tendo atingido a compreensão do fundamento, que se
manifesta sob a forma de fundamento completo, o sujeito co-
nhecedor, apoiando-se sobre ele, pode explicar todos os outros
aspectos e ligações necessários, que constituem a essência do
objeto estudado e reproduzir na consciência, no sistema dos
conceitos abstratos, a interdependência necessária, que existe
entre eles.

.285
XIII. A CONTRADICÃO.
A LEI DA UNIDADE
E DA LUTA
DOS CONTRÁRIOS

1. A CONT RADI ÇÃO


COMO UNIDADE E LUTA
DOS CONTRÁRIOS

Para extrair do fundamento todos os outros aspectos e

ligações
estudado, necessários
é necessárioqueconsiderar
caracterizam a essência (odoaspecto
o fundamento objeto
determinante, a relaçã o)" e a própria fo rma ção material, em
seu apar eci ment o e em seu desenv olvime nto. Isso supõe a
evidenciação da fonte do desenvolvimento da força motora,
que faz avançar e condiciona sua passagem de um estágio do
desenvolvimento a outro. Essa fon te é a contr adiçã o, a unida-
de e a "l ut a" dos contrári os. Assim , o conh eci men to choca-se,
em seu desenvolvimento, com a necessidade de descobrir as
contradições, os aspectos e as tendências contrários próprios
de todas as coisas e fenômenos da realidade objetiva.
O que repre sent am esses cont rári os e essa contr adiçã o?
São os cha mad
transformação sãoos opostos
contrárieos,
cujaosinteração
aspect osconstitui
cuj os asentidos
contra- de
dição ou a "l ut a" dos contrá rios. Po r exemp lo, os aspectos
que constituem o singular e o geral nas formações materiais
particulares são contrários, pelo fato de qu e eles possuem ten-
dências diretamente opostas: o singular tem a tendência de
não se repeti r, o geral repete-se sempre . O conte údo e a for ma
também são contrários. A muda nça perm anen te, a flutua ção
são um a tend ênci a do cont eúdo; a imut abi lid ade relativa, a
estabilidade, uma tendência da forma.
Possuindo tendências opostas em seu funcionamento, sua
mudança, e seu desenvolvimento, os contrários excluem-se reci-

.286
procamente e encontram-se em estado de luta permanente;
entretanto, eles não são divergentes e não se destroem mutua-
mente; existem juntos e não apenas coexistem, mas estão ligados
organicamente, interpenetram-se e supõem-se um ao outro, o
que equivale dizer que eles são unidos e representam a unidade
dos contrários.
Com efeito, o singular não existe em si mesmo, indepen-
dentemente do geral, mas unicamente em ligação orgânica, em
unidade com o geral; não há fenômeno, ou forma sem conteúdo;
cada forma possui um conteúdo, cada conteúdo, uma forma,
portanto, o conteúdo e a forma existem sempre em ligação
indissolúvel.
A unidade dos contrários é, portanto, antes de tudo, seu
estabel eciment o recí proco, isto é, os aspectos ou tendências
cont rári os não podem existir uns sem os outros. Mas, para-
lelamente, a unidade exprime igualmente uma certa coinci-
dência dos contrários, nesses ou naqueles momentos ou ten-
dências.e mesma
única Pelo formação,
fat o de que
uma os conte rário
única s caract
mesma eriza melesuma
essência,
devem necessariamente ter muitas coisas em comum, coincidir
em toda uma série de propriedades essenciais porque, em caso
contrário, sua interação não poderia criar uma contradição
dialética viva, não poderia tornar-se o fundamento da existên-
cia do fenômeno qualitativamente determinado correspondente.
Mostrando o que é comum aos contrários que são recipro-
camente ligados e que constituem essa ou aquela contradição
dialética , Kar l Marx es creveu que : " . . . o pólo Nor te e o pólo
Sul são igualmente pólos, sua essência é idêntica, e o mesmo
acontece com o sexo feminino e o sexo masculino, que formam
uma única
hum ana . Oe mesma
Nor te eespécie, umadetermina
o Sul são única essência — a essência
ções contrária s de uma
única e mesma essência, são diferenças da mesma essência que
alcan çou o estág io supremo de seu desenvolvimento. Eles
repr ese ntam uma essência difer enci ada. São o que são, unica-
mente como determinação diferenciada e precisamente como
essa determinação diferenciada da essência"!.
Os contrários, sendo aspectos diferentes de uma única e
mesma essência, não apenas excluem-se uns aos outros, mas

'K. Marx e F. Hengeis, Oeuvres ed. russa, t. 1, p. 321.

287
também coincidem entre si, e exprimem não apenas a diferença,
mas també m a identi dade. E é unic amen te graças a uma certa
coincidência de sua natureza, graças à identidade que trans-
parece pela sua diferença, que eles interpenetram-se e supõem-
se uns aos outros, e qu e eles con stitu em u ma contradiç ão

dialética. Assim,
da contradição, que aé iden
tão tida de dos quanto
necessária, contrá rios é um moment o
sua diferença.
A equivalência dos contrários é uma das formas de sua
identidade, de sua coincidênc ia que apare ce no estágio de
desenvolvimento da contradição em que se estabelece um certo
equilíbrio de forças opostas, em que estas parecem tornar-se
equivalentes. Um exemplo da equivalência dos contrários pode
ser fornecido pela relação das forças da revolução e da contra-
revolução na Rúss ia de 1905. Ana lis ando es sa situação, Lenin
escreveu que: "Balanço realizado nesse dia (30 [17] de outu-
bro, segunda-f eira): equilíbrio de forças: . . . o czarismo não
tem mais a força necessária para vencer, e a revolução ainda
2

não1917,
de a temdepois
" . Uma situação anál
da revolução de oga a essa quando
Fevereiro, foi criada na Rússi a
o governo
de Kerensky passou abertamente para a repressão do proleta-
ria do revolucionário. Ness e mome nto , os Sovietes, submetidos
à direção dos democratas pequeno-burgueses, eram impotentes,
e a burguesia a inda n ão era s uficien temente fort e para li-
quidá-los.
A equivalência dos contrários exprime o estado de matu-
ridade da contradição e caracteriza-se por uma exasperação da
luta de forças contrá rias. " ( . . . ) Longe de excluir a luta, o
equilíbrio das forças a torna, ao contrário, particularmente
aguda" . 3

A identidade
expressão, a mais (coincidência)
complet a, no dos
momcontrários
ent o da encontra
passagemsuados
contrários um no outro. Esse moment o da luta dos contrários
ganha uma importância particular pelo fato de que ele designa
a resolução da contradição e a passagem do objeto a um novo
estado qualitativo, o que quer dizer que ele é um ponto nodal
do desenvolvimento. Lev and o em conta a importân cia par -
ticular desse momen to, no desenvolvime nto da contradi ção,

2
V. Lenin, Oeuvres, t. 9, p. 429.
3
V. Lenin, op. cit., p. 464.

.288
dessa for ma de mani fes taç ão da identidad e dos contr ários,
Lenin definia a dialética como a teoria da identidade dos con-
trári os, das leis da pas sage m de um no outro. "A dialética é a
teoria da forma pela qual contrários podem ser e habitualmente
são (porque assim eles se tornam) idênticos — condições nas
quais eles são idênticos mudando-se um no outro — razões
por que o espírito hum ano não deve tomar esses contrários
por mortos, fixos, mas por vivos, condicionados, móveis, mu-
dando-se um no outro"4.
Assim, a contradição é a unidade dos contrários e a luta
de contrários que se excluem e se supõem mutuamente.
Sendo um momento necessário da contradição, a unidade
e a luta dos contrários não ocupam, entretanto, a mesma po-
sição. A uni dad e dos contr ário s é sempre relativa, enquan to
que a "lu ta" deles é absolu ta. O caráter relativo da uni dad e
dos contrários exprime-se antes de tudo no fato de que ela é
temporá ria, aparece em certas condições apropri adas, existe
durante um certo tempo e, em deccorrência do desenvolvimento
da "luta" dos contrários que a constituem, é destruída e subs-
tituída por uma nova unidade que, sob a pressão da "luta" dos
contrários que lhe são próprios, a um certo estágio de desen-
volvimento da contradição, encontra-se igualmente excluída e
substituída por uma outra, melhor adaptada às novas condições.
Essa última, depois de existir um certo tempo, é igualmente
eliminada e substituída por uma nova, e assim sucessivamente
até o infinito.
Além de sua existência temporária, o caráter relativo de
cada unidade concreta manifesta-se igualmente na coincidência
incompleta dos contrários, na ausência de um acordo total no
funcionamento e no desenvolvimento desses últimos, assim co-
mo no caráter transitório de sua equivalência.
O absoluto da "luta" dos contrários está no fato de que
ela está presente em todos os estágios da existência dessa ou
daquela unidade, de que é o elo que faz a ligação entre ela
mesma e a outra, que a substitui, e também no fato de que é
precisamente baseados nela que se produzem o aparecimento, a
mudança, o desenvolvimento de toda a unidade concreta e sua
passagem para uma nova unidade.

4
V. Lenin, op. cit., t. 38, p. 107.

.289
Lenin unia o caráter relativo da unidade dos contrários ao
repouso relativo e o caráter absoluto da luta dos contrários ao
movimento absoluto . 5

2. CON TRA DIÇ ÃO E DIF ERE NÇA


Dizendo que a contradição representa a unidade e a luta
dos contrários, temos em vista a contradição que já chegou
à maturi dade e já está complet amente for mada . Mas el a não
está ligada somente aos contrários, como pensam alguns autores.
Unir a contradição unicamente aos contrários significa consi-
derar estes como dados, sob uma forma já pronta, enquanto
que eles aparecem e desenvolvem-se a partir de outras formas
do ser.
As diferenças constituem a forma geral do ser, a partir
da qual desenvolvem-se as contr adiç ões. É por isso que con-
cordamos com
existência os autores que
da contradição comrelacionam as primeiras
a diferença . Algu
6 fases
ns da
desses
autores ultrapassam os limites e cometem um grave erro, quando
declaram que toda diferença é contradição. Esse ponto de
vista é expresso, por exemplo, po r Ai Sy-tsi: "As. diferenças
são uma forma de manifestações das contradições, as diferenças
trazem nelas mesmas esses elementos da contradição, e é por
isso que não podemos dizer que as diferenças não são contra-
dições'" . 7

Se toda diferença se apresentasse como uma contradição


ou uma forma de manifestação da contradição — e as diferen-
ças existem em todo lugar, entre outras formações materiais e
aspectos
distinguirdenaumareal
mesma
idade formação
outr as material
ligações —e não poderíamos
relações além das
contradições, que representariam a única forma de correlação
dos objetos e de seus aspect os. A diversi dade das ligaçõe s e
das relações que existem na realidade objetiva está longe de

V. Lenin, op. cit., t. 38, p. 344.


5

B, D, Morozov, As contradições internas e seu papel no desenvol-


6

vimento, in O Caráter contraditório do desenvolvimento, Minsk, 1961,


(Col.) p. 18-41. Original em russo.
Ai Sy-Tsi, Lições de materialismo dialético, Moscou, 1959, p. 175.
7

Original em russo.

.290
reduzir-se às contra dições . O cará ter contrad itório é universa l,
mas ele não é a úni ca fo rm a de ligação. Na reali dade objet iva,
existem tam bém relações de har mon ia , de conco rdânc ia, de
correspondência.
O ponto de vista que decreta que toda diferença é uma
contradição não de
ção, pelo fato permite a elucidação
que deixa da natureza
na obscuridade, da contradi-os
precisamente,
elementos que constituem a essência desta última e concentra
a atençã o sobre o aspect o exteri or. Alé m disso, esse po nt o de
vista pode desorientar os homens em sua atividade prática e
cognitiva, porque confunde as relações mais diferentes e, exata-
mente por isso, entr a o disc ernime nto das contrad ições reais
que determinam a vida interior, o movimento autônomo e o
desenvolvimento do todo estudado.
Emb ora percebe ndo a diverg ência manifesta entre ess e
ponto de vista e a realidade, alguns autores esforçam-se pa ra
limitar o círculo das diferenças consideradas como contradições.
Alguns
damentaisregistram como
, outros,
8
as contradições apenas as. diferenças
diferenças internas Entre tantfun-
9
o, nem
o fato de pertencerem ao domínio interno dos fenômenos nem
o caráter essencial permitem distinguir a simples diferença da
dife rença -cont radi ção. Na real idad e, há diferenças essenciais e
internas que não são contraditórias, e vice-versa, há diferenças
nã o -essenciais e externa s que são contradições . Por exemplo , as
diferenças entre os órgãos dos sentidos do homem são internas,
essenciais e, ao mesmo tempo, não são contraditórias e funcio-
nam de maneira coord enad a. Da mesma forma, as diferenças
entre as seções particulares da produção socialista são internas e
fundamentais; entretanto, quando os organismos de planejamen-
to da economia
dições entre as funcionam normalmente,
diversas seções nãoão.
da pro duç podePor
haver
outrocontra-
lado, as
diferenças entre alguns capitalistas, que são, por seu caráter,
externas e não essenciais, desempenham o papel de contradi-
ções. As diferen ças entre os part idos burgueses são igual mente

e
E. B. Chur, Problemas de filosofia, 1956, v. 4, p. 71. Original em
russo.
9
V. P. Rojin, A dialética marxista-leninista como ciência filosófica,
Leni ngra do, 1957, p. 52-3. Ori gin al em russ o. B. C. Ucr ain tse v, A. C.
Kovalhtchik, V. P. Tchertkov, A dialética da transformação do socialis-
mo em comunismo, p. 26-7. Original em russo.

.291
não-essenciais, externas , mas manifest am-se, como é preciso,
mediante essas ou aquelas contradições.
Tudo isso mostra que pertencer ao domínio interno do
fenômeno, assim como ter caráter essencial, não são os traços
determinantes que transformam a simples diferença em contra-
dição.
Não é ne m o fato de pertencer ao domínio interno nem
o caráter essencial das diferenças que faz delas contradições
(porque as contradições não são somente internas, mas também
externas, não somente essenciais, mas também não-essenciais),
mas sim o fato de que essas diferenças podem relacionar-se a
tendências opostas da mudança desses ou daqueles aspectos em
intera ção. Ape nas os aspectos diferentes que têm tendên cias
e orientaçõe s de mud anç a e de desenvolvimento diferent es
encontr am-se em cont radi ção. Por exemplo, as contra dições
entre certas seções da produção socialista que surgem, às vezes,
em decorrência do trabalho insuficientemente exato das orga-
nizações do planejamento aparecem não porque essas seções
sejam diferentes, mas porque no desenvolvimento dessas seções
aparece m diferent es tendê ncias e uma discordância. Isso tam -
bém explica o aparecimento de contradições entre certos Es ta-
dos socialistas, embora a comunidade de seu regime socio-
político faça com que eles tenham a mesma perspectiva de
desenvolvimento, voltado para o socialismo e o comunismo.
Essa comunidade acarreta, é óbvio, uma concórdia e uma har-
monia necessárias em suas relações . Ent ret ant o, há mome nto s
em que, na aproximação dessa ou daquela questão do movimen-
to comunista, desse ou daquele problema econômico ou político,
divergências ou tendências diferentes surgem entre certos Es-
tados socialistas. Ness e caso, pode mos fal ar do surgimento de
contradições, que encontram sua solução em ações coordenadas,
na elaboração de uma aproximação comum do problema em
questão.
Assim, toda diferença é apenas contradição, mas ela o é
quando concerne a tendências do desenvolvimento, e orienta-
ções das muda nça s desse ou daqueles aspectos. Ape nas os
aspectos diferentes desse tipo estão em estado de "luta" e, no
curso de seu desenvolvimento, estão, inclusive, prontos para
transformar-se em contrários, isto é, eles constituem o estágio
inicial da existência de contradições.

.292
3. OS GRAUS DO DESE NVOL VIME NTO
DA CONTRADIÇÃO

A contradição começa a partir de uma diferença não-


essencial e passa em seguida ao estágio de diferença essencial.

Nas condições
contrários. adequadas,
A part as diferenças
ir desse estágio essenciais
e em seu tornam-se
desenvolvi mento,
as contradições chegam ao estágio dos extremos, em que os
contrários entram em conflito, passam um no outro, tornam-se
idênticos e, exatamente por isso, condicionam a resolução das
contradi ções. Um a vez as contradições resolvidas, a for maç ão
material chega a um novo estado qualitativo, incluindo um novo
grupo de contradições.
Tomemos um exemplo concreto, o do desenvolvimento da
cont radiç ão entre o prol etar iado e a burguesia. Essa contradi -
ção tem suas raízes em um passa do longínquo, apar eceu no
período da pr odu ção artesanal e manifestou-se nesse estágio,
primeiramente sob a fo rma
o contramestre (patrão), de uma
por um lado,diferença não-essencial
e os ajudantes e apren- entre
dizes, po r outro lado . De fat o, no começo, entre o cont ra-
mestre que dirigia o atelier e os ajudantes e aprendizes que exe-
cutavam suas ordens, a diferença não era essencial, porque,
nessa época, em virtude do estatuto do aprendizado, o aluno,
depois de ter passado por um círculo de formação, tornava-se
automatic amente u m ajudant e, e o ajudante, de pois de ter
adquirido uma certa experiência, podia tornar-se contramestre
(p at rã o) . Isso significa que os ajuda ntes e os aprendiz es eram
contramestres em potencial, e que entre eles a única diferença
era proveniente do tempo e da experiência.
Mas,
atelier, essano ordem
curso do
das desenvolvimento
relações mútuasdaentre
produção em um
contramestre,
ajudantes e aprendizes foi substituída por uma nova ordem,
segundo a qual os aprendizes e os ajudantes não podiam mais
tornar-se automaticamente contramestres e permaneciam sempre
na situação de subordinados, de assalariados. A diferença não-
essencial entre aprendizes, ajudantes e contramestres transfor-
ma-se, então, em um a diferença essencia l. Depoi s que o
artes anato foi substitu ído pela manu fat ura, essa cont radi ção
passou do estágio das diferenças essenciais ao dos contrários.
Se anteriormente, na produção artesanal, o proprietário do
atelier trabalhava ainda com seus aprendizes e alunos, na ma-
.293
nufatura, o patrão fica à parte e não participa diretamente da
produção, vive inteiramente às custas do trabalho dos assalaria-
dos, graças a sua exploração.
Desd e ent ão, os i nteresses do pat rão e dos operário s
torna m-se radi cal ment e opost os. Ma s esse ainda nã o é o fim
dessa contr adiç ão. À medi da que há o desenvolvimento da
produção capitalista, essa contradição acentua-se, torna-se
mais aguda e, depois de ter atingido sua forma suprema, en-
cont ra sua resol ução na revol ução socialista. No curso dessa,
o proletariado de classe oprimida e explorada torna-se a classe
dominante, estabelece sua ditadura, enquanto que a burguesia
vê-se afa st ada do pode r e tor na- se a classe oprimi da. Os con-
trários transformam-se um no outro, trocam suas posições e
torna m-se como que idênticos . Em decorrên cia, o antigo estad o
qualitativo da sociedade — a antiga forma de relações — é
liquidado e o novo estado qualitativo forma-se, acompanhado
de novas contradições.

Vemos transpõe
contradição nesse exemplo
em seucomo, depois de seuvários
desenvolvimento nascimento,
estágios,a
desde as formas inferiores até as formas superiores de manifes-
taçã o. Mas esse movi ment o da cont radi ção de um estágio a
outro realiza-se não somente no sentido indicado, isto é, das
formas inferiores para as superiores, mas igualmente em sentido
inverso, ou seja, das formas superiores e extremas para as
formas sempre mais inferiores, até o seu completo desapare-
cimento.
Essa orientação no movimento da contradição pode ser
observa da na resol ução, na Uni ão Soviética , da contr adiçã o
entre a cidade e o campo. Às vésperas da revolu ção socialista,
essa contr
contrári os.adiçã o atingira
À base dessa ooposi
estágio de oposiç
ção estava ão extrema
a opressão do camdos
po
(camponeses trabalhadores) pela cidade (burguesia urbana).
No curso da revolução socialista, com a limitação da burguesia
urbana, a cidade não podia mais explorar o campo que, na
pessoa dos Koulaks, pôs-se a explorar a cidade, especulando
sobre os pro dut os agrícolas. No curso da coletivização da
agricultura, toda a base de oposição entre á cidade e o campo
desapareceu e essa contradição passou para o estágio de dife-
rença essencial. Com efeito, entre a classe operária soviét ica
e os kolkhoziens ainda há algumas diferenças essenc iais, que
são concernentes, em primeiro lugar, às formas de propriedade

.294
(a classe operária está ligada à propriedade social socialista,
enquanto que os camponeses Kolkhozianos estão ligados à pro-
priedade coletiva ), às condições de trabalho e às formas de
remunera ção. Na URSS, com a elev ação da proprie dade
kolkhoziana ao nível de propriedade de todo o povo, com base
na mecanização progressiva da produção agrícola e da apro-
ximação das condições
com as condições de trabalho
das empresas do nas cooperativas
Estado, agrícolas,
a contradição entre
a cidade e o campo, entre a classe operária e os camponeses,
passará ao estágio de diferença não-essencial. Atingindo o
estágio de diferença não-essencial, os aspectos da contradição,
assim como no estágio de oposição mais aguda, passam um no
outro, parecem tornar-se idênticos, porque eles são chamados
a ocupar, sob qualquer relação, a mesma posição e representam
um todo único: os trabalhadores de uma sociedade sem classe.
Assim, a contradição não é uma coisa fixa, imutável, mas
encontra-se em movimento incessante, em mudança permanente,
passando das formas inferiores às superiores, e vice-versa, en-
quanto os contrários passam um pelo outro, tornam-se idênticos,
e a formação material que os possui propriamente entra em um
novo estado qualitativo.

4. A CON TRA DIÇ ÃO


COMO FORMA UNIVERSAL
DO SER
Os me tafí sico s, como era inevitável, nega m o cará ter
contraditório da natureza das coisas, de sua essência, acredi-
tando que as coisas não podem contradizer-se a elas mesmas.
Assim, Kant declarava que a "coisa em si" não encerra nenhu-
ma contradição, que as contradições encontram-se unicamente
no pensamento, quando este esforça-se para captar a incognos-
cível "coisa em si", o que testemunha a fraqueza da razão
humana e sua incapacidade de sair do quadro do fenômeno.
Max Hartmann defendia um ponto de vista análogo, quan-
do afirmava que "o que é contraditório não é o que existe em
si, não é a razão em si, mas a exigência de que a razão englobe
o existente em sua totalidade"io.

10
M. Hartmann, Die philosophischen Grundlagen der Naturwissen-
schaften, Jena, 1948, p. 36.

.295
O filósofo norte-americano Sidnay Hook nega a existencia
objeti va das contradi ções. Segundo ele, o ter mo "c ont rad içã o"
é inaplicável às coisas. Ape nas os pens amen tos e os juízos
podem ser contraditórios, nã o as coisas. Sidnay escreveu que:
"A tese fundamental de todas as leis da dialética é a convicção
de que a contradição está 'objetivamente presente nas coisas e
nos proce ssos '. Isto é, no mínimo, um a utiliza ção estra nha
do termo "contradição", e principalmente na medida em que,
desde Aristóteles, o fato de que as proposições, os juízos ou
as afirmações são contraditórios, e não as coisas ou os aconte-
cimentos, tor nou- se um laço comum da teori a lógica"*! . Ho ok
justifica da seguinte maneira seu po nto de vista: "Se tudo que
existe é contraditório... e se todo pensamento correto é uma
imagem ou um reflexo das coisas, a conseqüência disso seria
um cará ter infalível do falso . E as ciências que consideram
a conseqüência como uma condição necessária da verdade não
poderiam progredir". Prosseguindo, ele diz que: "Se tudo o
que existe é contraditório, então Engels não tinha o direito de
dizer que o pensamento, sendo um produto da natureza, deve
'corresponder' à natureza, em vez de contradizê-la" .
12

A cont radi ção, as sim como a inconse qüência do pensa-


mento, só é efetivamente própria ao pensamento quando ele é
inco rret o. Sendo um dos traços de um pens amen to incorre to,
essa forma de contradição não é a conseqüência do reflexo, na
consciência, da contradição das coisas, e também não pode ser
um princ ípio lógico do pens amen to corre to. Se a cont radi ção
só existisse sob a forma de inconseqüência do pensamento, de
contradição dos enunciados, dos juízos e das afirmações, Sidnay
Ho ok teria um a certa razão. Mas a contradiç ão existe não
apen as sob a fo rm a de inconseqüê ncia do pe nsa ment o, ela
existe, e antes de tudo, sob a forma de aspectos e de tendências
contrárias, próprias às coisas e aos fenômenos do mundo exte-
rior e a seu refl exo no conheci mento. Como conseqüênc ia,
um pensamento justo tem por meta reproduzir na consciência,
sob a forma de sistema de imagens ideais, a realidade objetiva
das coisas, as ligações e relações reais do objeto estudado, e
não pode ignorar esse caráter contraditório das coisas, a pre-

"S. Hook, Dialectical Materialism and Scientific Method, Manches-


ter, 1955, p. 7.
S. Hook, op. cit.
12

.296
sença nelas de aspectos e tendências contrári os, da mesma
maneira como também não pode ignorar uma certa conse-
qüência dos fenôm enos . É por isso que, entre os princípios
lógicos do pensamento, ao lado da exigência de conseqüência
deve estar presente a exigência do desdobramento necessário
do objeto do pensamento em aspectos contrários, assim como
o conheci mento de sua naturez a contr aditó ria. O reconhec i-
mento da contradição das coisas e da necessidade de levar isso
em conta no processo do conhecimento, do pensamento, não
soment e nã o contra diz a exigência de que os pens ament os
correspondam à verdade, mas, pelo contrário, é uma das con-
dições mais importantes para atingir essa correspondência.
O filósofo inglês contemporâneo Philip Spratt defende um
po nto de vista análogo àquele de Sidnay Hook. Ele declara
que: "se reconhecemos que, em determinados casos, um mesmo
juízo é, ao mesmo tempo, verdadeiro e falso, segue-se de ma-
neira simples e rigorosa que todos os juízos são verdadeiros e
que suas negações são verdadeiras tamb ém " . Em outros 13

termos, se reconhecemos como verdadeiros dois juízos contra-


ditórios, seremos obrigados a reconhecer como verdadeiros to-
dos os juíz os, mesmo se eles se cont radi zem . E isso nã o é
nada mais do que "uma confusão linguística" ^.1

O erro do raciocínio d e Spratt é evidente. O reconhec i-


mento, como verdadeiro, de dois juízos contrários, como, por
exemplo, "um corpo em movimento encontra-se em um ponto
dado", e "um corpo em movimento não se encontra em um
ponto dado", não implica absolutamente a necessidade de
recon hecer como verdadeiros do is juízos contrad itório s. A
exatidão dos juízos depende não do fato de que eles se encon-
trem ou não em contradição, ou em concordância, mas do fato
de que eles refl ita m ou não a situação real das coisas. E, pelo
contrário, qualquer que seja o grau das contradições entre os
juízos, eles serão verdadeiros se corresponderem à situação real
das coisas, se refletirem a natureza contraditória do objeto do
pensamento.
Pa ra o metafísico que nega o caráter contrad itório das
coisas e do conhecimento, o reconhecimento da exatidão desses

Ph. Spratt, A new look at Marx , Londres, 1957, p. 19.


13

"Ph. Spratt, op, cit.

.297
ou daqueles juízos contraditórios assemelha-se efetivamente, a
uma confusão de linguagem: o espírito metafísico não é efeti-
vamente capaz de captar o processo real em toda sua com-
plexidade e em toda sua contradição e també m não pod e
representar a coisa como a unidade dos contrários.
Johann Fischl , teólogo alemão contemporâneo, assim
15

como o filósofo inglês Herbert Wood e outros tentaram igual-


mente refutar a tese do materialismo dialético, sobre a contra-
dição das coisas e dos processos, a partir da lei da lógica formal
sobre a contradição (não-contradição).
Uma tendência análoga nasceu entre certos filósofos mar-
xistas. Os teóri cos polon eses Kazimier Ajduk iewi cz, Ad am
Schaff e outros negam, como sendo incompatível com as leis
da lógica formal sobre a contradição o caráter contraditório do
movimento mecânico (por exemplo: um corpo em movimento
encontra-se em um único e mesmo lugar e não se encontra).
Kazimie r Ajdukiewicz, por exem plo, escr eve que: " ( . . . )
O enunciado, segundo o qual um objeto em movimento encon-
tra-se em cada momento de seu movimento em algum lugar e,
ao mesmo temp o, não se encontra nesse lugar, poder ia ser
compreendido no sentido de que, a cada momento de seu mo-
vimento, esse corpo em movimento chega a um certo lugar, mas
não perma nece aí. Se aceitamos es sa inte rpret ação da tes e. . .
não poderemos encontrar nela a confirmação da afirmação,
segundo a qual, o movimento inclui a contra dição . Porq ue
não é menos contraditório afirmar que, a cada momento de seu
movimento, o corpo encontra-se em algum lugar e, ao mesmo
tempo, não se encontra nesse lugar, se o termo "encontrar-se
em algum lugar" na primeira metade da frase é utilizado em
um outro sentido do empregado na segunda parte dessa mesma
frase" . Ele conc lui dizendo que : "A ssim, devemos ref uta r a
16

premissa essencial na demonstração pr ocur ada, que deveria


mostrar que a mudança inclui a contradição" . 17

Ad am Scha ff, no decorre r de seus raciocí nios, chega a


uma conclusão análoga. Depois de ter precisado os termos

15
J. Fischl, Die Weltanschauung des sowjetrussischen Materialismus,
Vo rtr ag im Kat hol isc hen Bildungsw erk in Linz a. d. Do na u, 1953 .
18
K. Ajdukiewicz, Uber Fragen der Logik, in Deutsche Zeitschrift
für Philosophie, 1956, v. 3, p. 318-38.
17

K. Ajdukiewicz, op. cit.


298
que traduzem a presença e a não-presença, em um ponto dado,
de um corpo em movimento, ele declara que: "O objeto que
se move transpõe um ponto dado do espaço, e é unicamente
nesse sentido que ele 'é' e que ele 'enc ontr a-s e' nele. Se dize-
mos que um corpo em movimento encontra-se em um ponto
qualquer do espaço e, ao mesmo tempo, não se encontra nesse
po nto e, se entendemos por isso que esse corpo atravessa esse
ponto e, ao mesmo tempo, não o atravessa, emitimos, então,
um juízo que se contradiz, que é evidentemente inexato, porque
um corpo que se desloca atravessa certos pontos do espaço"! . 8

Mais adiante, para mostrar a incompatibilidade do caráter con-


tradi tório do movi mento com as leis da lógica for mal , ele
prossegue dizendo que: "Se nós a reconhecemos (a lógica for-
mal — A. Ch.), não podemos conciliar esse reconhecimento
com o reconhecimento do caráter contraditório lógico, disso
decorre necessariamente da adoção do caráter contraditório do
objeto encerrado no movimento material. Porq ue senão, ou é
a lógica formal que é falsa ou, então, a tese sobre o caráter
contradi tório objetivo do movimento es tá errad a. Nã o estamos
preservados da necessidade de resolver esse problema, nem
pelas frases 'dialética', nem pelas acusações de revisionismo
A ver dade científica está acima de tudo . Eu estou convenci do
de que uma tal posição corresponde inteiramente ao espírito do
marxismo"i9.
Toda a argumentação da negação do caráter contraditório
do movimento está baseada na lei da lógica formal sobre a
contradi ção (a não- cont radi ção) . Para os autores, o que é
decisivo não é a concordância dos juízos que negam e fixam
o caráter contraditório do movimento com a situação real das
coisas, mas sua concordância com a lei lógica da contradição.
Entretanto, essa lei, exprimindo a exclusão recíproca e a in-
compatibilidade de certos fenômenos e propriedades, na reali-
dade objetiva, não pode exprimir a unidade da exclusão e do
estabelecer recíprocos, da interpenetração e da intercorrelação
dos contrári os. É por isso que, exat amen te no pon to em que
essa unidade contraditória se reflete, ela é insuficiente.

18
A. Schaff, Über Fragen der Logik, in Deutsche Zeitschrift fHI-
Philosophie, 1956, v, 3, p, 338-52.
Studie Philozoficzne, 1957, v. 1, p. 210.
19

299
Ao contrário do materialismo metafísico, o materialismo
dialético não somente reconhece a existência das contradições,
mas acredita que a contradição é uma condição universal da
existência da matéria , uma fo rma universal do ser. Segundo
o materialismo dialético, qualquer que seja a formação material
considerada,
descobrimos quaisquer que sejam
necessariamente os domínios
a presença que focalizamos,
de aspectos e de ten-
dências contrários, a unidade dos contrários, e a presença de
contradi ções. Em partic ular, par a to da sociedade, a contradi-
ção entre a produção e o consumo é um fato, para a sociedade
de classes, há também a contradição entre as diferentes classes;
pa ra o pensamento, há a interação da análise e da síntese; para
a atividade nervosa superior, há a excitação e a inibição, a irra-
diação e a conce ntraç ão dos estímulos. No organismo vivo
desenvolvem-se permanentemente processos contraditórios de
absorção e de rejeição, de hereditariedade e de mutações; na
molécula, há processos de atração e de repulsão; no átomo, há
a interação
trons, dos elétrons
dos prótons e dose antiprótons;
dos prótons, ados elétrons
própria e dos pósi-
partícula "ele-
mentar" representa igualmente a unidade dos contrários e, em
particular, o elétron é caracterizado como unidade de onda e
do corpúsculo, e assim também é o caso do fóton, unidade de
energia luminosa . Na mecânica, en con tra mos a ação e a re-
tro açã o; na eletricidade, a carga negativa e a positiva; no
magnetismo, o pólo Norte e o pólo Sul; na matemática, o mais
e o menos etc. Logo, não há fen ôme nos em que não possamos
descobrir contradições, não há formação material ou ideal que
não represente uma unidade dos contrários.
Sendo um a for ma universal da existência da matéria, a
contradição
lei — unidade
fundamental e luta
da realidade dos aspectos
objetiva contrários —assim
e do conhecimento, é a
como uma das leis fundamentais da dialética.

5. A CON TRA DIÇ ÃO COMO ORI GEM


DO MOVIMENTO E DO
DESENVOLVIMENTO

O reconhecimento da contradição, da unidade e da luta


dos contrários, enquanto condição universal da existência da
matéria, enquanto lei universal da realidade, permite ao ma-

.300
terialismo dialético resolver cientificamente a questão da srcem
do movimento e do desenvolvimento.
Os metafísicos, negando a existência objetiva das contra-
dições, fecharam para si mesmos o caminho de uma resolução
mais ou menos satisfatória do problema da srcem do movi-
mento,
para a daimpulsão
força motriz da matéria,
inicial como jáe oforam obrigados
fizera Newton,a seou,virar
então,
recorreram a Deus, com o fizeram Aristóteles e Wetter, filósofo
idealista alemão contemporâneo ou, ainda, negaram a realidade
do movimento, classificando-o de aparente, como fez, em sua
época, o filósofo grego Zenon.
O materialismo dialético, ao contrário do materialismo
metafísico, considera as contradições, a luta dos aspectos e das
tendências próprios da formação material como a srcem do
movimento e do desenvolviment o. A idéia da c ontra dição
como srcem do movimento foi enunciada, sob uma forma
geral, pelo filósofo grego Heráclito e posteriormente desenvol-
vida e generalizada
"A contradição, por Hegel,
escrevia Hegel que a aplicou
é o que ao conhecimento.
realmente move o mun-
do e é ridículo dizer que não podemos pensar a contradição" . 20

"A contrad ição . . . é a raiz de tod o movimento e de tod a vita-


lidade"^.
Essa tese foi cientificamente criada e desenvolvida, com
uma base materialista, por Marx e Engels, depois por Lenin,
isto é, apenas pelo materi alism o dialético. "O que constitui o
movimento dialético é a coexistência de dois lados contraditó-
rios, sua luta e sua fusão em uma nova categoria"22. o movi-
mento, declara Engels, seguindo Marx, faz-se "pela oposição
dos contrári os que, por seu conflito co nsta nt e. .. condici onam
precisamente a vida da natureza" . "O desenvol vimento , diz
23

Lenin, é a 'luta' dos contrários" ^. 2

Com efeito, a contradição representa a interação dos as-


pectos e das tendências contrárias. Essa interação condiciona

G.
20
W. F. Hegel, Werke, Vollständige Ausgabe, v. 6, p. 242.
G.
21
W. F. Hegel, Wissenschaft der Logik, in Sämtliche Werke, v. 4,
p. 546.
22
K. Marx, Misere de la philosophie, Paris, Editions Sociales, 1961,
p, 122.
F.
23
Engels, La dialectique de la nature, p. 213.
V.
24
Lenin, op. cit., t. 38, p. 344.

.301
sempre, e ainda mais fortemente, quando ela se realiza entre
os contrários, as mudanças constantes nos aspectos ou entre os
corpos em interação.
Por exemplo, a interação da produção e do consumo, que
são aspectos contrários da sociedade, condiciona uma mudança
incessante neles mesmos e nos domíni os c orre spon dent es. da
vida social. Com efeito, pela pro duç ão de bens, os home ns
aperf eiçoa m-se e suas necessi dades modif icam -se. As novas
necessidades que aparecem fixam novos, objetivos para a pro-
duçã o. Pa ra satisfazer essas necess idades, a pro duç ão desen-
volve-se necessariamente e os homens aperfeiçoam-se no
decor rer de seu desenvolvimento. Ad qui re m novas necessi-
dades, que fixam a produção de novos objetivos e assim
sucessivamente. A pro duç ão em desenv olvim ento acarre ta o
desenvolvimento das necessidades, sua mudança, e as necessi-
dades que se modificam trazem certas mudanças na produção.
À medida que se acumulam as mudanças na produção, à me-
dida que se aperfeiçoam as forças produtivas, estas últimas
ultrapassam sensivelmente, em seu desenvolvimento, as relações
de produção, que começam, então, a refrear o desenvolvimento
das forças produtivas e acarretam suas mudanças que, por sua
vez, acarretam mudanças correspondentes nos órgãos do poder,
na política, no direito, na ética etc.
Tudo isso deixa evidente que a luta dos contrários condi-
ciona necessariamente mudanças correspondentes nos aspectos
em interação da formação material e naqueles que lhes estão
ligados e, ao mesmo tempo, condiciona seu desenvolvimento,
sua passagem para um estado novo, qualitativamente mais

eelevado, isto é, a luta dos


do desenvolvimento, contrários
a impulsão da évida.
a srcem do movimento

6. AS LEIS DO CO NHE CIM ENT O


DA CONTRADIÇÃO

Ainda que a necessidade do desdobramento do "um" em


aspectos contrários, da evidenciação da natureza contraditória
do objeto estudado, tenha surgido no estágio da reprodução, na
consciência, de sua essência, o conhecimento das contradições
começa muito mais cedo. Os prime iros passos nessa direção

.302
foram dados praticamente no estágio da colocação em evidência
das características qualitativas e quantitativas.
O momento primeiro, inicial, do conhecimento da con-
tra diç ão é a descoberta, no obj eto estud ado, de fenôm enos
diferentes e contrários que, no começo, são considerados, fora
de
mente sua autônomos
correlação ee coexistindo
de sua interdependência, como completa-
independentemente.
No curso do desenvolvimento posterior do conhecimento,
estabeleceu-se sua ligação recíproca, sua colocação mútua e sua
passagem recíproca de um pelo outro, e isso levou a considerá-
los como aspectos indiss oluvelme nte ligados de um mesmo
fenômeno, como a unidade dos contrários.
A história do conhecimento da eletricidade ilustra muito
bem essa lei do movimento do conhecimento.
Sabemos que os primeiros fenômenos elétricos foram obser-
vados na Antigüidade com o âmbar, graças a sua faculdade de
atrair outro s corpos, qua ndo fric ciona dos. Em seguida, foi
descoberta essa mesma propriedade na ágata, no diamante, no
cristal de rocha, no enx ofr e e em outr os corpos . Na segunda
metade do século XVII, Guericke descobriu que, ao lado do
fenômeno de atração existia também o da repulsão elétrica e
concluiu que a atração elétrica manifesta-se quando há a inte-
ração de um corpo eletrizado com um corpo não eletrizado,
enquanto que a repulsão produz-se entre dois corpos ele-
trizados.
A atração e a repulsão elétricas são consideradas, aqui,
como dois fenômenos autônomos não ligados entre si, embora
eles sejam produzidos por uma única e mesma força elétrica.
Logo depois, Du Fay estabeleceu que nem todos os corpos
eletrizados se repudiam e que há mesmo alguns, dentre eles,
com o a resina e o vidro, que se atraem. Est uda ndo ess e fe-
nômeno, ele concluiu que há dois tipos de eletricidade que se
atrae m mut uame nte e rep udi am seus semelhan tes. Ao primeiro
tipo, ele deu o nome de eletricidade de vidro e, ao segundo, o
no me de eletricidade de resina . O prime iro apar ece (depois
de friccionado) no vidro (daí o nome), nas pedras preciosas,
nos cabelos etc.; o outro aparece no âmbar, na resina, na
sed a etc. A dife renç a essenci al entr e esses dois ti pos de
eletricidade está no fato de que cada um deles repudia a
eletricidade do mesmo gênero que a dele e atrai a de gênero
diferente.

.303
Nesse nível do conhecimento dos fenômenos elétricos, es-
ses dois gêneros de eletricidade parecem ser independentes um
do outro e ligados de forma exterior, isto é, contingente.
Benjamin Franklin, em 1747, procurou explicar a atração
e a repulsão elétricas a partir de um princípio único e de
apresentá-las
dos, de um sob
mesma forma
o tipodedediferentes manifestações,
elet ricidade. ou esta- que
Ele pensava
existisse uma matéria elétrica única (fluido), que penetrava
todos os corpos. As partí culas dessa matéria repelem-se entre
si, mas são atraídas pelas partícula s de um corpo. Qua ndo o
corpo encerra tanta matéria elétrica quanto ele pode conter,
não manifesta propriedades elétricas, não é eletrizado, e quando
aparece nesse corpo uma sobrecarga de matéria elétrica, ele
torna-se eletrificado positivamente (eletricidade de vidro).
Mas há casos em que o corpo encerra menos matéria elétrica
do que pode conter, entã o, ele é eletrificado negativa mente
(eletricidade de resina).
Franklin explicava a eletrificação dos corpos da seguinte
maneira: por friccionamento, a matéria elétrica passa de um
corpo para outro, assim, um deles possui mais matéria elétrica
do que a regra geral, enquanto que o outro possui menor
quan tida de dessa maté ria. A repuls ão recíproca dos corpos
positivamente carregados era explicada pela propriedade de
repulsão das partículas da matéria elétrica e a atração recíproca
dos corpos carregados diferentemente, pelo fato de que os
corpos portadores de uma carga positiva tendem a transmitir
suas sobrecargas, enquanto que os corpos carregados negativa-
mente tendem a preencher sua insuficiência com partículas da
matéri a elétrica. A tend ênci a da eletricidade de se repar tir
de maneira igual servia de explicação à atração de um corpo
eletrifi cado e de um corpo não el etrificado. A teori a de
Franklin da eletricidade fornece um certo fundamento teórico
para os fenômenos elétricos observados com a garrafa de Leyde.
Embora tendo explicado alguns fenômenos elétricos, a
teoria de Franklin não pode, entretanto, explicar de forma
satisfatória o fenômeno da repulsão recíproca dos corpos car-
regados negativa mente. A hipótes e de que as partícul as que
não possuem uma quantidade normal de matéria elétrica são
repulsivas parece extremamente artificial e não consegue con-
vencer ninguém.

.304
Por isso, essa teoria não pode suplantar o ponto de vista
da existência de dois gêneros de eletricidade, que continua a
ser desenvolvida por vários estudiosos.
Uma explicação científica lógica da contradição que está
à base dos fenômenos elétricos, só se tornou possível no fim
do século XIX, depois da descoberta do elétron — vetor de
uma carga negativa — e do próton, de carga positiva, cujas
interações permitem elucidar as contradições que condicionam
os fenômenos elétricos, tais como "unidade" e "luta" dos con-
trários que, em condições adequadas, passam um pelo outro.
Assim, o desenvolvimento do conhecimento da eletricidade
mostr a que o conhec iment o das contradições efetua-se por
meio da descoberta, no objeto estudado, dos diferentes fenô-
menos contrários e de sua correlação e interdependência orgâ-
nicas.
Uma lei análoga pode ser encontrada no desenvolvimento
do conhecimento do calor e, em particular, da irradiação

térmica.
No curso do estudo do calor, observamos que certos
corpos emitem raios térmicos e que outros os absorvem. A
irradiação térmica era ligada ao processo de combustão ou de
aquecimento dos corpos, enquanto que a absorção do calor era
ligada aos corpos, cuja temperatura era inferior àquela dos
corpos que emitiam o calor. No come ço, os fenôme nos con-
trários eram considerados como autônomos, independentes um
do outro e divididos entr e vários corpos. Depois, no fim do
século XVin, procuraram estabelecer a ligação necessária entre
esses fenô meno s. Ass im, em 1791, o físico genovês Pie rre
Prévost emitiu a idéia de que a irradiação e a absorção térmicas

são
absorpróprias de todos
ve os raios os s.corpos
tér mico e que ess
Segundo cada corpo
e pont emite
o de e a
vista,
quantidade dos raios emitidos e absorvidos depende da tempe-
rat ura do corp o e do est ado do meio ambiente, Se o corpo
emite tanto calor quanto recebe dos corpos que o rodeiam,
estabelece-s e ent re eles um equilíbrio térmi co. Se um certo
número de corpos revela-se mais aquecido, estes emitirão uma
quantidade maior de raios térmicos do que aquela que absorvem,
enquanto que os corpos menos aquecidos absorverão uma
quantidade maior de raios do que aquela que emitirão.
Assim, segundo Prévost, a irradiação térmica e a absorção
de calor não intervêm isoladamente, como afirmavam anterior-

.305
mente, mas em correlação, e essas propriedades não pertencem
a corpos diferentes, mas são as propriedades de cada corpo.
Possuindo tendências contrárias, os corpos, segundo Prévost,
estão em interação e, no curso desta, a tendência dominante
será às vezes uma , às vezes out ra. Log o, ele considera a irra-
diação e apermanente
em "luta" absorção como a unidade dos contrários, que estão
entre eles.
O sábio escocês John Leslie procedeu a um estudo mais
detalhado do laço entre a irradiação e a absorção dos raios
térmicos. Em particu lar, ele descob riu que os corpos que têm
uma forte capacidade de irradiação possuem, igualmente, uma
forte capacidade de absorção, e vice-versa.
O fundamento teórico da unidade da capacidade de irra-
diação e de absorção foi dado por Gustav Robert Kirchhoff em
1854. El e for mul ou a lei que tra z o seu no me e que pod e ser
resumida da seguinte maneira: para todos os corpos, indepen-
dentemente de sua natureza, a relação do poder emissivo es-
pectral ao poder absorvente espectral é a funç ão do compri-
mento da onda e da temperatura e é igual ao poder emissivo
de um corpo negro nessa temperatura.
Assim, o desenvolvimento do conhecimento da contradi-
ção ligada à irradiação térmica passou para a fixação dos
fenômenos contrários, o estudo de cada um deles fora de seus
laços com os outros, o estabelecimento de seu condicionamento
recíproco e de sua "luta" e a tomada de consciência de sua
unidade, de sua identidade, enquanto que os contrários excluem-
se e estabelecem-se mutuamente.
A questão dos graus do conhecimento da contradição foi
colocada sob uma
mente, indicou forma geral
os pontos por F.do Vikkerov
de partida que,do correta-
movimento pensa-
men to rum o às contra dições . Segundo ele, o conhecimento da
contradição objetiva subdivide-se em "dois graus": no começo,
colocamos em evidência as diferenças essenciais e os aspectos
contrários existentes no seio do fenômeno, depois a contradição
que se esconde por trás deles, e cujas formas de existência são,
justamente, a diferença e o contrário^.

F. F. Vikkerov, Sobre o problema dos degraus do conhecimento


25

da contradição objetiva, in Problemas de teoria do conhecimento, Perm,


1961, (Col.) p. 49. Original em russo.

.306
B. Kedrov, em seu livro A Unidade da dialética, da lógica
e da teoria do conhecimento (src. em russo) , forneceu uma
26

formulação mais completa dessa lei do movimento do conhe-


cimento.

7. OS TIPOS DE CON TRA DIÇ ÕES


E SUA IMPORTÂNCIA
PARA A PRÁTICA

Já observamos que cada formação material encerra uma


contradição e que ela é a unidade dos aspectos contrários.
Ma s isso nã o significa q ue tod a form aç ão materia l contém
apenas uma única contradiç ão. Possuindo uma quantida de
inumerável de aspectos e de propriedades, cada formação ma-
terial particular encerra um a multidã o de contradições que
estão longe de desempenhar o mesmo papel em seu desen-
volvimento.
Todas as contradições, próprias a essa ou àquela formação
material, podem ser divididas em internas e externas, essenciais
e não essenciais, fundamentais e não-fundamentais, principais e
secundárias.
As interações das tendências ou dos aspectos opostos de
uma única e mesma formação material são contradições inter-
nas. As inter ações de tend ênci as e aspectos opostos próp rio s
a form açõe s materi ais difer entes são contrad ições externas. Um
exemplo de contradições internas nos é fornecido pelas contra-
dições entre o consumo e a produção, próprios a essa ou àquela
sociedade, a contradição entre a excitação e a inibição, próprias
à atividade
que aparecenervosa,
no movia contradição
ment o de entre a onda
part ícul e o corpúsculo,
as elementares, assim
como o elétron ou o fót on. Um exemplo das contra dições
externas pode ser fornecido pela contradição entre a URSS
e um país capitalista, a contradição entre um elétron e um
pósitron etc.
As contradições internas e externas não têm a mesma
import ância no desenvol vimento das forma ções materiais. As

20
B. M. Kedrov, A unidade da dialética, da lógica e da teoria do
conhecimento, Mos cou, 1963 . Original em russo.

.307
contradições internas desempenham nessas formações materiais
o papel decisivo, po rq ue condici onam a autol ocomo ção do
objeto e é precisamente seu desenvolvimento e sua solução que
provocam a passagem de um fenômeno de uma qualidade a
outr a e a um nov o estágio de desenvolvimento. Qua nt o às con-
tradições externas,
as contradições sua influência
internas é sempreconcreta
e sua importância exercidadepende
mediante
de
sua correspondência ou de sua não correspondência às contra-
dições inter nas dessa ou daque la for maç ão material . Se elas
correspondem de uma forma ou de outra às contradições inter-
nas, sua influência é positiva, e em caso contrário, ela é negativa.
As interações entre aspectos e tendências contrários, ca-
racterísticos da essência da formação material, são contradições
essenciais; as interações entre aspectos e tendências contrários,
próprios de um domínio do fenômeno, de ligações e relações
contingentes , não são ess enciais . As contradi ções entre as
relaçõ es continge ntes, não são esse nciais. As contra diçõe s
entre as socialista,
ciedade relações dequeprodução e asperiodicamente,
aparecem, forças produtivas da so-
à medida
que há o desenvolvimento das forças produtivas, são essenciais,
porque relacionam-se com a essência do modo de produção,
cujo conteúdo (forças produtivas), modificando-se continua-
mente, condiciona o caráter contraditório da relação recíproca
com a fo rm a. É igualm ente essencial a contr adiçã o entre a s
cargas elétricas positivas e negativas, porque ela é uma das
caracterí sticas da essência da eletricidade. Uma cont radi ção
não-essencial é, por exemplo, a não correspondência do desen-
volvim ento de alguns domínios da indústria socialista, que
resulta, às vezes, do trabalho impreciso de alguns organismos
de planejamento,
socialista, porque da
da essência ela indúst
não decorre da naturezaAsdocontra
ria socialista. regimediçõe s
entre os diferentes partidos políticos burgueses são igualmente
contr adiçõ es não-esse nciais. To da s essas contradições nã o
alcançam a essência das formações materiais consideradas, mas
são concernentes aos aspectos exteriores, às ligações e às rela-
ções não-essenciais.
As cont radi ções essenciais desem penham, sem nen hum a
dúvida, um papel fundamental e decisivo no desenvolvimento
dessa ou daqu ela for ma ção materi al. Com efeito, se as con-
tradições essenciais relacionam-se ao domínio da essência de
uma formação material, seu desenvolvimento e sua resolução

.308
repercut em-se obrig atori ament e sobre a própr ia essência da
formação material, acarretando para essa última mudanças cor-
respond entes. As contradiç ões não-essenciais são concern entes
às ligações e às relações contingentes, portanto, seu desenvolvi-
mento e sua resolução podem não afetar a essência da formação
material
formações. materiais
É por isso
não que seu papel no desenvolvimento das
é importante.
As contradições essenciais caracterizam a natureza das
formações materiais e, por sua vez, subdividem-se em funda-
mentais e não-fun dament ais. As contradiçõ es fundame ntais
são aquelas que determinam o estado e o desenvolvimento dos
aspectos mais ou menos essenciais da formação material e de-
sempenham esse papel em todas as etapas de sua existência e
de seu desenvolviment o. As contradições não -fu nda men tai s
são aquelas que caracterizam um dos aspectos da formação
material, condicionam o funcionamento e o desenvolvimento
de um domínio qualqu er dos fenômeno s. Por exem plo, a con-
tradição entre o na
de apropriação caráter social capitalista,
sociedade do trabalhoa e interação
a forma entre
privadaa
absorção e a rejeição ocorrida nos organismos vivos, entre os
processos de excitação e de inibição na atividade nervosa
superior, a correlação entre a análise e a síntese no ato cogniti-
vo relacionam-se às contradições fundamentais porque, de uma
maneira ou de outra, elas marcam, com suas pegadas todos
os outros aspectos característicos do domínio correspondente
dos fenôm enos. Assim, as contradições caracterís ticas de alguns
domínios da vida da sociedade capitalista ou de alguns aspectos
da atividade cognitiva também não são fundam ent ais . Por
exemplo, a contradição entre o desenvolvimento planificado da
produção daemsociedade;
conjunto algumas a empresas
contradiçãocapitalistas e a anarquia
entre a tendência à ex- no
pansão ilimitada da pr oduç ão capitalista e o consumo limitado
das massas populares que há nesses regimes; a contradição entre
a quantidade de germes produzidos pelo organismo e a quanti-
dade de germes que subsistem etc. são contradições não-fun-
damentais, porque caracterizam apenas alguns aspectos de
objetos determinados.
Além da contradição fundamental que age em todas as
etapas da existência e do desenvolvimento da formação ma-
terial, distinguimos ainda uma contradição principal que deter-
mina igualmente todos os outros aspectos da formação material

.309
e deixa nesta uma marca determinada, mas que só age em um
estágio dado do desenvolv imento e no quadr o deste. A con-
tradição principal está organicamente ligada à contradição
fundamental e é, habitualmente, um dos aspectos desta, uma
parte constitutiva ou uma forma concreta de sua manifestação,

Da
mentoresolução da çãcontradição
da for ma o material principal depende
e sua passage m opa ra
desenvolvi-
o estágio
seguinte.
Todos os tipos de contradições consideradas são univer-
sais, isto é, produzem-se em todas as formas de existência da
matéria.
As contradições que se manifestam em todas as formas do
movimento da matéria apresentam, entretanto, outras particula-
xidades, ao lado daquelas já observadas, que são condicionadas
pela especificidade do domínio dos fenômenos e pela fo rma de
movimento da maté ria nos quais elas apare cem. Por exemplo,
alguns traços característicos são próprios das contradições da
natureza
animal e inanimada, outros
outros, ainda, são são próprios
próprios ao social.
à vida mundo vegetal e
Levando em conta a especificidade da manifestação e da
resolução das contradições na sociedade, todas as contradições
que concernem à vida social podem ser divididas em antagônicas
e não-a ntag ônica s. São antagônicas as contrad ições entre as
classes e outr os grupos soc iais que têm interesses opostos. São
não-antagônicas as contradições entre as classes ou outros gru-
po sociais que têm interesses comuns em questões fundamentais
da vida e interesses opostos ou diferentes em questões não-
fundamentais, particulares.
Assim, as contradições entre os escravos e seus donos,
entre os senhores
proletariado, entrefeudais e seus
os países servos, entree aosburguesia
imperialistas e o
povos coloniais,
entre o mundo socialista e o mundo capitalista etc. são contra-
dições antagôni cas. As contra dições entre a classe operá ria e
os camponeses na sociedade socialista, entre as forças produti-
vas e as relações de produção socialistas não são antagônicas. .
Um traço particular das contradições antagônicas é que
sua resolução acarreta no desaparecimento e na destruição da
unida de, do estad o qualitat ivo ao qual ela s são própr ias. Por
exemplo, com a resolução da contradição entre os escravos e
seus donos desa pare ce a escra vatur a. A resol ução da contra-
dição entre o proletariado e a burguesia é acompanhada igual-

.310
mente pela extinçã o da unid ade constituída pelas classes. O
modo de produção capitalista caracterizado por essa contradição
é substi tuído pelo mod o de prod ução socialista, pel a nova
unidade.
Ao contrário das contradições antagônicas, as contradições
não-antagônicas não têm essa propriedade. Sua resoluçã o não
somente não destrói a unidade ou o estado qualitativo mas, em
vez disso, ref orça -os . Por exemplo, a resoluç ão dessa ou
daquela contradição, surgida entre as forças produtivas e as
relações de produção no curso do desenvolvimento da socie-
dade socialista, não destrói o modo de produção socialista, mas
acarreta seu reforço e seu aperfeiçoamento.
As contradições antagônicas caracterizam-se por uma ten-
dência a tornar mais agudos e, a transformar seus aspectos cons-
titutivos ao extr emo. Essa tendênc ia é cond ici onad a pela
própria natureza dessas contradições e pelo caráter inconciliável
dos interesses de classe, no qual estão base adas . É po r isso que
os socialistas
afirmam que, de
comdireita e os revisionistas
a transformação estão errados
do capitalismo quando
em capita-
lismo monopolista de Estado, as contradições antagônicas,
próprias da sociedade capitalista, desaparecem e que a socie-
dade envereda pelo caminho de um desenvolvimento planifi-
cado, har mon ios o e sem crises. O capitalism o monop oli sta
de Estado não modifica a natureza das contradições próprias
ao capitalismo e é por isso que ele não pode evitar que essas
contradi ções te nda m a tornar-s e mais agudas. Alé m disso,
sendo a expressão máxima da natureza reacionária do imperia-
lismo, o capitalismo monopolista de Estado apenas reforça essa
tendência, aprofundando ainda mais as contradições sociais, e,

exat poderio
"O ament e enorm
por isso,
e dosaprox ima o mome
monopólios nto de sua reso
internacionais torn luçã
ou o.a
concor rência ainda mais impiedosa. Os governos dos países
capitalistas fazem sucessivas tentativas para suplantar a crise.
Mas a natureza do imperialismo é de tal ordem que cada um
procura obter vantagens às custas dos outros e impôr sua
vontade. Os desentendimentos manifestam-se sob novas for-
mas, e as cont radi ções explodem com uma for ça cada vez
maior" . 27

0 XXV Congresso do PCUS. Documentos e resoluções,


í7
Moscou,
Edições da Agência de Imprensa Novosti, 1976, p. 35.

.311
Diferentemente das contradições antagônicas, as contradi-
ções não-antagônicas não encerram tendências à exacerbação,
porque baseiam-se em interesses comuns, nas questões funda-
mentais, o que faz com que os grupos sociais que constituem
as diferentes partes dessa ou daquela contradição não-antagô-
nica, estejam fundamentalmente
e no desenvolvimento do domíniointeressados em ultrapassá-la
correspondente do fenômeno.
Entretanto, isso não significa que a contradição não-antagônica
nunc a se torn e mais ac entua da. Se nã o toma mos medidas
oportunas para resolvê-la, os aspectos que a constituem podem
transformar-se em extremos.
O que é específico para a sociedade socialista e o período
de construção do comunismo é que o desenvolvimento engendra
e destrói as contrad ições não-an tagôni cas. A resol ução dessas
contradições produz-se sem conflitos de classe, com base na
unid ade mor al e política de toda a socie dade. O part ido co-
munista desempenha, aliás, na resolução desse caso, um grande
papel. É ele que toma as medidas necessárias para resolver
essas contradições em tempo oportuno: revela as causas dessas
ou daquelas contradições, define os caminhos e os métodos
para resolvê-las e mobiliza os recursos hu ma nos e materiais
pa ra executar as tarefas que resultam disso.

.312
XIV. A NEGAÇÃO
DA NEGAÇÃO

1. A NEG AÇÃ O DIA LÉTI CA

Como já fizemos observar, em um estágio dado do de-


senvolvimento da contradição, os contrários mudam-se seja

um pelo outro,
resolução seja pelase, formas
da contradição superiores,
ao mesmo tempo, condicionando
a eliminação doa
antigo estado qualitativo e o aparecimento de um estado novo.
O aparecimento deste resulta, portanto, da negação do antigo
estado qualitativo qu e já está anul ado. O resu ltad o disso é
que a negação é um momento necessário do desenvolvimento.
Mas, mediante a negação de uma formação material (ou
de um estado) por uma outra, produz-se não somente o desen-
volvimento do inferior ao superior, do menos perfeito ao mais
perfeito, mas igualmente um movimento circular e um a re-
gressão — passagem do superior ao inferior, do mais perfeito
ao menos perfe ito. Por tant o, é necessário disting uir a negação
em decorrência
superior, da qual
da negação querealiza-se
se produza passagem
no curso dodo inferior ao
movimento
circular ou de regressão.
Em decorrência da evidenciação das partículas da negação
ligada à evolução surg iu a noção de negaç ão dialética. Distin-
guir a negação dialética entre a massa de negações observadas
na realidade objetiva não significa, entretanto, que na realidade
objetiva, ao lado da negação dialética submissa às leis da
dialética, exista uma negação metafísica que escapa às leis da
dialé tica . A dialét ica estuda as leis gerais do movi ment o e,
portanto, de um movimento que não é evolutivo, que não é
acompanhado pela passagem do inferior ao superior, mas que

.313
representa mudanças regressivas ou um movimento circular —
repetição do passado sobre a mesma base.
Por que chamamos de dialética a negação ligada à evolu-
ção, qua ndo a nega ção ligada à r egress ão e ao movim ento
circular é classificada de não-dialética?
Essas denominações
ticularidades históricas do são convencionais
aparecimento e doe desenvolvimento
ligadas às par-
da teoria da dialética. O apar eci ment o da dialética como
ciência está ligado ao reconhecimento do desenvolvimento do
mundo ex terior, da realidade objetiva. En qua nt o que a me-
tafísica nega a evolução, o movimento do inferior ao superior,
reconh ece o movi mento regressivo e circu lar. A teori a do
desenvolvimento, de suas leis e de suas formas partiu essencial-
mente da dialética. Designar como dial ética a negaçã o em
decorrência da qual realiza-se a passagem do inferior para o
superior, ou seja, a evolução, é exprimir novamente essa par-
ticularidade da dialética que a distingüe da metafísica e que
constitui ter
devemos seu em
contvista
eúdo quando
principalanalisamos
. É exatam ente essade idéia
o conceito nega-que
ção dialétic a. Quais são os traços funda men tai s da negação
dialética que a distinguem da negação dita não-dialética?
Como traço distintivo da negação dialética, citamos fre-
qüentemente a objetividade, a realidade de sua existência e o
fato de que ela é uma conseqüência da luta das forças e ten-
dências contrárias internas, próprias à formação material (ou
ao estado qualitativo) negado, isto é, ela é uma autonegação.
No que concerne a esses momentos, eles são incontesta-
velmente próprios à negação dialética, mas não constituem sua
especificidade. O que é objetivo e o que se pro duz real mente
é não somente a negação característica dos processos evolutivos,
mas igualmente a negação característica do movimento circular
e das mud anç as regressivas. Al gum a coisa anál oga produz-se
com o condicionamento da negação dialética pela natureza con-
traditória interna da formação (ou do estado) que é negado.
O resultado da luta dessas forças internas, da interação das
tendências contrárias internas pode ser não somente a passagem
do inferior para o superior, mas igualmente a passagem do
superior para o inferior, assim como o movimento em círculo.
Por exemplo, a morte por velhice de um organismo vivo, ou
a desagregação dos átomos dessa ou daquela substância radioa-
tiva, ou ainda a pulsação das estrelas que é acompanhada por

.314
modificações da temperatura de sua superfície são produzidas
com base e em decorrência da luta de forças e de tendências
contraditórias, mas esses processos não constituem uma negação
dialética, porque eles não condicionam a passagem do inferior
ao superior.

Alguns
negação autoresa passagem
dialética consideramdecomo
uma um traço
coisa específico
negada pelo da
seu
contrário.
A passagem da coisa em seu contrário é característica da
negação dialética, mas nem toda negação dialética significa a
passagem de um fenômeno negado em seu contrário; pode acon-
tecer que, no curso da negação dialética, o fenômeno transfor-
me-se ou não em seu contrário, ou em qualquer outra coisa,
superior em rela ção ao estado qualitativo anter ior. Por exem-
plo, quando da passagem, em decorrência da negação dialética,
do lítio para berilo e do berilo para bório etc. não se produzem
transformações da formação material negada em seu contrário.
A
pelanegação da propriedade
propriedade escravagista
privada feudal, e a dos meiosdesta
negação de produção
última pela
propriedade capitalista etc. não constituem uma passagem para
o contrário.
Ao mesmo tempo, essa lei (passagem do fenômeno em seu
con trá rio ) pod e ser ob servada nos casos de nega ção não-
dialética. Po r exemplo, as passagens do vivo par a o morto ,
da substância orgânica em substância inorgânica, de partículas
elementares possuidoras de uma massa em repouso a partículas
elementares que não possuem massa etc. constituem diferentes
casos de passagem de fenômenos em seu contrário; entretanto,
nenhum deles está ligado à negação dialética.
Uma característica da negação dialética que a distingüe da
negação não-dialética é o fato de que a primeira desempenha
o papel de elo de ligaçã o entr e o infer ior e o super ior. E isso
se dá, porque a negação dialética, sendo uma conseqüência da
evolução e da resolução das contradições próprias à formação
material negada, não é uma simples destruição desse ou daquele
determinismo qualitativo, mas representa uma negação no curso
da qual tudo o que havia de positivo no estado negado, en-
contra-s e retido e tran spl anta do par a um estado qualitativo
novo.

.315
2. A NEGA ÇÃO DIA LÉTI CA
E O MOVIMENTO DO ABSTRATO
AO CONCRETO

Se no(oucurso
materiais da negação
estados dialética
qualitativos), por de algumas
outras, formações
conserva-se e
se desenvolve todo o positivo atingido no curso do desenvolvi-
mento precedente, então toda formação material (ou estado
quali tati vo) surgida no proces so da negaçã o dialética deve
possuir um conteúdo mais rico, po rq ue encerra sob uma forma
anulada tudo o que era positivo e próprio às formações mate-
riais precedentes e possui como próprio alguma coisa específica
que surgiu quando da passagem da matéria a um novo estágio
de desenvolvimento. Em conseqüência disso, no processo da
negação dialética de algumas formações materiais por outras
produz-se um movimento nã o somente do inferior ao superior,
mas do conteúdo
abstrato, para um menos rico,mais
conteúdo limitado
rico, e,diversificado
em um certoe sentido
concreto.
Ess a lei do desenvolvime nto da maté ria foi assinalada
pela primeira vez por Aristóteles. Como princípio primeiro de
desenvolvimento, ele tomava a matéria inicial que, sendo inde-
termin ada e informe, não possui quase nenhum conteúdo. Ela
nem mesmo tem prop rie dad e de existência real. É apenas uma
possibilidade. A tr ansformaç ão da matéria indeterminada em
matéria determinada realiza-se, para Aristóteles, pela união dela
com um a for ma qualqu er. E dessa uni ão nasce m as coisas e,
em particular a água, o ar e a terra, que já têm algum conteúdo
concret o. Assim, pa ra Aristót eles, efetua- se a passagem do
inde term inad o ao deter minado , do abst rat o ao concreto. As
coisas que aparecem dessa forma podem, por sua vez, associar-
se a outras formas e constituir novas coisas, além de poder ser
apresentadas em seu conteúdo sob a forma de substrato geral
da matér ia. Ess as novas coisas têm uma essênc ia mais rica do
que aquelas a partir das quais formaram-se, porque além da
essência das coisas anteriores, elas encerram, sob uma forma
anulada, os momentos e aspectos condicionados pela nova
for ma. Est as últimas coisas, assim com o as precedentes, po -
dem associar-se a uma nova forma e formar coisas novas, que
terão uma essência ainda mais rica, pelo fato de que elas
incluirão, sob uma forma anulada, tudo o que era próprio às

.316
coisas que serviram de ponto de partida ao seu aparecimento e
terão, além disso, o que for trazido pela nova forma.
Segundo Aristóteles, o aparecimento de formações novas
no conteúdo sempre mais complexo e mais rico se produzirá
enquant o todas as for ma s nã o for em esgotadas. A form a
suprema
máximo da e evolução.
a mais perfei ta é Deus . El e represe nta o pont o
Podemos facilmente observar que Aristóteles captou, em
traços gerais, o princípio do desenvolvimento, segundo o qual
produz-se a negação de algumas formações materiais por outras,
assim como a retenção do conteúdo positivo do que é negado
e o movimento do abstrato ao concreto, do conteúdo menos
rico a um conteú do sempre mais rico. Aristóteles captou real-
mente-esses momentos, mas apresentou, entretanto, de maneira
deformada, o mecanismo e a srcem da negação de certas
formações materiais por outras . Segundo ele, essa negaç ão é
o resultado da ação que uma forma existente fora e independen-
tem ent e desse
preendeu que aounegação
daqu eleé ser exerc e sobr
o resultado da eevolução
ele. Elee nã
daoresolu-
com-
ção das contradições próprias à formação material negada.
A estreiteza da concepção aristotélica do desenvolvimento
do ser, através da negação periódica de um pelo outro, foi
suplantada pela filosofia de Hegel.
Como ponto de partida, Hegel apresenta o ser abstrato,
puro, indeterminado, colocando em evidência as tendências
contrárias que lhe são próprias e mostrando como, em decor-
rência da luta dessas tendências contrárias, produz-se a negação
de um e o aparecimento do outro, em um conteúdo mais con-
creto e mais rico.
Assim, tendo estabelecido o "ser puro" como princípio
primeiro, Hegel o declara desprovido de qualquer conteúdo
determinado e equivale nte ao "nada ". O "n ada " e o "ser pu ro"
constituem a unidade, o que engendra a vida, o movimento,
graças ao que o "ser puro" entra em seu vir-a-ser ou desempe-
nha o pap el de vir-a- ser. A cate goria de vir-a-se r já possu i um
certo conteúdo, um certo concreto, embora ainda pouco impor-
tant e. O vir-a-ser leva ao aparec iment o do "se r-aq ui" que,
ao contrário do ser puro, já é um ser determinado, isto é, já
possui um a qualidade.
A categoria de qualidade é ainda mais concreta do que a
categoria de vir-a-ser e possui um conte údo mais rico. Nã o

.317
é mais o "nada" que se opõe à qualidade, mas um outro ser
determi nado, um a out ra qual idad e. Um outr o ser deter mina do
limita o ser dado, e aparec e a fina lid ade. Sendo relac ionado
com ele mesmo, o ser dado transforma-se em ser por si, em
qualquer co isa de único, em uni dade . A categoria d e quanti-
dade aparece. A quanti dade manifesta-s e primeir amente c omo
indet ermina da e indi feren te à qual idad e da coisa. Depois,
sendo colocada em certos limites, ela torna-se uma quantidade
determinada. Relac ionando -se com uma outra quantidade, ou
com ela mesma, a quantidade determinada coloca em evidência
sua qualidade. Observ amos, entã o, uma certa unid ade da
quan tida de e da qualid ade. Apa rec e a categoria de medida.
Uma certa mudança de qualidade conduz a uma mudança da
qualidade dada e ao aparecimento de uma nova qualidade e,
com esta última, de um a nova quanti dade . Um a medida é
destruída, uma outra aparece.
Mas, por trás de todas essas mudanças, esconde-se alguma
coisa estável e cons tant e: as cate gorias de substâ ncia e de
essência, que privam de autonomia as categorias de quantidade,
de qualidade e de medida; estas últimas transformam-se em
momentos das categorias indicadas, tornando, dessa forma, seu
conte údo ainda mais rico, mais concr eto. Exis tind o por meio
de suas propriedades, a coisa desaparece nelas e torna-se fenô-
meno. A uni dade da essência e do fen ôme no constitui a
realidade. A real idade mani fest a-se no começo sob a for ma
de possibilidade. A uni dad e da possib ilidad e e da reali dade
manifesta-se sob fo rm a de neces sidad e. É a part ir da necessi-
dade que se efetua a passagem à causalidade, ao laço de causa
e efeito. O laço entre a causa e o efeito tra nsf orm a-s e em
interação, enquanto à base da interação está o conceito.
Assim, Hegel passa ao "conc eito do conceit o". O con-
ceito constitui o verda deiro cont eúdo da essência. A categoria
de conceito intervém aqui como generalizadora de todo o sis-
tema das categorias precedentes, as quais representam apenas
os estágios, momentos determinados do vir-a-ser do conceito,
e é essa a razão pe la qual as cat egor ias . citada s são contida s
nele, sob uma forma anulada.
"Em geral, diz Hegel, é preciso consid erar o conceito
como o terceiro elemento, tanto em relação ao ser e à essência,
como em relação ao imediato e àreflexão. O ser e a essência

são, nessa medida, apenas instantes de seu vir-a-ser; mas o


.318
conceito é seu fundamento e sua verdade, enquanto identidade
na qual são criad os e cont idos . E eles são contidos no conceit o
porque este resulta deles, mas não mais na qualidade de ser e de
essência-, porque estes últimos só são definidos dessa maneira
na medida em que ainda não regressaram para essa unidade
que é a deles" , isto é, enquanto estiverem anulados pelo con-
1

ceito. Por esse fat o, a catego ria de conce ito revela ser a mais
concreta com relação às categorias que a precedem.
Assim, à medid a qu e há o movi mento antes do pensa -
mento, à medida que o pensamento afasta-se do princípio pri-
meiro, aparecem as categorias sempre mais concretas, que en-
cerram, sob uma forma anulada, todos os momentos do caminho
percorrido.
Assim, torna-se óbvio que Hegel representou a evolução
como um movimento do abstrato ao concreto sempre mais
concreto, condicionado pelas contradições internas, que se reali-
za
umamediante a negação
forma anulada, do de um pelopositivo
conteúdo outro edoa que
manutenção, sob
foi negado.
O movimento progressivo, escreve ele, caracteriza-se pelo
fato de que "começa a partir de simples determinações e de
que as determinações seguintes tornam-se sempre mais ricas e
concretas. Por que o res ulta do cont ém nele mesmo seu pró pri o
começo e o desenrolar deste o enriquece de uma determinação
nova" . 2

A resolução, feita por Hegel, dessa questão apresenta


o defeito de considerar essa lei somente como a lei do desen-
volvimento da idéia, do espírito, rej eita ndo sua aplicação
à nature za. A natur eza, segundo Hegel, é incapaz de evoluir.
Suas for mas ape nas coexistem no espaço. O desenvolvi-
mento é característico somente do conceito de natureza, que
está à base de todos os fenômenos que se desenvolvem
nela e os reúne. "Aqui , ele observa quan to à naturez a, nen hum
processo natural, físico é engendrado, isso se produz apenas
no seio da idéia interior que constitui o fundamento da natu-

1
G. W. F. Hegel, Wissenschaft der Logik, in Sämtliche We'ke, v. 5,
p. 5-6.
2
G. W. F. Hegel, Wissenschaft der Logik, in Sämtliche Werke, cit.,
p. 349.
.319
reza. Apenas o conceito, enquant o tal, metamorfoseia-se,
porque apenas as mud anç as representam um desenvolvimento" . 3

A filosofia marxista é a única a dar uma concepção global


e a prosseguir na elaboração com uma base materialista e
científica
à sociedadedessa lei,conhec
e ao que foiimeestudada
nto. Acom
par tiaplicação
r daí, foià natureza,
estabeleci do
que o movimento (no processo da evolução), indo das forma-
ções de um conteúdo menos rico às formações de um conteúdo
mais rico, isto é, do abstrato ao concreto, é uma lei universal.
Ela manifesta-se em qualquer lugar, na natureza, na sociedade,
no conhecimento.
Tirando dessa lei uma conclusão relativa à atividade men-
tal do sujeito conhecedor, Karl Marx elaborou um método de
ascensão do abstrato ao concreto, no processo do conhecimento,
da intelecção da essência do objeto, de sua expressão em um
sistema de imagens , de conceito s ideais. Ant es de Mar x, os
homens
fenômenosde aplicavam,
ciências queemestudavam esse ou daaquele
geral, o método domínio
ascensão dos
do con-
creto sensív el ao abs tra to. Segun do esse méto do, o estudo de
um domí nio da do dos fen ôme nos devia começa r pelo tod o
concreto. Pa ra estud ar esse tod o, era necessário isol ar os
aspectos, as propriedades e estudá-los enquanto tais, fora de
sua ligação com outros aspectos, e chegar, dessa maneira, aos
conceitos mais simples que refletiam algumas propriedades gerais
ou partic ulares . A eluci dação das prop rie dade s ou relações
gerais ou universais, mesmo das mais simples, era considerada
como suficiente para conhecer o todo estudado, para dele fa-
zer-se uma certa idéia.
Como exemplo de fundamento teórico desse método, po-
demos nos referir a Hobbes e a Locke que, em suas obras
filosóf icas, dedic aram- lhe grand e atençã o. Como exemplo de
sua utilização, podemos recorrer aos economistas do século
XVII que, em seus estudos econômicos, sempre começavam
pelo todo concreto e, em particular, pela popula ção e, no de-
correr de um estudo posterior, iam dos conceitos sempre mais
simples, rumo às abstrações mais elaboradas, até que chegavam
às noções mais simples, como aquelas de "trabalho", "divisão

3
G. W. F. Hegel, System der Philosophie. 2 Teil. Die Naturphiloso-
phie, in Sämtliche Werke, Stuttgart, 1929, v. 9, p. 58.

.320
de trabalho", "valor de troca" etc. "Os economistas do século
XVII, por exemplo, dizia Marx analisando seu método de co-
nhecimento, começam sempre pelo todo vivo, pela população,
pela nação, pelo Es tado, vários Estados etc., mas acaba m
sempre por uma análise que distingue algumas relações abstratas
universais e determinantes, assim como a divisão de trabalho,
de dinheiro, de valor etc.. ." . 4

Depois das propriedades e dos aspectos particulares do


todo serem conhecidos e traduzidos em noções gerais as mais
simples ("abstrações elaboradas"), só era preciso, de acordo
com esse método, reunir de forma mecânica esses conceitos e
abstrações mais simples, para conhecer a essência desse todo.
£ óbvio que não se chega a nenhum conhecimento da
essência orientando-se por esse princípio, porque a essência não
é uma totalidade mecânica, nem tampouco é a simples associa-
ção das propriedades e dos aspectos do objeto, mas sua unidade

dialética, um
correlação tod o dialético,necessárias
e interdependência cujos aspectos encon tram -se em
e naturais.
É por isso que, embora sendo necessário no estágio inicial
do desenvolvimento do conhecimento, no estágio da distinção
e da fixação das propriedades, dos aspectos e das ligações mais
simples do todo estudado, esse método não é absolutamente
aplicável ao conhecimento da essência desse todo, nem à repro-
dução, na consciência, do conjunto de seus aspectos e ligações
necessários (leis), em sua interação, em sua interdependência
natural.
De acordo com esse princípio do conhecimento, a pesquisa
deve ser começada não pelo concreto, mas pelo abstrato, pelos
conceitos quesimples.
sais os mais refletem osAlém
aspectos
disso,oucomo
relações
elo gerais
inicial,oucom
univer-
o ponto
de partida, não se deve tomar qualquer aspecto (simples, uni-
versal), mas um aspecto que seja decisivo no todo estudado,
que determ ine todos os seus outros aspectos. Dep ois de ter
distinguido o aspecto decisivo principal, devemos, de acordo
com esse princípio de pesquisa, tomá-lo em seu desenvolvimen-
to, isto é, observar como ele surgiu, quais os estágios transpos-
tos e de que man eira, no curso desse de senvo lvime nto, ele
influi sobre todos os outros aspectos de uma formação material

K. Marx e F. Engels, Werke.


4

.321
dada, condicionando nela as mudanças correspondentes. Dessa
maneira , repro duzi remos , passo a passo, na consciência, o
processo do desenvolvimento da fo rm açã o material estudada e,
ao mesmo tempo, o conjunto de seus aspectos e ligações neces-
sários, que lhe são próprios, isto é, de sua essência.
El ab ora nd o seu qua dro de classificações periódicas dos
elementos químicos, Mende lev utilizou espont aneam ente algu-
mas exigências desse método de estudo como princípios direti-
vos da atividade gnoseológica. Es tu dan do os elementos quími-
cos, ele constatou que todos eles têm seu próprio peso atômico
e que, além disso, cada elemento é caracterizado por seu próprio
peso atômico, rigorosamente específico. A partir disso, ele
chegou à conclusão de que as propriedades dos elementos quí-
micos dependem de seu peso atômico, e decidiu fazer desse
peso o ponto de partida do estudo das propriedades desses
elementos. Par tin do do peso atômico, como princípio geral ou
como fundamento geral da classificação de todos os elementos
químicos, e lev ando em conta tod a a riqueza do part icul ar
próprio a essa ou àquela parte desses elementos, ele criou
um sistema único, rigoroso, que não somente sistematizava os
elementos químicos já conhecidos e precisava suas propriedades
particulares, mas que dava ainda a possibilidade de prever a
existência de novos elementos químicos ainda não descobertos
e de jogar alguma luz sobre propriedades novas, ainda desco-
nhecidas. Men dele v escreveu a esse rspe ito: "C om apena s
algumas exceções, adotei os mesmos grupos de elementos aná-
logos de meus predeces sores. Mas fixei, como meu objetivo,
estudar as leis das relações recíprocas dos grupos e, assim,
cheguei ao princípio geral citado mais acima (a dependência
periódica das propriedades dos elementos químicos em relação
a seu peso atômico — A. Ch.), que é aplicável a todos os
elementos e engloba várias analogias já mencionadas, mas que
admite igualmente conseqüências que, anteriormente eram
impossíveis"^.
Se analisarmos agora o processo do movimento do conhe-
cimento no caso considerado, podemos observar que ele está
essencialmente submetido aos imperativos do método do movi-

5
D. I. Mendelev, Obras escolhidas. Leningrado, 1934, t. 2, p. 222.
Original em russo.
.322
mento do abstr ato ao concreto. De fato , Mendélev tomo u,
como ponto de partida, o aspecto universal mais simples que,
segundo ele, era determinante em relação a todos os outros
aspectos ou prop rie dade s das formaçõ es materiai s estuda das.
Em seguida, ele observou suas mudanças, o desenvolvimento
das manifestações inferiores para as superiores, a influência
dessas muda nças sobre a qualidad e dos elementos químicos.
Seguindo as mudanças desse aspecto de um elemento químico a
outro, Mendelev ia, na realidade, do abstrato para o concreto,
de um cont eúdo menos rico par a um conte údo mais rico.
Efetivamente, quando ele realizava a passagem de um aspecto
do elemento químico (peso atômico) para todos os seus aspec-
tos e para o conjunto de suas propriedades (ele deduzia essas
propriedades e as explicava a partir do peso atômi co), o que
ele fazia era realiza r a passagem do abstra to universal (o peso
atômico é a pro pri eda de universal dos elementos químic os)
para o concreto (o conjunto de propriedades de um elemento
químico dado), de um conceito com um conteúdo pobre para
um conceito com um conteúdo mais rico.
Depois, seguindo a mudança do peso atômico, e passando
de um elemento químico a outro, ele reconstituía, passo a passo,
e reproduzia na consciência, um depois do outro, os elos desse
sistema complexo dos elementos químicos e, assim, estabelecia
um quadro sempre mais completo dos objetos estudados, isto
é, ia rumo a um concreto sempre mais completo.
É preciso observar aqui que não é nada simples isolar e
definir o ponto de partida, o aspecto geral que será efetiva-
mente determinante nos fenômenos estudados e que desempe-
nha
casoráque
ta mbé m um pap
analisamos, o elquediretivo em seu
foi tomado desenvol
como ponto vimento.
de partida No
e como aspecto determinante não era, na realidade, o aspecto
que possui e ssas qualida des. O nível de desenvolvi mento da
ciência naqu ela época não permitia isolar um tal aspec to. E
pelo fato de que esse aspecto determinante permanecia desco-
nhecido, não se podia dar uma explicação suficiente, nem che-
gar a nenhuma conclusão que comprovasse o conteúdo concreto
dos elementos, químicos e, portanto, do conhecimento de sua
essência. Par ti ndo do que se podi a observar na superfície dos
fenômenos, Mendelev indicou o domínio ou o aspecto que
determina efetivamente as propriedades dos elementos, mas não

podia explicar nem por que, ne m de que maneira esse aspecto


.323
é determinante, poique há uma repetição periódica das proprie-
dades. Ta mbé m sua tese, segundo a qual as propr ieda des dos
elementos químicos são determinadas por seu peso atómico,
baseia-se antes de tudo na simples observação do fenômeno da
repetição e não no estabelecimento de um laço de causa e efeito.
Apesar disso, a classificação periódica dos elementos quí-
micos de Mendelev reproduzia de forma tão exata a ligação
real desses elementos que, to das as desc oberta s posteriores
quan to à est rutu ra dos átomos dos elementos químicos, que
levaram à definição dos aspectos reais que desempenham um
papel decisivo na determinação do conjun to das propriedades
dos elementos químicos (carga do núcleo atômico) não a
modi fic aram de fo rm a sensíve l. Mas, pelo contrá rio, a classi-
ficação elaborada por Mendelev serviu de guia para os pes-
quisadores que trabalhavam na estrutura dos átomos, orientando
de maneira notável seus trabalhos.
A teoria mecanicista do calor, teoria que se deve a dois
físicos da segunda metade do século XIX, é um outro exemplo
de conhecimento por ascensão do abstrato ao concreto.
No pe ríodo precedente, a atenção dos sábios estava voltada
para o estudo de algumas propriedades do calor, de alguns
fenô meno s que se ligavam a isso. Em decorrênc ia dessas
pesquisas, foram elaborados vários conceitos gerais abstratos,
que refletiam certos aspectos e ligações dos fenômenos térmicos,
isto é, condutibilidade térmica, irradiação térmica, ponto de
fus ão, pon to de ebulição, capacida de calo rífe ra etc. Da mesma
forma foram descobertas algumas relações gerais e necessárias
— leis próprias ao calor. Assim, Boyle, em 1665, formulou
a lei de constância dos pontos de fusão dos corpos; Galileu
Galilei, em 1693, descobriu a lei de constância do ponto de
ebulição da água; e um pouco mais tarde, Newton descobriu
a lei de constância do produto das capacidades térmicas e dos
pesos atômicos específicos; Fourier, em 1822, encontrou de
forma experimental a lei segundo a qual uma corrente de calor,
que atravessa uma camada dada, é diretamente proporcional à
diferença de temperaturas nos limites dessa camada, da super-
fície da camada e inversamente proporcional à espessura da
camada.
Mas, reunir todos esses conhecimentos em um todo uni-
ficado, fundi-los em um princípio único, só foi possível na
segunda metade do século XIX, quando foi estabelecido que

.324
o calor repres enta uma forma particu lar do movimen to da
matér ia, ou seja, o movimento das moléculas. Com a desco-
berta da natureza do calor, foi estabelecido o elo fundamental,
o princípio determinante, a partir do qual puderam ser explica-
dos todos os fenômenos condicionados pelo calor, além de

represe ntá-lose naturais,


necessárias em sua isto
correlaçã o e em sua
é, reproduzir sua interde pendênci
essência na a
consciência.
A explicação dos fenômenos térmicos, partindo da idéia
de que o calor é um a for ma parti cular do movime nto das
menores partículas da matéria, foi fornecida pela teoria mecâ-
nica do calor. De acordo com essa teoria, o calor represe nta
um movimento caótico progressivo, rotativo ou de balanço das
menores partículas: moléculas, átomos, íons etc., que permutam
continuamente sua energia.
Partindo dessa concepção do calor, podemos facilmente
explicar todos os fenômenos que se ligam a ela e, em par-
ticular, a condutibilidade e a irradiação térmicas, assim como
a passagem de um estado de agregação a um outro, os diferentes
pontos de fus ão e de ebulição das diversas substâncias etc.
Com efeito, a condutibilidade térmica pode ser apresen-
tada da seguinte maneira: as moléculas das partes aquecidas
do corpo agitam-se e chocam-se com as coléculas das partes
vizinhas, transmitindo-lhes uma parte de sua energia e aumen-
ta ndo sua velocidad e. Essas outras moléculas , por sua vez,
agem da mesma mane ira sobre as molécul as vizinh as etc. Em
decorrência disso, a energia interna do corpo parece passar das
partes com temperatura elevada pa ra as partes com temperatura
inferior.
A energia do movimento térmico transmit e-se de uma
pa rte do corpo, a outra, não apenas mediante a interação das
moléculas, mas igualmente através da interação dos elétrons,
dos átomo s e dos íons . Po r isso, nã o é po r acas o que os
metais possuem uma grande quantidade de elétrons livres capa-
zes de se deslocar em todo condutor, sejam eles bons ou maus
cond utor es de calor. Os elétrons que se deslocam livremente
em um sentido ou em outro chocam-se com os átomos e com
os íons do metal, trocam uma parte de sua energia e, assim,
aceleram o movimento da energia das partes mais aquecidas
do corpo, rumo às menos aquecidas.

.325
Ao lado da passagem de certas partículas para outras,
uma quantidade notável de energia interna do movimento tér-
mico é continuamente emitida para o exterior, sob a forma de
quanta e essa energia é completada sem cessar pela absorção
de quanta emitido por outros corpos . Por isso, fala- se do poder
de irradiação
missão, e do poderdade energia
por irradiação, absorçãodede um
um corpo
corpo, para
e da outro,
trans-
quando estes .se encontram a uma certa distância dele.
Partindo do calor como forma particular do movimento
das moléculas e de outras partículas, podemos facilmente
explicar a presença de três estados de agregação e a passagem
dos corpo s uns pelos outros. Assim, o esta do sólido dos
corpos deve-se à atração recíproca das moléculas, que é aqui
particularmente importante, o que faz com que as moléculas
sejam solidamente ligadas entre si e operem um movimento de
balanceamento, apenas em relação a certas posições de equilí-
brio, ou seja, aos nós da rede cristalina. Quando há o aqueci-
mento de um sólido, as moléculas que se chocam recebem
uma energia suplementar e aumentam a amplitude e a veloci-
dade de seu bala ncea ment o. Em decorrênci a, o corpo se dilata.
À medida que prossegue o aquecimento, as moléculas aumen-
tam sua velocidade e afastam-se sempre mais umas das outras.
Finalmente a distância entre elas aumenta de tal forma que as
forças de atração não conseguem mais manter seu balancea-
mento per to da posiç ão constant e de equilíbrio. Esse equilíbr io
é destruído e as moléculas, continuando a exercer uma certa
influência umas sobre as outras e a se atrair, começam a se
deslocar nesse ou naquele sentido, embora sendo acompanha-
das pelas molécul as vizinhas. Assim, o corpo perde sua for ma
determinada e passa ao estado líquido.
As forças de atração entre as moléculas, sendo diferentes
segundo as substâncias, provocam a liquefação. destas últimas,
em diferentes temp erat uras . Mas os sólidos repr esen tam uma
única e mesma substância e se liquefazem a uma única e cons-
tant e tem per atu ra. É verda de que, a pres são sob a qual o
sólido se encon tra influi sobre esse pon to de fusão . Mas a
explicação, inclusive desse fenômeno, está ligada ao movimento
térmico das moléculas que acarreta uma mudança de volume.
Se é próprio ao corpo em fusão diminuir seu volume (gelo),
o aumento de pressão acarretará no abaixamento de seu ponto
de fusão, completando, dessa maneira, uma parte da energia

.326
do movimento molecular, necessário à reestruturação das liga-
ções e relações moleculares, no sentido da diminuição de volume.
Se o corpo em fusão se dilata (enxofre), o aumento de pressão
acarretará uma elevação de seu ponto de fusão, porque, aqui,
para a reestruturação das ligações e das relações moleculares

que são da
aumento acompanhadas pelaas dilatação
distância entre moléculasdoquecorpo, isto é, pelo
o compõem, será
preciso uma energia complementar pa ra vencer as forças da
pressão exterior que entravam o aumento do volume do corpo.
O fato de que a temperatura do corpo que recebe o calor
não mude no momento da fusão decorre de que essa energia
serve não para o crescimento da energia do movimento mo-
lecular, mas para vencer a resistência das forças de atração das
moléculas do sólido.
Quanto à transformação de um corpo sólido em gás, esta
desenvolve-se de forma análoga: com a elevação da temperatura
do líquido, a velocidade das moléculas e seu afastamento cres-
cem cont inuam
moléculas ente.
aumenta a tal Fina lmen
ponto queteasa colisões
energia térmicas
do movime nto das
destroem
as ligações entre as moléculas e a substância começa a entrar
em estado gasoso. É preciso observa r, entre tant o, que a
transformação de uma substância em um estado gasoso está
igualmente ligada à pressão exterior exercida sobre o líquido,
que também se esforça para manter o conjunto das moléculas.
Por isso, o ponto de ebulição também depende não somente
das forças de atração recíproca das moléculas, que caracterizam
esse ou aquele líquido, mas igualmente da pressão exterior.
Quando a pressão aumenta, o ponto de ebulição eleva-se, e
vice-versa.
Assim,
abstrata partindo
do calor, do forma
como princípio único do
particular da movimento
noção geraldase
menores partículas, que está ligado à troca de energia entre
elas, efetua-se o movimento rumo a um concreto sempre mais
denso, no curso do qual explicam-se e reúnem-se em um todo
único, todos os fenôme nos térmicos e, exatam ente por isso,
chegamos ao conhecimento da essência do objeto estudado.
Esse é o fundamento do princípio da lógica dialética da
ascensão do abstrato para o concreto.
3. A LE I DA NE GA ÇÃ O
DA NEGAÇÃO

No curso da negação dialética de algumas coisas, por


outras, observamos não somente a passagem das formações
materiais tendo um conteúdo menos rico, para as formações
materiais que possuem um conteúdo cada vez mais rico, mas
igualmente uma volta para trás, a repetição do que já foi
transposto, sobre uma base nova. A "volta aparente ao antigo " , 6

não é um fenômeno contingente, mas uma lei universal neces-


sária do desenvolvimento. Es sa volta é deter minad a pelo fat o
de que no processo da negação de certas formações materiais
ou estados qu alitativos por outr os efetua -se a passagem dos
fenômenos (qualidades, traços, aspectos, propriedades) não
somente para um estado diferente, mais elevado (mais perfeito),
mas també m em seu con trár io. " ( . . . ) Nã o há nenhum fenô-
meno que não possa, em certas condições, transformar-se em
seu contrário" .7

Depois de ter-se transformado em seu contrário, o fenô-


meno, no curso de outras negações, transforma-se novamente
em seu contrário e dá, assim, a impressão de voltar a seu estado
inicial. Ve m daí a repetiçã o do estado já tran spos to, mas sobre
outra base, mais elevada, porque, no fenômeno que volta a seu
estado inicial, encontramos sob uma forma anulada, o conteúdo
positivo adquirido no curso do desenvolvimento posterior, em
decorrência da passagem do fenômeno por outros estados qua-
litativos mais elevados e em seu contrário.
A idéia de um laço entre a repetição dos graus já trans-
postos no curso do desenvolvimento da matéria, por um lado, e
a tra nsf orm açã o dos fenô meno s em seu contr ário, por outro
lado, foi claramente exprimida por Plekhanov: "No término de
seu vir-a-ser, todo fenômeno transforma-se em seu contrário,
escrevia ele, mas como esse novo fenômeno, antitético ao
primeiro, transforma-se, po r sua vez, em seu contrário, a ter-
ceira etapa da evolução apresenta uma analogia de forma com
a primeira" .8

6
V. Lenin, Oeuvres, t. 38, p. 210.
7
V. Lenin, op. cit., t. 22, p. 332.
8
G. Plekhanov, Ensaio sobre o desenvolvimento da concepção
monista da história, Paris-Moscou, Editions Sociales, Ed. Progresso,
1973, p. 81- 82. Origin al em russ o.

.328
A repetição, sobre uma nova base, superior do que já foi
transposto no curso da negação dialética constitui a essência
da lei da negação da negação . Em sua obra Karl Marx, Lenin
colocou em evidência o conteúdo dessa lei e chamou atenção
precisamente para esta particularidade da evolução. Ele indi-
cou que: "a negação da negação" é "uma evolução que parece
reproduzir os estágios já conhecidos, mas sob uma outra forma,
em um gra u mais e le va do .. . " . 9

A forma elementar de manifestação da lei da negação da


negação é o retorno ao ponto de partida, a repetição do que já
foi transposto, sobre uma base nova, por meio de duas nega-
ções. Isso produz-se qua ndo a tra nsf orm açã o do fenôm eno em
seu contrár io efetua-se no curs o de um a únic a negação. Em
decorrência da primeira negação, o fenômeno transforma-se em
seu contrário e, em decorrência da segunda, esse novo fenô-
meno, transformando-se, por sua vez, em seu contrário, repete
(sobre uma base nova) o primeiro, o inicial.
A repetição do que já foi transposto, sobre uma base mais
elevada, por meio de duas negações, não é uma coisa rara.
Encontramos casos desse tipo na natureza, na sociedade, no
conhecimento . Por exemplo , grão-planta-grã o; borboleta-crisá-
lida-b orbolet a. Ent ret ant o, na reali dade, observamos, ao lado
dessa, uma outra lei. A volta par a trás, a repetição, sobre
uma nova base, do que já foi transposto, pode ser feita não
apenas por meio de duas negações, mas por três, quatro, cinco
ou mais. Isso se deve ao fat o de que o fenô meno transfo rma-se,
no começo, em um estado qualitativo mais elevado e, somente
depois, em seu contrár io. Em conseqüênci a, para voltar à po-
sição inicial, é preci so mais de duas negaçõ es. Seu núm ero
depende da natureza específica das formações materiais.
Por exemplo, quando da passagem do lítio, cujas proprie-
dades metálicas são claramente definidas, ao berílio, observa-
mos a transformação do fenômeno, não em seu contrário, mas
em um outro estado qualitativo. O berílio apresenta muitos
traços comuns ao lítio e, em particular, às propriedades metá-
licas, embora essas sejam menos claras no berílio do que no
lítio. Tam bém nã o há tra nsf orma ção em seu contrário , quan do
da passagem pa ra o bor o, que se segue à do berílio. O boro

9
V. Lenin, op. cit., t. 21, p. 49.

329
Tfiseu Savérío Sposito
possui igualmente propriedades metálicas, embora ele já ma-
nifeste ta mbé m as dos metal oides . Em seguida, quan do da
passagem ao carbono, ao ozônio e ao oxigênio, as propriedades
metálicas desaparecem completamente, enquanto que as pro-
priedades metaloides acentuam-se, o que significa uma trans-
for maç ão gradual do fen ômen o inicial em seu contrár io. Essa
passagem só está definitivamente terminada quando chega ao
flúo r, metal oide part icul arme nte ativo. A passagem de um
elemento químico, cujas propriedades metálicas estejam nitida-
mente marcadas, em um elemento químico possuidor de pro-
priedades não-metálicas, nitidamente marcadas, efetua-se em
seis negações.
A volta no curso do desenvolvimento posterior ao ele-
mento dotado de propriedades metálicas é mais brutal e efetua-
se somente por meio. de duas negações — a negação do flúor
pelo neônio, gás inerte desprovido de propriedades dos metais
e dos metaloides, e a negação do neônio pelo sódio que, como
o lítio,para
volta possui
trás,propr ieda des da
a repetição metáli casjániti
etapa dame nte sobre
transposta, marca das.
uma A
base nova, realiza-se, portanto, po r meio de oito negações. Há
casos em que essa passagem se faz por meio de dezoito nega-
ções (do potássio ao rubídio), por meio de 32 negações (do
césio ao frâncio) e por meio de 4 negações (da propriedade da
comunidade primitiva à propriedade social socialista) etc.
Certos autores ignoram esse ponto de vista e ligam a lei
da negação a apenas duas negações 10
.
A necessidade de duas negações para a repetição, sobre
uma nova base, do que já foi transposto, provém da concepção
da negação dialética como transformação do fenômeno em seu
contrário. deEuma
passagem desde queemtoda
coisa neg açã o dialética
seu contrário, para quecondiciona a
possa dar-se
a volta à posição inicial, são suficientes duas negações: no
curso da primeira, a coisa transforma-se em seu contrário e, no
curso da segunda, há uma volta ao ponto de partida e a repe-
tição do grau já transposto, sobre uma nova base .
11

10
G. M. Domratchiov, S. F. Efimov, A. V. Tmoíeev, A lei da
negação, Mos cou , 1961, p. 116. Ori gin al em russo.
"V. Baguirov, A lei da negação da negação, p. 151. Original em
russo.
Esse raciocínio seria incontestavelmente exato se, na reali-
dade, cada negação dialética representasse a passagem do fenô-
meno em seu contrá rio. Ent ret an to, sabemos que nem toda s
as negações dialéticas constituem a passagem do estado quali-
tativo negado em seu cont rári o. Fre qüen tem ent e, no curso da
negação dialética, a coisa transforma-se não em seu contrário,
mas
Desdeemque
qualquer outra coisa,
isso acontece, em um outroincorreto
é absolutamente estado qualitativo.
apreciar a
dupla negação como um traço característico da lei da negação
da negaç ão. O aspec to nece ssá rio dessa lei não é a dup la
negação, mas a repetição dos graus da etapa já transposta sobre
um a nova base, mais elevada, repet ição que é condi ciona da
pela passagem do fenômeno em seu contrário, no curso da
negação de certos estados qualitativos por outros.
É evidente que os autores em questão percebem que seu
esquema contradiz a situa ção real das coisas. Eles têm cons-
ciência disso e esforçam-se para adaptar esse esquema aos fatos.
Por exemplo, compreendendo que nem toda negação dialética
condiciona a passagem de uma coisa em seu contrário, e que
para essa passagem são precisas várias negações, eles conside-
ram como uma única negação dialética toda a série de negações
necessárias para a passagem desse ou daquele fenômeno em seu
contrá rio. Eles privam de aut onom ia qualquer negação que
entre nessa série e consideram-na como uma etapa, uma fase,
um grau da mudança qualitativa da coisa ou de sua passagem
em seu contrári o. Em decor rênci a de todas e ssas tra nsf orm a-
ções, a repetição de uma nova etapa, por meio de duas nega-
ções do que já foi transposto, transformou-se, segundo eles, em
uma lei universal.
Em nossa opinião, todas essas transformações não são
justificadas. Como já sabemos, a negação dialética é a destrui-
ção da coisa condicionada por suas contradições internas, no
curso da qual o conteúdo positivo da formação negada é con-
servado e desenvolve-se no interior da formação material mais
perfeita, surgida em decorrência dessa destruição. Por isso,
não há absolutamente fundamento para privar de autonomia
uma negação dialética, como, por exemplo, a transformação,
no decorrer do desenvolvimento histórico, da propriedade pri-
vada escravag ista em pro pri eda de feud al e da prop rie dad e
feudal em capitalista, porque ela contém todos os indícios
necessários da negaç ão dialética. O processo da negaç ão dia-

.331
lética é condicionado aqui pelo desenvolvimento das contra-
dições internas e é acompanhado pela manutenção e pela repe-
tição, em um estágio superior, do conteúdo positivo do estágio
inferior negado. É ver dade que aqui nã o há passagem do fe-
nômeno em seu contrário, mas, como já dissemos, isso não é
obrigatório pa ra a nega ção dialética. Os autores menci onado s

acima
forma erigem em aabsoluto
universal, esse caso
única forma particular
possível e dele fazem
de negação uma
dialética e,
exatamente por isso, deformam a realidade.
Assim, na realidade, não é toda negação dialética que
constitui uma passagem da coisa em seu contrário e, portanto,
a repetição do que já foi transposto, sobre uma nova base, não
se realiza sempre por meio de duas negações; o número de
negações é extremamente variável.
Esforçando-se para justificar, a qualquer preço, a tese
segundo a qual a dupla negação é a única forma de manifes-
tação da lei da negação da negação, certos autores declaram
que toda passagem de uma formação material de um estado
qualitativo a um outro representa uma dupla negação, que é
acompanhada de uma volta ao ponto de partida de uma repe-
tição, sobre uma nov a base, do que já foi trans posto. Seu
raciocínio é o seguinte: o salto, em decorrência do qual realiza-
se a passagem da coisa de um estado qualitativo a um outro,
encerra dois momentos: a destruição da antiga qualidade e a
afirm ação da quali dade nova. A destruição da antiga qualid ade
é a primeira negação, condiciona a passagem da coisa em seu
contrário. A afi rma ção da nov a quali dade é a segunda negação
— negação da negação. E condiciona a volta ao ponto de
partida, sobre um a nova base (rumo a um a nova qu al id ad e) 12.
A idéia de que o salto-negação encerra ao mesmo tempo
um momento de destruição e um momento de criação e repre-
senta a uni dade da negaç ão e da afirmação' é correta . O que
é incorreto é dizer que cada um desses momentos representa
uma fase particular e independente da transformação de um
fenômeno em outro, ou em seu contrário, e que cada um dentre
eles constitui uma negação dialética particular.

12
M. Vorobiov, Sobre o conteúdo e as formas da lei da negação da
negação, Boletim da Universidade de Leningrado, n. 23, 1956, Caderno 4,
p. 60 (Série Economia, Filos ofi a e Direito). Or igin al em russo.

.332
No salto, a destruição e a criação não são momentos ou
fases isoladas, autônomas, mas representam dois aspectos,
organicamente ligados, e não podem existir um sem o outro,
de um mesmo processo de transformação de um fenômeno em
um outro, de uma qualidade em uma qualidade nova.
Na realidade, nã o há negação que destrua sem criar, e
vice-versa, porque cada negação é ao mesmo tempo destruição
e criação — destruição de uma e criação de outra, porque a
negação nada mais é do que a transformação de uma formação
material ou de um estado qualitativo em outros.
Por isso, o salto não é duas negações, das quais uma seria
chamada a destruir a antiga qualidade e a outra a criar uma
nova qualidade, mas uma única negação que é chamada a
transformar a antiga qualidade em uma nova qualidade pela
eliminação dos aspectos e das ligações que não correspondem
às novas condições.
Se, no processo da evolução, as novas formações materiais
repetem periodicamente, em traços gerais e sobre uma nova
base, mais elevada, os graus já transpostos, então, é absoluta-
mente natural que o desenvolvimento não possa seguir uma
linha diretamente ascendente, mas dê-se segundo uma espiral,
em que cada volta dê a impressão de repetir a precedente, mas
sobre uma base mais elevada.

.333
XV. A POSSIBILIDADE
E A REALIDADE

1. AS CONCE PÇÕES IDEALISTAS


E METAFÍSICAS
DA POSSIBILIDADE
E DA REALIDADE

Com a passagem do fenômeno à essência, o conhecimento


não pára nem cessa o seu movimento, mas penetra sempre mais
pr of undam en te os objetos estudados, coloca em evidência as-
pectos e ligações sempre novos, e passa, assim, da essência de
primeira ordem à essência de segunda ordem, e assim até o
infinito, Po r esse fat o, tor na- se necessário form ar e utilizar
novas categorias.
Por exemplo, colocando em evidência a essência das for-
mações estudadas, o conhecimento volta-se para o passado,
segue a história do surgimento e do desenvolvimento dessas
forma ções materi ais. Depo is de atingir a essência e, apoi ando -
se nela, o conhecimento olha para a frente, para o futuro, e
descobre imediatamente novas formas e ligações universais do
ser, novos aspectos e relaçõe s universais. Com efeito, repro -
duzindo a essência dessas ou daquela s for maçõ es materiai s,
podemos apreciar não somente o que representa essa ou aquela
coisa em um momento dado, em suas relações dadas, mas
igualmente qual será seu comportamento em um outro mo-
mento, em outr as rela ções . E, aind a mais, se sabemos como
essa coisa surgiu, os principais estágios que transpôs em sua
evolução, podemos também prever com exatidão no que ela
vai se transformar e o que ela poderá se tornar no futuro, em
outras condições.

.334
Logo, se conhecemos a essência de uma formação ma-
terial, conhecemos tanto seus estados reais, como seus estados
possíveis, os que ainda não existem, mas que surgirão neces-
sariam ente em certas condições. Mas, o estado real nã o é
idêntico ao estado possível, o que existe não é idêntico ao que
ainda não existe,
O alcance de um aoe que será unicamente
do outro está longe deem ser
certas condições.
o mesmo para
a prática dos homens.
Por isso torna-se necessário separar, distinguir o real do
possível, colocar em evidência as particularidades de um e do
outro, compreender a dialética das transformações de um e do
outro e recorrer às categorias de "possibilidade" e de "realidade".
O problema da possibilidade e da realidade preocupa há
muito tem po os filós ofos, inclusive os da Antigü idade. Pla tão ,
por exemplo, pr oc ur ou resolvê-lo distinguindo a existência
possível e a existência real. Segundo ele, é o mu ndo das idéias,
das essências
mund ideaispossui
o das coisas que possui
apena s um ser possível.
real, enquaEs
ntota ndque o
o no
estado de possibilidade, o mundo das coisas, para Platão, não
pode transformar-se em realidade, adquirir uma existência
real. O ser real e o ser possível estão separados por uma
fron tei ra intra nsponí vel. El e diz, por exemplo, que o q ue
sempre existe não conhece o vir-a-ser, enquanto que o que está
sempre no vir-a-ser não conhece o ser.
Aristóteles, ao contrário de Platão, reconhece a existência
separada, independente da possibilidade e da realidade, e nega
que uma fron tei ra intransponível as sep are. Ele acredita qu e
o possível pode tornar-se real, assim como o real pode tornar-se
possibilidade. Para Aristóteles, a possibilidade pura manifes-
ta-se como matéria primeira, a realidade pura é a forma que
se confunde, no final das contas, com Deus — forma de todas
as form as. A uni ão da fo rm a e da matér ia faz surgir coisas
qualitativamente determinadas, que possuem um ser possível e
um ser real.
Aristóteles diz que as essências, as qualidades e os outros
aspectos do ser principal apresentam-se tanto como realidade,
quanto como possibilidade, ou sob uma forma ou sob outra,
ao mesmo tempo, enquanto que as mudanças em todos os do-
mínios do ser produ zem- se de acordo com as determi nações
contrárias que existem em cada um deles.

.335
Para Aristóteles, a passagem da possibilidade à realidade
não se faz a partir das forças, das tendências internas, da coisa,
mas está ligada à ação de fato res exteriores, de um a força
exterior, isto é, a essa ou àquela coisa realmente existente,
" . . . porque, dizia ele, se é sempre do ser em potencial que ve m
o ser em ato, é apenas graças à influência prévia de um ser
que este próprio ser torna-se igualmente em ato" -. 3

Apoiando-se nessa tese de Aristóteles, Tomás de Aquino


defendeu a necessidade da existência de uma realidade pura
que, por sua ação, acarrete a transformação dessa ou daquela
possibilidade em realidade. Segundo ele, apenas Deus pode
representar uma realidade tão pura.
A ruptura metafísica entre a possibilidade e a realidade,
assim como sua criação em absoluto, leva necessariamente ao
idealismo, à pro cur a de um princípio ativo , capaz de unir a
possibilidade e a realidade e de criar, exatamente por isso, a
diversidade das coisas e dos fenômenos que nós observamos.
Giordano Bruno opôs-se categoricamente à ruptura entre
a possibi lidade e a reali dade. Segundo ele, a possibi lidade não
pode existir fora da realidade, independentemente dela, já que
lhe está organicam ente liga da. " ( . . . ) A poss ibili dade de ser,
escreve ele, existe na realidade junto com o ser e não o pre-
cede" . 2

Thomas Hobbes desenvolveu essa mesma idéia; demons-


trando a correlação orgânica da possibilidade e da realidade, ele
destacou que elas são ambas da mesma natureza, concernem
aos mesmos fenô meno s. A possibilidade, ou o potencia l, e a
causa agente significam, no fundo, a mesma coisa mas,- exa-
min ados em ligações difere ntes: quan do fal amos da causa,
temos em vista a ação que já começou; quando falamos da
possibilidade, temos em vista a ação que deve ainda pr oduz ir-se . 3

Leibniz tratou da correlação dialética da possibilidade e


da realidade, pelo fato de que as possibilidades de todas as
mudanças das coisas estão contidas na coisa em si, em sua
natu reza int erna . El e dizia que a coisa nã o recebe do exterior
nada que já não esteja contido nela como possível, e que tudo

^istóteles, Métaphysique d'Aristote, Paris, 1879, t. 2, p. 451.


2
G. Bruno, Dialoghi italiani, Sansoni-Firenze, 1958, p. 281.
T. Hobbes, Hobbes Selections, Chicago, 1930, p. 100.
3

.336
o que ela experimenta produz-se apenas porque o fundamento
encontra-se no seio dessa coisa . 4

Kan t tinha um out ro pon to de vista. Segund o ele, a


possibilidade e a realidade não são próprias às coisas, ao
mundo exterior, mas são características da razão humana, de
suas fac uld ade s cognitivas. "A disti nção ent re as coisas pos-
síveis e reais, diz ele, só tem sentido enquanto distinção subje-
tiva para a razão humana" . 5

Hegel criticou a aproximação subjetivista de Kant da pos-


sibilidade e da realidade. Desenvo lvendo o pensa mento de
Leibniz sobre o laço orgânico da possibilidade e da realidade
imediata, ele mostrou não somente o condicionamento da pri-
meira pela segunda, mas igualmente a dialética da transforma-
ção de um a na outra . Segundo ele, "a real idad e imediat a
contém um germe de alguma coisa comple tamen te diferente
dela. No começo dessa out ra coisa, só há possi bili dade, mas
depois essa fo rm a anula-se e tran sfor ma-s e em realida de. Essa
nova rea li dad e. . . é o interior autêntico da realida de imediata,
que absorve esta última. Assim, as co isas tom am uma outra
imagem, entretanto, nada de novo aparece, porque a primeira
realidade estabelece apenas sua essência" .
6

A realidade é, segundo Hegel, a unidade do interno e do


externo, da essência e da existência, o necessário e sua mani-
festação (sua existência) por meio do contingente.

2. A CONCEPÇÃO DIA LÉTI CA


E MATERIALISTA
DA POSSIBILIDADE
E DA REALIDADE

As leis da correlação do possível e do real percebidas


por Hegel foram assimiladas de forma materialista e fo ra m
também cientificamente fundamentadas no materialismo dialé-
tico. Do ponto de vista do materialismo dialético, a realidade

4
L. Feuerbach, Geschichte der Neuer. Philosophie. Ansbach, 1837,
p. 208-9.
SKant's Werke, v. 5, p. 402.
G. W. F. Hegel, Werke. Vollständige Ausgabe, v. 6, p. 292.
6

.337
é o que existe realmente e a possibilidade é o que pode produ-
zir-se quando as condições são propícias.
Podemos objetar que: "Se a realidade representa o que
existe realment e, nã o pod emo s distingui-la da possibilidade,
porque a possibilidade tamb ém tem uma existência real". A
possibilidade tem, efetivamente, uma existência real, mas so-
mente como propriedade, capacidade da matéria de transfor-
mar-se em condições correspondentes, de uma coisa ou de um
estado qualitativo em um out ro. Sob essa for ma, isto é, como
capacidade de transformar-se de um em outro, a possibilidade
é um momento da realidade, como existência real.
Quando falamos da possibilidade como de alguma coisa
que ainda não existe, que ainda não tem existência real, temos
em vista não a capacidade de uma formação material (ou de
um estado) de trans formar -se em outro, mas da capacidade
dessas outras formações materiais, ou estados, em condições
correspondentes, transformarem-se em uma formação material
ou um estado qualit ativo dad o. Ele s não têm ser real, não
se encontram ainda na realidade, mas podem proauzír-se, ma-
nifestar-se.
Assim, por possibilidade, entendemos as formações mate-
riais, propriedades, estados, que não existem na realidade, mas
que podem manifestar-se em decorrência da capacidade das
coisas materiais (d a mat ér ia ) de pass ar uma s nas outras.
A possibilidade, realizando-se, transforma-se em realidade,
e é por isso que podemos definir a realidade como uma possi-
bilidade já realizada e a possibilidade como realidade potencial.
Ao lado dessa definição da realidade, encontramos outras,
segundo as quais a realidade não é tudo o que existe realmente,
mas somente o que ainda é necessário e lógico . 7

Procuramos justificar a identificação da categoria de rea-


lidade com as categorias de necessidade e de lei por meio do
argumento de que, nesse caso, poderíamos conhecer mais pro-
fundamente a realidade, isolar as tendências principais no
mundo ambiente e, assim, orientar-nos melhor em nossa ativi-
dade prática.

7
A. K. Sukhotin, Sobre o problema do conteúdo da categoria da
realidade e sua relação com a necessidade, in Ciências filosóficas, 1960,
v. 4, p. 49.

.338
Não há dúvida de que isolar, na realidade que rodeia os
homens, as grandes tendências, as ligações determinantes, se-
pa rar o necessário, o essencial do contingente, do não-essencial,
tem uma importância de primeira ordem para o conhecimento
e a prát ica. Mas isso nã o exige absolutame nte a ident ific ação
das categorias de rea lid ade e de necessidade. A isso pod emo s
chegar pela intelecção da realidade, pelas categorias de "neces-
sário", de "contingente", de "lei", de "fundamental", de "não-
fundamental", de "essencial" e de "não-essencial".
Além disso, dizer que as ligações e as relações contingen-
tes não são reais, não impedirá a revelação de toda a riqueza
da realidade ambiente, nem de se ter nela uma boa orientação,
porque, na prática, assim como na vida cotidiana e na história,
o contingente, as ligações e as relações contingentes desempe-
nha m igualmente um pap el considerável. É preciso, na ativi-
dade prática, levá-los em conta como realidades efetivas.
Sendo uma forma universal de manifestação da necessidade,
eles são
Os inseparáveis
autores dessedaponto
realidade, da qual
de vista são o lado
referem-se essencial.
a Engels que,
analisando a concepção hegeliana da realidade como necessi-
dade, teria expresso sua concordância com esse ponto de vista.
Entre tanto , essa referê ncia não está funda ment ada. Primeir a-
mente, indicando que, "para Hegel, tudo o que existe não é
absolutamente real logo à primeira vista", que "o atributo da
realidade só se aplica, para ele, ao que é ao mesmo tempo
necessário" , Engels tinha por objetivo esclarecer a essência
8

da concepção hegeliana dessa questão e não abordou, absolu-


tamen te, sua reso luçã o na filos ofia marxis ta. Em segundo lugar,
par a Hegel, ao lado dessa concepção da realidade há uma outra,
que
clararecon heceé aa rea
Hegel, lid ade tornada
unidade e a contingência.
imediata, da "A reali dade,
essência e da de-
existência ou do interior e do exterior"9. É preci same nte a
contingência que constitui, em Hegel, o aspecto exterior da
realidade . "Co nsi der ado de muit o pert o, o exterior acima
10

mencionado da realidade, escreve Hegel, sobre a relação entre

8
K. Marx, F. Hengels, Etudes philosophiques, Paris, Editions So-
ciales, 1961, p. 16.
9
G. W. F. Hegel, Werke cit., p. 281.
10
G. W. F. Hegel, Werke cit., p. 287.

.339
a contingência e a realidade, mostra que a contingência, en-
quanto realidade imediata, é o que é idêntico a si mesmo; mas
ela é o essencial idêntico a si mesmo, unicamente como o
estabelecido que é, ao mesmo tempo, anulado — é o exterior
presente" . " ( . . . ) A conting ênci a é um momento unilater al
11

da realidade" . 12

Assim, Hegel não exclui a contingência da realidade, não


a declara uma irrealidade, como pensam os autores que mantêm
esse pon to de vista, mas a considera como seu mome nto , o
aspecto exterior da reali dade. Parec e-nos mais just o considerar
a realidade como a unidade realmente existente do necessário e
do con tinge nte, do interio r e do exteri or, da essê ncia e do
fenômeno.
A possibilidade transforma-se em realidade não em qual-
quer momento, mas somente nas condições determinadas, que
são um conjunto de fatores necessários à realização da possibili-
dade. Por exemplo , a tran sfo rma ção da possibi lidade da
revolução socialista nos países capitalistas em realidade não
pode dar-se em qualquer momento, mas apenas nas condições
determinadas, ou seja, quando for criada no país uma tal situa-
ção que "a base" não possa mais viver como anteriormente e
a "cúpula" não possa mais governar à maneira antiga, quando
"a miséria agravar-se e a atividade das massas ganhar uma
maior intensidade", quando "a classe operária tornar-se capaz
'de conduzir ações revolucionárias de massa'", quando "ela
possuir um pa rtido, e puder organizar e dirigir essas massas,
a fim de derrubar as classes decadentes" 13
.
Se qualquer possibilidade só se transforma em realidade
quando existem condições determinadas, podemos, conhecendo
essas ou aquelas possibilidades, interferir no curso objetivo dos
acontecimentos e, criando artificialmente as condições requeri-
das, acelerar ou refrear sua transformação em realidade.
Toda atividade prática dos homens baseia-se exatamente
nessa lei. Com efeito, toda s as operações do tra bal ho nada
mais são do que ações que visam criar as condições necessárias
para a realização dessas ou daquelas possibilidades conhecidas,
próprias aos objetos e aos fenômenos da natureza, introduzidas

"Hegel, Werke cit., p. 291.


Hegel, Werke cit., p. 290.
12

V. Lenin, Oeuvres, t. 21, p. 216-7.


13

.340
nos processos d e prod uçã o. Se a ativid ade práti ca dos homen s
baseia-se na utilização consciente da transformação da possibi-
lidade em realidade, torna-se indispensável analisar a fundo
essas leis e estudar as possibilidades sob seus diferentes
aspectos.

3. TIPO S DE POSSIBIL IDADE


E SEU ALCANCE NA PRÁTICA

Pelo fato de que cada formação material constitui a


unidade de um a quant idad e infinita de diferentes aspect os e
tendências contrários, ela possui também uma quantidade infi-
nita de diferentes possibilidades, que estão longe de ter, todas,
o mesmo alcance na atividade prática.
Na literatura filosófica, é uma regra comum distinguir as
possibilidades reais das possibilidades formais. Chamamos de
reais as possibilidades que são condicionadas pelos aspectos e
ligações necessários, pelas leis do funcionamento e do desenvol-
vimento do objeto; chamamos de formais as ligações que são
condicionadas pelas ligações e pelas relações contingentes.
Levando em conta o que vem do dito ser, compreendemos
facilmente, por exemplo, que a possibilidade da revolução
socialista nos países capitalistas é uma possibilidade real, por-
que decorre das ligações e das relações necessárias, próprias
a essa sociedade capitalista, condicionada pelas leis internas
do funcionamento e do desenvolvimento da formação capitalista.
É igualme nte real a possibilidade da gestão plan ific ada da
economia nos países
inelutavelmente socialistas, pelo
da propriedade social,fatoquede éque
o ela decorre
fundamento
econômico da sociedade socialista, que é condicionada pela lei
do desenvolvimento planejado e proporcional, que se manifesta
nesses países. É form al a possibilidade da tra nsf orm açã o do
operário em capitalista, assim como a possibilidade da introdu-
ção de uma economia planejada no quadro do capitalismo,
porque isso nã o decorre da natureza interna da sociedade
capitalista, não é necessariamente condicionado pelas leis de
seu funcionamento e de seu desenvolvimento, mas depende de
todo tipo de circunstâncias, isto é, da contingência. Do ponto
de vista da possibilidade formal, esse ou aquele fenômeno é

.341
tanto possível quanto impossível, porque a lógica da contingên-
cia é tal que ela (a contingência) pode produzir-se ou não.
Segue-se que a importância da possibilidade formal para
a atividade prát ica dos home ns é fra ca, por que a atividade
prática baseia-se inteiramente nas ligações e relações que se

repetem e se
nadas, isto é, produzem necessariamente
sobre possibilidades reais. em condições determi-
Engendradas pelos aspectos e relações necessários da reali-
dade, as possibilidades reais distinguem-se entre si segundo suas
ligações com as condições necessárias para a sua realização.
E, segundo suas formas de ligação com essas condições, elas
dividem-se em possibilidades abstratas ou concretas.
Uma possibilidade concreta é a possibilidade para cuja
realização podem ser reunidas, no momento presente, as con-
dições correspondentes; a possibilidade abstrata é uma possibi-
lidade para cuja realização não há, no momento presente,
condições necessár ias. Pa ra que essa última se realize, a for -
mação material que a contém deve transpor vários estágios
de desenvolvimento.
Uma possibilidade concreta é, por exemplo, na época
contemporânea, a possibilidade da passagem ao socialismo de
todos os países capitalistas e dos países que estão no estágio
pré-capitalista de desenvolvimento. Um exemplo de possibili-
dade concreta pode ser fornecido pela possibilidade de crises
econô micas na próp ria produ ção mercantil. Par a tran sform ar
essa possibilidade em realidade, não existem as condições ne-
cessárias na própria produção mercantil, por isso seria preciso
que a produção mercantil transpusesse muitos estágios de de-
senvolvimento e passasse por várias transformações qualitativas
e, em particular, que ela se transformasse em produção mercantil
capitalista e que essa última, por sua vez, atingisse um nível
dete rmina do de desenv olvimen to. Por tudo isso, não se pod e
dizer que foi por acaso que a primeira crise econômica deu-se
apenas em 1825.
A distinção e a consideração das possibilidades concretas
e abstratas reais apresentam uma grande importância para a
atividade prática dos homens e, em particular, para realizar a
planificação concreta e a planificação a longo prazo. A con-
fus ão dos diferen tes tipos de possibilidades pod e conduzir a
graves erros. Co mo conseqüênc ia dessa conf usão , pode mos
citar os erros que foram cometidos durante a coletivização na

.342
União Soviética, quando os dirigentes locais decidiram passar
a pequena produção mercantil privada, não para os kolkhozes,
mas diret amente par a os comunistas. A passagem para a co-
muna é uma possibilidade real que decorre da natureza interna
do Estado soviético, e das leis do seu funcionamento e de seu.
desenvolviment o. Mas, naque la época, essa possi bili dade era
abstrata, porque as condições necessárias para sua realização
não existiam; para que essas condições surgissem, a sociedade
soviética, sua economia e sua cultura deveriam, ainda, transpor
vários estágios de desenvolvimento e conhecer várias transfor-
mações qualitativas.
Segundo essas particularidades do processo de transfor-
mação dessa ou daquela possibilidade em realidade, as possibi-
lidades podem ser agrupadas em reversíveis ou irreversíveis.
Por exemplo, a possibilidade do movimento mecânico
transformar-se em calor é reversível, porque, com sua realiza-
ção,
torna o-seque anteriormente
possi bilida de. era
Comrealidade
efeito, (movimento mecânico)
o calor encerra a possibi-
lidade de passa gem ao movime nto mecânico. Mas é irrever-
sível a possibilidade da transformação da energia química do
carvão em eletri cidade. Reali zando-se , a reali dade inicial
transforma-se em impossibilidade: a eletricidade não tem possi-
bilidade de se transfor ma r em carvão.
As diferentes possibilidades, próprias a uma mesma forma-
ção materi al, são correlat ivas e interd ependent es. Le van do em
conta o caráter da ligação das possibilidades, podemos diferen-
ciá-las em coexistentes ou excludentes.
Chamamos de coexistente (com relação a uma outra pos-
sibilidade) uma de
desaparecimento possibilidade cuja realização
outra; e chamamos não uma
excludente, implica
possi-o
bilidade cuja realização implica a exclusão de uma outra.
Um exemplo de possibilidade coexistente é a possibilidade
do camponês tornar-se koulak (pequeno proprietário explora-
dor da terra), com relação à possibilidade de tornar-se adminis-
trador de terras. Qua ndo el e se torna um pequeno proprietár io
explorador de suas terras {koulak), não pode fazer frente à
concorrência, como conseqüência, vai à falência e torna-se um
operário agríc ola assalariado (administrador de te rr as ). A
possibilidade do camponês da URSS tornar-se kolkhozien é
excludente com relação à possibilidade de tornar-se um pequeno
proprietário explorador de terras. Com a tra nsfo rmaçã o da
.343
pequena pr odu ção privada em economia coletiva, socialista, a
exploração do homem pelo homem tornou-se impossível na
União Soviética.
A realização das diferentes possibilidades próprias a uma
formação material não age da mesma forma sobre sua essência.
A realização de algumas dentre elas não modifica a essência,
enquanto que a realização de outras acarreta mudanças na
formação material, leva à transformação desta em uma outra
form açã o materia l. A possibili dade cuja realização não modi-
fica a essência da coisa é denom inad a de possibili dade de
fenômeno; a possibilidade cuja realização está ligada à modi-
ficação da essência da coisa, com sua transformação em uma
outra coisa, é denominada possibilidade de essência.
Po r exemplo , a possibili dade de obter um aumen to de
salário que os operários têm, em decorrência da luta contra os
capitalistas, é uma possibilidade de fenômeno, porque sua reali-
zaçã o não modi fic a a essência social desses operário s. Eles
permanecem o que eram anteriormente, privados da propriedade
dos meios de produção, afastados do poder, explorados pela
burguesia. A possibilidade da revolução socialista nos países
capitalistas é um a possibilidade de essência. Sua realizaçã o
acarreta a modificação da essência do regime social e a socie-
dade capitalista transforma-se em uma sociedade socialista.
As particularidades das possibilidades reversíveis e irrever-
síveis, coexistentes e excludentes, assim como as das possibi-
lidades de fenômeno e de essência, estão em relação direta
com a atividade prática humana e sua consideração permite
assegurar uma orientação mais justa, uma escolha mais correta
das vias e dos meios de chegar a esse ou àquele resultado prático.
Examinamos as particularidades das diferentes possibilida-
des e do proce sso de sua tra nsf orma ção em real idade . Ent re-
tanto, com a transformação da possibilidade em realidade, a
possibilidade nã o desaparece enquanto tal, não é eliminada; o
aparecimento de uma nova realidade, em decorrência da reali-
zação dessa ou daquela possibilidade, é acompanhado pelo
apare cimen to de novas possibilidades. Pas san do de um estado
qualitativo a outro, a matéria não pode, portanto, jamais esgotar
suas possibil idades. Suas possibilidades são ilimitadas .

.344
XVI. DA RELAÇÃO DAS LEIS
E DAS CATEGORIAS
DA DIALÉTICA

O que há de comum às leis e às categorias da dialética é


que tanto umas como as outras refletem as leis universais do ser,
as ligações e os aspectos universais da reali dade objetiva. A
interpenetração dos contrários, a passagem recíproca entre a
qualidade e a quantidade, a repetição, sobre uma nova base,
do que já foi transposto, tanto os elementos refletidos nas
principais leis da dialética, quanto os que são tão universais
como a relação, além da causa e do efeito, do necessário e do
contingente, da forma e do conteúdo, exprimidos nas categorias
correspondentes.
Ao mesmo tempo, as leis e as categorias apresentam dife-
renças importantes que são concernentes, antes de tudo, ao
obje to do reflexo. As leis da dialética refle tem as ligações e
as relações universais, enquanto que as categorias refletem,
além disso, as propriedades e os aspectos universais da reali-
dade objetiva, o que faz com que o conteúdo das categorias
revele -se mais rico do que o das leis. Po r exemp lo, a lei da
passagem das mudanças quantitativas reflete simplesmente a
correl ação da quan tida de e da quali dade; as categorias de
qualidade e de quantidade, incluindo essa lei, refletem igual-
mente os aspectos que constituem a qualidade e a quantidade
e a ligação de uma característica qualitativa ou quantitativa
com uma outra.
A diferença entre as leis e as categorias concerne igual-
ment e às for mas do reflexo. As leis da dialética, assim como
as leis de qualquer outra ciência, são juízos, enquanto que as
categorias são uma forma particular de conceitos.
Certos autores pensam que as categorias refletem somente
os aspectos, as propriedades, mas não refletem as correlações

.345
desses aspectos entre si, que são, segundo esses autores, fixados
pelas leis correspondentes. Entretanto, a realidade está muito
longe de ser assim. Esses autores con fun dem o cont eúdo das
determinações dessas ou daquelas categorias com o conteúdo
das própri as categorias. As determinações das categorias não
contêm, efetivamente,
momentos da realidade leis
que dasãocorrelação
refletidos dos
por aspectos ou dos
essas categorias.
Elas fixam somente o específico e o essencial, que permitem
distinguir as categorias um a da outra e das outras. Mas a'
determinação das categorias, como de qualquer outro conceito,
não esgot a, nem pod e esgotar, tod o seu cont eúdo . El e é mais
diversificado e mais rico do que as propriedades e os traços
englobados pela determi nação . E encerra não some nte os
aspectos, as propriedades correspondentes, mas igualmente a
correlação entre eles e os outros aspectos de formações ma-
teriais.
Em particular, o conteúdo da categoria de quantidade
está longe de ser esgotado pelo conjunto das propriedades que
tradu zem o volu me e as dimensões da coisa que figuram
habi tua lmen te nas determin ações dessa categori a. El e encerra
igualmente o fato de que a categoria está organicamente ligada
à qualidade, e de que em um estágio determinado de sua mu-
dança produz-se uma mudança de qualidade e que suas caracte-
rísticas depen dem das características qualita tivas. Em outros
termos, a categoria de quantidade inclui em seu conteúdo, ao
mesmo tempo, as propriedades que caracterizam a qualidade
e as leis da correlação da quantidade e da qualidade.
O mesmo ocorre com o que concerne à categoria de qua-
lidade, que tem por conteúdo não somente as propriedades que
indicam o que é a qualidade, mas ainda as propriedades que
traduzem sua correlação com a quantidade e, em particular, o
fato de que suas diferenças sejam determinadas pelas mudanças
quantitativas, que ela modifica sob a influência das mudanças
quantitativas etc.
Podemos observar a mesma coisa na análise da relação
entre o conteúdo da lei da unidade e da "luta" dos contrários
e o conteú do de um a categoria como a de "c ont rad iç ão" . A
lei da unidade e da "luta" dos contrários reflete e fixa o fato de
que há luta entre os contrários (contrários característicos dessa
ou daquela formação material) que se excluem e, ao mesmo
tempo, estão unidos, e que essa luta, em última análise, leva

.346
à solução da dita contradição e à passagem da coisa de um
esta do qualitati vo a um outro . A categoria de "c ont rad içã o"
contém todos esses momentos e ainda vários outros, que entram
no cont eúdo da lei da unid ade e da "l ut a" dos cont rári os. De
fato, a categoria de "contradição" fixa o fato de que a contra-
diçãorárié os.
cont uma Além
interação entrea aspectos
disso, categoria opostos
de "couont uma
rad içluta
ão" dos
inclui
igualmente a necessidade de distinguir as contradições: inte-
riores e exteriores, essenciais e não-essenciais, fundamentais e
não-fu ndame ntais , principais e acessóri as; e fixa também os
momentos concernentes a seu papel e à sua importância no
desenvolvimento das formações materiais e, em particular, o
fato de que elas são a srcem do movimento e do desenvolvi-
mento etc.
Assim, o conteúdo da categoria de "contradição" é
muito mais rico do que o da lei da unidade e da "luta" dos
contrários.
Encontramos um fenômeno análogo examinando as rela-
ções das outra s categorias e das leis que lhes corre spond em.
Tomemos as categorias de conteúdo e de forma e a lei que diz
que o cont eúdo determi na a for ma . Essa lei diz unic amen te
que o conteúdo é determinante na relação conteúdo-forma e
que a forma aparece e muda em resposta ao aparecimento e à
mu da nç a do cont eúdo. No que diz respeit o às categorias de
conteúdo e de forma, estas refletem, além desse, vários outros
mome ntos . A categoria de conte údo, por exemplo, qua ndo
fixa o momento em que o conteúdo é determinante em relação
à forma, inclui a idéia de que o conteúdo é o conjunto dos
aspectos e processos internos do fenômeno ou da coisa, que
ele muda continuamente, "corre" e, em seu desenvolvimento,
ultrapassa a forma, e que a forma que lhe corresponde oferece-
lhe grandes possibilidades de desenvolvimento etc.
As categorias incluem em seu conteúdo as leis correspon-
dentes: o fato de que a maioria das leis da dialética não se
manifestem na qualidade de objetos de estudo autônomos, mas
sejam consideradas como momentos determinados do conteúdo
dessas ou daquelas categorias é um a prov a disso. Po r exemplo,
a lei de causalidade não é estudada como tal, em si mesma, mas
somente em ligação com as categorias de causa e efeito, so-
men te como mom ent o de seu cont eúdo. O mesmo acontece
para a lei da correlação do necessário e do contingente, estu-

.347
dada em ligação com a colocação em evidência do conteúdo
das categorias do necessário e do contingent e. Tamb ém não
são estudadas, isoladamente, a lei da passagem recíproca do
singular em geral e do geral em singular; a lei segundo a qual
a forma é determinada pelo conteúdo; a lei da ação ativa da
fo rm a sobre
ciência o conteú
somente do. Ess asconstitutivos
como elementos leis são repr
dasoduzi das na de
categorias cons-
singular e de geral, de forma e de conteúdo.
É verdade que algumas leis da dialética apresentam-se a
nós, não sob a forma de momentos do conteúdo dessas ou
daquelas categorias, mas como el as mesmas . Por exemplo, a
lei da transformação das mudanças quantitativas em mudanças
qualitativas ; lei da unid ade e da "l ut a" dos contrários; a l ei
da negação da negação. Essas leis são estud adas de maneira
autônoma, não porque seu conteúdo não entre no conteúdo
das categorias correspondentes, mas porque, ao contrário das
outras leis da dialética, essas são leis fundamentais que deter-
minam as outras leis e que, de uma maneira ou de outra, ma-
nifest am-se po r meio delas. Assi m, por exemplo, a lei da
unidade e da "luta" dos contrários determina algumas leis da
correlação do singular e do geral, da quantidade e da qualidade,
da causa e do efeito, da forma e do conteúdo, do necessário
e do contingente, da possibilidade e da realidade etc. e, sob
uma forma ou sob outra, ela manifesta-se por meio delas.
Com efeito, o singular e o geral, a forma e o conteúdo, assim
como o necessário e o contingente, a possibilidade e a realidade
etc. são contrários que, em certas condições, mudam-se um no
outro, tornando-se idênticos.
O mes mo acontec e na lei da passagem das mudanças
quantitati vas em mudanç as qualitat ivas. Ess a lei manifesta-se
em particular, de maneira determinada, na interação dos mo-
mentos ou aspectos, refletidos por todas as categorias duplas.
Por exemplo, a mudança da quantidade do singular transfor-
ma-o necessariamente em geral (nova qualidade) e, inversa-
mente, uma mudança quantitativa determinada do geral condi-
ciona sua tran sfo rma ção em singular. Em decorrência do
acúmulo das mudanças quantitativas no conteúdo, haverá, cedo
ou tarde, uma mudança da forma, que é acompanhada pela
passagem da for mação material para um novo estado qualitativo.
Finalmente, um certo reforço desse ou daquele caráter contin-
gente, correspondente às condições de existência da formação

.348
material, leva a sua transformação em necessário, que é, pelo
caráter dado, um novo estado qualitativo etc.
Desde que essas leis da dialética são fundamentais e deter-
minam todas as outras ligações e relações universais, é abso-
lutamente normal e necessário distingui-las do conteúdo das
categorias correspondentes e dedicar-lhes mais atenção.

.349
ÍNDICE DE ASSUNTOS

Sobre o Aut or V

Intro dução - 1

I. NAT URE ZA DAS CATE GORIA S 5

II. O PROBLE
CATEGO MADIAL
RIAS DA DA ÉTIC
COR REL
A AÇÃ O DAS 19
1. Resolu ção do prob lema da correl ação das categorias
na filo sofi a pré-marxi sta 20
2. Do princípio de parti da e dos princípios de edificação
do sistema das categorais da dialética 55
III. MAT ÉRI A E CONSCIÊNCIA 62
1. A matéria 62
2. Matéri a e for maçã o mater ial. Aspectos da matér ia 73
3. Da substancialidade da maté ria 76
4. O reflexo 78
5. O psíquico e o fisiológico 85
6. A consciência 88

IV. AS CATEGO RIAS COMO GRAUS DO


DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO
SOCIAL E DA PRÁ TIC A 124
1. A relação entre as categorias da dialética enquanto
graus do desenvolvimento do conhecimento 1 25
2. Ordem de aparecim ento e de aplicação das catego-
rias da dialética no curso do desenvolvimento do
conhecimento científi co 1 28

.351
3. A relação das categorias como pont os centrais,
considerada sob o ângulo do desenvolvimento do
pensamento filosófico 13 3
4. As categorias enqu anto graus do dese nvolvimento
da prática social 137
5. O desenvolvimento das fo rma s do pen samen to no

processoa àdooutra
categori movim en to do conhecimento de uma 142

V. O PARTIC ULAR, O MOVIM ENTO, A


RELAÇÃO 157
1. O particular 15 7
2. O movimento 157
a) O concei to de movimen to 15 7
b) O movimento e o re pous o 16 3
e) O movi ment o e o desenvol vimento 16 5
3. A relação 176
4. O espaço e o tempo 181

VI. O SINGULAR, O PA RT IC UL AR E O GE RA L 191


1. Crítica das concepções idealistas e metafísicas do
singular e do geral 191
2. A relação dó singular e do geral 194
3. O geral e o part icul ar 196
4. A correlação do geral e do part icul ar no mom ent o
do movimento da matéria do inferior para o superior 19 9

VII. A QUAL IDAD E E A QUA NTI DAD E 203


1. Os conceitos de qual idad e e de quan tid ade 203
2. O prob lema da multipl icidade das qualidades das
coisas 208
3. Lei da passagem das muda nças quant itativas às
mudanças qualitativas e vice -vers a 212
4. Salto. Tipos de saltos 216

VI II . A CAUSA E O EF EI TO 224
1. A evolução dos conceitos da causalid ade na filo-
sofia pré-marxista 224
2. A concepção marxista da causali dade 229
3. Causalidade e necess idade 232

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IX . O NECESSÁ RIO E O CON TING ENT E 242
1. Os conc eitos de neces sidade e de cont ingên cia . . . . 242
2. A críti ca das concepç ões idealis tas e metaf ísica s da
corre lação da necessidade e da contingência 246
3. A concepção marx ista da correlação do necess ário
e do contingente 250

X. A LE I 253
1. O conceito de lei 252
2. As leis dinâmicas e estatísti cas 254
3. As leis gerais e as específi cas, sua relaçã o 256

XI. O CONTE ÚDO E A FO RM A 263


1. Os conceitos de conteú do e de fo rm a 263
2. Crítica das concep ções idealistas e metafí sicas de
conteúdo e de for ma 265
3. Lei s da correlação do conteúdo e da forma 268
4. Parte e todo, elemento e estrutura 270

XI I. A ESSÊNCIA E O FEN ÔME NO 276


1. Os conceitos de essência e de fen ômen o 276
2. As leis de correl ação da essência e do fenô meno .. 278
3. O fundamen to e o fundamentado 280

XI II . A CONTR ADIÇÃO . A LEI DA UNIDADE


E DA LUT A DOS CON TRÁ RIOS 286
1. A contr adição como unida de e luta dos contrários 286
2. Contradi ção e diferença 290
3. Os graus do desenvolvim ento da contradiç ão . . . 293
4. A contradição como for ma univer sal do ser . . . . 295
5. A cont radi ção como srcem do movimento e do
desenvolvimento 300
6. As leis do conhec imento da contradição 302
7. Os tipos de contrad ições e sua importânci a par a
a prática 307
XI V. A NEGA ÇÃO DA NEGA ÇÃO 313
1. A negação dialética 313
2. A negação dialética e o movime nto do abstrato ao
concreto 316
3. A lei da negaç ão da negação 328

.353
XV. A POSS IBIL IDAD E E A REAL IDADE . . . . 334
1. As concepções idealistas e metafísicas da possibi-
lidade e da realidade 334
2. A concepção dialética e materialista dapossibili-
dade e da realidade 337
3 . Tipos de possibilidade e seu alcance na prática .. 341

XV I. DA RE LA ÇÃ O DAS LEI S E DAS


CATEGORIAS DA DIA LÉ TIC A 345

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