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ANIVERSÁRIO
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
O poema insere-se na última fase do poeta – fase intimista – estando inerente uma amargura, a
lembrança de um passado que não mais voltará.
"Aniversário" é mesmo marcado por essa recordação da infância. "No tempo em que festejavam o dia
dos meus anos, / Eu era feliz e ninguém estava morto". O Sujeito poético parece referir-se aos anos de
infância de Pessoa, em que nenhum dos seus irmãos tinha ainda morrido, e o seu próprio pai ainda o
acompanhava. Nesse "tempo", festejar os anos era ainda uma festa inocente e feliz.
Tudo isto na "casa antiga", na casa de infância. Talvez a casa do Largo de S. Carlos, ao Chiado, onde
nasceu.
Esse tempo passado é um tempo feliz, mas simultaneamente um tempo perdido, porque as crianças não
sabem que são felizes, só mais tarde quando recordam. As crianças têm "a grande saúde de não
perceber coisa nenhuma".
"O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), / O que eu sou
hoje é terem vendido a casa, / É terem morrido todos, / É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um
fósforo frio..."
Passa uma grande desilusão nestas palavras. A infância perdeu-se para nunca mais regressar igual e,
hoje, o sujeito poético sente essa perda como a perda da sua identidade feliz. Ele apenas sobrevive,
como "um fósforo frio", ou seja, um cadáver que vive, mas sem função, abandonado, sem utilidade.
Deseja reatar o fogo apagado,", comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos
dentes!", mas não o vai conseguir. Ideia reforçada através dos versos "Pára, meu coração! / Não penses!
Deixa o pensar na cabeça!"
Deixar de pensar é, para o sujeito poético, alcançar a paz dos simples de espírito, daqueles que vivem
simplesmente a vida. Um objetivo que paradoxalmente sempre perseguirá, sendo ao mesmo tempo, o
maior dos poetas racionais.
Adaptado de https://sites.google.com/site/apontamentoslimareis/aniversario