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Resto bom

Bataille: “No mundo às avessas da festa, a orgia é o momento em que a verdade do avesso revela
sua força transtornadora. Essa verdade tem o sentido de uma fusão ilimitada. É a violência
báquica que é a medida do erotismo nascente, cujo domínio, na origem, é o da religião”.i

É, finalmente, desta cruel e dialética operação que sacrifica a forma na forma que nasce,
agonicamente, a imagem de uma besta – este ser devolvido à sua feroz animalidade, mas que
guarda, ainda, irremediavelmente, algo de humano ou, no raciocínio inverso, esta “Figura
humana” decapitada, imunda e informe.

7. EM NOME DA BESTA: A IMAGEM DE UM CORPO SACRIFICANTE

Mas, o fato do sacrifício ser para o escritor, necessariamente, um sacrifício que vitimiza a todos;
o fato desta ferida ser a imagem de uma ferida que fere, nos põe – para nós que estamos
interessados numa aproximação entre essa imaginação sacrificial e as poéticas do sacrifício –
diante de uma questão: poderia o corpo sacrificante permacecer incólome ao sacrifício que
promove? Não seria esse corpo sacrificante, também, se seguimos no espelho da imaginação de
Bataille, uma espécie de corpo sacrificado, ferido pelo sacrifício que promove?

A propósito de sua experiência interior, Bataille defende claramente um “sacrifício em que tudo
é vítima” e em que “o próprio sacrificador é atingido pelo golpe que defere”.ii O corpo
sacrificante, nesse sentido, se aproxima mais do sacrifício tanto mais se vê, no espelho da vítima
– o objeto destruído, o animal imolado ou a “Figura humana” desfigurada – também ele uma
vítima. “Nada mais de verdadeiro”, como diz o autor de “O Culpado”, “já que o coração parou
de sangrar”.iii Se o corpo sacrificante não se expõe à ferida, não se deixa ferir por essa ferida que
fere; se seu coração “para de sangrar”, o sacrifício não é mais que uma vulgar execução.
O próprio sacrificador e aqueles que assistem ao sacrifício se identificam de
certa forma com a vítima. Assim, inclinam-se, no momento da execução,
sobre seu próprio Nada. Apreendem ao mesmo tempo seu deus que desliza
para a morte. O abandono de uma vítima (como no holocausto, em que é
queimada) coincide com o golpe que atinge o deus. O dom coloca
parcialmente o ser do homem em jogo: é-lhe portanto possível, por um breve
momento, unir-se ao ser de sua divindade, que a morte ao mesmo tempo pôs
em jogo.iv

Lembremos que por “dom” Bataille entende a “dádiva”, o “abandono” – a destruição.


Lembremos do potlatch. É o “dom” que coloca o “ser do homem” em jogo, estabelecendo o
sentido último do sacrifício. A ferida sagrada, nessa radical perspectiva, é uma ferida que, ao
ferir também o corpo que sacrifica, o destrói e o comunica intimamente com o mundo. Assim
como numa consumação carnal, erótica, só é possível que haja sacrifício “sob a condição de que
o outro também esteja debruçado sobre a beira do seu Nada”.v O corpo sacrificante, portanto,
não pode atravessar o rito sem se deixar sucumbir por ele, pois a “comunicação só ocorre entre
dois seres postos em jogo”.vi

Noutras palavras, o sacrifício só pode ser mimetizado no âmbito de uma arte “destrutivista”,
sacrificante, se aquele que destróxi se deixa destruir por aquilo que destrói. Isso expõe, ao fim
e ao cabo, que, se estamos com Bataille, a distinção entre corpo sacrificante e corpo sacrificado
é meramente formal: na mesma medida em que a imagem do corpo sacrificado da “arte
corporal”, enquanto imagem de um corpo que impinge contra si mesmo práticas de martírio, é
também a imagem de um corpo sacrificante, pois é um corpo que se sacrifica, o corpo
sacrificante do Acionismo de Viena, por exemplo, é também um corpo sacrificado, posto que
não pode passar ao largo da ferida que, sagrada, destrutiva, o consome excessivamente.

Porém, se o próprio Bataille acusou o “teatro” do sacrifício ao qual estamos fadados; se pesou
sobre sua imaginação sacrificial a nostalgia de uma “verdade do sacrifício” perdida, seriam estes
artistas capazes de recuperar, com suas ações, todo frenesi de antigos ritos de sacrifício e
mandar os seres, separados por um lúcido isolamento, “de volta à torrente misturada da
existência”vii? Uma poética do sacrifício, qualquer que seja, é, batailleanamente falando,
impossível. Ela é uma poética que tenta, em vão, nos fazer reviver um fantasma. Isso não quer
dizer que ela não seja mais ou menos eficiente em chocar as audiências ou em desencadear,
como disse Fischer-Lichte, “sensações, emoções e impulsos de ação nos espectadores”, e de
provocar “reflexões que lhes permitirão ter a experiência de ser um corpo, não apenas ter um
corpo”.viii Mas, quer dizer que é apenas na imagem, enquanto imagem, por meio da imagem que
essas poéticas podem se encontrar com Bataille. Ambos, cada qual à sua maneira, cada qual no
seu tempo, remontaram imageticamente a um sacrifício perdido, recolhendo ou produzindo
imagens que nos ferem verdadeiramente, quero dizer, que sustentam seu “dizer a verdade”
sobre o sacrifício na vida e na arte.

E é enquanto imagem, claro, que esse corpo sacrificante, tal como um corpo sacrificado, se
reproduz na história da performance, o que nos devolve a uma arqueologia do sacrifício – a
documentos fotográficos que, quando lidos em sua espessura própria, enquanto monumentos
sacrificiais, permitem que aproximemos, pela consciência lúcida de que a ferida sagrada é a
imagem de uma ferida sagrada, Bataille e o Acionismo de Viena. Os monumentos sacrificiais
acionistas – produzidos por Schwarzkogler e Brus, mas também por Hermann Nitsch e Otto
Muehl –, oriundos do mesmo ethos de destruição onde nasceu uma arte “destrutivista”, nos
oferecem até hoje a nostálgica imagem dessa ferida que fere – imagem de quando
“[a]ssumíamos no sacrifício o papel do tempo destruindo o ser.”ix
PARA A CONCLUSÃO QUANTO CITAR EXERCICIO DE CRUELDADE

O autor saúda, então, a pintura moderna naquilo que apresenta de “crueldade” – para
ele, na visão mais simples, aquilo que “não temos coração para suportar” mas que revela
“o caminho oculto do coração humano”.

Mas, estaria Bataille aí, quando convoca a arte para substituir, mesmo que
mimeticamente, o sacrifício em sua tarefa de levar o homem a uma experiência soberana
de êxtase, intuindo o que enunciariam as poéticas do sacrifício? As reflexões de Bataille,
sobre arte e sacritício em “L'Art, exercise de la cruauté”, encontram-se limitadas à
pintura moderna, com sabemos. Seria possível deduzir delas um pensamento
“batailleano” a respeito de poéticas que, dos anos de 1960 em diante, passam remeter
ao sacrifício? Que papel, nesse contexto, exerce a “lógica” mimética e repetitiva (Nancy)
na formação dessas poéticas do sacrifício? Não estariam elas contaminadas por aquela
“onto-teologia” denunciada por Nancy? Assombradas pelo mesmo fantasma que
assombrou o Ocidente e Bataille até o final da vida?

À luz do Colégio de Sociologia, o sacrifício se expandiu de um a vez para toda sorte de


atividadedes dilapidantes do homem moderno, coroando a imaginação sacrificial daquele
Bataille dos anos 1930. Estranha aos limites da “antropologia científica” e da Escola de Sociologia
Francesa, a sociologia sagrada se fixava na problemática do sujeito e nos “jogos necessários da
vida com a morte”, mais do que em qualquer “razão”, “efeito” ou “função” que possa vir a ter o
sacrifício no conjunto de uma sociedade. A imaginação sacrificial de Bataille, nesse sentido,
sustenta o caráter trágico e mantem vivo o seu enigma do sacrifício, que só pode se afirmar, no
embate com as ciências humanas, heterologicamente, quer dizer, na insistência em ser
“totalmente outro”. É graças a essa ruptura heterológica com a tradição científica, antropológica
ou sociológica, que no estranho pensamento de Bataille o infortúnio de um toureiro ou o suplício
de um condenado gozam do mesmo espírito dos sacrifícios religiosos astecas.

i
BATAILLE, 2013, p. 143.
ii
BATAILLE, 2016, p. 196.
iii
BATAILLE, Georges. O Culpado: seguido de Aleluia. Tradução de Fernando Scheibe. Belo
Horizonte: Autêntica, 2017, p. 78.
iv
BATAILLE, Georges. Sobre Nietzsche: vontade de chance. Seguido de Memorandum, A risada de
Nietzsche, Discussão sobre o pecado, Zaratustra e o encantamento do jogo: Tradução de Fernando
Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. XXXXXXXXXXXXXXX.
v
Ibid. loc.cit..
vi
Ibid. loc.cit..
vii
BATAILLE, O Culpado, p. 238. [nota 37]
viii
It is the artist's physical action which triggers sensations, emotions, and impulses in the spectators to
act themselves and which initiates reflections which will allow them to have the experience of being a
body, not only having a body. (FISCHER-LICHTE, Erika.>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>)
ix
BATAILLE, Vontade de Chance

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