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Ficha Bibliográfica
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José [org.]
Aprendizagens Históricas: mídias, fontes e transversais. União da
Vitória/Rio de Janeiro: LAPHIS/Edições especiais Sobre Ontens, 2018.
ISBN: 978-85-65996-58-7
Disponível em: www.revistasobreontens.site

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Apresentação
É com satisfação que nós do LAPHIS–Laboratório de Aprendizagem
Histórica da UNESPAR e do Leitorado Antiguo da UPE apresentamos esse
novo livro para vocês. Ele é resultado do nosso Simpósio Eletrônico de
Ensino de História realizado em Abril de 2018, que recebeu conferencistas
e cinco mesas diferentes ao longo de uma semana de intensos e ricos
debates.

Como parte integrante de nosso trabalho, ao final do evento produzimos


essa série de livros cheia de experiências, relatos e projetos para uma
aprendizagem histórica atualizada e enriquecedora. Cada volume traz uma
proposta diferente [e por isso, optamos sempre por produzir um ebook, e
não anais], que agregam nossos convidados, participantes, e todos
aqueles que desejam saber um pouco mais sobre as questões do Ensino
de História em nosso país.

Convidamos tod@s a leitura desse nosso novo volume, cuja temática


agrega pesquisadores de todos os cantos do Brasil, envolvidos na difícil –
mas edificante – tarefa de trabalhar a História.

Seja bem vind@ ao nosso livro!


Bons estudos!

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SUMÁRIO

OS CONCEITOS DE REVOLUÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS E AS


LINGUAGENS DE ENSINO, p.9
Alessandro Martins Gomes e Mônica Cordovil de Oliveira Martins Gomes

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NO


ENSINO DE HISTÓRIA, p.22
Allef de lima Laurindo Fraemann Matos

O CINEMA COMO FERRAMENTA NO DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO DE


ENSINO-APRENDIZAGEM NO ENSINO DE HISTÓRIA, p.29
Ana Lúcia Silva Santos e Lucilvana Ferreira Barros

MÚSICAS, DOCUMENTOS E JOGOS NAS AULAS DE HISTÓRIA, p.34


Andréia Sznicer e Cleverton Andrei Roza

CANTANDO PELA IGUALDADE: DEBATE SOBRE MÚSICA E MOVIMENTO POR


DIREITOS CIVIS EM SALA DE AULA, p.41
Anna Maria Greco Carvalho e Carlos Eduardo Nicolette

HISTÓRIA PÚBLICA, TECNOLOGIA E ENSINO DE HISTÓRIA: DESAFIOS


ÉTICOS AOS HISTORIADORES NO PRESENTE, p.49
Aruanã Antonio dos Passos e Willian Roberto Vicentini

FOTOGRAFIAS ESCOLARES: UMA PERSPECTIVA DE ANÁLISE NO CAMPO


HISTORIOGRÁFICO, p.57
Audrey Franciny Barbosa

AS MULHERES EM GAME OF THRONES: REFLEXÕES SOBRE AS


PERSONAGENS EM RELAÇÃO COM AS REPRESENTAÇÕES DA MULHER NA
IDADE MÉDIA , p.63
Bruno Silva de Oliveira e Rodrigo Henrique Araújo da Costa

ENSINO DE HISTÓRIA E CIBERESPAÇO: APONTAMENTOS SOBRE


NARRATIVA, PROCESSOS DE LEITURA E APRENDIZAGEM HISTÓRICA POR
MEIO DE UM SITE INTERATIVO, p.77
Carolina Corbellini Rovaris

A HISTÓRIA EM QUADRINHOS COMO RECURSO DIDÁTICO NA ESCRITA


DIDÁTICA REGIONAL, p.86
Davison Hugo Rocha Alves

A LITERATURA DE VIAGEM COMO FONTE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DO


PARANÁ, p.96
Diná Schmidt

CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


(EJA), p.105
Diogo Matheus De Souza e Stela Schenato

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―CONTAR HISTÓRIAS‖: REFLEXÕES SOBRE O OFÍCIO DO HISTORIADOR A
PARTIR DO FILME 'THE FINAL CUT', p.114
Edson Claiton Guedes

REFORMA PEREIRA PASSOS EM QUESTÃO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA


UTILIZAÇÃO DE FOTOGRAFIAS ENQUANTO FONTES HISTÓRICAS NA
EDUCAÇÃO BÁSICA, p.121
Elizete Gomes Coelho dos Santos

CAPAS DE LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA E A REPRESENTAÇÃO DO


PATRIMÔNIO: UMA ANÁLISE DAS COLEÇÕES DIDÁTICAS 'HISTÓRIA -
INTEGRALIS', 'HISTÓRIA GLOBAL – BRASIL E GERAL' E 'HISTÓRIA:
SOCIEDADE E CIDADANIA', p.132
Esdras Carlos de Lima Oliveira

A LITERATURA NA HISTÓRIA/ENSINO DE HISTÓRIA, p.140


Fernando Nogueira Resende e Jonathan Evangelista de Araújo

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DA LITERATURA NO ENSINO DE


HISTÓRIA: DESAFIOS, PROBLEMAS E PROPOSTAS, p.150
Filipe Matheus Marinho de Melo e Jairo Fernandes da Silva Junior

O USO DE IMAGENS COMO FONTE NO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA,


p.157
Gabriela Isbaes

DISNEY, SEGUNDA GUERRA E ―BOA VIZINHANÇA‖: FILMES ANIMADOS NAS


AULAS DE HISTÓRIA, p.166
Geraldo Magella de Menezes Neto

A TECNOLOGIA DIGITAL NA EDUCAÇÃO PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ:


UM DESAFIO A SER ENFRENTADO, p.178
Hemerson dos Santos Junior e Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski

ENTRE TAMBORES, GUITARRAS E MARACÁS: HEAVY METAL COMO


SUPORTE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA, p.183
Heraldo Márcio Galvão Júnior e Jessica Teixeira Careon

INIMIGOS EM PIXELS: A REPRESENTAÇÃO DOS INIMIGOS DOS ESTADOS


UNIDOS EM 'COMMAND & CONQUER', p.190
Hezrom Vieira Costa Lima

EDUCAÇÃO ESCOLAR E NOVAS TECNOLOGIAS NO ENSINO DE HISTÓRIA:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS FUTURAS, p.198
Ivan Francisco Viana de Lima e Márcio Douglas de Carvalho e Silva

HISTÓRIA E ENSINO: O DIÁLOGO ENTRE MODA E MEMÓRIA, p.205


Jéssica Mayara Santos Sampaio

5
A REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE RELIGIOSA NO FILME ―A DÚVIDA‖:
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO PERFIL SACERDOTAL, p.213
Jessica Caroline de Oliveira

A REVOLUÇÃO FRANCESA REVISITADA: QUADRINHOS, GÊNERO E ENSINO


DE HISTÓRIA, p.219
Juliana Ribeiro Marra

ENSINO DE HISTÓRIA: USO DAS FONTES EM SALA DE AULA, p.230


Leanderson Cristiano Voznei

DESMISTIFICANDO OS CONTEÚDOS DAS REDES SOCIAIS: O ENSINO DE


HISTÓRIA A PARTIR DE POSTAGENS DA INTERNET, p.239
Leonardo Carvalho de Souza e Lucas Alves da Silva

EDUCAÇÃO HISTÓRICA E PATRIMONIAL: ENCONTROS NA FORMAÇÃO DE


GUIAS DE TURISMO, p.243
Lúcio Nascimento

A HISTÓRIA ORAL COMO FERRAMENTA DE PROMOÇÃO IDENTITÁRIA:


QUANDO O MUSEU INVADE A SALA DE AULA, p.251
Luiza Helena Amorim Coelho Cavalcante

QUANDO 1 É MAIOR QUE 40 MIL: REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA NO


TRÂNSITO A PARTIR DA ELABORAÇÃO DE UM DOCUMENTÁRIO, p.259
Maicon Roberto Poli de Aguiar

ENSINO DE HISTÓRIA E CINEMA: A PRÉ-HISTÓRIA DE ANNAUD EM "A


GUERRA DO FOGO", p.267
Marcelo Gonçalves Ferraz

QUADRINHOS COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA O ENSINO DE


HISTÓRIA ANTIGA, p.275
Márcio Vitor Santos

POSSIBILIDADES NO ENSINO DE HISTÓRIA: AS LEIS ABOLICIONISTAS NO


FACEBOOK, p.283
Marília Guaragni de Almeida e Gustavo Henrique Kunsler Guimarães

FORRÓ COMO FONTE HISTÓRICA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA, p.293


Monaquelly Carmo de Jesus

INFLUÊNCIAS VARGUISTAS NO ENTENDIMENTO DA MÍDIA, p.302


Nathalia Entringer Lorencini dos Santos e Wendel Jorge Rocha Fernandes

IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA: UM OLHAR SOBRE O EGITO, p.306


Nathália Machado Freire de Arruda

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TECNOLOGIA E ENSINO DE HISTÓRIA: PROPOSTA DE USO DO GOOGLE
STREET VIEW COMO FORMA DE CONHECER O CENTRO HISTÓRICO DE
MACAPÁ, p.313
Paulo de Mendonça Mafra e Jelly Juliane Souza de Lima

ASSISTINDO À CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA: UM ESTUDO DO FILME


'NARRADORES DE JAVÉ', p.319
Pedro Henrique Caires de Almeida e Valdemir Paiva

MÚSICA: INSTRUMENTO DE PESQUISA E RECURSO DIDÁTICO, p.326


Policleiton Rodrigues Cardoso

CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES SOBRE CULTURA


HISTÓRICA E SABERES DOCENTES, p.330
Rafael Monteiro de Oliveira Cintra

TRANSVERSALIDADE E ENSINO DE HISTÓRIA: COMPREENDENDO


TRABALHO INFANTIL NUMA OFICINA NO PIBID-HISTÓRIA (CFP/UFCG),
p.339
Rafael Dalyson dos Santos Souza e Jefferson Fernandes de Aquino

PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: AS NOVAS LINGUAGENS COMO RECURSO


NO ENSINO DE HISTÓRIA, O CASO DOS MAPAS, p.347
Rafael Sousa Nogueira e Lucilvana Ferreira Barros

O USO DA HQ‘S COMO UMA NOVA LINGUAGEM PARA O ENSINO DE


HISTÓRIA LOCAL, p.353
Regiani da Silva Pedrosa e Rildo Bento Tavares

A SELVA E AS IDENTIDADES LATINOAMERICANAS NO CINEMA E O ENSINO


DE HISTÓRIA, p.361
Renata Carvalho Silva

ARQUIVOS E DOCUMENTOS NO ENSINO DE HISTÓRIA (LOCAL): UM


DIÁLOGO POSSÍVEL, p.372
Roberg Januário dos Santos e Lucilvana Ferreira Barros

HISTÓRIA E LITERATURA: O TEXTO LITERÁRIO E O ENSINO DE HISTÓRIA,


p.379
Roberg Januário dos Santos e Rosenaldo Januário dos Santos

'UM PARA O CAMINHO' DE HAROLD PINTER: UTILIZANDO O TEATRO COMO


INSTRUMENTO PEDAGÓGICO, p.388
Rodrigo Conçole Lage

O CINEMA DE ANIMAÇÕES E O ENSINO DE HISTÓRIA: BREVE REVISÃO


BIBLIOGRÁFICA, p.394
Rodrigo Galo Quintino

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A IMPRENSA NO ENSINO E PESQUISA HISTÓRICA: A UTILIZAÇÃO DE
JORNAIS COMO FERRAMENTA DIDÁTICA EM SALA DE AULA, p.399
Rodrigo Luis dos Santos

SOBRE AS FERRAMENTAS DA INTERNET NAS AULAS DE HISTÓRIA: OU


SENTINDO-SE COMO UM CEGO TATEANDO UM NOVO CAMINHO, p.403
Rosilene Dias Montenegro

UMA PROSPOTA DE ENSINO: O USO DO TEATRO GREGO PARA A


COMPREENSÃO DA SOCIEDADE ANTENIENSE CLÁSSICA, p.412
Sérgio Mendes

HITLER EM CENA: CULTURA, LINGUAGEM E HISTÓRIA NA ABORDAGEM


SEMIÓTICA DE ―ELE ESTÁ DE VOLTA‖, p.418
Tatiane Kaspari e Carlos Eduardo Ströher

FAKE NEWS EM SALA DE AULA: O ENSINO DE HISTÓRIA E A INFORMAÇÃO


NO TEMPO PRESENTE, p.427
Thiago Reisdorfer

OS JOGOS DIGITAIS COMO FONTE DE ENSINO, p.434


Túlio Dalpra Lima e Jeremias Oliveira Santana

A BATALHA DA BORRACHA E O ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PROPOSTA DE


ANÁLISE DOS CARTAZES DE JEAN PIERRE CHABLOZ, 445
Victor Lima Corrêa

POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DO CINEMA NO PROCESSO ENSINO-


APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA, p.454
Vitória Duarte Wingert e Jander Fernandes Martins

OS ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E


HISTÓRIA AMBIENTAL, 463
Wendell Presley Machado Cordovil

ENSINO DE HISTÓRIA E O USO DA INTERNET COMO COMPANHEIRA NO


PAPEL DE ENSINO APRENDIZAGEM, p.469
Wiliana Maiara do Nascimento

A MÚSICA E A PARÓDIA COMO CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO NO


ENSINO DE HISTÓRIA, p.473
Wiliane Maine do Nascimento

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OS CONCEITOS DE REVOLUÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS E AS
LINGUAGENS DE ENSINO
Alessandro Martins Gomes
Mônica Cordovil de Oliveira Martins Gomes

O presente trabalho vai trilhar um caminho em busca da


problematização dos conceitos de revolução e de movimentos sociais
a partir do emprego de algumas das linguagens de ensino: música,
literatura, novas tecnologias e cinema; atentando para as discussões
teórico-metodológicas inerentes à cada uma delas.

Em primeiro lugar, serão analisados os conceitos de revolução e


movimentos sociais. Em segundo lugar, analisaremos cada linguagem
para o ensino de história: música, literatura, novas tecnologias e
cinema. E, concluindo, mostraremos como o uso dessas linguagens
pode influenciar no ensino de História.

Os conceitos de revolução e movimentos sociais


Pesquisar sobre revoluções é pesquisar sobre mudanças, pois,
independente de qual revolução seja, a essência sempre recai sobre o
desejo de mudança para alcançar alguma transformação ou alguma
mudança radical. Nesse sentido, podemos perceber que as revoluções
que ocorreram na história da humanidade sempre tiveram o intuito
de mudar algo na história, e, como já vimos nas pesquisas passadas,
a luta de classes sempre moveu as grandes mudanças na história da
humanidade. E normalmente essa luta se inicia através dos
movimentos sociais, ou seja, a inconformidade com a desigualdade
existente dentro das sociedades e o sentimento de injustiça diante de
privilégios dados a algumas classes da sociedade em detrimento da
maioria.

Esse fenômeno – a luta de classes – sempre existiu. Porém, o termo


foi criado pelos filósofos Karl Marx e Friedrich Engels, para designar
esse conflito entre as classes privilegiadas e as classes inferiores, o
qual sempre foi o agente causador das grandes revoluções da
história. Nesse sentido, Simionatto [2009, p.43] muito bem explana
sobre a neutralização desses conflitos, onde a classe dominante
consegue da classe dominada um maior conformismo se usar para
isto o poder sem meios violentos, tentando assim, desestruturar os
conflitos ―reduzindo-as a interesses meramente econômico-
corporativos‖, pois ―nenhum grupo social possui condições de superar
seus patamares de subalternidade até que não seja capaz de sair da
fase econômico-corporativa para elevar-se à fase da hegemonia
político-intelectual na sociedade civil e tornar-se dominante na
sociedade política‖. [GRAMSCI, 1977, p. 460 apud SIMIONATTO,

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2009, p. 43] A maioria das revoluções na história da humanidade
envolve o fenômeno conhecido como ―luta de classes‖, assim
batizado pelos filósofos Karl Marx e Friedrich Engels, para designar os
conflitos entre as classes privilegiadas e as classes inferiores.
Entendemos que as grandes revoluções na história da humanidade
sempre teve um objetivo em torno de alguma mudança pretendida,
por isso, a luta de classes sempre moveu as grandes mudanças na
história da humanidade.

Em relação ao conceito de revolução, Bobbio assim a define:

―A Revolução é a tentativa, acompanhada do uso da violência, de


derrubar as autoridades políticas existentes e de as substituir, a fim
de efetuar profundas mudanças nas relações políticas, no
ordenamento jurídico-constitucional e na esfera sócioeconômica. A
Revolução se distingue da rebelião ou revolta, porque esta se limita
geralmente a uma área geográfica circunscrita, é, o mais das vezes,
isenta de motivações ideológicas, não propugna a subversão total da
ordem constituída, mas o retorno aos princípios originários que
regulavam as relações entre as autoridades políticas e os cidadãos, e
visa à satisfação imediata das reivindicações políticas e econômicas.
A rebelião pode, portanto, ser acalmada tanto com a substituição de
algumas das personalidades políticas, como por meio de concessões
econômicas. A Revolução se distingue do golpe de Estado, porque
este se configura apenas como uma tentativa de substituição das
autoridades políticas existentes dentro do quadro institucional, sem
nada ou quase nada mudar dos mecanismos políticos e
sócioeconômicos. Além disso, enquanto a rebelião ou revolta é
essencialmente um movimento popular, o golpe de Estado é
tipicamente levado a efeito por escasso número de homens já
pertencentes à elite, sendo, por conseguinte, de caráter
essencialmente cimeiro. A tomada do poder pelos revolucionários
pode, de resto, acontecer mediante um golpe de Estado (assim se
pode considerar a tomada do poder formal pelos bolcheviques, em 25
de outubro de 1917), mas a Revolução só se completa com a
introdução de profundas mudanças nos sistemas político, social e
econômico.‖ [BOBBIO, 1998, p. 1121]

Florestan Fernandes fala do conceito de contrarrevolução que vem


atrelado ao conceito de revolução, pois a contrarrevolução é uma
conjuntura ou uma realidade contrária a uma revolução, ou seja,
fatores que impedem uma revolução. Para ele, ―revolução é um
fenômeno social e político de mudanças rápidas e drásticas nas
estruturas sociais, em que a ordem social vigente é subvertida‖. O
uso da palavra revolução ao invés de golpe de Estado ―é uma forma
de escamotear a realidade histórica‖ com acontecimentos que não

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mudam estruturas sociais, como exemplo o governo brasileiro e a
tomada de poder em 1964, com sentido da palavra revolução como
sinônimo de golpe de Estado. [SILVA, 2009, p. 364] Nesse sentido,
Rossi chama ―o golpe de 1964 de falsa contrarrevolução‖, pois o
movimento se baseava numa tentativa de impedir uma ―falsa
revolução socialista‖ em andamento, mas na verdade os golpes na
América Latina foram apenas de encontro com a democracia. [ROSSI,
1994; FERNANDES, 1984 apud SILVA, 2009, P. 364]

Linguagens para o ensino de história: música, literatura,


novas tecnologias e cinema
Já nos é possível ver claramente que para que haja grandes
mudanças ou rupturas na ordem social de uma sociedade é preciso
que haja construções e movimentos sociais coletivos que antecedam
uma revolução. Para entendermos melhor sobre as grandes
mudanças ocorridas na sociedade em geral ao longo do tempo, faz-se
necessário uma compreensão das revoluções, e, assim, podemos
compreender que ―as relações sociais, políticas e econômicas não são
dadas por si só, e sim correspondem ao resultado da luta da
humanidade contra situações injustas‖. [ROMERO, 2016, p. 123]

Diante disso, é importante entender que a disseminação do


conhecimento também passou por transformações, no sentido de
paradigmas educacionais, numa era em que a informação se propaga
muito rapidamente, e, consequentemente, com atores mais ativos no
processo de ensino-aprendizagem, com processo de aquisição de
conhecimento potencializado por diversas ferramentas. Para que esse
processo ocorra eficazmente, é necessário que as pessoas não
apenas recebam informações indiscriminadamente, mas sim, que se
apropriem destas informações para que possam transformá-las em
conhecimento, por isso, vimos que:

―Um dos objetivos da educação não é simplesmente o de efetivar um


saber na pessoa, mas seu desenvolvimento como sujeito capaz de
atuar no processo em que aprende e de ser parte ativa dos processos
de subjetivação associados à sua vida cotidiana.‖ [GONZALEZ, 2001,
p. 11]

O professor pode também utilizar muitas ferramentas para tornar


esse processo mais atrativo e eficaz, pois já não cabe mais a
abordagem tradicional onde o professor é apenas transmissor de
conhecimento. Não é tão simples romper com paradigmas
cristalizados, mas, para isso, o professor precisa, antes de tudo, ter a
plena consciência de seu papel como mediador do processo de ensino
aprendizagem e ter a percepção que o modo de aprender está
relacionado com o jeito de ensinar.

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Podemos ver algumas dessas ferramentas: música, literatura, novas
tecnologias e cinema.

Música
A música pode fornecer riquíssimas contribuições para o ensino de
História, pois os conceitos de movimentos sociais e revolução não
podem ser apenas ensinados teoricamente através de textos, mas
podemos usar o repertório da Música Popular Brasileira,
principalmente ―nas canções de engajamento político em suas
diversas variantes‖, usada normalmente para ―ludibriar a repressão
proveniente do período ditatorial no Brasil‖, sendo que ―algumas
canções embutiram em sua composição ideias revolucionárias‖.
[IPÓLITO, 2016, p. 17]

Muitos cantores foram influenciados e levados pelos movimentos de


―engajamento social e político da música‖, como Geraldo Vandré, que
fez uma canção – ―Para não dizer que não falei de flores‖ ou ainda
também conhecida como ―Caminhando‖ – que ficará para sempre na
memória dos brasileiros como sinal de apelo de mudança e
conclamando o povo para que reagisse aos feitos do regime militar.

Literatura
A literatura também é uma ferramenta muito rica para o ensino de
História, especialmente a literatura africana, pois assim é possível
fazer ―estudos desses povos e de suas culturas por meio da literatura
escrita na língua do colonizador por autores que experimentaram ou
viveram formas de violência associadas ou representadas pelo Estado
pós-colonial‖. [SILVA, 2016, p. 47]

É fato que ainda existe grande preconceito sobre o conhecimento


sobre a África, ainda há muitos resquícios de um olhar eurocêntrico,
e, sobretudo, ainda considerados como inferiores e necessitados de
absorver uma cultura superior.

Poderíamos citar muitos autores que discursaram a respeito das


concepções eurocêntricas, porém, a obra que de fato colocou esse
assunto em voga internacionalmente foi o livro Orientalismo de
Edward Said em 1978.

A questão do eurocentrismo é bastante complexa e na busca pelo seu


entendimento podemos identificar muitos obstáculos que surgem no
estudo da história de África e Ásia, através de diversos mitos e
preconceitos que surgiram na história desses continentes, criando
assim uma visão irreal e distorcida desses territórios que ainda
necessitam de exploração histórica.

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Nessa linha de pensamento, o eurocentrismo pode ser entendido
tanto como um paradigma quanto como uma ideologia, baseado na
superioridade da cultura e modo de vida europeia sobre os demais
povos do mundo.

Segundo Amin [2008, p. 47], o eurocentrismo deve ser considerado


uma ideologia que remonta ao renascimento, definindo seu conceito
como ―a crença generalizada de que o modelo de desenvolvimento
europeu-ocidental seja uma fatalidade (desejável) para todas as
sociedades e nações‖. Já para Quijano [QUIJANO, 2000 apud
BARBOSA, 2008, p. 47], o eurocentrismo deve ser considerado um
paradigma, através de ―uma estrutura mental, consciente ou não,
que serve para classificar o mundo‖. Para Barbosa [2008, p. 47],
ambas as visões se complementam, pois, independentemente da
forma com o eurocentrismo se exterioriza, acaba por recair na
―superioridade europeia‖. [SAID, 2007, p. 28]

Essa ideia da supremacia civilizatória já vem de tempos antigos,


como o mesmo autor nos diz:

―O Orientalismo nunca está muito longe do que Denys Hay chama ‗a


ideia de Europa‘, uma noção coletiva que identifica a ‗nós‘ europeus
contra todos ‗aqueles‘ não europeus, e pode-se argumentar que o
principal componente da cultura europeia é precisamente o que
tornou hegemônica essa cultura, dentro e fora da Europa: a ideia de
uma identidade europeia superior a todos os povos e culturas não
europeus.‖ [SAID, 2007, p. 34]

Said também afirma que o conceito de Oriente foi uma invenção


europeia com visão orientalista, forjando assim, a visão ―do outro‖
para diferenciarem-se dos europeus com a imagem do ―eu‖ –
―Ocidental, civilizado, branco, racional em contraponto ao Oriental,
selvagem, de cor, emotivo‖. [SAID, 2007, p. 28]

Na base de qualquer império, segundo Cartier [1989], sempre existe


um processo de conquistador-conquistado, notadamente onde um
está sobre o outro no que diz respeito ao armamento e à
organização, e também, com a formação de uma nova estrutura
político-social com a integração dos vencedores na organização dos
vencidos.

Tecnologias
Sobre tecnologias não é preciso clarificar detalhadamente o que se
pode modificar no ensino de História. Com relação aos conceitos de
revolução e movimentos sociais fica ainda mais claro, pois a própria
revolução tecnológica vivida pela Sociedade da Informação mostra

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como ela faz parte da história das revoluções da humanidade.
[INSTITUTO, 2017]

Os movimentos sociais podem ser vistos de diversos ângulos, tanto


como iniciativas revolucionárias tanto como formas de protestos e
manifestações populares, mas, independente de sua forma de se
exteriorizar, para Hobsbawm [2012, p. 129] esses movimentos fazem
parte da escrita de uma história social. [SILVA, 2012, p. 5-6]

Conforme Silva [2012, p. 5-6], os movimentos de contestações


sociais sempre estiveram presentes na história da humanidade, como
―a transição do Antigo Regime para o Liberalismo‖ que ―surgiram do
confronto entre o sistema capitalista e a tradicional organização
social‖, chamados de pré-industriais. Após o desenvolvimento
industrial e as modificações das relações sociais, ocorreram
movimentos por questões ligadas ao capitalismo. Surgiram também
movimentos operários devido aos conflitos surgidos na sociedade
industrial. Após a década de 60 surgiram os movimentos chamados
de novos ou pós-industriais, mas não como movimentos operários de
classes, mas sim de direitos civis. Mais tarde movimentos pacifistas,
feministas, ecológicos e outros.

A Revolução Digital transformou novamente a sociedade e suas


formas de comunicação, e, com isso, ampliou-se imensamente as
formas de protestos e movimentos sociais, ou seja, ―o que se pode
concluir é que as formas de contestação acompanharam o evoluir da
sociedade‖. Hoje, obviamente, ―estamos perante movimentos sociais
que agem de maneira diferente, utilizando os meios tecnológicos que
foram postos ao serviço da Humanidade para se reunirem, para
divulgarem as suas ideias, para se promoverem. É a sociedade em
rede a funcionar em todas as vertentes, mesmo na organização de
protestos‖. [SILVA, 2012, p. 8]

Da mesma maneira, podemos entender as mudanças ocorridas


também no ensino de história, principalmente no que tange às
revoluções e movimentos sociais. Assim, o professor de História deve
se portar como um professor problematizador, e não apenas como
mero expectador e transmissor de conhecimentos, auxiliando na
formação de cidadãos mais críticos e pensadores, se adequando às
novas exigências do mercado de trabalho e da nova realidade cultural
das escolas e dos alunos. Esse novo perfil de profissional deve
compreender que as mudanças na sociedade também revolucionaram
o processo educacional, buscando preparo para utilizar-se dessa
ferramenta de forma a contribuir para o aprendizado de forma eficaz
no ambiente educativo. O educador deve também cuidar para que o
uso dessa ferramenta seja como um recurso pedagógico de modo a

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potencializar as aulas, e não apenas como máquinas para ensinar ou
aprender, mas como ferramenta pedagógica para criar um ambiente
interativo que proporcione ao aprendiz, diante de uma situação
problema, investigar, levantar hipóteses, testá-las e refinar suas
ideias iniciais, construindo assim seu próprio conhecimento. [VIEIRA,
online]

É necessário que os educadores encarem esse novo desafio, para que


não fiquem presos em uma educação tradicional e tecnicista, pois

―[...] a educação do futuro é aquela que deve proporcionar a


formação de cérebros para a cooperação, [...] que prepara para a
vida, para tomar decisões, para integrar conhecimento, [...] que
prepara o indivíduo para agir, não apenas para reagir, para planejar e
não apenas executar.‖ [BRITO, 2006, p. 119]

Assim,

―Fica clara a necessidade dessa mudança de paradigma educacional,


diante dessa Sociedade do Conhecimento que foi gerada pela
quantidade de recursos e facilidade de acesso à informação que
temos hoje. Por isso, fica claro como o processo de ensino de História
pode ser ampliado e potencializado com o uso das TIC‘s. Porém, isso
depende muito de como essas TIC‘s são utilizadas. Para isso, é
preciso investir não só na aquisição de novos recursos, mas na
orientação dos educadores para utilizarem de forma correta e eficaz.‖
[GOMES; GOMES, 2016, p. 9]

Cinema
Sobre cinema é muito claro que esta linguagem pode auxiliar muito o
aprendizado sobre história, especialmente no que diz respeito às
revoluções e movimentos sociais. A relação existente entre história e
cinema já vem desde a invenção desta linguagem, porém, ―somente
a partir da década de 1970 que o filme começou a ser visto como um
possível documento para a investigação histórica‖, e, passando a ser
considerado um produto da sociedade que o produziu, refletindo
assim os pensamentos ideológicos e crenças da referida sociedade.
[NOVA, 1996, online]

Sabe-se que os movimentos sociais que originam as revoluções


advêm da existência de conflitos e divergências dentro de uma
sociedade, esses movimentos acabam por criar um ponto de
intersecção com a pedagogia, pois se tornam espaços de
aprendizagens para cada sociedade que a vivencia.

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A utilização do cinema como fonte histórica só foi possível a partir do
movimento dos Annales, pois assim, a fonte escrita deixou de ser a
única fonte reconhecidamente histórica. A ideia de a fonte fílmica ter
incutido vestígios históricos ocupou o lugar daquela ideia
ultrapassada de que os filmes mostram uma realidade fictícia e de
tentativa de persuadir as pessoas ilusoriamente.

Na antiguidade as artes mímicas e visuais eram grandemente


criticadas por Platão e Santo Agostinho. Ele amava o teatro:
―Arrebatavam-me os espetáculos teatrais, cheios das imagens de
minhas misérias e de alimento para o fogo de minha paixão‖ [SANTO
AGOSTINHO, III, 2, p. 67], o qual lhe conferia prazer e alimentava
suas paixões em sua cultura pagã. Porém, as reflexões sobre o teatro
de sua juventude diferenciam-se muito de suas conclusões após sua
conversão, fazendo-o ter uma visão bem mais crítica da vida:

―Pois toda sua vida em busca pela verdade atravessou momentos


difíceis, mas o fez chegar ao porto seguro, o que o faz ter uma visão
muito mais crítica da vida. Isso tudo o fez constatar que as artes e o
teatro criavam uma realidade virtual, falsa e artificial, tornando-se
uma espécie de fuga para os homens, fugindo de suas realidades e
problemas vividos em suas vidas reais, os levando a agirem de forma
inapropriada.‖ [GOMES, 2014, p. 1768-1769]

Nesse mesmo sentido, Platão também critica as artes confirmando


que ―todas são uma cópia do mundo sensível, que por si só já é
cópia, sendo então as artes a cópia de uma cópia‖ [GOMES, 2014, p.
1771]. Em seu diálogo A República diz que ―São as de Hesíodo,
Homero e de outros poetas. Eles compuseram fábulas mentirosas que
foram e continuam sendo contadas aos homens‖. [GOMES, 2014, p.
1771]

Já após a grande revolução dos Annales foi constadado que existem


diversas formas de relatar a história, pois conforme Marc Ferro e
Michèle Lagny:

―Todo processo de produção de sentido é uma prática social, e que o


cinema não é apenas uma prática social, mas um gerador de práticas
sociais, ou seja, o cinema, além de ser um testemunho das formas de
agir, pensar e sentir de uma sociedade, é também um agente que
suscita certas transformações, veicula representações ou propõe
modelos. Sendo assim, investigar os meios pelos quais alguns filmes
buscam induzir os indivíduos a se identificar com as ideologias, as
posições e as representações sociais e políticas dominantes e quais as
rejeições a essas tentativas de dominação propicia uma visão mais
crítica da sociedade. A resistência aos significados e mensagens

16
dominantes pode favorecer novas leituras e novos modos de
apropriação do cinema, usando a cultura como recurso para o
fortalecimento e a invenção de significados, identidades e formas de
vida.‖ [FERRO; LAGNY 1997, p. 187-207 apud VALIM 2012, p. 285]

A utilização do cinema através de vídeos e filmes podem ser


incorporados também com as tecnologias e possibilitam o
desenvolvimento de novas formas de aprendizagem, pois se utiliza de
uma linguagem menos formal que os textos escritos, através de
recursos audiovisuais, que podem ser facilitadores na compreensão
de conteúdos educacionais.

Considerações finais
Neste trabalho abordamos as questões metodológicas inerentes ao
ensino de História, com o principal motivo de problematizar os
conceitos de revolução e de movimentos sociais.

Podemos concluir que existem diversas formas e linguagens


pedagógicas para a produção de conhecimentos históricos, não
apenas por documentos escritos, mas também através das
experiências de uma sociedade tanto social quanto cultural e política,
as quais contribuem de forma valiosa para a construção de uma
narrativa histórica:

―Toda identidade humana é construída e histórica; todo o mundo tem


seu quinhão de pressupostos falsos, erros e imprecisões que a
cortesia chama de ―mito‖, a religião, de ―heresia‖, e a ciência, ―de
magia‖. Histórias inventadas, biologias inventadas e afinidades
culturais inventadas vêm junto com toda identidade; cada qual é uma
espécie de papel que tem que ser roteirizado, estruturado por
convenções de narrativa a que o mundo jamais consegue conformar-
se realmente.‖ [APPIAH, 1997, p. 241]

Assim, pode-se perceber que o ensino de História pode ser


grandemente enriquecido através do uso diversificado de modelos de
abordagens e de linguagens de ensino como a música, a literatura, as
tecnologias e o cinema.

A compreensão dos conceitos de revolução e movimentos sociais


enquanto conjunto de grandes mudanças pode utilizar-se da música
como meio de repercussão de ideias e meio de protesto, pois é
possível embutir em suas letras pensamentos camuflados.

Em relação à literatura, principalmente a literatura africana, também


é muito importante a internacionalização dos conceitos de revolução
e movimentos sociais para o ensino de História, principalmente pelo

17
fato de que a literatura africana pode ajudar muito no ensino da
própria cultura brasileira.

O uso de tecnologias pode ser atrelado a diversos tipos de


abordagens no ensino de História, pois possuem uma forma de
alcance bastante diferenciada, com novos paradigmas e novas formas
de protesto.

O cinema há muito vem sendo utilizado como forma de exteriorização


de movimentos sociais, revoluções e protestos populares, e isso vem
sendo a cada dia mais incutido no ensino de História, podendo o
professor e seus alunos vivenciar de forma mais real muitas das
revoluções que nossa sociedade já vivenciou.

Em suma, fica claro que o uso dessas linguagens apresentadas na


referente pesquisa pode influenciar no ensino de História e pode
enriquecer a construção do conhecimento entre aluno e professor,
evidenciando o alto grau de motivação que essas linguagens podem
trazer à pedagogia.

Referências
Alessandro Martins Gomes é atualmente doutorando em Estudos
Clássicos – Mundo Antigo na Universidade de Coimbra/Portugal com
bolsa de doutorado pleno pela CAPES. Mestre em teologia pelas
Faculdades EST em São Leopoldo/RS. Especialista em História Antiga
e Medieval pela Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro;
especialista em História do Brasil, Ciências da Religião, História e
Cultura Afro-brasileira pela Universidade Cândido Mendes;
especialista em Ensino de História pela Uninter; especialista em
Planejamento, Implementação e Gestão do Ensino a Distância pela
UFF/RJ. Licenciado em História, Direito e Teologia. Lecionou em
diversas áreas e atualmente é pesquisador de doutorado pela CAPES
em Coimbra/Portugal.

Mônica Cordovil de Oliveira Martins Gomes é especialista em


Planejamento, Implementação e Gestão do Ensino a Distância pela
UFF/RJ e em Gestão de E-learning na Universidade Nova de
Lisboa/Portugal. Licenciada em Sistemas de Informação e Teologia.
Cursando inglês na Universidade de Coimbra/Portugal.

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21
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO FERRAMENTA
PEDAGÓGICA NO ENSINO DE HISTÓRIA
Allef de lima Laurindo Fraemann Matos

Introdução
É necessário compreendermos as distinções entre Charge, Cartum e
Histórias em Quadrinhos (HQs) e assim posteriormente analisar as
HQs como ferramenta pedagógica no Ensino de História. A relação
entre os três meios de comunicações são marcadas por uma
generalização já que todas evoluíram a partir do desenvolvimento da
imprensa. A charge é uma ilustração que recorre ao humor com
objetivo de satirizar notícias, como explica Vilela, ―ela possui um
caráter jornalístico, mas não se limita a informar um fato ou
acontecimento. Uma charge está mais para um editorial ou uma
coluna de opinião do que para uma reportagem comum‖ (VILELA,
2012, p. 41). Já cartum, é uma única imagem ilustrada que tem por
intuito transmitir uma informação, e de acordo McCloud, as HQs são
―imagens pictóricas e outras, justaposta em sequência deliberadas
destinada a transmitir informação e/ou produzir uma resposta no
espectador.‖ (MCCLOUD, 1995, p.09). Dessa maneira, as HQs são
duas ou mais imagens, possuindo textos escritos ou não, colocados
uma ao lado da outra em sequência com objetivo de passar uma
determinada informação.

Percebemos que a influência das HQs na sociedade tornou-se um


elemento corriqueiro que extrapola as mais diversificadas mídias e
culturas. ―Mesmo os menos atentos se deparam diariamente com
imagens relacionadas aos personagens clássicos dos gibis, quando
não, com os próprios apresentados nos produtos mais diversos,
desenhos animados, comerciais e nas próprias HQs.‖ (PAIVA, 2017,
p. 46-47), assim podemos afirmar que, as Histórias em Quadrinhos
são um tipo específico de arte. ―Não é literatura, não é pintura, nem
desenho, e sim uma junção de várias expressões artísticas, mas que
forma outra que se diferencia da demais. É uma linguagem e também
uma forma de comunicação, além de ser um meio de entretenimento
presente nas relações cotidianas e educacionais.‖ (Ibid. p. 47)

História em Quadrinhos e Educação


As primeiras Histórias em Quadrinhos publicadas com caráter
educacionais foram as revistas norte - americanas True Comics e Real
Life Comics, as obras apresentavam personagens e eventos
históricos, ilustrados nos seus exemplares. Posteriormente, outras
revistas como Topix Comics e Treasure Chest, Picture Stories from
the Bible dedicaram-se à publicar HQs com temáticas religiosas,
essas publicações faziam da catequese o seu maior objetivo,

22
utilizando das revistas como um meio de transmissão dos valores
cristãos. ―[...] Na Itália, editora ligadas à Igreja Católica também
utilizaram fartamente a linguagem dos quadrinhos para incutir nas
crianças sentimento religiosos, foram depois traduzidas e públicas em
muitos países do mundo.‖ (VERGUEIRO, 2006,p.18).

Os benéficos pedagógicos dos quadrinhos não restringiram


exclusivamente as editoras. Na China, durante o processo de
revolução comunista, o governo de Mao Tse- Tung utilizou das HQs
como uma fermenta para divulgação de um modelo de vida
exemplar, dando ênfase aos valores do novo regime que pretendia
estabelecer no país.

―As histórias podiam enfocar, por exemplo, a vida de um soldado


que, a caminho de seu quartel, encontrar uma pobre velhinha sem
forças para caminhar, desviava-se de seu caminho e a levava às
costas até sua casa, passando a imagem de ‗solidariedade‘ que o
governo chinês pretendia vender a população.‖(Ibid. p. 18).

Podemos perceber essa estratégia pedagógica em diversos países,


exemplo é os Estados Unidos que utilizar das revistas em quadrinhos
para ilustras cartilhas de treinamento bélico do exército norte –
americano durante a Segunda Guerra Mundial, com objetivo de
facilitar a compressão dos manuais e apostilas militares:

―Depois de conversar com os editores do jornal ao longo dos meses e


ver como o exército resolvia as coisas, Eisner ficou convencido de que
os quadrinhos podiam ser usados como uma ferramenta educativa
para seus colegas soldados. Seu raciocínio envolvia em parte a falta
de alfabetização, em parte a relutância natural em aprender algo
novo: os manuais de manutenção eram escritos em linguagem tão
técnicas que os soldados menos letrados não entendiam, e mesmo
que entendessem, precisavam de motivação para seguir as
orientações. Os quadrinhos podiam ser informais, divertidos e fáceis
de acompanhar, ainda assim mantendo o tom educativo. Eles podiam
falar a língua do soldado.‖ (SCHUMACHER, 2013, p, 106 apud PAIVA,
2017, p, 66)

Durante a década de 1970 na França, as Histórias em Quadrinhos


passaram a ser utilizadas como ferramenta pedagógica para auxiliar
os docentes na sala de aula. Diversos personagens e temas
passaram a ser representados, entre quais se encontram as obras de
Freud, Marx, Lenin, Darwin e Trotsky. As editoras francesas
aventuram-se nesse ramo com maior ou menor sucesso, ajudando a
ressaltar a ideia perante o público que as HQs poderiam ser utilizadas
para transmitir conteúdo. Essa tendência foi ampliada pelos demais

23
países, por vezes com traduções de obras norte – americanas
europeias ou desenvolvimento de obras com temáticas especifica de
cada local. Temos que compreender que ―a inclusão efetiva das
histórias em quadrinhos em matérias didáticos começou de forma
tímida, inicialmente eram utilizadas para ilustrar aspectos específicos
das matérias que antes eram explicados com textos escritos.‖
(VERGUEIRO, 2006, p .20).

No mesmo período no Brasil, já era possível encontrar narrativas em


quadrinhos nos livros didáticos, esses quadrinhos sintetizavam ou
exemplificavam, em uma ou mais vinhetas, o conteúdo do tópico ou
do capítulo. ―Utilizando a linguagem característica dos quadrinhos
(balões de fala, recordatórios etc.), estes eram usados para suavizar
a diagramação e complementar de forma mais leve o texto didático.‖
(SANTOS; VERGUEIRO, 2012, p.83). No entanto, o reconhecimento
das Histórias em Quadrinhos como uma maneira de auxiliar nas
práticas pedagógicas ocorreu oficialmente no Brasil em 1996 quando
foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. No Art. 3º da
Lei de Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, propôs: o ensino será
ministrado com base nos seguintes princípios, – ―II liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas.‖( BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996).Percebemos que partir da promulgação LDB, asHQs passaram
a ser uma ferramenta educacional, abrangente no mais variados
níveis educacionais, desde as séries iniciais até o ensino superior,
possibilitando desenvolvimento de várias pesquisas relacionadas com
distintas problemáticas. ―Crianças e adolescentes seguem a história
do começo ao final, compreendem seu enredo, seus personagens, a
noção de tempo e espaço, sem necessidade de palavras sofisticadas e
habilidades de decodificação.(LUYTEN, [?].p. 06 apud PAIVA, 2017, p.
63), desta maneira as História em Quadrinhos servem de escada para
o conhecimento dos estudantes.

Quadrinhos na aula de História


Nas aulas de História, as HQs podem ser utilizadas para ilustrar
aspectos e ideias sociais do passado, neste caso, seriam utilizadas
obras ambientadas em um terminado período histórico, onde nessas
obras poderiam analisar o vestuário, a mobília e estilo arquitetônico,
nos quais os quadrinhos estão sendo baseados. Dessa maneira
podemos utilizar as Histórias em Quadrinhos de Asterix, como uma
ferramenta de ensino de História Antiga, pois as obras produzidas por
René Goscinny e Albert Uderzo remetem a Roma Antiga ilustrando
aspectos sociedade romana; arquitetura das cidades; uniformes dos
soldados; organização militar; importância do exército para Roma. De
acordo com Vilela:

24
―Para a disciplina de história, as HQs fornecem material para o
trabalho com o conceito de tempo e suas variações e informações
textuais e visuais da vida social de comunidades do passado (HQs
históricas). Para estudos da época em que foram produzidas as
revistas (gibis que registrem o momento social em que foram
realizados), são fontes de referências históricas bibliográficas.―
(VILELA, 2006. apud PAIVA, 2017.p. 72).

Outra maneira de utilizar as HQs de Asterix na sala de aula, usando


como uma fonte de partida para discussões de conceitos históricos,
as obras possibilitam debates e questionamentos sobre os conceitos
de Estado, Império, aculturação e expansionismo. Conforme Vilela
explica, algumas HQs ―têm como fonte de inspiração culturas e
civilizações que existiram na antiguidade, podendo se constituir num
excelente ponto de partida para debater e questionar conceitos de
‗bárbaros e civilizados‖ (VILELA, 2006, p. 110).

É de fundamental importância que o docente conheça o período


histórico abordado nas Histórias em Quadrinhos e ressalte para os
alunos que as HQs são obras de ficção, não tendo responsabilidade
de ser fidedignos aos acontecimentos históricos por ele abordados,
evitando assim, que o aluno tome a obra utilizada como algo
condizente com a realidade. O educador ―deve mediar a leitura dos
quadrinhos, chamando a atenção para que os anacronismos. Assim
‗erros‘ podem servir como ponto de partida para informação corretas,
contribuindo para a construção do conhecimento.‖ (VILELA, 2006,p.
121).

Como medida para evitar possíveis problemas no decorrer da aula e


de um sucesso maior no desenvolvimento do conteúdo ministrado, é
necessário um planejamento elaborado para utilizar as HQs em sala,
fazendo uma exposição sobre o tema trabalhado e que as utilizando
como material complementar ou fonte primária. E, desse modo,
relacioná-las com textos teóricos, seja o livro didático ou outro
material de acadêmico levado à sala de aula pelo docente.

Também é de extrema importância à identificação do material


adequado, pois sabemos que ―as HQs são uma linguagem autônoma,
que existem vários gêneros para diferentes públicos e faixas etárias e
que elas são publicadas de diferentes maneiras (na forma de tiras de
jornais; na forma de revistas vendidas em bancas e na forma de
álbuns vendidos em livrarias), podemos avançar e fazer um
retrospecto da relação entre essa linguagem e a instituição
escola.‖(VILELA, 2012, p. 63). Assim ―como em qualquer outra forma
literária, se escolhem e procuram as que dizem mais, desistindo das

25
que satisfazem menos e suscitam menos envolvimento, menos
inesperados.‖ (ABRSMOVICH, 1995, p,128 apud PAIVA. 2017,p. 73).
Scott McCloud e Waldomiro Vergueiro vão defender potencial das
HQs. Para o primeiro, ―a forma artística – meio – conhecido como
quadrinhos é um recipiente que pode conter diversas ideias e
imagens.‖ ( MCCLOUD, 1995,p. 6) Já para Vergueiro, não existe
regras para utilização das HQs, ―pode – se dizer que o único limite
para seu bom aproveitamento em qualquer sala de aula é a
criatividade do professor e sua capacidade de bem utilizá-los para
atingir seus objetivos.‖ (VERGUEIRO, 2006, p. 26). Partindo dessas
percepções, temos que compreender as HQs como um instrumento
educacional de potencial abrangente, que permitem, com seu uso, as
integrações entre as diferentes áreas do conhecimento e mídias,
possibilitando nas instituições educacionais um trabalho
interdisciplinar e com diferentes habilidades interpretativas.

Considerações finais
Vemos, portanto que as Histórias em Quadrinhos são ferramentas
ricas em conteúdo para serem utilizadas no Ensino de História, onde
possuem um potencial pedagógico enorme, em que podem contribuir
para dinamização da aula, pois ―indiscutivelmente, as revistas de HQ,
por fazerem parte importante do universo de crianças e jovens,
podem ser igualmente utilizadas como ferramenta pedagógica criativa
e eficiente.‖ (FUNARI, 2004.p.152 Apud SOUZA NETO, 2016,p. 135).
Além disso, ressaltamos que as HQs contribuem para uma
interdisciplinaridade, tornando - se mais um auxílio de ingresso na
prática literária. ―Assim um leitor, que desenvolver o gosto por esse
hábito terá muito mais chances de se tornar alguém que leia outros
gêneros textuais, como jornais, livros e revista.‖ (VERGUEIRO 2006,
[?] apud PAIVA, 2017, p. 51). Como explicar Santos, as Histórias em
Quadrinhos no processo de aprendizagem possibilitam, ―entre outras
coisas, o incentivo à leitura, o aprendizado de línguas estrangeiras, a
instigação ao debate e à reflexão sobre determinado tema, ou mesmo
a realização de atividades lúdicas, como a dramatização a partir de
uma história em quadrinhos.‖(SANTOS, 2001apud SANTOS;
VERGUEIRO, 2012, p. 82). Logo, podemos perceber que as HQs são
mais uma ferramenta pedagógica para sala de aula e podem tornar
cada vez mais difundidas na medida em que seu uso e aceitação
estejam presentes no cotidiano das intuições educacionais.

Referências
Allef de Lima Laurindo Fraemann Matos. Graduado em Licenciatura
em História – Universidade de Pernambuco. Membro do Leitorado
Antiguo: Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em História Antiga.
Orientador: Prof. Dr. José Maria Gomes de Souza Neto.

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28
O CINEMA COMO FERRAMENTA NO DESENVOLVIMENTO DO
PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZEM NO ENSINO DE
HISTÓRIA
Ana Lúcia Silva Santos
Lucilvana Ferreira Barros

Introdução
O presente artigo tem como objetivo analisar o cinema como uma
nova linguagem no ensino de história, compreendendo as
possibilidades de pensar a relação de história e cinema, partindo de
uma análise do cinema na história, História no cinema e a história do
cinema, entendo-o como ferramenta que viabiliza o processo
ensino/aprendizagem de história em sala de aula, bem como
desenvolver o olhar para o cinema como fonte histórica. Este texto
foi produzido na disciplina: Prática Curricular continuada IV: ensino
de História e Linguagens: literatura, oralidades e mídias, curso de
História, IETU, Unifesspa, sob a coordenação da Profa. Lucilvana
Ferreira Barros.

O cinema é uma ferramenta que desperta o interesse de muitas


pessoas em diversas faixas etárias, trazendo consigo representações
das relações sociais, da história da humanidade e também ideologias,
o que permite ao historiador realizar reflexões e debates acerca do
mesmo como fonte de pesquisa e desenvolver em sala de aula um
contexto histórico de forma mais estimulante e agradável ao aluno.

Cinema na História
No final do século XIX e início do século XX o cinema era
desenvolvido a partir de fotografias que eram apresentadas em
registros de cenas cotidianas e hábitos sociais, com a finalidade tanto
de entretenimento, quanto de registro documental. As primeiras
cenas de cinema foram exibidas em 1895 em Paris, criada após a
Revolução Industrial pelos irmãos Auguste Marie Louis Nicholas
Lumière e Louis Jean Lumière e apresentado ao público pela primeira
vez pelo seu pai Antonio Lumiere. Desde então, o mesmo tornou-se
um meio de expressão, comunicação e construção de sensibilidade
dentro da sociedade.

Todos os filmes são históricos, pois eles retratam a uma determinada


época. Ao realizar sua análise é necessário entender que são apenas
interpretações dos vestígios deixados e que não são a reconstituição
do passado, onde ele não tem o poder de mostrar a verdade, bem
como não tem nenhuma obrigatoriedade em se legitimar:

29
“Essa crença de que o filme de reconstituição histórica, seja ele ficção
ou documentário, é a representação do vivido é altamente
questionada pelos historiadores. O filme é uma fonte em potencial e,
por isso, deve ser objeto de crítica e avaliação. Em primeiro lugar, é
preciso ressaltar que todo filme, independentemente do seu gênero (
ficção ou documentário, comédia ou drama) é produto direto do
tempo em que foi feito. Esse elemento é fundamental para quaisquer
análise histórica‖ (FERREIRA, 2009, Pág.127).

O Cinema como metodologia de trabalho


Ao se trabalhar com cinema, o historiador precisa realizar o trabalho
de desconstrução e análise do filme com um olhar crítico,
compreendendo a linguagem cinematográfica e seu discurso
ideológico os quais não possuem responsabilidade com uma
concepção problematizadora dos fatos históricos. Os filmes são uma
construção que modifica a realidade a partir de sua linguagem, os
sons, as imagens e seus movimentos, realizando um trabalho de
seleção conforme a preferências de quem o realiza. O filme é uma
interpretação, assim sendo não há uma fidelidade a época retratada.
A história se manifesta no cinema de quatro maneiras:

―Herança positivista: Preocupação com a exatidão da reconstituição


fílmica do passado o com o registro mais fiel possível de eventos
ocorridos; Predomínio da ideologia (―discurso ideológico‖) dos
realizados sobre a historicidade, subvertendo o sentido dos
personagens e dos fatos; Apelo ao ―discurso novelesco‖,
predominante ao discurso histórico, tornando mais sutil ― subversão‖
dos fatos e processos; Criação de uma narrativa histórica própria,
que opera dentro do discurso histórica instituído, utilizando técnicas
de citação bibliográfica e documental, legitimada por pesquisadores‖
(NAPOLITANO, 2008, p. 241).

É preciso pensar o cinema a partir da história, bem como entender


que nenhum filme apresenta-se como verdade e nem ficção por
completo e que a História se manifesta nele. Para Napolitano (2008),
há três possibilidades básicas de pensar a relação entre história e
cinema; o cinema na história, a história do cinema e a história no
cinema. Para o autor, o cinema na história é o cinema entendido
como fonte primária para investigação historiográfica. A história no
cinema é o cinema como produtor de discurso e a história do cinema
é a abordagem que enfatiza os avanços dentro da linguagem
cinematográfica, das condições sociais de produção e recepção de
filmes. Desta forma, pode-se dizer que possuímos um leque de
representações cinematográficas que vão para além da função
prática, estética e simbólica, mas também ideológica. Assim sendo, o
filme deve ser objeto de crítica e avaliação.

30
Todo filme é produto direto do tempo em que foi produzido, ao se
utilizar do filme em sala de aula, no ensino de história, é preciso
pensá-lo como documento histórico e não apenas como ilustração. É
preciso pensar o cinema como uma ferramenta que gera discussão e
consequentemente gera reflexão e produção do raciocínio crítico e
que o mesmo não deve ter a função de substituir o estudo histórico, o
professor, nem tampouco deve ser utilizado para ilustrar a ―verdade‖
do que esta sendo retratado. É preciso pensar o processo de
construção e intenção do filme, apresentando-o como um documento
de uma época.

O filme entendido como objeto de análise, possibilita ao professor,


ultrapassar os objetivos de quem o criou. Utilizá-lo como recurso
didático requer um exercício crítico que consequentemente se tornará
um poderosa ferramenta para construção do ensino de história:

―Os filmes podem passar a ideia de uma reprodução fiel da realidade,


mas nada é mais enganador, porque eles não são evidentes em si
mesmos, mas uma construção que modifica a realidade por meio da
articulação de imagens, palavras, sons e movi mentos. Os elementos
relacionados à produção (iluminação, enquadramento, movimentos
de câmera, cores) fazem parte da linguagem fílmica, que também
transforma e interpreta a realidade. Os documentos, com uma
pretensão de descreve mais fielmente a realidade, devem igualmente
ser objeto de crítica, porque, como qualquer filme, selecionam,
privilegiam e negligenciam conforme as preferências do seu
realizador.‖ (FERREIRA, 2009, p. 128).

O Cinema no Ensino de História


Ao introduzir o cinema em sala de aula é preciso que o professor faça
uma leitura, um estudo deste filme, para que assim ele encontre
caminhos para construção do raciocínio histórico. Como levar um
filme para sala de aula, se o professor não o conhece profundamente
as suas construções, função, qual sua intenção, qual história
presente, que ideologias são apresentadas? Como desconstruir e
desnaturalizar aspectos presentes no filme que não são de profundo
conhecimento do professor? Como utilizar o filme como recurso
didático, se não entendemos como essa ferramenta funciona?. Se o
professor não se atentar a esses aspectos que devem ser analisados,
o trabalho com filme será em vão, no ensino de história, uma vez que
ele não dominará a ferramenta e poderá será manipulado pelas
ideologias presentes no filme.

O ensino de História em sala de aula encontra limites do livro


didático, há ainda uma análise superficial da produção histórica
constante neles. Recorrer as novas linguagens é uma forma

31
importante para propiciar novos rumos para o ensino, de pensar o
ensino de uma forma contextualizada, dialogada e voltada ao
desenvolvimento crítico dos alunos, onde haja um planejamento
flexível.

O planejamento também é uma parte importante no processo de


ensino e aprendizagem histórico, não há possibilidade de pensar o
filme como recurso em sala de aula, sem antes pensar o
planejamento didático que corresponda, a realidade dos alunos, a
faixa etária, o tempo, a acessibilidade dos alunos ao filme, a censura
presente no filme, entre outros aspectos que devem ser pensados e
planejados para que o filme não vire apenas ilustração:

―Ao incorporarmos diferentes linguagens no processo de ensino


história, reconhecemos não só a estreita ligação entre os saberes
escolares, as culturas escolares e o universo cultural mais amplo,
mas também a necessidade de (re)construirmos nossas concepções
pedagógicas. As metodologias de ensino, nestes tempos, exigem do
professor permanente atualização, constante investigação e contínua
diversificação de fontes, artefatos e manifestações da cultura
contemporânea em sala de aula, respeitando as especificidades de
cada uma delas. ‖ (FONSECA, 2012, p. 259).

A seleção desses filmes também é uma parte importante deste


planejamento, é preciso pensar de que forma esse filme nos
possibilita ampliar e enriquecer o nosso olhar histórico, a nossa
formação e de que forma contribui para as atividades no processo de
ensino e aprendizagem do aluno, além de pensar se o filme escolhido
abrange aspectos da época em que o professor deseja retratar, é
claro sem se recorrendo de estratégias que torne o processo do
ensino e aprendizagem algo prazeroso para ambas as parte
envolvidas Professor/aluno.

Fazer educação com qualidade é operacionalizar a participação e a


flexibilidade dos conteúdos em sala de aula. Este diálogo com o
cinema e com as diversas formas de linguagens contribui para
desenvolver, social, crítica, intelectual e formação do aluno em todos
os sentidos quanto ser social, bem como para os saberes históricos.

Considerações finais
Desta forma, é preciso pensar essa linguagem como um veículo de
disseminação do saber histórico que contribui significativamente para
renovação das práticas educativas no ensino de história. O professor
não é o detentor do saber, sendo sua função, mediar as relações
entre o sujeito, o conhecimento e suas representações diante o
mundo educacional e social. As dificuldades são inúmeras, uma vez

32
que as condições escolares no Brasil muitas vezes são precárias, no
entanto é possível realizar um trabalho satisfatório e enriquecedor a
partir das novas possibilidades educacionais, advindas também das
novas linguagens no ensino de história.

Concluímos este texto reiterando que para que ocorram mudanças


satisfatórias no processo de ensino de história, bem como no uso
dessas novas linguagens de ensino, é necessário que as reflexões
ocorram em todos os âmbitos educacionais, e que haja a colaboração
de todos os integrantes neste processo, que é tão importante para o
desenvolvimento das ações pedagógicas e para mediação do saber
histórico, inclusive com a importante utilização de filmes em sala de
aula.

Referências
Lucilvana Ferreira Barros: Doutoranda em História pelo Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará.
Professora efetiva do curso de História do Instituto de Estudos do
Trópico Úmido, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.

Ana Lúcia Silva Santos: Graduanda em História (6º período) pela


Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Este texto foi
produzido na disciplina: Prática Curricular continuada IV: ensino de
História e Linguagens: literatura, oralidades e mídias, curso de
História, IETU, Unifesspa, sob a coordenação da Profa. Lucilvana
Ferreira Barros.

CANO, Márcio Rogério de Oliveira (org). História e cinema. In. A


reflexão e a prática no ensino de História. São Paulo: Blucher, 2009,
p. 31-46.

FERREIRA, Marieta de Moraes, FRANCO, Renato. História e filme.


In: Aprendendo História: reflexões e ensino. Rio de Janeiro; FGV e
Editora do Brasil, 2009, 127- 131.

FONSECA, Selva G. Cinema. In. Didática e prática de ensino de


História: Experiências, reflexões e aprendizados- 13 ed. Campinas,
São Paulo, Papirus, 2012. p. 259-285.

NAPOLITANO, Marcos. Fontes Audiovisuais. A História depois do


papel. In. Fontes históricas / Carla Bassanezi Pinsky, (Org). —2.ed.,
2. reimpressão.— São Paulo : Contexto, 2008.

33
MÚSICAS, DOCUMENTOS E JOGOS NAS AULAS DE HISTÓRIA
Andréia Sznicer
Cleverton Andrei Roza

O título utilizado acima se refere as metodologias que auxiliam na


aulas de História, a qual deve ser pensada sobre esse viés de que,
ensinar História equivale a dar condição para que o aluno possa
participar do processo do fazer, do construir a História. Sendo este
um momento em que, ciente do conhecimento que possui, @
professor@ pode oferecer a seu alun@ a apropriação do
conhecimento histórico existente, através da realização de uma
atividade que edificarão esse conhecimento (BITTENCOURT, 2002, p.
57).

Desta forma, a transposição didática, deve ser feita, de forma que @s


alun@s possam compreender a explicação histórica, buscando
também, a problematização de alguns conceitos e opiniões
apresentadas em sala de aula, assim como, da análise causal, o
contexto temporal e o privilégio da exploração do documento
histórico (BITTENCOURT, 2002, p. 59). A formação dest@s alun@s
deve ser significativa, ao ponto que possam questionar a sua
realidade ou mesmo entende-la.

―Formar um aluno que tenha a capacidade de pensar historicamente,


bem como de fazer um raciocínio histórico sobre as situações da
atualidade, pressupõe um trabalho que envolva riqueza de
informações sobre o passado, combinando com uma discussão densa
de conceitos que estruturaram o campo da história e que devem ser
entendidos como ferramentas para melhor compreender o social‖
(GIACOMONI; PEREIRA, 2013, p. 33).

O uso de músicas
Pensando sobre esse viés de vários métodos didáticos utilizados em
sala de aula, podemos analisar o uso de músicas e outras fontes para
o ensino de história, as quais acabam sendo utilizadas em muitas
escolas de forma equivocada, sendo passadas ou trabalhadas como
uma mera ilustração, na qual @s alun@s não vem significância
alguma, e muitas vezes não prestam a atenção devida em sua letra.

A música é algo que se encontra no cotidiano das pessoas, as quais


muitas vezes não prestam atenção em seu conteúdo, a qual pode ser
utilizada em sala e interpretada pel@s alun@s de forma crítica, para
que possam também compreender a sua historicidade, como o autor
Luis Fernando Cerri descreve em seu livro (2007), explicando a
viabilidade da canção como uma opção metodológica nas aulas de

34
história, entendendo sua expressão musical, como possível de dois
eixos na relação com o ensino de história.

―A própria canção como objeto de estudo, como fonte, como


documento, como objeto complexo de expressão artística, comercial,
ideológica e histórica. O segundo, está ligado a historicidade da
canção, ou ainda, seus efeitos no período em que foi produzida‖
(CERRI, 2007, p. 81).

Deve-se evitar o uso das canções como uma mera ilustração ou


mesmo como um recurso de motivação da turma, mas pensá-las
como documentos, fontes históricas produzidas por sujeitos históricos
em determinados tempos e lugares (GUIMARÃES, 2012, p. 287). Um
documento histórico que foi produzido em determinado contexto, em
circunstâncias próprias, por determinados sujeitos. Como totalidade
de forma e conteúdo (letra e música), constituem uma linguagem,
passível de múltiplas leituras e reações (Idem, p. 287). Além da
compreensão da letra, esta também deve ser pensada a partir de
conceitos da época em que estava em destaque, quando @ alun@
deve ligá-la com as questões políticas e sociais do período em
questão, pois, a música é uma das formas de manifestação comum
que unem @s jovens de diferentes lugares e classes sociais. A qual,
muitas vezes representa uma maneira de expressar aquilo que lhes
falta, aquilo com que sonham, para viver de forma digna e
satisfatória a sua juventude. Por meio dessas canções, @s jovens
falam das diferenças e também semelhanças entre el@s (Idem, p.
300).

É possível pensar na música, como algo relacionado a determinado


contexto, mas não só a partir deste prisma. Afinal, ela traz em seu
âmago, a exemplo da história, mudanças e permanências, a ideia de
―novo‖ presente no ―velho‖, e o contrário (CERRI, 2007, p. 107).

Pensando no tema trabalhado em sala de aula, podemos refletir


sobre esse viés da importância da história na vida e na luta de um
povo, como algo vivo que acena, balança, ilumina, incendeia.
Também, atropelam, abrem novos espaços, riscam novas trilhas,
inventam outras tramas (GUIMARÃES, 2012, p. 286). No período da
ditadura no Brasil (1964-1985), algumas canções visavam aumentar
o respaldo do governo militar junto à população, legitimando, assim,
seus discursos e ações, enquanto outras eram uma forma de crítica
ao governo.

A canção, em meio a repressão, acabou por transformar-se num


canal de denúncias contra o autoritarismo. As mensagens do governo
do início da década de 1970, veiculavam a imagem de um ―país que

35
vai pra frente‖ e fazia o uso de frases de efeito como: ―Médici ou
mude-se‖, a conhecida ―Brasil: ame-o ou deixe-o‖ ou ―Pra frente
Brasil‖ (CERRI, 2007, p. 99-100).

Sobre esse viés de ensino de história, utilizando a canção como


metodologia, devemos pensar que a música constitui uma
manifestação cultural por meio da qual temos acesso a universos
diversificados, pois várias manifestações culturais se encontram em
composições musicais, possibilitando desta forma a percepção de
―jogos‖ e ―danças‖ que se expressam, se dissimulam ou se escondem
nas culturas musicais (GUIMARÃES, 2012, p. 307).

A utilização destes meios em sala é essencial, quando bem utilizado,


pois através destes @s alun@s podem ter o contato com o ―real‖,
com evidências e situações concretas de um passado. Mas @
professor (a) deve ter o cuidado quando utilizá-lo, pois os jovens e
crianças que estão ―aprendendo história‖ não dominam de tal forma o
contexto histórico que o documento foi produzido, o que exige
sempre a atenção ao momento propício de introduzi-lo como material
didático e à escolha dos tipos adequados ao nível e às condições de
escolarização dos alunos (BITTENCOURT, 2005, p. 329). A sua
importância se dá através do contato com essas fontes, que
proporciona ao alun@ uma compreensão a partir de sua análise,
assim como uma interpretação de acordo com o que compreendeu,
não tendo então uma narrativa pronta, onde somente o profess@r é
―mediador do conhecimento‖, desenvolvendo desta forma o
pensamento histórico.

Documentos
O uso de documentos nas aulas de História justifica-se pelas
contribuições que podem oferecer para o desenvolvimento do
pensamento histórico. Uma delas é facilitar a compreensão do
processo de produção do conhecimento histórico pelo entendimento
de que os vestígios do passado se encontram em diferentes lugares,
fazem parte da memória social e precisam ser preservados como
patrimônios da sociedade (Idem, 2005, p. 333).

Sendo os documentos escritos mais utilizados em sala, @ profess@r


pode então, proporcionar ao seu alun@ o contato com cartas de
determinado período, relatos de experiência, diários, jornais entre
outros. A imprensa escrita é essencial para compreender o período
trabalhado, pois as manchetes em jornais estavam sempre presentes,
anunciando críticas de determinado jornalista, trazendo a tona
conflitos de determinada época, sendo muito rica na análise dos
conteúdos das notícias (políticas, econômicas, culturais, etc.), da
forma pela qual são apresentadas as notícias, as propagandas, os

36
anúncios, as fotografias, entre outros. Assim como, a forma com que
este conjunto de informações está distribuído nas diversas partes do
jornal (Idem, 2005, p. 335).

O uso dessas fontes em sala, em específico os jornais, podem ser


pensadas sobre essa compreensão do contexto histórico em que
estes estão inseridos, assim como as propostas político-sociais
definidas, linhas padrões ou receitas, onde muitos traziam polêmicas
do período assim como muitos eram censurados em relação a muitos
assuntos: „o fato ou acontecimento é testemunhado, trabalhado,
transformado em notícias ou informações de acordo com as linhas ou
interesses de quem tem o poder de produzi-los e vendê-los à
população‟ (GUIMARÃES, 2012, p. 335).

O Jogo
Atualmente buscamos formas de dar aula com materiais
diversificados, dos quais estão inseridos na nossa sociedade por
consequência das mudanças tecnológicas que estão ocorrendo de
forma rápida, as quais implicam em um possível melhoramento na
qualidade de ensino, em que, alguns d@s alun@s aderem a este
campo, utilizando muitos desses objetos em sala, como a autora
Circe Bittencourt (2002) discute em seu livro: ―constata-se a
presença, direta ou indiretamente, na escola e na sala de aula das
novas tecnologias de informações – desde imprensa, televisão, vídeo
etc‖ (2002, p. 63). Junto a essa atualização e modificação
tecnológica, compreendemos que as mudanças relacionadas ao meio
e a educação são constantes.

Há alguns anos atrás, o ensino nas escolas estava pautado no


acúmulo de dados, quando o aprender significava ter muita
informação disponível sem necessidade de consulta (MORETTO, 2006,
p. 83). Neste meio, @ professor@ era @ único detentor de
conhecimento, @ qual o ―transmitia‖ para seus alun@s, ignorando a
cultura e vivência d@s alun@s, que poderia ser utilizada em sala para
uma melhor explicação e entendimento.

Buscando uma análise da educação na atualidade, e suas


modificações acerca do ensino, compreendemos que, @ professor@
tem o papel de preparar as melhores condições para que a
construção histórica d@s alun@s ocorra. Para que @s alun@s possam
compreender o conteúdo e fazer uma ligação com a sua vida social:

―Nessa direção, à medida que aprendem História os sujeitos podem


aumentar sua competência de encontrar significados e de se localizar,
isto é, nesta dimensão da aprendizagem o aumento da experiência e

37
conhecimento é transformado em uma mudança produtiva no modelo
ou padrão de interpretação‖ (SCHIMIDT; BARCA, 2009, p. 34).

Para que o estudo de história não aconteça de forma sistemática, @


professor@ deve proporcionar, além, de um ensino com metodologias
diversificadas, o gosto pela aprendizagem, levando @ alun@ a pensar
historicamente e de forma mais crítica. O estudo de história como um
modo de propiciar aprendizagens e de provocar acontecimentos é o
que pode permitir, como resultado, o pensar historicamente. Uma vez
que, não consiste simplesmente em dispor fatos numa linha de
tempo, ou mesmo em ser capaz de reconhecer os riscos de uma
decisão, sem uma pesquisa das injunções do passado que
determinam o presente (GIACOMONI; PEREIRA, 2013, p. 17). Desta
forma, o jogo adentra neste espaço como um meio de ensino que
foge dos padrões estabelecidos de ensino tradicional, no qual @
professor@ era @ únic@ ―detentor@‖ de conhecimento.

A história precisa fazer sentido e ter alguma significância na vida d@


alun@, para que possa assim como, fazer a análise do assunto, o
compreender por completo como as autoras Maria Auxiadora
Schimidt e Isabel Barca, explicam em seu livro (2009):

―A partir do momento que o ensino de História pode ajudar crianças e


jovens a se relacionarem com o passado, de forma a dar sentido às
suas vidas no presente e no futuro, o saber histórico pode encontrar
um novo significado no contexto dos projetos e políticas
educacionais‖ (SCHMIDT; BARCA, 2009, p. 18-19).

Quando @ professor @ utiliza jogos em sala de aula, proporciona


uma melhor aprendizagem, pois: Uma vez que o jogo pressupõe uma
entrega ao movimento absoluto da brincadeira e que jogar implica
um deslocamento. Um deslocamento do espaço, da ordem, das
provas, numa palavra, da obrigação (Idem, 2013, p. 19). Desta
forma @ professor@ pode fazer o uso de um jogo ao final da
explicação de um conteúdo, como forma de relembrar o assunto e
fazer com que @s alun@s dialoguem e possam colocar em prática o
que aprenderam durante as aulas, além de, muitas vezes,
compreenderem ou levantarem questões que se encontram presente
no jogo, das quais talvez não tenham se dado conta durante a
explicação na aula. Essa liberdade que o jogo proporciona auxilia no
aprendizado da turma.

―Em diversos momentos no ensino, nunca possuímos a garantia plena


do aprendizado, ou como muitos professores alegam, ou são
cobrados pela escola onde desenvolvem seu trabalho, o ―vencer o
conteúdo‖ através das aulas expositivas, ou mesmo exercícios e

38
outros métodos tradicionais (claro, tendo em vista a sua importância
dentro do cotidiano) não significa a formação de aprendizagens
significativas‖ (GIACOMONI; PEREIRA, 2013, p. 22).

O jogo na maioria das vezes não é utilizado em sala de aula, por ser
visto como algo não didático, em que, muit@s professor@s utilizam
em uma aula com tempo de sobra, e, baseados nesta interpretação
errônea, muitos não fazem o uso desse meio em sala de aula. Sabe-
se que muito se discute em relação ao aprendizado d@s alun@s,
assim como quais métodos devem ser utilizados para abordar tal
assunto, para que possa proporcionar uma melhor compreensão
sobre, sendo estes, justificados pela diversidade de alunos que
compõem uma sala de aula, que trazem consigo experiências,
opiniões, assim como diversos tipos de comportamentos e
pensamentos: ―crianças e jovens são sujeitos ―no universo escolar‖ e
as relações que eles estabelecem com o conhecimento devem ser
pensadas a partir desses pressupostos‖ (SCHMIDT; BARCA, 2009, p.
36). No quesito aprendizagem esta questão também se encontra
presente, pois não são todos que se sentem a vontade para se
posicionar frente a sua turma e dialogar sobre um tema em uma
apresentação, assim como, não são todos que se identificam com a
escrita. Pautado nesta multiplicidade de alun@s, deve-se repensar a
maneira de abordar o assunto em sala, pois:

―a cognição situada na História tem preocupação de investigar quais


seriam os mecanismos de uma aprendizagem criativa e autônoma,
que possam contribuir para que os alunos transformem informações
em conhecimento, apropriando-se das ideias históricas de forma mais
complexa‖ (SCHMIDT; BARCA, 2009, p. 38).

De tal forma a tarefa de ensinar aparece de forma degradada em


verbos como adestrar, instruir, treinar amestrar, doutrinar, tendo sua
semelhança com o aprender, que é representado como decorar,
gravar, memorizar, absorver, reter, assimilar, fixar (GIACOMONI;
PEREIRA, 2013, p. 30). Aprender é algo que vai além do memorizar,
pois as atividades em história não devem ficar reféns do passado.
Alguma articulação com o presente ou com a identidade cultural dos
alunos, com as culturas juvenis ou com cenários futuros de vida d@s
alun@s deve estar presente (GIACOMONI; PEREIRA, 2013, p. 36).
Desta forma devemos compreender o jogo como uma:

―Uma prática cultural que pressupõe a interação social, e exploramos


essa temática a partir do reconhecimento do potencial presente na
apropriação do lúdico em experimentações pedagógicas de
construção do conhecimento histórico na escola, justamente pela
capacidade de criar vínculos entre os pares (jovens estudantes), dos

39
pares com os mestres (adultos professores) e de ambos com os
saberes e fazeres que circulam dentro e fora da sala de aula‖ (Idem,
2013, p. 103).

Compreendemos que o jogo pode ser utilizado em sala, desde que


tenha um propósito e faça sentido para as aulas de história,
entendendo que este meio é algo complementar a um assunto, e não
a substituição das propostas já existentes, as quais também têm a
sua significância no meio escolar. Compreendendo desta forma a
significância desses métodos de ensino, assim como outros meios que
podem ser utilizados no ensino de história, facilitando a compreensão
da turma assim como a sua participação em sala.

Referências
Andréia Sznicer, formada em história pela Unespar Campus de União
da Vitória.
Cleverton Andrei Roza, cursando história pela Unicesumar.

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do projeto à avaliação. In. Para uma


educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação
Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED)/
Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos –


São Paulo: Cortez, 2004.

BITTENCOURT, Circe (org). O saber histórico em sala de aula. 7 ed. –


São Paulo, 2002.

CERRI, Fernando Luis. O Ensino de História e a Ditadura Militar –


Curitiba, 2003.

GIACOMONI, Paniz Marcello & PEREIRA, Mullet Nilton. Jogos e o


Ensino de História – Porto Alegre: Evangraf, 2013.

GUIMARÃES, Selva. Didática e Prática do Ensino de História. 13ª ed –


Campinas, SP – Papirus, 2012.

GUISONI, Divo. O Livro Negro da Ditadura. Org. São Paulo: Ed Anita,


2014.

MORETTO, Pedro Vasco. Prova um momento privilegiado de estudo


não um acerto de contas –6. ed. Rio de Janeiro, 2005.

SCHIMIDT, Auxiliadora Maria & BARCA, Isabel. Aprender História:


perspectivas da educação histórica. – Ijuí: Ed. Unijuí, 2009.

40
CANTANDO PELA IGUALDADE: DEBATE SOBRE MÚSICA E
MOVIMENTO POR DIREITOS CIVIS EM SALA DE AULA
Anna Maria Greco Carvalho
Carlos Eduardo Nicolette

As constantes disputas políticas em torno das aulas de história no


ensino básico, principalmente quando se tem em vista o
endurecimento dos regimes políticos, estão diretamente relacionadas
com a capacidade que o ensino de história tem para despertar o
senso crítico e a possibilidade de complexificar a compreensão da
realidade vivida. É devido a essa característica que a disciplina se viu
em diversos momentos cortada do quadro base ou, até mesmo,
controladas para o debate exclusivo daquilo determinado pelo
governo. Tendo em consideração que o professor de história conta
com uma série de recursos didáticos possíveis para desenvolver essa
capacidade entre os alunos, a proposta desse trabalho é apontar para
o uso da música popular em sala de aula, como um dos caminhos
para se desenvolver o senso crítico entre os jovens.

O uso da música no ensino de História


A música nunca esteve tão presente no cotidiano de crianças e
adolescentes como agora. A internet permite que os usuários baixem
álbuns inteiros, acessem conteúdo musical e vejam videoclipes
online; os mais novos smartphones e aparelhos eletrônicos estão
repletos de aplicativos e recursos sonoros; na TV há diversos
programas e até mesmo canais exclusivos de música; diferentes
fones de ouvidos são usados como se fossem um adereço obrigatório.
Tudo isso permite um extenso contato do jovem de hoje com os mais
variados estilos musicais.

Mas a música não é apenas um conjunto de notas, ou até mesmo


sons e ruídos, ela é também o resultado de inúmeras vivências
coletivas e individuais com as experiências de diversas sociedades ao
longo da história (DUARTE, 2011, p. 11). Ou seja, a música se faz
mediante ao tempo, estando associada às tradições e culturas de
cada época. Dessa forma, ela também consiste em evidências,
registros e resquícios do passado, que auxiliam na compreensão
histórica, podendo ser utilizada, portanto, como uma fonte
documental. E, se no meio acadêmico o historiador faz uso das fontes
como ferramenta indispensável para a construção do conhecimento
científico, no ensino de história elas passam a ser utilizadas como
instrumentos didáticos (ABUD, 2005, p.310).

Para melhor elucidar como a música pode ser utilizada no ensino de


história, Katia Abud (2005, pp.312-313) explica que o aluno já

41
carrega consigo ―conceitos espontâneos‖, isto é, os conhecimentos
adquiridos pelo educando a partir de sua própria experiência de vida.
O que a educação formal faz é aproximar e relacionar esses
―conceitos espontâneos‖ com o conhecimento científico. Para realizar
esse processo, a disciplina de História conta com dois conceitos
importantes: a evidência e a empatia histórica. A evidência consiste
justamente nas fontes históricas. Estas funcionam como documento
ou prova que atestam e ajudam a entender como determinado
evento aconteceu. E, como foi demonstrado, a música popular pode
servir muito bem como fonte histórica, podendo, então, ser aplicada
como evidência no processo de ensino.

Já a empatia, de acordo com Ferreira (2002), ocorre quando os


alunos se identificam com o contexto do momento estudado,
passando a entender como os agentes históricos pensavam. O autor
diz que ―a empatia está associada à simpatia, à projeção de
sentimentos ou, mesmo, à identificação com outros personagens‖
(2002, p. 58), sendo assim, é a partir da empatia que se tem o ponto
de vista de grupos que, de um modo diferente de nós, acreditaram,
valorizaram e sentiram determinados processos ou eventos. Sob esse
aspecto, a música pode estabelece a empatia entre o aluno e o
compositor, de forma a facilitar a compreensão do mesmo sobre o
momento histórico. Isso está ligado ao fator da linguagem musical
estimular o lado afetivo-emocional do educando o que contribui para
a formação da consciência histórica (DUARTE, 2011, p.120). Em
resumo, as canções populares podem ser aplicadas no ensino de
história para construir a ponte entre conhecimento espontâneo e
científico, na medida que se constituem tanto como evidências do
passado, como também possibilitam o desenvolvimento da empatia
histórica. Acrescenta-se que além de permitir a assimilação de
conhecimentos específicos, a música também auxilia no
desenvolvimento da socialização, na construção do sensível-artístico
e na formação da consciência política, princípios importantes para a
educação.

No entanto, apesar de inúmeros estudos comprovarem a eficácia da


música como elemento didático no ensino de história (FELIX;
SANTANA; OLIVEIRA JUNIOR, 2014), sua prática ainda encontra
muita resistência. Isso se dá primeiramente no meio acadêmico: os
trabalhos historiográficos que tem a música popular como fonte ou
objeto de pesquisa, enfrentam tradicionalmente o desprezo das
universidades e agências de fomento sobre a área (MORAES, 2000).
Napolitano (2007, p.154) aponta que desde 1990 os trabalhos que
tratam a música popular como fonte tem crescido significativamente
na área de história, mas mesmo com o avanço das últimas décadas o
uso da canção popular como fonte continua bastante restrito e

42
precário. Tal descrédito acaba se refletindo no ensino de história,
cujos materiais e manuais didáticos quando trabalham com a
linguagem musical, o fazem pouco e de maneira superficial. Segundo
Felix, Santana e Oliveira Junior (2014, p.22) os próprios professores
da rede básica ainda se apresentam muito céticos ao uso da música
popular em sala de aula, o que acaba afastando ainda mais os
educandos desse recurso.

Acreditamos ser um erro ignorar os benefícios que a música traz para


a educação e visamos discutir neste trabalho algumas possibilidades
e alternativas para sua utilização como ferramenta didática. Mas para
isso, se faz necessário primeiro compreender algumas questões
problemáticos de quando a música é trabalhada em sala de aula. O
primeiro, é o fato de que,normalmente,são priorizados gêneros
musicais como a MPB dos anos 60, o samba e o movimento de
vanguarda tropicalista. A razão disto é que os estudos sobre música
popular no Brasil se detém tradicionalmente sobre esses temas
consagrados, no entanto, há uma série de outras temáticas e gêneros
musicais interessantes para serem abordadas no ensino, como
demonstraremos à frente. Além disso, há a questão dos materiais
didáticos se limitarem, geralmente, à análise de letras,desprezando
outros aspectos importantes de sua formação (ABUD, 2005, p.313).
Quanto a isso, é importante se ter em mente que o surgimento da
música popular está intimamente associado a um momento de
expansão da indústria cultural, através da canção registrada em
fonograma, ou seja, gravada em disco, e de que, há uma série de
agentes responsáveis pelo resultado final da música ouvida que
devem ser considerados. Assim é necessário que os alunos escutem a
música, e que nas aulas sejam considerados todos os aspectos da
canção além da letra, como a sonoridade, os instrumentos utilizados,
entre outros fatores.

Enfim, são variadas as aplicações da música em sala de aula, mas


deve se considerar o desenvolvimento natural do aluno e a
necessidade do aprendizado ativo, que instiguem o desejo por novas
descobertas e façam o aluno se tornar um protagonista do processo –
justamente por isso chamado – de ensino-aprendizagem. Isto requer
todos os sentidos: ver, ouvir, tocar, sentir, experimentar e até
provar, se possível. O ensino deve envolver a compreensão por meio
de conceitos e princípios, a aplicação dos conhecimentos,
desenvolvendo não só a habilidade reprodutiva, mas também crítica
dos alunos, e fornecer informações necessárias para que se possa
transformar o meio em que estão inseridos.

43
As músicas em sala de aula: movimento pelos direitos civis e o
gênero gospel
Foi a partir da discussão exposta acima que se viu a necessidade de
expandir o uso da música em sala de aula e para isso foi criada uma
sequência didática nomeada ‗Cantando pela igualdade: música e
Movimento por Direitos Civis nos Estados Unidos em sala de aula‘,
disponível on-line no link que segue nas referências deste texto.Como
visto, a música na disciplina de história pode ajudar a desenvolver
habilidades, definir conceitos sociais e estimular o aluno a observar,
questionar, investigar e o meio em que vive e os eventos do dia a
dia, através da musicalidade.

A aplicação da sequência didática ocorreu para os3os anos do Ensino


Médio da Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo. Após a
leitura do Projeto Político Pedagógico da escola verificou-se a
inexistência de aulas programadas que envolvessem a música como
ferramenta didática em nenhum dos anos do ensino médio. Dessa
forma percebeu-se aí uma outra lacuna a ser preenchida. Após uma
conversa com os alunos para saber o que pensavam sobre trabalhar
com música como fonte histórica, mostraram-se receptivos.

Cabe aqui discutir rapidamente o movimento por direitos civis nos


Estados Unidos, o qual existiu durante todo o século XX, mas seu
primeiro grande ato de protesto ocorreu em dezembro de 1955, após
a prisão de Rosa Sparks, na cidade de Montgomery, no estado do
Alabama. Após o fim da escravidão em todo território estadunidense,
em 1865, os estados que ainda mantinham a escravidão durante a
Guerra Civil criaram cada um, a seu ritmo, leis que segregaram a
sociedade e impediram negros de frequentarem espaços públicos
utilizados por brancos, até mesmo desvantagem jurídicas, como não
poderem abrir inquéritos contra brancos. Essa política de
diferenciação racial foi combatida pela população negra, é claro,
durante o fim do XIX e início do século XX, mas foi após Rosa Sparks
que correntes diferentes do movimento negro se uniram contra as
leis segregacionistas (ALVES, 2011, pp.60-61).

Foi então que a figura de Martin Luther King Jr. surgiu como voz
unificadora de movimentos diferentes, mas que se fortaleceram
juntos em busca da igualdade social nos Estados Unidos. As
mobilizações atingiram o ápice entre os meses de junho e agosto de
1963. O Departamento de Justiça registrou mil quatrocentas e doze
manifestações distintas e mais de quinze mil prisões devido a
protestos ocorridos em cento e oitenta e seis cidades do país. Em
agosto de 1963, uma passeata conhecida como Marcha de
Washington levou mais de duzentas mil pessoas a ouvirem Martin

44
Luther King Jr. pronunciar o seu discurso mais famoso (ALVES, 2011,
pp. 63-65).

É para este quadro histórico que se formulou a sequência didática,


visto o papel fundamental que as canções exerceram durante todo o
movimento por direitos civis. Por meio de apresentações ao vivo,
gravações e publicações, os artistas negros lançaram em seu
repertório questões sociais como o trabalho, bem como expressaram
um posicionamento político que defendeu as lutas por igualdade e
também os direitos civis (ARANTES, 2014, p. 12). Foi escolhido, para
se trabalhar na sequência didática, o gênero musical gospel, cantado
originalmente nas igrejas batistas de negros do sul dos Estados
Unidos, se espalhou em dezenas de músicas de protestos durante as
décadas de 1950 e 1960. É importante salientar o caráter orgânico
deste gênero, o qual nasceu a partir de outro, chamado spiritual, que
por sua vez teve suas raízes ligadas às worksongs, como eram
chamadas as músicas cantadas por escravos durante o trabalho,
contendo já ali um grande teor religioso e de congregação. Dessa
forma, o principal objetivo da sequência didática foi debater o
movimento por Direitos Civis a partir das músicas, mas não só,
também compreender o papel destas na construção de todo o
movimento e analisar as músicas a partir de suas letras, melodias,
interpretações diferentes a partir das experiências próprias do
alunado e sua vivência.

A sequência didática foi planejada, assim, especificamente para o 3o


ano escolar do ensino médio, pois o tema tratado se remete ao
século XX e partir das matrizes curriculares do Ministério da Educação
(MEC), o conteúdo deste trabalho é recomendado o aluno desse ano
escolar. O que não impede, claro, que adaptações sejam feitas para a
aplicação em outros anos escolares.

A partir da audição das músicas e dos debates em sala de aula, foi


possível trabalhar não apenas o conteúdo relacionado à música e à
luta por direitos civis, mas também fundamentar noções cidadãs de
respeito à multiplicidade cultural. Também foi objetivo desse projeto
a construção do conhecimento a partir da carga cultural de cada
aluno, pretendendo-se discussões abertas e feitas a partir das
canções – nossa principal ferramenta para a aula. Foi intenção dessas
aulas também assegurar um ensino efetivo e econômico (sem
grandes dispêndios financeiros) e alcançar após as das 3 (três) aulas
planejadas, que os alunos tenham desenvolvido conhecimentos
acerca do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos e,
principalmente, compreendido a função das músicas selecionadas
para o período.

45
Foram três aulas para cada turma, com a aula exercida já em meados
de novembro, final do seu último ano de ciclo básico, e com os
vestibulares à porta, os alunos dos 3os ficaram mais dispersos,
apesar disso, houve bastante adesão por parte do alunado,
comprometimento com as aulas e com os exercícios propostos.

Para início de aula, apresentou-se um vídeo que pudesse levar os


alunos ao tema da aula, a música ‗Oh Freedom‘, interpretada pelo
grupo ‗The Gospel Singers‘ e encontrada no Youtube. Após a
apresentação vídeo, ambas as turmas chegaram ao tema movimento
por direitos civis. Ao questionar os alunos a razão de terem chegado
tão rápido, responderam que assistiram na aula de Sociologia o filme
Selma.

Após essa pequena apresentação, o próximo passo foi a discussão do


quadro histórico. Para tal, formulou-se alguns tópicos que foram
discutidos com os alunos para contextualização do período, visto que
tinham estudado Segunda Guerra Mundial, mas não tiveram aulas
sobrea Guerra Civil estadunidense. A partir de então, iniciou-se a
apresentação das músicas e suas posteriores discussões propostas na
sequência didática original.As músicas escolhidas para as aulas foram
do gênero gospel, pois durante o movimento por direitos civis as
igrejas batistas, conhecidas por reunirem grupos musicais, que
reúnem os protestos para alcançar a igualdade nos direitos civis, o
incentivo àqueles que não estavam participando das marchas e
também não deixam de citar o conteúdo daquela religião, mas a qual
não foi explorada pela sequência didática.

As aulas com as músicas do movimento pelos direitos civis nos


Estados Unidos foram, em geral, uma excelente experiência. Tudo
correu bem em relação aos equipamentos técnicos, a relação com os
alunos, bem como a participação das turmas. Cabe ressaltar que uma
das turmas teve participação mais ampla que a outra nas discussões,
tendo mais questões e apontamentos mais específicos em relação às
músicas. Outro ponto alto foi as participações dos alunos, que se
mostraram muito interessados em estudar história a partir das
músicas. Em geral, cantavam enquanto a música tocava e até mesmo
acompanhavam o ritmo batendo palmas e estalando os dedos.
Procuraram e conseguiram argumentos e opiniões não só com as
letras das músicas, mas com suas melodias, tratando da música no
seu período histórico ideal e sem levar a discussão para o presente
deles, discutindo ao máximo o período histórico determinado pelas
músicas.

Por fim, as atividades feitas pelos alunos se mostraram num alto


nível de capacidade argumentativa. As respostas foram, em geral,

46
muito próximas do esperado, sendo possível observar a construção
do conhecimento a partir da carga cultural de cada aluno. Mesmo
aqueles que não tiveram aproximação com o gênero musical presente
nas aulas, trouxeram aspectos interessantes em suas respostas,
conseguindo articular muito bem as músicas com o quadro histórico
respectivo, os quais buscaram associações com as músicas que hoje
eles escutam, como o rap, lembrando a existência de músicas
brasileiras de protesto, a exemplo de ‗Eu só quero é ser feliz‘.

Considerações Finais
Apesar de ser uma tarefa extremamente complexa, ela pode ser
desempenhada de forma competente, buscando favorecer o
crescimento de cada um dos estudantes dentro desse contexto. Foi
nesse ambiente que se percebeu o resultado das ações e atitudes do
professor, influenciando nos aprendizados e relações de cada aluno
consigo mesmo, com os demais e com o ambiente que o cerca.

O uso da música em sala de aula se mostrou extremamente


proveitoso para o professor de história. Além disso, a possibilidade de
criar seu próprio material didático é bastante relevante, visto que se
consegue sair de quadros estáticos do livro didático e tem a
possibilidade de adequar melhor sua aula a cada realidade vivida, a
cada escola e a cada turma.

Referências
Anna Maria Greco Carvalho é graduanda no bacharelado e
licenciatura em História na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo. E-mail:
anna.maria.carvalho@usp.br

Carlos Eduardo Nicolette é mestrando em História Social pela


Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo e integra o Centro de Estudos de Demografia Histórica da
América Latina (CEDHAL). E-mail: carlos.nicolette@usp.br.

ABUD, Katia Maria. ―Registro e representação do cotidiano: a música


popular na sala de aula‖. Cadernos CEDES, n.o 67, v. 25, Campinas,
2005, pp. 309-317.

ALVES, Amanda Palomo. Do blues ao movimento pelos direitos civis:


o surgimento ―black music‖ nos Estados Unidos. Revista de História,
3, 1 (2011), p. 50-70 . Disponível em:
http://www.revistahistoria.ufba.br/2011_1/a04.pdf. Visualizado em:
31/01/2018.

47
ARANTES, Mariana Oliveira. Canto em marcha: música folk e direitos
civis nos Estados Unidos (1945-1960). Tese (doutorado),
Universidade de São Paulo. São Paulo, Disponível em:
http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-graduacao/tese-mariana-
oliveira-arantes.pdf. Visualizado em: 01/02/2018.

DUARTE, Milton Joeri Fernandes. A música e a construção do


conhecimento histórico em aula. Tese de Doutorado, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2011.

FELIX, G. F. R.; SANTANA, H. R. G.; OLIVEIRA JUNIOR, W. A música


como recurso didático na construção do conhecimento. Cairo em
Revista, Ano 3 nº4, 2014, p.17-28.

FERREIRA, Martins. Como usar a música na sala de aula. 2a edição,


São Paulo, Editora Contexto, 2002.

MORAES, José Geraldo Vinci de Moraes. História e Música: canção


popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História, n.o
39, v.20, São Paulo, 2000, pp. 203-221.

NAPOLITANO, Marcos. História e música popular: um mapa de


leituras e questões. Revista Brasileira de História, n.o 157, São Paulo,
2007, pp. 153-171.

NICOLETTE, Carlos Eduardo. Cantando pela igualdade: música e


movimento por direitos civis nos estados unidos em sala de aula.
Academia: São Paulo, 2016. Disponível em:
https://www.academia.edu/29811756/Cantando_pela_igualdade_mú
sica_e_Movimento_por_Direitos_Civis. Visualizado em: 02/01/2018.

48
HISTÓRIA PÚBLICA, TECNOLOGIA E ENSINO DE HISTÓRIA:
DESAFIOS ÉTICOS AOS HISTORIADORES NO PRESENTE
Aruanã Antonio dos Passos
Willian Roberto Vicentini

O mundo presente guarda em si um conjunto de paradoxos típicos da


chamada pós-modernidade. Grosso modo, podemos caracterizar a de
pós- modernidade – a despeito dos extensos debates que ganharam
forma e volume nos últimos 60 anos – como fenômeno histórico
próprio do contexto do pós Segunda Guerra Mundial. Algumas
características se sobressaem nesse quadro geral: consolidação da
cultura de massas e aceleração do tempo motivada pelos processos
científicos e tecnológicos relacionados à mídia (imprensa, rádio e
televisão). Os impactos nos espaços educacionais se fazem intensos
no presente e amplificados pelo impacto da internet e das redes
sociais. Esse trabalho pretende discutir alguns fenômenos típicos do
nosso contexto nacional que ganharam importância no espaço público
e que envolvem direta ou indiretamente essas tecnologias
contemporâneas e suas intersecções com a educação e, de modo
específico, com o ensino de história e a atuação dos profissionais da
história frente a essas exigências do presente.

Para tanto, organizamos nossa discussão em dois momentos


distintos, mas interrelacionados. No primeiro apresentamos de modo
sintético três casos onde o saber histórico se viu (e ainda se vê)
desafiado a se impor diante de forças contrárias a sua própria
natureza crítica e reflexiva. São eles: 1) a polêmica envolvendo a
Comissão Nacional de Ética na Pesquisa, que chegou a questionar a
especificidade das Ciências Humanas no ano de 2015; 2) A polêmica
envolvendo o ―Escola sem partido‖. E, por fim, pretendemos através
do diálogo com o campo da História Pública (Public History) e seus
aportes refletir sobre o papel e as alternativas do conhecimento
histórico feito prática cotidianamente nas salas de aula para combater
equívocos e retrocessos no processo de amadurecimento da nossa
consciência histórica.

Desafios éticos aos historiadores no presente


Em 2014 a principal associação de professores, pesquisadores e
estudantes de História do Brasil foi desafiada a se posicionar
diante dos debates que ocorreram no âmbito da Comissão Nacional
de Ética na Pesquisa (CONEP). O resultado foi a elaboração e
posterior divulgação da Carta de princípios éticos (maio de 2015,
disponível em: https://docgo.net/philosophy-of-money.html?utm_
source=codigo-etica-anpuh ). A Carta é fruto da Jornada História e
Ética, realizada no Rio de Janeiro em outubro de 2014. Um dos

49
pilares norteadores foi a defesa da especificidade das Ciências
Humanas, e particularmente, da História. Os princípios gerais do
documento foram:

a) Liberdade de acesso à informação e expressão;


b) ―Busca honesta da verdade possível e o compromisso com a
procura e a reprodução de conhecimento crível e confiável‖;
c) ―Compromisso de uso rigoroso das fontes, isto é, atento à
autenticidade, à integridade e à sua conservação‖.
d) ―Produzir e transmitir conhecimentos deve levar a perguntas e
respostas com parâmetros públicos, em conformidade com princípios
e acordos manifestadamente acessíveis, coletivos e explícitos,
submetidos à proclamação de direitos humanos e códigos legais
vigentes, procedimento que deve ser estimulado e incentivado nas
atividades de ensino, de pesquisa e de divulgação do conhecimento
histórico‖.
e) ―Refrear e reprimir imposições de falsidade, fraude e ilusão em
quaisquer instâncias‖
f) Quanto a história oral: transparência com o entrevistado e acesso à
pesquisa;
g) Garantir o anonimato das fontes quando se tratar de situações
fixadas em lei;
h) Explicitar o uso das fontes e sua seleção;
i) Crédito aos colaboradores: alunos, pesquisadores, agências de
fomento.

Por fim a carta defende que: “Historiador está impedido de atuar em


situações de ordem pessoal ou institucional que possam interferir em
bancas de seleção, postos de trabalho e pareceres de publicações e
para fins de financiamento‖

Muito brevemente, o documento afirma alguns princípios éticos


formulados não apenas na perspectiva metahistórica, mas também
na urgência política que o presente nos impõe: guinada conservadora
ou neoconservadora nos costumes e debates públicos. Essa
conjuntura ampla pressiona os historiadores a se posicionarem,
primeiramente, diante das demais ciências, e, num segundo
momento, à sociedade em geral. Detalhe fundamental é que o
documento tem como destinatário os sujeitos mais próximas à
pesquisa no Brasil, logo a realidade das salas de aula são implicadas
de maneira indireta.

O enfrentamento que chegou ao chão das salas de aula de todo país,


e ainda movimenta as redes sociais os meios de comunicação de
massa, além de já ter adentrado as assembleias legislativas com
diversos projetos de lei, é o chamado Escola sem Partido. Segundo a

50
definição do próprio movimento: “EscolasemPartido.org é uma
iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de
contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os
níveis: do ensino básico ao superior‖
(Fonte: http://www.escolasempartido.org/quem-somos).

O Escola sem Partido ganhou densidade e espaço nas discussões


públicas nos últimos, apesar de existir desde 2004. Parte do
pressuposto de que existem formas de ―doutrinação‖ ideológica,
especialmente de esquerda, que prejudicariam a formação dos alunos
e o livre pensar. Segundo informa o site oficial do movimento: ―A
pretexto de transmitir aos alunos uma ―visão crítica‖ da realidade, um
exército organizado de militantes travestidos de professores
prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das
salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo‖
(Fonte: http://www.escolasempartido.org/quem-somos).

A partir da definição da realidade de doutrinação cabe poder


identificar (―flagrar‖) ―o doutrinador‖ (professor). Para tanto, o site
indica como se poderia identificar um professor doutrinador.
Destacamos algumas das formas de realizar essa identificação:

- Se desvia freqüentemente da matéria objeto da disciplina para


assuntos relacionados ao noticiário político ou internacional;
- adota ou indica livros, publicações e autores identificados com
determinada corrente ideológica;
- impõe a leitura de textos que mostram apenas um dos lados de
questões controvertidas;
- ridiculariza gratuitamente ou desqualifica crenças religiosas ou
convicções políticas;
- ridiculariza, desqualifica ou difama personalidades históricas,
políticas ou religiosas;
- pressiona os alunos a expressar determinados pontos de vista em
seus trabalhos;
- alicia alunos para participar de manifestações, atos públicos,
passeatas, etc.;
- transmite aos alunos a impressão de que o mundo da política se
divide entre os ―do bem‖ e os ―do mal‖.
- utiliza-se da função para propagar ideias e juízos de valor
incompatíveis com os sentimentos morais e religiosos dos alunos,
constrangendo-os por não partilharem das mesmas ideias e juízos‖.
(grifos nossos).

A imagem construída pelo professor-doutrinador ideal alvo do


movimento também guarda em si uma determinada definição de
aluno. Esse aluno se mostra como recipiente vazio, o qual o professor

51
pode ―manipular‖ (doutrinar) da forma que bem entender. Ora, a
influência dos professores nas salas de aula carece de
problematização, assim como dos alunos que efetivamente
encontramos nas salas de aula. Os alunos são sujeitos ativos, com
suas próprias ideias, sentimentos e memórias, e, antes de tudo
confrontadores das gerações que lhes antecederam, tanto pais
quanto professores. Dessa forma, imaginar que o professor tenha um
poder como o desenhado pelo movimento é superestimar e
descontextualizar a capacidade dos docentes em influenciar jovens e
crianças conforme seus interesses. Em síntese, as relações humanas
e o cotidiano das salas de aula são muito mais complexas e
matizadas do que o movimento pressupõe.

No campo daquilo que o próprio movimento chama de ―ações‖, o


movimento disponibiliza um modelo de Anteprojeto de Lei Municipal e
Estadual que pode ser utilizado em qualquer lugar do país com o
intuito de instituir um programa ―Escola sem Partido‖ nas suas
respectivas esferas de poder. Segundo esse documento os deveres
dos professores seriam os seguintes (destacamos alguns no conjunto
da totalidade):

―I – O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos,


com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política,
ideológica ou partidária.

II - O Professor não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá


os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais
ou religiosas, ou da falta delas.

III - O Professor não fará propaganda político-partidária em sala


de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos
públicos e passeatas.

IV - Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o


professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a
mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias,
opiniões e perspectivas concorrentes a respeito‖. (grifos nossos).

O ponto mais delicado nos itens acima, aos nossos olhos, é a


definição subjacente de uma forma de conhecimento estéril que pode
ser a própria natureza das relações de ensino aprendizagem. A
questão é complexa e tem uma longa historiografia, assim
ressaltamos o princípio de que a ideologia (qualquer ideologia!) não é
neutra. Cabe pontuar apenas um dos diversos trabalhos
fundamentais sobre a temática. Trata-se de Ideologias, conflitos e
poder de Pierre Ansart, publicado em 1977 na França e 78 no Brasil.

52
De modo grosseiro, destacamos uma das teses fundamentais da
obra: as ideologias são parte fundamental no entendimento dos
conflitos contemporâneos. Um dos capítulos, em especial, discute o
―pluralismo ideológico‖ que suscitaria a ―ilusão da morte das
ideologias‖ (ANSART, 1978, p. 174).

Essa ―ilusão‖, a que se refere Ansart, se relaciona com a natureza das


relações de poder que irradiam pelas instituições e pelo espaço
público. Naturalmente, que no presente nos confrontamos com
variações desses mesmos embates. Compreender o papel
fundamental dos professores em nosso tempo é afirmar que os
professores não são mais o do ―transmissor‖ do conhecimento
(concepção ultrapassada não apenas pela educação atuais, mas
também das mais recentes descobertas da neurociência e psicologias
contemporâneas), mas sim o de um sujeito para o esclarecimento
diante de formas que se vendem com o verniz da novidade, mas que
guardam em si as relações de força que formigam por todo tecido
social, logo, longe dos mitos da neutralidade axiológica postulada
pelo mais ingênuo positivismo oitocentista. E como bem aponta Edgar
Morin os problemas éticos da pluralidade só se manifestam quando os
imperativos são contraditórios (MORIN, 2001, p. 132). Vejamos as
possibilidades de articulação e intervenção do ensino de história no
esclarecimento desse tipo de desrazão.

Mídias sociais e tecnologia: dois ou três apontamentos para o


ensino de história
É sabido que as tecnologias vem gradativamente ganhando espaço
em varias áreas da vida das pessoas, e nas escolas este fator não
tem sido diferente, a maioria dos alunos têm acesso aos mais
variados meios de comunicação e as redes sociais apresentam
inúmeras opções de informações, ainda mais que nos dias atuais, o
acesso as redes sociais está cada vez mais amplo, e como vimos os
enfrentamentos políticos e éticos do presente passam pela tecnologia
e as formas como eles intervém no espaço público e almejam alterar
a realidade, como bem pontua o filósofo francês Pierre Lévy vivemos
um momento onde uma tecnodemocracia é possível, apenas, na
prática (LÉVY, 1993, p. 9). Em outras palavras, através do
enfrentamento que o saber histórico pode propiciar.

Sabendo destas mudanças, a escola (como meio integrante da


sociedade e local do debate e da construção do conhecimento),
precisa avaliar e repensar o seu papel no que tange a esta situação,
pois, em muito, somente as aulas expositivas (por mais bem dadas
que sejam), não estão aliadas a este novo momento e também não
atendem mais as necessidades dos alunos. A contemporaneidade
apresenta-nos um aluno que gosta de desafios e que desperte nos

53
mesmos a curiosidade. Metodologias diferenciadas, como flipped
classroom (sala de aula invertida), procuram atualizar os processo de
ensino aprendizagem ao mundo presente e as dificuldades de alunos
e professores (Cf: BERGMANN, 2017).

Deve-se como docente atuante nestas séries, compreender que se


vive um novo momento, que nossos alunos buscam (dentro do seu
horizonte e meio de vida), estarem conectados com o mundo e que o
conhecimento está bem perto dos mesmos, mas que necessitam de
nossa ajuda para refletir a cerca destes fatos, que ao se unir o fato
ao processo reflexivo, construiremos o conhecimento.

Tais ações visam não apenas chamar a atenção destes alunos, mas
também fazer com que estes se vejam como sujeitos do processo
histórico, como aqueles que podem e devem estar inseridos neste.
Farias in Estrela e Ferreira (1998, p. 257) nos aponta que, ―na escola
pública faz-se sentir, cada vez com maior nitidez, os problemas
crônicos de acesso, evasão, repetência e a qualidade discutível,
problemas estes que se traduzem em fracasso escolar das classes
menos favorecidas‖.

Apesar da efetiva necessidade de mudanças, percebe-se que alguns


professores ainda resistem ao uso da tecnologia nas aulas de Historia
é que surgiu o interesse em fazer um estudo, pois se sabe que é
preciso que ocorra uma transformação na visão dos docentes em
relação ao uso das tecnologias (TICs) como ferramentas pedagógicas
em suas aulas, pois, a inovações tem surgido para facilitar a vida de
todos os envolvidos no processo da sala de aula.

Pode-se apontar que o Ensino da História tem seu papel cada vez
mais desafiador, pois busca rever conceitos, debatendo-os e
instigando muitos a criar seu próprio senso crítico. Leva a troca e ao
debate, em que aproxima teoria e prática, dentro de um contexto
único, em que as possibilidades formam discentes preparados para o
mercado e para esta sociedade desafiadora.

A disciplina de Historia nos permite um trabalho grandioso, que o


aluno/cidadão conheça e valorize sua cultura, seu meio e sua
sociedade, e a utilização de meios tecnológicos em aulas, permite que
este conhecimento seja adquirido de forma mais ampla, trazendo
para a realidade dos alunos os acontecimentos passados, para que os
mesmos sejam conhecidos, valorizados e sirvam como objeto de
análise, dentro da sua realidade no processo de construção de sua
cidadania. A disciplina de História, nesse sentido, é uma disciplina
muito importante. Ela nos torna mais plenamente consciente de
nossa identidade social.

54
Para tal, é importante que para a disciplina de Historia que ocorra a
utilização de meios que levem os alunos ao processo reflexivo,
formando alunos cidadãos e conscientes de seu papel em sociedade.
Pessoas que questionem, debatam e instiguem outros a promover
este processo. Um cidadão questionador, mas com conteúdos e
meios para tal, um cidadão ativo e cumpridor de seus deveres e
detentor de seus direitos.

É importante ressaltar ainda que é necessário que se tenha um


conhecimento prévio do conteúdo a ser trabalhado e de como
manusear a ferramenta tecnológica, para que não se tenham
problemas e tudo transcorra de maneira tranquila, pois se sabe que
as tecnologias estão a cada dia mais evoluídas, mas também estão a
disposição dos professores, oferecendo várias formas de trabalho
para que o ensino aprendizagem se torne mais interessante para os
alunos.

Observando todos estes aspectos, vê-se que a inserção da tecnologia,


esta poderá se tornar uma ferramenta essencial e primordial nas
aulas de História, mas é claro que os diversos recursos somente
serão viáveis em sala, se o docente estiver planejado e organizado
para realizar o trabalho, pois, como qualquer outro método ou
metodologia se não houve planejamento talvez o trabalho não
alcance o objetivo desejado.

Dentro deste novo modelo, a tecnologia se apresenta como uma


grande opção e uma realidade. É preciso que se faça uso dela nas
salas de aulas com em todas as disciplinas, fazendo uso destes
recursos as aulas serão mais atrativas para os alunos, pois, muitos
deles tem acesso a computadores e celulares e estão em constante
atualização sobre os mais diversos assuntos e temas, mas que em
muitos casos não fazem uso adequado destas informações, porém, se
forem orientados devidamente poderão utilizar das tecnologias e
redes sociais para ampliarem seus conhecimentos de forma
consciente e crítica. Historicizar o devir do nosso tempo é o antídoto
contra os reveses de nosso processo de amadurecimento enquanto
povo, tarefa essa indispensável nas milhares de salas de aula do país,
afinal nunca se precisou tanto de historiadores como nesse eterno
presente que as redes sociais produzem e que esvaziam os sentidos
do tempo.

55
Referências
Aruanã Antonio dos Passos é Doutor em História e docente do
Departamento de Ciências Humanas da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná (UTFPR), campus Pato Branco.

Willian Roberto Vicentini é Mestre em Educação pela Pontifícia


Universidade Católica (PUC-PR) e doutorando em Educação pela
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Atua como professor na rede
estadual de educação do Estado do Paraná e na Faculdade
Educacional de Colombo.

ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar,


1978.

BERGMANN, Jonathan. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa


de aprendizagem. Rio de Janeiro: LTC, 2017.

ESTRELA, Albano; FERREIRA, Júlia. Education et Politique. Vol. I, II


Congres International. Universidade de Lisboa, Lisboa: Eduteurs,
1998.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Rio de Janeiro: Ed. 34,


1993.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 5. ed. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 2001.

56
FOTOGRAFIAS ESCOLARES: UMA PERSPECTIVA DE ANÁLISE
NO CAMPO HISTORIOGRÁFICO
Audrey Franciny Barbosa

A discussão a seguir parte de uma pesquisa em desenvolvimento que


têm por fontes de análise fotografias escolares produzidas na cidade
de Ponta Grossa nas primeiras décadas do século XX. Á vista disso, a
discussão aqui proposta tem por objetivo ressaltar algumas
particularidades e potencialidades das fotografias escolares nas
discussões historiográficas e, além disso, apresentar um possível
referencial teórico-metodológico para a análise de tais fontes.

O uso da fotografia escolar


O uso das fotografias no campo historiográfico está longe de ser algo
recente. Porém, algumas dúvidas ainda recaem sob seu estatuto para
a construção do conhecimento historiográfico. Ulpiano (2012), ao
discutir os usos da imagem por parte da historiografia, defende que,
por mais que as fontes imagéticas sejam reconhecidas enquanto
fontes para a construção do conhecimento histórico ainda há um
receio ao tratá-las como tal, conduzindo, em alguns casos, o trato
das imagens como ilustrações do textual.

Diante disso, mais do que pensar as fotografias como ilustração do


real, estas devem ser compreendidas como signos, sinais, indícios
icônicos e visuais do mundo social e que devem ser analisadas sem
perder de vista sua condição de artefatos sociais (Ulpiano, 2012). Em
outras palavras, pensar tais fontes como integrantes do jogo social,
não apenas objetos físicos, mas como práticas sociais que fazem e
interagem com a sociedade. Nesse sentido, destaca-se pensar a
visualidade de forma mais ampla e ativa, como uma dimensão da
vida social e dos processos sociais. Dado isso:

―Considerando apenas o contexto, uma foto 3X4 em um documento


de identidade é diversa da mesma imagem em uma carteira, que
simboliza a lembrança da pessoa querida. Ainda a mesma imagem
em um porta-retratos no escritório cauciona o reconhecimento de
valores sociais envolvendo, por exemplo, a família (ULPIANO, 2012,
p. 254)‖.

Partindo dessas reflexões, uma outra questão fundamental ao


abordar a imagem é compreender que sua produção cultural/material
a identifica como um documento/monumento. Monumento, uma vez
que sua materialidade apresenta-a como um registro de outro tempo
e documento dado seus discursos que permitem refletir as

57
representações que uma sociedade buscou promover de si (LE GOFF,
1996, p. 462).

Nessa perspectiva, conforme Chartier (2002), as fotografias escolares


enquanto representações sociais são dotadas de sentido. Ou seja, no
que se refere às fotografias, as representações não são o real
expresso em imagens, elas são representações simbólicas de um real
que muitas vezes se tornam legítimas cultural e historicamente por
elas mesmas. Dessa forma, sua grande capacidade está não em
representar a realidade, mas sim em representar aquilo que
socialmente – ou oficialmente – se entende como o real. De acordo
com Borges (2008):

―Para além de sua dimensão plástica, elas nos põem em contato com
os sistemas de significação das sociedades, com suas formas de
representação, com seus imaginários […] É mediante a análise dos
processos simbólicos que se percebe como se criam os laços de
pertencimento entre os membros de uma mesma sociedade, como e
porque a memória coletiva pode unir e separar indivíduos de uma
mesma sociedade ou grupo social, como e porque o imaginário social
reforça certas visões de mundo mesmo quando as condições
materiais para que elas existam já tenha, desaparecido. Esses modos
de comunicação criam campos de saber comuns; funcionam como
sinais de orientação inclusive para as práticas sociais (BORGES, 2008,
p. 79)‖.

No caso específico das fotografias escolares, Souza (2001) pontua


que estas ganharam grande promoção durante o século XX – assim
como outros tipos fotográficos, tais como os retratos de família, os
cartões-postais, as paisagens, etc. De acordo com a autora:

―Entre os diversos tipos de conteúdos temáticos retratados, o mais


popular é a foto de classe. Produzidas com uma finalidade comercial,
essas fotografias compreendem um objeto mercadoria para a
recordação.[…] Em relação às fotografias de classes escolares, o
surgimento e difusão desse tipo de fotografia vincula-se à
disseminação do valor social da escola na sociedade brasileira.
Especialmente, as fotos de classes atendem a essa representação
simbólica, por meio da qual, a turma de alunos corresponde à classe,
à série, cujo encerramento do ano letivo compreende um momento
digno de ser registrado e recordado. (SOUZA, 2001, p. 79)‖.

Dado isso, a presente pesquisa define as fotografias escolares como


aquelas produzidas ou que se referem ao ambiente escolar cujos
temas variam entre o espaço, o currículo, o mobiliário, os materiais,
a arquitetura, as classes, os professores, as festas cívicas, as

58
comemorações religiosas, enfim, representações que remetem a
cultura escolar do período analisado.

Figura 1. Sala de Instrução. Colégio Becker y Silva, Foto Bianchi,


1912. Acervo Museu Campos Gerais.

Figura 2: Recreio Colégio Becker y Silva. Foto Bianchi, 1912. Acervo


Museu Campos Gerais.

Metodologia de análise: uma abordagem possível


Analisar imagens implica construir uma metodologia própria ao objeto
de pesquisa. Segundo Ulpiano (2012), tomar um modelo de análise
como aplicável a qualquer fonte imagética é prender a imagem em
uma gaiola epistemológica, que por si só é prejudicial ao
desenvolvimento de um estudo. Logo, como em qualquer pesquisa do
campo, os procedimentos metodológicos devem ser construídos
respeitando suas fontes e as leis que regem o trabalho do historiador.
Como destaca Ana Maria Mauad (1996):

―a própria experiência vem demonstrando que, a cada novo tipo de


fotografia e objeto a ser estudado a partir da imagem fotográfica, o
pesquisador vê-se obrigado a atualizar o método de análise e
adequá-lo à sua matéria significante, guardando os imperativos
metodológicos apresentados. Nesse sentido, é sempre importante
lembrar que toda a metodologia, longe de ser um receituário estrito,
aproxima-se mais a uma receita de bolo, na qual, cada mestre-cuca
adiciona um ingrediente a seu gosto (MAUAD, 1996, p. 97)‖.

59
Diante disso, o presente trabalho não se propôs a apresentar um
modelo de análise absoluto, mas sim explicitar uma possibilidade de
análise frente as fontes abordadas. Para tal, a metodologia foi
construída sob três procedimentos: A) análise da técnica e de
produção, que busca analisar os aspectos da produção do artefato
fotográfico em sua dimensão material, e por tal, deve estar pautada
em conhecimentos prévios em relação às fontes e sua produção e os
elementos que compõem o artefato fotográfico; B) análise
denotativa, que se pauta na descrição dos elementos iconográficos
presentes nas representações dos anversos das fotografias, assim
como para as possíveis informações textuais presentes nos versos e
anversos. C) análise de conteúdo e interpretação, que visa a
articulação final entre esses três procedimentos, a fim de, dar sentido
a tais representações por meio de seus valores manifestados e suas
mensagens implícitas.

Na construção da metodologia três aspectos devem ser ressaltados.


Primeiro, a importância da dimensão técnica na produção da
fotografia e segundo, o contexto de produção desta. Ambos os
aspectos pautados na importância de se considerar e compreender o
processo de produção da fotografia e suas características materiais e
simbólicos do período. De acordo com Bencostta (2001):

―apesar de as fotografias escolares serem uma fonte histórica


carregada de sentido, a compreensão de sua representação somente
será possível caso as informações resultantes da sua análise
estiverem relacionadas ao contexto histórico no qual foram
produzidas […] Contudo, para que o nosso argumento que defende
ser este tipo de imagem uma fonte possuidora de sentido,
consideramos como essencial a compreensão das tramas e realidades
no ambiente histórico em que foi gerada (BENCOSTTA, 2001, p. 402-
404)‖.

Já o terceiro aspecto, volta-se para a compreensão da dimensão do


visual enquanto escolha do fotógrafo. Nesse sentido, Peter Burke
(2004), ao analisar o uso das fontes imagéticas no campo
historiográfico, destaca a importância de tais documentos serem
contextualizados em sua produção e serem problematizados
enquanto práticas de um profissional – o fotógrafo. Diante disso:

―o historiador que escolhe usar o documento fotográfico deve saber,


também, que o olhar do fotógrafo pode ter sido motivado por
intenções distintas das que norteiam a pesquisa do historiador. Para
que seu estudo incorpore o que está explícito e implícito na imagem
fotográfica sem, no entanto, sucumbir às intenções do fotógrafo,
além do método da contextualização da imagem, o cruzamento do

60
documento visual com os textuais e orais torna-se um imperativo
para responder as questões tipicamente históricas. Essa é uma
operação que também requer a combinação de diferentes métodos de
pesquisa (BORGES, 2008, p. 85)‖.

Considerações Finais
De acordo com Fischman (2006), tomar fotografias escolares como
analisadores sociais – ou seja, como artefatos possíveis para a
compreensão de determinados aspectos sociais – é ir além da
descrição de informações ilustrativas do real. É, sobretudo, ressaltar
a possibilidade de tais fotografias promoverem reflexões acerca da
produção de sentido dessas representações fotográficas e também
das tensões e especificidades culturais que perpassam as instituições
escolares representadas. Logo:

―Elas trazem informações sobre a cultura material escolar, como os


arranjos espaciais (arquitetura), as relações sociais, os contextos
humanos (professores, alunos, diretores e suas respectivas posturas)
e sobre as práticas escolares (festas de encerramento do ano letivo,
entrega de diplomas, desfiles e comemorações cívicas, solenidades,
etc.) (BENCOSTTA, 2001, p. 400-401)‖.

Nesse sentido, o que se buscou ressaltar é o uso da fotografia como


fonte de reflexão principal e não apenas como uma figura ilustrativa
de outras fontes. A fotografia – seja qual for sua temática – é uma
fonte possível para compreender a visualidade de um período,
compreender como determinado grupo/sujeito buscou representar ou
ocultar, de maneira implícita ou explícita, suas ideias e práticas.
Assim, para finalizar a presente discussão, cabe a reflexão de Souza
(2001):

―Portanto, que revelam as fotografias escolares? Elas são a expressão


da forma escolar – uma maneira de ser e comportar na escola –
representações de uma cultura institucional veiculadora de
conhecimentos, valores, normas e símbolos considerados legítimos.
Elas representam singularidades e identidades compartilhadas
(SOUZA, 2001, p. 81)‖.

Referências
Audrey Franciny Barbosa, mestranda em História pela UEPG.
Orientador: Marco Antonio Stancik.

BENCOSTTA, M. L. Memória e Cultura Escolar: a imagem fotográfica


no estudo da escola primária de Curitiba. História, São Paulo, v. 30,
n. 1, p. 397 – 411, jan/jun. 2011.

61
BORGES, M. E. L. Pesquisa Histórica e documentos Visuais. In.
______. História e fotografia. 2ed. Belo Horizonte: Ed. Autêntica,
2008, 75-88.

BURKE, P. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: Ed.


EDUSC, 2004, 270p.

CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações.


2Ed, Lisboa: Ed. Difel, 2002.

FISCHMAN, G. E. Las fotos escolares como analizadores em la


investigación educativa. Educação&Realidade. v. 31, n. 2, jul/dez, p.
79-94, 2006.

LE GOFF, J. Documento/Monumento In. História e Memória. 4ed,


Campinas: Ed. Unicamp, 1996, p. 525-539.

MAUAD, A. M. Através da Imagem: fotografia e história interfaces.


Tempo. Rio de Janeiro, vol. 1, n°. 2, 1996, p. 73-98.

ULPIANO, T. B. M. História e Imagem: iconografia/iconologia e além.


In: Novos Domínios da História. São Paulo: Ed. Elsevier, 2012, p.
243-262.

SOUZA, R. F. Fotografias escolares: a leitura de imagens na história


da escola primária. Educar em Revista. Editora da UFPR, Curitiba,
n.18, p. 75-101, 2001.

62
AS MULHERES EM „GAME OF THRONES‟: REFLEXÕES SOBRE AS
PERSONAGENS EM RELAÇÃO COM AS REPRESENTAÇÕES DA
MULHER NA IDADE MÉDIA
Bruno Silva de Oliveira
Rodrigo Henrique Araújo da Costa

Neste artigo, pensaremos algumas das principais figuras femininas


em Game of Thrones, produção televisiva da HBO dos EUA, a partir
de 2011, dirigida por David Benioff e D. B. Weiss e baseada na série
de livros do romancista e roteirista norte-americano George R. R.
Martin, As Crônicas de Gelo e Fogo, com universo de fantasia épica
ambientado em um mundo fictício medieval, portanto, de similaridade
com elementos da cosmogonia da Idade Média.

A série transcorre em continentes imaginários, Westeros e Essos,


num momento onde a atual Casa passa por fragilidade ao enfrentar o
declínio de seu poder e revoltas e oposições que se seguiram após o
falecimento do rei Robert Baratheon. Vários dos setes reinos que
compõem o continente de Westeros estão em guerra, uns almejam
assumir o trono e governar como único rei, outros desejam apenas
sua independência, deixando assim de servir ao Trono de Ferro. Para
Michel Foucault, em Ética sexualidade e política, ―Ao longo de toda a
Idade Média, predominou a ideia de que todos os reinos na terra
seriam um dia unificados em um último império (...).‖ (2004, p. 307).
Ideia similar, dadas as devidas proporções, em Game of Thrones. O
mundo de Game Of Thrones é assolado por intrigas, trapaças,
assassinatos e corrupção. Tendo nas relações de poder um espaço
predominantemente masculino. Mas muitas mulheres desempenham
papeis importantes e decisivos. Como as mulheres se sobressaem
nessa história? Esta é a questão principal.

Em alguns filmes de temática medieval, observamos as


diferenciações sociais dentro dos reinos, a realeza e a corte em
primeiro plano, a plebe e as mulheres em posições subalternas. É o
caso de Lancelot, O primeiro cavaleiro (Direção de Jerry
Zucker/1995) e de Coração Valente (Direção de Mel Gibson/1995),
com personagens mulheres reduzidas a uma posição de delicadeza,
inocência e submissão em comparado com a posição masculina de
guerreiro, herói e rebelde. Ao longo da produção fílmica de
ambientação medieval, geralmente, as mulheres estiveram em papeis
de subserviência e dependência aos homens. É através desse olhar
de mudança de posição social que analisamos a ruptura da posição
feminina presente na perspectiva de Game of Thrones. Parte de
nosso intuito é observar como e de que forma essas mulheres foram
representadas. Tendo esse objetivo, cabe fazermos questões

63
basilares: como é vista a figura feminina nesse meio no qual está
inserida? Que poder é utilizado para legitimar sua condição social?
Como se portava nesse ambiente reinado pelo sexo masculino?

Ao se pensar no feminino, o que se vê no medievo são aspectos de


subserviência, controle, opressão e discriminação por parte da
sociedade, que via apenas na figura masculina o poder para reger a
política, a justiça e a religião. Observamos na História das sociedades
ocidentais uma série de mudanças ocorridas com as mulheres. Elas
foram, durante séculos, representadas como inferiores por terem sido
criadas da costela de Adão, conforme a mitologia judaico-cristã. Há a
presença de um fator religioso e dogmático que serve como
argumentação para colocar a mulher como um ser inferior. Assim, o
―sexo frágil‖ era visto como ―naturalmente‖ inferior ao ―sexo viril‖,
conforme imagem medieval ―A alma de uma mulher e a alma de uma
porca são quase o mesmo, não valem grande coisa‖ (MACEDO, 1997,
p.22). É importante observar que em sociedade alguma é homogênea
a forma como o sexo feminino é tratado, sendo possível encontrar as
mulheres em médios e altos postos das estruturas de poder.
Analisemos a seguinte reflexão:

―Entretanto, as aristocratas rurais, da alta nobreza ou apenas


castelãs, foram chamadas inúmeras vezes para o cumprimento de
atividades reservadas aos homens. A constante ausência dos
companheiros, afastados em viagens, peregrinações, cruzadas ou
guerras privadas obrigavam as esposas a substituí-los na
administração das posses de família‖ (MACEDO, 1997, p.30-31).

Esse aspecto está presente na personagem Catelyn Stark, nos


episódios The Kingsroad e Lord Snow, referentes à primeira
temporada. Ela é uma senhora da alta nobreza que se vê diante da
administração de suas terras e castelo, devido à ausência de seu
companheiro. Enquanto ela cuidava dos afazeres domésticos, tricotar,
preparativos para receber convidados, como vimos ao longo da
primeira temporada, seu marido cuidava de questões econômicas e
jurídicas. Esta personagem se vê diante da ausência de Eddard Stark,
seu companheiro, e tem de lidar com as atividades próprias aos
homens, ocupando assim um espaço de poder que não lhe era
destinada, e tendo que manter a ordem e a lei de seus domínios.

64
Fig.1
https://goo.gl/images/fgVfSV

Ao pensar nas opressões sofridas pelas mulheres tem-se em mente


de que, exclusivamente, vinham por parte do sexo masculino, porém,
José Rivair Macedo nos diz o contrário, conforme seguinte trecho:

―Entretanto, não devemos pensar na mulher medieval como um


grupo compacto oprimido pelos homens. (...) A opressão muitas
vezes foi exercida pelas mulheres poderosas sobre as suas
dependentes. Nas crônicas familiares do século XII foram registradas
diversas cenas no interior das casas aristocráticas que reproduzem as
mesmas relações de poder ocorridas entre os homens. A estruturação
da casa e das relações familiares lembram uma ―pequena
monarquia‖. A esposa do senhor, a dama, comporta-se com o marido
em relação aos seus dependentes, tiranizando as domésticas e no
caso de ser sogra, menosprezando a nora‖ (1997, p.26).

Portanto, nesta citação, verifica-se a opressão por parte das mulheres


para com outras mulheres em relação de dependência na hierarquia

65
social. Também é perceptível que numa mesma residência nobre
ocorressem distinções sociais, de classe e de poder, marcadas por
tiranias e opressões. Game of Thrones exibe muitas dessas
características, acima. Notamos também o abuso cometido por
senhoras bem-nascidas, ou que conseguiram ascender socialmente,
para com aquelas que se encarregavam de lhes servir, as chamadas
―aias‖. É errôneo, então, atribuir exclusivamente ao homem o papel
de único responsável por sobrepujar a mulher, embora, vejamos
majoritariamente nos homens esse papel, devido ao arraigamento do
machismo na sociedade patriarcal.

Entretanto, essa situação de inferioridade se fez presente também


em outras civilizações ao longo da história. Podemos citar como
exemplo Constantinopla, onde a mulher viveu em grandes limitações,
sobretudo jurídicas, que as restringiam ao meio doméstico, não
podendo exercer cargos públicos ou ofícios religiosos, devendo
manter os cabelos longos, como sinal de submissão e calar-se nos
lugares de culto. Observemos a passagem, abaixo:

―A inferioridade feminina provinha da fragilidade do sexo, da sua


fraqueza ante os perigos da carne. No centro da moral cristã existia
uma aguda desconfiança em relação ao prazer. Ele, segundo os
moralistas, mantinha o espírito prisioneiro do corpo, impedindo-o de
se elevar em direção a Deus‖ (MACEDO, 1997, p.19).

Podemos concluir que a questão da sexualidade vem a ser um dos


pontos usados contra a mulher, retratada como tentadora e a culpada
por levar o homem ao chamado Pecado Original. Muitas vezes a
mulher é retratada com características diabólicas e poderes
demoníacos. Conforme Jean Delumeau em História do medo no
ocidente, a mulher era um ―Mal magnífico, prazer funesto, venenosa
e enganadora, a mulher foi acusada pelo outro sexo de ter
introduzido na terra o pecado, a desgraça e a morte‖ (2009, p. 468).
Isto é similar ao evidenciado na série Game of Thrones, no qual
diversas mulheres são usadas como objetos, exibidas de maneira
subjugada. Frequentemente, prostíbulos são retratados com
mulheres disponíveis para saciar os desejos masculinos. São
incontáveis as cenas em que vemos o sexo feminino despido, com
partes do corpo à mostra, enquanto ao homem cabe exibir sua
virilidade, frente ao papel coisificado da mulher. Igualmente, na obra
escrita de George R. R. Martin, notamos a seguinte passagem de
descrição de um prostíbulo: ―Entraram por uma sala de estar cheia,
onde uma mulher gorda cantava canções obscenas enquanto bonitas
mulheres vestidas com camisas de linho e panos de seda colorida se
encostavam nos amantes e eram embaladas em seus colos‖ (2010, p.
145). Atentemos para trecho de A mulher na idade média, abaixo:

66
―Mesmo fora dos períodos de abstinência, o contato carnal era
rigorosamente disciplinado. Deveria ocorrer na posição natural, com a
mulher deitada de costas e o homem sobre ela. Todas as demais
posições eram consideradas escandalosas. A mulher não deveria
demonstrar sensação de prazer. Deveria manter-se passiva durante
todo o ato. A posição em que praticava o sexo, sob o marido, indicava
a situação de submissão de que dela se esperava‖ (MACEDO, 1997,
p.20).

Esse trecho nos remete a uma cena onde a personagem Daenerys


Targaryen é vendida como esposa para um povo tido como ―bárbaro‖,
por não compartilhar do idioma e dos costumes dos povos
―civilizados‖. Na cena, que mostra a relação sexual dela com Khal
Drogo, líder de um khalasar, espécie de tribo, tem-se essa noção de
subordinação. Vê-se isso em uma cena de sexo violento como um
estupro, algo que denota a condição de inferioridade da mulher.
Entretanto, cabe-nos questionar: até que ponto esse comportamento
sexual presente em Game of Thrones corresponde e se relaciona às
representações sexuais verificadas no medievo?

Fig.2
https://goo.gl/images/5J8PvA

A própria noção de casamento põe a mulher da Idade Média como


algo passivo de venda, muitas vezes, com objetivo de troca de
privilégios. Casamentos arranjados, sobretudo, para fortalecer
alianças, manterem-se no poder e conseguir vantagens. Daenerys
Targaryen seria um exemplo disso, vendida pelo irmão que queria em
troca um exército para levar a guerra e tomar o Trono de Ferro,

67
tornando-se assim, rei de Westeros. José Rivair Macedo analisa algo
relacionado ao exposto:

―O discurso dos religiosos sobre o casamento foi endereçado aos


homens. O casamento garantia a estabilidade das relações
determinadas pelo sexo masculino [...] Sexos diferentes, ambos
uniam-se pelo casamento. Contudo, não se tornavam iguais.
Considerada responsável pela queda da humanidade no pecado, a
dominação do esposo sobre ela e as dores do parto eram vistos como
o seu castigo‖ (MACEDO, 1997, p.19).

Torna-se clara, desta forma, na análise do medievo ocidental em


relação com a análise fílmica da série Game of Thrones, a influência e
poder da religião e do Governo dos homens. O papel da Igreja
Católica no medievo se encarregou de tomar medidas extremas por
meio da Inquisição e do Tribunal do Santo Ofício. Perseguidas como
hereges e bruxas, muitas mulheres foram condenadas, julgadas e
executadas. Ainda sobre as mulheres tidas como feiticeiras e bruxas
foi elaborado um ―manual de caça às bruxas‖, datado de 1486-1487,
chamado malleus maleficarum. O trecho de José Rivair Macedo pode
ser elucidativo: ―Por serem mais fracas na mente e no corpo, não
surpreende que se entreguem com mais frequência aos atos de
bruxaria‖ (2007, p.2). É interessante nos determos às características
das mulheres no medievo para compreender o evento conhecido
como ―caça às bruxas‖ e fazer a relação com a análise fílmica da
série. De acordo com Macedo:

―A crise moral que envolveu as lideranças da Igreja nos séculos XIV e


XV, a crise moral revelada pela proliferação de inúmeras heresias,
finalmente, as crises sociais e econômicas constantes nesse período
trouxeram consigo uma nova visão do mundo, de Deus, do demônio e
dos males praticados em seu nome. Profundas mutações ocorreram
na mentalidade dos ocidentais. (...) O diabo, até então inofensivo
ante a onipotência e a onipresença divina, ganhou importância na
imaginação das pessoas, inclusive dos clérigos. O medo do demônio
gerou o medo das feiticeiras. O medo de ambos gerou a perseguição
e o extermínio do inimigo visível: as bruxas‖ (MACEDO, 1997, p. 65).

Compreendemos então que a mulher considerada feiticeira seria


muitas vezes aquela que possuía algum conhecimento que fosse além
dos pressupostos e dogmas católicos. Algum contato intelectual,
medidas que amenizassem as dores do parto (já que a mulheres
―deveriam sentir tais dores‖), uso de ervas para determinadas
doenças, ou comportamentos tidos como masculinizados, como por
exemplo, Joana D‘arc, passavam a ser suspeitos.

68
Um exemplo semelhante ao dessa guerreira pode ser encontrado em
Game of Thrones, na personagem Brienne de Tarth, uma mulher bem
nascida, que devido a sua fisionomia passa a sofrer deboches e
ridicularizações, rebela-se e resolve abrir mão de sua posição como
dama partindo para uma vida nômade, porém, vestida com cota de
malha, armadura e empunhando uma espada, itens reservados aos
homens. Sua trajetória na trama segue enfrentando inúmeros
conflitos com êxito e indo contra as imposições sociais. A personagem
Arya Stark também é construída com características heterogêneas às
normas. Vistas de maneira negativa, Joana D‘arc, Brienne de Tarth e
Arya Stark são exemplos reais e ficcionais da crueldade da
padronização de normas impingidas pela sociedade machista às
mulheres.

69
Fig.3
https://goo.gl/images/S8tWec

70
Fig.4
https://goo.gl/images/KAjP8LKAjP8L

No que diz respeito às práticas consideradas hereges, lembramos a


personagem Cersei Lannister, nascida nobre e ocupando posição de
rainha. Ela seria, dentro dos padrões e normas de conduta, um mau
exemplo, uma vez que pratica o incesto com o irmão, com o qual
possui três filhos. Ao ser descoberta pelas forças religiosas da trama,
enfrenta um processo no qual se espera que sejam confessados seus
crimes, mas ela é presa em uma espécie de calabouço, trajando
trapos, sem direitos e recebendo a presença de uma figura religiosa,
uma septã, ocasião em que foi torturada. Aqui, está outra
semelhança com a Inquisição. Outra cena importante, na quinta
temporada, intitulada Mother‟s Mercy, exibe sua punição, a
―caminhada da penitência‖, onde teve de caminhar nua pelas vielas
da cidade até seu palácio, a Fortaleza Vermelha, situação em que
plebeus se aglomeram para atirar fezes e assistir a figura da alta
hierarquia recebendo a punição aos olhos dos Sete, deuses presentes

71
na trama. Pensando essa cena, alguns aspectos podemos elencar: 1)
o rigor com que se aplicam as leis dos deuses aos homens, sobretudo
às mulheres; 2) a aplicação das leis divinas na alta hierarquia
pontuando assim que ―a lei é igual para todos‖; 3) o contentamento
da plebe ao contemplar uma pecadora da alta nobreza recebendo sua
punição.

Fig.5
https://goo.gl/images/UgKJs4

Fig.6
https://goo.gl/images/D4Wdc8

Percebemos que a produção da HBO, bem como a obra de Martin,


têm promovido um grande empoderamento feminino, dando

72
destaque a essas personagens. Outro exemplo é Lyanna Mormont,
uma criança que acaba por assumir o cargo mais importante de sua
Casa. No primeiro episódio da sétima temporada, intitulado
Dragonstone, apresenta-se uma discussão política e, ao abordarem a
guerra, o próprio rei fala sobre a necessidade de ensinarem as
mulheres a lutar. Eis que um personagem se ergue e diz, ―Espera que
ponha uma lança na mão da minha neta?‖, ao que Lyanna Mormont
levanta-se e profere: ‖Não pretendo ficar tricotando enquanto
homens lutam por mim‖. Aqui, estão presentes a mulher e seu
discurso de poder. Sua política revela que seu lugar-social não é
somente tricotando. Cersei Lannister também é um exemplo disso.
Ao longo de toda a série, ela auxilia no regimento dos Sete Reinos,
em Westeros, recebendo várias denominações, tais como Rainha-Mãe
e Rainha-Regente. Daenerys Targaryen vem a ser outro exemplo,
revelando sua evolução nas estruturas de poder até a ascensão como
rainha.

Fig. 7
https://goo.gl/images/9di7Up

Na trama idealizada por George R.R. Martin, a feitiçaria é um


elemento sempre presente e atribuído às mulheres, como revela
Anne Llewellyn Barstow: “Ter um corpo feminino era o fator que
provavelmente tornava alguém mais vulnerável a ser chamado de
feiticeira” (1995, p.34). Diferentemente dos estereótipos criados para
as feiticeiras, notamos na série que elas são belas e que exercem
grande influência. Peguemos, como exemplo, Melisandre, a Feiticeira
Vermelha. Ela possui conhecimento intelectual, pratica rituais dentre
eles o sacrifício humano, possui poderes sobrenaturais, desejo carnal
e forte influência sobre o homem que acredita ser o escolhido por
R‘hllor, o Deus Vermelho, a quem ela serve. Todavia, não

73
encontramos aspectos que a identificariam com a representação de
bruxa, tendo em vista que esse seria o resultado de algo grupal. Algo
semelhante trata Macedo: ―A ligação das atividades mágicas,
características da feiticeira, com o culto demoníaco e a depravação
sexual alterou sua imagem anterior, transformando-a
progressivamente na bruxa. O fenômeno da bruxaria, ao contrário da
feitiçaria, é grupal. Temia-se não apenas a bruxa, mas a reunião
delas: o sabat‖ (1997, p. 65).

Fig. 8
https://goo.gl/images/DFMwrb

É importante trazermos à tona as novas linguagens historiográficas,


principalmente, buscando pensar sobre uma série de TV que alcança
os maiores recordes da atualidade. Ressaltamos que por ser uma
produção ficcional, a retratação dos cenários medievais nunca é fiel
na linguagem televisiva. Também é a oportunidade de abrirmos
discussão sobre a diferença entre a obra fílmica e a obra de Martin. O
próprio George R. R. Martin reconheceu inspiração na Guerra das
Duas Rosas, uma série de batalhas entre as casas de Lancaster e
York, ocorridas no século XV, na Inglaterra. Certamente, novas
críticas surgirão, como a recente publicada no El País, ―La Edad Media
no fue como cuentan en ‗Juego de Tronos‘‖, de autoria de Ana
Rodríguez, pesquisadora do CSIC, Madri, Espanha. Sem dúvidas,
Game of Thrones merece maiores considerações. As reflexões
apresentadas podem ser úteis; temos a dimensão de que a mulher na
Idade Média não pode ser vista de modo totalizante e unitário. Do
mesmo modo, sabemos que a série não é uma retratação medieval
em si, mas de menção e inspiração. A relação produção fílmica e

74
História amplia cada vez mais o campo do fazer histórico. Passamos
para outro desafio, o de historiar sobre a relação entre produção de
séries de TV e História. De encontro ao pensamento de Marc Ferro,
que analisava o filme a partir da produção de sentido, tentamos fazer
o mesmo com Game of Thrones, relacionando tal produção fílmica
com a História.

Referências
Bruno Silva de Oliveira é graduando em História pela Universidade
Federal de Campina Grande, monitor bolsista na disciplina de História
Medieval Ocidental.

Rodrigo Henrique Araújo da Costa é doutorando em História


Econômica pela Universidade de São Paulo. Prof. Me. em História pelo
PPGH/UFPB.

BARSTOW, Anne Llewellyn. Chacina de feiticeiras: uma revisão


histórica da caça às bruxas na Europa. Rio de Janeiro: José Olympio,
1995.

DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente. São Paulo,


Companhia das Letras, 2009.

FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade e política. Ditos & escritos V. Rio


de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. Malleus Maleficarum: O


Martelo das Feiticeiras. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos,
2004.

MACEDO, José Rivair. A mulher na idade média. 3. ed. São Paulo:


Contexto, 1997.

MARTIN, George R. R. A guerra dos tronos. As crônicas de gelo e


fogo, livro 1. São Paulo: Leya, 2010.

RODRÍGUEZ, Ana. La Edad Media no fue como cuentan en ‗Juego de


Tronos‘. El País, 15 de abril de 2017. Link:
https://elpais.com/cultura/2017/04/12/actualidad/1492014207_3521
87.html

Filmografia
CORAÇÃO VALENTE. Direção de Mel Gibson. Paramount/ 20th Century
Fox, 1995.

75
GAME OF THRONES. Direção de David Benioff e D.B. Weiss. Home
Box Office, 2011-2017 (ainda em produção).

LANCELOT, O primeiro cavaleiro. Direção de Jerry Zucker. Columbia


TriStar, 1995.

76
ENSINO DE HISTÓRIA E CIBERESPAÇO: APONTAMENTOS
SOBRE NARRATIVA, PROCESSOS DE LEITURA E
APRENDIZAGEM HISTÓRICA POR MEIO DE UM SITE
INTERATIVO
Carolina Corbellini Rovaris

Era mais um dia de trabalho na cidade de Desterro, capital da


Província de Santa Catarina. Aos vinte e cinco dias do mês de Junho
do ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oito
centos e sessenta e um, Augusto se levantou e vestiu-se para ir
trabalhar no porto: colocou uma de suas calças velhas, afinal a
ocasião não era especial; vestiu uma de suas camisas, calçou seu par
de sapatos, o que denotava sua condição de livre; e talvez seu
chapéu de palha, para melhor protegê-lo do sol que refletia no porto
durante o dia. Cumprimentou os companheiros com quem dividia
uma casa na Rua da Palma, Roque, Gregório, Francisco, Joaquim e
João e seguiu seu caminho. Desceu sua rua, onde um dia também
morou um africano de nação benguela chamado Francisco de
Quadros, em direção ao cais do porto, na parte central da cidade.
Mais ao leste, passando pela Igreja da Matriz, em direção ao bairro
da Toca, na Rua do Vigário, Antonio da Costa Peixoto, pensava nas
23 braças de terra que pretendia comprar na Freguesia de Santo
Antonio. Ainda mais ao leste, no caminho para a Freguesia da
Santíssima Trindade, no Saco dos Limões, Manoel Luis Leal também
levantava para mais um dia de trabalho. Augusto passou pela Rua do
Príncipe, perpendicular à rua de sua moradia, onde morava o Coronel
Manoel José de Espindola, seu amo. Ao final da Rua da Palma estava
o porto.

A narrativa contada acima surgiu a partir de evidências da pesquisa


em História. Enquanto os olhos seguem as palavras ali contidas,
vamos elaborando imagens deste sujeito e da cidade de
Florianópolis/SC no século XIX. Uma coisa é ter esta narrativa
disponível em um tipo de linguagem. Mas o leitor pode imaginar
como seria esta narrativa com movimento, conectada a outras
mídias, com som, imagens e até outros textos? E quais seriam as
possibilidades de aprendizagem a partir destas narrativas com este
formato na disciplina de História?

No Mestrado Profissional em Ensino de História, faz parte da nossa


dissertação desenvolver um produto que sirva de proposta
pedagógica para o ensino da disciplina em foco. O recorte temático
da pesquisa aborda trajetórias da Diáspora Africana para se trabalhar
em sala de aula o viver de africanos libertos e livres no contexto da
segunda metade do século XIX em Desterro/SC. Sabe-se que este

77
viver implicava em um processo de reconfiguração de identidades,
estabelecimento de vínculos de solidariedades e estratégias de
sobrevivência. Experiências que foram silenciadas e negligenciadas
pela pesquisa e ensino de História por certo tempo. A proposta
pedagógica que será melhor discutida nas páginas seguintes é
desenvolver um site interativo no qual os sujeitos da pesquisa
estarão em rede, conectados por vários aspectos, sendo possível
construir narrativas e dar significado ao que está sendo estudado, a
partir do clique no mouse do usuário.

A ideia principal do site é que professores e alunos possam caminhar


pelas redes de relações construídas por estes sujeitos do passado e
identificar suas experiências. No entanto, o caminho a ser percorrido
dependerá do usuário que está na frente do computador, pois ele
poderá fazer outras conexões através da hipermídia ali estabelecida.
A escolha por um site deve-se ao alcance e acessibilidade que o
mesmo proporciona.

Neste sentido, este artigo busca discutir teoricamente como este site
interativo pode contribuir para o ensino de História. Será abordado,
portanto, alguns pressupostos do ensino da disciplina e do letramento
no ciberespaço.Aprofundando as discussões desta área, serão
discutidos os conceitos de leitura, ciberespaço e hipermídia.

Breves considerações sobre o Ensino de História e o conceito


de narrativa
Ensinar História, nas palavras de Clarícia Otto (2013), é criar
possibilidades de investigação do passado e presente. A concepção de
aprendizagem histórica que tomamos por modelo neste trabalho
significa apreender os métodos de pesquisa e dar significado ao saber
histórico, uma vez que o mesmo adquire sentido no decorrer de
preocupações do presente instigando à pesquisa do passado. Ao
pensar o ensino de História a partir da cognição histórica situada
(SCHMIDT, 2009), considera-se que seu objetivo principal é
desenvolver o pensamento histórico nos/as alunos/as, isto é,
capacitá-los/as com ferramentas de investigação próprias da ciência
historiográfica para trabalharem a partir da análise de documentos
e/ou acontecimentos históricos.

A aprendizagem histórica, portanto, deve ser significada para o aluno,


daí porque considerar a consciência no ensino de História. Esta se
caracteriza por ser uma forma de se orientar no espaço temporal; a
maneira como as pessoas experienciam, interpretam e se ordenam
no tempo – referenciado por passado, presente e futuro. Todo
indivíduo possui consciência histórica, mesmo que inconscientemente,
já que todos vivenciam experiências ou se projetam em diferentes

78
períodos de tempo. Ou seja, é o modo simbólico de processar o
contingente de informações reunidas no saber histórico para orientar-
se na temporalidade (SCHMIDT, 2008).

A partir destes pressupostos, considera-se que a narrativa é um


método com o qual o estudante consegue dar significado ao passado
e relacioná-lo com o presente. Isto significa que a partir da narrativa
podemos complexificar a consciência histórica, que, por sua vez, é
base da aprendizagem histórica, como visto acima.

Aliás, Jorn Rusen (2001) afirma que a narrativa é um procedimento


mental essencial para a compreensão da História e para o
desenvolvimento do pensamento histórico. Então, para além de um
conceito, a narrativa é uma ferramenta do saber histórico,
fundamental no ensino desta disciplina, pois capacita os alunos a
construírem um ―tipo de explicação que corresponde a um modo
próprio de argumentação racional‖ (RUSEN, 2001, P. 154), que por
sua vez dá sentido histórico a algo do passado tornando-o presente
por meio desta ação.

Para o desenvolvimento da consciência e pensamento do estudante,


por conseguinte, a linguagem se configura como instrumento
fundamental, uma vez que ela está inserida em um contexto sócio-
histórico específico. A escrita e interpretação de textos configura-se,
então, como elemento essencial da aprendizagem.

A narrativa nos aparece como um método de aprendizagem que


busca apresentar aos alunos um problema histórico a ser desvendado
e trabalhar conceitos fundamentais da ciência histórica que fogem da
simples repetição mecânica de conteúdos predeterminados em sala
de aula (OTTO, 2013).

Sendo assim, ao ser explorada no ensino de História, a narrativa tem


como objetivo contribuir para a compreensão das experiências do
passado que, nas palavras de Schmidt (2008), torna ativo o
pensamento de quem aprende. Isto porque possibilita desenvolver
com o aluno a interpretação e a problematização do passado e
presente.

É por tais razões que este método foi escolhido como uma proposta
para se trabalhar as trajetórias de africanos na cidade de Desterro/SC
no século XIX em sala de aula, visto que nos permite contextualizar
estas experiências do passado em uma linguagem mais dinâmica,
sensível e problematizadora.

79
Narrativa eo ciberespaço: a proposta de um site interativo
para aprender História
Parte-se do pressuposto que um ensino de História integrado ao
ensino da língua escrita, visando o letramento do estudante, poderá
promover a inserção social do indivíduo e favorecer o seu
desenvolvimento crítico. Atualmente é necessário refletirmos sobre a
multiplicidade de linguagens e leituras que as tecnologias da
inteligência e informação proporcionam aos processos de
aprendizagem e de convívio no século XXI.

Conforme aponta Michel Serres (2013), os jovens estudantes desta


nova era habitam o real e o virtual. Relacionam-se de maneira
integrativa entre estes dois mundos, de forma que não há como
separá-los. As ciências cognitivas demonstram que o uso da internet
como meio de manipular, transformar ou criar informações não
ativam os mesmos neurônios que aqueles utilizados com o uso do
livro, do quadro ou do caderno. Desta forma, o acesso e a circulação
de saberes migrou de um espaço delimitado métrico a um espaço
sem fronteiras e constantemente disponível.

Para o autor, isso modifica também a relação aluno-professor. Se


antes este era considerado o porta-voz dos saberes, detentor do
conhecimento, aquele que tem a autoridade para subir ao palco e
falar do que sabe; agora o aluno encontra-se numa posição em que a
mobilidade e acesso rápido a diversas informações lhe oferecem
possibilidades de por si só construir conhecimento sobre algo. O ato
de ler, decifrar códigos e interpretar narrativas já não é mais o
mesmo.

O conceito de leitura, como nos explica Lucia Santaella (2013) vem


se expandindo ao longo dos processos históricos pelos quais
passaram a humanidade. Junto com ele, consequentemente, a ideia
de letramento também vem sendo discutida. Para ela, a variedade de
leitores existentes atualmente:

―Resulta do fato de que, desde os livros ilustrados e, depois com os


jornais e revistas, o ato de ler passou a não se limitar apenas à
decifração de letras, mas veio também incorporando, cada vez mais,
as relações entre palavra e imagem, entre o texto, a foto e a
legenda, entre o tamanho dos tipos gráficos e o desenho da página,
entre o texto e a diagramação. [...]. Consequentemente, não há por
que manter uma visão purista da leitura restrita à decifração de
letras. ‖ (2013, p. 266-7)

Diante desta afirmação, podemos relacionar o ato de ler com o


aprender História: a análise de gráficos com dados estatísticos,

80
imagens relacionadas, fotografias que dialogam com textos, a ênfase
que se dá a certos trechos sublinhados ou negritados, vozes que dão
entonação a uma história; também precisam ser interpretados para
os compreendermos historicamente e, portanto, se configuram todos
como práticas de leitura.

Neste sentido, em sala de aula ao prepararmos atividades para os


estudantes é fundamental nos indagarmos que tipo de leitura
gostaríamos que os mesmos desenvolvessem e, ainda mais
importante segundo Santaella (2013), investigar qual o perfil
cognitivo dos leitores estudantes com os quais estamos trabalhando.
A autora aponta quatro tipos de leitores, categorizados para
diferenciar os processos de leitura ao longo do tempo, tendo como
base as habilidades sensoriais, perceptivas e cognitivas que
compreendem o ato de ler.

O primeiro leitor é o contemplativo, meditativo da idade pré-industrial


cujo ato de ler estava restrito ao livro impresso e a imagem
expositiva-fixa. Por tais razões, a leitura se caracteriza como um
processo individual, solitário e silencioso. Santaella (2004) salienta
ainda que este ato de ler privilegia processos de abstração e
conceitualização do que está escrito.

O segundo tipo de leitor é o movente, que emerge no contexto da


industrialização, da aceleração e fragmentação das coisas. Para
acompanhar tais transformações este leitor é mais fugaz e ajusta-se
às novas linguagens efêmeras e ágeis da modernidade. Além do livro
e da imagem fixa, nas cidades começam a surgir publicidades de rua,
sinais e mensagens que regem o mundo urbano para o seu bom
funcionamento dentro dos critérios capitalistas modernos. Isto não
quer dizer que o leitor contemplativo desapareceu, mas este agora
convive e transforma-se neste novo tipo que tem de se adaptar a
aceleração do mundo moderno. Mais tarde, com o ritmo
cinematográfico e audiovisual, este leitor vai adquirindo condições de
transitar rapidamente de uma linguagem a outra, realizando
processos de associação entre diferentes formas e formatos.

O terceiro tipo de leitor nasceu no que chamamos de era digital,


quando a digitalização de informações e a compressão de dados
permitiu que qualquer signo pudesse ser recebido e difundido via
computador. Junto com a telecomunicação, a informática permitiu
que esses dados não ficassem restritos a um espaço fixo e fechado,
mas disponíveis a um clique de mouse. Este leitor é o imersivo, livre
para perambular de uma informação a outra, estabelecendo sua
própria ordem de interpretação e sentido, pois ao invés de uma
leitura prescrita de página a página como no livro impresso, surge

81
uma ordenação associativa que só pode ser feita dependendo do ato
de leitura do próprio indivíduo.

Este leitor tem, portanto, como principal característica a navegação


interativa no ciberespaço. Este refere-se, nas palavras de Santaella
(2004, p. 45) a ―um sistema de comunicação eletrônica global que
reúne os humanos e os computadores em uma relação simbiótica que
cresce exponencialmente graças à comunicação interativa‖. Isto
significa compreendê-lo como um espaço informacional
multidimensional que se abre quando o usuário se conecta com a
rede, manipulando e transformando os fluxos codificados de
informação. A existência e construção do ciberespaço depende,
portanto, da atuação do usuário. O leitor é imersivo porque entrar no
ciberespaço significa imergir na rede.

A partir desta abordagem de Lucia Santaella podemos refletir e


problematizar o quanto o modelo de escola vigente hoje ainda tem
como foco o leitor contemplativo e em alguns casos, o leitor
movente. Como a própria autora afirma, não se trata de excluirmos
um ou outro tipo de leitor, mas de contemplar todos sem hierarquizá-
los no espaço escolar. Este é o desafio para a educação do século
XXI.

Tendo isto em vista, a proposta pedagógica que resultará da pesquisa


do Mestrado Profissional em História aqui mencionada será um site
interativo, no qual o leitor terá acesso a diferentes mídias e propostas
de atividades com narrativas históricas. Além da facilidade de acesso
a esta proposta a qualquer tempo e espaço, a escolha por um site
como formato do produto da dissertação, se justifica pela
possibilidade de criar no ciberespaço uma linguagem hipermidiática
coerente com o conceito de rede de relações que é o cerne da
conexão entre os sujeitos personagens das narrativas da temática
pesquisada. O estudante ou professor que acessa o site, pode
escolher o caminho que será percorrido para compreender o contexto
histórico que permeia as experiências dos sujeitos estudados. Para
cada caminho, narrativas diferentes poderão surgir.Trata-se,
portanto, de leitores imersivos.

O site também propõe o letramento digital dos variados usuários que


se encontram como estudantes em sala de aula. O letramento, então,
ganha diferentes proporções: aqui significa a apropriação e domínio
das ferramentas disponíveis em tecnologias digitais. Além de navegar
no site, a proposta é que o estudante construa diferentes caminhos
na rede e a partir deles construa diversas narrativas que dêem
sentido às experiências dos sujeitos estudados.

82
A linguagem proposta pelo site e, de maneira geral do ciberespaço é
a hipermídia, que por sua vez, é uma hibridização de linguagens,
como afirma Santaella (2004). Ela existe dentro de um ambiente de
informação digital, na qual integram-se diferentes mídias, sejam elas
textos, imagens e sons, entre outras. Se retornamos ao tema do
letramento, se faz fundamental como prática escolar incluir a
hipermídia como nova forma de interpretar e ler o mundo.

Ao digitar o endereço do site em seu computador, celular ou tablet, o


estudante ou professor visualizará uma página com layout de fundo
do mapa de Desterro/Florianópolis no século XIX e terá como guia da
navegação, Augusto, um dos sujeitos da pesquisa. Uma vez escolhido
o ponto para o qual o personagem se moverá, o leitor terá acesso a
uma rede de relações e de mídias que o levará a exploração de
outros conceitos sobre a temática ou propostas de atividades. A partir
da leitura de textos do passado que evidenciam as experiências dos
sujeitos da pesquisa, podemos desenvolver com o estudante as
habilidades do leitor contemplativo, isto significa, compreender os
conceitos históricos da temática. Ao relacionarmos textos com
imagens e sons, desenvolvemos características do leitor movente: a
interpretação e associação entre diferentes linguagens, que dão outro
sentido às experiências do passado em questão. Como a navegação
no site possibilitará o acesso a outras mídias e fontes de informação,
a característica imersiva da atividade será contemplada: a partir de
um ponto específico o estudante poderá migrar de um site a outro,
explorar outros conceitos e versões da história.

Considerações finais
Podemos compreender a História como uma narrativa dos fatos
passados. Neste sentido, o passado pode ser reconstituído, visto que
a narrativa pode contribuir para a percepção de uma imagem possível
de determinado contexto e período histórico.

Assim, tomar narrativas no ambiente escolar como um método de


aprendizagem pode proporcionar o desenvolvimento do pensamento
histórico. Isto porque, para desenvolve-lo, o aluno precisa dominar
habilidades de leitura, escrita e interpretação que o possibilitará
compreender as relações entre passado e presente, e perceber os
movimentos que amarram diversas temporalidades, sujeitos e
contextos diferentes. A narrativa possibilita ao professor
problematizar conceitos fundamentais da História, uma vez que
mobiliza ferramentas de investigação próprias desta ciência para
compreender as experiências do passado a partir da análise de
documentos e/ou acontecimentos históricos.

83
Ao considerar, portanto, as experiências e a agência ativa do aluno
no seu próprio processo de aprendizagem ao construir narrativas, é
necessário que reflitamos sobre uma característica sua que ainda não
é muito contemplada em nossas escolas: a sua relação com o virtual
e o ciberespaço. Se antes o letramento ocorria por meio de livros
impressos, imagens estáticas e pelo texto escrito, os jovens
estudantes do século XXI tem acesso a hipermídias, redes sociais e
variadas informações disponíveis na internet. Cabe a ele fazer
associações e interpretações a partir do seu próprio ato independente
de leitura. Desta forma, o ensino de história pode se tornar mais
amplo e dinâmico se pensado e planejado a partir do ciberespaço.

Neste sentido, a pesquisa do Mestrado Profissional em Ensino de


História intitulada ―Narrativas sobre a Diáspora Africana no Ensino de
História: trajetórias das populações de origem africana em
Desterro/SC no século XIX‖, apresenta como proposta pedagógica um
site interativo no qual professores e alunos possam caminhar pelas
redes de relações construídas por estes sujeitos do passado e
identificar suas experiências. No entanto, o caminho a ser percorrido
dependerá do usuário que está na frente do computador, pois ele
poderá fazer outras conexões através da hipermídia ali estabelecida.
Imerso nas possibilidades de construção de narrativa e conexão com
outras informações que o site apresenta, o usuário poderá aprender
história por meio da associação de diferentes mídias e dar significado
as experiências dos sujeitos da temática em foco.

Referências
Carolina Corbellini Rovaris é professora da Educação Básica em
Lages/SC e discente do Programa de Mestrado Profissional em Ensino
de História – ProfHistória, pela Universidade do Estado de Santa
Catarina – UDESC.

Inventário de Augusto, Africano Livre, 1861, Desterro, Capital da


Província de Santa Catarina.

RUSEN, Jorn. Razão histórica: teoria da história. Brasília: Editora


Universidade de Brasília, 2001.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do


leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.
__________________. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura
e na educação. São Paulo: Paulus, 2013.

SERRES, Michel. Polegarzinha. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

84
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Perspectivas da consciência histórica e
da aprendizagem histórica em narrativas de jovens brasileiros.
Revista Tempos Históricos. Volume 12, 1º semestre, 2008, p. 81-96.
____________. Cognição histórica situada: que aprendizagem
histórica é esta? In: XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA –
ANPUH, Fortaleza: 2009. Anais eletrônicos: Disponível em:
<http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/ANPUH.S25.pdf>

OTTO, Clarícia. História(s) nos anos iniciais da educação básica:


experiência, memória e narrativa. In: SILVA, Cristiani Bereta da;
ZAMBONI, Ernesta (orgs). Ensino de História, memória e culturas.
Curitiba: Editora CRV, 2013, p. 169-190.

85
A HISTÓRIA EM QUADRINHOS COMO RECURSO DIDÁTICO NA
ESCRITA DIDÁTICA REGIONAL
Davison Hugo Rocha Alves

As Histórias em Quadrinhos estão relacionadas ao universo da ficção


estão ligados ao apelo e ao cômico, como salienta Catelli Junior
(2009), no entanto, podendo ser considerada uma linguagem para
compreender determinado processo histórico, elas são fruto da
renovação historiográfica ocorrida no final do século XX, que
apresentou ao conhecimento histórico novas abordagens, objetos e
problemas diante da chamada Nova História que foi um movimento
historiográfico francês. A perspectiva de ensino de história chegou ao
espaço escolar por meio da ―Lei de Diretrizes e Bases da Educação‖ e
dos ―Parâmetros Curriculares Nacionais de História‖ que
impulsionaram o uso das HQs em sala de aula.

Segundo Douglas Lima (2017) os últimos anos têm sido marcados


pela ampliação da presença das HQs no ambiente escolar, este artigo
ao dialogar com esta perspectiva apresenta a utilização de histórias
em quadrinhos como parte da estrutura narrativa de um livro sobre a
região amazônica produzida no estado do Pará. As Histórias em
quadrinhos assumem um papel educativo que auxiliam o professor na
transmissão de conteúdos, elas não podem ser vistas como
entretenimento destinada ao público infantil, mas como possibilidade
de leitura do passado a ser usado em sala de aula. Apresentando as
potencialidades que as HQs possuem para o processo de ensino-
aprendizagem podemos inferir que:

―aumentam a motivação dos estudantes para o conteúdo das aulas,


aguçando a curiosidade e desafiando o senso crítico; elas fazem a
interligação do texto com a imagem, presente nas HQs, ela amplia a
compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos
códigos, isoladamente teria dificuldades para atingir (...). Os
quadrinhos auxiliam no desenvolvimento da leitura; os quadrinhos
enriquecem o vocabulário dos estudantes.‖
[LIMA, 2017, 152]

Queremos refletir sobre o papel e a abordagem que as HQs


apresentam sobre a região amazônica a partir de uma produção
didática lançada no estado do Pará. O uso dos quadrinhos como
ferramenta de ensino-aprendizagem sendo intercalado dentro de
cada unidade que compõe este material didático apresenta-se como
um atrativo para que o aluno compreenda o conhecimento histórico
escolar e a região amazônica, haja vista que os alunos possuem uma
representação das aulas de História, de que para estudar História

86
basta decorar datas e fatos ou responder questionários, de que não
precisa ser problematizado no espaço escolar. Uma marca do ensino
de História durante o século XX.

A escrita didática de um livro didático regional e as HQs


No início do século XXI surgiram diversos livros didáticos regionais no
estado do Pará fruto da existência de uma disciplina regional criada
em 1997 pelo Conselho Estadual de Educação (CEE-PA) e chancelada
pelo governo do Estado do Pará que foi denominada Estudos
Amazônicos segundo Davison Alves (2016).A disciplina em questão é
considerada interdisciplinar, que pode ser ministrada por professores
dentro da área das ciências humanas, que são: professores de
História, os professores de Geografia e os professores de Sociologia
que tem a formação em Ciências Sociais.

Segundo Trindade Júnior (1999) três questões foram centrais para o


debate desta disciplina regional no estado do Pará durante os anos
1990, são elas: a) A noção de região e de Amazônia a ser abordada;
b) A relação entre o local, o nacional e o global; e c)A dimensão
multidisciplinar das questões e dos problemas a serem abordados. A
obra didática que analisaremos nesta comunicação faz parte do
momento desta disciplina regional marcado pelo domínio das editoras
privadas no estado do Pará, quando elas assumem a chancela de
produzir materiais didáticos para a disciplina Estudos Amazônicos,
ocorrendo o ―boom‖ de materiais didáticos com alcance em quase
todos os municípios deste estado, no período de 2003 a 2016, bem
como para além do estado do Pará, alcançando outros estados da
região Norte, como é o caso da produção didática produzida por uma
editora regional no estado do Pará sobre o estado do Amapá. Refiro-
me ao livro didático ―Conhecendo o Amapá‖ de autoria do
pesquisador e sociólogo ―Manoel Pinto‖ lançado em 2016 pela editora
Brasil Cultural.

Queremos por meio da escrita didática no Sul do Pará apresentar as


concepções de Estudos Amazônicos pensadas a partir da História, o
seu recorte temporal e os sujeitos que são considerados importantes
a ser lembrados no espaço escolar sobre a Amazônia, queremos
neste sentido compreender as estratégias de ensino-aprendizagem
criadas em torno do campo estudos amazônicos. Compreende-se que
existe uma ―guerra de narrativas‖ dentro do campo das ciências
humanas sobre a região amazônica pensadas a partir de dois
modelos de civilização que surgiram em momentos diferentes do
processo de interação, conquista e ocupação da região amazônica,
que são: a civilização dos rios e a civilização da estrada.

87
Os livros didáticos aqui analisados representam a ―voz‖ de uma
região do estado do Pará que é o Sul e o Sudeste do Pará
especificamente a cidade de Tucumã. O município é localizado na
microrregião de São Félix do Xingu e fica distante da capital do
estado do Pará, a cidade de Belém, a 980 km. A cidade foi habitada
durante os anos 1970 com os incentivos do governo federal de
―povoar os espaços vazios‖, a partir do projeto dos governos militares
de integrar para não entregar.O projeto Grande Carajás tornou-se a
porta de entrada para diversos migrantes para a região sul do Pará.
O município conseguiu a sua emancipação da cidade de São Felix do
Xingu a partir da lei nº 5.455 de 10 de maio de 1988, durante a
administração do governador Hélio Gueiros.

É importante situar o lugar de fala deste material didático utilizado no


sul do Pará, pois, eles representam uma historicidade e uma
determinada consciência histórica formada em uma região de
fronteira aberta do estado do Pará que se diferencia da História
construída na cidade de Belém, eles não se identificam com a cultura
e os costumes do povo paraense, eles se veem como estrangeiros
dentro deste território, constrói uma cultura política de separação que
resultou no plebiscito de 2011, quando ocorreu uma votação em todo
o território paraense para a possibilidade de criação do dois novos
estados na região Sul/Sudeste do Pará com o estado de Carajás e na
região oeste com a criação do estado de Tapajós. Nossa intenção não
é debater esta historicidade recente do estado do Pará que resultou
nessa eleição plebiscitária, mas de apresentar ―os bastidores‖ da
criação deste material didático.

Um destaque a se observar nesta produção didática regional é que


ela é uma obra coletiva, ou seja, os dois primeiros volumes o 6º e 7º
ano foi escrito pelo professor e historiador Eleildo Virgolino (2011a;
2011b), o 8º ano foi elaborado pelo professor e historiador Valdilei
Gonçalves Santos (2011) e o 9º ano é construído pela professora e
historiadora Elvira Soares de Oliveira(2011), este aspecto é
interessante, pois, dentro desta coleção didática regional apresenta-
se uma dicotomia, enquanto os dois primeiros volumes colocam em
evidência a História da Amazônia, os dois últimos volumes ressaltam
os Estudos Amazônicos como sua perspectiva. Como se elas não
dialogassem com os outros anos a priori dentro da estrutura deste
livro didático, mas que reforçam a perspectiva de linha cronológica do
passado até o presente, uma característica dos livros de História
durante o século XX. Observando a formação de cada um dos três
professores que escrevem esta coleção didática, percebemos que a
representação da História da Amazônia dentro desta coleção didática
fica próxima de uma perspectiva histórica, que acaba deixando em
segundo plano a interdisciplinaridade.

88
O professor e historiador Eleildo Virgolino coordenou a coleção
didática objeto de análise desta comunicação, ele apresenta em um
vídeo publicado no Youtube na época da eleição plebiscitária de 2011
apresentando o seu posicionamento, ele foi a favor da criação do
estado de Carajás. Em determinado momento desta campanha
publicitária ele nos diz que ―a referência como pessoas do sul e
sudeste do Pará, eles tratam muito mais com alguns estados da
região nordeste, com a região centro-oeste, do que com o próprio
estado-mãe com a capital Belém‖, mas ele não destaca que esta
região fora fruto de diversas migrações resultado das políticas de
desenvolvimento dos governos militares para a região amazônicos
desde os anos 1960.

Percebemos a intencionalidade de perpassar pela disciplina Estudos


Amazônicos a questão recente que fora o debate sobre a criação do
estado de Carajás, bem como realçar a ausência do governo do
estado do Pará nas cidades que compõe a região sul e sudeste do
Pará, quando utiliza neste pequeno vídeo a seguinte metáfora ―o
estado do Pará é muito grande, é aquela história do cobertor, na hora
que cobre um, descobre o outro, então, está se fazendo a educação
em Belém está se deixando a desejar na região sul e sudeste‖, ele
fala sobre a divisão do Estado do Pará e destaca por que será viável a
criação do estado do Carajás para esta determinada região do
Estado.

O livro História da Amazônia coordenado pelo professor Eleildo


Virgolino surgiu da falta de material didático para a disciplina Estudos
Amazônicos, ele no pequeno vídeo destaca que ―apesar de ter uma
disciplina que é vista em 143 municípios do Estado do Pará não se
tem material didático para se trabalhar em sala‖. A História da
Amazônia foi segmentado em duas partes, que são: o período
colonial eo período imperial e a República Velha na Amazônia. A
continuação desta obra didática com a denominação de Estudos
Amazônicos apresenta a continuação da historicidade da região,
quando em seus dois volumes respectivamente eles ressaltam no
capa do livro ―Estudos Amazônicos: Amazônia Contemporânea‖ e
―Estudos Amazônicos: Os grandes Projetos‖.

Segundo Didier Moraes (2010) os livros didáticos apresentam em sua


capa intencionalidades do autor, como se fossem a porta de entrada
para determinada obra, elas apresentam indícios que nos ajudam a
problematizar qual (quais) o (s) aspecto (s) que aquele determinado
livro didático regional elege como central a ser debatido. São os
chamados objetos motivacionais que se expressam na capa, aquilo
que o leitor terá como primeiro contato por meio do design.

89
A capa dos livros didáticos apresentam aspectos peculiares de
determinados estado da região amazônica, como na referida capa do
6º ano referente ao período colonial, temos como destaque: o estado
de Roraima sendo representado por um índio, o festival de Parintins
no estado do Amazonas, o Chico Mendes como referência ecológica
no estado do Acre, a questão da construção da estrada de ferro
Madeira-Mamoré no estado de Rondônia, uma onça no estado do
Mato Grosso, uma representação cultural do Tocantins que é a
cavalhada, uma representação cultural do estado do Pará que é o
carimbó,um remanescente de quilombola no estado do Amapá e o
estado do Maranhão representado pelo Palácio dos Leões. Ao fundo
temos a vitória-régia e o caboclo amazônida remando. Um livro
didático que possui 11 capítulos, que engloba desde a Amazônia pré-
colonial até a chegada da família real ao Brasil no processo pré-
independência.

Fig.1
(VIRGULINO, 2011a).

90
Apesar do título da capa ressaltar que o volume apresentado ao 6º
ano será destinado aos alunos desta etapa de ensino, e que se
concentrará em apresentar o período colonial da História da
Amazônia, percebemos que ele apresenta alguns eventos da História
recente desta região brasileira como a figura do personagem Chico
Mendes e a estrada de ferro Madeira-Mamoré, o que não fora
aprofundada nesta narrativa observando os seus capítulos. Por outro
lado, ele ressalta outros aspectos como os povos indígenas e a vinda
da sociedade judaica para a Amazônia colonial, o que amplia os
horizontes de perspectiva da História da Amazônia, que não se limita
a História política centrada nos eventos a partir da cidade de Belém.

O professor Eleildo Virgolino (2011)constrói a sua perspectiva de


Estudos Amazônicos para se contrapor a uma narrativa didática
propriamente estabelecida na cidade de Belém que possui uma forte
ligação com a civilização dos rios, ele não coloca em evidência a
relação homem-sociedade-meio ambiente na capa deste primeiro
volume de sua coleção didática, percebemos que ela fica
secundarizada, o que fica presente quando observamos o sumário
desta coleção. Ele tem como perspectiva compreender a região
amazônica a partir do conceito de Amazônia Legal. Um conceito
político que compreende cerca de 59% do território brasileiro, e que
onde vivem cerca de 250 mil pessoas e diversas sociedades
indígenas.

Queremos ressaltar que a capa deste referido material didático


apresenta uma aproximação com os conhecimentos geográficos, um
dos aspectos pelo qual perpassa a interdisciplinaridade dentro da
disciplina Estudos Amazônicos. O livro utiliza-se de recursos didáticos
como a História em quadrinhos em diversos momentos para destacar
aspectos da sociedade amazônica, como a lenda do Sol (p. 12-13), a
lenda da lua (p. 14-15), a chegada dos europeus (p. 20), a ocupação
francesa no século XVII (p.25-26), A história da maldição de
Cunhambebe (p. 27-30), a conquista do Maranhão no século XVII (p.
36-38), a política na Europa influenciado a colonização da Amazônia
(p.45), os aldeamentos (p.49-50), Os índios Mura (p.57-58), a
revolta de Beckman no estado do Maranhão (p.65-67), os índios
Manáos no estado do Amazonas (p.73), o período de Marques de
Pombal (p.81), o tratado de Madri assinado durante o século XVII
(p.88), os judeus na Amazônia colonial (p.96), Dom João e a
conquista francesa durante o século XVIII (p.109-110).

O volume do 7º ano possui como título o período Imperial e a


República Velha, e como destaque tem-se um globo a frente
apresentando aspectos da sociedade amazônica, como: a extração da
madeira, animais (como a onça pintada, o tucano, o mico leão-

91
dourado, o papagaio, peixes e o boi), plantas sendo representadas
pela vitória-régia, o açaí, o indígena e o caboclo amazônida. Na
imagem de fundo temos a floresta amazônica entrecortada por um de
seus rios. Um material didático que possui 10 capítulos, e que
engloba os períodos compreendidos entre 1822 a 1936.

Fig.1
(VIRGULINO, 2011b)

O volume apresenta também durante os temas tratados dentro do


material didático pequenas diálogos em Histórias em Quadrinhos,
para realçar os acontecimentos ocorridos na região amazônica, como:
a adesão do Pará a independência (p.13-14), a Cabanagem (21-22),
a navegação pela região amazônica (p.30-32), Chico Mendes e a
preservação da floresta amazônica (p.40-42), a incorporação do Acre
ao território brasileiro (p. 50-51),a estrada de ferro Madeira-Mamoré
(p.63-64), o período da Belle Époque amazônica (p.74), a imigração
japonesa (p.83-86), os italianos na Amazônia (94-96) e a expedição
de alemães na Amazônia (p.105-106).

92
Segundo Marco Vilela (2016) o uso das histórias em quadrinhos pode
ser considerado como ponto de partida para discutir determinados
conceitos importantes dentro da aula de História, ele é um elemento
facilitador da aprendizagem, que chama a atenção dos alunos
realçando determinado aspecto dentro daquele capítulo que
apresenta a interconexão de imagens e pequenos textos.

Fig.2
(VIRGOLINO, 2011a)

As HQs permitem dar espaço a fala de grupos sociais subalternos


(índios e negros) dentro da narrativa didática produzida por Virgolino
(2011), bem como apresentar eventos e a experiência de
determinadas imigrações para a região amazônica em diversos
contextos históricos. Incorporando novos sujeitos dentro da narrativa
didática, os professores que escrevem livros didáticos possuem um
olhar específico sobre o passado, sobre o que se quer ressaltar dentro
das aulas de Estudos Amazônicos, ele faz uma tradição seletiva para
apresentar uma leitura do passado que não se limite aos documentos
oficiais ou temas clássicos da historiografia amazônica.

As narrativas de grupos sociais que visitaram a região amazônica ou


estabelecerem-se nela possuem destaque dentro da narrativa de
Virgolino. Vemos que o autor tenta sensibilizar os alunos para a

93
importância dos indígenas para a História da Amazônia, por exemplo,
a história dos índios Manáos contanto a criação da província do
Amazonas. O autor utiliza a estratégia de ensino-aprendizagem da
História em Quadrinhos como síntese do contato entre os
portugueses e os índios Manáos no território amazonense, uma forma
de ―chamar a atenção‖, ou seja, tornar a narrativa didática mais
atraente para o aluno.

A disciplina Estudos Amazônicos não possui um currículo chancelado


pela Secretaria Estadual de Educação do Pará, os livros didáticos
regionais produzidos por editoras privadas neste início do século XXI
acabam sendo considerados o currículo posto em prática. As histórias
em quadrinhos assumem um papel pedagógico importante dentro da
narrativa amazônica de Virgolino (2011), pois, elas dialogam com o
texto principal e convidam o aluno a fixar o conteúdo de forma
prazerosa.

Queremos como este texto sensibilizar o professor e o aluno a ter a


história em quadrinhos como uma ferramenta pedagógica dentro das
aulas de Estudos Amazônicos capaz de promover a leitura e o
conhecimento histórico que este tipo de narrativa ficcional propicia
para as aulas, afim de que o professor não fique ―preso‖ a datas,
fatos ou personagens da História da Amazônia.

Referências
Davison Alves é professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste
do Pará (Unifesspa), e mestre em História Social pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

ALVES, D. Contando a História do Pará: A disciplina Estudos


Amazônicos e seus livros didáticos (1990-2000). Dissertação
(Mestrado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2016.

CATELLI JUNIOR, R. Temas e Linguagens da História: Ferramentas


para a sala de aula no Ensino Médio. São Paulo: Editora Scipione,
2009.

FREITAS, I. História regional para a escolarização básica no Brasil: o


livro didático em questão (2006/2009). São Cristóvão: Editora da
UFS, 2009.

LIMA, D. Histórias em quadrinhos e ensino de História. Revista


História Hoje, vol.6, nº 11, p. 147-171, 2017.

94
MORAES, D. Visualidade do livro didático no Brasil: o design de capas
e sua renovação nas décadas de 1970 e 1980. Dissertação Mestrado.
Universidade de São Paulo, USP, 2010.

OLIVEIRA, E. Estudos Amazônicos: Grandes Projetos no Pará. Carajás


Editora, Tucumã, 2011.

PINTO, M. Conhecendo o Amapá: Estudos Amazônicos-Estudos


Amapaenses. Belém: editora Brasil Cultural, 2016.

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Editora, Tucumã, 2011.

TRINDADE JÚNIOR, S. Estudos Amazônicos: uma proposta de


discussão para o ensino fundamental. Encontro Nacional de Ensino de
Geografia, Curitiba. Resumos. Curitiba: Associação dos Geógrafos
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VILELA, M. Os quadrinhos nas aulas de História. In: Rama, Ângela;


Vergueiro, V. (org.). Como usar as histórias em quadrinhos em sala
de aula. São Paulo. Editora Contexto, 2014, p. 105-129.
VIRGOLINO, E. CARAJÁS-JÁ, Prof. Eleildo Virgolino, Tucumã-PA, in
https://www.youtube.com/watch?v=8_lcEeqGtdo

VIRGOLINO, E. Livro História da Amazônia, Professor Eleildo


Virgolino, in https://www.youtube.com/watch?v=fhr-SAZCQSA

VIRGULINO, E. História da Amazônia: período colonial, 6º ano.Editora


EVE. Tucumã, 2011a.

VIRGULINO, E. História da Amazônia: período Imperial eRepública


Velha, 7º ano. Editora EVE. Tucumã, 2011b.

95
A LITERATURA DE VIAGEM COMO FONTE PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA DO PARANÁ
Diná Schmidt

A proposta deste texto é pensar possibilidades de ensino de História


do Paraná a partir da utilização da literatura de viagem como fonte.
Esta proposição emergiu da convergência entre a atuação docente
nesta disciplina, em cursos de licenciatura em História, e experiência
de pesquisa com literatura de viagem. Percebendo os desafios
colocados pelo ensino para a formação de professores de História e
as possibilidades oferecidas pela literatura de viagem, proponho que
a utilização desta fonte pode possibilitar tanto o aprendizado voltado
os conteúdos da disciplina de História do Paraná, quanto o
desenvolvimento das ferramentas teóricas e metodológicas
fundamentais para a formação de um bom historiador e professor.

Partindo dessa premissa, ao longo do texto desenvolverei, a partir de


recorte e problema específicos, caminhos e procedimentos para a
utilização da literatura de viagem como fonte para atividades que
conjuguem, em sala de aula, a pesquisa e o ensino na formação do
futuro historiador, considerando que estas instâncias não devem ser
desarticuladas, visando uma formação completa e de qualidade.

O primeiro passo a ser desenvolvido aqui, e que deve ser construído,


também, em sala de aula, é a familiarização com a literatura de
viagem. Este gênero se constituiu, desde a Antiguidade, a partir da
narrativa sobre espaços e populações considerados exóticos à
perspectiva do narrador. Nos períodos Colonialista e Imperialista,
exerceu papel fundamental na configuração e mediação das relações
de exploração e alteridade. Constituídos, em muitos casos, para a
utilização do próprio viajante ou dos patrocinadores da viagem,
diários e relatórios mantidos ao longo das expedições comumente
vieram a tornar-se públicos, destinados a grandes comunidades de
leitores. Em outras situações, que se tornaram muito comuns nos
séculos XVIII e XIX, as expedições e registros feitos a partir delas já
tinham como um dos objetivos originais produzir relatos que fossem
capazes de apresentar ao público os espaços visitados, sua natureza
e seus habitantes, em alguns casos até mesmo as oportunidades de
ocupação e exploração destes lugares, incentivando migrações
colonizatórias. (ROSSATO, 2007)

A partir da Modernidade, tais expedições e seus escritos resultantes


foram, principalmente, produtos de incursões europeias na Ásia, na
África e nas Américas. Em relação a América do Sul, o auge de
produção e divulgação desse gênero foi o século XIX:

96
‗‗... a onda de viajantes na América do sul foi principalmente de
britânicos que, em sua maioria, viajaram a escreveram como
batedores avançados do capital europeu. Engenheiros,
mineralogistas, criadores de gado, agrônomos, bem como militares –
esses viajantes do século XIX eram frequentemente enviados para o
novo continente por companhias de investidores europeus, como
especialistas à procura de recursos exploráveis, contatos e contratos
com as elites locais, informações sobre possíveis associações,
condições de trabalho, transporte, mercados potenciais e assim por
diante.‘‘ (PRATT, 1999, 252-3)

Como pode ser percebido a partir da afirmação de Pratt, foi


fundamental a importância da literatura de viagem na configuração
das interações desiguais e exploratórias entre a Europa e os demais
continentes, em particular a América do Sul. Corolariamente, pode-se
afirmar sua importância documental para o estudo dessas relações,
que serão articuladas com o escopo da disciplina de História do
Paraná a partir do recorte e do problema investigativo que serão
estabelecidos a seguir.

O segundo passo sugerido diz respeito ao estabelecimento do recorte


(temporal e geográfico) e do problema que conduzirá a atividade
proposta. Recorte e problema serão discutidos conjuntamente em
função do fundamental embricamento existente entre esses
elementos. Como didaticamente apontado por Barros (2012), a
definição do recorte deve ser feita em correspondência com as
demandas colocadas pelo problema a ser investigado, ignorando ou
extrapolando, em muitos casos, balizas temporais e geográficas
tradicionalmente definidas, seja pela própria historiografia ou por
marcos políticos e memorialistas.

Para os propósitos deste texto, proponho a análise do relato de


viagem produzido por Thomas Bigg-Wither, engenheiro ferroviário
inglês, que veio ao Brasil como membro de uma expedição, também
inglesa, a Paraná and Mato Grosso Survey Expedition, incumbida de
avaliar o território paranaense para a possível construção de uma
ferrovia. Sua permanência se estendeu de junho de 1872 a abril de
1875 e seu percurso contemplou o litoral, com as vilas de Paranaguá
e Antonina, as cidades de Curitiba, Palmeira, Ponta Grossa e as
Colônias Thereza e Assungui, regiões localizadas nos vales dos rios
Ribeira, Tibagi e Ivaí. Considerando que esses marcos geográficos
correspondem ao período de realização da expedição e de escrita do
relato, seria produtivo que o professor fizesse, em conjunto com seus
alunos, um exercício de correspondência com os marcos atuais,
facilitando a compreensão do território abordado.

97
Como problema condutor para o trabalho com a fonte, proponho
analisar como Bigg-Wither constrói, através de sua narrativa, uma
representação do espaço paranaense, estabelecendo uma escala de
valoração para esse espaço a partir da atribuição de determinadas
características, da indicação de supostas ausências e da proposição
de possíveis modificações e inserções. Elementos que permitem, em
última consequência, refletir sobre possíveis projetos colocados pelo
próprio viajante, assim como por seus empregadores e
patrocinadores.

Para que tal empreendimento seja possível, volto à complexidade da


definição do recorte. Não bastaria aqui, restringir a análise aos limites
temporais e geográficos da expedição ou da província paranaense. É
fundamental que seja analisada a conjuntura de inserção no
capitalismo imperialista da segunda metade do século XIX, assim
como a inserção do território em questão nas relações entre o
imperialismo britânico e a América do Sul, como já indicou Pratt.

A importância dessa inserção mais ampla em relação ao recorte é


ressaltada pelas próprias demandas teóricas e metodológicas ao se
trabalhar com a literatura de viagem, sendo essa a próxima parada
desse texto. A partir dos anos 1970, a historiografia passou a abordar
a literatura de viagem com um olhar mais crítico do que aquele até
então empregado. Muitos dos chamados intérpretes do Brasil, como
Gilberto Freyre, usavam há muito os testemunhos de viajantes como
fonte para seus trabalhos, mas sempre os tomando como fonte de
informações e juízos acurados sobre a realidade descrita. Segundo
Rossato:

‗‗Durante muito tempo postulou-se o caráter insuspeito e a isenção


dos viajantes, o que desobrigava o historiador de contextualizar os
relatos de viagem. Buscar a historicidade dos relatos é, no
entanto, a forma de compreender como eles produzem sentidos [...].
Os textos, e entre eles os relatos de viajantes, têm que ser
apreendidos em suas significações e interpretados através do
conhecimento de suas determinações fundamentais e nas práticas
que os produziam [...].‘‘ (ROSSATO, 2007, p.22)

A partir dessa chave de interpretação, trabalhar com a literatura de


viagem é um exercício constante de contextualização do viajante e de
seu relato dentro da temporalidade a que pertencem, buscando
identificar os complexos elementos que produziram, historicamente,
narrador e narrativa, assim como compreender que a própria
narrativa também passa a ser produtora daquela mesma
temporalidade. Para dar mais corpo a esse pressuposto fundamental,

98
coloco-o em prática nas páginas seguintes, considerando que este
exercício corresponda ao desenvolvimento da atividade de análise da
fonte, em sala de aula.

O lugar histórico de onde fala Bigg-Wither é marcado pelo contexto


social e econômico inglês da segunda metade do século XIX. A
observação de algumas características deste momento da história da
Inglaterra aponta elementos que ajudam a explicar o projeto de
construção de uma ferrovia no interior de um país como o Brasil. Da
mesma forma que ajudam a compreender as proposições feitas por
Bigg-Wither acerca do espaço paranaense.

A segunda metade do século XIX caracterizou-se pela consolidação


da revolução industrial, pela disciplinarização intensa do trabalho e
expansão dos domínios do mercado inglês, para outros continentes,
por meio do Imperialismo. O Novo caminho no Brasil Meridional –
título do relato de Bigg-Wither- apresenta-se permeado por
elementos de interpretação de mundo pautados nos princípios que
regiam esse momento de efervescência do capitalismo inglês.

A consolidação capitalista inglesa foi profundamente marcada pela


construção de ferrovias. Seu processo de construção movimentava
celeremente a indústria siderúrgica, proporcionava um grande
número de postos de trabalho, agilizava o transporte de matéria
prima e de produtos industrializados, elementos estes que
dinamizavam a economia e possibilitavam parte de seu grande
crescimento nessa época. A grande indústria siderúrgica inglesa
sustentava-se sobretudo sobre o ritmo intenso de construção das
ferrovias, após 1850 a malha ferroviária da Inglaterra estava
basicamente concluída e era necessário encontrar novos mercados
consumidores.

‗‗Utilizando-se então do monopólio sobre o comércio marítimo,


estabelecido a partir da segunda metade do século XVIII, a Grã-
Bretanha começou a se colocar como a ―benfeitora‖ de países
subdesenvolvidos, incutindo-lhes a ideia de ―progresso‖ e fazendo
com que consumissem produtos industrializados (o que inclui as
ferrovias e todo seu aparato), conseguindo assim os novos mercados
que salvaram sua indústria siderúrgica.‘‘ (FINGER,2008, p.2)

Os acordos feitos com outros países englobavam matéria prima para


a própria ferrovia, para as construções correlatas a ela, mão de obra
especializada como técnicos e engenheiros. Além dos benefícios da
construção, a instalação de ferrovias tornaria mais rápido e eficiente
o transporte de pessoas e mercadorias, o que facilitaria à Inglaterra

99
comprar matérias primas que viessem do interior desses países, e
também mandar para lá seus produtos industrializados.

O Brasil era um dos países receptivos à proposta inglesa, buscava


nessa época a modernização e integração do seu território, e a
ferrovia era vista com bons olhos para esses fins. Muitos engenheiros
brasileiros falavam da necessidade de implementar no Brasil,
inclusive nas regiões mais distantes, um sistema eficiente de
transporte, que fosse capaz de interligar e dinamizar a economia do
país, estimular o povoamento incitando a imigração, promovendo
assim sua integração e desenvolvimento. Os sistemas de transporte
preferidos eram a navegação fluvial e principalmente a ferrovia:

‗‗O advento da era ferroviária, tanto no Brasil quanto em outros


países do mundo, e, principalmente, o reconhecimento dos enormes
impactos desenvolvimentistas das ferrovias nos países de colonização
recente, como os Estado Unidos da América, fizeram com que esta
modalidade de transporte passasse a receber prioridade dos
engenheiros de transporte, de sorte que todos os planos
apresentados entre o período de 1870 até 1930 foram
essencialmente ferroviários.‘‘ (RODRIGUES, 2005, p.6, grifo do
autor)

É dentro desse contexto de relações entre Brasil e Inglaterra que


Bigg-Wither vem ao Brasil na condição de membro de uma comissão
encarregada de investigar o espaço paranaense sobre as
possibilidades de construção de uma ferrovia. Por meio de sua
narrativa, Bigg-Wither busca construir um quadro que pudesse ser
capaz de definir esse espaço com o qual se deparava, um espaço que
ainda não fora organizado pela lógica do olhar ocidental. Um olhar
que

‗‗...não descansa sobre a paisagem contínua de um espaço


inteiramente articulado, mas se enreda nos interstícios de extensões
descontínuas, desconcertadas pelo estranhamento. Aqui o olho
defronta constantemente limites, lacunas, divisões e alteridade (...) O
olhar pensa; é a visão feita interrogação.‘‘ Grifo meu. (CARDOSO,
1988, p.349)

Esse olhar que interroga, que se transforma em palavras que definem


esse espaço que se descortina a cada nova trilha aberta na mata, é
determinado por lentes construídas em terras além-mar, terras
inglesas de um século XIX marcado pelo positivismo, pelo darwinismo
e pelo imperialismo, um conjunto de ideias e práticas que definem o
que seja o ser-humano e a civilização, de quem pertenceria ou não a
essas categorias.

100
Esse espaço é apresentado em uma diversidade de sentidos, ele é
exuberante, com sua natureza farta, mas é também selvagem e
inóspito ao seu visitante, como pode ser percebido nos fragmentos a
seguir, que foram escritos durante a estadia da expedição em meio a
mata:

‗‗A magnificência da flora de uma floresta tropical brasileira tem sido


descrita, repetidas vezes, tanto nas obras de ficção como nas de
viagem. Mas todas as descrições que tenho lido são pobres
comparadas com a realidade...‘‘ (BIGG-WITHER,1974, p.254)

‗‗Cansaria certamente o leitor se relatasse uma décima parte das


misérias e privações que sofremos, principalmente causadas pelas
dolorosas inflamações que consumiam os nossos membros e pela
praga incessante dos mosquitos. Não fora isso, o clima destas
florestas, conquanto elas fossem verdadeira estufa de calor
e umidade, é essencialmente saudável, sem que nenhum europeu
teria resistido aos tormentos por tantas semanas, durante as quais
nós mesmos fomos obrigados a passar.‘‘ (Ibidem, p.215)

Percebe-se uma representação do espaço que se caracteriza


fortemente pela atribuição de características relacionadas a presença
avassaladora da natureza, seja por sua exuberância ou por seus
perigos e desconfortos. Natureza esta, que no contexto em questão,
era vista em oposição ao ser humano, ao progresso e a civilização,
aquela deveria ser substituída por estes.

Ao narrar suas impressões, Bigg-Wither transforma a exuberância da


natureza e as ameaças desse universo selvagem em faces de uma
mesma moeda, a da incivilidade, em contraponto com o universo
europeu, que já havia mesclado, ou mesmo substituído, suas selvas e
belezas naturais com as belezas das cidades.

São essas cidades, e as pessoas que viviam nelas, que eram


consideradas os arautos privilegiados da civilização. Se as cidades
europeias abrigavam a civilização, o mesmo não parece ser
verdadeiro aos olhos do viajante quando se trata de Curitiba. Ao se
referir a Curitiba o viajante deixa claro quais são os parâmetros de
avaliação utilizados, uma cidade para merecer de forma inconteste o
recebimento desse nome deveria seguir o modelo das cidades
industrializadas da Inglaterra:

‗‗A falta de altas agulhas de torres ou edifícios altos ou mesmo das


usuais chaminés dá a Curitiba, vista de longe, aspecto muito
diferente do de uma cidade inglesa. Quase se podia classificá-la de
aglomerado de tendas e cabanas, formando o campo de um exército

101
na expectativa de receber ordens de partir para outra localidade. O
costume, quase universal, de pintar as casas de branco fortalece esta
semelhança.‘‘ (Ibidem, p.79)

Se ser civilizado estava diretamente ligado com ser urbano, a


ausência de cidades que merecessem ser assim chamadas, de acordo
com seu julgamento, implica na afirmação de que ele havia, em suas
próprias palavras, ―... viajado e perambulado por muitos anos em
terras incivilizadas...‖. Aqui observamos, portanto, a definição do
espaço por meio de ausências. A inexistência de determinados
elementos, que considerava essenciais à civilidade, é utilizada como
critério para definir, pejorativamente, o espaço paranaense.

Ao mergulhar cada vez mais no interior da província, e se ver cada


vez mais distante até das pequenas vilas e acampamentos de
tropeiros, o ―campo de exército‖ que fora Curitiba ao conhecê-la
muda de sentido. Comparada com as matas e invernadas, a capital
da Província ganha outro status: ‗‗naturalmente estava habituado aos
costumes sertanejos, embora tivesse passado a parte principal de sua
juventude na atmosfera civilizada de Curitiba‘‘ (Ibidem, p.174, grifo
meu.)

Contrapondo os dois trechos percebe-se a contradição da fala do


viajante, no primeiro momento fala da cidade de Curitiba tendo como
ponto de referência as cidades inglesas, marcadas pelas indústrias
cuspidoras de fuligem e por altos edifícios cimentados. Nesse
contraponto, Curitiba é uma aldeia, um acampamento com suas
casas caiadas de branco.

No segundo momento, o autor fala a partir de um lugar diferenciado,


encontra-se em meio aos campos e matas paranaenses, onde os
sinais mais próximos de ocupação do espaço são grandes fazendas de
gado que abrigam meia dúzia de pessoas, e que só se encontram a
distância de algumas milhas uma da outra. É o lugar onde as famílias
moram em cabanas de chão batido e não utilizam a tinta para
caiarem suas casas de branco. Nesta relação, Curitiba ganha status
de civilizada. O aprofundamento da presença da natureza selvagem e
da ausência de elementos que considera urbanos e civilizados mudam
a forma como matiza o espaço em sua narrativa.

Para designar o conjunto do espaço visitado com uma noção que


fosse capaz de abarcar tanto a presença da natureza selvagem,
quanto a ausência da urbanidade industrial, Bigg-Wither vai nomear
essa porção de terra visitada de ―sertão‖:

102
‗‗Por entre a trovoada, os relâmpagos e a forte chuva tropical,
passamos todos uma noite confortável, protegidos dos elementos,
num abrigo construído por nossas próprias mãos e com comida e
bebida em abundância. E isso que constitui a felicidade nos sertões
do Brasil.‘‘ (Ibidem, p.219, grifo meu)

A noção de sertão incorporada por Bigg-Wither em seu relato não era


em nada inédita na literatura acerca do Brasil e seus interiores. Já no
início do século em questão este termo era usado por outros
viajantes para designar espaços ainda não povoados pelo homem
branco. (Cf. AMADO, 1997)

Ainda de acordo com a mesma autora, a definição de um espaço


como sertão não se dá gratuitamente, mas em oposição a outro
lugar, que seja ―...o ponto de observação, a localização onde se
encontra o enunciante ao emitir o conceito.‖ (Ibidem, p.148) Assim, a
localização de Bigg-Wither, não necessariamente geográfica, mas
cultural, define mais uma vez a oposição e a distância entre o ―sertão
paranaense‖ e a ―Europa civilizada‖.

O produto resultante da atribuição de determinadas características e


da indicação de supostas ausências, abre a possibilidade de perceber,
a contrapelo, a proposição de possíveis modificações e inserções.
Lembrando que Bigg-Wither é preposto de um projeto ferroviário e,
em maior escala, representante do projeto imperialista britânico, é
possível perceber como sua narrativa cria um espaço paranaense
aberto à intervenção, um vazio à espera do progresso e da civilização
que podem ser proporcionados por aqueles a quem o engenheiro-
viajante representa. Assim, voltamos à afirmação de que a narrativa
é produto, mas também produtora da temporalidade a que pertence.
O relato de viagem escrito por Bigg-Wither é fruto do
empreendimento imperialista britânico, mas é também ferramenta
ativa na construção desse empreendimento.

Feito este breve exercício analítico da fonte, espero ter sido possível
demonstrar um de muitos caminhos possíveis para a utilização da
literatura de viagem como fonte para o ensino de História do Paraná.
Concebendo essa disciplina como mais do que um recorte menor em
relação a História do Brasil ou do que um inventário de amenidades
relacionadas a um contexto mais próximo e, portanto, mais
provocativo aos alunos, forma como muitas vezes histórias regionais
são vistas nas universidades e nas escolas. Em abordagens como
esta, articulando diferentes escalas para construir recortes que
respondem a solução de problemas investigativos, é possível
enriquecer a formação dos alunos, passando da reprodução de
conteúdo à produção de conhecimento.

103
Referências
Diná Schmidt é mestra em História pelo PPGH da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, tendo lecionado na Universidade
Estadual do Centro-Oeste e na Universidade Tecnológica Federal do
Paraná.

AMADO. J. Região, sertão, nação. Estudos Históricos, n. 15, 1997.

BARROS, J. de A. Projeto de pesquisa em história. Petrópolis: Vozes,


2012.

BIGG-WHITER, T. P. Novo caminho no Brasil meridional: a


província do Paraná. Três anos em suas florestas e campos
1872/1875. Rio de Janeiro: José Olympio; Curitiba: UFPR, 1974.

CARDOSO, J. A. Atlas Históricos do Paraná. Curitiba: Livraria do


Chain, 1986.

FINGER, A. Conjunto ferroviário de Paranacicaba – uma herança


inglesa na Serra do Mar. In:
http://sites,google.com/site/coloquiohh08.

PRATT, M. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação.


Bauru: EDUSC, 1999.

RODRIGUES, J. Os meios de transporte e a modernização:


rodoviarismo e desenvolvimento. In:
www.prp.ueg.br/06v1/conteudo/pesquisa/.ds_20051123_00.

ROSSATO, L. Imagens de Santa Catarina: arte e ciência na obra


do artista viajante Louis Choris. Revista Brasileira de História, n. 49,
2005.

104
CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS (EJA)
Diogo Matheus De Souza
Stela Schenato

A utilização de filmes como documento histórico e como recurso


didático vem sendo um assunto recorrente na academia nos últimos
anos, especialmente no campo do ensino de história, uma vez que
não podemos entender a história da sociedade humana, a partir do
século XX, sem conhecer o cinema por ela produzido [MEIRELLES,
2004].

Considerando a importância cinematográfica no ensino, decidimos


fazer uso da temática ―história e cinema‖durante a nossa experiência
no Estágio Curricular Supervisionado do curso de licenciatura e
bacharelado em História, pela Universidade Federal de Santa
Catarina.

O estágio nos possibilitou o contato com uma forma de ensino


diferenciada, uma vez que foi realizado na Educação de Jovens e
Adultos (EJA), no núcleo EJA Norte I, da Escola Básica Herondina
Medeiros Zeferino, localizada no Bairro Ingleses, do município de
Florianópolis/SC.

Um dos princípios da EJA de Florianópolis é o da pesquisa como


princípio educativo, buscando proporcionar o desenvolvimento da
capacidade crítica dos/as estudantes por meio da atividade de
formulação de perguntas/problemáticas e posterior pesquisa sobre
assuntos de seu interesse ou necessidade. De acordo com as
temáticas mais abordadas nas pesquisas dos estudantes, os
professores e professoras da EJA elaboram oficinas semanais
[FLORIANÓPOLIS, 2008].

Considerando a relação das oficinas com as pesquisas, procuramos


identificar abordagens alternativas para os/as estudantes realizarem
seus trabalhos, e assim, trazer para a nossa oficina. Conversando
com o grupo, percebemos que embora gostassem muito de filmes,
raramente buscavam utilizá-lo como fonte para obtenção de
conhecimento e de exercício crítico nas suas pesquisas. Daí surgiu a
ideia de apresentar os filmes como fonte histórica, discutindo e
problematizando-os.

A questão norteadora em torno da qual organizamos e


desenvolvemos a oficina constituiu-se em levar aos/as alunos/as
como a questão étnico-racial é tratada no cinema Hollywoodiano,

105
problematizando a forma como negros e negras são representados e
qual o seu espaço no mundo cinematográfico. Além de discutirmos a
presença de pessoas afrodescendentes na produção de filmes ao
longo da história do cinema em Hollywood, desde o início do século
XX até os dias atuais, procuramos fazer uma seleção de trechos de
filmes que foram lançados recentemente e que tiveram repercussão
entre a crítica especializada para serem problematizados e debatidos
na oficina com os/as estudantes. Os filmes utilizados foram ―Histórias
Cruzadas‖ (2011), ―12 Anos de Escravidão‖ (2013), ―O Mordomo da
Casa Branca‖ (2013) e ―Selma‖ (2014).

A seguir, apresentamos uma ―breve análise bibliográfica sobre


cinema, história e ensino‖, buscando avaliar o que tem se produzido
pela academia a respeito do tema, citando as principais referências e
discutindo ideias dos autores em questão. A segunda parte está
dedicada à EJA e a importância em se trabalhar com o cinema e a
história nesta modalidade de ensino, e por que se trata de uma forma
diferenciada de abordagem. Já na terceira parte, procuramos
apresentar uma proposta de reflexão com base em filmes para ser
trabalhada em sala de aula. Essas sugestões são formuladas por
intermédio da nossa oficina sobre cinema e a questão étnico-racial,
desenvolvida no estágio curricular obrigatório.

Breve análise bibliográfica sobre cinema e ensino de história


No que concerne ao uso do filme como documento dentro da sala de
aula no ensino de História, o livro de Marcos Napolitano, ―Como usar
o cinema em sala de aula”(2001), tem aparecido com frequência
como referência para as publicações sobre o assunto no Brasil. Como
o próprio nome sugere, o livro serve como um manual para aqueles
que pretendem iniciar o uso do recurso fílmico como ferramenta
educativa. Ao longo de suas páginas é possível encontrar uma série
de sugestões e propostas sobre o tema, incluindo planos de aula
divididos por disciplina.

É importante ressaltar que embora seu livro seja voltado para o uso
do cinema na educação de uma forma geral, incluindo várias
disciplinas e temas transversais, Napolitano é historiador, o que faz
com que o olhar sobre os filmes seja particular dessa área do
conhecimento, que nos interessa nesse momento. Na parte em que
desenvolve sugestões de atividades baseadas no conteúdo fílmico
para a História, são citados inúmeros filmes, tanto estrangeiros como
nacionais.

A obra de Marcos Napolitano é importante por ser seminal no que se


propõe, mas novas perspectivas sobre a temática vêm aparecendo
nos últimos anos. Rogério de Almeida em seu texto ―Cinema e

106
educação: fundamentos e perspectivas‖ (2017) faz uma crítica ao
modo como Napolitano sugere uma pedagogização do cinema. Para
esse autor, um filme não deve ser deslocado da condição de arte
cinematográfica para ser reduzido a um produto pedagógico.

―Assim instrumentalizado, o filme deixa de operar esteticamente,


deixa de ser obra de pensamento, de criação, perde sua condição de
resistência, de desnaturalização, desveste-se de seu imaginário e de
sua condição de obra de arte para servir a propósitos didático-
pedagógicos que o transformam em referente de um significado que
está em outro lugar que não o próprio filme‖ [ALMEIDA, 2017, p. 07].

O modo de tratar o cinema na educação proposto por Rogério de


Almeida vai de encontro ao que teóricos da arte como Etienne
Samain e Didi-Huberman defendem quando lidamos com as imagens.
Mais do que olhar para um filme como um mero objeto, com imagens
inanimadas e que dependem exclusivamente do espectador para
pensá-las, se sugere que o filme seja analisado como um sujeito
pensante, como algo que também fala por si, que tem vida e que se
origina de histórias, memórias, desejos, sensações de quem a produz
e também dos lugares e contextos por onde já foi exibido. As
imagens pensam [SAMAIN, 2012]. As imagens são olhadas, mas
também nos olham [DIDI-HUBERMAN, 2010].

Numerosos trabalhos vêm sendo produzidos sobre a temática do


cinema nos últimos anos, porém, algumas lacunas ainda podem ser
observadas. Ao realizarmos o estágio na EJA de Florianópolis/SC e
procurarmos referências para a elaboração da oficina, percebemos
que não existe uma bibliografia específica que trata das
particularidades do uso do cinema nesta modalidade de ensino. O
próximo subtítulo tem justamente o objetivo de adentrar neste
caminho até aqui pouco explorado por outros/as autores/as,
representando, quiçá, a nossa contribuição para os trabalhos
referentes ao cinema e o ensino de história.

O uso do cinema no ensino de história na EJA


A Educação de Jovens e Adultos (EJA) estrutura-se por meio de uma
divisão de segmentos (alfabetização 1º a 4º ano e 5º a 8º ano). Cada
núcleo possui um professor articulador e os professores das
determinadas áreas de conhecimento. Possui como princípio
educacional o modelo de ―ensino pela pesquisa‖.

O modelo pedagógico de ―ensino pela pesquisa‖ tem como objetivo


fazer com que o/a aluno/a seja agente e formador/a do
conhecimento, realizando pesquisas sobre temáticas do seu interesse,
com a orientação de um/a dos/as professores/as da EJA. Como

107
muitos dos/as alunos/as que frequentam a EJA tem histórico de
fracasso escolar com o método de ensino regular, o novo modelo
procurava incluir esses/as alunos/as colocando-os/as como centro do
processo de ensino [SOUTO, 2009].

O perfil dos alunos/as da EJA varia entre jovens que não se


adaptaram no sistema regular de ensino ou tiveram que ajudar os
pais no sustento da casa, a pessoas de mais idade, que costumam ter
o mesmo histórico, porém, se afastaram por mais tempo do ensino.
Conversando com os/as alunos/as percebemos que grande parte não
é da cidade de Florianópolis, veio do interior de Santa Catarina ou de
outro Estado para tentar a vida, sozinhos/as ou com os familiares.
Dessa forma, entram na EJA para conseguir se inserir no mercado de
trabalho ou pela vontade de concluir o ensino fundamental e dar
continuidade aos estudos no Ensino Médio. A idade predominante é
de 15 a 20 anos, poucos são os/as alunos/as que têm mais de trinta
anos [AREND, 2009].

Na metodologia da EJA, a utilização de fontes diversificadas é bem-


vinda, já que tanto alunos/as quanto professores/as têm maior
liberdade em relação ao conteúdo trabalhado. Porém, como
observamos na experiência de estágio, fontes diversificadas são
pouco exploradas tanto em sala de aula – em relação às pesquisas –
quanto nas oficinas ofertadas pelos/as professores/as. Nossa
atenção, rapidamente, se direcionou em levar para a EJA essas novas
possibilidades de se trabalhar a história em sala de aula.
Conversando com os alunos/as percebemos que um dos elementos
de divergência era em relação à experiência cinematográfica.
Alguns/mas gostavam muito de assistir filmes, já outros/as falaram
que raramente tinham tempo para se dedicar a esse tipo de lazer,
embora gostassem muito de assistir.

O trabalho com filmes torna-se especialmente útil no sentido de que


pode provocar a admiração e o interesse dos/as alunos/as pelas mais
diversas temáticas e indagações sobre a sociedade, mobilizando
referências e contribuindo para a construção de novas argumentações
históricas [SCHMIDT, CAINELLI, 2010].

A pluralidade dos/as estudantes da EJA é uma questão importante


para se considerar ao trabalhar com o uso de filmes como fonte de
pesquisa. Conseguimos perceber que entre os/as estudantes existem
indivíduos com as mais diversas experiências de vida. Há casos de
pessoas de mais idade que resolvem voltar a estudar por prazer, de
adolescentes que se tornaram pais precocemente, daqueles/as que
assumidamente já passaram por algum tipo de problema psicológico,
como o caso de mulheres que sofreram violência doméstica, e

108
também daqueles/as que precisam passar o dia trabalhando e ainda
vão para o Núcleo no horário noturno. Investigar essas experiências e
utilizar filmes que possam problematizá-las e serem objetos de
investigação é um recurso interessante tanto para o/a professor/a
como para o/a aluno/a.

Portanto, pensamos que a combinação do formato de ensino da EJA


de Florianópolis e as novas propostas do ensino de história se
complementam e precisam andar juntas para um maior
aproveitamento do ensino. A questão não é somente utilizar o cinema
como fonte histórica, mas utilizar as produções humanas que
representem a diversidade da qual a sociedade é composta, como:
música, teatro, pintura, quadrinhos, jornais, revistas, grafite,
vestígios arqueológicos, entre tantas outras fontes que produzimos
ao longo da história.

Como utilizar filmes em sala de aula na EJA: uma experiência


e proposta
Nossa intenção foi realizar um trabalho diversificando as fontes
históricas utilizadas em sala de aula. Resolvemos trabalhar com a
indústria cinematográfica, em específico a de Hollywood. Escolhemos
essa indústria cinematográfica por ter mais proximidade com os/as
alunos/as, visto que a maioria tem acesso a filmes que são
transmitidos em canais da televisão aberta.

Escolhemos trabalhar com a seguinte questão: como os negros e


negras são representados no cinema de Hollywood e como são
inseridos e representados na indústria cinematográfica ao longo da
história? Na EJA, nossa preocupação foi em relação a um tema que
fosse fazer os/as alunos/as questionarem seu próprio cotidiano. O
perfil étnico do Núcleo que trabalhamos é maioria de negros/as.
Logo, pensamos que o tema ligar-se-ia muito bem com a realidade
daquela comunidade, desconstruindo algumas imagens e
preconceitos em relação às questões étnico-raciais.

Iniciamos a oficina contextualizando sobre a história do cinema e do


racismo, principalmente nos Estados Unidos da América, lugar que
concentra uma das mais importantes indústrias cinematográficas do
mundo - Hollywood. Mostramos elementos sobre um país com o qual
os/as alunos/as tem muito contato por meio da mídia, mas que
costumam saber muito pouco sobre sua história e práticas efetivas. O
vantajoso de discutir a história do racismo, partindo da escravidão
até a segregação racial nos Estados Unidos, é que assim os/as
alunos/as ficam mais bem situados para contextualizarem os filmes
escolhidos.

109
Como elaborar uma análise fílmica com os/as alunos/as?
Primeiramente, como se trata de uma fonte visual que exprime
opinião e uma ideia formada, necessita de uma reflexão em relação a
sua produção. Um dos elementos interessantes que podem ser
analisados, falando de uma fonte visual, como os filmes, é seu ano de
produção. Assim o/a aluno/a pode identificar elementos/opiniões da
época em que foi produzido. Outro elemento é a autoria, neste caso,
quem é o/a diretor/a e o/a roteirista do filme. Cada diretor/a e
roteirista cinematográfico tem uma forma de trabalho, faz opções em
relação à filmagem, enredo, temática. Nessa análise, procuramos
verificar se o diretor/a era negro/a ou branco/a, mulher ou homem e
quais os tipos de trabalho que ele/a vem produzindo. Pensamos que
esses elementos influenciam quando estivermos analisando a
inserção e representação dos negros e negras no cinema.

Os filmes escolhidos para tratar sobre a questão étnico-racial foram


Histórias Cruzadas (Tate Taylor, 2011), 12 Anos de Escravidão (Steve
McQueen, 2013), Selma (Ava DuVernay, 2014) e O Mordomo da Casa
Branca (Lee Daniels, 2014). Três dos filmes tratam sobre o período
dos movimentos pelos direitos civis dos negros/as nos Estados
Unidos, entre as décadas de 1950 e 1970, e 12 Anos de Escravidão
conta a história de um homem negro americano que é sequestrado e
colocado na condição de escravo durante doze anos, longe de sua
família.

Como exemplo de abordagem e seleção de trechos, podemos citar o


caso do filme Histórias Cruzadas, que envolve a relação de
empregadas domésticas negras com as suas patroas brancas na
década de 1960 nos Estados Unidos. Selecionamos trechos que
evidenciam o preconceito racial nessa relação, onde uma empregada
negra, por exemplo, não pode utilizar o banheiro da patroa por
medidas de higiene. Os trechos selecionados de 12 Anos de
Escravidão dialogaram bastante com Histórias Cruzadas, uma vez que
apresentam a violência física e psicológica que a escravidão envolvia,
e podemos refletir com a turma como essa violência, de certa forma,
permaneceu mesmo depois do fim da escravidão.

Entre os assuntos discutidos, incluiu-se o Partido Panteras Negras,


que teve forte influência nos EUA até a década de 1990. A turma teve
participação ativa ao longo do debate. Alguns/algumas dos/as
estudantes também conheciam vários outros filmes que tratavam da
temática, e se interessaram em comentá-los na oficina. Houve uma
identificação da turma com o tema, e também um envolvimento no
momento da apresentação dos trechos dos filmes. Procuramos
sempre levantar elementos que as cenas traziam, demonstrando que

110
um filme não deve servir apenas de ilustração do conteúdo, mas deve
sim ser problematizado.

A análise fílmica, do conteúdo e representação das cenas, é um


momento em que nós nos tornamos mediadores e ajudamos os/as
alunos/as a fazerem suas interpretações. O/a professor/a deve fazer
perguntas que incitem o debate em sala de aula, por exemplo: O que
é realçado nessas cenas? Qual época o filme está retratando? Quais
as suas intenções? O filme procura atingir um grupo de pessoas em
particular? O filme representa a realidade? (SCHMIDT; CAINELLI,
2010). Esses são somente alguns exemplos de questionamentos
para que o debate se inicie. No caso da EJA, em que a pluralidade das
turmas costuma ser grande, é natural encontrar casos de
identificação com as determinadas pautas encontradas nos filmes.

A análise fílmica necessita ter introdução, desenvolvimento e


conclusão. Como se estivéssemos desenvolvendo uma pesquisa. A
introdução dessa proposta foi contextualizar o documento que
estávamos utilizando, trazendo informações sobre sua datação,
autor/a e críticas sobre os filmes. Foi importante apresentar ao/a
aluno/a o objetivo da aula e como será utilizado o documento em
questão. Começamos o desenvolvimento da oficina contextualizando
a temática e depois partindo para a crítica e análise fílmica.
Buscamos questionar, com o auxílio da turma, a presença dos negros
e negras nas premiações do Oscar e nos filmes comerciais. Os
questionamentos giraram em torno de: Quantos negros e negras
ganharam a premiação do Oscar desde sua criação em 1926? Em que
tipos de filmes e papéis esses atores ou atrizes ganharam
reconhecimento do seu trabalho com o Oscar? Com que frequência
vemos negros e negras serem protagonistas de filmes? Nos filmes
comerciais, com que frequência vemos negros e negras no elenco?
Esses questionamentos levaram os/as alunos/as a questionarem o
mundo cinematográfico e as representações dos filmes que foram
apresentados em sala.

Finalmente abrimos o debate para que os/as alunos/as inserissem


esses questionamentos no contexto em que vivem no seu dia-a-dia.
Essa prática pode fazer o/a aluno/a se questionar sobre os
preconceitos existentes na sociedade, ser mais crítico em relação às
mídias e que tem contato e perceber que podemos construir o
conhecimento histórico criticamente.

Considerações Finais
O estágio curricular obrigatório na EJA nos beneficiou, pois tivemos
contato com um método de ensino diferenciado, onde a pluralidade
social e cultural é uma característica latente das turmas, assim como

111
no ensino regular, e onde o cinema pode tanto servir de fonte para as
pesquisas dos/das estudantes, como um meio para visualizarem e
questionarem a sua realidade dentro da sociedade.

Na oficina desenvolvida na EJA de Florianópolis, conseguimos


trabalhar com vários filmes que tratavam da questão étnico-racial e
pudemos observar um interesse e identificação da turma.
Obviamente, alguns aspectos podem ser melhorados em experiências
futuras. Foi necessário selecionar apenas alguns trechos dos filmes,
ao invés de apresentá-los na íntegra para os/as alunos/as. A escolha
de tratar sobre quatro filmes em uma única oficina foi um risco que
corremos. Embora a experiência tenha sido positiva, consideramos
que o ideal seria diminuir este número quando o tempo de trabalho é
reduzido, para não deixar o ritmo da oficina confuso. Ainda foi
necessário escolher entre seguir o ―script‖ do planejamento para a
oficina, ou atender as observações que os/as alunos/as estavam
achando interessante.

Finalmente, com essa experiência também aprendemos, e esperamos


ter passado no artigo para os leitores, que respeito à diversidade é
um item indispensável em sala de aula. Entrar em contato com a EJA
de Florianópolis nos fez perceber que uma nova perspectiva de
educação – ensinar pela pesquisa – é possível, mesmo com
dificuldades, no ensino público. Em nossa oficina, procuramos utilizar
conceitos diversificados de história, fontes, problemáticas e
atividades, auxiliando o/a estudante a perceber que ele/a é um
agente da história.

Referências
Diogo Matheus de Souza é graduando em História na Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).

Stela Schenato é mestranda no Programa de Pós-Graduação em


História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

AREND, Silvia Maria Févero. Trajetórias das famílias dos/as


estudantes da EJA (Florianópolis, 1980-2007). In: SILVA, Cristiani B,
TORQUIST, Carmen Suzana (orgs.). Histórias e trajetórias de jovens
e adultos em busca da escolarização. Florianópolis: UDESC, 2009,
p.71-79.

ALMEIDA, Rogério. Cinema e Educação: Fundamentos e Perspectivas.


Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, 2017, p. 01-28.

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo:


Editora 34, 2010.

112
FLORIANÓPOLIS. Estrutura, Funcionamento, Fundamentação e
Prática na Educação de Jovens e Adultos (EJA) – 2008. Florianópolis:
Departamento de Educação Continuada. 2008, 60 p. Disponível em:
http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/22_02_2010_9.36.5
7.04162e08d6cd8876612adc5ada375bd5.pdf/>. Acesso no dia: 01 de
junho de 2016.

MEIRELLES, W. R. . O Cinema na História. O uso do filme como


recurso didático no ensino de história. História & Ensino (UEL),
Londrina, v. 10, 2004, p. 77-88.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São


Paulo: Contexto, 2003.

SAMAIN, Etienne (Org.). Como Pensam as Imagens. Campinas:


Editora da Unicamp, 2012.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene(orgs.). Ensinar


História: Pensamento e ação na sala de aula. São Paulo: Scipione,
2009, 160p.

SOUTO, Reina Bittencourt. A EJA na cidade de Florianópolis. In:


SILVA, Cristiani B. TORQUIST; Carmen Suzana (orgs.). Histórias e
trajetórias de jovens e adultos em busca da escolarização.
Florianópolis: UDESC, 2009, p.28-47.

Filmes
A GAROTA Dinamarquesa. Direção: Tom Hooper. Produção: Eric
Fellner. [s.l.]: Working Title Film, 2015. 119 min. DVD, Son
(legendado). Cor.

HISTÓRIAS Cruzadas. Direção: Tate Taylor. Produção: Chris


Columbus. [s.l.]: Walt Disney Studios Motion Pictures, 2011. 137
min. DVD, Son (legendado). Cor.

SELMA: Uma luta pela igualdade. Direção: Ava DuVernay. Produção:


Oprah Winfrey. [s.l.]: Paramount Pictures, 2014. 128 min. DVD, Son
(legendado). Cor.

O MORDOMO da Casa Branca. Direção: Lee Daniels. Produção: Lee


Daniels. [s.l.]: The Weinstein Company, 2013. 132 min. DVD, Son
(legendado). Cor.

12 ANOS de escravidão. Direção: Steve McQueen. Produção: Brad


Pitt. [s.l.]: Fox Pictures, 2013. 134 min. DVD, Son (legendado).Cor.

113
“CONTAR HISTÓRIAS”: REFLEXÕES SOBREO OFÍCIO DO
HISTORIADOR A PARTIR DO FILME „THE FINAL CUT‟
Edson Claiton Guedes

Introdução
O texto problematiza o papel do historiador na produção
historiográfica e no ensino da história, tendo em vista a análise das
memórias e das identidades. Que riscos enfrenta o
historiador/professor quando recorre às memórias (pessoal e
coletiva), para produzir sua análise historiográfica? A mítica noção de
que os historiadores eram guardiões da verdade revela que existe
uma lacuna entre a história construída pelos historiadores e aquela
apreendida pelos indivíduos na sociedade. A história escrita, ou seja,
a historiografia, é sempre postulada.

Por outro lado, os riscos de análises apressadas, superficiais e até


mesmo contraditórias, podem estar presente nas pesquisas
históricas. Como mitigar estas possibilidades, quando um pequeno
detalhe torna-se crucial na definição de um conceito que em última
análise, incide sobre uma questão pessoal ou coletiva, como é o caso
das identidades?

Para aprofundarmos esta temática, analisamos a obra


cinematográfica “The final cut”, traduzido no Brasil como ―Violação de
privacidade‖. Produzido pelo cineasta Omar Naim, o filme foi lançado
em 2003 nos Estados Unidos e estrelado por Robin Williams e Jim
Caviesel. Trata-se de uma obra de ficção onde os conceitos
historiográficos como: memória, identidade, recorte histórico, entre
outros, se fazem presentes na trama.

A utilização da arte como um método didático no ensino da história


foi inaugurado por John Lewis Gaddis (1941), que já havia percebido
as possibilidades interpretativas da pintura de Caspar David Friedrich
como metáfora do mapeamento do passado por parte dos
historiadores. Em sua obra, ―Paisagens da História: como os
historiadores mapeiam o passado‖, Gaddis utilizou-se das metáforas
da pintura, literatura e cinema, para levantar questões sobre como os
historiadores pensam e analisam a realidade. A conexão da história
com as artes, neste caso o cinema, expande a compreensão dos
conceitos e dos caminhos que o historiador utiliza na análise de seu
objeto.

A vida imitando a arte


O historiador, assim como o editor de memórias do filme, ao produzir
o discurso historiográfico, não é um sujeito isento, meta-histórico,

114
pois a ―subjetividade do autor‖ (CERTEAU, 1982) está sempre
presente. No filme, ao fazer o recorte da vida das pessoas, Alan
(Robin Williams) deixa na edição produzida, um pouco de si mesmo.

Para quem não conhece a obra, a sinopse do filme poderá ser útil:

―Algumas pessoas possuem em seu cérebro um implante de


memória, comprado por seus pais antes mesmo de nascerem, que
registra todos os fatos ocorridos em sua vida. Após sua morte este
implante é retirado e, com o material nele existente, é editado um
filme sobre a vida da pessoa, que é exibido em uma cerimônia
póstuma chamada Rememória. Alan Hakman (Robin Williams) é o
melhor montador de filmes para a Rememória em atividade, usando
seu talento para preparar filmes que concedam a absolvição ao morto
em relação aos erros por ele cometidos em vida. Por se dedicar ao
trabalho, Alan se torna uma pessoa distante e incapaz de viver sua
própria vida. Ele se considera uma espécie de "devorador de
pecados", acreditando que seu trabalho seja um meio de perdoar os
mortos e que, de alguma forma, este perdão também chegue para
ele próprio. Porém, quando busca por material em um implante para
a Rememória de um diretor da empresa que fabrica os chips, Alan
encontra a imagem de uma pessoa que marcou sua infância. É
quando Alan decide iniciar uma busca pela verdade sobre esta
pessoa, em uma tentativa pessoal de conseguir sua redenção por um
erro do passado‖.[www.adorocinema.com]

O filme inicia-se com uma memória de infância do personagem


principal, Alan Hakman. Alan e Louis (Liam Ranger) se aventuraram
num galpão abandonado nas vizinhanças com o intuito de brincar no
espaço. Alan desafia seu amigo a também passar por uma tábua
colocada sob um fosso. Ao aceitar o desafio, Louis acaba caindo. A
imagem do menino estirado no fundo do fosso permanecerá na
memória de Alan.Ao descer no fosso e ver o que aconteceu com seu
amigo, Alan registra a imagem que ele guardará por toda vida: o
sangue escorrido próximo ao corpo do menino. Já adulto e
profissionalmente bem sucedido na função de editor de memórias,
Alan buscará no chip implantado em seu cérebro, esta lembrança e
então, perceberá que não havia sangue, mas tinta do balde que ele
derrubou quando se aproximou do menino caído. Sua lembrança fora
afetada pelo trauma da queda de Louis, o que influenciou no
desenvolvimento de sua identidade e consequentemente, na sua
dedicação ao trabalho de um ―devorador de pecados‖ de seus
clientes.

O quanto de si o historiador deixa ao produzir um discurso histórico?


Quanta subjetividade está presente no recorte do historiador em

115
relação a determinado fato histórico? Sobre esta última pergunta,
cabe uma constatação de Le Goff no prefácio da obra de Marc Bloch
―apologia da história‖. Diz ele:

―O que Marc Bloch não aceitava em seu mestre Charles Seignobos,


principal representante desses historiadores positivistas, era iniciar o
trabalho de historiador somente com a coleta dos fatos, ao passo que
uma fase anterior essencial exige do historiador a consciência de que
o fato histórico, não é um fato ―positivo‖, mas o produto de uma
construção ativa de sua parte para transformar a fonte em
documento e, em seguida, constituir esses documentos, esses fatos
históricos, em problema‖.[Le Goff, 2001, p. 19]

Certeau (apud Reis, 2010, p. 18), numa crítica contra a pretensão da


história de ser a ―antípoda da ficção‖, demonstra que ela esconde ou
ao menos não percebe, a força organizadora do presente em sua
reconfiguração do passado. Dessa forma, ―o aparente vazio entre o
sujeito-historiador e o seu objeto‖, como afirmou Catroga(2015, p.
54), é uma ficção. O objeto, o recorte, o ofício ou a arte
historiográfica flerta constantemente, numa verdadeira ―pericorese‖
(dança) entre o historiador e seu objeto. E o ―objeto da história são
os homens‖, diz Bloch (2001, p. 54).

No filme ―The final cut‖, um crítico e militante contrário ao implante


do chip é Fletcher(Jim Caviesel). Para ele o chip ―destrói a história‖.
Além do mais, acusa o editor de ―transformar assassinos em santos‖
e de reescrever o passado em ―memórias agradáveis‖ através de seu
trabalho. Este mesmo risco corre o historiador no ato de seu ofício,
pois ao definir o recorte histórico para análise, ele pode atribuir a
esse constructo elementos ou interpretações mais comprometidas
com a sua subjetividade.

Uma atenção que o historiador deve-se ater, segundo Hobsbawm


(2013, p. 13), é ―lembrar o que os outros esquecem‖. Porém, neste
ato de lembrar, produto da escrita, entra em jogo a pessoa do
próprio historiador, ele mesmo inserido num tempo e,portanto, não
isento de suas determinações, conceitos e preconceitos. Hobsbawm
(2013, p. 15) esclarece que ―a principal tarefa do historiador não é
julgar, mas compreender [...] O que dificulta nossa compreensão, no
entanto, não são apenas nossas convicções apaixonadas, mas
também a experiência histórica que as formou‖. A busca pela
imparcialidade será sempre a tônica do trabalho historiográfico, no
entanto, essa imparcialidade precisa ser trabalhada, precisa estar
aberta a críticas. O trabalho histórico nunca é um trabalho terminado,
esta sempre em contínua reconstrução, o que é sempre um desafio,
que o historiador é convidado a revisitar. ―Por isso, há necessidade

116
de reflexão teórica, não sistemática, não dogmática, não totalitarista,
mas problematizante, descrente, histórica‖ (REIS, 2010, p. 12).

O historiador não fala sozinho, como nos lembra Certeau (1982,


p.65). Segundo ele, a história é a arte de encenação que compreende
a relação entre o lugar do discurso, os procedimentos de análise e a
construção de um texto. Portanto, a ―combinação de um lugar social,
de práticas científicas e de uma escrita‖. E toda essa operação se dá
a partir de um corte, que é a opção do historiador face a amplidão do
seu objeto. As críticas de Fletcher no filme são importantes para que
o historiador busque sempre um equilíbrio na pesquisa,não
esquecendo que o seu ponto de vista, como lembra Koselleck (2006,
p.162) também é ―condicionado pelas circunstâncias‖.

Aqui adentramos no problema da memória, ou das memórias, como


afirma Frago (apud Castanho 2010, p. 56). Memórias no plural
porque individual e cultural (coletiva). Memórias que o historiador
participa, obviamente, e que definem no mais das vezes o campo
historiográfico ao qual o pesquisador se associa. Em última análise,
aquilo que leva o historiador a se interessar mais por um
determinado campo de pesquisa do que por outro.

No filme, ao rememorar o momento em que viu que o sangue era na


verdade tinta, elemento esquecido e só acessado por meio do chip de
memória, Alan percebe que sua história pessoal, sua identidade foi
plasmada por um esquecimento, de modo que um detalhe (o balde
de tinta), teve papel fundamental na construção de sua identidade.
Desta mesma forma,

―Na experiência vivida, a memória individual é formada pela


coexistência, tensional e nem sempre pacífica, de várias memórias
(pessoais, familiares, grupais, regionais, nacionais etc.) em
permanente construção, devido à incessante mudança do presente
em passado e às alterações ocorridas no campo das re-presentações
(ou re-presentificações) do pretérito [...] Assim, contra a tese
bergsoniana da existência de uma ―memória pura‖, os dados
imediatos da consciência são tecidos por uma pluralidade de
memórias outras que coabitam na memória subjetiva cuja mediação
acaba por exemplificar o modo como aquelas são apropriadas‖.
[Catroga, 2015, p. 11]

Percebemos assim, a importância de consideramos a inter-relação


entre memória pessoal e coletiva e como isto pode ter incidência no
produto final do historiador. Nenhum pesquisador experiente irá
negligenciar que a amnésia, voluntária ou involuntária, pode
determinar, como diz Le Goff ( 2013, p. 389),―perturbações graves

117
da identidade coletiva‖ e, porque não, pessoal.Como na ficção onde o
esquecimento de um detalhe determinou a identidade de um
personagem, assim também, é o presente que se impõe ao passado,
num processo de continua tensão, ―que vai urdindo as tonalidades –
que podem chegar a patologia – de presença do ausente‖(CATROGA,
20015, p. 21).

Neste sentido, Paul Ricouer no seu texto, ―Memória, História e o


Esquecimento‖ nos ajuda a compreender esta relação sempre
renovada, pela hermenêutica entre a memória, como matriz da
história, a historiografia que produz seu caminho por meio dos
testemunhos e documentos,e do esquecimento como aquilo que
limita a história e a memória. O ato do lembrar fenomenológico, diz
Reis ( 2010, p. 32) ao comentar a obra de Ricouer, é um ato
―retrospectivo, reflexivo‖. Portanto, não é apenas uma saudade, ou
um saudosismo, mas um exercício consciente e racional. Porém,
neste ato há uma vulnerabilidade que é o esquecimento. Para Ricouer
(2007, p.423) o esquecimento ―continua a ser a inquietante ameaça
que se delineia no plano de fundo da fenomenologia da memória e da
epistemologia da história‖.

Ricouer destaca três tipos de esquecimento: o esquecimento por


apagamento de vestígios; o esquecimento de reserva e o
esquecimento manifesto.Há lapsos de memória (pessoal) que podem
ser recuperados mediante um retorno dirigido ao passado guardado
por meio da confrontação de diferentes perspectivas ( psicanálise,
hipnose). Isso ajuda a analisar as possíveis deformações que as
narrativas podem trazer, uma vez que ―é impossível lembrar-se de
tudo, é impossível narrar tudo‖(RICOUER, 2007, p.455).

Uma caraterística importante do historiador é o que Catroga designa


como ― remembrancer‖. O remembrancer era um funcionário inglês
da idade média ―que tinha a odiosa tarefa de ir, de aldeia em aldeia,
e nas vésperas do vencimento dos impostos, lembrar às pessoas
aquilo que elas mais desejavam esquecer‖ (CATROGRA, 2015, p. 84).
Pois bem, se o esquecimento torna-se importante dentro da dinâmica
histórica, para o bem ou para o mal, o historiador tem a tarefa de
lembrar que a ―memória, tal como a historiografia, é uma das
expressões da condição histórica do homem‖ ( CATROGA, 2015,p.
85). E como vimos no início, o esquecimento ( pessoal ou coletivo),
natural ou artificial (produzido) determina as identidades.

Nesta interrelação entre memória e identidade, onde a primeira cria a


segunda, o historiador no seu oficio tem o poder da seleção por meio
de sua organização. Ao selecionar, recortar, o historiador faz a sua
escolha, que não é isenta de seus interesses. O que importa, no

118
entanto, é o que Marc Bloch sinalizou: ―Apenas lhe pedimos que não
se deixe hipnotizar por sua própria escolha a ponto de não mais
conceber que uma outra, outrora, tenha sido possível‖(2001, p. 127).
As escolhas do historiador permanecem sempre uma escolha, nem
melhor nem pior, apenas uma escolha.

Considerações finais
O historiador também ele tem uma história, também ele é produto de
uma realidade e suas escolhas não são isentas, não são totalmente
imparciais. Por isso a importância de haver simultaneidade entre o
fato histórico e o historiador, aquilo que Hobsbawm (2013, posição
56) chamou de ―distinção fundamental [...] entre fato comprovável e
ficção, entre declarações históricas baseadas em evidências e sujeitas
a evidenciação e aquelas que não o são‖. Esse pode ser um dos
critérios de avaliação, senão o mais importante, com relação a
objetividade histórica. Dessa maneira, afastamo-nos da pessimismo
cético que por vezes patrulha as análises históricas, especialmente
relacionadas as fontes, transformando-as em muros que impedem o
acesso ou, como os positivistas, como janelas escancaradas para o
passado. Ginzburg (apud, Costa, 2010, p. 81) será mais moderado ao
dizer que serão como espelhos deformantes.

As relações entre memória e história, nem sempre pacíficas e sempre


tensionadas devido, ao que Catroga (2015, p. 11) chama de
―permanente construção‖ do presente em passado, muitas vezes
altera as representações que fazemos. Joutardt ( p. 223) diz que a
―memória sabe também transformar, consciente ou
inconscientemente, o passado em função do presente, apresentando
a tendência particular de embelezar este passado‖. De fato, se a
memória corre o risco de idealizar o passado, a história, por sua
conta, no seu discurso científico, pode fazer o trabalho de aproximar
o ideal e o real, ainda que este processo esteja sempre em re-
construção.

As relações entre memória e identidade, mediadas pelo processo


científico que faz o historiador no uso de seu oficio, precisam sempre
de um ―esforço prévio de depuração conceitual‖ (CANDAU, 2014, p.
19), para não simplesmente identificar uma com a outra, apesar de
saber das profundas imbricações que as elas possuem.

O ofício do historiador é um ofício a se fazer continuamente, nunca


terminado mas sempre em marcha como afirmava Bloch, tendo em
vista que a ciência histórica não é uma ciência exata como a
matemática, porque tem como objeto o ser humano.

119
Referências
Edson Claiton Guedes. Mestrando em História pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa/PR. Linha de pesquisa: Instituições e
sujeitos, saberes e práticas. Bolsista Capes. Orientador: Prof. Dr.
Edson Armando Silva.

BLOCH, M. A apologia da história ou o oficio do historiador. Tradução


de André Telles. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

CANDAU, J. Memória e identidade. Tradução de Maria Letícia Ferreira.


1.ed. São Paulo: Contexto, 2014.

COSTA, R. O ofício do Historiador. Disponível em:


http://www.ricardocosta.com/artigo/o-oficio-do-historiador. Acesso
em:23 de jan. 2016.

CASTANHO, S. Teoria da história e História da educação: por uma


história cultural não culturalista. Campinas: Editora Autores
Associados, 2010.

CATROGA, F. Memória, história e historiografia. Rio de Janeiro:


Editora FGV, 2015.

CERTEAU, M. Operação historiográfica. In: A escrita da História.


Tradução de Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense
universitária, 1982.

HOBSBAWM, E. Sobre a história: ensaios. Tradução de Cid Knipel


Moreira. São Paulo: 2013. Edição Kindle.
___________: Era dos extremos: O breve século XX (1914-1991).
Tradução Marcos Santa Rita. 2a Edição. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013.

JOUTARD, P. Reconciliar História e Memória?. Tradução de Afonso


Henriques Neto. Disponível em:
http://www.casaruibarbosa.gov.br/escritos/numero01/. Acesso em:
26 de jan.2016.

LE GOFF, J. : História e Memória. Tradução de Bernardo Leitão [et.


Al.]. 7a edição. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

REIS, J. C. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV,


2010.

RICOUER, P. A história, a memória, o esquecimento. Tradução: Alain


François (coord.) Campinas: Editora da Unicamp, 2007.

120
REFORMA PEREIRA PASSOS EM QUESTÃO: CONSIDERAÇÕES
ACERCA DA UTILIZAÇÃO DE FOTOGRAFIAS ENQUANTO
FONTES HISTÓRICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Elizete Gomes Coelho dos Santos

Diante da presença maciça de imagens no cotidiano contemporâneo,


é preciso admitir que, de forma geral, os alunos possuem uma
cognição para qual a escola não tem dado conta por estar pautada
em outros valores de percepção temporal. Tudo parece escapar,
escorrer por entre os dedos, em tamanha fluidez que impossibilita
permanências; diante deste complexo quadro, Paula Sibilia (2012)
destaca a importância de atribuir sentido e tecer redes capazes de
transformar esta lógica da efemeridade em experiência, auxiliando na
relação professor-aluno em dar conta da produção de conhecimento
diante da enxurrada de simultaneidades informativas infindável.

O ser humano passa a ser afetado de tal forma que parece


metamorfosear-se diante dos dispositivos eletrônicos que estão ao
seu redor, pois estes:

―não só provocam velozes adaptações corporais e subjetivas aos


novos ritmos e experiências, permitindo responder com a maior
agilidade possível à necessidade de reciclagem constante e de alto
desempenho, como também eles mesmos acabam por se multiplicar
e se popularizar em virtude de tais mudanças nos estilos de vida‖.
(SIBILIA, 2012, p. 51)

Estratégias de fixação se colocam enquanto desafio para o ensino de


História na educação básica em tempos marcados pelo presentismo
resultante do progresso tecnológico, da sociedade de consumo e da
mercantilização temporal (HARTOG, 2006), constituindo a tirania do
instante e da estagnação de um presente perpétuo (HARTOG, 2015,
p. 24).

Defendo neste texto, a potencialidade de utilização de fotografias


acerca da Reforma Pereira Passos como fontes para o ensino de
História no que concerne às discussões em torno das temporalidades,
através do emprego de metodologia específica.

Os usos de imagens indicados aqui se inserem no estudo sobre a


Primeira República no Brasil (1889-1930), que, de acordo com o
―Currículo Mínimo‖ de História, política curricular implantada pela
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc-RJ),
rede educacional na qual leciono, é um dos conteúdos previstos a
serem abordados no primeiro bimestre da 3ª série do ensino médio

121
por intermédio de duas competências e habilidades, a saber:
―comparar o significado geo-histórico das organizações políticas e
socioeconômicas em escala local e regional‖ e ―correlacionar o
conceito de cidadania no Brasil republicano com as organizações
políticas e socioeconômicas do período‖

Setenta e três anos separam o momento inicial de divulgação da


fotografia, em 1839, para a criação do primeiro aparelho fotográfico
portátil (Kodak), sendo o ano de 1895, inaugural para o
cinematógrafo, invenção dos irmãos Lumière. Com a alteração da
técnica, ocorrem mudanças na forma e nas percepções das imagens,
que dialogam entre si; a título de exemplificação, a partir da
expansão da utilização de fotografias, uma estratégia utilizada na
pintura foi buscar pintar aquilo que não se podia fotografar.

No Brasil, não apenas a inserção, como também o incentivo e a


disseminação da fotografia, concebida como a realidade em si,
compunha projeto nacional romântico protagonizado por Pedro II,
ganhando espaço significativo entre as elites brasileiras. O próprio
imperador ―se gabava de ser o primeiro monarca fotógrafo, além de
contratar e financiar uma série de profissionais da área, (….) não só
se comporta como mecenas da fotografia, (…) cria uma coleção com
critérios próprios‖ (SCHWARZ, 2004, p. 397).

A partir da segunda metade do século XX, o estatuto de suporte da


realidade em si das fotografias passa a ser questionado de forma
mais assídua por diferentes correntes explicativas, desde a teoria da
percepção até a semiologia pós-estruturalista (MAUAD, 1996, p. 75).
Na medida em que as fotografias passam a ser vistas como produto
cultural, resultado do trabalho social de produção de sentidos, o que
as insere no campo da Cultura Visual, elementos advindos de plurais
saberes são imprescindíveis para a sua análise.

Aposto na potencialidade do uso de fotografias na qualidade de fonte


histórica no ensino de História na educação básica como estratégia
pedagógica contributiva ao entendimento de mudanças e
permanências através de um estudo comparativo (BITTENCOURT,
2004, p. 369), que utilize metodologia específica, considerando
indispensável, a reflexão em torno da questão das temporalidades.
Através de métodos de pesquisa, é possível apreender que fotografias
podem contribuir para a veiculação de novos comportamentos tanto
quanto podem atuar como meio de controle social (MAUAD, 1996, p.
73), por exemplo.

As três fotografias selecionadas para este estudo são referentes à


construção da Avenida Central, em contexto do conjunto de ações

122
denominado Reforma Pereira Passos. Durante a Primeira República no
Brasil (1889-1930), estava em voga debates em torno de conceitos
como modernidade, progresso e temporalidade e, civilização; a
fotografia corroborava para a construção simbólica de uma imagem
moderna e civilizada para a cidade do Rio de Janeiro: à vista disso,
modernizar era ir além de resolver insalubridades mas promover
imagens, nas quais o futuro é entendido como progresso.

Ana Maria Mauad (1996, p. 84-85) indica, em tom de alerta, a


importância da identificação de informações mínimas para a pesquisa
de fotografias, a saber: a agência produtora, ano e número da foto,
tema, local, pessoas, objetos, atributos das pessoas, atributo da
paisagem e tempo retratados e ainda, tamanho, formato e suporte,
tipo, enquadramentos e produtor da foto, além de seus aspectos
referentes à nitidez. Boris Kossoy (2014, p. 96-101), em seu livro
―Fotografia & História‖, sugere quatro roteiros analíticos específicos
para esta empiria, que possibilitam a recuperação de dados
referentes à procedência, à conservação e à identificação do
documento fotográfico, além de seus elementos constitutivos:
identidade do documento e características individuais (registro,
localização física, procedência, conservação); informações referentes
ao assunto (tema representado na imagem fotográfica); informações
referentes ao fotógrafo (autor do registro); informações referentes à
tecnologia (processos e técnicas empregadas na elaboração da
fotografia, incluindo detalhes de acabamento e características físicas).

As fotografias aqui selecionadas são de autoria de João Martins Torres


e podem ser concebidas como instrumento de documentação,
publicização e legitimação das reformas urbanas ocorridas na cidade
do Rio de Janeiro no início do século XX, com ênfase na abertura da
Avenida Central (ARAÚJO, 2014, p. 47). Elas compõem o acervo
particular deixado pelo engenheiro Paulo de Frontin, que dirigiu a
Comissão Construtora da Avenida Central, atual Rio Branco desde
1912, subordinada ao Ministério da Indústria, Comércio, Viação e
Obras públicas, chefiado por Lauro Müller. Uma hipótese investigativa
seria que o grupo de fotografias a qual estas pertencem, tenha sido
encomendado pela comissão chefiada por Frontin, ainda que o nome
de Torres não seja muito conhecido na história da fotografia do Rio
de Janeiro, e que estas imagens não tenham configurado um álbum,
tal como o que foi encarregado a Marc Ferrez pela mesma comissão
(ARAÚJO, 2014apudTURAZZI, 2006). Os fotógrafos inseridos no
contexto aqui abordado são vistos, portanto, através de uma lente
que os hierarquiza perante a percepção governamental; a análise do
processo de produção, circulação, consumo e da trajetória de uma
fotografia possibilita restabelecer as condições de emissão e recepção

123
da mensagem fotográfica, bem como as tensões sociais que
envolveram a sua elaboração (MAUAD, 1996, p. 80).

A partir das considerações de Viviane Araújo (2014), em seguida,


buscarei justificar a escolha empírica aqui feita. Primeiramente,
fotografias condizentes ao período da Reforma Pereira Passos
contribuem para que os alunos possam contrastar elegantes fachadas
que deveriam passar a representar a cidade moderna e uma cidade
dos cortiços insalubres, abordando simultaneidades. As opções
escolhidas pelo fotógrafo João Martins Torres não podem passar por
despercebidas pois foram efetuadas em um conjunto de escolhas
possíveis; escolhas estas influenciadas por uma determinada
demanda e tecnologia empregada (KOSSOY, 2014, p. 81).

Dentre os fotógrafos que retrataram as alterações provocadas por


este conjunto de reformas, também estão Augusto Malta e Marc
Ferrez. Este rastreamento de profissionais que atuaram numa região
e em determinado período se torna relevante:

―para se estabelecer uma cronologia desses fotógrafos e seus


sucessores, e assim obter um rastreamento da atividade fotográfica
nas diferentes regiões e períodos; para se ter um contato abrangente
e familiarizado com os artefatos fotográficos do passado, a
diversidade temática, os estilos e as tecnologias empregadas nos
diferentes períodos; para se obter um mapeamento da documentação
fotográfica existente, através do levantamento dos acervos
fotográficos públicos e privados‖ (KOSSOY, 2014, p. 64-65).

De acordo com Araújo (2014), as fotografias produzidas no âmbito da


Reforma Pereira Passos deveriam apresentar visualmente etapas de
um processo, que no discurso oficial ganhava forma com a ideia de
derrubada do passado para a edificação de um futuro concebido como
progresso. A perspectiva de futuro aqui colocada condiz com
linearidade e expectativa de melhora; já que a reflexão em torno de
temporalidades é sine quan non para o ensino de História e são
diversas as formas de experimentar o tempo, conceitos temporais
para além de passado, presente e futuro podem ser problematizados
junto aos alunos através de análises de fotografias, como
experiência, expectativa, ritmos de tempo, duração, periodização,
medidas de tempo, historicidade, processo, sequência, sincronia,
diacronia, ruptura e continuidade.

A primeira fotografia selecionada refere-se à cerimônia de abertura


dos trabalhos de construção da Avenida Central, que foram iniciados
em 28 de fevereiro de 1904.

124
Fig. 1
KOK, Glória. Rio de Janeiro na época da Avenida Central. São Paulo:
Bei Comunicação, 2005. p. 77.

Tanto Circe Bittencourt (2004, p. 370) quanto Boris Kossoy (2014, p.


92) indicam a importância de relacionar fotografias a outros tipos de
fontes, tais como notícias de jornais, para a identificação e
confrontamento de informações; Araújo (2014) sugere um artigo
publicado no dia seguinte a esta comemoração na Gazeta de Notícias:

―[...] Dirigiram-se todos para o fundo do terreno (da rua da Prainha),


onde havia um tropheo de bandeiras de todas as nações e uma placa
com os seguintes dizeres: ―8 de março de 1904‖. Sob este tropheo
estava a lage de granito em que foi atacado o serviço da abertura da
avenida Central. A cerimônia consistiu no seguinte: o Sr. Presidente
da Republica commutou a corrente elétrica de um motor Watson que
acionara um perfurador, fazendo assim funccionar o martello, e o Sr.
Dr. Lauro Muller segurou a broca, trabalhando o aparelho alguns
instantes. [...] Terminada essa cerimônia, procedeu-se a do
lançamento da primeira construcção da avenida, propriedade do Sr.
Eduardo P. Guinle e entregue a competência do architeto Antônio
Januzzi‖ (KOK, 2005, p. 78).

125
Esta autora destaca que a realização da cerimônia se deu em meio a
pilha de entulhos e edifícios de alvenaria parcialmente demolidos,
adornos feitos de flores e ramos de coqueiros enfeitando um muro já
afeitado pela obra e contou com a presença de autoridades federais
que dirigiam a solenidade. A partir do enquadramento adotado pelo
fotógrafo Torres, o cenário das demolições é tão protagonista dessa
fotografia quanto a realização da cerimônia inaugural (ARAÚJO, 2014,
p. 57).

Diferentemente do fotógrafo Augusto Malta, que se dedicou muito


mais a esta avenida já aberta ao trânsito de pessoas e veículos, Marc
Ferrez, realizou registros do planejamento e dos aspectos
arquitetônicos dos novos edifícios, não buscando focalizar em
escombros. Abordagem comparativa das obras de Malta, Ferrez e
Torres contribuiria para que os alunos apreendessem diferentes
trajetórias profissionais, suas intencionalidades e por quem as
fotografias são encomendadas.

A segunda fotografia escolhida aborda linha de bondes instalada pela


Companhia Jardim Botânico a fim de auxiliar o transporte de
materiais de construção e trabalhadores no percurso das obras da
Avenida Central, em meio a escombros (ARAÚJO, 2014).

Fig. 2
KOK, Glória. Rio de Janeiro na época da Avenida Central. São Paulo:
Bei Comunicação, 2005. p. 53.

126
Torres registrou um momento transitório - passagem urbana com a
qual os moradores da cidade conviveriam apenas por um intervalo
muito curto de tempo - para um futuro com a roupagem de
progresso. Relacionar a linha de bondes, elemento central desta
fotografia, com notícias de jornal referente a utilização de bondes
elétricos no final do século XIX corrobora para a avaliação dos
impactos causados pelo uso da eletricidade nos costumes urbanos do
Rio de Janeiro. Como, por exemplo, o trecho do Jornal do Brasil, de
09 de outubro de 1892:

―A companhia de bonds de Botafogo, inaugurou hontem a nova linha


de bonds electricos. Á 1 ¼ da tarde partiram 3 bonds da rua da
Guarda Velha, conduzindo o Sr. marechal vice-presidente da
republica, capitão Eduardo A. da Silva, seu ajudante de ordens, o Sr.
contra-almirante C. de Mello, e convidados, com destino á rua Dois
de Dezembro, estação da companhia, fazendo todo o trajecto em 12
minutos. Ali foi servido um profuso lunch, onde se trocaram vários
brindes, sobresahindo os dos Srs. coronel Malvino Reis, ao Sr.
marechal Floriano, Dr. Nilo Peçanha, barão Ribeiro de Almeida, Dr.
Coelho Cintra, do Sr. contra-almirante Custodio José de Mello,
ministro da marinha, ao povo americano e o brinde de honra feito ao
Sr. marechal Floriano, pelo Sr. barão Ribeiro de Almeida. foi grande o
numero de convidados. Entre elles se achavam senadores,
deputados, intendentes, etc. O resultado da experiencia da
electricidade nos bonds, foi satisfatoria‖ (apud, WEGUELIN, 1998, p.
50).

A terceira fotografia trata dos novos edifícios já em construção da


Avenida Central, na esquina com a Sete de Setembro, tomada na
direção da Praça Mauá; Torres registrou a sede do jornal O Paiz na
porção central da cena (ARAÚJO, 2014).

127
Fig. 3
KOK, Glória. Rio de Janeiro na época da Avenida Central. São Paulo:
Bei Comunicação, 2005. p. 71.

Mesmo diante do trânsito de pedestres e da inauguração da avenida,


esta fotografia focaliza o que ainda havia de inacabado, como
processo para o progresso, diferentemente de registros de outros
fotógrafos.

A análise de trecho do Gazeta de Notícias, de 15 de novembro de


1905, relacionando-a fotografia terceira deste estudo possibilita
identificar as instituições que tinham suas sedes nesta avenida, assim
como as personalidades que estariam presentes no terceiro processo
inaugural da Avenida Central e, mais uma vez, o destaque dado a
eletricidade:

―Hoje deve ser entregue ao trânsito público a primeira Avenida


construida no rio de Janeiro, que recebeu o nome de Central. Como é
igualmente sabido, esta grande artéria será oficialmente inaugurada
hoje pelo Sr. presidente da República, que cortará as fitas que a
fecham. Quase todos os prédios concluídos terão as suas fachadas
ornamentadas com bandeiras e garlhadetes. Dentre estes, destacam-
se os do Sr. Eduardo Guinle, posto à disposição da comissão
construtora da Avenida e do qual o Sr. presidente da República

128
assistirá ao desfilar das tropas, e da Rio Light and Power. O primeiro
acha-se internamente decorado com muito gosto, tendo nos vastos
salões, além de escudos com bandeiras encimadas por guirlandas de
flores, muitos festões cruzando os tetos assim como nas sacadas que
dão para a Avenida. O outro prédio que se destacará pela sua
ornamentação é o em que se vê instalada a Light, que além de outros
enfeites terá a fachada iluminada por 500 lampadas elétricas
incandescentes multicores, tendo no centro uma estrela formada
pelas mesmas lâmpadas. esse prédio pertence ao Sr. Conde Sucena.
(…) Os mastros fincados ao longo da Avenida, em número de 348,
terão galhardetes e serão ligados por festões. Em 41 desses postes
serão colocados escudos com os nomes dos engenheiros da comissão
da Avenida, assim como também alguns com os nomes de vários
construtores. Os coretos, em número de sete, acham-se colocados
nos seguintes pontes da grande artéria: um em frente à Casa Guinle;
dois na praça circular; um em frente ao 1o Barateiro, em forma de
açafate de flores (este coreto será o mais belo); um em frente ao
Teatro Municipal e dois no trecho entre a rua do Passeio e Santa
Luzia. (…)‖ (apud, WEGUELIN, 1998, p. 85-86).

As três fotografias selecionadas apresentam o antes como obsoleto e


o futuro como progresso, se colocam enquanto meio termo com
destaque para aquilo que há por vir, possibilitando observar, passo a
passo, ―o velho sendo destruído e o novo, erguido‖ (ARAÚJO, 2014, p
65). Por mais que tenham ocorrido esforços para a construção de um
discurso oficial em prol da modernidade, esta não foi vivida e
pensada por toda a sociedade da mesma maneira; a análise de
fotografias precisa levar em conta aspectos para além do visível como
a atribuição de significados por aquele que as vê. Movimentos como
Revolta da Vacina e Revolta da Chibata são indicativos de divergência
de ideias neste contexto e de insatisfações diante de medidas
governamentais; uma investigação interessante a propor para os
alunos seria averiguar a localização atual destas três fotografias e
como diferentes setores da sociedade as receberam e as
ressignificaram, dando base para a elaboração de charges e até
mesmo, textos jornalísticos.

As provocações aqui propostas buscaram destacar que o assunto, o


fotógrafo e a tecnologia, empregada num espaço-tempo, são os três
elementos essenciais para a realização de uma fotografia (KOSSOY,
2014, p. 41-43) e não podem ser negligenciados por quem se propõe
a analisá-las. Quem as produziu? Por quê? Quando? Para quem?
Documentos precisam ser interrogados para possibilitar a construção
do conhecimento histórico e uma vez que os alunos da educação
básica trabalham com problemas, aprendem a selecionar, organizar,
estruturar informações e produzir resultados, sistematizando-os para

129
comunicar sobre um determinado tempo, o passado, ou seja,
aprendem a pensar historicamente (ALBERTI, 2012, p. 63).

Considerações finais
Reflexões em torno de imagens necessitam considerar uma rede de
relações e a fotografia não se coloca à margem disso: cada uma
requer ser vista como resultado de uma leitura particular do real,
pensar fotografias é considerar suas condições de produção.

Muitos são os desafios que se apresentam para o ensino de História


escolar, dentre eles, estão a necessidade de se debater questões
temporais e a utilização apropriada de fontes históricas. Como aponta
Durval Albuquerque Júnior, ―a história nos permite (...) o aprendizado
de que aquilo que somos é apenas uma forma de ser entre muitas‖
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012, p. 31), pois são diversas as maneiras
de se experimentar temporalidade. O uso de fontes por intermédio de
metodologia que respeite suas especificidades corroboram para que
os alunos desenvolvam capacidades importantes para a construção
de conhecimento histórico, tendo como exemplo, pensar, refletir,
analisar, comparar, argumentar e expressar juízos (CAIMI, 2014, p.
182).

Referências
Elizete Gomes Coelho dos Santos é mestranda pelo Programa de Pós-
Graduação em Ensino de História da UFRJ e professora da rede
estadual do Rio de Janeiro.

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Fazer defeitos nas


memórias: para que servem o ensino e a escrita da história? In:
GONÇALVES, Márcia de Almeida. ROCHA, Helenice. REZNIK, Luís.
MONTEIRO, Ana Maria (orgs.). Qual o valor da história hoje? Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2012.

ALBERTI, Verena. Proposta de material didático para a história das


relações étnico-raciais. Revista de História Hoje., v. 1, n° 1, p. 61-88
– 2012.

ARAUJO, Viviane. O papel da fotografia na construção simbólica das


reformas urbanas. Rio de Janeiro, 1904-1906. Revista Urbana, v. 6,
n° 9, ago-dez, 2014 – Dossiê: Dimensões Simbólicas das
intervenções Urbanas CIEC/UNICAMP.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:


fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

130
CAIMI, Flávia Eloisa. Geração Homo Zappiens na escola: os novos
suportes de informação e a aprendizagem histórica. In: MAGALHÃES,
Marcelo. ROCHA, Helenice. RIBEIRO, Jayme Fernandes.
CIAMBARELLA, Alessandra (orgs.). Ensino de História: usos do
passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014.

HARTOG, François. ―Tempo e Patrimônio‖. In: VARIA HISTORIA, Belo


Horizonte, vol. 22, nº 36: p. 261-273, Jul/Dez 2006.
_______________. Regimes de Historicidade – presentismo e
experiências do tempo. 1. ed. 2. reimp. Belo Horizonte: Autêntica,
2015.

KOK, Glória. Rio de Janeiro na época da Avenida Central. São Paulo:


Bei Comunicação, 2005.

KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 5. ed. São Paulo: Ateliê


Editorial, 2014.

MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e História


Interfaces. Revista Tempo, Rio de Janeiro, vol. 1, n° 2, 1996. p. 73-
98.

RIO DE JANEIRO. Currículo Mínimo de História. Secretaria de Estado


de Educação. Rio de Janeiro, 2012.

SCHWARCZ, Lilia M. Lendo e agenciando imagens: o rei, a natureza e


seus belos naturais. Sociologia e Antropologia. Julho-dezembro,
2004, v. 04, n° 02, p. 391-431.

SIBILIA, Paula. Redes ou paredes. A escola em tempos de dispersão.


Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

WEGUELIN, João Marcos. O Rio de Janeiro através dos jornais. São


Paulo: USP, 1998.

131
CAPAS DE LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA E A
REPRESENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO: UMA ANÁLISE DAS
COLEÇÕES DIDÁTICAS HISTÓRIA - INTEGRALIS, HISTÓRIA
GLOBAL – BRASIL E GERAL E HISTÓRIA: SOCIEDADE E
CIDADANIA
Esdras Carlos de Lima Oliveira

Patrimônio e suas dimensões


Se o livro, por si só, pelos seus usos, constituição e formato, é algo
polissêmico, o conceito de cultura e suas reverberações no conceito
de patrimônio, colabora para que essas dimensões sejam múltiplas e
que, apenas uma definição não seja suficiente para caber todas as
possibilidades que os conceitos abarcam. Sendo assim, as linhas que
se seguem abaixo, são algumas considerações sobre o conceito de
patrimônio e como ele se modificou ao longo do tempo.

Toda pessoa, de cada grupo, compartilha com seus próximos


histórias e memórias coletivas, e a cultura é parte substancial nesse
processo. É partir dos lugares que os indivíduos constroem suas
relações ao longo do tempo.

Um indivíduo pode pertencer a variados grupos e ter um desempenho


de sua cultura e de sua identidade de modo sazonal, exercendo ora
uma característica de modo contundente, ou, como é comum,
aprender ou performar outro aspecto que, não nascendo dentro de
seu grupo, passa a fazer parte do seu, a partir do contato que é
criado com outros, numa relação que podemos chamar de trocas
culturais. A partir disso, podemos ―reconhecer que todos os povos
produzem cultura e que cada um tem uma forma diferente de se
expressar é aceitar a diversidade cultural. Ou seja, é reconhecer que
não existem culturas mais importantes, ou melhores que outras, e
sim culturas diferentes!‖ [BRAYNER, 2007, p. 9], sendo um dos
aspectos constituintes das identidades culturais o patrimônio, nas
suas esferas material e imaterial, basilar.

Ao longo da história, como alguns autores mostraram [CHOAY, 1999;


PELEGRINI, FUNARI, 2013] a palavra patrimônio passou por
mudanças e teve seus sentidos alargados, a partir do Renascimento
europeu, quando falamos na perspectiva ocidental, foi ligada a
arquitetura e a estatuária e, com o trabalho de recolhimento do
acervo das culturas antigas (grega e romana, principalmente), teve
seus significados, pouco a pouco, alterados.

Com o advento do século XIX e a construção dos estados-nações


modernos, passou a ganhar outros contextos e, lentamente, políticas

132
públicas para catalogação e escolha do que seria o acervo patrimonial
de uma nação foram sendo construídas.

Ao longo do século, há uma transformação e outro alargamento do


conceito, o qual passa a abranger, a partir da influencia da influência
de uma visão antropológica, toda e qualquer produção humana,
material ou imaterial.Com essa influência, para o IPHAN, órgão
responsável pela conservação do patrimônio brasileiro, que começou
ligado a proteção do patrimônio arquitetônico, atualmente, o conceito
de patrimônio cultural pode ser entendido da seguinte maneira: ―O
patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes,
fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à
história, à memória e à identidade desse povo‖ [BRAYNER, 2007, p.
9].

Os sentidos que uma comunidade dá ao mundo que a cerca, não são


os mesmos. Sua visão sobre determinada prática, o modo de fazer
certo objeto de uso diário e os significados que dá ao espaço em que
vive, mudam ao longo do tempo.

―Isso implica numa busca contínua por soluções negociadas que


permitam a preservação e a valorização dos bens e práticas culturais,
em meio a conflitos e disputas de interesses e de valores: qual
história deve ser lembrada e contada, quais belezas devem ser
valorizadas e preservadas, quais costumes são mais significativos
para as pessoas do lugar‖ [BRAYNER, 2007, p. 15].

Assim, a memória, as práticas e as representações de um grupo


sobre si e sobre o lugar onde vive, criando, assim, uma identidade
própria e que muda ao longo do tempo, podem ser compreendidas
como elementos básicos do patrimônio dos mesmos, que
necessariamente precisam se materializar para existir.

Em 1972, nos documentos oficiais da Unesco, aparece uma nova


conceituação, que mesmo não utilizando a palavra ―imaterial‖ já
deixou perceber a mudança na concepção daquilo que deve ser
cuidado, elementos para além da materialidade de edifícios e espaços
físicos.

Assim, termos como ―culturas populares‖, ―patrimônio cultural‖,


―identidade cultural‖, ―culturas tradicionais‖, começam a aparecer nos
documentos do órgão. Leal e Borges [2012], em artigo na ―Revista
Caminhos da Geografia‖, demonstram esse processo, apontando que
algumas políticas de países como Coréia do Sul e Japão antecederam
e influenciaram o órgão a reposicionar sua visão sobre patrimônio,
estendendo, assim, para algo mais amplo como pode ser visto no

133
trecho do documento da Convenção para salvaguarda do patrimônio
imaterial.

―Entende-se por ‗patrimônio cultural imaterial‘ as práticas,


representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os
instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são
associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os
indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio
cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de
geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza
e de sua história, gerando um sentimento de identidade e
continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à
diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da presente
Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural
imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de
direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo
entre comunidades, grupos e indivíduos, e do desenvolvimento
sustentável‖ [UNESCO, 2003].

Mesmo que o patrimônio seja imaterial, intangível, há certa


materialidade em algumas de suas formas, como roupas, artes de
fazer, de comer etc. Envolvem a transformação de algum elemento
físico em algo importante de uma comunidade autocentrada.

O conceito de patrimônio tem aparecido em obras didáticas, mas


ainda, como vamos observara seguir, a questão se conecta em visões
antiquadas sobre esses processos.

Representações de patrimônio em capas de três obras


didáticas
A obra didática é, talvez, um dos principais símbolos do saber escolar
e os seus usos acabam direcionando, como um currículo oculto, parte
importante das relações de ensino-aprendizagem nas escolas. No
caso dos livros didáticos de História o discurso é, digamos assim,
bastante ruidoso. Estão presentes nas obras didáticas uma profusão
de colunas, destaques em balões, citações de outros suportes
didáticos e uma profusão, cada vez maior, de imagens, que servem
para ancorar o texto. Nem sempre sendo problematizadas dentro do
processo de leitura e de atividades das obras. Esses elementos e
outros destaques são utilizados para quebrar a ―monotonia‖ do texto-
base e proporcionar uma experiência múltipla e tentar ser o mais
palatável possível para o público consumidor.

Vamos utilizar nesse texto, três coleções e de cada uma delas as


capas dos três volumes. As coleções que iremos analisar as suas

134
capas serão: ―História Global – Brasil e Geral‖, de Gilberto Cotrim
(Saraiva); ―História – Integralis‖, de Divalte Garcia Figueira (IBEP) e
―História: sociedade e cidadania‖, de Alfredo Boulos (FTD).
Salientamos que as três obras foram bem avaliadas no PNLD, no
tocante a sua organização temática, utilização de imagens e proposta
pedagógica. As quais estavam disponíveis no PNLD 2014.

Assim, a escolha das capas aparece como método central para essa
análise que relaciona livro didático e patrimônio, pois, tendo em vista
a lógica da linguagem da obra escrita e, principalmente, sendo
pertencentes ao universo da disciplina histórica, há infinitos símbolos
e signos escolhidos pelas editoras para ilustrar suas coleções,
remetendo ora aos conteúdos abordados no livro ora ao tipo de visão
historiográfica da qual a obra é tributária.

Figuras 1, 2 e 3: Capas dos primeiros volumes das obras didáticas


analisadas no corpo do artigo. Fonte: Guia do PNLD 2014 – Ensino
Médio.

No caso das fotos que aparecem nas obras, o que é de nosso


interesse vem a ser o modo como as fotografias de monumentos e
peças de obras de arte, atrelados ao patrimônio cultural material e
também itens de ordem imaterial aparecem nas mesmas.

Nas coleções, as capas acabam dando uma espécie de síntese do


modo como se constrói a narrativa ao longo dos escritos. Em relação
a análise, selecionamos os primeiros volumes de cada uma, de um
modo geral, nesses primeiros capítulos, aparecerem as visões
teóricas que guiam as obras didáticas. Portanto, de maneira quase
unanime nas coleções o viés culturalista, demonstra a influência do
simbólico que invadiu a produção historiográfica nas últimas décadas
aparece fortemente, tendo em vista que muitas coleções selecionam
símbolos atrelados a determinados períodos ou civilizações, seja do

135
patrimônio material ou imaterial para assim construir suas
representações.

As capas normalmente não são escolhidas ou feitas pelos autores,


tendo em vista que, cada vez mais, as editoras utilizam grandes
equipes de editores de arte e finalizadores que, muitas vezes, fazem
a maior parte da organização da parte imagética e do layout das
obras. No entanto, elas acabam sendo sintomáticas do tipo de
abordagem que a mesma toma.

Na ―Coleção Integralis - História: ensino médio‖ de Figueira [2014],


temos no primeiro livro uma capa que sobrepõe elementos da cultura
material grega antiga, nela temos um busto feminino voltado para a
esquerda; uma ânfora grega com uma pintura de um soldado em
uma briga e uma estátua helênica de um homem carregando um
bezerro. Diferente dos outros livros não há indicação de autoria, local
de origem ou nome da estátua na página da ficha catalográfica. As
três figuras são representadas descoladas de um contexto, como que
autossuficientes e autoexplicativas, estão ali pelo que são, não por
seus usos no passado ou no presente.

Já o segundo volume apresenta um recorte da obra de Michelângelo,


a criação do mundo, com a representação de Deus aparecendo a
esquerda ―tocando‖ a imagem da direita, que é um dos profetas de
Aleijadinho. Assim, o patrimônio cultural material europeu, encontra
o seu congênere brasileiro na figura barroca.

No terceiro volume a questão patrimonial sai de cena e temos uma


colagem representando um globo terrestre em uma mão na parte
direita e na esquerda um satélite de comunicação e um soldado.
Temos um recorte e colagem que remetem a símbolos conectados as
experiências da contemporaneidade, a globalização, a comunicação
em alta velocidade e os conflitos inerentes aos embates pela
hegemonia. Essa seria a síntese dos conteúdos que o volume
apresentaria. Desse modo, o livro como mercadoria, adotando a
lógica da bricolagem, elemento tão associado a arte pós-moderna
tem espaço nessa obra. Retirar símbolos de contextos distintos e,
assim, recriar um outro. Necessariamente sem o mesmo sentido das
origens. Como Jameson demonstra:

―Agora a referência e a realidade desaparecem de vez, e o próprio


conteúdo – o significado – é problematizado. Resta - nos o puro
jogo aleatório dos significantes que nós chamamos de pós-
modernismo, que não mais produz obras monumentais como as do
modernismo, mas embaralha sem cessar os fragmentos de textos
preexistentes, os blocos de armar da cultura e da produção social,

136
em uma nova bricolagem potencializada: metalivros que canibalizam
outros livros, metatextos que fazem colagem de pedaços de outros
textos – tal é a lógica do pós-modernismo em geral‖ [2002, p. 118].

Dessa maneira, as ideias que guiam a coleção, presentes nas capas,


escancaram, ainda mais, o livro como realmente ele é encarado pela
editora: como um produto. Pois, dentro da indústria cultural na qual
está inserida a obra didática acaba replicando as características de
um bom produto para ser vendido e consumido.

Em ―História Global - Geral e Brasil‖ de autoria de Cotrim [2013], nos


três volumes, temos capas que representam de um modo bem
interessante a relação entre passado e presente. Quando
observamos os três volumes, identificamos na parte de cima das
mesmas a representação passado e na parte de baixo o presente. No
primeiro volume temos uma representação de uma cena de caça de
uma tumba encontrada em Tebas e que data do ano 1.450 a.C. e na
parte de baixo a figura de um homem egípcio atual, trabalhado na
restauração do Templo de Karnak, não são dados, porém, os créditos
de autoria das duas fotos. O modo como foram sobrepostas sendo
sintomática na relação das duas temporalidades, demonstrando
cenas de um mesmo espaço, no caso o Egito, em dois momentos
distintos, identificando a diferença e utilizando o patrimônio material
como referência. A cena de caça, por conta do local onde está,
representa um casal, possivelmente de uma classe social alta, numa
cena colorida e demonstrando bastante fartura e, abaixo, o trabalho
da arqueologia na manutenção desse passado material.

Já no segundo volume, temos acima uma gravura do século XVIII, do


cotidiano do Brasil colonial e na parte de baixo uma foto de uma roda
de capoeira.E no terceiro livro, duas cenas de colheita, uma do
quadro ―As respigadoras‖, de Jean-Fraçois Millet e,a outra trás a cena
de uma máquina de colheita moderna. Assim, a relação passado
presente demonstra a continuidade, em alguns aspectos, e a ruptura
em outros marca a apresentação da coleção. No caso do segundo
volume, representa-se a população negra ainda dentro dos
estereótipos a ela conectados a questões apenas de razão cultural,
como a dança e a capoeira, demonstram ainda um viés bastante
antiquado acerca dos afro-brasileiros presentes no livro didático. Já
no terceiro volume, em relação a representação de cenas de colheita,
temos presente uma visão que pode ser lida como evolutiva, ou seja,
da colheita manual, para a colheita a mão. As temporalidades estão
separadas, representadas como um antes e um depois.

Na ―Coleção História: sociedade & cidadania‖, de autoria de Boulos


[2013], uma relação passado e presente similar aparece. Vemos no

137
primeiro volume uma capa com uma fotografia representando a
dança do dragão chinês e na parte de trás da imagem um imenso
arranha-céu moderno de Hong Kong. O segundo registra uma pessoa
da tribo massai do Quênia pulando, um costume de seu grupo. Em
ambas temos um enfoque em um patrimônio imaterial, no caso do
primeiro uma dança sugerindo a convivência entre a modernidade
arquitetônica e a tradição chinesa lado a lado, enfatizando a
globalização e o choque entre a tradição e a modernidade, pois o
arranha-céu é mostrado na parte de trás, desfocado, enquanto que o
primeiro plano enfatiza o colorido e a grande cabeça da figura, além
das pessoas que fazem o dragão se movimentar. No segundo volume
a presença na contemporaneidade de uma tribo com costumes
antigos. Já no terceiro volume, traz a fotografia de uma das
manifestações das chamadas Jornadas de Junho no Brasil, de 2013.
Vemos manifestantes na porta da Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro, com várias faixas e vassouras, em sua luta contra a
corrupção. Assim, nessa capa, uma questão do presente aparece
ganhando destaque, mesmo que na obra o espaço para a história
contemporânea brasileira tenha pouco ênfase, com apenas algumas
páginas ao final do livro.

No caso das três obras, há ao longo das mesmas, nos três volumes, a
utilização do conceito de cultura e de patrimônio. Fica patente a
presença de um alargamento na visão que se tem sobre os aspectos
simbólicos de cada civilização, mas ainda persistem problemas, que
vão além das capas.

Em nenhum momento dos livros as capas são problematizadas ou


explicadas de modo mais explicito. Cabendo, assim, aos professores e
professoras fazerem esse papel de utilizar, ainda mais, a obra
didática com uma perspectiva crítica, entendendo a linguagem
presente ali e contextualizando, juntamente aos seus alunos e
alunas, a visão que as obras didáticas utilizadas carregam. Além
disso, compreender as várias dimensões do conceito de patrimônio e
de seus usos.

Conclusão
No caso das capas vemos múltiplos usos para o passado e para o
patrimônio, seja material ou imaterial, e nos modos como representá-
los. Uma coleção de visão mais tradicional escolhe estátuas,
desconectadas de sua origem, flutuando num layout verde, enquanto
as outras duas dão novos sentidos e movimento ao passado. Mesmo
que em seus conteúdos, alguns lugares comuns ou representações
equivocadas, como pretendemos demonstrar em outras
oportunidades. Certamente que as capas não escondem nem
diminuem os problemas das obras ou cada livro deixa de ter alguma

138
virtude por conta delas, mas são sintomáticas do modo como a obra
lida com as temáticas da disciplina e, certamente, como objetos da
indústria cultural, os livros didáticos devem, obrigatoriamente, ter
uma embalagem atrativa e de fácil compreensão para quem o
consome, pois, normalmente, muitos discentes nomeiam o livro por
sua cor ou pelo o que tem estampado na capa, elas criam uma
identidade para a coleção e ajudam a vender o produto.

Referencias
Esdras Carlos de Lima Oliveira é doutorando em História na
Universidade Federal de Uberlândia e professor do Instituto Federal
do Amazonas, Campus Tefé.

BORGES, Maristela Corrêia; LEAL, Alessandra. Patrimônio cultural


imaterial: leis e documentos. Caminhos de Geografia, Uberlândia, v.
13, n. 44, dez., 2012 p. 221–234.

BOULOS, Alfredo. Coleção História: sociedade & cidadania. 3 vol. São


Paulo: FTD, 2013.

BRAYNER, Natália Guerra Patrimônio cultural imaterial: para saber


mais Brasília, DF: IPHAN, 2007.

CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. Lisboa: Edições 70,


2000.

COTRIM, Gilberto. História Global - Geral e Brasil. 3 vol. São Paulo:


Saraiva, 2013.

FIGUEIRA, Divalte Garcia. Coleção Integralis - História: ensino médio.


3 vol. São Paulo: IBEP, 2013.
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdf,
2017.

JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo


tardio. São Paulo: Ática, 2002.

PELEGRINI, Sandra C. A.; FUNARI, Pedro Paulo. O que é patrimônio


cultural imaterial. São Paulo: Brasiliense, 2013.

UNESCO. Convenção para a salvaguarda do patrimônio cultural


imaterial. Paris, 17 de outubro de 2003. In:

139
A LITERATURA NA HISTÓRIA/ENSINO DE HISTÓRIA
Fernando Nogueira Resende
Jonathan Evangelista de Araújo

Este artigo tem o objetivo de expor a importância da literatura como


fonte histórica e como recurso didático para o Ensino de História. A
obra a ser utilizada para análise será ―O cortiço‖, que retrata o
período do Brasil República do século XIX, e a partir desse ponto,
apresentar sugestões de usos desse tipo de linguagem em sala de
aula, em específico na disciplina de História para o Ensino
Fundamental, em turmas específicas de 9° ano. Outro ponto é
perceber a importância da literatura em quadrinhos na construção do
imaginário e representações de certa época, além de refletir sobre a
sociedade em todos os seus âmbitos culturais, sociais e políticos.

ocortiço.png

140
A partir do século XX, momento em que a História se constitui como
Nova História com a Escola dos Annales, os conceitos de fontes
históricas são ampliados, ou seja, os documentos escritos deixaram
de ser únicos objetos de análise do historiador, tendo em vista que
tudo é histórico, as linguagens devem ser utilizados como objeto
histórico e como recurso didático-pedagógico, uma estratégia para se
ensinar História, tanto no Ensino Fundamental, Médio ou Superior,
porém o foco aqui é o 9° ano do Ensino Fundamental, em específico a
literatura em quadrinhos como recurso didático, que são carregadas
de intenções e subjetividades, pois foram produzidos pelo ser
humano.

Podemos perceber diversas mudanças na literatura e na História ao


longo dos anos, propiciando a utilização da mesma na historiografia,
entretanto, destacando algumas críticas e dificuldades na inserção da
mesma como recurso ao professor por não se tratar de um trabalho
científico, com o rigor metodológico específico da História, ou seja,
sem compromisso com a análise crítica das fontes. No entanto, será
realçado o poder de construção do imaginário, e de mostrar as
representações de um determinado período histórico. A literatura
brasileira do século XIX surge no período que a imprensa ganha
destaque por meio dos jornais e revistas, percebendo que o veículo
original surgiu de outras formas.

Pode-se observar diversas características de uma sociedade presente


nas obras literárias, podendo identificar o contexto de uma época,
pois, a partir de uma produção de cunho literário é possível notar que
há uma construção de imagens a respeito de seu tempo, ou seja,
características temporais de quem escreve, fazendo com que haja a
criação de uma imaginação e representação, sendo que é uma fonte
riquíssima para análise de um historiador ao compreender as
diferentes visões históricas. O sujeito histórico é pertencente as suas
relações de vivência, logo, isso é visível na literatura, ao seu lugar
que pertence, homem do seu tempo, a literatura surge da sociedade
da qual ela pertence.

Não existe literatura fora da história, portanto nota-se que é preciso


articular o passado a partir do presente. Devemos sempre
problematizar por que a literatura é uma fonte histórica, sendo que é
preciso entender a experiência social a partir da literatura, pois a
História na literatura acontece em diferentes dimensões; nota-se que
qualquer sociedade produz uma série de imagens sobre o seu
passado; o autor escreve a partir das redes de interação social; a
literatura surge da sociedade a qual ela pertence; logo nos surge
algumas questões, a História é literária? A literatura é História?

141
Percebe-se que apesar das inevitáveis discussões teóricas, a
literatura não deixa de ser uma importante fonte para o historiador,
revelando os hábitos e o imaginário social da época em que foi
produzida. A autora Sandra Jatahy Pesavento (2006) faz uma
discussão de forma bastante contundente sobre a literatura e sua
utilização na história enquanto fonte histórica, a mesma aborda que a
literatura possibilita compreender o imaginário e a representação de
certo período histórico:

―o imaginário é sistema produtor de ideias e imagens que suporta, na


sua feitura, as duas formas de apreensão do mundo: a racional e
conceitual, que forma o conhecimento científico, e a das
sensibilidades e emoções, que correspondem ao conhecimento
sensível‖ (PESAVENTO, 2016, p. 2).

Ou seja, observamos que ―ao construir uma representação social da


realidade, o imaginário passa a substituir-se a ela, tomando o seu
lugar‖ (Idem).

Sobre a questão de representação e busca do acontecido, Pesavento


diz que:

―registramos, com isto, a mudança deliberada do tempo verbal: o


poderia, o teria sido, com o que a narrativa histórica, representação
do passado, se aproximaria, perigosamente, da definição aristotélica
da poesia, pertencente ao campo da ficção. Ou seja, as versões do
acontecido são, de forma incontornável, um poderia ter sido. A
representação do passado feita pelo historiador seria marcada por
esta preocupação ou meta: a da de vontade de chegar lá e não da
certeza de oferecer a resposta certa e única para o enigma do
passado‖ (Idem, p. 4).

Nota-se a literatura então como um:

―discurso sobre o que poderia ter acontecido, ficando a história como


a narrativa dos fatos verídicos. Mas o que vemos hoje, nesta nossa
contemporaneidade, são historiadores que trabalham com o
imaginário e que discutem não só o uso da literatura como acesso
privilegiado ao passado — logo, tomando o não-acontecido para
recuperar o que aconteceu‖ (Idem, p. 3)

Pensando nisso, no conceito de representação na qual estão expostas


as histórias em quadrinhos e a literatura, que se propõe a fazer uma
análise de como o período Imperial brasileiro está representado na
obra literária de ―O Cortiço‖ de Aluísio de Azevedo escrita em 1890,
que retrata o drama cotidiano de um cortiço no Rio de Janeiro,

142
demonstrando as mazelas sociais da época, além do cotidiano das
pessoas deste período. A intenção é, a partir da obra, fazer uma
análise desse período, expondo as características do tempo histórico,
perpassando o meio social, para entender o funcionamento desta
sociedade, e como ela está sendo retratada historicamente no
romance. Cabe ressaltar que a intenção principal aqui é fazer uma
relação da obra e o ensino de história, a partir da literatura, e
compreender o formato literário e como ele pode ser um recurso em
sala de aula, partindo ainda, o uso dos gibis, histórias em quadrinhos,
como uma ferramenta educacional nas escolas para o ensino de
história.

Encontra-se em grande número obras literárias que foi transformado


em quadrinhos, nosso enfoque é perceber os elementos da obra tanto
original como livro, mas também o quadrinho, elencando como essa
transposição da obra clássica, para os quadrinhos pode ser um meio
útil no ensino, e na busca de um interesse maior dos alunos pela
leitura. Se as imagens além do dialogo influencia os alunos na
compreensão, ou facilita a representação visual e a construção
histórica, na qual se apresentam as duas linguagens.

Literatura e História/Ensino de História


A Literatura tornou-se mais dinâmica a partir do momento em que foi
produzida na versão de história em quadrinhos, pois não só a leitura,
mas as imagens dão lugar para a imaginação do aluno, pois na
maioria das vezes o ver proporciona o conhecimento e a
aprendizagem do aluno. Dependendo da abordagem dos professores
de história e os recursos para além das literaturas usadas para
relacionar o tema, a aula torna-se proveitosa, e se a aula tem uma
boa dinâmica, os alunos saem da zona de conforto e passam a
prestar atenção na explicação, além de participarem da aula de forma
mais ativa.

Portanto, adicionar a Literatura como recurso didático em sala de


aula enriquece bastante a dinâmica da aula, principalmente obras
literárias em quadrinhos, porém, devemos ter em mente que alunos
possuem realidades distintas e particularidades, e nós como
professores de História deveram perceber essas realidades e criar
mecanismos para passar o conhecimento para os alunos no intuito de
proporcionar ao aluno o desenvolvimento de um pensamento crítico,
para que esses alunos entendam que não se deve estudar a História
como algo factual, que não se pode estudar o passado pelo passado,
mas que o contexto histórico e as representações apresentadas por
meio das diversas linguagens, proporcionam ao aluno a compreensão
de sua realidade e do mundo em que vive.

143
HQs, abordagens e Ensino de História
Tendo em vista o Ensino de História e a utilização de novas
linguagens, torna-se necessário realizar uma discussão sobre as HQs
no ensino. Percebe-se uma ampliação da presença de Histórias em
Quadrinhos (HQs) no ambiente escolar nos últimos anos, questão
presente no Plano Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).

Entretanto, percebe-se que a inserção das HQs cria novos desafios


aos educadores, fazendo com que haja a necessidade de
compreensão da linguagem e das inúmeras obras sobre o tema. O
presente artigo pretende discutir a inserção das HQs no ensino e
problematiza de que forma os quadrinhos podem ser utilizados no
ensino de História, destacando uma obra possível para ser
trabalhada.

Nosso tema central é explanar sobre a História em quadrinhos, o


estudo da História e como as HQs são utilizadas no ensino de
História. Contudo, é preciso destacar que a produção de HQs passou
por uma crise na década de 1980.As HQs passaram por várias críticas
e resistências no fim do século XX, eles deixaram de ser lidos apenas
por crianças, passaram a ser utilizados por adultos e em seguida
como fonte no campo da educação. Os quadrinhos passaram a ser
problematizados enquanto um produtor de imaginário e
representações.

Desde 1980, as discussões no Brasil se faziam presentes sobre a


utilização dos quadrinhos no ensino de história, mas ―foram os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), lançados em 1997, que
colocaram as HQs diretamente nas salas de aula‖ (LIMA, 2017, p.
149).

Percebe-se uma ampliação tanto no sentido curricular quanto na


inserção de novos artifícios no ensino de história, ampliação― nas
várias formas de organização curricular, é possível identificar a
ampliação do universo de temas, problemas estudados e de
materiais/fontes utilizadas no ensino de História‖ (FONSECA, 2009, p.
09).

Foi a partir do ano de 2006 que as obras em quadrinhos passaram a


ser incluídas nas compras. No entanto, ainda houve a crítica de que
os quadrinhos continuaram a ser vistos apenas como ferramentas e
uma produção do gênero literário.

Portanto, deve-se observar que:

144
―as HQs aumentam a motivação dos estudantes para o conteúdo das
aulas, aguçando a curiosidade e desafiando seu senso crítico; a
interligação do texto com a imagem, presente nas HQs, amplia a
compreensão de conceitos‖ (Lima, Idem, p. 152).

Observa-se que:

―a utilização das HQs no ensino de História tem se afirmado


lentamente nas últimas décadas, em especial em decorrência do
movimento historiográfico de ampliação da noção de fontes e pela
abertura do espaço escolar para a utilização de novas
linguagens‖(Idem, p 153).

Mesmo que a escrita impere, não se pode mais negar a importância


de outras fontes. Os Annales colocaram a discussão em torno do
documento. De lá para cá, houve uma grande ampliação de fontes e
pesquisas.

Com isso, cresce a complexidade dos documentos, já que mudaram


os limites de vários campos do conhecimento e as relações
estabelecidas entre eles. Surgem novas especializações e profissões,
diversificou-se a pesquisa e ganharam importâncias diferentes tipos
documentais.

Com os Annales, amplia-se o repertório das fontes históricas e altera-


se o próprio conceito de fonte ênfase nos processos sociais e
econômicos, assim como aos aspectos mentais da civilização nas
décadas seguintes.

Tem aumentado à discussão a respeito do uso das HQs no ensino de


História no Brasil, sendo que percebemos essas discussões também
em artigos, dissertações e trabalhos de conclusão de curso. No
entanto, Douglas Lima nos mostra que ainda falta obras de docentes
que fizeram a utilização dessas obras em salas de aula.

Sobre o uso dos quadrinhos em salas de aula, nota-se que os


mesmos servem:

―para ilustrar ou fornecer uma ideia de aspectos da vida social de


comunidades do passado; para serem lidos e estudados como
registros da época em que foram produzidos; para serem utilizados
como ponto de partida de discussões de conceitos importantes para a
História‖ (Idem).

A utilização de quadrinhos que falam sobre uma realidade local e


nacional é fundamental na compreensão do aluno, como por

145
exemplo, o quadrinho O Cortiço, que é um dos nossos objetos de
estudo,é uma obra em quadrinhos adaptada de uma literatura de
sucesso, nela conseguimos compreender o Brasil República no final
do século XIX.

Portanto, percebe-se que mesmo que os quadrinhos sejam ficcionais,


não impossibilita a utilização dos mesmos pelo historiador no ensino
de História. Nota-se que a rejeição contra esse tipo de fonte foi
superada, sendo que os 10 anos de publicações de quadrinhos pelo
PNBE contribuiu para essa superação. Tem sido discutida a inserção
dos quadrinhos na área de ensino em vários estudos, destacando que
as HQs podem ser utilizadas na compreensão de fatos,
representações de uma época e de forma bem mais atrativa aos
alunos, sendo que se pode utilizar a produção textual atrelada à fonte
imagética. Ou seja, a utilização dos quadrinhos se torna crucial no
ensino de história.

Ademais:

―os quadrinhos promovem a leitura, a interpretação e a imaginação,


aspectos diretamente relacionados às aulas de Linguagens, mas
também fundamentais para as Humanidades e, especificamente, para
a História‖ (Idem)

A obra O Cortiço e seu contexto histórico


‗O Cortiço‘ 1890, de Aluísio de Azevedo, escritor literário naturalista
que em sua obra faz toda uma construção social na qual retrata a
vida do personagem João Romão, um português que tem uma
elevada ambição, e que faz de tudo para acumular capital. O enredo
da narrativa se baseia nas relações pessoais a partir do vendeiro, e
de sua amante, Bertoleza, uma escrava que se amiga a João Romão
após a morte de seu companheiro. O cortiço, espaço social a qual se
localiza a narrativa literária, e localizada em Botafogo, bairro da
Cidade do Rio de Janeiro, e se expressa como personagem também
dentro da trama.

A obra, numa perspectiva literária, traz uma nova forma de


construção literária, do século XIX, onde os heróis agora mudam de
forma, não está mais apossado em uma classe superior, e nem
detém mais a condição de exemplo social, a narrativa agora se vira
pra uma nova analogia dos sujeitos e suas condições sociais. O
cortiço é uma obra literária de grande importância, dentro da
conjuntura intelectual brasileira. Se levarmos a para uma exploração
histórica de suas tramas, ‗o cortiço‘ nos apresenta uma análise do
contexto histórico, a transição do período Imperial para a República,

146
demonstrando uma enorme coesão de fatos históricos possíveis de
análise.

A transição do fim do período imperial e a instalação da República são


representadas pela configuração condição de Bertoleza, na qual nos
leva a pensar sobre o fim da escravidão e o processo lento que se
decorre ate a percepção dos novos fatos. A condição de escrava que
ainda serve ao seu senhor, caracterizada por Bertoleza, deixa claro
essa relação firmada no final do século XIX, e demonstra como essa
sociedade ainda estava muito ligada a questão escravocrata.

A questão social é o fator mais apresentado na trama de Aluísio de


Azevedo em ‗O Cortiço‘, caracterizado pelos personagens da
narrativa. O cortiço como espaço social revela a condição dos
sujeitos, e como esses sujeitos sociais do final do século XIX agem
dentro dessa sociedade. Carvalho 2008, em análise sociológica da
obra, faz uma caracterização dos personagens agrupados em
categorias, o branco europeu, na qual se encontra na condição de
desprezo por parte dos nativos, isso se dar principalmente pela
relação desde o período colonial e a condição a qual estava alocada
na sociedade de superior, e as condições econômicas que os mesmos
tinham.

João Romão, personagem principal da obra, e uma pessoa


escravizada pelo capitalismo, na qual a acumulação de capital por
parte do personagem lhe condiciona a exploração de si.

A cena inicial do romance de Azevedo antecipa ao leitor o que seria a


motivação da vida de João Romão. Mais do que qualquer descrição
física, a primeira apresentação do protagonista do romance é sua
pulsão mental: sua mania por ser rico, seu ―delírio de enriquecer‖. No
universo de João Romão, toda ação visa ao crescimento econômico,
no qual o dinheiro é o único objeto de desejo. De fato, acumulação
equipara-se a privação, ―apertando cada vez mais as próprias
despesas, empilhando privações sobre privações‖. (SANTOS, 2012, p.
57).

Santos (2012) analisa a obra o cortiço partindo de um viés


econômico, na qual é representado dentro da obra, associando as
relações pessoais com o fator econômico.Desde o personagem João
Romão e seu fascínio em acumular capital, numa lógica do sistema
capitalista, que também e encontrada nos moradores do cortiço, na
qual muitos vivem do trabalho exploratório na mina, ou prestam
serviços em outras localidades. A questão das lavadeiras de roupa, e
a condição que Leocádia se presta na busca de ser ama de leite, vista

147
que se estavam pagando bem, isso representaria uma melhoria na
sua condição social.

Conclusão
Nossa proposta aqui foi discutir sobre a literatura, partindo dos
relatos presentes de representação nos discursos das narrativas de
obras literárias, na qual tem uma série de representações dos
contextos ao qual foi produzida. Entender essas relações é de
fundamental importância, os historiadores ou mesmos intelectuais do
campo das ciências humanas, depois das formulações das fontes
históricas feita pelos Annales no século XX, tem se debruçado em
analisar essas obras, percebendo sua importância dentro da
construção do conhecimento.

Essa importância vai ser atendida no ensino também, as


possibilidades de uso de linguagens em sala de aula, partindo da
interdisciplinaridade escolar, a literatura entra como uma ferramenta
importante no uso escolar. No ensino de história, essas linguagens
tem um papel importante, vista que os clássicos literários estão
cheios de representações, no qual a literatura clássica textual
brasileira é uma fonte primordial no que se trata dos conteúdos sobre
a história do Brasil. Esse foi o caso da utilização da obra de Aluísio de
Azevedo ‗O Cortiço‘, obra de 1890, que retrata a sociedade do final
do século XIX, com uma riqueza de elementos históricos, na qual
fazemos um parâmetro com o Gibi/HQs de ―O Cortiço‖, na qual
formula em uma nova linguagem, que possibilita uma maior
atratividade por parte dos alunos em sala de aula, levando em conta
os tipos de linguagem e sua aceitação por parte dos alunos.

Referências
Fernando Nogueira Resende é graduando em curso de Licenciatura
em História na UNIFESSPA – Universidade Federal do Sul e Sudeste
do Pará – em Xinguara – Pará.

Jonathan Evangelista de Araújo é graduando em curso de


Licenciatura em História na UNIFESSPA – Universidade Federal do Sul
e Sudeste do Pará – em Xinguara – Pará.

Esse artigo é resultado de trabalho de trabalho final apresentado na


disciplina Prática Curricular Continuada V – Estratégias de Ensino de
História no ensino fundamental. E foi orientado por Rafael Rogério
Nascimento dos Santos, professor do curso de Prática Curricular
Continuada V – Estratégias de Ensino de História no ensino
fundamental.

148
FONSECA, Selva Guimarães. A história na educação básica:
conteúdos, abordagens e metodologias. Anais do I seminário
nacional: currículo em movimento. Perspectivas Atuais. Belo
Horizonte, novembro, 2009.

LIMA, Douglas. História em quadrinhos e ensino de História. Revista


História Hoje, v.6, nº 11, p. 147-171, 2017.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. « História & literatura: uma velha-nova


história », Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Débats, mis en
ligne le 28 janvier 2006, consulté le 21 mai 2017. URL:
http://nuevomundo.revues.org/1560

SANTOS, Vivaldo Andrade dos. Uma leitura econômica de O Cortiço.


Revista Ieb, n54, 2012, set./mar. p.53-66.

149
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DA LITERATURA NO
ENSINO DE HISTÓRIA: DESAFIOS, PROBLEMAS E PROPOSTAS
Filipe Matheus Marinho de Melo
Jairo Fernandes da Silva Junior

Os desafios diários que são postos aos profissionais de educação são


dos mais variados; as suas soluções devem seguir a imensa
variedade de questões para que seu enfrentamento se dê de forma
sustentável e plena, causando impactos irreversíveis na forma de
como a educação deve ser encaminhada no Brasil. Uma das
problemáticas mais dramáticas que encontramos na educação
brasileira diz respeito ao letramento e alfabetização dos indivíduos.

De 2014 a 2017, notícias apontam o Brasil ocupando uma posição


entre os dez países com os maiores índices de analfabetismo no
mundo. Em matéria, a Folha de São Paulo no final do ano de 2016,
afirmou que o analfabetismo caiu em 2015, encerrando o ano com
cerca de 12,9 milhões de analfabetos, não cumprindo as metas
estipuladas pelo Plano Nacional de Educação (PNE). Ainda em 2016, o
Valor Econômico, publicou matéria contendo os mesmos dados, diz a
manchete: ―Brasil tem 12,9 milhões de analfabetos, aponta Pnad‖.
Em outubro de 2017, o G1afirmou em matéria que: ―Brasil tem 13
milhões de analfabetos e não consegue redução há três anos, diz
Unesco‖. Os dados publicados pelo G1 fazem parte dos relatórios da
Unesco de monitoramento da educação e, segundo a redação da
mesma página, de acordo com os relatórios, ―faltam incentivos para a
educação profissionalizante e para o aluno terminar o ensino médio‖.

Pensar a questão de como ensinar História a partir de sua relação


com a literatura, levando em consideração os números acima, é
desafiadora. Desta feita, a proposta deste trabalho se pauta em
discutir o uso da literatura como uma ferramenta fundamental nas
aulas de História, apelando para a questão interdisciplinar, para que
História e Literatura não sejam campos de discussão independentes,
mas marcados de cruzamentos elementares para transcender a
problemática do letramento e alfabetismo no Brasil, pois, o
enfrentamento de tais problemáticas deve abarcar todos os níveis da
educação formal, não formal e informal.

A literatura e as políticas públicas para educação


Tanto a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) quanto o Plano Nacional de
Educação (PNE) discutem sobre a questão da leitura e da
alfabetização como elementos primordiais dentro do sistema
educacional brasileiro. Além de ambos se referirem a difusão da
cultura e da formação da cidadania nos educandos. Entretanto, o

150
sistema de educação no Brasil, além de ser apresentado muitas vezes
como somente nos moldes da educação formal, é atravessado por
contradições que são encontradas tanto dentro do ambiente escolar,
como fora. Por mais que se almeje uma educação que transcenda tais
contradições, estas são inerentes ao sistema capitalista que visa uma
competição acirrada entre os estudantes e entre as próprias
instituições de ensino em busca de resultados e números. Em
contrapartida, devido a tal situação, o conhecimento humano e
cultural acaba se banalizando, promovendo uma deseducação da
sociedade brasileira.

De acordo com o artigo 2º do PNE, o sistema educacional deve


almejar a ―erradicação do analfabetismo‖, além de ―formar para o
trabalho e para cidadania‖. Entretanto, a formação escolar no Brasil
nos últimos anos tem se voltado para a produção de indivíduos aptos
para o mercado de trabalho e alienados de sua situação enquanto
trabalhadores e seres humanos. Como afirma István Mészáros,

―uma vez que o significado real de educação, digno de seu preceito, é


fazer os indivíduos viverem positivamente à altura dos desafios das
condições sociais historicamente em transformação – das quais são
também os produtores mesmo sob as circunstâncias mais difíceis –
todo sistema de educação orientado à preservação acrítica da ordem
estabelecida a todo custo só pode ser compatível com os mais
pervertidos ideais e valores educacionais”. (István Mészáros, p. 83)

Dessa maneira, a formação de sujeitos críticos deve ser a meta


primordial do sistema de educação, pois, além de formar seres
humanos dotados de sensibilidade social, deve almejar formar
cidadãos capazes de questionar seus direitos, deveres e papeis na
sociedade.

Nesse contexto, o papel das escolas e dos educadores, levando em


conta o contexto sócio-político no Brasil, é instigar das mais variadas
formas percepções críticas sobre o mundo. E a literatura, sendo
herança cultural da humanidade, promove nos indivíduos o
desenvolvimento da reflexão, do questionamento, além da
consciência de si e da sociedade que nos cerca. Assim, o uso da
literatura na Escola não deve se reduzir somente as aulas de
Gramática, Literatura e Artes, mas deve ir além e se relacionar com
as variadas disciplinas que compõe o currículo escolar. Em História
especialmente, o uso de literatura é capaz de romper as barreiras
temporais, étnicas, culturais, etc. e promover uma compreensão dos
sujeitos como históricos e humanos. Além disso, a produção de
consciência, inerente a História, e a sociedade.

151
História, literatura e interdisciplinaridade
A relação interdisciplinar que se apresenta entre a História e a
Literatura pode, por vezes, apresentar limites que se manifestam
com certas imprecisões, porque a literatura é um discurso que muitas
vezes apresenta uma realidade que lhe é própria e não uma realidade
criada a partir do nada, mas feita a partir hibridismos entre o ficcional
e o real (Rachadel; Feliberto; Venera, p. 2). Portanto, há uma
necessidade de ―destrinchar‖, como afirma o historiador (Carlo
Ginzburg, p. 14), ―o entrelaçamento de verdadeiro, falso, fictício‖. Ou
seja, tornar esses limites que perfazem a literatura e a história mais
claros em sua utilização, trazendo, de um lado, o real e histórico, do
outro, o ficcional.

Assim, a literatura expressa questões que são próprias de sua época


como os conflitos sociais, políticos e até mesmo econômicos e
ideológicos que se mostram latentes em seu determinado período
histórico porque o autor se baseia em sua realidade para expressar
tais conflitos. Dessa maneira, para a utilização da literatura como
fonte histórica há a necessidade de historicizá-la, pois, não basta
apenas desvendar seu conteúdo, como também as formas estéticas
que estão presentes, a receptividade da obra, o grupo ao qual ela
representa, a posição social do autor, entre outras, pois, a vivência
dos indivíduos e o desenvolvimento de suas relações com a sociedade
não se dão de forma neutra, mas marcadas por particularidades.
Dessa maneira, como afirma Valdeci Rezende Borges, ―se todo
documento é uma construção que se pauta de regras próprias de
escrita (...) tanto o literato como a literatura, estão aprisionados nas
teias da cultura e do tempo‖. (Valdeci Rezende, p. 103)Assim, o ato
de historicizar é imprescindível para o trabalho do profissional de
história porque traz questionamentos necessários para se investigar
aquilo que se está trabalhando.

O papel do professor, que usa a literatura como abordagem de ensino


interdisciplinar,também se pauta na historicização. Portanto, ao
selecionar um texto literário e aplicá-lo em sala de aula, o professor
deve levar em consideração algumas questões que são
demasiadamente pertinentes para que as aulas de história se deem
de maneira construtiva e não comprometa o desenvolvimento do
conteúdo estudado.

O primeiro elemento fundamental se pauta em conhecer a turma. Por


mais que o professor tenha inúmeras ideias de como trabalhar um
determinado conteúdo da disciplina, ele deve conhecer a turma com a
qual está lidando. Portanto, conhecer a turma não se restringe a
saber o nome de todos os alunos, mas compreendê-los enquanto
sujeitos, o que implica ouvir suas visões de mundo, suas dificuldades

152
e conquistas, em suma, é dar ao aluno a possibilidade de ele
expressar-se enquanto sujeito. E mais do que sujeitos dentro de uma
sala de aula, sujeitos dentro da própria História, pois, como afirma
Selva Guimarães, ―a história tem como papel central a formação da
consciência histórica dos homens‖ (Selva Guimarães, p. 89) porque
possibilita pensar sobre identidades, diferenças, cidadanias, etc.
Desse modo, a educação deve seguir os ensinamentos de Paulo Freire
e buscar constantemente o diálogo.

O segundo ponto que se mostra necessário na interdisciplinaridade


entre a História e a Literatura, se pauta na relação que a obra deve
possuir com o conteúdo a ser trabalhado em sala. É necessário
compreender que a literatura atrelada ao ensino não é uma mera
ilustração de um período histórico ou entretenimento, mas uma
ferramenta necessária para a compreensão do período em questão.
Como afirma Rafael Ruiz, ―a análise de textos literários permite
relacionar e estabelecer conexões entre muitas áreas do
conhecimento‖ (Rafael Ruiz, p. 82) e cabe ao professor estabelecer
essas conexões para que os alunos não se sintam prejudicados ou
com alguma falha na compreensão, mas consigam ricos resultados no
processo de aprendizagem.

O terceiro ponto se pauta na seleção das obras. Por mais que o


professor tenha predileções por determinadas obras literárias, o
momento da seleção é de importância vital. É possível historicizar
uma grande quantidade de obras, mas nem toda obra é própria para
ser trabalhada em sala de aula. Para tanto, deve ser levado em
consideração a realidade dos alunos, a faixa etária, a linguagem, a
série, as dificuldades, etc.Um professor que opta pela utilização de Os
Miseráveis, obra escrita na França em meados do século XIX, por
Victor Hugo, deve levar em consideração a densidade da obra, tanto
do ponto de vista da discussão, como pelo número de páginas.Dessa
maneira, hoje o Brasil conta com editoras que se propõe a promover
adaptação na linguagem de certas obras para facilitar o entendimento
dos indivíduos e os aproximar das leituras. O professor deve estar
atento a tais adaptações e refletir sobre seus usos na sala de aula.
Além disso, para além das adaptações na linguagem, há as obras em
formato HQ, como por exemplo, ‗Grande Sertão: Veredas‟, ‗O Velho e
o Mar‟, ‗Morte e Vida Severina‟ que devem ser levadas em
consideração,como também contos, novelas e poemas.

O quarto ponto se refere ao processo de interpretação. Saber ler não


deve se restringir ao simples ato de juntar as palavras e formar
frases, mas saber o que o texto significa em sua totalidade. Por isso
se faz necessário cautela por parte do professor no momento de
selecionar o texto que será trabalhado em sala de aula. Além disso,

153
nas aulas de História, saber interpretar a obra literária em questão é
também exercer as associações que a obra possui com o contexto a
ser estudado em sala. Se se trabalha, por exemplo, com uma
adaptação da obra ‗Cândido‘ de Voltaire ou mesmo a própria obra
integral, elementos típicos do período Iluminista devem ser
identificados e interpretados por parte dos alunos para que o discurso
do Iluminismo fique cada vez mais claro aos alunos. Para além disso,
é de suma importância o professor criar rodas de leitura, promover a
formação de grupos e pesquisas para que a haja debates na turma e
que diferentes pontos de vista sejam exaltados a fim de que os
alunos exponham suas questões sobre a obra lida, mas sempre se
atendo ao conteúdo histórico.

Por fim, a questão da problematização deve ser um dos elementos


fundamentais nesse processo. É próprio do ofício do historiador
elaborar questões, interrogações, problemas ao objeto de estudo em
questão. A questão da problematização deve estar desde o começo
de uma aula, em atividades, na forma de avaliar os alunos ou até
mesmo no uso da literatura como ferramenta nas aulas de história. A
História é uma disciplina produtora de consciência histórica e a
problematização deve servir não apenas como um meio de
desconstrução, mas como uma maneira de tornar os alunos sujeitos
de pensamento crítico e produtores de saberes.Dessa maneira, como
afirma Maria Amélia Dalvi, os usos da literatura na sala de aula

―reinventam e potenciam, sob todos os pontos de vista, as línguas, as


memórias, as experiências ou vivências sócio-histórico-culturais, os
povos e as comunidades (...) sendo, portanto, meio e fim de nosso
processo infindável de humanização‖.(Maria Amélia Dalvi, p. 80)

Assim, usar a literatura como ferramenta possibilita ao professor


discutir uma variedade de temas transversais como feminismo,
racismo, questões políticas, religiosas, de gênero, entre outras, e
assim possibilitar o rompimento espacial e temporal que os alunos,
muitas vezes, possuem com as aulas de História.

Considerações Finais
Tendo em vista o alto número de analfabetos no Brasil, é latente a
necessidade de instigar a leitura. A ferramenta para tal pode ser a
literatura, sobretudo atrelada a matéria de história. Juntas,
principalmente a primeira, auxiliam no aumento pelo interesse pela
leitura e na compreensão de processos históricos.

A relação história e literatura têm crescido não só no campo da


investigação, mas já são claras as investidas no campo do ensino,
através de projetos de intervenção efetuados por grupos de

154
investigação voltados para educação das Universidades Públicas pelo
país. Entretanto, ainda falta a quebra de barreiras entre os
profissionais da educação com as muitas possibilidades que o texto
literário é capaz de oferecer.

Se por um lado, as políticas públicas voltadas para educação têm


diminuído os espaços de reflexão, por outro, propuseram um amplo
espaço de interdisciplinaridade que pode ser explorado através
dessas relações mútuas entre as matérias de ciências humanas nos
currículos do ensino básico. Assim, a insistência e a organização
pedagógica do profissional deve ser latente e, se persistente, pode
colaborar para a diminuição dos índices de analfabetismo e aumentar
o senso crítico dos estudantes a longo prazo. Estudantes estes que
são agentes ativos da sociedade do Tempo Presente.

Referências
Filipe Matheus Marinho de Melo é graduado em História pela UPE, e
membro do grupo em História do Tempo Presente;

Jairo Fernandes da Silva Júnior é graduado em História pela UPE,


mestrando em História pela UFRPE, e membro do grupo em História
do Tempo Presente;

BORGES, Valdeci Rezende. História e Literatura: algumas


considerações. Revista de Teoria da História, Goiás, ano 1, Nº 3, p.
94-109, junho/2010;

CARTA CAPITAL. Brasil está entre os dez países que concentram a


maior parte do número de analfabetos, 2014. Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/educacao/taxa-mundial-de-
analfabetismo-cai-1-em-11-anos-mostra-relatorio-5540.html>,
acesso em fevereiro de 2018.

DALVI, Maria Amélia. Literatura na escola: propostas didático-


metodológicas. In: DALVI, M. A.; REZENDE, N. L.; JOVER-FALEIROS,
R. (orgs.). Leitura de Literatura na Escola. São Paulo, SP: Parábola,
2013.

FOLHA DE SÃO PAULO. Analfabetismo cai em 2015, mas Brasil não


cumpre meta de educação, 2016. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/11/1835525-
analfabetismo-cai-em-2015-mas-brasil-nao-cumpre-meta-de-
educacao.shtml>, acesso em fevereiro de 2018.

155
FONSECA, Selva Guimarães. Didáticas e práticas de ensino de
história: experiências, reflexões e aprendizagens. Campinas, SP:
Papirus, 2003.

G1. Brasil tem 13 milhões de analfabetos e não consegue redução há


três anos, diz Unesco, 2017. Disponível em:
<https://g1.globo.com/educacao/noticia/brasil-tem-13-milhoes-de-
analfabetos-e-nao-consegue-reducao-ha-tres-anos-diz-
unesco.ghtml>, acesso em fevereiro de 2018.

GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São


Paulo: Companhia das Letras, 2007.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2ª ed. São


Paulo: Boitempo Editorial, 2008.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Plano Nacional de Educação (PNE).


Brasil: Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino, 2014.

RACHADEL; FELIBERTO; VENERA. Desafios da Educação na


Contemporaneidade: multidisciplinaridade entre Literatura e Ensino
de História. Revista Percursos. Florianópolis, v. 11, nº 01, jan./jul.,
2010.

RUIZ, Rafael. Novas formas de abordar o ensino de História. In:


KARNAL, L. (org.) História na Sala de Aula. 6ª ed. São Paulo:
Contexto, 2015.

VALOR ECONOMICO. Brasil tem 12,9 milhões de analfabetos, aponta


Pnad, 2016. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/brasil/4787959/brasil-tem-129-milhoes-
de-analfabetos-aponta-pnad>, acesso em fevereiro de 2018.

156
O USO DE IMAGENS COMO FONTE NO ENSINO DE HISTÓRIA
ANTIGA
Gabriela Isbaes

A ideia de que a História não se constrói somente com fontes escritas


tende a ser relacionada a uma visão contemporânea advinda das
renovações históricas realizadas no século XX, porém, essa
perspectiva parece existir desde a Antiguidade. Funari (2011) afirma
que Heródoto e Tucídides, historiadores do período, já visualizavam
que a História se fazia com testemunhos, objetos, pinturas, ruínas de
edifícios e paisagens, por exemplo. Desde o início, o homem deixou
vestígios imagéticos em cavernas e rochas, como as pinturas
rupestres. Na Roma Antiga, as pinturas serviam para adornar espaços
residenciais, e também como meio de comunicação e de adoração
aos deuses mitológicos (SANFELICE, 2011). No medievo, as
ilustrações eram visualizadas como uma forma texto, tendo em vista
que a maioria da população não possuía letramento e os fatos bíblicos
da religião cristã – tão presente nesta época – poderiam ser
explicados e explorados por meio de pinturas e gravuras. Outros
inúmeros exemplos de utilização de imagens ao longo da história com
função de manifestar movimentos políticos, religião, hábitos e
moralidades poderiam ser citados. O que fica claro, porém, é que
desde a Pré-História até a contemporaneidade, o homem se comunica
por meio das imagens, sendo esta uma forma de linguagem, a qual
representa culturas das mais variadas épocas (COELHO, 2012;
SILVA, E. O., 2010; FUNARI, 2001).

O nosso mundo é hoje, mais do que nunca, visual. Estamos cercados


por propagandas, televisores, aparelhos de celular, redes sociais, que
nos transmitem imagens a todo o momento e em qualquer lugar. A
absorção de informação se torna um processo rápido e dinâmico,
fazendo com que assimilemos mensagens dos conteúdos imagéticos
sem nem ao menos darmos dar conta disso, muitas vezes.
Ressaltando a atratividade que o conteúdo visual traz, e as mudanças
advindas no final do século XX com a História Nova - as quais
possibilitaram maiores pesquisas e elaboração de métodos de como
se trabalhar com as fontes imagéticas - cabe a nós, professores e
historiadores, nos utilizarmos deste meio tão atraente às crianças e
jovens, nos processos de ensino/aprendizagem. Isso porque, as
imagens podem demonstrar amplas perspectivas sobre o passado e
dar nova face ao ensino e didática da História (COELHO, 2012;
SILVA, E. O., 2010; LITZ, 2009).

No Brasil o uso da iconografia nos meios educacionais ainda é


recente, data do início da década de 1990, influenciado pelos Annales

157
e pela Nova História Cultural. Todavia, a grande maioria das
instituições de ensino atualmente já possui aparatos que propiciam a
utilização de imagens nas aulas, como computadores, projetores, e
até mesmo os livros didáticos ilustrados. Assim, se vê que o conteúdo
visual é empregado na didática do ensino de História, porém, ainda
sem muitos critérios de análise e aproveitamento. Um grande
problema encontrado nos livros didáticos, por exemplo, está no fato
de que as imagens são neles colocadas somente para ilustrar as
páginas, sem legendas esclarecedoras ou conexão concisa com os
textos que as precedem - quando poderiam ser uma fonte explicativa
para um vasto conteúdo. Uma vez que as mudanças historiográficas
são recentes, grande parte dos professores não teve acesso ao trato
com as imagens em suas graduações, não sabendo interpretá-las e
torná-las uma ferramenta didática, o que influencia no uso tão
generalizante do tripé livro, lousa e giz (COELHO, 2012; SILVA, E. O.,
2010).

Todo o conteúdo imagético deve ser manipulado com cautela e


selecionado criteriosamente para não se tornar apenas mais um
recurso que, ao final do processo de ensino,nada tenha agregado aos
estudantes.O uso da iconografia faz com que surjam novas
indagações, metodologias e interpretações, construídas por meio da
análise desta fonte histórica. Uma única imagem pode ser
interpretada de diversas maneiras dependendo das intenções do
historiador (ele carrega um olhar, uma ideologia, uma mentalidade
de época, um intuito para traçar suas produções), o que nos traz uma
fonte que se renova a cada período e a cada estudo. O pesquisador
que utiliza imagens deve ser cauteloso, pois estas não foram
constituídas com imparcialidade. É necessário refletir com criticidade
(tomando cuidado para não se cometer anacronismos) a respeito da
época e do porquê de ela ter sido produzida, estudando estilos e
tendências do período. Além disso, não devemos nos deter a apenas
a só uma perspectiva crítica, é necessário explorar diversas vertentes
e posicionamentos acerca do material utilizado.

Coelho (2012) e Litz (2009), afirmam que é essencial, antes de


trabalhar com a imagem em sala, isolá-la de qualquer texto ou
legenda, para assim se ter uma visão e análise mais ampla, buscando
seus significados, os materiais utilizados, o contexto em que foi
produzida, e quem a idealizou. Por meio deste exercício, não só
professor, mas também alunostêm a possibilidade de investigar a
imagem espontaneamente, elencando suas percepções iniciais, para
posteriormente passarem a um debate compartilhado e mediado pelo
educador, que dará maiores informações a respeito do objeto de
análise. Muitos aceitam o que está retratado nas imagens como
verdade absoluta dos fatos, por isso a interpretação crítica por parte

158
do aluno, com a intervenção do professor, se torna primordial, a fim
de que este enxergue que o material que está em suas mãos contem
subjetividades a serem exploradas. Não devemos ser receptores
passivos do que o visual nos traz, mas sim, buscar olhar criticamente
suas mensagens. Ainda, diversas imagens que tratam do mesmo
tema, mas que apresentem perspectivas divergentes sobre o mesmo,
podem ser exploradas, fazendo com que as discussões se
amplifiquem e se compreenda como há uma multiplicidade de
abordagens não só no material escrito, mas também no visual. Dessa
maneira, se conseguirá relacionar mais facilmente a imagem com o
conteúdo a ser trabalhado (SILVA, E. O., 2010).

Outra grande falha no uso pedagógico das imagens está no fatode


queos educadores, ao invés de trabalhá-las como fonte de
conhecimento, apenas a utilizam em sala como mera ilustração
daquilo que os textos do livro didático expuseram. Os professores
poderiam se beneficiar do uso do conteúdo imagético para motivar os
alunos, fazê-los desenvolver um maior senso crítico, compreendendo
um conteúdo, por exemplo, somente ao olhar aquela imagem e
relacioná-la a algum evento (SILVA, E. O., 2010).

Os livros didáticos e o uso de imagens no ensino da


Antiguidade
Os livros didáticos tendem a negligenciar a História Antiga em
detrimento das outras divisões históricas comumente adotadas,
sendo pouco atualizados no que diz respeito a esta temática. A
maioria, por atrasos nas transposições didáticas, não acompanha as
descobertas arqueológicas e os novos saberes e releituras que elas
propiciam sobre o passado antigo, o que torna estes livros uma fonte
de saber pouco completa e que não leva a problematizações. Ainda,
devido ao grande ―preconceito‖ em fugir dos materiais no formato do
livro por parte de professores e alunos, este acaba sendo o apoio
mais utilizado nas salas de aula (GONÇALVES, 2001).

Para Gonçalves (2001), há dois modos comumente adotados para


tratar da História Antiga nos livros didáticos. O primeiro busca
realizar um trabalho sucinto sobre todas as civilizações antigas,
orientais e ocidentais, elencando em pequenos textos, apenas alguns
aspectos que os autores da obra julgam ser relevantes. A segunda
vertente ressalta somente as civilizações grega e romana e seu
legado para os dias de hoje, mas não aprofunda assuntos de outras
sociedades. Além do mais, trata estas duas como superiores a todas
as outras, e evidencia em demasia sua cultura elitista, descartando
os saberes acerca das classes menos favorecidas. O aluno, assim,
entende que os romanos e gregos existiram, mas não os
compreendem em sua totalidade e pluralidade. Outro erro nesta

159
mesma vertente é elucidar o direito romano, a democracia ateniense
e a escravidão em Roma, por exemplo, como a origem do que se tem
hoje, deixando o entendimento de que o que aqui vivemos é uma
continuidade daqueles tempos. Porém, os significados destes
movimentos no passado são divergentes do que é concebido
contemporaneamente (FUNARI, 2001; SILVA, S. C., 2010). É válido
ressaltar as relações entre passado e presente, mas sempre de
maneira crítica, sem cometer anacronismos.

Além de os materiais didáticos não trazerem uma abordagem


completa da História Antiga, muitos professores, ao findar sua
graduação, não voltam a se atualizar e a buscar novos saberes e
estudos sobre o tema, tomando o livro como única fonte de
informação. Porém, estes mesmos livros são dificilmente elaborados
por especialistas em Antiguidade, e seus idealizadores se baseiam em
informações de outros materiais didáticos já desatualizados para a
confecção de um novo (GONÇALVES, 2001). Por isso, o educador
deve se permitir utilizar diversos recursos, buscar renovações, aplicar
novos métodos, a fim de que seus alunos aprendam mais ativamente
e compreendam melhor e de maneira mais aprofundada a dinâmica
das sociedades antigas baseando-se em múltiplos estudos e fontes
(SILVA, S. C., 2010).

A nossa visão de mundo afeta o modo como interpretamos as


imagens. Dessa maneira, o aluno que pouco sabe acerca da
Antiguidade, pode não realizar uma boa análise de pinturas e outros
artefatos do período. Se este conhecesse um pouco mais sobre os
povos antigos, acabaria por trazer maiores debates e perspectivas de
interpretação para a sala de aula. De acordo com Litz (2009),
trabalhar com a análise de imagens, pinturas, mapas, entre outros,
instiga os estudantes a construírem novas percepções. As fontes
visuais precisam ser bem exploradas, relacionadas a textos e a
explicações do professor, para assim se tornarem válidas na
aquisição de informação e desenvolvimento de pesquisas,
convertendo o processo de ensino-aprendizagem em algo interativo,
diferenciado e crítico.

Relegar os estudos da Antiguidade a um plano secundário leva cada


vez mais a dicotomia entre elites e massas, uma vez que as primeiras
são costumeiramente mais evidenciadas nos meios históricos,
omitindo uma História popular. Para Funari (2001), não se conhece
uma civilização sem saber sobre sua língua, religião, costumes,
cultura e meios de expressão intrínsecos a todas as suas classes
sociais. Deixar para os estudos das sociedades antigas pouco espaço
no currículo e pouca evidência nos materiais didáticos acaba por
condicioná-las ao esquecimento. As pinturas, porém, se mostram

160
como grande fonte do saber acerca destes povos, e devem ser mais
bem exploradas em sala de aula, principalmente aquelas que foram
produzidas no período em questão. Isso porque, em diversos casos,
são utilizadas nos materiais de ensino pinturas contemporâneas que
retratam personagens da mitologia Antiga, trazendo assim, não a
relação daquele povo com a sua religião, mas uma releitura moderna
sobre o tema, quando o interessante seria buscar como aquela
sociedade lidava com suas crenças (GONÇALVES, 2001).

Mas, se as pinturas e outras produções imagéticas, se mostram como


fonte rica em saberes sobre as sociedades antigas, por que não são
mais bem utilizadas após as mudanças trazidas pela História Nova?
De acordo com Meneses (1983), há algumas posturas que devem ser
superadas. A primeira seria a marginalização da cultural material em
detrimento da escrita. A segunda é o uso instrumental da
Arqueologia, como complementação do que foi escrito. E a terceira
postura é a de utilizar a materialidade, as pinturas, ruínas e objetos,
como ilustração do que o texto abordou, dando a impressão de que
houve a ―vivência‖ das situações por ele trazidas por meio de uma
imagem. Felizmente, a partir da década de 1990 – posteriormente ao
trabalho de Meneses, elaborado em 1983 - se viu uma maior atenção
às pesquisas na área arqueológica e de exploração da cultura
material, renovando saberes sobre a Antiguidade e desenvolvendo
novos métodos de análise das fontes. Vê-se assim, maior número de
pesquisas acadêmicas, ampliação dos cursos de especialização e de
eventos, os quais formam grande número de estudiosos interessados
na temática (LITZ, 2009; SILVA, S. C., 2010). Isso tudo é muito
importante, uma vez que, no que diz respeito à História Antiga, a
raridade de fontes escritas faz com que a cultura material seja
imprescindível para se conhecer as sociedades do período. Além do
mais, a parcela letrada da população era minoria, e se encontrava
comumente nas classes mais abastadas, o que leva a registros
escritos elitistas. Os vestígios arqueológicos, todavia, podem revelar
perspectivas históricas voltadas às camadas mais populares. As
pinturas realizadas nas paredes da cidade de Pompéia são um
exemplo de que uma nova ótica pode ser construída por meio das
imagens.

161
Figura 1:Terentius Neo e sua esposa.
Fonte:http://cir.campania.beniculturali.it/museoarcheologiconazional
e/itinerari-tematici/galleria-di-immagini/RA106?page=148>. Acesso
em: 26 set. 2016.

Figura 2: Mulher com estilete.


Fonte:http://cir.campania.beniculturali.it/museoarcheologiconazional
e/itinerari-tematici/galleria-di-immagini/RA109?page=156>. Acesso
em: 26 set. 2016.

As figuras 1 e 2, duas das mais conhecidas quando se fala das


pinturas parietais de Pompéia, demonstram a figura feminina
segurando estiletes e tabuinhas, instrumentos utilizados para a
escrita. Estes retratos podem levar a crer que talvez o letramento
não fosse algo exclusivo da classe aristocrática e só possível entre os
homens, mas sim, que era mais difundido em Pompéia e em Roma do
que se imagina. Grafites parietais da cidade – manifestações
populares - também permitem afirmar que muitas mulheres
possuíam letramento, já que variadas inscrições foram produzidas por
elas. Algumas destas produções, inclusive, mostraram que mulheres
apoiavam candidatos políticos, retirando a tão disseminada visão de
que elas eram alheias à vida fora do lar. Assim, por intermédio destas
pinturas e produções visuais (e inúmeras outras que podem ser
encontradas na cidade vesuviana e no Museu de Nápoles), é possível

162
evidenciar que as mulheres (não se sabe em que porcentagem)
poderiam ser alfabetizadas e intelectuais em Pompéia (FUNARI,
1995).

Considerações finais
Livros didáticos podem ser bons materiais, inclusive os
desatualizados, uma vez que, se consultados por um leitor crítico,
este pode vir a contestar as informações, buscar novidades e realizar
uma análise mais aprofundada das múltiplas abordagens sobre um
determinado assunto. Professores deveriam exercitar esta prática em
sala de aula, porém, a falta de formação completa, os baixos salários,
a quantidade grandiosa de alunos por sala, faz com que, até os mais
ávidos por saber, se desmotivem e acabem por utilizar os livros
didáticos como única fonte de consulta. Destarte, deve-se então não
abolir o uso deste tipo de material, mas sim, reivindicar melhorias em
seus conteúdos e buscar novas pesquisas em outros meios, pois
todos os anos a História nos revela mais e mais saberes que as
transposições didáticas não acompanham.

Colocar especialistas na área de História Antiga para trabalhar na


elaboração de livros e apostilas didáticas, seria uma saída para
melhores conteúdos acerca deste tema. Além disso, os professores
poderiam ser incentivados a realizar novos cursos e especializações,
para que compreendam a multiplicidade de fontes que podem
empregar no momento de ensinar História Antiga, e de como as
fontes materiais, incluindo as imagéticas, são necessárias para o
desenvolvimento do saber nesta área.

As imagens são fontes subjetivas, que trazem mensagens intrínsecas,


as quais devem ser bem exploradas. Assim, para a análise de um
material iconográfico, é necessária uma criteriosa pesquisa. Este
exercício pode inicialmente ser feito somente pelo professor, a fim de
aprimorar suas percepções e conhecimentos acerca do uso de fontes
imagéticas, pois, ao se habituar ao uso deste material, mais
facilidade em trabalhar com os seus alunos terá, ensinando-os
também a lê-lo. A partir desse exercício, a ideia de que a imagem
serve somente para ilustrar textos contidos no livro didático irá se
desconstruindo, e a criticidade e poder de análise de educadores e
educandos se aprimora, assim como os saberes a respeito de
diversos povos e acontecimentos.

Inúmeros outros exemplos de usos da materialidade antiga para se


construir novas perspectivas acerca do período poderiam ser citados,
não só referentes a Roma, mas às múltiplas sociedades que estavam
aqui presentes há milênios. Gregos exploravam as pinturas, as
esculturas, as artes em vasos e jarros. Egípcios construíram sua

163
linguagem por meio de símbolos imagéticos e ilustrações, os
hieróglifos. O importante, porém, é deixar claro que as pinturas,
enquanto fontes de construção do saber histórico proporcionam ao
historiador, ao educador e a seus alunos, maiores informações sobre
o passado, inclusive modificando perspectivas enraizadas. Isso
porque, as fontes imagéticas na Antiguidade, mais do que
embelezarem residências e outros espaços, serviam como meio de
comunicação, expondo costumes, religião, cotidiano, entre outros
aspectos da vida naquelas sociedades.

Referências
Gabriela Isbaes possui licenciatura plena em História pela
Universidade do Sagrado Coração (BAURU-SP).

COELHO, T. S. A imagem e o ensino de História em tempos visuais.


Percursos, Florianópolis, v.13, n.2, p.188-199, jul/dez 2012.
Disponível em:
<http://www.periodicos.udesc.br/index.php/percursos/article/view/2
413/2204>. Acesso em: 16 fev. 2018.

FUNARI, P. P. A. A importância de uma abordagem crítica da História


Antiga nos livros escolares. Hélade, Niterói, v.2, p.23-26, 2001.
Disponível em:
<http://www.helade.uff.br/Helade_2001_volume2_numero2_NE.pdf
>. Acesso em: 16 fev. 2018.
______. Fontes Arqueológicas. In: PINSKY, C. B. et al (Org.). Fontes
Históricas. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2011.
______. Romanas por elas mesmas. Cadernos Pagu,n. 5, Campinas,
p. 179-200, 1995. Disponível em:
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/vi
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GONÇALVES, A. T. M. Os conteúdos de História Antiga nos livros


didáticos brasileiros. Hélade, Niterói, v.2, p.9-13, 2001. Disponível
em:
<http://www.helade.uff.br/volume2numeroespecial.html>. Aceso
em: 16 fev. 2018.

LITZ, V. G. O uso da imagem no ensino de História. Curitiba:


Secretaria de Estado da Educação – PR, 2009.

MENESES, U. T. B. A cultura material no estudo das sociedades


antigas. Revista de História, São Paulo, n.115, p.103-117, 1983.
Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/61796/64659>.
Acesso em: 19 fev. 2018.

164
PONTES, A. M. L.; OLIVEIRA, C. M. S. A obra de arte como fonte
histórica: Frans Post e a sua relação com o novo mundo. Anais do
XIII Encontro Estadual de História, Guabira, 2008. Disponível em:
http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2005%20%20A
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26 ago. 2016.

SANFELICE, P. de P. Pinturas parietais em Pompéia: representações


femininas. Cadernos de Clio, Curitiba, n. 2, p. 171-195, 2011.
Disponível em:
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SILVA, E. O. Relações entre imagens e textos no ensino de História.


Saeculum, João Pessoa, n.22, p.173-188, jan/jun. 2010. Disponível
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Acesso em: 16 fev. 2018.

SILVA, S. C. Aspectos do ensino de História Antiga no Brasil: algumas


observações. Alethéia: revista de estudos sobre a Antiguidade e o
Medievo, Jaguarão - RS, v.1, p. 145-155, jan./jul. 2010. Disponível
em:
<https://www.dropbox.com/sh/vxqwvy60050txzd/AAAoT-
v9d48GLcDFPJKf9XL4a/SILVA%2C_Semiramis_Corsi.pdf?dl=0>.
Acesso em: 26 fev. 2018.

165
DISNEY, SEGUNDA GUERRA E “BOA VIZINHANÇA”: FILMES
ANIMADOS NAS AULAS DE HISTÓRIA
Geraldo Magella de Menezes Neto

Introdução
Zé Carioca: ―Ora, venha me dar um abraço, um mesmo daqueles, um
quebra-costelas, um bem carioca, um bem amigo. Seja bem-vindo
meu caro. O Pato Donald, veja você.‖ (Cena de Alô Amigos, 1942).

Em 1942, Walt Disney lança o primeiro personagem animado


brasileiro, o papagaio Zé Carioca, dentro do filme Alô Amigos
(Saludos Amigos). Neste filme, o famoso personagem da Disney, Pato
Donald, faz uma viagem pela América Latina, visitando ao final do
filme o Rio de Janeiro, ocasião na qual conhece Zé Carioca. O
papagaio brasileiro lhe dá um forte abraço e o leva a conhecer as
maravilhas da então capital do Brasil. Já em 1944, Zé Carioca retorna
no filme Você já foi à Bahia? (The Three Caballeros), no qual ele leva
o Pato Donald a conhecer Salvador.

O aparecimento de um personagem brasileiro em filmes da Disney na


década de 1940 não foi por acaso. No contexto da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), em que se confrontavam os Aliados (Estados
Unidos, Inglaterra e União Soviética) e o Eixo (Alemanha, Itália e
Japão) era de grande importância para os norte-americanos
assegurarem o apoio dos países latino-americanos para a causa
aliada. Dessa forma, a propaganda foi utilizada como meio de ganhar
esse apoio, com a abordagens de temas e personagens ligados à
América Latina no cinema.

O presente trabalho visa estabelecer um diálogo com o ensino de


História, chamando a atenção para a importância do cinema como
recurso didático nas aulas de História, especialmente os filmes
animados. Assim, nossos objetivos são: analisar as representações
do Brasil por meio de dois filmes de Walt Disney na chamada política
de ―Boa Vizinhança‖ dos EUA na Segunda Guerra Mundial: Alô Amigos
(1942) e Você já foi a Bahia? (1945); analisar e compreender o
personagem Zé Carioca no contexto da política de ―Boa Vizinhança‖;
indicar possibilidades de utilização dos dois filmes nas aulas de
História ao se discutir a temática da Segunda Guerra Mundial.

O cinema como recurso didático no ensino de História


O cinema tem sido bastante abordado em pesquisas como fonte
potencial para o ensino de História. Longe de ver os filmes apenas
como um mero recurso para ―passar o tempo‖ das aulas ou para
distrair os alunos, entendemos que o cinema pode possibilitar várias

166
reflexões sobre os mais variados temas, estimulando os alunos a
construir uma visão mais crítica acerca dos conteúdos audiovisuais
que consome.

Oliveira, Almeida e Fonseca sugerem três possibilidades de uso do


cinema no ensino de História: História do cinema; História no cinema;
e História com cinema. (OLIVEIRA, ALMEIDA; FONSECA, 2012, pp.
31-32). Nossa proposta é de trabalhar a História com cinema, que é
análise do filme integrado à sociedade que o produziu.Nessa
perspectiva, segundo Marc Ferro, é preciso analisar as relações do
filme com aquilo que não é filme: ―o autor, a produção, o público, a
crítica, o regime de governo.‖ (FERRO, 1992, p. 87). Nessa linha,
objetivamos analisar os dois filmes animados de Walt Disney levando
em conta com os interesses norte-americanos a partir da política de
―Boa Vizinhança‖ em atrair a simpatia do Brasil e da América Latina
para a causa aliada.

Como qualquer fonte e recurso didático, os filmes são um


―documento/monumento‖, pois são ―o resultado de uma montagem,
consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o
produziram.‖ Nesse sentido, ―é preciso começar por desmontar,
demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as
condições de produção dos documentos-monumentos.‖ (LE GOFF,
2003, pp. 537-538).Para fazer essa desconstrução do filme, é
essencial que o professor tenha um ―domínio básico da linguagem
cinematográfica para poder usufruir junto com os seus alunos o
máximo das potencialidades do uso do filme em sala de
aula.‖(OLIVEIRA, ALMEIDA; FONSECA, 2012, p. 38).

Não é necessário que o professor sempre promova a exibição do filme


completo nas aulas, algo que se torna difícil também de realizar
devido à carga horária que tem à disposição.Dentre as formas
possíveis de exibição/assistência de um filme dentro das atividades
escolares, Marcos Napolitano aponta: a exibição, na sala de aula, de
cenas ou sequências selecionadas pelo professor. (NAPOLITANO,
2013, p. 82). Dessa forma, acreditamos que a seleção de cenas
relacionadas ao Brasil é a melhor para os objetivos pretendidos aqui,
pois permite uma reflexão mais aprofundada nos aspectos da política
da ―Boa Vizinhança‖ e na propaganda norte-americana, e um foco
maior na problematização do personagem Zé Carioca.

A Política de “Boa Vizinhança” do EUA na Segunda Guerra


Mundial (1939-1945) e a propaganda por meio do cinema
Antes de comentarmos os filmes, torna-se necessário
contextualizamos o período de suas produções. Durante o regime do
Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) houve uma forte

167
aproximação comercial entre o Brasil e a Alemanha Nazista de Adolf
Hitler. A recuperação econômica alemã após a Grande Depressão de
1929 e os avanços militares nazistas no início da Segunda Guerra
atraíram grande simpatia entre membros do governo brasileiro e
círculos militares.

Neste contexto, o governo de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945)


sente a necessidade de uma contra-propaganda favorável aos EUA, o
que ficou conhecido como Política de ―Boa Vizinhança‖ dos EUA em
relação a América Latina, cujo objetivo era atrair os países à sua área
de influência e afastar o perigo de uma aliança com o Eixo. Para
viabilizar essa política, em 1940 ocorre acriação de um órgão, o
Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA),
coordenado pelo multimilionário do petróleo Nelson Rockefeller
(1908-1979).

A OCIAA investiu fortemente em propaganda. Segundo Antonio Pedro


Tota, Rockefeller acreditava que o sucesso dos empreendimentos
americanos na América Latina dependia da venda não só de produtos
americanos, mas também do ―modo de vida americano‖ (american
way of life). O sucesso no campo econômico tornava necessária uma
base sólida no campo ideológico. (TOTA, 2000, p. 54).Dentro da
OCIAA havia a Divisão de Cinema, cujas funções eram:

―promover a produção americana de filmes, curtas e longas, e de


cinejornais sobre os Estados Unidos e as ‗outras Américas‘,
distribuindo-os por todo o hemisfério ocidental, isto é, para as
Américas; produzir e estimular a produção, nos países latino-
americanos, de curtas e cinejornais que poderiam ser exibidos nos
Estados Unidos; combater por todos os meios o cinema produzido
pelo Eixo; convencer as grandes empresas cinematográficas de que
não era uma boa política distribuir filmes que transmitissem uma má
impressão ou uma imagem comprometedora dos Estados Unidos.‖
(TOTA, 2000, p. 65).

Segundo Sidney Leite, o próprio presidente Roosevelt que indicou o


nome de Walt Disney a Rockefeller para atuar no projeto. Assim,
dentro dos planos da ―Boa Vizinhança‖, Disney visitou o Brasil em
junho de 1941:

―O convite de Rockefeller foi prontamente aceito por Disney. Seu


estúdio cinematográfico passava por problemas financeiros que
levaram, inclusive, à greve de seus funcionários. O governo
americano assumiria todas as despesas com a viagem e concederia
100 mil dólares para a produção de dois desenhos animados que
deveriam ter como tema os laços de solidariedade e fraternidade

168
entre as Américas. Além disso, a missão de representar o governo
americano no exterior contribuiria para amenizar os boatos sobre sua
simpatia pelo nazismo.‖ (LEITE, 2006, p. 84).

Cabe ressaltar que essa política de Roosevelt de ―desenvolver um


cinema que glorificasse o justo direito e os valores americanos‖ era
anterior a 1941. Ferro indica que entre setembro de 1939 e junho de
1940, há uma tendência de filmes antinazistas nos EUA, com obras
como Quatro filhos, Fuga, O Grande Ditador, Correspondente
estrangeiro e Tempestades d‟alma, ―verdadeiro apelo aos alemães
para derrubar Hitler‖. (FERRO, 1992, pp. 32-34). Dessa forma, os
filmes de Disney estão inseridos num contexto maior de opor, por
meio da propaganda do cinema, o american way of life ao nazismo
alemão.

Os filmes da “Boa Vizinhança”: Alô Amigos (1942) e Você já


foi a Bahia? (1944)
Walt Disney, apoiado pelo governo de Roosevelt, lança dois filmes
peças de propaganda da política da ―Boa Vizinhança‖: Alô Amigos
(1942) e Você já foi a Bahia? (1945). Alô Amigos trata-se de uma
viagem dos personagens da Disney a alguns países da América do
Sul, como o Perue a Argentina, além do Brasil. Dado os limites de
espaço deste texto, vamos nos concentrar na parte em que Pato
Donald visita o Brasil.

Alô Amigos representa o nascimento da amizade entre Pato Donald e


Zé Carioca, o papagaio brasileiro. Alexandre Ferreira aponta que
neste filme ―fica explícito a cordialidade e a sedução‖, que carregam
em si ―uma preocupação de não vender uma imagem negativa dos
vizinhos da América Latina‖ (FERREIRA, 2007, p. 6).

169
Fig. 1: Cartaz do filme Alô Amigos (Saludos Amigos)
https://vignette.wikia.nocookie.net/disney/images/2/20/Feb-6-1943-
saludos-amigos.jpg/revision/latest?cb=20141018202457

170
O Brasil aparece como um local com grandes riquezas naturais. O
início da parte referente ao país mostra florestas, rios, aves e frutas,
ao som de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Donald então conhece
Zé Carioca, que dá as boas-vindas e convida o amigo a conhecer o
Rio de Janeiro. Zé Carioca apresenta o samba, cujo som logo
contagia Donald, dançam pelo calçadão de Copacabana e param num
bar para tomar cachaça. Ao final, Donald dança nos bailes de
Copacabana e da Urca com uma mulher cuja sombra representa a
cantora Carmen Miranda.

Fig. 2: Os ―novos amigos‖: Pato Donald e Zé Carioca se abraçam.


(Alô Amigos, 1942).

Fig. 3: Zé Carioca e Pato Donald tomando cachaça no Rio de Janeiro.


(Alô Amigos, 1942).

Apesar do clima festivo, em Alô Amigos, há contradições e


ambiguidades: Sidney Leite sugere que Donald e seus companheiros
não se comportavam como amigos, ―mas como turistas que visitavam

171
terras exóticas‖; aponta a ―redução dos nativos a tipos, desprovidos
de personalidade e história, isto é, estereótipos‖;identifica que no
Brasil, o carioca é caracterizado como ―o malandro simpático e
cordial, a síntese do ‗espírito brasileiro‘.‖ (LEITE, 2006, pp. 85-86).

Segundo Camila Ferreira, o personagem Zé Carioca tem como


características a ―malandragem‖, sendo avesso ao trabalho,
apreciador do samba, das mulheres, da praia e do futebol. Sua
aparência é uma referência a alta sociedade norte americana: paletó,
gravata borboleta, chapéu panamá, charuto e guarda-chuva; ele é
inegavelmente verde, mas em correspondência humana, seria
branco. (FERREIRA, 2012, p. 162). Alexandre Ferreira destaca que as
cores do rabo de Zé Carioca são azul e vermelho (cores da bandeira
dos EUA), o que expressa o seu vínculo com o país de seus
inventores. (FERREIRA, 2007, p. 8).

Você já foi a Bahia?, de 1944, demonstra, segundo Leite, ―os laços de


fraternidade que aproximavam Estados Unidos, México e Brasil,
naquele momento unidos à causa dos Aliados e lutando na Segunda
Guerra Mundial.‖ (LEITE, 2006, p. 86). Na parte referente ao Brasil,
Zé Carioca pergunta a Donald se ele já tinha ido a Bahia. Segue-se
então uma visão geral das riquezas naturais do Brasil, as ruas de
Salvador e a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, ao som da música
Na baixa do sapateiro, de Ary Barroso, que descreve a Bahia como
―terra da felicidade‖.

Fig. 4: Cartaz do filme Você já foi a Bahia?


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172
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Antes da viagem, Zé Carioca apresenta a Bahia a Donald, destacando


as mulheres, a música e a culinária:

Zé Carioca: ―Donald, você já foi a Bahia? Não? Ah, Bahia! Tão


romântica, o ar, música e garotas...‖ (Cena de Você já foi a Bahia?,
1944)

Zé Carioca: ―Lá tem vatapá! Lá tem caruru! Lá tem mungunzá!‖


(Cena de Você já foi a Bahia?, 1944)

Chegando a Salvador, eles conhecem Iaiá, ―a baianinha tão bonita‖


que vende quindins. Trata-se de imagens reais de Aurora Miranda,
que canta Os quindins de Iaiá, de Ary Barroso, ao lado do grupo
musical O Bando da Lua. Donald logo se encanta com Iaiá. Em certo
momento fica enciumado com um músico que se aproxima de Iaiá,
perguntando a Zé Carioca quem ele era, ao que o papagaio
responde: ―ele é um malandro, Donald‖. Donald oferece flores a Iaiá
e é recompensado com um beijo. O filme segue pelas ruas de
Salvador com cenas de dança e festa. Ao final do passeio, Zé Carioca
pergunta o que ele achou da Bahia, ao que Donald aponta que é uma
―maravilha‖, dizendo que é romântica, que tem lua e ―lindas
meninas‖.

Fig. 5: Donald se encanta com Iaiá. (Você já foi a Bahia? 1944).

173
Fig. 6: Donald e Zé Carioca dançam junto com Iaiá e os ―malandros‖
em Salvador. (Você já foi a Bahia? 1944).

Ao analisar este filme, Roberval Santiago observa que o Brasil e o


México são apresentados como ―lugares exóticos cujas pessoas estão
sempre alegres‖.Esses países são apresentados como ―paraíso,
objetos de desejos‖, ―à espera do desfrute e do deleite dos ávidos
expectadores-turistas norte-americanos. (SANTIAGO, 2009, p. 12).
Alexandre Ferreira indica que em Você já foi à Bahia?, a cidade de
Salvador é a terra da felicidade, Iaiá (―baianinha tão bonita‖), marca
o aspecto do turismo sexual dos estrangeiros, o malandro (que tem
sua aparência melhorada e carrega sempre consigo um violão) é um
conquistador barato de muitas mulheres.(FERREIRA, 2007, p. 8)

Santiago apresenta um olhar crítico sobre os filmes de Disney,


comparando-os inclusive aos relatos de viajantes dos períodos
colonial e imperial:

―Contudo, a América do Sul decorada a partir dos pinceis coloridos de


Walt Disney não passava de uma região estilizada que se configurava
nas poucas visitas que ele fez a Colômbia, Venezuela, Bolívia, Peru,
Argentina, Chile e Brasil. Os filmes de Disney nos remetem às velhas
impressões egocêntricas parecidas com os relatos dos cronistas
viajantes que retratava o Brasil, única e exclusivamente, sob o olhar
do inusitado, a estranha beleza do exotismo.‖(SANTIAGO, 2009, pp.
12-13)

Já Alexandre Ferreira aponta que um aspecto que requer atenção é o


tratamento dos desenhistas aos aspectos culturais da tradição dos

174
países, ―abordando todas as dimensões como se fosse uma única
realidade, desconsiderando a diversidade cultural de cada um dos
países diferentes entre si, e diferentes em si próprios.‖ (FERREIRA,
2007, p. 2)

Dessa forma, o que podemos ressaltar é que nos dois filmes da ―Boa
Vizinhança‖ produzidos por Walt Disney durante a Segunda Guerra
Mundial, há uma difusão de estereótipos sobre o Brasil que visavam
atender mais aos propósitos do governo norte-americano em
consolidar a sua hegemonia e afastar as influências dos países do
Eixo, do que realmente de entender as culturas e as diversidades do
Brasil e da América Latina. O que interessava era justamente o
exótico, tratava-se de estimular no público norte-americano o
interesse em conhecer o Brasil por meio de aspectos que provocasse
curiosidade, contudo, de forma a exaltar o diferente, e quem sabe, o
primitivo, que seria de um país que está num patamar abaixo dos
EUA, logo, subordinado. Essa curiosidade não visava entender a
complexidade brasileira, mas apresentar mais um país ―amigo‖,
possível local de visitas de férias para diversão dos turistas.

Possibilidades de utilização dos filmes de Disney em sala de


aula
Diante das discussões realizadas até aqui, como trabalhar com os
filmes animados da Disney nas aulas de História? Em nossa visão,
estes filmes são mais indicados para as séries maiores, seja o 9º ano
do Ensino Fundamental ou o Ensino Médio, pois exige uma maior
maturidade crítica para relacionar os conteúdos trabalhados com os
filmes. Como mencionamos anteriormente, é mais viável também que
o professor selecione as cenas relacionadas ao Brasil nos dois filmes
animados, por uma questão de tempo e de foco.

É essencial também que o professor, conforme Oliveira, Almeida e


Fonseca:

―tenha assistido previamente ao filme, verificando a adequação da


temática aos objetivos da disciplina, ao projeto pedagógico da escola,
às expectativas e repertório sociocultural da comunidade e,
principalmente, ao desenvolvimento cognitivo e emocional dos
alunos.‖ (OLIVEIRA, ALMEIDA; FONSECA, 2012, p. 44).

Dentro da perspectiva de se trabalhar a história com cinema,


consideramos importante, seguindo as sugestões de Napolitano, que
o professor ―estimule o debate sobre a mensagem principal que o
diretor ou o sistema que produziu a obra quis fixar no receptor‖.
Quase sempre essas mensagens ―são de natureza político-ideológica
ou ético-moral‖, com uma função ideológica e cognitiva fundamental.

175
No caso do cinema norte-americano, consolida e propaga valores
ideológicos e morais do american way of life. (NAPOLITANO, 2013, p.
94).

Assim, sugerimos que o professor, que reconhecemos com um


intelectual produtor de conhecimento, formule atividades aos alunos
que os estimulem a ter uma visão crítica dos filmes, seja por meio de
debate oral, questionários escritos, elaboração de cartazes, desenhos
ou vídeos, tendo como base algumas questões, como:

a) As representações do Brasil e da América Latina;


b) Permanências/transformações dessas representações nos filmes da
atualidade;
c) As representações do personagem Zé Carioca;
d) As reações do Pato Donald ao conhecer o Brasil;
e) A intenção e a mensagem do filme e sua relação com o contexto
histórico.

Estas questões são de fácil identificação nos filmes de Walt Disney, e


podem ser uma referência inicial para os professores elaborarem as
suas próprias questões de acordo com a turma na qual trabalham. O
essencial é que os alunos consigam, ao final de estudarem os
conteúdos relativos à Segunda Guerra Mundial e aos assistirem e
analisarem os filmes da ―Boa Vizinhança‖, exercitar um olhar mais
crítico em relação ao cinema, observando os interesses e mensagens
por trás da produção dasanimações. Isso pode estimular também
para que os alunos sejam mais críticos nos conteúdos que recebem
diariamente por diferentes mídias, seja cinema, televisão ou internet.

Referências
Geraldo Magella de Menezes Neto é Professor da graduação e da pós-
graduação em História da Faculdade Integrada Brasil Amazônia
(FIBRA), e do ensino fundamental da Secretaria Municipal de
Educação de Belém (SEMEC). Atualmente é Doutorando em História
Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). E-
mail: geraldoneto53@hotmail.com

Filmes
Alô amigos (Saludos Amigos). Direção de Wilfred Jackson, Jack
Kinney, Hamilton Luske, Norman Ferguson, Bill Roberts. Produção:
Walt Disney. Estados Unidos, 1942. 42 min.

Você já foi à Bahia? (The Three Caballeros). Direção de


Norman Ferguson. Produção: Walt Disney. Estados Unidos, 1944. 72
min.

176
FERREIRA, A. A produção Disney em época de Segunda Guerra
Mundial: cinema, história e propaganda. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo, RS. Anais do XXIV Simpósio
Nacional de História – História e multidisciplinaridade: territórios e
deslocamentos. São Leopoldo: Unisinos, 2007. CD-ROM.

FERREIRA, C. Zé Carioca: um papagaio na periferia do capitalismo.


Novos Rumos. Marília, v. 49, p. 159-168, jan.-jun., 2012.

FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

LE GOFF, J. História e memória. Campinas-SP: Editora da UNICAMP,


2003.

LEITE, S. Um pouco de malandragem. História Viva. Ano III, n. 30, p.


82-86, abr. 2006.

NAPOLITANO, M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo:


Contexto, 2013.

OLIVEIRA, R.; ALMEIDA, V.; FONSECA, V. História e Cinema. In: A


reflexão e a prática no ensino – Volume 6 – História. São Paulo:
Blucher, 2012.

SANTIAGO, R. Cartoons e propaganda política. Rev. Espacialidades,


v. 2, n. 1, 2009.

TOTA, A. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na


época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

177
A TECNOLOGIA DIGITAL NA EDUCAÇÃO PÚBLICA DO ESTADO
DO PARANÁ: UM DESAFIO A SER ENFRENTADO
Hemerson dos Santos Junior
Dulceli de Lourdes Estacheski Tonet

O seguinte texto nasce com o objetivo de socializar os resultados


obtidos pelo projeto de iniciação científica, financiado pela fundação
araucária com o título; linguagens e tecnologias para o ensino de
história. Esse projeto busca entender de quê maneira os professores
e professoras utilizam as diferentes tecnologias e linguagens de
ensino no ambiente escolar. Para realizar essa pesquisa, vinte e um
professores foram entrevistados, todos atuantes em colégios da rede
de ensino pública e estadual do Estado do Paraná, mais
especificamente em colégios localizados no município de União da
Vitória. Todos os entrevistados tiveram de responder um questionário
com vinte e duas questões, dividias em cinco blocos; linguagens,
tecnologias, livro didático, pontos positivos, pontos negativos. Os
professores responderam oralmente e as entrevistas encontram-se
armazenadas no laboratório de aprendizagem histórica (LAPHIS),
localizado na Universidade Estadual do Paraná, campus União da
Vitória.

No presente texto buscaremos trabalhar mais especificamente com as


questões do bloco referente às tecnologias e seu uso em sala de aula.
Em 2012 a professora Vani Moreira Kenski publicou uma obra
intitulada: Educação e tecnologias; o novo ritmo da informação.
Nesta obra a autora trata brilhantemente de um estudo aprofundado
sobre a temática, desenvolvendo primeiramente a ideia de que as
tecnologias estão presentes desde o início da humanidade, quando os
seres humanos começaram a desenvolver técnicas de manipulação da
natureza, passando por diversas explicações, esclarecendo que até
um lápis pode ser entendido como uma forma de tecnologia. Para
evitar os equívocos contextuais e delimitar o nosso foco de
abordagem sobre as tecnologias é importante frisar que a tecnologia
no contexto que queremos nos referir aqui é a tecnologia do meio
digital, entendida como ferramenta de ensino que pode ser utilizada
de maneira eficiente pelo professor a fim de ampliar as possibilidades
didáticas, teóricas e metodológicas, como por exemplo; o data show,
a televisão, os computadores, a lousa digital, a internet, smartphones
e etc.

Esse é um ponto extremamente importante, pois, muitas vezes a


tecnologia pode parecer algo comum, banal e acaba passando por
baixo do pano, quase despercebida pela comunidade acadêmica. É
um grande equivoco deixar essa questão de lado, e, a missão desse

178
pequeno texto é instigar a reflexão acerca dos problemas em usar
diversas mídias e tecnologias nos colégios estaduais do município de
União da Vitória.

Pois bem, apurando os resultados obtidos nas pesquisas, percebemos


dois grandes problemas; 1) a falta de qualificação e formação
específica e continuada para o uso das tecnologias. 2) a
infraestrutura precária dos colégios visitados.

―[...] a minha geração que já esta na sala de aula há 28 anos, nós


fomos aprendendo sozinho as mídias, nunca chegou alguém e
ensinou, ou a maquina caiu na minha mão e eu aprendi sozinha ou eu
fui procurar em escolas de informática para me ensinar a usar essas
tecnologias, mas na escola mesmo não tem. Eu percebi que muita
gente se bateu bastante com o RCO que surgiu agora, eu acho que
por ser um pouco curiosa eu gostei, eu já entrei praticamente
fazendo a chamada e registrando os conteúdos online mesmo, mas
não tem, deveria ter, principalmente para os professores da minha
geração, a gente sofre muito.‖ (Entrevista 11, 2017)

Por se tratar de uma rede de ensino estadual, acreditamos que os


problemas que esses profissionais encontram não são exclusivos e
restritos ao município de União da Vitória. A falta de formação
continuada e eficiente é uma dificuldade citada em quase todas as
entrevistas, apesar alguns professores terem mencionado que
participam de um programa ofertado pela SEED (Secretaria de Estado
da Educação) denominado: conectados. Esse programa, pelo que
consta nas entrevistas, é uma espécie de formação específica sobre
tecnologias, onde a escola que tiver um número ―X‖ de professores
inscritos e que completem o curso receberá certa quantidade de
notebooks.

Apesar de todos os professores terem demonstrado interesse em


participar de programas de formação continuada, apenas quatro
participam do conectados. O grande problema que assombra esses
professores é o tempo, como podemos constatar na fala de um dos
professores entrevistados respondendo a questão referente a
formação continuada:

―Nós não temos recebido mais ultimamente né. Foi no primeiro ano
que implantaram os laboratórios, as tvs, depois nem um curso
propriamente dito, específico de tecnologia para o professor. Agora
que ta saindo alguns mas nem todos nós conseguimos fazer por
conta da carga horária nossa, seria bom fazer esse conectados
online, alguns cursos que o Estado ta fornecendo mas não são todos
os professores que conseguem fazer, ou você da aula, ou você faz

179
atividade em casa, na escola, ou você faz o curso.‖ (Entrevista 3,
2017)

Esse parece ser um problema que afeta não somente o estado do


Paraná, mas, um problema a nível nacional. Em pesquisa realizada no
ano de 2003 no estado de Santa Catarina, Belloni (BELLONI, 2003, p.
299) constatou problemas semelhantes aos encontrados por nós
quatorze anos depois:-―Falta de tempo para realizar formação
continuada dentro da jornada de trabalho; formação inicial precária;
falta de hábito de autodidatismo e consequente dificuldade de
aproveitar o que o próprio programa oferece‖.

Já no atual Estado do Paraná, aparentemente esse problema se


intensificou. Com a adoção de medidas que afetam diretamente a
educação, o atual governo do estado recentemente reduziu a carga
horária de hora-atividade dos professores que estão cada vez mais
sobrecarregados, medidas como essa influenciam diretamente a
qualidade de ensino. Quando os professores terão tempo para
participar de um curso de formação continuada? É justo que esses
profissionais da educação tenham que tirar do seu tempo de lazer
para que tenham condições de se atualizar?

―[...]será que você quer que a gente se encontre final de semana


num barzinho pra discutir a disciplina? ―(Entrevista 17, 2017)

Aliás, esse tempo particular dos professores está sendo corroído pela
própria política do Estado que busca modernizar o ensino.
Infelizmente a infraestrutura da maioria dos colégios visitados não
comporta essas mudanças, que de longe não parecem uma coisa tão
complexa, mas, quando se olha a nível micro, obrigam os professores
e a direção a tomar medidas absurdas para manter o mínimo
necessário.Para exemplificar esses problemas que afetam os colégios
a nível micro, podemos citar o programa recentemente implantado
pela SEED, o RCO (Registro de Chamada Online). Com o RCO os
velhos livros de chamada não serão mais necessários, é uma
exigência do Estado que as chamadas sejam feitas em uma
plataforma online, segundo alguns professores entrevistados, a
internet é deficitária ou limitada em dados ou a algum espaço,
obrigando o professor a levar esses registros para fazer em casa, fora
de horário de serviço, ou, no seu já reduzido horário de hora-
atividade.

―Tem dias que entra e dias que não entra, uma hora da, depois de
cinco minutos não tem mais. Para fazer o uso de internet direto é
bem complicado, até para o RCO né, você tem que fazer todos os

180
dias às vezes acaba fazendo final de semana porque na escola não
funciona.‖ (Entrevista 4, 2017)

O problema com a internet é corriqueiro, para solucionar essa


questão alguns professores se organizaram e fizeram uma rifa para
melhorar a condição de trabalho, ou contam com auxílio financeiro da
APP-SINDICATO (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Publica
do Paraná).

―Até foi feito uma rifa na escola para colocarem internet em todas as
salas, então no bloco aqui até tem internet que da pra gente usar na
sala de aula, o bloco lá de baixo não. Foi feito uma rifa, infelizmente
é preciso desse recurso, o estado não supre essa necessidade...‖.
(Entrevista 1, 2017)

Outra escola não viu outra solução para o problema com a internet
que não fosse contratar o serviço de uma empresa privada, dividindo
entre os professores a tarifa do serviço.

―Nós temos wifi, nós pagamos, a escola contratou uma internet para
a gente ter acesso wifi. O que nós tínhamos era muito fraquinha, ela
pegava perto dali onde tem a secretária, o laboratório de informática,
passou de lá já não pegava. Então pra gente poder fazer esse RCO a
escola contratou uma internet.‖. (Entrevista 5, 2017)

Infelizmente um dos resultados que pudemos constatar com nossa


pesquisa diz respeito ao descaso com a educação. Inicialmente
esperávamos entender de que maneira esses profissionais utilizavam
as linguagens e tecnologias, mas, ao analisar os dados nos
deparamos com um terreno instável, com uma nítida disparidade
entre os colégios e um baixíssimo conhecimento acerca do uso das
tecnologias.

Como o propósito da pesquisa não era procurar problema, mas sim


entender e, se fosse possível, dar algum retorno para os colégios e
para os professores a fim de auxiliar na formação a respeito das
mídias e tecnologias digitais, buscaremos confeccionar um material
paradidático de caráter explicativo sobre o uso das tecnologias e
disponibilizar para os professores. Esse material inicialmente será
desenvolvido no formato audiovisual a fim de explicar de forma
simples e objetiva o funcionamento de equipamentos que
frequentemente foram citados nas entrevistas como complicadores e
dificultantes para dinâmica da aula, como é o caso da instalação do
data show e a questão da conversão dos vídeos para passar na
televisão com entrada para pendrive. Essa foi a maneira que

181
encontramos para tentar amenizar os problemas causados pela falta
de formação continuada específica na área de tecnologias.

Infelizmente a questão estrutural é algo que está para além do nosso


alcance, a falta e o corte de investimentos na área de educação é
algo sorrateiro e devastador, por esse motivo é importante a
divulgação do resultado desse projeto; para que as pessoas tomem
consciência do descaso que os governos estão tratando a educação. É
lamentável que a infraestrutura do estado não suporte a tão
necessária modernização, não adianta o professor possuir uma
formação na área se não tem o equipamento necessário para utilizar,
da mesma maneira que não adianta ter o material mais tecnológico
se não há professores capacitados para fazer uso.

Referências
Dulceli de Lourdes Estacheski Tonet. Professora Colaboradora da
Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR – campus – União da
Vitória – Fundadora do LAPHIS - Laboratório de Aprendizagem
Histórica – doutoranda pelo Programa de Pôs Graduação em História
- UFSC – sob orientação de Cristina Scheibe Wolff.

Hemerson dos Santos Junior, acadêmico do 4º ano do curso de


licenciatura em história pela UNESPAR campus União da Vitória – PR.
Bolsista pelo projeto de iniciação cientifica financiado pela Fundação
Araucária intitulado; linguagens e tecnologias para o ensino de
história.

BELLONI, M.L. (2003). ―A televisão como ferramenta pedagógica na


formação de professores‖. Revista Educação e Pesquisa, vol 29, n.2
(jul-dez).

CREMA, Everton C. ESTACHESKI, Dulceli de Lourdes Tonet. Pesquisa e


avaliação do uso das Tecnologias no ensino de História na sala de aula.
EDITAL 010/2017 – PRPPG/Unespar – PIC 2017 -2018.

CREMA, Everton C. ESTACHESKI, Dulceli de Lourdes Tonet. Projeto de


Pesquisa: Pesquisa e avaliação do uso das Linguagens e tecnologias
no ensino de História na sala de aula. Edital 17/2016 –
PRPPG/Unespar – PIC 2017-2018

KENSKI, V. M. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação.


8. Ed. Campinas: Papirus, 2012.

182
ENTRE TAMBORES, GUITARRAS E MARACÁS: HEAVY METAL
COMO SUPORTE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
Heraldo Márcio Galvão Júnior
Jessica Teixeira Careon

Introdução
Com o presente trabalho apresentaremos reflexões sobre o ensino de
história indígena por meio da música. Entendemos que, para que haja
uma melhor relação entre o ensino-aprendizagem, o professor deve
incluir em sua lida diária diversos tipos de suportes de ensino, como
textos literários, documentos, novas tecnologias de informação e
comunicação, filmes, músicas, entre outros. Entretanto, quando a
música é utilizada em salas de aula por professores de história, elas
parecem ter uma limitação ou um lugar comum, ou seja, trabalhadas
essencialmente sobre temas específicos, como a ditadura civil-militar,
e a partir de certos estilos, como a MPB e o Rock. Nossa proposta é
ampliar a possibilidade de estudos de temas e o uso de outros estilos,
no caso específico do trabalho, o estudo da cultura indígena por meio
da banda de heavy metal Arandu Arakuaa. Tomamos, como fontes,
letras das músicas e entrevistas com os artistas.

A historiografia reconheceu a música enquanto fonte de pesquisa


muito recentemente, ao menos no Brasil. Foi apenas a partir da
década de 1970 que a música começou a ser tema de dissertações e
teses nas Universidades, cujo boom se deu na década de 1980.
Entretanto, ao longo do final do século XX, a preocupação inicial de
historiadores e sociólogos era de analisar apenas as letras separadas
das músicas, contexto separado da obra, autor separado da
sociedade, estética separada da ideologia. Marcos Napolitano (2006)
traz novos enfoques teórico-metodológicos para os pesquisadores
interessados neste fenômeno cultural. Sem hierarquizar questões
sociais, econômicas, estéticas e culturais, o autor propõe articulá-las
a fim de valorizar a complexidade do objeto estudado. Assim, quem
pesquisa música por um viés histórico não deve fechar-se em sua
torre de marfim, mas considerar outras disciplinas auxiliares das
Ciências Humanas, como a sociologia, a antropologia, a comunicação
social, os estudos culturais, a crítica literária e linguística.

Para Oliveira Pinto (2001) a inserção da música e suas inúmeras


atividades sociais com seus significados múltiplos que interagem no
tempo e no espaço constituem um plano de análise na antropologia
da música, tendo como enfoque as relações entre som, imagem e
movimento de forma primordial neste tipo de pesquisa. Nesse
aspecto a música não seria entendida apenas a partir de seus
elementos estéticos mas, em primeiro lugar, como uma forma de

183
comunicação que possui, semelhante a qualquer tipo de linguagem,
seus próprios códigos. Para o autor, música é manifestação de
crenças, de identidades, e é universal quanto à sua existência e
importância em qualquer que seja a sociedade, e ao mesmo tempo é
singular e de difícil tradução, quando apresentada fora de seu
contexto ou de seu meio cultural.

É próximo a estes termos que inserimos Arandu Arakuaa, uma banda


brasileira que mistura Heavy Metal com música indígena e regional
surgida em 2008 na periferia de Brasília (Taguatinga). As letras das
músicas são cantadas nos idiomas tupi-guarani, akwê xerente,
xavante e também em português. O grupo faz parte do Levante do
Metal Nativo, um movimento de bandas brasileiras que misturam
Heavy Metal com elementos musicais típicos do país, folclore e/ou
escrevem letras em línguas indígenas. É importante salientar que
este estudo não tem intenção de exaltar nem denegrir ou depreciar a
banda e sim inseri-la em seu contexto atual de busca pela
preservação da cultura indígena, verificando de que maneira isso
ocorre e o que ela representa para o Heavy Metal brasileiro atual.

Arandu Arakuaa e a história indígena


Após um longo período da história em que os indígenas brasileiros
foram vistos como inferiores ou apagados da história enquanto povos
ativos e autônomos no período colonial, imperial e republicano,
começam a surgir legislações que prevêem considerá-los
componentes efetivos da identidade brasileira. A Lei nº 6.001, de 19
de dezembro de 1973 dispõe sobre o estatuto do índio e traz, em seu
artigo primeiro:

―Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e


das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua
cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão
nacional.
Parágrafo único. Aos índios e às comunidades indígenas se estende a
proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos
demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições
indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta
Lei.‖

Embora importante avanço, a legislação, ao propor ―preservar a sua


cultura‖, também prevê ―integrá-los, progressiva e
harmoniosamente, à comunhão nacional‖, ou seja, pode-se
interpretar que a intenção da legislação era integrá-los ao restante do
país, reconhecendo sua cultura, mas ainda de maneira inferiorizada.
Com a Constituição de 1988 houve garantias dos direitos antes
negados aos indígenas, adentrando a década de 1990 com a

184
reformulação da educação brasileira a partir da LDB, em 1996. Assim,
escolas indígenas foram criadas e formuladas sistemas de ensino
indígenas com o objetivo de educar crianças, jovens e adultos na
cultura, idioma e costumes de seus povos, garantindo a preservação
de sua cultura e identidade.

Em 2008 é promulgada a Lei 11.645, de 10 de março, em que é


prevista a obrigatoriedade do ensino de história e cultura indígena
nas nossas instituições de ensino, assim como a história e cultura
africana e afro-brasileira, previstas já na lei 10. 639/03. A partir daí,
aumentaram as intenções da sociedade brasileira em relação à
preservação da cultura indígena, com visíveis reflexos na arte, no
caso da pesquisa a banda Arandu Arakuaa.

Durante muito tempo pesquisadores da arte oriundos de diversas


disciplinas interpretaram – e alguns até hoje o fazem – a arte como
universo autônomo, desligado de seu contexto, a arte pela arte. A
arte, para estes críticos, seria apenas estética, não tendo funções
sociais, morais ou pedagógicas. Pelos parâmetros da história, tal
maneira de pensar por si só já se exclui haja vista que a intenção de
uma ―arte pela arte‖ é datada, com início em Aristóteles e
consolidada a partir do século XVIII. A maneira encontrada pela
crítica para se desvincular deste problema foi conceber a arte em seu
contexto de produção, entretanto a arte passou a ser vista apenas
como mero reflexo do seu contexto. Fugindo dessa perspectiva,
temos as ideias de Raymond Willians (2011), em que a obra de arte é
considerada como um processo ativo de uma pessoa, grupo e tempo,
e não apenas o reflexo social. Sendo assim, Arandu Arakuaa é
membro de uma realidade social, mas atua sobre ela produzindo e
veiculando sua interpretação do mundo em que vive, materializando
tudo isso em sua produção artística.

A banda é formada por Karine Aguiar (Vocais/Maracá), Zândhio


Aquino (Viola/Guitarra/Vocais/Instrumentos Indígenas), Pablo Vilela
(Guitarra/Vocais), Saulo Lucena (Contrabaixo/Vocais) e Ygor Saunier
(Bateria/Percussão). Apenas Zândhio Aquino, que também escreve as
músicas, é de origem indígena, mas não totalmente, como aponta em
entrevista concedida aos autores deste texto:

―Ser índio é parte do meu cotidiano desde sempre, e realmente não


ligo se algumas pessoas acham que não sou índio por ter também
sangue não indígena e viver na cidade. No fim o que importante é
meu sangue, minha ancestralidade e meu compromisso com a cultura
e a luta dos Povos Originários dessa terra‖. (AQUINO, 2017)

185
As músicas da banda Arandu Arakuaa possuem o peso clássico do
Heavy Metal, guitarras distorcidas, pedal duplo na bateria e tônicas
de baixo acentuadas, na maioria dos versos a viola caipira de doze
cordas se destaca, e surgem chocalhos, tambores, batuques, sons de
berimbaus, maracá, instrumentos de música tipicamente indígenas,
um vocal feminino limpo e melódico intercalado com um contundente
e agressivo vocal gutural cantado em idiomas indígenas. Ao ouvir as
músicas e visualizar a proposta da banda é natural que nos cause
―estranheza‖. Um estilo que une duas culturas distintas: O Heavy
Metal (de cultura europeia) e a música com elementos Indígenas
(língua e instrumentos). Um choque cultural emerge neste entrelaço
de culturas, uma fusão entre o opressor e oprimido, uma
contaminação entre culturas.

A mistura de Heavy Metal com elementos Indígenas e/ou Afro-


brasileiros já havia sido incorporada em duas bandas brasileiras: a
Banda Sepultura com o álbum Roots de 1995, misturou Thrash Metal
aos tambores da tribo indígena Xavantes (gravação das músicas
"Itsári" e "Jasco" na aldeia. A banda de Heavy Metal Melódico Angra
também acrescentou batuques negros em seu segundo disco Holy
Land de 1996. Vemos aqui o movimento Levante do Metal Nativo
repensando a si mesmo e não apenas repetindo o discurso da cultura
do colonizador, músicas essas que carregam um discurso pró-
valorização das raízes da cultura brasileira. Segundo Eckert; Rocha
(2008) as performances e as etiquetas próprias do grupo revelam
suas orientações simbólicas e traduzem seus sistemas de valores
para pensar o mundo, além disso todas as redes sociais tem sua
forma própria de pertencer e viver. Os autores citam Clifford Geertz
(1978) que sugere que estaremos desvendando o tom e a qualidade
da vida cultural, interpretando um sistema simbólico que orienta a
vida e conforma os valores éticos dos grupos sociais em suas ações e
representações acerca de como viver em um sistema social.

A única pesquisa encontrada sobre a banda Arandua Arakuaa foi o


artigo de Natasha Aleksandra Bramorski, intitulado: ―Práticas
religiosas através de três cantos de Arandu Arakuaa‖. A autora faz
uma análise canções (letra/melodia) e de performances em
videoclipes da banda que estão hospedados no Youtube, os dois
primeiros são Gûyrá e Aruanãs, faixas do álbum Kó Yby Oréde 2013,
e os dois últimos, são Hêwaka Waktû e Ĩpredu do álbum Wdê
Nnãkrda de 2015. A autora também analisa as fotos dos álbuns e do
projeto gráfico da banda, assim como seus logotipos. Para Bramoski
(2016, p.13) os integrantes da banda Arandu Arakua ―estão se
tornando indígenas em sua alma‖ e ainda cita um ditado: ―existem
pessoas que tem sangue indígena nas mãos, umas em suas veias,
enquanto outras em sua alma‖.

186
A única música cantada em português, ―Povo Vermelho‖, dá ideia das
intenções da banda:

―Tocar maracá fazia planta nova crescer


Homem chumbo no meu povo
Acertava na cabeça e o coração parava
Índio caia, eu chorei muito
Homem. Mulher, menino bonito, morrer tudo

Alguns de nós fugimos, escondemos na mata


Lutamos até hoje, lutamos até hoje
O povo vermelho resiste, o povo vermelho resiste
Enquanto houver terra, enquanto houver mata

Depois tudo ficou diferente


Os espíritos chamados de demônios
Cada dia menos árvores, animais, histórias, cantoria
Hu ha hu ha hi

Os monstros do progresso continuaram a matar


Com armas, doenças, pregando a sua fé
Ganância e ignorância comandam seus corações
Matavam nossos homens, roubavam nosso saber
Entraram para a história como heróis‖

Como se percebe na letra, a música pode ser usada tanto em


discussões sobre etnias anteriores à chegada do europeu quanto no
processo de colonização do Brasil e em novas formas de resistência
indígena, como o conflito atual pela demarcação. Aquino, sobre as
letras, afirma:

As letras são sempre no contexto indígena e na estética da música


indígena. Não temos interesse em escrever aquelas letras gigantes
sobre heróis e guerras tão comuns nas bandas de Heavy Metal, nossa
maior inspiração são as histórias contatas pelos anciões, o contato
com a natureza, os ritos, e a luta atual dos indígenas por seus
direitos (AQUINO, 2017).

Sobre a contribuição da banda para a preservação da cultura


Indígena e para o Heavy Metal Nacional, Aquino (2017) acrescenta,
na entrevista, que:

―Temos contato com muitos indígenas e o feedback em relação a


nosso trabalho é sempre bastante positivo por parte deles. O trabalho
da banda é apenas chamar atenção para as culturas nativas dessa

187
terra, para as pessoas irem pesquisar mais a fundo. Você não
entende de cultura indígena apenas por ouvir nossa música ou de
qualquer outra artista indígena, a arte é apenas uma porta de
entrada.Creio que nosso papel é tão somente o de chamar atenção
para as culturas e as lutas dos Povos Indígenas do Brasil. As culturas
indígenas estão em toda parte, as pessoas só precisam tomarem
consciência da sua existência. Para o Heavy Metal nacional imagino
que nosso papel seja como o de qualquer outra banda, a cena é uma
construção coletiva de todos que são parte dela de alguma forma‖.

A banda Arandu Arakuaa buscou nas raízes do Brasil elementos para


produzir a sua arte, contribuiu diretamente na exaltação da cultura
indígena e trouxe conscientização sobre os problemas indígenas
através de suas músicas, - o que tiveram de particular e único -
dentre tantas bandas no cenário musical nacional. Reconhecer essas
raízes e essa contribuição torna possível o debate sobre as condições
indígenas contemporâneas.

Conclusão
Apresentamos, neste trabalho, uma pequena análise das relações
entre história e música, de uma das bandas do movimento Levante
do Metal Nativo, Arandu Arakuaa, e algumas das possibilidades
pedagógicas para o uso de suas músicas em sala de aula. Entretanto,
muitas questões ainda podem ser colocadas pelo
pesquisador/docente a si mesmo e em discussões em sala de aula,
como: Arandu Arakuaa é uma banda de índios, não-índios ou índios e
não-índios? As músicas da banda são tipicamente indígenas? Heavy
Metal? Mista? É uma nova proposta de gênero musical? Um índio que
vive na cidade e toca guitarra cantando em língua tupi com rosto
pintado representa o quê? Há outra coisa mais importante na
constituição da identidade do seu povo, mas que não seria
compreendida e ele resolveu usar algo mais palpável? É um protesto
político? O que a banda representa para o Heavy Metal atual? O que
possibilitou a banda escrever músicas com letras de línguas indígenas
compreendendo que a banda canta em três línguas indígenas
complexas? Quais assuntos são abordados nas letras? Qual a
intenção da banda ao produzir este tipo de música? Questões estas a
serem comparadas com outras fontes, compartilhadas e discutidas
para uma melhor compreensão acerca da história indígena.

Referências
Heraldo Márcio Galvão Júnior é Professor Assistente-A do curso de
História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
(Unifesspa). Atualmente cursa doutorado em História Social da
Amazônia na Universidade Federal do Pará.

188
Jéssica Teixeira Careon é graduada em História no Instituto Municipal
de Ensino Superior de Catanduva. Especialista em História e Cultura
Indígena e Afro-brasileira no Instituto Graduarte.

BRAMORSKI, Natasha Aleksandra. Práticas religiosas através de três


cantos de Arandu Arakuaa. In: II Simpósio Internacional da ABHR:
História, Gênero e Religião: Violências e Direitos Humanos.
Florianópolis, 2016.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro:


Guanabara, 1989.

NAPOLITANO, Marcos. A historiografia da música popular brasileira.


ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 13, p. 135-150, jul.-dez. 2006

OLIVEIRA PINTO, Tiago de. ―Som e Música: Questões de uma


Antropologia Sonora‖. Revista de Antropologia, São Paulo: USP, v.
44, no 1, 2001.

WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. São Paulo: Ed. Unesp,


2011.

189
INIMIGOS EM PIXELS: A REPRESENTAÇÃO DOS INIMIGOS DOS
ESTADOS UNIDOS EM „COMMAND & CONQUER‟
Hezrom Vieira Costa Lima

Para além do entretenimento, os Jogos Digitais podem ser percebidos


pelos historiadores como lugares de memória (NORA, 1993),
vinculando representações do passado a eventos que são associados
na memória coletiva. O saber histórico presente nos jogos, seja na
forma do enredo existente na trama ou nas representações
imagéticas do passado, são temas que estão sendo abordados pela
historiografia atualmente.

O historiador brasileiro Rafael Rosa Hagemeyer (2012) chama a


atenção para a necessidade de o historiador perceber os diálogos
presentes na trama do jogo, para identificar visões de mundo e
intencionalidades subjacentes aos jogos. Na mesma ótica de análise,
outro historiador brasileiro, Eucídio Pimenta Arruda (2011) demonstra
que os Jogos Digitais podem ser analisados pelos historiadores sob
três aspectos:a história no jogo, que se aproxima da definição de
Hagemeyer; a história do jogo, ou seja o momento em que é
produzido e,o jogo e a História, que são as possíveis historiografias
com as quais os criadores do jogo tiveram contato, repercutindo no
seu aspecto final.

Embora utilizando outro game como fontes para sua análise


historiográfica, também dialogamos com o historiador brasileiro
Marco Fornaciari (2016), o qual demonstra como a estrutura e o
estilo de um jogo contribuem para suas representações históricas e
ahistóricas dentro do próprio jogo, demonstrando que o elemento
entretenimento se sobrepõe ao histórico nos jogos.

Os Jogos Digitais, sobretudo aqueles com temática histórica, são


peças chave de uma cultura midiática e não podem ser ignorados
pelos historiadores, pois conforme destacamos anteriormente

―Os jogos digitais têm ganhado destaque por professores de história


devido ao seu potencialde representação do passado aliado a
possibilidade do aluno de controlar diversos sujeitosenvolvidos em
um passado estudado, servindo, dessa forma, como uma simulação‖
[LIMA, 2017, p.250]

Seguindo as metodologias referenciadas anteriormente temos por


objetivo analisar as representações imagéticas dos inimigos dos
Estados Unidos na série de jogos Command and Conquer,
apresentando como a história do jogo, ou seja, o período histórico no

190
qual os jogos foram produzidos, reflete na construção imagética dos
inimigos em um campo virtual, o ambiente de pixels do jogo. O
objetivo é demonstrar como as defesas dos ideais de liberdade e
justiça, através da guerra, são colocados como necessários para que
a democracia não seja afetada por inimigos em comum dos Estados
Unidos, primeiro o comunismo e em seguida o terrorismo islâmico.

Jogando o Passado? Historiografia em perspectiva


A historiografia que analisa produções audiovisuais tem se ampliado
nos últimos anos, fruto do momento histórico característico do século
XX, onde a ideia dominante é que ―somente a imagem ―fala‖
verdadeiramente ao telespectador‖ (ROUSSO, 2016, p.224).

Ancorados nesse suporte, que tem como principal diferenciação a


representação audiovisual, as produções ―podem reviver‖
determinado período histórico com fidelidade. Em relação aos Jogos
Digitais, o diferencial diz respeito as possibilidades de simulação do
passado, em que o indivíduo, ao contrário de outras representações
audiovisuais, como o cinema, deixa de ser um mero espectador e
passa a controlar suas ações em uma simulação (TELLES, 2016).As
possibilidades de um passado jogável são o cerne dos
questionamentos e visões historiográficas daqueles que estudam os
jogos digitais enquanto fontes históricas. (KAPELL e ELLIOTT, 2013)

Command & Conquer


No ano de 1995 era lançado a primeira versão do jogo "Command &
Conquer" (Westwood Studios, 1995), um jogo de estratégia em
tempo real, onde o jogador assume o papel de um comandante que
administrando bases militares vai extraindo recursos, construindo
instalações e unidades militares para derrotar o adversário. A série
C&C, como ficou conhecida, se tornaria um marco na história dos
games, sendo aclamada por jogadores e revistas especializadas como
um clássico do estilo.

A narrativa do jogo é iniciada com a descoberta de um mineral


(Tiberium) que, devido ao seu potencial econômico, é transformado
no recurso natural mais importante para a humanidade, gerando um
conflito em escala global. Para o jogador são colocados à disposição o
controle de dois exércitos, GDI e NOD. O primeiro, Global Defense
Initiative [Iniciativa de Defesa Global] é um braço direito da ONU e
representa a defesa dos países pertencentes ao lado
ocidental/democrático, já o segundo exército controlável,
Brotherhood of NOD [Irmandade dos Nod] é um misto de grupo
terrorista e sociedade secreta com aspectos religiosos, seguidores de
um líder carismático chamado Kane.

191
A representação dos líderes remete a uma dicotomia entre liberdade
e autoritarismo, pois, enquanto as tropas da GDI são comandadas
por generais e por um organismo de caráter global, o NOD segue à
risca o que é ditado pelo seu líder, remetendo a uma personificação
do culto ao líder presente em regimes socialistas e comunistas, na
qual o jogo tende a demonstrar que o primeiro é benéfico e o
segundo não.

Apesar da GDI ser representante das Nações Unidas, alguns aspectos


dessa organização remetem suas características ao poderio dos
Estados Unidos, seja na águia - que remete ao patriotismo ianque ou
na sua proposta de ser "xerife do mundo", protegendo as demais
nações de líderes carismáticos, terrorismo e mantendo a ordem
mundial. Seguindo a mesma lógica, a irmandade dos NOD é
caracterizada com a calda de um escorpião negro e um fundo
vermelho, que pode ser entendido como uma ideologia perigosa,
venenosa, que deve ser evitada.

Fig. 1
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Um ano após o lançamento do jogo original, devido ao seu sucesso e


aceitação por parte do público, é lançada uma nova versão, intitulada
"Command & Conquer: Red Alert" (Westwood Studios, 1996). Esse
recente jogo também inicia uma nova série dentro do universo
do game, a série Red Alert [Alerta Vermelho]. E o que outrora era
relativamente escondido, uma denúncia mascarada sobre uma

192
ameaça, agora passa por uma representação direta desse inimigo que
deve ser combatido físico, simbólico e ideologicamente, o
comunismo.

A série "C&C: Red Alert" adapta elementos da realidade para criar o


pano de fundo do enredo do jogo. Tudo se inicia na Segunda Guerra
Mundial, quando Albert Einstein cria uma máquina do tempo e
consegue eliminar os planos de Adolf Hitler, impossibilitando a criação
das ideias nazistas e suas consequências nefastas, como a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), o Holocausto e a ascensão do Fascismo
no continente europeu. Entretanto, apesar dos esforços, um novo
inimigo surge, dessa vez mais poderoso e praticamente indomável, a
União Soviética.

O Alerta Vermelho ao qual o título faz referência é o poder e


desenvolvimento da União Soviética como potência mundial,
ameaçando os valores liberais e democráticos propagados pelo modo
de vida americano. Como não houve uma Segunda Guerra Mundial,
essa nação pode se desenvolver sendo liderada por Josef Stalin que,
aliando uma política de expansionismo, foi capaz de invadir e
conquistar a China e o leste europeu. Misturando ficção com
elementos históricos, no enredo é criado um cordão sanitário para
impedir a proliferação de ideias comunistas na Europa ocidental, não
restando outra alternativa para as nações democráticas europeias, e
seu mais importante aliado, senão ir à guerra. Mais uma vez está
presente no jogo uma necessidade de defesa dos ideais democráticos
contra um inimigo extremamente perigoso, o comunismo.

Na segunda versão de "Command & Conquer: Red Alert 2" (EA


Games, 2000), o leque de inimigos é ampliado, incluindo Iraque,
China, Cuba e Líbia, além da ameaça constante da União Soviética,
acentuando o alerta vermelho. Após o governo Bush o Iraque torna-
se um inimigo da nação, basta relembrar a Guerra do Golfo (1990-
1991) e a Guerra do Iraque (2003), o que explica a inserção deste
país como inimigo no jogo. O aspecto ideológico não é o único
elemento que coloca em lados opostos as facções que podem ser
controladas pelo jogador, além de suas motivações, o aparato
tecnológico dos exércitos é diferenciado, enquanto o lado dos aliados
utiliza tecnologia de ponta como laser, os inimigos utilizam táticas
como terrorismo e armas químicas. É comum que as tropas dos
exércitos inimigos envenenem o solo para poder infligir dano nos
Estados Unidos, por exemplo.

Uma terceira série do jogo é iniciada em 2003, Command & Conquer:


Generals (Eletronic Arts, 2003). O novo jogo se aproxima da
contemporaneidade colocando inimigos reais que podem ser ameaças

193
autênticas à democracia e ao modo de vida propagados pelos Estados
Unidos da América. Em C&C Generals o jogador pode controlar três
grupos distintos: Estados Unidos, China e Global Liberation Army
[Exército de Libertação Global] um grupo muçulmano que utiliza
técnicas terroristas, intimidação e armas químicas, sendo apoiado por
lideranças árabes islamizadas com técnicas e habilidades
extremamente duvidosas. A atuação dos terroristas do GLA se
estende por países como Irã, Cazaquistão, Iraque, China, Egito,
Turquia, Líbia, Somália, entre outros.

Nas imagens de divulgação do jogo os líderes dos grupos são


representados em posição de destaque. O caráter militar, que é um
dos aspectos primordiais da série, é enfatizado, assumindo ponto de
destaque nas representações e campanhas de divulgação do jogo.
Apesar do jogo possibilitar o controle dos 3 grupos distintos, nas
imagens de divulgação o representante dos Estados Unidos assume
posição central, enquanto as demais nações são postas em plano
secundário, demonstrando uma certa tendência em criar uma
hierarquia sobre qualidade e motivações nos jogadores. Além disso,
outro elemento que pode ser destacado é que os generais da China e
dos Estados Unidos são condecorados, enquanto o líder islâmico é
representando tal qual um rebelde, com o rosto coberto, uma jaqueta
de guerra e um cinto de bala ao redor do seu tronco, criando um
estereótipo sobre os povos árabes.

194
Fig. 2
https://static.wixstatic.com/media/34cc1d_236fe03b4ef54164ab1898
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As representações imagéticas e discursivas presentes no jogo são


compostas por interpretações de um governo democrático que luta
pela defesa de sua soberania e ideias de liberdade e democracia,
configurados pelos EUA. A China é demonstrada como uma
superpotência que utiliza o poder da sua população e as técnicas
bélicas para se tornar um gigante. E por fim, o GLA, grupo terrorista
que utiliza técnicas não ortodoxas, até para um jogo de estratégia,
para conseguir seus objetivos.

Quando o jogador escolhe liderar determinada facção, são colocadas


à disposição diversas estruturas e unidades para controle, sendo
possível além de construir prédios, treinar tropas e gerenciar
recursos, como o petróleo e energia, aumentando o poder militar
visando obter a soberania no cenário e derrotar o exército inimigo.
Uma unidade básica no jogo é o trabalhador, que recebe ordens e
possibilita ao jogador construir prédios que criam as unidades, porém
mesmo nessa unidade básica existem diferenças que perpassam
ideais e visões de mundo distintas.

195
Se o jogador decide controlar o GLA, assim como as outras facções é
possível controlar trabalhadores, porém nesse caso específico, a
representação dos indivíduos deixa claro que estes são obrigados a
trabalhar para o exército. Comumente pode-se ouvir dos
trabalhadores, quando selecionados, frases como "Do not hurt me"
[não me machuque], "I will obey" [eu vou obedecer], "I'm hungry"
[estou faminto] "Can I have some shoes?" [eu poderia ter sapatos?].
Representação oposta ao que é demonstrado quando o jogador
decide controlar as tropas dos Estados Unidos que afirmam que vão
defender o seu país e a liberdade. Ainda em relação aos
trabalhadores, o exército dos Estados Unidos possui duas unidades
básicas, um veículo construtor, responsável pela construção dos
edifícios e um helicóptero, que recolhe os recursos.

Outro ponto que pode ser destacado são as unidades do GLA, dos
três grupos jogáveis, são os únicos que não possuem suporte aéreo
(Os Estados Unidos possuem, além do já citado helicóptero, os caças
F-22 e F-117 e a China o caça MIG 29), elemento que possibilita uma
soberania militar e estratégica em relação aos outros exércitos. As
unidades do grupo terroristas são representadas como rebeldes
armados, multidões enfurecidas, atiradores de elite, sequestradores
de veículos, homens e carros bombas. Além de tanques,
modelo Scorpion, e veículos urbanos adaptados para o combate no
deserto, a estratégia do exército é a prática do terror, aliado com
armas químicas.

Conclusão – História em Jogo


O historiador espanhol Juan Francisco Alcázar (2016) chama a
atenção da necessidade de nós historiadores tomarmos conhecimento
das representações presentes nos jogos, pois diversos alunos
chegarão aos bancos escolares e universitários com conhecimentos
do passado baseados não somente no que leram ou assistiram, mas,
sobretudo, ancorados naquilo que eles jogaram.

Diante desse cenário podemos falar em uma Cultura Histórica dos


Jogos Digitais com temáticas históricas ou, de uma maneira mais
simples, uma História em Jogo.

Referências
Hezrom Vieira Costa Lima é Mestre em História pela UFPB,
atualmente é Professor da UNIP (Campina Grande – PB) e administra
o blog História em Jogo.

ALCÁZAR, Juan Francisco Jiménez. De la Edad de los Imperios a la


Guerra Total: Medievo y videojuegos. Murcia: Compobell, S.L., 2016.

196
ARRUDA, Eucídio Pimenta. Jogos Digitais e Aprendizagens: o jogo Age
of Empires III desenvolve idéias e raciocínios históricos de jovens
jogadores? 238 f. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade
de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais: Belo Horizonte,
2009.

FORNACIARI, Marco de Almeida. A Guerra em Jogo: A Segunda


Guerra Mundial em Call of Duty, 2003-2008. 198 f. 2016. Dissertação
(Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Tecnologia.
Universidade Federal Fluminense: Rio de Janeiro, 2016

HAGEMEYER, Rafael Rosa. História & Audiovisual. Belo Horizonte:


Autêntica, 2012.

KAPELL, Matthew; ELLIOTT, Andrew (Orgs.). Playing with the past:


Digital games and the simulation of history. New York/London:
Bloomsbury, 2013.

LIMA, Hezrom Vieira Costa. History Games como fontes históricas -


Valiant Hearts e o estudo da Grande Guerra. in NUNES, Francivaldo;
KETTLE, Wesley (Orgs.). Desafios do ensino de história e prática
docente. Pará de Minas, MG: VirtualBooks Editora, 2018, p.245-252.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares.
In: Projeto História. São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o


contemporâneo. Tradução Fernando Coelho e Fabrício Coelho. Rio de
Janeiro: FGV Editora, 2016.

TELLES, Helyom Viana. Um passado jogável? Simulação digital,


videogames e história pública. Revista Observatório. V. 2, n. especial
1, maio, 2016. P.163-191.

197
EDUCAÇÃO ESCOLAR E NOVAS TECNOLOGIAS NO ENSINO DE
HISTÓRIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS FUTURAS
Ivan Francisco Viana de Lima
Márcio Douglas de Carvalho e Silva

O perfil do aluno do século XXI está relacionado às transformações


que a sociedade atual vem sofrendo. O acesso a dispositivos ligados a
internet possibilitou conhecer outros contextos mundo a fora e
compará-los com sua realidade. Esse novo indivíduo que acompanha
as mudanças e se identifica com elas, exige uma educação mais
contextualizada, ou seja, escolas com estruturas e professores
capacitados para orientá-los a conviver com os novos tempos.

É até contraditório, o aluno fora da escola está a todo momento em


contato com as novas tecnologias, acessando todos os tipos de
informação, comunicando-se rapidamente com pessoas em várias
parte do mundo e na sala de aula receber uma educação limitada a
exposição do assunto pelo professor utilizando quadro acrílico, pincel
e apagador sem utilizar nenhum recurso tecnológico mais sofisticado
presente no dia-a-dia dos estudantes. Dessa forma, a escola acaba
não exercendo nenhum tipo de atração e se torna incapaz de auxiliar
a nova geração a produzir conhecimento próprio para seu tempo.

O conceito de novas tecnologias é bem amplo e abrange muitos


produtos lançados nos últimos tempos no mercado consumidor, por
isso, restringimos ao uso de aparelhos com acesso à internet como
celulares e computadores. Isso porquê, entendemos que há uma
grande difusão desses aparelhos entre os alunos ao tempo que a
escola ainda não conseguiu inserir esses novos instrumentos de
transmissão da informação no seu processo de ensino aprendizagem.

Há também as limitações que os alunos têm no acesso a uma


internet de qualidade. Isso interfere na formação dos indivíduos
quando os priva do contato com o mundo contemporâneo e diminui a
relação com o conhecimento. Neste sentido, a educação deve
contemplar as necessidades e o direito que os jovens têm de
conhecer e usufruir dos mecanismos que os inserem nos meios
sociocultural, pois na sociedade da informação onde a internet
democratiza o conhecimento, indivíduos sem habilidades de
manusear os mecanismos de interação, serão inúteis tanto para o
mercado de trabalho quanto para integrar a sociedade
contemporânea, algo que está disposto na própria Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDBN, quando diz que ―a educação
escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social‖,

198
para tanto, é de suma importância que a escola se adéque as
exigências que propõem o mercado.

O presente artigo tem como objetivo conhecer o perfil do estudante


de Ensino Médio de uma escola pública da cidade de Altos-PI, assim
como, analisar o papel da escola na educação da nova geração ligada
ao mundo tecnológico. Para tanto, a pesquisa desenvolvida utilizou
questionário com perguntas objetivas para serem respondidas pelos
alunos de acordo com as alternativas que mais se identificarem.
Mantivemos contanto com os estudantes pelas redes sociais onde foi
enviado o formulário com as perguntas seguido de um gabarito para
que os mesmos colocassem as alternativas escolhidas.

Os motivos que levaram a pesquisar sobre educação e novas


tecnologias foram a necessidade de conhecer um pouco mais dos
anseios dos alunos ligados ao mudo das tecnologias, as práticas que
lhes auxiliam a conviver em harmonia com este mundo, entender o
papel da escola e dos professores no contexto das mídias e como
devem atuar para que ambos não divirjam da realidade dos alunos,
uma vez que, percebe-se que os jovens estão cada vez mais ligados
a tecnologia e os benefícios que lhes são atribuídos. Assim, a
pesquisa tem grande relevância para os estudos sobre educação e
novas mídias, assim como, para profissionais que procurem conhecer
um pouco mais dos anseios que estudantes têm em se inserir nos
padrões sociais contemporâneos, além disso, alerta as instituições de
ensino para uma maior abordagem dos instrumentos de socialização
para que possam atrair o público jovem para as questões ligadas ao
conhecimento.

O papel da escola na educação da geração conectada ao


mundo tecnológico
A educação enfrenta novos desafios. Romper com o modelo
tradicional de ensino e inovar as práticas pedagógicas devem ser as
metas futuras dessas instituições, para se adaptar ao perfil do novo
estudante. A escola que antes era vista como local do conhecimento e
a única responsável por sua difusão hoje perde espaço para as novas
mídias. Via de regra, é através da tecnologia que a geração atual se
insere na sociedade. Isto não pode ser ignorado pela escola. Em vez
disso, a mesma deve invar o uso das novas tecnologias, com o
intuído de orientá-los a problematizar e encontrar soluções viáveis
para os transtornos provocados pelo mundo virtual.

Diferente de outros momentos, a juventude atual convive com um


grande fluxo de informações. A grande questão é como todos esses
dados gerados constantemente pelos dispositivos conectados ao

199
mundo através da internet serão processados e selecionados apenas
os que realmente tenham utilidade?

―Quando quantidades crescentes de informação são distribuídas a


uma velocidade cada vez maior, torna-se progressivamente mais
difícil criar narrativas, ordens ou sequências de desenvolvimento. Os
fragmentos ameaçam se tornar hegemônicos. Isso tem consequência
para as maneiras como nos relacionamos com o conhecimento, o
trabalho e o estilo de vida num sentido amplo.‖ (BAUMAN, 2013, p
35).

Neste sentido, as mídias, ao tempo que tornam as notícias mais


acessíveis também as fragmentam. Isso pode dificultar a
compreensão de alguns questionamentos importantes para o
desenvolvimento do saber e clareza dos assuntos ligados a realidade
do mundo que vivemos.

De qualquer forma, o acesso as tecnologias não pode ser visto


apenas como luxo nem muito mesmo está ligado a uma única classe
social. A internet trouxe novos instrumentos de interação com o
mundo. Além de ser uma fonte inesgotável de informação, também,
quando há inclusão digital, democratiza o conhecimento.

―O acesso ao material impresso sempre foi limitado a uma camada


bastante pequena da população, principalmente em países em
desenvolvimento, como o Brasil: a compra de livros e mesmo de
jornais e revistas está acima das posses da maioria das famílias, e o
acesso a bibliotecas públicas também é reconhecidamente precário.
Assim, um único computador ligado à internet, mesmo que de forma
limitada amplia significativamente, para os grupos periféricos, as
possibilidades de acesso à informação.‖ (RODRIGUES JUNIOR, 2009,
p.187).

Essas possibilidades oferecidas pela rede mundial é também uma


inclusão social, todos temos direito ao conhecimento. Quando a
oferta for limitada haverá desigualdade, pois, restringido a
informação a uma parcela da população a outra não terá condições
de competir igualmente no mercado de trabalho. Há quem considere
o acesso as tecnologias como um direito fundamental Pes (2015),
visto que, viabiliza determinados serviços oferecidos pelas repartições
públicas como: inscrições em vestibular, acompanhamento do
processo, escolha do curso, resultados das provas e classificação,
além da matricula.

O conhecimento deve abrir caminho para os novos tempos, e as


instituições de ensino devem estar à frente das novas estruturas

200
sociais para conduzir os sujeitos juntos aos recentes desafios que
acompanham as inovações do mundo contemporâneo. De qualquer
forma, adotar o novo não quer dizer que o conhecimento produzido
por outros meios seja descartado.

―É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do


novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim
como o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico. O
velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou
marca uma presença no tempo continua novo.‖ (FREIRE, 2016, p.
36-37)

A educação precisa está sempre inovando e mantendo-se próxima


dos acontecimentos para que possa desenvolver mecanismo de
interação com seu público. O perfil dos novos estudantes, mostrado
na pesquisa, apresenta múltiplos desafios para o ensino, mas
também aponta os rumos que a educação precisa seguir para se fazer
presente no dia a dia dos adolescentes.

O conhecimento adquirido pelos jovens, fora da sala de aula, não


pode ser desprezado e posto de lado como se não fizesse parte da
formação desses indivíduos, pois, ―ninguém escapa da educação. Em
casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos
nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para
ensinar, para aprender-e-ensinar.‖ (BRANDÃO, s/n) assim, a escola
precisa utilizar a experiência que o aluno leva para sala de aula e
desenvolver junto ao educando uma visão crítica da vida em
sociedade.

―Portanto, a cada nova geração, a sociedade se encontra em


presença de uma tábua quase rasa sobre a qual ela deve construir
novamente. É preciso que, pelos meios mais rápidos, ela substitua o
ser egoísta e associal que acaba de nascer por um outro capaz de
levar uma vida moral e social. Esta é a obra da educação, cuja
grandeza podemos reconhecer. Ela não se limita a reforçar as
tendências naturalmente marcantes ocultas que só estão esperando
para serem reveladas. Ela cria um novo ser no homem.‖ (DURKHEIM,
2014, p.55).

Enfrentar os desafios que as sociedades impõem aos sujeitos é uma


missão que as instituições responsáveis pelo ensino devem encarar,
se o mercado estimula o consumo e faz dos jovens potencias
consumidores de produtos que logo serão trocados por outros que
substituirá o antigo, se os produtos consumidos modificam a visão de
mundo das pessoas por conceber contados além das fronteiras
construída sobre as antigas limitações tecnológicas, se as

201
transformações que ocorrem não tem limite nem direção e os
indivíduos se acham perdidos ao ponto de não conhecer as
consequências futuras das suas ações. A educação tem que se
adequar aos novos tempos e auxiliar o homem no reconhecimento
dos espaços de convívio e nas possibilidades de transformá-los em
ambientes saudável para a coletividade.

Outro desafio que a escola encontrara é a desigualdade no acesso as


tecnologias de ponta. Isso porque o universo escolar constitui-se de
um público de origem diversificada e o processo de ensino-
aprendizagem tem que balizar as diferenças para manter uma
inclusão dos menos favorecidos pela limitada bagagem cultural que
dispõem.

―Por exemplo, as enquetes sobre a audiência radiofônica mostram


que a posse de aparelhos de rádio e televisão é muito desigual entre
os diferentes meios sociais; e inúmeros indícios permitem inferir que
as desigualdades se refletem não somente na escolha dos programas
vistos ou ouvidos (escolha que depende estreitamente do nível de
instrução, tanto quanto a frequência a museus ou a concertos), mas
também, e sobretudo, no tipo de atenção dedicada. Sabe-se, com
efeito, para usar a linguagem da teoria da comunicação, que a
recepção adequada de uma mensagem supõe uma adequação entre
as aptidões do receptor (aquilo que chamamos grosseiramente de
sua cultura) e a natureza mais ou menos original, mais ou menos
redundante, da mensagem. Essa adequação pode, evidentemente,
realizar-se em todos os níveis, mas é igualmente evidente que o
conteúdo informativo e estético da mensagem efetivamente recebida
tem tanto mais chances de ser mais pobre, quanto a ―cultura‖ do
receptor for ela própria mais pobre.‖ (NOGUEIRA e CATANI, 2010, p.
61)

Sendo assim, o nível de instrução que os alunos receberem em casa e


ou na escola influencia nas escolhas que farão ao entrar nas redes.O
papel da educação na era da informação é orientar a sociedade sobre
o consumo e a seleção de conteúdos que são disponibilizados na
mídia, isso porque, a quantidade de dados gerados nos ciberespaços,
além de grande, nem todos podem ter uma confiabilidade.

Segundo Bourdieu apud Nogueira (2002), defende o caráter social


das atitudes e comportamentos individuais, pois, ―os gostos mais
íntimos, as preferências, as aptidões, as posturas corporais, a
entonação de voz, as aspirações relativas ao futuro profissional, tudo
seria socialmente construído.‖ (NOGUEIRA, 2002, p. 19), Nessa
perspectiva, as pretensões futuras recebem influência do mundo

202
virtual, já que é nesses espaços que se constrói as novas relações
com o mudo.

Assim como a sociedade, a escola tem a responsabilidade de


capacitar os indivíduos para atuarem em sociedade. As maiores
críticas ao mundo virtual estão nas questões ligadas as relações que
se aglutinam nas redes sociais. Lugares onde as subjetividades
afloram por um sentimento de liberdade sem precedentes. Conflitos
ideológicos e posturas agressivas expõem pessoas, crenças, origens,
sexualidade e muitos outros aspectos da vida em sociedade que
podem ser melhor debatidos por indivíduos mais instruídos e
consciente do seu papel juntos ao modelo social que vigora tanto nos
espaços físicos como nos virtuais.

Mas como incorporar às novas tecnologias as salas de aula? No que o


uso dos aparelhos modernos de comunicação podem ajudar na
educação dos jovens? Como ficam os conhecimentos construídos sem
a sofisticação dos dispositivos contemporâneos? Sempre existirá
novas perguntas para novos desafios. E como a análise se faz no
tempo presente, as respostas são construídas juntamente com os
experimentos, ou seja, num mundo em que as tecnologias fazem
parte do dia-a-dia dos indivíduos e que suas ações quase sempre são
mediadas por elas, quanto se coloca o aluno em uma sala ele leva
junto o conhecimento que adquiriu com os mecanismos de interação
social.

Muitas das respostas para os problemas da ―vida real‖ são


encontrada no mundo virtual. Como já foi mencionado, as próprias
tecnologias são desafios para os novos consumidores, pois sempre
que lançadas no mercado os usuários devem adquirir outras
habilidades, essas que rapidamente são alcançadas numa consulta no
Google que leve a um endereço que tenha explicações para dúvidas
levantadas no cotidiano dos alunos. E por que as respostas para as
indagações feitas pelos professores não podem ser procuradas nos
espaços virtuais, assim como, as dúvidas construídas nos
ciberespaços levadas para sala de aula para serem discutidas? Isso
não ajudaria na educação dos jovens? As novas técnicas seriam
dispositivos que agregariam novos conhecimentos e não substituiriam
os já desenvolvidos em outras espaços e por mecanismo diferentes.

―Não se trata de incorporar acriticamente a tecnologia no tecido


social, educativo e comunicativo. O que estamos requerendo,
sobretudo nos países consumidores, não produtores de novas
tecnologias. Como os latino-americanos, é uma série de estratégias
que permitam a nossas sociedades aproveitar o potencial da
tecnologia para nossos próprios fins e de acordo com as nossas

203
peculiaridades culturais, científicas e tecnológicas.‖ (GÓMEZ, 1999, p.
58)

Portanto, é fundamental que as tecnologias, que já foram incorporas


pela sociedade, ganhem real atenção das instituições de ensino. Para
isso, a escola deve desenvolver estratégias que permita a introdução
dos novos mecanismos de interação no processo de ensino
aprendizagem, além disso, desenvolver nos alunos uma visão crítica
da utilização da internet e seus benefícios.

Referências
Ivan Francisco Viana de Lima – Licenciado em História, Especialista
em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana - UESPI
Márcio Douglas de Carvalho e Silva– Licenciado em História,
Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – UESPI,
Mestre Em Antropologia – UFPI.

BAUMAN, Zygmut. Sobre educação e juventude: conversas com


Ricardo Mazzeo. Rio de Janeiro: Zahar. 2013.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. Disponível em:


https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1992579/mod_resource/con
tent/1/O%20que%20e%20educa%C3%A7%C3%A3o.pdf.

DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. Petrópolis: RJ: vozes,


2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à


pratica educativa. 54° Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

GÓMEZ, Guillermo Orozco. Comunicação, educação e novas


tecnologias: tríade do século XXI. Goiânia, Brasil, UFG, 1999.

NOGUEIRA, Cláudio, NOGUEIRA, Maria Alice. A sociologia da


educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educação &
sociedade, ano XXIII, nº 78, Abril, 2002.

NOGUEIRA, Maria Alice, CATAI, Afrânio. Escritos de educação. 11. Ed.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

PES, João Hélio Ferreira. O direito fundamental Implícito de acesso as


novas tecnologias da informação e comunicação. V congresso
Iberoamericano de investigadores e docentes de direito e informática.
27 a 29 de maio. Santa Maria, RS, 2015.
RODRIGUES JÚNIOR, Adail Sebastião. Internet & ensino: novos
gêneros, outros desafios. 2.ed. Rio de Janeiro: Singular, 2009.

204
HISTÓRIA E ENSINO: O DIÁLOGO ENTRE MODA E MEMÓRIA
Jéssica Mayara Santos Sampaio

Estudar distinção social através de modos e aparência permite


compreender a influência das transformações na vida urbana, que
construiu novas relações e meios de distinções, proporcionando
estreitamento com a valorização do cotidiano, costumes e o diálogo e
os papéis sociais através da modelação da identidade, bem como os
discursos e práticas que permitem o entendimento das relações
política, social e econômica, que ajudavam a expressar diferentes
distinções e hierarquizações presentes na sociedade.

Partindo dessa perspectiva podemos relacionar a memória e a


identidade como fatores essenciais para entender as singularidades
das relações sociais e as expressões de individualidade e aparência,
associados à organização da sociedade. A moda passou a ser, no
início do século XX, com a mudança do vestuário, uma composição
social. Através dela é possível compreender como se relacionar com
os diversos âmbitos da vida social, desde a cultura, mudanças
sociais, beleza e até as mudanças sociais.

Por esse motivo, a relevância em elucidar dentro do estudo sobre o


tema, os elementos da moda e modos nas representações sociais e
de gênero, dando ênfase aos atributos físicos e comportamentais de
homens e mulheres, e observar, especialmente, a preocupação com a
perda da feminilidade e a inversão de valores. Portanto, torna-se
fundamental fazer o levantamento da produção historiográfica local,
que considera as especificidades do espaço que se voltam para
análise e experiências de determinado período; porém deve-se
direcionar a ligação com as comparações entre outras regiões.

Inicialmente, o período estudado seria entre 1920 a 1950. No


entanto, o levantamento documental nos levou a fazer um novo
recorte. Se na década de 1920 existia a efervescência das novidades
de espaços e vestimentas, a partir de 1930 as novidades já não são
tão recorrentes nos jornais, devido ao período do Estado Novo, em
que o discurso presente vai além das mudanças, chega à conservação
e manutenção da família, da nação; momento em que as mulheres
conquistam o direito ao voto; há uma ampliação dos novos horizontes
para trabalho e também do desenvolvimento das universidades, por
isso a nova definição do recorte temporal. Uma das características da
análise desse tipo de documento é a descrição minuciosa dos
detalhes dos conteúdos presentes em cada ponto do jornal, que
ajuda a construir o objeto e definir o campo de investigação, pois é
necessário, que o historiador, dentro dessa amplitude de

205
interpretações e documentos consiga caminhar com o
desenvolvimento da pesquisa.

Os jornais anunciavam as mudanças de hábitos e vestimentas,


falavam sobre higiene e moralidade, sendo importante fonte de
estudos para perceber as alterações do cotidiano, por meio de
elementos que associavam a educação do corpo, moda, classes
sociais. Sobre documentos e pesquisa, o essencial é enxergar que os
documentos e os testemunhos só falam quando fazemos perguntas, a
partir de objetivos precisamente estabelecidos, já que todo
levantamento de fontes indicam uma direção a seguir, para dar
profundidade à pesquisa.

A memória pode ser fortificada ou enfraquecida, de acordo com o


interesse de quem a reafirma e/ou oculta informações. Por isso, com
a análise de jornais, observa-se que os temas e notícias veiculados,
não eram destinados à todas as classes sociais. Ofereciam objetos,
vestimentas e até festas, em que só era permitido participar pessoas
que possuíam educação privilegiada, requinte e condições financeiras
para que tivessem livre passagem por diversos setores sociais.

Segundo Le Goff (1994, p.426), ―o estudo da memória social é um


dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da
história‖, pois a moda tem uma função na disputa do espaço social
que é regida por regras e controles, como as roupas que deram
visibilidade ao corpo e também ao crescimento da cidade, já que a
moda passou a constituir as relações entre os indivíduos e a
modelação dos corpos no espaço.

A importância desse estudo está na investigação acerca da moda e


das representações com a intenção de refletir sobre a importância e
valorização do conhecimento da história da cidade de São Luís,
mostrando que é possível estudar história através da forma como os
indivíduos se vestem e se comportam em sociedade.

A moda estabelece vínculos com o espaço e os objetos. Aproveitando


o cenário do Patrimônio Histórico (material) de São Luís, fica mais
próximo de comparar a realidade das ruas e construções, com o que
era apresentado nos jornais e revistas, do período em estudo, já que
os discursos e representações também funcionam como uma
construção de manutenção dos privilégios para grupos sociais. Por
isso a importância em analisar o contexto local, a cultura e os
aspectos econômicos que envolviam a cidade.

História, memória e identidades estão interligados. A memória


coletiva mostra que não existe relação entre o que foi vivido e o

206
fixado, mas sim a construção estabelecida por grupos dominantes.
Logo, é um processo de seleção, onde as molduras são colocadas
para determinar o enquadramento, e a reconstrução do passado é
feita de acordo com a referência desejada, pois os acontecimentos
tem significados singulares. Desse modo Pollack (1992, p.4) afirma
que, ―a memória é seletiva, faz fronteira entre o dizível e o não
dizível‖.

Com a leitura de imagens, detalhes do cenário urbano e trechos


presentes nos documentos, podemos possibilitar ao aluno visualizar
como os elementos da indumentária e comportamento
representavam a luta entre público e privado, análise de discursos e
representações, deixando em evidência as informações locais,
identificar tradições, vida cotidiana e transformações que causaram
impacto na sociedade.

Por se tratar de uma interpretação do passado, ao propor um


material paradidático para alunos da rede de ensino da cidade de São
Luís, a busca se faz pela quantidade de informações que se pode
levar ao cotidiano escolar e que seja de linguagem acessível, com a
intenção de enriquecer o debate em sala de aula. Por esse motivo, é
uma escrita que requer maior precisão por se tratar de um material
que traz maior leveza para o ensino, pela facilidade com que pode ser
trabalhado, mas que possibilite ao aluno o acesso às informações
mais complexas, sobre conceitos e acontecimentos, sobre reflexão
acerca do tema.

―A escrita de um texto didático requer cuidados, por se tratar de uma


produção de adultos, destinada a um público de outra faixa etária e
outra geração. A terminologia empregada não pode ser complexa,
mas requer precisão nas informações e nos conceitos. Da mesma
forma, as explicações não podem ser extensas, devendo ser simples
sem simplificar‖. (BITTENCOURT, 2004, p.314).

É significante a contribuição documental para o ensino de história. Os


jornais e revistas são instrumentos que trazem imagens, descrições
sobre o cenário urbano, trechos sobre vida cotidiana, por isso a
relevância em levar ao aluno documentos que sejam capazes de
possibilitar a visualização dos elementos da moda e do
comportamento, que remetem à história da cidade, mostrando as
informações que representavam a luta de espaços entre as classes
sociais, a mudança da indumentária, as tradições locais, entre outros
aspectos.

Os jornais relacionados à pesquisa são de origem local, juntamente


com as revistas encontradas, que também são de produção local, e

207
os aspectos informativos sobre o Brasil e outros países, fez-se uma
ligação entre essas ferramentas, para explicar tanto o âmbito local
quanto o nacional, para estabelecer conexões entre as datas, locais e
inclusive para demonstrar ao aluno a importância do tema no ensino.

Por se tratar a imprensa como espaço de disputas, o contexto


nacional também é relevante dentro da investigação historiográfica
local, por apresentar a comparação de acontecimentos e questões no
mesmo período, em diferentes regiões do Brasil e por vezes, de
outros países. Os discursos e práticas sociais indicam que a moda
permite o entendimento das relações em diversos âmbitos da
sociedade, seja político, social, econômico, além de se tornar um elo
entre o consumo, cotidiano, aparência e sociedade

Os valores morais, as transformações, a exibição do corpo, são


aspectos que alimentam a investigação, visto que cada informação foi
produzida dentro de um contexto coletivo, mas também por discursos
e relações pessoais, que introduzem ou bloqueiam os acontecimentos
em lembranças ou esquecimento. Portanto, busca-se entender as
ramificações que a história social construiu dentro das relações
pessoais, entre grupos e os meios de distanciamento entre classes, a
partir dos marcos da memória, das características e interesses das
identidades e a moda como expressão de beleza e representação.

O mesmo tema pode ter inúmeras hipóteses e objetivos, por isso a


importância da leitura dos documentos para identificar a localização
do que o pesquisador está buscando. Nesse sentido, fazer uma
abordagem referente à história de São Luís, a partir de um viés que
não é tradicional, se torna de certa maneira, uma inovação que
envolve um discurso que não é muito recorrente nos livros didáticos e
em materiais de apoio ao professor em sala de aula, mas que tem um
grau de atualidade e direciona o aluno à reflexão, a ver além, que é o
objetivo do ensino da história.

Levando em consideração o cotidiano escolar e a disciplina, o aluno é


ensinado a ler as relações sociais, culturais, econômicas, já que a
disciplina influencia na formação do cidadão, à medida que o torna
crítico e reflexivo. Por isso o ensino de história permite a observação
de vários aspectos sejam sociais, econômicos, políticos, etc., pois é
uma forma de incentivar o aluno a ser consciente sobre sua função
social, e o seu olhar sobre a disciplina deve ser como um verdadeiro
explorador do tempo.

O âmbito escolar se dá entre o ensino, a interação, o diálogo e a


abordagem; portanto cabe ao professor transmitir informações,
conceitos, para que o aluno tenha a capacidade de construir o

208
conhecimento que vem dessa reflexão sobre o cotidiano,que está
vinculada ao conteúdo presente em sala de aula, assumindo reflexões
que passam pelo campo da história e envolvem uma tentativa de ler
e compreender o mundo em que vive.

A aproximação com a história permite o estreitamento com a


educação e a cultura. O estudo sobre moda é uma das variedades do
campo da História, marcado por mudanças de hábitos, progresso e
padrões sociais e estéticos. Portanto, é através do estudo do histórico
que podemos perceber a importância da interpretação dos fatos e a
construção de reflexões sobre temas variados

O incentivo à valorização da história da cidade de São Luís, que


mantém preservado (ainda que precariamente) o cenário, através de
ruas, igrejas, monumentos e casarões, e impulsiona a imaginação do
leitor para reconstruir os personagens e a sociedade, de modo social
e urbano, entre as décadas de 1930 a 1950. Por isso, o trabalho do
professor em sala de aula requer cuidados, é importante organizar os
conteúdos e utilizar ferramentas que dinamizem a transmissão de
informações sobre determinado assunto, de modo que exista
interação e interesse dos alunos.

Por utilizar instrumentos que contribuem com a formação escolar, o


historiador tem a função dar uma nova perspectiva as questões e
acontecimentos do passado para aproveitar o conhecimento prévio do
aluno e fazer pensar sobre processos de séculos passados, que
podem ser entendidos de forma mais atual, através do consumo de
aparelhos eletrônicos e roupas, produtos de luxo, espaços de
socialização e as estratégias utilizadas por ele para caminhar e se
inserir no meio social referente ao seu cotidiano, sua condição
econômica. Além disso, a discussão sobre a desigualdade social, a
importância dos estudos e da reflexão sobre o cotidiano, explicando a
realidade através de um material que traz nos jornais de outro
período, modo de viver e de se comportar.

Para além das fontes de imprensa, a pesquisa envolve também o


trabalho com as imagens. A moda é citada diante de um discurso
normalizador, de acordo com os padrões de comportamento, hábitos
e vestimentas estabelecidos no período, tanto para homens quanto
para mulheres. Por isso a importância em relacionar os resultados da
pesquisa bibliográfica, dos jornais e revistas, e das imagens contidas
nestes, para que seja realizável essa interligação com os principais
aspectos de cada um, seja através de uma cor ou de uma regra de
comportamento, considerados de acordo com a moral e o requinte,
quando na verdade é uma forma de controlar as ações e ambientes
frequentados por homens e mulheres.

209
A abordagem de temas como beleza, aparência, saúde e família é
recorrente em grande parte dos jornais. Embora as identidades sejam
adquiridas e construídas, vale ressaltar que existem formas de
produzir novos significados e interpretações para vestígios e até
conceitos utilizados no processo histórico.

O material paradidático serve para fazer essa conexão entre as


temporalidades, assim como levantar discussões que tenham relação
com as situações do dia a dia do aluno, envolvendo a realidade da
escola, do campo afetivo/familiar e do campo econômico, de modo
que tenham ferramentas para compreender o exercício do poder e
uma possível hierarquização, as estratégias de superioridade e
distinção social; e por vezes, mostrando as comparações entre ―o
antes e o depois‖, mudanças e permanências, visto que o ensino de
história pode proporcionar ao aluno a problematização de conceitos, a
contextualização de problemas e as condições para buscar possíveis
soluções.

A moda tem seu papel na disputa do espaço social, pois ―está


relacionada com o mostrar-se através da utilização de elementos que
facilitam a diferenciação das camadas sociais, como um meio de
visibilidade e manutenção da posição social‖ (SCHPUN, 1999, p.126).
Por isso, existe a possibilidade de observar os traços entre o individuo
e a sociedade, principalmente no que diz respeito às alterações de
comportamento, espaços de sociabilidade, mudança do cenário
urbano e preocupação com o corpo e a beleza.

O ensino de história ainda se encontra recheado de grande nomes e


factualismo, configurando um aspecto distante da realidade por conta
da fragmentação dos temas. Daí a proposta de despertar no aluno
essa capacidade de diversidade de interpretações de episódios,
conceitos e como pensar o trabalho para dentro e para além do
ambiente escolar. Uma preocupação de como fazer a diferença,
voltando a História para a importância do conhecimento histórico;
conhecer, compreender o passado, mas conseguir enxergar o que é
dito nas entrelinhas, principalmente como fazer para que o conteúdo
seja absorvido e que apareçam as reflexões através de uma história
conectada com a atualidade, fatores do passado e as expectativas
dos alunos.

Para o historiador, a partir da indicação de documentos e a


localização, aponta-se para a reconstrução do passado, por isso os
textos apresentam discussões e argumentações para verificar e
afirmar alegações durante a pesquisa. De modo geral, o
desenvolvimento do texto é possível a partir do seu conteúdo, já que
é preciso justificar, argumentar e mostrar a estrutura dos fatos.

210
Suprimir as lacunas faz parte de um problema considerado segundo
Prost (2008, p. 249), um ―remorso entre os historiadores‖, pois as
imprecisões aparecem e nem sempre o historiador consegue superar,
principalmente devido à quantidade de conteúdos disponíveis e o
objetivo do pesquisador, que acaba por escolher uma opção em um
leque distinto de tempo, lugar, e outros aspectos. Daí toda a
delimitação que vem a partir do lado pessoal, que certamente
contribuem para o desenvolvimento de um trabalho em que é preciso
fazer constatações, trazer inovações, mostrar os traços da realidade
do período estudado e a adequação da linguagem para quem se
escreve, com a intenção de repensar e compreender os temas
abordados.

Através da história é possível refletir, analisar e pensar sobre


diversos aspectos da sociedade e do cotidiano, por isso se torna
significativa para o ensino, pois não se associa apenas à fixação e
assimilação de data e feitos, e sim à compreensão dos processos e
acontecimentos, tornando os indivíduos mais críticos e reflexivos, a
partir da noção que não existe a verdade e sim o encadeamento dos
fatos e a visão de acordo com o lugar do individuo na sociedade.

A ligação da relação entre o historiador e seu objeto de pesquisa, se


tornou ainda mais árdua com a interdisciplinaridade e a expansão das
fontes, que aumentou também, as possibilidades de reconstruir a
história em diversos caminhos e consta como um desafio ao
historiador, por ser ―intimado‖ a trabalhar com os mais diversos
vestígios históricos e interpretá-los; e quando professor, mapear as
possibilidades de trabalhar estes em sala de aula, levando à
descobertas, aprendizagem, desenvolvimento individual e ao trabalho
coletivo.

Desta forma, a produção do material paradidático é importante para


discutir a origem do documento, os interesses revelados a partir do
período e especificidades do contexto local; contribui para fazer
conexão entre as temporalidades, bem como levantar discussões que
tenham relação com as situações do dia a dia do aluno, envolvendo a
realidade da escola, do campo afetivo/familiar e do campo
econômico, de modo que tenham ferramentas para compreender o
exercício do poder e uma possível hierarquização, as estratégias de
superioridade e distinção social; e por vezes, mostrando as
comparações entre ―o antes e o depois‖, mudanças, permanências e
na investigação acerca da moda e das representações com a intenção
de refletir sobre a importância e valorização do conhecimento da
história da cidade de São Luís

Referências

211
Jéssica Mayara Santos Sampaio – Graduada do Curso de Licenciatura
em História da Universidade Estadual do Maranhão. Aluna do
Programa de Pós- Graduação em História (PPGHIST) da Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA).

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Procedimentos metodológicos


e práticas interdisciplinares. In.:Ensino de Historia: fundamentos e
métodos. Ed. Cortez, São Paulo, 2004.

LE GOFF, Jacques. Memória. In.: LE GOFF, Jacques, História e


Memória. Campinas/ São Paulo: Ed. Unicamp, 1994.

MAGALHAES, Marcelo de Souza. Historia e cidadania: porque ensinar


historia hoje? In.:Ensino de Historia: conceitos, temáticas e
cidadania. Org: ABREU, Martha e SOIHET, Rachel. Rio de Janeiro :
FAPERJ, 2009.

POLLACK, M. Memória e identidade social. In. Estudos históricos. Rio


de Janeiro, v.5, n.10, 1992.
PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.

SCHPUN, Mônica Raisa. Beleza em jogo: cultura física e


comportamento em São Paulo nos anos 20. São Paulo: Boitempo,
1999.

212
A REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE RELIGIOSA NO FILME “A
DÚVIDA”: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO PERFIL
SACERDOTAL
Jessica Caroline de Oliveira

Pensando na perspectiva de que a identidade é permeada por tensões


que configuram modalidades práticas, seja no tocante ao sujeito
individual ou enquanto uma instituição, tal como menciona Cláudio
DeNipoti (2009), este texto por objetivo tecer algumas considerações
acerca da identidade religiosa, tomando como ponto de partida a
produção cinematográfica intitulada como Duvida, a qual contou com
a direção de John Patrick Shanley, chegando às telas no ano de 2008.
A partir da seleção de alguns elementos representados no filme,
pretende-se dialogá-los com informações delineadas por autores
como Edson Armando Silva (2008), Pierre Sanchis (2017) e Cláudio
DeNipoti et al (2009).Busca-se assim, refletir sobre a ideia de
construção da identidade, neste caso, da identidade religiosa e o
modo como as possíveis mudanças, transformações e permanências
legam diversas tensões no seio dos pressupostos sacerdotais. Cabe
salientar, que a representação aqui discutida se vincula aos princípios
orquestrados por Roger Chartier (1991), pois conforme conceitua o
autor, a representação é uma produção do mundo social, em que
perpassam práticas que possibilitam conhecer e reconhecer uma
identidade, sua forma de ser no mundo e significar-se
simbolicamente. Portanto, o filme ―marca de modo visível e perpetuo
a existência do grupo, da comunidade ou da classe‖, (CHARTIER,
1991, p. 183), oportunizando olhar, de forma mais específica, a
identidade religiosa, ou melhor, a representação criada sobre ela.

A seleção deste filme parte das inquietações discentes no tocante à


identidade sacerdotal, em que se comenta corriqueiramente nos
materiais didáticos do 7º ano, pensando especificamente a realidade
discente do Núcleo Educacional João Fernando Sobral, situado em
Porto União, Santa Catarina, todavia, pouco se aprofunda no sentido
de explicar as nuances dos valores e códigos de comportamento de
missionários vinculados à Igreja Católica, ou o que compõe a faceta
de religiosos e como se pode observar as transformações,
permanências e mesclas nos seus componentes identitários.

Nesta acepção, o filme retrata as tensões entre as perspectivas


religiosas e educacionais que haviam entre o padre Flynn e a irmã
Aloysius, os quais realizam seus trabalhos na Escola Santo Nicholas,
em Bronx. De início, é evidente o paradoxo entre a personalidade de
ambos os sujeitos, os quais, mesmo contando com uma identidade
religiosa, apresentam especificidades no tocante a suas formas de

213
tratamento, uso da religiosidade enquanto norma reguladora, diálogo
e relações interpessoais.

Para entender estas representações fílmicas, o primeiro ponto a se


compreender é a identidade religiosa, esta, conforme explica Pierre
Sanchis (2017),se constrói por meio de elementos presentes na vida
das pessoas, ou do contexto em que vive e da sua identidade local.
Portanto, existem elementos que possibilitam que os sujeitos se
identifiquem com a religiosidade, como festas, padroeiro, santos,
calendário, enfim, caracteres que definem essa identidade religiosa,
sendo ela sincrética, diacrônica e cumulativa, pois se identifica com
as raízes históricas do local e das pessoas que ali vivem com suas
manifestações e identidades individuais e/ou coletivas. Para tanto,

―A identidade que resulta desse processo é sem dúvida uma


identidade unificada e organicamente construída, tanto no plano
institucional quanto no nível psicossocial, mas a construção mesma
dessa unidade não deixa de ser sincrética, pelo reassumir, a cada
etapa, dos estratos anteriores de sua definição‖. (SANCHIS, 2017, p.
16)

Em seu artigo, Sanchis (2017) sinaliza também para uma


reformulação dos laços institucionais, onde a dimensão da vida
religiosa, definida por elementos tradicionais e seculares, tem se
aproximado de uma tradição da modernidade, isto é, plurissecular,
oportunizando a recriação do universo religioso por meio de
caracteres ecléticos reaproximados, sobrepostos e refundidos entre
diversas tradições, as quais são produtos culturais que as pessoas
possuem a sua disposição.

Nos liames desta problemática, outro elemento que é interessante


refletir no que tange a identidade religiosa e as representações
fílmicas se trata dos papeis definidos pelo gênero. Nesta acepção,
Edson Armando Silva (2008) faz uso do conceito de ―construção da
realidade‖, a partir do qual, é possível pensar no contexto social, nas
questões de gênero e na estrutura de sentimentos que são
construídos por meio da linguagem, o que é evidente no decorrer do
filme. Estes papeis, desde o início do filme, revelam elementos que
lhes são próprios, isto é, a figura masculina é representada por uma
perspectiva mais leve, sociável e próxima das demais pessoas, além
disso, os padres aparecem fumando, sorrindo, contando piadas, com
discursos que fazem a comunidade a refletir sobre diferentes temas,
entre eles, as fofocas. Já as mulheres, são representadas mais
silenciosas, regradas e autoritárias, em que o medo é tomado como
caractere para conseguir o respeito, ou melhor, a obediência do
alunado.

214
Partindo dessas informações, Silva (2008) destaca que algumas
proibições ‗comuns‘ à figura feminina eram pautadas na
tradicionalidade religiosa, no entanto, foi sendo desmistificada, ou
‗amenizada‘ nesta época mais moderna, como é o caso de poder
tocar nos vasos sagrados, purificatórios e palas – características
outrora restritas ao sacerdote –, denotando assim, a exclusão da
figura feminina nos espaços e práticas sagradas. Isso é evidente no
filme, pois, nos momentos em que são rezadas as missas e realizados
os sermões, é perceptível que somente ao sacerdote cabia esta
função, ao passo que as mulheres apenas ouvem sem participar
destas práticas. Além disso, conforme explica o autor, tanto o
feminino quanto a sexualidade estão associados a uma definição
depreciativa que a Igreja cristalizou a partir da vinculação entre sexo
e pecado. O desprezo pelo prazer tem origem romana, mais
precisamente com a introdução de elementos estoicista, no século II
através de Santo Agostinho, em que a perspectiva de um homem
livre de paixões consegue dominar seus instintos. Ainda vinculado a
este pressuposto, cabe lembrar que o casamento, por exemplo, tinha
como objetivo a procriação e educação da prole, sem o conceito
moderno de amor.

―Esse modelo vai influencia a visão de santidade vigente no mundo


cristão. A hagiografia cristã propaga continuamente modelos de
virtude e de castidade e qualquer manifestação de sensualidade devia
ser evitada. Outro fator de influência na imagem negativa da
sexualidade no mundo cristã foram os conceitos de pureza ritual
prescritos no sacerdócio do antigo testamento. Ao se introduzirem no
cristianismo transformaram-se de meras prescrições em culpa moral.
No antigo testamento o sacerdote, para participar do culto, deveria se
abster de contatos sexuais como contato com outras matérias
impuras, como sangue, por exemplo.‖ (SILVA, 2008, p. 199)

Para Silva (2008), a figura do sacerdote, na estrutura religiosa, está


vinculada a ideia de salvação das almas, ao passo que a Igreja se
centra como uma continuação da encarnação do corpo místico de
Cristo, da fé e da moral. As demandas sociais e culturais legaram
uma nova roupagem da identidade sacerdotal, bem como, dos
princípios por eles adotados e colocados em prática na segunda
metade do século XX, por meio do Concílio Vaticano II. Com este,
constrói-se uma nova auto-compreensão e eclesiologia, isto é,
modifica-se o diálogo inter-religioso, seja na prática missionária,
funções do bispo, presbítero, religiosos e até mesmo dos leigos,
ressignificando sua relação com a sociedade, sobretudo, propondo o
conceito eclesial de Povo de Deus. Em algumas cenas, destaca-se o
anseio do padre em aproximar a Igreja da sociedade, bem como,
criar um elo com o próximo, seja por meio de seus sermões,

215
apresentações comemorativas que tragam consigo elementos da
cultura local e comum.Ou seja, que a Igreja não se feche em si
mesma, mas dialoga com o mundo exterior, aproxima-se dele e o
traz para dentro do dogma religioso.

Com esse novo olhar para a sociedade, houve também uma nova
perspectiva no tocante para o casamento e a sexualidade, sendo
assim, critica-se a depreciação do prazer e a influência, ainda
presente, da filosofia estóica e conceitos jurídicos romanos, os quais
tornaram depreciativa a sexualidade. Neste sentido, o matrimônio,
por exemplo, é entendido como uma prática que só se torna plausível
pelo amor pessoal capaz, em que tanto ele quanto a relação sexual,
devem servir para o fortalecimento do amor. Não é à toa que se
argumenta que a prática sexual é uma atividade humana, por
isso,não deve limitar-se a procriação, tal como é o caso dos demais
animais.

Essa nova formulação da Igreja permite uma abertura à sociedade


moderna, provocando uma dessacralização do sacerdote, uma
valorização das realidades seculares e uma nova organização da
figura feminina. Isso pode ser pensando enquanto um sincretismo,
pois conforme explica Sanchis (2017), o sincretismo se trata de um:

―[...] processo, polimorfo e causador em múltiplas e imprevistas


dimensões, que consiste na percepção – ou na construção – coletiva
de homologias de relações entre o universo próprio e o universo do
Outro em contato conosco, percepção que contribui para desencadear
transformações no universo próprio, sejam elas em direção ao
esforço ou ao enfraquecimento dos paralelismos e/ou das
semelhanças.‖ (SANCHIS, 2017, p. 5)

Cabe dizer também, que o sincretismo se dá na relação desigual


entre duas culturas, ou seja, por meio da desigualdade e
hierarquização estabelecida entre estas. Além disso, é a sua
historicidade que determina a sua ordenação, a qual pode se
transformar conforme os fatores que fomentam a classificação de
uma cultura ou religião.

A reinterpretação diz respeito a preencher vazios de uma memória


coletiva que a história não permitiu que se conservasse, ao passo que
a aculturação pode ser material ou formal: a primeira está vinculada
a premissa em um movimento transformador que leva a adotar
categorias, valores e comportamentos extraídos da cultura e de
empréstimos sem modificar as estruturas profundas do próprio ser
cultural; já a formal, está associada a adoção aos sinais diacríticos da
cultura, neste caso, pensando na cultura africana e afro-brasileira,

216
em que a opção identitária se constrói a partir de uma mudança,
inconsciente e profunda. (SANCHIS, 2017)

Segundo o autor, o cristianismo, enquanto modelo de identidade do


padre e da freira, se caracteriza enquanto uma religião sincrética,
afinal, surgiu como uma confluência de outras três grandes correntes
religiosas e/ou filosóficas: a judaica, a grega e o helenismo tardio.
Dentre as suas características, pode-se elencar a escolha da
autonomia e individualidade, a qual, instaurava uma nova forma de
relacionar-se com Deus, naquele momento, por meio da fé. Para tal,
destaca-se a formação de um grupo organizado, com funções
hierárquicas, cuja papel está associado a transmissão do bem
salvífico da Graça, através de sinais e símbolos que compõe essa
cosmogonia religiosa. Essa cosmogonia, para Sanchis (2017), conta
também com tempos, lugares sagrados, corpo sacerdotal, textos
canônicos, estilo ritualístico, noutras palavras, dogmas, templos,
sacerdotes e sacrifício. Estes pressupostos mantiveram um instável
equilíbrio nos primeiros séculos do cristianismo, logo, são as suas
flutuações e redefinições que historicamente foram implantadas nos
diferentes campos por onde lançou-se, é que se define o sincretismo.

Compreender tais mudanças, permanências ou transformações desta


identidade oportuniza entender a sua construção, neste caso,
religiosa, bem como, quais valores foram enfatizados e selecionados
como caracteres para denotar a sua roupagem. Afinal, as identidades
são apropriações constituídas a partir de discursos, permeados por
relações de poder e representações, como bem explicita Cláudio
DeNipoti, et al (2009).

Referências
Jessica Caroline de Oliveira possui graduação em História pela
Universidade Estadual do Paraná, campus União da Vitória; Pós-
Graduada em História e Cultura Afro-brasileira pela Universidade
Cândido Mendes; é mestranda em História, Cultura e Identidades
pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos


Avançados, 11 (5), 1991.

DENIPOTI, Cláudio, et al. Especialização em História, Arte e Cultura.


Ponta Grossa: UEPG/NUTEAD, 2009.

SANCHIS, Pierre. As tramas sincréticas da história: sincretismo e


modernidade no espaço luso-brasileiro. Disponível em:
http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_28/rbcs28_10.
htm Acesso em: 06/06/2017.

217
DÚVIDA. Direção: John Patrick Shanley. Disponível em:
http://megaboxfilmesonline.com/2016/04/assistir-duvida-
dublado.html Acesso em: 6/6/2017.

SILVA, Edson Armando. Transformações na identidade religiosa


feminina no pós Vaticano II. Revista Brasileira de História das
Religiões – Ano I, nº 1 – Dossiê Identidades Religiosas e História,
2008.

218
A REVOLUÇÃO FRANCESA REVISITADA:
QUADRINHOS, GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA
Juliana Ribeiro Marra

Introdução
Este texto tem por objetivo narrar e realizar uma breve análise da
experiência de prática de ensino desenvolvida no 8º ano do Ensino
Fundamental do Centro de Ensino de Pesquisa Aplicada à
Educação/UFG, a partir da HQ, ou grafic novel, ‗Olympe de Gouges‘.
Este objetivo, embora aborde teoricamente uma experiência,
configura-se a partir de um caráter bastante prático. Todavia, nem
por isso esmaece que a discussão das HQs no ensino de História é
expressão de uma problemática maior que são as (novas) linguagens
no ensino de História. Não se trata, contudo, de simplesmente
defender a ―validade‖ das histórias em quadrinhos enquanto
documentos aptos para a compreensão de processos históricos. Para
além disso, apresento uma amostra da diversidade de questões
históricas, sociais e cognitivas que essa linguagem própria da cultura
visual pode oferecer para a construção do conhecimento, sobretudo
histórico.

Considerando as várias potencialidades dadas pelo uso das HQs em


sala de aula – já elencadas e desenvolvidas por autores pioneiros no
estudo dos quadrinhos no ensino –, busco destacar aqui a
metodologia adotada nesse projeto de ensino, pois ele abrangeu
desde a identificação da obra e seu reconhecimento como fonte e
objeto histórico até a produção de HQs pelos próprios estudantes,
observando o eixo temático estudado. Ao fim, os alunos e alunas
ainda trabalharam na organização do material produzido em uma
exposição instalada em um evento de divulgação científica e cultural
do colégio.

A partir da necessidade de atender o programa curricular do 8º ano


da educação básica propôs-se o eixo temático ―Mulheres, ontem e
hoje: direitos e políticas‖, para o estudo do Iluminismo e da
Revolução Francesa. O projeto de ensino teve a duração
compreendida em uma escala, ou bimestre. A história em quadrinhos
‗Olympe de Gouges‘ apresentou-se como um oportuno e importante
instrumento para esse estudo, conforme busco narrar e desenvolver
a seguir.

Desenvolvimento
No primeiro dia do trabalho com a HQ, a professora apresentou toda
a proposta aos estudantes, partindo do conhecimento prévio de que
as turmas (A e B) estavam estudando a linguagem dos quadrinhos –

219
a chamada nona arte – na disciplina de Artes. A obra ‗Olympe de
Gouges‘ foi publicada em 2012 na França, pela editora Casterman,
fundada em 1780, portanto no auge do período iluminista, na França
pré-revolucionária. A editora se propôs a atender as necessidades
editorais de sua época, evoluiu e atualmente publica literatura
infanto-juvenil e histórias em quadrinhos, para jovens e adultos.
Ressaltando as especificidades do seu corpo de autores/artistas, a
Casterman diz que suas escolhas são pautadas em artistas que
―oferecem uma abertura ao mundo e colocam um olhar humanista na
sociedade ou na história‖ [CASTERMAN, 2018]. A HQ tem texto do
escritor de romances, biografias e quadrinhos, José-Louis Bocquet e é
ilustrada pela artista Catel Muller, que já ilustrou também mais de
cinquenta livros e importantes obras e séries nos quadrinhos. A
edição brasileira de ‗Olympe de Gouges‘ foi lançada em 2014, pela
Editora Record, e tem tradução de André Telles.

‗Olympe de Gouges‘ é uma graphic novel (romance gráfico) que narra


a biografia e a luta da escritora francesa, fortemente influenciada
pelos ideais iluministas, que viveu e morreuno período da Revolução
Francesa. O termo graphic novel refere-se a um tipo de livro que por
meio da arte sequencial, ou quadrinhos, conta uma longa história.
Geralmente é utilizado para qualquer quadrinho de longa duração,
sendo análogo a uma prosa ou romance na literatura. De fato, a obra
em questão tem 408 páginas, além da cronologia de Olympe de
Gouges e dos principais acontecimentos de sua época, e das
pequenas biografias com retratos ilustrados dos personagens
principais e secundários da revolução de Olympe. Sua revolução
também, pois foi ela quem redigiu em 1791 a ‗Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã‘, reivindicando a igualdade entre os
sexos e o direito ao voto – uma luta que duraria até o século XX.
Olympe expressava suas ideias através da literatura, escreveu
inúmeras peças teatrais, com as quais se consolidou como uma
polêmica defensora dos ideais feministas e abolicionistas.

220
Fig. 1
(BOCQUET, 2014, capa)

Fig. 2
(BOCQUET, 2014, p. 334-335)

221
Levando-se em conta a força e protagonismo do atual movimento
feminista, no Brasil e no mundo,sobretudo no que diz respeito à
consolidação dos direitos das mulheres, a HQ foi inicialmente
apresentada aos estudantes do ponto de vista do objeto cultural
historicamente produzido, ou melhor, como uma prática cultural que
(des)envolve questões pertencentes a determinado contexto. Os
quadrinhos ―devem ser vistos como práticas, formas de se
pronunciar, debater, questionar questões políticas, sociais,
econômicas da época, do momento de sua produção‖.Dessa forma,
acabam por se constituir como resultado de um campo de disputas e
negociações. Isso significa dizer que as HQs devem ser interpretadas,
primeiramente, a partir do diálogo com o tempo em que foram
produzidas, monumentalizando-as, no sentido apontado pelo
historiador francês Jacques Le Goff. É preciso levar em conta que
―representações construídas nos e pelos quadrinhos dizem mais do
contexto em que foram produzidas do que propriamente de uma
temporalidade passada‖ [RODRIGUES, 2017, p. 434].

Todavia, é importante ressaltar que a produção do conhecimento


histórico como objeto do ensino de história é um dos pilares do
projeto de ensino da disciplina de História no Colégio de Aplicação da
UFG. Adota-se a concepção de que os conteúdos devem ser tratados
enquanto versões historicamente produzidas, de maneira que os
estudantes estão em contato não apenas com uma ampla revisão
historiográfica, como também com uma multiplicidade de objetos
históricos. O trabalho com documentos históricos torna-se
fundamental ao ensino de história, visto que possibilitam ao aluno
aproximar-se do ofício do historiador, delineando o processo de
construção do conhecimento histórico. Dito isto, torna-se bastante
compreensível a ideia de que as duas turmas envolvidas no
desenvolvimento dessa experiência de ensino aceitaram a proposta
com bastante naturalidade e até mesmo entusiasmo.

O autor da graphic novel aponta, na bibliografia, que ―as fontes da


trama biográfica desta obra repousam nos escritos autobiográficos de
Olympe de Gouges, bem como nos trabalhos pioneiros de três
autores que a revelaram ao grande público e permitiram sua
reabilitação‖. Já ―a trama histórica do relato inspira-se numa ínfima
parte da bibliografia universal dedicada ao século XVIII e à Revolução
Francesa‖ [BOCQUET, 2014, p. 484], e seguem-se cinco páginas de
referências historiográficas. Assim, metodologicamente, passou-se à
segunda etapa do trabalho, quando professora e alunos começaram a
instrumentalizar os quadrinhos, relacionando sua trama biográfica
com o conteúdo histórico estudado.

222
Para o historiador Douglas Lima, um dos enfoques para a utilização
de HQs no ensino de História pode ser ―ilustrar ou fornecer uma ideia
de aspectos da vida social de comunidades do passado‖, assim como
podem também serem utilizadas ―como ponto de partida de
discussões de conceitos importantes para a História‖.O autor lembraa
relação similar dos quadrinhos com o cinema e outros sistemas de
imagens, considerando que narram fatos e feitos, sendo em essência
uma história em imagem. Ficamos diante da problemática de
trabalhar a narrativa histórica, os fatos históricos, mediante uma
narrativa ficcional. Assim, mesmo que esta questão apareça de
maneira mais enfática nos estudos relacionados ao cinema e história,
acabamos por retornar à ideia de que as HQs também ―não apenas
ilustram a realidade, elas a constroem a partir de uma linguagem
própria – como arte sequencial, por definição de Will Eisner (1999) –
produzida num determinado contexto histórico‖ [LIMA, 2017, p 153].

Neste sentido, a professora trabalhou os conteúdos –Iluminismo e


Revolução Francesa – tendo como eixo a narrativa visual e discursiva
da obra ‗Olympe de Gouges‘. Devido à extensão dessa graphic novel
foi necessário entremear momentos de ―contação de história‖ da
trama biográfica com outros de leitura individual dos alunos e a
posterior discussão em sala de aula dos blocos de páginas
selecionadas do livro – um bloco relacionado ao Iluminismo e outros
três relacionados ao processo revolucionário, às tradicionalmente
chamadas fases da revolução.

Uma característica muito importante na obra auxiliou o


desenvolvimento da proposta de ensino, que já considerava, desde o
seu projeto, que as HQs ampliam e constroem nosso conhecimento
histórico. Refiro-me ao fato de dos autores da HQ criarem quadros na
história que remetem diretamente a grandes obras artísticas
produzidas no período em questão. Assim como nasFiguras 3 e 4, que
retratam a Assembleia dos Estados Gerais temos releituras de obras
como ‗O juramento da Péla‘ (1791) de Jacques-Louis David e
‗Filósofos Iluministas reunidos no salão de madame Geoffrin‘, óleo
sobre tela de Anicet-Charles Lemonnier, de 1812. Porém, os autores
trabalham também com as famosas ilustrações – que se
popularizaram neste momento histórico – e que aludem a fatos
históricos como o primeiro vôo de balão de ar quente, em 1783 e à
Marcha de Mulheres sobre Versalhes, em 1789. Neste sentido,
Alexandre Barbosa também afirma que as HQs,

―(...) trabalham com a ficção, mas carregam em si todos os


elementos que contatam a realidade, tanto no discurso da escrita
como no discurso visual. O autor dos quadrinhos – principalmente
aquele que trabalha com os chamados quadrinhos históricos – remete

223
ao leitor a documentos que são tidos como verdadeiros, por uma
visão subjetiva, que é aquela dada pelo artista; dessa forma ele
constrói a cada momento uma nova história, com um olhar cotidiano,
influenciado pelos novos estereótipos ou por novos ícones da cultura
de massa‖ [BARBOSA, 2009, p. 106, grifos nossos].

Fig. 3
(BOCQUET, 2014, p. 283)

224
Fig. 4
http://janah-historiando.blogspot.com.br/2012/01/revolucao-
francesa-2-de-4-os-estados.html

O trabalho pautou-se, então, no desenvolvimento e reflexão sobre a


trama biográfica proposta pelos autores da HQ, mas lançando mão,
sobretudo, dessas leituras subjetivas dos artistas sobre os chamados
fatos históricos. Para tanto, a metodologia histórica propõe que a
linguagem dos quadrinhos possa ser integrada a outras leituras de
obras eruditas e acadêmicas, assim como também propõe o projeto
de ensino da disciplina História no CEPAE/UFG, conforme apresentado
anteriormente. Neste sentido, a cada bloco de leitura do livro
selecionado pela professora, havia também algum quadro composto
por essas leituras subjetivas de documentos históricos, os quais eram
trabalhados e analisados em suas duas versões, a releitura dos
artistas contemporâneos e a obra original, como demonstram as
Figuras 3 e 4.

Durante o período de leitura e análise da obra, os estudantes


desenvolveram, como atividade extra aula, o roteiro das histórias em
quadrinhos que eles criariam e produziriam como atividade avaliativa
final do projeto, ou escala. Os roteiros também fizeram parte do
processo avaliativo e se apresentaram como um importante
mecanismo para que ajustes fossem feitos às histórias, com o auxílio
da professora e acompanhando o desenvolvimento das habilidades
nas aulas de Artes. Essa atividade também já era parte integrante da
terceira etapa da proposta, isto é, a criação de produtos (HQs) pelos
próprios alunos e alunas que buscassem relacionar o conteúdo
estudado a partir da perspectiva de gênero apresentada pela graphic
novel ‗Olympe de Gouges‘ com o atual momento e movimento
feminista. O próprio subtítulo adicionado à obra na edição brasileira
já convidava a esse diálogo – ‗Feminista. Revolucionária. Heroína‘.

225
Os estudantes de ambas as turmas demonstraram interesse e
comprometimento com a proposta de ensino, sendo que apenas um
grupo não entregou o trabalho no prazo previsto e outro solicitou a
substituição por uma atividade escrita. Obtivemos resultados
diversos, tanto no sentido dos tipos de produtos finais, com histórias
mais longas, com bastante texto e outras com o caráter quase de
tirinha de quadrinhos (Figuras 5, 6, 7, 8).

O mais importante, no entanto, não está no produto final, mas no


processo de construção do conhecimento, histórico principalmente,
mas também em inter-relação com outras linguagens – como as
artes e as línguas portuguesa e francesa –, mesmo que o projeto não
tenha sido pensado de antemão como uma proposta interdisciplinar.

Fig. 5

226
Fig. 6

Fig. 7

227
Fig. 8
(HQs criadas por grupos de estudantes do 8º ano do ensino
fundamental, CEPAE/UFG)

Do ponto de vista investigativo da didática da história foi possível


observar nas histórias em quadrinhos criadas pelos estudantes a
elaboração de importantes conceitos históricos, bem como um
intenso e amadurecido processo de reflexão, questionamento e
relação acerca do tempo-espaço passado e o qual vivem e se
relacionam. É possível apreender por meio das histórias criadas que o
projeto contribuiu ao processo de desenvolvimento da consciência
histórica dos alunos, mas igualmente permitiu que acessassem
questões que buscavam promover a reflexão e a análise da realidade
social na qual estão inseridos, identificando e discutindo os problemas
contemporâneos.

Finalmente, após finalizado o projeto de ensino tal como estava


planejado, professora e turmas consideraram o trabalho tão
satisfatório que aproveitou-se a ocasião e alguns poucos alunos e
alunas se prontificaram a trabalhar na criação, montagem e
organização de uma exposição com as histórias em quadrinhos do 8º
ano no evento ‗Semana da Diversidade‘ que acontece no colégio ao
final dos anos letivos.

228
Considerações Finais
É possível afirmar que a HQ ‗Olympe de Gouges‘ constituiu-se como
um inovador e oportuno documento para estudo de conceitos
históricos, como os desenvolvidos no projeto de ensino e
apresentados neste texto, ou seja, Iluminismo e Revolução Francesa.
Assim, é possível corroborar a ideia de que as HQs contribuem para
ampliar e construir o conhecimento do passado e, dependendo da
obra e/ou da maneira como são abordadas, também do presente.
Além de abordar a diversidade da experiência humana e a percepção
dos consensos e conflitos que se estabelecem entre os diferentes
sujeitos sociais, permitem discutir a historicidade das experiências
sociais de participação dos indivíduos e grupos sociais na construção
coletiva da sociedade, valorizando conceitos, habilidades e atitudes
que promovem a construção da cidadania. Finalmente, cumpre
ressaltar que a educação escolar solicita inserir ainda o respeito à
diversidade, o que implica incluir um ensino pautado no
conhecimento de diversas culturas, religiões, e modos de vida. Essa
é, sem dúvida, mais uma missão cumprida pelas histórias em
quadrinhos na sala de aula.

Referências
Juliana Ribeiro Marra é mestre em Performances Culturais (UFG) e
graduada em História (UFG). Atualmente é Professora Substituta no
Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação/UFG.

BARBOSA, Alexandre. História e Quadrinhos: a coexistência da ficção


e da realidade. In: VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo (Org.)
Muito além dos quadrinhos: análises e reflexões sobre a 9ª arte. São
Paulo: Devir, 2009. P. 103-112.

BOCQUET, José-Louis. Olympe de Gouges / texto e ilustração José-


Louis Bocquet, Catel Muller; tradução André Telles – 1ª. ed. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2014.

CASTERMAN, Edições. Qui sommes-nous?In:


https://www.casterman.com/Footer/Qui-sommes-nous. 8/3/18

LIMA, Douglas Mota Xavier de. Histórias em quadrinhos e ensino de


História. In: Revista História Hoje, v. 6, n. 11, p. 147-171. 2017.

RODRIGUES, Márcio dos Santos. Notas sobre o uso de histórias em


quadrinhos no ensino de História. In: BUENO, André; CREMA,
Everton; ESTACHESKI, Dulceli, NETO, José Maria (Org.) Jardim de
Histórias: discussões e experiências em aprendizagem histórica. Rio
de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre
Ontens, 2017. p. 433-436.

229
ENSINO DE HISTÓRIA: USO DAS FONTES EM SALA DE AULA
Leanderson Cristiano Voznei

Notadamente, foi através da ―Escola dos Annales‖, nas primeiras


décadas do século XX, que a história deu um grande salto a caminho
da modificação. Fez isso, ao aproximar-se dos ―agentes da história‖,
e assim, pôde oferecer um repertorio de reflexão às outras ciências.
Com a crítica à postura positivista tradicional que a história
sustentava anteriormente, passou a analisar e dar novos significados
a velhos problemas da sociedade. Em outras palavras: à história, não
caberia mais o simples exercício de decorar datas, fatos ou narrar
grandes feitos de grandes homens, mas, de ocupar-se das formas de
estruturação e aspectos da vida humana, oferecendo espaço e voz
aos ―sujeitos anônimos da história‖.

Tal afirmação encontra amparo na escrita de Schmidt (2004),


apresentada por Alves e Rosa na obra ‗UMA RELEXÂO SOBRE O
ENSINO DE HISTÓRIA: UM ESTUDO DE CASO DO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM‘, vejamos:

―Por anos o ensino de História no Brasil evidenciou a mecanização da


aprendizagem, em outras palavras, o aprender estava
intrinsecamente relacionado ao ato de decorar datas, nomes e os
grandes feitos. Contudo, as novas correntes pedagógicas em união
com as vertentes históricas que surgiram durante o século XIX e XX
logo questionaram a visão da História Positivista, fazendo por
consequência suas analises permearem dentro das salas de aula
possibilitando nas últimas décadas um estudo histórico mais amplo e
didático‖. (SCHMIDT 2004 apud ALVES; ROSA, 2016, p. 36).

Segundo Caniato (1997, p. 65) cabe à escola ser o local em que


aprendemos a ―ler o mundo e a interagir com ele‖, do mesmo modo,
é dever da história, segundo preceitos da filosofia histórica de Karl
Marx (1818-1883) ―formar um cidadão crítico, reflexivo e atuante‖.
Um convite à nossa reflexão enquanto profissionais de história, para
repensarmos nossos papéis em sala de aula.

Precisamos compreender que o ensino de história é fruto de


modificações nos mais variados aspectos e que tais modificações
também permeiam os sujeitos da história.

―É preciso que, ao respeitar a leitura do mundo do educando para ir


mais além dela, o educador deixe claro que a curiosidade
fundamental à inteligibilidade do mundo é histórica e se dá na
história, se aperfeiçoa, muda qualitativamente, se faz metodicamente

230
rigorosa. E a curiosidade assim metodicamente rigorizada faz achados
cada vez mais exatos. No fundo, o educador que respeita a leitura de
mundo do educando, reconhece a historicidade do saber, o caráter
histórico da curiosidade, desta forma, recusando a arrogância
cientificista, assume a humildade crítica, própria da posição
verdadeiramente científica.‖ (FREIRE, 2002, p. 46).

Num mundo em que muito se critica, porém, pouco se modifica. É


necessário que o profissional de história mantenha o foco. Pois,
segundo Fonseca (2003, p. 71) o professor de história possui uma
forma única de pensar, de agir e de ensinar, ele transforma saberes
em ―conhecimentos efetivamente ensináveis, faz com que o aluno
não apenas compreenda, mas assimile, incorpore e reflita sobre esses
ensinamentos de variadas formas.‖

Somos frutos de diferentes gerações que constituíram a humanidade


como conhecemos, somos agentes da nossa própria história. Assim,
compreender o mundo em que vivemos, requer compreensão do
espaço em que vivemos, sendo necessário que o aluno construa
conceitos de espaço e de tempo.

Existe de fato algo que devemos privilegiar em ensino de história?

Para Schmidt (1999) a resposta depende de quais objetivos


pretendemos alcançar, bem como das situações que perpassam
interesses dos alunos, leitura de mundo e correta inserção na
realidade em que vivem. Para ela alguns critérios devem ser
norteadores para a seleção de trabalhos no ensino de história:

―1. A seleção de uma quantidade bastante ampla de conceitos que


podem ser utilizados pelo professor e extraídos do material didático.
2. Selecionar conceitos que possuam o caráter mais universal
possível, para que possam ser usados no maior número de
circunstâncias e contextos históricos. 3. Realizar um tratamento
didático que facilite a aprendizagem pelo aluno, pois os conceitos
históricos são de difícil aprendizagem, principalmente nas séries
iniciais do ensino fundamental.‖ (SCHMIDT, 1999, p. 151).

A proposta central do ensino de história deve ser, portanto, a que


cause provocação, que faça com que o aluno se enxergue como
sujeito atuante dentro da história e da sociedade.

―A idéia de mudança, as transformações e o processo histórico são


construções mais abstratas e dependem da intervenção do ensino.
Algumas vezes, os meios de comunicação ou a interferência de outros
adultos influenciam o aprendizado do aluno. No entanto, o processo

231
ensino-aprendizagem de História, neste caso, tem outras funções.
Trata-se de fazer com que os alunos possam refletir acerca das
especificidades do passado e do presente, dos "tempos da História". É
importante fazer com que eles adquiram, gradativamente, o sentido
dos tempos históricos, da sucessão, da permanência, da duração e
das mudanças. O trabalho com os tempos históricos pode ajudar os
alunos a construírem diferenciações, tanto entre distintos momentos
da História, como etre distintos tipos de sociedades.‖ (SCHMIDT,
1999, p. 151-52).

Para Pereira e Seffner (2008) é na escola e através dela que os


estudantes ficam diante das fontes e passam a encará-la como
―representações‖ das gerações passadas. É nesse momento que eles
passam a perceber que tais representações nada mais são do que
―vestígios‖ deixados por essas gerações, que hoje nos auxiliam na
compreensão de fatos do passado. Para os autores, ensinar história
na escola é estimular a crítica através de ensinamentos que
possibilitam a leitura do passado através das representações.

Diante do exposto, devemos compreender que:

―O ensino de história procura mostrar que a disciplina é um discurso


que, em meio a diversos outros e em conflito com estes, cria ordem
para o passado, estabelece formas de sentir e de olhar para o último
e, com isso, situa o sujeito num certo presente. (PEREIRA; SEFFNER,
2008, 119.)

Obstáculos à aprendizagem do ensino de história


É indiscutível que o ensino de história vem sofrendo diversos ataques
nos últimos anos, diversas tentativas desenfreadas de barrar, de
algum modo, o esforço dos profissionais de história [bem como de
outras disciplinas do eixo ―ciências humanas‖], em retirar os alunos
do comodismo, das respostas prontas, do palpável. É evidente,
portanto, que tais tentativas de proibição do ato de reflexão,
justapostas à desinformação de alguns setores de nossa sociedade,
tem se tornado um estopim para o empobrecimento da escola
pública, bem como do currículo escolar.

Aceitar tais perseguições sem pestanejar, seria o mesmo que


esquecer-se das conquistas que a revista ‗Annales d’Histoire
Économique et Sociale’, dos pensadores Lucien Febvre e Marc
Bloch proporcionaram à historiografia e ao ensino de história. Isso
seria inadmissível.

Sabemos que não é tarefa fácil cumprir com o ofício de historiar


numa sociedade em que as pessoas têm tanta informação, muitas

232
vezes na palma das mãos e raramente sabe o que fazer com elas. É a
―proliferação incontrolada da escrita‖ sugerida por Chartier (2010)
que se destaca pela exorbitante ―quantidade de livros inúteis‖ que
causam ―a desordem do discurso‖. Nesse sentido, a tecnologia vem
ocupando muitas vezes o papel de vilã da reflexão, quando deveria
dar o suporte a ela. Nunca foi tão fácil dar uma opinião―abstendo-se
da utilização cerebral‖ nas redes sociais e em sala de aula não
demonstrar qualquer opinião que seja, ao invés disso, ocupar seu
tempo para tumultuar a aula. Quando a paciência parece estar se
acabando é vital que nos lembremos da frase de Karnal (2016)
―Quem é o adulto aqui?‖.

Esse me parece o momento exato para a ―reexaminação da prática‖,


da nossa prática, que Freire (2002) sugere e uma oportunidade única
para compreensão da ―leitura de mundo‖ desse aluno e de como seria
possível aproximá-lo. Ninguém disse que será fácil...

As fontes históricas como ferramentas da aprendizagem


Schmidt (2004, p. 57) é sistemática ao destacar que cabe ao
professor de história ―ensinar o aluno a levantar problemas e a
reintegrá-los num conjunto mais vasto de outros problemas em
problemáticas‖, ensinando seu aluno a adquirir suas próprias
ferramentas de trabalho. Segundo Freire (1996) é importante trazer
para sala de aula a pesquisa, não apenas produto dela ―pronto e
estigmatizado‖. A sala de aula deve ser o local de ―(re)descobertas
das relações históricas‖, já que a história não é uma ciência pronta e
acabada, rompendo assim, com ―o paradigma de que quem faz
história é o historiador‖.

ParaCerri e Ferreira (2007) ―a comunicação entre os homens, além


de escrita, é oral, gestual, figurada, musical e rítmica‖, tal
observação se tornou objeto facilitador na condução de
questionamentos sobre o uso restrito de fontes escritas,
possibilitando o aperfeiçoamento das ―várias [outras] formas de
registro produzidas‖. Nesse sentido, destaca Silva (2006), que tal
aperfeiçoamento modificou a ―crítica documental‖, bem como, as
interpretações que podemos realizar através das diversas fontes,
tudo isso por conhecermos sua origem e a sociedade que a produziu.

Assim, se a aproximação entre sujeito/fonte, com a aplicação de


técnicas que revelem conhecimentos de origem, gera um conceito
interpretativo bastante significante para os historiadores, seria
―utopia‖, acreditar que a aproximação entre aluno, ―leituras de
mundo‖ e as fontes históricas poderiam gerar alguma compreensão
histórica?

233
Segundo Mello (2001) ao entrarem no universo escolar, os alunos já
possuem suas ―ideias tácitas‖ sobre os mais variados acontecimentos
históricos. Para o autor, essas ideias servem como ―hipóteses
explicativas‖ nas tentativas que eles realizam de compreensão do
passado. Nesse sentido, reforça Xavier (2010) que a ―televisão,
games, imagens, HQ, canções, enfim, uma série de objetos que
fazem parte do cotidiano das sociedades atuais‖, podem também, de
alguma forma aproximar as pessoas/sujeitos, da história. Pois
permitem a recriação da história, ―partindo de sua própria vivência,
de seus valores e tradições.‖

Assim sendo,

―As fontes históricas ao serem remetidas no auxílio da produção do


conhecimento em história, na prática de sala de aula, tornam-se
ferramentas culturais. As fontes históricas não devem ser
simplificadas a uma mera ilustração de conteúdos, uma vez que se
traduzem em artefatos culturais repletos de intencionalidades. As
fontes devem assumir um papel fundamental de significação na
estrutura cognitiva do aluno: demonstrar as representações que
determinados grupos forjaram sobre a sociedade em que viviam
como pensavam ou sentiam, como se estabeleceram no tempo e no
espaço; como servir para que o aluno seja capaz de fazer
diferenciações, abstrações que o permitam fazer a leitura das
distintas temporalidades as quais estamos submetidos.‖ (XAVIER,
2010, p. 639).

Destaca Siman (2004, p. 88) que o uso de fontes em sala de aula,


auxilia na ―construção do conhecimento pelos alunos, tornando
possível imaginar‖, reconstruir o não vivido diretamente, por meio de
variadas fontes documentais‖, nesse sentido, destaca Fonseca
(2005), que elas (fontes), permitem aos alunos uma maior
compreensão do passado,além de facilitar no processo de
―diferenciações‖ entre os vários conceitos utilizados.

Porém, destaca ainda o autor que ―diversificar as fontes utilizadas em


sala‖ tem sido um grande desafio aos professores. Aqui, cabe a
seguinte interrogação: por quê?

O uso das fontes em sala de aula


O trabalho com fontes em sala de aula não é fácil de realizar, tendo
em vista a sua especificidade e notadamente, deve ser do
entendimento de cada profissional utilizar, ou não. Sendo assim, a
proposta aqui é unicamente a informação, jamais a indução. Cada
profissional é livre para se utilizar das ferramentas que entenda ser

234
importante. Só não vale afirmar que é tempo perdido, que não dará
certo ou que os alunos não gostarão, sem pelo menos tentar.

Não é errado buscar o novo apenas porque o velho tem dado certo.
Errado, é permanecer ―apenas‖ no velho livro didático em detrimento
da tentativa de aplicação de novas metodologias em sala de aula.
Vale lembrar que é desejável que o professor não seja um ―expositor
satisfeito em transmitir soluções prontas‖ como sugere Piaget (1973),
mas ao contrário disso, que seu papel ―seja aquele de um mentor,
estimulando a iniciativa e a pesquisa‖ (PIAGET, 1973. p. 16).

Como proceder com as fontes em sala de aula?

Notadamente, cada fonte possui sua especificidade, bem como suas


próprias linguagens. Sendo assim, cabe ao profissional de história
selecionar suas fontes de acordo com esse entendimento e ter
sensibilidade de compreender que cada uma delas requer
procedimentos de análises específicos, ―as fontes históricas devem ir
além de meras ilustrações de conteúdos‖. (XAVIER, 2010, p. 1099).
Em outras palavras, uma fonte ou material de apoio, ―jamais‖ deve
ser usado apenas por usar. Tudo que for à sala de aula deve de
algum modo, proporcionar ―significado histórico‖ para quem a utilizar.
Há autores que pesquisam e apontam direcionamentos para cada tipo
de linguagem, sendo assim, algumas leituras na área e dedicação ao
trabalho de pesquisa ajudam bastante.

―Cada tipo de fonte requer metodologia e tratamento específicos. Por


sua vez, essas metodologias exigem esquemas explicativos para sua
execução. Metodologias são procedimentos necessários para
responder a uma questão operacional, que, por sua vez, pode
demandar diversos procedimentos metodológicos. Por exemplo, num
mesmo trabalho você pode usar procedimentos de história oral e
procedimentos estatísticos cujas metodologias são diferentes, mas
podem responder a questões operacionais formuladas a partir de
objetivos específicos [...]. Isso dará objetividade ao processo de
produção do conhecimento histórico.‖ (UAB, Unidade IV, p. 71)

Verificamos através da Unidade IV do caderno ‗Metodologias para


diferentes fontes históricas‘ da universidade Aberta do Brasil, que a
historiografia apresenta continuamente, uma quebra de paradigmas,
sendo esse fato um gerador de aperfeiçoamento para novas técnicas
e novas abordagens. Tal como não se usa uma picareta para deixar a
terra pronta para a semeadura ou uma pá para ―abrir um buraco no
concreto‖ não devemos utilizar a fonte [que também é um
instrumento histórico] para outros fins, diferentes da sua utilização
específica.

235
―O discurso publicado em um jornal do início do século normalmente
exige procedimentos de análise bastante distintos dos usados em
história oral. Você deve tratar cada discurso de maneira apropriada.
Além disso, não queira ―reinventar a roda‖. Tenha em mente a
subsequência: você não será o (a) último(a) a tratar desse assunto e
talvez outros pesquisadores já tenham considerado a mesma
possibilidade (não no mesmo recorte espaço-temporal) que você.
Escolha criteriosamente seu método [...].―(UAB, Unidade IV, p. 71-
72).

Considerações finais
É o professor de história que estabelece as diferenças entre discursos
que recriam o passado, bem como o relato historiográfico. Assim
sendo, cabe a ele considerar a importância da adoção de certas
metodologias ou de trabalhos envolvendo as mais diferentes formas
de fontes. É dele também o entendimento e a escolha entre utilizar
fontes em sala de aula, ou não.

Nesse sentido, se faz necessário compreendermos que existem novas


formas de aproximar nossos alunos, como também há uma grande
necessidade de darmos mais espaço a eles. E notadamente,
precisamos ter ciência dos prós e contras, que são normais e
existentes em todas as metodologias e práticas de ensino. Porém,
sem a tentativa, jamais saberemos se algo é realmente possível, ou
não. E é nesse sentido que Pereira e Seffner (2008) refletem ao
reforçar que a experiência resultante da aplicação de fontes em sala
de aula é proveitosa e o ganho é incomensurável. Ao mesmo tempo,
os autores fazem uma importante ―advertência de ordem pedagógica‖
sobre o uso de fontes em sala de aula, salientando que não há uma
―determinação da natureza‖ para que os professores utilizem fontes
nas aulas de história, tampouco uma obrigação para isso e que o que
deve haver é uma ―disposição teórica pedagógica do professor.
Portanto, não utilizar as fontes como parte de um procedimento
pedagógico também é uma alternativa‖. (PEREIRA; SEFFNER. 2008,
p.123-24).

Usar ou não usar? A escolha é sua...

Referências
Leanderson Cristiano Voznei é graduado em história pela
Universidade Estadual do Paraná, Pós-graduando nas áreas de
Educação Especial/Inclusiva e Educação no Campo pela Faculdade
Venda Nova do Imigrante. Também é graduando em Letras
Português/Espanhol pela Universidade Estadual do Norte do Paraná.

236
ALVES, Carlos Jordan Lapa; ROSA, Geder da Rocha. Uma refleção
sobre o ensino de história: um estudo de caso do processo de ensino-
aprendizagem. UENF, 2016.

CANIATO, R. Com Ciência na Educação. 3ª reimpressão. Campinas:


São Paulo. Papirus, 1997.

CERRI, Luis Fernando; FERREIRA, Angela Ribeiro. Notas sobre a


demanda sociais de representação e os livros Didáticos de História.
IN: O livro Didático de História: políticas educacionais, pesquisa e
ensino. (ORG) Margarida Maria Dias de Oliveira e Maria Inês Sucupira
Stamatto. EDUFRN, Natal: 2007

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História:


experiências, reflexões e aprendizados .7 ed. São Paulo: Papirus,
2003.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de História.


Campinas - SP: Papirus, 2005.

FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA. Saberes Necessários à


Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

KARNAL, Leandro. Conversas com um jovem professor. São Paulo:


Contexto, 2012

MELLO, Maria do Céu de. O conhecimento tácito substantivo histórico


dos alunos-no rastro da escravatura. IN: Barca, Isabel (org).
Perspectiva em Educação Histórica. Centro de Estudos em Educação e
Psicologia: Universidade do Ninho, 2001.

PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. CONSTRUINDO


CONCEITOS NO ENSINO DE HISTÓRIA: "A CAPTURA LÓGICA" DA
REALIDADE SOCIAL. Porto Alegre: UFRGS, 2008.

PIAGET, J. To Understand is to Invent. Nova York: Basic Books, 1973.

CHARTIER, Roger. Ecouter les morts avec les yeux, Paris, Collège de
France/Fayard, 2010.

SCHMIDT, M. A. A formação do professor de história e o cotidiano da


sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de
aula. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2004.

237
SCHMIDT, M. A. A formação do professor de história e o cotidiano da
sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de
aula. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2004.

SCHMIDT. Maria Auxiliadora. CONSTRUINDO CONCEITOS NO ENSINO


DE HISTÓRIA: "A CAPTURA LÓGICA" DA REALIDADE SOCIAL.
Londrina: UEL, 1999.

SIMAN, Lana Mara de Castro. ―O papel dos mediadores culturais e da


ação mediadora do professor no processo de construção do
conhecimento histórico pelos alunos‖. In: ZARTH, Paulo A. e outros
(orgs). Ensino de História e Educação. Ijuí: Ed. UNIJUÍ: 2004.

UAB. Metodologias para diferentes fontes históricas, Unidade IV, p.


71 – Internet. Acessado em 06 18:14 Março 2018.

XAVIER. Erica da Silva. O uso das fontes históricas como ferramentas


na produção de conhecimento histórico: a canção como mediador.
2010.

238
DESMISTIFICANDO OS CONTEÚDOS DAS REDES SOCIAIS: O
ENSINO DE HISTÓRIA A PARTIR DE POSTAGENS DA INTERNET
Leonardo Carvalho de Souza
Lucas Alves da Silva

Um dos grandes desafios contemporâneos no âmbito educacional é a


competição com os meios de entretenimento, principalmente os
digitais - redes sociais e jogos online - os quais se apresentam muito
mais atrativos e se tornaram instrumentos de fácil acesso. Tais
ambientes têm se mostrado cada vez mais ativos e atuantes na
formação e informação de crianças, adolescentes e jovens, que
nasceram num contexto profundamente permeado pela tecnologia. E
em muitos casos, os conteúdos propagados nas redes sociais
competem diretamente com o conhecimento escolar trabalhado pelos
professores, na sala de aula, que acaba por ser secundarizado. Visto
como um ambiente democrático, a internet tornou-se um local em
que qualquer pessoa tem possibilidade de expressar o que pensa e
apresentar seu ponto de vista sobre diversos assuntos, mesmo que
suas ideias não sejam embasadas em um conteúdo com sustentação
científica, filosófica ou mesmo empírica, o que contribui para que se
tomem fragmentados, distorcidos e até equivocados sobre
determinados assuntos. Com isso, muitos se aproveitam do
imediatismo da vida social moderna e da despreocupação de alguns
usuários para divulgar conteúdos sem a mínima criteriosidade e
profundidade que carecem para sua compreensão (PRENSKY, 2001).

Há nas redes sociais uma gama de discursos aparentemente bem


construídos e bem fundamentados, os quais acabam sendo vistos
como verdades, e uma maioria dos usuários destas mídias de
interação não se preocupam em buscar averiguar o quanto daquilo é
falacioso e o quanto é real. Desta forma, muitos estudantes chegam
em sala de aula com opiniões formadas sobre certos assuntos, e têm
muitas vezes por base discursos surreais, que fogem do debate
científico. Ao tomar conhecimento deste contexto de acirrada
concorrência, as instituições de ensino devem buscar estimular seus
estudantes para que analisem de forma crítica as informações e
discursos históricos que circulam nas redes sociais e na internet de
forma geral, para que não reproduzam falsas ideias e falsas
narrativas. As ideias e conteúdos que circulam na internet orientam
posições e comportamentos de muitos estudantes, por isso nossa
preocupação com tal dimensão. Não se pretendemos sugerir o desuso
das redes sociais, mas mostrar que seus conteúdos podem, se bem
trabalhados, ser uma fonte pertinente para discussões em sala de
aula, e também, reforçar o pressuposto da instituição escolar

239
enquanto espaço do conhecimento científico, filosófico e artístico
(MARTINS, 2011).

Dado esse contexto, de avanços do uso das tecnologias e das mídias,


a necessidade social da escola e do processo de escolarização não
perde seu caráter e função de promover o acesso aos conhecimentos
científicos historicamente produzidos. Além disso, em vistas da
precariedade que se produzem alguns conteúdos midiáticos, se
reforça a pertinência da instituição escolar de discuti-los e
instrumentalizar os estudantes com conhecimentos críticos que lhes
possibilitem outra forma de compreensão da realidade e a sua
transformação. Aos professores, nesse sentido, cabe a função de se
apropriar de uma gama de instrumentos teórico-metodológicos e
concomitantemente de conteúdos presentes nas mídias que os
estudantes acessam e utilizá-los no processo educacional, pois a
função da escola é propiciar a aprendizagem dos conhecimentos
científicos, no entanto não é diretamente o científico que se leva aos
estudantes na Rede Básica de Ensino, mas um saber escolarizado,
isto é, adaptado, didatizado à cada faixa etária (MARTINS, 2011;
GASPARIN, 2012).

Uma prática docente dialética parte das vivências dos estudantes, a


trabalha por meio de análises críticas, teorizações, problematizações,
instrumentalização e visa instigar os questionamentos da prática
social dos estudantes. Estamos de acordo que a escolarização visa a
transformação dos conhecimentos e práticas dos estudantes.
Portanto, defendemos que se utilize memes e conteúdos presentes
nas redes sociais, mas que não se limite aos mesmos, as posições e
comportamentos que se expressam, por meio desses. Para tanto,
além de conteúdos do currículo, os professores precisam atentarem-
se para as grandes questões sociais, demarcando que os
conhecimentos são decorrentes de necessidades sociais, econômicas,
políticas e culturais (GASPARIN, 2012).

Como exemplo de equívocos históricos expostos como verdades no


meio digital, apresentaremos alguns conteúdos que têm sido
publicados de forma distorcida e equivocada em redes sociais de
grande acesso, como Facebook e Twiter. O uso das imagens - como
os famigerados ―memes‖ e vídeos acessados na internet, que na
maioria das vezes são construídas com teor cômico, consiste em
levá-los para a sala de aula e buscar desconstruir as falsas ideias,
demonstrando historicamente quais as intenções implícitas nas
afirmações apresentadas e quais são as outras versões existentes,
priorizando as elaboradas por meio da investigação com rigor
científico. Faz-se ainda pertinente expor o caminho percorrido na
elaboração de cada posição presente nos conteúdos.

240
Dentre os conteúdos históricos que se mostram com maior
recorrência no meio digital, a falsa ideia de que o nazismo seria de
esquerda têm se apresentado um tanto recorrente e gerado
incansáveis debates. Um dos argumentos mais utilizados pelos
grupos que fazem esta afirmação refere-se ao fato de que no nome
do partido alemão constava o termo socialista (Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães). Esta confusão de conceitos
merece ser melhor explanada pelos professores, visto que, o termo
não representava a ideologia que embasava o governo de Hitler, que
tinha aspirações muito distintas do governo socialista da extinta
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a qual é
constantemente comparada com o governo nazista alemão (SOUZA,
2015). Vale ainda ressaltar que o debate sobre o nazismo ser de
esquerda ou de direita é uma discussão surgida há pouco tempo na
internet, pois é praticamente unanimidade entre os historiadores a
afirmação de que o governo nazista tem características que se
enquadram na extrema direita. O entrave parece ter sido colocado
por alguns grupos da direita na tentativa de desqualificar os
movimentos de esquerda e invalidar suas lutas, por isso, é preciso
explicar os pontos nos quais são colocados como características de
esquerda, relativizar e discutir características que efetivamente
parecem ser construídas pelos adversários da esquerda com
intenções políticas, econômicas e sociais.

Outro tema que tem se apresentado bastante polêmico nas mídias


digitais é o que tange aos conceitos e ideias dos sistemas socialistas
e comunistas. Há falsas e distorcidas imagens formadas sobre o que
são estes sistemas, sendo as mesmas imediatamente remetidas a
sistemas políticos e econômicos que existem ou existiram, como a
China, Cuba e a URSS. Contudo, ao trabalhar estes temas em sala e
apresentar os conteúdos que circulam nas redes, é relevante expor
que, conforme destaca Tonet (2012), o socialismo nunca existiu na
realidade tal como foi projetado, e por isso as análises e comparações
com as tentativas de implantação deste sistema político devem ser
realizadas com cautela, sendo que os mesmos não devem ser as
únicas bases para se entender o socialismo ou mesmo o comunismo.
Além disso, outras falsas ideias elencadas pela oposição dos referidos
sistemas devem ser desmistificadas: como a de que em uma
sociedade socialista apenas alguns iriam trabalhar para sustentar os
demais, ideia falsa visto que o trabalho associado seria a forma de
trabalho no socialismo; a propriedade privada seria abolida
totalmente e o Estado controlaria todos os bens existentes e os
indivíduos não poderiam possuir qualquer tipo de propriedade,
entendimento tendencioso para levar as pessoas a se posicionarem
contra o movimento; que em toda sociedade socialista a fome é um
fator constante, interpretação inventada para fazer nascer o medo

241
em relação ao socialismo/comunismo. Assim como estas, muitas
outras concepções, um tanto mais, absurdas circulam e podem ser
trabalhadas de forma a se pensar os reais sentidos destes
movimentos e levar os estudantes à refletir criticamente sobre os
motivos que fundamentam determinadas construções históricas.

Estes assuntos, ao serem abordados em sala de aula, podem ainda


ser o ponto de partida para se discutir importantes temas históricos,
como a teoria marxista, socialismo, comunismo, capitalismo e o
nazismo. O uso das imagens das redes sociais podem ser uma forma
de se aproximar da realidade dos estudantes, e despertar o interesse
pelos conteúdos propostos, de forma que a História se mostre
presente e atuante em suas realidades.

Referências
Leonardo Carvalho de Souza é Pedagogo e Mestrando do Programa
de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento
(PPGSeD) da Unespar – Câmpus Campo Mourão.

Lucas Alves da Silva é graduando do 4º ano do curso de História da


Unespar – Câmpus Campo Mourão, bolsista de Iniciação Científica
pelo CNPq.

GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a Pedagogia Histórico-


Crítica. 5 ed. Campinas: Autores Associados, 2012.

MARTINS, Lígia Marcia. O desenvolvimento do psiquismo e a


educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e
da pedagogia histórico-crítica. Tese apresentada ao Departamento de
Psicologia da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual
Paulista. Bauru-SP, 2011.

SOUZA, Bertone de Oliveira. Nazismo, Socialismo e as políticas de


direita e esquerda na primeira metade do século XX. Revista
Brasileira de História & Ciências Sociais, São Leopoldo, vol. 7, n. 14,
p. 141-163, dez. 2015.

PRENSKY, Marc. Nativos Digitais, Imigrantes Digitais. De On the


Horizon (NCB University Press), v. 9, n. 5, p. 1-6, out. 2001.
Disponível em:
http://www.colegiongeracao.com.br/novageracao/2_intencoes/nativo
s.pdf

TONET, Ivo. Sobre o socialismo. 2 ed. São Paulo: Instituto Lukács,


2012.

242
EDUCAÇÃO HISTÓRICA E PATRIMONIAL: ENCONTROS NA
FORMAÇÃO DE GUIAS DE TURISMO
Lúcio Nascimento

A presente comunicação tem por objetivo demonstrar como a


Educação Patrimonial dialoga com os saberes de diferentes áreas, em
especial o Ensino de História. Nesse espaço não buscamos apresentar
o mito de origem da Educação Patrimonial, ou seja, apresentar o seu
surgimento como algo mítico ou especial no final do século XX.
Contudo, relaciona-se o advento dessa ênfase na Educação com
outras transformações que ocorreram na década de 1990, em
especial no que cerne à questão curricular. As mudanças curriculares
ocorreram tanto na Educação Básica como na Profissional, como
demonstraremos através da análise do caso do curso Técnico em
Guia de Turismo.

O Brasil é reconhecido internacionalmente como dotado de uma


grande riqueza natural e cultural, o que motivou a prática do Turismo
desde o século XIX. Por tal reconhecimento, seus monumentos
naturais e culturais passaram a ser vistos como algo a ser
preservado, na década de 1930, durante o Governo de Getúlio
Vargas, sendo realizadas diferentes ações para esse fim. Dentre elas,
podemos destacar a transformação de Ouro Preto em Monumento
Nacional pelo decreto nº 22.928 de 12 de junho de 1933, a criação
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em
1936, a criação do Parque Nacional de Itatiaia em 1937 e o Decreto-
lei 25 de novembro de 1937. Nesse sentido, a memória de uma
cidade está presente tanto em sua arquitetura como em outros
atrativos demandando do Guia de Turismo conhecimentos em
diferentes áreas do saber.

De monumentos a atrativos turísticos, muitos locais que representam


o grupo social ou a nação passaram a se constituir também como
objeto de consumo da atividade turística. Nesse sentido, o Guia de
Turismo passa a ter um papel singular como articulador entre os
conhecimentos históricos e patrimoniais e as pessoas que visitam os
diferentes ambientes. Por isso, faz-se necessário compreender a
relação entre o Ensino de História e a Educação Patrimonial na
formação desse profissional.

As reformas curriculares e a Educação Patrimonial no Brasil a


partir da década de 1990
No limiar do século XXI vários países passaram a rever seus
currículos (MOREIRA, 2001). A criação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais em 1997, um ano após a nova Lei de Diretrizes e Bases da

243
Educação Brasileira, LDB 9394/1996, coloca o Brasil nesse grupo. A
ver na revisão curricular passou a ser vista como a forma de superar
o fracasso escolar, uma vez que junto com ela houve a implantação
de avaliações externas como maneira de verificar a qualidade do
ensino, mas que na verdade apenas ampliou o seu controle e
monitoramento de dentro de uma lógica empresarial. Como o Brasil,
países como Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Portugal e França
também realizaram reformas educacionais. conferindo destaque a
questão curricular e o uso de avaliações externas como ferramenta
de monitoramento da qualidade da educação (cf. SACRISTÁN, 2013;
CANDAU, 2014). A discussão da Base Nacional Curricular Comum
marca uma nova fase da inserção do Brasil na lógica global neoliberal
iniciada na década de 1990.

Ao mesmo tempo, os debates acerca da temática da identidade


ganharam força no final do século XX. Na teoria social, seu estudo
ligava-se ao estudo da constituição do sujeito. Não podemos
esquecer que o social se inicia no indivíduo, e vice-versa, e que
segundo reflete um fragmento da totalidade, da sociedade em que se
inseri; ou seja, a identidade é uma criação negociada entre o
indivíduo e o grupo. Tal questão se liga, muitas vezes, as lutas das
minorias ou a projetos políticos levados a cabo por diferentes tipos de
governo (MOREIRA e CAMARA, 2013).

A Educação Patrimonial, surgida na Inglaterra entre as décadas de


1970 e 1980, se coloca como uma forma de ensinar e aprender
questões ligadas a História e Memória, olhando para a herança
cultural, material e imaterial, que serve como signos de construção
de identidade. Para IPHAN, sua chegada no Brasil se liga a realização
do ―1º Seminário sobre o Uso Educacional de Museus e
Monumentos‖, realizado no Museu Imperial de Petrópolis-RJ, no ano
de 1983. Por seu objeto de estudo ser os bens culturais, torna-se
desde sua criação como um campo inter e transdisciplinar
(PELEGRINI, 2009).

―No Brasil, essa preocupação foi contemplada mediante a inclusão de


temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais no Ensino
Fundamental (PCN/1998) e por meio da organização de novas grades
curriculares das disciplinas de graduação – conforme Parecer do
Conselho Nacional de Educação (CNE/CES 13/2002).[...]

Com certeza, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), elaborados


pelo Ministério da Educação, abriram espaço para as atividades
transdisciplinares – aspecto essencial para o desenvolvimento de
projetos de Educação Patrimonial. A introdução dos ―temas
transversais‖ relacionados ao ―meio ambiente‖ e à ―pluralidade

244
cultural‖ previa a realização de atividades concatenadas a disciplinas
distintas, favorecendo o estudo integrado‖ (PELEGRINI, 2009, p. 17 e
39)

Os temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)


trazem à tona a necessidade de se olhar para a preservação do
Patrimônio Cultural e Natural do Brasil. Eles abriram espaço para as
atividades transdisciplinares – aspecto essencial para o
desenvolvimento de projetos de Educação Patrimonial. A introdução
dos ―temas transversais‖ relacionados a ―meio ambiente‖ e à
―pluralidade cultural‖ previa a realização de atividades concatenadas
a distintas disciplinas, favorecendo o estudo integrado (PELEGRINI,
2009, p. 39).Ao se inserir as questões pertinentes a Educação
Patrimonial, o professor não precisa se afastar ou abandonar o
currículo oficial, mas incorporar a sua prática questões necessárias ao
estudo dos bens culturais e simbólicos. Assim como, essa nova área
do conhecimento não deve ser vista apenas como uma forma de
possibilitar o acesso de entretenimento e lazer junto aos
monumentos e ao Patrimônio (PELEGRINI, 2009).

Em novembro de 1997, o IPHAN organizou em Fortaleza um


seminário comemorativo de seus sessenta anos. Nesse encontro,
além da comemoração, especialistas do IPHAN e de outras
instituições, inclusiva da UNESCO, puderam debater e buscar
indicativos de formas para se resguardar e fomentar a preservação e
divulgação de bens simbólicos e de interesse nacional, dando ênfase
especial para os ligados a tradição popular. Ao final do encontro foi
redigido um documento que ficou conhecido como ―Carta de
Fortaleza”, nele já se tem indícios da organização da Educação
Patrimonial no Brasil (PELEGRINI, 2009).

Na década seguinte, dentro do IPHAN, teremos a criação, em 2004,


da ―Criação da Gerência de Educação Patrimonial e Projetos –
GEDUC. Primeira instância da área central do IPHAN voltada para a
Educação Patrimonial‖; em 2005 organizou-se o ―Encontro Nacional
de Educação Patrimonial (I ENEP)‖ e em 2008 o ―II Encontro Nacional
de Educação Patrimonial (II ENEP)‖ (IPHAN, 2014, p. 15-16). Sobre
os resultados do II encontro, destaca-se que esta foi uma ―reunião
para pactuar as diretrizes no campo de Educação Patrimonial e
fortalecer a rede de instituições e de profissionais atuantes na área
educacional. Parceria entre MEC e IPHAN para que o tema Educação
Patrimonial integrasse o macro campo Cultura e Artes do Programa
Mais Educação, de Educação Integral‖ (IPHAN, 2014, p. 16).

Desde sua constituição como campo do saber e área disciplinar, a


Educação Patrimonial necessita de diálogos com outras áreas. Essa

245
modalidade de Educação dialoga com a História e Ciências Sociais
para saber identificar e auxiliar na divulgação e conhecimento da
herança que as gerações passadas deixaram para as presentes e as
futuras. Além disso, o profissional que se dedica a este campo precisa
manter contato constante com instituições de defesa de bens
culturais, como, por exemplo, o IPHAN.

A pergunta que pode vir à tona, então, seria qual o objeto de estudo
da Educação Patrimonial?Uma resposta preliminar pode ser dada de
maneira simples: os bens simbólicos que uma sociedade visa
preservar. O estudo desses bens passará por diferentes áreas do
conhecimento, tais como a História, as Ciências Sociais, Turismo, a
Arquitetura, a História da Arte e outras que possam auxiliar a
compreender o objeto em questão. O trabalho do professor pode
surgir de ruínas de uma fazenda de café, como as encontradas em
Vassouras, no Rio de Janeiro, ou da cultura popular pernambucana,
onde o frevo exerce um papel de grande relevância.

Cabe destacar que ao longo do século XX a preservação foi


prioritariamente de bens materiais. Sua conservação estava ligada,
na maioria das vezes, ao uso que se fazia do monumento. A
preservação de bens imateriais começou a ser realizada no Brasil na
década de 2000, enquanto a UNESCO já havia publicado um
documento sobre a este tema em 1989, ―a Recomendação da
salvaguarda da cultura tradicional e popular‖ (PELEGRINI, 2009).
Outro ponto importante dessa evolução no Brasil consiste em lembrar
que o Estado foi o grande articulador da preservação (FUNARI;
PELEGRINI, 2006).

Quando o Ensino de História encontra a Educação Patrimonial:


caso do Guia de Turismo
Dentre as reformas na Educação levadas a cabo ao longo dos mais de
12 anos de governo Lula-Dilma, houve a criação do Catálogo Nacional
dos Cursos Técnicos. Atualmente, na 3º edição, tal catálogo visa
apresentar os conteúdos básicos que cada curso técnico precisa
desenvolver na formação do discente. Mesmo em fazer uma lista de
conteúdos ou apresentar parâmetros curriculares, como há para a
Educação Básica, o presente documento aponta temas que não
podem deixar de figurar na formação do profissional egresso.

A análise dos três volumes do catálogo nacional, indica que nos


primeiros editados em 2008 e 2012, não há referência direta a
prática do Guia de Turismo junto ao patrimônio ambiental e cultural.
No terceiro, editado em 2016, pode se ler que dentre as funções do
profissional tem-se que ele ―traduz o patrimônio material e imaterial
de uma região para visitantes‖ (BRASIL, 2016, p. 250). A nosso ver,

246
o fato de constar nessa edição do catálogo a menção direta ao
patrimônio, demostra que o debate sobre o tema, pelo menos no
campo da educação, tornou-se ainda mais sólido.

Nas três edições pode-se observar que os bens culturais serão


estudados em uma perspectiva da interdisciplinar,no diálogo de áreas
como Artes, História, Museologia e Cultura. Delas, e de outras não
citadas, , emergem as discussões acerca da Educação Patrimonial e
que podem ser levadas para outras pessoas a partir da ação do Guia
de Turismo. Tal perspectiva pode ser observada na ampliação
produção acadêmica que relaciona o patrimônio a ação turística.

Mais uma vez, o Catálogo Nacional pode ser utilizado para


compreender a inter, trans e multidisciplinaridade presente na
formação do Guia de Turismo. Em seu fazer, esse profissional
―informa os visitantes sobre aspectos socioculturais, históricos,
ambientais e geográficos‖ (BRASIL, 2012, p. 250). Por ser um
profissional com formação multidisciplinar, o Guia de Turismo pode
levar a transformação na percepção nos usos do espaço ou apenas
reproduzir posições construídas por outros. Por isso, defendemos a
utilização da Educação Patrimonial em sua formação. Ao ensinar
questões de História e Memória de um dado lugar e/ou grupo social,
ela possibilita identificar o que é um bem cultural (material ou
imaterial), ou seja, aquilo que é utilizado como forma de
reconhecimento de um determinado grupo social, sua herança
cultural.

A prática turística tem levado a ressignificação de locais e práticas


culturais. Para alguns, essa atividade é responsável pela
mercantilização de espaços e colocando-os dentro da lógica de
mercado (CARLOS, 2012). Indicam também que a velocidade no
consumo de bens culturais pode levar ao esvaziamento de seu
conteúdo (MENEZES, 2006).Para outros, tal prática proporciona a
(re)conhecimento de tais locais e a ampliação da visão de mundo
daqueles que praticam tal atividade. Contudo, nossa posição consiste
em não negar nenhuma das duas, mas apontar que pelo caminho da
educação patrimonial tal prática profissional pode servir para
desenvolver a consciência sobre o passado e presente das múltiplas
populações de um país.

A visitação a uma igreja barroca, a um monumento ou a uma


comunidade quilombola pode ser conduzida de diferentes formas por
uma Guia de Turismo. Considerando, esse aspecto na formação do
Guia de Turismo, a educação patrimonial pode ser desenvolvida com
o objetivo de fornecer as ferramentas para seu trabalho junto aos
turistas. Contudo, não deve ser visto como a panaceia na relação

247
entre consumo, mercantilização e desenvolvimento de consciência na
atividade turística. A atividade turística pode ser uma ponta de lança
para que novos guias possam atuar dentro dos parâmetros
delineados pelo IPHAN. A própria discussão da área chegou ao Brasil
em um encontro sobre os usos educacionais de museus e
monumentos, demonstrando que tal relação vem sendo pensada
desde o início do debate no Brasil.

No Brasil, a proteção do patrimônio material e imaterial esteve ligada


ao uso. Por isso, se os bens materiais tiveram sua proteção no início
do século XX, seria apenas no final que os bens imateriais ganhariam
um livro de registro (FUNARI; PELEGRINI, 2011). A atividade turística
pode ser vista como uma das ampliadoras dos usos e consumo da
cultura material e imaterial. Não obstante, nos novos debates sobre a
preservação dos bens culturais, ela é vista como uma forma de
melhorar a qualidade de vida das populações locais.

A Educação Patrimonial pode também contribuir com ―a utilização dos


bens patrimoniais como fonte documental básica para a estruturação
curricular do ensino favorece a transmissão das tradições e dos
valores como respeito às culturas e ao meio ambiente às gerações
futuras‖ (PELEGRINI, 2009, p. 113). A educação poderá cumprir sua
função de transformar a realidade não apenas das populações locais,
como daqueles que visam conhecer melhor o Brasil e outras partes
do mundo.

O patrimônio deve ser visto como algo vivo. Sua defesa se liga a
questões do tempo presente, a construção da identidade e a novas
formas de percepção da natureza e dos bens culturais. Consiste em
uma abordagem interdisciplinar e quando da atuação do Guia de
Turismo se reverte em uma forma aprender e ensinar sobre o
passado e presente de uma população. Não podemos esquecer que
toda interpretação do patrimônio está ligada ao olhar do presente.

Palavras finais
A Educação Patrimonial constitui-se como um campo que se encontra
em construção. Suas bases se assentam em conhecimentos de
diferentes áreas das ciências humanas, tais como a História, as
Ciências Sociais, Turismo e a Arquitetura. Como todo campo novo
ainda busca delimitar suas fronteiras, o que não significa que suas
propostas não possam ser utilizadas na Educação Básica ou na
Profissional.

Como vimos seu desenvolvimento decorreu das transformações


sociais que ocorreram no final do século XX. Com o advento da
Globalização, novas pesquisas foram surgindo e novas temáticas

248
ganharam força. Foi assim que a memória e a identidade passaram a
ser debatidas tanto na academia como fora dela, demonstrando sua
relevância para a sociedade que se consolidava no limiar deste
século.Com o crescimento dos investimentos nos bens culturais, em
especial nos monumentos, uma nova forma de olhar para a o
passado se consolidou: a história-patrimônio.

O olhar pela Educação Patrimonial, por sua vez, já nasceu trans, inter
e multidisciplinar. Partindo da contribuição de diferentes áreas,
figurou como questão nos Temas Transversais e nos Parâmetros
Curriculares Nacionais de disciplinas como História e Geografia. Em
seguida, se consolidou como tema de estudos na Educação
Profissional, seja ela de nível médio ou superior, demonstrando que o
debate por ela proporcionada era importante para várias formações
profissionais.

Seu aparecimento e consolidação no curso técnico de Guia de


Turismo, ofertado como formação de nível médio, pode ser visto
como um indício de que a Educação Patrimonial alcançou novos
contornos no Brasil. A atuação desse profissional pode auxiliar na
ressignificação dos atrativos e bens culturais que passaram a ser
objeto de consumo da atividade turística. Hoje, contudo, já existem
locais que debatem a necessidade ou não de controle de visitação por
sua perspectiva histórica ou cultural.

No período o Brasil passava por uma série de reformas curriculares


que possibilitavam a emergência de novas temáticas. A Educação
Patrimonial, assim a Educação Ambiental e a Educação Inclusiva, são
respostas que a sociedade precisa assumir frente a questões que são
importantes nos tempos atuais. Ela, longe de ser um modismo, se
configura como uma forma de se pensar o processo educativo
considerando a construção da identidade pelas diferentes populações
que passam pela escola.

Por fim, apenas buscando práticas ligadas a realidade local é que a


educação patrimonial poderá alcançar os resultados desejados. O
patrimônio é algo vivo e vivas também são as práticas que podem
levar a sua disseminação. Os debates no IPHAN mostram que ainda
há um longo caminho a seguir e que ele apenas se fará caminhando.

Referências
Lúcio Nascimento é professor de História aplicada ao Turismo no
SENAC e de História na SEEDUC. Mestrando em História (UERJ).
Especialista em História Contemporânea (UFF) e Educação Ambiental
(SENAC). Licenciado em História (SUAM).

249
BRASIL. Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos. 3ª ed. Brasília: MEC,
2012.

CARLOS, A. F. O Consumo do espaço. In: _________. (org.) Novos


caminhos da geografia. São Paulo: Contexto, 2012, p. 173-186.

CANDAU, V. M.Reformas Educacionais na América Latina. In.:


MOREIRA, A. C. (org.) Currículo: políticas e práticas. 13º Ed. São
Paulo: Papirus, 2014, p. 29-42.

FUNARI, P.; PELEGRINI, S. Patrimônio Histórico e Cultural. Rio de


Janeiro: JZE, 2006.

IPHAN. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos.


Brasília: MEC/IPHAN, 2014. (Disponível em
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Educacao_Patri
monial.pdf; acessado em 10 de julho de 2015).

MENEZES, J. N. História & Turismo Cultural. Belo Horizonte:


Autêntica, 2006.

MOREIRA, A. O Campo do Currículo no Brasil: os anos noventa.


Currículo sem Fronteiras, v. 1, n. 1, pp. 35-49, Jan/Jun de 2001.

MOREIRA, A.; CÂMARA, M. Reflexões sobre currículo e identidade:


implicações para a prática pedagógica. in: MOREIRA, A.; CANDAU, V.
(org.) Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas.
10 Ed. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 38-66.

PELEGRINI, S. Patrimônio Cultural: consciência e preservação. São


Paulo: Brasiliense / Fundação Araucária, 2009.

SACRISTÁN, J. G. Dez teses sobre a aparente utilidade das


competências em educação. In: SACRISTÁN, J. G.et. al. Educar por
competências: o que há de novo? Porto Alegre: ArtMed, 2011, 13-63

250
A HISTÓRIAL ORAL COMO FERRAMENTA DE PROMOÇÃO
IDENTITÁRIA: QUANDO O MUSEU INVADE A SALA DE AULA
Luiza Helena Amorim Coelho Cavalcante

A introdução dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1999,


apresentou temas transversais a serem abordados em sala de aula
trazendo valores referentes à cidadania, dentre o quais foram
sugeridos: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Trabalho
e Consumo e Pluralidade Cultural. Essas temáticas deveriam ser
colocadas de uma forma holística e interdisciplinar. De acordo com o
texto, cada escola teria a possibilidade de estabelecer seus próprios
critérios de seleção ou acrescentar questões que fossem de encontro
com as suas especificidades, seu currículo e os seus programas de
transformação da realidade educacional para os alunos do 1º ao 9º
ano. Sendo, portanto, uma forma de tornar as disciplinas mais
conectadas a realidade vivida pelos discentes tornando-os sujeitos
históricos, inserindo a História em seus cotidianos para que percebam
que ela não é algo inacessível.

―É de grande importância que os estudos de História estejam


constantemente pautados na construção da noção de identidade,
através do estabelecimento de relações entre identidades individuais,
sociais. O ensino de História deve permitir que os alunos
compreendam-se a partir de suas próprias representações, da época
em que vivem, inseridos num grupo, e, ao mesmo tempo resgatem a
diversidade e pratiquem uma análise crítica de uma memória que é
transmitida‖. (PACHECO, PEREIRA, p.2)

Destarte, acrescentar no currículo escolar conteúdos que explorem a


metodologia das histórias de vida ou história oral é uma alternativa
interessante para incluir conceitos importantes como identidade. ―(...)
o relato pessoal pode assegurar a transmissão de uma experiência
coletiva e constituir-se numa representação que espelha uma visão
de mundo‖ (FERREIRA, AMADO, p.XXIII). Segundo Pelegrini (p.32),
―(...) a preservação das memórias e das identidades é uma demanda
social tão importante quanto qualquer outra‖. É uma maneira de
manter vivo o patrimônio afetivo composto das histórias simples e
anônimas que se perdem ao longo do tempo ou até mesmo levar os
discentes a uma jornada de conhecimento de suas raízes, por meio
das vivências de suas famílias e comunidades.

―(...) o ensino de História pode fazer escolhas pedagógicas capazes


de possibilitar ao aluno refletir sobre seus valores e suas práticas
cotidianas e relacioná-los com problemáticas históricas inerentes ao

251
seu grupo de convívio, à sua localidade, à sua região e à sociedade
nacional e mundial.

Uma das escolhas pedagógicas possíveis, nessa linha, é o trabalho


favorecendo a construção, pelo aluno, de noções de diferença,
semelhança, transformação e permanência. Essas são noções que
auxiliam na identificação e na distinção do eu, do outro e do nós no
tempo; das práticas e valores particulares de indivíduos ou grupos e
dos valores que são coletivos em uma época; dos consensos e/ou
conflitos entre indivíduos e entre grupos em sua cultura e em outras
culturas; dos elementos próprios deste tempo e dos específicos de
outros tempos históricos; das continuidades e descontinuidades das
práticas‖. (BRASIL, p.34)

Partindo dessas observações ressaltamos o papel que a Fundação


Bernardo Feitosa, sediada no município de Tauá, na mesorregião dos
Sertões Cearenses, desenvolve nos últimos 26 anos e o quanto ele
pode ser significativo para a educação cidadã da comunidade em
geral e, principalmente a estudantil. Convém ressaltar que a
Fundação está localizada em uma área que detém um rico patrimônio
natural e cultural, englobando importantes achados paleontológicos e
arqueológicos que remontam a história da terra e dos primeiros
povos que habitaram o sertão dos Inhamuns, bem como de sua
colonização e estabilização. A Fundação é a gestora, mantenedora e
guardiã do Museu Regional dos Inhamuns, que desde 1992, abriga
em sua estrutura a Biblioteca Joaquim de Castro Feitosa (uma
homenagem ao seu fundador) e uma Sala de Arqueologia. Ela atua
ativamente na preservação da memória do patrimônio cultural como
fonte para o conhecimento histórico, buscando sempre projetos de
forma a dinamizar o acervo e aproximar a população com o museu
por meio de exposições, cursos, seminários, saraus e outros eventos.

A Fundação Bernardo Feitosa realizou em 2011, dentro da


programação da 9ª Semana de Museus - Museu e Memória,
promovida pelo Ministério da Cultura, a exposição ―Mulheres...
Histórias... Memórias‖ organizada a partir de uma pesquisa feita pela
curadora Maria Salete Vale e pelo historiador Antonio Alves Bezerra,
ambos membros da Fundação. O objetivo foi promover o resgate das
memórias das mulheres cujas trajetórias não foram oficializadas,
portanto não registradas nos livros que tratam de assuntos sobre a
região. Uma perspectiva que remonta o trabalho dos historiadores
orais de 1960, que trata de temas da vida cotidiana, surpreendendo
por suas fontes, bem como por seus objetos e problemáticas. E mais
ainda por conceber a história oral não apenas como uma ―simples
fonte complementar do trabalho escrito, e sim ‗de um outra história‘,
afim da antropologia, que dá voz aos ‗povos sem história‘, iletrados,

252
que valoriza os vencidos, os marginais e as diversas minorias (...)‖ .
(JOUTARD, p.43)

De acordo com o perfil escolhido enquadraram-se costureiras, donas


de casa, botadeiras d´água, varredeiras de ruas, cozinheiras,
parteiras, professoras e líderes comunitárias, entre outras que
tenham contribuído de alguma forma com o desenvolvimento ou para
a história do município. De acordo com o texto do folder da exposição
assinado pela Presidente da Fundação Bernardo Feitosa, Maria
Dolores de Andrade Feitosa:

―Não houve intenção de privilegiar qualquer categoria de atividades,


pois entendemos que a sociedade que hoje ocupa o município de
Tauá foi construída por retalhos de todas as histórias cujas memórias
homenageamos aqui, e que contaram principalmente com a
participação de familiares e amigos e especialmente com as
pesquisas sobre as memórias orais executadas (...)‖.

Ao analisarmos a seleção das homenageadas na exposição,


percebemos uma preocupação de deixar para a posteridade a
memória de mulheres que durante muitas décadas, permaneceram
ou ainda permanecem no imaginário popular. Algumas que viviam na
margem da sociedade e que com esta ação do historiador passaram
ao status de sujeitos significativos no movimento da história, uma
forma de conferir-lhes dignidade. O que as levou a esse patamar? A
atitude do pesquisador que entre muitas possibilidades de estudo as
escolheu, afinal para Edward H. Carr, ―O historiador é
necessariamente um selecionador‖ (p. 39). Apresentar suas histórias
é também um ato revolucionário de provocar na população um olhar
de respeito às diferenças seja devido às classes sociais, ideologias ou
escolhas profissionais.

No folder da exposição, o texto assinado por Antonio Alves Bezerra


justifica da seguinte forma o recorte das mulheres que foram objetos
de estudo:

―Mulheres... Histórias... Memórias... Em razão da diversidade das


experiências vivenciadas e de forma como a sociedade tauaense lidou
com mulheres que tinham uma ―atmosfera psíquica‖ organizada de
maneira distinta entre nós. Apesar, porém de tais características
delineadas em cada uma dessas mulheres é fundamental considerar
que foram mergulhadas no mesmo campo de ação e de interação,
desfrutamos da companhia delas muitas vezes direta e
indiretamente, das suas reações individuais, sutilezas e das
imperfeições.

253
A respeito dessa questão é oportuno lembrar o rosto ―asqueroso‖ da
Isabel da Coroa, quanto medo causava a crianças e adultos. A
Mercê Calixto com suas roupas extravagantes, de linguagem
eloquente, suas pulseiras, óculos, anéis, enfeites em geral, em
especial na missa dominical. A Luiza Moca, entendendo tudo ao
contrário e revidando de forma grosseira. A Ana Evangelista, com
seus vestidos de cintura e dois bolsos, quando era abordada por
aqueles que não entendiam as diferenças, dizia repetidamente ―caiu!
Caiu tudo!‖ Como era singular as conversas da Maria Cococi. A
humildade sofrida no rosto da Maria Garupa, que apedrejava
quando era molestada. A Arara – Cira Barros, com vestidos longos
e exóticos, caracterizados por uma indumentária histórica, militar e
cristã, era pacífica, conversadeira, possuidora de uma lógica própria.
Lembramos também, da Rita Carritel, e tantas outras.
De fato essas mulheres especiais foram diferentes das demais, elas
pensaram de forma diferente, agiram de forma diferente, enxergaram
a vida e o mundo de forma diferente.
Elas usaram vocabulário rebuscado e complexo, falaram e agiram
com simplicidade e tiveram foco em tudo que fizeram.
Daí a DIFERENÇA‖. (grifos do autor)

A metodologia de trabalho consistiu na coleta de informações,


primeiramente com a pesquisa de campo a fim de mapear as
possíveis mulheres a serem estudadas e coleta de materiais que
pertenceram a elas. Depois por meio da história oral, quando foram
feitas entrevistas com o uso de um gravador. A exposição foi
realizada no Museu Regional dos Inhamuns, cuja abertura aconteceu
no dia 20 de maio com um sarau Lítero Musical, na Praça do Museu,
seguida da visita à sala onde foram expostos painéis com as
biografias das setenta homenageadas e dos objetos pessoais.

Ao dar visibilidade a estas personalidades, a Fundação criou um


sentimento de orgulho na comunidade, fosse por identificação com
algumas dessas narrativas de luta, ou pelo sentimento maior de
perceber-se enquanto integrante da história de Tauá. A produção de
entrevistas gerou documentos que podem servir de objetos de
análise para pesquisas posteriores que possam debruçar-se sobre
importantes aspectos sócioculturais, despercebidos anteriormente
pela academia.

―O uso sistemático do testemunho oral possibilita à história oral


esclarecer trajetória individuais, eventos ou processos que às vezes
não têm como ser entendidos ou elucidados de outra forma: são
depoimentos de analfabetos, rebeldes, mulheres, crianças,
miseráveis, prisioneiros, loucos... São histórias de movimentos
sociais populares, de lutas cotidianas encobertas ou esquecidas, de

254
versões menosprezadas; essa característica permitiu inclusive que
uma vertente da história oral se tenha constituído ligada à história
dos excluídos‖. (FERREIRA, AMADO, p.xiv)

O Museu Regional dos Inhamuns trabalha uma mudança de


paradigmas, formando uma nova compreensão do que é história e
busca complementar seus sentidos envolvendo novos sujeitos na
construção do fazer histórico dando atenção também aos feitos das
camadas mais populares da sociedade.

―O historiador sem seus fatos não tem raízes e é inútil; os fatos sem
seu historiador são mortos e sem significado. Portanto, minha
primeira resposta à pergunta ―Que é história?‖ é que ela se constitui
de um processo continuo de interação entre o historiador e seus
fatos, um diálogo interminável entre o presente e o passado‖. (CARR,
p.54)

A iniciativa da Fundação Bernardo Feitosa inspirou, em 2018, a


criação do projeto interdisciplinar ―Mulheres nos Inhamuns:
narrativas e silêncios‖, que será desenvolvido por alunos do Ensino
Integrado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Ceará (IFCE), do campus Tauá. A proposta é além de incentivar a
pesquisa, facilitar a compreensão de novas formas de perceber o
lugar onde vivem sob a ótica das mulheres da região, dando-lhes
visibilidade e representatividade. Abrindo assim um diálogo
acadêmico sobre história de mulheres, feminismo e invisibilidades.

A pesquisa será realizada com o apoio de projeto professores das


disciplinas de Sociologia, História, Geografia, Filosofia, Artes e Projeto
de Acompanhamento ao Aluno (PAA). A metodologia constará,
inicialmente, da formação de grupos que farão uma pré-seleção de
mulheres que considerem importantes e depois uma escolha coletiva
das que forem julgadas mais importantes dentro do contexto. Depois,
os discentes terão visitas de campo onde coletarão dados por meio,
principalmente, da história oral. Os resultados finais deverão ser
apresentados na I Semana de Humanidades do Campus de Tauá, no
mês de junho.

Multiplicadores Culturais
Em 2013, a Fundação Bernardo Feitosa realizou o projeto ―Inhamuns:
Identidade e Preservação Patrimonial‖, com uma proposta ampliada,
incluindo além de Tauá, os municípios vizinhos de Arneiroz e
Parambu. As informações antes buscadas apenas pela equipe do
Museu ganhou o apoio de outros sujeitos ativamente participantes:
comunidade escolar, lideranças comunitárias e religiosas, bem como
moradores dos bairros e distritos. O objetivo central era fazer o

255
resgate das histórias regionais e locais, partindo das famílias e tornar
a iniciativa sustentável por meio da formação de multiplicadores da
cultura, tento como público preferencial os professores. Contudo, os
perfis dos participantes foram bem diversificados, desde jovens
estudantes, a universitários, artesãos e agricultores, entre outros.

―(...) a exploração coletiva de histórias de vida em projetos


participativos pode ajudar as pessoas a reconhecer e valorizar
experiências que foram silenciadas, ou a enfrentar aspectos difíceis e
dolorosos de suas vidas. Para alguns, esse processo será
extremamente polêmico; para outros, será gratificante: as novas
histórias podem contribuir para divulgar as experiências vividas por
indivíduos ou grupos que foram excluídos ou marginalizados em
narrativas históricas anteriores‖. (HAMILTON, p.65)

Segundo a facilitadora das oficinas, Olga Paiva, em entrevista ao


jornal Diário do Nordeste, de 02 de abril de 2013, o intuito era
―fortalecer a relação das pessoas envolvidas direta ou indiretamente,
por meio de suas heranças culturais, trazendo à percepção de cada
um a responsabilidade comunitária pela valorização e preservação
dos patrimônios culturais material e imaterial‖. Pretendia-se atingir
especialmente, as novas gerações sensibilizando-as para esta
importante tarefa de disseminar a cultura e os valores éticos e sociais
da região dos Inhamuns.

A metodologia desse projeto foi diferenciada tendo início com a


promoção de uma série de ações para capacitar os pesquisadores,
das quais podemos citar oficinas, palestras, entre outros eventos.
Durante as oficinas, os formadores conscientizavam sobre diversos
temas, como a importância das fontes históricas para o conhecimento
sobre determinadas épocas e culturas. Os participantes foram
instigados a trazer objetos que pudessem ―contar‖ histórias, desta
feita, todos foram analisados, identificados e catalogados para
realização de uma exposição aberta. Logo, espera-se que passado o
evento, tais sujeitos tenham sido sensibilizados a identificar na
prática, objetos ou tudo aquilo que eles considerem que tenham um
valor histórico cultural. Essa consciência é fundamental para, por
exemplo, manter a preservação das pinturas rupestres presentes na
região ou os achados arqueológicos.

Duas oficinas destacaram-se pela riqueza de materiais coletados. No


bairro Alto Brilhante, a facilitadora Olga Paiva e Salete Vale tiveram
um público com sessenta pessoas. A partir do levantamento de
informações sobre a formação do bairro e visitas às famílias,
conseguiram reunir 150 fotografias antigas de famílias que residiram
e residem no bairro, além de 64 objetos antigos que pertenceram e

256
pertencem a diversos moradores. O resultado foi a exposição ―O
Brilho do Alto‖. Já a comunidade de Poço da Onça, Distrito de
Carrapateiras terá uma ação duradoura, pois, a ação culminou com a
constituição da ―Casa da Memória Cultural de Carrapateiras‖, em
edificação alugada pela Prefeitura Municipal de Tauá.

Conclusão
O trabalho realizado pela Fundação Bernardo Feitosa, em especial, os
dois projetos analisados, nos mostram a relevância sócio- cultural de
dedicar-se a coleta de dados e objetos que transmitam informações
sobre a história de vida de indivíduos históricos e principalmente dos
denominados comuns. É uma forma de mobilizar a comunidade e os
estudantes em uma busca pelas suas identidades. Memória e história
se entrelaçam, tendo a história oral um papel fundamental, ―(...) não
tanto por seus produtos, mas mais por seus processos: pelo
envolvimento maior na recuperação e na reapropriação do passado‖
que ela possibilita. (HAMILTON, p.78)

A união entre o conhecimento de diferentes grupos e pessoas, no


resgate da memória dos antepassados, seus valores culturais, éticos
e sociais, é algo vivo através dos projetos da Fundação. E que nos
inspira enquanto discentes em vias de preparação para o trabalho
docente. Como trabalhar essa temática em sala de aula? Nossa
proposta é convidar os alunos a formarem uma exposição ou até um
museu na escola apresentando a história de suas famílias ou de seus
bairros. Com poucos recursos financeiros é possível realizar essa
experiência que terá um ganho essencial na formação cidadã.
Encerramos com uma reflexão de D. Dolores Feitosa, registrada pela
reportagem ‗Projeto Debate Identidade Cultural‘, do jornal Diário do
Nordeste de 02 de maio de 2013:

―Vemos hoje que as pessoas estão muito desagregadas, os vizinhos,


as famílias, por isso nosso trabalho busca também elevar a
autoestima das pessoas e agrupá-las em torno de sua própria
identidade histórica; nossa região conta com uma riqueza histórica
imensa por ser uma das mais antigas do estado do Ceará. Buscamos
a preservação patrimonial não como um fim em si mesmo, mas cada
vez mais com uma preocupação com as pessoas e com a qualidade
de interação entre patrimônio e sociedade‖.

Referências
Luiza Helena Amorim Coelho Cavalcante é estudante do curso de
graduação em História da Universidade Estadual do Ceará /
Universidade Aberta do Brasil (UECE/UAB), pólo Fortaleza, e
jornalista

257
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: história / Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília : MEC / SEF, 1998.

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1996.

FERREIRA, Marieta de M.; AMADO, Janaina; (org). Usos e abusos da


história oral. Rio de Janeiro: ed. Fundação Getúlio Vargas, 2006.

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produção nos últimos 25 anos. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J.
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Getúlio Vargas, 2006.

PEREIRA, Jean Carlos C.; PACHECO, Lilian Miranda B. O Ensino de


História nas Séries Iniciais. Disponível em:
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_files/VOvTHqqQ.pdf

PELEGRINI, S. C. A. Patrimônio cultural: consciência e preservação.


São Paulo: Brasiliense, 2009.

RENÊ, Carlos. Projeto Debate Identidade Cultural. Diário do Nordeste,


Fortaleza, 02 maio de 2013. Caderno Regional. Disponível em:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/proje
to-debate-identidade-cultural-1.288238

THOMSON, Alistair; FRISCH Michael; HAMILTON, Paula. Os debates


sobre memória e história: alguns aspectos internacionais. In:
FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da história oral.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006.

258
QUANDO 1 É MAIOR QUE 40 MIL: REFLEXÕES SOBRE A
VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO A PARTIR DA ELABORAÇÃO DE UM
DOCUMENTÁRIO
Maicon Roberto Poli de Aguiar

Toda e qualquer pessoa que tem o hábito de acessar, diariamente, as


mais diversas plataformas jornalísticas – televisão, jornal, revista,
internet, rádio – dificilmente encontrará uma edição que não esteja
abordando alguma notícia relacionada à violência no trânsito. A
reprodução constante desses eventos nos meios de comunicação
tornou-se tão comum que, ao final de um feriado prolongado ou de
um determinado período mais amplo, passa a ser mostrado através
de um quadro estatístico – tanto quanto aqueles com dados sobre
inflação, a bolsa de valores, os resultados esportivos, etc. –, o qual
aponta o número de ocorrências, de vítimas fatais e não fatais, bem
como um comparativo com o mesmo período em anos anteriores.
Abordar a violência no trânsito não é mais uma notícia singular,
banalizou-se ao ponto de não mais chocar, de ser a regra e não a
exceção. Segundo ao então presidente do Sindicato dos Policiais
Rodoviários Federais do Distrito Federal, José Nivaldino Rodrigues:

―Aceitar que a violência possa ser um fato normal é uma tentativa de


diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos. A
barbárie e o terror se manifestam de várias formas. Uma delas
é forma como são apresentados os fatos. Uma série de
justificativas infundadas e espetaculares que impossibilitam a
capacidade de apreensão e de reflexão sobre os acontecimentos é o
dado concreto do discurso que banaliza a violência‖ (in Rodrigues,
2011).

A problematização dessa banalização foi o estopim para um conjunto


de atividades pedagógicas que desenvolvi junto à Escola de Ensino
Médio Professora Elza Henriqueta Techentin Pacheco – Blumenau/SC.
Ao longo do ano letivo de 2016, o corpo discente de todas as turmas
da escola foi instigado a elaborar pesquisas, produções textuais,
fotografias, vídeos, cartazes e músicas que desconstruíssem essa
naturalização da violência no trânsito. Além dessas atividades, e
como resultado de todo o debate realizado ao longo desse processo,
elaborou-se um documentário intitulado ―Quando 1 é Maior Que 40
Mil‖, abordando a temática para além das estatísticas e das
manchetes de jornais, pensando não só o impacto da perda de entes
queridos para seus familiares e amigos, mas também a partir da
perspectiva do profissional, do governante, do ativista, do ser
humano imprescindível que o mundo não vai mais poder conhecer.

259
Identificando a violência
O conjunto de atividades desenvolvidas ao longo do ano letivo
estavam inseridas dentro de um projeto inter e multidisciplinar
institucionalizado dentro de nossa escola, o qual é intitulado ―Festival
de Cinema Elza Pacheco‖. Trata-se de uma atividade que,
anualmente, realiza uma série de debates e atividades para dialogar
acerca de uma temática que é pertinente e contemporânea aos
anseios do corpo discente e docente da escola, bem como a
comunidade como um todo.

No ano de 2016, a temática selecionada foi ―Violência‖. A partir


dessa, discutiu-se o bullying, a violência contra mulher, indivíduos de
orientação e identidade de gênero LGBT, crianças, idosos, entre
outros. Incluído nessa gama de sub-temáticas, também estava
inserido a violência no trânsito. A demanda por essa é bastante
significativa, uma vez que o público-alvo principal são nossos
estudantes de Ensino Médio, os quais estão às vésperas de
adquirirem suas habilitações enquanto motoristas, numa faixa etária
na qual estão em grande processo de transformação, por conta da
transição para a vida adulta.

―Nas sociedades ocidentais que se caracterizam pela globalização e


pela emergência de modalidades complexas nos papéis sociais em
função da sofisticação do trabalho, ocorre, de um lado, um
alargamento do tempo da formação profissional, que chega até os 25
anos ou mais e, de outro, a antecipação do término da infância. A
adolescência, assim, torna-se um período ampliado. Nas sociedades
modernas, o adolescer passou então a ser um processo vivenciado de
forma individual, de acordo com os ideais de liberdade e
singularidade reinantes. Assim, todas as dificuldades que envolvem a
passagem da infância para a vida adulta terão de ser vividas pelo
jovem solitariamente. Com as transformações físicas e psicológicas, o
adolescente e quem compartilha de sua vida veem-se mobilizados a
criar formas de se estabelecer na vida adulta. Sem rituais, cada um
vai viver esse processo de forma única‖ (in Ranña, 2005).

Como parte das atividades desenvolvidas dentro dos objetivos do


projeto, realizamos um questionário acerca das experiências e
concepções dos estudantes frente às mais diversas formas de
violência. No que se refere à violência no trânsito, quarenta e sete
por cento dos trezentos e vinte e oitos estudantes entrevistados,
afirmaram já terem perdido entes e/ou amigos por conta de
acidentes, principalmente no uso de motocicletas, veículo pelo qual a
maioria, dentro de suas condições financeiras em formação, adquirem
inicialmente após o recebimento da habilitação. Esses números
serviram para alertar aos estudantes, do quanto os problemas

260
causados pela violência no trânsito estão mais próximos do que
muitos imaginavam.

O impacto dos acidentes na vida dos jovens afeta diretamente sua


vida cotidiana, limitando seu acesso ao mercado de trabalho, bem
como na continuidade dos estudos que compõe a sua formação
enquanto indivíduo. ―As deficiências físicas resultantes de acidentes
de trânsitos geram graves prejuízos ao indivíduo como financeiros,
familiar, de locomoção, profissional e também para a sociedade como
gastos hospitalares, previdenciários, etc.‖ (in MATOOSO, 2016).

No conjunto das atividades realizadas, as pesquisas confeccionadas


entorno das principais causas da violência no trânsito permitiram aos
estudantes produzirem narrativas audiovisuais e fotografias que
representassem as mesmas. Além da alta velocidade, da direção sob
influência de álcool e outras drogas, o ato de

―dirigir e utilizar o celular para mandar mensagens instantâneas


começa a aparecer como um grande desencadeador de acidentes.
Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, o ato de
dirigir e mandar ou ler mensagens de celular aumenta em 23 vezes o
risco de se envolver em acidentes‖ (in RODRIGUES, 2013). Abaixo,
uma das produções fotográficas realizada pelo corpo discente:

Fig.1
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10206241465457238&se
t=g.1604738723074444&type=1&theater&ifg=1

261
Como parte fundamental do projeto, uma semana inteira, no meio do
ano letivo é reservada à exibição de filmes e vídeos que abordem a
temática selecionada. Acerca da violência no trânsito foram
selecionados os seguintes materiais, obtidos a partir da plataforma
―Youtube‖: ―Luto em Luta‖ (SERRANO, 2012), ―Conexão Repórter: a
vida entre duas rodas‖ (2013), ―Motor Mania‖ (DISNEY, 1950).A
escolha desses vídeos foi pautada pela reflexão que os mesmos
poderiam provocar entre os estudantes. Na análise dos mesmos,
respectivamente, o primeiro aborda o desrespeito às leis de trânsito e
a ineficiência das autoridades públicas responsáveis no combate aos
infratores, seja previa ou punitivamente; o segundo, aborda a
violência no uso de motocicletas; o terceiro, dialoga uma reflexão
sobre o perfil dos condutores ao volante; e, os três últimos trabalham
de maneira impactante, bastante realista, as consequências dos
acidentes de trânsito. Esses últimos foram os que mais suscitaram
comentários e reflexões entre os nossos estudantes durante os
debates, o que nos permitiu perceber que os objetivos traçados para
a temática foram concretizados com certo grau de êxito.

Refletindo a violência
A partir de todo o processo de pesquisa, debate e atividades até
então realizados ao longo de todo o ano letivo, buscamos expandir as
ações desenvolvidas pelo projeto do ―Festival de Cinema‖ da escola,
elaborando um documentário que aproximasse ainda mais os (as)
estudantes do impacto que a violência no trânsito tem sobre seus
familiares e amigos, mas também avançando para além disso,
refletindo sobre o impacto que tem para sociedade como um todo,
para além das consequências financeiras, focando na condição
humana. Para essa construção, lancei o desafio para estudantes que
se propusessem e se habilitassem voluntariamente. Dessa forma, a
então estudante do segundo ano Thaynara Letícia Kuhn abraçou a
ideia e, conjuntamente desenvolvemos em parceria todo o
documentário, desde a concepção até as filmagens e a edição final.

A escolha pela elaboração de um documentário configura-se na


possibilidade do uso do mesmo como instrumento pedagógico e, faz-
se pelo alcance e impacto que as imagens têm comodiscurso sobre os
(as) estudantes. Por meio de imagens, estes podem trilhar novos
caminhos na construção de interpretações referentes a temática, não
apenas limitando-se ao que é registrado pela linguagemescrita. Nesse
sentido,

―as imagens são, e têm sido sempre, um tipo de linguagem, ou seja,


atestam uma intenção de comunicar, que é dotada de um sentido e é
produzida a partir de uma ação humana intencional. E, nessa medida,
as imagens partilham com outras formas de linguagem a condição de

262
serem simbólicas, isto é, são portadoras de significados para além
daquilo que é mostrado‖ (in Pesavento, 2008, p.99).

O processo de desenvolvimento do documentário foi em grande parte


fundamentado pelas discussões realizadas pelo ―Festival de Cinema‖,
mas ao mesmo tempo, buscamos construir a narrativa documental
menos focados às notícias – ainda que as utilizamos – e mais em
depoimentos de pessoas que perderam entes queridos. Essa
fonte/dinâmica foi utilizada em dois momentos dentro do
documentário, a partir dos seguintes questionamentos: ―Como
ocorreu o acidente?‖ e ―O que o mundo perdeu?‖. A ideia central era
sensibilizar a audiência quanto às causas dos acidentes narrados – o
que remete à reflexão quanto à imprudência simbolizada pela alta
velocidade e o uso de álcool no ato de dirigir –, bem como ao
significativo contingente de jovens que têm suas vidas interrompidas
sem terem aproveitado suas possibilidades, mas acima de tudo, sem
que o mundo pudesse aproveitar todas as contribuições que esses
poderiam ter oferecido ao mesmo. Uma das particularidades da
história oral é compreender de que forma o que foi testemunhado é
percebido de diferentes formas por cada uma das pessoas envolvidas,
configurando diferentes destaques e percepções sobre o objeto de
estudo:

―A produção deliberada do documento da história oral permite


recuperar aquilo que não é encontrado em documentos de outra
natureza. Nota-se, afinal, que a importância do testemunho oral pode
estar concentrada não na veracidade de um evento, mas na forma
como ele é lembrado, o que o torna psicologicamente verdadeiro‖ (in
Thompson, 1992).

No primeiro recorte da narrativa documental, as respostas à questão


―Como ocorreu o acidente?‖ trouxeram depoimentos de amigos e
parentes que perderam entes queridos vitimados por acidentes em
alta velocidade, participando de rachas, consumindo grande
quantidade de álcool, sem a utilização de cinto de segurança, com
manobras imprudentes e na ausência da manutenção adequada das
sinalizações e das vias. Entre os depoentes, há aqueles que perderem
o irmão, os amigos, ou o pai com quem pouco conviveram em virtude
da tenra idade em que se encontravam. Grande parte desses
depoimentos foram carregados de sentimentos de angústia e
perplexidade.

Desta forma, a reflexão a partir desse contexto, possibilita à


audiência constatar o quanto as estatísticas apontam os jovens como
significativa parcela das vítimas de trânsito. Segundo diagnóstico do
Detran/RS, ―47% dos motociclistas e caronas de moto vítimas de

263
acidentes nos últimos cinco anos foram jovens de 18 a 29 anos‖ (in
Czerwonka, 2016).Em pesquisa encomendada pelas seguradoras que
pagam o DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores
de Vias Terrestres), ―quase a metade dos motoristas e motociclistas
acidentados têm entre 18 e 34 anos de idade, 10% morrem e 75%
ficam com invalidez permanente‖ (in Jornal Nacional, 2017). Esse
conjunto de estatísticas, torna evidente o quanto é fundamental
desenvolver diálogos com os jovens acerca da violência no trânsito. O
―Maio Amarelo‖, campanha simbólica de reflexão sobre a temática é
apenas um ponto de partida, que deve ser levado também a frente
pela escola, pela família, pela sociedade como um todo, para além do
simples discurso.

No segundo recorte do documentário, problematizando a alta


velocidade, a qual se configura numa das principais causas dos
acidentes de trânsito, o então professor de física de nossa escola,
Marcelo Araújo Rocha, demonstrou a partir da análise das estatísticas
e dos próprios conceitos da disciplina, o quão efetivamente o excesso
de velocidade pouco influi na redução no tempo de deslocamento de
uma viagem. A edição dessa análise, logo após uma sequência de
fotografias de acidentes questionando ―Mais Cedo Aonde?‖, aponta
argumentos bem significativos do quanto é perigoso e desnecessário
ultrapassar os limites estabelecidos pela via, não apenas em virtude
da aplicação de multas, mas essencialmente, pelo risco à vida que
essa atitude implica. Segundo o professor Marcelo, considerando uma
via não duplicada, a quantidade de veículos que passam em média
por minuto pelas rodovias catarinenses – e, consequentemente o
procedimento de ultrapassagem – a diferença entre o tempo de
viagem percorrido por veículo que trafega a 80 km/h e outra que
atinge 150 km/h é de aproximadamente nove minutos. Ou seja,
arrisca-se a própria vida e a dos outros, por menos de dez minutos. O
questionamento que fica não pode ser outro, que não: Vale a pena?

Na sequência, no terceiro recorte da narrativa documental, através


do questionamento ―O que o mundo perdeu?‖, os depoimentos
explanaram sobre os sonhos não alcançados, os profissionais que não
foram formados, as pessoas que não puderam conhecer nem
contribuir com o mundo. Entre as perdas estão filhos estudiosos, pai
trabalhador, fotógrafo, músicos, engenheiro, pessoas com excelente
senso de humor, amigo para todas as horas, exemplos de vida,
inclusive na hora final da vida, demonstrando o quanto esta é frágil e
facilmente ceifada quando a irresponsabilidade atinge aqueles que se
consideram inatingíveis, representado aqui pelo jovem Guilherme
Mariano da Silva, o qual ficou paraplégico após um acidente causado
após ter dormido ao volante: ―Quando você é jovem, não acredita

264
que pode acontecer com você. Brinca com que é sério. Não
imaginava que o cansaço pudesse me vencer‖ (in Lajolo, 2017).

Permeando os recortes, problematizou-se a partir do título do


documentário ―Quando 1 é Maior que 40 Mil‖ o quanto as estatísticas
pouco nos atingem, pouco nos impactam, até quando que entre as
mais de quarenta mil vítimas que morrem anualmente nas estradas
brasileiras, está aquele ente querido com quem tivemos a
oportunidade de conviver por um determinado período de tempo. Se
entre essa enorme quantidade de vítimas está nosso pai, nossa mãe,
um irmão, uma tia, uma esposa, um marido, um primo, uma
sobrinha, as estatísticas deixam de ser só números, passando a ter
um significado muito mais amplo. Os dados da tabela abaixo,
mostram o quanto milhares de famílias são anualmente atingidas
pela violência no trânsito.

Fig.2
http://www.vias-
seguras.com/os_acidentes/estatisticas/estatisticas_nacionais/estatisti
cas_do_ministerio_da_saude

Apesar do documentário simbolizar, ao mesmo tempo, uma extensão


e um simbólico encerramento do projeto, a pesquisa e o debate
constante devem sempre estar presentes no cotidiano escolar e das
famílias. Precisamos sempre desenvolver ações concretas de combate
à violência no trânsito, questionando a legislação, o sistema
judiciário, as escolhas governamentais e o nosso próprio estilo de
vida. Afinal, não importa quando, nem onde, toda a vida tem valor,
não preço!

Referências
Maicon Roberto Poli de Aguiar é graduado em História pela FURB. É
mestre em Ensino de História (ProfHistória) pela UDESC. Atua como

265
professor da rede pública estadual de Santa Catarina (E.E.M.
Professora Elza H. T. Pacheco) em Blumenau.
AGUIAR, Maicon R. P.; KUHN, Thaynara Letícia. Quando 1 é Maior
que 40 Mil in https://www.youtube.com/watch?v=GGd5SZ_XDGk,
2017.

CZERWONKA, Mariana. Jovens são quase metade das vítimas de


acidentes em moto in
http://portaldotransito.com.br/noticias/moto/jovens-sao-quase-
metade-das-vitimas-de-acidentes-em-motos, 2016.

JORNAL NACIONAL. Número de acidentes fatais no trânsito brasileiro


aumenta in
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/10/numero-de-
acidentes-fatais-no-transito-brasileiro-aumenta.html, 2017.

LAJOLO, Mariana. Trânsito no Brasil mata 47 mil por ano e deixa 400
mil com alguma sequela in
http://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2017/05/1888812-
transito-no-brasil-mata-47-mil-por-ano-e-deixa-400-mil-com-
alguma-sequela.shtml, 2017.

MATOOSO, Francinelly Aparecida. Jovens Vítimas de Acidente de


Trânsito: Perfil e Vivência dos Impactos na Saúde inhttp://cress-
mg.org.br/hotsites/Upload/Pics/41/41a3ce2a-ac81-44d0-bc50-
1c8128c08bab.pdf, 2016.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. O mundo da imagem: território da


história cultural. In: PESAVENTO, S. [org.] Narrativas, imagens e
práticas sociais: percursos em história cultural. Porto Alegre:
Asterisco, 2008.

RANÑA, Wagner. Os desafios da adolescência in


http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/os_desafios_da_ad
olescencia.html, 2005.

RODRIGUES, José Nivaldino. A Banalidade da Violência no Trânsito e


os Discursos Pós-Morte in
http://www.sinprfdf.com.br/artigos/item/556-artigo-a-banalidade-da-
violencia-no-transito-e-os-discursos-pos-morte, 2011.

RODRIGUES, Lucas de Oliveira. Jovens: as principais vítimas do


trânsito in http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/jovens-
transito.htm, 2013.
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1992.

266
ENSINO DE HISTÓRIA E CINEMA:
A PRÉ-HISTÓRIA DE ANNAUD EM “A GUERRA DO FOGO”
Marcelo Gonçalves Ferraz

O ensino de história pode ser potencialmente enriquecido com a


utilização do cinema. Com o advento dos Annales, um novo mundo
de fontes se abriu para o historiador. Além disso, a Pré-História
encontra um importante aliado nas obras cinematográficas, como
agente facilitador da assimilação do tema exposto, mostrando-nos o
quão vantajoso pode ser a utilização do cinema na sala de aula,
respeitando-se seu caráter ficcional, não sendo encarado como a
realidade, mas como uma imitação desta.

Prova disso é o filme do cineasta francês, Jean-Jacque Annaud, A


guerra do fogo (La guerre du feu, 1981), exaustivamente utilizado
em sala de aula com o objetivo de ilustração de época, mas bastante
profícuo na discussão referente ao recorte, e tema de nosso trabalho.
Nos idos do século XIX, com a prevalência da Escola Positivista,
consideravam-se fontes somente os documentos oficiais, limitando-se
aos documentos de Estado.

Entretanto, a partir do advento da Escola dos Annales, no início do


século XX, começa-se a questionar a limitação das fontes oficiais.
A partir daí, dá-se como fonte de pesquisa também as fontes orais,
arqueológicas, audiovisuais, periódicos, entre outros que possam
servir para a narrativa histórica.

Mais recentemente, a partir da década de 1970, através de trabalhos


de Marc Ferro e da Nova História (SANTIAGO JÚNIOR, 2001),
começa-se, inclusive, a considerar as obras cinematográficas, como
de importância historiográfica, em um claro sinal da multiplicidade de
fontes.

A essa altura, convém questionarmos a possibilidade de o cinema


como ferramenta auxiliar no processo ensino-aprendizagem de
história.

Segundo Napolitano (2008, p. 236) ―vivemos em um mundo


dominado por imagens e sons‖, corroborando com Ferro (2010), que
nos diz que a imagem está por toda parte, o que por si só já seria
suficiente para fazermos incorporar o cinema e outras tecnologias na
sala de aula.

O cinema, palavra de origem etimológica grega, KINEMA (imagem em


movimento), ―possibilita aqueles que o assistem de terem diante de

267
seus olhos uma representação da realidade social da época em que
vivem ou até mesmo de épocas passadas‖ (LIMA, 2015, p. 94),
facilitando a assimilação de assunto exposto em sala.

Mesmo o filme, sendo ―imagem ou não da realidade, documento ou


ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História‖ (FERRO, 2010,
p. 32), acima de tudo.

Cabe a nós, como profissionais do ensino de História, utilizarmos de


seu potencial, com o objetivo de enriquecermos a aula expositiva da
forma mais vantajosa possível, com o objetivo de incremento na
absorção de conteúdo por parte do aluno.

Entretanto, apesar de termos tal ferramenta disponível, ―o uso de


recursos cinematográficos ainda carece de melhoramentos por parte
dos profissionais que o utilizam‖ (SOUZA; SOARES, 2003, p. 1). Há
muito ainda o que se extrair de benefício da utilização das obras
cinematográficas em sala de aula.

De certo, com o auxílio do cinema ―é possível aprender História, e


esse processo de cognição serve para interpretar a ação humana em
tempos e lugares diferentes‖ (PEREIRA; SILVA, 2014, p. 318).

A utilização do cinema no processo ensino-aprendizagem favorece o


estabelecimento de diálogos teóricos entre as posturas em relação à
iconografia e imagens, trazidas pelas novas abordagens
historiográficas (SOUZA; SOARES, 2003), além de facilitar a
―assimilação de conteúdos por parte dos alunos despertando o
interesse pelo tema tratado‖ (LIMA, 2015, p. 95).

Alguns autores observam a existência de algumas dificuldades na


aplicação do material fílmico na sala de aula. Uma dessas
dificuldades, refere-se à duração do filme, maior que a duração da
aula. Para contornar tal problema Pereira e Silva (2014) sugerem a
utilização de recursos de edição, realizando-se recortes de trechos
que sirvam para valorizar o tema abordado.

Outro problema apresentado por Souza e Soares (2003) é referente


ao uso indevido de tal tecnologia. Segundo os autores, em muitos
casos é observado a utilização do cinema na sala de aula como forma
de apenas preencher os espaços no planejamento didático, trazendo
implicações negativas para o alcance dos objetivos propostos no
estudo de História.

Um filme é um excelente recurso didático. Entretanto, como qualquer


outro, ele por si só, ―não resolve os problemas no processo ensino-

268
aprendizagem‖ (LIMA, 2015, p. 95), porém, os filmes ―tem sempre
alguma possibilidade para o trabalho escolar‖ (NAPOLITANO, 2004, p.
12).

Dentro do contexto da pré-história, o foco principal do presente


trabalho, utilizamos da obra cinematográfica de Jean-Jacques
Annaud, A guerra do fogo (La guerre du feu), realizada em 1981. O
filme apresenta a temática do homem pré-histórico, mostrando-se de
grande utilidade em se tratando da utilização cinematográfica para o
processo de ensino-aprendizagem de pré-história. De acordo com
Alves (2006, p. 285), a interpretação das obras cinematográficas
deve ser realizada de forma crítica, pois é isso ―que irá nos dar o
fundamento metodológico das iniciativas pedagógicas de utilização do
cinema em sala de aula‖.

Cinema e pré-história
Segundo Ferro (2010, passim), o cinema deveria ser visto como uma
contra-análise da sociedade, com a possibilidade de apelar-se para
outros saberes para melhor compreendê-lo.

Para Miceli (2014, p. 44), a maioria das pessoas considera como


filmes históricos, apenas aqueles que tratam dos romanos, dos faraós
ou sobre guerras, não considerando a importância dos demais
gêneros para a História.

Ricon (2016, p.9) sustenta a ideia de que qualquer filme pode ser
pesquisado das mais diversas formas, e essa possibilidade é das mais
crescentes atualmente em nosso país.

Alves (2006, p. 286) chama o cinema de arte total, demonstrando a


sua importância no processo ensino aprendizagem, onde nos diz que,
―Além da capacidade de ser reflexo verdadeiro do real, o filme
consegue ser forma mediada da própria realidade efetiva‖.

Na obra cinematográfica analisada, partindo do pressuposto elencado


por Ferro, criamos uma ideia do que poderia ter sido o cenário e
contexto do Homem pré-histórico, de forma ficcional, respeitando,
até o possível o aspecto plausível.

O termo Pré-História, segundo Gosden (2012, p.31) surgiu entre os


séculos XVI e XIX, envolto em questões de ordem religiosa,
especialmente depois do lançamento de A origem das espécies, de
Charles Darwin (1859). De acordocomo autor, após 1865, com o
lançamento de Prehistoric times, de Sir John Lubbock, o termo
adquiriu uso corrente.

269
Além disso, Gosden (2012, p. 17) nos alerta sobre o cuidado ao se
tentar recriar esse cenário pré-histórico:

―A dificuldade e a escassez de evidências nos tornam


desconfortavelmente cientes de que o esforço imaginativo necessário
para compreender o passado pode facilmente nos levar à fantasia, a
projetar nossas visões prosaicas do mundo na grande tela da pré-
história humana‖.

De acordo com o autor, o lapso temporal que nos separa da pré-


história torna muito sedutora a possibilidade de fantasiarmos sobre
determinados aspectos da vida cotidiana humana de então. Da
mesma forma, a inexistência de provas escritas leva-nos à sugestão
do que poderia ter acontecido. Entretanto, não nos permite assegurar
o fato. No texto de abertura da película elencada podemos observar
que:

―80.000 anos atrás, a sobrevivência do homem, em uma terra vasta


e inóspita dependia da posse do fogo. Para aqueles humanos
primordiais, o fogo era um objeto de grande mistério, desde que
ninguém o tivesse criado. O fogo tinha que ser subtraído da natureza.
Tinha que ser mantido vivo – abrigado do vento e da chuva, a salvo
das tribos rivais. O fogo era um símbolo de poder e um sentido de
sobrevivência. A tribo que possuísse o fogo, possuiria a vida‖
(ANNAUD, 1981).

Além disso, didaticamente, é possível observar a utilização de peles


com o objetivo de proteção contra o frio, construção de tendas
rudimentares, fabricação de lanças e utilização do próprio fogo para a
alimentação e proteção do seu grupo social.

Tais artifícios, responsáveis pela sobrevivência e multiplicação da raça


humana, são chamados de equipamentos por Childe (1981, p. 10),
onde, graças a esse equipamento, ―o homem atua sobre o mundo
exterior e reage em função dele‖.

Ao contrário de outros animais, que nascem providos de seus


equipamentos naturais, o homem precisou criar e adaptar seus
próprios recursos para sobreviver.

Pinsky (2001, p. 7) nos diz que o homem é o animal mais inadequado


a sobreviver em nosso planeta, entretanto, o mais poderoso. Em A
guerra do fogo, o cineasta deixa evidente a utilização de
equipamentos por parte do homem.
O filme conta a história de um grupo humano pré-histórico que,
atacado por uma tribo rival, perde a posse do fogo, um bem precioso

270
para a sua sobrevivência. Dessa forma, alguns membros do grupo
são obrigados a partirem em busca de outra fonte de fogo para
garantirem a sobrevivência da coletividade, o que Lima (1985, p. 22)
chamou de ―uma fantástica reflexão sobre o poder‖.

O filme de Annaud, trata de temas relevantes no cenário humano


pré-histórico, como socialização, proteção contra predadores e tribos
rivais, além de antropofagia e sexualidade.

Pontuando e criando os momentos de emoção, tensão e alegria, a


música criada por Phillipe Sarde, em A guerra do fogo, serve para
envolver o espectador, além de servir de linguagem em um filme
onde não se utilizam de diálogos intelegíveis. Para os diálogos dos
personagens foi criada uma linguagem própria, derivada do alemão
primitivo e de línguas latinas pelo escritor e linguista Anthony
Burguess (LIMA, 1985, p. 22).

Na obra de Annaud, as relações sociais e sexuais do homem pré-


histórico também são discutidas. Inicialmente percebe-se a formação
da família endogâmica, como característica do grupo inicialmente
tratado.

Friedrich Engels, em sua obra A origem da família, da propriedade


privada e do Estado (1884), trata da formação familiar, baseado em
estudos antropológicos de Lewis Morgan, em A sociedade antiga
(1877), que procurava tecer o desenvolvimento social dos
grupamentos humanos, o qual foi classificado em estágios de
selvageria, barbárie e civilização.

Segundo Morgan, as famílias surgiram de forma endógena, formando


laços entre irmãos, onde havia um antepassado comum a todos,
sendo chamada de família consanguínea, até que, com o tempo,
essas uniões fossem formadas de forma exógena, ou seja, por
elementos de grupos distintos, sendo chamada de família
sindiásmica, tal qual se observa nas cenas finais de A guerra do fogo.
A obra de Annaud abre com uma tomada panorâmica do que parece
ser uma savana africana, onde na distância, podemos ver uma
grande fogueira, sinal da presença do homem nesta inóspita
paisagem.

O grupo humano, provavelmente endogâmico e consanguíneo, dorme


tranquilamente amontoado, protegido das feras, pela presença do
fogo, que é conservado em uma espécie de recipiente, de onde
sempre se pode utilizá-lo para gerar as fogueiras. Percebe-se assim,
que o grupo representado não detém o conhecimento sobre a
produção do fogo, o que o torna de grande valor.

271
O fogo, segundo Annaud, tem um papel também social, onde os
integrantes da grande família pré-histórica se juntam para preparar
as peças subtraídas de suas caças e manufaturar lanças, além de
proporcionar o aquecimento de todos.

Ao acordarem na manhã seguinte, os homens são surpreendidos por


uma tribo rival. Aqui, para diferenciarmos os grupos antagônicos, o
diretor deu feições menos humanas para o segundo bando. Trava-se
um duelo mortal entre as tribos, utilizando-se de madeira e pedras,
onde há vários mortos de ambos os lados.

Na fuga desesperada, alguns carregando companheiros feridos nos


braços, o membro responsável pela guarda do fogo, deixa que o
recipiente onde se encontra o mesmo caia na água (por volta dos 17
minutos de exibição da película), extinguindo-o.

A partir daí, inicia-se uma expedição em busca do fogo. Atravessando


pântanos, regiões desérticas e florestas, os três membros do grupo
responsável pela captura do fogo acabam sendo perseguidos por
tigres dentes-se-sabre (após os 25 minutos de filme).

Por volta de 1:12:00 de exibição, podemos assistir a uma das mais


belas cenas da obra cinematográfica relatada, quando o líder da
jornada descobre que o fogo pode ser produzido por mãos humanas.
Inicialmente sem entender o que se passa, o nosso personagem
observa um membro da tribo que o capturou utilizar-se de dois
pedaços de madeira, previamente preparados, e promovendo o atrito
entre os mesmos, gerar o fogo. Esse momento é determinante no
filme, pois ao descobrir, surpreso, que alguém consegue fabricar o
fogo com suas próprias mãos, o personagem, inicialmente incrédulo,
vai às lágrimas, não conseguindo conter a emoção. O climax é
potencializado pela evolução do tema musical criada por Phillipe
Sarde, que na ausência de diálogo, consegue exprimir toda a emoção
da descoberta.

Após este momento, os outros membros da equipe conseguem levá-


lo de volta, acompanhado da fêmea. Voltam para seu grupo original
trazendo consigo, muito mais importante que o fogo: o conhecimento
necessário para criá-lo, independentemente de sua guarda e posse.
Libertando-os, dessa forma, da obrigação de guardar o fogo como um
bem material.

Ao final, há a formação de um novo tipo de família, sindiásmica, com


a união de membros de tribos distintas, em detrimento do modelo de
família consanguíneo, composto por membros endogâmicos de uma
mesma linha ancestral.

272
Annaud fecha sua obra como a começou: realizando uma tomada
panorâmica semelhante à cena inicial, entretanto, trocando o dia pela
noite, mostrando, dessa forma, que o homem venceu e dominou o
fogo, estando apto a aspirar outras conquistas.

Conclusão
O filme A guerra do fogo é positivo no estudo e no processo ensino-
aprendizagem de Pré-História por tratar de questões pertinentes ao
contexto do homem pré-histórico.

Mesmo sendo apenas representações da realidade, permite-nos criar


um cenário plausível sobre o espaço-tempo analisado.

Da mesma forma, percebe-se a mensagem, no filme de Annaud,


sobre a interação entre diferentes grupos, bem como seus costumes
e sua tecnologia, mostrando-nos as possibilidades de multiplicação de
conhecimento quando se colocam frente a frente, culturas distintas.
A guerra do fogo, antes mesmo de tratar sobre a captura e guarda de
um bem valioso, mostra-nos que o conhecimento tem um valor
superior ao próprio bem.

Da mesma forma, podemos, através da película, tratar sobre


questões pertinentes ao mundo humano pré-histórico, tais como
morte, disputas, equipamentos, socialização, manufaturas de
artefatos e distinção entre os variados grupos hominídeos.

Mesmo sem a classificação de ―filme histórico‖ – classificado como


ficção – a obra estudada, como muitas outras, é reconhecidamente
objeto de estudo histórico.

Tal condição, de reconhecer as obras fílmicas como fontes de


pesquisa histórica, só foi possível graças ao advento dos Annales, e
posteriormente à dedicação do historiador francês Marc Ferro, que
encontrou eco na História Cultural.

Cabe ao professor e pesquisador de história saber explorar, da


melhor maneira possível, este cabedal de informações, em prol do
desenvolvimento da História.

Referências
Marcelo Gonçalves Ferraz é graduando de História pela Universidade
de Pernambuco (UPE). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4457383452407545

ALVES, Giovanni. Trabalho e cinema: o mundo do trabalho através do


cinema. Londrina: Praxis, 2006.

273
CHILDE, Vere Gordon. O que aconteceu na história. Rio de Janeiro:
Zahar, 1981.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do


Estado. São Paulo: Centauro, 2006.

FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

GOSDEN, Chris. Pré-História. Porto Alegre: L&PM, 2012.

LIMA, César Garcia. A guerra do fogo. Bizz. n. 18, jan. 1987, p. 22.

LIMA, Daniel Rodrigues. Cinema e história: o filme como recurso


didático no ensino/aprendizagem da história. Revista Historiador,
[S.l.], n. 07. p. 94-108, jan. 2015.

MICELI, Paulo. Uma pedagogia da História? In: PINSKY, Jaime (org.).


O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 2014.
p. 37-52.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São


Paulo: Contexto, 2004.
_____. Fontes audiovisuais:a história depois do papel, In: PINSKY,
Carla Bessanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008.

PEREIRA, L.R; SILVA, C.B. Como utilizar o cinema em sala de aula?


Notas a respeito das prescrições para o ensino de História. Espaço
Pedagógico, Passo Fundo, v. 21, n. 2, p. 318-335, jul./dez. 2014.

PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. São Paulo: Contexto, 2001.

RICON, Leandro. Apresentação. In: SOUZA NETO, José Maria;


SCHURSTER, Karl; RICON, Leandro. Imagens em movimento. Ensaios
sobre cinema e história. Rio de Janeiro: Autografia, 2016.

SANTIAGO JÚNIOR, Francisco das Chagas Fernandes. Cinema e


historiografia: trajetória de um objeto historiográfico (1971-2010).
História da historiografia, ouro preto, n.8, abr/2012, p. 151-173.

SOUZA, Polyana Jessica do Carmo; SOARES, Valter Guimarães.


Cinema e ensino de história. XXVII Simpósio Nacional de História.
Natal. 22-26 jul. 2003.

Obra cinematográfica
A GUERRA do fogo. Direção: Jean-Jacques Annaud. França/Canadá:
20th Century Fox, 1981. 1 DVD (100 min).

274
QUADRINHOS COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA
Márcio Vitor Santos

Sobre a problematização que envolve o ensino de História, vários


pontos devem ser levados em consideração, visto que uma
determinada questão ou problema é construído a partir de diversos
fatores.Destaquemos, de início, uma problemática apontada por
Pedro Paulo Funari: uma ―história dada, acabada, a ser decorada
pelo aluno‖ (FUNARI, 2005, p. 98). Circe Bittencourt nos fala que a
metodologia utilizada nos livros escolares brasileiros do século XIX
apelava mais para a memorização das datas e dos grandes nomes da
História (BITTENCOURT, 2011, p. 68-69). Nas palavras da autora,
―aprender era memorizar‖ (BITTENCOURT, 2011, p. 69). Selva
Guimarães, da mesma forma que Bittencourt, aponta para a questão
da exaltação aos heróis nacionais:

―O culto aos sujeitos históricos e a glorificação de suas ações


constituem parte relevante do conteúdo de história nos programas de
ensino. (...) Desde o século XIX, o ensino de História configura
espaço privilegiado para a transmissão de noções tais como pátria,
nação, igualdade, liberdade, bem como, para o culto dos heróis
nacionais.‖ (GUIMARÃES, 2012, p. 72)

Tal ideia de memorização do conteúdo da disciplina de História,


portanto, acaba por produzir uma ideia equivocada sobre a História.
Partindo dessa perspectiva, o aluno passa a ver a História como um
amontoado de informações que simplesmente devem ser
memorizadas para fins de obtenção de notas ou garantia de vaga em
uma universidade. Em suma, Bittencourt posiciona-se criticamente
diante ao método decorativo:

―Na prática, no entanto, parece ter prevalecido não exatamente a


preocupação com uma memorização ativa, mas simplesmente com a
decoração de nomes e datas dos grandes heróis e dos principais
acontecimentos (...). Os métodos de ensino baseados na
memorização correspondiam a um entendimento de que ‗saber
história‘ era dominar muitas informações, o que, na prática,
significava saber de cor a maior quantidade possível de
acontecimentos de uma história nacional.‖ (BITTENCOURT, 2011, p.
69)

Dessa forma, para Guimarães, ―os alunos interiorizavam a ideia de


que não são sujeitos históricos‖(GUIMARÃES, 2012, p. 74) e,
consequentemente, não participantes do processo histórico.A crítica

275
feita por Guimarães e Bittencourt torna-se pertinente, uma vez que é
através da História que o indivíduo toma consciência do mundo ao
seu redor e passa a ser atuante em seu meio. Segundo Holien
Gonçalves Bezerra, indagar-se sobre qual o lugar do indivíduo na
trama da História é refletir sobre as complexas relações sociais e
cotidianas (BEZERRA, 2005, p. 45). Além disso, para o autor,

―a História, concebida como processo, busca aprimorar o exercício da


problematização da vida social, como ponto de partida para a
investigação produtiva e criativa, buscando identificar as relações
sociais de grupos locais, regionais e nacionais e de outros povos;
perceber as diferenças e semelhanças, os conflitos/contradições e as
solidariedades, igualdades e desigualdades existentes nas
sociedades.‖ (BEZERRA, 2005, p. 44)

Portanto, a História se torna fundamental para a vida do educando.


Em outras palavras, ―essa área do conhecimento tem muito a
contribuir para a formação dos indivíduos, pois ela nos permite
compreender as transformações socioeconômicas, políticas e culturais
que estamos vivenciando, desenvolver valores e construir
identidades‖ (SERRAZES, 2014, p. 1). Tomando como base a citação
de Bezerra, no que diz respeito à investigação produtiva e à
identificação de contrastes culturais e sociais entre os grupos, uma
das áreas da História pode ser destacada nesse quesito: A
Antiguidade.

Renovação da História Antiga


Segundo Boris Kossoy ―existe um aprisionamento multissecular à
tradição escrita como forma de transmissão do saber‖ (KOSSOY,
2001, p. 30), impossibilitando assim o uso de novos métodos para
ensinar História. Apesar de Kossoy não trabalhar especificamente
com o ensino de História, suas palavras podem ser aplicadas à
problemática que envolve a limitação de recursos para a transmissão
e a construção do saber histórico.

Esse aprisionamento atinge principalmente os professores de História


Antiga. No mundo contemporâneo, a Antiguidade torna-se cada vez
mais distanciada, principalmente no ponto de vista do educando, que
vê a História como algo a ser decorado e que não terá influência
significativa em sua concepção de mundo, uma vez que o mundo
antigo situa-se em um período remoto. Entretanto, tal distância
espaço-temporal serve como ponto de partida para a discussão em
sala de aula sobre a Antiguidade e qual a visão dos alunos sobre a
mesma. Nesse aspecto, a cultura histórica, como veremos mais
adiante torna-se fundamental para a discussão sobre a memória
histórica pertencente ao mundo dos educandos.

276
Para Schimdt, ―a cultura histórica é a própria memória histórica,
exercida na e pela consciência histórica, a qual dá ao sujeito uma
orientação temporal para a sua práxis vital, ao mesmo tempo quelhe
oferece uma direção para atuação e autocompreensão de si mesmo‖
(SCHIMDT, 2014, p. 40). Parafraseando a autora, é através da
memória histórica – construída a partir dos processos relacionais, das
apropriações e construções culturais e históricas ao longo do tempo –
que o indivíduo ajusta sua bússola norteadora de sua vida prática. Ou
seja, todo indivíduo, conscientemente ou não, possui uma visão
acerca do passado a partir da memória histórica. Dialogando com Eric
Hobbsbawn, ―todo ser humano tem consciência do passado (...). O
passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência
humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros
padrões da sociedade humana‖(HOBBSBAWM, 2013, p. 25). Dentro
da perspectiva da consciência histórica, a Antiguidade surge como um
local propício para o debate em sala de aula sobre questões inerentes
à contemporaneidade, reconhecendo elos entre o mundo antigo e o
contemporâneo.

De maneira geral, a História ―busca aprimorar o exercício da


problematização da vida social, como ponto de partida para a
investigação produtiva e criativa‖(BEZERRA, 2005, p. 44).
Consequentemente, questionamentos sobre o mundo que o cerca e
sobre sua própria existência são feitos. Diante de tais
questionamentos, a História pode trazer respostas. Nesse sentido,
não somente os horrores das Grandes Guerras e dos regimes
totalitários do século XX, ou até mesmo as grandes facetas dos heróis
nacionais, mas a Antiguidade também nos lança luzes para os
questionamentos que fazemos à sociedade a qual nós estamos
inseridos.Sobre a importância da Antiguidade, José Maria Neto
comenta:

―As questões prementes do mundo que nos cerca – conflitos e crises,


mudanças e permanências, alteridades e identidades, contatos e
resistências – eram pertinentes na Antiguidade como ainda o são em
nossos dias, e as respostas encontradas pelos povos antigos, mais do
que servirem como paradigma (como se interpretava em tempos
idos, que se conhecia o passado para se compreender melhor o
presente), servem de espelho à nossa própria humanidade, reflexo
daquilo de que somos capazes diante dos desafios mais diversos.‖
(SOUZA NETO, 2014, p. 4)

Nessa abordagem, aquilo que Pedro Paulo Funari chamou de


―renovação do ensino da História Antiga‖ pode ser bem discutido:
novas estratégias de ensino, incentivando o aspecto lúdico do
aprendizado e da pesquisa, a produção de conhecimento histórico sob

277
a capa da espontaneidade, da brincadeira. Segundo o próprio Funari,
―a História, em especial a Antiga, não se faz apenas com documentos
escritos, mas também com a cultura material‖(FUNARI, 2005, p. 96).
Essa cultura material – reproduzida nos vasos gregos, nos grandes
monumentos, nas construções das cidades antigas – pode ser
apresentada aos professores como novas ferramentas pedagógicas de
ensino e, doravante, levando à formulação de novas estratégias para
se ensinar História, não se limitando apenas ao livro didático. Dessa
maneira, o diálogo entre a Antiguidade e o mundo dos educandos
torna-se mais interessante, levando o indivíduo a aguçar sua
curiosidade intelectual e, assim, exercitando sua capacidade analítica.

Quadrinhos como fonte e ferramenta de ensino


Diante do que fora discutido acima, percebe-se, então, que o
profissional de História Antiga dispõe de elementos que podem ser
úteis para a produção do conhecimento histórico. Contudo,

―(...) a construção do conhecimento histórico, bem o sabemos, requer


contextualização, e ao professor de História Antiga tal necessidade é,
talvez, ainda mais premente, dadas as distâncias espaço temporais
que separam seus educandos dos temas abordados.‖ (SOUZA NETO,
2014, p. 5)

Na atualidade, devido aos avanços científicos e tecnológicos, uma


gama de conhecimentos e possibilidades de compreensão surge. ―As
mudanças culturais provocadas pelos meios audiovisuais e pelos
computadores são inevitáveis, pois geram sujeitos com novas
habilidades e diferentes capacidades de entender o mundo"
(BITTENCOURT, 2011, p. 108.).Nessa perspectiva, o profissional de
História – que também está inserido nesse contexto de mudanças
culturais e avalanches de informações – deve apropriar-se desses
meios como ferramenta pedagógica. Um dos meios que mais podem
ser proveitosos para o ensino de História são as histórias em
quadrinhos.

Os quadrinhos também podem ser considerados, nas mãos do


historiador, como fonte. Diferente do Positivismo, que dava apenas
credibilidade aos documentos e registros oficiais, a Escola dos
Annales abriu um leque de novos objetos que podem ser
considerados como fontes e ―foi fundamental para esse novo estatuto
das imagens e outros documentos, o que ampliou os objetos de
estudo da história‖ (SILVA, 2010, p. 174). O conhecimento do
passado já não é mais algo imutável, pois as novas ferramentas nos
proporcionam diferentes abordagens e interpretações.

278
Como dito anteriormente, é necessário que o profissional de História
Antiga aproprie-se de métodos alternativos para promover uma
aprendizagem lúdica acerca da Antiguidade. Nessa perspectiva,

―a literatura em geral, e os quadrinhos em especial, emergem como


poderosos elementos para o aprendizado desta História, pois estão
repletas de inquietações, servem às comemorações e rememorações
da realidade, propiciam novas estratégias de ensino e a produção do
conhecimento histórico sob a capa da espontaneidade.‖ (SOUZA
NETO, 2016, p. 131)

Conforme apontado por José Maria Neto acima, os quadrinhos,


apesar de partirem do campo ficcional, trazem consigo um leque de
possibilidades de interpretações sobre o passado retratado e abrem
espaço para as mais variadas discussões em sala, dependendo da
finalidade que o profissional de História dará para essa ferramenta e
do interesse do mesmo e dos alunos(WERGUEIRO, 2005, p. 22).
Dentro da perspectiva educacional brasileira, Paulo Ramos, em seu
livro ―A leitura dos quadrinhos‖, mostra a relação entre quadrinhos e
educação:

―a presença deles [os quadrinhos] nas provas de vestibular, a sua


inclusão no PCN (Parâmetro Curricular Brasileiro) e a distribuição de
obras ao ensino fundamental (por meio do Programa Nacional
Biblioteca na Escola) levaram obrigatoriamente a linguagem dos
quadrinhos para dentro da escola e para a realidade pedagógica do
professor.‖ (RAMOS, 2014, p. 13)

Diante disso, é interessante notar que as histórias em quadrinhos


fazem parte do universo cotidiano dos estudantes. Ademais,
Waldomiro Vergueiro, analisando a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e
o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), aponta as vantagens do
uso de quadrinhos na sala de aula e a relação dos estudantes com
esse tipo de mídia. Dentre elas, o autor destaca:

―os estudantes, pela leitura dos quadrinhos, são constantemente


instados a exercitar o seu pensamento, complementando em sua
mente os momentos que não foram expressos graficamente, dessa
forma desenvolvendo o pensamento lógico. (...) as histórias em
quadrinhos são especialmente úteis para exercícios de compreensão
de leitura e como fontes para estimular os métodos de análise e
síntese das mensagens.‖ (WERGUEIRO, 2005, p. 24.)

Partindo da fala de Wergueiro, no que se refere ao pensamento lógico


dentro dos quadrinhos, Scott McCloud, em seu livro ―Desvendando os
quadrinhos‖, explica com outras palavras tal questão. De acordo com

279
o autor, o leitor, através da observação de meros fragmentos da
realidade – neste caso, dos quadrinhos – percebe ou especula sobre a
realidade como um todo, formando, então, o pensamento lógico. Para
esse fenômeno, McCloud o chama de ―conclusão‖. Além do conceito
de conclusão, McCloud também traz nas páginas iniciais de sua obra
uma definição do conceito de histórias em quadrinhos que melhor se
adequa aos propósitos deste trabalho: ―Imagens pictóricas e outras
justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir
informações e/ou a produzir uma resposta ao espectador.‖
(MCCLOUD, 2005, p. 9)– conceito este que não se constrange a um
gênero ou traço específico, ultrapassando a data convencional dos
quadrinhos (1896, com ―The Yellow Kid‖). Em suma, a partir da
apropriação dos procedimentos teórico-metodológicos adequados
pelo professor de História Antiga, os quadrinhos, segundo Túlio Vilela,
tornam-se ―mais um recurso pedagógico que pode trazer bons
resultados se bem empregados‖ (VILELA, 2005, p. 106).

Não obstante, assim como qualquer fonte histórica, as obras


ficcionais são fruto de seu tempo, ou seja, possuem um contexto de
criação que deve ser levado em consideração. Como já afirma Paulo
Ramos, ―quem produz a obra tem uma intenção ao escrevê-la‖
(RAMOS, 2014, p. 19). Complementando ainda mais a fala de Ramos,
Vilela enfatiza que ―toda obra de ficção histórica fornece mais
informações a respeito da época em que foi criada do que sobre a
época em que é ambientada‖ (VILELA, 2005, p. 109). Além disso,
devido ao fato de que os ―quadrinhos, os mais fidedignos como os
nem tanto, ao recriar o passado, são sempre agentes de construção
de cultura histórica‖ (SOUZA NETO, 2016, p. 134) – a cultura
histórica construída no meio cotidiano dos estudantes, que os
nortearão através da memória histórica – o profissional de História
Antiga deve estar atento ao uso dos quadrinhos em sala de aula. É o
professor quem deve mediar a leitura dos quadrinhos, chamando
atenção às imprecisões históricas contidas nos quadrinhos, por
exemplo. Como bem salientou José Maria Neto, apesar de haverem
imprecisões em determinadas obras, ―ao invés de provocar a rejeição
da obra na sala de aula, elas devem, pelo contrário, servir ao
aprendizado‖ (SOUZA NETO, 2016, p. 134). Porém, a intervenção do
professor é imprescindível no momento do aprendizado, tomando os
―erros‖ como ponto de partida para ―informações historicamente
corretas‖(VILELA, 2005, p. 121) e discussões, contribuindo de forma
positiva para construção do conhecimento histórico.

Considerações finais
A proposta do uso das histórias em quadrinhos como ferramenta
pedagógica vem ao encontro dos diálogos estabelecidos ao longo das
últimas décadas entre os vários campos da historiografia, e que se

280
cristalizam no plano comum do Ensino da História: atravessa
transversalmente os conhecimentos (da Antiguidade à
Contemporaneidade, através da imagem e das histórias em
quadrinhos) no intuito de provocar a reflexão e o debate nos futuros
professores de História, estimulando-os à reflexão enquanto sujeitos
no mundo e atentos ao seu futuro papel como produtores de
conhecimento e formadores de pessoas.

Referências
Márcio Vitor Santos é graduado em Licenciatura em História pela UPE
e é membro do Leitorado Antiguo.
O trabalho teve orientação do Prof. Dr. José Maria Gomes de Souza
Neto

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e


conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de
aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005.

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e


métodos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

FUNARI, Pedro Paulo. A renovação da História Antiga. In: KARNAL,


Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e
propostas. São Paulo: Contexto, 2005.

GUIMARÃES, Selva. Caminhos da história ensinada. 13. ed.


Campinas: Papirus, 2012.

HOBBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras,


2013.

KOSSOY, Boris. Fotografia e história. 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê


Editorial, 2001.

MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: M. Books,


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RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: contexto, 2014.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora M. dos Santos. Cultura Histórica, Ensino


e Aprendizagem de História: questões e possibilidades. In: OLIVEIRA,
Carla Mary S.; MARIANO, Serioja Rodrigues C. (org.). Cultura
Histórica e Ensino de História. João Pessoa, Ed. UFPB, 2014.

SERRAZES, Karina Elizabeth. Fundamentos e métodos do ensino de


História: algumas reflexões sobre a prática. In: XXII ENCONTRO

281
ESTADUAL DE HISTÓRIA, 1., 2014, São Paulo. Anais do XXII
Encontro Estadual de História da ANPUH-SP. São Paulo: ANPUH,
2014.

SILVA, Edlene Oliveira. Relações entre imagens e textos no ensino de


história. Sæculum – Revista de História, João Pessoa, n. 22, p. 173-
188, jan./jun. 2010.

SOUZA NETO, José Maria Gomes de. O teatro ateniense na formação


do historiador. Boletim Historiar, Santa Catarina, n. 4, p. 3-19,
jul./ago. 2014.

_______. ENSINO DA HISTÓRIA ANTIGA E ARTE SEQUENCIAL:


ESBOÇOS INTRODUTÓRIOS. In: BUENO, André; ESTACHESKI,
Dulceli; CREMA, Everton (orgs). Para um novo amanhã: visões sobre
aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição
LAPHIS/Sobre Ontens, 2016, p. 130-141.

VILELA, Túlio. Os quadrinhos na aula de História. In: RAMA, Angela et


al. Como usar os quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto,
2005.

WALDOMIRO, Vergueiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Angela et


al. Como usar os quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto,
2005.

282
POSSIBILIDADES NO ENSINO DE HISTÓRIA: AS LEIS
ABOLICIONISTAS NO FACEBOOK
Marília Guaragni de Almeida
Gustavo Henrique Kunsler Guimarães

A presente publicação tem como objetivo, ampliar os recursos


metodológicos no ensino de História, denotando o uso das redes
sociais como material didático. Para isso, foi escolhida a rede social
Facebook, como exemplo, no sentido de aproximar o estudante do
objeto de aprendizagem por meio de um material didático, onde o
layout é habitual para os discentes. Para que a proposta desta
pesquisa fosse alcançada, foi escolhido como tema as leis
abolicionistas do período imperial, e a partir destas, criadas
publicações seguindo o padrão de layout da rede social, onde os
principais personagens do contexto abolicionista estão presentes,
colocando seus posicionamentos como comentários destas
publicações.

Neste sentido, a construção da linha temporal no Facebook, para


explicar o contexto das leis abolicionistas, visa proporcionar aos
docentes uma estratégia didática que aproxime o aluno do tema
trabalhado. Considerando a maneira que esta rede social está
difundida no meio social dos alunos atualmente, utilizar este recurso
para tornar mais acessível a discussão de questões que envolvem o
processo de abolição, bem como a estruturação das relações sociais
no Brasil, pode ser uma maneira atrativa e eficiente de atentar os
alunos acerca do tema.Conforme Caimi:

―Levar em conta o universo da criança ou do adolescente não é, pois,


abdicar do rigor intelectual ou do valor do conhecimento histórico,
mas garantir que a apropriação deste conhecimento ocorra permeada
de sentido e significação, resultando em sólidas aprendizagens‖
(CAIMI, 2006, p. 24).

As Leis Abolicionistas no Facebook


O professor, tendo conhecimento do conteúdo disposto na Linha
Temporal, terá um material rico em possibilidades de
problematização. Abre-se espaço para contextualizar os pensamentos
vigentes na época por diversos segmentos da sociedade,
problematizando estes e atentando o lento e tardio processo de
Abolição da Escravidão em nosso país. É necessário ter a
compreensão que este recurso visa exemplificar aos alunos um
contexto de ideias, cabendo ao docente explorar esse contexto, para
dimensionar juntamente com os discentes a formação das relações
sociais que estão presentes até hoje em nosso país.

283
Analisa-se então, as leis abolicionistas como reflexões de uma longa e
conservadora transição da principal mão-de-obra brasileira. Ainda
que em 1831, o país tenha assinado a Lei Feijó, a mesma não foi
colocada em prática de maneira que era prevista, ficando conhecia
como ―lei para inglês ver‖, visto que foi assinada a partir de pressões
inglesas. Nas décadas que seguiram, uma série de países foram
gradualmente terminando com a escravidão em seus respectivos
territórios, como foi o caso do Uruguai (1842), por exemplo. Contudo,
no Brasil já governado por Dom Pedro II, o país assinou apenas em
1850 a lei Eusébio de Queiroz, considerada a primeira lei efetiva
voltada ao fim do tráfico de escravos.Cabe então, a reflexão acerca
do tema escolhido, as leis abolicionistas do Brasil. Nesta estratégia
didática foram contempladas a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o
tráfico de navios negreiros no Atlântico, a Lei do Ventre Livre
assinada em 1871, tornando livres todos os filhos de escravas
nascidos a partir da assinatura da lei, a Lei Saraiva de Cotegipe,
também conhecida como lei do Sexagenário e a Lei Áurea que
extinguiu a escravidão no Brasil. Todas estas publicações tem como
objetivo analisar o longo processo de abolição da escravatura no país.
Faz-se necessário pontuar que, ainda que estas leis fossem avanços
na luta por uma sociedade sem escravidão, elas possuíam caráter
conservador.

284
Fig.1

A Lei Eusébio de Queiroz de 1850, apesar de ser considerada um


importante avanço, acabou estimulando o tráfico interno de escravos
no Brasil. Na Imagem, nota-se diversos pontos como consequência

285
da assinatura da lei. Salientam-se o aumento gradual do fluxo de
imigrantes para o Brasil, bem como a continuidade do tráfico negreiro
para o país, ainda que em menor número.

Fig.2

286
A Lei do Ventre Livre assinada em 1871, ainda que declarasse livre os
escravos nascidos após a assinatura da lei, também mantinha o
nascido sob a tutela do senhor de escravo até os 8 anos de idade e
após esta idade, o senhor de escravo tinha a opção de receber uma
indenização do império ou utilizar dos serviços do nascido até que o
mesmo completasse 21 anos de idade. Em termos práticos, ainda que
o escravo tivesse sua alforria aos 21 anos de idade, até lá o mesmo
era explorado. Na imagem percebe-se que a aprovação da lei era
considerada um avanço, contudo, este avanço fora muito tímido,
visto que a mesma beneficiava muito mais os senhores de escravos
do que propriamente os escravizados.

287
Fig.3

Também foram produzidas publicações acerca da Lei Saraiva-


Cotegipe, que ficou conhecida como lei do sexagenário, visto que a
mesma garantia a liberdade dos escravos acima dos 60 anos. A lei
promulgada em 1885, considerava livre o escravo que ultrapassasse
a barreira dos 60 anos. Além de ser uma idade avançada para os
padrões de expectativa de vida da época, em alguns casos, a lei
previa que o escravo prestasse mais 3 anos de serviço ao senhor,
antes de obter sua alforria. Na imagem pode-se perceber um pouco
do contexto em torno da assinatura da lei. Com o uso de ironia nos
comentários e a alusão a grandes ícones abolicionistas do período, a

288
publicação proporciona ao docente amplo espaço de discussão em
sala de aula.

Fig.4

A Lei Áurea declarou extinta a escravidão no Brasil. Contudo, ainda


que a Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, declarasse extinta
a escravidão no Brasil, a mesma não previu nenhuma organização
para os escravos que enfim obtiveram sua liberdade. Sendo assim,

289
em maior ou menor grau, é possível perceber o caráter conservador
que as leis tiveram. No material da imagem, percebe-se vários
pontos para problematização, como o fato do Ceará ter extinguido a
escravidão em 1884 e a pouco lembrada participação de Rodrigo
Augusto da Silva na assinatura da Lei Áurea. Estes pontos assim
como as colocações dos envolvidos na imagem possibilitam a
problematização do acontecimento com os discentes.

Nesta perspectiva, cabe ao docente enquanto utiliza o material


produzido, problematizar as leis, analisando que as mesmas sempre
assistiram os senhores de escravos, confirmando o conservadorismo
presente na sociedade.

A Estratégia Didática
Analisando os benefícios do uso desta opção metodológica para os
estudantes, cabe pontuar que aumentar a gama de possibilidades no
ensino é uma prática que deve ser constante ao professor. Mais
constante ainda, deve ser a sensibilidade deste em analisar formas de
ensino que estejam mais próximas da realidade dos alunos. Neste
sentido, utilizar algo tão presente no cotidiano dos alunos para
exemplificar um contexto mais amplo é uma interessante estratégia
metodológica. Logo, esta atividade tem como objetivo principal
contextualizar e problematizar o processo abolição da escravatura a
partir das leis abolicionistas criadas ao longo do século XIX. Embora
diversos materiais pedagógicos contemplem a questão abolicionista,
eles nem sempre denotam todos os atores que estiveram presentes
neste longo processo. Sob esta perspectiva, analisar de que forma se
constituíram as leis, proporciona aos discentes um conhecimento
mais profundo do que ter ciência do fato. Desta maneira é possível
que o mesmo analise o posicionamento dos envolvidos neste
processo.

Esta análise é possível, em certa medida, visto que os comentários


dos personagens nas publicações foram produzidos com uma
linguagem acessível aos discentes. Enquanto que os diálogos eram
produzidos, fazia-se presente uma reflexão: como colocar o
posicionamento de determinado personagem na publicação e alcançar
o estudante ao mesmo tempo? Para isso, a linguagem foi adaptada,
preservando a ideia e tornando-a palatável ao entendimento do
estudante.

Os jovens dos dias de hoje estão amplamente ligados aos meios de


comunicação e as redes sociais, utilizam-se do facebook, do
whatsapp, twitter e afins. O melhor meio é utilizar as próprias redes
sociais como ferramenta lúdica pedagógica para uma melhor, e, mais
fácil compreensão dos conteúdos históricos. Isso alia-se a ideia de

290
atualização e aperfeiçoamento do professor com as inúmeras mídias
que se fazem presente no meio.

O presente trabalho busca criar um diálogo com personagens do


processo abolicionista, utilizando-se de uma linguagem atual, e de
uma ferramenta utilizada por todos, ou quase todos, os alunos. Com
ironia, referencias, humor, e principalmente, muita história, as leis
abolicionistas chegam ao público de uma forma mais leve e com
meios que os alunos estão acostumados. Ainda, a ideia de retratar as
leis abolicionistas abre campo para mais temas, como escravidão,
racismo, feminismo, gênero, homofobia, xenofobismo, movimentos
sociais, e tantos outros temas que os educadores costumam ter
receio de trabalhar.

Ulpiano Meses já colocava: ―Não se estudam fontes para melhor


conhecê-las, identificá-las, analisá-las, interpretá-las, mas elas são
identificadas, analisadas, interpretadas, e compreendidas para que
daí se consiga um entendimento maior da sociedade‖. (MENESES,
2003,p.26). E é isso que busca-se com a utilização da rede social,
como um paradigma virtual aliado a história vivida. E isso dá-se pela
enraização da falta de compreensão dos acontecimentos históricos
que são carregados na historiografia,que ainda se faz presente no
que é ensinado em sala de aula. E Por que não mostrar aos alunos
que a história pode ser interessante, através de meios bastante
utilizados por eles? São ferramentas que vão além do livro didático,
do comodismo e da previsão das aulas. E que são capazes de chamar
atenção do aluno para temas importantes e que serão formadores de
criticidade e opinião dos mesmo.

A internet está dentro do nosso cotidiano, e cada vez mais são


indispensáveis para a população. Este fenômeno é recente, e está
cada vez mais intenso. Modificaram-se as relações, passando do real
para o virtual, e isso acontece dentro das salas de aulas. Mesmo com
as constantes proibições do uso do telefone nas salas de aula pelo
projeto de lei n.º 2.246-a, de 2007, vedando o uso de telefones
celulares nas escolas pulicas de todo o país, com o parecer da
Comissão de Educação e Cultura. Isso passou a ser realizado
escondido, dificultando a de confiança entre aluno e professor, que é
crucial para um melhor aprendizado. Fazer uso da rede social, do
telefone, e do facebook no meio acadêmico acaba por facilitar essa
troca de experiências, ajudando no aprendizado individual e coletivo.
―Aprendemos pelo prazer, porque gostamos de um assunto, de uma
mídia, de uma pessoa. O jogo, o ambiente agradável, o estímulo
positivo podem facilitar a aprendizagem. ―(MORAN, 2000, p.9).Passa
pelos meios de ensino de história a formação do caráter do aluno,
que pode vir a refletir no futuro. Ao utilizar a AS LEIS

291
ABOLICIONISTAS NO FACEBOOK, criamos mais um modo de ensinar,
ajudando no pensamento e no desenvolvimento dos indivíduos.

―Constitui-se hoje, para os educadores do ensino fundamental e


médio, um desafio muito grande ensinar alunos que têm contato cada
vez maior com os meios de comunicação e sofrem a influência da
televisão, rádio, jornal, vídeo-games, fax, computador, redes de
informações e etc. Como produzir uma boa aula? Como sair do
tradicional giz e ―cuspe‖? Como romper com as imposições de um
ensino que parou no tempo?‖ (FERREIRA, 1999, p. 44).

Neste sentido, esta estratégia didática mais de um benefício. Por um


lado ela oferece ao aluno interação com o objeto de estudo,
proporcionando um contato mais próximo, que tenha significado para
o mesmo. Sob outra perspectiva, o uso do layout da rede social
amplia as discussões do uso da mesma em benefício do ensino,
situação que diverge muito dentro dos bancos escolares. Outra leitura
é o benefício das publicações em si, visto que para a criação delas é
necessário uma prévia pesquisa por parte do docente, pesquisa esta
que o estudante deve ter consciência. O aluno deve ter contato com
estas informações para que haja maiores dados, no sentido
problematizar o contexto do período estudado.

Referências
Marília Guaragni de Almeida, mestranda em História no Programa de
Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo.
Gustavo Henrique Kunsler Guimarães, mestrando em História no
Programa de Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo.

CAIMI, Flávia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem História?


Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de
História. Tempo, v. 11, n. 21, 2006.

FERREIRA, Carlos Augusto Lima. Ensino de História e a incorporação


das novas tecnologias da informação e comunicação: uma reflexão.
Revista de História Regional, v. 4, n. 2, 2007.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual,


História visual. Balanço provisório, propostas cautelares. São Paulo.
2003.

MORAN, José Manuel. Informação e comunicação na educação.


Programa de Formação Continuada Mídias na Educação, SEED/MEC,
v. 1, 2008.

292
FORRÓ COMO FONTE HISTÓRICA PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA
Monaquelly Carmo de Jesus

Em busca de conquistar o interesse dos alunos, os professores têm


cada vez mais buscado alternativas para além da metodologia livro-
quadro. Um dos recursos que tem sido cada vez mais utilizados nas
últimas décadas, no Ensino de História, é a música. (SOBANSKI,
2012). Um dos motivos é a sua proximidade com o cotidiano dos
alunos (HERMETO, 2012) A música está mais presente que nunca no
dia a dia dos jovens. Ao passo que antes era necessário possuir um
aparelho específico para ouvir suas músicas preferidas fora de casa
(um walkman ou discman), hoje as pessoas podem ter acesso a elas
no celular, gratuitamente, com apenas alguns poucos cliques. Além
disso, a música tem o poder de acessar os sentidos e ir além da letra
fria, penetrando o lado direito do cérebro – o criativo e emocional.
Sobre o poder da música, Azambuja diz:

―não podemos deixar de destacar o poder da música de evocar,


expressar e comunicar, significados e sentidos das mudanças da
experiência humana no tempo. O poder da música mobiliza a
memória: ouvido musical é memória do som; senso rítmico é
memória do tempo; a representação mental do som e do tempo
suscita a formação de imagens, função da memória.‖ (2013, p. 161).

No entanto, muitas vezes a música é utilizada apenas como


ilustração. (HERMETO, 2012) Não se que seja errado ou ineficiente
utilizá-la dessa maneira, mas existem outras possibilidades que
podem transformá-la de apenas um tempero no ensino para a própria
protagonista da aula. Uma das maneiras de fazer isso é utilizar a
música como fonte histórica. Vários historiadores e educadores tem
defendido o trabalho com fontes históricas na sala de aula.

Segundo Brodbeck, o trabalho com fontes é considerado, hoje, um


dos procedimentos fundamentais na sala de aula, porque ―amplia o
conhecimento sobre o trabalho do historiador, estimula a observação
e permite uma maior reflexão sobre os conteúdos através dos
documentos.‖ (2012, p.34)

Para Schmidt e Cainelli, o uso de fontes históricas é indispensável


porque ―permite o diálogo do aluno com realidades passadas e
desenvolve o sentido da análise histórica. O contato com as fontes
históricas facilita a familiarização do aluno com formas de
representação das realidades do passado e do presente, habituando-o
a associar o conceito histórico a analise que o origina e fortalecendo

293
sua capacidade de raciocinar baseado em uma situação dada.‖ (2009,
p. 116)

Já Azambuja (2013, P. 27) acrescenta que uso de fonte histórica


auxilia o aluno a construir o saber histórico. Pode mobilizar a
competência do uso/tratamento de fonte, fazer cruzamento de
informação, desenvolver a capacidade de análise, e assim fazer
inferências sobre o passado.

E a música é uma rica fonte histórica. Ela pode revelar muito sobre a
sociedade e o país como um todo, já que nasceu da fusão de diversas
experiências, valores culturais, estéticos, ideológicos, religiosos e
culturais que formam a chamada cultura brasileira. (NAPOLITANO,
2002). Napolitano chama a música brasileira de ―tradutora dos
nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias sociais‖ (2002,
p. 5) e explicita a importância da música brasileira ao dizer que,
sendo a música um:

―Ponto de encontro de etnias, religiões, ideologias, classes sociais,


experiências diversas, ora complementares, ora conflitantes, a
música no Brasil foi mais que um veículo neutro de idéias. Ela
forneceu os meios, as linguagens, os circuitos pelos quais os vários
brasis se comunicaram.‖ (2002 p. 75)

Trazendo a discussão para o campo do Ensino de História, Hermeto


afirma que:

―Na cultura brasileira, a canção popular é arte, diversão, fruição,


produto de mercado e, por tudo isso, uma referência cultural
bastante presente no dia a dia. Produzida pelo homem e por ele
(re)apropriada cotidianamente, objeto multifacetado e polissêmico, é
realmente importante na constituição da cultura histórica dos
sujeitos. Construtora e veiculadora de representações sociais,
apresenta um rol enorme de possibilidades de usos e interpretações.
Por todas essas razões, pode ser tomada como um instrumento
didático privilegiado no ensino de história.‖ (2012, p. 12)

Ainda citando Hermeto (2012), há uma tendência contemporânea de


que façam parte das habilidades ensinadas a partir da História as
capacidades de leitura de mundo. Entre elas está a capacidade de ler
as produções culturais como obras de seu tempo, analisando-as de
acordo com a dinâmica social em que estão inseridas. A análise das
músicas seria, então, também um exercício de leitura de produções
culturais.

294
Assim, nas aulas de História, as canções podem ser usadas tanto
para tratar de aspectos políticos (como as canções de protesto), mas
também para tratar de História Cultural, Social, Econômica, entre
outras. No entanto, na maior parte das vezes, as canções utilizadas
em sala de aula são de MPB, enquanto outros estilos e gêneros
musicais são relegados. (CHAVES, 2006) Mas qualquer canção
popular pode ser apropriada como fonte histórica desde que sejam
formuladas perguntas históricas coerentes e que haja disponibilidade
de acesso às informações sobre o contexto em que ela foi produzida e
divulgada. O presente artigo tem como objetivo apresentar as
canções de forró como instrumento útil para o aprendizado de
História através da análise de fontes históricas, sendo a canção o
formato de música com letra que ouvimos na rádio. O repertório de
forró contém uma diversidade de letras que tornam possível o
trabalho o trabalho com fontes históricas a partir de inúmeros temas
e perspectivas. Além de sua riqueza textual, o forró é considerado um
patrimônio cultural nordestino, e como tal, se faz necessária a sua
discussão no âmbito escolar.

No entanto, é preciso ter cuidado para não analisar a música apenas


como um documento escrito. Como explica Napolitano:

―Palavras e frases que ditas podem ter um tipo de apelo ou


significado no ouvinte, quando cantadas ganham outro
completamente diferente, dependendo da altura, da duração, do
timbre e ornamentos vocais, do contraponto instrumental, do pulso e
do ataque rítmico, entre outros elementos. (2002, p. 55)‖

Um exemplo disso, utilizando o forró, ocorre com a música Asa


Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira). Em sua versão no ritmo
de baião, ou até mesmo no ritmo de toada (1952 e 1947,
respectivamente), a música transmite uma ideia bastante diferente
da versão gravada por Inezita Barroso em 1975. Apesar de a letra
falar sobre o sofrimento causado pela seca e a necessidade de
migrar, o ritmo acelerado e o instrumental utilizado pelas primeiras
versões levam à interpretação de que mesmo com todo o sofrimento
o nordestino ainda preserva a alegria e a esperança. Já na versão
lenta de Inezita, não há outra interpretação além do sofrimento e da
depressão profundas causadas pelos problemas.

Mas o uso da música como fonte histórica não se limita apenas à


interpretação da letra e do conjunto melódico-harmônico. Também é
preciso buscar outras informações além do que é oferecido pela
canção.

295
―É preciso identificar a gravação relativa à época que pretendemos
analisar (uma canção pode ter várias versões, historicamente
datadas), localizar o veículo que tornou a canção famosa, mapear os
diversos espaços sociais e culturais pelos quais a música se realizou,
em termos sociológicos e históricos (Napolitano, 2002, p. 59)

Ainda é importante ensinar os alunos a formular questões para as


fontes. Algumas delas são: ―O que esta fonte me informa?‖, ―O que
posso deduzir dessas informações?‖, ―Até que ponto posso acreditar
no que ela diz?‖,, e ―De que outra fonte necessito para complementá-
la ou confirmar o que está sendo apresentado?‖. (SCHMIDT;
CAINELLI; 2009 p. 118)

O forró e o Ensino de História


Acredita-se que a palavra forró teve origem na palavra forrobodó,
nome dado a eventos onde havia dança em música, no início do
século XX (ALBIN, 2006). Com o passar do tempo o significado do
termo foi se ampliando até acabar se tornando um termo guarda-
chuva, que engloba gênero musical, ritmo, dança, festa e espaço.
Apesar de todas essas perspectivas serem interessantes para uso
didático, neste estudo tratarei apenas do uso do forró no sentido de
gênero musical para o Ensino de História.

Apesar de ser considerado genuinamente nordestino, o forró surgiu a


partir de influências europeias e africanas (desde os povos
subsaarianos até os povos árabes) que foram reformuladas e
reinterpretadas pelo povo nordestino, do sertão ao litoral. Mas
buscando mais próximo na linha do tempo, podemos identificar
influências das cantigas de cantadores e violeiros, do lundu, das
bandas cabaçais, das danças de salão europeias, como o schottisch,
entre outras (LOPES, 2007) (ALBIN, 2002) (CARVALHO, 1999). Esses
diversos elementos faziam parte das práticas musicais rurais do
nordeste, mas essas práticas musicais ocorriam apenas em seus
espaços de origem e, portanto, não eram conhecidas a nível nacional.

Sua aparição a nível nacional se deu, ao menos de acordo com os


registros conhecidos hoje, a partir do início do século XX, quando
alguns grupos nordestinos passaram a se apresentar no Sudeste,
mais especificamente no Rio de Janeiro, então capital federal, e
conseguiram alcançar significativo sucesso. Alguns deles foram
Stefana de Macedo, Os Turunas da Mauricéia e Turunas
Pernambucanos. Mas foi a partir do trabalho de Luiz Gonzaga que
esses ritmos nordestinos passaram a ser formatados em um gênero
musical de canção urbana. Assim, pode-se dizer que antes de Luiz
Gonzaga havia um Forró rural, produzido, tocado e fruído apenas no
âmbito das áreas rurais nordestinas.

296
Em seu formato comercial, o forró apareceu como um instrumento de
afirmação de uma identidade nordestina. Numa busca intencional de
atingir um nicho específico de mercado – migrantes nordestinos no
Sudeste – Luiz Gonzaga passa a buscar influências musicais da zona
rural nordestina e formatá-las para a audição de um público urbano.
Isso permitiu que os mais diversos públicos pudessem apreciar sua
música, o que a tornou sucesso nacional. Mas foi essa preocupação
em atingir os gostos, desejos e sentimentos do migrante que fizeram
do forró muito mais que um gênero musical, mas também a própria
expressão de uma cultura nordestina. O forró fala de saudade, de
memórias, costumes, tradições, enfim, de um amplo espectro de
ideias que envolvem o Nordeste. E é exatamente por essa
complexidade que o forró se apresenta como um rico recurso para as
aulas de História.

Além dos temas citados, entre outros que podem ser trabalhados a
partir do forró estão memória, saudade, migração, relações familiares
e sociais, questões políticas, ambientais e econômicas,
representação, imaginário, cultura, identidade e tempo histórico, para
citar alguns.

Um dos temas cuja discussão pode ser ampliada a partir das músicas
de forró é o Cangaço. O Cangaço é, no ensino fundamental,
geralmente um conteúdo do 9º ano, incluído nos movimentos de
resistência na Primeira República. Para Pericás, ―Desde o início do
período republicano [...] as designações ―cangaço‖ e ―cangaceiros‖ já
eram mencionadas de modo constante em documentos ―oficiais‖,
como diligências policiais, sentenças judiciais e cartas entre
delegados para descrever bandidos sertanejos‖ (2010, p.14). E
mesmo antes a palavra cangaço já existia, embora talvez não com
essa acepção. Da mesma maneira já existiam anteriormente grupos
de banditismo rural, embora não de maneira epidêmica ou no
formato que foi visto durante a República Velha. Só entre 1919 e
1927 havia em torno de 54 bandos atuando no Sertão e no Agreste
Nordestino.

Existem diversas teorias que explicam a origem do termo cangaço.


Uma explicação é que veio da palavra canga, um tronco usado como
instrumento de tortura para escravos africanos e trabalhadores livres.
Daí teriam surgido ditos como ―nesse pescoço não se bota canga‖,
para exprimir altivez, independência e dignidade. Outra hipótese é
que teria vindo da cangalha ou canga de boi, que ligava o boi ao
carro, já que o carro de boi teve um papel importante na paisagem
rural nordestina e ajudou a construir uma ―imagem‖ do sertão. Neste
caso, o termo seria uma comparação com a dependência dos

297
cangaceiros dos coronéis, que impunham seu domínio sobre os
cangaceiros como um instrumento de tortura. (PERICÁS, 2010).

Seja qual for o significado original, existe uma grande controvérsia a


respeito dos cangaceiros. Enquanto alguns os consideram bandidos
perigosos, no imaginário nordestino eles geralmente aparecem como
heróis, sendo até mesmo tema de atrações turísticas. Qual é a razão
dessas visões tão opostas? A análise e discussão de algumas músicas
de forró pode ajudar a esclarecer o tema. Entre elas está a música
―Pirilampos – Homenagem a Lampião‖, da Banda de Pau e Corda. O
trecho abaixo fala de Lampião de maneira positiva, por causa de sua
valentia.

Você recado de gente


De cara valente que nem Lampião
Não tem mais cavalo e nem sela
E seu maço de vela já parou de queimar
Ê Cangaceiro,
Onde mora lampião
Mora junto de São Pedro
Lhe contando a região
Sertão, meu sertão
Onde está Lampião
O famoso cabra da peste
E Maria sua paixão
Nasceu na terra de valente
Onde a faca não só corta cana corta gente

Algumas outras músicas que fazem uma defesa ou exaltação à figura


de Lampião ou dos cangaceiros de maneira geral são: A ponteira e o
peão, interpretação de Flávio José, que passa uma imagem de herói
infantil; Pirilampos "Homenagem a Lampião", interpretação de
Alcymar Monteiro e Lampião Falou, interpretada por Luiz Gonzaga.

Outro conceito que pode ser trabalhado a partir das canções de forró,
utilizando-as como fonte histórica é o de representação, conceito que
figura entre os principais a serem trabalhados quando tratamos do
uso de música para o ensino de História. Isso porque é importante
que os alunos percebam que as ideias e imagens presentes na música
são apenas uma perspectiva, e não a verdade absoluta com relação
àquele fato ou elemento histórico. O que seria um problema porque,
segundo Chartier:

―As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros:


produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que
tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por ela

298
menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar,
para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.‖ (1982:17)

O ensino do conceito de representação é ainda mais urgente hoje,


pois numa época em que as fake news se alastram rapidamente e
acabam influenciando muitas pessoas e, frequentemente, que
perpetuam ou reforçam estereótipos, é importante que eles possam
discernir entre o que é útil e o que não é nessas informações.

Assim, se faz necessário mostrar aos alunos que diferentes discursos


são construídos através de representações, visando legitimar ou
construir ideias que beneficiem uma parcela da sociedade. E no caso
do Nordeste, o forró contribui para a construção de representações a
respeito da região. Que representações são essas? A quem elas
beneficiam? Por que as perpetuamos? Essas são algumas das
discussões que podem ser feitas a partir da análise e discussão de
músicas de forró.

Se o conceito de representação se faz necessário para o uso das


canções de forró no ensino de História então, consequentemente,
usamos também o de imaginário, já que de acordo com Silva e Silva:

―Imaginário significa o conjunto de imagens guardadas no


inconsciente coletivo de uma sociedade ou de um grupo social; é o
depósito de imagens de memória e imaginação. Ele abarca todas as
representações de uma sociedade, toda a experiência humana,
coletiva ou individual. (2009, p. 213)

Ou seja, as letras de forró que falam sobre elementos da cultura


nordestina, seus costumes, objetos, personagens, ajudam a construir
o imaginário coletivo de como é Nordeste. Estes elementos também
fazem parte do que é considerado patrimônio cultural nordestino

Claro que, apesar de ser considerado um gênero musical nordestino


(mesmo tendo sido transformado em canção popular urbana no
Sudeste), o forró pode ser utilizado para o Ensino de História nas
mais diversas regiões do Brasil, apenas fazendo ligeiras modificações
na condução das atividades.

Esses são alguns exemplos que demonstram que o forró pode ser um
rico recurso para o ensino de história através da análise de fontes
históricas. Este gênero musical alia o poder de encantamento da
música ao conteúdo histórico e à diversidade temática. Neste texto
foram apresentadas apenas algumas possibilidades para o uso do
forró como fonte histórica. Inúmeras outras podem ser aventadas

299
pelo professor de História de acordo com suas necessidades e as de
seus alunos.

Referências
Monaquelly Carmo de Jesus é mestranda em Ensino de História pelo
ProfHistória (UFS). Bolsista CAPES. Orientação: Prof. Dr. Fábio Alves.

ALBIN, Ricardo Cravo. (Org.) Dicionário Houaiss ilustrado da Música


Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Paracatu, 2006)

AZAMBUJA, L. Jovens alunos e aprendizagem histórica: perspectivas


a partir da canção popular. 2013. 500f. Tese (Doutorado em
Educação) – Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná,
Paraná. 2013.

BRODBECK, Marta. Vivenciando a História: Metodologia de Ensino da


História. Curitiba: Base Editorial, 2012.

CARVALHO, Gilmar de. Madeira Matriz: Cultura e Memória.


Annablume: São Paulo, 1999.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre práticas e


representações. Algás: DIFEL, 1982.

CHAVES, E. A música caipira em aulas de História: questões e


possibilidades.Curitiba, 2006. Dissertação (Mestrado em Educação),
Universidade Federal do Paraná, Paraná. 2006.

HERMETO, Miriam. Canção popular brasileira e ensino de História:


Palavras, sons e tantos sentidos. Belo Horizonte: Autêntica, 2012

LOPES, Ibrantina Guedes de Carvalho. Forró de pé-de-serra:


Descompasso entre letra e música. Recife. 2007. 61f. Monografia
(pós-graduação em letras com especialização em Cultura
Pernambucana). Faculdade Frassinetti, Recife, 2007.

NAPOLITANO, Marcos. História & Música: História Cultural da Música


Popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

PERICÁS, Luiz. Os Cangaceiros: ensaio de interpretação histórica.São


Paulo: Biotempo, 2010.

SCHMIDT, Maria; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo:


Scipione, 2009.

300
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de
Conceitos Históricos. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

SOBANSKI, Adriane et. al. Ensinar e aprender História: Histórias em


quadrinhos e canções. Curitiba: Base Editorial, 2012.

301
INFLUÊNCIAS VARGUISTAS NO ENTENDIMENTO DA MÍDIA
Nathalia Entringer Lorencini dos Santos
Wendel Jorge Rocha Fernandes

Visando o ensino da História por meio de imagens, músicas e outras


formas de apresentação e representação da história, abordaremos
neste projeto a relação entre social e o político, por meio da arte,
quando usada de forma atraente para o governo de Getúlio Vargas,
por meio da tecnologia da Radiodifusão; caminhando para o
desaparecimento de fronteiras entre o que é fantasiado e a realidade,
resultando em uma conquista em massa.

Durante o Estado Novo (1937- 1945 - governo de Getúlio Vargas)


havia a necessidade de consolidação do Estado Nacional de forma que
as questões relativas à cultura e identidade nacionais se tornaram o
foco principal da questão de unidade nacional.

A Propaganda foi um meio viável para uma consolidação de unidade


nacional por vias populares, tendo em vista a vasta extensão
territorial e continental, sendo precárias as redes viárias entre outras,
e considerando também o alto índice de analfabetismo,
impossibilitando a leitura; a propaganda por meio da radiodifusão
traz esse alcance pretendido e visado pelo regime getulista. Por meio
do programa de rádio ― Hora do Brasil‖ havia essa comunicação com
as áreas mais distantes. Com a criação do DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda), eram controladas a entrada de publicações
que fossem ―nocivas‖ aos brasileiros, seja do cinema, teatro, rádio e
imprensa, e com isso muitas músicas e programas foram vetados
pelo DIP.

Fig.1
Getúlio Vargas e a era do rádio

302
A Forma da Voz que Forma o Governo
Quando a escrita era a melhor forma de divulgar uma informação, as
casas brasileiras (em geral) tinham em suas salas de convivência:
obras de arte, imagens da família em tamanho grande e/ou imagens
de santos (normalmente católicos) posto no centro e em evidência
para todos que entravam no estabelecimento. Com a chegada do
rádio essas artes, imagens e santos perderam seu lugar de destaque
e centralidade, nas casas, para que as famílias sentassem ao redor
do aparelho radio difusor na hora de mais um capítulo de uma novela
ou programas humorísticos. Nos anos 1940 a rádio foi a melhor fonte
de informação que o brasileiro tinha acesso por ser uma comunicação
oral e ―virtualmente‖ distribuída de forma gratuita. Tento alcance
nacional acabou vencendo a escrita que exigia o mínimo de
intelectualidade e a distância que exigia recursos.

A linguagem e as técnicas de transmissão de conteúdo auditivo


criaram maneiras características de chamar a atenção e ―passar‖ ou
―dar a entender‖ uma credibilidade, ou seja, as notícias tinham que
ser entendidas como verdadeiras. Como as pessoas não podiam estar
presentes nos acontecimentos era necessário que o repórter usasse
elementos e recursos de voz e de sons para que quem ouvisse
entendesse que o que aconteceu havia realmente acontecido de fato.
Uma voz ―fraca‖ ou um tom de sarcasmo acabaria fazendo com que
as pessoas achassem que a notícia é falsa. Mas...

―Durante muitos anos a radionovela causou enormes comoções


sociais, exemplo clássico aconteceu em 1938 nos Estados Unidos da
América, onde o locutor Orson Welles narrou, usando somente sons e
silêncios sob a forma de uma cobertura jornalística, a invasão de
marcianos em The War of the Wolrds, baseado no livro de H.G.Wells,
de 1898, assustando todos os americanos. Muitos dependiam de
rádio e acreditavam piamente na programação radiofônica, assim
acreditaram que o planeta terra estava sendo realmente invadida por
marcianos‖. [Apostila – Rádio na Escola, pg:11]

Com esse acontecimento podemos notar a grande adesão ao rádio e


seu poder de convencimento. Uma coisa que foi criada no rádio e que
funciona nas tvs até hoje são as vinhetas que servem para identificar
um programa ou um locutor. Hoje em dia podemos mencionar o som:
―plin-plin‖, quando aparece o símbolo da rede globo ou quando toca
uma música mais agitada e todos na sala param de conversar por
que tem uma notícia de última hora e importante que vai começar.

Essas estruturas e linguagens geraram ao longo dos anos um ―passo


a passo‖ que a propaganda utiliza muito bem, quando quer chamar a
atenção para um determinado produto ou te convencer de alguma

303
coisa. Getúlio Vargas, utilizou-se muito bem da comunicação para
difundir o Nacionalismo (em sua época) e censurar possíveis ameaças
contra a ideologia aplicada por ele. Nenhuma matéria jornalística é
puramente imparcial, é impossível construir uma notícia que não
tenha um ponto de vista ou não tenha alguma tendência. Vargas deu
uma direção aos radialistas com a criação do DIP (departamento de
Imprensa e propaganda) Getúlio conseguia dar maior visibilidade ao
Brasil no mundo e impedir quem fosse contrário, além de limitar o
acesso a informações por parte dos jornalistas e da população.

Já que o rádio só lida com um dos 5 sentidos, o locutor tem o


trabalho de passar a imagem, o cheiro e o sabor pelo som. Ele deve
utilizar de artifícios linguísticos para mexer com a imaginação do
ouvinte. No caso de manipular uma informação fica muito mais fácil,
podemos ser traídos por nossos ouvidos (quando pensamos ouvir o
barulho do mar e na verdade era só o chiado da televisão ou o som
de uma moto que na verdade era uma serra elétrica que faz um som
parecido). No caso da época de Getúlio Vargas o rádio era o melhor
veículo para mostrar que o Brasil estava indo muito bem em seus
avanços.

Conclusão
E como visto anteriormente, aquilo que ouvimos pode nos convencer
de algo quando não temos os outros pontos a respeito do fato. A
partir desse breve estudo levamos a seguinte questão à reflexão
sobre o que nos é apresentado diariamente, seja nas escolas,
faculdades, ou mesmo no dia a dia em um simples bate papo; qual é
a história ou a narrativa que mais se aproxima do fato em si? E para
essa pergunta, acredito que a melhor resposta seria um afastamento
do fato para um olhar mais puro, fora de influências que acabam por
nos cegar. E mais, para um historiador, quanto mais tempo passado
do fato, mais neutro ele se torna; pois nos dias atuais tem-se
diversas notícias circulando concomitante ao evento ou fato ocorrido,
isso por meio das mídias,gerando uma carga de informações por
vezes distorcidas, ou mesmo ―manipuladas‖.

O ensino da História requer apresentação dos fatos, mas de maneira


com que sejam abordadas e apresentadas todas as linhas
historiográficas possíveis, de forma que isso sirva como base para
uma escolha do sujeito ou mesmo para uma demonstração
verdadeira das facetas da historiografia, pois a História é única, o fato
em si. E da mesma forma como a escrita pode apresentar diversas
visões sobre um fato, a música, o rádio, as propagandas e o cinema
também podem ser tendenciosos, pois, neutralidade não há.

Referências

304
Nathalia Entringer Lorencini dos Santos é graduanda em História pela
Universidade Católica de Petrópolis. Pesquisadora bolsista CNPq na
área de Hermenêutica e História das Ideias Metafísicas: Ideia de
Finalidade, da Filosofia Antiga ao Idealismo Alemão; e, atualmente,
Tecnologia e Visão Científica de Mundo: Perspectivas em Ontologia e
Ética Contemporâneas com a Coordenação do Prof. Doutor Thiago
Leite Cabrera Pereira da Rosa. Atuando pela mesma universidade,
como pesquisadora voluntária, nas áreas de filosofia medieval, e,
direitos humanos e retórica. Integrante do Núcleo de História e
Memória Institucional da UCP.

Wendel J. R. Fernandes é graduando em filosofia pela Universidade


Católica de Petrópolis. Atua pela mesma universidade como
voluntário no grupo de observatório de História, Educação e Cultura
[HECO] Coordenado pelo Prof. Doutor Carlos Eduardo Rebuá Oliveira
e como bolsista, pela Fundação Dom Cintra, na Pesquisa Tecnologia e
Visão Científica de Mundo: Perspectivas em Ontologia e Ética
Contemporâneas, Projeto da Linha de Pesquisa História das Ideias
Metafísicas pertencente ao Grupo de Estudos em Filosofia
Hermenêutica e História as Ideias Filosóficas com a Coordenação do
Prof. Doutor Thiago Leite Cabrera Pereira da Rosa. Formado em
Técnico em Comunicação Social pelo Colégio Estadual Dom Pedro II.

FAUSTO, Boris & FAUSTO, Sérgio. História do Brasil – 14.ed. São


Paulo; Editora da Universidade de São Paulo, 2015.

SANTOS, Raphael Alario dos. Apostila - Rádio na Escola, ano 2010.


Pág.11. Disponível no site:
http://www.mnemocine.com.br/index.php/downloads/cat_view/97-
apostila-radio-na-escola acessado em 11/04/2018.

VICENTE, Eduardo. MÚSICA POPULAR E PRODUÇÃO INTELECTUAL


NOS ANOS 40. Disponível em:
http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/66.pdf, 2018.

305
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA: UM OLHAR SOBRE O EGITO
Nathália Machado Freire de Arruda

Este trabalho busca fazer uma relação entre a metodologia de ensino


de imagens com o ensino de história, sobre tudo com relação à
civilização egípcia e como essa ferramenta pode auxiliar no ensino de
história.

Utilizar a analise de imagens em sala de aula nos fornece diferentes


interpretações da história, além de apresentar uma grande riqueza de
informações e detalhes. Possibilitando o professor a utilizar imagens
como fontes históricas, trabalhando em conjunto com outras matérias
que servirão de auxilio ao entendimento das mesmas.

Voltando-nos para o ensino de História Antiga vemos a relevância de


este período ser estudado, pois é de extrema importância para a
formação do individuo além de contribuir para a construção de
conhecimentos significativos. Serraze (2014) firma isso quando diz
que está área do conhecimento tem muito a contribuir para o
conhecimento dos indivíduos, pois permite compreender as
transformações socioeconômicas, políticas e culturais que estamos
vivenciando, desenvolver valores e construir identidades.

No que se refere ao ensino de história devemos levar em


consideração que não podemos nos limitar a um enfoque meramente
disciplinar, Jonas Roque Ribeiro (2013) fala que estudar o passado
significa fazer referencia às múltiplas existências dos seres humanos
no tempo, atravessado por um conjunto de conhecimentos e aspectos
que não podem ser ignorados.

―Estudar a experiência humana não pode se limitar à história político-


administrativa, das guerras ou da economia. É preciso considerar o
pensamento simbólico tão caro à antropologia, assim como o
significado das festas, dos rituais e de suas produções artísticas.‖
(RIBEIRO, 2013. Pag.3)

Funari (2007) afirma que a História, em especial a Antiga, não se faz


apenas com documentos escritos, mas também com a cultura
material, com o estudo arqueológico de edifícios, estátuas, cerâmicas,
pinturas, entre outras categorias de artefatos. Fazendo uso da analise
de imagens podemos trabalhar vários desses aspectos ao mesmo
tempo. É seguindo esta linha de pensamento de analisar as
produções artísticas, as festas e os rituais de uma civilização, para
conhecer mais a mesma que, analisar os registros desses

306
acontecimentos juntos com os alunos possibilita uma maior
compreensão sobre o povo que esta sendo estudado.

Trazer esta nova abordagem para a sala de aula é uma alternativa


para despertar nos alunos o interesse pelo que esta sendo trabalhado
em sala, pós como professores temos a consciência de que alguns
alunos não tem interesse em estudar as antigas civilizações, pois as
consideram muito distante do seu cotidiano, por isso acabam tendo
pouco interesse pelo assunto. Utilizando essa abordagem da analise
de imagem na sala de aula faz com que a aula fique mais lúdica e
estimule o interesse dos discentes no assunto trabalhado.

Ao optarmos por utilizar esta metodologia em sala de aula, devemos


ter a consciência e o cuidado para que a imagem seja utilizada como
forma de conhecimento e aprendizagem, e não meramente de
enfeitei, sem ser devidamente explorada. Lits (2009) fala que
qualquer imagem tem que ser bem utilizada e explorada da melhor
forma possível, e quando necessário fazer a utilização de textos,
dessa forma, se constituirá em uma autêntica fonte de informação,
de pesquisa e de conhecimento, a partir do qual o aluno pode
perceber diferenças e semelhanças entre épocas, culturas e lugares
distintos.

A autora ainda afirma que o uso de imagens em sala de aula, é uma


das formas mais eficazes, utilizadas como recurso pedagógico, no
ensino de história para incrementar o processo de aprendizagem, já
que sua utilização possibilita uma forma de interpretação da história,
em determinados períodos ou épocas, vistos que tem uma maior
riqueza de informações e uma grande quantidade de detalhes.

Com relação ao Egito, temos um bom acervo de materiais, que


podem ser facilmente encontrados na internet, uma vez que os
mesmo faziam uso de diversos suportes para registrar sua história.
Emanuel Araujo, autor do livro ‗Escrito pra a eternidade‘, nos diz que:
―Para escrever seus textos os egípcios utilizavam diversos suportes.
Um dos mais conhecidos é a superfície de paredes, colunas e portas
dos templos e túmulos, onde se encontram narrados os feitos dos
soberanos, mas também um grande número de autobiografias e
matéria religiosa.‖ (Araujo, 2000, p. 28)

Quando estudamos a arte egípcia encontramos uma padronização,


chamado de Cânones, que segundo Araujo nada mais é do que o
conjunto de normas especiais, regras, modelo e padrões que
deveriam ser repetidos nas obras. Portanto, vemos que não havia
alterações no estilo, Silva (2006) afirma que é devido a essa
padronização que nos deparamos frequentemente com a repetição de

307
dois temas, cotidiano e religioso, além de observamos que os
desenhos eram feitos em construções bidimensionais.

Acerca dos padrões e regras na arte egípcia, Gombrich (1999) diz


que:

―Os homens eram sempre pintados com a pele mais escura do que as
mulheres; a aparência de cada deus egípcio era rigorosamente
estabelecida. Hórus, o deus-céu, tinha que ser apresentado como um
falcão ou com uma cabeça de falcão; Anúbis, o deus dos ritos
funerais, como um chacal ou com uma cabeça de chacal.‖
(GOMBRICH, 1999, p. 65).

Silva aborda algumas características presente na arte egípcia de vido


a essa padronização:

―Os olhos e o torso nunca estão de perfil, já os membros superiores e


inferiores são colocados de perfil ―deformando‖ a lógica da
observação natural da figura. As estátuas são esculpidas como ―um
todo‖, deixando os membros ―colados‖ ao corpo; Para representar
duas ou mais pessoas organizava-se uma relação de posição social,
quem fosse ―mais importante‖ seria representado maior e à direita do
subsequente.‖ (SILVA, 2002, p.32).

Emanuel Araujo complementa falando sobre as cores da arte egípcia,


onde ele diz que:

―Obtinha-se uma variada gama de cores com o preto do carvão, o


branco do cal, o ocre vermelho (rico em hematita), o ocre amarelo
(rico em limonita), o verde da malaquita e o azul da azurita ou um
composto de silício, cobre e cálcio.‖ ( ARAUJO, 2000, p. 31)

Podemos encontrar nas imagens abaixo, as características citadas à


cima por Gombrich, Silva e Araujo.

308
Fig.1
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bd/Tomb_of_Neb
amun.jpg

Nesta imagem da capela Funerária de Nebamun, podemos visualizar


o Faraó com sua mulher e filha no rio Nilo, nesta cena o mesmo está
caçando as aves selvagens com o auxílio do seu gato e fazendo uso
de um bastão para realizar a tarefa, enquanto sua filha esta pegando
uma flor de lótus. Podemos ver um dos temas que são frequentes
nessa arte, essa imagem retrata o cotidiano.

Podemos trabalhar as regras citadas a cima, e ver que o Faraó


Nebamun por sua relevância na hierarquia esta representado no
centro e maior que as demais pessoas presentes na imagem.
Encontramos também a questão do tom de pele: o homem tem um
tom mais escuro que as mulheres, como podemos perceber na
gravura a cima. Podemos também ter um visão perfeito de como os
corpos eram representados nos seus melhores ângulos, dando uma
impressão de deformidade.

Já a próxima imagem, que vamos analisar é voltada pra o outro tema


bastante frequente que é o tema religioso, podemos ver na

309
representação à baixo a cena de uma moça de pé orando diante do
deus Rá, que esta sentado em seu trono. Podemos observar a
questão das representações dos deuses, que segundo Gombrich, era
rigorosamente pré-estabelecida, além da questão da representação
das pessoas, onde novamente encontramos a questão do tamanho
ligado a hierarquia.

Fig.2
http://ceres.mcu.es/pages/Main?idt=297&inventary=3519&table=FM
US&museum=MAN

310
Vemos logo no inicio deste texto que o professor encontra milhares
de barreiras para passar o assunto para os alunos e para fazer os
mesmo se interessarem por o conteúdo que está sendo trabalhado.
Existem varias ferramentas para deixar a aula mais dinâmica e
interessante para os docentes, como a utilização de filmes, de jogos,
de revistas em quadrinho, neste trabalho temos como ferramenta a
analise de imagens.

Ao levar esta metodologia para a sala de aula, podemos propor para


o docente a fazer essa analise junto com o professor, a buscar
reconhecer os elementos presentes na imagem. Assim o mesmo
acaba aprendendo mais sobre essa civilização de uma forma diferente
e com mais detalhes, saindo do padrão de associar o Egito somente
as pirâmides. Podem ser realizadas atividades com os mesmo para
que escolham imagens e tentem fazer só essa analise, com o
conhecimento prévio das aulas. Assim os docentes acabam tendo um
contato maior com o assunto, fazendo o assunto se tornar mais
concreto e saindo do imaginário do mesmo.

Referências
Nathália Machado Freire de Arruda, Graduanda licenciatura em
História pela Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Mata
Norte. Integrante do Grupo de pesquisa Leitorado Antiguo: grupo de
ensino, pesquisa e Extensão em História Antiga (UPE).

Capela Funerária de Nebamun. British Museum, London. In


http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bd/Tomb_of_Neb
amun.jpg

Estela funerária de Taeshert. Museu Arqueológico Nacional de


España. In
http://ceres.mcu.es/pages/Main?idt=297&inventary=3519&table=FM
US&museum=MAN

ARAÚJO, Emanuel (org.). Escrito para a Eternidade: a literatura no


Egito Faraônico. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; São
Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem / Peter Burke;


tradução Vera Maria Xavier dos Santos; revisão técnica Daniel Aarão
Reis Filho. – Bauro, SP: EDUSC, 2004.

GOMBRICH, Ernst H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas


e propostas - 5. ed. São Paulo : Contexto, 2007.

311
LITS, Valesca Giordano. O uso da imagem no ensino de história.
Curitiba, 2009. Disponível em
<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1402-
6.pdf>

RIBEIRO, Jonatas Roque. História e ensino de História: Perspectivas e


abordagens. Educação em Foco, Edição nº: 07, Mês / Ano: 09/2013.

SILVA, Rita Tatiana. Do cânone à criação: A simbologia usada na


representação do Faraó Akhenaton. São Paulo, 2006. Disponível em:
< http://livros01.livrosgratis.com.br/ea000416.pdf >

SERRAZES, Karina Elizabeth. Fundamentos e métodos do ensino de


História: algumas reflexões sobre a prática. In: XXII ENCONTRO
ESTADUAL DE HISTÓRIA, 1., 2014, São Paulo. Anais do XXII
Encontro Estadual de História da ANPUH-SP. São Paulo: ANPUH,
2014.

KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer história com imagens: Arte e


cultura visual. João Pessoa, 2005. Disponível em:
<http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF12/ArtCultura%2012_knauss
.pdf >

312
TECNOLOGIA E ENSINO DE HISTÓRIA: PROPOSTA DE USO DO
GOOGLE STREET VIEW COMO FORMA DE CONHECER O CENTRO
HISTÓRICO DE MACAPÁ
Paulo de Mendonça Mafra
Jelly Juliane Souza de Lima

Introdução
Nos últimos anos mudanças possibilitaram incluir a tecnologia no
Ensino de História. Nas instituições escolares, como forma de
acompanhar as novas exigências, novos parâmetros e conceitos de
ensino-aprendizagem buscam na tecnologia um modo de diversificar
a educação (Oliveira, 2013, p. 11). No entanto, leva-se em conta que
o estudo da tecnologia ―por si só não aumenta o desempenho dos
alunos, mas o estudo visa também alertar a capacidade do professor
em despertar e manter a atenção dos seus educandos (Oliveira,
2013, p. 11)‖. É preciso avaliar de forma prática como a inserção da
tecnologia pode de fato contribuir no ensino de história no processo
de novas aprendizagens históricas.

No que se refere a tecnologia, esta pode ser muito diversificada.


Como exemplo dessa relação entre tecnologia e ensino de História,
professores e alunos de qualquer parte do mundo a partir de cliques
passaram a fazer passeios virtuais em museus como o Louvre na
França. E se a partir de um clique algo semelhante pudesse ser feito
de qualquer parte do Estado do Amapá? É importante destacar que
ao investigar processos que envolvem tecnologia e ensino de História,
procuramos saber: qual é a possibilidade de aplicar esta proposta
para o ensino de História na sala de aula em Macapá? Quais seriam
as reações dos professores e alunos sobre a presente proposta?

Nesse sentido, como objetivo geral procuramos analisar como a


tecnologia pode ser uma ferramenta que pode ajudar a conhecer
melhor o Centro Histórico de Macapá e como este conteúdo poderia
ser aplicado no ensino de História na sala de aula. Como objetivo
geral o projeto propõe analisar o uso da tecnologia Google Street
como recurso didático a ser utilizado no Ensino de História. Para
efetuar o presente projeto, objetivos específicos devem ser traçados,
tais como: fazer levantamentos sobre as informações dos aspectos
históricos do Centro de Macapá;mapear o patrimônio cultural do
Centro Histórico de Macapá;fazer relações entre a expansão atual da
cidade de Macapá e o patrimônio cultural;gerar informações que
visassem ―alimentar‖ a ferramenta Google Street View;testar a
aplicabilidade da ferramenta Google Street View após a ―alimentação‖
das informações históricas e finalmente fazer um balanço sobre a

313
aplicabilidade da ferramenta Google Street View na sala de aula e no
Ensino de História.

A presente pesquisa tem como tema o uso da tecnologia como


recurso a ser utilizado no ensino de História. Como a pesquisa ainda
está na fase inicial, procuramos apresentar neste texto a mesma
como uma proposta.

A cidade como objeto de estudo


O Estado do Amapá e sua capital Macapá, situa-se no lado esquerdo
do rio Amazonas na região norte do Brasil (figura 01).

Figura 01: Localização da cidade de Macapá. Mapa elaborado por


Gambim Júnior, 2018.

A cidade de Macapá e a parte central da capital apresentam certas


especificidades que contribuíram para a escolha desta como objeto
desta proposta inicial de pesquisa. Nela temos a presença dos
primeiros europeus que se estabeleceram na região, por volta do
século XVIII. Hoje a maior parte dessas histórias encontram-se
abaixo do asfalto ou foram destruídas ao contrário das construções
monumentais como a Fortaleza de São José de Macapá que
continuam erguidas (figura 02). Outras construções de médio porte
como a antiga Igreja São José e a Intendência de Macapá precisam
de constantes ações de preservação. Como se pode observar, o
Centro de Macapá possui um rico patrimônio cultural.

314
Figura 02: Imagem antiga (à esquerda) e recente (à direita) da
Fortaleza de São José de Macapá.

Boa parte do desenho urbano da cidade de Macapá se projetou a


partir do centro onde encontramos moradias e estabelecimentos
comerciais de diferentes formas.

Com o desenvolvimento urbano do centro de Macapá, locais como a


Fortaleza de São José de Macapá, a Igreja de São José e a antiga
Intendência de Macapá, que fazem parte do ―quebra-cabeça‖ do início
do processo da colonização, correm o risco de ficar invisibilizados,
devido as constantes intervenções construtivas. Outro problema, por
exemplo, é o tráfego de carros vem abalando a estrutura da antiga
Igreja São José.

Em relação ao patrimônio cultural da cidade, eventos como o Café


com patrimônio no IPHAN/AP, ocorrido em Outubro de 2017,
expressaram discussões e sugestões como exemplo, a Carta
Arqueológica na região Metropolitana de Macapá e Santana AP
(Gambim Júnior, Lima, Gazel & Silva, 2018) que visa preservar os
bens da cidade, que devido à expansão urbana encontram-se
ameaçados.

Sem ações de preservação, as pessoas que transitam na área urbana,


como o centro, podem ficar impossibilitados de reconhecer a história
e memória coletiva nos marcos culturais dessa cidade.

Em várias cidades contemporâneas, temos o que podemos chamar de


uma verdadeira cidade oculta, onde ―[todos os dias, sem que
ninguém perceba arqueólogos escavam camadas da História de São
Paulo. Eles podem encontrar peças de uso doméstico de décadas
atrás. Ou revelar segredos de um imperador‖. (Fonte: National
Geographic, 2014).

O parágrafo acima se refere a um trecho da National Geographic que


demonstra os estudos que dão importância para a história da cidade
de São Paulo e que podem revelar diferentes e pequenas histórias

315
que revelam universos domésticos ou mesmo aspectos da vida da
família imperial.

Desta forma, uma abordagem teórica que está diretamente


relacionada com o estudo das cidades é o que têm-se chamado de
arqueologia urbana, definida por Staski (1982 como ―o estudo das
relações entre cultura material, comportamento humano e cognição
em um ambiente urbano‖. Um dos principais objetivos deste tipo de
pesquisa visa ―aprofundar as reflexões e os conhecimentos históricos
sobre esses microcosmos (definição do dicionário Merriam Webster de
microcosmos: um pequeno mundo) em que muitas das sociedades do
passado escolheram viver‖ (Kern, 2017, p. 15-16).

A partir desta perspectiva é necessário entender o processo histórico


e as mudanças ocorridas no Centro Histórico de Macapá. Ao levar em
conta questões das causas do desenvolvimento e mudanças
ocorridas, emerge o que Fernand Braudel (1965) chamou de História
de longa duração. Da mesma forma, Kern (2017, p. 16) relaciona o
processo histórico e de urbanidade com a história de longa duração
diretamente com a história do povoamento das primeiras cidades no
Brasil.

Conforme Madeira (2008) a urbanidade é crescente no mundo todo e


sua consequência é a perda dos dados arqueológicos, fontes
essências para recuperar as memórias de uma cidade e de sua
identidade. A Arqueologia praticada no meio urbano, como indicam
Tocchetto e Thiesen (2007) trazem à tona ―questões relacionadas ao
potencial arqueológico, os riscos de destruição, instrumentos de
preservação, o que e onde pesquisar, relação com a cidade e
sociedade, entre outras‖, e para isso, nenhum local deve ser pensado
de forma isolada.

Ao trazer a presente proposta esperamos incentivar meios diferentes


de aprendizagem em História que ajudem a dinamizar e incluir novas
formas de conhecimento no contexto escolar ao valorizar a história
local. Mas afinal, como a cidade e a Arqueologia podem contribuir
com o ensino de História?

A proposta
Esta proposta de pesquisa será feita em dois momentos. No primeiro
serão feitos levantamentos de fontes sobre o início da formação
histórica da área central de Macapá. Outros documentos como
relatórios de pesquisa arqueológica devem ser baixados a partir de
buscas no Sistema eletrônico de informações do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

316
Para dar corpo a pesquisa, são utilizados arquivos municipais, antigos
planos urbanos de época e fotografias antigas. Todas as informações
vindas do levantamento históricos deverão ser adequadas para uma
linguagem mais acessível no intuito de serem utilizadas no ensino de
História na sala de aula. No segundo momento as informações vindas
do levantamento histórico serão a base de alimentação da ferramenta
tecnológica.

A ferramenta tecnológica escolhida para receber as informações


históricas é o Google Street View. Sobre o usos da tecnologia no
Ensino de História, Oliveira (2011, p. 12) destaca que em uma ―nova
perspectiva de compreensão entre pessoas e tecnologia é visível
perceber que essas novas formas de sociabilidade no ciberespaço,
são geradores e determinantes para a formação da identidade‖.

O Google Street View é um recurso do Google Maps e do Google


Earth que disponibiliza vistas panorâmicas de 360° na horizontal e
290° na vertical e permite que os usuários (utilizadores) vejam
partes de algumas regiões do mundo ao nível do chão/solo. Quando
foi lançado, em 25 de maio de 2007, apenas cinco cidades
americanas haviam sido incluídas. Desde então já se expandiu para
países além dos Estados Unidos como a Austrália, Japão, Brasil.

Em 2011, equipes do Google estiveram na Amazônia brasileira no


intuito de registrar a biodiversidade local. Trechos do Rio Negro e
comunidades próximas, no estado do Amazonas, foram fotografadas
para o serviço Street View. No entanto, como as características da
região amazônica são peculiares o Google Street View teve que se
adaptar. As imagens do Rio Negro foram capturadas por barcos com
câmeras, e em terra triciclos acoplados com câmeras (em vez do
carro que normalmente faz as fotografias nas cidades, mas que não
poderia circular pela floresta) de modo a mapear as comunidades da
região, adaptando a ferramenta tecnológica à realidade amazônica.

No âmbito cultural, o Google Street View tem sido aplicado em


Museus no exterior com o intuito de socializar e oportunizar que
pessoas sem recursos disponíveis e professores possam fazer ―tour‖
virtuais e conhecer instituições. No ensino na sala de aula, a proposta
de uso do Google Street View se dará como uma ―viagem virtual‖, na
qual por meio desta ferramenta, os alunos poderão conhecer e
aprender sobre a história local, sem sair da sala de aula.

Através do uso destas tecnologias aplicadas ao ensino, o professor,


junto aos seus alunos, poderá ―valorizar pequenos lugares, pequenos
pontos do monumento‖ (Santos, 2015). Desse modo, procura-se
abranger o conteúdo de História em suas novas formas de

317
abordagem, que facilitam o processo de ensino e aprendizagem, ou
seja, esse processo deve estar incluso na construção de um aluno
reflexivo e não mecânico, e de práticas planejadas e discutidas antes
de serem aplicadas.

Referências
Paulo de Mendonça Mafra é discente de História da Universidade
Federal do Amapá-UNIFAP e de Arquitetura e Urbanismo do Centro de
Ensino Superior do Amapá-CEAP.
Jelly Juliane Souza de Lima é graduada em Licenciatura em História e
Mestra em Arqueologia. Atualmente está vinculada ao Centro de
Estudos e Pesquisas Arqueológicas do Amapá-CEPAP da Universidade
Federal do Amapá-UNIFAP.
Os autores deste texto agradecem ao professor Dr. Adalberto Junior
Ferreira Paz da Universidade Federal do Amapá-UNIFAP pela
oportunidade de produzir na disciplina estágio supervisionado III a
presente proposta.

BRAUDEL, F. História e Ciências Sociais: a longa duração. Revista de


História, v. 30, n. 62, p. 261-294, 1965.

KERN, A. Uma problemática da Arqueologia e da História: a cidade e


seus territórios. Cadernos de História, v. 18, n. 28, p. 15-27, 2017.

GAMBIM JÚNIOR, A; LIMA, J; GAZEL, L & SILVA, M. Projeto de


Elaboração da Carta Arqueológica na região Metropolitana de Macapá
e Santana AP. 2018.

MADEIRA, S. P. F. O Museum of London e a arqueologia urbana: um


exemplo de gestão arqueológica do espaço urbano e sua possível
aplicação ao território português. Dissertação de Mestrado, 2011.

OLIVEIRA, T. S. O uso das novas tecnologias no ensino de história: o


blog como ferramenta educativa no ensino médio. Universidade
Estadual da Paraíba, 2013.

SANTOS, T. Proposta de utilização do Google Street View na


Disciplina de história no Ensino médio. In: Seminário de Pesquisa,
Pós-Graduação e Inovação Araranguá, 2015.

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(ed.), Advances in Archaeological Method and Theory, vol. 5, New
York: Academic Press, pp 97-149, 1982.
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do patrimônio arqueológico em áreas urbanas. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, v. 33, p. 175-199, 2007.

318
ASSISTINDO À CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA:
UM ESTUDO DO FILME NARRADORES DE JAVÉ
Valdemir Paiva
Pedro Henrique Caires de Almeida

As metodologias para o ensino de história vêm se alterando nos


últimos anos em busca de dinamizar a veiculação de conteúdo
utilizando recursos pedagógicos com outras linguagens. Neste intimo,
nossa proposta de trabalho consiste em buscar realizar
problematizações possíveis acerca da produção historiográfica, da
relação entre pesquisador(a)/fonte e os interesses para a produção
de história que serão suscitados a partir do filme Narradores de Javé.

Cabe destacar que o cinema é uma importante fonte de pesquisa


histórica, pois as tramas dos filmes geralmente apresentam discursos
e ideologias que expressam o contexto pessoal, histórico e político de
sua produção. Kátia Maria Abud (2003), no seu artigo A construção
de uma didática da História: algumas ideias sobre a utilização de
filmes no ensino, aponta como fatores responsáveis pela preferência
dos filmes: ―[...] a enorme atração que a produção fílmica ainda
exerce, a disseminação e a acessibilidade das fitas de vídeo [...]‖
(2003, p.183).

Narradores de Javé se trata de um filme nacional, produzido em 2003


por Eliane Caffé, que apresenta o drama do vilarejo no interior do
nordeste brasileiro de nome Vale de Javé. Ameaçados pela inundação
de uma represa, consequência da construção de uma barragem, a
pequena vila se encontra em uma intensa discussão entre seus
habitantes que buscam solucionar o problema.

Frente a este problema, a solução é encontrada na escrita de um livro


que mostrasse a importância histórica da cidade enquanto
patrimônio, pois, segundo informações passadas a alguns cidadãos do
vilarejo, somente algo de caráter científico, ou oficial, poderia impedir
o avanço da obra da represa. Ou seja, se a população provasse que a
cidade tinha valor histórico, ela poderia, na visão de seus moradores,
ser tombada como patrimônio histórico e, assim, ser salva.

Neste primeiro momento nos deparamos com uma indagação


relevante para a problemática em que o filme se estruturará e que
também conduz a pensar sobre o interesse da pesquisa
historiográfica que se dá sempre no presente e pela alguma
necessidade social, política, econômica ou patrimonial.

319
O referido filme apresenta vários temas que têm relação com a
[feitura da] História, como por exemplo: a História oral, a relação
História e Memória, os conflitos da História Oficial e a chamada
história popular, além da problemática sobre os limites entre a
construção do fato histórico e o artefato literário. Com a ameaça de
inundação de suas terras, os moradores, sempre contrários à
literatura (onde até a agência de Correios correu o risco de ser
fechada), precisam ceder à prática da escrita. Para Rogério Marques:
―A escrita é o modo, o saber especializado de comunicação e de uso
político que Javé terá que se enquadrar para se fazer presente frente
ao Estado‖.

O ―livro da salvação‖, assim como é denominado ainda em branco por


um dos personagens, será escrito por Antônio Biá, único habitante da
cidade que sabia ler e escrever, e que diante do desespero da
população foi levado à missão de transformar os contos sobre a
chegada dos seus antepassados em história, ou fazer uma ―escrita
científica‖ e não uma ―pataquada‖, como explica o mentor da ideia do
livro, referindo-se às mentiras contadas pela população sobre a
fundação da cidade. Assim, a partir do relato de cada morador, a
história haveria de ser feita. Portanto, a oralidade seria a fonte para o
agora então ―historiador‖.

De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de História


Contemporânea do Brasil CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas,
caracteriza-se como História Oral:

―[a] metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas


gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre
acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros
aspectos da história contemporânea. Começou a ser utilizada nos
anos 1950, após a invenção do gravador, nos Estados Unidos, na
Europa e no México, e desde então difundiu-se bastante. Ganhou
também cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre os
que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas políticos,
sociólogos, pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros. No
Brasil, a metodologia foi introduzida na década de 1970, quando foi
criado o Programa de História Oral do CPDOC‖.

Antônio Biá deve registrar, pois, as histórias contadas oralmente


pelos moradores. Histórias na maioria das vezes ambíguas, confusas,
imaginárias e que ora se complementam ou se repelem. Conforme
traz o historiador Rogério Marques: ―É realizado um trabalho de
construção de uma memória, na medida em que os narradores de
Javé apelam para o morador que detém o poder simbólico da escrita
e do documento‖.

320
Michel de Certeau alerta que o processo de análise das fontes,
representada aqui pelos contos da população, é uma processo que
deve ser realizado friamente para a tradução em uma linguagem
todas as transformações sociais (CERTEAU, 1982).

O primeiro passo é buscar, selecionar e mapear as fontes:―este gesto


consiste em ‗isolar‘ um corpo, como se faz em física, e em ‗desfigurar‘
as coisas para constituí-las como peças que preencham lacunas de
um conjunto a priori‖ (CERTEAU,1982, p.73). As histórias contadas se
encontram e divergem no lendário Indalécio, pioneiro que guiou a
população e o sino, símbolo mais importante para a população, para
a região onde, mais tarde, se instalaria o povoado de Javé.

―O acontecido não é como o escrito, a história é melhorada na escrita


para se acreditar no acontecido‖, é o que Antônio Biá destaca após
ouvir uma história com poucos elementos que atraísse o contexto de
formação do Vale.

Como destaca Maria Aparecida Bergamaschi (2010), a História de


Javé é contada ligeiramente diferente e sob diversas perspectivas.
Algumas privilegiando uns ou outros supostos personagens icônicos.
A história de fundação da cidade é permeada por acontecimentos
gloriosos como quase todo mito de formação de povos e países. Os
moradores tentavam conferir legitimidade aos fatos apresentando
fotografias de antepassados e seus objetos pessoais.

De acordo com Certeau (1981, p. 71): ―Falando em geral, cada


sociedade se pensa ‗historicamente‘ com os instrumentos que lhe são
próprios‖. É assim com o primeiro relato ouvido por Antônio Biá, feito
por Vicente, ao mencionar a certeza em ser descendente direto de
Indalécio quando apresenta uma arma que supostamente serviu a
esse herói javélico, quando matou um boi para alimentar o seu povo.
Delegando assim ao objeto um simbolismo embalsamado de muito
sentimento e que é chave de acesso da historicidade do seu povo.

O surgimento de Javé, no conto da personagem Deodora, menciona a


batida em retirada que o povo teve após uma guerra com a coroa
Portuguesa. Exibindo a marca de descendência direta de Maria Dina
em um dos seios, Deodora celebra a mulher que guiou o povo e
cantou as fronteiras do Vale de Javé, sendo assim ―mulher que de
fato teve importância‖. Anunciando o seu ―local de fala‖ (assim como
outros narradores apresentam), a versão apresentada por Deodora
entra em contradição com a história do personagem Firmino, ao
contar que Indalécio supostamente teria morrido de disenteria e que
a Maria Dina seria uma feiticeira com problemas mentais. Em uma

321
votação para escolher qual das duas histórias deveria ser registrada
como a verdadeira, a personagem Maria vota duas vezes, afirmando
que ―não dá para contar uma história sem deixar a outra‖,
conduzindo a pensarmos nas versões interpretativas que a história
possibilita.

Quando dizemos ―lugar fala‖, nos referimos à uma expressão que


está aparecendo em muitos movimentos sociais e nas universidades e
que no filme se apresenta sutilmente, merecendo ser esclarecida. A
expressão busca conferir legitimidade ao discurso de quem o profere
em detrimento dos que do círculo de um movimento não faz parte e
que busca enunciar. Quando Deodora menciona ser ela a
descendente direta ao possuir uma marca, ou quando Vicente
menciona a certeza de ser descendente direto de Indalécio, esses
restringem ao discurso sobre a construção do vale apenas com as
suas versões. Implicação que se apresenta em muitos movimentos
sociais como os de mulheres negras, gays (...) ao se situar no seu
―lugar de fala‖ construindo uma barreira e pintando os outros
discursos que são proferidos, em muitas vezes para contribuir, como
ilegítimo. O centro da questão é que, embora uma pessoa que não
seja gay ou mulher negra, não irá conseguir traduzir ou alcançar o
que estes passam, dando a esses uma carga de experiência, no
entanto, isso também não anula outros discursos de quem não faz
parte de um grupo social que busca equidade. Assim como no filme,
as versões podem até ir de encontro, mas que nenhuma poderá ser
ignorada.

Voltemos ao filme. Mais tarde, ao intermediar um velho morador da


vila descendente de escravos e que ainda fala em seu idioma nativo,
Biá nota que esse se cala após algumas lembranças e fica mudo. Biá
questiona o seu mediador/tradutor se houve algum problema na
tradução das perguntas. O rapaz diz que não, que essa é a maneira
do velho contar sua versão da história. Biá não concorda, afirmando
que ele nãodeve ter feito um serviço certo na hora da tradução.
Podemos aludir que o questionamento/abordagem na fonte não foi
bem sucedido.

A relação entre história e memória também se apresenta intensa no


filme e aparece em sua complexidade que dificulta colocar no papel,
ou melhor, no ―livro da salvação‖, as lembranças, as histórias
contadas, ―as ideias que estão na cabeça‖.

Le Goff (1994) explica que as sociedades ―cuja memória social é,


sobretudo oral ou que estão em vias de constituir uma memória
coletiva escrita‖ permitem compreender a luta pelo domínio da
memória. Diz também o autor que uma das preocupações dos

322
indivíduos e grupos que dominam as sociedades é de tornarem-se
também donos das lembranças e dos esquecimentos.

Bergamaschi, conclui:

―Portanto, história e memória são construções e ocorrem num campo


de disputas como bem mostra o filme, em que cada família, cada
morador tem a sua versão, constrói um passado para Javé, a partir
de seus interesses pessoais e familiares. Vemos também os jogos de
sedução de Biá, encarregado dos registros e que usa o poder da
escrita para ‗tirar vantagem‘ em relação às pessoas que escolhe para
registrar as narrativas‖.

Neste sentido, a historiografia segue como uma seara de abordagens,


versões e fontes que merece ser transmitida no ensino em busca de
desconstruir uma ideia positivista ainda solida na sociedade
remetendo a história fixa e imutável. Assim se segue tanto no filme
como na realidade, a graça de buscar construir, não tão simples
assim como essas palavras, mas de conferir plausibilidade a cada
versão tendo como base as suas fontes, sejam elas o vestígio que for
de um passado que fará de alguma forma presente no presente.

Considerações finais
Infelizmente, a ideia para salvar Javé não deu certo. Biá afirma que
as historias são muito confusas e que mereciam permanecer apenas
na boca do povo e não aprisionadas no papel. Após a inundação,
novamente a população sai em procura de um novo lugar para morar
carregando o sino da igreja.

Ao ver o clima de desolação que tomou conta daquelas pessoas que


se viam à mercê da própria sorte, é desperto em Biá a vontade de
descrever, num livro, como as águas subiram e qual a história por
trás da tragédia. A história volta a se repetir: novamente os impasses
e as versões dos que entre os que lá estiveram e viram a água tomar
conta do Vilarejo ganha a cena e cada um quer relatar, do seu modo,
como aconteceu a submersão. A diferença é que agora Biá está
disposto a registrar a(s) história(s) no papel, com o intuito de
entregar a história à posteridade.

A película é muito feliz na sua tarefa de entreter e mostrar outras


tradições e costumes do nosso Brasil, além de também, apresentar
como as divergências de versões de um fato existem (e continuam) e
a produção da historia se altera a partir das necessidades do
presente, seja para tentar salvar a vila, seja para o registro de
memórias que contarão para um futuro.

323
Em uma sala de aula, é dever do professor ensinar que a História é a
ciência que estuda a trajetória das pessoas nas sociedades por meio
das suas ações, valores, costumes e instituições construídas,
mostrando assim, que na escola, o ensino de História tem como
pressuposto que o aluno deve aprender a realidade na sua
diversidade e nas suas múltiplas dimensões temporais (PCN, 1998).

Mais importante do que saber sobre datas, é conseguir relacionar os


fatos e perceber que as transformações de uma sociedade não são
naturais ou espontâneas, mas determinadas por uma série de fatores
anteriores. Portanto, uma vez que o professor consegue transmitir
aos alunos essa concepção de História, na qual todos estão inseridos,
cumpre seu papel e faz com que os alunos tornem-se sujeitos dessa
História e não meros expectadores.

As questões suscitadas filme são pertinentes até hoje, como alerta Le


Goff acerca da atualidade do tema: ―a memória é um elemento
essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou
coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos
indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia‖.

Perante isso, utilizar o filme ―Narradores de Javé‖ é mostrar aos


estudantes que eles também estão inseridos no processo histórico e
que as aulas de História também podem ser prazerosas, já que a
mesma trabalha com pesquisa, temporalidade, memória individual e
coletiva, como nos mostra Le Goff:

―Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das


grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que
dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e
os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de
manipulação da memória coletiva‖ (LE GOFF, 1994, p. 426).

O filme nos permite tratar a questão de que a História não é somente


aquela dita ―oficial‖, presente em documentos do Estado ou nos
livros. A história é feita por todos. Partilhamos da premissa da
Terceira Geração da Escola dos Annales, ou "Nova História Cultural",
segundo a qual, toda atividade humana é considerada história.

A escola enquanto espaço que visa preparar o indivíduo para exercer


atividades favoráveis ao crescimento da comunidade, deve procurar
cada vez mais auxiliar no processo da construção de atitudes críticas,
tornando-se encarregada de promover atividades que atendam as
exigências sociais.

324
Referências
Valdemir Paiva é mestrando em História pela Universidade Federal do
Paraná – UFPR.
Pedro Henrique Caires de Almeida é licenciado em História pela
Universidade Estadual do Paraná.

ABUD, Katia Maria. A construção de uma Didática da História:


algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. In: História,
São Paulo, n° 22, p. 183-193, 2003.

Bergamaschi, Maria Aparecida. Narradores de Javé: a memória entre


a tradição oral e a escrita. In:
www.museu.ufrgs.br/admin/artigos/arquivos/NarradoresJave.doc

BRASIL. Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais:


História. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1982.

FGV CPDOC. O que é História Oral. In:


http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral

LE GOFF, Jacques. História e memória. 3ª. ed. Campinas, SP: Editora


da Unicamp, 1994.

MARQUES, Rogério. Narradores de Javé. Cinema, História Oral e


Arquivos. In:
http://lounge.obviousmag.org/jollyroger_80s_para_as_massas/2015/
08/narradores-de-jave-cinema-historia-oral-e-arquivos.html

325
MÚSICA: INSTRUMENTO DE PESQUISA E RECURSO DIDÁTICO
Policleiton Rodrigues Cardoso

O presente artigo tem como objetivo aludir perspectivas de ensino e


de pesquisa pelo viés das novas linguagens, mais especificadamente
a música, que estão presentes no meio social tanto dos educandos
quanto dos educadores. Expondo a importância da música enquanto
recurso didático, aludindo pesquisadores que auxiliam
metodologicamente e teoricamente para a utilização da música
enquanto instrumento didático.

As Novas Linguagens Na Pesquisa Histórica: a Música


A música compõe o repertório das novas linguagens que são
utilizadas na pesquisa histórica. Ao observar a música como fonte de
pesquisa, deve-se antes pensar a história por uma via
interdisciplinar, buscando suas relações entre a história, cultura e
música, carecendo ser excedido a tradicional noção de história da
música. (MORAES, 2000, p.203)

A música é um componente perceptível no meio social, contudo


podendo passar despercebido, visto que ―apresenta-se no nosso
cotidiano de modo permanente‖ (MORAES, 2000, p.204). A música
popular é vista como o gênero musical que mais se percebe as
experiências humanas. Na perspectiva de Antônio Alcântara Machado
(1935), em um trabalho em que consistiu uma análise de músicas
populares da década de 1930 que aludiam a vida urbana da cidade de
São Paulo, percebeu que a canção popular:

―[...] está muito mais próxima dos setores menos escolarizados


(como criador e receptor), que a maneja de modo informal (pois,
como a maioria de nós, também é um analfabeto do código musical)
e cria uma sonorização muito própria e especial que acompanha sua
trajetória e experiências.‖ (MORAES, 2000, p.204)

De acordo com José Geraldo Moraes (2000, p.204), a música pode


ser pensada como ―[...] expressão artística que contém um forte
poder de comunicação, principalmente quando se difunde pelo
universo urbano, alcançando ampla dimensão da realidade social‖.
Pensando a música nesse aspecto, ela se torna um elemento
formidável para se compreender ―zonas obscuras da história‖,
principalmente de grupos considerados subalternos.

Por seu turno, Moraes (2000, p.204-205) compreende que a música


pode ser utilizada como ―uma rica fonte [histórica] para compreender
certas realidades da cultura popular e desvendar a história de setores

326
da sociedade pouco lembrados pela historiografia‖. Contudo, existem
dificuldades para a realização de pesquisas que abordem a afinidade
entre história e música, sendo elas em boa parte pela ―dispersão de
fontes, a desorganização dos arquivos, a falta de especialistas e
estudos específicos, escassez de apoio institucional etc.‖ (MORAES,
2000, p.205). As pesquisas que antecedem a virada cultural faziam
uso da música enquanto composição erudita ou folclórica, aquelas
que não se enquadravam nessa demarcação eram desqualificadas
para a pesquisa histórica.

A partir dos anos 1970 houve um avanço no que concerne a


metodologia da pesquisa entre História e Música, se dando
principalmente pelo diálogo com outras disciplinas das ciências
sociais, o resultado foi um alargamento nos horizontes de pesquisa,
resultando em análises mais profundas, fugindo de um diagnóstico
que visa apenas biografar a vida de um sujeito do âmbito musical.
Porém, como ressalta José Geraldo Vinci de Moraes (2000), a canção
não é percebida pelos historiadores como uma fonte de primeira
ordem no domínio da documentação, mesmo após a ―Nova História‖ a
música é abrangida como uma segunda classe.

Existem metodologias para se trabalhar a música enquanto fonte


histórica, para José Geraldo Moraes (2000, p.210) o primeiro passo
versa em: ―[...] reconhecer [...] as particularidades objetivas e
materiais dos sons produzidos e sua propagação, e como eles foram e
são (re)elaborados pela sociedade humana, de diferentes modos, em
forma de música.‖. Os sons são elementos autênticos que carregam
consigo características individuais proporcionando relações simbólicas
entre eles e o meio social.

A música se encontra como elemento importante para a análise


histórica de uma sociedade, especialmente em decorrência de que é
produzida e reproduzida enquanto sentido para uma sociedade. O
fato de que existe uma preferência de escalas, harmonias inventadas
por um meio social são resultadas de relações culturais e sociais e
que geram sentido dando resultado a música. O que chamamos de
―música‖ só pode existir, assim, em meio a condições históricas que
visem estabelecer afinidades entre o som, criação musical,
instrumentista e o receptor. A música atinge os sentidos de seu
consumidor, ou seja, ela está essencialmente no âmbito da
sensibilidade do ouvinte. (MORAES, 2000, p.211). Porém, o criador
da obra (música) não possui em seu alcance o poder de fazer com
que seu leitor (ouvinte) faça uma leitura de sua obra da forma como
se espera, podendo traçar novos rumos, Roger Chartier (1996) versa
um conceito chamado protocolo de leitura que visa compreender os
mecanismos empreendidos nos livros para que o leitor faça a leitura e

327
interprete da forma como o escritor anseia, tomando esse conceito,
torna-se pertinente assemelha-lo a percepção que José Geraldo da
Vinci Moraes (2000, p.211) tem com relação ao ouvinte e a música,
segundo ele ―geralmente uma segunda leitura é realizada pelo
intérprete/instrumentalista. E finalmente, o receptor faz sua
(re)leitura da obra, às vezes trilhando caminhos inesperados para o
criador‖.

A música enquanto recurso didático


Um dos primeiros questionamentos acerca do uso da música
enquanto recurso didático é: ―por quê fazer uso da música nas
aulas?‖, para o historiador Márcio Cano (2012, p.61)

―A música é uma das manifestações culturais mais presentes em


nossas vidas, ela compõe nosso repertorio psíquico, social e
emocional, além de se manifestar no cotidiano das diversas
sociedades em várias formas‖.

Ou seja, é um elemento, e linguagem, presente em todas as


sociedades e em diversos momentos do cotidiano. Sendo assim, ela
(a música) pode se tornar um importante recurso didático nas aulas
de História, de forma que atraia a atenção dos alunos, ajudando-os
no desenvolvimento de novos conhecimentos. (ABUD, 2005).

Katia Abud (2005) já nos alerta ser ―necessário que exponhamos o


jovem a linguagem musical de forma a criar um espaço de dialogo a
respeito da música e por meio dela‖, o que a pesquisadora almeja é
estimular o interesse dos alunos por sua letra, composição, contexto
ou produção.

A pratica da docência traz consigo responsabilidades, sendo que


essas por sua vez conduzem a preocupações entre os educadores,
sendo uma delas, segundo Cano ―a preocupação constante em
desenvolver práticas pedagógicas que atraiam a atenção de nossos
alunos, estimulando sua criatividade e dinamizando nossas
aulas‖(OLIVEIRA, 2007Apud.2012, p.62). Baseando-se nessa
preocupação, podemos utilizar a música enquanto um elemento de
difusão de conhecimento histórico e também como um mecanismo de
dinâmica para as aulas, visto que os alunos se sentem próximos a
ela, especialmente pelo fato de que ela está impregnada no meio
social.

Segundo Katia Abud (2005, p.312):

―[...] [As músicas] são representações, não se constituem no discurso


neutro, mas identificam o modo como, em diferentes lugares e em

328
diferentes tempos, uma determinada realidade social é pensada e
construída.‖

Sendo assim, se torna um componente admirável para a


compreensão de um fato, podendo ser utilizada como fonte e recurso
didático. Ainda seguindo as considerações de Abud (2005) o
professor pode fazer uso da música para despertar a consciência do
aluno, posto que os discentes se sentem atraídos por conteúdos que
fogem do cotidiano dos livros.

Considerações Finais
Por meio de toda análise traçada até aqui, nota-se que a música é um
importante elemento para a compreensão do meio social, podendo
ser notada aspectos sociais e culturais de uma sociedade em análises
de suas composições. A música enquanto instrumento didático é
essencial para a dinamização das aulas, aludindo aos alunos
conteúdos por meio da música, mostrando sua importância para a
compreensão da realidade social de uma determinada época que
pode ser percebida com o diagnóstico coeso da composição musical.
A utilização da música durante as aulas, logicamente de forma
coerente a metodologia proposta, pode auxiliar o professor de forma
que ―desperte‖ a consciência dos alunos para os temas propostos,
deixando a aula dinâmica e agradável.

Referências
Policleiton Rodrigues Cardoso é discente do Curso de História da
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Campus
IETU.

ABUD, K. M. Registro e representação do cotidiano: a música popular


na aula de História. In: Cadernos CEDES, Campinas, v.25, n.67,
p.309-317, 2005.
____________. Ensino de história. São Paulo: Cengage Learning,
2010 (Coleção Ideias em Ação).

CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. Tradução Cristiane Nascimento.


São Paulo, SP: Estação Liberdade, 1996.

OLIVEIRA, R. C. História, música e ensino ao ritmo dos excluídos:


músicas engajadas e problemáticas sociais na contemporaneidade.
In: Cadernos de História, Uberlândia, v.15, n.1, p.137-149. 2006.

MORAES, José Geraldo Vinci de. História e Música: canção popular e


conhecimento histórico. Revista brasileira de História. São Paulo,
v.20, nº39. 2000.

329
CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES SOBRE
CULTURA HISTÓRICA E SABERES DOCENTES
Rafael Monteiro de Oliveira Cintra

Este trabalho tem como objetivo despontar algumas reflexões sobre o


lugar do cinema no ensino de História, trazendo para isto algumas
reflexões frequentes sobre o tema. Nossa hipótese principal é a de
que o objeto fílmico constitui o universo do ensino de História pois
atende à demanda de professores e/ou alunos de ―visualidade‖ dos
conteúdos históricos. Assim, à luz das teorias de Jörn Rüsen e
Maurice Tardif, levantaremos algumas considerações sobre o lugar da
experiência e os saberes docentes na sala de aula.

Cinema: ilustração?
Umas das principais sugestões referentes ao uso do cinema na sala
de aula é a de que o filme não pode ser usado somente como
ilustração. Parte-se do princípio de que o cinema, manipulado sem
critérios definidos – critérios que desloca a estratégia didática da
categoria de ―somente ilustração‖ – não atende a todas as
possibilidades que o filme pode ofertar. Ou seja, os professores,
quando utilizam o filme como forma de ―materialização‖, deixam de
lado todo o potencial que o cinema nos oferece como meio de
entender a sociedade.

De fato, os componentes da indústria cinematográfica podem nos


revelar muito sobre certo tempo. Contudo, no contexto da sala de
aula, podemos entender que o uso do filme pode possuir objetivos
outros, adequado a realidade do cotidiano específico de cada turma,
para além da observação do filme como documento que precisa ser
racionalmente analisado.

Claudia Mogadouro, em sua tese de doutorado, nos diz que os


professores de História, mais do que professores de outras
disciplinas, lançam mão desse recurso em suas aulas.Em entrevista
com o gerente do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FDE) de
São Paulo, DevanilTozzi, Mogadouro tem conhecimento de que os
professores de História são os que mais utilizam o cinema em escolas
públicas. Essa conclusão foi tomada tendo por base o estudo do
levantamento dos professores que mais utilizavam as bibliotecas
organizadas pelo programa ―O Cinema Vai à Escola‖, pertencente ao
referido fundo. Ainda, nos diz que

―[...] um dos equívocos apontados pelos estudiosos de cinema e


educação é o uso ilustrativo do cinema em sala de aula. O
entendimento de que um filme histórico relata uma verdade, um fato

330
histórico e que, portanto, pode substituir o livro didático ou a aula
expositiva é uma prática ainda muito forte no cotidiano escolar. Tais
vícios e equívocos já citados são muito frequentes também nas aulas
de História (em qualquer nível de escolaridade) e são fartamente
constatados nas pesquisas de campo‖. (MOGADOURO, 2011, p.107)

A partir do trecho acima podemos perceber que existe uma


bibliografia que tenciona o uso do cinema pelos professores de
História. O cinema, para ser utilizado em sala de aula, deveria
ultrapassar o status de ilustração, passando por etapas
metodologicamente definidas, de modo que o público possa alcançar
um ―verdadeiro‖ conhecimento histórico. Contudo, quando a
pesquisadora nos diz que os professores de história utilizam o cinema
como forma de relatar uma verdade, ―um fato histórico e que,
portanto, pode substituir o livro didático ou a aula expositiva‖
(MOGADOURO, 2011, 107) parece não se dar conta de que também
os livros didáticos e a própria aula expositiva podem não ser vistos
como uma ―verdade‖ ou a ―realidade em si‖.

Entretanto, sabemos que existe uma diferença entre a narrativa do


filme e a narrativa do livro didático, assim como a narrativa que é
percorrida durante as aulas expositivas. Não estamos dizendo que o
cinema, livro didáticos e o texto das aulas expositivas pertencem ao
gênero ficcional, aos moldes de uma análise como a de Hayden
White. O ponto aqui é outro: assim como os filmes, livros didáticos e
aulas expositivas também se vinculam às características dos sujeitos
que os criam e, portanto, deveriam passar pelo mesmo crivo crítico-
racional. Continuando sua análise, Mogadouro diz:

―Nossas pesquisas de campo puderam constatar o que já se via como


hipótese e como crítica de diversos estudiosos, de que muitos
professores pouco sabem sobre os filmes ou sobre o que eles
representam no contexto de produção ou para a história do cinema, e
não raro a obra é citada e usada sem discussão sobre sua abordagem
do ponto de vista histórico, antropológico, etc. O que orienta um
professor de História a escolher essas produções (ou outras como
Spartacus de Stanley Kubrick ou 1492 – A Conquista do Paraíso, de
Ridley Scott) é essencialmente o conteúdo e seu potencial de
―ilustrar‖ a aula e não uma possibilidade de problematizar a cultura.‖
(MOGADOURO, 2011, p.108)

A partir da observação acima e das discussões apontadas, podemos


perceber que os professores de História utilizam o filme, com
significativa frequência, de maneira ―ilustrativa‖. Não seria
interessante, portanto, se nos perguntássemos ―por que os

331
professores de História utilizam, frequentemente, de maneira
ilustrativa? ‖.

Reflexões sobre o papel da experiência na cultura histórica


Existe uma intenção racional por detrás dessa atitude aparentemente
precoce e mal fundamentada – a ilustração?Jörn Rüsen nos faz uma
interessante provocação, que parece adequada a este caso:

―Haverá sentido falar de uma razão especificamente política ou de


uma razão especificamente estética? Essa fala só parece sem sentido
àqueles que já estejam previamente convencidos de que somente a
ciência pode pretender dispor da razão humana‖. (RUSEN, 2010, p.
123)

Antes de nos aprofundarmos, atentemos ao tema tratado por Rüsen


sobre este aspecto. Rüsen entende ―cultura histórica‖ como aquilo
que articula sistematicamente os aspectos cognitivos da ―memória
histórica‖ com os seus aspectos políticos e estéticos. Para o autor,
existe uma autonomia dos aspectos estéticos na elaboração de
sentidos que constituem essa ―memória histórica‖. Tal como a forma
como um professor projeta a sua voz, manifestando interesse pelos
alunos por conta da sua expressão, o cinema poderia ser uma força
estética em potencial, capaz de integrar essa ―cultura histórica‖.Em
relação ao nosso objeto de análise, não estariam os professores de
História promovendo uma experiência estética que, aliada aos outros
construtos da aula, fomentam a possibilidade de construção de uma
relação de alteridade com o passado? Para Rüsen, cultura histórica

―Nada mais é, de início, do que o campo da interpretação do mundo e


de si mesmo, pelo ser humano, no qual devem efetivar-se as
operações de constituição do sentido da experiência do tempo,
determinantes da consciência histórica humana. É nesse campo que
os sujeitos agentes e padecentes logram orientar-se em meio às
mudanças temporais de si próprios e de seu mundo. ‖ (RUSEN, 2010,
p. 324)

A cultura histórica, constituída por estes três aspectos – cognitivos,


políticos e estéticos – demonstra seu aspecto racional quando
utilizada como forma de orientação do indivíduo no tempo. De
abordagem tipicamente humanista, Rusen defende que quando estes
fatores criticam a existência de um passado exploratório, desumano,
de dor e sofrimento, o sujeito em questão desenvolveu uma memória
histórica capaz de denunciar as falhas presentes nos processos do
passado. Isso quer dizer que, embora o autor defenda a importância
do método histórico na legitimação da história como ciência, e da
ciência da história como instrumento importante para o

332
direcionamento da vida, também entende que existem outros
aspectos do cotidiano que constituem o amálgama que faz do homem
um ser dotado de consciência histórica – capacidade de orientar-se
no tempo com base nesse construto. Para Rüsen,

―La realización del recuerdo histórico por la consciência histórica es


una síntesis peculiar de lo empírico y de lo normativo, de hechos y
valores, en torno a la experiencia y el significado. La conciencia
histórica sintetiza la experiencia temporal que proviene del passado
com la expectativa temporal que se abre al futuro. Aquí esta la razón
material de la peculiar indecisión del conocimiento histórico entre, la
objetividad neutral de un lado, y la dotación de significado o la
determinación del sentido valorativas de otro. (RUSEN, 2009, p.9)

Desse modo, Rüsen nos permite pensar que existe um fator sensível,
expressado no aspecto da experiência, fundamental para
entendermos a relação dos homens com o conhecimento histórico. De
acordo com o autor, tal conhecimento histórico não é alcançado
somente nos espaços formais de educação: ele pode ocorrer em
qualquer espaço, através da relação que o sujeito estabelece com o
conhecimento, transformando-o em um modo de compreender o
mundo e orientar-se nele. Entretanto, Rüsen estabelece distintos
graus cognitivos, que estão relacionados ao modo como nos
relacionamos, experimentamos e interpretamos estes conhecimentos.
Contudo, não refuta a ideia de que essa ―formação histórica‖ é
construída de formas subjetivas e objetivas, a partir do momento em
que o indivíduo transforma a experiência com o passado em um
instrumento que o permite entender que nosso tempo é o fruto das
relações construídas no passado e o nosso futuro será o resultado das
nossas ações no presente.

Assim, o que é interessante na obra de Rüsen é o reconhecimento


desses diferentes graus cognitivos. Inclusive, reforça o papel da
experiência como uma das etapas fundamentais no processo do
aprendizado histórico. Para ele, esse aprendizado depende do
confronto que estabelecemos com o passado, com experiências que
possuam um caráter especificamente histórico. Essa relação de
alteridade nos permite, em certo nível, ultrapassar o polo passivo da
experiência e atingir o polo ativo dela. O polo passivo refere-se aos
elementos externos que chegam até nós; quer dizer, um prédio
histórico, o contato com um artefato do passado ou, porque não, com
uma obra cinematográfica que retrata determinado período ou que
tenha sido produzida em um contexto histórico especifico. O polo
ativo é a transformação desses elementos externos em algo
cognoscível, ou seja, pessoalmente interpretado e transformado em
formação.

333
A seguir, Rüsen nos indica que o aumento dessas experiências
possibilita um aumento produtivo no modelo de interpretação do
sujeito. Esses modelos de interpretação, por suas vezes, são os
saberes conscientemente refletidos e argumentativamente utilizáveis
que, a saber:

―O processo mesmo de aprendizado pode ser descrito como


passagem de um dogmatismo quase natural das posições históricas
(minha história – ou talvez também: a história do professor é a única
possível e verdadeira) à colocação do saber histórico em perspectiva,
na qual a própria perspectiva pode ser demonstrada e até modificada
argumentativamente. O aprendizado, como aumento da competência
interpretativa, torna-se formação quando os modelos de constituição
de sentido, determinantes da interpretação histórica, são conscientes
e tematizados como objeto do conhecimento. [...] Com as novas
experiências e os novos saberes, eles podem, sobretudo,
problematizar e modificar os modelos habituais de interpretação.‖
(RÜSEN, 2010 p. 235)

Sendo assim, Rüsen estabelece uma relação direta entre as


experiências dos sujeitos e os modelos de interpretação que
desenvolvem. Esses modelos de interpretação seriam capazes de pôr
os diferentes posicionamentos históricos em perspectivas, passíveis
de demonstrações e mudanças argumentativas. Desse modo,
podemos entender que a formação histórica é alcançada no decorrer
de um processo que não se finda, mas que se desenvolve tão logo o
contato com novas experiências são realizados.

Neste aspecto, quando voltamos à nossa análise sobre o uso do


cinema na sala de aula, podemos entender que a manipulação desse
recurso pertence a um momento específico no processo de
desenvolvimento da aula pelo professor. Não podemos ignorar, ainda,
que as aulas de História são constituídas por diferentes elementos
distintos, ora pautada em recursos mais ―tradicionais‖, ora pautada
em outras formas. Assim, quando um professor utiliza o filme x em
sua aula, esse filme está sendo exibido num momento que, para ele,
pode ser importante para a fluidez da aula ou para a compreensão do
aluno sobre aquilo que está sendo ensinado. A História é um fluxo
contínuo, tal como o seu ensino.

Por fim, o cinema pode ser utilizado como uma forma de possibilitar
aos alunos uma experiência estética com o passado; e, como vimos,
a ―experiência‖ parece ser importante para qualquer desenvolvimento
da nossa formação histórica. Defendemos como hipótese, portanto,
que essa experiência, possibilitada pela transformação do ―conteúdo‖
em imagens – e som – é uma estratégia racional do professor, como

334
forma de possibilitar ao aluno um repertório empírico que que o livro
didático ou a aula expositiva talvez não sejam capazes de fazê-lo.
Assim, essa ―ilustração‖ não seria uma atitude inconsequente, sem
fundamentação metodológica, mas uma necessidade apontada pela
prática do cotidiano dos professores e alunos.

É importante refletirmos o quanto o ensino de História possui


características políticas e estéticas. Para este caso, a segunda
peculiaridade nos parece mais salutar. Será que quando estamos
ensinando História não queremos desenvolver nos nossos alunos uma
capacidade de enxergar o mundo e a vida com olhos sensíveis,
através dos quais podemos interpretá-lo de forma a desenvolver um
ambiente mais ―bonito‖, ―pacífico‖ e ―coerente‖ no nosso presente e
no nosso futuro? Rüsen diz que

―Na orientação da vida prática, existe não apenas a carência de uma


razão operante no desempenho cognitivo da ciência da história, mas
igualmente outras carências, a que o saber histórico tem de
responder. Essas outras carências são sobretudo políticas e
estéticas.‖ (RÜSEN, 2010, p.123)

Sendo assim, poderíamos supor que o uso das imagens fílmicas seria
uma forma de despertar no aluno tal sensibilidade estética? Essa
hipótese precisa de aferições formais, mas não podemos deixar de
considerar a expressividade do cinema no que diz respeito a
possibilidade de afetar quem o assiste. Talvez essa seja a
preocupação de quem critica veementemente o uso do cinema como
―ilustração‖ dos conteúdos: por ser afetivo, ao assistirmos um filme
podemos tomar aquilo que vemos como verdade. A crítica, portanto,
parece incidir sobre essa potência de verdade que o filme carrega:
não discutida, a proposta teria resultados negativos e não positivos.

Contudo, como vimos a partir das reflexões de Rüsen, as


experiências que temos com o passado nos possibilita também o
desenvolvimento de modelos interpretativos sobre ele. Ainda, quando
partimos desse princípio, de que o aluno tomaria o que vê como
verdade, estamos ignorando a capacidade que o aluno possui de
tecer suas próprias interpretações: é como se disséssemos que ele
não possui a capacidade de diferenciar o mundo real do mundo
ficcional. O aluno não é um espectador passivo, em nenhum
momento da aula: ele traz esses modelos de interpretação que
construiu ao longo das suas outras experiências, possibilitadas no
contexto da sala de aula e também fora dela. Para Jacques Ranciére

―O poder comum aos espectadores não decorre de sua qualidade e


membros de um corpo coletivo ou de alguma forma específica de

335
interatividade. É o poder que cada um tem de traduzir à sua maneira
o que percebe, de relacionar isso com a aventura intelectual que o
torna semelhante a qualquer outro, à medida que essa aventura não
se assemelha a nenhuma outra. Esse poder comum da igualdade das
inteligências liga indivíduos, faz que eles intercambiem suas
aventuras intelectuais, à medida que os mantém separados uns dos
outros, igualmente capazes de utilizar o poder de todos para traçar
seu caminho próprio.‖ (RANCIÉRE, 2010, p. 20)

Assim, poderíamos sugerir que quando assiste ao filme, faz a leitura


do livro didático ou ouve as aulas expositivas, o aluno-espectador
está colocando tais experiências em perspectiva, comparando-as com
as suas experiências anteriores e formulando outros modelos
interpretativos a partir desse encontro.

Conclusão: e o professor?
A crítica supracitada passa, sem dúvidas, pela falta de instrução dos
professores para que utilizem o cinema em sala de aula. Grosso
modo, o professor não possuiria capacidade ―técnica‖, não adquirida
durante a sua trajetória formativa. Ainda que não tenhamos feito um
levantamento profundo sobre as disciplinas que integram os
currículos dos cursos de licenciatura em História no Brasil, podemos
supor que, de fato, tais professores possuem uma formação
fragilizada neste aspecto. Entretanto, podemos entender que os
saberes docentes ultrapassam estes espaços, pois são formados
também pelos espaços ―informais‖ e por aquilo que a prática exige.
Para Maurice Tardif,

―Nas profissões de interação humana, a personalidade do trabalhador


é absorvida no processo de trabalho e constitui, até certo ponto, a
principal mediação da interação. Esse fenômeno permite, justamente,
por que os professores, ao serem interrogados sobre suas próprias
competências profissionais, falam, muitas vezes, primeira de sua
personalidade, suas habilidades pessoais, seus talentos naturais,
como fatores importantes para o êxito do trabalho.‖ (TARDIF, 2002,
p. 265)

Ainda, diz que ―um professor se serve de sua cultura pessoal, que
provém de sua história de vida e de sua cultura escolar anterior‖.
(TARDIF, 2002, p. 262) Por isso, como proposta para
desdobramentos possíveis desse trabalho, seria interessante
entender se a utilização do cinema pelo professor está ancorada em
uma formação ―pessoal‖ muito mais do que em uma formação
―institucional‖ ou ―profissional‖. A exibição do filme, portanto, estaria
relacionada não somente à demanda da sala de aula, mas à demanda

336
da sala de aula aliada à bagagem que o professor traz para dentro
dela.

Desse modo, temos duas perspectivas possíveis que, aliadas, nos


possibilita entender a frequência do uso do cinema pelos professores
de História: a primeira delas é a de que o cinema é utilizado como
oferta de uma experiência estética e sensível aos alunos, através da
qual os conteúdos ganhariam inteligibilidade por eles ou, melhor,
através da qual os alunos desenvolveriam modelos interpretativos
sobre o passado. A segunda perspectiva relaciona-se à formação dos
professores, tendo como hipótese a premissa de que os professores
tiveram suas próprias experiências com cinema, que formaram seu
modo de entender e ensinar História, levadas à cabo no contexto da
sala de aula.

Nosso objetivo com essas reflexões foi entender, a luz de certos


autores, as possíveis intencionalidades dos professores quando
manipulam o objeto fílmico no contexto do ensino de História.
Contudo, é importante salientar que não estamos defendendo uma
prática e negando outras; pelo contrário, nosso objetivo é inserir o
contexto da sala de aula como protagonista dessa discussão,
entendendo as razões e os porquês de estas relações existirem, antes
de apontar aos professores o que deveria ser feito. Sobre isso Tardif
é categórico:

―A nosso ver, um dos principais problemas das pesquisas em ciências


da educação é o de abordar o estudo do ensino de um ponto de vista
normativo, o que significa dizer que os pesquisadores se interessam
muito menos pelo que os professores deveriam ser, fazer e saber do
que pelo que eles são, fazem e sabem realmente‖ (TARDIF, 2002,
p.259)

Assim, para que possamos entender a relação entre cinema e ensino


de História, nos parece importante voltar-nos aos professores.

Referências
Rafael Monteiro de Oliveira Cintra é mestrando do Programa de Pós-
Graduação em História Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, desenvolve a pesquisa intitulada ―‘Hoje a Aula Vai Ser Um
Filme‘ - a relação do cinema na formação dos professores de
História‖, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Helenice Aparecida Bastos
Rocha.

MOGRADOURO, C. Educomunicação e Escola: o cinema como


mediação possível. 2011. 293 f. Tese (Doutorado em Comunicação) –

337
Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São
Paulo. 2011.

RÜSEN, Jörn. Didática – funções do saber histórico. In ______.


História Viva: formas e funções do conhecimento histórico (Teoria da
História III). Brasilia: Ed. UnB. 2010, p.85-133.

RÜSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una


nueva manera de abordar la historia. Versão castelhana inédita do
texto original Alemão. In Historische Faszination. Geschichts
kulturheute, editado por K. Füssmann, H.T. Grütter y J. Rüsen.
Keulen: Weimar y Wenen, Böhlau, 1994, 3-26. Tradução de F.
Sánchez Costa e Ib Schumacher. Artigo disponível em
http://www.culturahistorica.es/ruesen.english.html

RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: WMF;


Martins Fontes, 2012.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

338
TRANSVERSALIDADE E ENSINO DE HISTÓRIA:
COMPREENDENDO TRABALHO INFANTIL NUMA OFICINA NO
PIBID-HISTÓRIA (CFP/UFCG)
Rafael Dalyson dos Santos Souza
Jefferson Fernandes de Aquino

Introdução
As práticas pedagógicas disciplinares não mais necessitam estarem
fechadas e separadas entre si. Exemplo deste período era a própria
disciplina de História no século XIX, fortemente marcada pelo
positivismo e o cientificismo. Com o surgimento do conceito de
interdisciplinaridade, as diferentes formas de conhecimento voltaram-
se para temas que discutem saberes que interessam a todos. O
objetivo geral torna-se formar o cidadão, respaldados pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9394/1996),
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a disciplina de
História e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), a História sai
da sua completa cientificidade e chega a sala de aula enquanto
componente curricular.

A História, enquanto disciplina, passa, neste contexto, a ter uma ótica


diferente da que vinha tomando em anos anteriores. No pós-
Ditadura, houve uma ressignificação de valores, especialmente no
que tange na concepção dos componentes curriculares obrigatórios
da Educação Básica.

Nesta feita, a História apresenta-se, segundo o PCN (1998), com o


papel de ―difundir e consolidar identidades no tempo, sejam étnicas,
culturais, religiosas, de classes e grupos, de Estado ou Nação‖
(BRASIL, 1998, p.29), tendo como um de seus objetivos ―valorizar o
direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como
condição de efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se o
respeito às diferenças e a luta contra as desigualdades‖ (Idem, p.43).

E, é neste contexto que, através do PIBID-História (CFP/UFCG),


buscamos nos apoiar nas concepções de interdisciplinaridade e
transversalidade que, segundo Mucida [et.al] (2012):

―[...] os Temas Transversais inseridos na educação básica servem


como eixos de articulação no processo educativo dando maior
flexibilidade a este, uma vez que se podem incluir novos temas
dentro da realidade local e regional de cada instituição de ensino.‖
(MUCIDA [et.al], 2012, p.3)

339
Assim, propomos fazer uma discussão sobre a cidadania no ensino, e
o papel da escola como formadora de cidadãos, levando os alunos a
perceberem tal processo como fundamental para a sua vida, visando
propostas que discutam tais ideais.

Desenvolvimento
Como afirmamos anteriormente, a temática fora trabalhada durante
uma das ações do PIBID-História na EEEF Dom Moisés Coelho
(Cajazeiras/PB) e surgiu justamente a partir de um questionário –
que continham outras temáticas e, cada uma delas, vinculadas a uma
situação problema onde o aluno tinha ―resoluções‖ para cada caso –
onde uma das situações propostas apontava para que trabalhar e
estudar verificava-se como um empecilho na vida da criança.

O uso de questionários como método para o ensino de História possui


uma relevância por proporcionar o conhecimento do grupo que está
respondendo, analisando suas características (GIIL, 2008, p. 125).
Assim, para alcançar estes propósitos, realizamos questões sobre
atitudes e crenças que objetivavam capturar através das respostas a
questões que tratavam de temas variados. Um deles era o do
trabalho infantil, visando perceber reações de quem responde, no
caso, os alunos.

A pergunta foi desenvolvida em conjunto por um grupo de bolsistas


com o auxilio e orientação do supervisor do PIBID-História
(CFP/UFCG) na escola e tinham como objetivo, como já afirmamos,
conhecer os alunos através de suas reações a perguntas que
tratassem de situações. Assim, passamos a nos debruçar sobre os
temas que, após a escolha do que viria a ser trabalhado,
enveredamos na elaboração da questão/situação e suas respectivas
alternativas.

Atentados para o cuidado na formulação das alternativas, levamos


em consideração possíveis opiniões, por isso cada questão continha
mais de duas opções, de modo que, o aluno pudesse refletir melhor e
nós, ao analisarmos as alternativas, pudéssemos ter uma dimensão
maior da realidade desse(s) alunado(s), pois é preciso levar em
consideração que há reações e reações diante de uma determinada
situação. Por isso, optamos por colocar reações extremas ao fato,
sendo elas distribuídas na forma de ―concordo‖ ou ―não concordo‖ e
outras duas intermediárias.‖

Na temática da qual focamos neste estudo, a pergunta foi construída


nos seguintes termos:

340
―Joaquim mora numa casa simples com sua família, longe do centro
da cidade. Para estudar tem que acordar cedo, e geralmente não
lancha. Para ajudar nas despesas de casa, ele decidiu abandonar os
estudos para trabalhar. Você acha que Joaquim:

a) Está certo, pois não se pode trabalhar e estudar ao mesmo tempo.


b) Está errado, por mais difícil que seja, nunca devemos abandonar
os estudos.
c) Ele poderia buscar em outro turno para que não ficasse sem
estudar, pois a educação é a única forma de superar esta situação.
d) Ele deve deixar de estudar, pois como emprego está difícil, uma
oportunidade dessas é a única forma de garantir o sustento da casa.‖
Como se percebe, duas alternativas visavam saídas ―positivas‖ ao
problema que estava sendo posto, enquanto as outras duas visam
saídas mais ―negativas‖, sendo que uma mais média, que buscava
atender as duas necessidades.

Num total de 23 participantes, 74% (17 alunos) marcaram a


alternativa C ―Ele poderia buscar em outro turno para que não ficasse
sem estudar, pois a educação é a única forma de superar esta
situação‖ enquanto 22% marcaram a opção B ―Está errado, por mais
difícil que seja, nunca devemos abandonar os estudos‖. Apenas um
aluno marcou a opção A ―Está certo, pois não se pode trabalhar e
estudar ao mesmo tempo‖ formando 4% do total, e 0% para a opção
D: ―Ele deve deixar de estudar, pois como emprego está difícil, uma
oportunidade dessas é a única forma de garantir o sustento da casa‖.

341
Fig1: Gráfico dos resultados ao questionário aplicado aos alunos:
gráfico.jpg

A partir desses resultados podemos perceber que a turma buscou


enveredar numa saída da qual o aluno tivesse ambas oportunidades
(de emprego e educação), demonstrando que alguns, conforme sua
realidade, presenciam ou vivenciam este tipo de situação, o que nos
tornou perceptível via os diálogos na oficina, bem como em conversas
informais.

Partindo da análise dos dados obtidos, a oficina se fundamentou


também na ideia da transversalidade do PCN, pois os temas
transversais para o ensino de História contidos no PCN foram
importantes na elaboração da pergunta.

Enquanto bolsista, foi de fundamental importância a análise desses


resultados para uma compreensão da realidade e do contexto social
dos alunos, até para trabalhar temáticas futuras, fomentando a
cidadania, sem desvincular do lugar onde estão inseridos os alunos.

Nesta feita, a História apresenta-se, segundo o PCN (1998), com o


papel de ―difundir e consolidar identidades no tempo, sejam étnicas,

342
culturais, religiosas, de classes e grupos, de Estado ou Nação‖
(BRASIL, 1998, p.29), tendo como um de seus objetivos ―valorizar o
direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como
condição de efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se o
respeito às diferenças e a luta contra as desigualdades‖ (Idem, p.43).

Neste sentido, dois momentos foram fundamentais para a aplicação


da oficina: o primeiro era entender a base jurídica para fundamentar
a nossa oficina, atentando para as bases legais e sua aplicação. O
segundo era analisar o trabalho infantil como um processo histórico e
social, presente na realidade inclusive de muitos dos alunos da
escola.

Segundo a base legal, no artigo 53. ―Art. 53. A criança e o


adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da
cidadania e qualificação para o trabalho [...]‖.(DOS DEPUTADOS,
1990) Nessa parte, os artigos inferem sobre as questões
educacionais, o direito a escola pública e de qualidade por exemplo.

No artigo próximo da ECA (1990), lei Nº 8.069, de 13 de julho de


1990, afirma-se que ―Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores
de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz‖ (DOS
DEPUTADOS, 1990, p.17) mas em seguida afirma-se ―Art. 61. A
proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação
especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei.‖ (DOS DEPUTADOS,
1990, p.17) e ―Art. 62. Considera-se aprendizagem a formação
técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da
legislação de educação em vigor.‖ (DOS DEPUTADOS, 1990, p.17)

Para compreender tal processo, utilizamos entre outros do conceito


de trabalho infantil tal qual Carvalho (2008) após fazer uma análise
do panorama atual do trabalho infantil no Brasil, propõem que

―Apesar da proibição legal desse trabalho, da sua relativa


deslegitimação no plano simbólico e dos movimentos e iniciativas que
vêm sendo desenvolvidos para combatê-lo, nas condições do
desenvolvimento brasileiro, ele parece ser um problema de muito
difícil erradicação. Suas raízes estão na desigualdade social, na
concentração da propriedade da terra e da renda e na pobreza de
uma ampla parcela da população brasileira, uma vez que a ocupação
precoce de crianças e adolescentes só pode ser compreendida a partir
do padrão de organização de certos setores da economia e das
condições de inserção produtiva de uma grande parcela dos
trabalhadores.‖ (CARVALHO, 2008, p.565)

343
Nesse sentido, mais do que compreender a legislação como tal, é
preciso compreender como na prática os sujeitos agem de acordo
com aquela lei, ou aquele discurso. Compreendendo assim, dentro da
nossa base teórica, a própria noção de ação, de tática e
desvinculação com a ideia de discurso produtor de uma ação uma vez
que segundo Certeau (1994)

―Se é verdade que por toda a parte se estende e se precisa a rede da


―vigilância‖, mais urgente ainda é descobrir como é que uma
sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos populares
(também ―minúsculos‖ e cotidianos) jogam com os mecanismos da
disciplina e não se conforma com ela a não ser para alterá-los; enfim,
que ―maneiras de fazer‖ formam a contrapartida do lado dos
consumidores (ou ―dominados‖?) dos processos mudos que
organizam a ordenação sócio-política.‖ (Certeau, 1994, p.41)

Por fim, concluímos a ideia de trabalho infantil, compreendendo assim


a própria noção formadora que os alunos trazem de seu espaço
familiar de que o trabalho infantil é uma realidade que perpassa os
níveis do legal, uma vez que como conclui Carvalho (2008)

―Por outro lado, também é preciso levar em conta que a experiência


histórica, a cultura e o autoritarismo social brasileiro condensaram
uma malha de múltiplos preconceitos, estigmas e discriminações que
atingem o trabalhador desqualificado, de ocupação incerta e precária,
assim como os desempregados, através de uma associação
determinista e reducionista entre pobreza e delinqüência,
considerando aqueles por ela afetados como agentes da desordem,
da ameaça e da violência, e reclamando sobre eles a ação repressiva
e punitiva do Estado.‖ (CARVALHO, 2008, p. 566)

No segundo momento da oficina, buscamos refletir sobre a


importância da escola na formação dos alunos, tanto profissional
como cidadã. A reflexão se pautou na praticidade dos conhecimentos
obtidos, na sua relação na vida prática e cotidiana, da importância do
estudo para modificar situações econômicas e sociais de
desigualdades. Neste sentido, o foco da nossa discussão é o espaço
escolar, sua importância pois para nós, assim como posto por Zluhan
e Raitz (2014)

―A escola não pode ser somente considerada transmissora de


conteúdos, mas, sobretudo, um local privilegiado de aprendizagens e
vivências cidadãs e democráticas, e, quando se fala na defesa, na
efetivação e na universalização dos direitos humanos, precisa-se
considerar os seres humanos/alunos como seres sociais, inseridos em
uma organização social, na qual devem ser asseguradas as condições

344
para que eles se desenvolvam e venham a viver com dignidade e
igualdade.‖ (ZLUHAN E RAITZ, 2014, p. 34)

Assim, a escola não pode ser compreendida apenas como formadora


de profissionais, mas também de cidadãos construtora da uma
cidadania ligada a construção de uma paz, consciência política e
social do seu próprio contexto.

Conclusão
A aprendizagem do conhecimento histórico, perpassa várias
possibilidades de temas que podem ser transverssalizados, ou seja,
discutidos por diversas áreas para uma abrangência maior do tema,
levando o aluno a perceber que as diferentes formas de
conhecimento se congregam. Nesse sentido, compreendemos que o
papel do professor, ou bolsista, é fundamental pois segundo Bovo
(2004)

―o papel do professor é fundamental no avanço construtivo do aluno.


É ele, o professor, que pode perceber necessidades do aluno e o que
a educação pode proporcionar ao mesmo. A interdisciplinaridade do
professor pode envolver o aluno a mudanças na busca do saber.‖
(BOVO, 2004, p. 2)

Compreende-se assim o papel do professor na aplicação dos temas


transversais, para sua efetivação prática no meio escolar. Nesta
perspectiva, o professor é ativo bem como o aluno, tornando o
conhecimento um diálogo mais próximo da sua realidade, sem
limitações ao dialogo com outras áreas.

Na nossa temática, inferimos relações entre a estatística, realidade


cotidiano, história, mundo do trabalho, ética e cidadania, através do
trabalho infantil. A oficina proporcionou, nestes termos, uma
discussão pautada na realidade dos alunos. Muitos trouxeram
experiências pessoais, pais que necessitavam de sua ajuda em casa
no trabalho rural, alunos que conheciam colegas que deixaram a
escola para trabalhar, e uma série de outras realidades.

Nosso trabalho fundamentou-se em apresentar-lhes as bases legais,


bem como as sócio-históricas, apontando motivos para os quais ainda
hoje se conhece casos altos e estatisticamente de trabalho infantil. A
diferenciação legal entre trabalho infantil, ajuda e aprendizado foi
fundamental para a discussão. Por fim, a Oficina proporcionou noções
da realidade sócio-histórica nacional, diferenciações entre regiões,
bem como a noção de cidadania na escola como um espaço formador
e possibilidade de mudança dessa realidade, unidos pela temática
transversal.

345
Referências
Rafael Dalyson dos Santos Souza é estudante da Universidade
Federal de Campina Grande. Graduando em História. Ex-Bolsista de
Iniciação à Docência pelo Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID), vinculado à UFCG, Campus de
Cajazeiras (PB).
Jefferson Fernandes de Aquino é especialista em Geopolítica e
História pelas Faculdades Integradas de Patos (PB); Especialista em
Atendimento Educacional Especializado pela Universidade Federal
Rural do Semiárido (UFERSA/RN); Pós-Graduando no Curso de
Especialização em Mídias na Educação (UERN/RN); Professor da Rede
Básica de Ensino na EEEF Dom Moisés Coelho e no Colégio Nossa
Senhora do Carmo, ambos em Cajazeiras (PB).

BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais –


Apresentação dos temas transversais. Brasília: 1997.

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Adolescente e dá outras providências. Brasília, v. 13. Disponível em:
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7.34.e687919355deddb824328bea1433d533.doc>. Acesso em 19 fev
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<http://www.scielo.br/pdf/rbeped/v95n239/a03v95n239.pdf> Acesso
em 19 fev 2018

346
PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: AS NOVAS LINGUAGENS
COMO RECURSO NO ENSINO DE HISTÓRIA, O CASO DOS
MAPAS
Rafael Sousa Nogueira
Lucilvana Ferreira Barros

Introdução
A discussão proposta neste artigo, nasce de uma necessidade
particular de entender a questões do ensino de história nas regiões
Sul e Sudeste do Estado do Pará, tendo participado de maneira ativa
na realidade do ensino em algumas escolas dessa região, seja como
aluno, monitor ou professor substituto. Dai nasceu a minha
inquietação de compreender como o ensino de história está muito
ligado ao livro didático, e como as linguagens podem fazer com que
as aulas sejam conduzidas de uma melhor forma a fim de ganhar o
interesse dos alunos, utilizando o uso das linguagens como recurso
didático. Assim, me proponho a apresentar uma discussão sobre o
uso da linguagem mapas como um recurso pertinente em sala de
aula, visando que nos livros didáticos esse recurso vem como parte
do conteúdo de história, no entanto muitos dos professores não
fazem a utilização ou a leitura desta linguagem como parte do
conteúdo posto em sala de aula por meio do livro didático.

A intenção aqui é demonstrar a importância desse recurso, tanto para


a máxima compreensão do conteúdo de história, como a necessidade
que temos de nos localizar, assim a utilização dos mapas é
fundamental para tal ação humana, seja de localização ou de
conhecimento. Ainda mais, se nos preocuparmos com a historicidade
dos mapas e o que os mesmos representam.

As linguagens
Podemos constatar que, após a revolução documental ocorrida na
segunda metade do século vinte, novas perspectivas surgiram na
produção histórica, o ensino de história também vai sofrer essas
mudanças, e passa ter o uso de linguagens dentro de sua estrutura.
As linguagens como recurso didático vão se intensificar a partir da
segunda metade do século XX, no Brasil elas vão ser mais presentes
a partir da década de 1980, com o fim da ditadura militar.

Essas linguagens foram inicialmente objetos de pesquisas no interior


das universidades, a partir disso estudiosos ligados a pesquisa na
área da educação, vão desencadear vários estudos que vão buscar
entender os mesmos não somente como fonte dentro de uma
construção histórica, e sim como essas fontes ou linguagens podem
ser utilizadas dentro da sala de aula como recurso didático no ensino

347
de história, demonstrando a importância de se trabalhar esses
recursos como fontes e objetos de estudos pelos próprios alunos,
levando a desencadear um senso crítico sobre os acontecimentos. As
linguagens são ferramentas essenciais para a análise de
acontecimentos históricos, e para tal, dentro do âmbito do ensino o
professor tem que saber como utilizá-las, é pensando nisso, que
historiadores ligados ao campo da história, e da educação trabalham
em discussões que buscam transformar o ensino no interior das
escolas, desenvolvendo estratégias de ensino que viabilizem a
dinâmica da aula e façam com que o aluno tenha interesse.

Hoje, se apresenta uma variedade enorme de linguagens que podem


ser utilizadas como recurso didático em sala de aula. Umas das
principais causas foi o desenvolvimento das tecnologias que se
acentuou após o início do século XXI, principalmente pelas
campanhas dos estados nações de desenvolvimento tecnológico.
Novos recursos surgiram e a tecnologia mais acessível teve seus
impactos também no âmbito educacional, principalmente o uso da
internet, mas tratamos aqui do uso da internet como ferramenta
utilizada pelos alunos, que muitas vezes tem atrapalhado as
dinâmicas das aulas, o que tem prejudicado o ensino em todos os
âmbitos. O que mais chama atenção é o despreparo dos professores
diante da revolução tecnológica em certas partes do país,
principalmente o interior, onde muitos dos educadores não estão
preparados para as novas tecnologias, o despreparo e a não
compreensão pode causar interferências bruscas dentro do âmbito
educacional. Há uma necessidade dentro das periferias de que o
professor seja introduzido no âmbito de uma nova geração, na qual
está conectada e com relações que modifiquem suas aulas, é
extremamente necessário que a escola e os educadores possam
compreender esse momento e saber agir dentro dessas perspectivas.

Essa geração ‗Homo Zappiens‘, que é discutida pela autora Flávia


Eloisa Caimi (2014), é uma geração que está sempre conectada, e
apresenta uma das maiores dificuldades no âmbito escolar, expressa
a necessidade de se estabelecer uma nova reformulação dentro do
campo educacional, para que se possa apreender a atenção dos
alunos e que eles interajam dentro de uma conjuntura dinâmica da
aula. Para isso, uma das recomendações e discussões dos estudiosos
sobre o assunto é o uso das linguagens como ferramenta para
auxiliá-los na formação da nova geração de jovens e crianças em sala
de aula. As diversas linguagens entram no campo da educação como
uma importante ferramenta de dinâmica de ensino.

As linguagens na sala de aula vem como auxiliadoras na construção


do conhecimento, além de ser uma boa forma de chamar o aluno a

348
participar da aula. As linguagens são suportes necessários para o
ensino, tanto de história como de outras disciplinas, e podem ser
usadas por meio da interdisciplinaridade, fazendo assim uma conexão
importante entre as várias disciplinas e estabelecendo uma dinâmica
atrativa, e construtiva. Além do mais, elas são ferramentas essenciais
dentro do âmbito escolar, no auxílio do conteúdo, e auxílio do livro
didático.

O livro didático como instrumento de ensino

―Os livros didáticos, os mais usados instrumentos de trabalho


integrantes da ―tradição escolar‖ de professores e alunos, fazem
parte do cotidiano escolar há pelo menos dois séculos‖ afirma
Bittencourt (2005, p. 299). Os livros didáticos nas regiões periféricas,
ainda são o único instrumento de transferência de conhecimento por
parte dos professores, o que acaba gerando uma falência no sistema
educacional.

O livro didático já se tornou objeto de investigação por parte de


muitos intelectuais ligados a área de ensino, principalmente pelas
suas narrativas e construções. O livro didático acaba sendo um lugar
de poder, que tem que ser manejado com coerência diante da
transmissão de conhecimento que deseja comunicar. Segundo
Bittencourt (2005, p. 302), ―o livro didático precisa ser entendido
como veículo de um sistema de valores, de ideologias, de uma
cultura de determinada época e de determinada sociedade‖. Mesmo
tendo várias críticas sobre o mesmo, ele ainda é o principal
instrumento didático usado na educação pública de base. A crítica
que se atenta em maior força em relação ao livro didático é a sua
utilização como único instrumento da construção do conhecimento
pelos alunos, e o papel do professor nesse processo, tendo o uso do
livro apenas como reprodutor do que nele é narrado.

O que se discute sobre o uso do livro didático, é seu uso como


instrumento de auxílio do aprendizado, e não um mero reprodutor.
Assim, as linguagens se identificam como instrumentos de auxílio, um
recurso didático importante assim como o livro didático, na
construção do conhecimento no ensino de base das escolas. Há uma
necessidade de compreensão de que o livro é um recurso didático, e
que tal deve ser usado com responsabilidade, afim de uma
construção digna, além de uma condição que deve ser oferta para
que o educador possa trabalhar com o maior nível de integridade.

Ao se trabalhar história, o livro didático tem uma importância


fundamental, no entanto, não se deve prender se somente no recurso
didático do livro, há uma variedade de recursos didáticos que devem

349
ser explorados, uma delas e as linguagens que apresentam um
campo variado de possibilidades no trabalho do conteúdo de história
nas salas de aulas. O livro didático em si já apresenta várias dessas
linguagens que podem ser utilizadas como recurso didático. A
questão é, muitos dos profissionais da educação não os vêem como
parte integrante do conteúdo, e possível de estudo. Precisa entender
se ainda que as linguagens postas nos livros didáticos fazem
referências á um contexto, e são elas idealizadoras de idéias, e tem
uma carga de significância importante para o conteúdo.

Os mapas como instrumento de conhecimento


Os mapas tem uma historicidade de longo prazo, podendo ter suas
significações tanto no tempo presente ao qual é analisado, como
também no texto histórico a qual pertence. A história dos mapas
surge com sua percepção como fonte histórica, e passa a ter uma
grande importância dentro das narrativas históricas. Segundo
Chambouleyron (2014, p. 37) ―os mapas são socialmente
construídos; são formas de articular e estruturar o mundo, por mais
inócuos que pareçam‖. O mapa surge com a necessidade da
humanidade se localizar, e terá em si relações de poder no seu
processo de construção, sempre com representações que falam mais
do que se veem.

Os livros didáticos apresentam em seu conteúdo uma carga enorme


dessas linguagens distribuídas em toda a sua estrutura. Não tem
como falar de qualquer assunto histórico sem fazer menção a sua
localização, e para isso os mapas são usados nos livros didáticos
como apoio ao conteúdo ministrado. Uns dos principais problemas
apresentados é o uso do livro didático sem fazer uma leitura dos
mapas, ou o descarte total do mesmo sem ao menos fazer uma
relação nem mesmo de localização. De acordo com Silva e
Nascimento (2015, p. 357) ―O grande desafio da geografia escolar é
utilizar a Cartografia e, mais precisamente, o mapa, como
instrumento para satisfazer as necessidades de aprendizagem dos
alunos. (...) Utilizar as representações cartográficas não significa
fazer de um mapa apenas colorir e copiar, ou simplesmente
apresentá-los aos alunos de forma cotidiana.‖, é necessário que haja
uma leitura dos mapas, e que o educador busque nos alunos uma
compreensão sobre as intencionalidades e representações a qual os
mapas estão inseridos. Os mapas são frutos de um tempo, de um
espaço e de uma sociedade, é fundamental que se entenda isso para
compreender seu contexto e seu uso dentro do conteúdo histórico, o
professor deve sempre fazer dos mapas um objeto de discussão, usá-
lo não tão somente como mera ilustração que aparece no capítulo do
conteúdo do livro didático, há uma necessidade de problematizá-los,
e retirar de si a sua voz, os mapas mais falam do que se tem

350
somente para ver, cabe o educador incentivar os alunos a perceber
isto. O mapa tem que ser uma ferramenta didática para o professor,
vista que o conteúdo de história apresenta-se muito a utilização deste
dentro da sua narrativa.

Historicamente, o uso dos mapas em sala de aula não eram raros,


onde os professores visavam tornar mais concretas as lições em sala
de aula como expressa Silva e Nascimento (2015, p. 358), ―Estando
no livro didático ou projetado na parede da sala de aula, os mapas
servem como complementos ao texto escrito ou à fala do professor
(...) podemos considerar que os mapas podem ser utilizados como
documento histórico, mesmo em sala de aula‖, o que demonstra a
diversidade da utilização dos mapas, seja como recurso didático, ora
seja como fonte histórica a ser trabalhada em sala de aula:

―Para Fernandes (2012), há três tipos de mapas que podem ser


adotados pelo professor de historia: aqueles que são considerados
como documentos históricos, isto é, testemunhos de interesses
econômicos e políticos de certo momento do passado; aqueles que
são confeccionados na atualidade, mas que possuem informações
sobre o passado e aqueles que, produzidos hoje, objetivam
representar situações do presente. (SILVA; NASCIMENTO, 2015, p.
358-359).‖

São instrumentos que entram em concordância, e o educador deve


estar atento a essas especificidades que os mapas apresentam, até
para que possa estabelecer uma dinâmica em sala de aula. Conhecer
os vários tipos de mapas que se tem é fundamental para não cometer
certos equívocos na hora de se utilizar um mapa, pois é de suma
importância utilizá-los em sala de aula estando de acordo com o
conteúdo proposto. Deve-se observar também, se os mapas
apresentados nos livros didáticos estão em concordância com assunto
proposto pelo livro didático na qual ele aparece, se não destaca-se
apenas como ilustração ou descanso visual para o estudante, mas se
parece como uma fonte histórica a ser trabalhada pelo professor.

Considerações Finais
A utilização do livro didático nas regiões periféricas tende a ser mais
monótona, sem auxílio de outros recursos didáticos, talvez esse seja
um dos maiores problemas encontrados na educação das cidades do
interior do país, principalmente da região Sul e Sudeste do Pará. As
falhas nas estruturas educacionais também contribuem para que essa
situação se perpetue, há uma necessidade de se mudar as
mentalidades educacionais destes locais, seja educadores, poderes
responsáveis pela educação, ou mesmo dos alunos.

351
Nota-se que o uso de outras linguagens, para além dos livros
didáticos nestas localidades ainda é uma perspectiva a ser alcançada,
devendo-se ser almejada, com uma melhor formação para os
docentes em atuação, a exemplo de formações continuadas, a
melhoria nas infra-estruturas escolares e recursos didáticos para o
trabalho nas salas de aulas, e novas perspectivas educacionais, a
exemplo da presença do Ensino Superior na região, que já é uma
realidade presente a partir da instalação e funcionamento da
UNIFESSPA desde do ano de 2014 nesta região, contribuindo para a
formação de uma nova geração de historiadores no Sul e Sudeste do
Pará.

Referências
Lucilvana Ferreira Barros: Doutoranda em História pelo Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará.
Professora efetiva do curso de História do Instituto de Estudos do
Trópico Úmido, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.
Rafael Sousa Nogueira: Graduando em História (6º período) pela
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Este texto foi
produzido na disciplina: Prática Curricular continuada IV: ensino de
História e Linguagens: literatura, oralidades e mídias, curso de
História, IETU, Unifesspa, sob a coordenação da Profa. Lucilvana
Ferreira Barros.

BITTENCOURT, Circe M. F. Livros e materiais didáticos de História. In.


Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez,
2005. Pp. 295-324.

CAIMI, Flávia Eloisa. Geração Homo Zappiens na escola: os novos


suportes de informação e a aprendizagem histórica. In: MAGALHÃES,
Marcelo; ROCHA, Helenice; RIBEIRO, Jayme Fernandes;
CIAMBARELA, Alexssanda (Orgs). Ensino de História: usos do
passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: FGV, 2014.

CHAMBOULEYRON, Rafael. O Historiador e os Mapas. Perspectivas de


pesquisa e de ensino. Henrique, Márcio Couto (Org.). Diálogos entre
História e Educação. Belém: Editora Açaí, 2014. p. 35-67.

FONSECA, Selva G. Cinema. In. Didática e prática de ensino de


História: Experiências, reflexões e aprendizados- 13 ed. Campinas,
São Paulo, Papirus, 2012.

SILVA, Fábio Luiz da, NASCIMENTP, Claudinei Ferreira do.


Ponderações sobre o uso de mapas em aulas de geografia e História.
UNOPAR Cient., Ciênc. Human. Educ., Londrina, v. 16, n.4, p. 356-
360, 2015.

352
O USO DA HQ‟S COMO UMA NOVA LINGUAGEM PARA O ENSINO
DE HISTÓRIA LOCAL
Regiani da Silva Pedrosa
Rildo Bento Tavares

Introdução
No campo das ciências humanas nos últimos anos, cada vez mais tem
surgido novas linguagens que consistem em enriquecer o
conhecimento dos alunos na disciplina de História. Estas linguagens
estão cada vez mais ganhando espaço em pesquisas como também
despertado o interesse dos historiadores a problematizar mais o
ensino de história. Nesse sentido, ocorre um crescimento na pesquisa
histórica, onde vários autores como Fábio Paiva, Douglas Lima e
Waldomiro Vergueiro lançam luz sobre o tema. É importante ressaltar
que essa nova linguagem tende a facilitar o aprendizado dos alunos
na medida em que aborda temas recorrentes ao seu cotidiano, ou
seja, elas são uma forma de ver a história a partir de novos
horizontes.

Os tipos de mídias são diversos, entre elas destaca-se a televisão,


filmes, séries, HQ‘s (discussão principal do artigo), mapas, música,
cinema, fotografia, imprensa, jogos e literatura. Diante de tão vastas
formas de linguagens que estão cada vez mais ganhando espaço,
tanto no ambiente escolar quanto fora dele, o ensino-aprendizado
está se tornando mais prazeroso, por ser mais próximo da realidade
dos alunos.

No presente trabalho abordaremos a história local por meio da HQ‘s.


Diante do exposto é importante considerar que com o uso dessa nova
linguagem poderemos abordar vários temas que enriquecem o
ensino, bem como a escrita do português, corrupção, a influência da
televisão, assim como também a violência dentre outros. E nesse
sentido, refletir sobre o uso e mudanças ocorridas nos últimos anos
no ensino de história, bem como o uso de novas linguagens e
conteúdos básicos para a formação dos cidadãos xinguarenses.

Para o desenvolvimento do presente artigo será analisada a história


em quadrinhos, ou seja, uma abordagem recente no ensino de
história. Nesse sentido, procuramos com essa nova abordagem por
meio das HQ´s obter resultados satisfatórios que enriquecem o
ensino de História Local nas escolas de ensino fundamental. De
acordo com Selva Guimarães Fonseca para um bom resultado é
necessário:

353
―Identificar e explicar uma proposta metodológica e estratégia de
ensino capaz de despertar e render resultados exitosos no
aprendizado de história para crianças e jovens. Tal proposta mostrará
os verdadeiros objetivos da disciplina de História no ensino básico
mais necessariamente no ensino fundamental‖. (FONSECA, 2010, p.
01).

Ao pensar no ensino de história é necessário observarmos como esse


campo tem se ampliado, possibilitando novas abordagens, ou seja,
observando o quanto o Brasil tem mudado democraticamente, pois
de acordo com Fonseca ―na primeira década do século XXI, uma rica
diversidade de modos de pensar e ensinar História.‖ (FONSECA,
2010, p. 01). Ao fazer uma reflexão acerca dos novos modos de
ensino de história, daremos seguimento ao trabalho.

Novas perspectivas ao analisar hq‟s como fonte histórica


No âmbito escolar, o professor de história diariamente se depara com
desafios relativos aos modos de ensinar a história e, bem como
refletir sobre a característica de seus alunos sondando-os e, que a
partir da história em quadrinhos, objeto desse artigo, esse recurso
pode contribuir com o trabalho do professor em sala, uma vez que os
alunos em sua maioria se identificam com a temática, onde o
professor traçando metas e assim buscando novas metodologias para
o contribuir com ensino de história de uma forma dinâmica.

Ao pensarmos no ensino da história local por meio da HQ‘s é


necessário que façamos reflexões que tendem a beneficiar a
aprendizagem dos alunos. As HQ`s como forma de linguagem têm se
mostrado como algo desafiante, pois é marcado por estereótipos, ou
seja, mal visto por alguns profissionais da área da educação, haja
vista que essa linguagem ainda encontra dificuldades, pois os
profissionais da educação ainda não veêm as HQ`s como uma fonte
histórica e sim como algo lúdico. Contudo, o campo das ciências
humanas no decorrer dos anos tem se ampliado cada vez mais,
surgindo perspectivas e possibilidades novas de ensino, assim essas
possibilidades tendem a enfatizar o aprendizado pelo uso dessas
novas de linguagens.

É importante ressaltar que durante muitos anos o uso da HQ‘s não


era visto como fonte histórica. E é na década de 1970 que essa
linguagem se torna mais significativa. De acordo com Vergueiro apud
Krakhecke (2009).

―Quanto às HQs, em geral pouco valorizadas ou mesmo ignoradas


pelos historiadores como fonte histórica, elas estão, de um modo
geral, relacionadas com o contexto da época em que são publicadas,

354
pois são produtos de seu tempo. O olhar dos quadrinhos pode ser
bastante peculiar e se diferenciar de outras obras culturais por
diversos motivos, seja por ter um público diferenciado, normalmente
mais jovem, seja por se tratar de um meio de comunicação de massa
que ainda mantém uma integridade autoral que, como veremos,
possibilita que seus autores transmitam suas idéias sem muitas
interferências, pois possuem uma larga participação no processo de
produção. [...]‖. (VERGUEIRO apud KRAKHECKE, 2009, p. 13).

No cotidiano em sala de aula, enquanto professores de história,


buscamos contribuir cada vez mais com o rendimento e
aprendizagem dos nossos alunos e, é nesse sentido que buscamos
inovar o ensino dos alunos. Na condição de professor devemos
pensar no livro didático e nas outras linguagens como perspectiva de
ensino, buscar nas novas linguagens que nos auxiliem a obter novos
resultados positivos no ensino aprendizado.

Alguns autores renomados que abordam a temática da HQ‘s no


ensino de história dentro do ambiente escolar e consideram a partir
de suas experiências, que esta linguagem engrandece o aprendizado
dos alunos, pois possibilita que o aluno associe o texto a imagem,
melhorando a leitura, e consequentemente aguçando o seu senso
crítico para as questões ali expostas. De acordo com Vergueiro
(2017);

―[...] as HQs aumentam a motivação dos estudantes para o conteúdo


das aulas, aguçando a curiosidade e desafiando seu senso crítico; a
interligação do texto com a imagem, presente nas HQs, amplia a
compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos
códigos, isoladamente, teria dificuldades para atingir; as HQs versam
sobre os mais diferentes temas, sendo facilmente aplicáveis em
qualquer área, além de apresentarem uma linguagem mais
assimilável; a inclusão dos quadrinhos na sala de aula possibilita ao
estudante ampliar seu leque de meios de comunicação, incorporando
a linguagem gráfica à linguagem oral e escrita, que normalmente
utiliza; os quadrinhos auxiliam no desenvolvimento do hábito de
leitura; os quadrinhos enriquecem o vocabulário dos estudantes; o
caráter elíptico da linguagem dos quadrinhos obriga o leitor a pensar
e imaginar, tornando as HQs especialmente úteis para exercícios de
compreensão de leitura e como fontes para estimular os métodos de
análise e síntese de mensagens; os quadrinhos têm caráter
globalizador, trazem temáticas que têm condições de ser
compreendidas sem necessidade de um conhecimento prévio
específico ou da familiaridade com o tema; os quadrinhos podem ser
utilizados em qualquer nível escolar e com qualquer tema‖.
(VERGUEIRO apud LIMA, 2017).

355
Na busca de obter resultados satisfatórios o uso da HQ‘s torna-se um
aliado ao ensino proporcionando aprendizagem acerca do tema. Ao
trabalhar a História Local por meio da HQ‘s, é importante ressaltar a
História das representações, uma temática que é tão bem abordada
pelo historiador Roger Chartier em seu artigo ―O mundo como
representação‖, um trabalho onde ele tece considerações acerca das
representações, ou seja, de acordo com o local os indivíduos formam
suas identidades.

O Uso da HQ‘s em sala de aula poderá auxiliar nossos alunos a


conhecer a história do nosso município de uma forma dinâmica,
problematizando-as e aguçando seu senso crítico bem como traçar
debates e roda de conversa proporcionando uma maior interação
entre professor e alunos e, alunos com alunos.

O uso das h‟qs na sala de aula


Ao trabalhar a história local o professor enfrenta desafios na medida
em que, nem sempre o tema é interessante aos discentes, pois fomos
culturalmente educados com uma historiografia francesa, dominante
através dos Annales, que valorizam produções externas, como a
história do Egito e a mitologia grega, nos esquecendo do local e suas
especificidades. Essa construção reflete no ensino da história local,
partindo desse pressuposto, analisaremos a história local a partir da
história em quadrinhos, uma vez que, a história local não está
desconexa do regional e global.

A história em quadrinho foi uma adaptação feita da HQ‘s ―Cascão em


histórias para dormir‖ produzida por Maurício de Sousa no ano de
2005. Essa revista em quadrinhos foi escolhida por ser uma história
em quadrinhos muito conhecida entre os alunos. Neste trabalho
relata um diálogo entre pai e filho sobre a história de seu Município,
onde o pai através de sua memória coletiva, menciona sua
experiência de quando chegou na região do Sul do Pará em especial a
cidade de Xinguara. Essa memória no primeiro momento é individual
que, por conseguinte é coletiva na medida em que envolve lugares,
pessoas e eventos. O historiador Michael Pollak nos adverte dos
cuidados que o professor de história deve tomar ao trabalhar com
essa metodologia e não tomar como verdade absoluta essa
construção da memória, pois ela é flutuante e mutável.

A história do município de Xinguara foi adaptada para a HQ‘s, por


ainda ser pouco conhecida entre os alunos, pois através dessa
história do ‗Entroncamento Xingu‘ os alunos se sentirão mais
próximos da história do município, por se tratar de personagens que
se aproximam mais da realidade deles, desconstruindo também a
história pioneiros que trata só dos heróis.

356
Propomos ao professor trabalhar com uma HQ‘s sobre história local,
com os personagens fictícios Cascão e seu pai, onde o pai conta a
história da formação do Município de Xinguara. É importante ressaltar
que o material proposto para turma de 6º ano, no entanto isso não
impede que seja trabalhado nas demais séries.

Sendo o surgimento do município com a construção da PA-150 atual


BR 155 e a PA 279. Xinguara no início se chamava Entroncamento
Xingu, por estar situada no entroncamento da BR 155 e PA 279, a
origem do nome Xinguara se deu devido o Cruzamento dos dois rios
Xingu e Araguaia.

Xinguara foi povoada no início do ano de 1977, nesse período vieram


pessoas de todas as regiões principalmente de Goiás, Minas Gerais,
Maranhão, Tocantins e região sul do país atraídos pelas as
madeireiras e também por suas terras férteis, para desenvolver a
agricultura e pecuária, a fim de cultivar arroz, feijão, milho, banana,
mamão e a criação de gado e suíno que na atualidade predomina o
agronegócio.

O pai do Cascão situa Xinguara geograficamente a seu filho, a mesma


está localizada entre duas cidades estratégicas que é Conceição do
Araguaia e Marabá, seu clima é tropical e úmido. O pai afirma que
por um momento a estrada não foi o único incentivo para o
assentamento de migrantes no entroncamento das duas estradas.
Agricultores e posseiros foram atraídos para este município pela
esperança de receber um lote de terra na área de colonização
promovida pelo governo estadual, discussão essa que pode se
estender a outras aulas sobre reforma agrária.

Com o crescimento da cidade de Xinguara que tinha como economia


baseada nas madeireiras da região, essa por sua vez foi sendo
desbancada pela economia da pecuária na região onde estão situadas
grandes fazendas de criação de gado. A exportação do boi em pé, é
um marco no crescimento da nossa região, atraindo o mercado
internacional como o Irã entre outros, conta com dois frigoríficos em
pleno funcionamento produz e exporta sua produção para países da
Europa e Ásia. Devido ao crescimento da pecuária nessa região o
Sindicato Rural organiza a Feira Agropecuária de Xinguara desde em
1998, sendo o evento uma referência do da identidade dos grandes
fazendeiros da região.

Sugerimos que no primeiro momento, o professor entregue o


material, disponível em anexo, a seus alunos para que os mesmos
leiam, para se familiarizar com a história contada pelo pai do Cascão,
e fazer uma paralelo se tem semelhanças ou diferenças da história

357
contada por seus familiares (pai, mãe, avô, avó, tios e tias). Logo
esses alunos vão se manifestar como a história contada, por seus
familiares é a verdadeira que provavelmente da que foi abordada pela
HQ‘s, então o professor deve iniciar um diálogo, contextualizando
sobre as várias construções da narrativa da história local, tendo a
história oficial e a coletiva, não sendo uma mais importante que a
outra, é sim de acordo com os interesses de quem a produziu.

A história contada pelo pai do Cascão é a história oficial daquele


momento, mesmo que o narrador não fez parte da construção da
história se sente sujeito participante do processo ao narrar à história
de sua cidade, pois a identidade do pai do Cascão está construída de
acordo com o contexto na qual está inserido. Destacamos que a
história oficial é a ensinada dentro e fora das escolas, pois a mesma
atende aos anseios da elite local, que impõe uma identidade
construída a partir das relações políticas e econômicas, discussão
essa que não cabe nos estender no momento.

Após esse primeiro momento, o professor pode discorrer sobre a


ausência de sujeitos históricos nessa narrativa, e como esses
discursos constroem estereótipos acerca dos sujeitos que ficaram a
margem da história local. É importante frisar que só a história em
quadrinhos não consegue problematizar de forma contundente a
respeito da história local, sendo necessárias leituras acerca da
temática e sua abordagem, por se tratar da complexidade de sua
fonte.

É nesse sentido, que com uma maior interação com nossos alunos
traçamos uma meta de ensinar a história do nosso município por
meio do uso da HQ‘s como uma nova linguagem que possibilitará
resultados exitosos, pois ainda há uma carência no conhecimento dos
nossos alunos acerca da história local e por isso nasceu esse
interesse em ensinar o global a partir do local, como uma ação global
pode interferir no local.

Esse estudo proporciona ao aluno, situar-se dentro da história, pois a


história local mostra o aluno como ator dessa história e
consequentemente se reconhecer como sujeito no tempo. Com intuito
de desconstruir estereótipos que consolidaram através da criação da
identidade local.

Considerações finais
Considerando as dificuldades que as novas linguagens encontram de
ser inseridas no ensino de história. A presente proposta tende a
facilitar o aprendizado dos alunos acerca da história local.

358
Através de um diálogo entre professor e aluno, é necessário que
recorramos a algumas das novas formas de linguagem que se
ampliaram no ensino citadas acima. É necessário ressaltar que os
avanços da LDB no que tange a aprendizagem dos alunos têm cada
vez mais se ampliado, a fim de beneficiar a formação dos estudantes
como afirma Selva Guimarães Fonseca:

―O lugar e o papel ocupados pela História na educação básica


brasileira, na atualidade, derivam, pois, de transformações na política
educacional e no ensino de História, conquistadas a partir de lutas
pela democracia nos anos 1980, da promulgação da Constituição
Federal de 1988 e da implantação da nova LDB. [...]‖. (FONSECA,
2010, p. 01).

O ambiente escolar deve ser um espaço para o diálogo e a


desconstrução desses discursos cheio de intencionalidade que
envolve a história local, pois o mesmo constrói uma representação
que pode excluir sujeitos que não se enquadre a tal imagem. Uma
maneira de abordar tal tema, de uma forma dinâmica e atrativa, e
usando as novas linguagens em especial a história em quadrinhos.

Referências
Regiani da Silva Pedrosa. Graduanda no curso de História do Instituto
de Estudos do Trópico Úmido da Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do acessado em
19/01/2018.

Rildo Bento Tavares. Graduando em Licenciatura plena em História


pela Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará),
disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do em
25/01/18

Este trabalho foi fruto da disciplina de PPC-V Estratégias de Ensino de


História no Ensino Fundamental, sob orientação do Professor em
História Rafael Rogério Nascimento dos Santos, pela Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

Este trabalho contou com a colaboração de Iolanda de Araújo


Mendes, graduanda em História pela Universidade Federal do Sul
Sudeste do Pará (Unifesspa).

FONSECA, Selva Guimarães. A HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:


CONTEÚDOS, ABORDAGENS E METODOLOGIAS - ANAIS DO I
SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO – Perspectivas
Atuais Belo Horizonte, novembro de 2010.

359
KRAKHECKE, Carlos André. Representações da Guerra Fria em
Batman – O Cavaleiro das Trevas e Watchmen. In: ____.
KRAKHECKE, Carlos André. Representações da guerra fria nas
Histórias em quadrinhos: Batman – o Cavaleiro das trevas e
Watchmen (1979-1987). Dissertação (Mestrado em História). Porto
Alegre. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2009.
pp. 89-133.

LIMA, Douglas. História em quadrinhos e ensino de História. Revista


História Hoje, v.6, nº 11, p. 147-171, 2017.

360
A SELVA E AS IDENTIDADES LATINOAMERICANAS NO CINEMA
E O ENSINO DE HISTÓRIA
Renata Carvalho Silva

Estuda-se, comumente, a história das populações nativas sempre


após 1492, como se antes estes povos não possuíssem história ou
qualquer tipo de produção cultural ou material de maior importância
e destaque. Outra questão ainda mais grave é que a representação
que encontramos das comunidades indígenas nos livros didáticos e
nas escolas é de povos que estão estáticos, que não possuem uma
cultura dinâmica, sendo comumente representados a partir de
estereótipos e generalizações como se a cultura indígena não tivesse
sofrido nenhuma modificação no processo histórico, limitando e
homogeneizando inúmeras e diversificadas expressões sociais a uma
única matriz de leitura referencial.

Outra representação preocupante que se faz do índio na história é


como mera vítima do processo de colonização. Não se nega aqui a
extrema violência a que esses povos foram submetidos no processo
de implementação do projeto colonial: violências físicas, como
enfrentamentos diretos e desiguais, doenças, escravidão e etc; e
violências simbólicas como mudanças no regime de trabalho,
estrutura social e religiosa. Essas modificações forçaram uma
reconfiguração na cultura indígena, mas isto não implica que estes
povos tenham desaparecido, ou não possuam uma identidade
própria. Janice Theodoro (1992) afirma assim perceber que as
culturas indígenas são viventes e não sobreviventes no processo
histórico (p. 64).

A Lei nº 11.645, de 10 Março de 2008, que insere o ensino de


História e Cultura dos Povos Indígenas a serem trabalhados em
especial e obrigatoriamente nas disciplinas de Artes, Literatura e
História, abre espaço para a discussão a respeito da comunidade
indígena, ponto importante na formação da história e cultura de
nosso país, mas que durante um longo espaço de tempo esteve
relegada, sendo sempre estudada pela ótica dos chamados
vencedores da história, ou seja, entrando de maneira subalterna na
escrita da história. Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga que
busca estudar o sujeito indígena por uma outra perspectiva afirma
que ―a História do Brasil, a canônica, começa invariavelmente pelo
‗descobrimento‘. São os ‗descobridores‘ que a inauguram e conferem
aos gentios uma entrada – de serviço – no grande curso da História‖
(CUNHA, 1998, p. 08).

361
Dessa forma busca-se através do presente trabalho analisar as
diferentes representações da selva e das identidades latino-
americanas feitas pelo cinema como forma de trabalhar o ensino da
história e cultura indígena, circunscrita à determinação da Lei
11.645/2008, buscando dessa forma fomentar a abordagem da
perspectiva intercultural e humanística de valorização da diversidade
e da pluralidade cultural e étnica da qual é fruto nossa própria
sociedade.

O Cinema como recurso metodológico


É nesse sentido que entendemos ser o uso do cinema e das
diferentes produções audiovisuais que tem na figura do elemento
nativo seu objeto principal, ou como mera figuração narrativa, fonte
e ferramenta de grande valor de pesquisa uma vez que nos permite
refletir como as representações acerca dessas populações refazem-se
continuamente a medida que novas luzes e perspectivas são lançadas
a partir dos debates em âmbito acadêmico e/ou político, quer
reforçando antigos estereótipos de fixação de identidade quer
avançando na leitura da dinâmica e ressignificação dos diversos
contextos culturais em constante contato.

O registro fílmico enquanto documento histórico - como qualquer


outro documento produzido pelo homem e passível de auxiliar na
busca pela compreensão de determinada época a ele relacionada -
pressupõe uma meticulosa interpretação dos contextos sociais dos
seus produtores e dos códigos a ele inerentes. Quando se fala, ao
trabalhar com documentos escritos, dos ditos e não-ditos inscritos
nos textos, fala-se das escolhas de exposição e ocultamento
realizadas por seus idealizadores/realizadores. Na mesma medida, o
registro cinematográfico encerra escolhas realizadas por quem opera
a câmera, quem constrói determinado roteiro, os responsáveis pelos
cortes e edições que vão desde as formas de enquadramento até os
aspectos ou modelos que se quer mostrar/ocultar. São os códigos,
simbologias e propósitos inerentes às escolhas do autor, que estão
diretamente relacionados ao seu lugar no tecido social de seu tempo,
os ingredientes de fato pertinentes à possibilidade da análise do filme
enquanto documento histórico (CODATO, 2010).

Ao se utilizar o filme como fonte e ferramenta para o ensino de


História, ao contrário do que se possa pensar, não procuramos que
este se resuma apenas a um mero manual de como o professor deve
ou não utilizar um determinado filme, quer seja ele histórico ou não
em sala de aula, uma vez que, como nosalerta Marc Ferro (1988),
―os filmes de tipo histórico não são mais que uma representação do
passado‖ que em grande medida falam mais sobre o presente que
sobre esse mesmo passado. É necessário, portanto, que se leve em

362
consideração a premissa de que este é apenas um dos inúmeros
olhares que se possa lançar sobre o passado e o professor deve,
então, nesse caso, conscientizar-se sobre as múltiplas significações
implícitas a determinada produção cinematográfica quando da sua
escolha para que assim lhe possa ser claro o emprego do passado em
tal obra.

Werner Herzog e o olhar estrangeiro sobre uma Amazônia


intransponível
A partir desse ponto nos propomos a analisar obras cinematográficas
que trabalham com aspectos fundamentais para a pesquisa
anteriormente apresentada: a floresta amazônica e as populações
indígenas amazônicas. Buscaremos, dessa forma, considerar as
semelhanças e diferenças na forma como duas obras específicas
buscam retratar esses dois aspectos. Trata-se aqui das seguintes
obras: ―Aguirre: a Cólera dos Deuses‖ do diretor alemão Werner
Herzog (1972) e ―O Abraço da Serpente‖ do diretor colombiano Ciro
Guerra (2016). A forma como a indústria cinematográfica produz,
reforça ou reproduz estereótipos e imaginários fantásticos acerca
desses elementos ou a medida que busca se distanciar dos mesmos é
nossa principal preocupação.

Desde a obra Green Hell (1940) do diretor britânico radicado nos


Estados Unidos, James Whale, a narrativa da grande indústria
cinematográfica sobre a Amazônia se baseia em reforçar os aspectos
fantásticos e misteriosos construídos ao longo dos anos pelos
cronistas, literatos e documentaristas que a visitaram desde os
primórdios da colonização até o alvorecer da tecnologia do
cinematógrafo com o apogeu do ciclo da borracha (LOPES, 2015).
Dentre os elementos mais demarcados nessas narrativas se encontra
a ideia da floresta como um lugar exótico e assustador, com
populações nativas selvagens e muita das vezes canibais, bem como
povoada de animais gigantescos ou mesmo pré históricos: O Monstro
da Lagoa Negra (1954), O Mundo Perdido (1960), A Floresta das
Esmeraldas (1985), Anaconda (1997), Um Lobisomem na Amazônia
(2005), e por aí vai.

A obra do diretor alemão Werner Herzog, intitulada ―Aguirre, a cólera


dos deuses‖ de 1972 é uma das obras fruto do movimento de
renovação do cinema mundial impulsionado pelo realismo poético
francês que sucedeu as vanguardas estéticas de início do século XX e
que também inspirou o neorrealismo italiano pós segunda guerra
mundial e que tinham como características transpor o paradigma de
produção cinematográfica norte americano vigente até então com
suas grandes produções feitas em estúdio, retratando e exaltando,
em geral, o american way of life.

363
Em linhas gerais esse ―Novo Cinema‖ tinha como características a
busca por um cinema mais autoral, visando retratar personagens e
cenários mais realísticos, usando, às vezes, intérpretes não
profissionais bem como um minimalismo técnico que bem pode ser
representado pela já consagrada frase ―uma câmera na mão, uma
ideia na cabeça‖. Assim é que Herzog se lança na ousada
empreitada de, com um orçamento baixíssimo, produzir um épico
para aquele período, retratando o episódio histórico da expedição de
Don Lope de Aguirre que tendo a tomada do império Inca pelos
espanhóis como pano de fundo, sai em busca da lendária cidade do
Eldorado na Amazônia Oriental. Com um grande elenco e poucos
recursos técnicos, o diretor consegue produzir um dos grandes
clássicos do Novo Cinema Alemão com a ajuda da excepcional
parceria e interpretação do ator Klaus Kinski no papel do ambicioso
Aguirre em uma jornada de loucura em meio a uma Amazônia
avassaladora e inexpugnável.

Figura 1
https://fireinthejungle.wordpress.com/2011/02/09/the-obsession-of-
men-in-the-jungle/

Apesar da proposta de renovação empreendida por Herzog, muitos


são os elementos que ainda persistem em sua obra frutos de uma
leitura exotizada da região amazônica e seus habitantes. A floresta
ainda é vista como um espaço ―infernal‖ que por conta das suas
muitas e intransponíveis barreiras naturais, dizima a coragem, a
saúde e a sanidade do invasor mesmo que isso seja retratado através
de uma forte crítica à ambição desmedida daqueles que se lançavam
em aventuras em busca de glória e riquezas. Também a predileção
pelos planos abertos, inclusive o belíssimo plano inicial que abre a

364
película, filmando em um close up lento uma multidão que mais se
assemelha a uma procissão de formigas, além da pouca e irracional
participação do nativo em sua narrativa, atestam uma visão ainda
bastante deturpada e eivada de estereótipos de um olhar estrangeiro
sobre a paisagem e as gentes da Amazônia.

Ciro Guerra e os novos olhares sobre a História Indígena na


América Latina
Baseado nos diários de viagem reais de dois cientistas europeus que
desbravaram a Amazônia em diferentes épocas da primeira metade
do século XX, em O Abraço da Serpente Theodor Von Martius
(interpretado pelo ator belga Jan Bijvoet), inspirado no etnógrafo
alemão Theodor Koch-Grunberg (1872-1924) busca a ajuda do índio
desterrado da etnia Coihuano, Karamakate (interpretado pelo
indígena Nilbio Torres) para encontrar uma flor medicinal muito rara
e única a poder salvá-lo de uma enfermidade que o assola.

Utilizando o recurso de duas frentes de narração, onde dois pontos


temporais são separados e unidos na mesma história, se
entrecruzando no desenvolvimento da narrativa, encontramos, 40
anos depois, o segundo explorador, Evan (interpretado pelo ator
americano Brionne Davis) baseado nos diários do etnobotânico
americano Richard Evans Schultes (1915-2001) onde o mesmo
também segue em busca da mesma planta medicinal só que agora
por motivos diferentes, a planta pode lhe salvar do mal de nunca ter
conseguido ―sonhar‖.

Através de inúmeras intencionalidades estéticas e manipulando uma


temporalidade que extrapola a linearidade e entremeia os dois
momentos narrativos, o diretor e realizador da obra nos leva a
desvendar dois universos em confronto e a refletir sobre diversos
elementos do histórico do contato: oposição civilização e barbárie;
descrença e desconfiança, o território como constituinte da memória
e formadora da identidade étnica, a utilização compulsória da mão de
obra nativa na exploração da borracha amazônica no início do século
XX, dentre outros inúmeros aspectos simbológicos ricos de
apreciação analítica, explorando assim, questões acerca da
construção das identidades em contato, territorialidades e
perspectivismo, buscando sempre empreender uma contraposição às
produções clássicas que tomam o elemento nativo a partir das
tradicionais representações binárias do bárbaro primitivo ou do herói
idílico nacional.

É possível reconhecermos vários elementos de renovação do cinema


latino americano contemporâneo pós 1980 na obra de Guerra que
busca conjugar as referências do movimento cinema novo das

365
décadas de 1960-70 como a filmagem em espaços reais, com
intérpretes não profissionais e tomando os personagens minoritários
como personagens principais da narrativa, ao mesmo tempo em que
busca conjugar tais referências a uma maior qualidade técnica e não
deixando de lado o interesse pelo reconhecimento internacional ao
mesmo tempo estético e mercadológico.

O termo decolonial utilizado aqui como categoria chave de


entendimento parte de uma escolha teórica baseada nos
pressupostos epistemológicos advindos dos debates do grupo de
investigadores latino americanos intitulado Modernidad/Colonialidad
surgida entre os anos 2000 e que visa entre outras coisas ―se
posicionar de forma mais radical no debate pós colonial visando
transcender a colonialidade, a face obscura da modernidade, que
permanece operando ainda nos dias de hoje em um padrão mundial
de poder‖ (BALLESTRIN, 2013, p. 01).

Nesse sentido o termo decolonial, grafado sem o ―s‖ tem um aspecto


de escolha política e epistemológica uma vez que ―marca uma
distinção com o significado de descolonizar em seu sentido clássico.
Deste modo a intenção não é desfazer o colonial ou revertê-lo, ou
seja, superar o momento colonial pelo momento pós-colonial. A
intenção é provocar um posicionamento contínuo de transgredir e
insurgir. O decolonial implica, portanto, uma luta contínua.‖ (WALSH,
2009, p. 15-16).

Logo, busca-se aqui perceber de que forma o cinema latino


americano contemporâneo coaduna-se com as propostas de
compreender as constituições identitárias no contexto dos contatos
pluriétnicos e de mestiçagem/hibridização a partir de pressupostos
conceituais específicos, dando ênfase a novas perspectivas de
classificação e compreensão da experiência humana. Ou como nos
aponta Grosfoguel:

―Como resultado, el mundo de comienzos del siglo XXI necesita una


decolonialidad que complemente la descolonización llevada a cabo en
los siglos XIX y XX. Al contrario de esa descolonialización, la
decolonialidad es un proceso de resignificación a largo plazo, que no
se puede reducir a un acontecimiento jurídico-político‖ (Grosfoguel,
2005, p. 17).

Outra noção chave para o entendimento do trabalho aqui proposto é


a noção de perspectivismo e multinaturalismo ameríndio
desenvolvido pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro donde é
possível percebermos um grande alinhamento com os pressupostos
do decolonialismo uma vez que o mesmo propõe uma leitura que

366
rompe com as oposições natureza X humanidade/cultura;
racionalidade X subjetividade, clássicos dos pressupostos
epistemológicos eurocentrados propondo em seu lugar as noções das
múltiplas humanidades a partir de uma imersão profunda na
experiência de conceituação e construção do conhecimento fruto das
experiências vividas de sociedades indígenas amazônicas (Castro,
2004).

Sendo assim, a escolha do filme colombiano ―O Abraço da Serpente‖


para o desenvolvimento da pesquisa parte principalmente das
escolhas não só teóricas como estéticas do seu realizador que
colocam o indivíduo nativo como elemento principal e direcionador da
narrativa. É possível perceber tais escolhas nas palavras do próprio
diretor quando o mesmo aponta e discorre sobre algumas delas:

―GUERRA – Esse projeto mobilizou 15 anos da minha vida e me deu


capacidades que eu não teria como resumir em palavras, porque,
antes de tudo, o filme ensinou-me a ver o mundo de um outro lugar,
um outro ponto de observação: o dos xamãs, o da floresta. Perdi
muito peso nesse processo. Peso espiritual, peso intelectual, até um
peso afetivo. Foi uma libertação, pois «O Abraço...» levou-me a
buscar um novo estado de espírito na direção do sonho, de modo que
eu pudesse me libertar de referências sensíveis do próprio cinema e
buscar o entendimento da novidade à minha frente sem a muleta da
lógica do pensamento cartesiano (Entrevista concedida ao site da
Revista Metrópolis em 13 de abril de 2016)‖.

Assim, apesar de ser descrito por Guerra não como um retrato fiel do
passado, mas um ―ambiente do passado reconstituído a partir de
uma experiência sensorial‖ (Op. Cit.) a película nos coloca em
contato com uma rica reflexão sobre a questão do histórico de
contato e suas múltiplas implicações num processo estético de
imersão na perspectiva da experiência multinaturalista das
identidades indígenas da Amazônia.

Questiona-se assim o papel dos cientistas e viajantes que


desbravaram a Amazônia e a forma como construíram leituras e
classificações sobre as populações nativas, a forma como a influência
das missões católicas desencadearam novas experiências religiosas
no contexto do hibridismo pós colonial bem como a forma
contundente com que a exploração comercial da Amazônia em
contextos como as da exploração da borracha afetaram incisivamente
as mesmas.

367
Figura 2
https://tocadocinefilo.com/2016/03/03/o-abraco-da-serpente/

Várias são as escolhas técnicas e estéticas do autor que nos levam a


perceber tais propostas narrativas como a escolha do preto e branco
do filme como forma de fuga da ―mimese do real‖ não atingível pela
lente da câmera e como forma não só de fazer o espectador imergir
através do uso recorrente dos planos intencional e excessivamente
amplos na extensão e imbricação entre homem e natureza
amazônicos.Outra interessante escolha para obra que nos apresenta
o autor é o de rodá-lo em filme 35 mm. Assim o mesmo a explica:

―La película está inspirada em lãs imágenes que tomaron los


exploradores em los que se basa la historia, imágenes que eran casi
daguerrotipos. Son los únicos documentos que sobrevivieron que
muestran a muchas comunidades amazónicas. Queríamos que el
filme se acercara a esa textura de las fotos, que transportara
directamente a esos años. Hicimos pruebas con varios formatos
digitales, pero nos dimos cuenta de que no servían para capturar la
luz natural ni los detalles que ofrece la selva, no tenían la cualidad
orgánica que buscábamos‖ (Guerra, entrevista concedida ao site do
jornal El Ibérico em 06 de junho de 2016).

368
Figura 3
http://observer.com/2016/02/embrace-of-the-serpent-follows-
westerners-through-the-amazon-from-the-native-perspective/

Muitas outras questões ainda existem a serem lidas, interpretadas e


trabalhadas e que não caberiam no espaço restrito desse texto
preliminar de apresentação de pesquisa, mas de antemão pontuamos
que a escolha do filme como objeto de análise e uso para o ensino da
História e Cultura Indígena em sala de aula, em atendimento à lei
11645/08 passa, indiscutivelmente, pela reflexão sobre de que
História e de qual representação de populações indígenas se pretende
ou se está (ou não está, nos parece mais o caso) fazendo quer seja
nas Licenciaturas, quer seja nas escolas de educação básica no Brasil
atual.

Portanto, uma reflexão crítica sobre os pressupostos sobre os quais a


História vem assentando as suas leituras sobre o passado e o
presente das múltiplas e diferenciadas etnias que habitam e
constituem os espaços geográficos latino americanos se faz cada vez
mais necessária.

Assim, propomos que as análises aqui parcialmente apresentadas


acerca de diferentes grupos e indivíduos nativos nos permita entrever
as múltiplas representações construídas acerca dos mesmos
buscando não só perceber as ideologias de imposição de uma
identidade estática e assim apagada do elemento nativo na mídia e

369
no ensino, como tentando buscar, nas recentes produções, a
integração de novas leituras e abordagens de natureza antropológica
que intentam alcançar as idiossincrasias dos diversos grupos
embasados na valorização das suas diferenças e particularidades
multiétnicas e culturais das quais todos também fazemos parte.

Referências
Renata Carvalho Silva é discente do Programa de Pós-Graduação em
História, Ensino e Narrativas – Mestrado Profissional da Universidade
Estadual do Maranhão. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA)

BALLESTRIN, Luciana. Para transcender a Colonialidade. Entrevista


concedida ao site da Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Em
04/11/2013. Disponível em:
http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/5258-luciana-ballestrin.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. Perspectivismo e multinaturalismo na


América indígena. In: O Que nos Faz Pensar? – Cadernos do
Departamento de Filosofia da PUC-Rio, vol. 14, nº 18, setembro de
2004, p.225-254.

CODATO, Henrique. Cinema e Representações Sociais: alguns


diálogos possíveis. In: Verso e Reverso, Unisinos, vol. 29, nº 55,
janeiro-abril de 2010, p. 47-56. Disponível em:
http://www.revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view
File/44/8.

CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São


Paulo: CIA das Letras, 1998.

FERRO, Marc. O filme, uma contra-análise da sociedade? In: LE


GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos objetos. Rio de
Janeiro: Francisco A1vcs, 1988.

GROSFOGUEL, Ramón. ―The Implications of Subaltern Epistemologies


for Global Capitalism: Transmodernity, Border Thinking and Global
Coloniality‖. En Richard P. Appelbaum and William I. Robinson (eds.).
Critical Globalization Studies.New York /London: Routledge. 2005.

GUERRA, Ciro. Entrevista a Revista Metrópolis em 13 de abril de


2016.
http://cinemametropolis.com/index.php/pt/entrevistas/item/912-o-
abraco-da-serpente-entrevista-ciro-guerra

370
GUERRA, Ciro. Entrevista ao site do jornal El Ibérico em 06 de Junho
de 2016. http://www.eliberico.com/entrevista-a-ciro-guerra/

LOPES, Rafael de Figueiredo. Ação e aventura na Amazônia inventada


pelo cinema de ficção. Temática. Ano XI, n.10, outubro/2015, João
Pessoa: NAMID/UFPB. Disponível em:
http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica/article/view/26247

THEODORO, Janice. América Barroca: Tema e Variações. São Paulo:


Editora da. Universidade de Sao Paulo/Editora Nova Fronteira, 1992.
WALSH, Catherine. Interculturalidad, Estado, Sociedad: Luchas
(de)coloniales de nuestra época. Universidad Andina SimónBolivar,
EdicionesAbya-Yala,: Quito, 2009. Disponível em:
http://www.flacsoandes.edu.ec/interculturalidad/wpcontent/uploads/
2012/01/Interculturalidad-estado-ysociedad.pdf

371
ARQUIVOS E DOCUMENTOS NO ENSINO DE HISTÓRIA
(LOCAL): UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Roberg Januário dos Santos
Lucilvana Ferreira Barros

―A história se faz com documentos escritos, quando existem. Mas ela


pode e deve ser feita com toda a engenhosidade do historiador[...].
Com palavras e sinais. Paisagens e telhas. Formas de campos e ervas
daninhas. Eclipses lunares e cordas de atrelagem. Análises de pedras
pelos geólogos e de espadas de metal pelos químicos‖.
Lucien Febvre (1989)

Com esta sintomática afirmativa do historiador Lucien Febvre,


podemos compreender que a história é feita com documentos escritos
e também não escritos, o que permite pensar na pluralidade de
fontes a partir da engenhosidade do historiador, pois é este quem
escolhe, seleciona, cita, faz e desfaz o instrumental que embasa suas
produções. É preciso enfatizar que estas prerrogativas do historiador
estão circunscritas a um lugar de produção e que este também
interfere em sua prática. Diferentemente da concepção de documento
reinante antes de 1929, em que o documento escrito e oficial
praticamente ―falava por si‖ no âmbito do ofício dos historiadores,
imbuído de prova e verdade.

A historiografia de vertente francesa, inaugurada pelos historiadores


ligados ao grupo dos Annales – Tendência historiográfica surgida na
França a partir de 1929 com uma trajetória marcada por três
gerações de historiadores ao longo do século XX, conhecidos como
pertencentes a um tipo de nova história, praticada por meio da
ampliação das fontes históricas, objetos de investigação, problemas
de pesquisa, interdisciplinaridade com outras ciências, viés social,
econômico e cultural dos estudos históricos – promoveu certa
revolução, à medida que as palavras de Febvre expressam bem a
ampliação da concepção de documento, pois se interessavam não
mais exclusivamente pelos registros políticos, administrativos e
militares, mas por outros vestígios legados pelo homem no tempo e
no espaço, mediante uma história social e econômica. Na obra
clássica Apologia da História, o historiador francês Marc Bloch
considera que ―a diversidade de documentos históricos é quase
infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo
que toca pode e deve informar sobre ele‖ (BLOCH, 2001, p. 79).

Neste contexto acima citado, foram lançadas as bases da concepção


de fonte histórica enquanto fruto do trabalho do historiador sobre os
documentos. Desse modo, não mais importava o estatuto de

372
veracidade das fontes, mas sim o tipo de questões formuladas acerca
das mesmas. A questão em História passou a ser elemento básico,
primário e potencial, traduzida pelo problema, ou seja, toda pesquisa
histórica pressupõe responder uma ou mais inquietações que tem sua
explicação no passado, seja ele longíquo ou recente. Sobre tal
discussão, Prost esclarece:

―Entre as várias maneiras de fazer ―avançar‖ a história, a mais


simples consiste em preencher as lacunas de nossos conhecimentos.
Mas o que é uma lacuna? Haverá sempre a aldeia, cuja história ainda
não tenha sido escrita; no entanto, a história de uma enésima aldeia
preencheria verdadeiramente uma lacuna? Em vez de um objeto
suplementar cuja história não tenha sido escrita, a verdadeira lacuna
é constituída pelas questões ainda sem resposta para os
historiadores‖. (PROST, 2012, p. 80).

Observa-se a lição que Prost apresenta, notadamente acerca da


importância das questões para a pesquisa histórica, uma vez que
estas são responsáveis pela diferenciação de temas, procedimentos e
teorizações. Os historiadores não abandonaram a crítica aos
documentos, mas passaram a questioná-los e interpretá-los à luz de
suas conexões com a sociedade que os produziu, com as técnicas de
fabricação e com os aparatos ideológicos que fundamentaram tal
produção. Conforme Karnal e Tatsch ―o documento não é um
documento em si, mas um diálogo claro entre o presente e o
passado‖ (KARNAL; TATSCH. 2013, p.12).

Com a renovação da historiografia a partir da adoção de novos


problemas, novas abordagens e novos objetos ainda na década de
1970, o campo da pesquisa histórica tem se servido de uma variada
gama de fontes, permitindo compreender que o traço comum que
identifica tantas coisas como fonte histórica seja o ―[...] interesse do
historiador em inquirir o que essas coisas revelam sobre as
sociedades às quais elas pertencem e na criação de uma narrativa
explicativa sobre o resultado de suas análises‖( JANOTTI, 2010,
p.10). Karnal e Tatsch, percorrem por dentro a noção de documento
concluindo que ―em síntese, documento histórico é qualquer fonte
sobre o passado, conservado por acidente ou deliberadamente,
analisado a partir do presente estabelecendo diálogos entre a
subjetividade atual e a subjetividade pretérita‖ (KARNAL; TATSCH.
2013, p. 24). Essa percepção de documento se aproxima do que é
definido oficialmente como passado, pois conforme Hobsbawm, o
passado é ―[...] uma seleção particular da infinidade daquilo que é
lembrado ou capaz de ser lembrado‖ (HOBSBAWM, 2013, p. 26).

373
Em Arqueologia do Saber, o filósofo francês Michel Foucault apontava
no final dos anos sessenta do século XX no sentido de problematizar
o documento enquanto monumento, ou seja, documento encarado
como fruto de uma complexa rede de saberes e poderes, sendo
necessária uma ação ―arqueológica‖ para decompô-lo a partir das
várias camadas que o constitui (FOUCAULT, 2012). Na esteira deste
pensamento, o historiador francês Jacques Le Goff, em seu clássico
Livro História e Memória, publicado pela vez em 1988, alavancou a
discussão sobre a natureza do documento histórico, passando a
pensar este último enquanto fruto de uma montagem ao longo do
tempo, sendo necessária uma ação analítica de desmonte e
indagações acerca das condições de produção dos mesmos, para
tanto ele evidencia que:

―O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de


uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da
sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas
durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as
quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O
documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o
ensinamento (para evocar a etimologia) que eletraz devem ser em
primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado
aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das
sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou
involuntariamente – determinada imagem de si próprias‖. (LE GOFF,
1990, p.542).

Geralmente os lugares de guarda dos documentos que se tornam


históricos, do ponto de vista do historiador, são os arquivos. Segundo
a historiadora francesa Alertte Farge (2009), ―o arquivo é uma brecha
no tecido dos dias, a visão retraída de um fato inesperado‖. Embora
este trecho citado remeta-se ao contexto dos arquivos judiciários,
Farge nos presenteia com uma definição interessante de arquivo, pois
o arquivo abre uma premente possibilidade de diálogo com o
passado, principalmente de um passado inesperado, urdido no calor
da pesquisa histórica embasada em uma sistemática e por recortes
temáticos, espaciais e temporais. A pesquisa em arquivos torna-se
mais profícua ao sabor do arquivo, como pensa Farge, uma vez que o
trabalho neste tipo de lugar deve ser realizado com paciência e
destreza historiadora, um verdadeiro trabalho de artesão, ―lento e
pouco rentável‖. O historiador brasileiro Carlos Bacellar reforça a
ideia de quão é desafiador e lento o trabalho em arquivos:

―Aventura-se pelos arquivos, portanto, é sempre um desafio de


trabalhar em instalações precárias, com documentos mal
condicionados e preservados, e mal organizados. Portanto, o

374
historiador tem sempre pela frente o desafio de permanecer por
meses, quando não por anos, nesses ambientes pouco acolhedores
em termos de conforto e de condições de trabalho [...]‖ (BACELLAR,
2008, p.29).

Além do que, como aponta Castro, os ―documentos de arquivos, além


de geralmente serem únicos, também não circulam, isto é, não
podem ser levados para casa ou emprestados através de outro
arquivo como ocorre no caso de empréstimos entre bibliotecas‖
(CASTRO, 2008, p. 37). Considerando esta assertiva de Castro, se faz
necessário provocar os professores(as) de História para o trabalho
em arquivos, principalmente no que concerne ao ensino de história
local e regional – mesmo considerando fatores adversos, como
tempo, devido à alta carga horária; financiamento; equipamentos
entre outros – na busca de documentos que possam:

―Contribuir para uma compreensão múltipla da História, pelo menos


em dois sentidos: na possibilidade de se ver mais de um eixo
histórico na história local e na possibilidade da análise de micro-
histórias, pertencentes a alguma outra história que as englobe e, ao
mesmo tempo, reconheça suas particularidades‖ (SCHMIDT;
CAINELLI. 2009, p.139).

É interessante pensar que o docente pesquisador é uma condição não


necessariamente derivada de uma ausência de pesquisas realizadas
por pesquisadores acadêmicos, geralmente especialistas em
determinado tema histórico. O docente pesquisador pode ser uma
condição assumida diante das especificidades do próprio trabalho em
sala de aula, pois o ensino de História, além do currículo formal e
suas diretrizes, também é perpassado por um currículo feito no
cotidiano da relação professor, estudantes e conteúdos escolares, de
modo que determinado tema trabalhado pode ser melhor estudado a
partir de um ou mais documentos pesquisados com finalidades
específicas do contexto escolar.

Nesse sentido, sabendo da importância das fontes históricas para o


metier do historiador e para a docência, cabe ressaltar o fato de
muitas cidades, especialmente aquelas mais contemporâneas,
possuírem versões de suas histórias um tanto quanto apressadas e
simplistas, com base em notas biográficas ou relatos simples da
complexidade social destes espaços. Os professores do ensino básico,
especialmente do ensino fundamental II acabam se ressentindo por
não terem material para trabalharem a história da cidade em suas
aulas de História e quando trabalham apenas fazem uso de pequenos
textos ou apostilas curtas fornecidas pelas secretarias municipais de
educação.

375
Estes materiais, acima citados, em geral, narram a história da cidade
mediante uma caracterização tradicional, a saber: origem,
emancipação política e evolução, procedimento que recai na chamada
história etapista, aquela alavancada por meio de etapas de sucessão
temporal, compreendida em blocos homogêneos, em que ocorre uma
explicação linear, harmônica e livre de adversidades e diferenças.
Além do que, esse tipo de história acaba sendo apresentado aos
moldes tradicionais diante da atual conjuntura dos estudos históricos
e suas frequentes renovações teórico-metodológicas. Daí a narrativa
geralmente recai sobre fatos, datas e homens ilustres que são postos
enquanto marcos definidores do lugar. A pouca produção
historiográfica sobre o município e a inexistência de material didático
para uso nas escolas provocam certo desconhecimento da história
local, entendida aqui como a história de cidades ou de pequenas
regiões que expressam a trajetória da comunidade e sua dinâmica no
cotidiano. Uma das mais enfáticas respostas dos professores da
educação básica, quanto ao não trabalho com a história local,
remete-se ao desconhecimento de subsídios (fontes) e caminhos
(temas) para o trato com as questões locais.

Desse modo, Compreendendo fonte histórica a partir de um olhar


contemporâneo, que afirma o seu caráter amplo e heterogêneo,
ressalta-se para os docentes que se trabalham a história local e
regional em suas aulas de História as seguintes possibilidades não só
de arquivos, mas de lugares de memória: casas e espaços de
memória, museus, arquivos públicos (câmaras municipais, fóruns,
delegacias, colégios) e privados (cartórios, coleções particulares,
bibliotecas temáticas particulares, sindicatos, associações, clubes,
álbuns fotográficos); arquivos de órgãos políticos e administrativos;
patrimônio edificado; memórias de grupos e/ou agrupamentos
sociais; arquivos de jornais e rádios, etc.

Estes lugares podem ser analisados à luz do pensamento do


historiador francês Pierre Nora, pois na obra Entre a História e a
Memória: a problemática dos lugares (1993), o referido autor
alavanca a discussão sobre os lugares de memória. Partindo da
percepção que os lugares de memória são a prova de que não há
mais memória espontânea nas sociedades contemporâneas, Nora
aponta que estes lugares são antes de tudo resto do passado,
segundo ele, criar arquivos, aniversários, celebrações, elogios
fúnebres, atas, entre outros, não são atitudes naturais. Estes lugares
seriam representados tanto por símbolos como por materialidades.
Conforme Selva Guimarães (2012), os estudos do local são
relevantes no processo de construção das identidades e das
memórias que se inscrevem no tempo, seja ele longo, médio ou
curto. Segundo esta pesquisadora, o local pode ser problematizado,

376
tematizado e explorado no cotidiano da sala de aula, a partir de
várias fontes. Guimarães ainda adianta que o estudo do local pode
ser realizado em articulação com outras dimensões do ensino, como o
regional, nacional e até o universal, a partir de temas que
atravessam estas dimensões.

Conclusão
Considera-se, portanto, que os arquivos e documentos, tidos como
históricos, são lugares e instrumentos também de trabalho do
docente na perspectiva de subsidiar suas aulas de História no ensino
básico. Documentos pensados enquanto monumentos, assim
analisados considerando todas as etapas de sua constituição,
pesquisados em arquivos tidos como espaços onde o trabalho de
pesquisa precisa ser saboreado e paulatinamente efetuado de modo
artesão. Observa-se que para se refletir e questionar a construção de
identidades e memórias ―petrificadas‖, um trabalho com fontes locais
pode, além de aproximar o estudante de sua vivência mais próxima,
possibilita iniciar junto aos estudantes um trabalho de aproximação
entre o currículo formal escolar e a consciência histórica.

Referências
Roberg Januário dos Santos: Doutorando em História pelo Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará.
Professor efetivo do curso de História do Instituto de Estudos do
Trópico Úmido, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.
Esta publicação é fruto das reflexões teóricas acerca das noções de
arquivo e documento realizadas no âmbito do Projeto de pesquisa: O
Embate Fronteiriço Paraense: a tentativa de criação do Estado de
Carajás e sua recepção na cidade de Xinguara - PA (1989 2011), com
apoio da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do
Pará (Fapespa) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico – CNPq.
Lucilvana Ferreira Barros:Doutoranda em História pelo Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará.
Professora efetiva do curso de História do Instituto de Estudos do
Trópico Úmido, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.

BACELLAR, Carlos. Fontes documentais: uso e mau uso dos arquivos.


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377
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378
HISTÓRIA E LITERATURA: O TEXTO LITERÁRIO E O ENSINO DE
HISTÓRIA
Roberg Januário dos Santos
Rosenaldo Januário dos Santos

A literatura como suporte do histórico

―Literatura e história querem, pois, ao serem escritas, evitar a perda


definitiva de um sujeito, de uma vida, de uma sociedade. Negam a
perda, fingindo, no presente, privilégio de recapitular o passado num
texto, de perenizar e estabilizar uma verdade sobre os outros e si
mesmo. Ambas fazem o trabalho do luto, querem ser a voz do
morto‖. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2008, p. 353).

As palavras de Albuquerque Junior nos remetem para pensar a


discursividade presente na Literatura e na história, discursos que
adquirem funcionalidades análogos, guardadas as proporções, de
modo que ambas vivificam os mortos, tonalizam presenças que antes
foram ausências, tentam imortalizar os mortais, enfim a História e a
Literatura também são recursos discursivos que traduzem
experiências e vivências da realidade. Para Pesavento (2008), a
História e Literatura, ― ambas são formas de explicar o presente,
inventar o passado, imaginar o futuro‖, todavia, ainda considera que
existem diferenças entre as duas e a História é controlado pela
relação com o seu objeto de estudo, não perdendo, assim, o seu
estatuto de ciência. Este texto busca apresentar, em linhas gerais, o
debate que envolve a relação entre História e Literatura, atentando
para a utilização do texto literário no ensino de História.

Além disso, assim como já citado, a literatura passou a ser utilizada


no metier do historiador com mais ênfase a partir da segunda metade
do século XX, pois antes ela estava afastada das produções
historiográficas, haja vista seu estatuto ser considerado como avesso
a pretensa cientificidade da História. Este afastamento pode ser
explicado em grande parte por o que Michel de Certeau (2011, p. 49)
chama de ―Legendário das instituições‖, pois com relação ao discurso
histórico, esse historiador elenca que este discurso pretende
representar o real, mas não o representa, uma vez que ―[...]
esconde, por trás da figuração de um passado, o presente que o
organiza. Formulado sem rodeios, o problema é o seguinte: a
encenação de uma efetividade (do passado), ou seja, o próprio
discurso historiográfico, oculta o sistema social e técnico que a
produz, isto é, a instituição profissional‖.

379
Ou seja, para Michel de Certeau a legenda colocada pela instituição
impõe os ditames das produções, assim, a instituição representa a
ordem que comanda as operações historiográficas, de modo que o
apego a cientificidade, objetividade, racionalidade e verdade são
atributos de uma história que pretende caminhar lado a lado do real,
ser representante efetiva dele, seu discurso leva a crer pela outorga
da instituição. Na esteira desse processo, a História entre os séculos
XVII e XIX separou-se do mundo das letras (Literatura) mediante a
organização universitária. Além do mais, se a história não representa
totalmente o real, a divisão realidade versus ficção é arrefecida, sua
fronteira torna-se tênue, pois este fosso entre a História e a
Literatura perde em dimensionalidade, até porque grande parte das
produções ficcionais tem suas raízes no real, pois é elaborada por
indivíduos (escritores) que vivem em sociedade, estes criam seus
mundos, utopias ou desejos com base em condições de existência.

Além disso, é com a chamada virada linguística nos anos de 1960,


notadamente da aproximação entre História e outras disciplinas que
proporcionaram discussões no campo da linguagem como a própria
Linguística, Psicanálise, Etnografia, entre outras que os ideais de
universalidade, racionalidade, unidade são questionados e neste
movimento registram-se os intensos debates no âmbito da
epistemologia da História no tocante ao retorno da narrativa ou a
questão da narrativa em história. Além das produções do filósofo
Michel Foucault, a década de 1970 registrou como sintoma desta
virada linguística a produção e divulgação de três obras que abalaram
os fundamentos epistemológicos do saber histórico, a saber: A escrita
da história (1975) de Michel de Certeau, Meta-história (1973) de
Hayden White e Como se escreve a história (1992) de Paul Veyne.

Desse modo, as aproximações entre História e Literatura já se


prenunciaram com Paul Veyne, pois este considerou que ―os
historiadores narram fatos reais que têm o homem como ator: a
história é um romance real‖ (1992, p.8). Assim, para Veyne a
História seria uma narrativa de eventos, de modo que esta última se
desencadearia de maneira romanceada. Já Hayden White, em outra
obra intitulada Trópicos do discurso (1994, p.138), verticalizou as
relações com a Literatura a ponto de argumentar que ―[...] a imagem
da realidade assim construída pelo romancista pretende
corresponder, em seu esquema geral, a algum domínio da
experiência humana que não é menos ―real‖ do que o referido pelo
historiador‖.

Nesse sentido, compreende-se que a história se constituiu ao longo


do tempo em uma grande maquinaria discursiva que se liga ao que
está identificado, ―iluminado‖, racionalizado, é um discurso que se

380
territorializa caminhando assim na contramão da Literatura, esta que
não tem medo percorre regiões opacas, do nomadismo, do que está
por vir, do irracional, do não lugar. De acordo com Albuquerque
Junior (2007), essa diferença entre as duas áreas, pode ser mesmo
uma questão de gênero não só discursivo, pois o discurso
historiográfico na tradição ocidental moderna passou a ser tido como
masculino, enquanto a literatura seria o feminino, convencionou-se a
se ver na História o discurso da razão, da consciência, do poder e na
literatura o discurso da paixão, com as sensibilidades e outras
emoções.

Michel de Certeau apresenta resposta sobre as preocupações dos


historiadores em trabalharem com a literatura, tendo em vista que
em consonância com sua postura de sujeito inconformado com os
cânones disciplinares, situado num não lugar, pois transitava por
vários campos do saber, além de não aceitar a ordem passivamente,
Certeau mostra como maior exemplo da relação História e Literatura
as produções do teórico da psicanálise Sigmund Freud, pois este
situado num lugar próprio da ciência consegue transgredir os muros
do cientificismo, primeiramente por se dedicar em seus estudos a
região do inconsciente, depois por adotar o romanesco como
narrativa de suas experiências científicas. Além do mais adotou como
estilos narrativos a tragédia e a retórica (CERTEAU, 2011).

Assim, o trabalho com a literatura precisa de algumas observações.


Necessita-se em primeiro lugar, além de conferir o gênero literário
que a ser trabalhado, muito mais prioritário é questionar qual o
público se destinou determinada obra e que papel ela cumpriu em
dada época. Também precisamos situar bem o trabalho com obras de
ficção, pois esta como já evidenciado acima participa das construções
na e da realidade, todavia, para nos localizarmos no âmbito da
história devemos confrontar tais obras de ficção com outras fontes,
pois conforme Ferreira (In: PINSKY; LUCA, 2011, p. 77) deve-se
confrontar com outros registros que ―[...] permitam a
contextualização da obra para assim se aproximar dos múltiplos
significados da realidade histórica‖. Esse comentário de Ferreira se
coaduna para o que alguns historiadores que trabalham com a ideia
de ficção controlada, ou seja, embora necessitemos transgredir
determinadas barreiras nesta discussão, também temos que realizar
um trabalho de historiador que, por sua vez, possui sua
especificidade de historiador ao compreender as questões humanas e
sociais no tempo/espaço ancoradas em uma metodologia da História
que articula fontes, texto e contexto.

Nesse sentido, o historiador que trabalha com História e Literatura


deve ter clareza na proposição do problema à fonte literária, pois esta

381
pode se tornar promissora para sua pesquisa. Deve-se indagar na
formulação do problema de pesquisa quem é o escritor da obra,
período de produção, suporte do impresso, conteúdo, conexões com
outras linguagens, como a plástica, cinematográfica, teatral, etc.;
como situam as representações sociais e culturais em tais textos; as
sensibilidades expressadas na escritura; os intercâmbios dos
significados históricos e literários de cada obra, entre outras.

Todavia, acredita-se que o epicentro dos debates não está


necessariamente nos usos da literatura, mas em um componente que
perpassa o universo literário: a ficção. Embora saibamos que nem
toda obra de literatura seja de caráter fictício, o rótulo na tradição
ocidental persiste, ou seja, literatura virou sinônimo de ficção. Nesse
sentido, algo que ainda se manifesta como um desafio para a
comunidade historiadora foi trabalhado pela historiadora
estadunidense Natalie Zemon Davis, de modo que impactou muitos
historiadores à época (décadas finais do século XX) e forneceu forte
exemplo da utilização de fontes literárias e até fictícias em
procedimentos de produção histórica.

Davis permite pensar na relação entre História e Literatura e,


consequentemente com a ficção através da obra O Retorno de Martin
Guerre (1983). Considerado o livro mais polêmico escrito por Natalie
Davis e publicado em 1983, O Retorno de Martin Guerre carrega
procedimentos narrativos como a verossimilhança, as conjecturas e
as analogias para narrar à história de impostura e de falsa identidade
ocorrida numa aldeia francesa na região do Languedoc, na metade do
século XVI. No livro, Davis levanta reflexões em torno da pesquisa e
da relação entre narrativa histórica e narrativa literária.

Nos anos de 1540, no Languedoc, um camponês abandona sua


mulher, filho e propriedade, e durante anos não há notícias suas;
sete anos depois Martin Guerre reapareceu no povoado de Artigat. Foi
recebido com festas e a alegria da esposa e por 3 anos foram felizes.
Até o dia em que, como consequência de uma briga de família, um
processo foi instaurado. Aquele Martin Guerre não era o verdadeiro
Martin Guerre, embora que quase convenceu a corte. Assim, como
desfecho registra-se a volta do verdadeiro Martin e a morte do
impostor.

Para produção desta obra, Davis recorreu a duas fontes principais, a


saber: a obra produzida pelo juiz Jean de Coras, intitulada O Arrest
Memorable (1561), obra esta que para essa historiadora combinava
aspectos jurídicos e literários; já a outra obra refere-se a Breve
história sobre o caso Martin produzida por Guilherme Le Sueur.
Embora recorra às duas fontes para reconstruir os acontecimentos,

382
Davis explora com mais afinco o livro de Coras porque ele
testemunhou os acontecimentos enquanto juiz, construindo uma
narrativa a partir dos autos do processo, que não existem mais, e de
suas próprias dúvidas e das dificuldades de julgar as provas,
testemunhas, verdade, mentira, invenção. Além destas fontes, Davis
visitou dioceses e outros espaços em busca de documentação.

Um ponto que oferta questionamento ao método usado por Davis


parece ser a invenção. Mas não a invenção astuciosa e de fantasia,
como oposição à verdade. Invenção, segundo Davis refere-se a uma
ação criativa, a um procedimento analítico frente às lacunas
documentais. Nestes termos, ressalta-se o caráter literário da
narrativa do livro, que foi considerado como romance histórico. A
própria titulação dos capítulos segue um tom romanesco. Esse estilo
adotado por Davis, ao mesmo tempo que conquistou muitos leitores,
também angariou muitas críticas, uma vez que foi acusada de
transgredir os limites do histórico. A situação foi agravada, na medida
em que na introdução do livro essa historiadora evidenciou que ―[...]
o que aqui ofereço ao leitor é, em parte, uma invenção minha, mas
uma invenção construída pela atenta escuta das vozes do passado
(DAVIS, 1987, p. 21)‖. As palavras de Davis acima citadas se tornam
importantes para pensarmos que embora ela considere seu trabalho
uma invenção, ancora-se nas fontes e na pesquisa realizada.

Por sua vez, é importante trazer para o debate autores que foram
citados pela própria Davis, haja vista que estes nos possibilitam
pensar que essa autora não tentou ―inventar a roda‖, mas, por outro
lado, realizou uma incursão historiográfica que muitos não se
ariscam. Assim, os posicionamentos de dois autores sobre a relação
entre História e ficção se tornam relevantes neste debate, a saber:
Hayden White e Paul Ricoeur. Para o primeiro, ―os leitores de
histórias e de romances dificilmente deixam de se surpreender com
as semelhanças entre eles. Há muitas histórias que poderiam passar
por romance, e muitos romances que poderiam passar por histórias
(WHITE, 1994, p. 137) ‖. Já Paul Ricoeur elenca que os historiadores
modernos:

[...] não deixam de recorrer, de formas muitos sutis, ao gênio


romanesco, tão logo se empenham em reefetuar, ou seja, repensar,
um certo cálculo dos fins e dos meios. O historiador não se proíbe,
então, ―pintar‖ uma situação, ―restituir‖ uma cadeia de pensamento e
dar a esta a ―vivacidade‖ de um discurso interior (RICOEUR, 1997, p.
323).

Assim, ambos os autores coadunam suas ideias neste ponto para


pensar que o romanesco e, consequentemente o ficcional não estão

383
tão distantes da prática dos historiadores. Todavia, Paul Ricoeur
ainda adverte que ―o recurso aos documentos marca uma linha
divisória entre história e ficção‖(RICOEUR, 1997, p.242), ou seja,
embora a história possa ter um pouco de ficção, ela se diferencia da
mesma, pois as produções do historiador visam a representação do
passado ancorado em documentos. Daí, podemos pensar os trabalhos
de Davis, tendo em vista que, não obstante a autora trabalhar com
elementos ditos ficcionais, estar, por sua vez, foi amparada por
escuta atenta as fontes. É preciso registrar que existe outra
perspectiva teórica que pensa diferente dessa posição assumida por
tais autores acima citados. Assim, historiadores como Carlo Ginzburg
e Roger Chartier combatem principalmente as ideias de Hayden White
por acreditarem que este radicaliza o estatuto epistemológico da
História.

Além do mais, Davis em O Retorno de Martin Guerre levanta o


problema da identidade no século XVI, haja vista que através de um
caso de falsificação a problemática em torno da identidade aflora. A
autora propõe problematizar temas como verdade, invenção e a
dúvida. A documentação disponível era escassa e lacunar. Para tanto,
Davis estabelece argumentos conjecturais que as fontes permitiam e
elabora uma narrativa de estrutura literária, usando termos que
expressam a dúvida como ―talvez‖ e ―certamente‖ ou expressões
como ―pode-se conjecturar‖ e ―meu palpite‖.

Além de Davis, outros autores, desta feita do campo da crítica


literária tem demonstrado o profícuo trabalho com a Literatura para o
estudo da história, a exemplo do escritor e crítico marxista Raymond
Williams que na obra O Campo e a Cidade na História e na Literatura
(1973), compreende que na história da Inglaterra, ao longo de
séculos, foi recorrente a atitude de autores que remetiam às suas
próprias infâncias ou à geração de seus pais e avós como um período
idílico e saudoso. Outro autor é o crítico literário palestino Edward
Said, uma de suas principais obras é Cultura e Imperialismo (1993),
na citada obra, Said estuda a influência do imperialismo sobre a
cultura e a política no Ocidente, de modo que utilizou obras literárias
para o referido livro, a exemplo de Coração de Trevas e Robson
Crusoe, advertindo que não se deve considerar as referidas obras
como meras abstrações, mas especializadas no tema que tratam.

No Brasil, várias produções de historiadores têm privilegiado o uso de


fontes literárias. Segundo Ferreira (In: PINSKY; LUCA, 2011), no
âmbito da História, somente a partir da década de 1980 foi que a
literatura passou a ser objeto de interesse dos historiadores
brasileiros, sobretudo, influenciados pelas novas abordagens
advindas da história social e cultural já conhecidas do mundo europeu

384
e estadunidense. O livro Machado de Assis, historiador foi escrito por
Sidney Chalhoub em 2003, uma das obras mais interessantes que
promoveram o diálogo entre História e Literatura, oportunidade em
que entre outros aspectos, Chalhoub perscrutou a percepção de
Machado sobre a história social e política do Brasil em meados do
século XIX, atentando para as políticas de dominação no Brasil no
período.

Literatura e Ensino de História


Para a autora Circe Bittencourt (2003) a Literatura pode ser
trabalhada no ensino de História como documento interdisciplinar.
Segundo a autora o uso de fontes literárias por outras disciplinas faz
parte de uma tradição escolar. Enfatiza que o enlace com a literatura
é sempre desejável, dado que muitas práticas de ensino optam pelos
relatos literários como introdução de conhecimentos históricos.

Para Ruiz (in, KARNAL, 2013), o trabalho com a literatura nas aulas
de História é uma nova forma de abordagem, um tipo de novo
método de viés comparativo com atenção ao ponto de vista do
narrador. Para Pinto e Turazzi (2012, p.16), a História e Literatura no
ensino de História, ―trata-se de um aprendizado que parte da base
ficcional e chega à sua situação histórica. [...] a elucidação do texto
que a análise provoca permite que o maravilhoso trazido pela ficção
seja articulado ao mundo real‖.

Fonseca (2012) elenca que a leitura de textos literários permitem a


observação de traços, pistas e referências do modo de ser e de vida
dos sujeitos. Ainda de acordo com Fonseca, as obras literárias são
produções que expressam indícios, detalhes de lugares, paisagens,
culturas, entre outros. Segundo esta pesquisadora, no ensino
fundamental, é possível o desenvolvimento de projetos
inter/transdisciplinares (História, Literatura e outras disciplinas),
constando de obras nacionais e internacionais capazes de incentivar a
compreensão da História, leitura e criticidade, ponto pelo qual
adverte a autora que ―os textos literários devem ser incorporados nas
aulas de História não como meros complementos ou ilustração, mas
como fonte a ser problematizada por professores e alunos‖
(FONSECA, 2012, p.317). Fonseca ainda enfatiza que:

―A literatura, como linguagem constitutiva da realidade social,


expressa contradições, relações sociais e culturais; ao problematizar
a realidade, oferece ao historiador, ao professor e aos alunos pistas e
propostas reveladoras da identidade social e coletiva‖ (FONSECA,
2012, p.317).

385
Abud, Silva e Alves (2010, p.46) ao debater sobre o Aprender
História por meio da literatura, evidencia que:

―[...] o ensino de história pode utilizar a literatura para discutir com


os alunos como os autores literários constroem as representações de
um passado (i)memorial ou mesmo de um futuro ficcional para
dialogar com seu presente‖. Além disso, é um meio para estudar os
diferentes discursos apresentados num tempo, o erudito e o popular,
o conservador e o progressista, o reacionário e o revolucionário [...]‖.

Abud, Silva e Alves em seu texto Aprender História por meio da


literatura, oferece importante sugestão de trabalho com a literatura
nas aulas de História, recomendando sobre a escolha do tipo de texto
e as formas de explorá-lo na aula, observando a percepção de
mudança e permanência de mentalidades, lugares geográficos,
grupos sociais, entre outros aspectos. Os autores ainda
compreendem que o trabalho com o documento literário no ensino de
História ―[...] dota os alunos de habilidade descritiva, versatilidade na
apresentação da temporalidade histórica e qualificação na
interpretação da mentalidade de uma época‖ (ABUD, Et. all, 2010,
p.46).

Referências dos autores


Roberg Januário dos Santos: Doutorando em História pelo Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará.
Professor efetivo do curso de História do Instituto de Estudos do
Trópico Úmido, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.

Rosenaldo Januário dos Santos. Graduado em História pela


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

ABUD, Katia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; Ronaldo Cardoso


Alves (Org). Aprender História por meio da literatura. In: Ensino de
História. São Paulo: Cengage, 2010, p. 41-58.

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Leal Ferreira. Campina, SP: Papirus, 1997.

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WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: ensaios sobre a crítica da


cultura. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.

387
‘UM PARA O CAMINHO’ DE HAROLD PINTER: UTILIZANDO O
TEATRO COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO
Rodrigo Conçole Lage

Introdução
Um dos grandes problemas enfrentados pelos educadores na
contemporaneidade é a falta de interesse de muitos alunos. Assim,
um dos grandes desafios encontrados pelos professores é a
dificuldade de despertar o interesse dos alunos. Tornar uma aula
atrativa e instrutiva. Como um dos conteúdos básicos do currículo
escolar, no que diz respeito ao ensino da História, é o tema da
ditadura nós escolhemos como instrumento pedagógico uma peça de
teatro do dramaturgo inglês Harold Pinter, vencedor do prêmio Nobel
de Literatura de 2005.

A escolha desta peça se deve a três fatores. Em primeiro lugar, as


motivações que levaram o dramaturgo a escrevê-la. Ao explicar aos
alunos o que levou Pinter a escrever ‗Um para o caminho‘o professor
pode promover uma discussão sobre a importância do engajamento
políticos e das diferentes formas que o indivíduo pode atuar
politicamente dentro da sociedade. Em segundo lugar, o conteúdo do
texto pode ajudar o aluno a perceber como a violência e a opressão
de um regime ditatorial podem se manifestar de diferentes formas
(física, psicológica e emocional). Nesse sentido o a leitura do texto
seria um complemento para o material didático.

Por fim,como é uma peça pequena, com um cenário muito simples e


com poucos personagens ela pode ser encenada com certa facilidade
em algum evento escolar. Acredito que, mesmo que muitos não
queiram participar, dependendo do tamanho das turmas, o professor
irá conseguir, com alguma facilidade, encontrar alunos que ficarão
animados diante da possibilidade de participar de uma peça. Além
disso, é uma forma de se fazer da escola um lugar prazeroso para o
aluno.

Iremos então apresentar o autor e a peça para, na sequência, discutir


alguns pontos do texto que poderiam ser trabalhados.Além disso, não
se pode esquecer que o professor de história não precisa trabalhar
sozinho. Ele poderia realizar um trabalho conjunto com o de literatura
ou de inglês, que também poderiam utilizar o texto em suas aulas.
Afinal, seria interessante apresentar a obra de um dramaturgo que é
pouco conhecido no Brasil.

388
O escritor e sua obra
Harold Pinter, vencedor do Nobel de Literatura de 2005, nasceu em
1930, na cidade de Londres. Ele foi poeta, romancista, roteirista,
ator, diretor e é considerado um dos maiores dramaturgos do século
XX. Ao longo de sua carreira, Pinter abordou diferentes assuntos em
suas peças, roteiros, poemas e em sua ficção; sendo que os temas
políticos passaram a ter preponderância a partir de determinado
momento.

„Um para o caminho‘ é uma peça política, em um ato,que ele


escreveu numa única noite. Segundo a esposa de Pinter a origem da
peça pode ser remetida a 1983 quando, após a leitura do livro
„Prisoner Without a Name, Cell Without a Number‟ de Jacobo
Timerman, o dramaturgo pensou pela primeira vez em escrever sobre
o assunto. Contudo, ela só veio a ser escrita em janeiro de 1984,
após uma conversa que teve com duas jovens turcas que ele havia
conhecido em uma festa de aniversário. O título da peça refere-se a
uma frase utilizada por Nicolas em diferentes momentos (PINTER,
2002, p. 180, 182, etc.) que, segundo Ubiratan Paiva (2014, p.
73),tem o sentido de saideira:

―Além de interrogatórios e torturas, há uma atividade reiteradamente


repetida por Nicolas durante todo o tempo (...). Trata-se do fato de
que o interrogador serve uísque para si sete vezes e ainda mais uma
dose para Victor quando diz que ele pode ir embora: a saideira de
que fala o título‖.

Ao conversar sobre a tortura nas prisões turcas elas disseram, com


total indiferença, que os prisioneiros deviam ser comunistas, como se
isso fosse uma justificativa para o uso da violência. Indignado com
essa indiferença, Pinter a escreveu como uma forma de expor sua
revolta.Foi o primeiro texto escrito após um período de bloqueio, que
durou três anos, e deu início à fase política de sua produção. ‗Um
para o caminho‘ tratados interrogatórios sofridos pelos diferentes
membros de uma família numa prisão por, de alguma forma, se
oporem ao regime.

Primeiramente interroga Victor, o que nos permite saber que sua


esposa e seu filho estão presos. Temos, em seguida, o interrogatório
de seu filho, Nicky, no qual ficamos sabendo que ele havia resistido à
prisão, cuspindo e chutando os soldados. Na sequência, temos o de
Gila, esposa de Nick, no qual ficamos sabendo como ela e seu marido
se conheceram quando ela tinha dezoito anos. Somos informados
também sobre o pai dela, um herói que deu a vida por seu Deus e
por seu país. Por fim, Victor e Nicolas voltam a se encontrar, para um
último encontro. Vemos que Victor sucumbiu, submetendo-se ao

389
governo, assim como sua mulher, que será libertada uma semana
depois. A peça termina bruscamente, com a insinuação de que o
menino está morto.

Como já foi dito, não é uma peça difícil de ser montada. Podemos ter
três alunos mais velhos (para interpretar o casal e o interrogador) e
um mais novo (para interpretar o filho). Como não há uma descrição
das roupas poderão ser utilizadas roupas comuns. Além disso, pelas
poucas indicações cênicas referentes ao ambiente vemos que é muito
simples. Temos o aposento coma porta de entrada. Sabemos que
nela há uma secretária, com um interfone sobre ela (PINTER, 2002,
p. 178), de localização incerta (provavelmente de frente para a
porta), e um aparador com bebidas e copos (cuja localização não está
explicitada) (PINTER, 2002, p. 178; 187).Como não há mudança de
ambiente isso torna tudo mais fácil.

Como o interesse do dramaturgo é criticar o uso da violência, o


professor pode trabalhar com o aluno discutindo a questão da
violação dos direitos humanos. Ela pode ser discutida dentro dos
regimes ditatoriais, mas também na contemporaneidade. Pode se
discutir a questão dos presos políticos, da perseguição aos
intelectuais, artistas, etc.. Como a peça aborda a questão de uma
ditadura alicerçada na religião pode-se discutir temas referentes à
forma como religião e política tem se misturado ao longo da história.
Diante da possível morte do menino e do estupro de sua mãe pode-
se também discutir questões referentes a violência contra a criança e
contra a mulher. Se lermos o texto com atenção veremos que muitos
temas podem ser trabalhados, indo além de nossa proposta inicial.

Além disso, o mais importante. É que o nosso objetivo não é tanto


ressaltar o valor pedagógico que a peça de Pinter possui. Mas,
mostrar como o teatro seja por meio da leitura e estudo do texto,
seja por meio da encenação, pode ser um importante instrumento
para o ensino e para a formação do aluno como pessoa. Além disso,
diante da possibilidade da participação da sociedade na escola, seria
um meio de procurar fazer da escola algo relevante para a
comunidade na qual está inserida.

Discutindo algumas questões presentes na peça.


A peça de Pinter não precisa ser utilizada de forma isolada, outros
textos podem enriquecer sua utilização. Como exemplo, escolhemos
a ‗Declaração Universal dos Direitos Humanos‘. Ela foi elaborada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, sendo proclamada no dia 10 de
dezembro de 1948. Ela foi elaborada depois das duas guerras
mundiais. Sua origem está relacionada, especificamente, ao impacto
das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial e ao

390
desejo de garantir, o indivíduo, certos direitos diante dos poderes
públicos. Os abusos que haviam sido anteriormente cometidos pelos
regimes autoritários ainda estavam frescos na memória de todos.
Mas o que são esses direitos? João Baptista Herkenhoff nos dá a
seguinte definição (1997, p. 145):

―Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente,


entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo
fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade
que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma
concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a
sociedade política tem o dever de consagrar e garantir‖.

Uma das características dos regimes ditatoriais, mas não somente


deles (como podemos em diferentes democracias, como o Brasil), é a
ideia de que determinados grupos e indivíduos podem perder sua
liberdade e seus direitos por oposição ao regime. O que tira das
pessoas sua liberdade política. Consequentemente, não é de se
surpreender que a liberdade política tenha sido garantida pelo 2º
artigo da ‗Declaração Universal dos Direitos Humanos‘ (ONU, 1948, p.
2):

―Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades


proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma,
nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de
opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de
nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita
nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou
internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja
esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito
a alguma limitação de soberania‖.

Ao mesmo tempo, existe a ideia de que os que estão no poder estão


acima da lei. Vemos isso na peça quando Nicolas, visivelmente
orgulhoso de sua autoridade, afirma: ―Posso fazer tudo o que me
apetecer‖ (PINTER, 2002, p. 183). Não somente orgulhoso, mas
seguro de sua autoridade: ―Todos me respeitam aqui. Tu inclusive,
não é? Acho que é a atitude certa‖ (PINTER, 2002, p. 179).Toda a
peça gira em torno dessas questões, que não podem deixar de ser
discutidas quando se trata dos estudos referentes a uma ditadura. Ao
mesmo tempo, o professor pode aprofundar outras questões
paralelas como a diferença entre ditadura e totalitarismo, a
participação dos EUA nos golpes militares, a conceituação do que foi
o fascismo, o nazismo, o stalinismo e o salazarismo.

391
O primeiro elemento a ser destacado é a presença da violência física,
que pode se manifestar por meio da tortura e do assassinato, mas
também por meio de agressões físicas e verbais (não só da parte dos
militares ou policiais, mas também praticada pelo cidadão comum
que apoia o regime e vê no outro um inimigo a ser combatido). O
professor pode trabalhar a noção de ―massa‖, tal como foi analisada
por Elias Canetti no livro ‗Massa e Poder‘(2005), uma obra
fundamental sobre o tema. Pode-se discutir o 5º artigo da
‗Declaração Universal dos Direitos Humanos‘ (ONU, 1948, p. 2) que
diz: ―Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes‖.Não se pode esquecer que o
desrespeito a vida é o ápice da violação dos direitos humanos.

―Outro grave problema se refere às vítimas que acabavam sendo


mortas durante a tortura. Médicos legistas forneceram laudos falsos
que ocultavam as marcas das torturas. Também justificavam as
mortes como sendo de causas naturais ou por atropelamentos,
suicídios e mortes em tiroteios. Muitos legistas apresentavam os
torturados como se estivessem gozando de perfeita saúde. Muitos
cadáveres foram sepultados anonimamente, e até hoje familiares não
sabem o que aconteceu com os corpos das vítimas (BORGES;
NORDER, 2008, p. 5)‖.

Outro artigo da ‗Declaração‘ que pode ser discutido com os alunos é o


12º (1948, p. 3), que diz: ―Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias
na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua
correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais
intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei‖.
Segundo Oliveira (2014, 328), na peça Gila é ―ofendida
constantemente por Nicolas, que deixa no ar a dúvida se ela não
terminará por incorporar as acusações‖. Esse fato pode servir uma
discussão sobre o modo como o regime ditatorial pode levar as
vítimas do regime a se verem como merecedoras daquele tratamento
por terem cometido um crime. Questão importante quando se estuda
a repressão promovida na Rússia, pelo stalinismo.

E, por fim, temos a questão da oposição política. Ao se abordar o


tema das ditaduras não se pode deixar de abordar a questão da
oposição ao regime, nas mais diferentes formas. A organização de
grupos de oposição, as críticas ao regime por meio da arte, nas suas
mais diferentes manifestações (música, cinema, teatro, poesia,
romance, etc.), por meio das análises (históricas, sociológicas,
políticas, etc.), são alguns dos temas que podem ser tratados. Na
peça, somos informados que ao ser preso,mesmo sendo uma criança,
Nicky lutou com os soldados. Isto foi a causa de sua morte, pois ele

392
foi considerado um criminoso e foi condenado por seu ato, como se
tivesse cometido algum tipo de blasfêmia:

―O teu filho tem...sete. É um fedelhozito. Educaste-o assim.


Ensinaste-o a ser assim. Podias ter escolhido. Podias tê-lo encorajado
a ser uma pessoa de bem. Em vez disso, encorajaste-o a ser um
fedelhozito. Encorajaste-o a cuspir, a atacar soldados honrados,
soldados de Deus (PINTER, 2002, p. 180)‖.

Esse episódio é importante para que o professor possa discutir o fato


de que muitos pagaram um alto preço ao lutarem por seus ideais, por
seu desejo de transformação, na busca de uma sociedade mais justa.
Ao mesmo tempo, pode servir de ponto de partida para uma análise
crítica de diferentes sociedades. Daquelas em que, o aparente
sucesso de um processo de transformação, em vez de levar a uma
sociedade mais justa, levou a um regime ainda mais opressivo.

Referências
Rodrigo Conçole Lage. Graduado em História (UNIFSJ). Especialista
em História Militar (UNISUL). É professor de História da SEEDUC-RJ.

BORGES, Adriana Cristina; NORDER, Luiz Antônio Cabello. Tortura e


violência por motivos políticos no regime militar no Brasil.
SEMINÁRIO DE PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS, 7, 2008.
Londrina. Anais do 7º Seminário de Pesquisa em Ciências Humanas.
Londrina: Eduel, 2008.12 p. Disponível em:
<http://www.uel.br/eventos/sepech/sepech08/arqtxt/resumos-
anais/AdrianaCBorges.pdf>. Acesso em 15 nov. 2017.

CANETTI, Elias. Massa e poder. São Paulo: Companhia das Letras,


2005.

HERKENHOFF,JoãoBaptista.DireitosHumanos:Aconstruçãouniversalde
uma utopia. São Paulo: Editoria Santuário, 1997.

OLIVEIRA, Ubiratan Paiva de. Harold Pinter e outros: os limites da


realidade. São Paulo: Todas as musas, 2014.
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível
em:
<http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/po
r.pdf>. Acesso em 15 nov. 2017.

PINTER, Harold. Um para o caminho. In:Teatro II. Trad. Jorge Silva


Melo... [et al.]. Lisboa: Relógio D'Água, 2002, p. 177-189.

393
O CINEMA DE ANIMAÇÕES E O ENSINO DE HISTÓRIA: BREVE
REVISÃO BIBLIOGRAFICA
Rodrigo Galo Quintino

O cinema é hoje encarado de diversas formas, sendo além de


entretenimento, um meio de comunicação, arte e manifestação
sociocultural. Como argumenta Pereira (2011, p. 1) ―O cinema é
considerado arte, entretenimento, documento, manifesto de seu
tempo, simples lazer e para muitos é objeto de estudo‖.Diversos
pesquisadores se debruçam sobre a produção audiovisual, tornando
os filmes uma importante fonte de pesquisas em variadas áreas,
entre elas a historiografia e a educação.

No campo historiográfico, para compreendermos o uso do cinema


como fonte de pesquisa é preciso entender os diversos conceitos de
fonte e como eles se transformaram com o tempo.

Durante todo o século XIX e a primeira metade do século 20, a


vertente positivista encarava como fonte histórica apenas
documentos escritos e oficiais. Sobre isso, Kornis (2008, p. 16)
destaca que:

―Os primeiros registros dos quais se tem notícia sobre o


reconhecimento do filme como documento histórico não partiram de
historiadores. Em 1898, no texto ―une nouvelle source de l‘histoire‖ o
câmera polonês Boleslas Matuszewski, que trabalhou com os irmãos
Lumiére, não só reconheceu a importância do filme enquanto
documento histórico como destacou sua relevância no ensino,
demonstrando ainda preocupação com a criação de depósitos de
guarda para este material.‖

A perspectiva apresentada por Matuszewski propunha trabalhar o


cinema dentro de pesquisas históricas e de ensino, porém o
encarando como uma forma de ilustrar a realidade de determinado
período. Como destaca Kornis (2008, p. 17):

―Matuszewski defendia o valor da imagem cinematográfica como


testemunho ocular, verídico e infalível, capaz de controlar a tradição
oral. Para ele, embora o cinematográfico não pudesse registrar a
história integral, ao menos fornecia algo incontestável e verdadeiro‖.

Com o passar dos anos, sobretudo com o movimento da chamada


Escola dos Annales o conceito de fonte histórica se ampliou muito e o
cinema começou a ganhar maior espaço nas pesquisas
historiográficas. Não só o conceito de fontes se ampliou, como suas

394
analises se modificaram, deixando de se encarar documentos como
retratos fiéis da realidade, e passando a serem analisados como
discursos e representações influenciados pelo contexto sócio histórico
e cultural no qual são produzidos.

Assim, o cinema deixa de ser visto como retrato do real e passa a ser
estudado como uma construção com influencia de seus idealizadores
e dos variados contextos aos quais estão inseridos.

Como apresenta Napolitano (2015, p. 240):

―Na perspectiva da moderna prática historiográfica, nenhum


documento fala por si mesmo, ainda que as fontes primárias
continuem sendo a alma do oficio do historiador. Assim, as fontes
audiovisuais e musicais são, como qualquer outro tipo de documento
histórico, portadoras de uma tensão entre evidencia e
representação.‖

Não só um importante documento histórico, um filme é considerado


também uma ferramenta útil e de grande valor para educadores
utilizarem em salas de aula. Dessa forma:

―Trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a


reencontrar a cultura, ao mesmotempo cotidiana e elevada, pois o
cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores
sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte.
(NAPOLITANO, 2009, p.15)‖.

O uso de filmes como abordagem didática é destacado também por


Castilho (2003, p. 8), apresentando o argumento de que:

―O filme propicia por si só uma atração especial, é envolvente,


mobiliza a atenção concentrada, envolve o espectador, mobiliza
aspectos emocionais, explora a percepção, valores, julgamentos,
paixão e compaixão, opiniões e até desejos. O filme como ferramenta
didática é de uma extraordinária valia para se trabalhar com e em
grupos.‖

Dentro de tal perspectiva, diversos gêneros cinematográficos vêm


sendo explorados para uso em salas de aula, dentre eles as
animações merecem papel de destaque como ferramentas com
grande potencial. Os desenhos animados, utilizando linguagem
simples e de fácil entendimento, podem apresentar varias camadas,
abordando temas complexos com diferentes significados e
interpretações, sendo possível, para além do publico infantil, alcançar
diversos públicos de faixas etárias variadas, sobre tudo os

395
jovens,como evidencia Neto (2012, p. 17):

―Embora tenham o objetivo de entreter e de serem de pequena


duração, trazem em sua linguagem um modo de ver e entender a
sociedade vigente, para um público jovem, que está formando o seu
caráter, seus ideais, que necessita de exemplos, que em muitos casos
vão ser sim, os desenhos animados.‖

Reforçando o supracitado a respeito do uso do cinema na


historiografia, para Kornis (1992) um filme não ilustra nem retrata a
realidade em si, mas a reconstrói utilizando uma linguagem própria,
construída de acordo com o contexto histórico no qual está inserido.
Assim, a animações, inseridas na sétima arte, não são diferentes,
pois ―[...] uma animação não reflete e nem retrata nenhum período
histórico, ela representa o mesmo.‖ (NETO, 2012).

Goulart Araujo e Santos (2016) também afirmam que:

―[...] os filmes e desenhos animados são produtos culturais, sociais,


políticos e históricos, sendo assim, repletos de conhecimentos,
informações e valores (sociais,econômicos, políticos, culturais e
históricos) implícitos ou explícitos no decorrer de sua narrativa‖.

Deve-se tomar cuidado para não apresentar os conteúdos mostrados


na tela como realidade ou verdade histórica, ao contrario, é uma
oportunidade para estimular o senso crítico com os alunos,
demonstrando que aquilo é uma representação com um discurso
influenciado pelo contexto de produção, de forma intencional ou não,
sendo assim:

―O professor deve agir e interferir nessa relação do aluno com a


imagem, estimulando o seu potencial de crítica. Esta é a obrigação
que se tem, de criar condições para poder ressaltar, esclarecer,
instigar, à luz das referências já existentes, os conhecimentos
adquiridos que permitam a leitura da película. Os conhecimentos
aprendidos em aula servirão como base para o acompanhamento da
atividade. Os alunos deverão utilizar essas referências quando se
confrontarem com a ―verdade histórica‖ transmitida no filme.
(CASTRO; BONOW; LUCAS, 2002, p. 170)‖.

Disponibilizar textos prévios e contextualizar os assuntos trabalhados


em questão se mostra de extrema importância para o sucesso no uso
de desenhos animados em aulas. O professor precisa ter em mente
que não deve substituir a aula pela animação, mas utilizá-la para
complementar e enriquecer os debates dos conteúdos apresentados
(NAPOLITANO, 2009).

396
Baseado no apresentado considera-se que as animações são
alternativas que podem se mostrar eficientes e interessantes para
trabalhar conteúdos históricos em salas de aula. Com o devido
cuidado e preparo por parte do professor, é possível, além de
dinamizar as aulas, propondo uma atividade diferente e agradável
aos alunos, estimular os debates de conteúdos históricos dos mais
diversos períodos, bem como contribuir para desenvolvimento do
olhar crítico para com o cinema e demais fontes históricas,
consequentemente influenciando a maneira de analisar assuntos
inerentes à própria sociedade em que estão inseridos.

Referências
Rodrigo Galo Quintino é discente de licenciatura em História pela
Universidade do Sagrado Coração (USC – Bauru/SP).

CASTILHO, Aurea. Filmes para Ver e Aprender. Rio de Janeiro:


Qualitymark , 2003. p. 8.

CASTRO, N. A. P.; BONOW, S.C.; LUCAS, T.C. Imagens da História na


indústria cinematográfica. In: PADRÓS, Enrique Serra (org.). Ensino
de História: formação de professores e cotidiano escolar. Porto
Alegre: EST. 2002.

GOULART ARAUJO, Ana Luisa; SANTOS, Emerson Izidoro dos. O uso


de filmes de animação como recurso didático: a abordagem dos
temas transversais por meio do filme o espanta tubarões. III
Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) e XIII
Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (CEPFE),
vol. 03, n. 03, 2016.Anais..., São Paulo, UNESP, 2016Disponível em:
<http://unesp.br/anaiscongressoeducadores/ArtigoVisualizar?nome_a
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metodológico. Estudos históricos, Rio de janeiro, v. 5, n. 10, p. 237-
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NETO, Mario Marcello. Animação em aula: Os heróis dos desenhos
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Federal do Paraná, Curitiba, n. 3, p. 15-43, 2012. Disponível em:
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PEREIRA, Lara Rodrigues. A Abordagem Didática do Uso do Cinema


em Sala de Aula. In: VI Colóquio: Ensino médio, história e cidadania,
17 a 19 de ago. de 2011, Florianópolis, SC. Anais..., Florianópolis:
UDESC/FAED/Grupo de Pesquisa Sociedade, Memória e Educação,
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VANOYE, Francois; GOLIOT-LETE, Anne. Ensaio sobre análise fílmica.


Tradução: Marina Appenzeller. 2 ed. Campinas: Papirus, 2002.

398
A IMPRENSA NO ENSINO E PESQUISA HISTÓRICA: A
UTILIZAÇÃO DE JORNAIS COMO FERRAMENTA DIDÁTICA EM
SALA DE AULA
Rodrigo Luis dos Santos

A imprensa se configura em um dos mais importantes produtos


culturais humanos. Seja em seu suporte mais comum, o formato
impresso, seja através de meios de comunicação e das plataformas
digitais, ela é a principal responsável pela difusão de informações.
Mas a imprensa tem um papel que vai além deste. Ela representa, de
forma prática, o processo de catalisação e estruturação de ideias,
objetivos, ideologias e intencionalidades daqueles que a operacionam.
Deste modo, a imprensa traz, em seu escopo, de forma mais clara ou
subjetiva, um reflexo do que pensam e querem determinadas
pessoas ou grupos, transplantando esses elementos para a sociedade
através da transmissão de conteúdos.

No campo da História, mais especificamente no que se refere à


pesquisa, o uso da imprensa tem ganhado um destaque maior a
partir da renovação historiográfica advinda das proposições da
Nouvelle Historie (no Brasil chamada de Nova História), vinculada
com a Escola dos Annales. Esse grupo de historiadores,
especialmente a partir da década de 1970, passou a propor o uso de
novas abordagens, problemas e objetos, para uma maior
compreensão da história humana. Com isso, abriu-se um espaço mais
profícuo para trocas interdisciplinares e uma ampliação daquilo que
se considera documento histórico. Sobre a imprensa, Maria Helena
Capelato (1988, p. 13) afirma que ela ―possibilita ao historiador
acompanhar o percurso dos homens através dos tempos‖
(CAPELATO, 1988, p.13). Para os historiadores, não apenas o
passado pode ser percebido através da imprensa, mas o presente
também, tendo em vista que o meio jornalístico, na medida em que
enuncia discursos e expressões, como agente histórico que intervém
nos processos e episódios, conformando visões de mundo,
representações e ideias que podem ser disseminadas e apreendidas
pelo meio social. Não percamos de vista que ―o conhecimento que
temos da realidade é mediado pelos fatos divulgados pela imprensa
escrita e radiotelevisiva‖ (DE LUCA; MARTINS, 2006, p.10).

Mas, essa dinâmica, presente no campo da pesquisa histórica, pode


ser estendida ao campo do ensino, em sala de aula? Evidentemente
que sim. Não apenas pode ser ampliada como tem a necessidade de
assim o ser, especialmente em uma realidade global de informação
instantânea e de cada vez mais fácil manipulação.

399
A escolha de um jornal como instrumento de pesquisa e ensino
justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como
instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida
social. A imprensa não deve ser compreendida, apesar do discurso
muitas vezes presentes em seus slogans e editoriais, como algo
neutro ou imparcial. Ele, tanto no passado quanto no presente,
interage, é influenciado e influência o meio social no qual está
inserido. Conforme Tania de Luca,

―os jornais não são, no mais das vezes, obras solitárias, mas
empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os
torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias,
crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita
(DE LUCA, 2005, p.140)‖.

Associando-se a esta afirmativa, devemos ter ciente que os jornais,


por meio dos seus discursos, ―produzem estratégias e práticas
tendentes a impor autoridade, uma deferência, e mesmo a legitimar
escolhas‖ (CARVALHO, 2005, p.149). E isso ocorre pelo fato de ser‖
um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de
forças que aí detinham o poder‖ (LE GOFF, 2010, p.536). Os jornais
procuram atrair o público e conquistar seus corações e mentes. Para
isso, utilizam de diferentes estratégias, pois, conforme Maria Helena
Capelato (1988, p. 15), ―a meta é sempre conseguir adeptos para
uma causa seja ela empresarial ou política, e os artifícios utilizados
para esse fim são múltiplos‖.

A partir do que aqui foi exposto, o que podemos considerar mais


necessário de ser trabalhando com os alunos em sala de aula,
utilizando-se a imprensa (de forma especial a impressa, mas podendo
ser ampliada para outros meios)?

O objetivo maior deve ser despertar o senso crítico dos alunos,


através de uma leitura mais qualificada e de uma noção mais
profunda dos caminhos de produção e difusão de informações. Ou
seja, buscar compreender o que ―está por trás‖ de determinada
notícia, na forma como ela é escrita, no uso de certa imagem para
ilustrar, entre outros detalhes. Um dos grandes problemas relatados
pelos docentes, não apenas na Educação Básica, mas também no
Ensino Superior, é a falta de uma leitura adequada por parte dos
alunos e um certo desinteresse em saber a origem das informações
que circulam no cotidiano. Vamos atentar para a segunda questão.
Na atualidade, especialmente nas redes sociais, encontramos as
chamadas fakenews, notícias falsas (deixando claro que não se trata
de um fenômeno recente, pois as mesmas já são encontradas nos
jornais impressos e nos meios radiotelevisivos há muito tempo). Mas,

400
com a ampliação do alcance e da velocidade das informações, esse
elemento tem chamado a atenção cada vez mais. Notícias
compartilhadas sem uma averiguação de sua procedência ou de sua
veracidade se multiplicam cotidianamente. Mas, do ponto de vista
didático, esse problema é um dos links que podem ser utilizados
pelos docentes, especialmente na disciplina de História, para
mostrarem como a imprensa e as informações podem ser
manipuladas e transmitidas em diferentes épocas de nossa
sociedade.

Para isso, podem ser utilizados jornais antigos quanto recentes. Um


modelo prático: utilizando três jornais recentes, de uma mesma
empresa de comunicação ou de instituições diferentes, se analisem
como cada periódico leva ao leitor determinada notícia, como, por
exemplo, sobre as questões políticas nacionais ou das reformas
trabalhista e previdenciária pretendidas pelo Governo Federal. Com
certeza, serão percebidos elementos semelhantes, assim como
diferenças, sejam na forma de escrita do texto, na intensidade com a
qual o tema é abordado (o tamanho da reportagem), o destaque que
a mesma ganha (se manchete e páginas principais ou apenas uma
breve abordagem), entre outros aspectos. Aqui trouxemos um
exemplo mais amplo, mas que nos ajuda na ilustração das
possibilidades de uso da imprensa em sala de aula.

Para auxiliar na condução de uma apreciação crítica dos jornais,


elaboramos, como sugestão, um Roteiro de Análise, enfocando os
seguintes elementos:

1) Quem são os responsáveis (grupo mantenedor, editores,


conselhos editoriais...);
2) Qual o discurso que o jornal faz de si mesmo (que imagem
vende);
3) Quais são as seções, as partes que formam o jornal e quais
destas tem mais ênfase, destaque;
4) Detalhes técnicos (fotografias, escrita dos textos, linguagem,
diagramação, destaques de capa, manchetes...).

A partir destes elementos, o professor pode aprofundar a questão,


explorando melhor cada um dos elementos norteadores, auxiliando os
alunos na compreensão do processo de elaboração, difusão e
circularidade nas informações. Com isso, poderão perceber as
linguagens e intencionalidades que estão no bojo da construção de
uma notícia e na sua divulgação. E esse exercício pode possibilitar o
alargamento do olhar crítico dos envolvidos, não restringindo-se
apenas no campo de análise da imprensa, mas percebendo a
necessidade de reflexão e de criticidade em relação ao mundo e ao

401
meio social na qual estão inseridos e devem ser agentes ativos e
participativos;

Referências
Rodrigo Luis dos Santos é graduado (2013), mestre (2016) e
doutorando em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS. É coordenador e professor dos Cursos de Graduação em
Geografia e História do Instituto Superior de Educação Ivoti, além de
atuar no Curso de Pedagogia e atividades de extensão. Email:
rluis.historia@gmail.com.

ALVES, Fábio Lopes, GUARNIERI, Ivanor Luiz. A utilização da


imprensa escrita para a escrita da História: diálogos contemporâneos.
Revista brasileira de ensino de jornalismo, Brasília: vol.1, nº 2, p. 30-
53, ago./nov. 2007.

CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo:


Contexto/EDUSP, 1988.
_______. PRADO, Maria L. O Bravo Matutino. São Paulo: Editora Alfa-
Romeu, 1980.

CARVALHO, Francismar Lopes de. O conceito de Representações


Coletivas segundo Roger Chartier. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1,
p. 143-165, 2005.

CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações.


Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

LE GOFF, Jacques. ―Documento/Monumento‖. In: História e Memória.


5º ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.

LUCA, Tania Regina de; MARTINS, Ana Luiza. Imprensa e cidade. São
Paulo: Editora UNESP, 2006.
_______. A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY,
Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. 2º Ed. São Paulo: Contexto,
2010

402
SOBRE AS FERRAMENTAS DA INTERNET NAS AULAS DE
HISTÓRIA; OU SENTINDO-SE COMO UM CEGO TATEANDO UM
NOVO CAMINHO
Rosilene Dias Montenegro

Apresentação
A compreensão de que a humanidade vive na atualidade um estágio
de desenvolvimento científico tecnológico extremamente avançado,
denominado de quarta revolução industrial, faz parte das discussões
da área da ciência e tecnologia, em análises de confederações e
organizações patronais com atividades em ambientes estratégicos,
organizações financeiras, ambientes científicos ou empresariais
voltados para ações em inovação e empreendedorismo, e nos grupos
de gestores em política cientifica e tecnológica.

As mudanças estão em curso, acontecem em ritmo cada vez mais


acelerado em que as inovações em equipamentos e serviços
tecnológicos têm sido incorporados no cotidiano de bilhões de
pessoas em todo o mundo. Parte da população mundial já se
beneficia como acesso aos produtos e/ou resultados de descobertas e
invenções científicas tecnológicas. Mas, ainda é pequena a inclusão
social.

O dinamismo dos setores de pesquisa, produção de conhecimento,


investimento seguema lógica mercadológica, e estratégias comerciais
para difusão das tecnologias visando retornos monetários e
lucratividade, não só objeto de preocupação de historiadores.

Nossa proposta para o debate neste IV Simpósio Internacional de


Ensino de História parte da reflexão sobre nossa experiência própria
em sala de aula, como professora de um curso de graduação em
História em uma universidade federal do interior do Nordeste.

O problema que apresentamos diz respeito com nossa experiência em


sala de aula do curso de graduação em História em uma universidade
federal, no interior do Nordeste brasileiro. Como ministramos nossas
aulas? E que (ou quais) experimentações poderíamos fazer na
ministração dessas aulas para aproveitar, usar as tecnologias em
benefício do maior envolvimento dos alunos, objetivando um maior
aprendizado?

403
Lugar do qual falamos ou compreensão que temos da
educação

―Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar


sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de
visitar de vez em quando o amanha pelo profundo engajamento com
o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de
exploração e de rotina.‖ Partimos dessa filosofia. [Disponível em:
https://www.pensador.com/autor/paulo_freire/]

Nesse sentido, é que compartilhamos com os colegas deste Simpósio


sobre Ensino de História nossa experiência em andamento do uso das
ferramentas da internet para a ilustração das aulas e o
desenvolvimento do senso crítico para não estacionarmos no
tempo.Uma vez que o uso das tecnologias de informação tornou-se
uma necessidade para o trabalho em sala de aula nos pressionando a
desenvolver habilidades para o uso das ferramentas da internet, e
também para a interação com os alunos.

O professor deve ser mais do que o indivíduo com a habilidade de


<professar>, ou seja, transmitir de forma clara, objetiva e fluente
informações e conteúdos para o aluno. Deve ser um <educador>.Um
sujeito comprometido com a construção coletiva e crítica de
conhecimentos e saberes sociais para um mundo melhor.

Temos nos sentido provocada a experimentar métodos e técnicas de


ensino de História ainda com o uso das ferramentas da internet.
Estamos experimentando o uso dessas ferramentas em nossas aulas,
não obstante as condições precárias de trabalho e nossas dificuldades
própria de habilidade com essas tecnologias. Coisa que nossos alunos
parecem já ter nascido sabendo.

Como a geração dos anos 60-70 foi ensinada a aprender a


conhecer
Somos da geração que foi aluno/a que teve sua instrução formal no
ensino fundamental e médio, e ensino médio técnico na escola
pública. Nossa formação no ensino fundamental (antigo Primário) e
no ensino médio (antigo Científico, ou Científico técnico) entre 1968 e
1980.Com exceção dos dois últimos anos do Científico, que optamos
pelo curso Técnico em Contabilidade, nossa formação foi no ensino
público, do Primário ao Doutorado.

Nesse tempo, aprendemos desde o ensino fundamental ao médio a


respeitar os professores.Foi-nos ensinado a respeitar a coletividade, a
escola, tendo bom comportamento,sendo assíduos e cuidadosos com
a aparência, sendo disciplinados (que significava estudar as matérias

404
e estar em dia com as tarefas de casa). Nos era transmitida uma
moral baseada em valores para o convívio em sociedade e a paz. Nos
era cobrado um comportamento que abria espaço para o coleguismo
e solidariedade. Desenvolvemos sentimento de cooperação para com
os colegas de classe, a nossa turma na escola.

Esses valores do ensino Primário foram levados para o ensino


Científico, onde os laços de turma já não eram tão fortes, e
chegamos na graduação comum a realidade diferente, de turma
passamos a grupo. Tornando-se basicamente individual na fase da
pós-graduação.

No decorrer da formação, em geral não nos damos conta de que a


educação é um processo em continua construção.

Esses valores ensinados à nossa geração são em parte as


recomendações do relatório da Comissão Internacional da UNESCO
sobre Educação para o século XXI, intitulado: ―Educação, um Tesouro
a descobrir‖ (1996). Comissão coordenada pelo político e intelectual
francês Jacques Delors que organizou e elaborou o Relatório a partir
do que definiram como os Quatro Pilares da Educação. [O texto
―Educação um tesouro a descobrir‖, encontra-se disponível em:
http://dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_d
escobrir.pdf]

Compreendendo que a educação deve ser libertadora e um processo


contínuo de aprendizado para a vida em sociedade e construção da
paz e um mundo melhor, menos desigual e menos injusto, o Relatório
para a Educação para o Século XXI, foram propostos os quatro pilares
da Educação. Estes, segundo Jacques Delors, são: aprender a
conhecer (aprender); aprender a fazer; aprender a conviver; e,
aprender a ser. [Ver matéria disponível em:
https://blogdonikel.wordpress.com/2014/05/06/os-quatro-pilares-da-
educacao-jaques-delors-fichamento/].

Como “aprendi a conhecer”


No nosso Primário (ensino Fundamental) e depois no nosso Científico
(ensino Médio), os professores ministravam as aulas copiando os
conteúdos dos livros no quadro-negro. Alguns professores explicavam
o que tinham copiado de forma expositiva, e outros professores
somente liam o que tinham copiado. Independentemente damatéria,
―aprender a conhecer‖ era memorizar conteúdos. O espaço da não
memorização era o das Artes, quase sempre perpassadas por alguma
dificuldade, porque tínhamos que pensar.

405
Nossa experiência em ―aprender a fazer‖ não se deu na escola, mas
no trabalho.

A metodologia tradicional deve ter funcionado para uma parte das


pessoas. Aprendemos alguma coisa de disciplinados, respeito,
sociabilidade. Mas ainda temos dificuldade em relacionar, articular
conteúdos,administrar as rotinas que vivemos. Mas nos falta
avançarem soluções para os grandes desafios do ensino em tempos
de revolução informação.

Sobre alguns recursos de informática e internet ea


familiaridade dos alunos com essas tecnologias
As dificuldades do trabalho condições precárias são comuns às
universidades federais do interior do país. Falta-nos um ambiente de
trabalho com as condições mínimas como: wi-fi nas salas de aula,
projetores de imagem e computadores nas salas e em perfeitas
funcionamento.

As condições financeiras dos alunos das ciências humanas são em


geral mais baixas do que a da saúde e da tecnológica. No curso de
História os alunos são em maioria das classes médias baixas.
Segundo a classificação de influência neoliberal baseada nos aspectos
eminentemente econômicos: renda (cerca de três salários mínimos,
ou seja, o mínimo para não passar fome); propriedade de algum bem
móvel ou imóvel; e escolaridade (ser alfabetizado).Todos possuem
smartphone, mas só alguns têm acesso à internet.

Para experimentar técnicas não tradicionais, adquirimos com nossos


recursos financeiros os equipamentos e acessórios necessários:
notebooks, projetores de imagem, caixa de som, extensão elétrica, e
pacote de dados suficientes para uso em sala de aula, os quais
levamos quase todos os dias para a aula.

Coisas que acontecem em sala de aula


Há tempos constatamos que os alunos de uma mesma turma não se
conhecem pelo nome. Como ministramos disciplinas alocadas a partir
do quinto período do currículo, não sabemos como acontece no início,
mas no quinto período os alunos que ingressaram numa mesma
turma ainda não se conhecem pelo nome, e pouco ou nada trocam de
informações entre si.

A turma é só uma abstração para fins do diário de classe. De fato o


que existe são pequenos grupos de três a no máximo seis alunos que
interagem. Eles se distribuem espacialmente na classe, em claras
delimitações de territórios. Não tem hábito de pontualidade. Alguns
têm dificuldade de assiduidade. Poucos são os que leem

406
sistematicamente os textos. E se ministrarmos toda a disciplina com
aula expositiva relaxam da leitura.

Esse comportamento à primeira vista desinteressado contrasta com a


observação de situações em que revelam muita inteligência, ou seja:
―faculdade de conhecer, compreender e aprender‖.

Por vezes nos deparamos com alunos mexendo no smartphone


enquanto nós professores ministramos as aulas, ou um colega
apresenta um texto. O que fazer numa situação dessa? Abrir uma
guerra com a turmas ou encarar como um desafio. Então, você pode
dar uma bronca nos alunos, e até abrir uma queda-de-braço com o
aluno ou com a turma. O que seria um desgaste imenso com
consequência certamente muito ruim para o objetivo de ensino-
aprendizagem. Ou tomar essas situações como desafios na
experiência de sala de aula.

Como estamos ensinando


Diante do testemunho acima, optamos por enfrentar os desafios. Isso
significa optar por aprender sempre. Por não ter medo de aprender,
que em nossa condição de professores significa também mais
exposição de nossas limitações e inabilidades. Mas, por entender o
ensino como parte imprescindível da Educação e a Educação como
processo emancipatório e, dependendo da filosofia que fundamenta
suas opções pelos modos de fazer.Dentre eles certamente o de
provocar os alunos a construir conosco uma disciplina em que
possamos no ensino-aprendizagem aprender a aprender.

Precisamos aprender a aprender porque vivemos em mundo


globalizado, informatizado e interconectado em internet, em redes
sociais. Precisamos aprender a usar as ferramentas da internet não
somente para a busca de informações sobre os assuntos relacionados
às atividades que desenvolvemos, mas, também da ampla e quase
infinita oferta de possibilidades que disponibiliza ao estudante.
Precisamos, também, aprender a fazer as questões mais apropriadas
à lógica de funcionamento da internet. E, por fim, precisamos
aprender a fazer a seleção das informações, para em passos
seguintes aprender a formar o posicionamento crítico.

Esse pode ser um grande desafio em termo de ensino-aprendizagem,


em tempos da quarta revolução industrial. Momento do
desenvolvimento tecnológico marcado ―pela convergência de
tecnologias digitais, físicas, e biológicas‖. [Sobre a chamada 4ª.
Revolução industrial, ver matéria de jornal ilustrativas de
transformações em curso, disponível em:

407
http://www.bbc.com/portuguese/geral-37658309 (Acesso em 3 Mar.
2018)].

São vários os vídeos sobre a quarta revolução industrial [como, por


exemplo, o vídeo disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=TXq1TZblc-Q (Acesso em 3 Mar.
2018)] que faz uma prospecção do que poderá acontecer a partir da
―convergência de tecnologias digitais, físicas, e biológicas‖, e suas
implicações na aceleração das transformações.

Logo, como serão necessárias mudanças na prática docente? É


possível que o uso de recursos de internet e de mídia resulte na
atração do interesse dos alunos pelos conteúdos ministrados. O que
certamente será um desafio enorme para os professores que tiveram
sua formação da forma tradicional e milenar – nos livros e bibliotecas
– ter que substituir seu material por livros e bibliotecas virtuais, para
uma geração na qual já se encontram alunos que prefere ler por
meios digitais; e considerando os alunos com dificuldades para o
acesso à reprodução do texto (popularmente chamado de xerox do
texto).

Como, então, elaborar e fazer as aulas com recursos da internet e


equipamentos eletrônicos,ou seja: os meios físicos, os digitais, e os
virtuais já incorporados ao nosso cotidiano e particularmente à vida
de nossos alunos da atual geração?

Como construir uma aula preparada para a participação significativa


dos alunos com informações de conteúdo de qualidade intelectual,
com contribuições para o entendimento dos temas, com
questionamento, suspeita e problematização?

Aprendendo a conhecer com as ferramentas da internet


Este ano de 2018 nos colocamos como meta aprender a manusear os
equipamentos de internet. Primeiro para nos livrarmos do
constrangimento de sempre depender de alguém que soubesse fazer
o projetor de imagens funcionar, a imagem ser finalmente exibida,
etc. Investimos parte de nosso salário em um projetor de imagem,
um novo notebook com todas as funções possíveis para que o plano
de aula proposto desse certo, um caixa de som com bluetooth,
incluindo no pacote os adaptadores de padrões de tomadas, e
extensão (cabo) de tomada de 5 metros; e um plano de dados no
smartphone pessoal que permite a o acesso a internet.

Ou seja, depois de todos esses cuidados, não admitimos mais não


conseguir usar os recursos de informática e internet. Sejam em aulas
expositivas ministradas pela professora, sejam aulas com

408
apresentações de texto ou seminário realizados por alunos, temos
pedido que alguém da turma busque em seu smartphone informações
sobre algum assunto surgido na aula. Quando preparo a aula já
penso em provocar o uso do smartphone para a busca de uma
determinada informação.

Feitas as aquisições dos equipamentos necessários às condições


materiais ao uso dos equipamentos de informática e acesso à
internet, passamos a parte mais difícil: pensar as aulas de modo que
possamos aprender, não somente com a exposição da professora,
incluindo-se os textos indicados à leitura, mas também com os usos
de conteúdos digitais dos conteúdos propostos ou a ele relacionados.

Estamos na fase inicial dessa experiência. E temos usados esses


equipamentos de informáticas e ferramentas de internet em
disciplinas diferentes.

Assim, no curso de uma fala, paro em uma informação que destaquei


ou que mencionei aparentemente sem maiores pretensões e
pergunto: ―- tem alguém da turma com acesso à internet? Veja pra
gente isso, por favor‖. Em geral, peço buscas rápidas, breves: o titulo
desse ou daquele livro, desse ou daquele filme, etc.

Ou peço a algum aluno com acesso a internet que verifique para


turma a exatidão de uma data (sou professora de História e as datas
ainda são importantes), ou uma informação de conhecimento público
que por ventura precisemos de mais detalhes.

Temos preparado as aulas selecionando filmes, textos, matérias de


jornais, propagandas e músicas disponíveis na internet. Material que
é apresentado e depois analisado do ponto de vista das análises dos
discursos que transmitem. Nesse sentido, temos observado
principalmente o seguinte. Primeiro,constatamos que em geral os
alunos estão acostumados ao professor deixar tudo pronto,
previamente indicado para que procurem na xerox. Pouco se tem
utilizado os textos disponíveis em pdf na internet.

Segundo, os alunos em geral, não buscam outros textos além dos


indicados em meios físicos (papel). Mas, a partir dessa nossa
experiência em curso de privilegiar a indicação dos textos disponíveis
na internet, de modo a sempre indicar um texto clássico e alguns
artigos científicos que lhe fazem comentário. Temos já visto mudança
nas práticas de estudo de alguns alunos.

Terceiro, os alunos não tem trazido para a sala de aula suas


curiosidades, suas duvidas, encontradas nos espaços virtuais em que

409
circulam. Ou seja, os inúmeros fragmentos de informações, as
inúmeras incitações às suas sensibilidades, ocorrem como se não
fossem objetos para reflexão para contraponto aos conteúdos que
lhes são transmitidos em sala de aula. Não estão sendo provocados a
fazer as ilações, interconexões entre os conteúdos vistos nas
disciplinas e as inúmeras informações que acessam diariamente nas
internet e redes sociais.

A experiência de ensino que estamos desenvolvendo ainda é muito


limitada. Mas estamos atentos para que os usos das tecnologias e dos
assuntos que acessamos a partir desses meios não sejam
complementação da exposição de determinado assunto/conteúdo,
mas provocação à inter-relação de assuntos com o cotidiano e,
sobretudo, o desenvolvimento da problematização, da crítica, das
perspectivas de assimilação, o imediato (que ocorre na apropriação
do entendimento do fragmento) e ―abrangente‖ (que seria a
elaboração de uma visão ampliada, menos fragmentada) das
experiências humanas.

Considerações finais
Ministramos aulas de História para alunos de História e de Ciências
Sociais nos horários diurno e noturno. E apesar de ainda tateando no
desenvolvimento de habilidades no uso das ferramentas de internet,
achamos que estamos no caminho certo. Já percebemos o aumento
do interesse, envolvimento com as disciplinas, maior participação nas
aulas a partir das invenções que temos ousado. Seja com um vídeo
de Nina Simone cantando "Ain't Got No / I Got Life" para provocar a
turma uma sensibilidade que refute a discriminação e o preconceito
de cor, gênero e classe social, seja quando selecionamos trechos de
propagandas, matérias de blogs e grande mídia online pretensamente
―imparciais‖, seja quando provocamos os alunos a questionarem o
que veem, leem. Realizando o desenvolvimento da crítica e
mostrando a inevitável politização e ideologização que encontra-se
em tudo e em todo o lugar, segundo as leituras que trazemos de
nossa experiência como indivíduo consciente ou não consciente das
diferenças, desigualdades e injustiças que perduram em nossa
sociedade e em todo o planeta Terra.

Certamente ainda é pouco para aprender a fazer diferente. Mas é um


começo de uma busca e um fazer que não devem ser interrompidos.

―Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora


atual, se propõem a si mesmos como problema. Descobrem que
pouco sabem de si mesmos como problema. Descobrem que pouco
sabem de si, de seu ―posto no cosmos‖, e se inquietam por saber
mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu pouco saber de si uma

410
das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão trágica
descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problemas a eles
mesmos. Indagam. Respondem, e sua resposta as levam as novas
perguntas‖. (FREIRE, 1985, p. 29). [Disponível em:
https://www.google.com.br/search?q=pedagogia+do+oprimido+publi
cado+em&oq=pedagogia+do+oprimido+publicado+em&aqs=chrome.
.69i57j0l3.11856j1j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 (Acesso em 2 Mar.
2018)].

Buscando conteúdos no youtube, encontrei uma fala de Marilena


Chauí (2013), no vídeo (trechos de 14:00 a 18:00, e de 50:00 a
55:00),que nos fez pensar sobre uma possível inflexão que a
revolução nos meios de comunicação e internet provocaram na forma
como vemos o mundo, levando a visão fragmentada de si e da
sociedade. [Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=qQOQk2J9yIM&t=4139s (Acesso
em 24 Fev. 2018)].

O ensino de História constitui um lugar privilegiado de crítica social e


questionamento das culturas de dominação, sendo relevantes as
buscas por desenvolvimento de habilidades no uso das ferramentas
da internet com fins de definição de novas metodologia e técnicas de
ensino em História.

Referências
Rosilene Dias Montenegro. Doutora em História pela UNICAMP
(2001). Professora de História, da Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG). Coordenadora do laboratório de história e memória
chamado ―Projeto Memória da Ciência e Tecnologia‖, em
funcionamento desde 2004.

411
UMA PROSPOTA DE ENSINO: O USO DO TEATRO GREGO PARA
A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE ANTENIESE CLÁSSICA
Sérgio Mendes

O presente trabalho propõe à comunidade acadêmica uma reflexão


sobre as possibilidades do uso do Teatro Grego dentro das aulas de
História Antiga como uma ferramenta para o desenvolvimento de
uma aula mais interativa e que possa gerar experiências que vão
além do conteúdo didático sobre a sociedade ateniense clássica,
considerando-o um instrumento potencializador do conhecimento
histórico. Transgressor por natureza, o teatro reflete os conflitos de
sua época, sendo uma expressão de reivindicação das categorias
sociais. Além disso, esta proposta valoriza questões da sexualidade e
da mitologia que afligiam os antigos e que são pertinentes no tempo
presente. Utilizamos, assim, o teatro para fazer cotejamentos com
aquele período histórico, refletindo também sobre as possibilidades
de análises dessa ferramenta na sala de aula, visando um ensino de
História Antiga mais reflexivo e inovador, incentivando os alunos a
questionar sobre as realidades de seu cotidiano. Desta forma, o
conteúdo histórico pode ser questionado na reflexão da produção
dramatúrgica grega antiga, através das reflexões produzidas a partir
da montagem das peças junto ao alunado.

A discussão do uso das fontes vai tomar cada vez mais espaço dentro
da historiografia e também vai ser muito discutido dentro da
perspectiva do ensino de Historia. Maria Auxiliadora Schmit vai
defender que ―um dos elementos considerados hoje imprescindíveis
ao procedimento histórico em sala de aula é, sem dúvida, o trabalho
com as fontes ou documentos‖. (In BITTENCOURT, 2008. Pág. 61).
Essa necessidade de trabalhar fontes históricas com os alunos vai
levar o professor a buscar novas fontes constantemente, não
trabalhando apenas as fontes escritas, mas também usando fontes
não escritas como pinturas, esculturas, prédios, monumentos da
época, mudando assim a forma de se trabalhar os conteúdos de
história. Temos que ressaltar ainda, a inclusão de textos que a
princípio não seriam históricos, como os textos literários, sendo
usados como fontes históricas:

―Quando se quer, por exemplo, repensar a História, é preciso


considerar o sentido do próprio conhecimento, o que leva não
somente à eleição de novos fatos ou acontecimentos, mas a uma
nova relação entre estes e quaisquer outros fatos e acontecimentos,
o que nada tem a ver com compromissos irrefletidos de culto ao
novo, acompanhado do descarte do chamado conhecimento
tradicional.‖ (PINSKY, 2009, p. 45)

412
É ainda dentro desta discussão que vai haver a aprovação da Base
Nacional Curricular Comum (BNCC), este documento aprovado em
dezembro de 2017 estabelece pontos que devem ser trabalhados ao
longo do ensino fundamental, além de definir competências que
devem ser desenvolvidas ao longo dos anos.

―O processo de ensino e aprendizagem da História no Ensino


Fundamental – Anos Finais está pautado por três procedimentos
básicos:
1. Pela identificação dos eventos considerados importantes na
história do Ocidente (África, Europa e América, especialmente o
Brasil), ordenando-os de forma cronológica e localizando-os no
espaço geográfico.
2. Pelo desenvolvimento das condições necessárias para que os
alunos selecionem, compreendam e reflitam sobre os significados da
produção, circulação e utilização de documentos (materiais ou
imateriais), elaborando críticas sobre formas já consolidadas de
registro e de memória, por meio de uma ou várias linguagens.
3. Pelo reconhecimento e pela interpretação de diferentes versões de
um mesmo fenômeno, reconhecendo as hipóteses e avaliando os
argumentos apresentados com vistas ao desenvolvimento de
habilidades necessárias para a elaboração de proposições próprias.‖
(MEC, 2017, p. 412)

Podemos perceber que o processo de aprendizagem que passa a ser


defendido pela BNCC vai além do que as salas de aula tradicionais
costumam proporcionar. A utilização de documentos, que por tantas
vezes foi defendida dentro da academia, passa a ser uma obrigação
na prática de todos os professores de história no país, de acordo com
o ponto número 2 dos procedimentos básicos.

É dentro desta perspectiva que surge a proposta de utilizar o teatro


grego dentro das aulas de História, como forma de por o aluno em
contato com textos produzidos no período clássico ateniense para
uma maior compreensão desta sociedade. Em seu texto publicado em
2005, A renovação da História Antiga, Pedro Paulo Funari já apontava
a necessidade de pensarmos em outros modos de abordar as
temáticas da antiguidade em sala.

O texto de Funari é consonante com a abordagem que passará a ser


obrigatória a partir do ano que 2020 nas escolas brasileiras, trabalhar
a antiguidade não como algo acabado, mas sim como possibilidade.
Possibilidade de compreender um fenômeno através de vários
olhares, como determina o terceiro ponto dos procedimentos básicos,
e assim, reduzir a distância que existe entre os alunos brasileiros e as

413
temáticas trabalhadas dentro do conteúdo escolar sobre a Grécia
Antiga.

Inicialmente, é necessário que haja uma compreensão de que a


tragédia grega vai ser muito mais do que um elemento artístico da
Grécia Clássica. Nietzsche vai trabalhar em O Nascimento da
Tragédia, que esta trazia o público para dentro da encenação, através
do Coro, que é a representação do povo. Que o sentido do Coro é
fazer com que as pessoas que estão assistindo se reconheçam dentre
os personagens, e assim a mensagem da peça toque diretamente os
espectadores.

Aristóteles, em A Poética, vai dizer que a tragédia é ―A representação


de uma ação elevada, de alguma extensão e completa, em linguagem
adornada, distribuídos os adornos por todas as partes, com atores
atuando e não narrando; e que, despertando a piedade e temor, tem
por resultado a catarse dessas emoções.‖ (ARISTÓTELES, Poética, VI
- 27, p. 43)

Esta compreensão é primordial para que o uso do teatro não seja


apenas um elemento lúdico dentro da sala de aula. O teatro precisa
ser compreendido como um elemento fundamental dentro da ideia de
Paideia. A tragédia é uma representação de um mundo que é
baseado no real. Ela representa algumas angústias e algumas crenças
do mundo grego. Werner Jaeger vai dizer que ―Os contemporâneos
não consideravam nunca a natureza e influência da tragédia de um
ponto de vista exclusivamente artístico. Era a tal ponto a rainha, que
a tornavam responsável pelo espírito da comunidade‖. (JAEGER,
2003, p. 293) A partir deste entendimento poderemos abordar os
elementos presentes em diversas das peças produzidas no período
Clássico como uma ferramenta para romper a barreira tempo e
espaço que existe entre os alunos e o período em questão.

Além dos procedimentos básicos e conteúdos que devem ser


abordados em cada ano do ensino fundamental, a BNCC também
define uma série de Habilidades que devem ser trabalhadas. Dentro
destas, destacamos três que abordam temas ligados à antiguidade
Clássica e que podem ser trabalhadas com o teatro.

―(EF06HI10) Explicar a formação da Grécia Antiga, com ênfase na


formação da pólis e nas transformações políticas, sociais e culturais.
(EF06HI12) Associar o conceito de cidadania a dinâmicas de inclusão
e exclusão na Grécia e Roma antigas.
(EF06HI19) Descrever e analisar os diferentes papéis sociais das
mulheres no mundo antigo e nas sociedades medievais.‖ (MEC, 2017,
p. 417)

414
Dentro do trabalho com o teatro é possível trabalharmos a habilidade
EF06HI10, tendo como ponto de partida a discussão do pensamento
de Paideia definido por Werner Jaeger, é possível ilustrarmos diversos
dos conceitos fundamentais para a compreensão desta sociedade
através do teatro.

Especificamente sobre a habilidade EF06HI10 um texto que pode ser


trabalhado em sala de aula é As tesmoforiantes de Aristófanes. Neste
texto é possível discutir a questão da cidadania em Atenas a partir da
subversão feminina ao se fantasiar de homens para tomar conta da
Assembleia. É preciso inicialmente que o professor construa com os
alunos o conceito de Cidadão nesta sociedade e que os alunos
compreendam o papel da assembleia. Com estes conceitos definidos,
é possível questionar o papel da mulher na sociedade clássica, e em
qual perspectiva o autor da peça pode desenvolver uma visão de
sociedade onde as mulheres governariam a Pólis ateniense.

Outra peça que podemos trabalhar sobre a questão feminina é


―Antígona‖, de Sófocles, um dos grandes tragediógrafos grego. Nesta
peça podemos trabalhar um contra ponto para a visão de mulher
tradicional da sociedade ateniense, a Melissa. Antígona é sobrinha do
rei da cidade de Tebas, Creonte, e filha do antigo rei desta cidade,
Édipo. A peça começa após a morte de seus dois irmãos em batalha,
em que um havia tirado a vida do outro. O rei de Tebas havia
determinado que o irmão dela, Polinices, que havia lutado contra a
sua antiga cidade, não deveria receber as honras fúnebres devidas,
que estas só seriam dadas à Etéocles, que morre como herói. Diante
disto, Antígona enfrenta as ordens de seu tio, e faz o enterro de seu
irmão.

A partir do desafio de Antígona pode-se levantar questões como o


papel feminino, se questionar os motivos de uma personagem
feminina ser representada de tal forma na sociedade anteniense.
Como uma sociedade que tem como ideal a Melissa recepcionou uma
personagem como Antígona? Questões como esta são essenciais para
o desenvolvimento do ensino de História dentro da BNCC.

Outro debate essencial dentro da peça é a disputa entre a liberdade


indivudial perante a ditadura estatal. Como irmã de Polinices,
Antigona é obrigada pelo seu pensamento religioso, a dar sepultura
ao irmão morto. Porém, as ordens do tirano Creonte, a proíbem de
tal ato. A forma como os acontecimentos se desenrolam dentro da
peça permitem que questões como ―Até onde vai o direito do Estado
de interferir na vida do cidadão?‖ sejam debatidas após a encenação.

415
Segundo Junito de Souza Brandão, ―Antígona é, pois, uma ação
formulada num duelo verbal entre a thémis, a lei não escrita,
ágraphos nómos, invocada e representada por Antígona, e o
novíssimo direito sofístico denominado athemestía, o não-direito, o
Estado Totalitário encarnado pela pólis, na pessoa de Creonte.‖
(BRANDÃO, 2007, p. 54)

A partir de Antígona é possível trabalhar as habilidades EF06HI12 e


EF06HI19 de forma lúdica e reflexiva. Porém, é necessário que o
professor seja responsável por promover os debates necessários para
que a peça não cumpra apenas o seu papel lúdico. É preciso que os
conceitos seja previamente apresentados aos alunos, para que ao
surgirem nas peças estes possam ser reconhecidos.

Num contexto de ensino como a BNCC define, o uso do teatro grego


se apresenta como uma forma de trabalho com fontes históricas, de
forma lúdica e reflexiva. Além de contar com um grande potencial de
reflexividade sobre os temas abordados dentro das peças. Vale
lembrar ainda que a quantidade de temas mitológicos abordados
dentro do teatro grego é extremamente variado, apenas mencionei
de forma breve duas peças. Por tanto, é possível o trabalho com os
mais variados temas dentro da sociedade grega.

Referências
Sérgio de Corrêa Mendes Júnior é Membro do Leitorado Antiguo,
Mestre em Educação pela UFPE e Licenciado em História pela UPE.

ARISTÓFANES. A greve do sexo; A revolução das mulheres. Rio de


Janeiro: Edipro, 2015.

ARISTÓTELES. Poética. São Paulo:Editora Nova Cultura, 2004.

BITTENCOURT, Circe. O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo:


Contexto, 2008.

BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego, Tragédia e Comédia.


Petropólis: Editora Vozes, 2007.

BRASIL, Ministério da educação e cultura. Base Nacional Curricular


Comum. Brasília: MEC, 2017.
(Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/) Acesso em
03/03/2017.

416
FUNARI, Pedro Paulo. A renovação da História Antiga. In: KARNAL,
Leandro (Org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e
propostas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 95-107.

JAEGER, Werner. Paidéia – a formação do Homem Grego. São Paulo:


Martins Fontes, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo:


Companhia de Bolso, 2008.

PINSKY, Jaime. O Ensino de História e a Criação do Fato. São Paulo:


Contexto, 2009.

SÓFOCLES. A Trilogia Tebana (Édipo Rei, Édipo em Colono,


Antígona). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

417
HITLER EM CENA: CULTURA, LINGUAGEM E HISTÓRIA NA
ABORDAGEM SEMIÓTICA DE “ELE ESTÁ DE VOLTA”
Tatiane Kaspari
Carlos Eduardo Ströher

A leitura, a cultura, o ser


Pesquisas internacionais, como o PISA, e estudos e exames
nacionais, como ENEM, ENADE e Retratos da Leitura no Brasil,
atestam a pouca proficiência em leitura dos brasileiros, em diversos
níveis de ensino. Não surpreende que, na esteira da defasagem da
formação leitora, venham resultados nada animadores em relação às
demais áreas de ensino, uma vez que a leitura embasa o processo de
ensino-aprendizagem.

Para além da definição tradicional de leitura, que engessa o leitor na


decodificação de um sistema linguístico pré-fixado, entende-se o
processo de leitura em uma perspectiva ampla de interação com os
códigos culturais e, portanto, intimamente relacionado com a
inserção histórico-social do sujeito e sua formação identitária. Nessa
perspectiva, o ensino de História (assim como o das demais áreas)
entrelaça-se com a educação para a leitura crítica do presente, do
passado e de suas pretensas verdades (SEFFNER, 2000), na medida
em que esse chega à atualidade esfacelado nos vestígios inscritos em
materialidades diversas, mas, sobretudo, inscrito em manifestações
culturais recobertas por camadas de interpretações depositadas ao
longo do tempo. Estas, por sua vez, reverberam nas maneiras de
conceber e de viver o tempo presente, assumindo relevante papel
social.

Um caso exemplar de uso de manifestações culturais na


―conformação ideológica‖ de uma sociedade ocorreu durante o regime
nazista de Hitler, na Alemanha. Antes mesmo de a Escola de Tartu-
Moscou (1960) desenvolver as bases da Semiótica da Cultura, o
Führer alemão já descobrira no cinema a possibilidade de afetar
sensivelmente a população de seu País, levando-a a aderir ao projeto
governamental (PEREIRA, 2011). Em um jogo de espelhos, não
surpreende que o próprio Hitler tenha vindo a se tornar objeto de
variadas representações fílmicas desde a década de 1940, e que
seguem re(construindo) as formas de conceber sua personalidade e
de julgar suas ações.

Considerando que os alunos, na contemporaneidade, estão expostos


a variados discursos acerca do Führer e que as produções
audiovisuais seguem exercendo atração sobre os jovens e propondo
reflexões sobre a ―realidade‖ presente e pretérita, propõe-se uma

418
leitura semiótica da narrativa fílmica ―Ele está de volta‖ (2015). Ela
surge como possibilidade pedagógica interdisciplinar, em que a
abordagem da personagem Hitler se desdobra em temas históricos
correlatos ao nazismo e às diversas formas de segregação e de
violência social.

Na trama fílmica, Hitler acorda na Berlim contemporânea e passa a


interagir com os alemães, reproduzindo os discursos de seu governo,
na primeira metade do século XX. Visto como ator exímio, ele é
descoberto pelo produtor de televisão, Fabian Sawatzki, que insere
Hitler na mídia e nos meios sociais como comediante. As declarações
e gestos do Führer, contudo, diluem as fronteiras entre ficção e
realidade e mobilizam reações no público, tanto no plano ficcional da
diegese fílmica (em que o ator alcança grande sucesso e, ao mesmo
tempo, sofre agressões físicas de opositores) quanto no da
reprodução do real (em que as cenas documentais denunciam uma
adesão de significativa parcela da população às ideias do suposto
Adolf Hitler).

Instituindo, pois, um jogo ambíguo entre seu caráter documental e


sua configuração fictícia, ―Ele está de volta‖ não limita a satirizar a
figura do ditador alemão, incriminando-o como único responsável por
atos situados no passado, mas refrata a crítica temporal e
espacialmente, problematizando questões socioculturais da
atualidade, que extrapolam as fronteiras alemãs. Sua abordagem
pedagógica abre, assim, inúmeras possibilidades de reflexão e
permite que, por um debate ativo e crítico, o aluno avalie suas
posições de sujeito (HALL, 2005) e seu papel social.

Segunda realidade, cinema e cultura


Tão logo iniciam as cenas do enredo de ―Ele está de volta” (2015), a
dicotomia entre existência biológica e existência sócio-cultural é
explorada. Ao acordar em uma Berlim contemporânea, Hitler age
desordenado, incapaz de compreender o modo de vida dos
conterrâneos, especialmente quando não é reconhecido como o
Führer histórico por um grupo de garotos, que o considera ―um
vacilão‖. Nos casos em que a personagem interage com pessoas
adultas ou idosas, ocorrem reações muito diversas, mas que
sinalizam sempre sua identificação com o sujeito Adolf Hitler e as
concepções e atos que lhe foram atribuídos.

O não reconhecimento dos meninos em relação à personagem


principal decorre uma lacuna no acesso a manifestações que
sedimentaram o valor semiótico do sujeito histórico Hitler; está,
portanto, na fissura entre primeira e segunda realidades. Para I.
Bystrina (1990), a primeira realidade está na existência físico-

419
biológica do ser humano, apresentando, em suas coerções pela
sobrevivência, limitações que só são transpostas no plano da segunda
realidade, espaço do sonho, da arte, das criações imagéticas, em
suma, da cultura. Nesse espaço, chamado de semiosfera, os textos
culturais tomam forma e são continuamente (re)significados, estando
na base do processo de hominização, já que decorrem da tomada de
consciência da finitude da vida e da complexa relação com o tempo.

Para Iuri Lotman (1979, p. 31), a cultura constitui ―o conjunto de


informações não-hereditárias, que as diversas coletividades da
sociedade humana acumulam, conservam e transmitem‖. Para
assegurar a acumulação e o intercâmbio dessas informações, as
diferentes sociedades valem-se da linguagem que, para levar a cabo
a comunicação, configura-se em diferentes códigos. Dessa forma, o
texto cultural a ser abordado pela Semiótica da Cultura não se
restringe à palavra escrita, mas abarca os elementos sígnicos
envolvidos em uma dada manifestação.

No caso do cinema, os objetos e personagens postos em cena, a


escolha do ângulo, a configuração do cenário, o figurino, a
iluminação, enfim, tudo aquilo que ―é arte‖ (LOTMAN, 1978, p. 73)
carrega o potencial de ser signo. Na compreensão de Lotman,

―[...] signo é o equivalente material dos objetos, dos fenômenos e


dos conceitos que exprime. Por conseguinte, a principal característica
do signo é a sua capacidade de exercer uma função de substituição. A
palavra substitui a coisa, a o objeto, o conceito; o dinheiro substitui o
valor, o trabalho socialmente necessário; o mapa substitui o lugar; na
organização militar os galões e as divisas substituem os postos
correspondentes‖ (LOTMAN, 1978, p. 10).

Em tal perspectiva, o signo, inserido na semiosfera, transcende a


inicial referenciação a um objeto ou a um ser empírico, por meio de
uma maior ou menor convencionalização de seu sentido (BYSTRINA,
1990). Esse processo determina o valor atribuído a cada elemento em
uma dada sociedade: ―o valor das coisas é semiótico, uma vez que
ele é determinado não pelo próprio valor destas, mas pela
significação daquilo que representa‖ (LOTMAN, 1979, p. 37).

Nesse ponto, a Semiótica da Cultura difere-se enquanto campo de


estudo. Enquanto as diversas correntes semióticas propõem-se à
análise dos mais variados signos (palavras, imagens, sons,
manifestações biológicas etc.), a Semiótica da Cultura elege por
objeto mínimo de análise o texto, compreendido como ―complexo de
signos que têm sentido‖ (BYSTRINA, 1990, p. 4). Para Baitello Junior,
―um signo único não será [...] um texto se não for visto em um

420
percurso, em uma relação temporal ou espacial, dialogando consigo
próprio ou com outros signos‖ (1997, p. 42).

Sob essa visão, Lotman considera que a análise do cinema deve


considerar o encadeamento dos quadros, a que se deve boa parte da
desautomatização efetuada pela linguagem cinematográfica, ou seja,
a sequência estratégica das cenas instaura encadeamentos de
significados inéditos. Na base desse movimento, está a complexa
dialética entre real e ficção, entre primeira e segunda realidades, que
o cinema sustenta: ao mesmo tempo em que, na aparência, se
aproxima da realidade, simulando uma cópia dos fatos empíricos;
denuncia sua artificialidade pelos mecanismos sígnicos que lhes são
próprios (LOTMAN, 1978). Por esse motivo, a linguagem
cinematográfica ―esbate significações materiais e sublinha as
significações abstratas, lógicas ou associativas‖ (LOTMAN, 1978, p.
83), possibilitando que o contínuo processo de representação de uma
personagem, como Adolf Hitler, não esgote seu valor semiótico, mas,
do contrário, o amplie num processo infindável de contestação e/ou
de reforço.

No caso específico do Führer, acredita-se que tenha alcançado o


estatuto de símbolo, que constitui um signo fortemente semiotizado,
de forma a constituir uma norma, uma lei que determina seu
interpretante: [...] um símbolo é uma lei ou regularidade do futuro
indefinido‖ (PEIRCE, 1995, p. 71). Essa compreensão ilumina o
humor que emerge do não reconhecimento do Führer nas primeiras
cenas e das situações constrangedoras a que é submetido. A
contradição do valor simbólico, que associa Hitler a força, imponência
e poder, envolve o público no teor sarcástico da trama fílmica, que,
inicialmente reveste a personagem alemã, mas que, posteriormente,
se estende a indivíduos da atualidade, divididos entre uma aparência
politicamente correta e acolhedora e uma postura ideológica
discriminatória e conservadora.

Hitler em cena: algumas propostas de abordagem


Considerar a personagem Hitler enquanto texto cultural parece ser o
desafio central de uma (re)leitura crítica dos signos que compõe a
história do nazismo. Assim, em sala de aula, faz-se adequada uma
proposta prévia à recepção do filme que desperte os alunos para os
diversos signos que orbitam na esfera cultural e histórica que tem
moldado a interpretação do tema. Uma possibilidade é apresentar aos
discentes a capa do livro homônimo que inspirou o filme: nela, o
desenho de um bigode e do formato do cabelo são elementos que
esclarecem o pronome pessoal ―Ele‖ do título. Questionar aos alunos
de que maneira eles identificam a referência a Hitler nos desenhos

421
pode ser o ponto de partida para pensar o universo cultural como
espaço forjador de concepções sociais.

Outra possibilidade, ainda, é problematizar a saudação nazista


(Deutscher Gruß), localizando-a em diferentes momentos históricos.
Promover a reflexão de seu percurso, que inicia semioticamente no
cumprimento ao imperador na Roma Antiga, em que simbolizava
lealdade e respeito; posteriormente, como forma de pertença sócio-
política-ideológica na Alemanha nazista e, atualmente, como gesto
controverso, lança luz sobre a variação do valor atribuído a cada
signo, de acordo com a cultura de cada época e de cada grupo social.

Após a assistência do filme, o docente de História procederá à


exploração dos aspectos que julgar condizentes à sua realidade
educacional. Julga-se, contudo, que a discussão de alguns conceitos
faz-se sobremaneira relevante na análise da narrativa
cinematográfica. Em várias cenas, o autor que interpreta Hitler
interage com pessoas em seu cotidiano e evoca o discurso
nacionalista que sustentou o regime nazista, que encontra
ressonância nas manifestações dos alemães contemporâneos. Para
grande parte dos germânicos, o tempo passado permanece mítico,
idealizado como espaço de ordem e de preservação da cultura e da
raça ariana.

Na esteira desse pensamento, reafirma-se o poder simbólico da figura


de Hitler, sobretudo quando na interação com políticos, como Karl
Richter, presidente adjunto do NPD – Partido Nacional-Democrático
da Alemanha. Após solicitar que se encerrem as gravações, ele afirma
que, provavelmente, obedeceria a todas as ordens do verdadeiro
Hitler (ou, talvez, de quem o conseguisse persuadir como o Führer).
Esse posicionamento revela uma vulnerabilidade político-ideológica
que se estende à população em geral, para quem, segundo a
personagem Hitler, basta lançar algumas palavras-chave para destilar
seu discurso revoltado. Assim, cabe ao professor problematizar as
bases sociais que sustentaram a ascensão do nazismo e contrapô-las
às condições presentes, a fim que se compreenda tanto o contexto
histórico da 2ª Guerra Mundial quanto se discuta o cenário atual e os
possíveis rumos políticos e sociais. Além disso, é interessante debater
o papel de personagens infames no curso da História.

É possível, também, estabelecer paralelos com a realidade brasileira


e sua frágil democracia (CARVALHO, 2015). A incompreensão desse
conceito fundamental não é exclusividade brasileira, como muitos
pensam. Em uma passagem significativa do filme, um jovem
neonazista conversa com o ator que interpreta Hitler. O rapaz afirma
estar lutando por seus direitos e acredita que a democracia é

422
construída por meio de um governo autoritário. A fala irônica do ator
ao final do diálogo – ―Esse é exatamente o meu tipo de democracia‖
– denuncia as contradições inerentes ao pensamento nazista já em
sua origem, quando a sigla política sugeria uma orientação socialista,
mas também problematiza o analfabetismo político de parcela da
juventude.

Fig. 1: Cenas da interação dos atores com um jovem participante de


uma manifestação neonazista
https://uploaddeimagens.com.br/imagens/figura_1-jpg--9

As incoerências em cenas de caráter documental são reforçadas em


passagens ficcionais, cujas notações simbólicas podem ser exploradas
em um trabalho conjunto com a disciplina de Língua Portuguesa. Em
uma cena, por exemplo, o Führer admira a natureza de um parque
natural e, ao reafirmar que a superioridade do Partido Verde na
atualidade, joga ao chão um copo de café vazio. A reunião desses
elementos conflituosos (ele se identifica com a natureza, mas
contribui deliberadamente para sua destruição) em uma sequência de
planos gera o efeito do absurdo, que está na base da sátira.

Nesse aspecto, um trabalho interdisciplinar com a disciplina de Artes


poderá contribuir em muito com o processo de interpretação.
Especialmente em cenas em que o sarcasmo cede espaço ao drama e
à mordaz crítica social, a análise dos aspectos visuais se faz
necessária. Como exemplo, cite-se a seleção dos ângulos de
filmagem picado e contrapicado. Em uma passagem crucial para o
desenvolvimento da trama no âmbito ficcional, Sawatski leva Hitler
para conhecer a avó de sua namorada. A idosa judia reconhece no
ator o Hitler histórico. Embora seja considerada doente mental, o
olhar direto e as memórias articuladas em falas lógicas denotam
lucidez na idosa, que acusa o Führer de assassino. Interpelada a ver

423
como comédia as falas de Hitler, a avó afirma que, no início do
regime nazista, os alemães também riam das ideias que resultaram
no extermínio de toda a família da neta.

Fig. 2: Personagem reconhece Hitler do século XXI como o mesmo do


regime nazista
https://uploaddeimagens.com.br/imagens/figura_2-jpg--7

Essa sequência é crucial para a construção da verossimilhança interna


do enredo, pois é a adesão de Sawatski ao ponto de vista da idosa
que justificará sua internação como doente psíquico. Sua significação,
porém, pode ser estendida ao debate sobre os influxos das
representações culturais na realidade. Nesse encadeamento de
planos, a alteração dos ângulos picado e contrapicado reproduz o
jogo de olhares entre as personagens e o próprio embate entre
passado e presente. A memória histórica da idosa, mobilizada pela
imagem do Führer, engendra sensações dolorosas, que a impedem de
conceber a reprodução da figura de Hitler como neutra e, portanto,
portadora de comicidade.

Essa advertência é relançada ao plano da realidade no encerramento


da narrativa fílmica, quando a fala de Hitler – ―Minha situação é
excelente na Alemanha, na Europa, no mundo‖ – é iluminada por
imagens e fatos da atualidade, os quais giram em torno da violência
xenofóbica. Essa exploração permite inúmeras associações com a
realidade dos alunos, que podem ser levados a refletir em proporções
globais, como sobre a grave crise de imigrantes na Europa, por meio
de fotos emblemáticas, como a que representou o menino sírio Aylan,
morto após o naufrágio do bote que levava sua família ou mesmo as
implicações do discurso e das medidas em relação aos imigrantes no
governo Trump (discussão que pode partir de um filme como ―Um dia
sem mexicanos‖). Pode-se, ainda, estabelecer relações com um
universo mais próximo do aluno, abordando, por exemplo, a forma
como as pessoas de seu Estado, Município ou região concebem e
relacionam-se com indivíduos provindos de outros locais.

Enfim, há inúmeros caminhos de análise possíveis para a narrativa


fílmica, não havendo a possibilidade de descrevê-los exaustivamente
nesse texto. O trajeto de leitura deve ser traçado de acordo com as

424
características e as necessidades educacionais de cada turma. O que
não se deve perder de vista, porém, é que a formação de um cidadão
crítico não se dá descolada do desenvolvimento de sua capacidade
leitora. Dessa forma, o filme Ele está de volta constitui um rico
material pedagógico se explorado profundamente. Caso a
interpretação fique na superficialidade textual, corre-se o risco de
perder a sutileza irônica do texto e, numa inversão de sentidos,
aderir à tortuosa ideologia do pseudo Hitler.

O símbolo sobrevive ao homem


Embora muito comumente se utilizem filmes em aulas de História, é
ainda pouco frequente a proposição da leitura das personagens
históricas enquanto constructos sociais, situando-se, muitas vezes, as
representações cinematográficas como ―fiéis à História‖ ou
―verdadeiras‖ ou, então ―fictícias‖. ―Ele está de volta‖ é um desafio à
abordagem pedagógica porque problematiza os dualismos tão caros
às perspectivas tradicionais e, ao mesmo tempo, propõe uma visão
ampla, crítica e contemporânea. Assim, a proposta de uma análise
semiótica do filme vem acompanhada de um necessário movimento
de abertura do professor de História a saberes de outras áreas de
ensino, com vistas a ampliar os horizontes de leitura do mundo dos
alunos.

Nesse sentido, é exemplar o término de ―Ele está de volta‖, em que o


Führer passeia por uma cidade simpática à sua figura (e,
provavelmente, às suas ideias) e conclui: ―Este é um bom material de
trabalho‖. A fala evidencia o imaginário humano enquanto constructo
cultural, manipulável, portanto, pelas representações que circulam
socialmente. Completa-se, assim, o ciclo que a narrativa estabelece
entre primeira e segunda realidades, entre passado e presente, entre
história e construção mítica, entre indivíduo e sociedade, entre ficção
e realidade.

Referências
Tatiane Kaspari é mestre e doutoranda em Processos e Manifestações
Culturais e licenciada em Letras Português.

Carlos Eduardo Ströher é mestre em Educação e professor dos cursos


de História e Pedagogia da Universidade Feevale (Novo
Hamburgo/RS)

BAITELLO JUNIOR, N. O animal que parou os relógios. São Paulo:


Annablume, 1997.

BYSTRINA, I. Semiótica da cultura: alguns conceitos semióticos e


suas fontes. São Paulo: CISC, 1990.

425
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio
de Janeiro: Civilização brasileira, 2015.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10ª ed. Rio


de Janeiro: DP&A, 2005.

LOTMAN, Yuri. Estética e semiótica do cinema. Lisboa: Editorial


Estampo, 1978.
_______. Sobre o problema da tipologia da cultura. In:
SCHNAIDERMAN, B. Semiótica russa. São Paulo; Perspectiva, 1979.
p. 31-41.

PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1995.

PEREIRA, Wagner Pinheiro. O triunfo do Reich de mil anos: cinema e


propaganda política na Alemanha Nazista. IN: CAPELATO, Maria
Helena et al. (org.) História e cinema: dimensões históricas do
audiovisual. Editora Alameda: São Paulo, 2011. p. 259 -74.

SEFFNER, Fernando. Teoria, metodologia e ensino de história. In:


GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; PETERSEN, Sílvia Regina
Ferraz; SCHIMIDT, Benito Bisso; XAVIER, Regina Célia Lima.
Questões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre: Editora
da Universidade, 2000. p. 257-288.

426
FAKE NEWS EM SALA DE AULA: O ENSINO DE HISTÓRIA E
INFORMAÇÃO NO TEMPO PRESENTE
Thiago Reisdorfer

A Terra é plana. Vacinas são responsáveis pelo aumento nos casos de


autismo. Médicos cubanos são militares infiltrados. Esses são alguns
exemplos das chamadas ―FakeNews‖, grosso modo ―notícias falsas‖,
que se propagam no cotidiano da Internet entre os mais diferentes
grupos sociais, interesses políticos, graus de instrução, etc. As
eleições de 2016 nos EUA, com a vitória de Donald Trump,
consagraram essa temática como questão a ser debatida, social e
academicamente,bem como, arma a ser operacionalizada no jogo
político. O termo atravessou a barreira da internet e ganha terreno
nos usos políticos acusatórios, mas também, na cultura popular
cotidiana.

Este texto parte da premissa de que o ensino de História pode ser


ferramenta poderosa no esforço necessário para instrumentalizar a
sociedade com mecanismos de identificação e combate às Fake News.
Ao abordar a construção do conhecimento a partir da pesquisa e da
contraposição de informações, do reforço da habilidade de
interpretação e problematização, podemos constituir uma
compreensão mais apurada do processo de criação e divulgação de
informações, seus interesses econômicos, ideológicos e culturais.
Com esses objetivos em mente, buscaremos relatar e problematizar
uma atividade realizada em sala de aula com estudantes da disciplina
de História do Brasil II, do 3º ano do curso de História da Unespar-
Campo Mourão no ano de 2017.

Tendo em vista nossa proposta, organizamos nosso texto da seguinte


forma: primeiro uma breve contextualização e conceituação do
fenômeno das ―Fake News‖; em seguida uma breve apresentação
descritiva da atividade proposta; por fim problematizaremos as
possibilidades que essa atividade pode ter no âmbito da formação de
professores e cidadãos capazes de pensarem a informação enquanto
algo produzido em contextos social e politicamente marcados.

Fake News: novidades e permanências


O início do século XXI tem presenciado um aprofundado e veloz
desenvolvimento das chamadas redes sociais. Grandes redes como o
Facebook contam com cerca de 2 bilhões de usuários ao redor do
mundo. Constantemente o Brasil tem sido colocado como um dos
países campeões de usuários. Esses espaços, organizados através de
algoritmos criados a partir dos interesses das corporações
proprietárias dessas redes sociais, tem se transformado em centro de

427
informações para um número cada vez maior de pessoas. Assim, tem
sido terreno fértil para a criação e propagação de notícias falsas.

As Fake News, ou notícias falsas, possuem características específicas


que as diferenciam de conceitos tradicionais como a mentira, calúnia
ou notícia ―tendenciosa‖. Apesar da propagação de informações
falsas, ou de omissões de notícias por diferentes motivos, não serem
uma novidade na História brasileira, o fenômeno atual possui
características diferenciadoras. A primeira delas é sua definição. As
Fake News, apesar de poderem ser traduzidas como ―notícias falsas‖,
não são apenas isso. Raramente são pura invenção ou criação de
informações sem respaldo. Em geral partem de concepções, crenças
ou mitos presentes na sociedade, ou em parcelas que se deseja
atingir, para a construção de sua narrativa. Por exemplo, a suposta
relação entre um lote vencido de vacinas contra a rubéola que seria a
causa do surto de microcefalia ocorrido no Brasil em 2015. O boato
amplamente compartilhado por WhatsApp, Facebook, Twitter, e blogs
em geral não apresentava nenhuma evidência de sua veracidade. O
site e-Farsas, um dos mais importantes espaços de combate às Fake
News no Brasil, rastreou e desconstruiu a questão:

―As acusações foram espalhadas pelas redes sociais sem que


nenhuma prova fosse apresentada! Como já mostramos diversas
vezes aqui no E-farsas, uma das características de um boato digital é
justamente a de fazer afirmações absurdas sem que haja a
necessidade de se provar nada.Além disso, o boato se apoia em
um assunto que está em evidência no momento para atrair mais
cliques e conquistar mais compartilhamentos. Em algumas versões, o
lote de vacinas vencidas teria sido usado em grávidas de
Pernambuco. Já em outras versões, o fato teria ocorrido em Sergipe
e/ou ―em algum lugar do nordeste‖! Bem vago, né?‖ (Grifos do
Autor). (E-FARSAS, 10 de dezembro 2015)

A informação que estava sendo propagada não apresentava


evidências de sua veracidade. Entretanto, dialogava com questões
presentes na cultura popular brasileira. É de amplo conhecimento de
estudantes de História o fenômeno amplamente discutido por José
Murilo de Carvalho da Revolta da Vacina, onde uma campanha de
vacinação enfrentou resistências baseadas em elementos da cultura
popular e na insatisfação com a intromissão do estado na esfera
privada dessa população. O medo e o desconhecimento sobre a
vacinação se manifestaram naquele contexto, e se reproduziram ao
longo do século XX. Assim, a propagação de boatos que tomam a
vacinação como objeto, encontra terreno fértil para a sua
propagação, especialmente em um país onde a escolaridade é baixa
e, quando existente, geralmente precária. Dessa forma, a FakeNews,

428
mesmo não apresentando características básicas de verificabilidade
pode se propagar amplamente sem possibilidades de contraposição.

Outro exemplo importante no campo da educação e que tem afetado


a disciplina de História, é a discussão em torno da chamada
―ideologia de gênero‖. Propagou-se pelas redes sociais e pela
sociedade em geral a ideia de que professores desejam implantar o
que denominam de ―ideologia de gênero‖ e dessa forma causar
diferentes ―males‖: destruir a família, converter as crianças para a
homossexualidade, abrir as portas para a pedofilia, incentivar o
aborto, etc. Movimentos como o ―Escola sem Partido‖ tem sido
pródigos na proliferação desse tipo de Fake News. Esse tipo de
informação não encontra respaldo algum nas teorias e estudos sobre
gênero, mas dialogam densamente com a cultura patriarcal, machista
e homofóbica constitutivas da experiência histórica brasileira.

Tendo em vista esses breves insights em um universo amplo e denso


de FakeNews, fica a questão: O que nós, professores de História (ou
de outras áreas) podemos fazer perante a avalanche que são as
redes sociais e as falsas informações? Essa pergunta é complexa e,
certamente, não daremos conta de responder aqui. O que propomos
é pensar uma possibilidade de formação dos estudantes para que
sejam capazes de, por si mesmos, identificar, desconstruir e
combater esse tipo contemporâneo de boataria. Para tanto propomos
uma atividade de fácil e acessível realização em sala de aula.

O grito do Ipiranga: Entre curiosidades e memória oficial


A atividade que propomos tem por objeto a análise do processo de
independência brasileiro. Assim, pode ser aplicada tanto no ensino
fundamental, quanto no ensino médio. Como preparação
docente,este deve estudar o texto ‗Memória Da Independência:
Marcos e Representações Simbólicas‘, de Maria de Lourdes Viana
Lyra. O mesmo se encontra online, com fácil acesso aos professores.
Indica-se também, apesar de não ser mandatório, a visualização do
programa ‗Caminhos da Reportagem: Caminhos da Independência –
O grito nas ruas‘ disponível na integra no Youtube. Como preparação
para os estudantes, deve-se apresentar, em diálogo com o material
didático cotidiano, o processo de independência brasileiro. Após essa
discussão, pode-se iniciar a atividade.

Em termos práticos a atividade consiste na exibição e no debate de


um vídeo de 2015 do canal O Curioso, hospedado no Youtube. O
vídeo foi disponibilizado no dia 7 de setembro de 2015 com o
chamativo título ‗10 COISAS QUE VOCÊ NÃO SABE SOBRE A
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL‘. Ali são apresentadas 10 informações
que, teoricamente, seriam desconhecidas de boa parte das pessoas:

429
1. A ida de D. Pedro de Santos a São Paulo teria sido realizada no
lombo de uma mula e não a cavalo como a memória oficial
consagrou.
2. D. Pedro, teria sido traído por sua amante a Marquesa de
Santos.
3. Um dia antes do 7 de setembro D. Pedro teria sido rejeitado por
uma ―mulata‖ em Santos, que teria dado um tapa no rosto do então
príncipe, após ele ter dado um beijo na bochecha dela. Após isso, ele
teria tentado comprar a ―mulata‖, o que teria sido negado pelo seu
dono.
4. Nos dias que precedem o 7 de setembro, D. Pedro teria se
alimentado com uma variedade de alimentos e bebidas em Santos.
Para ―tirar o gosto‖ dessa alimentação, ele teria bebido ―muito
vinho‖.
5. Como consequência, D. Pedro teria tido diarreia durante a
viagem. Essa condição teria sido a causa da parada as margens do
Rio Ipiranga. A tensão causada pela sua indisposição, juntamente
como o recebimento de cartas de Maria Leopoldina teriam levado D.
Pedro a proclamar a independência do Brasil.
6. O grito teria sido pura formalidade. O lema ―independência ou
morte‖ teria surgido depois. Mas a garantia da independência teria
ocorrido apenas após ―os brasileiros pegarem em armas‖.
7. O grande organizador da estrutura estatal brasileira no período
da independência seria José Bonifácio.
8. A maçonaria teria um papel importantíssimo nesse processo,
sendo ―pilar fundamental‖ da Independência.
9. Exigência por parte de Portugal de indenização de 2 milhões de
libras pelo reconhecimento da independência. Essa seria a origem da
dívida externa brasileira.
10. Angola ―quase teria‖ se tornado parte do território brasileiro.

A partir da exibição do vídeo e da enumeração das ―curiosidades‖


elencadas pelo mesmo inicia-se um processo de análise histórica do
vídeo. Essa análise pode ser feita coletivamente, pela turma toda, ou
pode-se propor uma pesquisa específica, dividindo a turma em
grupos responsáveis pelo levantamento de informações a respeito de
uma ou mais dessas curiosidades. O professor deve providenciar
material historiográfico para que os estudantes possam fazer o
levantamento dessas informações. Como elemento central os
estudantes devem ser incitados a verificar as informações disponíveis
no vídeo e no material disponibilizado para a pesquisa. Isso pode ser
feito tanto pela contraposição entre diferentes documentos históricos,
quanto pela elaboração de um roteiro de questões ao material
disponível. Algumas são centrais e comuns ao ofício do historiador e à
crítica textual, outras podem ser elaboradas a partir dos interesses
específicos do professor e da classe. Seguem algumas sugestões:

430
Quem produziu o texto/vídeo? Quando foi produzido? Qual sua
intenção com essa narrativa? Como o texto/vídeo possui as
informações apresentadas? Qual documento de época registrou o
evento da forma narrada? Se não há registros, como é possível
afirmar tal coisa? Quais os motivos para a construção da narrativa
sem se basear em fontes confiáveis?

A partir desses questionamentos os estudantes poderão, de forma


acessível, perceber que as ―curiosidades‖ 2, 3, 4, 5 e 6, não se
sustentam após a verificação de textos da época. As ―curiosidades‖ 1,
7, 8, 9 e 10 são elementos com vasta sustentação historiográfica e
documental. A partir disso chegamos à parte argumentativa da
atividade. Com essas informações e conclusões, o professor pode, de
maneira dialógica, realizar uma discussão sobre como se faz
importante a problematização constante a aprofundada das
informações que nos chegam. Produtos de entretenimento, notícias
jornalísticas, ―links‖ compartilhados pelo Facebook, são produtos de
interesses políticos, culturais, sociais que precisam ser pensados.
Aceitar sumariamente informações sem sua leitura, sem sua
checagem se constitui em um dano à dimensão cidadã da experiência
dos sujeitos. Deste modo, o incentivo constante a essa
problematização é elemento importante do processo de formação
escolar do qual o ensino de História não deve se omitir.

Problematizando a independência e pensando Fake News


O que podemos perceber nessas ―curiosidades‖ é uma mistura entre
eventos históricos reconhecidos e debatidos pela historiografia
brasileira contemporânea (casos da importância da maçonaria, da
relação Angola-Brasil, do papel de José Bonifácio), com situações
pitorescas sem fundamentação numa bibliografia séria. Mas, como
problema de fundo central, o vídeo, que tem funções de
entretenimento e não de cunho historiográfico,assume a versão
oficial do ―Grito do Ipiranga‖ como versão verdadeira e, a partir
disso, o pitoresco entra para dar um ―colorido‖ nessa versão,
tornando-a atrativa. Entretanto, como pode-se perceber a partir da
leitura do texto de Maria Lyra, entre outros, o ―Grito do Ipiranga‖ e o
7 de Setembro são tradições inventadas, no sentido atribuído por
Hobsbawm (2014). O texto de Maria Lyra traz amplos e densos
argumentos que sustentam que os eventos que a história oficial
colocou como tendo ocorrido naquela data, não aconteceram. Através
de vasta documentação de periódicos da época, mostra que esse
evento, em que pese sua importância e centralidade para as disputas
políticas da época, não foi noticiado pela imprensa brasileira. Mesmo
jornais favoráveis a independência e à figura de D. Pedro não
enunciam qualquer informação a respeito. Da mesma forma, o 7 de

431
Setembro só é incorporado, oficialmente, às festividades da
independência a partir de 1826:

―Em 1826, uma lei promulgada em 9 de setembro incluía o Sete de


Setembro – ao lado do 9 de janeiro (o Fico), o 25 de março (o
juramento da Constituição de 1824), o 3 de maio (a abertura da
Assembleia Constituinte) e o 12 de outubro (a aclamação do
Imperador e a oficialização do Império do Brasil) – no calendário ―de
festividade nacional em todo o Império‖. A lei em questão, no
entanto, apenas elencava as datas festivas, não tecendo comentários
sobre nenhuma delas.‖ (LYRA, 1995, p. 196)

Partindo dessa interpretação do processo, a atividade cumpre dupla


função em sala de aula. Por um lado, permite a problematização da
memória oficial sobre o processo de independência, colocando em
cheque uma interpretação calcada na personalização das
transformações na figura do Imperador. Dessa forma, temos ganhos
importantes no âmbito da aprendizagem histórica, ao problematizar e
ressignificar a independência, não como um evento movido por
voluntarismos pessoais, mas sim, enquanto processo complexo que
tem diferentes momentos e interpretações. Por outro lado, ao
permitir a construção por parte dos estudantes da compreensão de
que as informações apresentadas no vídeo e, mais adiante, na
memória oficial, são construções e, em alguns casos, grosseiras
falsificações, possibilita o aprofundamento da capacidade destes
estudantes de interpretarem o mundo a sua volta de maneira mais
complexificada.

O que intentamos fazer foi a criação de uma proposta simples de


atividade e análise. Certamente a mesma precisa ainda de lapidação
e melhorias. Foi construída em espírito de colaboração e troca de
ideias entre professor e estudantes. Como tal, ampliamos aqui o
convite para que essa e outras atividades possam ser pensadas,
lapidadas e realizadas em nossas escolas. O ensino de História não
pode perder seu caráter problematizador, formador de uma
experiência cidadão que ultrapasse o mero utilitarismo que atravessa
e predomina socialmente. Emancipação e empoderamento do
indivíduo e da sociedade, como metas e estratégias, devem permear
a prática docente em História e nas demais áreas do conhecimento.

Referencias
Thiago Reisdorfer é professor substituto do curso de História da
Universidade Estadual do Paraná – Campo Mourão. Doutorando em
História do PPGH da Universidade do Estado de Santa Catarina –
UDESC.

432
E-Farsas. Vacina contra a rubéola foi a causa da microcefalia?
Disponível em:
http://www.e-farsas.com/vacina-contra-a-rubeola-foi-a-causa-da-
microcefalia.html 2015.

HOSBAWN, Eric e RANGER, Terence. A Invenção das Tradições. –


Tradução de Celina Cavalcante – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

LYRA, Maria de Lourdes. Memória da Independência: marcos e


representações simbólicas‖. Revista Brasileira de História. São Paulo,
ANPUH/Editora Contexto, vol. 15, nº 29, 1995, p. 173-206.

O Curioso. 10 coisas que você não sabe sobre a Independência.


Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=VPuh__5tmts&t=589s, 2015.

O Grito das Ruas. Independência do Brasil – 7 de Setembro.


Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=37XH5UEpjlI&t=24s, 2012.

433
OS JOGOS DIGITAIS COMO FONTE DE ENSINO
Túlio Dalpra Lima
Jeremias Oliveira Santana

Este artigo apresenta o passo da evolução dos jogos digitais com o


objetivo de destacar o manuseio dos jogos digitais como fonte
didática e como recurso para enriquecer as aulas nas escolas. O
artigo trata-se de uma pesquisa descritiva, qualitativa e bibliográfica,
onde aponta com dados conclusivos que, embora os Jogos Digitais
ainda envoltos em preconceitos e falta de embasamento teórico
adequado passaram por distintos processos evolutivos tanto
tecnológico quanto social onde pode-se desenvolver habilidades
cognitivas que auxiliam a aprendizagem, a integração aluno e
professor, a socialização, a boa convivência entre diversos indivíduos
e auxilio na obtenção do conhecimento, e ainda pode-se observar que
essa esfera de novas tecnologias movimentam um mercado
econômico e profissional em constante desenvolvimento e expansão.

O presente trabalho vem elucidar questões sobre o ensino de história


e as diversas linguagens que podem ser atribuídas às aulas para que
as mesmas obtenham um caráter dinâmico de maior interação entre
professor e aluno. Porém linguagem evidenciada nesse trabalho são
os jogos e como eles podem ajudar o professor a construir um debate
entre os alunos, pois os jogos de modo geral são bem utilizados como
fonte de lazer de diversas pessoas nas mais variadas faixas etárias.
Com isso ele pode ser trabalhado em diversos níveis de ensino seja
para crianças ou até mesmo para adultos. Tantos jogos digitais como
jogos manuais carregam consigo esse aspecto de lúdico e de fácil
desenvolvimento de aprendizado.

Para a realização deste artigo fora realizada uma análise bibliográfica


em artigos, documentos trabalhados por outros autores e sítios da
internet. Os resultados obtidos foram analisados qualitativamente e
apresentados de modo a trazer informações mais profundas acerca
do engodo envolto pelo uso dos jogos digitais como material de
estudo e informação.Vale destacar ainda a qualidade e a mobilidade
do uso deste recurso quanto aparato tecnológico em relação com a
educação e como instrumento pedagógico, de forma a apresentá-los
como área de conhecimento pungente na sociedade atual. O
desenvolvimento de um comércio de jogos só foi realmente possível a
partir do ano de 1970, isso devido ao fato da popularização da
informática e da redução dos preços dos equipamentos.

Flávia Eloisa Caimi em seu texto destaca que, o termo ‗Homo


Zappiens‘ - Geração Z, é uma geração que nasceu e cresceu sob a

434
chegada da internet e do boom tecnológico, trazendo consigo os
Videogames super modernos, computadores cada vez mais velozes e
avanços tecnológicos jamais imagináveis há 25 anos, e esta era a
rotina dos jovens da Geração Z, que se atualiza constantemente
sobre as novas culturas cibernéticas tornando-se uma base ampla de
multimídia global - é uma nova forma de interação entre os jovens e
a escola, onde os mesmos manifestam comportamentos e atitudes
que permitem uma nova forma de capitação de informações
atualizando-se constantemente sobre as novas culturas cibernéticas
tornando-se uma base de multimídia global.

O docente deve observar a interação dos alunos para poder desta


forma aplicar uma temática que se enquadrem na realidade vivida
pelos alunos, instigando o aluno a produzir conhecimento. A escola é
um espaço formal, na qual o aluno pode aprender tanto no seu meio
social quanto no âmbito digital. E é nesse âmbito que a pesquisadora
Marcela Albaine Farias Costa tece diversos argumentos que traz o
conteúdo dos jogos e das mídias digitais para dentro do âmbito
escolar.

―Negar o universo simbólico lúdico, sob o argumento de que esse não


é o papel da instituição escolar, é negar o trajeto do desenvolvimento
humano e sua inserção cultural. É desviar a função da escola do
processo de construção de valores e de um sujeito crítico, autônomo
e democrático. É negar, principalmente, as possibilidades da
criatividade humana. Por isso, é preciso ousar. Infinitamente ousar
brincar na escola.‖ [COSTA, 2017, p. 27.]

O uso de novas linguagens voltadas para o ensino e aprendizagem é


de fato pertinente no desenvolvimento do conhecimento, visto que o
lúdico desempenha um fator primordial na questão do aprender.
Desde que adquirimos certa percepção de mundo e das coisas que
nele se encontram, a brincadeira se torna um meio de aprendizado.
Em grosso modo, aqui darei exemplo de uma brincadeira (jogo) que
perpassaram a infância de muitaspessoas, principalmente nas
gerações passadas, saindo desde o século XIX até os dias atuais. A
brincadeira de ―polícia e ladrão‖ viabilizava o ato de que um infrator
deveria ser pego e punido por um certo tempo sobre o delito
cometido e no contexto havia perseguição do mesmo por partes dos
policiais.

Discussão
A partir das novas linhas de pensamento acerca da história e
principalmente no que se correlaciona com o ensino de história, as
novas linguagens vem abrir um vasto campo a ser trabalhado,
trazendo consigo novas formas de atrair o aluno ao tema da aula que

435
o professor pretende explicar. E nessa perspectiva que o professor
deve desenvolver novos métodos ao ministrar sua aula para que a
mesma tenha um caráter dinâmico, atraente e que se aproxime da
realidade do aluno não desprezando seu modo educativo e nem
sendo de forma deslocada da realidade do estudante. As novas
linguagens têm um caráter diverso sendo elas uma rica metodologia
a ser aplicada na sala de aula.

As novas linguagens em si trazem um novo tipo de metodologia que


a priori pode parecer difícil de executar, mas ao preparar e construir
as aulas a partir delas se obtém uma rica e vasta possibilidade de uso
e com isso o professor aprimora algumas habilidades referentes ao
tema tratado por ele em sala de aula. Contudo os jogos podem trazer
a aula um caráter dinâmico e que deve ser trabalhado de forma que o
aluno visualize os aspectos, as intenções e as realidades que jogo
evidencia, mas sempre controlando as formas pelas quais os alunos
devem buscar a informação que está presente no jogo. Associa-lo a
sua realidade e ao conteúdo disponibilizado no livro e algo
imprescindível, por mais que o jogo tenha um caráter lúdico -Relativo
a jogo ou divertimento,que serve para divertir ou dar prazer -as
vezes é seguido por acontecimentos históricos, e com eles há
características desses acontecimentos que podem ser utilizados e
ampliados pelo professor. Mas há também jogos que não trabalham
essencialmente com os acontecimentos históricos, mas sim com um
certo rigor visando não só o contexto histórico mas também o viés
comercial, que pode trazer para aula algo bastante diferenciado e
significativo.

Os jogos digitais estão inclusos na categoria de entretenimento,


diversão e ludicidade, onde há no seu interior uma realidade paralela
e um contexto de fantasias, de liberdade, lutas e embates no qual os
jogadores produzem um mundo homeomorfo - que tem forma
semelhante -com suas regras, sujeitos – que podem ser históricos ou
fictícios -, tarefas - levando o jogador para um objetivo comum -, a
diversão e a socialização entre grupos. E desta forma acabam por
exercitar a imaginação, a memória, a criatividade, a curiosidade e
movimentando todas as suas inteligências. Para melhor ilustrar os
gêneros de jogos mais visados na atualidade, pode-se observar tais
como Clash Royale, GTA V – Grand Theft Auto -, LoL – League off
Legends, Assassin‘s Creed. E é através do uso e da análise de cada
tema e de cada jogo que destaca Eucídio Pimenta Arruda, onde autor
faz alusão aos fundamentos as referências que cada jogo possui,
levando o professor a entender e como utilizar cada temática
referente aos jogos para tornar sua aula mais rica e mais atrativo ao
seu público alvo e aos alunos.

436
[...] o jogo não envolve apenas o lúdico, mas também os
relacionamentos, as estruturas políticas, as dimensões de poder entre
os diferentes grupos, a diferença, a comunicação. Envolve ainda o
desafio de chegar ao fim e compreender toda estrutura do jogo. Não
envolve superficialidade, mas a utilização de diferentes mídias para a
compreensão do objeto do jogo.‖ [ARRUDA, 2014, p. 252.]

Em sua aula o professor deve realizar uma discussão com os alunos


sobre o contexto do uso dos jogos como fonte de estudo e de
obtenção de conhecimento, para fazer com que o aluno reflita sobre
as diversas realidades que cada jogo poderá trazer a ele, fazendo
com que os mesmos obtenham desta forma novas ideias de como os
jogos trazem uma história por trás de seu tema, e o referencial
histórico e representativo que cada personagem carrega consigo.

Grand theft Auto, Mais conhecido como GTA, traz consigo uma
história sobre criminalidade, roubos e prostituição. Demonstra em
sua trajetória um pouco sobre diversas realidades e mazelas
vivenciadas cotidianamente em alguns lugares do mundo apesar do
jogo está intimamente localizado no espaço físico dos EUA. Cada
jogador pode jogar aleatoriamente ou executar missões que são das
mais variadas desde roubar uma bicicleta, como matar alguém. Em
toda a história do jogo quem cometia esses crimes eram personagens
negros e componentes de gangues e suas missões estavam ligadas a
isso, assim como é destacado em GTA San Andreas,como pode ser
evidenciado na imagem 2, e com o mais novo lançamento da quinta
versão do jogo (GTA V, ver imagem 1), introduziram um personagem
branco e com isso gerou bastante polemica pelo simples fato das
missões do branco serem de caráter mais ―culto‖, ou seja, o mesmo
teria que conquistar a filha de um bancário dentre outras coisas. O
grande problema em si foi que o personagem negro só executava
coisas mais perigosas e negativas e seu lugar de origem são os
guetos, suas missões eram matar e roubar e abusar de prostitutas. O
personagem branco comete delitos, porém de formas totalmente
diferentes do personagem negro, onde seus trajes, suas ações e suas
missões são de um tanto quanto fino e de auto complexidade, onde
sua representação no jogo refere-se a um empresário.

437
Imagem 1
www.vortex.gg/games/gta-v

Imagem 2
http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/10/gta-san-
andreas-veja-principais-diferencas-da-nova-versao-em-hd.html

Clash Royale, ver imagem 3, este jogo tem sido uma febre mundial
jogado em diversos países. Sua história remete ao período medieval
e a maioria de seus personagens aludem a essa época, como
representado na imagem abaixo. No jogo há uma guerra para
conquistar o território do oponente, ou seja, uma luta de coroas de
um lato o reino azul e do outro o vermelho. Os personagens do jogo
são bem diversificados tendo dentre eles dragões, cavaleiro, príncipe,
bruxa, valquíria, mosqueteira, princesa, magos, corredor, executor,
bandida e muitos outros. Um fato que chama a atenção em todo jogo
é o caso de só ter um personagem que traz consigo características do
negro, e a forma como as mulheres são representadas, por cinco

438
personagens diferentes e também a diversos seres mitológicos. Todos
personagens entram na história do jogo como guerreiros (as), cada
um com habilidades e propósitos diferentes, porém há aqueles que
tem mais ênfase e mais destaque que outros.

Imagem 3
https://puregaming.es/clash-royale-actualizacion-junio/clash-royale-
2/

Mas o professor deve ter um certo cuidado para trabalhar com os


jogos mantendo sempre um diálogo referente ao uso dos mesmos
como forma de estudos, mantendo sempre o foco do aluno na aula
para não perder o sentido e o controle do conteúdo aplicado.Desta
forma o professor poderá criar em sala de aula uma discussão acerca
da questão de como utilizar os jogos com os alunos de forma que
eles possam não só jogar mas também aprender mais sobre o
conteúdo histórico por trás do game e também trazer para sala de
aula um debate sobre a questão da dualidade de gênero levando o
aluno a fazer uma desconstrução crítica a respeito das questões que
lhe é apresentado no dia a dia.

Nesse contexto do uso dos jogos digitais há ainda uma certa


desconfiança acerca dos métodos utilizados para ensinar em sala de
aula e na obtenção do conhecimento. Hoje em dia os jogos digitais já
não podem ser mais taxados apenas como um mero passar de
tempo, ao analisar as características dos jogos torna-se ainda mais
problemático porque hoje todos jogam, seja como distração casual,

439
descanso ou como forma de trabalho. E é a partir desse ponto de
desenvolvimento dos jogos que surge uma nova tendênciaao uso do
termo ‗gamer‘ - termo dado ao indivíduo que sobrevive a partir do
desenvolvimento e do uso dos jogos. Johan Huizinga descreve o quão
essencial são os jogos para o desenvolvimento e construção de
conhecimento.

―A grande maioria, contudo, preocupa-se apenas superficialmente em


saber o que o jogo é em si mesmo e o que ele significa para os
jogadores. Abordam diretamente o jogo, utilizando-se dos métodos
quantitativos das ciências experimentais, sem antes disso prestarem
atenção a seu caráter profundamente estético. Por via de regra,
deixam praticamente de lado a característica fundamental do jogo. A
todas as "explicações" acima referidas poder-se-ia perfeitamente
objetar: "Está tudo muito bem, mas o que há de realmente divertido
no jogo? Por que motivo o jogador se deixa absorver inteiramente
por sua paixão? Por que uma multidão imensa pode ser levada até ao
delírio por um jogo de futebol?" A intensidade do jogo e seu poder de
fascinação não podem ser explicados por análises biológicas. E,
contudo, é nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de
excitar que reside a própria essência e a característica primordial do
jogo.‖ [HUIZINGA, 2007, p. 6.]

Contudo devemos ter em mente que alguns jogos tem um caráter


educativo e em outros casos educacional e diferenciá-los deve ser
uma das principais coisas a se pensar ao se trabalhar com esse meio.
Mas assim como há jogos não educacionais há também aqueles que
trazem em seu corpo um aporte teórico e todo um contexto histórico
por trás de si,como pode ser tomado como exemplo o jogo produzido
pelo Laboratório de Realidade Virtual (LaRV) da Universidade Federal
do Pará – UFPA, onde especificamente se trabalha com o contexto da
Cabanagemocorrida em Belém no período de 1835 à 1840, onde
jogo é baseado na revolta cabana ocorrida em Belém no período
oitocentista, em que o mesmo apresenta três níveis na qual o jogador
vai conhecendo e refazendo os passos que os cabanos trilharam
durante a revolta, como pode ser notado nas imagens 4, 5 e 6.

440
Imagens 4, 5 e 6
http://www.larv.ufpa.br/?r=jogo_cabanagem

Portanto a escola dever ser um espaço que carece versar temas que
ajudem e orientem o aluno, para que o mesmo possa adquirir

441
habilidades que possam ajudá-lo a conseguir futuramente um
emprego ou construir uma carreira no âmbito da pesquisa científica,
assim como trata o trecho da obra ―Percurso acadêmico: a educação
na atualidade‖, como pode ser evidenciado no trecho abaixo a
necessidade da escola trabalhar com temas que vão ao encontro da
realidade vivida do aluno, trazendo-o para refletir e analisar
contextos históricos ou não, mas que façam com que a sua percepção
e construção de ideias e pensamentos sejam aguçadas e
questionadas, para então inseri-lo na sociedade.

―Ao observar as proposições indicadas nesse artigo da LDB 9304/96


entende- se que cabe ao Ensino médio não somente preparar o
adolescente ou jovem para o trabalho, mas propiciar a cidadania do
educando. Capacitando-o para a inserção na sociedade, então não é
formar para aptidões manuais, mas, sim, aprimorar o sujeito com
humanização, valorizando a pessoa e sua predisposição para o
desenvolvimento do pensamento crítico, de modo a aprender e
compreender os princípios sedimentados nos processos produtivos.
Assim, o sujeito terá acesso aos fundamentos teóricos e práticos do
mundo circundante, acessíveis nos meios formais de aquisição do
saber por meio da escola, ou informais, nas experiências cotidiana
[JESUS, Se F.: MIRANDA, M. L 2017, p. 268.]

O aluno não é um ser isolado e consigo carrega várias informações


que de fato o professor deve explorar. Porém o mais difícil é
compreender como e que métodos ele poderá utilizar para realizar
essa tarefa. E pensando nisso, que o uso dos novos recursos e fontes
didáticas vem sendo construído e ampliado, pois no caso dos jogos
que é o foco desde artigo, o mesmo pode ser trabalhado de diversas
formas, desde a sua estrutura como as demais coisas que nele estão
representadas, desde o cenário e até o diálogo que o mesmo possa
propagar nos diferentes embates do jogo. E também passar na
questão de interação entre os jogadores, onde eles têm ao seu dispor
na maioria dos jogos online uma janela de bate-papo que permite
haver uma interação entre os mesmos.

Conclusão
Desta forma ao usar os jogos digitais e as mídias digitais o professor
deve tomar cuidado ao utilizar essas fontes, de forma que não deixe
o aluno ‗solto‘ na aula. Deve-se observar e planejar todos os pontos
que serão abordados durante a aula ou pesquisa, pois assim o aluno
absorverá o conhecimento necessário sem perder o principal foco que
é o aprendizado. Desta forma os jogos e as mídias digitais têm
características e aspectos que podem desenvolver habilidades
cognitivas que auxiliam na aprendizagem, na socialização, e na
participação de cada indivíduo perante a sociedade

442
Contudo as novas linguagens a serem utilizadas no âmbito do ensino
de história são validas e necessárias. O mundo está em constante
mudança e por consequência disso a sociedade também muda, ou
seja, a sociedade humana influencia no meio e vice e versa. As
quantidades de conteúdo devem ser dinâmicas e conter certo teor de
ludicidade para melhor aprendizado. Pois a aula sórenderáuma boa
discussão atravésda interatividade entre professor e aluno, desta
forma as novas linguagens possibilitam essa proximidade, por fazer
parte da realidade vivenciada dentro e fora da sala de aula.

Assim o professor pode fazer um link entre a vida cotidiana e os


conteúdos de história que ele aborda em sua aula, não é algo
simples, mas também não é algo impossível de ser alcançado e dese
fazer, mas ao fazer essa ponte o professor criara e dará ao aluno
conforto e confiança, fazendo-o se sentir incluso ao que o professor
está discutindo e por consequência o deixará instigado a fazer
perguntas, elaborar questões acerca do tema trabalhado em sala e
tecer e construir ponderações sobre os temas abordados.

Referências
Túlio Dalpra Lima é graduando em curso de Licenciatura em História
na UNIFESSPA – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - em
Xinguara Pará.

Jeremias Oliveira Santana é graduando em curso de Licenciatura em


História na UNIFESSPA – Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará - em Xinguara Pará.

Esse artigo foi orientado por Rafael Rogério Nascimento dos Santos
professor do curso de Pratica Curricular Continuada V – Estratégias
de ensino de História no ensino fundamental.

COSTA, Marcela. Ensino de História e Games: Dimensões Práticas em


Sala de aula. Rio de Janeiro: Editora Appris, 2017.

ARRUDA, Eucídio Pimenta. Aprender História como jogos digitais em


rede: possibilidades e desafios para professores. In: MAGALHÃES,
Marcelo; ROCHA, Helenice; RIBEIRO, Jayme Fernandes;
CIAMBARELA, Alexssanda (Orgs).Ensino de História: usos do
passado, memória e mídia.Rio de Janeiro: FGV, 2014.

CAIMI, Flávia Eloisa. Geração Homo Zappiens na escola: os novos


suportes de informação e a aprendizagem histórica. In: MAGALHÃES,
Marcelo; ROCHA, Helenice; RIBEIRO, Jayme Fernandes;
CIAMBARELA, Alexssanda (Orgs). Ensino de História: usos do
passado, memória e mídia.Rio de Janeiro: FGV, 2014.

443
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura.
5.ed.Sao Paulo: Perspectiva, 2007.

SOARES, Ilma. Marias Fernandes; ALMEIDA, Maria Tereza Fonseca;


SILVA, Ildisnei Medeiros da (orgs.). Percurso acadêmico: a educação
na atualidade. V. 3. Rio de janeiro: Dictio Brasil, 2016.

444
A BATALHA DA BORRACHA E O ENSINO DE HISTÓRIA: UMA
PROPOSTA DE ANALISE DOS CARTAZES DE JEAN PIERRE
CHABLOZ
Victor Lima Corrêa

A Batalha da Borracha foi um importante capitulo durante a Segunda


Guerra Mundial (1939-1945), porém esta batalha passa despercebida
quando o tema é discutido em sala de aula não passando apenas de
uma analise rasa. E mais ainda desatenta parece ser a análise das
ricas imagens produzidas por Jean-Pierre Chabloz durante o período
da batalha, imagens essas cheias de significados e intenções,
produzidas em um contextono qualem que se necessitava de uma
significativa quantidade de trabalhadores para os sertões da
Amazônia com a finalidade primordial de extrair o látex, um recurso
natural vital naqueles anos de guerra. Este artigo tem por objetivo a
análise de cartazes produzidos por Jean-Pierre Chabloz como parte da
propaganda do (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores
para a Amazônia) SEMTA para persuadir e recrutar o maior número
possível de trabalhadores para a Amazônia e de que forma estas
obraspropagandísticaspoderiam ser uma rica possibilidade de análise
e estudo no ensino de História.

A Segunda Guerra Mundial e a Batalha da Borracha


A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi um grande conflito que
envolveu praticamente todos os países do mundo de forma direta
e/ou indireta, divididos entre os países do Eixo (Alemanha, Japão,
Itália) e os Aliados (Estados Unidos da América, Inglaterra e seus
aliados). O período que analisaremos é o ano de 1943, ―durante os
seis meses em que se dedicou a desenvolver essa campanha de
propaganda – janeiro a junho de 1943‖ (MORAES, 2011, p.2)
confeccionando os cartazes para o recrutamento de trabalhadores
para a Amazônia, mas antes de adentrar o porquê do recrutamento e
da propaganda faz-se necessário entender a conjuntura que levou a
crise de abastecimento gomífero mundial e a criação de uma nova
frente de Batalha. Longe dos conhecidos teatros de guerra na Europa,
África e no Pacifico, agora a Batalha seria travada na Amazônia.

Na frente de batalha do Pacifico após o ataque japonês a Pearl Harbor


em Dezembro de 1941 e consequentemente o interrompimento do
fornecimento de borracha oriunda da Malásia, que fora ocupada pelos
japoneses, os países aliados vem-se em grandes dificuldades para
conseguir este recurso vital a fim de dar continuidade a guerra, pois
como nos diz Martinello (2004, p. 83) a borracha era o ―nervo da
guerra‖ sendo os americanos dependentes de 97% da borracha
Malasiana. A necessidade de látex fez com que os EUA voltassem seu

445
olhar para a Amazônia como principal centro fornecedor desta
matéria prima. Outrora ―adormecida‖a indústria extrativista de látex
brasileira na linha Brasil-EUA, extração-exportação retornaria ao seu
pouso original, anteriormente interrompida com o cultivo da Hevea
brasiliensis no Sudeste Asiático(SECRETO, 2007).

Para ―despertar‖ a indústria extrativista de goma elástica na


Amazôniaseria necessário o deslocamento de grandes recursos
materiais e humanos, ou seja, toda uma logística deveria ser
empregada não só para extrair o látex, mas também para transportá-
lo até os portos de onde seria levado para os EUA e seria
transformado a fim de compor os mais diversos materiais, desde sola
de sapato e pneumáticos até tanques, aviões, navios etc. As
diretrizes basilares para a organização destas medidas ficariam
definidas no que ficou conhecido como os Acordos de Washington-
grosso modo - nesta ficou definido que o Governo Norte Americano
entraria com o capital financeiro e ficaria a cargo do Governo
brasileiro estabelecer de que forma seriam destinados os recursos
para a extração da goma elástica.

Com o agravamento da guerra e a pouca migração de trabalhadores


para a Amazônia em 1943, como parte dos acordos de Washington é
criado o (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a
Amazônia) SEMTA que deveria ter como função alistar, treinar e
prover as condições de transporte dos trabalhadores para a
Amazônia. Como parte dos esforços para recrutar mais
trabalhadores, fora convidado o artista suíço Jean-Pierre Chabloz
(1910- 1984) que se juntaria ao departamento de propaganda do
SEMTA produzindo inúmeras cartilhas, ilustrações e cartazes, que
tinham como objetivo a persuasão do maior número possível de
trabalhadores para o sertão amazônico, no que ficaria conhecida
como a Batalha da Borracha.

Uma breve analise da Batalha da Borracha e dos cartazes de


Jean-Pierre Chabloz
A Batalha da Borracha fora travada nos sertões amazônicos, quando
a crise de abastecimento de borracha fora agravada com a tomada do
território da Malásia pelo Japão imperial, cortando assim 97% do
fornecimento de borracha para os Estados Unidos. Em principio o
Governo brasileiro buscou incentivar a migração voluntária dos
nordestinos, que na visão da politica Estado Novista seriam uma
solução para os problemas da falta de mão de obra de que padecia a
indústria extrativa do látex. Dessa forma o Estado Novo buscava
resolver dois problemas de uma só vez: 1) a ocupação dos ―espaços
vazios‖ e consequentemente a vigilância das fronteiras; 2) suprir a
demanda de mão de obra no esforço de guerra. Em meio à

446
conjuntura de guerra, a crise de goma elástica e a pouca migração de
trabalhadores para a Amazônia:

―Naquele momento de instabilidade, surgiu o convite de Georges


Rabinovitch, um amigo suíço que trabalhava em favor dos interesses
americanos na então recém-declarada Batalha da Borracha, para que
Chabloz atuasse na divisão de propaganda do SEMTA, um dos órgãos
criados pelo governo Vargas para operacionalizar os acordos
referentes à produção e à comercialização de borracha [...]‖.
(MORAES, 2011, p. 4)

O artista suíço Jean-Pierre Chabloz fora convidado a participar do


departamento de propaganda do SEMTA como aliado do Estado Novo,
no intuito de impulsionar a propaganda e atrair o maior número
possível de emigrantes nordestinos para a Amazônia. Para isso
elabora alguns cartazes e cartilhas para ilustrar e/ou representar a
vida na Amazônia e o que seria o trabalho e os deveres do
seringueiro. Aqui nos deteremos apenas na analise de dois cartazes.
Como podemos observar abaixo.

Fig. 1
http://clbamorim.blogspot.com.br/2011/02/os-soldados-da-borracha-
amazonia-campo.html

447
Na imagem acima podemos observar um trabalhador apoiado de
costasao lado de uma porta, seu semblante parece ser de tristeza
(apesar de não podermos vê-lo) olhando os caminhões verde oliva do
SEMTA que saem em direção a Amazônia levando trabalhadores que
parecem estar estonteantes de felicidade, dois trabalhadores no
caminhão da frente levantam as mãos em direção ao céu, como que
em agradecimento pela ―nova vida‖ ou nova oportunidade de
recomeçar em um lugar melhor, que no caso, seria a Amazônia. A
ideia que se passa é a de que quem ―vai‖, busca a esperança de uma
nova vida, parte alegre, talvez, por ter a ―certeza‖ da vitória na
Amazônia. Já aqueles que ficam, parecem ter a tristeza por
companhia, tomados pelo ócio ou imersos na labuta infrutífera do
sertão cearense, o que se torna mais visível se observamos o grande
pote vazio do lado direito da porta que parece simbolizar a falta de
água ou de alimentos ou, se nos permite sugerir, a falta de melhores
condições de vida de que padece o povo nordestino naquele período.
E por fim, na frase ―vai também para a Amazônia‖ (na parte superior
do cartaz) podemos observar que a parte ―para a Amazônia‖ está na
cor verde e localizada bem acima dos caminhões do SEMTA,
corroborando assim, a ideia de ―felicidade na Amazônia‖, partindo da
máxima de que o verde simboliza a esperança. Já na parte de baixo
do cartaz, a frase ―protegido pelo SEMTA‖ quer transmitir a ideia de
segurança, como se, no caso de algo dar errado, todos tivessem a
certeza de ser amparados pelo SEMTA.

O que podemos tirar desta imagem em uma analise superficial é a


mensagem implícita: e você? O que esta esperando para ir para a
Amazônia? Terra de felicidade, esperança (e se nos permite dizer)
terra da fartura. Entretanto, ao mesmo tempo em que se pregava
que a Amazônia era a nova vida, também a propaganda do SEMTA
lembrava qual era a missão daqueles que iriam para a Amazônia, ou
seja, a Batalha da borracha, como podemos observar na imagem a
seguir:

448
Fig.2
http://www.portalsaofrancisco.com.br/historia-do-brasil/batalha-da-
borracha

A imagem acima nos mostra uma frase na parte superior ―Cada um


no seu lugar!‖ logo abaixo temos o Brasil e a justificação de o porquê
de ―cada um no seu lugar‖, soldados fardados e armados dispostos
no litoral do Brasilà espreita e vigilantes, no aguardo de uma possível
invasão, bem como ―protegendo‖ aqueles que estão na Amazônia,
onde se encontram os soldados da borracha, que lutam para extrair a
maior quantidade possível de goma elástica visando suprir a
necessidade da indústria bélica Norte Americana. Na parte inferior do
cartaz temos a frase ―para a vitória‖, o que indica que todos devem
fazer a sua parte para vencer os inimigos na guerra, ou seja,
soldados regulares patrulhando a costa brasileira contra uma possível
invasão Eixista, e seringueiros e/ou soldados da borracha lutando nos
seringais para suprir a demanda de borracha de que padeciam os
aliados na guerra. Assim, cada qual ao seu modo contribuiria para a
vitória final na guerra.

As duas imagens acima nos passam a ideia de uma vida fácil e uma
Batalha da Borracha pouco trabalhosa. Bastava o trabalhador se
decidir pela ―nova vida‖ na Amazônia que o SEMTA iria prover todos
os meios para o trabalhador ―fincar raízes‖ na nova terra, desde o
treinamento e acompanhamento dos ―soldados da borracha‖ até o
auxilio e amparo àqueles que tinham família, porém a batalha da
borracha foi dura para aqueles que adentraram a selva amazônica,
tendo de enfrentar a exploração dos senhores seringalistas e as
péssimas condições de trabalho nos sertões, além das doenças

449
tropicais, ataques de animais selvagens e possivelmente ataques de
índios.

―o papel de inimigos nesta guerra caberiam aos mosquitos, às


doenças tropicais, ao tratamento dispensado ao soldado da borracha
pelo dono do barracão, ao clima da região amazônica e
(possivelmente) ataque de índios‖ (CORRÊA, 2017, p.35)

Como podemos observar a Batalha da Borracha não foi a ilusão


romântica vendida e propagada nos cartazes de Chabloz, pois o
soldados da borracha tiveram de enfrentar as adversidades de um
novo clima, de uma nova cultura, este confronto entre homem e
natureza fez com que muitos soldados tombassem nos campos de
Batalha dos sertões amazônicos, durante o período em que durou a
Batalha da Borracha.

O auxilio do SEMTA também deixou a desejar ao descumprir com


suas promessas deamparoàs famílias dos seringueiros,bem como,aos
próprios seringueiros, que se viram abandonados pelo SEMTA.

Mas Como podemos trabalhar estas imagens e todas as mensagens


que estão explicita e implícitas ligadas nas obras de Jean-Pierre
Chabloz, utilizando-as em sala de aula como instrumento pedagógico
do processo de ensino e aprendizagem? Para isso faremos uma breve
abordagem do uso de imagens na sala de aula.

A imagem no ensino de história: uma abordagem dos cartazes


de Jean-Pierre Chabloz

―Se bem utilizadas, as imagens podem auxiliar os estudantes na


problematização de conceitos históricos, num convite para que
pensem ou fiquem curiosos sobre determinados temas, como sendo
uma poderosa fonte de informação‖ (PORTO; SILVA, 2012, p. 64)

Porém, para falarmos em análise de imagem devemos retomar seu


processo deconfecção e ir mais além, ou seja, devemos retomar a
conjuntura em que a mesma foi criada. Para isso devemos fazer
alguns questionamentos com vista a refletir e criticar tal imagem,
para tanto podemos fazer as seguintes perguntas: qual governo
estava no poder à época? Por que esta imagem foi criada? Quem a
fez? Com que finalidade? Qual o material utilizado? Estas e outras
perguntas respondem algumas questões que a priori introduziram o
professor e/ou os alunos a análise da imagem. Como nos diz Litz
(2009).

450
―Vivemos, indiscutivelmente, em uma era de informações associadas
às imagens. Saber interpretar corretamente signos visuais tornou-se
uma necessidade aos acadêmicos e profissionais do ensino. E por isso
mesmo, o estudo associado às imagens se tornou uma das
ferramentas mais utilizadas pelos professores de história para efetuar
seu trabalho, tanto em pesquisas como no dia-a-dia em sala de aula‖.
(LITZ, 2009, p. 4)

A necessidade de saber analisar as imagens é indiscutível, pois com o


aumento de produção das mais diversas imagens faz-se necessário
um aprofundamento teórico e metodológico cada vez maior para
analisar não somente pinturas, mas fotos, desenhos, litogravuras,
charges etc. Porém segundo Litz 2009 precisamos saber ―interpretar
corretamente signos visuais‖, entretanto discordamos de Linz, pois
cremos não ter uma interpretação ―correta‖, algo interpretado em
seu sentido cabal, ou seja, as ciências assim como a história estão
sempre em contínuas transformações, podendo a análise de uma
imagem não ter a mesma interpretação para variadas pessoas que
podem vir a analisa-la.

A análise dos cartazes de Jean-Pierre Chabloz tem inúmeras questões


que podem ser trabalhadas em sala de aula, já que:

―[...] o professor precisa escolher as imagens ou os temas de acordo


com seus objetivos didáticos e adequados à faixa etária dos alunos.
Deve procurar diversificar a linguagem e o tipo de imagem utilizada,
e não se limitar aquelas disponíveis nos materiais didáticos. Assim
como os historiadores utilizam as imagens como fonte de informação
sobre o passado, os alunos também podem, de acordo com os
interesses didáticos de cada atividade proposta pelo professor, fazer
o mesmo: tornar as imagens fontes de informação sobre os temas
históricos que estudam. Esse recurso didático pode ser uma forma de
atrair a atenção dos alunos e leva-los a se sentir capazes de analisar
os diferentes tipos de imagens que veem todos os dias‖. (ZUCCHI,
2012, p. 121)

Ao levarmos os alunos ao interesse pelas informações contidas nas


imagens e consequentemente à reflexão de tais elementos, estes
descobrirão questões que ultrapassam a simples análise preliminar da
obra, pois observaram (orientados pelo professor) os caracteres que
compõe a tessitura de uma obra artística, suas trocas de informações
que criam uma harmonia entre os diálogos explícitos e implícitos que
visam dar uma informação e/ou uma mensagem. Para isso
enumeraremos aqui três possíveis sugestões para se trabalhar os
cartazes no ensino de História.

451
Como primeira sugestão poderíamos trabalhar a questão social da
época que envolvia majoritariamente o povo nordestino, ou seja,
problematizando algumas questões poderemos adentrar no porque do
destaque do povo nordestino como o ―povo escolhido‖ para povoar a
Amazônia, tais como: Quais dificuldades enfrentavam o povo
nordestino neste período? Quais as medidas foram adotadas pelo
Estado Novo para solucionar as mazelas do povo nordestino?

Como segunda sugestão pode-se trabalhar o conceito de


representação para adentrar na análise e no posterior debate de
como era representada a Amazônia por meio das pinturas de
Chabloz, ou seja, quais as formas de representar a Amazônia foram
adotadas pelo artista? Isto nos levará a análise do meio ambiente
amazônico e suas possíveis ―facilidades‖ de domínio exposta no
cartaz de Chabloz.

E por fim podemos trabalhar a Batalha da Borracha, analisando em


que condições foi travada esta importante Batalha durante a Segunda
Guerra Mundial? Quem eram os inimigos? Quais eram os objetivos
desta Batalha? Desta forma estas e outras questões levarão a muitas
outras problematizações que podem ser trabalhadas em sala de aula.

Considerações Finais
Os cartazes de Jean-Pierre Chabloz não deixam de ser uma rica fonte
histórica, produto fundamental do historiador que deseja estudar
como (possivelmente) pensavam, sentiam, viviam e olhavam o
mundo, aqueles que viveram em determinada época, e nisto estão
envoltos variadas ciências que dialogam com a História: Geografia,
Antropologia, etc. todavia para se trabalhar em sala de aula,
sugerimos uma análise das pinturas de forma paulatina por se tratar
de uma rica fonte com muitas mensagens explicitas e implícitas,
deve-se entender quais as razões que levaram a construção desta
obra, quais os elementos sociais, políticos e econômicos que estão
imbricadosna construção desta pintura. A visão parcial-analítica da
obra trará apenas uma rasa ideia do que se queria transmitir com
esta obra pictórica. Toda obra de arte, sendo ela simples ou
complexa, tem uma intencionalidade que esta explícita a qual todos
aqueles que veem entendem e/ou absorvem de imediato a
mensagem de modo mais direto, bem como também tem as
mensagens implícitas, que são aquelas que necessitam de tempo e
pesquisa para uma análise mais critica e reflexiva.

O que sugerimos aqui é ultrapassar esse olhar superficial da imagem,


ou seja, devemos ir para além da mensagem explícita, levando em
conta as relações de troca entre os elementos que compõe uma
confecção artística, ou seja, de uma forma transversal podemos

452
introdutoriamente trabalhar algumas noções de geografia, arte,
matemática, antropologia, biologia, etc.

Aqui deixamos a sugestão aos professores, alunos e curiosos, que


desejam trabalhar imagens no ensino de história para não ―derramar‖
em seus alunos, todos estes elementos que compõem a tessitura de
uma obra, mas para que de forma propedêutica possam estar
trabalhando algumas questõesque estão intrinsicamente ligadas à
obra analisada: sociedade, espaço, tempo etc.

Referências
Victor Lima Corrêa é professor licenciado em História formado pela
Faculdade Integrada Brasil Amazônia (FIBRA).

CORRÊA, Victor. Lima. Travada a grande batalha da Amazônia‖: as


representações sobre a batalha da borracha no jornal paraense Folha
Vespertina (1942-1945). Trabalho de Conclusão de Curso (História).
Faculdade Integrada Brasil Amazônia (FIBRA).Belém, 2017.

LITZ, Valesca. Giordano.O uso da imagem no ensino de História.


Curitiba. 2009. Disponível em:
<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br>.

MARTINELLO, Pedro. A ―batalha da borracha‖ na Segunda Guerra


Mundial. EDUFAC, Rio Branco. 2004.

MORAES, Ana. Carolina. Albuquerque. de. Vida Nova na Amazônia: a


cor como elemento de persuasão em cartaz da ―Campanha da
Borracha‖. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH.
São Paulo, julho 2011. Disponível em:
<http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/>.

PORTO, Amélia; SILVA, Marco. Orientações didáticas para o ensino de


História. In: Nas trilhas do ensino de História: Teoria e prática. Rona.
Belo Horizonte, 2012.

SECRETO, Maria. Verónica. Soldados da Borracha: trabalhadores


entre o sertão e a Amazônia no governo Vargas. Editora Fundação
Perseu Abramo. São Paulo. 2007.

ZUCCHI, Bianca. Barbagallo. As fontes e os documentos históricos


não escritos. In: O ensino de História nos iniciais do Ensino
Fundamental: teoria, conceitos e uso de fontes. Edições SM. São
Paulo, 2012.

453
POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DO CINEMA NO PROCESSO
ENSINO-APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA
Vitória Duarte Wingert
Jander Fernandes Martins

Introdução
O presente trabalho versa sobre alguns dos resultados obtidos na
pesquisa final do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em História –
Licenciatura pela Universidade Feevale a qual, teve como objetivo
―refletir sobre a importância do cinema como recurso didático nas
aulas de História e as possibilidades de utilização desse recurso‖.

Optamos então, por realizar uma pesquisa com enfoque local na Rede
de Ensino de Campo Bom. Essa escolha ocorreu em função de tratar-
se de um município que desde o ano de 2009, vem investindo
diversos recursos financeiros na área de Tecnologias aplicadas à
Educação, atualmente, todas as salas contam com lousas interativas,
notebooks e projetores, desta forma os professores que desejam
utilizar filmes ou documentários em suas aulas, não encontram
empecilhos (como a falta de equipamentos), diferente da realidade
encontrada em outras redes municipais, com menos recursos, por
exemplo.

Através dessa pesquisa com os professores de História de Campo


Bom, buscamos refletir como o cinema vem sendo utilizado pelos
professores em suas aulas, e se as metodologias aplicadas alçam os
objetivos esperados por eles, tendo como foco o processo de
aprendizagem. Uma vez que o cinema pode enriquecer uma aula,
desde que utilizado com métodos que estimulem a reflexão e
curiosidade dos educandos, orientado-os a interpretar e dialogar com
o filme, levando em consideração a fonte histórica que o mesmo
representa.

Da tela de cinema à sala de aula: práticas docentes


Para a realização desta pesquisa, foram visitadas as três escolas da
Rede Municipal de Campo Bom, sendo que os professores de História
foram entrevistados individualmente. O grupo era formado por três
homens e duas mulheres, que possuem idade entre 28 e 41 anos de
idade, todos concursados no município.

Foram utilizadas entrevistas estruturadas, utilizando-se da


conceituação de análise de dados e de uma pesquisa qualitativa no
campo social, que foi construída a partir dos Saberes Docentes,
segundo Tardif (2002), em seu livro “Saberes Docentes e a Formação
Profissional‖, a obra leva em consideração um conjunto de fatores

454
que podem e influenciam as práticas docentes. Para esta entrevista
os professores serão denominados professor: A, B, C, D e E, visando
manter o anonimato dos mesmos.

Protagonismo estudantil: produção de curtas metragens


Esta proposta da realização de curtas metragens foi relatada tanto
pelo professor A, quanto pela professora B.

Na turma do professor A, quando ele trabalhou o conteúdo de Egito


Antigo, ao invés de assistir com as turmas, filmes que retratassem
este período, o professor propôs que os alunos produzissem seus
próprios filmes, sobre o assunto. Nas palavras do professor:

―Então os alunos criaram o roteiro, a gente fez roupas, fizemos a


filmagem em um fundo verde e colocamos eles inseridos num
contexto próprio do Egito. Foi uma experiência muito bacana, porque
eles aprenderam muito mais do que se fosse só o professor falando
ou através de um texto‖.

Já a professora B, quando trabalhou as Revoltas na Primeira


República, inicialmente ela começou sua prática com materiais
visuais, utilizando charges da época, bem como HQ, que abordassem
o assunto. Após, os alunos assistiram um compilado, de 1 hora e 20
minutos, do filme A Guerra de Canudos (1996), e responderam um
questionário com algumas perguntas para reflexão sobre o filme. Em
outro momento assistiram um trecho do filme Lampião o Rei do
Cangaço (1964) e debateram o trecho em aula. Como finalização do
conteúdo e atividade avaliativa, os alunos se dividiram em grupos e
cada um deveria produzir, um curta metragem sobre uma das
revoltas abordadas em aula: Revolta da Chibata, Canudos,
Contestado ou Cangaço. Os alunos poderiam escolher se eles
mesmos atuariam em seus filmes, se utilizariam fantoches, bonecos,
etc.

Em sua opinião, foi uma atividade muito significativa para os alunos,


―alguns confeccionaram túnicas para se parecer com Antônio
Conselheiro [...] os grupos se puxaram, teve grupos que no meio do
filme criou propagandas, comerciais, que imaginavam que poderiam
existir na época‖.

A prática relatada pelos professores A e B, como podemos analisar,


foi um momento que além do envolvimento dos alunos, precisou do
planejamento articulado por parte dos professores, pois se os alunos
não tivessem compreendido o conteúdo, não poderiam representá-lo
através das câmeras. Como destaca Bittencourt (2011, p.375), não

455
existe uma maneira simplista de se realizar um trabalho significativo,
principalmente no que diz respeito ao cinema:

―Fica evidente que não existe um modelo simplificado para introduzir


os alunos na análise crítica da imagem cinematográfica, mas pode-se
destacar a impossibilidade de deter-se apenas na análise do conteúdo
do filme. É preciso ir além‖.

Também podemos perceber pelo relato da professora B, que ela fez


recortes no filme A Guerra de Canudos, deixando apenas trechos que
considerava necessário para a compreensão do conteúdo. Esta
intervenção nos filmes, tão pouco explorada pelos professores,
muitas vezes é fundamental para otimização do tempo em sala de
aula, ―o professor precisa perder o medo, o respeito ao vídeo, assim
como ele interfere num texto escrito, modificando-o, acrescentando
novos dados, novas interpretações, contextos mais próximos do
aluno‖ (MORAN apud NAPOLITANO, 2011, p. 35).

Quanto à proposta de elaboração de um filme produzido totalmente


pelos alunos, consideramos de extrema importância este
protagonismo estudantil, pois para que pudessem executar a
proposta, os alunos precisaram observar importantes elementos da
produção cinematográfica como composição do conteúdo, roteiro,
figurino, cenários, atuação e filmagem. Uma vez que ―o filme pode
ser produzido pelos próprios alunos, situação que possibilita a
compreensão do processo de produção das imagens
cinematográficas‖ (BITTENCOURT, 2011, p.376). Também
ressaltamos a importância de o professor conhecer a linguagem
cinematográfica e recursos tecnológicos, como programas de edição
de imagem e som, conseguindo assim, aprimorar a produção dos
alunos. Para Moran, nesses momentos de produção de vídeo, a
aprendizagem torna-se significativa, pois o aluno se vê atuante e
vivenciando o conteúdo:

―As crianças adoram fazer vídeo e a escola precisa incentivar ao


máximo a produção de pesquisas em vídeo pelos alunos. A produção
em vídeo tem uma dimensão moderna, lúdica. Moderna como meio
contemporâneo, novo e que integra linguagens. Lúdica pela
miniaturização da câmera, que permite brincar com a realidade, levá-
la junto para qualquer lugar. Filmar é uma das experiências mais
envolventes, tanto para crianças, como para adultos. Os alunos
podem ser incentivados a produzir dentro de uma matéria, ou dentro
de um trabalho interdisciplinar‖. (MORAN apud NAPOLITANO, 2011,
p.36).

456
Nesse sentido podemos perceber como um ambiente significativo de
aprendizagem, que propicie o protagonismo do aluno, é importante
para uma boa prática e para bons resultados.

Filmes, debates e questionários


Todos os professores entrevistados relataram que utilizam filmes ou
trechos desses para finalizarem com debates/seminários ou
questionário. Uma das práticas desenvolvidas pela professora B foi
com a temática de Segunda Guerra Mundial. Como existem muitos
filmes sobre esta temática, ela estudou bastante a escolha do filme, e
os alunos assistiram o longa A vida é bela (1997), segundo a
entrevistada a escolha se deu em função de, ―escolher um filme que
fosse um clássico, e que a grande maioria não tenha assistido, que
fosse contra os padrões hollywoodianos, então encontrei, A vida é
bela, que é uma narrativa italiana‖.

Continuando na linha de filmes que abordem as Guerras Mundiais, o


professor E, relata que para a escolha dos filmes recorre a seguinte
didática:

―Levo vários títulos sobre a mesma temática e faço uma breve


sinopse de cada um deles e pergunto qual eles querem assistir, faço
uma votação, assim bem democrático. Quem já viu o filme, o viu em
um contexto diferente, e agora com o conteúdo já trabalhado terá
uma nova percepção. Quem já foi meu aluno já está acostumado,
sabe que funciona assim‖.

Os últimos filmes escolhidos pelos alunos do professor E, foram O


menino do pijama listrado (2008) e Cavalo de Guerra (2012), sendo
que o último, que aborda sobre a Primeira Guerra, ele utilizou para
mostrar como funcionavam as três fases da guerra. O professor E,
ainda destaca que, como sempre passa o filme como fechamento do
conteúdo, não pede textos ou resumos do filme, nem passa
questionários para os alunos responderem, segundo ele ―eu a fiz isso
de pedir resumos e questionários, mas daí os alunos assistiam ao
filme sem vontade, obrigados, e daí perdia todo o sentido‖. Apesar de
não solicitar esses registros escritos para os alunos, relata sempre
realizar um debate, relacionado o conteúdo ao filme.

O professor C relatou, que um dos filmes, que ele sempre trabalha


em suas aulas, todos os anos, é Lutero (2004), segundo o professor:
―Eu acho ele bem didático, pois mostra todos os detalhes da reforma
protestante, aquilo que em uma aula de História tradicional tu não ia
utilizar. Eu gosto muito de utilizar ele, por mostrar o surgimento das
várias religiões‖.

457
Segundo o professor, após passar o filme ele propõe debates e pede
um resumo do filme relacionando-o com o conteúdo, ou passa
questões para os alunos responderem. Um filme que o professor C
relata dar bastante certo com suas turmas, é O Incrível Exército de
Brancaleone (1966), ele passa este filme para abordar o conteúdo de
Idade Média e relata que mesmo sendo um filme antigo, em função
de ele ser engraçado, os alunos gostam bastante e conseguem
compreender e visualizar o contexto histórico da Baixa Idade Média,
quando o trinômio peste, fome e guerra marca a crise do século XIV
e do próprio sistema feudal. Após assistido ao filme aplica a mesma
dinâmica de debate, resumo ou questões. Napolitano, também
propõe que se trabalhe com o filme a partir de questões bem
elaboradas e articuladas com o conteúdo:

―A análise pode ser elaborada na forma de um conjunto de questões


(assertivas ou interrogativas) que dirija o olhar do aluno para
aspectos mais importantes do filme, baseado nos princípios, no
conteúdo disciplinar e nos objetivos da atividade proposta. Não é
necessário um grande número de questões, mas é fundamental que
sejam bem direcionadas e formais, pois são neles que encontramos a
―mensagem‖ e os valores veiculados com o filme‖. (2011, p.85-86).

Outro filme que é escolha do professor E, trata-se de Jazão e os


argonautas (1963), para ele o conteúdo de mitologia é bastante
complexo para os alunos, e através do filme ele acredita que os
alunos consigam visualizar esta relação. Ele ainda destaca que ―esse
filme é muito melhor que o Percy Jackson e outros desenhos da
Disney que ensinam totalmente errado‖. Então prefere versões mais
antigas sobre as mitologias. Porém, como já abordamos
anteriormente, o filme possui uma linguagem própria e não tem
compromisso em retratar fatos históricos, tal qual, aconteceram,
pois, ―cinema é metáfora‖ (SEVERO,2004, p.128), e o

―Potencial pedagógico, do filme, estará mais no professor, em sua


capacidade de reconhecer o momento ideal de introdução de um
filme e criatividade para extrair-lhe potencialidade, do que do próprio
filme‖. (IDEM)

Sendo assim, o filme de Percy Jackson, poderia ser utilizado, sem


nenhuma perda pedagógica, mas precisaria da interferência do
professor, estimulando os alunos a analisarem a narrativa proposta
pelo filme, o que está de acordo com o conteúdo previamente
trabalhado, o que não está, por quê não está. Esta é a função do
docente, atuar como mediador.

458
Uma das maiores dificuldades para os alunos, segundo os
professores, trata-se da compreensão de períodos históricos muito
distantes de sua realidade, com paradigmas e valores totalmente
diferentes. Dessa forma, para que os alunos conseguissem
compreender como se daria o choque entre duas épocas distintas, a
professora B, relatou trabalhar, o filme Loucuras na Idade Média
(2001), ―contei para um colega medievalista que eu usava este filme
em sala de aula, e ele disse ―Tu tá louca! Esse filme é uma afronta a
tudo, ele deturpa totalmente a Idade Média‖ mas, esse é um filme
que os alunos sempre assistem na Sessão da Tarde, então acho
válido trabalhar‖ (PROFESSORA B). Para os autores já citados, todo o
filme pode ser histórico, se for bem trabalhado pelo professo. Nesse
filme, o personagem principal trabalha em um parque temático sobre
a Idade Média, quando uma bola bate em sua cabeça levando-o ao
desmaio. Ao acordar, percebe que está em pleno ano 1328. Nesse
novo cenário, ele precisará ajudar um ex-cavaleiro e uma camponesa
a derrotarem um rei malvado.

A professora relata trabalhar com os estranhamentos entre as


culturas, começando pela maneira de falar, que embora fosse a
mesma língua, as palavras utilizadas eram totalmente diferentes, as
vestimentas, ―os banheiros medievais chamam muito a atenção dos
alunos‖. Também chama a atenção para uma cena do filme onde o
personagem do século XXI paga por alimentos com cédulas de
dinheiro e os camponeses ficam furiosos. A professora relata que
questiona os alunos do motivo para essa reação, até eles se darem
conta que aquele tipo de dinheiro não tinha valor nenhum na Idade
Média.

Momento de socialização: ida ao cinema


A professora B, relatou que com as turmas de 6º ano, gosta de
realizar um momento de socialização, como a ida ao cinema, uma vez
que estes alunos ainda estão se adaptando ao novo formato escolar,
dividido por disciplinas, vários professores, novos colegas e uma
realidade totalmente diferente da que estavam habituados. Então a
professora sempre observa se estão em cartaz no cinema do CEI
(Centro de Educação Integrada), que pertence ao município, e
disponibiliza, uma vez por mês, sessões gratuitas para as escolas, se
está passando algum filme que ela possa relacionar com o conteúdo.

Neste ano levou suas turmas para assistirem à produção brasileira Os


dez Mandamentos (2016). A professora conta que foi criticada por
alguns colegas, por escolher um filme, que eles consideraram, de
conotação religiosa, porém ela justificou que estava terminado o
conteúdo de Egito Antigo e iniciando o estudo sobre o povo hebreu e
o filme, em questão, abordava entre outras temáticas, choque de

459
crenças e realidade entre as duas culturas, desta forma o longa
estava sim, relacionado com o conteúdo.

Para Napolitano, quando se trabalha com filmes voltados para


grandes públicos, como é o caso desta produção que os alunos foram
assistir, cabe ao professor conduzir a análise-reflexiva dos alunos,
quanto a mensagem que o filme quis passar e o que, ou não,
relacionar com o conteúdo de aula:

―É preciso que o professor estimule o debate sobre a mensagem


principal que o diretor ou o sistema que produziu a obra quis fixar no
receptor. Quase sempre estas mensagens são de natureza político-
ideológica ou ético-moral e, nesse sentido, o cinema tem uma função
ideológica cognitiva fundamental no mundo moderno‖. (2011, p. 94).

Segunda a professora A, o ―ritual‖, de comprar o ingresso, se dirigir


ao cinema, comprar pipoca e assistir ao filme, é extremamente valido
e significativo para os alunos, ―eles precisam desses momentos de
socialização‖. A educadora também relatou, que as turmas
comentaram tanto, posteriormente, sobre a ida ao cinema, que agora
todas as turmas estão pedindo para irem também. Para Bittencourt
(2011, p.236) é extremamente importante estes momentos de
socialização, pois o aluno se percebe como um sujeito social, pois
―ela permite às pessoas inserir-se em um grupo e realizar trocas,
intervindo na definição individual e social, na formação pela qual o
grupo se expressa‖.

Destaco também, que mesmo a cidade tendo o cinema comunitário e


o dia de isenção de ingresso para os estudantes, a professora B foi a
única que relatou ter levado seus alunos ao cinema. Também vai
ressaltar que a escola onde a professora trabalha é próxima ao
cinema, não necessitando gastar com transporte para levar os
estudantes ao local.

Cabe ao professor em fazer essa transposição entre os personagens


reais e os fictícios, e extrair as potencialidades da obra, relacionado-a
com o conteúdo, podendo articular o filme biográfico, com a
elaboração de análise de obras literárias, sobre a mesma
personalidade. Fazendo com que o aluno perceba a diferença entre a
elaboração de ambos.

Das propostas citadas até aqui, podemos perceber que os professores


possuíam um objetivo ao qual buscavam atingir, através de
determinada sequência didática, bem como planejaram
antecipadamente para consegui executar seu planejamento,

460
demonstrando a importância da articulação entre a aula de História e
o uso de filmes, como já nos trouxeram Severo e Napolitano.

Todo o docente que assim faz torna sua aula mais dinâmica, atraente
e os objetivos traçados têm mais chance de serem alcançados. Além
disso, consegue tornar a sala de aula um verdadeiro local de pesquisa
e de aprendizagem mútua (de professor para aluno e de aluno para o
professor). Na construção do planejamento o professor tem como
checar mais precisamente as características de sua turma bem como
suas dificuldades, para a partir daí saber como passar os conteúdos
disciplinares com maior êxito tanto para si como para o alunado,
como relatado pela professora B, que traça um perfil da turma,
lavando em conta seus gostos pessoais, ou o professor E, que faz
votações com os alunos para a escolha dos filmes.

Considerações finais
Em nenhum momento esta pesquisa teve o objetivo de realizar
avaliações acerca da atuação dos professores da Rede de Ensino
Fundamental, mas sim analisar propostas relativas ao uso do cinema
em sala de aula e como este recurso pode ser uma ferramenta para
uma aprendizagem significativa. Também ressaltamos que este
projeto não é detentor da verdade, é apenas o início de um estudo
que traz algumas sugestões do uso do cinema, bem como sua
relevância como recurso didático para as aulas.

Observamos que todos os professores, planejam antecipadamente as


atividades que propõe as suas turmas, além do mais as atividades
propostas possuem objetivos bem delineados, o que é fundamental
para uma boa aula. Pois vários citaram a produção de filmes, o
recorte de obras, a análise de recortes diferentes que só são
possíveis de se executar com um planejamento prévio.
Demonstrando assim, que um bom professor, é um eterno planejador
e pesquisador, na busca por aprimorar sua prática pedagógica.

Esperamos que essa pesquisa tenha contribuído para a compreensão


da importância do cinema como fonte histórica. Bem como tenha
conseguido refletir sobre os usos que os professores de História que
os professores fazem a partir dos filmes e como esses colaboram
para uma aprendizagem significativa e eficaz.

Referências
Vitória Duarte Wingert é Mestranda do PPG de Processos e
Manifestações Culturais da Universidade Feevale, sendo bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
CAPES, Brasil. Historiadora graduada pela Universidade Feevale.

461
Atualmente atua como professora concursada na Rede Municipal de
Campo Bom. E-mail:vitoriawingert@hotmail.com

Jander Fernandes Martins é Mestre em Processos e Manifestações


Culturais (22/02/2018). Pedagogo graduado pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Atualmente atua como professor
concursado na Rede Municipal de Campo Bom. E-mail:
martinsjander@yahoo.com.br

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história:


fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2011.
______________Capitalismo e cidadania nas atuais propostas
curriculares de História in O saber histórico em sala de aula, org:
Circe Bittencourt, São Paulo: Contexto, 2006, p 11-28.

NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel, in Fontes


Históricas, org: Carla Bassanezi Pinsky. 3ª Ed, São Paulo: Contexto,
2014, p. 235-291.
______________. A Escrita fílmica da história e a monumentalização
do passado: uma análise comparada de Amistad e Danton, in História
e Cinema: Dimensões do audiovisual, org: Maria Helena
Capelato...[et. al.] 2ª Ed. São Paulo:Alameda, 2008, p. 65-84.
______________. A televisão como documento, in O saber histórico
em sala de aula, org: Circe Bittencourt, São Paulo: Contexto, 2006,
p. 149-162.
______________. Como usar o cinema em sala de aula. 5ª Ed.São
Paulo: Contexto, 2011.

SEVERO, Gerson Egas. Com Lumière em sala de aula: uma


contribuição. Erechim: Edifapes, 2004.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.


Petrópolis: Vozes, 2002.

462
OS ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E HISTÓRIA AMBIENTAL
Wendell Presley Machado Cordovil

A década de 60 é um marco para as lutas em favor de relações


melhores entre humanidade e natureza. Por conta do avanço
tecnológico da época, e novas relações com o meio ambiente, novas
preocupações também surgiram.

O início das mobilizações que demonstravam o surgimento do


movimento ambientalista tem como um ponto de partida o livro
‗Silent Springs‘, da bióloga marinha Rachel Carson. No livro a autora
debate de forma crítica sobre a utilização de pesticidas
(especialmente o DDT) e da forma que a humanidade estava se
relacionando tecnologicamente com a natureza.

A partir de então o debate ambiental se intensifica e expande. Em


1965, em uma conferência de educação à conservação e preservação
de recursos naturais, realizada na Inglaterra, o termo Educação
Ambiental é utilizado pela primeira vez (RAMOS, Elisabeth; FELLINE,
Cristiane, 2008.). Com o termo, a compreensão sobre as soluções
para as problemáticas ambientais mostra-se confiante no ramo da
educação.

A preocupação com as problemáticas ambientais e com novas formas


de relacionamento com a natureza aparece de forma notória no meio
acadêmico a partir da década de 70. Várias disciplinas se
conscientizaram sobre a preocupação pública crescente (WOSRTER,
Donald, 1991.). No caso da história, começa a emergir a ideia de
uma história ambiental. Como comenta o historiador ambiental
Donald Worster (1991, p. 2):

―A história ambiental nasceu portanto de um objetivo moral, tendo


por trás fortes compromissos políticos, mas, à medida que
amadureceu, transformou-se também num empreendimento
acadêmico que não tinira uma simples ou única agenda moral ou
política para promover. Seu objetivo principal se tornou aprofundar o
nosso entendimento de como os seres humanos foram, através dos
tempos, afetados pelo seu ambiente natural e, inversamente, como
eles afetaram esse ambiente e com que resultados.‖

Outras disciplinas, como filosofia, sociologia, direito, também


aumentaram suas reflexões sobre as questões ambientais.

463
Em Belgrado, Lugoslávia, em 1975 é realizado um encontro
promovido pela UNESCO conhecido como ―Encontro de Belgrado‖. Ao
fim do encontro um documento foi elaborado com o objetivo abarcar
uma estrutura global para definir a Educação Ambiental. Definindo
metas, diretrizes e métodos, esse documento ficou conhecido como
―Carta de Belgrado‖.

A carta traz como meta da ação ambiental ―Melhorar todas as


relações ecológicas, incluindo a relação da humanidade com a
natureza e das pessoas entre si‖. E define seis objetivos da Educação
Ambiental:

―Tomada de consciência - Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a


adquirir maior sensibilidade e consciência do meio ambiente em geral
e dos problemas. Conhecimentos - Ajudar às pessoas e aos grupos
sociais a adquirir uma compreensão básica do meio ambiente em sua
totalidade, dos problemas associados e da presença e função da
humanidade neles, o que necessita uma responsabilidade crítica.
Atitudes - Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a adquirir valores
sociais e um profundo interesse pelo meio ambiente que os
impulsione a participar ativamente na sua proteção e melhoria.
Aptidões - Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a adquirir as
aptidões necessárias para resolver os problemas ambientais.
Capacidade de avaliação - Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a
avaliar as medidas e os programas de educação ambiental em função
dos fatores ecológicos, políticos, sociais, estéticos e educativos.
Participação - Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a desenvolver
seu sentido de responsabilidade e a tomar consciência da urgente
necessidade de prestar atenção aos problemas ambientais, para
assegurar que sejam adotadas medidas adequadas.‖

Já em âmbito nacional, em 1999, temos a Lei nº 9795 que define a


Política Nacional de Educação Ambiental e dá a compressão de
Educação Ambiental em seu artigo 1º:

"Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos


quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade."

Em pesquisa realizada para o projeto ―História e Educação Ambiental


nas escolas de Ananindeua‖, coordenado pelo professor doutor em
história Wesley Oliveira Kettle e financiado pelo CNPq, os objetos de
estudo foram professores da rede pública de ensino básico do
município de Ananindeua, região metropolitana da cidade de Belém

464
(Pará). O objetivo do projeto foi compreender o que esses
professores entendem como natureza, interdisciplinaridade, educação
ambiental e em que medida eles incorporam a temática ambiental em
suas práticas docentes. Quando indagados sobre o que
compreendiam como Educação Ambiental houve casos em que
descreveram seu entendimento de EA como uma educação que visa
mostrar a relação da humanidade com a natureza ao longo da
história.

Essa compreensão pode ser prejudicial para a realização de uma


prática de EA, pois consegue se encaixar em no máximo dois
objetivos da Educação Ambiental citados acima. É prejudicial em
medida que parece permitir somente compreender a necessidade
humana pelos recursos naturais e a relação de degradação ambiental,
ou seja, não parece permear por incentivos à atitude, aptidões,
capacidade de avaliação ou participação.
Além de essa visão não destacar a meta de conservação do meio
ambiente, que está descrito na Política Nacional de Educação
Ambiental.

A história ambiental dentro das vertentes da educação


ambiental: uma relação para o ensino de história
Como citado de anterior, uma das disciplinas que na década de 1970
emerge com novas perspectivas de pensar o meio ambiente é a
disciplina histórica. Donald Worster (1991) nos permite perceber que
as preocupações sociais e governamentais com as problemáticas
ambientais foram a mola propulsora para a academia, no caso a
disciplina de história, refletir sobre a representação do meio ambiente
em suas práticas, se construindo assim uma história ambiental.

Os historiadores ambientais, segundo Worster, aparecem como


reformadores. Esses visam dar visibilidade para um agente que não
possuía tanto papel nas narrativas históricas. Acreditam ser possível
encontrar a própria terra como uma presença na história, com isso
descobrir forças mais fundamentais atuando no tempo.

Tanto em seu surgimento quanto em suas bases teóricas mais


recentes, a história ambiental não parece visar necessariamente um
sentimento de conscientização ambiental, não se expressa, ao menos
de forma nítida, com o objetivo de mudar as relações das sociedades
atuais com o meio ambiente.

A perspectiva ambiental na disciplina histórica parece estar crescendo


no meio acadêmico, mas no âmbito de ensino a temática não possuiu
ainda grande destaque.

465
Na pesquisa histórica, de um historiador ambiental, é nítida a
pretensão de mostrar a importância de agentes não humanos para o
desenvolver dos processos históricos. Com isso visa expor a
importância tanto de animais não humanos quanto de recursos
compreendidos como naturais para as relações históricas.

Perceber a importância histórica dos diversos animais e recursos


naturais para as sociedades antigas e atuais é importantíssimo para
se fazer Educação Ambiental, mas me atenho tanto na Carta de
Belgrado quanto no Plano Nacional de Educação Ambiental para
afirmar que não é o bastante.

Os historiadores ambientais em suas pesquisas conseguem enxergar


em diversas fontes a importância de vários agentes não humanos
para a história. Dessa forma dando destaque para esses, mas isso
não necessariamente gera uma consciência ambiental, provoca
reflexões profundas sobre as relações atuais com o meio ambiente,
ou incentiva mudanças de hábitos.

Quando a história ambiental consegue deixar evidente a importância


da natureza ao longo dos processos históricos pode se encaixar em
certa medida em duas vertentes da Educação Ambiental. São estas
as correntes: humanista e a etnográfica.

Pode-se entender como possuindo características da corrente


humanista e partir do momento que em certa medida tenta mostrar
um meio ambiente que não é somente apreendido como conjunto de
elementos biofísicos, mas também possuidor de dimensões históricas,
culturais, políticas, econômicas, etc.

A vertente etnográfica pode ser observada nas produções de


historiadores ambientais se levarmos em consideração que seus
trabalhos pretendem expor relações de diferentes culturais, em
diferentes tempos, com o meio ambiente. Se isso for bem trabalhado
pode causar inspirações, tanto para tentar se assemelhar ou
diferenciar aos casos apresentados. Mas para a história ambiental
causar essas inspirações se faz necessário a relação com o tempo
presente.

Para o ensino da disciplina de história, a história ambiental pode ser


uma grande possibilidade de se atingir a Educação Ambiental.
Educação Ambiental no sentido de conscientizar e influenciar
reflexões sobre o tempo atual e as práticas dos alunos para com o
meio ambiente, com isso incentivando mudanças de alguns hábitos
para tentar formar cidadãos comprometidos com uma sociedade
sustentável.

466
Trabalhar história ambiental é necessariamente fazer
educação ambiental?
Um trabalho historiográfico de história ambiental não é pensado para
servir de ferramenta aos educadores ambientais. Pelos trabalhos
teóricos estudados que ajudaram a pensar esse artigo, as pesquisas
de historiadores ambientais visam expor os agentes que muitas vezes
não são notados pelos olhos dos historiadores, mas que se
apresentam ao longo dos processos históricos e nas fontes. O
objetivo maior parece ser o de ampliar a pesquisa histórica.

Cabe ao professor de história, também educador ambiental, utilizar-


se das produções de historiadores ambientais em suas práticas
docentes. Não somente isso, em suas práticas de pesquisa e ensino
deve se fazer historiador ambiental. O professor tem de perceber a
presença da natureza nos processos históricos, a importância dela
para as diversas sociedades e diversos tempos. Mas acima de tudo,
para fazer EA o professor tem que relacionar o estudo de sociedades
de diferentes espaços e tempos com o tempo presente e com a
realidade do aluno.

A Educação Ambiental é pensada como principal forma de se alcançar


uma sociedade sustentável. O professor de história educador
ambiental deve ter essa preocupação. Um dos auxílios para gerar
reflexões, soluções e mudanças direcionadas a práticas ambientais,
do professor é a história ambiental.

O historiador professor deve perceber a importância de se discutir as


problemáticas ambientais da atualidade. A história ambiental é um
passo para se pensar o hoje e problematizar as relações atuais com o
meio ambiente.

Para fazer Educação Ambiental nas aulas de história não se pode


somente analisar as relações da humanidade com a natureza ao
longo do tempo, mas é preciso defender a política de uma sociedade
sustentável. Não se pode somente expor ao aluno a importância do
meio ambiente para outras sociedades do passado sem
expressamente comentar a importância dela para a sociedade atual.
Deve-se incentivar reflexões e propor mudanças.

Referências
Wendell Presley Machado Cordovil é graduando do curso de
licenciatura em história pela Universidade Federal do Pará – Campus
Ananindeua. Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC) do projeto de
pesquisa ―História e Educação Ambiental nas escolas de Ananindeua‖
coordenado pelo Prof. Dr. Wesley Oliveira Kettle.

467
BRASIL, Presidência da República. Lei Nº 9.795. Brasília: 1999.

CARSON, Rachel. Silent Spring. Melhoramentos de São Paulo. 2. Ed.


São Paulo, 1995, 305 p.

Carta de Belgrado. Disponível em:


http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/crt_belgrado.pdf
Acesso em: 26/12/2017

PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história


ambiental. Estudos avançados, v. 24, n. 68, p. 81-101, 2010.

RAMOS, Elisabeth Christmann; FELLINI, Cristiane. A formação do


educador e a educação ambiental no curso de pedagogia. Disponível
em:
www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/940_603.pdf
Acesso em: 25/12/2016

SAUVÉ, Lucie. Uma cartografia das correntes em educação


ambiental. Educação Ambiental: pesquisa e desafios, p. 17-44, 2008.

WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos,


Rio de Janeiro, vol. 4, n. 8. 1991, p. 198·215

468
ENSINO DE HISTÓRIA E O USO DA INTERNET COMO
COMPANHEIRA NO PAPEL DE ENSINO APRENDIZAGEM
Wiliana Maiara do Nascimento

Introdução
Estamos inseridos em um tempo de recorrentes transformações no
âmbito das tecnologias de comunicação e informação, compreendidas
como apoio para a construção do conhecimento. As inovações
históricas que apontam o ser humano na condição de agente
participante da história proporciona novos enfoques historiográficos
no viés social e cultural da sociedade, assegurando o uso de
diferentes fontes históricas. Ultimamente não só os documentos
escritos chamam a atenção do historiador, mas também uma
outrasérie de documentos que podem problematizar a história de um
determinado grupo social.

Neste contexto que se apresenta, o professor carece saber dominar


as tecnologias em sua prática docente, não somente como recurso
didático, mas como ferramenta adequada a todo o processo
pedagógico.

Ensino de história e internet


A partir de fins do século XX, o profissional que trabalha com História
na área educacional usufrui de acervos altamente ricos, como museus
e bibliotecas virtuais, que sem duvida potencializam seus estudos e
planos de aula. A partir do ano 1990, com a propagação dos
computadores pessoais já como acesso à internet, o professor passou
a realizar estudos em lugares remotos sem deixar a comodidade e
conforto de seu lar. Os computadores ligados em rede interligaram o
mundo, unindo lugares e pessoas. Incorporar estes novos recursos
tecnológicos à atividade pedagógica pode significar um ambiente
amplo com dinamismo, criatividade e uma interação relacionados à
vida dos estudantes. Como afirma Marques & Caetano [2002 p.158]:

―Para a educação, a Internet pode ser considerada a mais completa,


abrangente e complexa ferramenta de aprendizado. Podemos,
através dela, localizar fontes de informação que, virtualmente, nos
habilitam a estudar diferentes áreas de conhecimento.‖

A internet consente um estudo ativo, como, por exemplo, possibilita


uma leitura diferenciada de um texto, que muitas vezes se tornaria
longo e exaustivo em uma leitura realizada em material impresso. O
estudante conectado a rede pode explorar lugares e escutar canções
citadas em um texto histórico, propiciando o ensino da disciplina de
história dinâmica e criativa, pois o universo tecnológico permite

469
também a integração nas redes sociais com outras plataformas de
ensino. Libâneo [2000, p. 26] afirma que:

―Trata-se, assim, de capacitar os alunos a selecionar informações,


mas, principalmente, a internalizar instrumentos cognitivos (saber
pensar de modo reflexivo para aceder ao conhecimento. A escola
fará, assim, uma síntese entre a cultura formal (dos conhecimentos
sistematizados) e a cultura experimentada. Por isso, é necessário que
proporcione não só o domínio de linguagens para busca da
informação, mas também para a criação da informação. Ou seja, a
escola precisa articular sua capacidade de receber e interpretar
informação com a de produzi-la, a partir do aluno como sujeito do
seu próprio conhecimento.‖

A disciplina de História tem o compromisso de aproximar os


conteúdos à realidade vivida pelo aluno, ultrapassando o ensino
tradicional ou o famoso ensino ―decoreba‖, atualmente grande parte
dos serviços está ligada a tecnologia, negar essa integração aos
alunos é regredir no processo de ensino aprendizagem.

Desta forma o maior desafio do professor de história hoje é


desenvolver métodos de ensino, que torne o aluno o próprio sujeito
do processo de ensino e aprendizagem, ou seja, uma abordagem
voltada ao progresso do ensino, instrumentalizada pela tecnologia de
forma inovadora. Assim sendoos meio de informação juntamente com
a comunidade escolar devem atentar para atender as exigências e
cumprir os novos papéis que lhe estão sendo destinados na formação
de indivíduos aptos a enfrentar e responder a estas demandas, o
professor deverá estar em permanente reflexão a respeito da
educação que recebe e transmite.

O cuidado com o manuseio da internet


É de extrema importância o professor acompanhar o manuseio de
seus alunos com o uso da internet. O que por um lado favorece o
ensino-aprendizagem por outro também apresenta suas
desvantagens. MORAN [2001, p.4 ] revela que:

―A questão fundamental não é a tecnológica. As tecnologias podem


nos ajudar, mas, fundamentalmente, educar é aprender a gerenciar
um conjunto de informações e torná-las algo significativo para cada
um de nós, isto é, o conhecimento [...] Educar também é aprender a
gerenciar tecnologias, tanto de informação quanto de comunicação.
Ajudar a perceber onde está o essencial, e a estabelecer processos de
comunicação cada vez mais ricos, mais participativos.‖

470
Algumas escolas utilizam seus computadores para o simples ensino
de informática, ensinando os alunos a mera digitação e pesquisas na
Internet, ou apresentam a sala de informática trancada em que
alunos nos podem usufruir dela. Muitas das pesquisas acontecem de
forma equivocada, na qual os alunos apenas copiam e imprimem os
primeiros textos encontrados nas páginas da Internet, contribuindo
para o baixo desenvolvimento intelectual dos mesmos. Além disso,
outro problema é que a Internet oferece distintasprobabilidades de
busca, e as suas páginas muitas vezes seduzem os alunos com um
deslumbramento com as imagens e sons encontrados e tiram o foco
principal que é a interpretação. Deste modo os alunos não
considerarem o conteúdo, consumindo a informação de modo rápido,
sem refletir sobre o conteúdo. Santos ressalta que:

―Ensinar utilizando a Internet pressupõe uma atitude do professor


diferente da convencional. O professor não é o informador, aquele
que centraliza a informação. [...] Sua primeira tarefa é sensibilizar os
alunos, motivá-los para a importância da matéria, mostrando
entusiasmo, ligação da matéria com os interesses dos alunos, com a
totalidade da habilitação escolhida.‖ [Santos, 2012, p.12]

Os professores em geral precisam se dispor de métodos interativos e


socializadores para estimular uma aprendizagem significativa e
romper com métodos tradicionais.

Conclusão
A utilização da Internet pelos alunos deve ser monitorada por um
professor, fazendo evitar acessos a sites não confiáveis e que
desviem do caminho que é proposto. É preciso ainda, que o mesmo
professor conheça as particularidades de cada aluno, bem como o
ritmo, sugerindo aos alunos sites que contenham informações
confiáveis, incentivando a discussão do conteúdo, questionando e
promovendo a construção do conhecimento.

A Internet faz com que as pessoas se comuniquem em questões de


segundos, estas devem estar preparadas para lidar com a variedade
de trocas de informações que ocorrem. Esse é um desafio que se
apresenta não só ao professor de história, mas, no geral, é preciso
conciliar essa variedade de informações e as fontes de acesso,
selecionar as informações mais importantes e facilitar a compreensão
de uma maneira mais profunda a fim de que os alunos aprendam de
forma segura e significativa.

Referências
Wiliana Maiara do Nascimento é graduanda no curso de Licenciatura
em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

471
LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, Adeus professora? Novas
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Acesso em: 07 Março de 2018.

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A MÚSICA E A PARÓDIA COMO CONSTRUÇÃO DE
CONHECIMENTO NO ENSINO DE HISTÓRIA
Wiliane Maine do Nascimento

Introdução
Diante da situação de Ensino que nosso país vivencia e dos
problemas relativos ao comportamento em sala de aula por parte dos
educandos, faz-se necessário implementar-se medidas capazes de
instigar os alunos, afim de conseguir um bom rendimento escolar,
pois, é através da educação que estes vão adquirir atributos para se
desenvolver socialmente.Outrossim, ensinar História atualmente
constitui-se um grande desafio, uma vez que o professor tem que
derrubar inúmeras barreiras afim de que os alunos tenham interesse
por todo o saber oferecido pela disciplina.

‘‘A disciplina de história é uma das que mais causam apatia,[...] essa
apatia pode ser explicada pelo distanciamento dosconteúdos com o
cotidiano, os alunos não veem significadoem tantos personagens,
datas e fatos e todo o processo dememorização que é atribuído ao
ensino de história nas escolas‖.[SILVA; SANTOS, 2013, p. 2].

O mundo está mudando constantemente, e assim como ele a


Educação também entra nesse processo. A necessidade de um
profissional atualizado, trazendo para a sala de aula novas práticas
educativas é de suma importância uma vez que a utilização de fontes
das quais os jovens fazem uso cotidianamente, são incorporadas no
ato de ensinar, poderá propiciar uma maior interação entre professor-
aluno acarretando uma mútua aprendizagem. Desse modo, cabe ao
professor de História repensar suas práticas educativas, em como
―reger‖ sua aula, para que não seja tido como obsoleto.

A música no Ensino de História


É a partir da segunda metade século XX, que a utilização de novas
linguagens emerge em pesquisas historiográficas. Ademais, é com a
Escola dos Annales que urge a necessidade de modificar-se o modelo
de transmissão-recepção através da incorporação teórica-
metodológica deanálise de documentos que antes era bem restritivo.
O emprego de fontes, na prática escolar, deve ter como foco máximo
―desenvolver uma autonomia intelectual capaz de propiciar análises
críticas da sociedade em uma perspectiva temporal‖ (BITTENCOURT,
2005, p.328).

Pensada como um documento, a música é um exemplo de uma nova


prática educativa, que traz em seu conteúdo marcas e características
do seutempo. Nesse contexto, constitui-se como um recurso didático

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na medida em que é utilizada para responder indagações acerca de
objetivos traçados pela disciplina História. Ao utilizar a música em
sala de aula, o professor enriquece a aula com uma linguagem
diferenciada daquela que costuma usar deixando-a mais interessante
e divertida, provocando surpresas e interesses nos educandos.
Todavia, além de nos propiciar momentos descontraídos durante as
aulas, tornando-as dinâmicas e prazerosas, esse método pode
conduzir o aluno a uma visão/leitura mais crítica do mundo que o
cerca.

Em contrapartida, é necessário que o professor saiba utilizar esse


recurso metodológico, e não a levar para o ambiente escolar apenas
―por levar‖ ou porque a achou interessante. É necessário que a
música tenha uma mensagem e os professores mostrem-na aos seus
alunos. Qual a intenção do compositor que a escreveu? Em que ano
foi escrita? A qual período da História se remete? Essas são algumas
das perguntas que podem ser feitas ao se trabalhar com músicas.
Dessa forma, com uma boa utilização de tal, assuntos que são tidos
como cansativos e enfadonhos, passam a ser compreendidos através
de melodias.

De acordo com Del Ben e Hentschke (apud HUMMES, 2004, p. 22):

‘‘A música pode contribuir para a formação global do aluno,


desenvolvendo a capacidade de se expressar através deuma
linguagem não-verbal e os sentimentos e emoções,a sensibilidade, o
intelecto, o corpo e a personalidade [...]a música se presta para
favorecer uma série de áreas dacriança. Essas áreas incluem a
―sensibilidade‖, a ―motricidade‖, o ―raciocínio‖, além da ―transmissão
e do resgate de uma série deelementos da cultura‖.

O trabalho do professor de História é desenvolver nos alunos a


capacidade de coletar informações, selecioná-las e desenvolver em
ambos um sensocrítico e humanitário. O mesmo deve contribuir para
a formação de um cidadão atuante na sociedade a qual está inserido
por meio de novas propostas que despertem problemáticas. É
necessário que ele esteja apto a mostrar aos educandos que a partir
do momento que a música é levada para ser trabalhada em sala de
aula, a mesma transforma-se em uma ação intelectual, enaltecendo
uma enorme diferença entre a música ouvida e a música pensada.

Essa nova forma de se trabalhar coma História é de suma


importância, uma vez que melhora a relação professor-aluno em
relação à interatividade e diálogo, desvencilhando aquela velha visão
de que o aluno em sua totalidade é apenas um agente receptor de
informações. Dado isso, o aluno aprende que além de se trabalhar

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com economia, política, religião, cultura ele passa a ter um
conhecimento extra que vai além dos livros didáticos.

O uso de paródia nas aulas de história


Sabemos que a música está presente em nossas vidas, desde o nosso
nascimento quando nossas mães cantam canções de ninar, até a
nossa fase adulta quando se relacionada com as nossas emoções.
Ademais, quase todas as pessoas associam a música a uma
experiência vivida, e todas as pessoas tem uma preferência musical.
O modo como tal se expressa em nossas vidas durante tal percurso,
é de suma importância uma vez que estimula nossa memória e
desenvolve competências cognitivas.

―De fato, trata-se de uma excelente ferramenta, pois a música


quando bem trabalhada desenvolve o raciocínio, criatividade de dons
e aptidões por isso, deve-se aproveitar está tão rica atividade
educacional dentro da sala de aula.‖[ONGARO, 2006].

No contexto educacional, a música pode ser explorada e trabalhada


pelos educandos, uma vez que torna a aula mais dinâmica e
prazerosa. Nesse sentido ao se utilizar músicas nas aulas de História,
o professor estará facilitando conteúdos que por vezes são tidos como
chatos e enfadonhos. Pode-se trabalhar de diferentes maneiras com
as músicas dentro da sala de aula, uma delas é a paródia:

―Paródia (grego = contracanto) originalmente na música grega: a


deformação. Em literatura: imitação com efeito de ridicularização,
deformação ou exagero de uma obra séria que já existe, ou de
algumas de suas partes; a forma exterior se mantém enquanto que o
conteúdo muda e se torna inadequado com relação à forma
(contrariamente à "travestie")‖. [MOSER, 1992, p. 136].

―A paródia é uma modificação da letra original de uma música. Diante


isso, a mesma é totalmente viável para fins educacionais. Ela consiste
em um gênero textual, que porventura é uma recriação de uma obra
já existente, ou seja, passa por uma modificação textual, e adequa
sua letra ao objetivo que se espera, contudo, permanece os aspectos,
harmônicos e melódicos. ―A paródia, de forma tendenciosa, também
pauta-se pela recriação de um texto, entretanto, utiliza-se de um
caráter contestador voltado para a crítica, muitas vezes sob um tom
jocoso‖ [Duarte, 2015].

Temos vários exemplos de paródias no meio social, por exemplo,


quando utilizada em propaganda de produtos, programas de humor,
desenhos ouaté mesmo em propagandas eleitorais, quando os
candidatos tem a intenção de fazer com os eleitores memorizem suas

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siglas e números. Outrossim, no ambiente escolar, a paródia tem
como objetivo situar identidades, ou seja, através de variados
gêneros é possível unir diferentes gostos em um único espaço, uma
vez que cada educando tem seu costume, crença e características.

Ao se trabalhar com paródias em aulas de História, acredita-se que


os alunos acabem com a visão de aulas monótonas, adquirindo
conhecimento através de aulas dinâmicas em que ocorre maior
interação entre professor-aluno. Ao se utilizar tal recurso, o professor
estará disponibilizando uma educação de qualidade aos seus alunos,
estimulando-os a uma nova visão do mundo que os cerca.

Quando utilizada corretamente, a paródia pode gerar resultados


significativos durante as aulas, ao mesmo tempo em que os alunos se
divertem, eles aprendem naturalmente sem ser pressionados,
mantendo um ambiente alegre durante os 50 minutos que constitui
uma aula. Como instrumento valioso no desenvolvimento de
capacidades a paródia ajuda os alunos no que diz respeito à
contextualização, análise, expressão de ideias, produção de letras e
melodias, construção de conhecimento e mudança de atitudes.
Ademais, o simples fato dos alunos perceberem um violão na sala, ou
qualquer outro recurso sonoro, os dá a entender que aquela aula será
diferente, talvez mais dinâmica e mais prazerosa do que eles estão
muitas vezes acostumados a enfrentar: uma verdadeira ―tortura
mental‖.

Conclusão
Diante do que já foi exposto, fica claro que a modernização hoje em
dia tem um papel fundamental no quesito de ajudar tanto os
professores quanto os alunos na aquisição de conhecimento.
Todavia,o professor, como mediador do conhecimento, deve buscar
alternativas para propagar a aprendizagem de modo que o aluno
construa conceitos fundamentados no que assimila na sala de aula.Os
usos de novos recursos metodológicos nas aulas de História
possibilitam um melhor aprendizado. A música e/ou a paródia quando
levadas para o ambiente escolar como um material didático, podem
ser utilizadas como um meio de percepção social. O estudante passa
a interpretar a letra e criar uma ponte com o social, com a sua
realidade. Portanto a música e paródia devem ser analisadas,
interrogadas e entendidas não como uma mera combinação de
palavras, mas sim como uma mensagem a ser entendida.

Referências
Wiliane Maine do Nascimento é aluna do curso de História pela UFRN.

476
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos.
São Paulo: Cortez, 2005.
DUARTE, Vânia Maria Nascimento.Paródia e Paráfrase: exemplos de
intertextualidade, [S.1.:s.n]. Disponível em:
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ORGANIZAÇÃO

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