FILIPENSES
Através dos
Olhos de Paulo
Z 1:12–20
Talvez você já tenha ouvido o provérbio que
diz: “Se a vida lhe der um limão, faça dele uma
limonada”. A ilustração é vívida: o suco de limão
em si é azedo, mas um pouco de suco de limão
misturado com água gelada e açúcar dá uma sabo-
rosa limonada, uma bebida refrescante. A analogia
cabe bem aqui. Às vezes, a vida “nos dá limões”—
circunstâncias desagradáveis. Quando isso aconte-
ce, podemos meramente enfrentar a situação—ou
podemos tentar ver o lado bom: podemos trans-
formar nossos “limões” em “limonadas”.
Paulo certamente não conhecia esse provér-
bio, mas ele acreditava na filosofia por trás dele.
Desde que se tornou cristão, ele ganhou “um ver-
dadeiro carregamento” de “limões”. O Livro de
Atos registra alguns infortúnios do apóstolo (veja
Atos 9:1—23:11), mas essa foi apenas uma fração
do que ele teve que enfrentar pelo Senhor (veja 2
Coríntios 11:23–30). A última humilhação de Pau-
lo foi uma prisão injusta. Ele teve que passar dois
anos em Cesareia (veja Atos 23:12—26:32). Depois
de apelar para César (Atos 25:10–12), ele foi man-
dado para Roma (veja Atos 27:1—28:15). Quan-
do Paulo escreveu para os filipenses, ele já estava
preso naquela cidade havia dois anos (Atos 28:30;
veja 28:16–31). (Vários detalhes no livro indicam
que ele foi escrito próximo ao fim da primeira pri-
são de Paulo em Roma, incluindo o fato de que
Paulo esperava ser solto em breve [2:24]).
Ele ansiava por visitar Roma como um prega-
dor (Romanos 1:10, 11, 13; 15:22–24) e não como
“Será Cristo engrandecido no meu corpo,
quer pela vida, quer pela morte.”
um prisioneiro! Embora outros se sintam cheios de
autopiedade numa situação semelhante a essa, o
texto que estamos estudando não contém nenhum
traço de amargura da parte de Paulo.
Como Paulo fez uma “limonada” com os seus
“limões”? A resposta reside em sua atitude para
com tudo o que aconteceu com ele. Sim, já men-
cionamos a importância de desenvolver a atitude
correta, mas ouviremos isso vez após vez nesta
série de estudos sobre Filipenses. Num sentido, o
livro fala sobre a necessidade de termos um senti-
mento, ou seja, uma atitude [NVI] correta:
Tende em vós o mesmo sentimento [“atitude”] que
houve também em Cristo Jesus (2:5; grifo meu).
Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este
sentimento [“atitude”]; e, se, porventura, pensais
doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá
(3:15; grifo meu).
Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro,
tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo
o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é
de boa fama, se alguma virtude há e se algum
louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensa-
mento (4:8; grifo meu).
Se você olhasse para Paulo em Roma, veria
um pregador velho preso em correntes. Leia File-
mom 9, Atos 28:20 e Efésios 6:20. A palavra grega
para “correntes” ou “cadeias” (halusis), em duas
dessas passagens, significa “a pequena corren-
te pela qual o punho de um preso era preso ao
punho do soldado que o guardava, de modo que
1
era impossível ele escapar”1. Quando analisamos
o confinamento de Paulo e outras injúrias que ele
sofreu, somos tentados a menear a cabeça em so-
lidariedade e indignação. Desviemos, porém, os
nossos olhos daquilo que podemos ver para aqui-
lo que não vemos: o coração de Paulo. Quando
Paulo contemplava sua situação, ele não via tra-
gédia, mas triunfo. Ele não pensava em si mesmo
como vítima, mas como vitorioso.
Nesta lição, nosso desafio será olhar pelos
olhos do apóstolo, ver a situação como ele via.
Fazendo isso, talvez aprendamos alguma coisa
sobre como ver a vida positivamente.
ELE VIA O PROGRESSO DA
CAUSA DE DEUS (1:12–14)
Chegamos ao corpo da carta de Paulo. Era
costume o corpo de uma carta começar com uma
observação pessoal, incluindo como o escritor
estava. De certa forma, Paulo começou o corpo
de sua epístola dando informações pessoais...
mas veremos que não foi bem assim. Os olhos do
apóstolo não estavam em si mesmo, mas em Jesus
e no evangelho de Jesus.
Ele começou dizendo: “Quero ainda, irmãos,
cientificar-vos” (v. 12a). Paulo gostava das pala-
vras “irmão” e “irmãos”. Elas denotam um rela-
cionamento familiar. Essas palavras são usadas
cerca de 130 vezes em suas cartas, nove vezes nos
quatro capítulos deste breve volume (vv. 12, 14;
2:25; 3:1, 13, 17; 4:1, 8, 21).
Ele continuou: “...de que as coisas que me
aconteceram têm, antes, contribuído para o pro-
gresso do evangelho”. A expressão “coisas que
me aconteceram” inclui tudo que Paulo sofreu
no passado e estava enfrentando no presente. O
apóstolo prontamente apagou da memória tudo
isso com duas palavras: “me aconteceram”.
A mente de Paulo não estava centrada em
problemas, mas em progresso: “o progresso do
evangelho”. “Evangelho” é a transliteração do
grego euangelion, que significa “boa notícia”.
Quando o apóstolo falou de avanço do evan-
gelho, ele usou uma palavra pitoresca. A palavra
grega traduzida por “progresso” vem de uma
palavra composta (prokope) que, na forma verbal
(prokoptein) significa “cortar adiante”2. “Original-
1 
William Barclay, The Letters to the Philippians, Colossians,
and Thessalonians, ed. rev., The Daily Study Bible Series. Fila-
délfia: Westminster Press, 1975, p. 22.
2 
W. E. Vine, Merrill D. Unger e William White Jr., Dicio-
2
mente, a palavra era usada para um pioneiro que
abre caminho pela floresta.”3 A palavra também era
usada para descrever a atividade de engenheiros
militares que iam adiante do exército, derrubando
árvores e desvencilhando aquelas que pudessem
impedir o avanço do exército4. Isso geralmente
abria um novo território5. A prisão de Paulo estava
“abrindo caminho” para o evangelho!
Contato com os Perdidos
Paulo deu dois exemplos do progresso do
evangelho decorrente de sua prisão. Primeiramen-
te, estava o contato com os perdidos. Paulo expe-
rimentou oportunidades evangelísticas notáveis
desde que foi preso em Jerusalém. Ele pregou para
o Sinédrio, para governadores romanos e outros
oficiais de alto escalão, incluindo um rei (Atos
23:1; 24:10, 24, 25; 25:23; 26:1). Todavia, nenhuma
dessas oportunidades foi mais compensadora do
que a situação que ele se encontrou quando estava
acorrentado a soldados em Roma (veja Atos 28:16).
Depois de falar do “progresso do evangelho” (Fili-
penses 1:12), ele disse: “de maneira que as minhas
cadeias, em Cristo, se tornaram conhecidas de toda
a guarda pretoriana” (v. 13a).
A versão latina do grego traduzido por “guar-
da pretoriana” seria pretorium. Alguns estudio-
sos acreditam que o termo se referia ao palácio do
imperador. Embora seja verdade que o evangelho
alcançou o palácio de César (4:22), a maioria dos
eruditos acredita que a palavra, conforme usada em
1:13, refira-se à guarda pretoriana. Esses soldados
de elite eram o regimento da mais alta qualidade do
exército romano, as tropas que formavam a Guarda
Imperial de Roma6. Eram dez mil tropas italianas es-
colhidas a dedo, todas lideradas por um centurião
(um oficial encarregado de cem soldados). Entre ou-
tros deveres, eram a guarda particular do impera-
dor. Exerciam muita influência em Roma, chegando
mais tarde até a “produzir” imperadores do Império
Romano. Tinham privilégios especiais, incluindo o
nário Vine. Rio de Janeiro, 7ª. ed., 2007, p. 966.
3 
Ibid.
Barclay, p. 20; Avon Malone, Press to the Prize. Nashville: 20th
4 
Century Christian, 1991, p. 35; Charles R. Swindoll, Laugh Again
(Dallas Word Publishing, 1992), p. 53; Warren W. Wiersbe, Comen-
tário Bíblico Expositivo. São Paulo: Geográfica Editora, s.d., s.p.
5 
No Brasil, os bandeirantes cumpriram esse papel abrin-
do caminho para novos territórios pelo interior do país.
6 
As informações neste parágrafo são de uma variedade
de fontes, incluindo Wilbur Fields, Philippians-Colossians-
Philemon. Joplin, Mo.: College Press, 1969, p. 27; Malone,
p. 36 e Barclay, p. 21.
pagamento dobrado e quartéis em Roma. Quando
se aposentavam após doze a dezesseis anos de ser-
viço, ganhavam cidadania romana e uma pensão
generosa. O fato de Paulo se dirigir a esse regimento
e ser guardado por eles pode indicar a importância
que os oficiais romanos deram ao seu caso.
Na guarda de Paulo, a prática padrão era mu-
dar o turno a cada seis horas. O apóstolo teve as-
sim a oportunidade de influenciar quatro soldados
por dia. Se nossos cálculos estiverem corretos, isso
poderia totalizar 2.920 contatos num período de
dois anos!7 Os soldados, sem dúvida, consideravam
Paulo um prisioneiro, mas era ele quem prendera a
atenção deles enquanto vivia aqueles dias agitados:
Z Ditando cartas, como a endereçada aos fili-
penses.
Z Conversando com amigos, como Timóteo e
Epafrodito (veja 1:1; 2:25).
Z Ensinando aqueles que vinham vê-lo (veja
Atos 28:17–31).
Z Orando e adorando a Deus. (Veja Filipenses
1:3, 4. Atos 16:25, que fala de uma prisão an-
terior, mostra o tipo de atividade com que
Paulo se ocupava na prisão.)
Z Conversando com as autoridades romanas
e respondendo suas perguntas. (O texto não
diz que ele conversava com os soldados, mas
poderíamos imaginar Paulo perdendo tal
oportunidade única? Veja Romanos 1:14–16.)
Se Paulo tivesse ido para Roma como pla-
nejava inicialmente e tivesse pregado no fórum
romano, provavelmente nenhum dos soldados
teria parado para ouvi-lo. No entanto, estando
acorrentados a ele dia e noite, era difícil ignorá-
lo. Deus opera por meios misteriosos!
Algum desses soldados tornou-se cristão? Se-
gundo a tradição não-inspirada, alguns se con-
verteram. Pelo menos, chegaram a entender o
que Paulo representava. A NVI diz no versículo
13: “Como resultado, tornou-se evidente a toda a
guarda do palácio e a todos os demais que estou na
prisão por causa de Cristo” (grifo meu). Eles ficaram
sabendo que o apóstolo não estava preso por causa
de algum crime, mas por causa da fé em Jesus.
Paulo também disse que sua “prisão por cau-
Provavelmente, houve reincidências nesses 2.920 con-
7  8
tatos. Aqueles que ficaram impressionados com o apóstolo
e o seu ensino podem ter pedido para serem recolocados na
escolta de Paulo num esquema rotativo.
sa de Cristo” (NVI) tornou-se conhecida “de toda
a guarda pretoriana e de todos os demais” (v. 13b).
“Todos os demais” incluía outras pessoas às quais
os apóstolos influenciaram. (Uma delas era um es-
cravo fugitivo chamado Onésimo; veja Filemom
10–21.) Em Roma, essa notícia espalhou-se rapida-
mente. Paulo provavelmente teve participação na
conversão dos membros da família de César (veja
4:22). O mensageiro de Deus podia estar preso, mas
a mensagem de Deus não (veja 2 Timóteo 2:9)!
Assim, o primeiro exemplo de como o evange-
lho avançou ou progrediu como resultado das ca-
deias de Paulo foram oportunidades ímpares para
a Palavra espalhar-se. Como já observamos, você e
eu podemos nos sentir “presos” de muitas manei-
ras—mas a maioria dessas “correntes” gera opor-
tunidades para partilhar o evangelho com outros.
Enquanto Paulo estava acorrentado aos soldados,
eles estavam acorrentados a ele. Da mesma forma,
não são apenas os cristãos que estão “presos” a situ-
ações menos que desejáveis, mas geralmente outros
também estão “acorrentados” às mesmas situa-
ções—o que gera oportunidades para influenciá-los.
Uma mãe pode se sentir “acorrentada” a uma casa
cheia de filhos; mas se ela ensinar a esses filhos o ca-
minho do Senhor (Deuteronômio 6:7), quem sabe o
bem que eles farão no reino?8 Uma mulher pode se
sentir “acorrentada” ao seu cônjuge incrédulo, mas
ela tem a oportunidade de ser um bom exemplo
para ele (veja 1 Pedro 3:1, 2). Um empregado pode
se sentir “acorrentado” a um emprego de que ele
não gosta, mas a maioria dos empregos envolve co-
laboradores que podem ser ensinados. Muitas pes-
soas estão “acorrentadas” a enfermidades físicas,
mas essas circunstâncias podem ser usadas para
fazer a causa de Cristo avançar. Pessoas que estão
enfrentando debilidades físicas descobrem que de
outra maneira não teriam tempo para servir a Deus
e ajudar outras pessoas. Certa dona-de-casa cristã
anima outras pessoas enviando cartões, cartas e fa-
zendo ligações telefônicas.
Encorajamento para os Salvos
Paulo deu um segundo exemplo de como
suas cadeias ou correntes ajudaram no progres-
so do evangelho: elas deram coragem aos salvos.
“E a maioria dos irmãos, estimulados no Senhor
 
Nos Estados Unidos, há várias famílias grandes em que
um ou mais dos filhos tornou-se um proeminente pregador
do evangelho. Talvez você pense em ilustrações para cada
uma das “correntes” mencionadas.
3
por minhas algemas, ousam falar com mais de-
sassombro a palavra de Deus” (v. 14). Isso não se
aplicava a todos, como observou Paulo alguns
versículos mais adiante—mas era verdade a res-
peito da maioria dos irmãos.
Como a prisão de Paulo deu coragem aos ir-
mãos? Quando eles viam como Paulo confiava que
o Senhor cuidaria dele, isso deve ter aumentado a
confiança deles em Deus. Quando viram a certeza
do apóstolo apesar de seus problemas, talvez te-
nham tido coragem para enfrentar qualquer ridicu-
larização que surgisse. Podem ter deduzido que se
Deus tinha poder para realizar grandes coisas atra-
vés de um homem preso, Ele também faria grandes
coisas através deles. A péssima situação de Paulo
certamente gerou aumento dos esforços para que o
evangelho não sofresse, enquanto um de seus prin-
cipais porta-vozes encontrava-se imobilizado.
O versículo 14 usa o termo “falar” no lugar de
“pregar”. A palavra comumente usada para “pre-
gar” (karusso, “anunciar”) implica proclamação
pública, enquanto a palavra usada aqui (uma for-
ma de laleo) é um termo grego comum que signi-
fica “falar”. Os comentaristas têm sugerido que a
ênfase não estava na proclamação pública da Pa-
lavra, mas no compartilhar diário do evangelho
por iniciativa de cada cristão (veja Atos 8:1, 4).
Celso, um crítico do cristianismo do primei-
ro século, escreveu que “pessoas que trabalhavam
com couro e lã, sapateiros, os mais iletrados e vulga-
res membros da sociedade, são pregadores do evan-
gelho zelosos”9. Celso disse isso como uma crítica,
mas de fato era um elevado louvor. “O balcão do
comerciante, a mesa do coletor de impostos, o arado
do agricultor eram os seus púlpitos.”10 A prisão de
Paulo deu aos cristãos essa grande coragem.
ELE VIA A PREGAÇÃO DO
EVANGELHO DE DEUS (1:15–18)
Paulo não só passou pela humilhação da pri-
são, mas também teve que enfrentar a dor de
irmãos que o menosprezavam e tentavam preju-
dicá-lo. Por mais estranho que pareça, eles tenta-
vam fazer isso através da pregação de Cristo!
Alguns, efetivamente, proclamam a Cristo por
inveja e porfia; outros, porém, o fazem de boa
vontade; estes, por amor, sabendo que estou
incumbido da defesa do evangelho; aqueles,
contudo, pregam a Cristo, por discórdia, insin-
9 
Citado em Malone, p. 37.
Ibid.
10 
4
ceramente, julgando suscitar tribulação às mi-
nhas cadeias (vv. 15–17).
“Alguns” homens estavam “pregando Cristo”
(NVI) de “boa vontade” por Paulo e “por amor”
a ele. De fato, “a maior parte dos irmãos” (1:14)
estavam fazendo isso. Apreciavam Paulo, o que
ele representava e o que ele tentava fazer. Sabiam
que ele fora “incumbido da defesa do evange-
lho”. No contexto, a palavra grega traduzida por
“incumbido” implica “divinamente nomeado”
para defender a boa notícia sobre Jesus. Embora
logo fosse comparecer na corte de César, Paulo
não estava preocupado em defender a si mesmo,
mas em defender o evangelho!
Incertezas
Todavia, alguns irmãos estavam pregando
Cristo por motivos errados, esperando aumentar
a tribulação de Paulo. Quem eram esses irmãos?
Não eram incrédulos ou judeus que perseguiram
o apóstolo no passado. Paulo usou várias vezes a
palavra “irmãos” referindo-se a seus colegas ju-
deus, irmãos na carne (veja 1:14); mas estes não
pregavam Cristo (v. 15). Eles também não eram
mestres judaizantes—cristãos judeus que ensi-
navam que os cristãos precisavam guardar a lei
de Moisés para serem salvos. Paulo jamais se ale-
graria com a mensagem deles (veja Gálatas 1:8, 9;
5:2–4), mas ele se alegrava com a mensagem dos
irmãos mencionados em Filipenses 1:18. Leiamos
a mensagem com cuidado. O problema não estava
na mensagem, e sim no motivo dos mensageiros.
Não sabemos ao certo quem Paulo tinha em
mente, mas provavelmente eram evangelistas
cristãos residentes em Roma. Roma era uma das
poucas cidades em que a igreja já estava estabe-
lecida quando Paulo chegou. Via de regra, ele
preferia “não edificar sobre fundamento alheio”
(Romanos 15:20). Todavia, há tempos ele culti-
vava um forte desejo de ir até Roma (Romanos
1:11–15). Talvez uma das razões disso era que ele
sabia que o evangelho poderia espalhar-se dali
para todos os cantos do Império Romano.
Uns cinco anos antes11, Paulo escrevera à igreja
em Roma e se reportara a mais de uma dezena de
cristãos citando-os pelo nome (Romanos 16:3–16).
11 
Isto pressupõe que o Livro de Romanos tenha sido
escrito por volta do início da primavera de 57 d.C. e que o
Livro de Filipenses tenha sido escrito próximo ao fim da pri-
meira prisão de Paulo em Roma, por volta de 62 d.C.
Sem dúvida, a igreja naquela cidade fora abenço-
ada com uma série de evangelistas habilidosos
antes mesmo da chegada do apóstolo.
Infelizmente, alguns desses irmãos não gosta-
vam de Paulo. Não sabemos por quê. A animosi-
dade deles para com Paulo não era partilhada por
todos da igreja em Roma (veja Atos 28:14b–16a).
Talvez esses evangelistas em particular tivessem
tentado despertar a simpatia dos incrédulos para
com a igreja, sentindo-se depois desconcertados
pelo fato de Paulo ser levado para lá como prisio-
neiro. É até possível que tenham sentido ciúmes da
atenção dada ao apóstolo. Podem ter sentido que
seus papéis na liderança estavam ameaçados.
A parte mais estranha da situação é o fato de
pensarem que pregar o evangelho traria mais tri-
bulação à prisão de Paulo. Talvez supusessem que
Paulo tinha os mesmos motivos egocêntricos que
eles tinham. Nesse caso, podem ter pensado que,
se fossem mais bem sucedidos na pregação do
que Paulo, isto o deixaria infeliz. Outra possibili-
dade é terem pensado que a pregação vigorosa do
evangelho incomodaria as autoridades romanas,
ao mesmo tempo influenciando-as a dificultar as
coisas para Paulo. Se era esse o raciocínio desses
irmãos, deveriam ter reconhecido que eles tam-
bém poderiam ser afetados. Entretanto, nunca há
lógica no ciúme ou na inveja.
Certezas
Não sabemos ao certo quem estava pregando
Cristo por motivos errados ou por que, mas sa-
bemos, com base no texto, que é possível alguém
servir ao Senhor por motivos impuros. Vejamos
com atenção as motivações daqueles que ten-
tavam prejudicar Paulo. O versículo 15 diz que
alguns “pregavam a Cristo... por inveja e rivali-
dade” (NVI). Esses pregadores, evidentemente,
se colocaram em competição com Paulo. Inveja e
rivalidade [“porfia”; RA] andam juntas e sempre
aconteceram no ambiente da igreja.
O versículo 17 diz que eles pregavam Cristo
“por discórdia, insinceramente” ou, como diz a
NVI, “por ambição egoísta”. No original grego, o
termo usado significa originalmente “servir por
pagamento”12, vindo a denotar aquele que traba-
lha só pelo salário, somente para benefício próprio.
Finalmente, o termo veio a ser usado na política:
12 
The Analytical Greek Lexicon. Londres: Samuel Bagster
& Sons, Ltd., 1971, p. 166. As informações gerais deste pará-
grafo foram extraídas de Barclay, p. 23.
trabalhar para obter apoio a qualquer preço, ga-
nhando as pessoas para o seu “lado”.
É difícil acreditar que havia cristãos assim no
primeiro século? Parece que até hoje existem in-
divíduos parecidos com eles à nossa volta. É fácil
apontar para as falhas dos outros; façamos, po-
rém, um auto-exame. Nossos motivos para servir
a Cristo são menos do que “sinceros”? Aos que
desejam pregar, convém uma palavra: pregar não
é um meio fácil ou bom de “ganhar a vida”. Pre-
gar não é um meio de ganhar respeito e atenção;
é um meio de salvar almas e glorificar a Deus. E,
aos que não pregam, convém observar que cada
um de nós precisa examinar por que faz o que faz
pela causa de Cristo. Trabalhamos em certos mi-
nistérios ou atividades por que gostamos de re-
ceber louvor e atenção? Desistimos ao sentir que
“não estamos sendo valorizados”? Que Deus nos
ajude a servi-lO “de boa vontade” e “por amor”.
Paulo poderia se sentir amargurado. Ele pode-
ria ter dito: “Estou preso há mais de quatro anos
e estou tentando lidar da melhor maneira com
esta situação intolerável. Estou ensinando e escre-
vendo cartas e tentando manter uma boa atitude.
Agora me aparecem meus próprios irmãos tentando
me prejudicar! Isso não é justo!” Em vez disso, ele
disse: “Todavia, que importa? Uma vez que Cristo,
de qualquer modo, está sendo pregado, quer por
pretexto, quer por verdade, também com isto me
regozijo, sim, sempre me regozijarei” (v. 18). Essa
tem sido considerada “uma das elocuções mais
nobres feita por um dos maiores homens”13. Pau-
lo não estava preocupado com Paulo. Ele estava
preocupado com o evangelho. Ele não estava triste
por causa das críticas contra ele, mas se alegrava
com o fato de o evangelho estar sendo pregado.
Fazem-se necessárias duas notas de adver-
tência aqui: a primeira é que Filipenses 1:18 não
ensina que a motivação de uma pessoa não tem
importância. Já sabemos que o motivo por que fa-
zemos determinada coisa é importante aos olhos
de Deus (veja 1 Coríntios 13:1–3; Romanos 16:17,
18; 2 Coríntios 9:7). A segunda nota é que Fili-
penses 1:18 não estabelece um precedente para
acusarmos as pessoas de terem motivos errados.
Diferentemente de Paulo, nós não somos inspira-
dos e não podemos falar com autoridade sobre os
motivos que levam as pessoas a agir. Cabe a nós
13 
James Burton Coffman, Commentary on Galatians, Ephe-
sians, Philippians, Colossians. Austin, Tex.: Firm Foundation
Publishing House, 1977, p. 269.
5
examinarmos nossos próprios motivos e deixar-
mos o Senhor julgar os motivos dos outros (veja
Hebreus 4:13; Romanos 2:16).
O que podemos aprender com Filipenses 1:18?
Podemos aprender a não saturarmos nossas men-
tes com pensamentos destrutivos. Quem dá ênfase
aos maus tratos que de fato ou imaginariamente
sofreu acaba se sentindo infeliz. Além disso, po-
demos aprender a apreciar o bem que as pessoas
fazem, mesmo quando suspeitamos de que não
estejam fazendo esse bem pelos motivos mais pu-
ros. Precisamos procurar as coisas positivas nas
pessoas, e não as negativas.
ELE VIA A PROVISÃO DO
FAVOR DIVINO (1:19, 20)
O que mais Paulo via quando olhava para sua
situação? Ele via os acontecimentos culminando
num “final feliz”:
Porque estou certo de que isto mesmo, pela vos-
sa súplica e pela provisão do Espírito de Jesus
Cristo, me redundará em libertação, segundo a
minha ardente expectativa e esperança de que
em nada serei envergonhado; antes, com toda a
ousadia, como sempre, também agora, será Cris-
to engrandecido no meu corpo, quer pela vida,
quer pela morte (vv. 19, 20).
Nesses versículos, o apóstolo continuou a di-
zer por que ele se alegrava (a palavra “porque”
vincula os versículos 19 e 20 ao 18). Os dois ver-
sículos são intensos. No versículo 19 Paulo disse:
“estou certo”. O termo originalmente usado aqui
sugere “conhecimento confiável”14. O versículo 20
refere-se à “ardente expectativa” de Paulo, termo
que vem de uma palavra grega composta, apoka-
radokia, que combina a preposição apo (“fora de”)
com o substantivo kara (“cabeça”) e o verbo dokein
(“olhar”). Esta palavra refere-se a um “olhar ávi-
do, intenso, que se desvia de qualquer outra coisa
para fitar o objeto de desejo”15.
A Libertação de Paulo
Quando Paulo contemplou tudo o que esta-
va acontecendo, ele viu dois resultados bons. O
primeiro era sua própria libertação: “Porque es-
14 
Pat Edwin Harrell, The Letter of Paul to the Philippians,
The Living Word Commentary series, ed. Everett Ferguson.
Austin, Tex.: R. B. Sweet Co., 1969, p. 68.
Barclay, p. 26. Outras definições incluem “um olhar que
15 
vira a cabeça” (Harrell, p. 70) e “virar a cabeça e focar as facul-
dades intecionalmente num objeto ou alvo” (Malone, p. 39).
6
tou certo de que isto mesmo, pela vossa súplica
e pela provisão do Espírito de Jesus Cristo, me
redundará em libertação”. O grego traduzido por
“libertação” (uma flexão de soterias) é mais co-
mumente traduzido por “salvação”. “Salvação” é
uma parte tão vital da nossa fé e uma palavra tão
preciosa para nós que, às vezes, nos esquecemos
de que, por si só, ela é “vazia”. O contexto deve
indicar o perigo do qual somos salvos. Que tipo
de “libertação”/”salvação” Paulo tinha em men-
te? Quais são as possibilidades?
Z Libertação da prisão? Talvez, mas Paulo
poderia não ter tanta certeza de sua soltura
(veja 2:17, 23, 24). A expressão “estou certo”
parece forte demais para se referir somente à
sua libertação da prisão.
Z Libertação da morte e dos maus tratos defe-
ridos por seus inimigos? Talvez. Paulo usou
a mesma terminologia que Jó na tradução da
Septuaginta de Jó 13:16. Muitos comentaris-
tas acreditam que Paulo estava citando Jó e
queria dizer o mesmo que Jó: “Serei justifica-
do” (veja Jó 13:18).
Z Libertação do constrangimento perante
Nero? Talvez; isto teria uma ligação perfei-
ta com o que é dito no versículo seguinte.
Paulo, sem dúvida, orou para que ele pro-
clamasse intrepidamente a sua fé em Jesus
quando apresentasse sua defesa perante a
corte romana.
Z Libertação (salvação) eterna? Paulo cria nis-
so de todo o seu coração (Filipenses 1:23;
veja Romanos 5:9).
A nossa preferência é pela última possibilida-
de. Via de regra, Paulo costumava usar a palavra
“salvação” para se referir à salvação do pecado.
Talvez haja uma combinação de ideias inclusa na
palavra “libertação” aqui. O que quer que aconteces-
se a Paulo seria, no fim de tudo, sua “libertação”.
Duas coisas contribuiriam para a libertação do
apóstolo. A primeira era o apoio das orações dos
filipenses: “Porque estou certo de que isto mesmo,
pela vossa súplica... me redundará em libertação”.
Paulo orava por eles (1:3, 4) e eles oravam por ele
(1:19). Paulo sempre ansiou pelas orações dos ir-
mãos (Romanos 15:30–32; 2 Coríntios 1:11; 1 Tessa-
lonicenses 5:25; 2 Tessalonicenses 3:1, 2; Filemom
22). Os cristãos precisam orar uns pelos outros.
A segunda contribuição para a libertação de
Paulo era o apoio do Espírito Santo: “Porque estou
certo de que..., pela provisão do Espírito de Jesus
Cristo, me redundará em libertação”. A raiz da
palavra grega vertida para “provisão” (“socorro”,
A21, RC) deu origem à palavra “coral” (de vozes).
O termo originalmente se referia ao pagamento de
despesas de um coral quando uma cidade grega es-
tava planejando realizar uma festividade. O gover-
no exigia que um cidadão rico fizesse uma doação
generosa para pagar os coristas. Com o uso, a asso-
ciação com um coral desapareceu, mas o termo rete-
ve a ideia de prover com generosidade e profusão16.
“O Espírito de Jesus Cristo” é o Espírito Santo. Jesus
prometeu mandar o Espírito Santo e cumpriu essa
promessa (João 14:16, 17; Atos 1:8; 2:1–4). William
Barclay traduziu essa importante expressão por: “a
ajuda generosa que o Espírito Santo me dá”17.
Paulo previa que o Espírito Santo lhe concederia
todas as provisões com generosidade e profusão—
e o Espírito Santo também provê para nós. Rece-
bemos o Espírito Santo como um presente quando
somos imersos em água e nos tornamos cristãos
(Atos 2:38). O Espírito Santo, que habita em todos
os filhos de Deus, é uma fonte de força e socorro
(Romanos 8:11–13, 26–28). Paulo provavelmente
estava incluindo o socorro do Espírito quando es-
creveu: “E o meu Deus, segundo a sua riqueza em
glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de
vossas necessidades” (Filipenses 4:19).
A Exaltação de Cristo
O segundo bom resultado previsível era a
exaltação de Jesus: “Segundo a minha arden-
te expectativa e esperança de que em nada serei
envergonhado; antes, com toda a ousadia, como
sempre, também agora, será Cristo engrandecido
no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte”
(1:20). Essa afirmação provavelmente prevê a
apresentação de Paulo perante César. O apóstolo
estava confiante de que teria ousadia no palácio
do rei—e assim não “envergonharia” nem deson-
raria a causa pela qual dera a vida.
Paulo acreditava que todas as coisas que acontece-
ram eram, em última análise, para exaltar a Cristo. O
termo que significa “engrandecido” também pode-
ria ser traduzido por “aumentado” ou “ampliado”18.
A ideia inicialmente soa estranha. Considerando
que Jesus já é “grandioso”, como Paulo poderia
16 
Harrell, p. 68; Wiersbe, p. 69.
17 
Barclay, p. 24.
18 
Harrell, p. 70.
Autor: David Roper
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“aumentar” ou “ampliar” Sua grandeza? Como nós
podemos fazer isso? A resposta é que “podemos
exaltá-lO nas mentes dos homens.” Assim como
uma lente de aumento pode ajudar pessoas a en-
xergarem mais claramente, uma vida centrada em
Cristo pode ajudar seres humanos a enxergarem o
Senhor por causa de quem Ele realmente é.
Paulo cria que Cristo “seria engrandecido em
seu corpo”. Nossos corpos são o santuário ou templo
de Deus (1 Coríntios 6:19) e devem ser dedicados ao
Senhor (Romanos 12:1). Paulo cria que Cristo “seria
engrandecido... quer pela vida, quer pela morte”—
em outras palavras, quer vivesse, quer morresse. O
apóstolo acreditava que provavelmente seria solto
após ser julgado, mas sabia que não era onisciente.
Independentemente do que acontecesse, ele estava
determinado a engrandecer a Jesus.
Paulo previa que, ao enfrentar seus acusado-
res, evitaria ser envergonhado e que o Senhor seria
engrandecido. Ele pretendia levar os méritos des-
ses resultados? Não. No texto original, “ser enver-
gonhado” e “ser engrandecido” estão ambos no
futuro passivo. A voz passiva denota o que é feito ao
sujeito da frase. Paulo não acreditava que ele era o
responsável pelo que viria a acontecer, e sim Deus.
Se olharmos para a vida como Paulo olhava,
acreditaremos que, independentemente do que
nos aconteça, tudo vai acabar bem. Se o nosso re-
lacionamento com Deus e a nossa atitude forem
corretos, o Senhor certamente fará tudo dar certo
(veja Romanos 8:28). Que paz de mente isso traz
aos nossos corações!
CONCLUSÃO
Paulo conseguiu fazer de seus “limões” “li-
monadas”. Aprender a ver a vida e seus proble-
mas como Paulo nos ajuda? Com toda certeza.
No decorrer desta lição, talvez você tenha sentido
Paulo sussurrando ao seu ouvido: “Melhore a sua
atitude!” Ao chegar ao fim dela, porém, oramos
para que você tenha percebido que, na verdade,
ele estava gritando, clamando! Como precisamos
corrigir nossas atitudes!
NOTA
Quando apresentar este sermão, inclua um
convite à obediência ao evangelho. Poderia dizer
aos seus ouvintes: “Mais importante ainda é a sua
atitude para com Jesus Cristo. Você ama Jesus Cris-
to e confia nEle? Se a sua resposta for ‘sim’, você
fará a vontade dEle (João 14:15; Marcos 16:16)”.
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