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SANDRA JATAHY PESAVENTO

REPCBUa
VELHA
GACCHA
charqueadas • frigoríficos •criadores

INSTITUTO ESTADUAL DO LIVRO-RS » MOVIMENTO


REPÚBLICA VELHA GAÚCHA

O livro da historiadora San


dra Jatahy Pesavento - República
velha gaúcha: charqueadas, fri
goríficos e criadores - se propõe
a analisar o processo de trans
formação e reatualização estru
tural que ocorreu no Rio Grande
do Sul numadeterminadafasede
sua história; a conjuntura de
1890a 1930. O momento analisa
do se reveste de fundamental im
portância, pois foi nessa época
que se estruturaram as bases do
capitalismo no Rio Grande do
Sul.
Foi nesse período histórico
que aqui se implantou um modo
de produção, caracterizado pela
propriedade privada dos fatores
produtivos e pela generalização
das relações assalariadas.
O processo que se verificou
no Rio Grande do Sul não foi iso
lado do que ocorreu no restante
do país, que desde as últimas
décadas do século XX gerou as
condições especificas e históri
cas para a formação do capitalis
mo.

Acrescenta Sandra Pesa


vento, em seu estudo, que as
"pré-condições para que o capi
talismo se consolidasse foram a
acumulação de capital, a dispo
nibilidade de mão-de-obra livre,
um mercado interno consolidado
ou em formação, a existência da
matéria-prima e de precários
mas suficientes requisitos tec
nológicos, que permitiram uma
arrancada inicial."
AREPÜBLICAVELHAGAÚCHA
Charqueadas - Frigoríficos - Criadores
Coleção Documentos

Volume 18

Pesavento, Sandra Jatahy


República velha gaúcha; charqueadas, frigo
ríficos, criadores. Porto Alegre, Movimento/
lEL, 1980.
305 p. 21 cm (Documentos, vol. 18)
CDU 338(816.5)"1890/1930"
636.08:338(816.5) (091)
637.513.8:338(816.5)(091)
664.922:338(816.5)(091)
981.65"1890/1930"

Catalogação elaborada pela Biblioteca


Pública do Estado.
SANDRA JATAHY PESAVENTO

REPÚBLICA VELHA GAÚCHA


Charqueadas - Frigoríficos - Criadores

Em convênio com o Instituto Estadual do Livro


Departamento de Cultura
Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo - RS

|> EDITORA MOVIMENTO


Estado do Rio Grande do Sul

José Augusto Amaral de Souza, Governador.


Lauro Pereira Guimarães, Secretário de Cultura, Desporto e Turismo.
Luiz Carlos Barbosa Lessa, Diretor do Departamento de Cultura.
Leopoldo Collor Jobim, Diretor do Instituto Estadual do Livro.

Capa
Mário Rõhnelt
Revisão
Reter Pellens

1980
Direitos desta edição reservados à
Editora Movimento
República, 130 — F: 24.5178
Porto Alegre - RS - Brasil
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\a^ A meus pais Cássio e Hedy Jatahy,


dedico este trabaiho.
SUMÁRIO

PREFÁCIO
Heiga Iracema Landgraf Piccolo

INTRODUÇÃO 13
1. O MARCO REFERENCIAL: A REPÚBLICA VELHA GAÚCHA NA FASE
PRÉ-GUERRA (1890-1913)
1.1. Os problemas da formação social gaúcha e a nova alternativa
política: a adoção da República 21
1.2. A crise do celeiro do país e a estagnação da economia pecuária na
fase pré-guerra 29
1.3. A classe dominante e as formas de conscientização da
crise 52
1.4. As formas de atuação do Estado
2. A CONJUNTURA DA GUERRA EO PERÍODO DE EUFORIA (1914-1919).
2.1. As novas perspectivas do mercado mundial e a expansão impe-
rialista
2.2. Atentativa de reorganização da indústria da carne no Rio Grande do
Sul: os criadores, o governo e o malogrado projeto de criação de um
frigorífico nacional ; ••
2.3. Apenetração dos frigoríficos estrangeiros na economia pecuária do
Estado
2.4. Ocharque no contexto da guerra: uma oscilação favorável 151
3. AS CRISES DO PÓS-GUERRA (1920-1930)
3.1. Areabertura da crise na pecuária (1920-1923) 175
3.2 . Abusca de saldas para a crise no período 1920-1923 196
3.3. Acrise de 1926 e o ressurgimento do espirito associativo 228
3.4. Areorganização sob Vargas (1928-1930) 261
4. CONCLUSÕES 290
BIBLIOGRAFIA 297
PREFÁCIO

Nos últimos anos, graças às dissertações e às teses a nível de


pós-graduação, o estudo da História do Brasil e especialmente o estudo da
História Regional vem passando por um fecundo e significativo reexame,
conseqüência das pesquisas realizadas. Muitas generalizações, embora
abalizadas, que caracterizaram e ainda caracterizam boa parte da produção
histórica no Brasil, vêm sendo contestadcis pelos estudos em torno da
História regional, que mostram as especialidades que aquelas generaliza
ções ocultam. Também novos objetos vêm constituindo o interesse dos
pesquisadores, preocupados cada vez mais com períodos recentes da nossa
História, ou seja, com o século XX.
Nessa linha coloca-se a pesquisa feita pela professora Sandra Jatahy
Pesavento e apresentada como tese de mestrado no Curso de Pós-graduação
em História da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul.
Trata-se, sem dúvida de uma das mais importantes contribuições para o
conhecimento e compreensão do processo histórico sul-riograndense na
República Velha. Não é apenas o tema, que há muito esperava por uma
pesquisa séria e em profundidade, que confere à tese sua importância. Éa
abordagem, em que a descrição cede lugar à análise, é o tratamento teórico
e metodológico que fazem da tese um estudo em que a História é
trabalhada como deve ser por sua condição de ciência.
Assim, embora o objeto de estudo pertença à História Econômica e
como tal o econômico é naturalmente privilegiado, a autora enfatiza a
indispensável interdependênciados níveis estruturais, mostrandoque "nada
em História é exclusivamente social ou exclusivamente político ou mesmo
exclusivamente econômico, estando todas as dimensões da realidade
interligadas entre si."

Aestrutura econômica e política da sociedade gaúcha, dentro de uma


ordem social escravista, nos séculos XVIII e XIX, foi analisada por Fernando
Henrique Cardoso no seu já clássico Capitalismo e Escravidão no Brasil
Meridional, em que a crise da charqueada, a sua impossibilidade de
concorrercoma produção saladeiril platina ocupa a atenção do autor, o que
também é uma das preocupações centrais da autora, cuja tese ora se
apresenta, embora numa fase posterior, ou seja, na República Velha.
Mas os problemas econômicos do Rio Grande do Sul, na sua condição
de província periférica e dependente e aos quais o grupo hegemônico não
conseguia dar soluções satisfatórias, não se restringiram ao charque.
A República veio encontrar a economia sul-riograndense, especialmente
no que concerne a sua expansão capitalista, com problemas que afetavam
de um modo genérico todos os setores.
Assim, ao governo de inspiração positivista que se instala no Rio Grande
do Sul apôs 1889, cabia não só resolver aqueles problemas - ao que, aliás, o
movimento republicano se propunha desde a fase da propaganda quando
imputava às instituições monárquicas incapacidade de solucioná-los - mas
tamibém alargar sua base social,procurando incorporar - uma vez que as
agremiações político-partidárias do Império não o haviam conseguido de
maneira efetiva e satisfatória - novos grupos sociais surgidos no bojo de um
processo de transformações econômicas ocorrido no decorrer do século XIX
e ligado principalmente à colonização e imigração estrangeiras.
O PRR, com seu projeto político procurando atrair os novos grupos
sociais e solucionar os velhos problemas, acabou por se impor ao Rio
Grande do Sul. Com muita clareza isso é mostrado ao leitor pela autora.
Entre os grandes problemas que desafiavam na Primeira República a
iniciativa privada gaúcha e cuja solução interessava ao governo constituído,
estava o da adoção de processos modernos de conservação da carne.
A charqueada foi, no Rio Grande do Sul nos finais do século XVIII e em
boa parte do século XIX, a grande fonte geradora da riqueza regional, dela
decorrendo o exercício do mando político a nível também regional.
A Históriado charque se confunde com a própria História do Rio Grande
do Sul. A História oficial do Rio Grande do Sul começa em 1737 com a
fundação do forte Jesus Maria José, embora antes dessa época e em função
das vicissitudes da Colônia do Sacramento, o território viesse sendo alvo das
atenções lusas, destacando-se as ações de João de Magalhães e Cristóvão
Pereira de Abreu. Pela documentação conhecida sabemos da existência de
charqueada no RioGrande do Sul antes de 1738. Aproveitou-se, pois, desde
cedo a matéria prima encontrada abundantemente nos campos sul-rio-
grandenses.
Passado o ciclo da mineração que intensificara o comércio de tropas de
gado, o Rio Grande do Sul não deixou de conectar-se economicamente com
o mercado brasileiro. Era o charque o alimento básico da escravaria. O
surgimento do "ciclo" do café deu à produção de charque novo impulso.
Mas cedo se fez sentir a concorrência platina, difícil de ser enfrentada. A
crise que se abateu sobre o setor, só tendeu a aumentar no decorrer do
século XIX, não constituindo-se a charqueada em fator decisivo na
formação capitalista do Rio Grande do Sul, o que vai ser uma das
características da produção colonial que, a partir de 1860, se destaca cada
vez mais no conjunto da economia gaúcha. Daí o interesse pela adoção de
técnicas mais modernas de aproveitamento e conservação da carne, como
já foi dito, uma das preocupações do governo instalado com a implantação
da República.

10
o problema não interessava apenas aos charqueadores, mas também
aos criadores na condição de fornecedores de matéria prima. As
divergências e convergências entre as duas frações do grupo dominante, a
ação do Estado que, dentro de uma concepção positivista procurava
concretizar o capitalismo no Rio Grande do Sul, removendo os entraves que
se opunham à iniciativa privada de promover o desenvolvimento
econômico, tudo isso é criteriosamente analisado na tese, assim como os
avanços e recuos na constituição de um frigorífico nacional, a penetração
do capital estrangeiro, mostrando as dificuldades encontradas, dificuldades
que não eram apenas de ordem estrutural, mas lançavam suas raízes na
tradicional mentalidade senhorial do grupo dominante.
Como elemento indispensável à compreensão do processo histórico em
que se insere o objeto específico de sua tese, a autora aprofunda a análise
da conjuntura, na linha braudeliana de abordagem histórica.
Enfim, o leitor vai encontrar na tese. que ora se publica, um quadro
amplo de referências dentro do qual se analisam as tentativas de
modernização da atividade pastoril e da charqueada e a ação não só dos
grupos sociais interessados, mas também a do Estado.
O mérito não reside apenas na contribuição significativa que a tese traz
para o conhecimento de aspectos específicos do processo histórico
sul-rio-grandense, o que por si só seria suficiente para assegurar-lhe, daqui
por diante, um lugar de destaque na Bibliografia sobre a História do Rio
Grande do Sul. O trabalho da professora Sandra Jatahy Pesavento vai muito
além daquilo que é inerente a uma tese: trabalhar sobre as hipóteses
levantadas e evidentemente em função delas, procurando demonstrá-las.
Ele leva o leitor a questionar o que tradicionalmente é afirmado como sendo
a verdade histórica e, acima de tudo, a repensar a Históriado RioGrande do
Sul não apenas como uma sucessão linear de fator, mas como um processo
dinâmico porque dialético.
Eestudos que levantam questões, enfim, problematizam a História, são
aqueles que contribuem para o seu progresso, para a sua afirmação como
ciência.

Helga Iracema LandgrafPiccolo

11
INTRODUÇÃO

Desde a sua formação, o Rio Grande do Súí revelou-se um Estado


agropecuário, vinculado ao mercado interno brasileiro como área
secundária e subsidiária. Apesar dessa constatação básica^ poucos
são os estudos de análise e interpretação da realidade pecuária gaúcha,
em especial no que diz respeito às fases mais recuadas, entre elas a da
República Velha. Entretanto, foi durante esse período que ocorreram
grandes transformações na economia do Estado, de que é um exemplo
a instalação da indústria da carne frigorificada. Ao mesmo tempo em
que esta renovação ocorria, acentuavam-se as contradições da velha
charqueada e os pecuaristas começavam a articular-se na defesa de
seus interesses.

Considerando a extrema relevância do setor pecuário no conjunto


da economiagaúcha, torna-se fundamentai anaiisar_as transformações
ocorridas na economia pecuária do estado — criação_e charqueada —
em especial aquela mudança advinda da instalação da indústria
frigorífica, durante o período da Primeira República.
Como a República Velha abrange um período de dominação especí
fico e bem caracterizado, a análise não ficaria completa sem abarcar as
formas de relacionamento dos pecuaristas locais com os mecanismos
de poder, o que permitiria uma melhor compreensão das transforma
ções econômicas ocorridas.
E essencial que, num período tão cheio de tensões como este, se
busque identificar as formas de reação dos senhores rurais frente às
crises, bem como a atuação do Estado ante os problemas que se
configuram.
Desde os seus primórdios, teve o Rio Grande do Sul uma formação
histórica sui generis, balizada de um lado pelo caráter fronteiriço que
lhe proporcionou um contorno guerreiro e miiitarizado e, por outro, pela
riqueza pecuária que lhe conferiu um sentido econômico preciso.

13
Permanecendo cerca de dois séculos como uma "terra de ninguém",
praticamente inexplorado, o estado sulino integrou-se tardiamente ao
território português na América, dando-se a apropriação econômico-
miiitar da região somente no século XViii.

O Rio Grande do Sul iigou-se ao contexto brasileiro como área


secundária, na dependência do setor colonial de exportação. Desde o
seu surgimento como área economicamente rentável, ao articuiar-se
como fornecedor do mercado interno que rudimentarmente se formava
com a mineração, o Rio Grande do Sul foi marcado pela sua
característica de economia subsidiária.
O reflexo da decadência da economia mineradora das gerais, no fi
nal no século XViii, não se fez sentir no estado gaúcho devido á
mercantilização da economia, que se expressou através do trigo edo
charque.
A instalação do processo de salgamento da carne foi a inovação
tecnológica fundamentai, que forneceu ao Rio Grande do Sul o seu
principal produto comerciável e elevou a rentabilidade da pecuária.
No século XIX, a vinda dolmigrante europeu incrementou uma ativi
dade agrícola comercial especializada e dirigida ao mercado interno,
reforçando o caráter pelo qual a economia do estado se integrara ao
mercado brasileiro, adaptando-se às condições deste. Enquanto, no
finai do século passado, progrediu a economia colonial de gêneros de
lavoura de subsistência, a área econômica da pecuária entrou em um
processo de estagnação, sem maior avanço das forças produtivas,
sem qualquer renovação tecnológica que beneficiasse a produção dê
forma significativa. Permaneceu a pecuária gaúcha sem maiores
alterações no momento em que a economia escravocrata se desagregou
e adveio a produção na base da mão-de-obira livre? Foi somente coma
instalação dos frigoríficos na segunda década do século XX que se deu
a reorganização da indústria da carne.
As possibilidades que se abriram com a Primeira Grande Guerra,
tendo em vista as perspectivas de fornecimento da carne aos países
beligerantes, foi algo percebido não só pelo capitalismo estrangeiro,
especialmente norte-americano, que aqui se introduziu, como tambéní

^Sobre o processo descrrio, a bibliografia mais significaiiv.i !•


CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo eescravidão no Bras/Inwndional Paulo, DIFEL, 1062 can i 5
Idem.RioGrandedoSuleSantaCatarina. IN; HOLANDA. SèrqioBu.iKjuedo.ofçi OBrasHmonárquicoií 2 od
Paulo. DIFEL, 1967. V.2.
CASJ[\0,fKn\òn\oBatrosde. Sete ensaiossobre a economia brasileita 2 Fd RiodoJaneiro Forense 1971 V9
52.8 e p. 120-2.
SINGER. Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana São Paulo, Ed Nacional, 1068 p Mi 67
SOUZA, Paulo Renato Costa Un modelo primário exportador regional elcaso dei Rio Grande doSul Saniiatw)
Universidad de Chile, 1973 p 36-58 (Dissertação de mestrado, mimeoqrafadai

14
por setores de pecuaristas, que tentaram a fundação de um frigorífico
nacional. O mesmo se poderia dizer com relação ao Estado, que tanto
acolheu a entrada do capitai estrangeiro como apoiou o projeto local
dos estancieiros.
Possuindo os requisitos básicos para o beneficiamento da matéria-
prima local e atendimento das exigências do mercado externo, os
frigoríficos americanos {Armour.Swift e Wilson) estabeleceram-se no
Rio Grande do Sul, trazendo consigo importante renovação técnica.
A indústria do frio fez o Estado ingressar de forma marcante nos
quadros da exportação para fora, no seu objetivo de atender à demanda
do mercado mundial convuisionado pela guerra.
Os estudos realizados até agora sobre a República Velha Gaúcha
são ainda insuficientes para que se tenha uma idéia completa do proces
so ocorrido, tanto no que diz respeito às crises e rearticuiações da
economia pecuária como no que se relaciona às práticas e interesses
específicos dos grupos sociais envolvidos.
O tema dos frigoríficos, por exemplo, é precariamente abordado pe
la historiografia gaúcha e nacional. As obras que tratam especialmente
da história econômica do Estado pouca referência fazem à frígorif iC€ição
da carne, salvo alguns dados sobre instalação e produção das empresas.
O mesmo não acontece com relação ao charque, tema suficiente
mente abordado, ainda que geralmente sem maiores preocupações de
análise da estrutura produtoraou do fenômeno de retardamento do avan
ço das forças produtivas. Nota-se a predominância de critérios descriti
vos sobre os analíticos. A interpretação, quando efetivada, prende-se a
realidades cronologicamente bem mais próximas do que a República
Velha.
Torna-se necessário substituir este tipo de enfoque por aquilo que
se poderia chamar de uma história social:
Todaa história é, em certa medida, uma história social, uma vezque
o que se busca no seu estudo é a ação social dos homens em conjunto,
mesmo que o interesse se prenda a um fenômeno econômico ou político.
Como diz Aibert Soboui, a História Saciai se refere ao homem
enquanto membro de um grupo social e socialmente determinado?
Continuando nesta linha de raciocínio adotado, pode-se complementar a
idéia exposta com as palavras de Georges Duby, de que a história das
sociedades evidentemente deve se fundar sobre uma anólise de
estruturas materiais.^
^DUBY, Georges Hisiópna social e ideologia das sociedades, IN GOFF. J.3caues &NORA, Pierre, org Faire dt
1'histoire. Paris, Gallimard, 1974. lère partie
o
SOBOUL. Albert. Descrição e medidaem história social IN GODINHO, Vitorino Magalhães,org A históriasocial,
problemas, fontes e métodos. Lisboa, Cosmos, 1967

15
È praticamente Impossível repensara história sem que se analise a
forma pela qual os homens organizaram a sua vida econômica e siste
matizaram o processo produtivo. A històrlaé um todo Integrado, onde os
diferentes níveis se acham Indissoluvelmente relacionados, sem que
seja possível, ao analisar um deles, abstrair os demais. Nesta cadela de
Interligações, o fundamento que anima as relações sociais que os
homens contraem com seus semelhantes, e mediante as quais se
articulam em estruturas de poder, encontra significâncla na vida econô
mica.

Ê, pois, a partir do estudo da economia pecuária gaúcha nos seus


diferentes ramos (criação, charqueada, frigorífico) que se pode melhor
compreender a atuação e os Interesses dos grupos sociais envolvidos, a
forma como se posicionam em relação ao poder Instituído e como se
organizam segundo as suas conveniências específicas.
Resguardando sempre a Interdependência dos níveis estruturais,
completa-se o quadro da análise Integrada que se almeja com a aborda
gem da atuação do Estado ollgárquico e autoritário, de cunho positivis
ta, com relação à problemática econômica que se configurou.
Em suma, afIrma-se, fundamentalmente, que em história nada é
Isolado, e que seria Incompleto estudar a charqueada ou o frigorífico
Isolados em sua dimensão econômica, sem maior vinculação com o
contexto no qual se Inserem os demais níveis estruturais. Nada em
história é exclusivamente social ou exclusivamente político ou mesmo
exclusivamente econômico, estando todas estas dimensões da realida
de Interligadas entre sl.
Neste ponto, torna-se necessário Introduzir duas noções básicas
para o estudo que se pretende — estrutura e conjuntura — a fim de
dellmitá-las conceltualmente.

O conceito de estrutura Implica pensar num


... conceito de relações Internas, estáveis, pensadas com prioridade lógica do
todo sobre as partes, de tal modo que cada elemento da estrutura só possa ser com
preendido em função da posição que ocupa no Interior da estrutura, na configuração
total. ... Para o historiador a estrutura nunca é estável, devido ás tensões e contradi
ções Internas, as quais, pela sua continua Interação, tendem para um novo equilíbrio^.

O que se busca ê, justamente, captar este processo de transforma


ção e reatuallzação estrutural que se deu no Rio Grande do Sul, numa

^SOBOUL, Albert. Omovimento interno das estruturas. IN: GOLDMANN, Lucien etalii. Sistema e liberdadeXis-
boa. Presença, 1972. p. 41.

16
determinada fase de sua história: a conjuntura de 1890 a 1930, tentando
fazer o que Braudel chama de história de média duração^.
A conjuntura, por sua vez, é um momento dado da estrutura, du
rante o qual os elementos que a integram se tornam mais perceptíveis
de análise. No caso gaúcho, a conjuntura escolhida reveste-se de parti
cular importância, pois foi no decorrer da mesma que se estruturaram
as bases do capitalismo no Rio Grande do Sul, ou seja, quando as rela
ções assalariadas de produção se tornaram dominantes, associadas a
renovações tecnológicas e a um aumento de produtividade.
O processo que se verificou no Rio Grande do Sul não foi isolado
do que ocorreu no restante do país, que desde as últimas décadas do
século XIX e, particularmente, nas primeiras décadas do século XX, ge
rou as condições específicas e históricas para a formação do capitalis
mo^. Pré-condições para que o capitalismo se consolidasse foram a
acumulação de capital, a disponibilidade de mão-de-obra livre, um mer
cado interno consolidado ou em formação, a existência de matéria-pri
ma e de precários mas suficientes requisitos tecnológicos, que permiti
ram uma arrancada Inicial.
Assim como na área afetada diretamente pelo café, no Rio Grande
do Sul forjaram-se as condições para a gestação de um capitalismo tar
dio, ou seja, aquele possível de desenvolver-se em áreas oriundas de
uma formação colonial, historicamente dependentes e subordinadas.
Resguardando a especificidade das condições das áreas coloniais cria
das e montadas a fim de fornecer um excedente econômico às áreas
centrais, as colônias contribuíram para acionar o processo de
acumulação primitiva que aí se verificou. Neste sentido, as áreas
americanas sempre estiveram ligadas e em função de um processo de
formação do capitalismo. O que é essencial, contudo, é que, em
determinado momento, o modo de produção capitalista, com o qual a
realidade latino-americana se achava conectada em termos de relações
comerciais, passou a internaiizar-se no contexto colonial.
É fundamental captar este processo, no qual a extinção da
escravidão e a passagem para uma economia fundamentada em relações
de produção assalariadas foram a pedra de toque. Neste sentido,
considera-se que tanto o momento da passagem da monarquia para a
república como todoo período quese estendeaté1930 constituiram uma
fase- crucial em que se estruturaram internamente as condições
necessárias ao desenvolvimento do capitalismo. A dinamização interna
do capitalismo, por sua vez, correspondeu às exigências de reprodução
do capital em escala mundial. .
Nos países periférico-dependentes, como o Brasil, o café cumpriu
um papel fundamental no processo. Tanto a agricultura como o comér-
®IANNI, Octávio. Oprogresso econômico e o trabalhador livre. IN: HOLANDA, Sérgio Buarque de, org, OBrasil
monárquico II. São Paulo, DIFEL, 1972. V 5.

17
cio desempenharam, nesta fase, a função de proporcionar a acumula
ção. Da mesma forma, a indústria, neste período, apresentou-se como
uma função do setor exportador, nascida no seu bojo^.
O Rio Grande do Sui, como área subordinada à economia central
brasileira, cumpriu um papei neste processo, ao produzir para o merca
do interno que então se desenvolvia no país. Considerando a sua ativi
dade econômica primordial — a pecuária, formada pelo binômio cria-
ção-charqueada — constata-se que nenhuma das duas formas pelas
quais ela se apresentava constituiu uma expressão perfeitamente
configurada do modo de produção capitalista. Todavia, a especificida
de da região fez com que justamente esta fosse a forma assumida lo
calmente pelo Rio Grande do Sul, num contexto brasileiro que se capi
talizava. Em outras palavras,o setor pecuário tendeu a apresentar-se co
mo uma das formas pelas quais pôde se realizar o capitalismo no sul.
Tal como no conjunto do país, tratava-se de gerar um capitalismo
tardio, marcado pela dependência, pela herança colonial e pelo fato
ainda de subordinar-se à economia centrai do país como área subsidiá
ria.
Acumulação limitada, precária tecnologia e baixa rentabilidade se
riam traços distintivos deste processo. A nível das relações de produção
capitalistas, estas nãose apresentavam ainda na sua forma desenvolvi
da, umavezqueasatividades ligadas à pecuária envolviam formas de re
muneração não monetárias, tais como casa, terra para plantio, etc.
O Rio Grande do Sui apresentava-se como o caso típico de um
região onde se gerava o capitalismo em condições de subordinação e
periferia.
O grupo ligado à pecuária, detentor dos meios de produção da
principal atividade econômica do Estado, é chamado de classe
dominante e busca-se, no decorrer do trabalho, visualizar a problemática
toda da economia gaúcha tal como era encarada desde o seu ponto de
vista específico.
Essa classe possuía a supremacia econômico-sociai na formação
sulina e nela distinguem-se duas frações criadores e charqueadores
— embora a esses se pudesse agregar ainda outro grupo, o dos
invernadores. Umelemento de tensão presente no contexto rio-granden-
se foi o fato de que somente um setor da ciasse dominante detinha efeti
vamente o controle do poder político nas mãos. O restante da ciasse do
minante,com expressão social e responsabilidade rio processo produti
vo pecuário, mas com diferente representação política, ficava sem ter
acesso aos mecanismos de decisão do poder no Estado. A hegemonia
política da ciasse dominante estava centrada no grupo do Partido Repu
blicano Rio-grandense (PRR), que controlava todo o Rio Grande.
^SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origem da indústria no Brasil. São Paulo, Alfa-Omega. 1976.

18
Ainda colocando a ênfase a nível das classes sociais envolvidas, o
que se busca analisar è a ação e os interesses dos pecuaristas, embora
não se negue a importância do trabalhador rural ou do operário de frigorí
fico em suas manifestações. O processo é, aqui, encarado do ponto de
vista do capital e não do trabalho.
A náiise não ficaria completa sem que se abordasse, ainda que bre
vemente, o matiz ideológico positivistaque serviu de norma de conduta e
ação político-administrativa do Estado gaúcho durante a República Ve
lha.
A ideologia è concebida como fenômeno supra-estrutural, elabora
do a partir de uma classe, segundo seus interesses próprios, parciais e
específicos, que ao pretender se ampliare se justificar perante o resto do
corpo social, torna-se parcial e deformado. Isto se dâ na medida em que,
fruto dos interesses de uma classe e elaborada para defender posições
adquiridas ou a adquirir, pretende apresentar-se como universal,
impondo-se a toda a sociedade®-
Neste trabalho, procurou-se levantar algumas hipóteses fundamen
tais.
Parte-se da idéia de que a economia pecuária gaúcha revelou-se in
capaz de gerar uma acumulação que desse margem a montar, com re
cursos locais, uma empresa capitalista plenamente configurada, que
revolucionasse os meios de produção pecuária. Em outras palavras,
frustrou-se o projeto local de implantação de um frigorífico nacional
com recursos rio-grandenses. Apesar das condições extremamente fa
voráveis de mercado na época da guerra, por exemplo, a economia pe
cuária apresentava-se com problemas tanto a nível de produção como
de comercialização.
Na esfera social, levantou-se a proposição de que a situação de
crise da pecuária, nas primeiras décadas do século XX, propiciou a
conscientização da classe dominante, levando a tomadas de posição
frente ao problema, tais como a formação de agremiações de classe ou
projetos localistas de montagem de um frigorífico.
Teoricamente, poderia ser colocado em questão que um grupo que
fornece a matéria-prima (criador) tenderia a apresentar interesses eco
nômicos diferenciados daquele grupo que a industrializa (charquea-
dor). Antes da pesquisa efetivada, não se tinha, contudo, encontrado
elementos de comprovação real dessa premissa teórica, que hoje pare
ce solucionada. Constata-se que criadores e charqueadores apresenta
ram interesses específicos e muitas vezes divergentes e que, com isso,
encontravam respostas diversas diante dos problemas surg[dos.
No plano das estruturas do poder, buscou-se a verificação da idéia
de que as tentativas de modernização de economia pecuária abrigou

®GOLDMANN, Lucien, Ciências humanas e filosofia. 3. ed. Sâo Paulo, DIFEL, 1972.

19
elementos de classe dominante de uma e outra facção política no Rio
Grande do Sul. Quando o Estado de Inspiração positivista e perspectiva
modernizante procurou satisfazer os Interesses econômicos da classe
pecuarista como um todo, arrefeceram-se as divergências a nivel
político.

20
1 _ o MARCO REFERENCIAL: A REPÚBLICA VELHA GAÚCHA NA
FASE PRÈ-GUERRA (1890-1913)
1.1 — Os problemas da formação social gaúcha e a novaalternativa po
lítica: a Instalação da República

No final do século XIX, o Rio Grande do Sul apresentava consoli


dados aqueles traços distintivos básicos que deram ao extremo sul
uma peculiaridade sul generis frente ao restante do contexto brasileiro:
região fronteiriça, fundamentalmente marcada pela militarização e pelo
autoritarismo nas reiações de dominação e assentada nurria diversifica
da base agropecuária que ihe deu as chances de aiternância do produto
exportado face às variações e crises do mercado interno do qual era for
necedor. Com sua economia mercantiiizada de base primária-exporta-
dora vinculada como periférica ao mercado nacional em formação, bem
merecia a designação de celeiro do país, tendo em vista a destinação e
os tipos de produtos que exportava: charque, couro, gêneros agrícolas
de subsistência, banha, vinho.
Socialmente, a classe dominante iocal, pecuarista, dispunha do
apareihamento estatai e exercia o seu esquema de dominação política
regionalmente, sem, contudo, poder impor a nívei nacional seus Inte
resses próprios. Vincuiada a uma economia subsidiária à economia
brasileira de exportação, apresentava-se como setor subordinado de
uma classe dominante agrária nacional.
No contexto brasileiro, o final do século assistiu à transição do
trabalho escravo para o trabalho livre. O fenômeno cafeeiro trouxera em
seu bojo uma gama de transformações que daria ocasião a um proces
so de capitalização até então desconhecido dentro da realidade naclo-
nai^. Mercado interno, reiações de produção assaiariadas e urbaniza
ção são marcos fundamentais, que prepararam o caminho para o esta-
beiecimento do capitalismo internamente. Para empreender a análise
de efetivação do capitaiismo, são indicadores fundamentais os fatores
relativos a capitai, trabalho, mercado, tecnologia e matéria-prima.
^lANNI, Octávio. O progresso econômico e o trabalhador livre IN
HOLANDA.Sèrgio Buarque de. org O Brasil monárquico II São Paulo, Dl EL.

21
Frente ao processo de formação do capitalismo que se desenca
deava no Brasil, na zona afetada pelo café, como se apresentava o Rio
Grande do Sul?
Considerem-se os fatores indicativos da análise do capitalismo
acima citados. A nível de capitalização, este processo era possível no
Estado em duas áreas econômicas especificas: a campanha e a zona da
colônia, mas principalmente nesta que, segundo Singer, apresentava
maior dinamismo^. No que diz respeito ao componente trabalho, en
contrava-se entre os imigrantes certa dosagem de mão-de-obra espe
cializada na zona da colônia e, potencialmente, uma ampla massa não
especializada na zona da campanha. Refere-se aqui potencialmente,
porque tais elementos gravitavam em torno da economia criatória, ain
da não totalmente marginalizados como se tornariam quando por oca
siãode apresentar-se completo o processo de cercamento dos campos.
Love dá como época do inicio deste processo, no Rio Grande do Sul
1870^. No piano do mercado, o desenvolvimento, na zona colonial, dê
uma agricultura comerciai especializada, na base da mão-de-obra fami
liar e do minifúndio, foi capaz de gerar uma capacidade aquisitiva e
mesmo de capitalização. No bojo do mesmo processo, desenvolveu-se,
nessa área, um cirtrr^nato de base agropecuária que, manipulando á
matéria-prima locai, se estabeleceu a principio para suprir as necessi
dades da comunidade. Estendeu-se, após, às localidades e centros ur
banos mais próximos. Munidos de uma técnica artesanal, foram os imi
grantes um componente fundamental para as bases de uma futura
indústria no sul.

Referidos assim os fatores indicativos de uma análise do capitalis


mo dentro do contexto gaúcho nos fins do século XIX, pode-se dizer
que o Estado sulino evidenciava relativas condições para o surgimento
do modo capitalista de produção. É, contudo, fundamentai que se
apontem aqui os limites que o Rio Grande do Sulapresentavaà sua ple
na realização. Frente ao próprio processo de produção e acumulação de
capital, encontram-se obstáculos tanto na região de pecuária propria
mente dita como na colonial agrícola.
Na primeira delas, Cardoso coloca muito bem o problema:
No Rio Grande do Sul não houve no períodode transição da economia escravocrata
para a produção á base de mão-de-obra livre, nenhum fator que investigasse, na econo
miado charque, a formação de uma camada de novos empresários, sem compromissos
insuperáveis com o passado escravocrata. Os novos empreendedores eram recrutados
em regra, entre imigrantes cujas atividades concentravam-se no plantio de cereais ou'
na pequenaempresa semi-industrial. Foram essas as atividades que mais tarde consti
tuíram os núcleos dinâmicos da economia capitalista do Rio Grande do Sul. Os char-

2
SINGER, Paul, Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo, Ed. Nacional, 1968. p 162 et seo
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo, Perspectiva, 1971. p. 17. '

22
queadores continuaram a debater-se com seus problemas crônicos, incapazes que fo
ram, mesmo depois da Abolição, de reagir como empresários autenticamente capitalis
tas.'*
Na verdade, a forma conciliatória assumida pela Abolição no Rio
Grande do Sul — libertação com cláusula de prestação de serviços —
limitou a generalização de relações de produção assalariadas na char-
queadae se constituiu num entrave à transform*ação do velho estabele
cimento numa verdadeira empresa capitalista. Pre^sos, como lembra
Cardoso, a uma visão senhoria! de mundo, a liberação dos capitais em
pregados na compra de escravos não foi aplicada na reorganização da
estrutura produtiva, como por exemplo na introdução de tecnologia
mais avançada. Todavia, a importação da técnica pressupunha ijma
maior capitalização, que não havia. O fato da economia gaúcha articu
lar-se como periférica ao mercado central limitava ainda a capitalização
na área, na medida em que parcela significativa do excedente econômi
co produzido no sul era captado pela economia central. Acrescente-se,
a estes fatores dados, a evidência de que o Rio Grande do Sul não pro
duzia, através da charqueada, um vaior de uso de alto vaior-de-troca no
mercado mundial^, o que em parte limitava os ganhos dos produtores
locais. Dentro do contexto brasileiro do século XIX, predominavam os
interesses ligados à economia de exportação, à qual interessava reduzir
seus custos de produção. Com isto, buscava-se forçar a baixa do preço
do charque, alimento da escravaria nacional. Desaparecendo a escravi
dão como instituição, permanecia a população pobre como mercado
consumidor do artigo sulino. Dadas as condições do mercado a que se
destinava, não podia o produto ser oferecido a preço muito alto, com o
risco de restringir o seu consumo. O mercado ao qual se destinava o ar
tigo sulino era altamente competitivo, na medida em que o mesmo ti
nha de enfrentar a concorrência do similar platino. Foge ao esquema
deste estudo a análise do verdadeiro quadro de concorrência que se es
tabelecia entre a charqueada gaúcha e o saiadero platino®. Registre-se
apenas que o problema ultrapassava a questão das tarifas alfandegárias
protecionistas, tal como era visualizada pelos senhores sulinos e se ra
dicava na desigualdade estabelecida entre uma empresa capitalista as
salariada e uma ainda escravista, disputando o mercado interno brasi
leiro no oferecimento de um mesmo produto.
Retome-se os obstáculos que se antepunham a uma maior capita
lização na charqueada gaúcha: retardamento da generalização das rela
ções de produção assalariadas, ausência de uma classe de empreende
dorescapitalistas, permanência de uma visão senhoria! de mundo, não
aplicação de recursos em tecnologia mais avançada que incrementas-
^CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. Sào Paulo, DIFEL, 1962. p. 233.
^MüLLER, Geraldo. Periferia e dependência nacional. São Paulo, USP, 1972. p. 21. (Tese de mestrado em Socio-
„ logia)
"CARDOSO, op. cit., nota 4, cap. 3 e 4.

23
sem a produtividade, condição periférica determinando retenção de ex
cedente econômico pelo centro, baixo valor de troca de artigo produzi
do, mercado competitivo.
A maior parte destes fatores podem ser aplicados à atividade da
criação de gado. Fundamentalmente, a economia criatória apresentava-
se estruturada sobcritérios extensivos, com oaumento da produção
ligado á expansão dos fatores terra e gado. Da mesma forma que com re
lação ao charque, a condição subsidiária da economia e sua subordina
ção aos núcleos centrais de decisão do pais, não permitindo aos estan-
cieiros ter acesso aos mecanismos de orientação da política econômica
nacional, foi também um fator limitativo. Esta dependência no plano
político se manifestava ao nível da consciência dos agentes, sempre
que a concorrência do charque uruguaio se fazia sentir nas alfândegas
brasileiras.
Com relação ao contexto agrícola colonial, onde mais rapidamente
se produzia a acumulação, encontram-se também obstáculos. Sendo a
colonização estabelecida mediante pequenos proprietários, a produção
do excedente era parcelada em vários núcleos com reduzida capacidade
de acumulação. Frente a eles, se sobrepunha a figura do comerciante
rural, elo de ligayãu «nire o produtor direto e o mercado. Como coloca
Jean Roche:
A partir de meados do século XIX, os mais ricos habitantes das colônias eram os
comerciantes e a superioridade de seu patrimônio em relação ao dos colonos não fez
senão acentuar-se.^
Acolônia tornou-se, através do comerciante, o núcleo dinâmico de
aplicação do capital (indústria, comércio, bancos), mas, mesmo assim
dentro dos quadros do império, poucaschances tinham os imigrantes è
seus descendentes de participar da vida política da província e fazer im
por seus interesses a uma sociedade dominada por latifundiários. Suas
reduzidas chances de ação limitavam-se às câmaras municipais da área
colonial.
Outro fenômeno registrado é que o próprio fato de a estrutura
montada ser na basede pequenos proprietários limitou a generalização
do trabalho livre assalariado. Quando se verifica o processo de esgota
mento do solo, e se constata tornar-se improdutiva nova subdivisão de
uma propriedade já muitas vezes fracionada em herança, face aos nu
merosos descendentes, dá-se o que Jean Roche chama de enxamagem
(emigração do colono paraoutra região, fundando novo núcleo colonial
agrícola).® Observa com propriedade Müller:
... o trabalhador da campanha (região pecuária) e das grandes explorações agrí
colas (região mista), enquanto excedente da força de trabalho necessária, dIrige-se do
campo para a cidade; o tipo trabalhador —proprietário da pequena colônia' —
ce na área rural.9 formane-
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1969. V. II. p. 576.
^Ibiidem, v 1. cap. 5.
MULLER, op. cit., nota 5, p. 27.

24
Vê-se, pois, que mesmo a zona colonial agrícola que apresentava
mais promissoras condições de desenvolvimento enfrentava seus es-
traves.

A nível de mercado, um poderoso obstáculo se apresentava, não


só face às necessidades da economia criatòria-charqueadora, como da
economia agrícola e artesanai-industrial da zona colonial: os transpor
tes. O Rio Grande do Sul enfrentava entraves de toda a sorte, que iam
desde um deficiente sistema ferroviário à insuficiência de estradas de
rodagem e ao grande drama gaúcho: os obstáculos que se antepunham
á sua única saída para o mar, ou seja, a desobstrução da barra e a cons
trução do porto de Rio Grande. Diga-se de passagem, era este o proble
ma mais facilmente percebido pelos interessados e sobre o qual se
preocupava o governo por se mostrar impotente em resolvê-lo. Apesar
do célebre dito de Gaspar Silveira Martins a respeito do problema do
Rio Grande — a barra não tem querer — o problema ficou insolúvel
dentro dos quadros da administração imperial.
Tais eram, a nível econômico, as dificuldades que se antepunham
à realização do capitalismo no extremo sul, nas décadas finais do Im
pério. Havia, portanto, toda uma variedade de problemas não resolvi
dos no plano da economia e que atuavam como elementos de tensão no
contexto do Estado.
No plano social propriamente dito, um dos fatores mais represen
tativos da segunda metade do século XIX, no Rio Grande do Sul, foi o
inchamento dos setores médios, ligado a um fenômeno de imigração,
ao problema de urbamzação em andamento e ao desenvolvimento do
comércio de exportação e importação. Vinculados às profissões libe
rais, ao esquema bancário, à dinamização dos serviços públicos, ao pe
queno comércio e indústria, tais segmentos não tinham os seus inte
resses representados no plano da política, numa sociedade dominada
pela camada senhorial da campanha. O governo instituído não só não
conseguia solucionar os entraves que se antepunham ao livre desenvol
vimento das forças produtivas no Estado, no sentido do capitalismo,
como também não conseguia englobar em seus quadros estes novos
segmentos sociais emergentes, que se configuravam assim como poli
ticamente disponíveis.
Da mesma maneira como surgia um componente social novo —
uma pequena burguesia urbana descompromissada com o processo
político instalado —dentro do próprio latifúndio pecuarista se apresen
tavam diversificações.
Segundo Sérgio da Costa Franco,
Na região serrana, numerosos latifundiários se identificaram com o castilhismo,
sendo de notar que o próprio Castilhos e os Pintieiro Machado eram vinculados ao rura-
iismodaquelaárea. Porém, a serra constituía, durante o Império, umazona marginal da
economia rio-grandense, assaz débil e esquecida, a tal ponto que chegara a alimentar

25
projetos separatistas em relação ao Rio Grande do Sul. Os fazendeiros serranos, misto
de criadores, negociantes de mulas e exploradores de erva-mate, não representavam a
classe dominante na província.

Para tais segmentos latifundiários, os serviços governamentais re


velavam-se insuficientes, frente à quantidade e qualidade das necessi
dades que surgiam. Refere Love:
Aexpansão econômica da década de 1870 e de 1880 não afetou em quase nada o
Planalto Central, e os habitantes da serra sentiram-se tão abandonados pelo governo
provincial que, porduasvezes, a Câmara Municipal de Cruz Alta apelou pelacriação de
nova província na serra. Em 1884 a Câmara acusava que seus habitantes sofriam "com
pleto abandono: Não temos uma ponte, uma estrada, qualquer obra pública"."'
Tais setores não viam os seus interesses representados no plano
político, num Rio Grande dominado pelo Partido Liberal, que, após
umaatuação de cunho inconformista e crítico,uma vez encastelado no
poder, realizou um esquema de fechamento político. Da crítica da or
dem e das instituições, passou a defensor desta mesma ordem, notabi-
lizando-se pelo imobilismo e revelando-se incapaz, tanto de abranger
os novossetores sociais que se formavam, como de solucionar os pro
blemas que se apresentavam face às necessidades de expansão das
forças produtivas. Esta atuação do Partido Liberal levou ao desconten
tamento de parcelasde pecuaristas no Estado, não necessariamente li
gados à região serrana.
Esteconservadorismo dos liberais maisantigos passou a ser criticado por uma no
va geração liberal, porém egressa dos bancos acadêmicos, especialmente de São Pau
lo, quase todos imbuídos de republicanismo.
Eessas críticas —não só ao conservadorismo, mas à falta de atendimento de ser
viços públicos eao abandono em que certos problemas e certas regiões da província se
encontravam - enquanto assustavam os velhos dirigentes quedelas tinham medo por
razões políticas, eram um direito a que se arvoravam os moços para os quais não exis
tia a mística de um chefe como Silveira Martins.
Seentre os liberais jáse manifestava um certo desencanto e cisão,
com mais facilidade ainda •elementos do Partido Conservador pude^
ram transferir-se para os quadros do Partido Republicano, que surgia
como alternativa política à situação criada na província, no final do sé
culo XIX.
Èimportante deixar claroaqui que não se pode reduzir a complexi
dade do problema dos obstáculos econômicos, das insatisfações so
ciais e do fechamento político a uma explicação de caráter geográfico,
ou seja: a campanha seria liberal e após federalista; a serra, por sua
vez, geraria o republicanismo.

'^FRANCO, Sérgio daCosta. Osentido histórico da revolução de 1893. \N: Fundamentos da cultura rio-granden-
se. 5. série. PortoAlegre, Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, Gráfica da Universi
dade, 1962. p. 195-6.
LOVE, op. cit., nota 3, p. 21.

''2picC0L0, Helga Iracema Landgraf. Apolítica rio-grandense no iiimpérío (1868-1882). Porto Alegre, Ed. Gabine
te de Pesquisa de História do Rio Grandedo Sul, Institutode Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, 1964.
D 110

26
o que é fundamental é demonstrar que também neste plano se
manifestaram tensões, dentro de todo um quadro de problemas enfren
tados pelo extremo sul neste momento.
As contradições locais da formação social gaúcha conjugavam-se
com as novas realidades que se configuravam no panorama nacional e
que acabaram por trazer a queda do regime: a transição de uma econo
mia escravocrata para uma assalariada, novos segmentos sociais
descompromissados com o regime, idéias da federação e república.
Como partido, o Repubiicano Rio-grandense foi capaz de atrair pa
ra seus quadros setores em estado de disponibilidade poiitica, bem
como propôs-se a realizar, em âmbito regionai, um projeto de moderni
zação e transformação econômica, social e política, que o momento
exigia e que os quadros imperiais não conseguiam efetivar.
Atrair novos setores e solucionar velhos problemas, eis a fórmula
para o pequeno e extremamente ativo partido que surgia em busca de
ampliação de sua base social.
O Partido Republicano Rio-grandense (PRR) não era majoritário.
Peio contrário, deve-se encará-lo como uma minoria consciente, de ex
trema atividade política, em expansão na conquista de novos adeptos e
que habilmente manteve sólidos laços com o exército.
Esta aliança com elementos militares foi facilitada, por um lado,
pela afinidade de orientação ideológica (positivismo) entre a instituição
e os republicanos gaúchos e, por outra, pelos próprios traços de vincu-
lação militarista que o Rio Grande do Sui apresentava desde a sua for
mação^ ^ .
Dentro deste contexto ganha importância a questão da ideologia: o
PRR, estribando-se no positivismo como matriz ideológica inspiradora
de conduta e ação política, apresentou um projeto de desenvolvimento
que se destinava a abranger a totalidade da formação social sulina.
O positivismo, que no contexto histórico europeu surgiu como
defensor da sociedade burguesa em ascensão e para fortalecer o
processo de desenvolvimento capitalista, aqui no Rio Grande do Sul
defrontou-se com um contexto onde se tratava antes de Implantá-lo e
dar-lhe continuidade e crescimento.
O Estado, na concepção positivista, tem principalmente funções
técnico-administrativas e não políticas, uma vez que se apresenta como
o representante de todos os interesses sociais, é justamente nestas
funções técnicas do Estado que se enquadra a perspectiva de promover
a concretização do capitalismo, assegurar liberdade à iniciativa privada
e, na impossibilidade desta, remover os entraves que se antepunham ao
desenvolvimento econômico.
^^Sobr6 o assunto, as colocaçõas mais significativas são de"
LOVE, op cit , nota 3.
FAUSTO, Bons. Pequenos ensaios de história da república 1889-1945 São Paulo, CEBRAP, 1972. (Col. Cadernos
CEBRAP, 10).
SCHWARTZMANN, Simon São Paulo e o estado nacional. São Paulo, DIFEL, 1975.

27
o Estado de inspiração positivista que se implantou no sui
propôs-se a desenvolver, ao mesmo tempo, todos os setores da
economia - pecuária, agricultura, indústria — garantindo a livre
iniciativa e fortalecendo a propriedade privada. Ante a debilidade desta,
apareceu como o Estado providenciai e paternalista, intervencionista e
interessado em estabelecer o progresso^^ -Dentro desta perspectiva,
buscava eliminar os entraves ao livre desenvolvimento das forças
produtivas que tenderiam ao capitalismo.

Face aos problemas que se configuram na formação social


gaúcha, a adoção da república de feição positivista foi a nova
alternativa política adotada.

explicações sobre a adoção do positivismo no Rio Grande do Sul ver-


LINS ^an
M"i I CD do 5.
^história dasidéias no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1967.
positivismo no Brasil. 2. ed. São Paulo, Ed. Nacional . 1967
MüLLER, op. cit., nota ^ •

tach°rétedo em H^stórlLT'^^ ° do Rio Grande do Sul. (Dissertação de


28
1.2. - A crise do celeiro do país e a estagnação da economia pecuária na
fase pré-guerra.

Considerando-se o conjunto da economia rio-grandense desde o


início da república atè as vésperas da Primeira Grande Guerra, duas
características se impõem como fundamentais: de um lado, o caráter
agropecuário da economia, e, do outro, a condição periférica
dependente que se mantém, como uma constante, desdeoperíodo
formativo da região sulina.
Sendo agropecuária a sua estrutura e periférica sua vinculação ao
mercado, o Rio Grande do Sul, celeiro do país — que até então,
segundo Castro, se apresentava como o único caso bem sucedido de
uma região voitada para dentro^^ — iria manífestar-se em crise,
interessa, aqui, a manifestação da crise ao nível do setor pecuário,
embora esteja bem presente que a crise se manifestará igualmente,
durante a República Velha, tanto no terreno da agricultura como no da
indústria.
Representada a economia pecuária pelo binômio criação-char-
queada, a crise se configurou através de um panorama de estagnação,
sem maior avanço das forças produtivas, manifestando-se tanto ao
nível de estrutura da produção quanto ao nível do mercado.
No que diz respeito à estrutura produtiva, evidencia-se, em
primeiro lugar, uma atividade criatória que se desenvolvia de maneira
ainda extensiva e cujo aumento de produtividade só se dava pela
Incorporação dos fatores terra e gado. O latlfúndio^em sl limitava as
forças produtivas, na medida em que grandesextensões de terras eram
deixadas Inaproveitadas para a preservação do pasto para o gado.
O processo de cercamento dos campos, iniciado nas últimas
décadas do século XiX, não se achava completo. As estâncias
apresentavam grande despreparo no cuidado a ser despendido com o
CASTRO, Antônio Barres de. Sete ensaios sobre a economia brasileira. 2. ed. Rio deJaneiro, Forense, 1971. V.
2, p. 58.

29
rebanho. Princípios elementares de higiene não eram aplicados e
grande era a mortalidade registrada por epidemias.

Observem-se os seguintes dados:i6

QUADRO DA POPULAÇÃO PECUARIA E VALOR DEM 1908/1913

1908 1909
Espécies
Número Valores Número Valores

Bovina 6.199.410 193.425:922$ 6.499.210 221.294:256$


Eqüina 805.363 21.622:231$ 824.335 22.240:330$
Ovina 2.445.748 14.313:530$ 2.797.546 16.382:664$
Muar 143.831 8.705:280$ 156.986 9.621:920$
Caprina 53.762 322:572$ 58.109 348:654$
Suína 1.161.229 23.224:580$ 1.307.112 26.142:240$,
SOMA 10.809.343 261.614:115$ 11.643.298 296.030:064$

1910 1911
Espécies
Número Valores Número Valores

Bovina 6.574.954 262.939:655$ 6.681.650 313.233:755$


Eqüina 846.747 22.699:780$ 861.612 23.117:520$
Ovina 3.045.337 18.272:022$ 3.292.953 19.757:718$
Muar 169.110 10.394^960$ 181.420 11.178:960$
Caprina 61.427 368:562$ 65.167 391:002$
Suína 1.452.018 29.040:360$ 1.598.614 31.972:280$
SOMA 12.149.593 343.715:339$ 12.681.416 399.641:235$

1912 1913
Pc o

Número Valores Número Valores

Bovina 7.023.209 390.503:535$ 7.211.127 453.979:716$


Eqüina 894.486 28.126:115$ 935.332 29.506:409$
Ovina 3.552.402 21.314:412$ 3.861.971 27.039:797$
Muar 195.929 11.948:140$ 218.352 14.048:240$
Caprina 69.667 487:669$ 76.026 532:182$
Suína 1.775.379 35.507:580$ 2.003.097 40.061:940$
SOMA 13.511.072 487.887:451$ 14.305.905 565.163:284$

MENSAGEM à Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande Hn ^ni a ♦a


Augusto Borges de Medeiros, em 20 de setembro de 1914. Porto Alegre, AFederação, 19°4 p 41 2

30
CONFRONTO DO ANO 1908 COM O Dt "JCi

Número de Cabeças
1 Espécies Aumento
%
1908 1913 absoluto

Gado maior 7.148.604 8.364.811 1.216.207 17.15


Vacum 6.199.410 7.211.127 1.011.717 16.32
Cavalar 805.363 935.332 129.969 16.14
Muar 143.831 218.352 74.521 51.81
Gado menor 3.660.739 5.941.094 2.280.355 62.30
Ovino 2.445.748 3.851.971 1.416.223 57.90
Suíno 1.161.229 2.003.097 841.868 72.50
Caprino 53.762 76.026 22.264 41.41
TOTAL GERAL 10.809.343 14.305.905 3.496.562 32.35

Valores
Aumento
Espécies %
Absoluto
1908 1913

Gado maior 223.753:433$ 497.535:365$ 273.781.932$ 122.36


Vacum 193.425:922$ 453.979:716$ 260.553:794$ 134.70
Cavalar 21.622:231$ 29.506:409$ 7.884:178$ 36,46
Muar 8.705:280$ 14.049:240$ 5.343:960$ 61.40
Gado menor 37.860:682$ 67.627:919$ 29.767:237$ 78.60
Ovino 14.860:682$ 27.033:797$ 12.720:267$ 88.87
Suíno 23.224:580$ 40.061:940$ 16.837:360$ 72.50
Caprino 322:572$ 532:182$ 209.610$ 64.98
TOTAL GERAL 261.614:115$ 565.163:284$ 303.549:169$ 116.03

Pelos dados acima referidos, nota-se um crescimento do rebanho,


absoluto e relativo, que se processou de forma lenta. Considerando,
porém, que a porcentagem normal de reprodução é na base de 20%,
verifica-se que justamente dois ramos do gado maior (vacum e cavalar)
tiveram um crescimento verdadeiramente diminuto, o que, em parte, se
explicava pelas epizootias, por um lado, e pelo grande abate, por outro.
Aqui aparece um outro problema: a matança Indiscriminada sem
preocupação de manter equilíbrio entre mortalidade e natalidade,
sacrificando terneiros e vacas prenhes, fatalmente conduzia a um
comprometimento do estoque de gado, básico para a continuidade do
processo criativo.

Dentro deste esquema criatório, a forma de reinversão da parte do


capital aqui produzido e acumuiado orientava-se, também, por critérios
extensivos. Em vez de inverter em reprodutores, a fim de dinamizar o
processo de refinamento e seleção do gado, o excedente era aplicado,
de preferência, na aquisição de mais campos ou na aquisição de bens
supérfluos e suntuàrios. Naturalmente, isso se refere à parte de capitai
que, efetivamente, se concentrava nas mãos do setor estancieiro, dono
dos meios de produção no processo criatório. Dentro da economia
gaúcha, o estancieiro era o fornecedor de matéria-prima para a

31
charqueada e, como tal, encontrava-se na dependência dos preços
oferecidos peio grupo charqueador. Globalmente, a economia gaúcha
exportadora de charque e couro achava-se na dependência da economia
centrai de exportação brasileira. Desta forma, processava-se a
canalização do excedente econômico para fora, captando os iucros,
efetivamente, as casas consignatárias da venda de charque nos
mercados do centro (Rio de Janeiro, Santos) que, por sua vez,
redistribuíam a mercadoria para os portos do norte e nordeste. Assim,
portanto, nem todo o excedente econômico produzido ficava aqui no
sul, sendo parte captado pela economia centrai da qual o Rio Grande do
Sul era periférico.
Escrevendo sobre a situação pecuária do início do século, Lassance
assim descreve o esquema da criação extensiva:
o estancíeíro tem dois negócios: um o do gado de orla, que consiste em tô-io solto
nos campos e deixâ-io produzir; o outro é o da compra de novilhos e vacas para serem
invernados. No primeiro gênero de negócio, a muito pouco reduz-se o trabalho do
estancieiro; o campo, as pastagens e aguadas são aquilo que a natureza deu. Cousa de
que absolutamente não trata è melhorar as pastagens de um campo, substituindo o
pasto fraco por outro mais nutriente,limpà-io para eliminar os insetos que prejudicam
o gado, as gramineas tóxicas, etc...etc...Na primavera lançam fogo ao campo para
extinguir o pasto seco e fazer brotar verde. A geada mata o carrapato, o mfcuim e outros
insetos que incomodam o gado. Quanto às aguadas, se as estâncias são nas encostas
dos rios ou arroios, ali desaitera-se o gado. Se não existem águas correntes, as sangas
banhados e iagões formados por águas pluviais, mesmo quando cobertos por uma
grossa crosta de limo, saciam o gado. Com relação a este não hâ nenhum cuidado
especial (...) O gado atirado ao campo é algumas vezes reunido em rodeios para ser
contado, apartando-se um ou outro que se apresente com bicheira, que è curada com
remédios caseiros ou, muito comumente, por meio de rezas e benzeduras. Também, de
tempos em tempos, atira-se ao campo sal para o gado comer. O gado de invernar não
produz aumento de trabalho. A invernada è um campo cercado e provido de melhores
pastagens, onde o gado vai engordar para ser vendido para as charqueadas. E ali ele e
atirado e o estancieiro aguarda tranqüilamente que ele engorde. Os outros trabalhos
consistem em castrar o touro, marcá-io e serrar-ihe as pontas das guampas (...; Eis a
quanto se resumem os trabalhos de estância para a produção e engorda de gado.

Mais adiante, Lassance ainda esclarece:

(...) diz o estancieiro atrasado quando se lhe pergunta por que motivo não busca
melhorar as pastagens dos seus campos e o seu gado. Responde slmploriamente:
Qual! Se com o que possuo ganho dinheiro, que necessidade tenho de obter gado de
raça que vem me dar trabalho e incômodo?
O autor, aqui, refere-se ao fato da existência de um mercado certo
para o seu produto - a charqueada locai - que se abastecia nas
estâncias sulinas, independentemente de raça ou peso do rebanho.
Mercado garantido e alto preço obtido peio gado, embora o trabalho ^o
capitai despendido na empresa criatória tenham sido mínimos, são
fatores apontados peio autor como responsáveis pela manutenção de
l^LASSANCE CUNHA, Ernesto Antônio, O/?/o Grande doSul. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1908. p. 29-30.
'iSlbidem, p. 31.

32
um estado de coisas atrasadas.Todavia, as coisas assim ditas podem
dar margem a que se compreenda o processo às inversas: que o
charqueador sempre oferecia bons preços, quando, na verdade, como
fica demonstrado mais adiante, o elemento dono da charqueada tendia
a transferir para o produtor direto - o estancieiro - as perdas da baixa do
preço do charque no mercado nacional. Não dispondo dos meios de
acesso direto às fontes controladoras jdesse mecanismo, tendia a
ressarcir-se do prejuízo nas costas do criador.
Quanto ao preços que poderia obter pelo gado, interessava ao
criador a desvalorização monetária.
Os resultados das vendas de gado variam na razão Inversa de oscilação de câmbio,
isto é, quanto mais baixa é a taxa cambial, mais elevado é o valor do gado e quanto
mais alta é aquela, menor é o valor deste.^^

Pode-se, contudo, afirmar que tanto o pouco dispêndio de capital


na criação extensiva como a garantia de mercado para o gado, através
das compras dos charqueadores, foram fatores que contribuíram para a
manutenção deste estado de coisas na pecuária num estágio ainda
refratàrio à configuração plena do capitalismo.
Mantendo-se, sempre, a análise ao nível da estrutura produtora,
verifica-se que a crise se manifestava também no outro setor da
economia pecuária: a charqueada que atuava como manufatura.
A primeira coisa que salta à vista é o descompasso em que o Rio
Grande do Sul se encontrava, frente às mais recentes aplicações da
tecnologia ao processo de conservação da carne. O Rio Grande
permanecia ainda com os velhos métodos de^salgamento da carne,
num esquema que, após abolida a escravidão, não havia ainda evoluído
para o estágio de indústria moderna, ou seja, a ennpresa frigorífica.
Da mesma forma que no processo descrito na criação pecuária, o
excedente extraído da estrutura produtiva era^ canalizado para fora,
ficando a maior parte retida a nível de circulação.
Não se encontram descrições detalhadas do trabalho nas
charqueadas dentro do período em estudo (1890-1913). Todavia,
comparando-se as descrições feitas nas obras de Fortunato
Pimentel^®, na Década de 40,e a de Harnisch^^ »no início dos anos 50,
com as breves referências feitas por Lassance^^' vê-se que o proces
so não deve ter mudado muito:
(...) sucedem-se as fases desde a morte do animal até a obtenção da produção,
através do trabalho manual dos indivíduos, cada um realizando uma tarefa (...) Inicia-se
a matança com a ação do chamado 'desnucador" (...) apunhala a rés na nuca caindo
esta sobre a zona e retira-lhe o laço com o qual vai buscar outra (...) Começa o trabalho
19|bidem, p. 28.
20plMENTEL, Fortunato. Charqueadas e frigoríficos, s.1. Tipografia do Centro S.A. s.d.
21hARNISCH, Wolfgang Hoffmann. O Rio Grandedo Sul: a terra e o homem. 2. ed. Globo, 1952.
22laSSANCE cunha, op. cit., nota 17, p. 32 et seq.

33
do carneador^que consiste em carnear o couro, tirar a cabeça, abrir a rês, retirar as
vísceras, destacar os quartos e as paietas e despontar as mantas. Tem como auxiiiares
no serviço do couro os chamados "matambreiros", que com um machado recurvo de
gume cego destacam, a golpes, o couro do peito e da parte do ventre onde está mais
aderido à carne denominada "matambre" (...) O trabalho de um carneador dura de 20 a
30 minutos (...) Em torno deste importante operário agem com vaivém febril os
transportadores das peças destacadas do bovino (...) Depois do "carneador", vem o
trabalho do "despostador", de quartos e paietas; sègue-se-ihe o do "charqueador", que
è aliás tão importante quanto os anteriores porque dele dependem a boa saigação e a
apresentação do produto.

Em 1914, Juvenal Dias da Costa, criador, charqueador e


banqueiro, assim se referia sobre o processo do charque numa
entrevista concedida ao Diário, de Porto Alegre:
A indústria do charque corre pareiha com o sistema antiquado e rotineiro da
maioria de nossos fazendeiros. Prepara-se ainda o charque do mesmo modo que se
fazia há cem anos (...) Alguma pequena modificação que se tem introduzido no seu
fabrico não è no sentido de aperfeiçoá-io, e sim com o fim único de abreviar o mais
possível benefício, visando obter o maior peso no produto, para corresponder ao preço
sempre crescente do boi. Este afã imperioso de concorrência tem trazido
defeitos no fabrico do charque, que os mercados consumidores exploram, no sentido
de baixar o preço, criando uma tecnologia infindável de termos classificadores desses
defeitos.24

inicialmente Inferior quanto ao processo produtivo utilizado no


Prata, o Rio Grande do Sul, depois, aderiu ao sistema platino de
fabricação, sendo o antigo sistema nacional abandonado, por ser o
novo método mais rápido no preparo e na secagem.

Quanto a este processo, refere PImentel:

Nas charqueadas rio-grandenses o sistema que hoje se emprega para preparar o


charque è o platino e, em resumo, é ele deste modo manufaturado:
1 - Carneia-se a rês (retira-se o couro e charqueia-se o animal);
2 - Ela é dividida em oito partes; duas mantas, dois coxões (que representam a volta
gorda de uma parte do quarto pegando a picanha), duas paletas e dois chicos (outra
parte do quarto que a completa);
3 - Deixam-se então todas as oito partes da rês a esfriar;
4 - Depois, toda a carne vai ter a um tanque de salmoura, cuja graduação não será
inferior a 22 graus Baumè, ai ficando uma hora no mínimo;
5 - Quando retirada do tanque, è salgada (faz-se uma camada de carne e outra de
sal para constituir a pilha);
6 - Após horas em pilha, é feita a ressaiga (processo igual ao da primeira salga);
7 > No dia seguinte, faz-se a piiha-voita, isto é, muda-se a posição da salga;
8 - Ficará aí até que se queira secar;
9 - Quando a carne é levada para os varais e exposta ao sol para ir secando.^^

23piMENTEL. op cil, ndld 20, p U)


2^MASCARENHAS, Joric» Sou/.» Ot(|.ini/.ii. ri(i (U) nossc ( (• tnnio df dí'l('s,i (
esoeculacno de nossos indus!iiüK> A Eshun iti. Alfoti- t 'di mti. i
25piMENTEL. op cn . tuM.i 20. p ''»d

34
Operando com velhos processos, contando algumas vezes com
inovações tecnológicas como, por exemplo, o uso de caldeiras e
máquinas a vapor para extração do sebo, dispondo de uma força de
trabalho abundante e remunerada de forma não sistemática, ou, melhor
dizendo, nem sempre remunerada por um salário efetivo, a velha
charqueada enfrentava problemas que oneravam o seu custo de
produção. Um deles era o próprio preço da matéria-prima, que
apresentava, no início do século XX, uma elevação no custo dos
alimentos, notadamente os pecuários. Ora, a alta do preço do gado,
que interessava ao criador, não interessava em absoluto ao
charqueador, que via aumentar o preço da matéria-prima e, com isso,
elevado o custo da sua produção. Da mesma forma, as altas taxas
sobre a importação do sai de Cádiz prejudicavam o proprietário do
estabelecimento saiadeirii, vendo elevar-se o preço de um gênero
necessário à elaboração do charque e redundando em novo acréscimo
no setor produtivo. Diga-se de passagem, o problema do sai de Cádiz
deve-se a que este era considerado pelos saiadeiristas como o único
válido para a fabricação do charque, em detrimento do sai nacional.
Como pela Constituição Federai de 1891 cabia à União taxar os
impostos sobre a importação, e não aos Estados, o controle de tal
mecanismo escapava ás mãos dos interessados. Tal como o sai, a
aniagem vinha de fora do Rio Grande, a um alto preço.
Um outro problema que agravava ainda mais a produção do artigo
sulino eram os elevados fretes decorrentes de um deficiente,
inoperante e onerosíssimo sistema de transportes. A começar pelo
transporte ferroviário, pode-se dizer que o esquema montado se
revelava incapaz de atender às necessidades de escoamento da
produção do Estado, seja pela insuficiência da rede, seja pela
insuficiência de vagões ou maus serviços, como atrasos e falta de
condições que assegurassem aos produtos a sua manutenção. Na
ausência de linhas férreas, muitas vezes os animais eram obrigados a
irem a pé até as charqueadas, com o que perdiam peso e, com isso,
valor. Com relação ao charque, a demora da espera ao longo da estrada
de ferro muitas vezes deteriorava o produto.
A maior parte das linhas férreas do Rio Grande do Sul pertencia à
União, que, pelo contrato de 18.06.1905, unificou-as á CIE. Auxiliare
des Chemins de Fer au Brésil, constituídas por capitais belgas e
americanos e dominada por Percivai Farquhar. Este arrendamento
deveria vigorar até 15.03.1968.
Teoricamente, tal evento vinha corresponder ás necessidades de
expansão do sistema de transportes do Rio Grande do Sul, ligando as
zonas produtoras ao litoral. Na prática, porém, a ineficiência do serviço
ferroviário asfixiava a produção, cobrando altos fretes e não satisfazen
do quanto aos transportes.

35
Em 1910 foi Inaugurada a linha Rio Grande-São Paulo, a qual fazia
parte da Brazilian Southern Railway, também sob o controle de Percival
Farquhar.
Da mesma forma que a estrada de ferro, o serviço portuário do Rio
Grande do Sul também ficava multo a desejar. Em 1906, foi realizado
um contrato entre o Governo federal e o engenheiro americano Elmer
Corthell, que deveria realizar melhoramentos na barra e construir o
porto. Como o mesmo nada efetivou, a concessão foi transferida em
1908 à C/e. Française du Port du Rio Grande do Sul, em cujo contrato
figurava a cláusula de uso e gozo da exploração do porto por 89 anos
após a construção, além da renda líquida de 6% sobre o capital
empatado^®•
A concessionária estrangeira, também controlada por Percival
Farquhar, não se dispunha a construir efetivamente o porto e
desobstruir a barra de molde a permitir acesso aos navios de grande
calado. Além disso, cobrava taxas portuárias multo altas, afugentando
com tais medidas a produção gaúcha que demandava em grande
parte ao porto de Montevidéu para chegar, através dele, aos mercados
brasileiros. Assim como estava provido de um Importante porto, o
Uruguai apre®'^":*?'.*?-se bem servido de vias férreas. Até a fronteira
gaúcha chegavam as linhas da Ferrocarril Central dei Uruguay, que
oferecia transporte mais barato.
Desta forma, a produção gaúcha, buscando fretes mais baixos e
melhor sistema de transportes, demandava ao Prata para atingir ao
Brasil, com o que parte da renda fiscal era perdida peia alfândega
brasileira.
Sintetizando, pode-se dizer que, no plano da produção, a
charqueada se encontrava em crise, tendo em vista o seu arcaísmo
técnico e a predominância de critérios quantitativos. Por outro lado,
fatores como o alto preço da matéria-prima, elevada taxa sobre a
Importação do sal e aniagem e o deficiente sistema de transportes
oneravam multo o custo da produção.
Decorrem daí as constatações de que a economia charqueadora
apresentava limitações sérias ao avanço das forças produtivas e à
possibilidade de obter maiores lucros. As chances de capitalização era
ainda diminuídas, como se viu, com a dependência existente entre a
estrutura gaúcha e as casas comerciais que distribuíam o produto pelo
país.
Entrando, pois, no estudo da situação da crise no plano do
mercado, como se comportava o principal produto da exportação
rio-grandense? Um Indicador do problema seria a análise da tabela de
exportação do produto, em tonelagem e valor2^.
•^"mensagem presidencial de 1913, p. 18.
27siL\/A. Austriclínio G. & GUERRA, Aidrov.uulo R Exporinc^odo charqt/e no Rio Grande do Sn/ Pímk^ Alonrc.
Secretaria de Administração, Departamento Estadual do Estatística, 1059 P 8 Foi comenda a taltfíl.i pat.» mil reis.
uma vez que os valores se apresentavam em cm/eiros
36
Quantidade Valor (em Quantidade Valor (em
Anos Anos
(em t) mil réis) (em t) mil réis)

1890 26.000 5.223:186$ 1902 73.208 13.033:751$


1891 33.936 9.039:019$ 1903 36.397 12.540:429$
1892 35.707 11.813:685$ 1904 35.788 13.259:788$
1893 32.325 12.353:215$ 1905 37.556 15.953:900$
1894 28.382 11.633:371$ 1906 44.520 19.310:695$
1895 21.709 8.265:700$ 1907 30.792 22.965:957$
1896 18.794 7.107:944$ 1908 52.580 25.350:448$
1897 25.464 11.496:795$ 1909 51.227 24.908:753$
1898 28.344 16.667:453$ 1910 56.458 24.387:315$
1899 20.314 13.754:486$ 1911 59.464 26.313.129$
1900 21.462 15.002:431$ 1912 69.574 31.540:191$
1901 22.262 11.809:719$ 1913 64.064 31.751:263$

Verifica-se que, de 1890 a 1913, fortes foram as oscilações. Por


exemplo, em 1895, para 21.709 t de charque exportadas, obtintia-se o
valorde8.265:700$000: em 1900 para 21.462 de tonelagem, alcançava-se
quase o dobro: 15.002:4318000.
A tabela que segue^^ evidencia melhor as oscilações constadas
nos dados anteriores, para o mesmo período.

PREÇOS MÉDIOS DO CHARQUE NOS MERCADOS DO NORTE

Anos Valor do Quilo Anos Valor do Quilo

1890 RÊIS 200 1902 RÊIS 350


1891 RÈIS240 1903 RÊIS 344
1892 RÈIS350 1904 RÊIS 370
1893 RÊIS 382 1905 RÊIS 424
1894 RÊIS 409 1906 RÊIS 433
1895 RÊIS 380 1907 RÊIS 452
1896 RÊIS 378 1908 RÊIS 482
1897 RÊIS 451 1909 RÊIS 486
1898 RÊIS 583 1910 RÊIS 431
1899 RÊIS 677 1911 RÊIS 442
1900 RÊIS 699 1912 RÊIS 453
1901 RÊIS 530 1913 RÊIS 495

Ê possfvçl, pelas tabelas dadas, delimitar os períodos de crise para


o charque no Rio Grande do Sul.

28quiNTA d(3 Süntn Tero/a, Munif.ipio dt; Bagé Pr(ir)rn»da(lo do Visconde de Ribeiro de Magalhães A Estância,
Porlo Aleyie 122) 331, nov 19M

37
Por exemplo, o período de 1895 a 1896 assinalou as conseqüências
de uma crise gerada pela Revolução Fedr^ralista no contexto sulino,
quando o despovoamento dos ca.Toos i.npediu o funcionamento das
charqueadas e desencadeou um processo de paralisação da economia
gaúcha.
Na medida em que o Rio Grande do Sul retraía-se, tinha lugar a
entrada do concorrente platino, o que se verificou nos anos a seguir.

Outra grande oscilação desfavorável foi a verificada nos anos de


1901 a 1904, quando a economia brasileira, como um todo, se ressentiu
de uma fase altamente inflaclonária, iniciada com a República, que
tanto elevava os preços como esvaziava o poder aquisitivo do
consumidor. Com a subida de Campos Saíles e o início do saneamento
das finanças brasileiras, seguido da contenção de despesas e recuo do
crédito, caiu o preço dos produtos aiimenticios, entre eles o do charque.
Neste período exportou-se mais para ganhar menos.

Em ambos os períodos citados, atuaram fatores conjunturais


específicos que incidiram sobra a exportação do charque rio-granden-
se: no primeiro rtoioc a guerra civii, e, no segundo, os efeitos de uma
política econômico-financeira levada a efeito pelo Governo central e
sobre o qual o Rio Grande do Sul não tinha domínio. Dentro dos
quadros da República Velha, não exercia a classe dominante gaúcha a
sua hegemonia política senão a nível local, escapando-lhe o controle de
questões tais como a linha seguida pela política financeira nacional.
Quanto às oscilações do preço do charque, ainda uma série de
considerações devem serfeitas. Elevação do preço do gado, gastos com
sal, despesas com frentes e outros fenômenos elevavam o custo da
produção, forçando o produtor a colocar o seu artigo a um preço mais
alto no mercado. Todavia, uma série de argumentos se antepunham à
manutenção de preços altos para o charque:
Durante muito tempo, o charque fora o principal item da dieta das classes urbanas
inferiores, e a administração que a afastasse permanentemente do mercado, pela
majoração dos preços, deparava com sérios problemas políticos; uma elevação dramá
tica do preço induziria inevitavelmente os produtores de charque de São Paulo e Mato
Grosso a entrar com ímpeto no mercado, neutralizando em parte os ganhos que os
produtores do Rio Grande poderiam auferir; e, por fim, o contrabando, que já era um
problema importante na vigência de direitos moderados, aumentaria muito se ergues
sem barreiras alfandegárias ainda mais altas^^.
São abordados aqui problemas cruciais para o Rio Grande do Sui:
em primeiro lugar, deve ser retomada a noção, já abordada
anteriormente, de que, com o charque, o Estado produzia um valor de
uso de reduzido valor de troca no mercado, tendo em vista o

^^LEVINE, Robert. ORio Grande do Sulcomo laiorde instabilidade da República Velha, IN FAUSTO, Bons, org O
fírasH republicano III. Sào Paulo. DIFEL, 1975 V I, p 105

38
consumidor ser pobre e qualquer elevação do preço acarretar uma
retração da compra do artigo.
Um outro problema que desaconselhava a elevação do preço do
charque gaúcho foi o aparecimento de concorrentes nacionais no
terreno da pecuária e seus produtos derivados a partir das crises do
café que se pronunciaram no Início da República.
As repetidas crises da passagem do século devolveriam algumas regiões à agricul
tura diversificada. Minas, em particular, veria o café cair de 72% para 38% de suas
exportações entre 1898 e 1908. Readquiriram importância nas exportações mineiras os
derivados da pecuária, o fumo, certos gêneros como o feijão, o arroz, etc. Ao retornar à
sua vocação pecuária (...) e expandir uma agricultura relativamente diversificada (e de
reduzidos rendimentos), Minas retornava ás tendências dominantes na primeira metade
do século XIX. Mas já agora em outras condições: seu isolamento fora vencido com a
inauguração da rodovia União e Indústria em 1861, as partes meridional e central de
seu território haviam sido cortadas por diferentes rodovias. Além do mais, surgia um
grande mercado consumidor em São Paulo, bem como crescia extraordinariamente o
mercado carioca. O Estado iria, pois, disputar - com inegáveis vantagens em certos
casos - o mercado "central" recém surgido no país. Por trás de Minas estavarn também
na competição certas áreas do Brasil central, já que uma fração das vendas mineiras de
gado não seria mais do que uma reexportação de animais criados em Goiás e Mato
Grosso^^.

Aimpossibilidade do charque gaúcho de atender a todo o merca


do brasileiro induzia não só à entrada de outros concorrentes na
cionais em cena, como também a que se realizasse a importação de
charque uruguaio, oferecido a preço mais baixo, forçando com Isto
ainda mais a baixa do produto rio-grandense.
É claro que o protecionismo alfandegário, se aplicado totalmente
em função dos interesses gaúchos, poderia afastar a presença do similar
platino, pela elevação do imposto até um nível proibitivo. Todavia, nem
sempre o Rio Grande do Sul tinha condição de poder fazer prevalecer o
seu ponto de vista junto ao Governo central, nem esta solução punha
fim aos percalços que deveria enfrentar o produto rio-granderise, pois a
elevação das tarifas estimulava o contrabando.
Ocontrabando merece estudo à parte. Prejudicava, evidentemente,
o charqueador gaúcho a entrada no país do charque platino
contrabandeado, mas lhe era muito conveniente a entrada do gado
platino de melhor qualidade e menor preço... Já com isto nao
concordava absolutamente o criador gaúcho, na medida em que o
rebanho uruguaio viria concorrer junto à charqueada como matéria-pri-

^CASTRO, op cit , nola 15, p, 123.

39
ma que ele oferecia em condições desvantajosas. É lógico que esta
diferenciação de expectativas em torno do contrabando poderia ser
atenuada ou mesmo Inexistente no caso de charqueadores que eram
támbém estanclelfos, ou no caso de criadores que realizassem eles
próprios o contrabando.
Dentrodeste contexto, faz-se necessário tecer algumas considera
ções a respeito da concorrênciaplatina, colocando desde já que o Prata
não só disputava com o Rio Grande do Sul o mercado nacional de
charque como também se apresentava, na época que está enfocada,
como exportador de carne frigorificada para o mercado mundial.
Ao analisar a posição dos fornecedores platinos de charque,
veriftca-se que tanto a Banda Oriental como os saladeiros de Buenos
Aires partiram para o processo de mercantillzação da carne ao redor da
década de 80 do século XVIII, época em que também o Rio Grande do
Sul organizava as suas charqueadas dentro de um sentido mercantil.
Os fabricantes platinos de tasajo tiveram, contudo, a seu favor,
todo o protecionismo da política oficial, coisa que a charqueada
gaúcha não obteve de forma regular ao longo de sua história, uma vez
que os latifundiários locais não tinham controle direto sobre os
mecanismos de manipulação das taxas de Importação.
No que diz respeito ao saladero uruguaio, principal concorrente do
Rio Grande do Sul, as questões relativas à proteção e desenvolvimento
do charque foram levadas em conta pelos Governos do VIce-ReInado e
também da Coroa espanhola. Exemplo disso é a criação na Banda
Oriental do Corpo de Blandegues. Estes foram criados
(...)_ con Ia finalidad de evitar el contrabando y restabelecer Ia seguridad en la
campana. Estas mismas autoridadesadoptarân una posiclón protectorade la industria
saiaderii, cuando por ias Reaies Círdenes dei 10 de abril de 1793 y 20 de diciembre de
1802, Ias carnes saladas quedarán exoneradas de todo derecho de Introducción v
extración.31
As lutas de libertação com relação á Espanha Interromperam a
prosperjdade dos saladeros, crise esta que se prolongou após com a
ocupação portuguesa da Banda Oriental. Enquanto a economia
uruguaia esteve assim desorganizada, seu gado orlentou-se para o
abastecimento das charqueadas gaúchas e para a alimentação dos
exércitos.
Apartirde 1820, o saladero oriental recuperou-se, sofrendo, desde
1838, Inovações técnicas tais como a Introdução da máquina a
vapor para a extração da graxa, assim como foram realizados
melhoramentos sanltárlos,^^
Neste ponto, convém lembrar que a Independência dos países
platinos deu-se sob aégide da Inglaterra eque a mesma foi responsável

•^'DOTTA. Mario et alii. El Uruguay ganadero. Montevideo, Ediciones de la Banda Orientai, 1972. p. 47
^^Ibidem, p. 49.

40
pela evolução do processo produtivo na região, coisa que não se deu no
Rio Grande do Sul.
Na opinião de Limeira Tejo, o distanciamento do Rio Grande do
Sul no século XIX em relação ao Prata se explicaria pela falta de
comunicação da região com o restante do país, enquanto que o Prata
gozava do sistema de transportes marítimos Ingleses, Indiscutivelmen
te o melhor do mundo na época.
Transporte de mercadorias entre as capitais platinas e o Rio se fazia, assim, com
muito maior facilidade ecorrveniència do que entre o porto do Rio Grande e a capital da
União. Nao é de admirar, pois, que a produção do Prata fosse, irresistivelmente, se
apoderando dos mercados que, por todos os títulos, cabiam ao produto da antiga
província de Sao Pedro.^o »
Embora não se depreze a eficiência do esquema de circulação
oferecido pelo ingleses para a distribuição do produto platino,
considera-se que urn dado fundamental seriam os progressos técnicos
que a penetração britânica na área foi capaz de introduzlr^^*
Achamada Guerra Grande (1838-1851) novamente velo determinar
um período critico para o saladero platino e para a economia uruguaia
que se viu reduzida a fornecer gado para o Brasil, gado quê
era contrabandeado ou alvo das chamadas califórnias encetadas pelos
estancieiros gaúchos que invadiam o território platino para arrebanhar
OS animais. «niiai
o final do conflito foi marcado pelo Tratado de 1851 entre o
Uruguai eo Brasil. No dizer de Dotta, o Estado Oriental foi prejudicado
(...) aí concederse al Impeho Ia exoneraclón dei pago de todo impuesto al ganado de
Ia Banda Oriental, el que alimentaria a los saladeros riograndenses, provocando Ia
ruína de jos aquellos poços establecimientos que habían logrado subsistir en los
críticos anos de Ia guerra. Anota el historiador E. Acevedo queen1854 sólo un saladero
trabaja en toda Ia costa dei Rio Uruguay, el de Lafone, Y"(...) ese mismo no puede
lucharcontra los establecimientos similares dei Rio de Grande, por Ia sensilia razón de
que ellos compran nuestros ganados libres de impuestos, en tanto que nuestro tasajo
está sujeto a fuertes derechos de importación en Brasil" .
Todavia, na década de 60 do sécuio passado, acentuou-se no
Uruguai a infiuência inglesa no processo de fabricação de carnes,
reaiizando um aproveitamento quase que completo do gado,
dotando-o de uma estrutura capitalista com relações de produção
assalariadas, divisão do trabalho, utilização de mão-de-obra especiali
zada e melhorias técnicas.36

33tEJO, Limeira. A indústria rio-grandense em função da economia nacional. IN: DIRETORIA GERAL DE
estatística. Estatística industrial do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1939. p. 17.
^Bibliografia sobre o modo produtivo:
35
CARDOSO, op. cit.. nota 4.
36
RAMOS, José Hugo Castro & OSÓRIO, Ivan. Rio Grande do Sul, industrialização posta à prova. Porto Alegre.
Diretoria do EnsinoIndustnaKMEO/Centrode Estudos Sociais de Faculdades de Filosofia da UFRGS, 1969. cap. 2.

41
No final do século XIX, o aumento de emigração estrangeira para o
Prata - não só de Ingleses mas também de alemães, Irlandeses,
franceses - proporcionou à area a Incorporação de mentalidade
capitalista , experiência comercial e novo surto de renovação técnica.
Foram realizados melhoramentos, tais como cercamento de campos.
Importação de reprodutores selecionados, cruzamento, aprimoramento
do gado criolio e mesmo o estabelecimento de uma unidade fabril de
extrato de carne (1861, Frav Bentosi, vendida em 1866 k Liebig
Extract oT Meat. Além destas Inovações, foram realizados aparelha-
mentos nos portos, dinamização do sistema bancário e construção de
uma rede ferroviária.^^
Para a compreensão do processo que o Prata, como um todo,
apresentava, é fundamental que se tenha em vista que, nestes países, a
pecuária apresentava-se como a economia central, para a qual eram
canalizados todos os recursos. Da mesma forma, os senhores de terra,
gado 0 charque, constituíam-se na classe dominante nacional, que
controlava os mecanismos decisórios de poder. Comparativamente, o
RGS possuía uma economia subsidiária da economia central e sua
classe dominante local era subordinada aos Interesses dos senhores do
café que controlavam a política nacional.
Feita esta exposição, retome-se o caso do Uruguai, principal
concorrente do Rio Grande no charoue.
O fato de dispor de um gado de melhor qualidade, selecionado; de
ter a sua disposição pastagens forrageiras; do custo de produção,
expresso em terra, gado e sal, apresentar-se multo baixo, pondo, multas
vezes, o charqueador a resguardo das flutuações do mercado, eram
vantagens que o Uruguai apresentava como país saladeirll por
excelência. Aliás, foi mesmo esta reduzida Inversão de capital que
permitia a existência de uma renda mínima, mesmo quando a
conjuntura desfavorável de mercado se configurava. Tudo Isto Induzia a
continuar produzindo. Reduzia aindamais o custo de produção o fato do
saladero uruguaio ser litorâneo, não precisando seus produtos percorrer
longas distânclàs para o escoamento.
Apoiado por uma política nacional orientada por satisfazê-lo,
dotado de bons portos e rede ferroviária, superiores tecnoiogicamente e
tendo por trás de si o sistema de transporte marítimo britânico, o salade
ro ainda não dependia de um único mercado, exportanto tanto para o
Brasil como para Cuba.
Se estes fatores, assim equacionados, podem ser apontados como
vantagens do tasajo orientai em relação ao produto rio-grandense, por
outro lado, a charqueada uruguaia também se via prejudicada pelos
mesmo fenômenos que afetavam o produto gaúcho na sua colocação
^'^FRANCO, Guilherme Vnzquez Ingleses, fefio,f:arriles v fnqotificos Enciclopédia Uruguava. Montevideo, Ed.
Reunidos/Editorial Arca, 1968 p 83

42
no mercado brasileiro. Fundamentalmente, eles eram representados
pelas flutuações do câmbio e pelo reduzido poder aquisitivo do
consumidor nacional.
Tome-se, como exemplo, a situação que se configurou no período
de 1896 a 1900, para o charque orientai. Nodecorrer dos anos citados, o
Rio Grande do Sul sofria os efeitos da guerra civii (1893-1895), que
desorganizara a atividade criatória do Estado, fazendo incidir seus
efeitos sobre as charqueadas. O período da guerra perturbara ainda
mais o sistema de transporte ferroviário, prejudicando o gado serrano,
praticamente o mais necessitado neste sentido.
Àdiminuição da produção de charque no Rio Grande do Sul seguiu-
se a diminuição do abatede gado naArgentina com destino para tasajo.
Este pais se lançara já na escala de frigorificação, o que decretara um
rápido declínio dos saladeros locais. Voltara-se, então, a Argentina para
a indústria de carne frigorífica e para a exportação do gado em pé para
a Grã-Bretanha. Na mesma época. Mato Grosso e o Nordeste brasileiro
foram atingidos pelas secas, restringindo também sua oferta de
charque para os mercados centrais do país.
Ora, com a queda da oferta do charque do Rio Grande, da
Argentina e de outros concorrentes brasileiros, o charque oriental
praticamente dominou o mercado nacional, registrando-se não só um
aumento das exportações uruguaias para o Brasil, como também uma
elevação no preço do artigo^®•
Neste caso, não só a diminuição da oferta do produto contribuiu
para a elevação do seu preço, mas também o fato de se sentirem os
efeitos econômico-financeiros da política emissionista do encilhamen-
to sobre a economia brasileira, depreciando o valor da moeda e
ocasionando a inflação. O aumento do preço do produto no meroado
não deve ser, porém, considerado como uma situação ótima, na
medida em que os consumidores se retraiam.
Oferta disminuida, precio alto y consumo restringido fue ja nueva equaclón. De
todo eiio se deducia que ia pobreza dei consumidor brasiieno era ei regulador dei
mercado tasaiero, ei único dato invariabie de todo ei negocio saladerii. Si ia oferta
crecía, comia màs porque pagaba menos; si iaoferta disminuia, ei precio se eievaba y
comia menos..., o no comia tasajo.39
Que condições apresentava a charqueada gaúcha para tentar
superar esta situação da grande presença do produto similar platino no
mercado nacional?
Uma saída era tentar conseguir impor uma política alfandegária
protecionista a fim de alijar do mercado brasileiro o concorrente melhor
situado.

38compa.ar ,a,s a.,-macôes co.n a.aPela da „ 40 P-co Méd,o do Charcuo nos Mercados do Nor,e
^^BARRAN,JP.&NAHUM,BRecuperüCiónvdepefidencia( 1895 1904) IN Histona rural deiUruguay
moderno. Motevideo, Ediciones de Ia Banda Oriental 1973 Tomo III, P 46
^^PIMENTEL, op cit , nota 20. p 146

43
Em alguns momentos isto foi conseguido peio Rio Grande do Sui.

Em 1902, o charque do Rio da Prata sofria as conseqüências de um imposto de 120


reis por quilo. Depois, elevou-se a157 réis, com um aumento de25 por cento. Em 1906,
estabeleceram a taxa de180 réis que, com o câmbio nesta época, dava-ltie um valor de
242. Em 1902, a importação de charque do Brasil, procedente do Rio da Prata, foi de
31.074.000 quilos ea produção nacional sódeu 6.116.000 quilos. Em1905 a importação
diminuiu a 18.387.000 quilos e a produção subiu a 14.064.000; portanto, a importação
do Rio da Prata diminuiu de 40,8 por cento e a produção, peio contrário, aumentou de
142 por cento em quatro anos. Para esclarecer os leitores, transcrevemos a seguinte
estatística;^"

Anos Do Rio da Prata Do Rio Grande

1902 31.074.000 6.116.000


1903 26.946.000 7.255.000
1904 19.427.000 14.852.000
1905 18.387.000 14.061.000
Em 4 anos: 95.734.000 42.284.000

Embora este recurso tenha conseguido diminuir aentrada do produ


to orientai e aumentar a presença do charque gaúcho nas praças de
comércio brasiieiras, ele não se manteve como uma constante.
O imposto de importação do charque estrangeiro, que atingiu 200
réis em 1906, não sofreu modificação até 1916, quando foi reduzido
para 170 réis. Já com relação à importação do gado de corte vindo do
Uruguai, em 1905 passou a ser cobrada uma taxa de 30$000 porcabeça
de gado vacum introduzido pelas fronteiras terrestres. Os compradores
brasileiros, que até então tinham livre acesso ao gado platino, de
superior qualidade, deixaram de comprá-lo, tendo em vista um im
posto que foi considerado proibitivo. O reflexo foi uma baixa do
preço do gado uruguaio, que pôde então ser aproveitado pelos salade-
ros orientais. Aestabilização do imposto alfandegário sobre o charque
estrangeiro e o aumento da taxa de importação do gado platino só veio
a beneficiar o charqueador oriental, que podia assim adquirir matéria-
prima barata e oferecê-la a preço bom no mercado brasileiro "^i.
Tentar eliminar o competidor platino através de uma política que
não só não tinha continuidade, como também não era acompanhada de
outras medidas complementares, não servia para solucionar o proble
ma a nível do mercado.

^'íbidem, p, 293.

44
Além de tudo, eliminar o concorrente não significaria conseguir
impor um preço muito alto, tendo em vista o poder aquisitivo do
mercado, extremamente baixo. Não se tornara possível também forçar
um maior consumo pelo abaixamento do preço do artigo, pois ai o
limite adviria do preço do gado, em elevação na passagem do século.
Uma saida para a economia rio-grandense seria talvez a conquista
do mercado cubano, mas, neste, o Uruguai tentava afirmar-se cada vez
mais, principalmente após a dominação americana (1891) quando os
Estados Unidos tentaram fazer penetrar no mercado antilfianoprodutos
enlatados.
Se estas eras as opções de saida que se apresentavam para o
charque gaúcho, no piano do mercado (protecionismo alfandegário e
busca de afirmação em outros mercados), os saladeros piatinos toma
ram outro rumo.
Para sair da crise, muitas charqueadas orientais voltaram-se para a
perspectiva de emigrar para o exterior, o que significava estabeiecerem-
se dentro das fronteiras do Rio Grande do Sul. Através deste recurso,
ficavam livres dos impostos alfandegários cobrados pelo Brasil, po
dendo mais facilmente abastecer as praças do nordeste. Tinham condi
ções de obter mão-de-obra a mais baixo custo do que no Prata e, pelas
suas ligações comerciais com a pátria de origem, podiam adquirir gado
de superior qualidade no Uruguai. Além disso, o trabalhador da char-
queada gaúcha reveiava-se mais dócil e menos consciente que o do
Prata, onde as greves dos trabalhadores nos saladeros levavam os
empresários a procurar emigrar. Desta maneira, importantes estabele
cimentos charqueadores se estabeleceram no Rio Grande do Sul, origi
nários do Estado Orientai, como a firma DIckInson & Cia., fundada em
itaqui em 1910, a A Compania Saladero Barra de Quarahy, fundada em
1887, a São Carlos, em Quarai. no ano de 1911, e o Saladeiro Alto
Uruguai, também em 1911, em São Borja^^-
Até agora, em termos da concorrência platina, foram colocadas as
articulações das charqueadas orientais e das gaúchas na busca de
abastecimento de um mesmo mercado.
Todavia, enquanto que o Rio Grande do Sul mantinha-se arraigado
á charqueada como forma principal da industrialização da carne, o Prata
já arrancará para uma fase de maior avanço tecnológico, com a
instalação dos frigoríficos.

Com relação á entrada do frigorífico no Prata, é preciso que se


retome alguma coisa do processo de expansão do capitalismo e seus
reflexos sobre as áreas periféricas do globo.

"*2 BARRAN & NAHUM, op. cit., nota 39, p. 325 et seq.

45
Na virada do século, a economia mundial passou a experimentar
os resultados das mais recentes Inovações tecnológicas que fizeram
baixar o custo da produção e o preço de multo artigos de consumo
mundial.

A Europa apresentava uma população em crescimento e com maior


poder aquisitivo. A dinamização da economia Industrial e o processo de
urbanização traziam consigo o problema da alimentação das camadas
populares, médias e baixas. Alimentar a classe proletária tornava-se
um problema social, na medida em que fornecer artigos de subsistên
cia baratos era uma forma dos Estados capitalistas atenuarem a tensão
social. Frente a esta situação criada, o rebanho europeu apresentava-se
Insuficiente para satisfazer estas exigências de Incremento da demanda
mundial de alimentos.
Os conflitos em que o capitalismo se via envolvido - a guerra dos
boers, por exemplo - faziam aumentar esta necessidade, com a pre-
mêncla de abastecimento do exército. '
Dentro desta perspectiva, passou o capitalismo a exportar capitais,
tecnologia e todo um Impulso de renovação estrutural da pecuária, com
medidas de seleção e cruzamento do gado, para aquelas regiões do
globo que apresentassem boas condições de-lucratividade. Se nestas
áreas o capitalismo das zonas centrais já tivesse estabelecido raízes
mais ou menos sólidas, melhor ainda. A partir destas colocações, o
Prata foi uma área de eleição, que se tornou ainda mais atrativa quando
se agregou ao contexto de renovação mundial a mais recente descober
ta em termos de conservação de carnes: a frigorificação.
Tecnicamente, o problema da conservação da carne pelo frio foi
resolvido desde 1876, com as descobertas de Charles Telller. O Invento
de Telller permitiu, a título de experiência, o transporte de Bordeaux ao
Prata de carnes frigorificadas em perfeitas condiçbes. O êxito da expe
riência fez com que, tanto o capitalismo Inglês como o norte-america
no, se lançassem à comercialização e produção de carnes conservadas
pelo frio.
A partir deste momento, o Prata se apresentou como uma região
por excelência para o Investimento estrangeiro: grandes reservas de
carne, superiores às exigências de sua população; gado selecionado
através da Importação de reprodutores britânicos, criando um tipo de
animal cuja carne adequava-se às exigências do consumo europeu;
local onde a carne, a terra e o salário apresentavam índices de baixís
simo custo; bons e aparelhados portos e eficiente sistema ferroviário,
conjugado com o esquema Inglês de transporte marítimo, capaz de
oferecer baixos fretes.
Este tipo de atrativo não se exercia só sobre a Grã-Bretanha, a
primeira a Implantar frigoríficos na Argentina: The River Plate Fresh
Meat Company, em 1883, La Plata Cold Storange, em 1902, e Smíth

46
field, em 1903. As principais inversões argentinas realizaram-se com a
formação dos frigoríficos La Sansinena Company (1884), La Bfanca
(1902) e Frigorífico Argentino (1905)^^-
A tais empreendimentos logo viriam se acrescentar as empresas
norte-americanas, através da instalação no Prata do famoso Beef
Trust, de Chicago. As gigantescas companhias Sw/7f, Morris, Armoure
Wilson (ou The Big Four, como também eram chamadas) iriam, a partir
de então, encetar uma luta ferrenha com o capitalismo inglês já instala
do.
Citando em sua obra um comentário do Times de Londres, em
1902, Barran & Nahum informam:
La provisión de carnes en los Estados Unidos está centralizada em manos dei
"Beef Trust", formado por grandes casas consignatárias que tienen su asiento principal
en Chicago. Media docena de estas firmas manejam ellas soias toda Ia provisión de
carne de vaca, de puerco y de carnero para ei puebio americano, dirigen ei comercio de
ganado y de carnes desde que nace ei animal hasta que se convierte en articulo de
consumo (...) Proprietários de cabahas, criadores de ganados, peones de estancia,
comisionistas, matarifes, carniceros vendedores ai por menor, todo ei mundo depende
de este puhado de hombres ricos, contanto que estes hombres se combinen. El abril
pasado se combinaron y elevaron los precios de Ia carne en toda Ia Uniòn, con el
resultado de que se produjeron distúrbios en Nueva York y se extendiò por todo ei país
el descontento (...) El "Beef Trust" hace invernar gran parte de su ganado en tierras dei
Estado, por Ias que no paga nada (...)Se sostiene que, mientras el sindicato encarece
el precio de Ia carne para el consumidor americano, continua vendiendo esta a precios
mucho más bajos en ia Gran Bretaha (...)Las ramificaciones dei "Beef Trust" son muy
profundas. Está vinculado a todos los demás trust, y así se explicaque Ia lucha entre el
puebio americano, encabezado por el Presidente, y los grandes sindicatos cujo cam-
peòn típico es el "beef Trust", sea seguido con intenso interés tanto dentro como fuera
de Ia gran República.44
Os autores referem-se aqui aos efeitos da poiítica federai anti-trus-
te que se desenvolveu nos Estados Unidos a partir de 1890. A Lei
Sherman, que proibia as coligações monopoiísticas para limitação de
comércio e imposição de preços refletira uma exigência dos cidadãos
americanos revoltados contra o que consideravam exageros do capita
lismo monopolista que começava a se configurar. Porém, a Lei só teve
aplicação prática com o presidente Theodore Rooseveit, que procurou
submeter estas empresas ao controle do Estado, iniciando uma
campanha contra as grandes associações, principiou pelo Trust da
Carne, formado pelos frigoríficos de Chicago que haviam organizado e
NationaiPacking Campani para obter o controle de frigorificação da
carne no centroeeste. Como refere Linck^®, apesar do Supremo

''3RICHELET, Juan. La ganaderla argentina y su comercio de carnes.


Buenos Ayres, J. Lajouane/Libraria Nacional. 1928.

^BARRAN & NAHUM, op. cií., nota 39, p. 69-70


"^^LINCK, Aríhur. História Moderna dos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. p. 192.

47
Tribunal ter dado ganho de causa ao Governo, em1905, os
frigoríficos continuaram desafiando-o.

Contudo, não foi apenas peia pressão do Governo americano que


os Big Four de Chicago se dirigiram para outras áreas. As razões
devem ser encontradas muito mais na escassez do gado, na aita do seu
preço e dos saiários que se manifestavam nos Estados Unidos: na
situação do seu mercado e na necessidade de exportar capitais ocio
sos para invertê-los em áreas periféricas, onde os custos de produção
eram baixíssimos e os lucros fabulosos.
Dentro deste contexto, o Prata apresentou melhores condições,
pois na Argentina já se haviam instalado frigoríficos ingleses. Em 1907,
a C/a. Swift comprou o frigorífico La Plata (misto de capitais australia
nos, sul-africanos e ingieses), começando aos poucos aadonar-se do
mercado: em 1909, a National Packing Company (representada pela
Armour) adquiriu La Blanca e, em 1908, Suizberger & Sons (antecessor
de Wilson) compraram o Frigorífico Argentino.
O Uruguai, em 1902, montou, com capitais locais, La Frigorífica
Uruguaya, empresa formada por uma oligarguia de financistas. O alto
valor nominal de suas ações revelava o reduzido grupo de capitaiistas
que montou o frigorífico. Em 1915, foi criado o Frigorífico Artigas,
também com recursos uruguaios.
Logo se faria sentir a ação do imperialismo americano sobre a
Banda Oriental, quando, em 1911, a Swift adquiriu o Frigorífico
Montevideo, de iniciativa uruguaia. Logo em seguida, a companhia
angio-argentina Sansinena comprou La Frigorífica Uruguaya.
Estava aberta a luta pela carne da região do Prata. Os americanos,
em especial, faziam-se simpáticos aos estancieiros locais, uma vez que
ofereciam alto preço, considerados que eram como verdadeiros salva
dores da pecuária. Dotados de mais sólida estrutura financeira, tinham
mais condições que os ingieses de oferecer um maior preço pelo
gado^®. Dentro deste choque de imperialismos, a disputa pelos reba
nhos platinos e pelos mercados mundiais continuou sem tréguas.
Em 1911, reaiizou-se a Conferência dos Fretes, de inspiração bri
tânica, para dividir entre as companhias frigoríficas a exportação de
carne para a Inglaterra. O primeiro pooi, que durou de 1911 a 1913,
constituía como que um super-trust,

(...) dontje se compensaban o se neutralízaban Ia potência refrigeradora norte-ame


ricana y Ia capacidad de fletes (...) Inglesa.47

46richELET, op. cit., nota 43, cap, 2, e FRANCO, op. cit., nota 37.

^^fraNCO. op. cit., nota 37, p. 96.

48
Os criadores se beneficiaram da luta, uma vez que lhes convinha a
política de preços altos para o gado que a competição entre os frigorífi
cos estimulava. Apesar de externamente caírem os preços em Londres,
os frigoríficos mantinham os mesmos elevados para os criadores lo
cais. Neste primeiro pool, os Estados Unidos haviam ficado com
41,35% das vendas, a Inglaterra com 40,15% e a Argentina com 18,50%,
mas, em 1913, as companhias americanas ameaçaram retirar-se caso
não lhes fosse concedido aumento de 70% sobre sua quota. Apesar do
Governo inglês ter intercedido junto ao argentino por suas companhias,
prevenindo contra o monopólio que Chicago pretendia exercer no Prata e
do assunto ser muito discutido no Parlamento argentino, onde se
desenvolveu uma campanha anti-truste, as companhias americanas
afirmaram que poderiam prosseguir oferecendo preços cada vez mais
altos sem com isso perder dinheiro. Em 1914, obtinham a vitória. No
novo pool que se formou, os Estados Unidos obtiveram 58,50%, a
Argentina11,86%, ea Inglaterra29,64%. Indiscutivelmente, os Estados
Unidos haviam obtido o controle da situação'*®.
Sintetizando, configurava-se uma situação de crise no período
republicano que antecedeu à guerra (1890-1913) no referente ao setor
econômico pecuário gaúcho.
Por um lado, uma criação extensiva que se caracterizava pela baixa
produtividade e pouca utilização de recursos técnicos para o melhora
mento do rebanho; por outro lado, a arcaica charqueada que apresenta
va problemas na ordem da produção e na esfera do mercado.
No conjunto, ambas as atividades apresentavam-se com entra
ves ao processo de acumulação de capital. Isto em parte pode ser ex
plicado pela não configuração de relações capitalistas assalariadas
de produção na sua forma plena, pela precariedade de tecnologia e
mesmo pelo valor de troca obtido no mercado pelo artigo produzido. A
alta do preço do gado, que poderia se constituir numa perspectiva
favorável para o criador, era um fator que onerava o custo de produção
do proprietáro da charqueada, abrindo-se, com isso, uma frente de
conflito entre ambos.
No conjunto, a economia gaúcha se apresentava globalmente de
pendente dos centros do país, onde ficava captada parte do excedente
produzido.
Mesmo apontando todos estes obstáculos e configuração de crise,
o Censo de 1907, realizado pelo CentroIndustrial do Brasil, fazia figurar
a indústria da carne seca do Rio Grande do Sul numa relação que
apresentou cem das maiores empresas brasileiras da época.
Por exemplo, como oitava firma relacionada, figurava a de Emílio
Calo &Cia. (Quaraí), como décima-sexta a de Anaya &Irigoyen C-ivra-
mento) e, como vigésima, a pertencente a Ribeiro Magalhães (Bagé).
'^RICHELET, op. cit., nota 43,e SMITH, Peter. Carne ypolítica en ia Argentina. Buenos Aires, Paidòs, 1968.

49
Dentre as cem maiores firmas manufatureiras cadastradas em 1907,
veja-se aquelas pertencentes ao Rio Grande do Sui^.

Valor da Trabalha Cavaios


Ordem Nome da firma Setores Capitai
Produção dores Vapor

8 Emílio Caio & Cia. Carne seca 5.563 900


16 500 200
Araya irígoyen Carne seca 500
20 3.735 410 110
Antônio Nunes Ribeiro Magalhães Carne seca 500
28 3.362 370 80
Otero, Gomes & Cia. Banha 1.200
31 2.780 100 20
Pedro Osório & Cia. Carne seca 500
2.438 350 100
32 Empresa industriai Bageense Carne seca 400
33 2.434 300 60
Albino Cunha Moagem 616
53 2.420 160 200
S.A. (sic) Carne seca 259
1.759 200 60
54 João Tamborim Carne seca 1.759 100
55 150 30
Nicoiau Alam Carne seca 100
56
1.713 200 20
Cia. União Fabril Tecidos 1.710 5.000 1.008 710
60 Uma Cia. (sic) Carne seca 1.669 350 180
61 80
Jacob Renner & Cia. Banha 1.650 500 55 20
62 Nunes & irmão Carne seca 1.650 120 70 30
69 Christiano Jacob Trost Banha 1.400 380 41 10
72 Empresa Lacerda & Cia. Carne seca 1.288 250 60 60
83 José Andreazza Vinho 1.200 150 84 25
85 Breitas & Filho Carne seca 1.146 150 100 40
87 Manuel Patrício & Filho Oarne seca 1.110 120 85 46
88 Zeferino Lopes Moura Carne seca 1.109 180 78 60
91 F. Rheingantz Chapéusi
93
i.100 300 164 60
J.J: Mendonça Azevedo Carne seca 1.066 250 79 20
94 Augusto Nogueira Carne seca 1.066 150 80 8
97 Cia. Fabril Paulistana Tecidos 1.050 3.687 400 200
98 Santo Becchi & Cia. Tecidos
1.050 800 700 400
100 Cia. Mecânica e Importadora Fundições
300 5.000 353 200

Apesar das falhas que possa apresentar o Censo de 1907, a Julgar


pelos dados fornecidos, 26% das maiores empresas do Brasil locallza-
vam-se no Rio Grande do Sul, São Paulo açambarcava 15% e Guanaba
ra 27%.
Dentre as maiores do Rio Grande do Sul, 61,5% eram representa
das pela manufatura da carne seca. Todavia, se for comparado não o
valor da produção, mas o capital empregado, vê-se a situação se
inverter, quando se defrontam, por exemplo, a firma charqueadora de
Emílio Calo e a Cia. União Fabril. Enquanto que a charqueada apresen
ta maior valor de produção, a fábrica de tecidos a sobrepuja de multo
em capital da firma ou, ainda, em cavalos vapor ou trabalhadores.
Isto leva a pressupor que, embora a produção da charqueada fosse
multo grande, não poderia ser comparada em termos de maquinaria
empregada, capital disponível ou mesmo nível de divisão do trabalho
com a indústria têxtil.
Em outras palavras, a charqueada, embora pesasse quantitativa
mente na produção do Estado, qualitativamente ficava a dever à fábrica
''^DEAN, Warren Ainduslnalização durante a República Veiha IN FAUSTO, Bons, org OBrasilrepublicanítW São
Paulo, DIFEL, 1975 V I, p. 26-2

50
de tecidos, quanto à aproximação com uma empresa capitaiista piena-
mente configurada.
A criação, por seu turno, oscilava entre seus problemas inerentes à
estrutura produtiva de baixa produtividade e a sua dependência à char-
queada, para quem vendia a matéria-prima.

51
1.3. - A classe dominante e as formas de conscientização da crise
Não se pode dizer que a classe dominante gaúcha fosse totalmente
alienada do processo de renovação porque atravessava a economia pe
cuária, notadamente a praticada na zona platina. Rememorando a evo
lução bovina no Rio Grande do Sul, Euclides Moura escrevia numa série
de artigos publicados no Carreiro do Povo em 1914:
o exemplo do cruzamento com o gado inglês Introduzido no Rio da Prata por cria
dores ingleses nos veio porém da República do Uruguai, que acompanhou desde logo
com passos iguais aos da Argentina os progressos da criação moderna. Há perto de
quarenta anos que criadores brasileiros estabelecidos na fronteira com aquele país, ou
no próprio território oriental, começaram a introduzir no Rio Grande do Sul gado fino de
cria do Dr. Carlos Reyles, o homem que entre os primeiros mais denodadamente se
aventurou a reformas pecuárias no Uruguai. Dos nomes patrícios que mais notadamen
te se colocaram à frente do movimento reformador no nosso Estado é justo citar, peios
sacrifícios feitos e pela eficiência de ação, o Sr. Augusto Pereira de Carvalho, fazendei
ro em Santana do Livramento (...) apresentando em seus campos bem cuidados belos
exemplares bovinos de afamadas raças. Conquanto moroso, esse movimento conti
nuou no Rio Grande até ser interrompido pela agitação política e pela revolução
federalista de 1893. Concluída esta e pacificado o Estado, a atividade rural foi toda
absorvida pelo repovoamento dos campos que a fratricida luta deixara abertos e vazios.
Mas já em 1898, homens que três anos antes se achavam de armas na mão em campos
opostos, embora ainda adversários políticos, se uniam e conjugavam esforços para o
nosso progresso econômico, fundando na cidade de Pelotas a Sociedade Agrícola Pas
toril do Rio Grande do Sul, que foi na nossa terra a feliz iniciadora das exposições agro
pecuárias.50
Face a problemática que se apresentava para a pecuária gaúcha,
tanto no nível da produção como no do mercado, teve início na década
de 90 do século passado um movimento de reação dos pecuaristas.
A tendência organizatória e de avaüação crítica dos problemas a
serem enfrentados desenvolveu-se a partir de Pelotas, unindo as dife
rentes facções políticas numa frente, que pode ser considerada parado-
xai, se forem iembrados os sangrentos episódios da revolução da dego
la, que precedeu a formação da Sociedade. Entretanto, deve-se te? em
vista que a distinção política no sul não obedecia a um critério de
ciasses, ou seja, tanto o PRR quanto o Partido Federalista (PF) abriga-

Z50mouRA, Euclides. A questão do gado. Correio do Povo. Porto Alegre,29 maio 1914. P.1.

52
vam latifundiários da pecuária. Eiementos integrantes da mesma classe
tendem a apresentar Interesses econômicos comuns. Configurada uma
situação de crise, a tentativa de superação da mesma uniu-os na mesma
agremiação que buscava defender os interesses da pecuária, embora no
plano político permanecesse a distinção básica: os republicanos eram
os de dentro, os maragatos eram os de fora.
Apropagandaem torno da necessidade de associaçãodos ruralistas gaúchos, pa
ra melhor incremento de sua produção e profícua defesa de seus interesses, encontrou
mais decisivo impulso inicial nas colunas da "Revista Agrícola do Rio Grande do Sul",
fundada em 1897, em Pelotas, sob a Inspiração de competentes agrônomos, com Gui-
Ifierme Minssen à frente, todos agrupados em torno da bandeira do ensino agrícola no
Liceu Riograndense de Agronomiae Veterinária, da Princesa do Sul. Como deco.^rôncla
de salutar campanha destes batalhadores, surgiu naquelacidade a lídima pioneira das
associações rurais do Estado — a Sociedade Agrícola Pastoril do RioGrande do Sul, a
12 de outubro de 1898.51
Adiretoria da Sociedade era formada peias prestigiosas figuras de
José Cipriano Nunes Vieira, presidente, Antunes Maciel, vice-presiden
te, e Soares de Paiva, 1? secretário, nomes estes ligados à atividade pe
cuária.
Coincidiu o surgimento desta organização pioneira com a crise da
pecuária gaúcha registrada após a guerra civii de1893-1895, atingindo a
criação e a charqueada.
Entre as suas proposições, a Sociedade Agrícola Pastoril do Rio
Grande do Sul recomendava a difusão dos processos de refinamento e
seleção do rebanho, bem como a agremiação dos latifundiários.
A julgar pelos nomes integrantes da Sociedade, nela se encontra
vam representantes de uma e outra fração de classe dos pecuaristas.
Não possuímos eiementos conclusivos que permitam afirmarque a agre
miação defendia os interesses específicos de charqueadores ou de
criadores. Um fato, contudo, foi constatado no decorrer da pesquisa:
na medida em que um elemento apresentou-se como criador e char-
queador,ao mesmo tempo tendeu, na maior parte das vezes, a defender
os interesses da fração de ciasse majoritária, ou seja, aquela ligada à
criação.
Quanto à existência de um possível conflito entre aqueles que
industrializavam a carne e os que a forneciam, Barran & Nahum, ao
descreverem o panorama pecuário do extremo sul, referem um convê
nio do charque, efetuado em 1897. Dão a entrever a existência de um
atrito presente entre as duas frações da classe dominante local e outro
entre os charqueadores e as casas consignatárias da venda do produto
nos mercados do centro e do norte. A venda em consignação implicava
em que o custo da produção do artigo aumentasse na medida em que o
intermediário cobrasse comissão muito alta.
Yaantes de iniciarse Iazafra de 1897-1898, los saladeristas brasllenos de Rio Gran
de flrmaron un convênio con ei cual procuraron: a) dlsmínuir Ia oferta de tasajo, com-
prometlèndose cada industrial a reducir en un 50% Ia matanza de ganado y arrendar.

51piMENTEL, op. cit. nota 20, p. 255.

53
porintermedie dei sindicato queconstituirían, lossaladeros queno habian trabajado ei
ano anterior para manteneriosen ia inactividad; b) mejorar su posición frente a los con-
signatarios, eligiendo comisionistas en cada mercado dei Norte dei Brasil, designados
por IaAsemblea General de los industriales, noaceptandootro régimen que el dei pago
de Ia mitad dei producto ai contado, "y nunca menos"; c) mejorar su posición frente a
ios hacendados, ya que ai disminuir Ia produciòn èstos sufrirían de plétora, comprome-
tléndose los industriales entre si a comprar el ganado a 30 dias de plazo para el pago, y
no a menos52. 53
A tatica é clara; restringir a matança para elevar o preço do char-
que no mercado e sustar a crise das charqueadas, mantendo arrenda
dos os estabelecimentos inativos; deixa entrever também as conse
qüências que deveriam enfrentar os criadores que se veriam a braços
com a superprodução do gado gordo, uma vez que as charqueadas res
tringiam suas atividades.
Como se vê, deiineavam-se antagonismos sem que estes se reve
lassem ainda de maneira ciara, como aconteceria mais tarde. De um la
do, aparecia a presença de um convênio entre os industriais da carne e,
de outro, uma sociedade que, pelos seus fins, objetivava o aprimora
mento da atividade criatória gaúcha.
Uma vez fundada, a agremiação pioneira dos pecuaristas passou a
desenvolver uma intensa atividade a fim de atingir os fins a que se pro
punha.
Instalada a sociedade em outubro de 1898 (...) recebia adesões de diferentes
pontos do Estado e decidia, no mês seguinte, efetuar ai? exposição agropecuária para
a qual obteve o auxílio de um conto de réis da Intendència Municipal e de seis contos
de réis do Governo do Estado, que comunicando esta decisão declarara em telegrama
firmado pelo Dr. Borges de Medeiros à diretoria da sociedade: "O Governo louva e
aplaude a brilhante iniciativa dessa associação que pode contar com a melhor boa von
tade em prol do seu alevantado tentamen".
A exposição realizou-se em 21 de abril de 1899, sendo apresentados entre os ani
mais expostos quarentas quatro bovinos crioulos e diversas raças em diferentes^graus
de sangue. (...) Na 2® exposição, efetuada em 24 de fevereiro de 1900, foram apresenta
dos 78 vacas quase todas dignas de apresentação e o número de secções do grupo de
bovinos, que na primeira fora apenas de 4, eievou-se a 10, dividindo-se pelas raças
Durham, Hereford. Schavitz, Holandesa e Crioula(...) A3® exposição, em abril de 1908.
excedeu as anteriores, não só em número como na quaiidade do produto. A 4?, em
1905, concorreram 63 bovinos. A 5?, 6? e 7? realizaram-se, respectivamente, em maio
de 1907, novembro de 1910 e março de 1913, assinalando cada um destes certames um
passo largo no melhoramento pecuário.54
Embora efetivamente o processo de refinamento tenha feito pro
gressos no Rio Grande do Sul, em 1914 o Estado possuía 312 bovinos
de puro sangue registrados, enquanto que o Uruguai apresentava 1.582
bovinos em 1907, registrados 1.627 em 1908 e mais 1.617 animais em
1909, perfazendo um totai de 4.826 cabeças em três anos. Como dizia
Euclides Moura, comprovava-se a enormidade de distância em que o
Estado se achava do Uruguai e Argentina no processo de seleção do re-
banho^®.
^^baRRAN b NAHUM op cil . nola 39. P 1^8
53ver tabela p. 40: de 1893a 1896o preço do charque baixou.
^^MOURA, op. cit. nota 50. p. 1.
55lbidem. p. 2.

54
Uma das conseqüências da campanha levada a efeito pela Socie
dade Agrícola Pastoril de Pelotas, foi a disseminação pelo Estado de
outros núcleos agremiativos locais que, por sua vez, começaram a rea
lizar exposições de gado, municipais ou regionais.
Em 1903, surgiu a Sociedade Pastoril e Industriai de Jaguarao; em
1904, nasciaa Associação Rural de Bagè, sob a presidência de Joaquim
Francisco de Assis Brasil, e surgia também a Associação Rural Gabrie-
lense; em 1905 era a vez da Sociedade Agrícola Pastoril de üru^aiana.
Seguiram-se a Sociedade Pastoril de Dom Pedrito, a de Arrolo Grande,
Santa Vitória e outras.
Ainda por Iniciativa dos ruralistas de Pelotas, em1905 conseguiu-
se o transporte do gado em pé pela Southern Brapiian Railway Compa-
ny(Rio Grande a Bagé, nesta data sob a concessão da Cie. Auxiiiare ae
Chemins de Fer au Brésil). ... c «waWí.
Para comemorar o 10? aniversário de sua existência, a bocieaaae
Agrícola e Pastoril do Rio Grande do Sul promoveu oi? Congresso
Agrícola do Estado, realizado em Pelotas, a 12 de outubro de laUo.
Seu presidente, Joaquim Luís Osório pôs em debate a conv^enien-
cla da fundação de um órgão queagremiasse todas as associações ru
rais que haviam proliferado pelo Estado. Tal projeto tornou-se reaiiaa e
numa assembléia de criadores realizada em Porto Alegre em oe
setembro de 1909, quando surgiu a Federação das Associações Rurais
do Rio Grandedo Sul, entidade de classe que congregava os pecuaristas
para a defesa dos seus Interesses. irir.ro
A partir dai, a Idéia cooperativista e associativa tomou um incre
mento cada vez maior no melo dos latifundiários. . . o- n
01 ? Congresso da Federação dasAssociações Rurais do Rio Gran
de do Sul teve lugar em 11 de junho de1910, sob a presidência de uar-
los Barbosa Gonçalves e contando com a presença de Inúmeros repr^
sentantes das sociedades filiadas, que debateram problemasreterentes
á situação da pecuária gaúcha. „ .,«0 «o
Na abertura do Congresso, Joaquim Luís Osório ®^
cuaristas presentes o congraçamento dos esforços no ®® .jl
zar Interesses econômicos comuns, esquecendo as divergências p
cas.

Pela primeira vez no Estado, reúnem-se as agremiações agrícolas para,


sua solidariedade, deliberarsobre questões de interesse magno paraa lavour , p -
ria e economia nacional (...) Têm confiança os organizadores x
veis de resolver as questões como homens de ciência e de experiência, laz
piandecer um espírito positivo, semdeixar-vos arrastar pura e simplesmente p p
tulados de ciência abstrata. nniitirn<?- a
Acham-se neste Congresso reunidos elementos de todos os J;, ijÀ,.
Federação deseja e pede que as deliberações sejam tomadas no *®'' '®,"® " " / « '
estes são os aneios dos,chefes do situacionismo, expresso aos ^ "
gresso. Adversários do Governo, aplaudi os atos dignos de aprovaçao; (...) lavr ,
criadores e industriais que aqui viestes livremente apresentar as vossas recia ç ,
manifestaras vossas aspirações; com tal conduta só podereis agradaros gove ,
que quando bem intencionados só poderão comprazer-nos em todas as provioenc
indicadas (...) A presença do eminente sr. dr. presidente do Estado, fazenoeiro pro-
55
gressísta, dos delegados dos municípios; o comparecimento dos homens de responsa
bilidade política; isso-tudo revela o Interesses que pelos assuntos da lavoura toma o
poder público, que aproximando-se dessas reuniões das classes rurais, vem observar
as queixas apresentadas e ouvir as ai!'macões formuladas.®®
Contando com o apoio do Governo do Estado, os fazendeiros reu
nidos discutiram o emprego das cercas e dos tapumes nos campos, a
necessidade da generaiização do ensino agrícola, a criação de postos
zootécnicos, a importação de reprodutores de raças superiores e a pr^
mência da redução dos fretes ferroviários que oneravam a produção .
Ao mesmo tempo em que de 1908 a 1910 se efetivava este movi
mento de união dos criadores do Estado, os charqueadores também se
arregimentaram. Sob a direção de Emiiio Caio, proprietário da char-
queadaNovo Quaraí, reaiizou-se em 1909 na cidade de Livramento o 1.
Congresso Comerciai e Industriai do Rio Grande do Sui, onde foi deba
tido o problema do contrabando na fronteira, o que o motivavae porque
as autoridades se mostravam incapazes de reprimi-io com eficácia.
Os charqueadores não se restringiram a este tipo de atuação. Em
1910, ante a baixa do preço do charque nos mercados nacionais , os
saiadeiristas de Pelotas trataram da fundação do Centro Industrial ao
Charque. A perspectiva era de que, para reagir à crise, os charqueado
res deveriam uni^- c? p^ra melhor orientarem a exportação do produto e
comprar o estoque excedente à capacidade de absorção do mercado.
Falando sobre a crise e articulação dos saiadeiristas, refere Pimen-
tei:
Antes, cerca de 30 charqueadas, em Pelotas, abatiam mais de 400 mil reses,
ocupando a margem do rioSão Gonçalo.desde o começoda rua Conde de Porto Alegre
à confluência do Pelotas, de que subiam o curso até alèm do Cotovelo. Estavam então
reduzidasa 10 em grande escala e a uma pequena. O Centro Industrial do Charque, que
teve três anos de existência, foi dirigido pelos saudosos ruralistas srs. Francisco Nu
nes de Souza, Alberto Roberto Rosa e Emílio Quilain, tendo como finalidades comprar
e exportar, ficando apenas com módicas comissões e iuros. visando prestar serviços
aos charqueadores e orientar (...) a exportação daquele produto.59 ^
A respeito desta organização, assim se pronunciaria, em 1914, o
rural ista (charqueador e criador) João de Souza Mascarenhas:
Ainda é de pouco a existênciado Centro do Charque, que entre os fins que collma-
va, havia o da valorização, tanto quanto possível estável,do charque(...) Certoe que por
muitos foi o Centro do Charque combatido, na persuasão de que representava um
"trust", pois enfeixava em seu poderquase toda a existênciado charque ri<>grandense.
Graças, porém, ao carátere patriotismo dos sócios solidários da firma Osório Nunes e
Companhia, que constituía o Centro do Charque, e que eram o Coronel Pedro Luiz da
Rocha Osório e Francisco Nunes de Souza Júnior, nunca o Centro assumiu a feição
odiosa do "trust", nem deixou deconsultar os interesses doscriadores, a t^ ponto que
não se pode afirmar se a estes mais atendem, que aos próprios charqueadores.®"

56aSSOCIAÇOES Rurais. Correio do Povo. Porto Alegre, 12iun, 1910, P- 2.


57Leia-se, a propósito, as notícias doCorreio doPovo, Porto Alegre, dosdias 14,15,16,17 e 18 dejunho de 1910,
a respeito dos trabalhos desenvolvidos no Congresso.
58o Rio Grande do Sul exportou mais eganhou menos doque anos anteriores. Conferir com dados das p.39 e 40.
59piMENTEL. op. cit., nota 20, p. 253.
50mASCARENHAS, João de Souza. OCentro dei Tasajo e os Criadores. AEstância. (14); 19, mar. 1914.

56
Reg[stre-se bem que, em ambos os depoimentos, se faz a ressalva
da atuação do Centro. No segundo deles, nega-se a ação trustificadora
da entidade, tendo em vista a retidão e honestidade dos diretores. De
ve-se considerar, em primeiro lugar, que as duas intervenções são
feitas por pessoas ligadas à pecuária e, no caso de Mascarenhas, de
um criador-charqueador. Trata-se da visão da classe dominante sobre
si mesma, em última análise. Além destas considerações, parece fun
damental acrescentar que,neste momento histórico dado, ainda não se
hav|am manifestado de forma totalmente clara, ao nível da conscienti
zação dos agentes, a diversidade de interesses presente entre os ele
mentos que forneciam a matéria-prima e os que a transformavam.
Existia, contudo, uma percepção de uma crise que devia ser en
frentada, embora a maior parte das vezes as causas percebidas fossem
remetidas ao nivel da circulação: necessidade de encaminhar a exporta
ção, garantir bom preço no mercado, contrabando, deficiência de trans
porte.
Alguma coisa, contudo, foi feita neste período no sentido do apri
moramento das raças, tendo começado, com maior freqüência, após a
Revolução Federalista de 1893-1895, a importação de gado seleciona
do. Esse processo se intensificou após 1910, fruto do debate que se
travou em torno disso no 1? Congresso da Federação das Associações
Rurais do Rio Grande do Sul.
A perspectiva do crédito também não esteve ausente, como se vê,
com o surgimento do Banco Pelotense, em 5.02.1906, estabelecimento
criado com capitais locais, especialmente de charqueadores e pecua
ristas e com o apoio do Estado.
Tendo em vista o exemplo platino muito próximo, com o seu in
discutível avanço tecnológico e amplas perspectivas de mercado em
expansão, revelava-se claro o contraste entre o que se passava na eco
nomia das repúblicas vizinhas e o dilema da charqueada e da criação
gaúcha.
Já em 1903, a Associação Comerciai de Porto Alegre assim se pro
nunciava:

(•..) a indústria pastoril do Rio Grande do Sul está estacionària, se não em decadên
cia. Quais serão as causas determinantes deste retrocesso? A causa é a nossa inferiori
dade produtiva em frente de nossos felizes vizinhos do Rio da Prata, protegidos direta
ou indiretamente contra nós mesmos. Diretamente, porque taxamos insuficientemente
o charque platino; a taxa do charque deve ser elevada a 160 réis no mínimo, indireta
mente, pelos seguintes motivos: 1®) Taxamos exageradamente o sai (...) 2°) Com a
supressão de cabotagem livre, os fretes e gastos que pagamos deixam uma margem
muito provável em proveito de nossos vizihhos do Prata (...) 3°) O charque rio-granden-
se é ainda hoje sobrecarregado com o imposto de exportação estadual e felizmente esta
sobrecarga desaparecerá em breve porqueo patriótico Governo do Estado está em vias
de abolí-lo por completo (...) 4°) Protegendo desmesuradamente a indústria têxtil, da
tela de embalagem, gravamos de novo indiretamente o charque (...) 61

61 BARRAN & NAHUM, op. cií., nota 39, p. 51. Tradução do Autor.

57
Torna-se clara, neste trecho, a conscientização do problema, limi
tada a questões relativas à taxação sobre o charque, o sal, a tela de
embalagem e o problema do frete.
Não estava ausente da visão que a ciasse dominante tinha da crise a
reflexão a respeito da decadência da charqueada e a sua substituição
pelos mais modernos processos produtivos de frigorificação da carne,
tal como se dera no Prata. Aqui, as opiniões se dividiam, como se pode
ver nas posições assumidas pelo presidente do Estado Carlos Barbosa
Gonçalves, na sua mensagem de 1908, e pelo secretário da Fazenda Ál
varo Batista, em 1909®^.
Refere Carlos Barbosa:

A indústria da carn© seca — o charque — é ainda a principai riqueza do Estado, e


pensoconvencidamente que o será por longo tempo. O hábito das populações, que do
charque se abastecem, a elevada temperatura da zona em quevivem, as dificuldades de
transportes da carne fresca ou verde para esses centros comerciais, consumidores, são
garantia segura de minha afirmação.
A barra, sempre ela, prestes, talvez, a ser aberta, resolvendo em grande parte o
problema do transporte entre nós, ao qual se acham ligados o nosso bem-estar e pro
gresso econômico, virá, de certo, impulsionar vigorosamente todasas indústrias exis
tentes e indubitavelmente aviar novas atividades. Algumas, porém, as que não tiverem
sólidas razões de existência, sofrerão golpe de morte na constante concorrência
comerciai, conseqüente á inauguração de grandiosa obra, que não cansamos todos de
pedir com patriótico ardor. Entre estas — a do charque — dizem os que lhe vaticinam
a decadência^
Assim não penso. Com um porto franco, surgirão iniciativas novas e novas indús
trias, umasviáveis, outras não, umassuscetíveis de grandes lucros e desenvolvimento,
outras de vida efêmera e condenadas a rapidamente perecerem, como tudo e freqüente
mente em toda a parte se observa. u u-.
Entre as primeiras, isto é, entre as que apresentam maior soma de probabilidade
de êxito, estarão, sem dúvida, as que se ocuparem com os transportes de carne fresca,
em navios frigoríficos e com os de gado vivo ou em pé. As grandes praças comerciais
brasileiras: Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, sofrerão verdadeira metamorfose
quanto á alimentação das respectivas populações (...) O consumo do charque, nestes
mercados, diminuirá na progressão inversa do aumento do da carne verde, e como 6Sje
deverá tornar-se grande, segue-se logicamente que aquele baixará muito. Mas isto não
é o bastante para se poder profetizar a decadência da indústria da carne seca!
Os centros comerciais, de que falei, não são únicos consumidores do produto,
caso em que a indústria saiadeirii estava irremediavelmente condenada; as demais ci
dades desses Estados ... em suma, o sertão, onde com certeza não chegarão todos os
benefícios das carnes congeladas, nem o gado em pé, continuarão a ser consumidoras
de charque (...)
... Concluo que, por longo tempo, a principai indústria rio-grandense tem asse
gurados os mercados nacionais. Apesar, pois, da concorrência que as indústrias de
próximo futuro (frigoríficos e transportes de gado em pé) virão fazer à vetusta indústria
do charque, creio friamente que esta com valentia resistirá a qualquer dificuldade.
E tanto mais fácil se tornará esta resistência quanto mais prontamente melhorar
mos as nossas raças vacuns, por inteligente seleção e com especialidade pelo cruza
mento adequado, procurando aumentar a população bovina do Rio Grande do Sul, de
modo a que possamos suprir as necessidades de todo o Brasil.

62aPUD MüLLER, OP. Cit.. nota 5, P. 65.


63meNSAGEM presidencial de 1908. P. 40-3.

58
Carlos Barbosa percebe o progresso tecnológico que advirá com a
indústria de carne frigorificada, mas insiste nas possibilidades de re
sistência da charqueada. Identifica-se, pois, com o velho processo
produtivo transferindo a solução pela ampliação do mercado de consu
mo: o sertão brasileiro. Quanto ao progresso do frigorífico, este se dará
na medida em que o problema magno — a barra e o porto de Rio Grande
— for solucionado. Logo, a raiz do problema econômico liga-se à esfe
ra da circulação também.

Mesmo o incremento apontado — refinação e seleção do gado não


se destina a gerar matéria-prima adequada, tendo em vista o processo
produtivo mais avançado do frigorífico, mas se oferece como um dado
a mais que se propõe a garantir mercado para o produto da charqueada.
Outra é a visão do problema que nos apresenta o secretário da Fa
zenda Álvaro Batista em 1909:

A nossa indústria nnais rendosa, a que produz mais para o Estado e para os parti
culares, é a do charque; mas é certo que è uma indústria transitória. O charque não
transpôs ainda os limites das repúblicas platinas e do Brasil, senão para Irà Cuba. Ê,
portanto, uma indústria que tende a desaparecer; e, como a nossa principal riqueza
consiste na criação de gado, o futuro econômico do Rio Grande está ameaçado, e
desde já cumpre-nos estudar e resolver o problema do emprego do nosso gado.
Devemos dizer que há muito foi ele cuidadosamente estudado e resolvido, de acordo
com os conhecimentos científicos contemporâneos e que a nós resta apenas aproveitar
a experiência e o trabalho dos outros, com a devida antecedência, para prevenirmos
umagrande criseeconômica. OGoverno do Rio Grande previu a extinção do charque co
moalimento, e a necessidade de empregar a carne, como matéria-prima de outros pre
parados alimentares.64

Logo adiante, insiste nas tentativas de promover o estabelecimen


to de fábricas de preparo das carnes:

(...) até que, de modo definitivo, a grande indústria de conservação de carne, por
quaisquer problemas, desenvolva-se entre nós, para prevenir a crise, que virá fatalmen
te e para gradualmente substituir uma indústria grosseira e condenada, porque lhe falta
uma qualidade para ser permanente, a de correspondera uma necessidade humana, e,
portanto, de poder generalizar o consumo do seu produto, o charque.®®

o parecer deste outro representante de classe dominante local é


radical: expressa seu pessimismo quanto à velha charqueada, que ofe
rece um produto não mais adequado aos padrões de consumo. O futu
ro, no seu valor, pertence Indiscutivelmente ao frigorífico, para o que
aponta para o exemplo argentino, fornecendo os seguintes dados®®:

S^RELATÔRIO do Secretário dos Negócios da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul. 1909. P. 66.
65|bidem. P. 66-7
^^Ibidem, p. 67-8

59
REPÚBLICA ARGENTINA

Exportação de Gado Carnes Exportadas Conservas Charque


Anos
em Pé em Friaorificos e (cabeças
Extratos de
Vacuns Ovinos Vacuns Ovinos (bovinos) bovinos)
1896 372.639 512.016 12.335 1.992.304 101.800 371.700
1897 238.121 504.128 13.496 2.155.169 66.350 414.650
1898 359.296 577.813 17.866 2.542.529 95.700 244.400
1906 71.106 102.916 500.027 2.785.908 181.900 106.800
1907 74.841 110.587 444.132 2.802.014 202.600 197.300
1908 60.916 103.792 573.946 3.297.667 155.400 92.100

Os dados revelam que, enquanto aumentaram pregressivamente as


carnes frigorificadas exportadas, diminuiu a exportação do gado em pè,
bem como a exportação de charque.
Mais adiante, ainda Álvaro Batista exprime o seu pensamento
quanto ao protecionismo alfandegário:
O Rio Grande do Sul, porque o principal mercado do charque è o Brasil, e porque a
entrada deste produto de procedência estrangeira é fortemente gravada em nosso pais,
continua a ter o charque como o seu principal gênero de comércio, a sua principal
indústria, e não vê que a proteção, que lhe é deferida, só pode-lhe aproveitar transito
riamente, porque ó seu efeito è adiar um problema, para cuja resolução os outros já
estão preparados, tendo fundadas ení sólidas bases as Indústrias substitutivas, que
levam a matéria-prima (o gado) a qualquer mercado do mundo, enquanto, descuidosos
e rotineiros, continuamos a secar e salgar carne, como se não estivéssemos todos
convencidos de que esse alimento, cada vez menos procurado, terá de desaparecer do
comércio.67

Aperspectiva de Álvaro Batista, indiscutivelmente a mais progres


sista, frisa bem o descompasso tecnológico do Rio Grande do Sul e
nega ao charque a capacidade de resistir por mais tempo. Seu destino
está selado tanto a nível produtivo como de mercado e o caminho a
seguirè o do Prata, que realiza a substituição dos velhos processos de
salgamento de carne pelos modernos de frigorificação.
Finalizando este tipo de raciocínio, o secretário da Fazenda afirma
que a crise
(...) não diz respeito propriamente à Indústria pecuária, mas a uma Indústria dele
derivada, a do fabrico do charque. È exato que a diminuição do fabrico do charque, por
falta do consumo deste artigo, repercutirá, desastradamente, sobre a criação de gado
bovino, masissoIndependente daqualidade deste. Em resumo: o fabrico do charque vai
diminuindo, porque a sua procura vai diminuindo, os outros processos de conservação
de carne, de aplicação Industriais de carne desenvolvem-se, progridem, porque os seus
produtos têm procura, são considerados de necessidade em todos os países.

67|bidem. p. 66-7.

60
Conclusão: é preciso favorecer estes e deixar aquele exposto à dura sorte da
procura, agora feita exclusivamente pelo Brasil e Cuba.68

Aqui se tem, portanto, uma perspectiva que se identifica com a fé no


progresso da pecuária, mas não no da charqueada, que condena como
absoieta. Esta perspectiva depois se revelaria a mais identificada com a
fração da classe dominante pecuarista não-charqueadora, ou seja,
aquela que, adotando uma perspectiva progressista, tentaria a funda
ção de uma frigorífico. Apesar de visualizarem de forma diferente a
solução para a crise da pecuária rio-grandense, as concepções de
Álvaro Batista e Carlos Barbosa encontram, ambas, amparo na ideo
logia positivista orientadora da facção política a que pertenciam. Nas
perspectivas de Álvaro Batista, se acha presente a idéia do progresso
necessário", da "fatal evolução", tão cara ao comtismo, enquanto que
na postura de Barbosa aprecia-se a ênfase da idéia do mercado e da
abertura da barra como solução de todos os problemas, defendida pelo
PRR. Vê-se, no caso, como a ideologia foi capaz de servir para justificar
duas posições assumidas pela classe dominante.
Uma etapa mais adiantada no processo de conscientização dos
pecuaristas viria com a fundação da União dos Criadores, em outubro
de 1912, órgão da classe rural que, sob a presidência de Alfredo
Gonçalves Moreira, difundia a idéia da associação entre as entidades
rurais, bem como a proliferação das mesmas a nível municipal.
Tendo surgido em face de uma necessidade vital da indústria rural
- a cooperação, a União dos Criadores, através do seu órgão de divulga
ção, A Estância, assim se manifestava, nas suas promessas de atendi
mento aos criadores, esperando poder fornecer:

1° - Material que, comprado aos milhares para ser entre todos distribuído, resulta
rá mais barato, porque os sócios aproveitarão todos os descontos comerciais.

2° - Dinheiro, que a União, com jóias, mensalidades e comissões de compra e


venda, retirará do enorme capital assim constituído, e dará juros cada vez mais
menores.

3° - Medidas governamentais, que a União, representando a totalidade ou a quase


totalidade dos que se dedicam às Indústrias Rurais e Conexas, é a mais apta a pedir e a
obter, porque é a expressão mais justa e mais alta da iniciativa industrial, que toda a
política, sábia, honesta e fecunda, ama ver desabrochar livrementee com tanta dedica
ção ampara.

Instrução, que a União aspira dar por esta revista.®®

®®lbidem, p 66 7.
S^NOSSO programa. Estância. Porto Alegre, (11:5, mar. 1913.

61
OrQãnizBção crisdâ psrs dsfôndôr os intsrsssss sspscificos dos
criadores, uma das suas primeiras atuações neste sentido foi ter agido
(...) em defesa da ciasse, quando por ocasião do pretendido convênio deiineado e
iniciado peio Sr. Emílio Caio. Sim, este senhor, unido a alguns charqueadores. de*
Montevideo e do Estado, pretendiam, negando a notória escassez.de gados, impor
preços aos fazendeiros, assegurando para si nababescos proventos advindos da alta
dos efeitos nos mercados de consumo!

Deiineia-se, aqui, ciaramente a oposição de interesses entre os


chamados industriais da carne frente aos estancieiros, pondo-se
a entidade de classe destes últimos a campo para a defesa de seus
interesses.
Foi justamente para isso que se convocou o Congresso de Criado
res em Santa Maria, a 5 de dezembro de 1912. Entre os benefícios que
trouxe para os pecuaristas, destacam-se a denúncia do convênio dos
charqueadores e a imediata valorização dos gados. No Congresso foi
mais uma vez lembrado o necessário apoio da ciasse e o congraçamen-
to peio cooperativismo.

A idéia básica era a criação de cooperativas de produção, não só


que unissem os estancieiros dentro da sua atividade, mas também
propiciando a formação de charqueadas, frigoríficos e matadouros
modelos. Adiantou a diretoria da União dos Criadores, no Convênio,
que contava para isso com o apoio do Governo do Estado, mas que,
tal como ele, considerava que

(...) a solução desse magno assunto depende da existência de portos no Estado,


permitindo a livre entrada e saída de vapores de grande toneiagerm bem como de
melhoramentos adequados, imprescindíveis na nossa Viação Férrea.'^
Vê-se que o problema dos transportes era identificado aqui como
primordial. A União dos Criadores representou um passo adiante no
processo de conscientização da classe dominante pecuarista. Propôs-
se a organizar cooperativas a fim de beneficiar a matéria-prima local
através de charqueadas, frigoríficos e matadouros modelos, apontou as
manobras dos charqueadores, denunciando os conflitos e agindo no
sentido de preservar o interesse dos criadores; buscou incentivar o
refinamento do rebanho e defender a adoção da balança para a pesa-
gem do gado. Todavia, quando se tratava de procurar o problema
fundamentai, a resposta era dada pela deficiência do esquema de
transportes.

^"santos, Eurico de Oliveira. Aos criadores. AEstância. Porto Alegre, (1): 15, mar. 1913.
MOREIRA, AlfreíJo Gonçalves. Relatório apresentado pela Diretoria da União dos Criadores do Rio Grande do
Sul à Assembléia geral, em Santa Maria. A Estância. PortoAlegre, 3(8.', maio 1913.

62
Müller explicaesta identificação do obstáculo ao nível de circula
ção pela estrutura da produção e pelas funções econômicas da área:

Se bem que já existerp algumas possibilidades de alocação de capital no pólo


.produtor (...) a apropriação —o obstáculo maior, ao âmbito da área, reside nos transpor
tes. Este conteúdo de forma inibitòrla do desenvolvimento ocorre pelo fato desse
desenvolvimento fazer dos transportes um verdadeiro problema: não é um ponto de
estrangulamento econômico, mas está preso à permanência da fração liga-se às
condições de existência social dela própria, e da sua função, e da classe dominante
como um todo.72
Ê importante que se recorde aqui que uma das teses financeiras e
econômicas do PRR era. promover os meios de transporte^^ ^item pelo
qual bateu-seo segmento da classe dominante quetomou o poder com a
República, pois a sua solução era de molde a captar adeptos e a
legitimar, pelaeficiência, o regime de cunho autoritário que se instala
va. Identificado já comoobstáculo no período do Império e não resolvi
do pelo Partido Liberal, o novo grupo que ascendeu ao poder propôs-se
a solucioná-lo, como uma meta a ser seguida. Pretender resolver um
protilema que afetava a muitos ajustava-se á perspectiva de um novo
partido que surgia como alternativa ao esquema vigente e que buscava
ampliação na sua base social e política.
Enquanto que a identificação do obstáculo transportes ao desen
volvimento da economia gaúcha era algo em que a classe dominante
pecuarista e o Estado concordavam quase que unanimemente, outra era
a maneira de abordagem a respeito do imposto territorial.
Em memorial que a União dos Criadores do Rio Grande do Sui
enviou a Borges de Medeiros em 1913, Alfredo Gonçalves Moreira solici
tou que o presidente não elevasse os impostos, conforme a sua intenção
de substituir um imposto indireto - o de exportação - por um direto - o
territorial. Acrescenta;
(...) seja-nos licito acentuar que a União dos Criadores não é intensa àqueie
preceitoconstitucional e cremos que a classe pastoril se julgaria feliz e só teria
motivos de nobre orgulho no dia em que pudesse, sem graves danos, constituir-se a
coluna principal na qual assentasse o edifício orçamentário do nosso caro Estado e
pudesse ter a primazia em contribuir para pôr a administração pública a coberto dos
reflexos das crises econômicas, dando aos seus orçamentos a estabilidade deseja
da.74

Refere-se o Cel. Alfredo Moreira ao principio comtiano da preferên-


ciados impostos diretos sobre os indiretos, incorporados ao programado
Partido Republicano Rio-grandense, bem como a criação do imposto
territorial, tese financeira do mesmo programa.^®
^^MüLLER, op. cit., nota 5, p. 41.
730SÕRÍ0.JoaquimLuís. Partidos políticos no Rio Grande do Sui- período republicano. Pelotas, Globo, 1930 p.
48.

^^MOREIRA, Alfredo Gonçalves. Memorial que o Exmo. Sr. Dr. Borges de Medeiros, M.D. Presidente do Estado,
apresenta à União dos Criadores do Rio Grande do Sul. A Estância. Porto Alegre, (3);92, maio 1913.
75osÒRIO, op. cit., nota 75, p. 48.

63
A União dos Criadores argumentava que a valorização dos gados e
dos campos que no momento se apresentava poderia não ser uma
fenômemo necessariamente durável. Se o gado se configurava valori
zado, era porque estava escasso, tendo em vista tanto as epizootias
como a inciemência das estações. Inclusive, a alta momentânea do
gado não beneficiava a todos, mas principalmente os invernadores que
não haviam sofrido os problemas pertinentes à criação e eram os que
forneciam aos charqueadores.
Para poder enfrentar mais um encargo, teriam os criadores de
remodelar a exploração dos campos e dos rebanhos, obtendo, com
isso, maior rendimento. Para isso exatamente havia sido criada a União
dos Criadores, mas, materialmente, os criadores se encontravam im
possibilitados de aprimorar a criação, uma vez que seus campos se
achavam despovoados e um imposto proibitivo à vinda de rebanhos
platinos fora colocado pelas Repúblicas vizinhas. A possibilidade que,
após a Revolução de 1893-1895, teve o Rio Grande de repovoar seus
camposcomgadodo Prata, havia acabado. Aconclusão lógica era que o
Governo, elevando o imposto, faria os criadores legarem por
propriedades vazias, desfalcadas de gado e improdutivas
O mesmo problema era aventado na Assembléia de Representan
tes do Estado pelo Deputado iidefonso Pinto, remernorando tanto as
palavras de Alfredo Moreira ao encaminhar o memorial da União dos
Criadores quanto às do próprio Borges de Medeiros que, em sua men
sagem de 20 de setembro de 1913, afirmara a diminuição bovina no
Estado^^
Ao lado da impraticabilidade da elevação do imposto, era consi
derado fato alarmante a diminuição do rebanho, sendo apontadas como
causas do fenômeno tanto as naturais (como epizootias), como as
comerciais (grande abate, indiscriminado, e a exportação do gado em
pé para as repúblicas vizinhas)
Ainda na fase pré-guerra, a ciasse rural realizou, em 24 de maio de
1913, O Segundo Congresso de Criadores de Santa Maria, onde foram
tratados com especial atenção os problemas refere^es à necessidade
de criação de um Banco Rural e a fundação de coop^ativas de produ
ção, sendo nomeadas comissões para estudo.
Quanto ao Banco, viria solucionar as necessidades de crédito
rural e, quanto ao segundo item, foi abordada a necessidade de forma
rem-se charqueadas nos moldes cooperativistas, que seriam distribuí
das em zonas carentes do Estado.

^®MOREIRA, op. cil., nota 74, p. 92-4.

ANAIS DA ASSEMBLÉIA DOS REPRESENTANTES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. 22* Sessão
Ordinária. 1913. Porto Alegre, 1913. p. 252-9.

64
A respeito do prooiema das charqueadas, as opiniões durante o
Congresso se dividiram, sendo oue a ala liderada por Euribíades
Dutra Vilia manifestou-se formalmente contra a figura do industrial do
cfiarque. Jà um outro grupo identificava ser o comissário do norte ou
intermediário o elemento que se devia combater. Em outras palavras,
havia a constatação de que o criador sofria as conseqüências de uma
exploração, divergindo as opiniões quanto à identificação do agente
deste processo.
Como se viu, a vivência de uma situação critica na pecuária gaúcha
fez com que a classe dominante despertasse para os problemas que
enfrentavam a criação e a charqueada rio-grandense. Passaram a ter
consciência da crise que atravessavam e procuraram organizar-se,
identificar os obstáculos e discutir o modo de combatê-los. Em espe
cial, começaram a realizar o cruzamento do rebanho gaúcho com repro
dutores importados ingleses, organizaram-se em agremiações para
defesa de interesses comuns, realizaram exposições de gado, dissemi
naram pelo Estado os núcleos agremiativos, efetivaram congressos
onde discutiram os principais problemas que afligiam a pecuária. A
organização dos criadores revelou-se mais concientizada da crise e
seus fatores, enquanto que os charqueadores se limitavam a articula
ções tipo convênio para elevar o preço do produto no mercado e baixar
localmente o preço do gado.
Numa época em que as classes sociais se encontravam muitas
vezes ainda relativamente indiferenciadas, aos poucos dois níveis de
conscientização foram se estruturando.
Por um lado, aparecia a noção de que a pecuária gaúcha, como um
todo, enfrentava uma crise e que era preciso que se reagisse na defesa
da pecuária. Tem-se, aqui, a consciência da crise e, na medida em que
isto de dava, adquiria-se a consciência dos interesses da classe domi
nante rio-grandense que se apoiava na pecuária. Dentro desta perspec
tiva, charqueadores e criadores, como frações de classe dominante que
eram, tinham interesse na preservação da atividade econômica funda
mental do Estado, da qual detinham os meios de produção, e na
acumulação de capital. De forma geral, sob o prisma econômico, estes
eram os interesses amplos da classe que, aos poucos, os pecuaristas
iriam conclentlzando de forma cada vez mais clara.
Contudo, na proporção em que este processo se desencadeava
(consciência da crise propiciando consciência de classe), lentamente
se atingia o segundo nível de conscientização, pela constatação da
existência de interesses divergentes no plano econômico entre criado
res e charqueadores. Isto correspondia aos interesses da cada fração
de classe, específicos e opostos muitas vezes. Entretanto, é conve
niente lembrar que, por mais conflitantes que pareçam estes interes
ses, criadores e charqueadores se apresentam como frações de uma

65
mesma classe dominante, cujo interesse maior è o processo de acumu-
iação de capital que as une.
Ê nesta linha de percepção que se insere a criação da União dos
Criadores, por iniciativas dos estancieiros ou dos convênios de char-
queadores, que visavam forçar a baixa do preço para aquisição de
matéria-prima e a alta do charque no mercado nacional. Cada qual
pretendia, no caso, defender interesses especificos de fração de classe.

66
1.4 ° As formas de atuação d© Estado

Já se referiu, em momento anterior, ao tipo de Estado que se


estruturou no Rio,Grande do Sul, sob a inspiração das Idéias de
Augusto Comte. O positivismo, que se apresentou como a ideologia do
setor de classe dominante que assumiu o poder, forneceu a matriz
fundamental de idéias e normas de ação política e administrativa pelas
quais se orientou o regime político adotado no Rio Grande do Sul
durante a República Velha.
Quando surgiu o comtismo no contexto europeu, ele apresentou-
-se como defensor da sociedade burguesa em ascensão, com caráter
afirmador do capitalismo em desenvolvimento, pondo-o a salvo tanto
das forças da reação como da revolução. Portanto, ao mesmo tempo
em que se procurava conservar a situação vigen-te, o positivismo consi
derava que devia colaborar para o desenvolvimento industrial, através
do qual se asseguraria a afirmação da ordem capitalista.
Frente a este status quo que propugnava manter, o positivismo
buscava eliminar as forças da reação e da revolução que se antepunham
à existência e consolidação da ordem burguesa. Estas forças identifi
cadas eram aquelas que, no contexto europeu, se apresentavam como
negadoras do capitalismo, ouseja, tantoos resquícios do antigo regime
como a nova proposta socialista européia.
É inegável a constatação do caráter progressísta-conservador do
positivismo ou das noções de ordem e progresso, fundamentais para a
compreensão da ideologia. O positivismo se dispunha a acelerar o
processo de implantação da sociedade industriai e tudo fazer para que
o capitalismo se efetivasse. Por outro lado, uma vez atingido este
objetivo, dispunha-se o comtismo a preservar a ordem burguesa, pro
curando eliminar tudo aquilo que pudesse destruí-la. O progresso
almejado só se obteria pela preservação da ordem, de onde advinham
os princípios positivistas de conservar, melhorando ou de que o pro
gresso é a continuidade da ordem.

67
Em suma, o positivismo pressupunha um desenvoivimanto mate
rial sem renovação social, negando o conflito social. Desta forma, o
Estado concebido pelo comtismo se apresenta como portador dos
interesses de todas as classes. A nível teórico, neste caso não teria
sentido falar-se em funções de dominação política. Segundo esta con
cepção positivista, o Estado teria funções eminentemente técnicas,
tais como promover o desenvolvimento material das sociedades. Era
preciso que, tanto no nível econômico como no espiritual, a mais
ampla liberdade fosse assegurada, a fim de que se chegasse ao estágio
do pleno desenvolvimento científico (o das repúblicas positivas, de que
falava Comte), onde triunfaria a mais justa e sábia das filosofias, a
positiva.

Aconexão entre a "plena liberdade industrial" e o "poder temporal" se estabelecia


na subtração do ralo de ação deste último notadamente no que ele comportava de
dominação política; esta subtração, no entanto, era uma função da capacidade de
provimento de Iniciativa particular estender seus interesses, quer dizer, de sua capa
cidade de Incrementar a livre competição. A função do Estado, no entendimento da
fraçãono poder, consistia em "assegurar a ordem material e a liberdade para permitir o
espontâneo desenvolvimento Individual e o livre exame". Mas em que consistia esse
"assegurar(...) pa;x...i.ir"? Borges de Medeiros responde: "A Intervenção do poder
público é tão amplaquantoforo vigor da capitalização das grandes fortunas privadas".
Extamente ai está a explicação da drástica e Ininterrupta Interferência do Estado no
domínio das relações da produção, ele se substituía à regulamentação (...) do livre
mercado, buscando retorná-lo livre, o que entra em contradição aberta com a espon
taneidade do desenvolvimento econômico e esplrltual.78

Temos, a partir daí, que se por um lado o positivismo se apresen


tou, no Rio Grande do Sul, com um cunho progressista para a sua
época, aspirando concretizar a realidade capitalista no contexto sulino,
dando pleno incentivo à iniciativa privada, por outro lado, quando esta
iniciativa se mostrava fraca, incapaz de realizar a sua tarefa, competia
ao Estado intervir para promover o desenvolvimento.
A idéia do intervencionismo do Estado no terreno econômico já
fora defendida por Augusto Comte.
Como se sabe, desde os seus pioneiros escritos, insurgiu-se Comte contra o
"lalssez-faire", "laissez-passer" da economia liberal, e se apresentou, com grande
escândalo de seus contemporâneos, francamente favorável a ação Intervencionista do
estado no campo econômico.
Dentro desta perspectiva, o Estado se apresenta como o promotor
do progresso econômico, agente que canaliza, orienta e instrui a inicia
tiva privada ou a ela se substitui, conforme o caso, mas sempre voltado
para o seu programa econômico-social que busca promover a acumula
ção do capital.
^®MüLLER, op. cit., nota5, p. 68.
^®LINS, Ivan. História dopositivismo noBrasii. 2. ed. Sâo Paulo, Ed. Nacional, 1967. P. 200.

68
É preciso, pois, que se remonte às idéias de Augusto Comte sobre
o capital, a fim de que se possa compreender a afirmação positivista de
que ele é social em sua origem e em seu destino.
Segundo Teixeira Mendes, cada homem produz mais do que o
necessário para o seu sustento e, desta forma, este excesso de produ
ção pode ser conservado de uma geração para a seguinte, num proces
so de acumulação.
A origem do capital é social, e sua conservação exige o consumo social, logo o seu
destino deve também ser social. Ora, o emprego social do capital exige que os
possuidores consagrem a renda à manutenção dos agentes que a produzem e a
aquisição de seus instrumentos de produção, reservando para si uma quota sabiamente
determinada. Só nestas condições a sociedade pode garantir a algum de seus membros a
administração do capital humano.

Há aqui implicita a idéia de polarização capital-trabalho. A nível


do pólo capital, vê-se que o positivismo legitima e consagra o processo
de apropriação, baseando-se no principio comtista de que a proprieda
de é da ordem natural das coisas.

Cita Teixeira Mendes:

Quem jamais, em seu estado de razão, não viu que é de ordem natural das
sociedades que haja sempre ricos e pobres, aqueles em pequeno, em diminutíssimo
número e estes formando a grande maioria, a quase totalidade do povo?-®^
Ora, se esta divisão entre possuidores e não possuidores é algo
natural, deve ser respeitado, porque é um elemento integrante da
ordem que é a base do progresso. Deve haver, pois, conformação ao
status quo — ordem formalmente estabelecida - assim como deve ser
assegurada a propriedade, com o que se assegurará o progresso.
O posicionamento, como se vê, é adequado a um projeto social que
se destina a promover a acumulação capitalista sem renovação da
estrutura social.
Quanto ao pólo írcbalho, este é remunerado através do salário,
(...) subsidio liberalmente dado pela sociedade a cada cidadão, a fim de poder
manter a família, que è a base de toda ação cívica. E se esse subsidio è dado por
intermédio dos ricos, é incontestável que estes llmitam-se a cumprir um dever Inlludl-
vel, porque o capital que possuem pertencendo de fato à sociedade, cumpre que seja
aplicado em proveito da mesma sociedade.82

É interessante que a esta altura se veja a concepção que o Estado


tinha de si próprio frente ás forças econômicas, tal como se lê na
mensagem de Borges de Medeiros, em 1913;
30|vIENDES, Teixeiia APUD CRUZ COSTA, op. cil., nota 14, p. 236.
S^lbidem, p 236
®2|bidern, p 237

69
o progresso industrial resulta espontaneamente de uma natural harmonia coletiva,
Isenta de intervenção perturbadora ou de artificiosas combinações. Conciliando a
independência com o concurso, como condição da existência social, a nossa organiza
ção econômica, cimentada sobre bases nacionais e livrés, estimula e garante o surto
vitorioso de todas as iniciativas privadas sem prejuízo de convergência de esforços em
bem do aperfeiçoamento social. A prudente Interferência do Estado restringe-se aqui a
nivelar e generalizar as condições da verdadeira concorrência, sem as quais estiolam-se
e fenecem as energias individuais.
Tão perigoso è a falsa concorrência como funestos os monopólios ou
privilégios quaisquer. Num e noutro caso, a sociedade é sempre a vitima da exploração
de poucos. Presidindo ao livre jogodas forças econômicas, compete ao Estado exercer
uma ação reguladora na medida das necessidades Indicadas pelo bem público.
Nos casos em que a ação particular explorasse um serviço público,
auferindo com isso mais lucros do que propriamente prestando um
serviço à comunidade, deveria o Estado realizar a socialização dos
serviços publicas, o que significava remeter à esfera governamental a
exploração do serviço. Quando o caso se referia a um serviço municipal
dar-se-ia o nome de municipaiizaçào.
Mais adiante, Borges explicita ainda a ação do Estado nestes
casos:

A administração direta do Estado, para ser legítima, há de repousar sobre estes


dois fundamentos essenciais: 1 ®que o objetivo de exploração seja um serviço público;
2° que este serviço não possa ser explorado pelos particulares senão sob a forma de
monopólio ou privilégio.8^
Um Estado paternalista, progressista, conservador, intervencio-
nlsta e promotor da acumulação, eis como se apresentava, a nível
econômico, a República de Inspiração positivista no Rio Grande do Sul
de 1890 a 1930, adequado, portanto, pela concepção que tinha de si
próprio e de sua funções, aos Interesses da classe dominante. Vê-se
inclusive, que, quando se tratava de defesa dos interesses econômicos
dos pecuaristas, estes se reuniam sem distinção política.
Frente aos problemas que afligiam a pecuária gaúcha na conjuntu
ra prè-guerra, o Estado, como agente modernizador da economia, atua
va no sentido de desenvolvê-lo, como se vê na Mensagem de Borges de
Medeiros em 1900 à Assembléia de Representantes:
No intento de acauteiar os interesses dos criadores e da nossa principal indústria,
expediu o governo recente regulamento, no qual se concatenam medidas adequadas
contra as diferentes epizootias, ministrando-se simultaneamente informações úteis
aos agentes subalternos e aos Interessados em geral acerca dos caracteres comuns de
tais molêstias.85

83meNSAGEM presidencial de 1913. p. 47-8.


84|bidem, p. 49.

85meNSAGEM presidencial de 1900. p. 16.

70
o governo borgista, nesta sua primeira fase (1898-1907), mostrava-
se apreensivo quanto aos métodos empregados na criação extensiva
capazes de comprometer o ritmo econômico do Estado. Ao mesmo
tempo reafirmava o seu propósito de procurar orientar a pecuária no
sentido de progresso.
Em 1904, Borges assim se exprimia;
Não são lísonjeíras as condições da indústria pastoril. As tentativas de melhora
mento do gado nativo, peia introdução de pastores de raças superiores, hão sido
infrutíferas, porque não mudaram também os processos rotineiros de criação. Não
salmos ainda da fase iniciai da indústria pastoril: a criação è feita à lei da natureza e em
comum; os campos perdem cada vez mais as suas qualidades nutritivas por não serem
convenientemente tratados. Não se cuida do plantio de pastos. Graças, porém, ao
sistema de prados artificiais, os Estado Unidos, a Austrália e a Argentina têm conse
guido resuitados supreendentes. Por outro lado, não sabemos ainda aproveitar os
elementos que fornece a criação em larga escala para explorar indústrias acessórias
como a de laticínios. Na aiçada da ação governamental, não cessarei de estimular as
iniciativas regeneradoras de nossa mais antiga indústria.^^

Borges procurava ainda estimular a iniciativa privada:

Não basta produzir muito quando o valor do produto não oferece vantajosa com
pensação ao trabalho e ao capitai. Para conjurar esta situação desfavorável, é mister
que a ação individual se revele com intensidade, a par das medidas protetoras que se
compreendem na esfera do poder púbiico. As indústrias agrícola e pastoril, fontes de
nossa riqueza pública e privada, exigem aprefeiçoamentos que dependem diretamente
do esforço individual®^

O Estado, no intuito de promover a transformação da pecuária,


criou um posto Zootécnico, em São Jerônimo; incentivou a realização
de exposições agropecuárias e proporcionou a importação de reprodu
tores selecionados para o aprimoramento do rebanho gaúcho, não só
para o desenvolvimento do Posto Zootécnico, como também aos parti
culares que se interessassem

A ação de estancieiros, mais a ação do Estado, incansável como


inceritivador de melhoramentos, haveriam de fazer Carlos Barbosa re
ferir, na sua mensagem de 1912:
o Estado esforça-se por produzir cada vez mais, melhorando quanto possível a sua
produção. Esse desideratum o vai conseguindo, com assegurado éxito. A pecuária (...)
tem fornecido considerável incremento, nestes últimos anos. O criador rio-grandense,
prejudicado pela inferioridade de seus produtos^ convenceu-se da necessidade urgente
de seguir os processos usados nos países mais adiantados, para poder fazer-lhes
concorrência eficaz, nos mercados consumidores. Por isso, abandonou a vida patriar-
®®MENSAGEM presidencial de 1904. p. 32.
Q^mENSAGEM presidencial de 1905. p. 18.

®SmENSAGEM presidencial de 1909. p. 31.

71
cal de outrora, entregando-se ao trabalho ativo e producente. Os potreiros de pasta
gem, os galpões, os tanques higiênicos para bovinos e para lanígeros, o trato dos
reprodutores e milhares de misteres peculiares à boa administração das fazendas de
criação, absorvem-lhe agora a atividade quotidiana. A seleção e o cruzamento mere
cem-lhe atenção máxima, como meios eficazes de promover em pouco tempo o
aperfeiçoamento completo dos gados.

Embora esta perspectiva seja, de certo modo, otimista quanto ao


futuro da pecuária gaúcha, Borges, no ano seguinte, lembrava a distân
cia que o Rio Grande se achava frente às repúblicas platinas vizinhas
quanto aos métodos de criações.
Adiantando-se no aperfeiçoamento do gado bovino e lanígero pelo cruzamento
com as raças superiores, e melhorando os métodos de trabalho, a criação Intensiva
naquela República adquiriu em qualidade e valor o que perdeu em quantidade. Entre
nós, o que urge é acelerara evolução pastoril mediante os processos experimentais e
vulgarizados da seleção e cruzamento.90

È bem verdade que no Rio Grande do Sul já se verificava a importa


ção de gado refinado da Europa das raças Hereford, Durham, Holande
sa, Polled-Angus e Devon, entre os vacuns, e das espécies de sangue
Rambouillet, Romney-Marsch, Lincoln e Cara-Negra para os ovinos.^^
Ao lado desta preocupação pelo aprimoramento do rebanho gaú
cho, notoriamente percebido como inferior ao platino, não escapava ao
Governo a visão da grande valorização do gado e de seus produtos que
decorria das crescentes necessidades do consumo europeu. Esta alta
do preço do gado teria inclusive atuado de maneira negativa frente à
criação, na medida que se teria verificado uma venda indiscriminada de
gado por parte dos estancieiros, sacrificando aquela reserva destinada
à procriação.
Ligada a esta perspectiva de valorização dos produtos agropecuá
rios, achava-se o Governo do Estado imbuído da noção de que a
decadência da charqueda era algo inevitável e que a sua substitução
pelo frigorífico era necessária e devia ser efetivada o quanto antes, a
exemplo do que sucedia com o Prata.
A questão do refinamento do rebanho gaúcho estava ligado tam
bém, por sua vez, com a introdução do frigorífico, pois o gado sulino de
inferior qualidade, uma vez industrializado, implicaria num produto
acabado também de qualidade inferior. O frigorífico demandava um
gado de melhor qualidade, refinado, pelo qual se pagava bons preços
ao criador, fato comprovado pela observação do caso platino.
Com relação ao charque, inúmeros problemas já foram referidos
anteriormente, bem como se demonstrou a efetivação de duas corren-
®®MENSAGEM presidencial de 1912. p. 59-60.
^'mensagem presidencial de 1913. P. 58.
^^MENSAGEM presidencial de 1913 e A Estância, n" 1 a 10, de 1913.

72
tes de pensamento a respeito da velha indústria: üma que ainda cria nas
suas possibilidades de resistência por vários anos, representada pelo
pensamento de Carlos Barbosa, e outra que a considerava fadada ao
desaparecimento, tal como se viu nas palavras do secretário da Fazen
da Álvaro Batista. Assunto por demais controvertido e debatido na
época, tendo em vista a soma de capitais nela imobilizados, a par de
toda a discussão que se pudesse fazer em torno dele, generalizava-se a
idéia de que a ciasse dos pecuaristas deveria racionalizar o processo
produtivo, não apenas para o charqueador dominar o mercado brasilei
ro, mas também conquistar novos mercados, através da implantação de
um novo ramo industriai: o frigorífico.
Neste sentido, a preocupação do Estado manifestou-se através de
um contrato realizado em, 29 de maio de 1903 com uma firma estrangei
ra, a Brazilian Cold Storage & Development Umited, à qual o Governo
do Estado concedia o
(...) privilégio para o estabelecimento, uso e gozoduratus ' u: •. de trinta anos,
de depósitos frigoríficos para conservação de carnes, peixes, le^iime;?, frutas, ovos,
etc., mediante a aplicação do sistema aperfeiçoado de refrigeração, sendo facultado à
Companhia manter os depósitosque quisere nos pontos onde julgar mais conveniente
fazê-lo. O privilégio é outorgado sem a mínima.
Restrição da liberdade da Indústria das charqueadas, dos açougues ou de outras
quaisquer semelhantes 92
ACompanhia, radicada em Londres, operando no mercado de Smi-
thfieid, desde 1902 nomeara um procurador para tratar deseus negócios
no Brasil, a fim de estabelecer-se em qualquer Estado do Pais para
operar com processos de frigorificaç >.93
Além disso, a Companhia se incui.>^ia de introduzir gado selecio
nado. Por outro lado, também se obrigava a pagar ao Estado um impos
to porcabeça de gadoabatido e um imposto de exportação para os pro
dutosquefabricasse, bem como fornecer carne ao Hospício São Pedro
e Casa de Correção pela metade do preço vendido no mercado. Além
disso, podia cobrar taxa de armazenagem aos que desejassem utilizar
seus depósitos para conservação de charque ou outros produtos. Ten
do conc^ido assim uma série de favores á Brasilian Cold Storage, o
°0''9'sta procurou justificar-se pela sua atitude, na Mensagem
inteiramente nova no Brasil, a sua Introdução no Estado teve apenas a
SoHí, "I" privilégio temporário, que não envolve, aliás, a mínima restrição á llber-
r,.'iKfi5°
puDiico. Nao hesiteiem ®outras Indústrias,
outorgaro aludido nem impõeIndependente
privilégio ônus direto ou
de Indireto ao erário
concorrência pú-
Ãron 1"® ®® consubstanciam nas seguintes.
V sempre
as do Estado, s''*'90que
71,for
§21,possível.
msnda adotat s concortência
Ora, nocaso públ Icstratava
vertente nãose nos serviços
de servie
ço ou Obra do Estado, e o queé mais, a concorrência poderia ter efeito contraproducen-
92meNSAGEM presidencialde 1905. p. 18.
quivo^Hfslóríco^do^Estadc)^ ^documenios. Secretaria de Obras Púbicas do Estado do Rio Grande do Sul.Ar-
73
te se não fosse impraticável. Conquanto o priviiègio concedido não constitua um pro
cesso de invenção, todavia a conservação de carnes, etc., mediante a aplicação do sis
tema mais aperfeiçoado de refrigeração, é uma indústria desconhecida ou inexpiorada
por nós. Quem, neste caso, ousaria disputar a concorrência? Demais, que outras vanta
gens poderia ela trazer além das que oferecia a companhia concessionária? Por outro
lado, não seria a abertura da concorrência motivo bastante para entibiar a mesma em
presa, que soiicitava uma concessão pura e simpies como garantia única dos avuitados
capitais a empregar?
Estas e outras considerações induziram-me a celebrar o contrato pela forma indi
cada, bem convencido, como estou, de sua influência, decisiva nos destinos econômi
cos do Rio Grande do Sui.94
Dentro da concepção do Estado, a indústria da carne frigorificada
viria conquistar novos mercados no exterior, abrindo ao Rio Grande do
Sul um campo novo de negociações, bem como solidificar a sua posi
ção dentro do mercado interno brasileiro pela variação do produto ex
portado. De exportadores de charque para as praças do norte e centro
do país, o Rio Grande do Sul introduziria a carne congelada nestes mer
cados.
Além de contribuir para a valorização do preço dos gados e cam
pos, o sucesso da nova empresa atrairia capitais para o Rio Grande do
Sul e o desenvolvimento geral dos negócios aumentaria a renda do Es
tado mediante o pagamento de impostos.
Firmando o contrato em 1903, em dezembro do ano seguinte en
contra-se a Companhia pedindo a dilatação do prazode um_ano, estipu
lado para que a empresa desse inicio às obras de instalação dos depó
sitos frigoríficos, findo o qual a concessão se quedaria nula95.
O pedido foi deferido, dilatando-se o prazo até 30 de junho de
1905, sem o que a concessão caducaria. Não tendo a Companhia mon
tado suas instalações até esta data, a concessão perdeu o seu valor. A
razão da não instalação se prende, muito provavelmente, às exigências
do governo no pagamento de impostos pela companhia estrangeira,
exigências estas que, após, seriam substituídas por uma política de
concessão de favores.
A ação do estado, de promotor do desenvolvimento econômico,
proporcionando o surgimento de frigoríficos, alertando a classe rural
para a união na defesa de seus interesses, não esmoreceria e se faria
sentir numa série de decretos e leis expedidos neste período.
Pelo Decreto n? 979, de 6 de janeiro de 1903, o Governo do Estado
facultava aos profissionais da agricultura e indústria para se organiza
rem em sindicatos na defesa de seus interesses. O movimento coope-
ratiyista no Rio Grande do Sul cobrou força com a atuação do reverendo
Teodoro Amstad, nas colônias alemãs, a partir de 1901, e do Dr. Stefa-
no Paternó, a partir de 1911, na zona de colonização italiana.
Por ocasião da propaganda Paternó, assinou o Governo do Rio Grande, a 30 de no
vembro de 1911, a Lei n? 133, que concedia ás cooperativas diversas regalias e isenções
de impostos por prazos que variavam de 3 a 10 anos.96
94meNSAGEM presidencial de 1305. p. 21.
^^REQUERIMENTO encaminhado aoGoverno do Estado por The BrasUan Coü Storage andDevebpment Compa-
ny Limited. 1904. Secretaria deObras Púbicas. Arquivo Histórico do Estado.
96piMENTEL. op. cit.. nota 20, p. 261

74
A intenção do Governo era alertar o produtor e promovera ativação
da iniciativa individual na defesa da economia gaúcha.
Intentando implantar a indústria do frio no Estado, o Governo deu
surgimento à Lei n? 149, de 12 de novembro de 1912, quando isentou,
pelo prazo de 30 anos, dos impostos de indústria e profissões o gado
abatido e a exportação de carne congelada ou refrigerada e subprodu
tos, os frigoríficos que se estabelecessem no Estado. O decreto não
previa apenas a frigorificação de carne, mas também a fabricação de la
ticínios, frutas e vegetais. A lei estabelecida que só pagariam taxa de ex
portação os produtos considerados matéria-prima^^.
É interessante verificar que, dando todo este impulso à instalação
dos frigoríficos, procurando atraí-los para o Estado através de conces
são de incentivos fiscais, o Governo condicionava o sucesso da indús
tria pecuária à solução do problema magno tal como era concebido no
Rio Grande do Sul: o dos transportes. Eis como se expressava Borges
de Medeiros a esse respeito:
Não há dúvidas do grandioso futuro dessa indústria que, para expandir-se extraor
dinariamente, só tem a esperara soluçãofinal do problema dos transportes—a abertu
ra da barra do Rio Grand^e à franca navegação das embarcações de longo curso. Nesse
dia, ao lado da exportação do charque, surgirá necessariamente a do gado em pé para
abastecimentodos mercados nacionais e mesmo estrangeiros: e a nova Indústria frigo
rífica virá concorrer com a das nossas veihas charqueadas. Poderá a nossa pecuária
disputar também o mercado mundial.98
Neste sentido, e para sanar as deficiências que apresentava o
Estado sulino no setor de transportes, o Governo expediu o Decreto n?
1958, de 19 de abril de 1913, estabelecendo o plano da Viação Geral do
Estado, que compreendia a viação de rodagem, viação férrea e viação
fluvial.
Tanto o esquema ferroviário como o porto do Rio Grande achavam-
se sob o regime de concessão a companhias estrangeiras, que, porém,
nao prestavam bom serviço ao escoamento da produção gaúcha. Além
disso, cobravam altos fretes, que encareciam a produção e faziam os
artigos rio-grandenses atingirem os mercados nacionais em condições
de inferioridade em relação aos concorrentes.
A propósito dos concorrentes, estes já se faziam sentir desde o
inicio do século sobrea economia gaúcha, como se pode ver nestas re
flexões de Borges na sua mensagem de 1902:
(...) avoluma-se mais e mais a massa dos produtos da indústria agrícola e pastoril.
Entretanto, observa-se, e não é licito dissimular a gravidade de tal fato, que, apesar de
ser maiora produção^ não tem aumentado proporcionalmente a riqueza ou o valor dos
produtos em circulação. Abaixa dos preços é o efeito Inquestionável da concorrência
sempre crescente. Acrise nacional, que teve pororigem a superproduçãodo café com a
sua correlativa depreciação, operou uma rápida transformação nas condições econômi
cas de muitos Estados, que até então haurlam exclusivamente na monocultura todos
os elementos de prosperidade. São Paulo, a parde louvável esforço pelo aperfeiçoa
mento da produção do café, empreende ativamente outras culturas. Minas avantaja-se
nodesenvolvimento da Indústria pastoril e de outras que lhe são acessórias. O mesmo
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Leis, decretos eatos. Porto Afegre, AFederação, 1912.
98meNSAGEM presidencial de 1913. p. 58.

75
impulso vigoroso agitaas classGs produtoras nos Estados de Santa Catarina, Paraná,
Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e outros (...) Menos é de lamentar a concorrência in
terna, da Qual resultam benefícios reais para o país e para os consumidores em geral,
do que a volumosa Importação estrangeira de gêneros similares ao da produção naclo-
nal!99
A respeito desta problemática relação que se estabeleceu entre
produção exportada e valor recebido, por um lado, e a presença de con
correntes, por outro, Borges vincularia a questão dos transportes:
Não existe proporcionalidade entre a massa e o valor dos produtos, é que Influên
cias anômalas e estranhas atuam sobre nossa economia. E a principal causa do atraso,
no que unânime è o consenso, provém da Insuficiência e desmedida carestiados trans
portes. Sabidoè que dois terços da nossa exportação se destinaao consumo do norte
do país, onde o produto rio-grandense, em competência Irrelutável com o similar es
trangeiro e nacional, sofre a depreciação, que não logram evitar nem a quantidade e
nem a qualidade. Ao passoque os concorrentes nacionais se encontram, por assim di
zer, às portas dos mercados consumidores, usufruindo os benefícios resultantes da
economia de tempo e do menor percurso, porflam em vão os produtores deste extremo
meridional em vencer esta barreira. Mas, a exageração dos fretes anula os melhores es
forços, aniquila a resistência das Indústrias e asfixia a liberdade de conrièrclo.
Apreocupação pela questão dos transportes,^como melo de aliviar
a produção, éalgo que se encontrava nas cogitações do governo desde
a época de Júlio de Castilhos, quando se pensava em aumentar a rede
ferroviária do Estado, estendendo-a às zonas de produção colonial.
Desde 1903 já se encontrava expressa a vontade governamental de dar
solução a este problema:
Nutro a fundada esperança de realizar ainda conveniente acordo com o Governo
Federal ou com a empresa que tomar a sl as obras da barra do Rio Grande, a ^íin dese
rem acelerados os trabalhos completos de desobstrução dos canais interiores.
Amesma questão è novamente formulada no ano seguinte, com vi
vo empenho pelo presidente do Estado, mencionando a extensão do
problema:
As maiores urgências consistem em regular definitivamente o tráfego marítimo
com o exterior. Tal è o magno problema que deve Inspirar a preferente atençao e a deci
dida convergência deesforços por parte doscooperadores do progresso rIo-grandense.
Constituiu secular aspiração a de dotar o Estado de um porto marítimo que correspon
daàs exigências docomércio e da navegação (...) Os elevados fretes, as exageradas ta
xasdeseguro, reboque e praticagem oneram demasiadamente o comércio e restringem
os transportes. Eis porque o nosso comércio, excetuando o do litoral, fez de Montevl-
deo o seu entreposto, tornando-os tributários da vizinha República, cujas vias férreas
se dirigem paraa nossa fronteira como outros tantos tentáculos destinados a sugar a
selva econômica do Rio Grande do Sul. Demais, como fatos atrofiantes do comércio lí
cito, o contrabando encontra ali toda sorte de estímulos e facilidade^ como as que
provêm do livre trânsito, além das diferenças de fretes e de seguros.
No Intuito de remediar a situação, por pressão do Governo do Rio
Grande do Sul, foi em 1911 realizada uma revisão do contrato que redu
ziu as tarifas ferroviárias, a fim de satisfazer as necessidades de trans
portar Internamente a produção gaúcha.

99mENSAGEM presidencialde 1902. p. 16-7.


IOOmENSAGEM presidencial de 1903. p. 19-20.
^O^lbidem, p. 18.
102meNSAGEM presidencial de 1904. p. 20.

76
Intervindo, aconselhando e orientando, o Governo gaúcho tomava,
na conjutura que precedeu a guerra, as providências que encarava como
necessárias ao seu projeto de desenvolvimento econômico.
No plano de circulação, setor prioritário, oferecia-se o problema
dos transportes.
No plano de produção, batalhava pelo aprimoramento da criação e
seleção do rebanho, oscilava entra a condenação e a crença das possi
bilidades de renovação da charqueada e procurava promover no contex
to sulino a entrada do frigorífico.
Na sua matriz ideológica positivista, encontrava a inspiração da
conduta a seguir.
Em 1916, definindo a posição do Governo quanto às questões
econômicas, o deputado Carlos Penafiel diria, na Assembléia dos
Representantes:
o programa dos governos, visto as suas necessidades contemporâneas, devia se
encerrar como o tinha assim resumido Comte, dentro dessa sentença; "Manter com
energia a ordem material, secundar sabiamente o desenvolvimento industrial, o progra
ma dos governos não pode certamente se cingir inflexivelmente à fórmula do liberalis
mo econômico — 'laissez faire', 'laissez aller' — cuja orientação é dar aos Estados mo
dernos a função única de manter e zelar pela ordem no interior e no exterior. O desen
volvimento econômico e industrial sempre renovado e a política moderna criaram para o
Estado outros deveras e, a cada passo, se faz conveniente a sua interferência indireta e,
por vezes, direta, nos casos de calamidade geral, de perigos para a economia coletiva,
tomando medidas de defesa em prol da riqueza social".i03
Finalizando esta análise da posição do Estado sulino durante a Re
pública Velha com relação á economia, è conveniente que se conclua
retomando as primeiras noções afirmadas, ou seja, o fato de que o Es
tado positivista se propunha a permitir a realização do capitalismo no
sul.
Na medida em que o Estado positivista se dispunha a viabilizar o
capitalismo no Rio Grande do Sul,como já foi dito, a transformação da
pecuária gaúcha era uma das formas pelas quais era possível que isto
se realizasse. É dentro desta perspectiva que se deve entender as
promoções de melhorias do rebanho e dos métodos criatórios, ou mes
mo o interesse em promovera substituição da charqueada pelo frigorí-
fico.
Pretende o Estado de orientação positivista realizar, a nível econô
mico, o capitalismo de forma global, ou seja, desenvolver, ao mesrrio
tempo, todos os setores da economia sulina: pecuária, agricultura, in
dústria.
o Estado deveria contribuir para que tal processo se desse, mas não pela atuação
direta. Dai decorre o aspecto de que o Estado deveria intervir na economia através dos
canais indiretos, como o uso de uma legislação protecionista, ou o recurso aos incenti
vos fiscais ... È dentro deste espirito que devemos compreender a preocupação do
Estado pela solução da questão dos transportes, considerado o principal problema
econômico do Rio Grande e que já se fazia sentir desde o Império. A resolução do pro
blema do escoamento da produção foi, desde a instalação do novo regime, a meta má
xima do Governo republicano, pois assim atenderia, de forma indireta, a todos os seto-
103pErsj/\PiEL. Cart)s Moção sobre a matança devacas. Anaiscid Assembèia deRepresentantes doEstado do Rio
Grande do Sul 3' Sessão Ordinária, 11 nov 1916. p. 81.

77
res econômicos do Estado. Remover os entraves existentes à circulação era, na concep
ção governamental, uma forma capaz de possibilitar, por si só, o incremento da produ
ção nos seus diferentes níveis.l04 •
Se for vinculada esta preocupação de abarcar os diferentes setores
da economia, através de uma atuação do Estado sobre os transportes,
com o fato do PRR ter representado uma ampliação da base política, as
conexões vão se tornando mais claras. O Estado de orientação positi
vista, enn seu proselitismo, procurou alargar suas bases sociais, cap
tando criadores e charqueadores dissidentes dos partidos imperiais,
segmentos médios urbanos (classes médias em formação), além de seg
mentos rurais de colonato (em especial, o italiano).
Pode-se vincuiar ainda a este quadro a conotação de que, como zo
na periférico-dependente, subordinada à economia centrai do pais, ti-
ntia parte do seu excedente apropriado na comercialização. A soiução
de um problema na esfera de circulação iria, portanto, minorar este pro
cesso de expropriação que o Rio Grande sofria.
Dentro de todo este contexto, ganha cobro e razão a justificativa
ideoiógico-positivista da superioridade da ação indireta do Estado, da
prioridade da questão dos transportes.
Como ideologja que é, o positivismo sacraiizava e proporcionava
meios de adequação da prática econômica à existência, no poder, de
um partjdo que buscava a ampiiação da sua base social, formas de
superaçãode umasituação fundamentaimente dependente de uma mer
cadocentral e vias de concretização do avanço das forças produtivas, a
fim de conseguir definitivamente a implantação do capitalismo no Sul.
O tempo demonstraria que a praxis do Governo borgista com rela
ção à economia haveria de contribuir para entravar a realização do capi
talismo no Rio Grande. Área dependente, com precária acumulação,
apresentaria, também, uma fraca capacidade de capitalização burgue
sa. O Estado, no caso, não se substituiu a ela, não Incidindo sua atua
ção no plano de produção, mas sim sobre a circulação. Na medida em
que isto se deu, frustrou-se o projeto de desenvoiver o Rio Grande do
Sul.

104p^Savento, ScJndfci Joinhv C(>tisiclfíriK(T(?s sohrf-' ,ihvoIik. Ai id.i .Kinciiltut.i tianrhii ale /"/,„
SEITE Porto Aleqre. Fundação do Fconorma u Fstatisiic ). i'^i 37 ni^\ du/ 1977

78
2 — A CONJUNTURA DA GUERRA E O PERÍODO DE EUFORIA (1914-
1919)

2.1 —As novas perspectivas do mercado mundial e a expansão impe


rialista

A eclosão da Primeira Guerra Mundial veio exercer uma ação esti


mulante sobre a economia pecuária. A Europa, envolvida no conflito,
transformou sua indústria de pazem indústria de guerra e convocaram-
se grandes exércitos. A necessidade de abastecimento dos países beli
gerantes, no que diz respeito à população civil e às tropas, valorizou ex
traordinariamente os gêneros de primeira necessidade, em especial os
produtos oriundos da pecuária.^
Inglaterra, Itália e França, por exemplo, se apresentaram como
compradores destes artigos, pois o conflito, ao generalizar-se, coinci
diu com o fim dos rebanhos franceses e ingleses. Tais nações euro
péias passaram de países exportadores a importadores de gado, tal
como os Estados Unidos da América do Norte, pois este se apresentava
com um notável mercado interno, ao qual seu rebanho não era mais ca
paz de suprir.
Referia a revista O Progresso, em 1916:
Nos últimos 5 anos os preços dacarne aumentaram na Europa de 86%. Trôs anos
antes da guerra, o aumento já era de 46% (...) a valorização Incidia sobre o produto,
uma vezque os transportes frigoríficos eramem número suficiente e que a alta dos fre
tes não se tinha verificado durante esse periodo.2
Ao mesmo tempo em que tais alterações advindas da guerra se da
vam, realizava-se uma nova etapa do capitalismo:
Las últimas décadas dei sigio pesado y Ia primera dei presente fueron testigos de
un cambio qualitativo en el sistema capitalista. De Ia libre competência caracterizada
por Ia exportaclón de mercancias, se pasa ai capitalismo monopolista, caracterizado
RAPPORT gènéial presente au Ministre de IAgriculture au nom de Ia comission des viandes fngoriflês pour M.
Maunce Quentin et parM Alfred Massé, ancien Ministre duCommerce. Journal Offic/el deIaRépublipue Française.
Anexe 8 luin 1915 Secretaria de Obras Públicas Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul

2
O MERCADO mundial de carne O Progresso Porlo Aleqre 135), 1916

79
por Ia exportaclón de capitales. Los grandes monopólios, carteies, sindicatos, trusts,
etc. entraron a dominar Ia produción en todas sus etapas y Ia comercialización b^o to
das sus formas, ajustando a sus Intereses los principales resortes de Ia economia mo
derna a escala mundial. Esta concentraclón dei capital y Ia produción determinó Ia ne-
cesidad de Ia expansión Imperialista en busca de mercados donde colocar Ia produción
y el capital, incapaces de ser absorbidos por Ias metrópolls en condiciones convenien
tes para Ia "oligarquia financiera" de Ia época".3
Paul Singer, ao comentara inserção do Brasil no contexto do capi
talismo internacional, captou muito bem o processo que estava ocor
rendo em termos de expansão imperialista.
Por volta de 1870, tinha fim a hegemonia britânica, cedendo lugar
às disputas interimperialistas entre as grandes nações industrializadas.
Este processo de agudizaçãodas rivalidades entre as potências fez com
que, às vésperas de 1914, já não houvesse praticamente mais terras a
conquistar, uma vez que todo o mercado mundial se achava dividido
em um reduzido número de poderosas nações. Na medida em que agu-
dizou-se a corrida nacional, procurando as potências imperialistas ex
pandir-se às custas das demais, eclodiu a Primeira Guerra Muridial,
momento clímax da rivalidade das grandes potências neste estágio de
desenvolvimento capitalista. A partir do fim do conflito, começou a mu
dar o caráter do capitalismo e mesmo certas áreas apresentararn um re-
fluxo. Refere-se Singer especialmente ao caso da União Soviética, que
furtou ao capitalismo uma vasta área territorial.
o período quese Inicia após 1918 não se caracteriza apenas pelo refluxo capitalis-
ta, mas também pela reorganização Interna da economia capitalista. Até então, a ativi
dade Industrial estava quase Inteiramente limitada aos países centrais do sistema, que
desenvolviam na periferia colonial (ou ex-colonlal) apenas a produção de bens primá
riose das atividades de Infra-estrutura —transportes, energia, serviços urbanos ne
cessárias à suacomercialização. Após 1918, começam a se organizar. Inicialmente nos
Estados Unidos, depois também naeuropa Ocidental e no Japão, empresas com ativi
dades em muitos ramos e em muitos países e que se tornaram notórias como empjesas
•'multinacionais". Sãoestas empresas que vão tomar multo mais flexível a divisão in
ternacional do trabalho, compatiblllzando-a com a Industrialização de países que nem
por Isso deixam de ser periféricos ou dependentes.^
Desde o início do século, uma das pontas de lança do avanço mo
nopolista era o frigorífico, uma vez que a tecnologia capitalista estava
dominando os processos de conservação da carne pelo frio. As grandes
empresas dirigiam-se para aquelas regiões do mundo onde se encon
travam as melhores, maiores e mais baratas reservas de gado e onde se
pagavam aos operários os salários mais baixos: o Prata.
Tal processo correspondia à nova dinâmica da divisão do trabalho.
Na medida em que se apresentavam necessidades de consumo nos
países de economia central, que não podiam ser satisfeitas pela estru
tura produtora destes países industrializados, começava a grande pro
cura dentro das áreas periféricas daquelas regiões onde as condições
de lucratividade fossem maiores.

^DO "i TA, M.ím: Wi ,iin ti LJnj(i(Jüv M, (d-. K.n.-s ()c l.i B-ind;) Onf-nlai, '9/2 [> 89
^SINGER, Paul OBrasil no contexto do capitalismo internacional. IN: FAUSTO. Boris, org. OBrasil republica
no III São Paulo, DIFEL, 1975. V, 5, p. 348-9.

80
Isto implicava em achar uma área onde o custo de produção fosse
o mais baixo possível e a comercialização seguisse o mesmo ritmo de
facilidade, de molde a ampliar a margem de lucro.
Em 1915, este processo era percebido e comentado pela Comissão
das Carnes Frigorifiçadas, estabelecida na França para estudar as con
dições de utilização dos produtos da indústria do frio e quais as dispo
nibilidades de gado do mundo. No seu relatório geral ao Ministro da
Agricultura, em 1915, a Comissão das Carnes Frigorifiçadas referia;
En envisageant les conséquences de Ia guerra que nous soutenons, au polnt de
vue de Ia situation du bétail ... vous vous trouviezen effet en présence de deux phéno-
menes economiques dont le fait, même, slnon rimportance, était depuis longtemps
prévu et dont le second est, dans une certaine mesure, fonction du premiar; d'une part,
une augmentation anormale de Ia consommatlon en viande, d*autre part, une dlmlnu-
tion inusitée du cheptel.
Pour remédier a cet état de choses, on avait dès les temps de palx, eu Tldée de faire
appel aux ressources du bétail ètranger ou colonial, sous Ia forme Ia pius maniable
pour le transport et Ia moins dispendleuse,par lemploiede Ia viande congelèe.
Cette conception entrait dans les vues des pouvolrs publics lorsquMIs demandalent
a Ia loi de Ia possibilitè de suprimer par simples décrets, dès les premlères heures de Ia
mobilisation, les droits de douanes sur les denrèes en provenance d'autremer; ils Tont
réalisèe d'ailleurs, lorsqu'à Ia date du 2 aoút 1914, ils ont levé les droits d'entrée sur les
viandes salèes et conservées par un procèdé frigorifique.
Le traitment de Ia viande par ce procedé, dont Torigine essentiellement française
remonte aux découvertes de Charles Teilier, fait Tobject d'une industrie florissante en
Amèrlque, en Australie et en Nouvelle Zelande,ou Tabondancedu bétail se traduit par
une exportation indispensable et méthodiquement organisée, suivant les formules con-
nues et perfectionnées.5
Indiscutivelmente, a Grande Guerra representou para o mercado de
carnes uma ampliação e um impulso que ultrapassaram, desde muito,
aquele gerado pela guerra dos boers na África e que impulsionara para
o Prata os Frigoríficos ingleses.
Tratava-se agora do abastecimento da população civil e das tropas
em campanha, às quais era dada uma ração mais substancial de carne.
As nações beligerantes voltavam-se para os centros fornecedores co
loniais e estrangeiros. Dentre os abastecedores mundiais, a Austrália
apresentava, ao eclodir o conflito, grandes possibilidades de incre
mentar ainda mais a criação de gado, aproveitada por suas companhias
frigoríficas. Já na Nova Zelândia, que, em1915, abrigava 33 indústrias de
frigorificação de carneS o grande incremento demográfico diminuíra a
quota de exportação. Em ambas as regiões, contudo, a grande distân
cia acarretava aumento de fretes. Um outro fator que acarretava preo
cupações, no que diz respeito à exportação de carnes desta região do
mundo, era o seu clima irregular, com grandes oscilações. Especial
mente no que tocava à exportação de carne bovina, o abastecimento
não se comparava àquele advindo do Prata, de forma regular e crescen
te. Por exemplo, a Austrália, que entre 1895 e 1899 exportava de 500 a
SraPPORT général, op. cit., nota 1, p. 357.
6|bidem, p. 366.

81
600.000 quintais, entre os anos de 1902 a 1906 não chegou a perfazer
100.000. Somente em 1940 conseguiu demonstrar uma recuperação
sensivei, montando 900.000 quintais de carnes frigorificadas na expor
tação. Da mesma forma que a Austrália, a Nova Zelândia apresentava
irregularidade na produção, aièm de ser especializada na carne ovina e
não vacum.^
Os Estados Unidos da América, por outro lado, desde antes da
guerra, se haviam convertido em país importador de carne, de exporta
dor que era. O grande mercado interno norte-americano era abastecido
pela sua rede de companhias frigoríficas de Chicago. A partir de um
determinado momento, saturou-se o mercado consumidor americano
para carnes frigorificadas.
A diminuição do estoque locai de gado e a saturação do mercado
interno fizeram com que as poderosas empresas de Chicago passas
sem a exportar capitais para onde estes operassem com maior lucrati
vidade.
Dentro deste contexto, portanto, a fonte básica de operações seria
o Prata, que já fornecia para a Inglaterra uma toneiagem de carne
equivalente àquela enviada pela Austrália e Nova Zelândia juntas.^
A Argentina e o Uruguai se constituíam, na época da guerra, a
região do mundo mais rica de gado, com possibilidades de expansão e
reposição do rebanho, que se considerava, então, ilimitadas.
Já se viu em capítulo anterior (subcapítulo 1.2) que os países
piatinos eram campo de operações dos frigoríficos estrangeiros que
haviam escolhido o Prata como zona ótima de investimento e expiora-
ção.
Na região, verificava-se uma disputa entre os grupos econômicos
ligados ao Trust do Beef, de Chicago, e outros não menos poderosos,
de Londres, pertencentes ao Grupo Vestey Brothers, obtendo ambos
grandes lucros nas suas operações.

Na verdade, dos dois países, foi a Argentina a que mais se notabi


lizou na exportação de carnes frigorificadas, alimentando todas as
frentes dos aliados.
Por esta época funcionava cerca de dez companhias na Argentina,
dentre as quais se salientavam: La Blanca, capitai americano: National
Packing (Swift, Armour e Morris); La Plata Cold Storage Company,
capital americano (Swift), Frigorífico Argentino, capitai americano
(Suizberg & Sons); British and Argentino Meai Company (junção dos
antigos River Piate e The Las Palmas Produce), capitai angio-argentino;

^BARRAM, J. P. &NAHUM, B. La prosperidad frágil (1905-1914). IN: Historia rural de! uruguai moder-
no. Moníevideo, Ediciones de Ia Banda Oriental, 1977. Tomo 5. p. 64.

SraPPQRT général. op. cií., nota 1, p. .366.

82
TheSmithfield and Argentina Meat, capital angio-argentino; Cia. San-
sinema, capital anglo-argentino ®
A época era de verdadeira euforia e, no relatório do Ministro da
Agricuitura da França, afirmava-se:

De tous Ias pays du monde, c'est TArgentíne quí détient Ias pius d'animaux de
bouchérie, en égard au nombrede ses habitants (...) Les Argentina n*ont Jamais cessè
de raftirmer en procíamant qu'ils pourraient produire Ia viande congelée en aussi
grande quantité qu'on en aurait besoin, et se plaignant de rinsufficance de leurs
débouchés (...) Ce quMI faut regarder, c est 1'augmentatlon sucessiva das envois faits à
Tetranger, qui se prodult sans que Ton alt besoin de demandar au chéptel un effort
nouveau, sans que Ton constate qu*ll se solt appauvrl.10

O mesmo relatório fornece os seguintes dados, que permitem


apreciar a evolução da produção argentina de carne, desde o fim do
século XIX até às vésperas da Primeira Guerra Mundial:

TABLEAU COMPARATIF DES EXPORTATIONS EN TRENTE ANS

Années Ouartiers de Boeuf Carcasses


112
1884 152.605
Congelé Refrigéré
(Fronzen Meat) (Chílled Beef)

1893 52.105 1.299.605


1894 3.735 1.594.367
1900 266.283 2.385.482
1901 479.372 2.755.788
1910 1.434.078 1.608.608 2.843.676
1911 1.693,494 2.131.791 3.497.639
1912 2.086.780 2.269.474 3 266.755
1913 978.498 1.384.085 968.007

TONNAGE DES EXPORTATIONS DE VIANDE DE BOEUF CONGELÉ (dàprés le Builetln


Officlel de Ia Chambre de Commerce Argetine, julllet 1913, qui note Ia production
regullèrement croissante du bètall)

Années Tonnes

1901 44.901
1904 97.741
1910 253.703
1911 312.884

11

RICHELET, Juan La ganaderia argentina y su comerão de carnes. Buenos Ayres, J Lajouane/Librería Nacional,
1978.
RAPPORT génèral, d cit , nota 1, p 366

^hbidem.

83
A partir de então, durante o período de 1914 a 1918, a Argentina foi
aumentando a produção de gado conforme aumentava a demanda e
conforme subiam os preços no mercado internacionai. O negócio,
durante a época da guerra, atingiu um nível de iucro fabuioso, pois, aos
altos preços obtidos peios produtos, se acrescentava o fato de ser a
Argentina o país que podia produzir a carne a mais baixo custo de
produção (abundância de gado em relação à população, baixo valor da
terra, excelente qualidade do rebanho, salários baixos, bom sistema
ferroviário e portos aparelhados).
Frente à expansão dos negócios, a Swift criou uma fiiial do frigorí
fico na Patagônia — The New Patagonian Meat Preserving and Cold
Storage — onde foram montados dois estabelecimentos, os de Rio
Gallegos e San Julián.
Enquanto na Argentina progredia extraordinariamente a indústria
do frio, regredia a atividade saiadeirista, como pode ser observado nos
dados abaixoi2.

REPÚBLICA ARGENTINA
Número de Animais Abatidos para Elaboração
de Carnes no Último Qüinqüênio

Estabelecimentos
Anos
Frigoríficos Saladeiros e Fábricas Total

1909: Bovinos 818.892 311.288 1.130.180


Ovinos 2.922.472 57.688 2.980.160
1910: Bovinos 964.404 411.283 1.375.687
Ovinos 3.501.593 106.4Ò7 3.608.000
1911: Bovinos 1.252.454 382.570 1.635.024
Ovinos 4.024.648 127.701 4.152.349
1912: Bovinos 1.386.646 350.336 1.736.982
Ovinos 3.247.364 171.504 3.418.868
1913: Bovinos 1.379.432 224.142 1.603.574
Ovinos 2.343.235 66.540 2.407.775
Média: Bovinos 11.603.366 335.923 1.496.289
Ovinos 3.207.862 105.968 3.313.830

O Uruguai apresentava condições ecológicas similares às da Ar-


gentina, bem como oferta de matéria-prima adequada e bom sistema de
circulação. Aos poucos, os frigoríficos americanos iam aumentando
sua esfera de influência no Estado Oriental.
Em 1911, a Swift adquiriu o Frigorífico Montevideo, fundado com
capitais locais, e, em 1917, Armour, Morris and Company comprou as
ações do Frigorífico Artigas, instalado em 1915. À presença dos ameri-
12minSSEN, Guilherme. Memorial de conservaçãodas carnespelo frio. IN: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de
Obras Públicas, Arquivo Histórico do Estado. Porto Alegre, 8 dez. 1914.

84
canos, acrescentava-se o imperialismo britânico, pois, desde 1911, a
companhia anglo-americana Sansinena comprara La Frigorífica Uru-
guaya S.A. Referem Barran & Nahum:
Fué precisamente en ei ano de 1913 que se produjo ei gran cambio: por primeira
vez — y para siempre ya ei voiumen de ia carne congelada exportada por ios frigoríficos
sobrepasó ai voiumen de ia carne tasajo exportada por ios saiaderos ... ei reverso de
ia era frigorífica era Ia ruina progresiva de Ia Industria tradicional y dei tasajo''3.
Pode-se comprovar tais afirmativas com os seguintes dados, for
necidos pelo Memoriai da conservação das carnes pelo frio, de Guilher
me Minssen, em 1914

URUGUAI
Número de Gado Bovino Abatido e Exportado Segundo seu Destino
Anos Frigoríficos Saldeiros e Fábricas

1907 12.104 672.300


1908 21.856 582.300
1909 26.711 664.700
1910 34.127 761.564
1911 23.231 558.200
1912 69.481 551.200
1913 132.650 334.700

URUGUAI
Número de Gado Ovino Abatido e Exportado

Anos Frigoríficos
1907 117.400
1908 143.099
1909 150.358
1910 241.418
1911 288.465
1912 333.544
1913 311.111

Ora, se for somado o abate de ovinos e bovinos que os frigoríficos


realizaram em 1913, obter-se-á a cifra de 443.760 animais abatidos e
exportados pela indústria do frio, enquanto que o saiadero apresenta
334.700 animais. Para o ano anterior, 1912, fazendo o mesmo
cálculo, o frigorífico apresenta 402.025 como cifra de at)ate e o
saiadero 551.200. Logo, 1913 foi realmente o ano em que o frigorífico
sobrepujou a empresa saladeiril.

13BARRAN & NAHUM, op. cit., nota 7, p. 148.


^'^MINSSEN, Guilherme, op. cit., nota 12.

85
Pela observação dos dados, verifica-se pois, a progressão de au
mento do abate nos frigoríficos, tanto no que diz respeito aos bovinos
como aos suínos e o decréscimo da atividade do saíadeiro.
Outro fenômeno que merece destaque é o fato do frigorífico con
ferir um novo valor à criação ovina que não a exportação da lã ou do
gado em pé, na medida em que sua carne era industrializada pelo frio.
Além disso, com esta alteração que se processava, o estancieiro
uruguaio deixava de preocupar-se com o mercado cubano e brasileiro e
passava a voltar suas vistas para as praças européias. Isto teria reper
cussão sobre a cfiarqueada gaúcha, durante o período da guerra, na
tentativa de penetrar no mercado de Cuba, como se verá mais adiante.
Fora do mercado platino de fornecimento de carne, as nações
européias possuidoras de colônias ainda poderiam contar com as re
servas de gado destas regiões, como é o caso da França, que poderia
suprir-se com o rebanho de suas possessões. Madagascar, por exem
plo, onde existiam empresas frigoríficas, poderia fornecer, em parte,
carne para a França, mas muito aquém das necessidades desta. Outras
zonas do império colonial francês na África Ocidental e Central (Sene
gal, Guiné, Daomé) seriam potencialmente zonas fornecedoras de car
ne, sem que, cotuuao, até lá tivesse se expandido a indústria do frio.
No Prata, a situação pré-guerra, marcada pelo abasteci
mento dos mercados e pelo aproveitamento do rebanho local, prolon
gou-se no período do conflito que teve inicio em 1914.
O primeiro pool durara de 1911 a 1913 e fora a maneira que as
companhias frigoríficas encontraram para terrninar sua rivalidade, en
caminhando-a para a negociação. Fazia-se a divisão do mercado britâ
nico para o envio da carne platina. Dentro do Prata, os empresários de
frigoríficos gozavam deuma situação monopolista decompra e fixavam
o preço. Desta maneira, fixando quotas de exportação para cada grupo
estrangeiro, estes dividiam não só o mercado consumidor europeu como
o próprio rebanho fornecido. Oferecendo internamente o mesmo pre^,
não havia condições do estancieiro, em desacordo com preço oferecido
por uma empresa, ir vender para outra, isto só sucederia se as quotas
de um frigorífico se encontrassem esgotadas.
Os estancieiros platinos evoluíram de uma posição que encarava
os frigoríficos estrangeiros, participalmente os americanos, como sal
vadores da pecuária, para outra em que até medidas com sensível
caráter arttl-trust foram tentadas. Exemplo disso foi a
Governo argentino de expropriar os frigoríficos ou mesmo a tentativa
de articulação de uma greve dos fornecedores de carne.
Opool era, assim, uma forma dos frigoríficos superarem a compo
sição desenfreada de compra e exportação de carne onde, internamen
te, eram levados a cada vez pagarem preços mais altos pelo gado e,
externamente, verem o preço da carne frigorificada baixar no mercado
86
britânico frente ao envio desordenado dos estabelecimentos america
nos e ingleses.
Com opoo/, mantinham preços relativamente estáveis para o gado
platino e para a carne no mercado mundial}^

Antes de declaração de guerra de 1914-1918, os frigoríficos estran


geiros no Prata haviam se organizado num novo pool, quando se
concedera às companhias norte-americanas um aumento nas suas
exportações. As perspectivas abertas pela guerra viriam abrir uma
época de grandes especulações e lucros para os frigoríficos. Os preços
novamente se elevaram e vieram salvar da crise muitas companhias que
estavam mal nos seus negócios. Ante os bons preços pagos, atenua
ram-se, em parte, os antagonismos entre criadores e agentes de frigorí
ficos.
É interessante relacionar aqui a percepção das condições existen
tes nos centros produtores, a partir do depoimento de um país consu
midor. Veja-se o que diz o Relatório Geral, elaborado pela Comissão de
Carnes Frigorificadas da França, em 1915:
Notre étude sur les ressources des pays étrangers serait incomplète, sl nous ne
cherchions a préciser les contidions économiques du marché en gros des viandes con-
gelées aux lieux d'orlgine, avant tout embarquement (...) Celle-ci (Ia marchandise) pas
se successivement entre les mains de trois personnes, ayant des Interèts contradlctol-
res, réieveur, Tindustriel frigoriste, Timportateur.
Le premier vend au second les bestiaux destinés à Tabatage. Les compagnies frl-
gorifiques sont bien proprietaires d'espaces Importants, qui représentent quelquefois
1000 ou 2000 hectares d'excellents pâturages, bIenaménagés, pour permettre au bétail,
amenéde três loln, de se reposeret de rependre le polds que lul a fait perdre le voyage,
mais elles ne participent pas à Ia recherche des crolsements, à Ia créatlon des races, à
Ia produotion de Tanimal et à son engraissement. Elles se content de Tacheter lorsqull
est prêt, dans toute racception du mot.
Cependant, 11 y aurait une tendance, de Ia part des compagnies du Nord-Amérique
nottamment(...) pour éviter de subir les prix de Ia culture, a pratiquer elles-mèmes
réievage, à leurs risques et périls. lis ne semble pas, par contre, que les producteurs
aient songé à se syndiquer pour travailler eux-mômes leurs troupeaux en vue de Texpor-
tation; ce qui s*explique par les conditions favorables qu'ils semblent toujours avolr
obtenues.
Les industries frigorifiques revendent les quartiers de boeufs et les carcasses de
moutons congelés à une corporatlon spéciale , dont les membres sont d'ailleurs en
nombre três restreint (22 à Londres), les Importateurs. Toutefois, certaines grandes
compagnies frigorifiques, pour ne pas recourir aux offices de ces Intermediaires, ont
des agents generaux qui reçoivent, à son arrivée. Iadenrée et Ia livrent au boucher de
bétail pour le compte de celles-ci.lS
Éclara aqui a percepção de que os Interesses são contraditórios,
revelando uma visão bem nítida da oposição que separa aqueles que
produzem a carne daqueles que a industrializam. Por outro lado, tam
bém passa a delinear-se, neste relato, a peculiaridade do capital mono-
"•^SMITH, Peter H.» Carne y política en ia Argentina. Buenos Ayres. Paidós, 1968
^^RAPPORT général, op. cit.. nota 1, p. 368.

87
polista que se afirmava, que era a de controlar um processo produtivo
desde a oferta de matéria-prima, passando pelas várias etapas de
elaboração de mesma até a sua colocação no mercado. Ê o caso
específico da empresa frigorífica que passara a se dedicar à criação, à
frigorificação e à sua colocação no mercado.
As companhias frigoríficas, na medida em que ofereciam bons
preços pelo novilho refinado, agiam como fatores de Impulso à seleção
do rebanho. Na medida em que se organizavam em pool, detinham o
controle da oferta de preço pela carne. Por outro lado, seguidamente as
companhias que exploravam a frigorificação possuíam o domínio do
mercado. No caso do Beef Trust, estes praticamente haviam se as
senhorado do mercado Inglês de Smithfield'^^.
Quanto à perspectiva de associação de produtores, referida no
trecho do Relatório, o Rio Grande do Sul apresentou movimentos de
congregação da classe rural para a defesa de seus Interesses, numa
etapa que precedeu a guerra. Condições efetivas de fazer valer esses
Interesses a nível de mercado Internacional, porém, era outro problema
não superado.
A conjuntura c^uerra determinou, portanto, um Incremento na
demanda Internaclonaí dos produtos pecuários e a elevação dos preços
dos artigos frigorificados e do próprio gado. Com a expansão das
empresas de frigorificação pelas áreas pecuárias do globo, verificou-se
um Incremento no abate e nas exportações mundiais de carne. A
guerra, contudo, determinou ainda alterações no tipo de produto frlgo-
rlflcado consumido.
Até mais ou menos o Início da guerra, os criadores platinos procu
ravam com afinco aprimorar o processo de mestiçagem e seleção do
rebanho, uma vez que os frigoríficos pagavam altos preços por um tipo
de gado refinado para a Industrialização da carne refrigerada - o chilled
beef - de grande aceitação no mercado Internacional.
A respeito dos tipos de carne frígorífícada, o Deputado Cosníer,
em relatório ao parlamento francês, no ano de 1915, explicava:
L'expression "viandes frigorifiées" ne comporte qu'un sens générique et sert a
designer deux sortes des viandes: íes viandes congeiées et les viandes refrigerées.
Le Congrès national du frold tenu à Toulouse en 1912 a proposé, et le congrès In-
ternatlonal du frold a Chicago en 1913 a décidé que le terme de viande congelée serait
reservé pour toutes les viandes soumises à une température inférieure à O degré suffi-
sament longtemps pourque Ia viande prenne Ia consistance d'un bloc de pierre. Au con
traíra, le terme de viande refrigerée sert a designer Ia viande soumise à une température
ègale ou légèrement supèrleure à O degré et dont Tetat n'a jamais atteint Ia congéla-
tlonJÔ
^^BARRAN, J.P. & NAHUM, B. Recuperación y dependência (1895-1904).
IN; Historia ruraídeíUruguaymoderno. Moníevideo, Edicionesde Ia Banda Oriental 1973 Tomo 3
P. 68-70.

""SccpSIMIER. Importation de viandes frigorifiées. Doccuments parlementaires - chambre. Journaí Officiei de ia


RepúbÜQue Française, 1915. p. 1193. Secretaria de Obras Publicas do Rio Grande do Sul, Arquivo Histórico.

88
Dentre os dois tloos acima mencionados, a produção do chilled
beef, ou carne refrigerada, oferecia um artigo mais saboroso, porém
rnais perecivei. Impiicava na criação de noviihos de tipo chiller, sele
cionados e aiimentados em campos de pastagens forrageiras, como a
aifafa.

O Prata, apareihado para tai tarefa, apresentava-se como o grande


centro exportador de chilled beef para o mercado internacionai, assim
como também destacava-se na importação de noviihos de raças supe
riores, notoriamente ingiesas, Esta grande importação piatina de gado
refinado se convertia numa fonte de renda para a Grã-Bretanha e seus
fazendeiros criadores de rebanho seiecionado.
Acompanhe-se o cicio do imperiaiismo britânico no Prata: exporta
noviihos seiecionados, tecnoiogia, capitais, aiém de dotar a periferia
de um eficiente sistema de distribuição tanto interna (ferrovias) quanto
externas (marinha mercante). Em troca, a periferia lhe fornece o artigo
desejado a baixo preço.
A guerra veio modificar este quadro de consumo, na medida em
que grandes iotes de conservas de carne em iata {corned beef) e carne
congelada {frozen beef) de inferior quaiidade, com mais graxa e ten-
dões, eram adquiridos peios paises beiigerantes para a aiimentação de
seus exércitos.

Com esta mudança de mercado, chegava-se a pagar mais por


noviihos tipo freezer do que tipo chiller e, enquanto decrescia a expor
tação de carne refrigerada, subia a dos eniatados e da carne congeiada.
O aproveitamento de gado de qualidade inferior teve uma reper
cussão econômica fundamentai sobre outros países da América do Sul,
que puderam se aproveitar da expansão dos frigoríficos pelas áreas
periféricas e dos bons preços pagos por estes, tendo em vista o
consumo dos exércitos europeus.
Ê dentro deste contexto que passa a se inserir o Brasii.
Ém 1913, Antônio daSiiva Prado, cafeicultore industrial paulista,
fundou, com capitais nacionais, a primeira companhia frigorífica do
Brasii, a Companhia Frigorífica e Pastoril de Barretos, destinada ao
abastecimento de São Pauio.

Ora, São Pauio, no caso, não era um Estado produtor de gado,


adquirindo-o das regiões próximas de Mato Grosso, Goiás e mesmo
Minas Gerais, zonas onde não se processava o refinamento dos re
banhos e nas quais era criado o gado zebu, de carne considerada
menos apropriada para os.fins de frigorificação.
Já em 1913, a revista A Estância apresentava o exempio paulista
como o caminho a ser seguido pelo Rio Grande do Sul:
De São Paulo os outros Estados deviam copiar todos os processos e modelos,
como da América do Norte todos os paísesamericanos, delánosvem a verdade econô
mica, o ensinoracional e prático (...) abandonando o péssimo sistema das
ras, atIrou-se ao cultivo dos cereais, promoveu o reerguimento da industria pastoril, to-
mentou todas as Indústrias (...) e finalmente para maior honra sua, ameaça o Gran
dedo Sul com a primazia da pecuária, decerto multo menos numerosa, mas sem duvida
multo mais Importante pelos processos empregados e pela racionalidade adotada nas
criações em geral (...) Iniciou agora a criação de charque e dentro em breve será o
fornecedor de carnes verdes e frigorificadas a todos os portos nacionais(...) lá onde
não chega a um milhão o número de cabeças de gado vacum, lá, onde o povo tem rendi
mentos mais largos em Indústrias fabris diversas e porque se fundou o primeiro estabe
lecimento frigorífico que o Brasil possui (...)19
Realmente, logo no ano seguinte, a título de experiência, o frigorí
fico de Barretos enviou para a Ingiaterra cerca de uma toneíada e meia
de carne frigorificada e, face a aceitação, começou a exportar reguiar-
mente, como se vê nos dados abaixos:
Por umaestatística organizada pela Diretoria de Estatística Comercial do Ministé
rio da Fazenda, vè-se que a exportação de carnes congeladas no Brasil, '"'Clada em
dezembro de 1914 com um carregamento de 1.400 kg, valendo a boi^o 1:1001000, se
elevavaem 31 de dezembro de 1916a 42.176.306 quilos, no valortotal de
34.315:288S000.

Aexportação poranos foi a seguinte:


Anos Quilos Valor
1914 1.400 1:100$000
8 513 970 6.121:5911000
]|]| alJeolose 28.192:589$000
Receberam estes carregamentosos seguintes países:
Países 1915 1916
Itália 1.418:8318000 3.646:1321000
G?i?Bretanha 3.151:1381000
Gibraltar — ^-661 -5058000
p/anca 74:4488000 3.440:3838000
E^ados Unidos 1.499:1828000 1.998:677800020
A partir de então, rapidamente incrementou-se a frigorificação da
carne no Brasii, país com potenciai pecuário, embora de inferior
qualidade em relação ao do Prata.
Em outubro de 1917, a Revista do Comércio e Indústria de São
Paulo assim noticiava:
Atualmente, funcionam no Estado três empreendimentos importantes para a
exploração dá indústria de carnes;
"Compantiia Frigorífica e Pastoril", com o capital de 5.000 contos. Possui o
matadouro frigorífico de Barretos, numterrenode 427 alqueirese com as mais modernas
instalações; aitrabaitiam 300 operários. No município de Rio Preto tem 27.000 alqueires
ESTÂNCIA. Porto Alegre. (10):284-5, dez. 1913.
20o PROGRESSO da indústria pastoril brasileira Revista do Comércio e Indústria São Paulo
(25): 7, jan. 1917.

90
de terras para invernadas.
"Continental Products Co." organizada com capitais norte-americanos. É
proprietária de frigorífico de Osasco, nos arredores da capital. Emprega 370 operários.
"Caçapava Packing House", de Caçapava. Fundada pelo Coronel João Francisco P.
de Souza, pertencente hoje ao Sr. Carlos de Moura. Dedica-se ao fabrico de charque e
tem 40 operários.
Tratava-se, presentemente, de fundar um novo frigorífico em Franca, na linha
Moggyana, e outros da Companhia Armour nos arredores da capital.
Os três estabelecimentos que funcionavam em 1916 abateram, no mesmo ano, estas
quantidades de gado:
Bovinos Suínos

Barretos 58.308 cabeças 8.850 cabeças 2.254 cabeças


Osasco 92.098 cabeças 8.261 cabeças —
Caçapava 11.209 cabeças — —
161.615 cabeças 17.111 cabeças 2.454 cabeças

No ano anterior, os três estabelecimentos abateram 90.383 bovinos, 9.726 suínos e


238 ovinos.
O peso das carnes produzidas em 1916 foi, em toneiadas:
Carnes congeiadas Verdes e secas Conservas
Barretos 12.7921 — —
Osasco 9.600 1 747 1 2.451 t
Caçapava — 8941 —
Inciuindo outros produtos, o vaior totai da produção aicançou o seguinte, nos dois
últimos anos:
1915 1916
Barretos 5.100:0001000 7.577:1521000
Osasco 5.500:0001000 18.000:0001000
Caçapava 1.430:0001000 1.383:0003000
12.030:0001000 26.960:1523000
Para abater nos matadouros frigoríficos, o Estado importou pelas fronteiras terres
tres 150.020 bovinos em 1916, contra 15.292 em 1915.
Tais informações permitem ajuizar da atuai prosperidade da Indústria pastoril no
Estado de São Pauio que, embora não tenha rebanho numeroso, se está convertendo
em centro de aproveitamento industriai de grandes estoques bovinos de Mato Grosso e
Minas Gerais.21
A expansão frigorífica no Brasii ainda expandiu-se para o Rio de
Janeiro, com a instaiação da Union Cold Storage Company {Frigorífico
União), em Mendes, e a British andArgentina Meat Company Limited,
perto do Rio de Janeiro, sob o nome de Companhia Britânica de
Carnes. Ambos eram de capital britânico.
Outras companhias de menor porte também centraram seus Inte
resses no eixo São Paulo - Rio de Janeiro durante a época da guerra,
a Companhia Frigorífica de Santos.
Em outras palavras, levados pela perspectiva de obtenção fácil de
matéria-prima e pelos bons preços que mesmo o gado de inferior
qualidade obtinha no mercado europeu, o imperialismo britânico e
Yankees chegavam ao Brasil para industrializar a carne.
21fRIG0I^'í KOS f^cvist.i C m Ituiiistti.r . S:iO Paulo (34 350. (out 1017 )

91
Note-se que esta expansão era vinculada ao Prata, uma vez que a
British Meat Company Limited, já atuante na Argentina, deslocou-se
para o Rio de Janeiro, enquanto que a Armour, sediada soiidamente
nas duas nações platinas, intentava estabelecer-se em São Paulo.
A respeito da expansão imperiaiista americana no Brasil, assim
analisa Moniz Bandeira:
A maior oportunidade para a conquista do mercado brasileiro pelos Estados Uni
dos surgiu quando a guerra imperiaiista de 1914-1918 desviou na Europa as correntes
do comércio. As exportações do Brasil para a Alemanha, que em 1912 e 1913 superaram
as vendas à Inglaterra, cessaram a partir de 1915 e as importações caíram (...) O mesmo
aconteceu às*exportações para a Inglaterra (...) e as importações de seus produtos pelo
Brasil baixaram. (...) Em 1915 pela primeira vez os Estados Unidos tomaram a liderança
de todo o comércio exterior brasileiro, tanto das exportações como das importações
(...) A competição entre os Estados Unidos e a Inglaterra não se limitava ao comércio
exterior, do Brasil. Os grupos monopolistas dos dois países disputavam (associando-
se muitas vezes) as fontes de matérias-primas e o controle dos meios de comunicação
e de transporte ... Àquele tempo, nos primeiros anos do século XX, o capitalista ameri
cano Percival Farquhar voltava as suas vistas parao Brasil (...) Farquhar, que inspjrou a
"Líghtand Power" e estivera vinculado à Sociéte Anonyme du Gaz, estendia então as
malhas dos seus interesses a outros setores da economia brasileira. A "Brazil Raliway
Company", principal empresa do sindicato que ele representava, adquiriu de um grupo
francês, por volta de 1908, a concessão da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande (...) A
"Brazil Railway', pouco tempo depois, apossou-se de toda a rede ferroviária do Rio
Grande do Sul, arrendou a Sorocabana, comprouações da Mogiana e da Paulista, obte
ve a concessão da Madeira-Mamoré e os direitos da Vitória-Minas. Capitais europeus,
predominantemente ingleses, fundiam-se neste empreendimento, que montava a cerca
de quarenta e cinco milhões de libras esterlinas e o empresário americano dirigia. O
sindicato Farquhar dispunha, a essa altura, de frigoríficos, indústrias de papel, cadelas
de hotéis, vastas áreas de terras, administrava os portos do Pará ("Port of Pará) e do
Rio Grande do SI e fundaram a "Southern Brazil Lumberand Colonizatlon Co!', que con
trolaria a madeira do Paraná, e a "Amazon Land Colonizatlon Co!*, para explorar a borra
cha da Amazônia ... 22

Para se ter uma noção ainda maior do entrelaçamento de capitais e


de suas ramificações, veja-se este trecho da Revista do Comércio e
Indústria de 1919:

Canital britânico acha-se consideravelmente representado na Indústria de carnes do


ntêrédtó daimpres. "Brazil Land and Çat.l, Company Llmlted" amala
Importante a maior ampraaa criadora do gado nM^la republica. Foi organizada pala
"Brazil Raliway Companyf tendo o capital sido obtido em Londres e Paris, mas a em
presa é na realidade norte-americana e dirigida de Nova York. Aquela companhia possui
nos Estados de Mato Grosso. São Paulo. P^aná eRio Grande do Sul uma área de
3 000 000 de acresque dão pasto a 300.000 cabeças de gado. Foi ali introduzido bom
gkdo de raça para cruzamento e não há dúvida que a empresa continua próspera. As fá
bricas de Osasco são os melhores fregueses daquela empresa criadora.23
Dois pontos merecem aqui ser ressaltados: por um lado, o eviden
te entrelaçamento de capitais, provenientes de mais de um país e que
se destinam ao controle de amplos setores da economia, que vão desde
a produção de matéria-prima à sua elaboração e colocação no mercado.
22bANDEIRA, Moniz Presença dosEsuidos Unidos noBr.fsil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973 P 192 3
23aS industrias animais rto Brasil Revista do Comérno e Indústiia' de São Paulo (49-50 6 7, (ian ' fev3919 )

92
Tal mecanismo seria próprio ao capitai monopolista que assumia sua
forma mais completa recentemente com as corporações internacionais.
Note-se por exemplo : Farquhar, aièm das suas atuações no ramo
da exploração da madeira, com a Southern Brazil Lumber and Coloni-
zation Co., e nos transportes ferroviários e serviços portuários
(...) tinha também grandes fazendas de gado — 4 milhões de acres com 140.000
cabeças em 5 ranchos, em Descalvado, no Pantanal — em nome da "Brazil Land Cattie
& Packing Co.'.' O gado era Industrializado localmente numa charqueada, sendo parte
da produção exportada para Assunção e Buenos Alres.24

O grupo de Farquhar, em ligação com o poderoso truste de Chica


go Suizberger and Sons, fundaram o frigorífico de Osasco {Continental
Products Company) em 1914.^®
O grupo econômico que sucedeu a Suizberger na direção do frigo
rífico foi aquele que passaria a integrar o quarteto da carne de Chicago,
ou seja, a C/a. Wilson. Segundo Singerze, Suizberger considerou com
ceticismo a possibilidade do frigorífico de Osasco competir com os
piatinos no mercado internacional e retirou-se do negócio, quando en
tão Farquhar vendeu o frigorífico á Wilson.
Convém enumerar algumas das empresas que mantinham, neste
processo, ligações entre si, articuladas ao que parece dentro da rede de
companhias que Farquhar ajudara a formar e que, muitas vezes, depois
abandonava: Continental Products Co.; Brazil Raiiway Company: Com-
pagnie Auxiiiaire des Chemins de Per au Brésii; Compagnie Française
du Port du Rio Grande do Sul; Southern Brasil Lumber and Coionization
Co.; Brazilian Land and Cattie Co.
Em outras palavras, observa-se aqui tanto a ligação entre capitais
de mais de uma procedência como as atividades econômicas entreiaça-
das: criação de gado, frigorificação, estradas de ferro, portos, madeira,
isto, naturalmente, verificando apenas as suas ramificações dentro do
país, ou melhor ainda, no centro-sui do país e destacando aquelas mais
significativas. Suizbergerand Sons, como já se viu, havia adquirido o
Frigorífico Argentino no Prata, possuindo, além disso, 13 frigoríficos
nos Estados Unidos da América.^?
Outro ponto que merece destaque é esta penetração no próprio se
tor de criação de gado, que já se havia referido neste capítulo, no trecho
extraído do Relatório da Comissão de Carnes Frigorificadas de 1915, na
França.
isto será melhor apreciado quando se observar a penetração do fri
gorífico estrangeiro no Rio Grande do Sul, que também atuou um pou
co neste setor. Antes que isso se realizasse, contudo, encontram-se re-
24SINGER, op. cit., nota 4, p. 384.
25Singer considera ter sido este o primeiro frigorífico do Brasil
26siNGER. op. cit., nota 4, p. 385.
27Para comprovar algumas destas Citações, con.sulto st?;
A INDÚSTRIA frigorífica neste Estado. A Estância, Porto Afegre (30): 669, ago. 1915.
O FRIGORÍFICO RIO GRANDE. A Estância, Porto Afegre (27):574, maio 1915.
AS CARNES CONGELADAS. Correio do Povo. Porto Afegre, 3 abr. 1917. p. 1-2.

93
ferências à renomada Charqueada Industrial, de Bagé, pertencente ao
Visconde de Ribeiro de Magaihães, importante criador e charqueador
da região. Até 1911, os negócios ficaram exclusivamente em suas
mãos. Mas, em 1914, a revista A Estância referia:
Hoje constitui (...) a Ctiarqueada industrial uma Importante companfiia — "Ttie
Angio Brazilian Meat Company Ltd. (...) O Visconde de Ribeiro de Magalhães é o prin
cipal acionista e diretor. Os outros diretores, ingleses, distintos e de grande capital,
estão em Londres.28
Frente a esta arrancada do Brasil no caminho da frigorificação, to
mou interesse o Governo federai, na pessoa de Wencesiau Braz, a fim
de que o país pudesse, tal como o Prata, ocupar um lugar de destaque
entre os fornecedores de carne no mercado internacional 2®, ^
Como até agora se viu, em termos de pioneirismo, São Paulo
largara na frente, no sentido da industrialização de carne pelo frio. Em
termos de potencial pecuário, porém, o Estado cafeeiro ficava a dever
ao Rio Grande.
O Rio Grande do Sul ocupavao primeiro lugar na criação de bovi
nos, com 6.657.940 cabeças, secundado por Minas Gerais, com
6.342.600 cabeças, Bahia com 2.850.310, Mato Grosso com 2.717.550,
Goiás com 1.934.830 e São Paulo com 1.792.880; Rio de Janeiro ficava
muito mais abaixo, com 556.310 cabeças.
O Rio Grandedo Sul ocupavao primeiro lugar em gado ovino, com
2.622.920 cabeças, contra apenas 149.480 de São Paulo e 63.510 do Rio
de Janeiro 30.
Ora, vê-se com isso que, indiscutivelmente, o Rio Grande do Sul
se apresentava como o Estado que mais possuía os tipos de rebanho
adequados à industrialização pelofrio. Ficou constatado, também, que
São Paulo e Rio de Janeiro abasteciam-se nas áreas limítrofes de Minas
Gerais, Mato Grosso e Goiás, com gado de inferior qualidade.
O que teria levado os frigoríficos a se instalarem justamente nes
ses Estados, enquanto o Rio Grande do Sul, que possuía o maior reba
nho, retardava-se neste processo?
Indiscutivelmente, é preciso que se analisem as condições históri
cas locais do eixo Rio-São Paulo para obter a explicação. Berço da
cafeicuitura, nessas regiões se processava maior capitalização através
da atividade monocuitora exportadora, ao mesmo tempo que nelas se
verificava um surto de urbanização sem procedentes. São Paulo, em es
pecial, fizera afiuir para os seus cafezais uma grande leva de Imigrantes
que vinham como assalariados das lavouras de café. Processo de urba
nização, capitalização e massa salarial deram margem a um mercado
interno consumidor regional de grandes proporções.

28QuiNTAde Santa Tereza, Município de Bagé —Propriedade doVisconde de Ribeiro de MagalhSes.A Estância,
Porto Aègre {22);331, nov. 1914.
29aS indústrias animais no Brasil Revista do Comércio e Indi^stría, São Paub (49-50):6, ian./fev. 1919.
30estATISTICA de gado existente no Brasilem 1916. Revista do Comércio e indústria, São Paub (30):214, iun.
1917.

94
Paralelamente a este processo, capitais iam sendo aplicados no
setor infra-estrutural que permitia tanto a Interlorlzagâo dos cafezals
como o rápido escoamento da produção para o mercado Internacional:
estradas de ferro e aparelhamento de portos.
O volume dos negócios que tinham como base o café tornou ne
cessária a proliferação das Instituições de crédito que permitissem fa
zer girar os capitais acumulados. A rede bancária, por sua vez, foi uma
forma indireta de possibilitar que parte do capital acumulado pelo café
se passasse para a Indústria nascente, sob a forma de concessão de
crédito.
No bojo de todo este processo, dIfundIu-se, junto com as cidades,
o setor de prestação de serviços, ampliando mais ainda o mercado de
consumo face aos novos segmentos sociais que se apresentavam. Ora,
diante de todo este contexto dinâmico, toma-se lógico e compreensível
o porquê da escolha do eixo São Paulo-Rlo de Janeiro para a Instalação
dos primeiros frigoríficos no Brasil.
Era zona com possibilidades de obtenção e transporte de matéria-
prima em áreas próximas, criadoras de gado; possuía massa de capital
disponível, força de trabalho, mercado consumidor local e bom esque
ma de armazenagem e de escoamento da produção através dos portos
de Santos e do Rio de Janeiro, além das ramificações ferroviárias Inter
nas.
Tudo Isto levava a uma dolorosa constatação para os rlo-granden-
ses: São Paulo não era um Estado criador por excelência, mas já pos
suía frigoríficos exportando, enquanto que o RioGrande do Sul atrasa
va-se neste processo.
Neste sentido, pronunclava-se o Governo do Estado:
Sendo o RioGrande do Sul a principal região pastoril do Brasil, 6 para suscitar re
paros o fato de não lhe competir a prioridade nesse movimento, em torno de nova In
dústria, máximequando os poderes públicos do Estado não cessaram nunca de favore
cer e estimular a efetividade dessa veemente asplração.3''
Em suma, a conjuntura ótima propiciada pela guerra, proporcio
nando ampliação do consumo dos gêneros de primeira necessidade e
elevação do seu preço, determinou um avanço Imperlalista das empre
sas estrangeiras sobre os países periféricos, com o objetivo de promo
ver a Industrialização da carne. Buscava-se, essencialmente, as zonas
onde fosse obtida matéria-prima com mais baixo custo de produção,
convertendo-se o Prata numa área de Inversão por excelência.
Todavia, a mudança ocorrida no tipo de produto exportado pelos
frigoríficos, possibilitando a Industrialização da carne de mais baixa
qualidade, permitiu o avanço destas empresas para o Brasil.
No contexto brasileiro, foi São Paulo a área pioneira, fundamental
mente pela sua maior ligação com o capital estrangeiro, maior acumu
lação e mais eficiente sistema de circulação. O RIoGrande do Sul, zona
pecuária por excelência, com gado de melhor qualidade e contando
31MENSAGEM presidencial de 1917, p. 59.

95
com o apoio do poder público e o Interesse dos criadores para a moder
nização, sofreria um retardamento neste processo.

2.2 — A tentativa de reorganização da indústria da carne no Rio Grande


do Sui: os criadores, o Governo e o malogrado projeto de criação
de um frigorífico nacional
Em maio de 1914, antes do deflagrar do conflito mundial, jâ estava
sendo sentida pelo Rio Grande do Sul a agudização crescente da crise
que se abatia sobre a sua principal atividade econômica. Estabeiecia-se
uma grande discrepância entre as exigências de consumo do mercado
internacional, em crescimento, que valorizava extraordinariamente o
boi e seus derivados, e a crise da charqueada gaúcha, única forma local
de industrializar a carne. Numa série de artigos publicados no Correio
do Povo sobre a questão do gado Euclides Moura considerava:
Continua na ordem do dia a questão do gado que está sendo entre nós agitado,
com mais intensidade desde o ano passado. Primeiro a mensagem da "União dos Cria
dores" ao Governo do Estado sobre a revisão do imposto territorial, depois a discussão
relativa à proibição do abatimento de vacas e, ultimamente, as noticias de restrição do
consumo do ctiarque no norte do pais, foram as principais origens de opiniões numero
sas e distintas, senão divergentes, a respeito das condições da indústria pastoril
rio-grandense e das relações entre criadores e charqueadores, aqueles produtores e es
tes transformadores da rpatéria-prima que é o gado, o primogênito dos elementos da vi
da econômica do Estado (...) Pode-se dizer que a questão gira, afinal, em torno do pre
ço, indagando-se se a alta do gado è natural ou anormal, perrnanente ou transitória, e
se os preços exigidos pelos criadores são legítimos ou exorbitantes (...)32
Umasérie de questões que afetavam a pecuária gaúcha foram pos
tas na ordem do dia em termos de discussão.
Quanto aos problemas relativos à cobrança do imposto territorial e
ao decreto de proibição da matança de vacas, divergiam as posições da
União dos Criadores e do Governo. Partiam, contudo, ambos de uma
premissa: os campos estavam despovoados, fato aceito não só pelo ór
gão da ciasse dos criadores, como mencionado na mensagem de Bor
ges de Medeiros em 1913. Argumentava o Governo que, se se registrava
a diminuição da população bovina, fosse através de epizootias, da ex
portação do gado em pé ou da matança abusiva nas charqueadas, tinha
razão de ser o ato que criava um imposto sobre a matança de vacas,u-
ma vez que o objetivo máximo deveria ser a recomposição do rebanho33
No que diz respeito ao imposto territorial,o preceito comtiano da
superioridade dos impostos diretos não permitia discussão dentro dos
quadros governamentais.
Já a União dos Criadores considerava que, havendo despovoamen-
to dos campos, não era justa a elevação do imposto territorial, uma vez
que os criadores pagariam por extensões vazias. Quanto à questão da
matança de vacas, ela contribuía para aumentar o custo da produção,
fazendo diminuir ainda mais os ganhos do criador. Proibindo a matança

32m0URA, Eucides. Aquestão do gado. Correio do Povo. Porto Afegre, 13 maio 1914, p. 1
33mENSAGEM presidencialde 1913.

96
de vacas, criava-se ainda, para o estancieiro, o problema do destino a
ser dado às vacas veihas, que, reinvernadas, acabariam morrendo^
Verificam-se aqui aiguns pontos de divergência entre os criadores
e o governo, que, porém, seriam obscurecidos peia apresentação de um
projeto — o do frigorífico nacionai — que, de momento, viria corres
ponder aos interesses dos pecuaristas como ciasse e do governo locai.
Antes, contudo, que se pusesse em execução o piano de monta
gem da empresa frigorífica iocai, o conflito existente entre os produto
res de matéria-prima e os saiadeiristas acirrava-se cada vez mais. Para
isso, contribuía, de modo especiai, a acentuação da crise do saiadeiro.
Face a aceleração do processo de decadência do charque, os
industriais gaúchos procuravam transferir seus prejuízos para os forne
cedores de matéria-prima. A nível externo, o boi achava-se extrema
mente valorizado, contudo, os saiadeiristas buscavam açticuiar-se e
realizar convênios para forçarem o criador a aceitar baixo preço peia
matéria-prima oferecida.Tai tática, evidentemente, serviria para acen
tuar o conflito já pressentido entre criadores e charqueadores.
De ano para ano diminuía o abate de gado para a fabricação de
charque: de 695.748 cabeças em 1913, foram abatidas 489.524 em
1914 35

A ninguém passava despercebida a crise do charque e o mercado


da carne no Rio Grande do Sui encarou com verdadeira apreensão a
fundação do Centro dei tasajo por charqueadores piatinos da frontei
ra, que objetivavam a baixa do preço do produto, sob a alegação de que
este era excessivamente aito nos mercados do norte. Pronunciando-se
a respeito, A Estância, órgão representativo dos interesses dos criado
res locais, considerava a questão:
È preciso (...) que se diga claramente, que não é somente o aumento do preço a
causa da diminuição do consumo de charque, mas como fator preponderante, a crise
econômica que lavra no Norte do Brasil, como um fogo que queima todas as bolsas;
crise que não é apenas nacional, que se estende de pais a pais, em maiorou menor In
tensidade, mas que a todos fere e sem a ninguém poupar. Não será, portanto,forçando
a baixado preçodo charqueque essa crisese resolverá. Etambém não se poderia cre
ditarqueos industrialistas estrangeiros quisessem de boafé remediar a criseeconômi
ca do norte do país (...) Vjsam, certamente, colher, à forçade dinheiro, proveitos colos
sais. O"Centro dei Tasajo" ainda não agiu abertamente e jáse faz sentir nacampanha
rio-grandense o efeitode sua fundação. Estamos já nos últimos dias de fevereiro e as
invernadas de bois pouco visitadas têm sido pelos tropeiros. Aatitude dos cma^ueado-
res rio-grandenses é de expectativa, justamentetemerosos, esperandoa ação do Cen
tro dei Tasajo".36
Frente a este probiema, a União dos Criadores aconselhava aos pe
cuaristas a resistência passiva, nãovendendo gado ao Centro dei Tasa
jo^
3'*ANAIS da Assembléia de representantes do Estado do Rio Grande do Sul 22° Sessão Ordinária. Porto Alegre,
1913, p. 282-9.

^QUADRO dogddo abatido nascharqueadas nobiênio 1913/1914. IN: RGS. Relatório da Repartição
de Eslatistica. Porto Alegre, 1915.

36o CENTRO de Tasajo e os criadores. Estância, Porto Alegre, 13 maio 1914.

97
A medida, todavia, podia dar certo como solução de emergência,
pois ante a perspectiva de não ter para quem vender o gado, ao aproxi
mar-se do fim da safra, e vendê-lo a p<'eço baixo, é evidente que os cria
dores acabariam cedendo. O nível de conscientização da problemática
estava atingindo um maior grau de profundidade.
Configurava-se a oposição de interesses econômicos entre char-
queadores e criadores locais, melhor divisada por estes últimos e ab
solutamente ignorada pelo Estado. Isto è claramente concebido desde
que se recorra à orientação positivista inspiradora da conduta polftico-
administrativa do Governo gaúcho. Torna-se necessário lembrar, mais
uma vez, que o positivismo defende a ordem, a harmonia social e
ignora o conflito. Na sua perspectiva, os interesses de ambos deveriam
ser coincidentes, ou seja, acelerar o livre desenvolvimento das forças
produtivas da economia gaúcha. O que se tinha em mente era o pro
gresso econômico, e para que tal se desse, a estabilidade social era um
requisito indispensável.
Frente ao conflito, a oligarquia positivista dirigente não se posi
cionava a favor desta ou daquela fração de classe em detrimento da ou
tra. Vai-se mais além: o Estado gaúcho defendia evidentemente os inte
resses da clap«^ «^--^minante pecuarista, da qual um setor formava a elite
dirigente que ocupava o poder. Além disso, o Estado não era o repre
sentante exclusivo de uma ou outra fração de classe (criadores ou
charqueadores), mas acolhia no partido ambos os elementos.
A filiação partidária, no caso, è que fazia com que se aceitassem
ou não medidas do Governo consideradas atentatórias ao interesse da
classe dos pecuaristas. O imposto territorial, por exemplo, sacrificava
o grande proprietário e atingia indiscriminadamente latifundiários da
situação ou da oposição. O que sucedia era que os da oposição ê que
reclamavam e solicitavam ao Governo a redução de taxas. Ao analisar
os situacionistas gaúchos è que ganha força o cunho ideológico: o po
sitivismo consagrava a supremacia do imposto direto sobre o indireto e
a norma de ação política baixada pelo patriarca Castilhos fora promover
a lenta substituição do imposto de exportação pelo territorial. Por
motivos de cunho ideológico, o grupo de criadores da situação defen
dia a vigência do imposto que incidia sobre a propriedade, embora fos
se também latifundiário.
Contudo, unidas vão se encontrando as perspectivas do Governo
republicano e dos pecuaristas, sem distinção partidária, quanto ao
projeto de dar um melhor destino aos rebanhos gaúchos do que as tra
dicionais charqueadas.
Justamente agora, o período da guerra mundial de 1914-1918 trazia
ao RioGrande do Sul a possibilidade de congregar os interesses dá clas
se rural com o apoio do Estado através da criação de um frigorífico nacio-
nâl
' È fundamental que se precise aqui que o impulso renovador nesta
fase se articula a partir dos criadores, que tentam modificar basicamen
te a estrutura produtora no Estado, enquanto que os saladeiristas per-

98
manecem aterrados a soluções de tipo convênio de charqueadores para
Impor a baixa do preço ou então tentar conseguir penetrar em mercados
externos, como é o caso de Cuba.
Mesmo que se encontrem charqueadores entre os expoentes do
movimento renovador, é Importante que se considere que eles se iden
tificam mais com a função de criadores que desempenham, assumindo
um papel progressista de renovação da estrutura produtora.
O projeto de montar um frigorífico regional apresentava-se com um
cunho nacionalista, voltado para os interesses locais. Tratava-se da ins
talação de um modo de produção nitidamente capitalista no contexto
sulino, mediante a importação de tecnologia avançada, que transforma
ria a estrutura produtiva local. Antes, porém, que este projeto fosse
claramente articulado, se apresentariam soluções Intermediárias, tais
como a de João de Souza Mascarenhas, reagindo frente as maquina
ções dos charqueadores antes referidas:
Aceitando a luta, para salvaguardarmos nossos Interesses, reergamos, melhoran-
óo nossa Indústria, e asseguremos a valorização de nossos gados, enquanto é tempo e
o tempo urge; aceitemos também a colaboração dos Industrialistas que conosco quei
ram labutar, em busca do fim que almejamos (...) e unidos formemos o capital (...)
Fundemos as companhias que devem levantar as charqueadas regionais, moldadas nas
"packing-houses" de Chicago, com capacidade para abater de cinqüenta até duzentas
mil reses por safra, aproveitando tudo do boi para dele obter o máximo rendimento pos
sível. E o façamos, então, de modo como se não houvesse mais intermediário, e fosse
cada um de per sl a manufaturar os produtos do gado que lhe pertence.37
A idéia não é nova, pois já fora apresentada por Euribiades Dutra
Viiia, criador de Cruz Aita, no 2? Congresso dos Criadores, em Santa
Maria, em 1913.
As idéias centrais são a eiiminação do intermediário, reaiizando o
criador as tarefas de aproveitamento da matéria-prima; a criação das
charqueadas regionais moidadas nas packing-houses de Chicago; a
saiga da carne gorda em câmaras frias e o aproveitamento integrai da
carne, fosse sob a forma de charque ou de produtos eniatados e con
servados, bem como a industriaiização das gorduras (veias, sabão) e o
curtimento de couros. Nota-se, porém, que ainda aqui há um apeio aos
industriais que queiram coiaborar com a idéia progressista. O projeto é,
pois, conciiiatòrio entre inovações tecnoiógicas e a veiha estrutura pro
dutiva montada.
Sem ser fiiiado ao PRR e aos princípios positivistas, a posição de
Mascarenhas apresentava-se como se tai fosse: progressista-conserva-
dora...
Assim como este tipo de proposição era oferecido, outra preocu
pação, cada vez mais presente, era a da necessidade do refinamento do
rebanho, como se vê neste artigo de Eduardo Cotrin:
A Indústria da criação do gado bovino constitui, Incontestavelmente para o Brasil,
um problema de Interesse transcendente pela Importância econômica que representam
os seus produtos (...) No momento atual, em que todas as vistas dos consumidores eu-

37|bidem, p. 22.

99
ropeus e norte-americanos se voltam para a América do Sul, como o Inquestionável
empório de futura produção e comércio de carne, parece natural o estimulo e atenção
de todos nós, no que concerne ao grande problema de transformação do gado bovino,
no Intuito de obter tipos Industriais de acoruo com as exigências dos consumidores. O
problema do refinamento do gado está, mais do que nunca, em evldèncla.38
Tais problemas seriam aventados no 3? Congresso de Criadores,
realizado em 24 de maio de 1914, em Santa Maria. João de Souza Mas-
carenhas apresentou sua tese Organização do nosso crédito e meio de
defesa contra a especulação de nossos industriais, incumbido que fora
peio Cei. Alfredo Moreira, presidente da União dos Criadores, de defen
der a conveniência da fundação de sociedade anônimas de criadores a
fim de constituir charqueadas-modeio regionais. Ainda neste momento
a proposta de Mascarenhas implicava numa forma de conciliação entre
o velho processo de transformação da carne gaúcha e as novas técnicas
de conservação peio frio. Suas colocações são muito interessantes, na
medida em que marcam uma vertente do pensamento dos criadores
gaúchos. Considera que, em comparação com o charqueador, o criador
enfrenta muitíssimas dificuldades, a começar por aquelas propriamen
te ditas naturais — desobstrução da barra do Rio Grande, pastagens
mais pobres — até a pouca disponibilidade de crédito e o pagamento
de juros altos o>juie o valor do rebanho, acrescido do deficiente sistema
de transportes. Diz ainda Mascarenhas:
Esta questão resume transcendental importância,que a meu ver torna-se necessário
que o criador tome iniciativadecisivae recorraao poderpúblico, paraquese liberte desta
escravidão em que tem vivido. Acumulam-se os anúncios de arrendamentos de estânci
as, de vendas de campos e de gados. Ninguém receia a baixa dos preços, nem dos
campos, nem dos gados, mas não se fazem transações; e as poucas que têm lugar, é
com o sacrifício do interesse do vendedor, peia usura do comprador, que dadas as
condições que venho de apontar, não receia competência (...) Esta insuficiência de
numerário sempre existiu, máxime para o médio e o pequeno criador; o nosso mundo
financeiro é demasiado pobre para poder atender as suas necessidade (...) Os nossos
institutos bancários, imitando as grandes instituições bancárias européias, cortaram
créditos e restringiram operações (...) constituídos para satisfazerem as necessidades
de outras fontes de nossa atividade, de pouco, muito pouco, nos podem servir.39

Nestes termos, Mascarenhas propunha a criação de um Banco de


Crédito Rural, ao qual seria cedida a importância de 50 mil contos de
réis que o Governo do Rio Grande levantaria em empréstimo na Europa.
O Banco, por sua vez, realizaria empréstimos aos criadores, a juro bai
xo e prazo longo.
Por outro lado, Mascarenhas mencionava o conflito dos setores da
classe dominante no Estado:
No tocante á luta que o criador leva travada com o industrialista charqueador, luta
que incessantemente se renova, se um dos contendores é o vencido, este não pode

^COTRIN, Eduardo. Asolução de um grande problema. AEstância, Porto Alegre (15):75, maio 1914.
^^MASCARENHAS, JoãodeSouza. Organização do nosso orédito e meio dedefesa contra a especulação de nos
sos industriais. A Estância. Porto Alegre (16): 124-7, jun. 1914.

100
deixar de ser senão o criador (...) A história de nossa associação, a "União dos
Criadores", outra não é senão uma história de lutas, umas após outras, contra os
convênios dos saladeiristas.40

O autor considerava ser o charque um produto industrial inferior e


anti-econômico, e que a manobrado industriai charqueador seria pagar
pelo gado um preço menor que o pretendido pelo criador, e restringira
oferta do produto no mercado a fim de fôrçar a elevação do seu preço.
Arremata dizendo:

Prejudicados são, portanto, os criadores rlo-grandenses nos preços de venda dos


produtos, charque, gordura e couros, pela reconhecida inferioridade de manufatura
nacional, pela excessiva comissão paga às casas vendedoras de charque, que nas
contas de vender reservam para si a parte do leão da fábula; pelos convênios dos
saldeiristas; pelo preço do sal de Cadiz, quatro vezes superior ao que custa no Prata;
pelos excessivos fretes marítimos e terrestres; pelos prêmios de seguros muito mais
altos; pelo excessivo salário com que é pago pelo menos parte do pessoal trabalhador
nas charqueadas; enfim, é o criador nacional a cabeça de turco, "al fin y al cabo", e
sempre sem a menor proteção, embora se grite que o mal do nosso pais é a demasiada
proteção á indústria nacional. E,por tudo isto, assistimos o direito de intervirmos em
todos estes assuntos,e por tudo isto foi que vo-lo disse em todosestes assuntos, e por
(...) que vinha convidar-vos para implantarmos uma nova ordem nos processos indus
triais e nos processos comerciais até aqui seguidos.41
Dentro desse quadro, Mascarenhas propunha que charqueadores e
criadores criassem juntos sociedades anônimas que fossem charquea
das e frigoríficos ao mesmo tempo.
Apresentada sua tese no 3? Congresso, foram as mesmas idéias
rejeitadas pela comissão nomeada para dar o seu parecer.
Firmino Paim Filho, representante do Governo, colocou a inviabili
dade de fundação do Banco Rural, uma vez que o Estado não podia
amparar diretamente qualquer comércio ou Indústria, a não ser Indire
tamente, pela Isenção de Impostos. Da mesma forma, Borges de Me
deiros, na qualidade de presidente do Estado, sempre atento aos Interes
ses dos criadores, jamais deixou de atendê-los no que era possível ao
seu alcance. A solução cabível, no caso do Banco Rural, era pelas
ações. Quanto à segunda proposição de Mascarenhas, a solução estava
certamente na fundação de frigoríficos, podendo quanto a isso os cria
dores ficarem certos de que o Governo, dentro das normas constitucio
nais, prestaria todo o seu apoio moral às aspirações da ciasse dos pe
cuaristas. Ramiro Barcelos, falando a seguir, considerou ainda que a
adoção de câmaras frigoríficas nas charqueadas regionais viria encare
cer mais o preço do charque, contribuindo, pois, para o agravamento da
situação crítica da pecuàriaí*^
Torna-se claro o posicionamento que se configura nesta passa
gem. De um lado, contingentes de ciasse dominante, carentes de capi
tal mas com perspectiva modernizante, que procuram o auxílio do Esta-
''^Ibidem, p. 128.
'^^Ibidem, p. 133.
''^ANAIS do 3? Congresso. A Estância, Porto Alegre (161:113, jul. 1914.

101
do. De outro lado, importa considerar a concepção que o Governo esta
dual sulino tinha de si próprio e que era defendida por aqueles elemen
tos da ciasse dominante ligados ao PRR.
Esta divergência entre níveis de aspiração dos criadores, por um
lado, e o posicionamento do Estado de feição positivista, por outro,
vem se somar ao quadro das divergências já apontadas anteriormente.
Dentro do posicionamento positivista, o Estado não admitia privi
légio de espécie alguma a qualquer setor de produção em particular.
Não implicava em que o Estado deixasse de intervir na economia. Muito
pelo contrário, a intervenção estatal era algo previsto e aceito, mas o
Governo não beneficiava diretamente um grupo social em detrimento
dos demais. A forma de atuação do Estado era concebida de maneira
indireta sobre os setores da economia ou diretamente sob a forma de
encampação dos serviços públicos. Tinha como meta obter o desenvol
vimento gaúcho em termos de auto-suficiência, promovendo o aumen
to e a diversificação da produção rio-grandense em todos os setores.
O Estado positivista considerava-se o representante de todas as
classes sociais e, como tal, não pressupunha a concessão de privilé
gios a um grupo determinado. Tal perspectiva adotada ajustava-se à
realidade de um governo que se mantinha no poder ferreamente, mas
que não contava com o apoio de toda a ciasse dominante. Apoiava-se,
na realidade, em vários segmentos sociais.
igualmente, em termos bancários, o Estado era contrário a qual
quer intervenção do Governo neste sentido. Era pela plena liberdade
bancária e o parecer substitutivo que os representantes do Governo
apresentavam foi de que se encaminhasse ao Congresso, por intermé
dio da União dos Criadores e do Governo do Estado um projeto de lei
para aplicação dos saldos das caixas econômicas a fim de auxiliar a pe
cuária gaúcha.
No relatório apresentado á assembléia dos pecuaristas, o presi
dente da União dos Criadores, Gel. Alfredo Gonçalves Moreira, lamen
tava a discordância entre o ponto de vista do Governo e o dos criadores:

De fato, o que as classes rurais precisam é o crédito a iargo prazo, o Juro barato,
enfim, do crédito real ou hipotecário, e todo o nosso empenho visava este fim. Ora,
com um capitai de cinco, seis ou mesmo dez mil contos subscrito entre criadores,
jamais poder-se-ia atender este desideratum. O meio mais viàvei que encontramos
para a realização dessa grande aspiração de nossa classe era, a par da subscrição
daquele capital, a obtenção da garantia do Governo do Estado para as letras hipotecá
rias emitidas pelo Banco e que seriam negociáveis no estrangeiro, cujos capitais se
conformariam com juros baratos e iongo prazo. Infelizmente, procurando conhecer o
parecer do Governo a respeito, tivemos conhecimento de que nem esta idéia, nem
mesmo a de fundação de um Banco do Estado com as mesmas prerrogativas, estavam
de acordo com o seu pensamento, contrário à Intervenção oficial em matéria bancárla;*3

10 apresentado pelo presidente da União dos Criadores, Coronel Alfredo G Moreira, à Assembléia
43RELATÔRI0
Ia
Geral, reunida na cidadede Santa Maria, em 24 de maio de 1914. A Estância, PortoAlegre (16):114, jun. 1914.

102
Descartada a possibilidade da constituição do Banco Rural de Cré
dito e das charqueadas regionais, ficava de pé a idéia da possibilidade
de exportação de carnes congeiadas, tema de tese apresentado no Con
gresso por Ramiro Barcelos "4. Fixando a indústria do charque como
coisa do passado, nem por isso ela deveria ser abandonada subitamen
te, uma vez que, mal ou bem, existia um mercado consumidor no pais.
A proposição de B arcellos era que fosse imitado o exemplo do Prata,
graduai e metódico na sua Implantação da Indústria da carne frigorifica-
da, precedido que fora o processo por uma cuidadosa seleção do reba
nho, refinando-o através de cruzamentos sucessivos com raças supe
riores até alcançar um tipo de novilho adequado às exigências do mer
cado. Neste sentido, tornava-se conveniente a importação das raças
européias.
Do 3° Congresso de Criadores, promovido pela União dos Criado
res, pondo de lado as divergências entre os dois segmentos da classe
dominante (situação e oposição) que discutiam a tese de Mascarenhas,
ficou de pé o lançamento da Idéia da montagem de um frigorífico. Fa
lando sobre o tema, Luís Ignácio Jacques afirmava sobre a
(...) necessidade Imperiosa de transformar em fato o seu excelente plano de
fundação de um grande estabelecimento frigorífico no nosso Estado (...) é pois o
interesse da classe que está em jogo: com a fundação de um grande estabelecimento
frigorífico no nosso Estado ter-se-ão novos mercados abertos à nossa indústria bovina,
que, assim, se libertará das dificuldades da falta de consumo interno e do "trust" de
Montevideo. 45

A partir daí, a proposta da implantação de um frigorífico iria gene


ralizar-se entre o meio rural com amplo respaldo no governo borgista.
Na sua mensagem de 1914, Borges de Medeiros referia:
É necessário que os nossos criadores, zelando os próprios interesses, sejam
prudentes no comércio do gado, cuidando severamente de selecionar e reservar os
animais aptos à reprodução. É um mal sem dúvida a matança de terneiros, de vacas
novas e prenhas, e para coibi-lo já a Assembléia seriamente adotou o imposto proibi
tivo. Mas esta medida indireta nada valerá se não for ajudada pela ação particular,
espontânea e decisiva. A escassez de gado é fenômeno unive^sal e irremediável noutras
regiões do globo. Restringe-se e substitui-se o consumo de carne nas classes pobres,
mas não nas abastadas, que estarão sempre prontas a pagar por este alimento o
máximo preço. É extraordinária a valorização do bovino e seus derivados (...) É fatal a
marcha para a criação intensiva, é mais acertado e mais útil que a atividade consciente
e perseverante dos criadores se encaminhe para o fim de acelerar essa evolução (...)
Esse aperfeiçoamento é ainda uma condição requerida pela indústria frigorífica que se
aproxima, como sucedânea ou concorrente do charqüe, cujo declínio parece inevitável.
A evolução industrial nas Repúblicas do Prata aí está como o melhor ensinamento e
exemplo vivo a imitar-se.46
Note-se a perspectiva otimista de mercado ao referir-se aos gêne
ros da pecuária sob a forma congelada, enquanto que o charque era
considerado decadente.
^Ibidem, p. 163-6.
45jacQUES. Luís Ignácio. Interesses de classe. A Estância, Porto Alegre (17);210, jul. 1914.
46meNSAGEM presidencial de 1914. p. 45-6.

103
Ê evidente que, com o declínio da charqueada, os criadores sem
pre teriam o recurso de fornecer gado para os frigoríficos uruguaios que
ofereciam melhores preços do que os estabelecimentos saladeirís gaú
chos. Todavia, se isto era conveniente aos criadores da fronteira, que
atè arrendavam ou compravam fazendas no Uruguai, tornava-se mais
difícil para os criadores do interior, face as deficiências dos serviços da
rede ferroviária interna.
Os anos de 1914 e 1915 seriam agitados por inúmeros debates so
bre o tema dos frigoríficos, a respeito das condições que o Rio Grande
do Sui apresentava para a sua implantação.
No estudo da argumentação das vantagens que o frigorífico have
ria de trazer e do que oferecia o Rio Grande do Sui para a sua instala
ção, é que se pode ver a perspectiva otimista se delineando, marcada
pela conjuntura favorável da guerra.
Basicamente, a argumentação se coloca em termos de aproveitar
as amplas perspectivas do mercado que se abriam para os produtos fri-
gorifiçados e equiparar o Rio Grande do Sui aos avanços da tecnologia.
Num artigo da revista EGATEA {Revista da Escola de Engenharia
de Porto Alegre), a questão era vista da seguinte forma:
Tem-se discutido uitimamente, com relativa freqüência, entre nós, a questão dos
frigoríficos. Mais cedo ou mais tarde, e o mais cedo melhor, temos de procurar nos
"packing-houses" e nas "coid-storage warchouses", uma solução para um pfpblema de
máxima importância econômica para o Rio Grande do Sui (...) A principal produção do
nosso Estado é o gado de corte, isto é, a carne. Esta só sai do Estado, ou sob a forma
do gado em pé ou sob a de charque. Nenhuma das duas encontra mercados fáceis e
esta questão tornar-se-á mais séria desde que intensifiquemos a nossa produção, o
que fatalmente tem que suceder para o desenvolvimento econômico do Estado. O
caminho já está indicado pela experiência doutros produtores e tem sido ultimamente
amplamente ventilado em nosso meio - é a exploração de carnes congeladas. Há
manifesta tendência para um aumento da procura do gênero, abrindo-se novos merca
dos, ao mesmo tempo que as fontes do suprimento tendem a decrescer. A América do
Sui provavelmente caberá em não longe futuro abastecer uma grande parte de tais
mercados e enquanto os nossos vizinhos do Prata fazem já entrada nestes campos de
comércio, nós estamos ainda de todo desaparelhados, dispondo entretanto, neste
Brasil, duma das mais admiráveis regiões ganadeiras do mundo, que se estende do sui a
Mato Grosso (...) A nós, do Rio Grande, para quem a questão tem mais urgente interes
se, os frigoríficos não virão somente abrir oportunidades à indústria pastoril. A agricul
tura será diretamente beneficiada (...) abrir-se-ão as possibilidades de encontrar novos
mercados para os frutos, para os legumes verdes (...) Para os laticínios, para os ovos o
mesmo se estende. O que tem sido pouco estudado é o seu aspecto técnico. A
refrigeração constitui um ramo multo especial da engenharia mecânica, ramo este que
não tem ainda em nosso meio merecido o interesse de que é credor pela sua íntima
ligação com os nossos problemas econômicos.

Em outras palavras, segundo a ótica otimista, o Rio Grande do Sul


possuíade forma abundante a matéria-prima necessária para o tipo de
indústria cujos produtos eram requisitados peio mercado internacional
em expansão. A implantação do frigorífico revestia-se de grande impor-
^^COARACY, Vivaldo de Vivaldi. Frigorificos. EGATEA, Revista da Escola de Engenharie de Porto Alegre. Porto
Alegre (4):169.70, jan./fev. 1915.

104
tância, pois, além de aproveitar Integralmente o boi e seus subprodu
tos, conferindo um maior valor ao rebanho, viria ainda beneficiar outros
setores da economia, tais como a agricultura, laticínios, etc.
Todavia, embora a perspectiva fosse de confiança, algumas ques
tões se Impunham para debate.
Um dos Itens que mais se apresentava como problema era o do ca
pital necessário.
Um frigorífico, à semelhança dos empreendimentos Industriais
que se haviam estabelecido no Prata, ou buscando o exemplo dos for
midáveis packing-houses de Chicago, ou mesmo voltando a atenção
para a companhia fundada em Barretes, por Antônio da Silva Prado, era
uma obra que demandava muitíssimo capital. João de Souza Mascare-
nhas, numa exposição aos pecuaristas de Pelotas, preocupava-se em
saber
(...) com quanto os criadores deste município ou nesta cidade residentes pode
riam concorrer para a formação do capitai necessário ao estabelecimento do frigorífico
no Estado.48

Este problema revestia-se de singular Importância, e o ano de 1915


foi assinalado pela Intensificação da propaganda e da ação da União
dos Criadores para conseguir dinheiro para a constituição de um frigo
rífico. Nesta tarefa, batalharam ativamente tanto a diretoria da União,
quanto as comissões locais. Confiando no apoio da classe, e contando
com o beneplácito do Governo do Estado, após uma subscrição Inicial
de 450 contos, a presidência da União apresentava-se otimista quanto
aos frutos da propaganda:
(...) os criadores compreenderão que contribuindo para o frigorífico, contribuem
igualmente para a valorização de sua propriedade e dos seus produtos, sem contar com
o magnífico rendimento diretoque lhes proporcionará o capital empregado no frigorífi
co. Mas não só dos criadores eu espero a cooperação, conto que os capitalistas do
Estado não deixarão de aproveitar a oportunidade para uma excelente colocação dos
seus capitais, sabidos como são os grandes lucros que tôm dado as empresas congê
neres no Rio da Prata e em todas as partes do mundo, onde existe a matéria-prima
abundante e facilidades de transporte (...) Se os capitais ingleses e americanos não
vierem ainda explorar neste Estado esta indústria, como o tem feito em larga escala e
com surpreendentes resultados nas Repúblicas Platinas, foi somente devido ã falta de
um porto franco. É justo, pois, tomarmos a dianteira nesta indústria que terá toda a
vantagem de ser nacional e aqui distribui os seus resultados em ouro, drenado da
Europa por iniciativa e saber dos rio-grandenses.49
Tais afirmações são Inspiradas numa perspectiva de otimismo e
confiança nacooperação dos fazendeiros ao projeto da União dos Cria-
oores, pois nas reuniões realizadas nas Praças do Comércio de Pelotas
e Rio Grande, registrara-se a presença de todos os homens importan
tes, sem distinção de cores poiíticas^.

^MASCARENHAS. João de Souza. União dos criadores. AEstância, Porto Alegre (171:214, jul. 1914.
49MOREIRA, Alfredo Gonçalves. AEstância, Porto Alegre (251:477-8, mar. 1915.
oOibidem, p. 478.

105
Quanto à questão da origem dos capitais, D. M. Riet, vice-presi
dente da União dos Criadores, elemento ligado à pecuária que muito se
bateu pela implantação dos frigoríficos, assim se expressava:
Temos grande conveniência em que o primeiro estabelecimento frigorífico no
Estado seja fundado exclusivamente com capitai rio-grandense, tendo em conta a
vaiorização do nosso boi, por serem donos desta empresa os próprios criadores, pois
em caso contrário, se tai instalação fosse fundada com capitais estrangeiros, os
empresários indefectiveimente procurariam acumular grandes lucros para oferecer
bons dividendos, à custa do criador que taivez obtivesse desse estabelecimento os
mesmos preços pagos pelos charqueadores, seria um monopólio que taivez piorasse a
difícil situação em que nos achamos e como de pronto não temos gado preparado para
fornecer dois ou três frigoríficos, que poderiam entrarem competência, o primeiro que
for fundado trabalhará talvez longo tempo, sem temer competência nos preços.
Tais considerações justificam a conveniência do patriótico sacrifício
de todos os criadores, na medida de suas possibilidades, que sendo coletivo
preencherá devidamente as despesas necessárias para a fundação de um frigorífico^^.
Apesar da perspectiva nacionalista, a União dos Criadores cogitou
de entrarem contato com as empresas estrangeiras que operavam com
frigoríficos no Prata, procurando interessâ-las nesse empreendimento
levado a efeito pelo órgão da classe rural gaúcha. A diretoria da União
justificava seu proceder quanto ao assunto, dizendo que convinha mui
to aproveitar a competência técnica e as reiações comerciais dessas
empresas, que poderiam facilitar a instalação do frigorífico® .
Nas propostas feitas às empresas, a União propunha entrar com
metade, ou talvez mais, da quantia de capitai necessário para a monta
gem da empresa, cabendo à organização estrangeira entrar com uma
parte de capital e com a tecnologia.
Todavia, as articulações feitas com a Continental Products Com-
pany não lograram o efeito desejado, como se pode ver no ofício dirigi
do à União dos Criadores por Mr. Batton, superintendente da compa
nhia:
Teremos muito prazer em enviar a este Estado, dentro em breve, um nosso
representante, para lá estudar a pecuária e a possibiiidade de fazermos embarque de
animais para este "packing-house". Caso seja isto exeqüivei, aí manteremos um
encarregado para a aquisição de gado bovino a este efeito. Estudamos igualmente a
exeqoibiiidade do estabelecimento de uma "packing-tiouse" dentro deste Estado, e
fizemos, neste intuito, algumas indagações superticiais. Os nossos projetos, neste
sentido, porém deixam de ser contemplados e não podemos, pois, fazer declarações
positivas quanto à nossa última resolução^^.
Falhando a possibilidade de associação com o capital estrangeiro,
a União dos Criadores preparou-se para levar adiante o projeto, contan
do apenas com os recursos locais.
Se o capital estrangeiro mostra-se sestroso em participar do pro
cesso de produção unido aos nacionais, outras seriam as perspectivas
51rieT, D.M. Curtumes e frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (261:493, abr. 1915.
52mOREIRA, Alfredo Gonçalves. Os frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (171:218, iul. 1914.
^BATTON, C. Oficio dirigido pela Continental Productos Cmpanv ao presidente da União dos Criadores. A
Estância, Porto Alegre, (17):218. jul. 1914.

106
com relação à comercialização do produto, pois, em abril de 1915, a fir
ma inglesa Weddel & Cia. Ltda., de Londres, oferecia-se para pôr seus
serviços à disposição do projetado frigorífico local, a fim de colocar os
produtos no mercado inglês s'».
Um outro problema discutido era o da matéria-prima locai ser ade
quada ou não para o novo empreendimento a fundar-se.
A propósito desta questão, uma forte corrente no seio da classe
dos pecuaristas considerava ter o Rio Grande do Sul gado suficiente e
selecionado para ser aproveitado pelo frigorífico. Inclusive a própria im
plantação da nova indústria viria impulsionar o processo de seleção e
remodelação da pecuária, invocava-se o auxílio do Governo do Estado,
pois este uma vez abolira o imposto de exportação de gado de corte,
para beneficiar os criadores face o decréscimo de abate nas charquea-
das locais. Poderia agora fechar as fronteiras, para que a matéria-prima
não escasseasse no Estado. Comparações eram feitas com a situação de
São Paulo, pioneiro da indústria frigorífica no Brasil, mas que, contu
do, utilizava um rebanho de qualidade notoriamente inferior ao gaúcho.
Proveniente de Mato Grosso e Minas Gerais, o gado abatido nos frigo
ríficos paulistas era mestiço com zebu, frente ao qual o rebanho do Rio
Grande do Sul, que já vinha sofrendo um processo de refinamento e se
leção desde há alguns anos, levava vantagem®®.
Outra corrente de opinião entre os pecuaristas afirmava que era ne
cessário que se aprimorasse ainda mais a criação no Estado, face ás
exigências de consumo dos países importadores de carne frigorifica-
da®6.
Considere-se que a diferençaentre as duas perspectivas é apenas
superficial: a primeira considera que o RioGrande do Sul já se encontra
com ótimas condições para abater seu gado, tendo em vista a indus
trialização almejada; a segunda insiste na necessidade de melhor aper
feiçoamento do rebanho, importando, cada vez mais, as raças superio
res inglesas, tal como se dera no Prata.
^Já com relação à tecnologia necessária, isto na realidade se cons
tituía num problema, uma vez que o Rio Grande do Sul se apresentava
desaparelhado e a técnica forçosamente deveria ser importada.
Quem melhor colocou o problema do distanciamento tecnológico
entre o processo produtivo instalado e o da indústria a Instalar foram os
dois expoentes máximos dessa campanha levada a efeito pela União
dos Criadores: Alfredo Gonçalves Moreira, seu presidente, e João de
Souza Mascarenhas, ativo membro da entidade de ciasse.
Numa circular enviada aos presidentes e membros das comissões
da União dos Criadores, o Gel. Moreira assim colocou a questão:
54|NTERESSANTE informação dos senhores Dickinson. AEstância. Porto Alegre (261.522, abr. 1915.
^^Para defesa de tais idéias, veja-se:
MASCARENHAS, op. cit., nota 48, p. 214 et seq.
PIRES, Vieira. Os frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (20):300 et seq., out. 1914.
OS frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (21);322 et seq., nov. 1914.
MOREIRA, Alfredo Gonçalves. Sobre frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (24).-442. fev. 1915.
^RIET, D.M. A pecuária rio-grandense. A Estância, Porto Alegre, (19).-274, set. 1914.

107
Desde a fundação da "União dos Criadores", a sua diretoria vem se empenhando
para melhorar, a situação da classe pastoril, cada ano ameaçada de sérios prejuízos
t..) a causa principal da crise porque está passando a indústria pastoril é manter-se
ainda como meio exclusivo do aproveitamento do nosso gado, o fabrico do charque,
produto que só se consome no norte do país e destinado às classes proletárias que não o
podem consumir senão dentro de certos limites de preço, mormente na época da crise
que atravessa aquela região. A diminuição do charque deterrrlnou, por esse motivo,
uma notável diminuição do seu consumo, que naturalmente está se refletindo sobre os
negócios desta safra, diminuindo a matança nas charqueadas. Esse mal não nos é
dado remover sem ampliar ou antes remodelar a nossa indústria de carnes. Por isto,
estamos hoje convencidos de que todas as tentativas no sentido de melhorar a nossa
situação fundando charqueadas regionais sob moldes cooperativistas, ou outros quais
quer, resultarão infrutíferas e virão imobilizar valiosos capitais em estabelecimentos de
charqueadas que já vão sendo de sobra para as necessidades dessa indústria, quando
poderiam estes capitais vir dar vida aos frigoríficos, os quais, abrindo novos mercados
às nossas carnes, libertarão o nosso principal produto da dependência dos mercados
nacionais cujo consumo cada ano mais se restringirá, e para os quais só devemos
reservar uma parte de nossa produção (...) No frio industrial, portanto, devemos ir
buscar os elementos para melhorar a situação atual e prepararmos o advento de uma
época de sólida prosperidade econômica que assenta sempre na nossa principal
riqueza - o gado^'
Mais veementes na sua tomada de posição são as palavras de
Mascarenhas:
Extinguiu-se a indústria saladeiril na República Argentina e vai de vencida na
República do Uruguai. A indústria de frigorificação das carnes, valorizando o gado,
substitui a indústria saladeiril. Podemos permanecer indiferentes a este florescimento
industriai econômico? (...) Devemos resignar-nos, entre pasmos e estúpidos, a uma
decadência certa, amarrados à rotineira indústrial saladeiril, que nunca quis ou nunca
pôde melhorar? Seremos incapazes de nos unirmos, mesmo diante do exemplo do
florescimento dos países vizinhos, deixando de prestigiar a ação da benemérita "União
dos Criadores',* que neste momento se desvanece de ser patrioticamente apoiada pelo
honrado Governo do Estado?Devemos resignar-nos a perder o esforço durante tantos
anos dispendido, e com tantos sacrifícios alcançado, do melhoramento dos nossos
gados, continuando a transformar em charque a carne dos bois mestiços, por não
querermos auxiliar com o nosso capital o capital estrangeiro, no sentido de ser fundado
o primeiro frigorífico do Rio Grande do Sul?
A necessidade de um estabelecimento frigorífico no Rio Grande do Sul se impõe
como questão de vida ou de morte, para valorização definitiva e crescente de nossa
pecuária. 58
Torna-se claro o posicionamento do órgão de ciasse rural que foi a
União dos Criadores: a sua proposta progressista já ultrapassara a
forma conclilatória das charqueadas regionais onde seriam aplicadas
as técnicas de conservação da carne pelo frio e decididamente o seu
piano era a implantação da indústria frigorífica. A decadência da char-
queada era encarada como inevitável, idéia já reiativamente esboçada
antes da guerra, mas agora afirmada com maior certeza. A união dos
esforços era apregoada com o meio indispensável para a satisfação dos
interesses da ciasse.

57mOREIRA, op. cit., nota 52, p. 217.


58maSCARENHAS, op. cit., nota 48, p. 214-5.

108
Tecnologia, capital, matéria-prima, eram problemas da ordem de
produção debatidos peios criadores gaúchos. Frente a eles, que ação
tinha o poder do Estado, tão invocado pelos pecuaristas?
Protásio Alves, Secretário do interior, dirigiu uma circular aos inten
dentes municipais do Estado solicitando que isentassem de impostos
de exportação o gado de corte 59 Pelo Decreto 2092, de 29 de maio de
1914, o Governo do Estado abriria novas fronteiras à exportação do ga
do para o estrangeiro e outros Estados.
Atendendo à solicitação dos criadores que se achavam com os
campos despovoados, sem arrendamento, o presidente do Estado con
cedeu a isenção do pagamento da multa pela demora em pagar o im
posto territoriai.
Note-se aqui que Borges de Medeiros não abriu mão de sua prerro
gativa de exigir a cobrança do imposto direto, apenas isentou o criador
em dificuidades da multa pelo atraso no pagamento.
Todavia, estas medidas do Governo do Estado, por um lado, solu
cionavam momentaneamente a crise dos pecuaristas, facilitando a
venda do seu produto, mas, por outro, favoreciam e incrementavam as
indústrias estrangeiras no Prata, que eram as que receberiam a maté
ria-prima gaúcha que seria industrializada em suas fábricas. Quanto à
nascente indústria frigorífica nacional, esta já seria desde o Inicio am
parada pela Lei 148, de 12 de novembro de 1912, que isentava por 30
anos, do pagamento de impostos, os frigoríficos que se estabecessem
no Estado.
Na sua tendência de realizar um desenvolvimento muitiiateral, o
Governo republicano, com suas medidas, ora amparava a indústria nas
cente, ora favorecia as empresas já instaladas no Prata, que poderiam
obter o gado gaúcho como matéria-prima.
A exempio do interesse que tomava o Governo borgista pelo as
sunto da frigorificação de carnes, o intendente de Rio Grande procurou
atrair para o seu município a iocaiização da nova empresa:
o município de Rio Grande não pode ficar indiferente ante a solução deste magno
problemate, assim pensando, devemos, obedientes à beneméritaorientaçãodo Governo
do Estado, isentardo pagamento de impostos qualquer frigorífico que aqui se fundar,
bem como os gados em trânsito para este fim. Finalmente, como um poderoso
incentivo, lembro-vos a criação de um prêmio de 10 contos de réis, que muito concorre
rá para estimular qualquer Iniciativa naquele sentido.60
À propagação_ da idéia da montagem de um frigorífico nacional
veio se juntar a ação da Federação Rural e da bancada gaúcha no Con
gresso. No Senado e na Câmara, o projeto era defendido sem distinção
partidária, como se pode ver no apoio que teve, de ambos os partidos
poiiticosgaúchos, a emenda apresentada pelo dep. Maciel Jr. Aemen
da, que propunha a isenção das taxas de importação as máquinas e
59pROVIDÈNCIAS do Governo. AEstância, Porto Alegre (171:219, jul. 1914.
SOrelATÔRIO do intendente do município de Rio Grande. AEstância, Porto Alegre (25).'484, mar. 1915.

109
acessórios destinados aos frigoríficos, foi assinada tanto por um Joa
quim Luís Osório como por um Rafaei Gabada, que por eia se batiam 6i.
Em âmbito estaduai, a Lei 197, de 3 de dezembro de 1915, votada
peia Assembiéia de Representantes do Estado, autorizava o Governo a
auxiliar mediante empréstimos as empresas que se fundassem no Rio
Grande do Sui para a conservação peio frio de carnes ou outras subs
tâncias. Peia iei, era concedida ao Presidente do Estado a faculdade de
realizar as operações de crédito necessárias, ficando também estabele
cido que o total desses empréstimos, que se efetuariam mediante con
tratos, não excederiam à quantia de dois mil contos de réis®^.
Embora obtenção de capital, refinamento do rebanho e importação
de maquinaria fossem problemas sérios para a ciasse rural e para o pre
sidente do Estado, outros obstáculos ainda se antepunham à concreti
zação do projeto regional: a velha questão dos transportes e, a eia liga
da, a dúvida quanto ao locai do estabelecimento do futuro frigorífico.
Mais do que nunca a questão da barra do Rio Grande tornava-se o
assunto do dia e, junto com ele, as deficiências de escoamento da pro
dução através da estrada de ferro local.
Algumas opiniões apontavam o caminho de exportação peia fron
teira, outras consideravam que os serviços da Cie. Française du Port du
Rio Grande do Sui, dando a profundidade de 5,50m a 6,00m, em breve
permitiria o acesso dos navios de grande caiado.
Frente a este problema, desde 1915, o Governodo Estado buscava,
junto com a bancada gaúcha no Congresso, conquistar o apoio da
Câmara para que se efetivasse a autorização do Governo federai para a
encampação do Porto do Rio Grande peio Governo gaúcho, transferin
do a concessão ao Estado do Rio Grande do Sul.
Quanto ao problemada estrada de ferro, o Governo estadual entra
ra em ação junto com a União dos Criadores face à Cie. Auxiiiaire des
Chemins de Fer au Brésii para conseguir não só o melhoramento dos
serviços como a redução dos fretes. Para tanto, o presidente da União
dos Criadores, Gel. Moreira, fora até São Pauio conferenciar com o Sr.
Barrow, vice-presidente da Brazii Raiiway, empresa da qual a Cie. Auxi
iiaire era subsidiária, a fim de tratar sobre os transportes ferroviários no
Rio Grande do Sui, conseguindo a promessa de que a companhia esta
va disposta a facilitar o transporte do gado para o frigorífico.
O projeto que era levado adiante peia União dos Criadores, com o
apoio oficial do Governo do Estado, objetivava estabelecer o frigorífico
no único porto de mar do RioGrande do Sui. Todavia, outras propostas
surgiram a nível municipal, propondo a realização de empresas noutras
regiões da fronteira, do litoral ou do meio interior.
A proposta de fundar o frigorífico em Rio Grande contava com o
poderoso argumento de ser ali o escoamento necessário da produção
gaúcha por via maritima, além de contar com o prosseguimento dos tra-
baihos de desobstrução da barra que haveriam de dar acesso aos gran-
®^ATOS oficiais, congressos, exposições. AEstância, Porto Alegre, (31).'715, sst. 1915.
62g0VERN0 do estado DO RIO GRANDE DO SUL. Leis, decretos e atos. Porto Alegre, A Federação, 1915.

110
des navios. Depunha ainda a favor desta proposta a firme intenção do
Governo do Estado de encampar a companhia concessionária, pondo
em prática o princípio da socialização dos serviços públicos.
Consideravam os incorporadores do projeto do frigorífico nacional
que, estando tanto a estrada de ferro como o porto no Rio Grande do Sul
nas mãos de uma mesma empresa, o sindicato Farquhar, esta teria in
teresse em diminuir os fretes, a fim de atrair a exportação dos produtos
do frigorífico rio-grandense para os canais de escoamento.
Face a esta proposta, grande repercussão teve o projeto do cônsul
do Uruguai no Estado, Sr. Vicente Carrió, que propunha a formação de
um frigorífico na zona da fronteira, mais especificamente em Livramen
to. Carrió considerava ser este o ponto ideai e, num memorandum á
União dos Criadores, lembrava a facilidade quanto aos transportes e á
obtenção de matéria-prima. A fronteira era, indiscutivelmente, a região
melhor servida pela criação de gado no Estado, a mais densamente po
voada pelo rebanho bovino gaúcho e, portanto, o locai mais convenien
te para uma grande empresa que, por sua natureza, operasse em larga
escala, igualmente, a indústria que iá operasse poderia aproveitar o
gado uruguaio, de superior qualidade.
Quanto ao escoamento da produção. Livramento coiocava-se no
ponto de encontro entre as vias férreas uruguaias e brasileiras e, quan
to a portos marítimos, a produção poderia facilmente escoar por Mon
tevidéu, indiscutivelmente superior a Rio Grande®^.
Frente a esta proposta, ievantaram-se as críticas dos elementos lo
cais, que denunciaram o fato de que a proposta do cônsul uruguaio
ocultaria o interesse de desviar para Montevidéu toda a produção de
carnes gaúcha. Logo, escaparia do fisco rio-grandense toda a cobrança
de taxas e toda a despesa com fretes. Em outras palavras, parte da
riqueza que poderia ficar no Rio Grande do Sul escoaria para o país vizi
nho. Logo, o frigorífico, ao utilizar o serviço de viação férrea e portuária
do Uruguai, beneficiaria mais o Estado Orientai do que o Rio Grande.
A intervenção do cônsul uruguaio foi considerada inoportuna, lesi
va aos interesses locais, ao pretender assumir a direção do movimento
que decidiria a localização do frigorífico. Na opinião de Ramiro Barcei-
ios, que com Vicente Carrió manteve um longo debate sobre o assunto,
o memorandum causara muito má impressão:
Todo empenho do Snr. Cônsul General, e claramente revelado em seu longo
"memorandum',' era conquistar o apoio do Dr. Borges de Medeiros para desviar do porto
do Rio Grande para o de Montevideo a exportação das nossas carnes (...) O snr. Cônsul
do Uruguai está em seu direito de fazer a tentativa no que diz respeito ao frigorífico e
até no que se refere ao "contrabando" com que se tem asfixiado de longa data o nosso
comércio do litoral. Nós, porém, não só temos o direito como o dever cívico de
cortar-lhes as asas e de Impedir que sobre tais pedras angulares levante a coluna
triunfal do domínio econômico do Uruguai sobre o Rio Grande do Sul.64
63fRIGORIFICOS, memorandum do cônsul uruguaio à União dos Criadores sobre a localização mais apropriada
de um frigorífico. A Estância, Porto Alegre (21).-325 et seq,, nov. 1914.
64o DR. Ramiro Barcellos responde ao Sr. Cônsul do Uruguai. AEstância, Porto Alegre (26).-499-511, abr. 1915.

111
Carrió voltaria à carga novamente, propondo à União dos Criadores
unir-se ao capital uruguaio num projeto que estava se apresentando no
Estado Oriental da construção de um frigorífico ao norte (Salto ou
Paissandu). Em resposta, a presidência da União lembrou que a sua in
tenção era a cidade de Rio Grande, o que não impedia que pudesse
também interessar-se no assunto®®.
Às proposições de Carrió e da União dos Criadores, outras viriam
surgir no Estado, como aquela levada a efeito pelo conhecido saladei-
rista de Santana do Livramento, Pedro Irigoyen que, aliado a capitaiis-
tas uruguaios, tencionava montar uma companhia frigorífica no iocal.
ReferiavA Estância a respeito:
o capital será de 2.000 contos, sendo misto o estabelecimento, isto é, aproveitará
as instaiações da ctiarqueada, fábricas de conservas, velas e sabão, da firma "Anaya e
Irigoyen", à quai será acrescentada a secção frigorífica. Consuitada a direção Ferro
Carril Centrai do Uruguay sobre o transporte das carnes em vagões frigoríficos até o
porto de Montevideo, respondeu afirmando que desde que a empresa garanta o embar
que mensai de determinada quantidade de carne de frigorífico, a direção da "Ferro Carril"
faria construir 20 vagões de 30.000 kg. destinados a esse transporte.66
Tudo indica que aqui estariam presentes as primeiras articuiações
da compra da charqueada da firma Anaya e irigoyen, de Livramento, pe
lo frigorífico Armour, que já nesta época operava no Uruguai e na Ar
gentina. A instaiação, contudo, só se efetivaria mais tarde, o que será
desenvolvido mais adiante, quando se tratar da implantação dos frigorí
ficos estrangeiros no Estado.
Criadores de Rosário, por sua vez, tentavam também articular-se
para transformar a empresa charqueadora local em frigorífico. Conta
vam a seu favor a excelente oferta da matéria-prima, face a sua localiza
ção estratégica frente a zona fornecedora de gado. Através da ação do
senador Vitorino Monteiro, conseguiu a comissão incorporadora do fri
gorífico de Rosário um empréstimo do Governo federal no valor de mil
contos de réis®^.
Nesta proliferação de tentativas de criar uma empresa frigorífica,
também de Peiotas surgiu uma proposta:
Em 15 de outubro de 1915, o saudoso e competente engenheiro civii, Dr. João
Gabriel Ubatuba, apresentou um anteprojeto de um estabelecimento frigorífico em
Pelotas, chegando às seguintes conclusões: "A instalação do frigorífico em Pelotas
impõe-se não só porque representa uma economia anual de 7% sobre o capital
social, como também pela convicção que nutrimos de que a instaiação do frigorífico na
cidade de Rio Grande seria para nós, rio-grandenses, um fracasso indescupávei, pois é
sabido que, há muitos anos, iá existiu a indústria do charque e os estabelecimentos
não conseguiram fixar-se. Este desastre nas charqueadas foi motivado, além das
causas apontadas, (pastos, aguadas, transporte), pelas areias tenuíssimas daquela
região, que tocadas pelos ventos, ali sempre reinantes, aderiam ás carnes por ocasião
de serem estendidas nos varais, dando-lhes mau aspecto e prejudicando-as mesmo
para o consumo. A vós, meus senhores, de quem depende a realização deste grande
®5caRTA de Carrió ao presidente da União dos Criadores. AEstância, Porto Alegre (26).-519, abr. 1915.
®®FRIGORlFICOS em livramento. AEstância, Porto Alegre (24I.-445, fev. 1915.
67o PROGRESSO, Porto Alegre (25), out. 1915.

112
empreendimento, só aconselharia o estabelecimento do frigorífico na cidade de Pelo
tas, pois me repugnaria lançar-vos a uma empresa cuja indústria tão delicada quanto
exigentes não fosse amparada por investigações práticas, concisas e leais. Ademais, o
sr. Cipriano Corrêa Barcellos, m.d. Intendente municipal, prometeu aos membros
desta comissão interceder junto ao patriótico conselho municipal para auxiliar a nova
empresa com o terreno que a mesma necessitasse na margem do canal de São
Gonçaio.68

Até mesmo Cruz Alta fora lembrada para a Instalação de um frigorí


fico, quando estivesse construída a estrada de ferro que a ligasse com
centros de escoamento.
Numa série de artigos de A Federação, o Major Euclides Moura cri
ticava as proposições da fundação de um frigorífico no interior:
(...) o estabelecimento de matadouros frigoríficos no interior, longe dos portos de
embarque, sujeitando o produto ao dispendioso transporte em vagões frigoríficos,
quando se tem em vista a exportação, é um erro que até agora não foi cometido e
certamente não será, por nenhum dos países exportadores de carne. Se esse foi o
modo de exploração do negócio nos Estados Unidos, è por que ali a indústria de
preparação de carnes surgiu e se desenvolveu visando o abastecimento do consumo
interno. O comércio exterior nasceu quando Chicago já era o grande açougue central de
todo o pais. Em São Paulo, ao se fundar o matadouro frigorífico de Barretos, não se
cogitava de exportação. A carne era para "ser oferecida ao consumo das principais
cidades do rico Estado", onde não havia gado e chegasse este a preço elevado e em
más condjções®^.
Na realidade, o caso dos frigoríficos sui-americanos apresenta
vam-se com uma nova dimensão: estavam sendo criados com o fim pre-
cipuo de abastecer o mercado internacionai na sua demanda de carnes
elaboradas. Abstraindo o caso do primeiro frigorífico pauiista, todos os
demais que viriam a se constituir no país e os que proliferavam no Prata
surgiam como resposta ao estímulo advindo do exterior.
O estabelecimento das indústrias nas cidades litorâneas seria,
pois, uma maneira de diminuir o custo da produção. Com isto, seria
eliminado o aito frete pago pelo transporte em vagões frigoríficos.
Inclusive este tipo de visão depositava muita fé na solução do pro
blema dos transportes, pois a efetivação da empresa em Rio Grande se
achava ligado à abertura da barra, apareihamento do porto e ao melho
ramento dos serviços da VIação Férrea.
Na perspectiva do governo e dos seus representantes no plano da
política, as coisas se achavam ligadas indissolúvel mente, como se vê
no pensamento de Carlos Penafiel:
(...)uma obra verdadeiramente patriótica e rio-grandense, a única abraçàvel, sim-
paticamente considerada e economicamente ajuizada, fruto de bom sensoe seqüência
coerente e natural de todo esse prolongado meter de ombros e de afã que a nossa
energia vai para tantos anos está empregando para romper a barra (...) a única idéia que
deve (...) associar todos os interesses, amontoar o capital necessário à fundação do
nosso primeiro frigorífico —é a sua instalação junto à cidade de Rio Grande,de cujo
®®COSTA GAMAet alii. Parecer sobre a questão dos frigoríficos noEstado doRio Grande doSul. EGATEA, Revis
ta da Escola de Engenharia de PortoAlegre, PortoAlegre Í7I.-43 et seq., jul. ago. 1915.
69m0URA, euclides. O frigorífico. A Federação, PortoAlegre, 20 abr. 1915. p. 1.

113
matadouro correm as carcaças do boi abatido até o armazém ou tenda! de câmaras
frigoríficas, de onde passará diretamente ao bojo dos transatlânticos de navegação alta
que,para tal fim, nos visitarem.70
Para averiguar o que poderia ser feito no Estado em termos de fri
goríficos, o Governo incumbiu Guilherme Minssen de viajar ao Prata
para colher informações sobre as empresas iâ instaladas. Desta viagem
de estudos resultou o Memorial da conservarção das carnes pelo frio^'* e
o Memorial sobre a Indústria de frigorificação das carnes ou conserva
ção das carnes pelo frlo^^, este publicado, em 1915, sob a forma de
conclusões extraídas das informações do primeiro relatório.
Em síntese, o trabalho recolheu dados diversos sobre a população
pecuária do Prata e do Rio Grande, bem como demonstrou qual o desti
no dado a este rebanho: charque, conservas, produtos congelados. En
quanto que o charque declinava inexoravelmente, a marcha da indústria
das carnes conservadas e congeladas era ascensional. Não tendo o
Uruguai capacidade para abater todo o gado do Rio Grande do Sul, o fa
to das charqueadas gaúchas irem deixando de funcionar deixava ape
nas uma saída para o Estado sulino, ou seja, a da implantação dos fri
goríficos. No Estado, refere o Memorial:
(...) se apresentam duas soluções para a fundação da indústria referida, a saber: a)
construção de um entreposto frigorífico no porto do Rio Grande com transporte do
gado em pé até ai e embarque direto das carnes nos vapores; b) construção de um
entreposto frigorífico em um ou mais pontos da fronteira uruguaia e transporte das
carnes elaboradas pelo frio até Montevideo. Citei estas hipóteses apenas para indicar
que a segunda, a do transporte férreo das carnes elaboradas, não é aplicado no Rio da
Prata (...) Em conseqüência não podemos tirar ensinamentos do Rio da Prata para o
transporte de carnes frigorificadas. Entretanto está provado que é possível técnica e
comercialmente, pois é aplicado em grande escala nos Estados Unidos onde as
grandes quantidades de carnes elaboradas pelo frio são enviadas aos grandes centros
de consumo (...) As companhias "Swift", "Armour", "Morris", "Suizberger" (...) possu
em cerca de 40.000 vagões.73

Tais conclusões, fruto de uma pesquisa mandada realizar pelo Go


verno, mais vinha solidificar a idéia da União dos Criadores de montar
um frigorífico em Rio Grande, pois seria sonhar demais pensar que a
nova indústria pudesse, de saída, ter vagões frigoríficos que levassem
seus produtos até o porto de escoamento.
A Companhia Frigorífica Rio Grande — nome escolhido para a
empresa nacional — pretendia realizar um capital social de
4.000:000$000, dividido em 20.000 ações, com o valor de 200$000 cada
uma. A instituição incorporadora União dos Criadores contratou com a
firma G. C. Dickinson & Cia., a direção técnica do frigorífico, bem co
mo ficou sob a sua responsabilidade a comercialização dos produtos.

^^PENAFIEL, Carlos. Os frigoríficos. A Federação, Porto Alegre, 24abr. 1915. p. 1.


^^MINSSEN, op. cit., nota 12.
^^MEMORIAL sobre aindústria de frigorificaçâo das carnes ou conservação das carnes pelo frio. AEstância Porto
Alegre (33).773-7, nov. 1915.

^^Ibidem, p. 776.
Donos dò importante estabelecimento saladeiril de Itaqui, os ir
mãos Dickinson tomariam a seu cargo a representação da firma em
Buenos Aires e Montevidéu, onde tinham escritório para seus negócios
de charque.
Com iarga experiência no negócio de carnes, a firma Dickinson
defendia uma série de vantagens comerciais que a fundação de uma fri
gorífico traria à pecuária gaúcha: pagariam pelo gado um preço muito
maiordo que aqueie que as charqueadas poderiam oferecer e conferiria
um vaior industriai ao gado ovino, na medida em que se poderia expor
tar carne de carneiro congelada.
O Frigorífico Rio Grande tinha por objetivo fundar mais de um es-
tabeiecimento no Estado, embora o primeiro fosse aquele projetado pa
ra a cidade de Rio Grande.
Amuitipiicação de projetos para a construção de frigoríficos, con
tudo, já estava conduzindo à preocupação. Em entrevista á Noticia, o
deputado Carlos Penafiel argumentava:
Para que todas estas iniciativas se transformem em realidade, são necessários
16.000:$000, assim divididos: para o de Santana do Livramento,6.000:000$000: para o de
Rosário, 6.000:0008000: para o de Rio Grande, 4.000:0008000. E no momento atual, em
face de todas as dificuldades que nos assoberbam, será possível levantar todo este
capital? (...) O que me parece difícil ou pelo menos, extemporâneo, é o fato de se estar
tratando da fundação de três desses estabelecimentos, senckj necessário reunir, com
urgência, quantias verdadeiramente avultadas. Não havia, em tudo isso, dispersão de
esforços? 74
A situação se tornava tanto mais grave quando o mesmo deputado
referia os iucros fabulosos que os frigoríficos obtinham no Prata,
ficando o Rio Grande do Sui á margem deste oportunidade de enrique
cer: em Buenos Aires, um frigorífico distribuía dividendos de 40%
sobre as ações ordinárias, depois de cobertos todos os gastos'®.
Reaimente, a verdadeira euforia peios frigoríficos estava fazendo
com que, na prática, nenhum projeto se concretizasse. Como já foi
demonstrado antes, a capitalização era baixa no Rio Grande do Sul, não
só pelas condições mesmas da estrutura produtiva como peia função
do Rio Grande em reiação á economia nacionai (periférico-dependen-
te). O sonho da muitipiicidade dos frigoríficos formados com capitais
nacionais haveria, pois, de cair por terra.
A União dos Criadores sentia o probiema e sua diretoria assim se
expressava, em junho de 1915:
(...) numa época como esta, de crise monetária mundial, de retralmento de capital
nacionalque encontra fácilcolocação sob a forma de empréstimo a juros elevados, seria
utopia contar com elementos suficientes para a organização simultânea de tantas
empresasdesse gênero quedemandam capital avultado. Eraprecisocontar, sobretudo,
com o apoio dos interessados diretos, que são os criadores para uma grande parte dos
quais a situação nesta safra é de dificuldades por não terem efetuado a venda de seus
'''penafiel, Carlos. AEstância, Porto Alegre 127); 577, maio 1915:
'®lbldem.

115
gados. Assim sendo, a aquisição do capital necessário para a fundação do frigorífico
representa uma extraordinária soma de esforços, sendo indispensável para esse fim o
concurso de todas as zonas pastoris do Estado, mesmo das que por circunstâncias
transitórias não possam reabrir desde logo os benefícios diretos do frigorífico.^®
O problema real é que, além dos fatores derivados de uma estrutu
ra montada e dos nexos que a mesma mantinha com o mercado con
sumidor, deve-se acrescentar a conjuntura desfavorável porque atraves
sava a Indústria pecuária por excelência do Estado: o charque.
O criador, como se sabe, dependia da charqueada para dar escoa
mento à matéria-prima que produzia e, quando o charqueador se deba
tia em crise, tendia a transferir seus efeitos para o reprodutor direto.
Em suma, numa época em que no mercado Internacional era alto o valor
do gado, o pecuarista rio-grandense não podia se valer dos bons preços
dentro do contexto sulino. Ante a retração do abate na charqueada,
era obrigado a reinvernar o gado gordo por falta de quem o comprasse
ou vendê-lo para os frigoríficos uruguaios, quando possível. Em pés
sima situação econômico-financeira , não dispunha mesmo do capital
necessário que, aplicado, viria proporcionar-lhe a lucratividade deseja
da.
Em julho, a União dos Criadores enviaria uma quinta circular às
comissões locais, solicitando um Incremento no processo de recolhi
mento de capital para a montagem do frigorífico. Em agosto de 1915, o
vice-presidente, Dr. M. D. RIet, lamentaria
(...) a demora que tem sofrido o andamento do projetado frigorífico no porto de Rio
Grande, magno empreendimento dificultado por motivos que estão no domínio público.
As iniciativas de Rosário, de Livramento, se bem plausíveis na devida oportunidade, nos
atuais momentos provocaram a dispersão de esforços, que unidos teriam resolvido o
patriótico problema, colocando o nosso porto em condições de poder exportar carne na
futura safra.77
O problema de arrecadação do capital continuaria portodo ano de
1916, apesar dos ingentes esforços da diretoria da União dos Criadores.
Ao mesmo tempoem que isto se dava, noticias corriam de que o capital
estrangeiro preparava-se para entrarnoRio Grande do Sul. Oassunto do
frigorífico era levado ao debate na Assembléia dos representantes, onde
se ouviriam as palavras do Deputado Possidônio da Cunha:
Sr. presidente, háàlguns anos a esta parteconstitui aspiração do Rio Grandedo Sul
a fundação de unri estabelecimento frigorífico, que venha amparar e desenvolvera nossa
indústria pecuária e, ao mesmo tempo, facilitar a exportação de legumes, frutas,
iaticínios, etc., que constituem poderoso fator econômico e grande fator de renda em
muitos países da Europa e da América.
A indústria bovina, entre nós, tal como se acha atualmente constituída, não mais
corresponde às exigências do progresso de hoje; de sorte que vemos, com pesar
diminuir o consumo de alguns dos seus produtos e outros são elaborados de forma que
parte da matéria-prima fica inteiramente perdida.
^^MOREIRA, Alfredo Gonçalves. Ainda pelo frigorífico. AEstância, Porto Alegre (28): 609, Jun. 1915.
^^RIET, D.M. Frigorífico Rio Grande. A Estância, Porto Alegre (30):668. ago. 1915.

116
As charqueadas vão gradatívamente diminuindo de vaior como estabelecimentos
industriais e, de outro iado, os produtos agrícolas que entre nós são em grande
abundância, não podem ser exportados em maior quantidade, porque não suportam um
transporte longo e demorado por serem de fácil deterioração. A fundação, pois, de um
estabelecimento frigorífico impõe-se a todos os espíritos e não é mais um assunto
sujeito ã discussão. Diversas têm sido as tentativas feitas para a realização desse
desideratum, mas infelizmente, até hoje nenhum resultado obtivemos (...) nestes
últimos tempos, notadamente a "União dos Criadores" tem empregado os seus melhores
esforços neste sentido (...) Não tem (...) faltado apoio dos poderes públicos para
favorecer o surto de estabelecimentos dessa espécie. Não me cabe indagar, nesta
ocasião, os fatores e motivos do insucesso destas tentativas, mas o que è certo é que,
até o presente, não logramos ainda ver realizada a nossa aspiração de um estabele
cimento frigorífico. Agora, porém, tendo chegado ao nosso conhecimento — e por
conduto autorizado — que uma empresa estrangeira, do gênero, que já se acha
estabelecida no Rio da Prata, pretende virfuncionar no RioGrande do Sul, desde que os
seus produtos, manufaturados aqui, pelos ônus que tiverem, não fiquem em situação
inferior aos que elaboraram naqueles países, a comissão de orçamento, por meu
intermédio, deliberou apresentar à consideração da Assemiéia um projeto de lei am
pliando e modificando a Lei 146, de 1912 (...)78

O projeto da comissão de orçamento, tornado lei sob o n® 206, de


25 de novembro de 1916, concedia favores aos frigoríficos que se
estabelecessem no Estado, ou seja, a isenção, por 30 anos, do paga
mento dos impostos sobre indústrias e profissões, gado abatido e'
sobre a exportação de seus produtos e subprodutos. Inclusive revogava
a cobrança da taxa de exportação de matéria-prima, prevista na Lei de
12 de novembro de 1912^9
Constata-se aqui a pressão do capital estrangeiro pela ampliação
dos incentivos fiscais já concedidos pelo Governo do Estado no Rio
Grande do Sul. Contudo, para que o projeto regional não ficasse
diminuído face a entrada do capital estrangeiro, a 1® de dezembro de
1916 era aprovada a Lei n® 215, que concedia favores às companhias
nacionais friogoríficas que se fundassem no Estado, com capitais de
criadores da região. Tais companhias gozariam, além das insenções
previstas na Lei n® 206,
(...) de garantia de juros até seis porcento (6%) sobre o capitai e efetivamente reali
zado, pagávei anualmente pelo Tesouro do Estado, como suplemento ã insuficiência de
lucros. 80
A partir da Lei n° 215, ficou insubsistente o plano anterior, pelo
qual o Estado concedia empréstimos aos frigoríficos nacionais ou
subscrevia-ihes parte do capitai. A prática foi considerada demasiado
onerosa e multo menos eficaz que a garantia de juros sobre a totalidade
docapitai^^.
ANAIS da Assembléia de Representantesdo Estadodo Rio Grandedo Sul. 25' Sessão Ordinária. 6 nov. 1916. p.
67-8.
79gOVERNO do estado do rio grande 00 SUL. Leis, decretos e atos. Porto Alegre, a Federação, 1916.
^''íbidem.
SImENSAGEM presidencial de 1917. P.70.

117
Quanto a esta atitude do Governo, o deputado Emílio Guilayn assim
justificava;

Ao mesmo tempo, porém, que as leis votadas (anteriormente) provocaram ao que


parece a vinda para o nosso Estado de capitais estrangeiros destinados a exploração
dessa indústria, è preciso, è mesmo imprescindível que, concomitantemente, se procure
de algum modo estimular os capitalistas rio-grandenses para que ao lado dos capitalis
tas estrangeiros, que serão muito bem recebidos, concorram, por sua vez, para o
desenvolvimento dessa indústria, nela empregando, de modo extraordinariamente re-
munerador, os seus capitais, ao mesmo tempo que concorrendo, destarte, para defesa e
se preciso for, dos interesses dos criadores do Estado. É sabido desta Assembléia que o
principal ramo de nossas indústrias é a pecuária, conseqüentemente, tudo quanto se
fizer para ampará-la e desenvolvê-la, será bem feito. Assim pensando, o Governo do
Estado e com este a comissão do orçamento redigiu este projeto (...) Introduz-se nele —
digamos assim — uma novidade do nosso meio, qual seja a garantia de juros que, no
atual regime, jamais concederam os poderes públicos do Estado, mas a justificativa
dessa inovação repousa no desejo de estimular o capital nacional e promover, entre nós,
o surto da indústria frigorífica, com a fundação de um estabelecimento genuinamente
nacional.®^
Note-se aqui que o orador, membro do Partido Republicano Rio-
grandense, seria um dos diretores do projetado empreendimento.
A montagem ae um frigorífico regional e as perspectivas de mer
cado que se ofereciam dos produtos elaborados pelo frio começaram a
ter a sua contrapartida financeira na expansão do crédito. Na verdade, a
conjuntura da guerra não só foi capaz de determinar o aumento do
preço dos produtos derivados da pecuária, como também atuou favora
velmente sobre a agricultura e sobre a indústria manufatureira.
Aexportação de gêneros alimentícios aumentou, assim como tam
bém multiplicaram-se os estabelecimentos manufatureiros no Estado.
Ligados a esse processo, encontram-se a ampliação do crédito e o
aumento nos ativos dos bancos.
Em 1915, o movimento das instituições bancárias do Estado au
mentou bastante, compensando, no dizer do vice-presidente Salvador
Aires Pinheiro Machado, todas as prosperidades do trabalho indus-
trial?^
Ao referir-se ao caso de expansão do Banco Pelotense até 1920,
refere-se Alcibíades de Oliveira:
Essa bruscaexpansão bancária, que parecesingular, e quase milagrosa, considera
da isoladamente, sem o prévio ou simultâneo das causas, foi, contudo, perfeitamente
natural.
Teve como fatores determinantes a "dupla inflação" — econômica e financeira —
causada pela guerraeuropéia: por um lado, os preçoselevados em dobro, e mais; e por
outro, as emissões, aumentando em cerca do dobro também, a quantidade de papel
moeda em circulação, que passou de 980.000 contos em1916a1.800,000em1920(...) As
conseqüências dessa dupla Inflação refletiram-se nos depósitos e nos capitais dos
bancos.
82anaiS da Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul. 38® Sessão. 22 nov. 1916. p. 140.
®^MENSAGEM presidencial de 1915. P. 35.

118
Assim, no Banco Pelotense, a marcha evolutiva foi a seguinte, até a crise de 1921;

Capital Depósitos Reservas |


1906 3.000 3.000 4 '
1911 6.000 20.000 253
1913 10.000 21.000 900
1916 10.000 38.000 3.000
' 1918 15.000 100.000 7.000
1919 30.000 147.000 9.000
1920 30.000 131.000 12.000
1921 30.000 109.000 13.000
1922 30.000 143.000 14.000 ftj

Segundo este autor, participante do processo narrado, a dupis


inflação do periodo de guerra acarretaria para o setor bancário uma
tríplice série de ilusões:
(...) a) dos praços, sempreemalta —resultava a Ilusão da estabilidade nos lucros,
b) do aumento constante dos depósitos —decorria ^Ilusão de eQuIlíl^Jp,
c) dos lucros crescentes — provinha a despreocupação das garantias.
Uma conjuntura favorávei de mercado criava a ilusória impressão
de segurança e estabilidade. Garantias para empréstimos era coisa que
não se falava. Aproveitando-se das facilidades ocasionadas pela abertu
ra do crédito, os pecuaristas começaram a investir na criação, estimula
dos pelo porvir da era do frio que se avizinhava e que exigiria rebanhos
selecionados.
O Relatório da Repartição de Estatística de 1914 traz um levanta
mento, por municípios, das raças seletas dominantes no Estado, onde
se encontram as espécies Durham, Hereford. Poiied-Angus, Charolesa
e Devon, disseminadas por quase todo o Rio Grande?®
Quanto aos banheiros carrapaticidas, em 1914 eram registrados 86
em todo o Estado, destacando-se Bagé e itaqui, cada qual com 20. Para
o ano de 1916, o Rio Grande do Sul já possuía 166 banheiros carrapati
cidas para bovinos e 136 para ovinos, embora estes últimos ainda
incompletos
È interessante comparar os dados obtidos para benfeitorias cita
das acima com o quadro dos maiores proprietários de gado bovino em
1914/15, do Relatório da Repartição de Estatística de 1914. Os maiores
proprietários de gado são o Visconde de Ribeiro de Magalhaes,com
15.600 cabeças bovinas, em Bagé, onde se havia registrado o maior
número de banheiros carrapaticidas, e George Ciarck Dickmson, com
^^OLIVEIRA, Alcibíaides. Um drama bancário. Porto Alegre, Globo. 1936. p. 52.
®^lbidem. P. 54.
^^RELATÔRIO daRepartição deEstatística. Secretaria dos Negócios doInterior e Exterior doEstado doRio Grande
do Sul. 1914. p. 173-4.

®^RELATÔRIO da Repartição de Estatística Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior do Estado do Rio Gran
de do Sul, 1914. p. 134.

119
17.965 cabeças, e Ismael Florlano Fagundes, com 17.000, ambos de
ItaquI, outro município também apontado como líder em termos de
inovações sanitárias para animais®^.
Em 1918, o número de banheiros carrapaticidas aumentava para
374, destacando-se os municípios de Bagè, Livramento, Alegrete, Her-
val, São Gabriel eitaqui^.
Assim como melhorava a qualidade de rebanho e dos métodos de
criação, também a quantidade e o valor do mesmo se desenvolviam sob
o influxo favorável da conjuntura da época.
Em número e valor de cabeças bovinas, o rebanho cresceu na
seguinte proporção®®:
Aumento Sobre Cada Ano Anterior
Valor Absoluto
Anos Cabeças Relativo
(em mil réis)
Número Valor N? Valor

1907 6.199.410 193.525:922$


1908 6.499.210 221.264:256$ 299.800 27.868:334$ 4,8% 12,6%
1909 6.574.954 262.939:665$ 75.744 41.645:399$ 1,2% 18,8%
1910 6.881.650 003.7553 106.696 50.284:100$ 1,6% 19,1%
1911 7.023.209 390.503:535$ 341.559 77.279:780$ 5.1% 24,6%
1912 7.211.127 453.979:016$ 187.918 63.476:181$ 2,6% 16,2%
1913 7.529.702 494.120:865$ 318.575 40.141:149$ 4,4% 8,8%
1914 7.917.296 550.704:150$ 387.594 56.583:285$ 5,1% 11,4%
1915 7.793.108 586.762:560$ 124.188 36.058:410$ 1,5% 6,5%
1916 8.057.062 637.263:570$ 263.954 86.501:010$ 3,4% 14,7%
1917 8.443.400 815.230:000$ 386.338 177.966:430$ 4,8% 27,9%
1918 8.669.000 843.170:000$ 225.600 27.940:000$ 2,6% 3,4%

Da mesma forma que o gado, o valor das terras aumentou também


no período em questão:
Reunido o valor venal das terras e o valor médio do gado geral, temos os seguintes
Valorem mil réis
Anos Pecuário Territorial Soma
1911 399.641 612.196 1.011.837
1912 487.887 635.205 1.123.092
1913 565.163 975.239 1.540.402
1914 709.865 1.103.287 1.813.152
1915 763.800 1.086.423 1.850.223
1916 834.189 1.184.058 2.018.247
1917 1.151.229 1.209.264 2.360.493
1918 1.190.669 1.246.467 2.437.136
1919 1.300.445 1.281.454 2.581.899
1920 1.362.965 1.518.836 91
2.881.801
®®RELATÒRIOda Repartição de Estatística. Secretaria dos Negóciosdo interiore Exteriordo Estado do RioGrande
do Sul. 1914. p. 179-80.
®^RELATORIO daRepartição deEstatística. Secretaria dosNegócios doInterior e Exterior do Estado do Rio Grande
do Sul. 1918. p. 70.
^RELATÓRIOda Repartição de Estatística.Secretaria dos Negóciosdo Interiore Exterior do Estado do RioGrande
do Sul. 1919. p. 48.
RELATÓRIO da Repartição de Estatística. Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior do Estado do Rio Grande
do Sul. 1920. p. 223.

120
o problema é que, ao aumentar o valor dos campos, aumentava o
imposto a pagar. O estancleiro, no caso, estava Investindo na unidade
produtora, tendo em vista as perspectivas de frigorlf Icação da carne. Os
melhoramentos se faziam sentir, tanto a nível qualitativo como quanti
tativo. O que se põe em dúvida, contudo, é que os lucros ou a margem
de capitalização fosse tão grande, pois, se tal se desse, não se tornaria
tão difícil arrecadar dinheiro para a montagem do frigorífico nacional.
Joseph Love refere que
(...) na ampliação do capital do frigorífico de controle doméstico, Borges apelou
aos líderes do Partido Republicano Rio-grandense local para solicitarem fundos aos
estancieiros em seus municípios.92
Apesar detodo este Impulso, não se conseguia arrecadar o capital
necessário, masos incentivos concedidos pelo Governo davam seus
frutos. Estes, contudo, não eram exatamente o que a União dos Cnado-
|fes esperava. No Inicio do ano de 1917, um artigo do Correio do Povo
comentava, ao referir-se à situação de economia pecuária gaúcha:
Mas o remédio para estasituação é confiecido. Oque nós temos a f^er é o que os
Inossos vizinhos piatinos já fizeram, há muito tempo, e o que Minas e Sao Paulo estão
praticando com muito proveito: é irmos substituindo a nossa retardatana industria do
charque pela das carnes congeladas e resfriadas. Felizmente, ao que se sabe, ja a
"Swift Cy." está demarcando o terreno em que vai instalar o seu frigorífico no Rio
Grande e que a "Armour Cy." já iniciou também os trabalhos para a instalaçao do seu
estabelecimento, que será localizado no Livramento. Apenas não se fala do fri^rifico
que se devia fundar com capitais genuinamente rio-grandenses_. Eisto e tanto mais la
mentável, porquanto importa num atestado de nossa indecisão e de nossa falta de
energia e previsão. Entretanto, a não termos nenhum frigorífico, é bem preferível que
tenhamos dois, embora fundados com capitais estrangeiros.

Efetivamente, este tipo de opinião quanto à Incapacidade gaúcha


começava a serventilado. Em agosto de1917, Leonardo Truda assim se
exprimia, lamentando que o impulso que São Paulo apre^ntava em
direção à indústria frigorífica não se repetisse no Rio Grande do sul:
E se a razão para que São Paulo seja o centro de nossa
unicamente a de quealiestá o dinheiro, podemos assegurar que, para
Sul, essa razão não procede. Não são os capitais que nos l. ^ossà oru-
movimentar frigoríficos. Falta-nos apenas uma coisa: saber •" ' «nutacão
dência tem valido ao comércio, às instituições bancárias Mas a nru-
sòlida, uma confiança merecida que resiste aos mais violentos ,. P
dèncla não deve transformar-se em sinônimo de rotina. Acautela ^®.® ^
sibilidade de novos negócios, de novas indústrias. Ea das carnes frtgorif
que merecem que se lhes abram os mais largos créditos.»
Não parece, contudo, que o Rio Grande do Sul sofresse de timidez
ou queo fracasso pudesse ser atribuído simplesmente ao espirito de
92lOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo, Perspectiva, 1975. p. 190.

INDÚSTRIA óo charque. Correio do Povo. Porto Alegre, 28 nov. 1917. p. 6.


^TRUDA, LeonarcJo. ORio Graníje (do Sul eaexportação da carne. AEstância, Porto Alegre (54): 202, ago. 1917.

121
rotina. Era a descapitalização da economia pecuária que levava setores
dos criadores a permanecerem como "atrasados" ou "refratários" às
inovações. Estando a pecuária em crise, e já sendo a capitalização
baixa em virtude da própria estrutura e de sua vinculação periférlca-de-
pendente, o criador não conseguia integralizar o capital necessário. A
demora foi tal que uma companhia estrangeira - a Swlft, precisamente -
adiantou-se ao projeto dos pecuaristas gaúchos e acertou o estabele
cimento de uma unidade industrial no porto do Rio Grande. Face o
ocorrido, mudou-se internamente a perspectiva, pois carecia de fun
damento a possibilidade de funcionarem lado a lado, no mesmo local,
uma empresa estrangeira e uma empresa nacional. A solução encon
trada foi a mudança do local para Pelotas, onde a municipalidade
favoreceu a instalação, concedendo um terreno à margem do São
Gonçalo, próxima a um ramal de estrada de ferro e com um porto
apropriado. Inclusive, a partir do momento em que mudou o plano da
União dos Criadores, esta nova localização foi considerada uma vanta
gem, uma vez que evitaria o pagamento das onerosas taxas exigidas
pela companhia concessionária do porto do Rio Grande.
No que diz respeitoá doação do terreno, o contrato foi assinado
entre os diretores da Companhia Frigorífica Rio Grande e o intendente
de municipalidade, Dr. Cipriano Barcellos, em 21 de novembro de
191795

A concessão foi feita pelo prazo de 30 anos, contado a partir da


constituição da companhia. O terreno deveria ser restituído ao municí
pio no caso da companhia concessionária não realizar a instalação do
frigorífico no prazo de quatro anos, a contar da data do contrato, assim
como no caso de dissolução da mesma.
No que diz respeito ao capital necessário, a questão foi parcial
mente resolvida na medida em que ficaram como incorporadores a
União dos Criadores do Rio Grande do Sul e a Associação Comercial de
Peiotas, e,de banqueiro, o Banco Pelotense. Foi mantido o capital
nominal de 4.000:0008000 (quatro mil contos de réis), mas foi estabele
cido que a subscrição do capital ficaria garantida pelo Banco Peloten
se, que se obrigava a tomar a seu cargo o restante do capital

... não subscrito antes por Iniciativa dos incorporadores, notadamente peia
"União dos Criadores", cujas listas de subscrição atingem a quantia superior a dois mil
contos de réis.96

®^PIMENTEL. Fortunato. Chargueadas e frigoríficos, s.f. Tipografia do Centro, s.d. p. 186-7.

^^GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Leis, decretos e atos. Porto Alegre, a Federação, 1917. P
119.

122
A primeira administração da companhia teria como diretores G.C.
Dickinson & Cia. e Emílio Guilayn, ficando o conselho fiscal a cargo de
Alberto Rosa, Alfredo Gonçalves Moreira Antônio Augusto de As-
sumpçào.
A companhia constituiu-se iegamente numa assembléia em 17 de
setembro de 1917, na sede da União dos Criadores do Rio Grande do
Sul, quando se achou subscrito integralmente o capitai.

Face ao acontecimento, A Estância assim se pronunciava.


o futuro fará justiça a esses abnegados patriotas que não mediram sacrifícios ante a
imperiosa necessidade de emancipar a principal indústria rio-grandense da ganância
dos capitalistasestrangeiros(...) Avida econômica do Rio Grande doSul, coma questão
dos frigoríficos, assumiu ultimamente um aspecto de profundo interesse e uma nova
forma de ação intensiva da riqueza privada (...) convencendo a prática aos nossos
capitalistas de que na indústria do frigorífico reside, sem contestação, o mais alto e o
mais rápido problema de nossa indústria pecuária.97
Não passava despercebida, contudo, aos próprios incorporado-
res, a imensa desproporção entre o projeto locai e as novas conripa-
nhias estrangeiras que se estabeleciam no Rio Grande. Neste sentido,
manifestavam-se o Cei. Alfredo Moreirae o Cei. Riet, ©m entreviste
concedida ao jornal A Notícia:

...o capital da companhia não poderá enfrentar as demais concorrentes aqui


estabelecidas, como a "Swift", do RioGrande, e "Armour",de Livramento, não é exato?
— (perguntavam os entrevistadores)
—Claroque nossa concorrência àquelas empresas é nenhuma, tendo-se em vista a
fabulosa soma de dinheiro com que se organizaram aquelas companhias. Todo mundo
sabe que a "Armour" è uma das mais poderosas instituições econômicas que por ai
andam. Calculo mesmo, afirmou-nos o Cei. Riet, que o capital desta última empresa seja
de 30 milhões de dólares, atuando em estabelecimentos de primeira ordem, espalhados
em toda parte. O senhor a encontra em São Paulo, no Uruguai, em Buenos Aires e,
ultimamente, ela já está tratando das suas riquíssimas instalações (...) A outra, a
"Swift", não menos importante, já possui estabelecimentosno Rio Grande e no Rosário.
É formado com capitais colossais e agora está trabalhando em conservas, enquanto
aguarda a chegada do material para os seus pavilhões.
—Mas entãoa nova companhia vai dificilmente operarna sua indústria, dada essa
concorrência, não é assim?
—Absolutamente, ela terá a grande vantagem de evitar os "trusts" e valorizar os
nossos produtospecuários e, alémdisso, comoquase quea maioria dos seus acionistas
é composta de fazendeiros, só estes terão a lucrar com essa concorrência, que virá
aumentar a rendados criadores e desenvolvero comércio pecuário (...) —adiantou-nos o
Cei. Moreira.
—De sorte que não há possibilidade de prejuízos, ainda mesmo que ela não fosse
funcionar? — interrogamos nós.

^^frigorífico genuinamente rio-grandense AEstância, Porto Alegre (55) 9 10, set 1017

123
— Ainda mesmo que ela deixasse de funcionar nós teríamos os juros de 6% do
capital empregado, que nos garante o Governo do Estado. Esse auxílio é talvez mais
proveitoso do que o empréstimo de mll contos que pretendia dar, a princípio, o Ilustre
presidente do Estado, a quem devemos o êxito desta Iniciativa pelo multo que nos
auxiliou na formação da companhia. O Governo tomou a sl mesmo a passagem de ações
por toda a campanha, portodo o Interior doEstado, obtendo resultado surpreendente.98
Um projeto corajoso, sem dúvida, inspirado numa acentuada defe
sa dos interesses iocais, este dos criadores gaúchos. Opor-se ao truste
e ao monopólio, valorizar a matéria-prima locai e equiparar o Rio
Grande às mais recentes inovações tecnológicas no campo da transfor
mação dos alimentos eram os projetos dos estancieiros. Para tanto,
congregavam-se os esforços de ciasse dominante sob o patrocínio do
Estado, que cumulava os futuros frigoríficos que surgissem de incen
tivos fiscais.
Deles iriam aproveitar-se as empresas estrangeiras, superiores
financeira e tecnoiogicamente. Frente à força do capital monopolista,
perderia terreno um projeto de criação de um frigorífico nacional que
viria transformar radicalmente a estrutura produtora no Estado.
O projeto foi concebido numa época de euforia quanto às perspec
tivas oferecidas pelo mercado internacional, que pareceram poder ar
rancar a economia pecuária gaúcha da crise e estagnação.
A alta do preço do gado e a ampliação do consumo mundial,
contudo, atuaram de forma a estimular no Estado tanto a ampliação do
crédito como a renovação da pecuária, através do aprimoramento de
rebanhos e cuidados higiênicos no seu tratamento. O objetivo mais alto
de renovação seria, porém, atingido quando o Rio Grande do Sul
conseguisse, através de atuação dos criadores e da proteção do Esta
do, montar uma empresa frigorífica com capitais locais.
Justamente o aspecto nacionalista que liderava a companhia de
instalação da indústria do frio haveria de frustrar-se, e quem levaria a
dianteira seria o capitai estrangeiro. Este trans|adou-se do Prataparao
Rio Grande, aproveitando-se tanto das condições de mercado no mo
mento, quanto da legislação protecionista que o Estado gaúcho ofere
cia.

2.3. A penetração dos frigoríficos estrangeiros na economia pecuária


do Estado

A proporção que parte da ciasse dominante tentava promover


internamente a pecuária em termos capitalistas e o Estado, através de
uma legislação específica e outras medidas, dava amparo a este proje
to, o capital estrangeiro preparava-se para entrar no Rio Grande do Sul.
Já havia sido referenciado que alguma coisa era tratado entre um
grupo capitalista uruguaio - provavelmente Armour — em 1915, com a
ESTÂNCIA, Porto Alegre (55): 10, set. 1S17.

124
firma charqueadora Anaya e Irigoyen para a instalação de um frigorífico
em Santana do Livramento.
Outras firmas estrangeiras também voltavam as suas vistas para o
Estado. Em 1915 inaugurava-se em São Paulo o frigorífico de Osasco,
considerado perfeito para a época quanto às suas instalações, com
capital de 12.000 contos. Segundo notícias divulgadas pela revista A
Estância, a Continental Products Company pretendia estabelecer mais
dois frigoríficos no Brasil: um no Paraná e outro no nosso Estado^^.
A empresa, que em 1914 se demonstrara desinteressada em as
sociar-se ao capital local, uma vez estabelecida definitivamente em São
Paulo no ano seguinte, pretendia agora ampliar a sua penetração em
outras regiões do país. A Continental Products Company fora dirigida
pela Suizberger and Sons, de Chicago, da qual tornara-se sucessora a
Wilson Company. A idéia de instalação desta companhia no Rio Gran
de, que tanto surpreendeu na época, não tardaria muito em reallzar-se,
pois, efetivamente, em 1918,a Wilson estabeleceu-se em Santana do
Livramento.
A questão da entrada do capital e da tecnologia estrangeiros era por
demais discutida, uma vez que se tinha por estabelecido que a
maquinaria deveria ser importada e que o capital nacional mostrava-se
insuficiente.
Não havia, por parte do Rio Grande, ojeriza ao capital estrangeiro
em si, mas do que ele pudesse representar através de combinações
exclusivistas, subjugando o capital nacional, mais débil.
Outro tipo de consideração inclusive era levantada: a de que, uma
vez instalada a empresa de forma monopolista, quem mais iria sofrer
as conseqüências seria o produtor direto da matéria-prima, ou seja, o
estancieiro, que ficaria praticamente á mercê dos preços queitie quises
sem pagar por seus gados^°°.
Pronunciando-se a respeito do pensamento do Governo sobre os
frigoríficos, o capital estrangeiro e os incentivos fiscais concedidos, a
Comissão de Orçamento, na legislatura de 1916, afirmava que a ação do
Estado não envolvia concessão de privilégios nem de favores só aos
empreendimentos locais ou só aos estrangeiros, como alguns pensa
vam.
Registre-se, acima de tudo, que a boa doutrina que o Rio Grande sempre amparou e
defendeu, desde a Constituinte republicana federal, é que toda a exploração industrial
"que não puder ser executada pela inciativa individual completamente livre, sem
monopólios nem privilégios, e cuja utilidade social estiver provada, deve ser realizada
pela União ou pelos Estados", conforme os casos, porque tanto aquela como estes
abrirão oportunamente mão dos seus privilégios, o que não acontece com as empresas
particulares. Não é o caso da indústria da carne. Assiste aos espíritos duvidar. Por mais

Osasco - a sua inauguração A Estância, Porto Alegre (26):540. abr. 1915.


SILVEIRA. Geraldino. Indústrias: portos e frigoríficos. AEstância, Porto Alegre (321:728, out. 1915.

125
longe, porém, que levassem as suas conquistas os "trustificadores" da carne em nosso
Estado, encontrariam a vencer um sem conto de resistências, barreiras não só por parte
dos interesses naturais e legítimos dos criadores, coligados entre si, como do próprio
Governoa quem sobraria, em último caso, o remédio extremo de avocar a si a solução de
tal embaraço.
Conceder quaisquer privilégios que importem num monopólio para uma empresa,
sob o pretexto de "nacionalizar" uma indústria qualquer, mesmo para o caso especial da
indústria pecuáriaque, por sua natureza e desenvolvimento, é a fonte principal de nossa
riqueza, seria uma infração da política financeira republicana, um desvirtuamentodos
princípios básicos do regime, um ataque à Constituição.
O regime de qualquer companhia, estrangeira ou nacional, baseada sob a forma de
sociedade anônima, que aqui se instalar para explorar a indústria do frio aplicada à
conservação da carne, pode ser oneroso a comunidade pelos altos dividendos que os
acionistas visem ou pela agiotagem a que "trustif icadores" ou diretores de tais empreen
dimentos são, não raro, propensos quanto pretendem lucros fabulosos. O argumento de
que não devem merecer nenhum encorajamento do Governo do Estado as sociedades
anônimas que vêm de fora com grandes capitais podia também aplicar-se a fortes
empresas nacionais que amanhã, ã custa do açambarcamento e da ganância de uma
dúzia de exportadores de carnes frigorificadas, podiam funcionar em detrimento do
interesse da massa geral dos produtores e da economia rio-grandense. O Estado é
obrigado a respeitar escrupulosamente, pois é sagrado princípio da política republicana,
eé umamedidasempredo mais prudentecivismo a liberdade de trabalho, a liberdade de
comércio, a liberdade de indústria, a liberdade sob todas as formas. Edepois, constitu-
cionalmente, os direitos dos cidadãos estrangeiros que venham desempenhar sua
atividade entre nós são iguais aos dos nacionais. Qualquermedidagovernamental que
restringisse essa faculdade assegurada pelos códigos orgânicos do Estado e da União
tornar-se-iaarbitráriaedespótica(...) O regime atual em que vivemos exclui, portanto, a
possibilidade de qualquer restrição à livre expansão da atividade econômica?101
Tem-se aqui formulada uma perspectiva governamental norteada
pela meta de acelerar a Implantação do capitalismo na área. O grupo no
poder partia de uma noção de que o desenvolvimento do capitalismo
deveria ser na base da auto-sustentação, o que seria obtido através da
plena liberdade econômica e da diversificação de produção. Assim
sendo, deveriam ser dadas Iguais oportunidades a todos os setores da
economia, a fim de que fosse aumentada e diversificada a produção e
exportação do Estado. Em outras palavras, através de um desenvolvi
mento multllateral de todos os setores produtivos, o Rio Grande Iria
não só aumentando suas exportações, como automaticamente substi
tuindo as Importações.
Apartir das noções comtistas, já se viu que esta noção de liberda
de se ligava á própria perspectiva de Implantação das repúblicas positi
vas, tecnicamente desenvolvidas, que era a meta a atingir. A liberdade
Implicava em oportunidades Iguais paratodos, sem distinção de espécie
alguma. Desta maneira, a ética de governo positivista condenava a
proteção de um produto em detrimento dos demais, ou de um grupo de
empresas em particular.
RELATÓRIO da Comissãode Orçamento. Anaisda Assembléia de Representantesdo Estado do Rio Grande do
Sul. 37® Sessão. 21 nov. 1916. p. 129.

126
Cabia ao Estado Intervir quando a iniciativa privada se revelasse
incapaz de levar adiante o processo ou quando se verificassem abusos
monopolistas.
A norma comtista cria nas forças do mercado e na livre concorrên
cia, que implantariam uma ordem superior.
Segundo Müller,
(...) essa visão romântica do comércio mundial assentava-se nos interstícios da
ideologia positivista de que Borges era portador, cuja tendência de ver o mundo era a
partir da moral da fraternidade universal.102

Teoricamente concebida esta postura frente à realidade econômica,


isto transposto para a prática revelava-se utópico, pois as grandes em
presas, superiores tecnológica e financeiramente, com amplo domínio
de mercado, haveriam de liquidar as mais modestas e estabeiecer uma
verdadeira situação monopoiista. Reflexionavam a este respeito os
representantes do poder constituído:
Certamente, há exagero sensível em fazer da livre concorrência o único regulador da
ordem econômica, considerando as suas vantagens sem examinar os inconvenientes
entre os quais prepondera, justamente como uma de suas principais conseiqQèncias, o
surto dos "trusts" que ê, afinal, a vitória pela livre concorrênccia, do mais forte sobre o
fraco, do grande sobre o pequeno, de modo a ficar senhor exclusivo do terreno a explorar
(...) Os abusos da concorrência levam ao "trust" industrial, comercial e financeiro,
fazendo desaparecer as pequenas indústrias e o pequeno comércio que são a força das
nações (...) Temos todavia de convir (...) que ê impossível armar-se com todas as peças
uma organização ampliada de estabelecimentos frigoríficos sem o concurso estrangeiro,
do capital, da técnica e da especialidade própria ã direção duma tal indústria. Desarra-
zoados seríamos se impedíssemos indústrias com capitais estrangeiros no Estado ou
simplesmente lhe criássemos dificuldades quando elas, com tõdos os males que
podiam fazer, vem impulsionar o progresso rio-grandense, parecendo até uma veleidade
pueril pretendermos ter encontrado o processo, que nenhum povo ainda descobriu, de
impedir que os grandes capitais possam fazer sacrifícios momentâneos, vender até
perdendo (...jdurante certo tempo, de modo que outros estabelecimentos concorrentes
não possam suportar os mesmos sacrifícios e fiquem arruinados (...) A conclusão
impóe-se: ê mister moderar, limitar a concorrência de maneira a lhe reprimir os abusos,
não só os abusos contra o indivídup mas contra a sociedade. É sobre este ponto de vista
que sobra margem para o Estado intervir. No caso em questão, o Governo do Rio Grande
do Sul, com o alto critério que sempre o notabilizou, não poderia conceder privilégio nem
a estabelecimento frigorífico estrangeiro, nem a um nacional. Isto seria uma intervenção
exagerada e taivez mais prejudicial aos interesses da coletividade do que uma interven
ção insuficiente.103
Volta-se, aqui, ao princípio positivista da função técnica do Estado,
de orientar o processo econômico, administrar, bem como reprimir os
abusos do capital, proteger o trabalho, regular as relações entre ambos,
verificar para que o capital cumpra o seu destino social de reverter à
comunidade de onde se originou.
^02(viyn_5R Geraldo. Periferia e dependência nacional. Sào Paulo, USP, 1972. p. 108. (Dissertação demestrado
em Sociologia)

^^^RELATÔRIO da Comissão de Orçamento, op. cit,. nota 101, p. 130.

127
No caso em questão, a aplicação da forma capitalista de produção
na economia pecuária implicava na aceitação do recurso estrangeiro.
Cabia ao Estado cuidar para que o capitai alienígena não se tornasse
monopolista, prejudicando os interesses da sociedade como um todo
em benefício das perspectivas de lucro do trust.
Aparece aqui o papei do Estado de coibir os excessos, intervindo
mesmo se preciso fosse. Na medida, porém, em que procurava pro
movera instalação do frigorífico nacional, com recursos locais, o Estado
estava opondo uma barreira ao pretenso estabelecimento da situação de
monopólio pelos trusts estrangeiros.
O problema, aliás, que perturbava o Rio Grande do Sul, não è
específico da área, mas comum ás formações sociais periférico-depen-
dentes onde se gerava um capitalismo tardio, numa fase em que as na
ções hegemônicas já haviam passado para estágios de maior desenvoí-
vímento capitalista.
Especificamente, no momento em que o Rio Grande do Sul se
articulava, através de uma fração de ciasse interessada em montar uma
indústria frigorífica, as nações centrais já se achavam numa fase de
exportação de capitais para as zonas do globo onde se verificasse que a
implantação de frigoríficos revelaria uma alta lucratividade.
A região carecia de condições para levar adiante sozinha o proces
so; negar a entrada do capitai alienígena significava, ao mesmo tempo,
dar as costas á tecnologia.
O ideai seria, no pensamento do Governo gaúcho, contrabalançar
ao empreendimento estrangeiro um genuinamente nacional.
Aentrada do capital estrangeiro, contudo, inspirava preocupações,
na medida em que se tinha notíciasdos grandes lucrosauferidos pelas
empresas frigoríficas nas repúblicas vizinhas do Prata. Delfino Riet
apontava o problema nas páginas de A Federação:

Hàdois mssss publicamos vários artiQos, como último apsio aos nossoscoisgas
criadores, sobre a conveniência de reforçar capitai da "Companhia Frigorífica Rio
Grande". Nas aludidas pubicações, mencionávamos a reduçãodos preços por quilo em
pè, pagos pelosfrigoríficos do Prata, resultantes das combinações monopolizadores
destes estabelecimentos. A pouca ou nenhumaatenção dispensada às nossas manifes
taçõesautoriza-nos a suporque, noconceito da ciasse, exagerávamos a situação, tendo
comotábuadesalvação a perspectiva detrês grandes frigoríficos noEstado, sendoquiçá
o suficiente para garantir a valorização do nosso gado. Para confirmar o que então
dissemos, damos a seguir a notíciado balançodo ano p. findode alguns frigoríficos do
Prata, extraídode umjornaluruguaioque assim intitulou a notícia: "O Custo do Gado. A
ganância fabulosa do frigoríficos. Dados eloqüentes para os criadores". Vemos a
"Companhia Armour", que com umcapitai de 3.000.000 de pesos ouro, ganhou 672.463,-
49 pesos ouro. A "ia Bianca", com um capitai desembolsado de 1.500.000 pesos ouro,
teve de utilidade 1.520.901,26 pesos ouro. A "Companhia Swift", cujo capitai real è de
7.500.000, ganhou 2.758.945,35 pesos ouro. E, finalmente, o "Frigorífico Sansinena"

128
obteve, em 1916, lucros iíquidos no valor de 1.218,55 pesos ouro, pelos seus próprios
nagócios, e 490.800 por intervenção indireta e outros negócios.
Em outro número, o mesmo jornal, com o título "Os Frigoríficos e os Fazendeiros",
diz: "São indubitaveimente assombrosos os iucros líquidos obtidos durante o último ano
da guerra pelos frigoríficos de Montevidéu e La Piata. Como se terá observado (...) há
frigoríficos que, no ano aludido, lograram em utilidades uns, o total do capital de fundo,
e outros o dobro. Estamos pois diante de um surpreendente florescimento, quiçá, nunca
resgistrado nos anais do comércio dos países do Rio da Prata. É tanto mais inaudito o
fato quanto esse assombroso florescimento da indústria de carnes ocorre com estabe
lecimentos de recente data e em plena época de desastres financeiros. A que, antes de
tudo, se deve esta assombrosa prosperidade?
Não se pode vacilar um só momento a respeito.
Um rápido exame do assunto nos leva à conclusão que o portentoso enriquecimento
dos frigoríficos no Rio da Prata funda-se na exploração do fazendeiro e, por derivação
dos operários, seja na própria fábrica ou fora delas. As grandes greves destes dias é a
evidente comprovação do fato, como o são igualmente os constantes regateios que sofre
o preço dos gados, e com pretextos diversos, têm promovido, desde algum tempo, os
frigoríficos de ambas as capitais platinas.
(...) demos minuciosos detalhes da ganância e dos iucros desconcertantes que
tinham os frigoríficos de Buenos Aires e Montevidéu, provando matematicamente com a
infalível exatidão das cifras, que cada novilho produzia aos frigoríficos 80 pesos ouro de
lucro líquido. Aquilo tudo foi uma revelação. O segredo do negócio deixou de sê-lo, para
deixar às claras a verdade nua. Agora as somas obtidas em benefício pelos frigoríficos
vêm confirmar mais uma vez aquele acerto. Como o indicamos antes, a prosperidade dos
frigoríficos estriba-se na exploração do fazendeiro, a que a fábrica, tarde ou cedo, impõe
preço, usando para o caso de infinitos recursos, todos eles destinados a alarmar o
criador e desarmar-lhe as suas justas pretensões. Em geral, a diplomacia dos gere^ntes
dos frigoríficos recorre ao pânico da falta dos transportes, aos perigos de navegação, à
falta de pedidos da Europa e por fim, entre os muitos pretextos, ao abarrotamento dos
depósitos, donde resultado que, segundo as direções daqueles estabelecimentos, a
existência ultrapassa as necessidades e aguarda o transporte para o seu desafogo. O
fazendeiro termina cedendo. E se pretendia, por exemplo, 10 centésimos ouro por quilo
de carne de novilho, aceita 8 1 /2 ou 9". 10^
Face ao que acontecia no Prata, os pecuaristas passavam a ter
percepção dos riscos que corriam, e aos quais só poderiam opor a soli
dariedade de classes e a formação de uma empresa congênere nacional a
fim de impedir o monopólio total.
Na mesma linha de pensamento, pronunciava-se o Governo do
Estado na sua mensagem presidencial de 1917, quando referia a limi
tação do preço do gado, levada a efeito pelos frigoríficos estrangeiros,
bem como os seus Iucrose a exploração que se fazia sobre o criador
Ainda nesta linha de raciocínio, A Estância também apontava para
os lucros fabulosos dos frigoríficos, referindo que um deles obtivera,
para o ano de 1914, distribuindo o dividendo de 40% sobre as ações
ordinárias

104rieT. M.D. Frigoríficos. A Federação. Porto Alegre. 7 jul 1917. p.1.


^^^MENSAGEM presidencial de 1917. p. 71-2.
106rendAS de frigorificos - vantagens. A Estância, Porto Alegre (27):577, maio 1915.

129
Apesar de toda esta perspectiva da ação dos trusts, que privavam os
criadores e invernadores nacionais de iucrarem com os bons preços
oferecidos aos produtos frigorificados durante a guerra, ainda assim
mantinha-se uma grande esperança com o projeto regional, apesar da
escassez de capital. Referia o Correio do Povo as palavras d D. Riet,
grande defensor do frigorífico nacional:

o que a Argentina e o Uruguai, mais adiantados em pecuária, não puderam


conseguir, entre nós é uma realidade tangível; graças à feliz instituição de uma pequena
parte dos nossos colegas criadores, assim como o patriótico concurso do Governo
estadual. Há poucos dias, um distinto consórcio nos comunicou, com a devida reserva,
que, em vários municípios, alguns criadores censuravam o "Frigorífico Rio Grande",
devido ã insignificância do seu capital, ante o colosso dos norte-americanos. Tal
censura não pode ter sido feita pelos acionistas. De oito a dez mil criadores, se cada um
concorresse apenas com um conto de réis, os benefícios do frigorífico seriam auferidos
portodos. Infelizmente, não sucedeu assim: não fomos compreendidos devidamente. A
insignificância do nosso capital nada tem que ver com o colosso americano. Se ele tentar
guerrear-nos por meio de uma competência ruinosa, elevando o preço do gado, não
trabalharemos; entretanto, a nossa classe estará de felicitações por vender os seus
produtos por mais do que o seu valor real. Ao contrário, se o colosso quiser prosseguir
no monopólio posto em prática, há dois anos, no Prata, os acionistas do nosso
frigorífico terão para o seu gado preços equitativos, superiores, sem dúvida, aos do
colosso.

Torna-se necessário analisar, agora, como se deu a penetração no


Estado dos tais colossos estrangeiros no Rio Grande do Sul.

A origem da Armour prende-se ao grande afluxo de imigrantes que


se transportou aos Estados Unidos por ocasião da corrida do ouro nc
século XIX.

A concentração populacional na zona mineradora criou imediata


mente necessidades, gerando um mercado de consumo de relativas
proporções. Em 1867, chegava aos Estados Unidos Philip Danforth
Armour.

Ao invés de procurar ouro, a exemplo da maioria absoluta, estabeleceu-se com um


modesto açougue e passou a fornecer aos mineiros, bem como às respectivas com
panhias, carne e frios. Com o crescente desenvolvimento do negócio, procurou aumen
tar o montante das operações, bem como ampliar o seu raio de ação. Para concretizar tal
propósito, foi para Chicago que, pelo seu extraordinário desenvolvimento, prometia ser
um lugar com mais possibilidades doqueaCalifórnia, o que efetivamente aconteceu.^08

^^^RIET, D.M. Os novilhos e os frigoríficos. Correio do Povo, Porto Alegre, 3 abr. 1917. p.l.
^^PIMENTEL, op. cit-, nota 95, p. 201.

130
Após fundar em Chicago um pequeno matadouro, Philip Armour
construiu, em 1874, a primeira câmara frigorífica. Surgiu por esta época
a marca Armour Star, conceituada no mercado pela sua qualidade. Ver
dadeiro self made-man.
(...) construiu novas fábricas no sistema de sociedade por ações e racionaiizou o
sistema de operações, passando a tirar do porco e do boi o máximo de rendimento.'•09
Aos poucos, a Companhia Armour, com sede em Chicago, foi se
especializando no fornecimento do mercado interno americano,
aperfeiçoando cada vez mais a sua tecnologia. Chigago, centro de
encontro das mais importantes vias férreas, foi o ponto por excelência
onde se concentraram os frigoríficos que iriam constituir o Beef-Trust.
Para Chicago convergiam, os rebanhos de todas as zonas de criação nos
Estados Unidos e de lá era distribuída toda produção frigorifiçada para o
mercado consumidor interno. Quando se abasteceu o mercado america
no e começaram a escassear as reservas de gado yankee, surgiu a
oportunidade de suprir o mercado europeu. Para tanto, partiu a Armour
em busca de expansão para as zonas criadoras de gado onde melhor
pudesse aplicar seus capitais. Na região do Prata, a Armot/r estabeleceu
subsidiárias na Argentina e no Uruguai. Em 1917, penetrava no Rio
Grande do Sul. O arquivo da Prefeitura Municipal de Livramento refere o
seguinte:

Em 27 de fevereiro de 1917, a"Companhla Armour do Brasil" adquiriu oestabeleci


mento saiadeiril pertencente à firma "Anaya e Irigoyen". A19 de juntio
constituiu-se acompanhia, com ocapital de Cr#...2.000.000.00. Emse e no em
companhia já tinha, até então, empregado Cr$ 9.500,00, sendo que Cri 7.000,000,00 ern
imóveis, casas, campos, frigorífico em construção, fábrica de conservas, et
restante em máquinas e diversas outras instalações.'''*®
A Charqueada Santana, comprada pela Armour em fevereiro de
1917, ocupava uma área correspondente a seis quadras de sesmaria, no
local denominado Rincão da Carolina. Além da charqueada, o estabele
cimento compreendia uma fábrica de sabão, velas e línguas enlatadas.
Quando se constituiu a companhia, em junho de 1917, começou a
Armour a operar como charqueada, enquanto os estabelecimentos não
ficavam prontos.
Duranteos anos de 1918e 1919,fabricou carne conservada, passan
do, em janeiro de 1920, a exportar carne congelada.
Na sua mensagem de 1917, Borges de Medeiros assim se refere.

^®^ESBOÇO HISTÓRICO; local, oriâem e data da fundação, IN: Arquivo da Swift-Armour S.A Indústria e
Comércio, Santana do Livramento.
IIOPIMENTEL, op. cil., nota 95, p. 201

131
A "Companhia Armour do Brasil", tendo adquirido a "Charqueada Irigoyen" em
Livramento, tranforma-la-á em frigorífico, para o que estão sendo construídos os
edifícios destinados à congelação e refrigeração de carnes, com capacidade para uma
matança diária de 800 reses,e uma fábrica de carnes em conserva, com capacidade para a
matança diária de 400 cabeças. Serão ainda instaladas, em edifícios próprios, fábricas de
sabão, de línguas, de classificação de gorduras, de preparação de miúdos, de óleos
animais, etc. Todas as instalações, inclusive maquinismos, estão orçadas em um
milhão e qüinhenta.s mil libras e ficarão concluídas definitivamente dentro de cinco
anos. Os vagões frigoríficos serão de propriedade da companhia, que pretende dispen-
der nessa aquisição até e.OOOiOOOSOOO.I
Lamentando que o empreendimento da Armour não houvesse esco
lhido a municipalidade de Rio Grande para o seu estabelecimento, o
jornal Echos do Sul se pronunciava, em maio de 1917:
Um dos diretores do frigorífico, Sr. Pedro Irigoyen, disse ser aquele o único
município do Estado em que um estabelecimento daquele gênero pode encontrar todas
as vantagens de que carece, pois é o centro dos melhores municípios produtores de gado
adaptável á refrigeração de carnes — Bagè, D. Pedrito, Quaraí e Uruguaiana, além do
próprio município de Livramento que em nada fica inferior àqueles. Esses municípios,
classificou-se os Sr. Irigoyen em primeira classe, ficando em segunda os de Pelotas,
Alegrete, S. Gabriel, Rosário e Itaqui, e, depois,em terceiro, os de Rio Grande e outros

As modificações efetuadas no "Saladeiro Irigoyen" para a sua adaptação ao


frigorífico ficarão terminadas durante este ano (...) as despesas estão orçadas em ...
7.500.000 dólares, ou seja, cerca de 28.500 contos ao câmbio atual. O pessoal do
saladeiro será todo aproveitado no frigorífico. ^
O Frigorífico Livramento seria, pela sua proprietária, a Companhia
Armour do Brasil, constituído em sociedade anônima, tendo por sede
Santana. Referia o jornal Echos do Sul:
o principal fim da sociedade é a exploração do negócio de carnes e tudo quanto se
relacione com esse ramo, inclusive a criação de gado. Tratará, também, da exploração de
curtumes, lavagemde lã, etc. (...) estabelecerá frigoríficos adequados, fábricas, depósi
tos, trapiches e toda classe de instalações industriais relativas à exploração de diversos
ramos de pecuária e agricultura, realizando as construções que julgar necessárias e
úteis. Funcionará (...) uma grande fábrica de carnes enlatadas (...) uma fábrica de sabão
(...) fábricas de línguas em conservas, de classificação de gorduras, de preparação de
miúdos e de caixas (...) haverá uma grande fábrica de óleos animais. Todo o maquinismo
do estabelecimento será movido a eletricidade, para cujo serviço se empregará exclusi
vamente o carvão de pedra nacional, tendo-se já feito contrato com as empresas de
minas do Estado para o fornecimento do precioso artigo durante o prazo de dois
anos.'' 13
Estabelecida na fronteira, a companhia começou a exportar seus
produtos para Montevidéu, daí seguindo os mesmos para os mercados
internacionais. Maistarde, realizaria uma iigaçào com o ramal Livramen-
to-Cacequi da VFRGS.
111
MENSAGEM presidencial de 1917. p. 73-4.
^^^0 FRIGORÍFICO de Livramento - e lembramos queaqui assim podia ser.Echos do Suf, Rio Grande, 23 maio
1917. p. 1.
1130 FRIGORÍFICO de Livramento. Echos do Sul, Rio Grande, 6 jun. 1917. p. 1

132
Segundo a justificativa da própria companhia, o motivo da localiza
ção do frigorífico em Livramento teria sido a facilidade de aquisição de
matéria-prima na zona da fronteira e o escoamento da produção por
Montevidéu, através da Ferrocarril Central dei Uruguay-^'^^
Um pouco depois de constituidaasociedade, em4cle julho de1917,
coincidindo com a data da Independência Americana, foi realizada uma
festa nos salões do Clube Comercial de Livramento, na qual a C/a.
Armour foi apresentada à sociedade local. No decorrer da mesma, o
diretor geral do Frigorífico Livramento, Mr. Hamford Finney, usou da
palavra. Seu discurso é rico em intenções e significados para a compre
ensão das táticas usadas pelas companhias estrangeiras na sua penetra
ção latino-americana:
(...) A união do Brasil com os Estados Unidos da Américado Norte è uma combina
ção que produzirá uma força e unidade de ações tais, sob o ponto de vista financeiro,
moral e industrial, que bem se avantajarào a qualquer outra combinação de idêntico
caráter no Hemisfério do Ocidente (...) É propósito da "Companhia Armour do Brasil"
fazerainda com que este frigorífico seja o maiordo vosso grandiosopaís. Eo únicolimite
que lhe será dado ao dispèndio de capitais na costrução das edificações para esse
estabelecimento, estará na quantidade de gado bovinosuíno e ovelhumque pudesse
fornecer para serem abatidos.
Quanto ao transporte de seus produtos paratodos os pontos da terra providenciará a
"Companhia Armourdo Brasil". O senhor Armour, que foi o fundador e é o engenheiro
chefe e grande orientador de nossa companhia, tem reafirmado constantemente, nestes
três últimos meses, que o mundo clamarápelos nossos produtose que tão patriota é o
homem que vai para as trincheiras batalhar com a sua carabina, quanto o é aquele que
dali se acha retirado, produzindo alimentos para prover subsistência, a fim de que não
lhes faltem forças para disparar sua arma (...)
Um frigorífico não ê uma instituição filantrópica. Trabalhamos, é verdade, para
ganhar dinheiro. Mas temos verificado, em nada menos de 60 anos de existência, que
não podemos conseguir esse "desideratum" no lugar onde o povo não é próspero.
Portanto, a orientação da "Companhia Armour',' em qualquer meio onde se estabeleça
(...) é querer queo mesmo prospere também, sendo que de qualquer modo, dentro dos
limites do possível, a companhia contribuirá com os seus esforços para a realização
desse objetivo.
A"Companhia Armour" vos proporciona os mercados do mundo. Os produtos de
Santana não serão enviados apenas para os Estados Unidos, para a Argentina e para o
Uruguai, mas para a França, também, e para a Inglaterra e mesmo para a Alemanha, uma
vez terminada a guerra (...) É que a "Companhia Armour" fornecerá os vapores para o
transportadas manufaturas dos gados bovinos e porcinos que lhe forem vendidos por
vós. Eis, pois, como a "Cia. Armour" se torna um elemento de valor para qualquer
comunidade. ,
(...) Resta-me agora dirigir a palavra aos senhores e senhoras da 'Companhia
Armour". Sois, por ora, um conjunto reduzido, um décimo apenas do que será a vossa
agremiação ao cabode um ano. Mas o único meio que há neste mundo de se consegu r o
êxito dequalquer organização política mesmo, éa união. E isto está em serdes leais aos
vossos chefes, dedicados aovosso trabalho, fazendo tudo oque estiver em vós, sempre
que fordes chamados (...) lembrando-vos finalmente e sempre, que todos vos, se
trabalhardes para a "Companhia Armour" com dedicação, com lealdade, com persisten-
^^"^ESBOCO HISTÓRICO, op.. nota 109.

133
cia, havels de receber a devida recompensa, apenas seja apurado o vosso merecimento.
Lembrai-vos que a "Companhia Armour do Brasii" progride continuamente e tende
sempre presente na imaginação a soma de capitais que ela pode depender, a fim de
proporcionarvantagens que agradem a todos, no futuro (...) Ê meu desejo que o pessoal
todo desta companhia disponha de um belo lugar para a sua morada e que todos tenham
um centro para diversões. Providenciaremos a fim de que tudo se realize, não deixando
de gastar dinheiro necessário, mas è necessário que me auxilieis (...) sendo leais,
conservando-vos unidos, lutando sempre por este fim: — o êxito da "Companhia
Armour" no Brasii.
Constate-se aqui a política de boa vizinhança, procurando conquis
tar a confiança dos criadores locais, inspirando fé no trabalho da com
panhia, toda ela voltada para a comunidade, com boas intenções que vão
desde o enriquecimento dos pecuaristas até casa e diversão para os
funcionários da empresa. È importante que se note o desejo de fazer o
fazendeiro local sentir-se participante de uma empresa capitalista em
ascensão, co-autor da grandeza da Armour.
Quanto à atuação da Companhia Armour, recém-instalada, o 3°
Congresso Rural de Santa Maria, realizado em maio de 1918, fez duas
referências ao seu desempenho. No que diz respeito ao debate da tese
sobre o desenvolvimento das criações ovina e suína, no estado, João de
Souza Mascarenhas apresentou a seguinte conclusão, aprovada pela
Assembléia:
o Congresso aconselha a criação de porcos na maior escala possível e louva o ato da
"Companhia Armour do Brasil", introduzindo no Estado as raças Pollands-China e Duroc
Jersey puro sangue.^^®
Mais adiante, Mascarenhas se pronunciaria novamente, sendo tam
bém sua indicação aprovada.
o Congresso aconselhaa introdução, nos rodeios, de reprodutores puro-sangue, e
tendo conhecimento de que a "Companhia Armour" pretende introduzir no Estado, em
larga escala, reprodutores bovinos para vender aos criadores, a preços de custo, faz
votos para que essa companhia leve a efeito o seu louvável intento.117

Verifica-se o fato de a companhia se achar interessada no refinan


ciamento do gado gaúcho, tendo em vista a qualidade do produto
exportado com a marca Armour. No caso do Rio Grande do Sul, o
processo de seleção achava-se em andamento, embora não completo de
todo. Da mesma forma que a seleção e o cruzamento, começavam a se
fazer sentir os efeitos do maior cuidado com a higiene e a saúde dos
animais, como atestam a presença de banheiros carrapaticidas pelo

1917 nascia a Armour. A Platéia e a Folha Popular, Santana do Livramento, 1974. Suplemento especial.
TERCEIRO Congresso Rural de Santa Maria. Correio do Povo. Porto Alegre, 26 maios 1918. p. 9

117,,
Ibidem.

134
Estado, que atingiam 291 parao gado bovino noanode1917, contando o
município de Bagé com o maior número. Para o gado ovino, o número
atingia a 96 para o mesmo ano"®
Em entrevista concedida ao Correio do Povo no fim do ano de 1917,
Dmesmo Mr. Hamford Finney, aqui referido como presidente da C/a Ar-
mour na América do Sul, referia-se à expansão das atividades da compa-
ntiia na Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile e no Brasil acha
vam em construção doisfrigoríficos: um em São Paulo e outro enSanta
na. Este último ficava como sede da Companhia Armour do Brasil,
embora ofrigorífico que estivesse sendo construído em São Paulo tives
se maiores proporções, como, por exemplo, acapacidade de abate diârio
de2.500 cabeças degado vacum eS.OOO suínos, estando jáavaliados em
4milhões dedólares. Quanto ao frigorífico de Santaria do Livramento, ja
haviam sido empregados dois milhões e meio de dólares. Ofrigorífico
trabalhava já há um ano e meio em fabricação de charque e conserva^
até o momento em que as instalações estivessem completas. A
capacidade de abate era de 500 bois; para logo depois que fossem
terminadas as obras, a matança diária seriade1.200 bois, porcos e tan
tos carneiros quantos pudesse comprar, utilizando como mão-de-obra
cerca de 2.500 operários. Referia ainda Finney:
—Até hoje (...) em vista das vantagens oferecidas pelo Governo e pela estrada
central do Uruguai, a "Armour" exporta seus produtos via Montevideo. Mas desdequeo
Governo do Estado do Rio Grande do Sul e a estrada de ferro ofereçam as niesmas
vantagens, a "Companhia Armour" teráo maior prazer em exportar sua produção pelo
porto doRio Grande, fomentando, destamaneira, a riquezae o desenvolvimento dopais,
pois è sistema da companhia dar preferência ao pais em que trabalha, usar dos meios
queelepode oferecer, querestes meios sejam a mão-de-obra, o transporte, ou materiais
de construção, etc.f 19
Quanto à refrència feita à mão-de-obra, é evidente que, fora a dos
técnicos especializados, o frigorífico utilizava a força de trabalho local,
de muito mais baixo custo. Aliás, a baixa remuneração do trabalho era
umadas fontes de lucro dos frigoríficos nas áreas dependentes. Quanto
ao problema dos transportes, também está claro de concluir que o
frigorífico operaria onde lhe fosse menor o custo de produção, e isto
implicava, é claro, no barateamento dos fretes e rapidez dos transportes.
Mais adiante na entrevista, Finney dizia:
Apesar de não fazer parte doseuprograma denegócios, a"CompanhiaArmour" está
introduzindo gado vacum e suino de puro sangue, dos Estados Unidos e Inglaterra, para
reprodução e vendendo-os aos criadores a preço decusto, para conseguir o aperfeiçoa
mento da raça crioula.1^*^
^^®RELATÔRIO da Repartição de Estatistica. Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior do Estado do Rio
Graníde cJo Sul. 1917. p. 287.

INDUSTRIA frigorífica no Rio Grande. Correio do Povo, Porto Alegre, 12 set. 1918. P- 1
^^^Ibidem.

135
Confirma-se, aqui, peias palavras do presidente da companhia, a
preocupação da mesma com o refinamento do rebanho, já referido
anteriormente no Congresso de Santa Maria, de maio de 1918.
Em 1918, na sua mensagem à Assembléia dos Representantes do
estado, Borges de Medeiros daria notícias do andamento do frigorífico
da Armour, de Livramento:
Está produzindo por enquanto charque, carnes em conservas, línguas em conserva,
graxa, sabão, extrato de carne. São abatidas por mês 5.000 reses, mais ou menos. A
companhia já tem realizado ali o capital fixo de 9.500 contos, que espera elevar
gradualmente até 19.000 contos, depois de concluídas todas as instalações.
Mantém atualmente 1.380 operários, dos quais 50% são brasileiros, 40% uruguaios
e 10% argentinos, norte-americanos, italianos e ingleses.121
Note-se aqui a predominância da força de trabalho da fronteira
brasiieiro-uruguaia, enquanto que a pequena fração de norte-america
nos e ingleses pertencem ao contingente técnico.
Em fins de 1918, a Companhia Armour do Brasil transferiu sua sede
para São Paulo, onde fora instalado o novo frigorífico da companhia:
Frigorífico São Paulo. Deixou as obras do frigorífico sulino para a sua
filial.
Em 13 de novembro de 1919, realizou-se a Primeira Assembléia
Geral de constituição de uma nova sociedade anônima: a Companhia
Armour do Rio Grande do Sul, estando presentes todos os sócios
fundadores, a saber: Mr. T.E. Park. Mr. J.A. Tucker, Mr. F.W. Lyman,
Mr, E. McCauley, Mr. E. M. MonroeeMr. C.M. Wesver, mais a Compa-
nhia Financeira e industriai, com sede em Montevidéu, cada um
subscritor de uma ação. O oitavo subscritor era a Companfi/a Armour do
BrasilS. A., dona de 3.993 ações, com o que se integraiizava o capitai da
companhia, ao todo 4.000 ações de um conto de réis cada.
A quota da Companhia Armour do Brasil estava constituída
de bens, entre charqueadas, chácaras, campos, maquinarias, fábricas
de conservas, fazendas de criação e cultura, etc. 122
A companhia assim constituída era uma sociedade anônima, que
deveria ter por finalidade, segundo seus estatutos, realizar a exploração
de carne em geral, compreendendo preparação, compra, venda, revenda
e exportação dos produtos, criação de gado em pé e abatido, além de
explorar indústrias correlatas.
Com sede em Santana do Livramento, a companhia tinha a faculda
de de operar no Brasil e no estrangeiro, estabelecendo sucursais onde
lhe interessassel^^
^21 mensagem presidencial de 1919. p.48.
'22ata n° 1, de 13 nov 1919 IN Livro de Atos do Assenihléio Gero! dos Acionislos (19'9 '9431 Arpuivo da
Swift-Armour S A Indúslri.i e Comf^rno, SfífiIrfUrf do Livrrirnf?rt|o

^23ata n° 2. de 17 nov 1019 IN Livro de Aios dd Assenihléid Gera! dos Acionistas (10'9 '943) Arquivo du
Swift-Armcur S A indúslria e Conióirio, Sarti<in,i do 1ivonienic

136
Empresa subsidiária de uma indústria estrangeira, cuja matriz era
Chicago, a Companhia Armourdo Rio Grande do Sui Wgava-se à Armour
do Brasil S.A., com sede em São Paulo, e ao núcleo da Argentina e do
Uruguai. A Companhia Financeira e Industriai de Montevidéu, por sua
vez, facilitava a entrada de equipamento. Era uma empresa filiada ao
grupo que tinha, na época, o controle do fornecimento de materiais para
a América do Sul.
Quanto às ligações com o Prata, foi conferida à Sociedade anônima
C/a. Armour do Uruguai o direito de representar a C/a. Armour do Rio
Grande do Sul em Montevidéu, para tratar de todos os seus negócios,
celebrar contratos de compra e venda de material, operações bancárias e
outros convênios de interesse daempresaJ24
Dentre os seus diretores, todos eles acionistas da companhia, dois
residiam em Livramento (Tuckere Park), enquanto que Lyman, McCau-
ley e Monroe em Buenos Aires, todos referidos como industriais.
Pelo Decreto n° 13.925, de 17 de dezembro de 1919, o presidente da
República na época, Epitácio Pessoa, concedia autorização para a
companhia funcionar com os estatutos que apresentara 1^5
No ano seguinte, a Armour se veria diante da necessidade de
promover o aumento do seu capital:
Em reunião de Diretoria realizada no dia 13 de junho de 1920, conforme ata n° 4,
deliberou-se convocar uma Assembléia Gerai Extraordinária de acionistas para tratar de
aumentar o capital da sociedade, devido à insuficiência do capitai inicial para atender às
vultosas despesas com a aquisição de maquinarias, materiais importados, etc. 126
O volume dos negócios da empresa, o grande desenvolvimento das
obras e instalações do frigorífico, aliados às perspectivas de uma boa
safra que se avizinhava, levavam à proposição de aumentar o capital da
companhia. A insuficiência de recursos já mostrara a necessidade de
recorrer a um empréstimo no valor de 36.000:000$000 (trinta e seis mil
contos de réis) concedido pela Cia. Financeira e industrial. A proposta
aceita foi de que o aumento de capital deveria ser exatamente este que
levou à operação de crédito, ficando com isso o capital social da firma
elevado a 40.000:000$000 (quarenta mil contos de réis).
Sugeria ainda a diretoria que
(...) omelhor meio de realizar o mesmo aumento seria ode transformar a própria
credora da sociedade, isto e, a "Cia Financeira eIndustrial" em acionista pois assim
ficaria, com um ato so. e de modo rápido e fácil, paga a divida da sociedade.127
Note-se como na realidade atuava o grande complexo econômico
financeiro de uma das quatro grandes companhias do grupo de Chicago
Ar<.u,vodaSw,., A,r.ou,S Aln.úsu."e
^^^DECRETO n° 13 925' de 17 dez. 1919, da presidência da República dos Estados Unidos do Brasil. IN: Arquivo da
g^jfl-Armour S.A. Industria e Comercio, Santana do Livramento.
^^^ESCORCO histórico da firma desde asua fundaçàoaté apresente data. IN: Arquivo da Swift-Armour SAIn-
(jústria e Comércio, Santana do Livramento.
127ATAnM,de 13jun 1920 Livro de Atas da Diretoria (1020 1043) Arquivo da Swif! Armour S A Int^ústria p
Comércio, Santana do Livramento
137
Inúmeras empresas associadas realizavam transferência de ações e
capital conforme as conveniências e necessidades, a fim de que melhor
se operacionalizasse o funcionamento da empresa.
Examinem-se, a seguir, alguns dados:^^®

MATANÇAS DO FROGORlFICO ARMOUR DO RIOGRANDE DOSUL,


DESDE A SUA FUNDAÇÃO EM1917 ATÉ1920
NÚMERO DE CABEÇAS

Anos Novilhos Vacas Terneiros Gado de cria Bovinos

1917 30.497 5.475 9 —


35.891
1918 45.391 3.215 — —
48.606
1919 25.291 1.784 — —
27.075
1920 36.957 323 — —
37.280
1921 73.257 222 — — 73.479

Nota-se que houve, em 1919, uma queda do abate no frigorífico que,


a julgar pelas atas da diretoria e das assembléias, deveu-se à necessida
de de concentrar o capital para expansão da companhia: instalações,
maquinaria, etc., pois, juntamente para o ano de 1920, a companhia
preparava-se para começar a exportar carne congelada. Provavelmente, a
concentração de capital em bens de produção deve ter ocasionado um
certa falta de capital de giro, ou seja, aquele necessário para a compra do
gado. É uma conclusão a que se chega face aos dados coletados e
conjugados paraa análise deste momento determinado. Realizando-se
o aumento de capital pretendido, a companhia retomou o nível de
crescimento do abate.
Um outro importante grupo estabelecido no RioGrande do Sul e que
integrava o conjunto The Big Four de Chicago foi a Swift.
O início da companhia lembra um pouco o da sua similar, a
Armour. Gustavo Swift, o fundador, também imigrante, estabeleceu um
açougue em Boston, em 1839. Tendo em vista as perspectivas de
fornecimento do mercado interno americano, posteriormente transferiu-
se para Chicago, onde estabeleceu um frigorífico, que viria a se consti
tuir numa das maiores potências da indústria de carne no mundo,
operando nos Estados Unidos e no Prata.
À este respeito, pronunciava-se Borges de Medeiros, na sua men
sagem presidencial de 1917:

^^^PIMENTEL, op, cit., nota 95, p. 203.

138
(...)as iniciativas mais importantes, em começo de execução, são indubitavelmente
as que se relacionam com a fundação de dois grandes frigoríficos no porto do Rio Grande
e em Santana do Livramento. Aquele é o que está construindo a "Companhia Swift do
Brasil", fundada no Maine, Estados Unidos, com o capitai de 500.000 dólares (cerca de 2
mil contos, papei) e autorizada a funcionar nesta República por Decreto n° 12.411, de 7
março do corrente ano. Por decreto n° 19.492, de 31 de maio último, o Governo federal
autorizou a "Compagnie Française du Port du Rio Grande do Sul" a vender a "Companhia
Swift do Brasil" terrenos junto ao porto, tendo de superfície 23 hectares, ao preço
mínimo de 24 dólares ouro, por hectare, e a arrendar-lhes as marinhas e acrescidos ao
preço mínimo de mil dólares ouro por ano e por hectare, bem como o atuai armazém de
inflamàveis e respectivo trapiche. Obrigou-se também a "Companhia Swift" a pagar a
muita de cem mil dólares ouro, se não estiver com seus estabelecimentos industriais em
plena operação comerciai. É fácil imaginaro que será este frigorífico, quando se sabe
que a empresa "Swift" possui poderosos estabelecimentos na América do Norte e no
Prata. 129

Tendo por sede a cidade de Rio Grande, a Companhia Swift do Brasii


foi organizada em julho de 1917, programada para abater 1.000 reses por
dia e industrializar os produtos e subprodutos bovinos, congelados e
resfriados, onde poderiam trabalhar cerca de 1.800 operários.
A construção foi iniciada em princípios de 1917 e ficou inteiramente terminada para
o começo das matanças em 19 de setembro de 1918, data em que foram as mesmas
iniciadas com reais vantagens á pecuária do Rio Grande do Sul (...) O frigorífico começou
a conservar carnes em 19 de setembro de 1918 e a frigorificar em 17 de janeiro de 1919. ^

Dela diria Borges de Medeiros, em sua mensagem de 1918:

Espera inaugurar brevementeas suas grandes Instalações, começadas em meados


do ano passado. Nas obras atuais, tem empregados 900 operários, dos quais 95%
brasileiros e os restantes de várias nacionalidades.''31

Adquirindo terreno em Rio Grande, a companhia construiu um cais


próprio junto ao porto. O frigorífico adquiria gado do litoral, da zona de
Santa Vitória do Palmar, e também da campanha, especialmente do
município de Bagè.
Entre os anos de 1918 e 1921, a Companhia Swift do Brasii, de Rio
Grande, apresentou os seguintes dados de abate:^^^

129
MENSAGEM presidencial de 1917. p. 73.
130
PIMENTEL, op. cit., nota 95, p. 194-5.
131
MENSAGEM presidencial de 1918. p. 48
132
PIMENTEL, op. cit., nota 95, p. 195.

139
GADO ABATIDO NA COMPANHIA SWIFT DO BRASIL 8.A.
RIOGRANDE
NÚMERO DO CABEÇAS

Anos Frio e Conserva


Bovinos

1918 4.145
1919 64.512
1920 62.890
1921 50.781

ASwift não se limitou a um estabelecimento só no Estado, mas


montou em Rosário um outro estabelecimento, ao qual o presidente
Borges de Medeiros se referiria na mensagem à Assembléia dos Re
presentantes, em 20 de setembro de 1918:
Prepara atualmente só carnes em conserva, abatendo por dia 600 cabeças de gado
vacum, que produzem 25 mil latas de6 libras de carne, cada uma. Tem 1.500 empregados,
dos quais 85% brasileiros, 5,1 % uruguaios, 5% argentinos, 2% italianos, 2% ingleses e
1,2% norte-americanos. (SIC)133

Ainda mais um frigorífico estrangeiro se instalaria no Rio Grande do


Sul: a C/a, Wilson, que iniciou, em 15 de outubro de 1918, a funcionar em
Livramento, transformando a charqueada que era de propriedade da
Sociedade Industrial e Pastoril para a produção de carnes conservadas e
produtos anexos.
Em entrevista concedida ao Correio do Povo em outubro de 1919, o
Sr. 0'Reilly, contador do frigorífico Wilson, mostrara-se interessado na
proliferação de raças selecionadas no Estado, em especial o tipo Here-
ford. Prestando declarações sobre a companfiia, disse que o estabele
cimento era de propriedade de Wilson and Company Incorporation,
com sede nos Estados Unidos, onde funcionavam sob a sua direção 36
frigoríficos. Na América do Sul possuíam três estabelecimentos: em
Osasco, Buenos Aires e Livramento, mantendo sucursais na Inglaterra,
França e Itália.
A Companhia Wilson, tal como a Armour, exportava por Montevi
déu, face ás facilidades oferecidas pelo Uruguai, por um lado, e às
deficiências do sistema ferroviário gaúcho, por outro.''3'*
Em 1919, referia o presidente do Estado, a Companhia Wilson
possuía já um pequeno frigorífico e se preparava para completar as suas
instalações)^^
133
MENSAGEM presidencial de 1918. p. 48.
134
A PECUÁRIA rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre, 17 out 1919 p 5.
135
MENSAGEM presidencial de 1919. p. 59.

140
A partir da instalação dos frigoríficos estrangeiros, pode ser acom
panhada a evolução da economia pecuária do estado através dos dados
fornecidos pelas mensagens presidenciais. Constata-se, em primeiro
lugar, a valorização do rebanho, que foi acompanhada pela valorização
dos campos.

A leitura deste quadro nos dá uma idéia nítida de tal aumento:

Anos N° de cabeças Valorem contos

1908 10.809.343 261.614:0003000


1909 10.943.298 296.030:0643000
1910 12.149.593 343.715:3393000
1911 12.681.416 399.641:2353000
1912 13.511.072 487.887.4513000
1913 14.315.915 565.163.0003000
1914 16.145.037 709.864.0003000
1915 16.696.923 763.800.0003000
1916 17.762.410 834.189:0003000
1917 19.281.800 1.151.229:0003000
1918 19.879.000 1.190.668:9003000

A população ovina era, em 1917, de 8.443.400 cabeças e, em 1918, de 8.669.000,


respectivamente, no valor de 815.230:000$000 e 843.170:0003000. Nos mesmos anos, a
população eqüina era dei .407.600 e 1.433.600 cabeças, nos valores de 81.300:0003000 e
83.771:0003000; a muar, de 351,900 e 359.800, avaliada em 37.432:0003000 e 39.183:
0003000; a ovina, de 4.604.000 e 4.723.700, avaliada e, 86.440:5003000 e 88.950:
5003000; a caprina, de 138.900 e 140.300, no valor de 1.276:8003000 e 1.369.4003000.
A estatística do gado suíno acusa um aumento de 216.000 cabeças, pois, em 1917,
era de 4.336.000 e, em 1918, de 4.552,600. Quanto ao valor, o aumento foi de 4.675:000
$000, ou seja, 134,225:0003000 em 1918 sobre 129.550:0003000 em 1971. À utilização
dessa espécie de gado a instalação dos frigoríficos veio proporcionar, também, novas e
mais lucrativasvantagens. Naturalmente, maiorainda será daqui pordiante a proporção
do aumento do respectivo valor, não só correspondendo, como até aqui, ao crescimento
das manadas e às oscilações dos mercados de banha, mas também à influênciade sua
novaapiicação industrial. Avalorização do porcotende, pois, a se desenvolver cada vez
mais, e é de desejar e aconselhar que a sua criação seja ampliada e melhorada com o
emprego de reprodutores finos, de raças que vantajosamente se adptem ao Estado e
propagadas pelos próprios frigoríficos.

141
A mesma observação tem cabimento quanto ao gado ovino, que até agora fornecia
de preferência a ià e doravante se destinará a produzir mais carne do que lã.
Não há propaganda mais persuasiva nem ação mais prática e eficaz estimular e
acelerar o refinamento do gado de corte, maior e menor, do que aqueias que exercem os
próprios frigoríficos por meio da severa seleção na qualidade e peso dos animais
entradas nos seus matadouros e peios quais, em compensação, não regateiam os preços
mais aitos e mais remuneradores. Em geral, o tipo de novilho para frigorífico è o de raça
Durham, Hereford e Polied Angus, puro ou de alta mestiçagem (...) Hoje que a indústria
do frio já se instalou entre nós, com tendência a radicar-se e desenvolver-se soberba-
mente, o que nos cumpre e urge fazer ê imitar o maravilhoso exemplo da Argentina e
dotar a nossa pecuária de todos os aperfeiçoamentos de que ê suscetível, nem só
curando e cruzando o gado, como também melhorando os campos.
Nesse sentido ê possível aproveitar melhoras pastagens naturais e criar prados ou
campos de aifafas ou de outras plantas forrageiras. É necessário, concomitantemente,
acelerar o cruzamento do gado nativo com reprodutores dos tipos preferidos pelos
frigoríficos, quer em relação aos bovinos, quer quanto aos ovinos e suínos.
O futuro pertence sem dúvida à indústria do frio e para ele devemos caminhar com
previdência e segurança.!36

Como reflexo imediato, a introdução das empresas estrangeiras


propriciara a valorização de gados e terras, além do refinamento da raça e
a oportunidade de dar novos destinos ao rebanho ovino, que passava a
tera sua carne industrializada. Quanto à atuação dos frigoríficos sobre o
aperfeiçoamento da criação, o interesse maior era da própria empresa
estrangeira, pois assim estaria assegurando um produto superior que
melhor pudesse concorrer nos mercados consumidores europeus.
Tanto a efetivação dos frigoríficos americanos, como a esperança
de concretização de um estabelecimento similar gaúcho, tiveram este
efeito de ativara importação de reprodutores e cruzamento com o gado
crioulo. O problema do gado inferior, aliás, já se fazia sentir no que diz
respeito aos produtos oferecidos pelos figoríficos do Rio e São Paulo.
Publicava o Jornal do Comércio, de São Paulo:
Presentemente, o criador brasileiro está pedindo preços mais altos por gado inferior
ao da República Argentina, que, por sua vez, está fornecendo carnes congeladas por um
quarto de penny mais barato que o Brasil. Esta anormalidade, que pelas leis do comércio
não pode ir muito longe, tem-se mantido, artificialmente, graças ao fato do Brasil
actiar-se ao lado dos Aliados. Mas o que será deste comércio fictício, uma vez terminada
a Grande Guerra? Claro é que ruirá por terra infalivelmente.137

No fim do ano de 1918, D.M. Riet, em artigo do Correio do Povo,


transcrevia um artigo publicado em Londres, referindo-se á carne envia
da pelo Brasil:
136
Ibidem. p. 52-5.

137
CARNE CONGELADA em perigo. Correio do Povo. Porto Alegre, 1

142
A qualidade da carne seja selecionada, a fim de que possa rivalizar com as carnes
exportadas pela Argentina e pelo Uruguai. Geralmente, o gado indígena, que foi princi
palmente cruzado com o zebu indiano, é de tipo ossudo e grosseiro e carnudo dianteiro,
em vez de ser traseiro

Ainda revelando a mesma preocupação , o Correio do Povo publica


va a notícia de um movimento de açougueiros no mercado londrino de
Smithfield, contra as carnes inferiores mandadas pela Mandchúria, sul
da África e América do Sul. Em especial, a reclamação se dirigia contra
as regiões que operavam com gado zebu^^s
Se a carne do eixo São Paulo — Rio de Janeiro, provindo dos
rebanhos de Minas Gerais e Mato Grosso estava sendo mal vista no
mercado europeu, tratava-se, pois, do Rio Grande do Sul aproveitar as
suas condições inexistentes de um processo de refinação do rebanho,
já em andamento, que com a entrada e o estimulo dos frigoríficos
estrangeiros ganhou um novo impulso.
Igualmente, a conjuntura favorável que motivou a entrada dos frigo
ríficos se faria sentir pela proliferação de novas firmas criadoras de gado.
Noticiava a Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul,
em julho de 1918:

Com o desenvolvimento de frigoríficos muito se tem desenvolvido a criação de


gado, fundando-secontinuamenteempresas pecuárias.Ainda agoratemos a registraras
seguintes:

"Palmero e Cia.composta dos sócios Palmenio Palmeiro, Órivaldo Lara Palmeiro


e Dr. João Cavalcanti de Mello, com o capital de Rs. 300:0005000, e instalada nos campos
que possui no município de Itaqui, sendo gerente o sócio Palmenio Palmeiro.
"Saldanha Irmãos e Cia.", composta dos sócios Athos S. Saldanha, Ernesto
Saldanha, Alípio Saldanha, Abrilino Saldanha, Dr. Gaspar Saldanha e Gaspar Machado
Silveira, com o capital de Rs. 520:0005000, estabelecida no município de Santana do
Livramento.

"Osório, Rocha e Cia.", composta dos sócios Pedro Osório, Dr. Luís Pacheco
Prates, Dr. Juvena" Saldanha, Manoel A. Macedo e outros, conforme listaque publicamos
naSecção da Junta Comercial, como capitalde 280:0005000, no município de Quaraí.

138
RIET, D.M. Carne para a Europa. Correio do Povo, Porto Alegre 28 dez. 1918. p. 1.
SILVEIRA, Geraldino. Carnes inferiores. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 nnaio 1919. p. 1-
140
CRIACAO de gado. Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre {1):29. jul. 1918.

143
No que diz respeito às exportações do Estado, a ação das empresas
estrangeiras também se faria sentir
Produtos 1916 1917 Absoluto Relativo

Charque 28.366:287$ 42.845:254$ 14.498.967$ 51,0%


Banha 9.846:764$ 16.853:487$ 7.006:723$ 71,1%
Couros vacuns
salgados 5.785.293$ 13.388:722$ 7.603:429$ 131,4%
Carnes em
Conserva 1.197:985$ 11.261:087$ 10.063:102$ 840,0%

Apesar de todos os produtos animais sofrerem um aumento apre


ciável no período citado, note-se o distanciamento com relação às
carnes em conserva, que apresentava um aumento relativo de 840,0%, o
que naturalmente se deve à produção dos frigoríficos, que atuavam nesta
especialidade na época.
De 1917 para 1918, o aumento da exportação das conservas foi de
ordem de 1.376:846$550i'»2
Na mensagem de 1919 de Borges de Medeiros, podem ser obtidos
os seguintes dados para a exportação deste artigo ^"*3
1915 — 163:666$900
1916 — 1.106:204$400
1917 — 11.261:086$800
1918 — 12.637:933$350

Em três anos, o aumento foi de 12.474:266$450.


Em 1919, as conservas atingiram o valor oficial de 16.969:519$290
na exportação, com mais 4.331:585$940 que o ano anterior^^4
Para que se tenha uma idéia entre a quantidade de abate para
fabricação de charque, conservas e extrato de carne, entre o Rio Grande
do Sul e as repúblicas platinas, o Relatório da Repartição de Estatística
de 1920 oferece os seguintes dados:

(Note-se que atéadata referida o estado sulino não tinha começado


a operar com as carnes congeladas.)

^^'mENSAGEM presidencial de 1918. D. 42.


'''^MENSAGEM Dresidencial de 1919. p. 50.
143
Ibidem. p. 51

^^MENSAGEM presidencial de 1920. p. 76-7.

144
Gado Abatido

Eis o quadro comparativo dos bovinos abatidos nos estabelecimentos saladeiros do


Estado e nos das Repúblicas do Uruguai, Argentinas Paraguai para fabricação de char-
que, conservas e extrato de carne, de 1909 a 1918:

R.G.Sul Uruguai Argentina Paraguai Total geral

1909 588.703 664.700 494.300 10.000 1.757.703


1910 673.786 761.564 415.800 20.000 1.871.150
1911 732.852 558.200 386.000 22.000 1.699.052
1912 783.596 551.200 382.800 37.000 1.764.596
1913 686.025 334.700 261.200 30.000 1.311.925

Qüinqüênio 3.474.962 2.870.364 1.940.100 119.000 8.404.426


Média anual 694.992 574.073 388.020 23.800 1.680.885
Proporção
da média
41,3% 34,2% 23,1% 1,4% 100.0%
1914 510.895 169.086 155.500 8.600 844.081
1915 483.214 117.800 170.000 22.000 793.014
1916 469.327 123.500 171.000 4.000 767.827
1917 677.932 196.200 201.800 18.000 1.093.932
1918 535.988 174.900 214.000 8.000 932.888

Qüinqüênio 2.677.356 781.486 912.300 60.600 4.431.742


Média anual 535.471 156.297 182.460 12.120 886.348
Proporção
da média 60,4% 20,5% 1,3% 100,0%

Tomando-se por base as médias anuais dos algarismos absolutos nos dois qüin
qüênios supra, o primeiro por ser constituído de anos normais e o último por ter sido o
período intenso da guerra mundial, verifica-se que o nosso Estado manteve-se em
superioridade numérica e mesmo ultrapassando em muito durante os anos de 1914 a
1918, a matança geral de bovinos nas três repúblicas reunidas. 145

Apartirde1919, contudo, o Rio Grande do Sul começava a exportar


este tipo de produto, que passaria a ocupar posto de destaque nas
exportações do estado, atingindo o 3® lugar em 1921
Anos Peso Valor

1919 7.355.981 Kg 5.884:784$800


1920 24.193.707 Kg , 19.279:639$600
1921 32.548.381 Kg 26.027:424«300

145
RELATÓRIO da Repartição de Estatística. Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior do Estado do Rio
Grande do Sul. 1920. p. 249.

^'^^MENSAGEM presidencial de 1922. p. 63.

145
o charque continuava ainda o principal produto exportado, com os
seguintes valores e quantidades, para os mesmos anos em apreço

Anos Quilos ValorOficial

1919 35.374.177 47.130:119$440


1920 35.503.502 42.570:923$950
1921 34.590.534 41.514:804S900

Compare-se, porém,o ritmo de crescimento da produção entre uma


e outra atividade, neste período. O frigorífico apresenta um grande
incremento, enquanto que o cfiarque se mantém relativamente instável,
até com um ligeiro decréscimo.
Outro nível de comparação pode ser dado também com a capacida
de de abate de um e outro:
Durante os anos de 1919 e 1920, os estabelecimentos saladeiris e frigorificos
abateram, respectivamente, 454.076 e 452.510 cabeças. 1^8
Deve-se considerar aqui que poucos frigoríficos, em alguns anos,
conseguiram obter quase tanto quanto a multiplicidade dos estabeleci
mentos saladeiris no Estado.
Outro ponto que se deve ter em conta é que o reduzido número de
estabelecimentos frigoríficos não produziam apenas a carne congelada,
mas também as conservas, o charque, sabão, tripas, línguas, graxa,
farinha de osso, etc., enfim, aproveitando integralmente o animal abati
do. De modo que, na atividade do frigorífico devemos acrescentar as
cifras correspondentes à produção destes artigos.
Não há, pois, comparação entre a margem de lucratividade destas
grandes empresas, que realizavam todas estas atividades, com o que
podia auferir a charqueada.
É preciso ver que, se o charque ainda era o produto que, exportado,
recebia o maior vaior no Estado, estas cifras deviam ser divididas entre
todos os estabelecimentos que existiam no Rio Grande do Sul, enquanto
que o frigorífico se apresentava em reduzido número e com vàriada
produção.
Com referência à exportação das carnes congeladas no Rio Grande
do Sul e a sua comparação com a produção da mesma no resto do país,
registram-se os seguintes dados

147 Ibidem, p. 103.


148,
MENSAGEM presidencial de 1921. P. 103.
14Q
MENSAGEM presidencial de 1922. p. 63.

146
Exportação de Carnes Congeladas pelo Brasil

Anos Toneladas Conto de Réis Papel

1915 8.514 6.121:000$000


1916 33.661 28.192:000S000
1917 66.451 60.232:000$000
1918 60.508 60.755:000$000
1919 54.094 60.183:000$000
1920 63.182 67.213:000$000
1921 61.934 65.305:000$000

Em termos de percentagem, estas foram as quotas que couberam ao


Rio Grande do Sul face à exportação totaP®®
PARTICIPAÇÃO DO RIOGRANDEDOSUL NA EXPORTAÇÃO DE
CARNE CONGELADA EM TONELADAS

Anos Brasil R.G.Sul %

1919 54.094 7.356 13,60


1920 63.182 24.194 38,29
1921 61.934 32.548 52,55

Note-se o grande progresso da participação do Estado na expor


tação nacional, que chega a pouco mais de 50% em 1921. Tem-se aqui
um fenômeno que, em parte, se explica pela crise dos frigoríficos
pauiistas frente à exigêqcia de consumo do mercado internacional. Em
termos de seleção e refinamento, o gado do Rio Grande do Sul apresen
tava-se com superior quai idade em reiação ao zebu, matéria-prima por
excelência dos frigoríficos de São Pauio e Rio de Janeiro. Os produtos
do Rio de Janeiro e São Paulo estavam sendo recusados na França,
Inglaterra, Estados Unidos e Itáiia, com aceitação só pelos exércitos em
batalha.
Em 1918 findava a guerra na Europa, mas inda prosseguiram por
cerca de dois anos os seus efeitos benéficos sobre o mercado de carnes
do Rio Grande do Sul.
Até 1920, só dois frigoríficos se achavam efetivamente operando
com produtos congeiados: aArmour, de Livramento, e a Swift, de Rio
Grande, estando tanto a Wilson como a Swift de Rosário, atuando com
reservas.
Todavia, durante o período em apreço, os produtos dos frigoríficos
haviam modificado o quadro das exportações do Estado: em 1918 e
1919, as carnes conservadas haviam ocupado o 3° lugar e, em 1920 e
^50|bidem. p.52-3.

147
1921. os congelados ocupavam a terceira colocação em produtos expor
tados/"
Para o exterior, os frigoríficos mandavam seus produtos principai-
mente para os portos do Havre, Liverpooi, Londres, Chicago e New York

O imediato após-guerra não causou apreensões quanto aos negó


cios dos frigoríficos estrangeiros, pois a idéia era de que as necessida
des dos países beligerantes ainda se manteriam, mesmo depois de
acabado o confiito.
Em 1919, Estância publicava as deciarações feitas ao Diário dei
Pista peio Sr. Carlos Forteza, presidente do frigorífico uruguaio (Sansi-
nena, capitai inglês):
Existe uma série de poderosas razões para se crer que a indústria de carnes, em
nosso pais, longe de sofrer um abalo, em conseqüência da terminação da guerra
européia, se firmará e se ampliará (...) Julgo que o fim desta contenda armada deve
intervir como fator para intensificar a produção, posto que abrirá novos mercados que
será necessário abastecer com esta classe de produtos. Novamente convertidos esses
contingentes militares em população civil, continuarão eles sendo consumidores de
carnes de frigorífico como o elemento mais conveniente para o sustento de populações
que pelos próprios efeitos da guerra não contam com maiores recursos para a sua
alimentação (...) A abundância de navios e a suspensão do imposto-seguro de guerra,
uma vez entrados na normalidade, serão dois fatores que favorecerão a indústria de carne
e baratearão o preço do produto nos mercados de consumo, o que provocará aumento
desse mesmo consumo. 152
Com efeito, ainda por um tempo nada seria alterado nas perspecti
vas mundiais de fornecimento de carne. A Estância publicava, em abril
de 1919, a noticia registrada numa folha de Montevidéu, de um contrato
entre o Governo inglêse o frigorífico Swiftde fornecimento de 9 milhões
de caixas de conservas, cada uma com 48 latas. Pelos cálculos feitos, a
Sw/Yf teria necessidade de abater 2 milhões de cabeças de gado e utilizar
de 10 a 12 mil trabalhadores?53
Frente a este processo de transformações desencadeadas, o Gover
nodo Estadoencarava a situação com verdadeiro otimismo. As noticias
das explorações terríveis que os frigoríficos estrangeiros submetiam os
criadores do Prata não se estavam cumprindo.
Contudo, deve ser considerado o fato de que os frigoríficos se
achavam em fase de instalação, procurando captar a atenção dos
estancieiros e do Governo. Superiores tecnoidgica e financeiramente,
com ampio dominio de mercado, os frigoríficos não só tinham condi-

^^Vara consulta de tais dados, vejam-se as Mensagens presidenciais de 1919 a 1922.


momento econômico A Estância. Porto Alegre (68) 82-3, mar 1019
153|mpORTANTE contrato A Estância. Porto Alegre (69) 116. abr 1919

148
ções de oferecer um melhor preço pelo gado do que a charqueada, como
ainda podiam melhor remunerar o operário e ocupá-lo por maior período
durante o ano.
Se o frigorífico não agiu mais intensamente desta forma, foi porque
as crises de charqueada vinham beneficiá-lo, entregando o gado do
criador em sua mãos. Se o Governo do Estado mostrava-se satisfeito
com a introdução das empresas estrangeiras que haviam dado um
impulso mais dinâmico à pecuária, alguns setores de pecuáristas, já em
1919, queixavam-se das operação que realizavam os frigoríficos:
o fazendeiro Sr. João de Souza Mascarenhas, em artigo publicado no "Diário do
Interior", de Santa Maria, comenta a noticia, que ctiegou àquela cidade, da suspensão de
compras de gado pelos frigoríficos. A juizo do Sr. Mascarentias, essas suspensão
temporária não tem a menor importância. Pode ser até — acrescenta — uma manobra
comercial, justamente com o fim de atemorizar os que ainda não quiseram vender as
suas invernadas pelos preços presentemente oferecidos pelos tropeiros. 154

A preocupação com a suspensão das compras, porém, tomaria


proporções mais alarmantes para os criadores quando se fizeram sentir
os efeitos do Comissariado da Aiimentação que, em 1919, limitou o
preço do charque para os mercados do norte, levando as charqueadas a
ameaçarem suspender as matanças.
Alguns criadores, de opinião mais radical, teciam relações entre os
acontecimentos:
SÓ os frigoríficos das companhias estrangeiras aproveitam com estes criminosos
erros, que por mera teimosia não têm sido reparados (...) Já estamos inclinados a pensar
que quem dirige o Comissariado está vendido às companhias arqui-milionárias norte-
americanas, que vão aqui explorar a indústria da frigorificação das carnes. Essa
desconfiança, desde algum tempo, nos vem assaltando o espírito. Todos sabemos que
as companhias norte-americanas, useiras e vezeiras nos trustes, levantaram apressada
mente frigoríficos no nosso Estado, sem olharem as despesas de custo. Essas
instalações importam, por isso, entre 20 e 30 mil contos de réis. Portanto, toda a guerra
que o Governo brasileiro mover aos charqueadores rio-grandenses lhes è favorável, para
ganharem rios de dinheiro e amortizarem estes capitais em pouco tempo, embora isso
seja à custa do nosso pelego. Em toda a parte nos Estados Unidos, na Argentina, no
Uruguai — estas companhias têm frustrado o negócio de carnes congeladas.
Embora os preços dos nossos bois não estejam em relação com os preços que
pagam pelos bois daqueles países, embora tenham procurado aqui pagar preços ainda
inferiores aos que pagavam os nossos charqueadores, tanto melhor será contudo que o
diabo nos levea todos nós nas costas, que macaco de banana pode ter indigestão, mas
norte-americano, nem gringo algum já alguma vezse fartou de ganhar dinheiro no Brasil!
E essas companhias, podres de ricas, riem-se do operariado estar em greve, sem
aceitarem uma só de suas reclamações, riem-se de nós que, com a miséria de quatro mil
contos, estamos construindo o pobre frigòrífico nacional (...) certos de que lhes não
poderemos fazer frente tanto mais que não dispomos de vapores nacionais convenien
temente aparelhados para o transporte das carnes frigorificadas, é que as companhias
inglesas, que relincham pelo diapasão das norte-americanas, impõem pesadas condi-
154
frigoríficos. Echos do Sul. Rio Grande, 7 fev. 1919. p. 1.

149
ções para o transporte de carnes congeladas, nunca poderíamos supor que tivéssemos
necessidade de defender os interesses dos charqueadores depois de se instalarem aqui
os frigoríficos norte-americanos (...) 155

Ora, tem-se aqui a percepção de um conflito que já se manifestava


no Prata e que haveria de configurar-se de maneira mais ciara na década
de 20 no Rio Grande do Sul, com as crises da pecuária que se dariam.
Manifestava-se claramente um novo foco de tensão: aquele que poria
frente a frente interesses de criadores e frigoríficos. Se, anteriormente,
os criadores consideravam-se explorados pelos charqueadores, agora
acrescentava-se um novo componente, superiormente aparelhado, na
cadeia da exploração: o frigorífico estrangeiro.
Asituação se configurava tanto mais angustiante porque, com a
crise da charqueada, o frigorífico se mostrava senhor absoluto do
consumo dos gados, oferecendo um preço inferior. Apesar da contradi
ção manifesta entre os interesses de criadores e charqueadores, os
primeiros eram levados a desejar a prosperidade da charqueada para
que ela pudesse se opor ao estabelecimento estrangeiro.
Existindo doi.<? ramos de negócios em boas condições para com
prar o rebanho gaúcho, o criador poderia aproveitar a competição entre
ambos para conseguir um preço bom para o gado.
O governo borgista, contudo, apreciava o desenvolvimento capita
lista que o frigorífico trouxera ao Rio Grande do Sul, o aumento das
exportações e o impulso inovador. Confiava, porém, que os mesmos não
se tornassem monopolistas, através da entrada em cena do propalado
frigorífico nacional.
A legislação estadual protecionista teve continuidade através da
Lei n® 223, de 23 de novembro de 1917, que ampliava os favores concedi
dos pela Lei n° 206, de 25 de novembro de 1916: as isenções compreen
deriam também a taxa adicional de 1,5% sobre exportação pela barra do
Rio Grande, a taxa de 1% de expediente, a taxa profissional de 4%, a
taxa escolar de 5% e as taxas de cais. Pela Lei n° 241, de 9 de dezembro
de 1918, o Governo isentava as carnes enlatadas e conservas alimentí
cias do imposto de exportação e de outras taxas adicionais referidas na
Lei n° 223, de 23 de novembro de 1917.
Pelo Decreto n° 2407, de 8 de abril de 1919, o Governo do Estado
concedia a Companhia Swlft do Brasil os favores que tratavam as Leis n®
206, de 25 de novembro de 1916, e n° 223, de 23 de novembro de 1917.
O Decreto n° 2552, de 27 de abril de 1920, concedia os mesmos
favores à Companhia Armour do Rio Grande do Sui e o mesmo determi
nava o Decreto n° 2607, de 17 de julho de 1920, paraa Companhia Frigorí
fica Rio Grande.

155
COMISSARIADO Echos do Sul Rki Grande, 25 abr 1919 v i

150
Sintetizando o processo atè aqui anaiisado, pode-se dizer que a
Primeira Guerra e toda a gama de transformações que acarretou nos
níveis de demanda mundial proporcionou o avanço do imperialismo
estrangeiro na pecuária gaúcha.
Escorados em incentivos fiscais e dotados de um aparelhamento
notável, as companhias frigoríficas passaram a expandir-se e mesmo a
influir sobre a estrutura econômica locai.
Enquanto que os primeiros resultados conduziram a uma expecta
tiva otimista quanto á atuação do frigorífico, no final do período em
apreço começaram a circular as notícias das manobras baixistas das
empresas estrangeiras. Inaugurava-se, com isso, um novo nível de
tensão no panorama sulino, pela percepção de oposição de interesses
entre fazendeiros e frigoríficos. Ainda que isto desencadeasse um certo
processo de reversão das expectativas contra as empresas, ainda nesta
época muitos pontos pesavam a seu favor. O governo apontava que a
indústria estrangeiraviera conferir um novo valor ao rebanho, estimularo
seu refinamento e introduzir novas raças para a criação; as exportações
haviam crescido, ingressando o Rio Grande no mercado internacional
com seus produtos frigorificados.

2.4 — O charque no contexto da guerra: uma oscilação favorável


A guerra atuou sobre a charqueada tal como sobre o restante da
pecuária,impuisionando-aatransformar-seemfrigorifico. ^ Ascondiçoes
favoráveis de mercado haviam dado estimulo à renovação da atividade
criatòria e à idéia de formação de um frigorífico nacional. Aproveitando-
se, igualmente, da situação, havia se efetivado no Estado a instalação
das empresas estrangeiras de transformação da carne.
Durante o período em apreço, as articulações do grupo saiadeinl se
vincularam muito mais á área de circulação — convênios de charquea-
dores, para forçar abaixa do preço do gado ou elevar o preço do artigo
do que propriamente ã área de produção. ,
Pode-se mesmo dizer que a estrutura produtora do saladeiro se
revelou estagnada, sem renovações significativas. Exceção deve ser
feita a algumas iniciativas individuais, como a de Pedro Irigoyen, que
vendeu seu estabelecimento à Armour para que fosse transformado em
frigorífico, ou porcharqueadores de Rosário, que pretendiam remodelar
as instalações do saladeiro a fim de lá fundar o propalado frigorífico
nacional. Ainda pode ser ressaltado o caso dos elementos que, sendo
tanto ligados ao charque como à pecuária, identificaram-se mais com a
visão progressista dos criadores interessados em montar no Estado um
frigorífico. Nestes elementos que ocupam duas funções econômicas, a
tendência de identificação é mais com os interesses ligados com a
criação do que com a persistência do velho processo saiadeiril. Conside-
151
ravam que a atividade criatória era realmente a matriz dentro da econo
mia pecuária, da quai as demais eram derivadas.
Algumas charqueadas, como a de Marciano Terra, utilizavam ma
quinaria importada e apresentavam renovação. Tais iniciativas, porém,
não eram generalizadas por todo o Estado.
Portanto, a par destes casos isolados, a crise do charque continu
ou. Para isso contribuíam uma série de fatores: o fato de produzir artigo
que não podia ser oferecido a preço muitô alto no mercado internacional,
tendo em vista a restrição do consumo das camadas populares; a política
de desvalorização da moeda que tendia a esvaziar o poder aquisitivo da
população; a alta do preço do gado que onerava ainda mais o custo de
produção, com o que se reduzia a margem de lucro da empresa;a
dependênciadas casas comissionárias de charque que vendiam o produ
to em consignação.
O que, contudo, levava a charqueada a persistir como tal?
Mal ou bem, a existência de um mercado interno certo para os seus
produtos (apesar dos concorrentes, da baixa do preço, do recuo do
consumidor); a soma de capitais empatados no negócio; as momentâ
neas chances oe atingir o mercado externo; e a dependência econômi-
co-política em que se achava o Rio Grande do Sul frente o país, foram
elementos que contribuíram para manter a charqueada sem renovações
maiores.
Na mensagem de 1914, o Governo do Estado traçava considerações
sobre o caso do charque:

o consumo do charque está ameaçado pelaprópria exorbitância do preço porque é


vendido (...) É necessário baratear a produção e aiiviar a mercadoria do peso da
tributação e dos transportes (...) Surgiu (...) a oportunidade de suprimir-se a taxa
adicional de 1,5% sobre a exportação e, posto que isso traga um desfalque de mais
300:000$ na receita, é preferível esse prejuízo ao do definhamento de nossa velha indús
tria. Quantoaos fretes, só é possível minorá-los pela facilidade que traza concorrência
e poralgunsfavores lícitos e indiretos à navegação. Empregarei nesse sentido os meios
ao meu alcance. Outro fato significativo é a diminuição da matança nas charqueadas
nestes dois últimos anos e, sem embargo, o valor da exportação aumentou em 1913. É
que o preço do boi vai subindo paraielo ao do charque.'•^6

Das soluções apontadas, o barateamento da produção tornava-se


inviável, uma vez que o gado subia de preço. Outro meio de diminuir o
custo da produção seria diminuir o salário pago, contudo, não se tem
meios de comprovarse tal expediente era aivitrado e posto em prática.
Quanto a aliviar a taxação sobre os produtos, o Governo efetivamente
tomou medidas neste sentido, tais como a referida no texto e a promui-

156
MENSAGEM presidencial de 1914. p. 46-7.

152
gação da Lei n° 195, de 2 de dezembro de 1915, que Isentou o charque do
pagamento do Imposto de exportação.^
Neste sentido, ao mesmo tempo em que auxiliava as unidades
charqueadoras locais, o Governo punha em prática a sua concepção de Ir
pouco a pouco substituindo os Impostos de exportação (Indiretos) pelo
territorial (direto).
Quanto ao problemas dos transportes e do seu custo, esta era uma
meta máxima para o Governo do Estado e porcuja solução se empenhara
desde há multo, sem, contudo, obter resultados satisfatórios. Sua
preocupação, entretanto, não dizia respeito só ao problema do charque,
mas facilitar o escoamento de toda a produção local.
A mensagem presidencial referia a diminuição do abate, o que se
pode constatar através do quadro de matanças das charqueadas por
municípios, nos anos de 1913 e1914.^®®

QUADRO DO GADO ABATIDONAS CHARQUEADAS NO BIÊNI01913/1914

Ano de 1913 Ano de 1914


Municípios (cabeças) (cabeças)
Bagé 147.383 116.949
Cachoeira 3.071 3.605
Cacimbinhas 4.941 1.689
Itaqul 60.023 44.555
Jaguarão 8.699 3.571
Júlio de Castilhos 33.990 21.909
Livramento 121.383 58.941
Passo Fundo 4.601 2.760
Pelotas 118.871 79.948
Porto Alegre 6.815 5.350
Quaraí 56.391 31.314
Rio Grande 1.815 411
Rosário 7.593 19.963
Santa Maria 321 —

São Borja 29.072 12.663


São Gabriel 41.083 44.310
São Jerônimo 300
São João de Camaquam 987 1.552
Uruguaiana 48.709 39.734
Estado 695.748 489.524

^ ANAIS da Assembléia de Representantesdo Estado do Rio Grande do Sul. 25f Sessão Ordinária,6nov. 1916. i
157

68.
158

de d(fSuí^^gis Estatística. Secretaria dos Negócios do InterioreExterior do Estado do Rio Gran-


1S3
Com poucas exceções, verifica-seadiminuição do abate no Estado,
na ordem de 206.224 reses, o que se refletiria na exportação gaúcha de
charque, como se pode constataris®
Exportação geral do Charque
Quantidade em toneladas

Anos Quantidade em toneladas Valorem 0$000

1912 69.574 31.540:191 $000


1913 64.064 31.751:263$000
1914 37.019 23.712:897$000
1915 36.309 27.976:2108000
1916 31.295 28.366:2868000

Enquanto a toneiagem decrescia, o valor da exportação aumentou


de 1912 para 1913, caiu em 1914, mas iogo aumentou nos anos de 1915 a
1916.
Acontece, contudo, que o preço do gado se eievava, forçando
consigo a eievação do preço do charque no mercado, como se vê peios
dados a seguir.

Preços médios do charque nos mercados do Norte

Anos Valordo quilo


1912 Réis 453
1913 Réis 493
1914 Réis 640
1915 Réis 770
1816 Réis 495

É importante, portanto, constatar que o aumento do valor de expor


tação não representou um aumento de consumo do produto.
Considerando a crise que se abatia sobre o Rio Grande, face a dimi
nuição do abate nas charqueadas, criava-se um problema para as estân
cias e invernadas que se encontravam repletas de gado não aproveitado,
o qual, se não fosse vendido, perderia peso ou morreria no inverno. O
Governo do Estado encontrou, como remédio para esta situação, a ex
portação do gado em pé, ordenando a cessação da cobrança do imposto
de saida do gado de corte, por decreto, em 29 de maio de 1914.
Se os estabeiecimentos iocais estavam encerrando os trabaihos de
safra mais cedo que de costume, cumpria dar um outro destino a este ga-

159silVA, Austriclínio & GUERRA, AIdrovando. Exportação do charque no Rio Grande do Sul Porto Alegre,
Secretaria'de Administração/Departamento Estadual de Estatística. Porto Alegre, 1959. p. 8.
^^^PIMENTEL, op. cit., nota 95, p. 144.

154
do, que se dirigia então paraoPrata, onde eravendido aos frigoríficos io-
cais.
Referia o Governo que
(...) a relevaçãodo imposto de exportação, posto que traga uma redução nas rendas,
Importa em auxiliar a nossa principal indústria, abrindo-ltie novos mercados."'®^

Note-se aqui que, ao mesmo tempo em que o Governo concedia esta


isenção para a pecuária, tal como faria com relação ao charque, não so
mente satisfazia os setores ligados às atividades econômicas dominan
tes no Estado, como também punha em prática a regra prescrita pela
ideologia positivista: a extinção dos impostos de exportação. O Governo
não se arredava da posição doutrinária assumida, beneficiava a econo
mia pecuária como um todo e defendia todos os interesses Industriais
legítimos (art. 20, n? 2, da Constltulção)l62 .
É justamente para atender os interesses dos diferentes grupos so
ciais que o Governo do Estado não se posicionava claramente a favor de
um outro, mas frente a todos. Frente ao antagonismo entre os dois seto
res, por exemplo, aconselhava a conciliação de interesses. Esta è uma
norma que o Estado seguia: frente a interesses econômicos divergentes,
propunhaaconciiiação; frente aagudização das relações entre patrõese
empregados, aplicava um esquema conciliador e de legislação social.
Todavia, tais medidas eram paliativas, pois apenas serviam de aba
famento de uma situação de crise para um produto com alto custo de
produção (sai, gado, frete) e cujo preço deviaser baixoa fim de que fos
se consumido.
Colocando a questão desde o ponto de vista dos criadores, referia
D.M. Riet, em setembro de 1914:
É notória a situação pouco lisongeira para os criadores nestes últimos anos, em
virtude da limitação do consumodo charque, devido ao alto preço em que está cotado,
acompanhando a universal valorização da carne, convém notar que, atualmente, já em
vésperas de nova safra, tenhamos ainda aqui no Estado de 9 a 10 milhões de quilos de
charque empilhado, constituindo um obstáculo para os preços do gado na nova
safra. 163

Aexistência de um estoque acumulado, que por si só determinava a


baixado preço do produto, fazia prever uma restrição ainda maior do aba
te por parte das charqueadas ou uma tentativa de forçar a baixa do preço
do gado.

161
MENSAGEM presidencial de 1914. p 47
ibidem, p. 48
163
RIET, op. cit., nota 56, p. 274.

155
Frente ao problema, Luís Ignácio Jacques se referiria, nas páginas
de A Estância, em abril de 1915:
A indústria do charque, pelo rumo que vai — pese a quem pesar — está com os seus
dias contados; haja vista as charqueadas falhas nesta safra. 164
A questão, desde o ponto de vista dos criadores, tinha uma única
salda, como já se viu no capítulo anterior: acelerar o processo de indus
trialização, encontrando para o gado uma forma de aproveitamento me
lhorque o charque, mediantea implantação de um frigorífico. Esta era a
perspectiva dos criadores face ao problema, assim como daqueles ele
mentos ditos progressistas, que também eram criadores-charqueado-
res, como o coronel PedroOsório, prestigiosa figura dentro dos quadros
da classe dominante gaúcha.
Quanto à ação dos charqueadores, estes permaneciam produzindo
o mesmo artigo e retraindo, às vezes, a oferta (as piihas de inverno do
charque não colocado no mercado). Basicamente, o produto eraexpor
tado para os mercados nacionais: Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco.
Mesmo havendo um decréscimo da exportação, até o ano de 1916, o
charque eraaindao produto que, exportado, maior valor produzia ao Es
tado.
Compare-se, a propósito, odistanciamento entre as cifras atingidas
pelo artigo, comparativamente a outros gêneros alimentícios
EXPORTAÇÃO DOS PRINCIPAIS GÊNEROS DESTINADOS AALIMENTAÇÃO
ANOSDE1912e1913

ValorOficial
Gêneros destinados àalímentação 1912 1913
Açúcar —
25:5006000
Arroz 2.512:1986800 4.955:2636220
Banha 13.232:9516355 16.857:2806310
Batatas 432:2426990 571:5656320
Conservas 339:3656670 398:6326150
Conservas alimentícias 219:0146200
Doces secos ou em calda 477:8466700 889:288$500
Extrato de carne 10:3406000 3:6829000
Farinha de mandioca 3.314:7016000 4.782:3859630
Farinha de trigo 37:0386200 13:5389700
Feijão 3.751:5296810 5.114:2219800
Línguas 798:0916230 707:8289981
Lingüiça e salame 5:6786000 46:3129900
Toucinho 28:1486930 59:8529780
Charque 31.540:1916200 31.751:3629740
Charque (cavacos) 67:3529350

l^^JACQUES, Luís Ignácio. Questão de suma importância AEstância. Porto Alegre 126)"522 abr 1915
165 .
relatório daRepartição deEstatísticas. Secretaria dosNegócios doInterior e Exterior do Estado do Rio Gran
de do Sul. 1914.

156
Uma oportunidade, contudo, a Primeira Guerra Mundial viria trazer
ao charque rio-grandense.

Em termos de mercado, como se viu, o charque gaúcho, junto com


os demais produtores, que agora incluía atè o Rio de Janeiro, abaste
cia o mercado nacional. O produto rio-grandense, utilizando-se da
proteção do Governo, tinha uma situação preferencial neste mercado,
onde, porém, também participava o charque platino, mas em menor
escala.
Veja-se a respeito o seguinte boletim que demonstra, apesar da
crise, esta situação preferenciaM®®

BOLETIM DE INFORMAÇÃO DOSMERCADOS DO CHARQUE EM 27.02.1915

Rio de Janeiro Existência; Rio Grande: 8.000 arrobas


Prata: 26.666 arrobas
Consumo: Rio Grande: 5.850 arrobas
Prata: 9.696 arrobas
Bahia Existência: Rio Grande: 9.912 arrobas
Prata: 14.040 arrobas
Consumo: Rio Grande: 8.234 arrobas
Prata: 648 arrobas
Comparativamente, entre o estoque existente e o consumo, o
charque do Rio Grande do Sul era mais consumido que o do Prata. Isto se
devia a uma política protecionista aplicada pelo Governo, conseguida
habilmente por um esquema de barganha e conciliação entre o Governo
central e o Governo gaúcho. O Rio Grande do Sul, apresentando uma
grande bancada no Congresso, tinha um certo peso nas decisões
políticas: era um dos grandes eleitores do regime vigente na República
Velha. Em face do apoio gaúcho às articulações eleitorais da oligarquia
cafeicuitura paulista ou na manutenção de uma política de valorização
do café, o RioGrande do Sul podia barganhar e conseguir do centro uma
legislação protecionista à sua pecuária. Embora não se tenha interesse
aqui em aprofundar as relações políticas que se estabelecem entre o
Estado sulino e o centro, deve ser mencionado que, até 1915, muito
pesou o poder do senador gaúcho Pinheiro Machado sobre os pequenos
Estados do norte e nordeste, através do cargo-chave que exercia como
presidente da comissão de verificação depoderes'^^^.

^^^BOLETIM de informação dos mercados do charque em 27 de fevereiro de 1915. >4 Estância, Porto Alegre (25):484,
mar. 1915.
167
A respeito do processo descrito, consulte-se:
CARONE, Edgar. A República Velha; intituicões e classes sociais.
São Paulo, DIPEL, 19 0. p. 306 et seq.
SOUZA . Maria do Carmo Campello de. O processo político partidário na Primeira República. IN: NOTA, Carlos
Guilherme, org. Brasil em perspectiva. São Paulo, DIFEL, 1969.

157
Mesmo após a morte de Pinheiro Machado, continuou a ter relevân
cia a posição do Rio Grande do Sui no cenário nacional. Pode-se mesmo
dizer que houve uma política de troca de favores acentuada durante o
governo do presidente mineiro Wencesiau Braz com Borges de Medei
ros.

A parte a atuação da delegação gaúcha no Congresso que consegui


ra revogar uma proposição de estabelecer um imposto de importação de
8% sobre maquinarias para os frigoríficos, o acerto entre o Governo
gaúcho e o Governo central permitiu que o charque sulino fosse benefi
ciado.

Cita Joseph Love:


Em beneficio da indústria do charque, o senador Monteiro conseguiu uma isenção
de taxa federal para o sal usado nas charqueadas. Vencesiau solicitou, em 1916, à dele
gação parlamentar gaúcha que votasse em seu projeto relativo ao imposto de consumo,
sob a condição de que o charque ficasse especialmente isento do mesmo. Além disso, o
Ministro da Agricultura concordou em subsidiar o carregamento de gado por ferrovias fe
derais e por cargúeiros costeiros ... Borges e seu partido aceitaram o imposto de consu
mo, não somente porque o charque estava isento, mas também porque os gaúchos te
miam uma inflação rápida (e um decréscimo no consumo do charque) se o Governo se
visse forçado a emitir grande quantidade de papel moeda.fCS

Numa política de colaboração e favores mútuos, o Rio Grande do


Sui ia tentando encontrar soluções para seu produto em crise.
Quanto ao produto similar uruguaio, cabia-lhe participar como
competidor no mercado nacional brasileiro e vender para o mercado
cubano, onde detinha o controle do fornecimento. Na Argentina, por
esta época, o charque era produzido praticamente apenas para seu
consumo interno.
A guerra veio a trazer o enorme desenvolvimento da indústria
frigorífica no Prata, não só na Argentina, onde desde o século XiX ela se
achava solidamente instalada, mas também no Uruguai, que pratica
mente restringiu no mínimo a sua matança para o charque e concentrou o
abate para os frigoríficos. Esta tendência foi incrementada quando se
apresentou a conjuntura da Primeira Guerra Mundial.
Face a esta alteração, teve o Rio Grande do Sui oportunidade de
ganhar o mercado externo. No mercado nacional, enfrentava problemas
tais como a política de desvalorização do mil réis, os efeitos da inflação
que diminuía o poder aquisitivo e a presença dos concorrentes dos
demais Estados da Federação. A penetração no mercado cubano marcou
uma oscilação favorável de exportação, no ano de 1917.

'®®LOVE, op, cil., nota 92, p. 190-1.

158
A exportação do charque em 1917 excedeu a de 1916 em 14.478:9675374, sendo a di
ferença nas quantidades de 17.954.284 kg ... Em 1917 foram abatidas nas diversas char-
queadas instaladas em vários pontos do Estado 627.950 cabeças de gado bovino, número
muito superior ao de cada um dos anos 1914, 1915 e 1916.169
Ê natural que a produção gaúcha aumentasse neste caso, pois
tratava-se de suprir a falta do charque platino.
A exportação uruguaia de charque baixou de 53.305 toneladas, em
1911, para 418 toneladas em 1916, Com relação a sua penetração no
mercado brasileiro, as exportações uruguaias também declinaram de
33.710 toneladas em 1910 para apenas 782 toneladas em 1916

A sitúação não tinha nada de novo; pelo contrário, era uma realidade
muito antiga que acompanhava o desenvolver da economia brasileira e
que se manifestava no Rio Grande do Sul já anteriormente com o
charque: toda a vez que a economia concorrente perturbava-se, experi
mentava o produto nacional um período de ascensão. Quando o concor
rente estrangeiro rearticulava-se, desorganizava-se novamente a expor
tação dos produtos locais, entrando em declínio.
Sobre estes acontecimentos, Leonardo Truda escrevia, no ano de
1917:
... não diretamente como houvera sido melhor, mas através do Uruguai, já manda
mos algum charque para Cuba. Em 1914, foi só o município de Itaqui que para ali enviou
132.400 kg, no valor de 92:5805000. Mas o relatório da Fazenda deste ano já nos diz que,
em 1915, partiram de três municípios do Rio Grande, para aquele destino, as seguintes
quantidades de charque:

Quilos Valoroficial
Bagè 46.995 32:8965500
Quarai 222.928 156:0495600
'taqui 535.850 375:0955000
805.773 564:0405100

Já é algumacoisa porcerto. Mas não háde ser isso que nos háde induzira conservar
e a preferir indefinidamente a indústriado charque. Nem Cuba è um mercado em que,
ainda que conseguíssemos chegar a estabecer-nos nele, poderíamos considerar assegu
rada para sempre a nossa posição.
AVenezuela e a Colômbia já iniciaram a exportação de gado em pé e carneseca. Os
americanos paraali voltam suas vistas. Os campos abundam e os rebanhos aumentarão.
Serão, provavelmente, concorrentes de amanhã que nos arrebatariam o mercado con
quistado.
Além disso. Cuba, soba influência americana, progride rapidamente. Não é de duvi
darqueela venha ou leve a preferir a carne congelada à seca. Exportar o nosso charque
paraas Antilhas seria, pois, um negócio e poderia ser mesmo um bom negócio. Mas
sê-lo-ia temporariamente, seria transitório, como transitória é a própria indústria do
charque.

'^^MENSAGEM presidencial de 1918. p. 47-8.


'^^MENSAGEM presidencial de 1930. p. 19.

159
Aliás, teimarmos em transformarem charque uma parte do nosso gado de que pode
ríamos fazer carnes frigoríficadas, será insistirmos em atirarfora, voluntariamente, ano a
ano, uma fortuna considerável."''''

Eis a maneira como a conjuntura favorável era percebida a nível de


consciência daqueles agentes identificados com a visão progressista de
que ofrigoríficoera a única solução para o futuro da economia gaúcha.
Em outras palavras, o que se colocava em questão é que a penetra
ção no mercado cubano seria um paliativo para a crise do charque, que
fatalmente caminhava para o seu declínio. As coisas eram percebidas em
termos de polarização: o charque era o processo obsoleto, para o qual
não havia futuro, só soluções transitórias; artigo de qualidade inferior e
alto preço, suas crises representavam a ruína do criador. O frigorífico
nacional, ao contrário, ao tirar um maior rendimento da carne, podia
pagar melhores preços aos criadores.
O aumento da exportação seria, no caso, enganador, que poderia
trazer uma falsa euforia.
Na mesma linha de pensamento, o deputado Carlos Penafiel dizia
ter o Rio Grande do Sul ficado
... num desvio esquerdo do bom caminfio por onde enveredaram as duas repúblicas
platinas, avançando a sua pecuária para a cidade do ouro dos frigoríficos'^^
Se, por um lado, a noção de oscilação favorável mas transitória está
correta, o caso dasubstltulção necessária dacharqueada pelo frigorífico
não pode ser reduzida a uma questão tão simples. É indiscutível a
superioridade tecnológica do frigorífico quanto ã forma de produção,
quanto à rentabilidade, quanto ao capital fixo empregado, quanto ao
domínio de mercado.
Entretanto, ainda alguns anos se passariam antes que a velha
charqueada desparecesse de todo e o frigorífico triunfasse definitiva
mente sobre ela. Por outro lado, o projeto nacional, iniciado tão auspi
ciosamente, fracassaria.
Com relação a esta penetração no mercado cubano, foi fenômeno
que não durou muito tempo. Na medida em que começaram a se
configurar, no período pós-guerra, as crises da indústria da carne,
também experimentadas pelos frigoríficos, tanto o Uruguai como a
Argentina retomaram o abate para o charque.
Dentro deste contexto, osor/enfa/s rapidamente puderam deslocar o
Rio Grande do Sul do mercado antilhano recêm-conquistado

'^'tRUDA, Leonardo. ORio Grande doSul e a exportação decarne. AEstância, Porto Alegre (53,: 177-8, jul. 1917.
'^^penAFIEL, op. cit., nota 74, p. 576.

160
Em razão disso, as exportações uruguaias do produto, que se retraiam de longa da
ta, atingindo o mínimo de 4.180 toneladasem1916, ascenderam rapidamente, comase-
guinte curva:
191 6 4.180 toneladas
191 7 7.544 toneladas
1918 6.786 toneladas
1920 12.480 toneladas
1922 • 22.220 toneladas
73

Frente a esta dolorosa evidência, o Governo justificava a perda de


mercado pela presença de fatores tais como o alto custo do sal e da
aniagem paga pelo charqueador gaúcho em relação ao que pagava o
uruguaio. Além disso, os saladeros orientais não pagavam frete ferroviá
rio para o transporte do produto, uma vezque eram localizados no litoral.
ÓJrendimeritp •obtido pelo gadouruguaio era maior, o mesmo se dando
com os subprodutos tais como o couro e o sebo.^^^
Tais argumentos, que se comprovavam pela comparação entre um
caso e outro, demonstravam que a diferença entre o custo da produção
do artigo uruguaio e do gaúcho fazia que o rio-grandense se apresentas
se em condições de inferioridade no mercado. Por outro lado, o maior
rendimento do gado uruguaio e o maior preço obtido no mercado pelos
subprodutos revelavam uma superioridade de produção, capaz de me
lhor aproveitar a matéria-prima e colocar para venda um produto de boa
qualidade.
Outros elementos viriam se acrescentar às vicissitudes da char-
queada gaúcha, revelando a incapacidade do Rio Grande do Sul, como
área periférica ao poder central, de controlar efetivamente os mecanis
mos de decisão da política econômica nacional.
Neste caso, merece destaque a ação do Comissariado da Aiimenta-
ção Púbiica do Rio de Janeiro, que, em 1918, tabelou o preço dos
gêneros de primeira necessidade e mesmo dificultou a saída do produto
gaúcho para os mercados do norte.
Frente a este problema que se colocava, parte da safra de 1918 só
pôde ser exportada em 1919, criando uma situação de acúmulo de
estoques. Para se defender da restrição da exportação do produto e dos
preços estabelecidos pelo Comissariado, os charqueadores recorreram
ã diminuição da matança. Desta forma, em 1918, foram abatidas no
Estado 311.000 reses, contra 419.000 em 1917 ^^5
Os prejuízos, neste caso, se transferiam do charqueador para o
criador, pois, diminuindo o abate, sobraria gado nas Invernadas. Uma
opção,contudo, os estancleiros agora tinham: a produção de charque e
carnes conservadas que os nascentes frigoríficos estrangeiros realiza
vam^
173mEnsaGEM piosidenaal de 19.10 n ?o
^^^Ibidem. p .20-1.
^^^MENSAGEM presidencial de 1919. p. 52.
161
Ê interessante comparar os pontos de vista quanto à atuação do
Comissariado, que apresentam a Revista do Comércio e indústria do Rio
Grande do Sui, por um lado, e a Revista do Comércio e indústria publi
cada em São Paulo.
Por surgimento do Comissariado, que tivera a sua atuação regula
mentada pelo Decreto federal n° 13.193, de 13 de setembro de 1918, a
revista gaúcha assim se pronunciava:
Tão amplas são as atribuições conferidas ao "Comissariado" que, sem medo de exa-
geros, pode-se dizerque temos agora um Estado dentro de outro Estado ... O "Comissa
riado", com a iiimitadaação que ihe foi conferida, aberra das nossas instituições, pois
atenta contra a propriedade, visto que ihe deram faculdade de requisições, de regula
mentação do comércio de desapropriações e um sem número de poderes ... O "Comis
sariado" se queda mudo às ponderadas reclamações que lhe têm feito o comércio e os in-
dustriallstas. Haja vista a questão do charque. Como ninguém ignora, esse produto é um
dos que mais cooperam para o desenvolvimento de nossa indústria pastoril. Constitui
ela uma das mais adiantadas indústrias do Estado, e na qual estão convertidos enormes
capitais. Entretanto, este produto, que é fator preponderante na riqueza do Rio Grande,
está sofrendo do "Comissariado" a mais injusta desatenção. E isso se verifica pelos pre
ços que foram estabelecidos pelo "Comissariado" na última tabela publicada, esses pre
ços não podem ser, de forma alguma, aceitos, pois fariam grandes prejuízos aos char-
queadores que fizeram suas compras de gado e prepararam o charque com uma base
muito diferente da que se utilizou o "Comissariado". Naturalmente, esse não levou em
conta o aumento do frete que trouxe a falta de transporte, não indagou do preço do sai,
não cogitou de elevação do preço de tantos outros elementos indispensáveis para o pre
paro do charque, começando pelo boi, cujo custo subiu mais de60%. Com o preço, pois,
fixado pelo "Comissariado de Alimentação", o charqueador rio-grandense não aufere lu
cro algum com a sua indústria, antes sofre grandes prejuízos.
O fato de ter sido fixado o quilo do charque a 2S000 e o quilo da carne verde a 1S200,
quando se sabe que são necessários dois quilos dessa carne para se obter um quilo de
charque, mostra bem como andou errado o "Comissariado".
Por todas estas razões, esperamos que o "Comissariado", prestando ouvidos ás
continuas reclamações dos charqueadores, estude, atentamente, o importante assunto
e resolva como manda a justiça.
Para isto, basta que se atente para a eloqüência dos algarismos do quadro abaixo:

Quadro comparativo do custo da matéria-prima para a fabricação


do charque e de fretes:
1914 1915 1916 1917 1918
Custo médio p/rês 115020 1259380 1429860 1619700 1889200
ldem35kgsaldeCádiz 3S500 59200 69300 79150 109600
Idem 60 kg sal nacional 29500 29600 29700 69400 79800
Idem 1.000 kg carvão nacional ... 389000 409000 399500 479000 869500
Idem 1.000 kg carvão Cardiff 459000 719000 989500 2029000 2509000
Idem1 maniagemn?4 9310 9540 9580 9760 19240
Idem1 kg de corda 19000 19050 29100 29400 29510
Idem1 kg de frio inglês 29400 39000 39200 59400 109000
Idem1 pipa abatido 69500 79500 119000 269000 279000
Fretes por 15 kg de charque - de
Pelotas a:
RiodeJaneiro 9320 9300 9630 9870 9870
Pernambuco 9350 9540 19000 19425 19425
Bahia $350 $540 1$000 1$395 1$395

162
Ouadro comparativo do cu^jo da matéria-prima para a fabricação do charque e defretes:
Fretes por 1.000 kg de gordura -
de Pelotas a:
Rio de Janeiro 30$000 30^000 423000 633500 633500
Pernambuco 223000 543000 693000 933400 933400
Bahia 223600 543000 603000 913600 913900
Foi, pois, por desconhecimento das condições da indústria do charque, que esse
produto obteve fixação de preço tão injusta.176
A argumentação, que se vale da demonstração de um custo de
produção elevado face a um baixo preço tabelado que retiraria a margem
de lucro do produtor, defende nitidamente os interesses dos charquea-
dores.
Revela, além disso, a inconformidade da Região face às articula
ções econômicas do centro, que norteava as diretrizes da nação. Revela,
inclusive, que a possibilidade de barganha do Rio Grande do Sul era
limitada e que, apesar das concessões auferidas mediante apoio a
certas medidas de Wencesiau Braz, prevaleciam sempre os interesses do
centro, ligados ao complexo cafeeiro.
Veja-se agora o tipo de visão que tinha do processo a Revista do
Comércio e Indústria, editada em São Paulo, ao transcrever o ponto de
vista do Governo:
Em meados do ano corrente, as condições de existência da população, especial
mente das classes proletárias, que se vinham agravando de ano para ano desde o come
ço da guerra européia, chegaram a determinar um mal-estar generalizado, que se
traduziu por agitações em vários pontos do pais.
Essa situação não era um mal que houvesse escolhido de preferência o nosso país,
para afligi-lo. Era apenas o nosso quinhão, nas conseqüências de temerosa crise que a
guerra provocou na vida econômica de todas as nações, mesmo as mais afastadas do
teatro militar (...)0 nosso caso oferece pontos capitais de diferença com a situação na
Europae nos Estados Unidos (...)Essa situação paradoxalde carestia da subsistência a
acompanhar"pari passu" o excesso de produção,tem, entretanto, uma explicação natu
ral e fácil. O fenômeno fiiia-se a causas complexas, mas pode-se destacar dentre elas
três principais: a primeira é o aumento considerável do meio circulante inconversível que
cresceu de 150% ern três anos (...) a segunda causa é a dificuldade do transporte (...)
Finalmente, a terceira causa apreciável de carestia revelou-se, por diversos fatores con
correntes e concludentes, ser a especulação ilícita (...) Para minorar os efeitos desse
encarecimento progressivo de subsistência, não se verificou a alta correspondente no
ganhos dos que vivem do seu trabalho. Os proletários organizados em associações de
classe, tiveram força para reclamar e exigir, pormelo de paradas, o aumento dos salá
rios (...)
Avotação da Lei n? 3533 e a expedição do respectivo regulamento, armaram o "Co
missariado" coma faculdade de estender a regularização dos preços a todos os pontos
do país, onde essa providênia se tornasse necessária (...)
Diíiculdades( . )surgiram relativamente ao preço do charque. Esse artigo, que faz
parteindispensável da dietadas classes pobres, subiu do preço médio de13400 o quilo,
no varejo, em julho de 1914, a 23500 em julho deste ano. Em agosto, o preço aumentou
com franca tendência para alta ainda maior.Comosucede com o açúcar, a manutenção
do preço desse produto em um nível ao alcance das classes pobres é mais do que uma
questãocomercial —é questãodeordem pública. Acarestiadocharque foi uma das cau-
^^^COí\/\\SSAP{\ADO eocharque. Revista doComércioe/ndústría doRio Grande doSu/, Porto Alegre 13): 107, set.
1918.

183
sas notórias de agitação operária e dos distúrbios de agosto último. O "Comissariado"
verificou as existências no mercado, informou-se das condições das charqueadas, in
vestigou os preços no Distrito Federai e fixou-se no de 2$200 o kg para a melhor quali
dade, e em relação para as demais. Esta medida não satisfez as exigências da população,
que pedia preços mais acessíveis, mas foi o meio que encontrou o "Comissariado" de
conciliar as reclamações populares verificadas procedentes com os interesses respeitá
veis dos charqueadores.l^?

Na verdade, o que se pretendia era conciliar interesses na verdade


inconciliáveis: consumidores urbanos, setor de produção dirigido ao
mercado interno e interesses de governo de uma oligarquia agro-expor-
tadora.
O que se apresentava por trás disso tudo era a manutenção, por
parte dos grupos oligárquicos cafeicuitores, de uma política de desva
lorização de moeda e valorização do café, que fazia reverter ao latifun-
dário grande lucros na venda do artigo no mercado internacional, mas
que internamente agudizava as condições de existência das camadas
assalariadas, uma vez que a inflação fazia diminuir o poder aquisitivo e
elevava os preços dos gêneros de primeira necessidade.
Em termos de política econômica nacional, esta era a orientação
seguida pelo grupo no poder com interesses das oligarquias das áreas
subisidiáriasà economia central do pais, que produziam gêneros desti
nados ao mercado interno. A inflação, no caso, tanto aumentava os
custos de produção do seu artigo como também aumentava, por vezes, o
preço desse artigo até um nível que determinava a retração do mercado
consumidor. Na medida em que isto ocorria, o fornecedor periférico
mais distante dos centros de consumo — no caso, o Rio Grande do Sul
— era o mais prejudicado, pois a situação introduzia a outros produto
res, mais próximos do mercado do centro do país a começarem a
oferecer seus artigos.
Tais interesses, contudo, poderiam ter um peso relativo se, a nível
de política, fosse importante contar com o apoio do grande eleitor
sulino.
Se para a oligarquia cafeicuitora, de uma tiora para outra, começa
ram a contar os interesses dos consumidores urbanos, ê porque a
política inflacionária tinha um limite, que era justamente o agravamento
das condições de vida destes consumidores a um nivei tal que ameaçava
a estabilidade do regime. No caso especifico da conjuntura tratada, as
greves operárias haviam tornado, nos anos de 1917 e 1920,a famosa
questão social numa ameaça ã ordem vigente. Entrou em ação, então, o
Comissariado limitando o preço dosartigos e salvaguardando o sistema.

^^^BULHÕES, Leopoldo de. Acarestia da vida e o Comissariado da Alimentação Pública. Revista do Comércio t
Indústria, São Paulo (47) ; 395-8, nov.1918.

164
Ê evidente que havia especulação com o preço do charque, que se
devia muito mais à ação das casas comissionârias para a venda do artigo
do que dos produtores gaúchos. Todavia, os interesses destes ficavam
subordinados aos interesses da economia agro-exportadora, sendo,
como eram, fração da classe dominante nacional,mas ligados a uma
região de economia subsidiária.
A mesma subordinação dos interesses do Rio Grande do Sul ao
centro se faria sentir na proibição decretada pelo Comissariado de
Alimentação Pública em 1918, da exportação para o estrangeiro das
carnes congeladas e frigorificadas.
As explicações dadas pelo Governo eram que se deveria aliviaros
depósitos de carne frigorificada em Londres. Havia a necessidade de,
por um lado, proteger a pecuária nacional, desfalcada com o excessivo
abate dos frigoríficose, por outro, forçara baixado preço da carne para
os centros consumidores. Argumentava o Governo que a a exportação
exagerada dos produtos congelados determinara a falta de carne nos
centros urt>anos.
Contratai determinação, levantava-se o Rio Grande do Sul, como se
pode ver nas palavras de Carlos Corrêa ao Correio do Povo, em dezembro
de 1919:

(...) insurgíndo-se contra ela, presumimos traduzir o pensamento de todos os


criadores e ínvernadores do Rio Grande do Sul e do país Inteiro, e lançamos o nosso vee
mente protesto contra esse despotismo com que, desde há multo, nossos dirigentes vêm
nostíTizando todos os surtos de nossa lavoura e de nossa pecuária, ferindo dé morte as
suas mais legítimas esperanças. Como nada sabemos dos motivos que determinaram
esse decreto do governo federal, vamos estudar as razões que o poderiam indicar
honestamente, para esclarecer completamente o assunto. Elas só poderiam ser as se
guintes, atenta a normalidade da vida nacional:
a) a diminuição de nossa população bovina, acarretada pelo excesso de exportação;
b) a falta de carnes nos mercados consumidores ou de outros gêneros de primeira neces
sidade que ela pudesse substituir.
A primeira razão não existe (...) a nossa população bovina tem aumentado
consideravelmente, apesar de nossa grande e crescente exportação de carnes (...)
Quanto ao segundo motivo, a falta de carne nos mercadosconsumidores do país ou
de gêneros de primeira necessidadeque ela pudesse substituir, ela não teria justificati
va, porquenão só há grandes reservas de todos os gênerosde primeira necessidade em
todosos mercados, mashágrandes estoquesde charque emtodoo norte do país, como
o provam as insistentesrecomendações dosconsignatários nortistas aos charqueadores
daqui, que não matem antes de fevereiro ou março, até que diminuam as reservas sem
afetar os preços.
(...) Comeste decreto de proibiçãode exportaçãode carnes congeladas e frigorif iça
das, os interessados na baixa dos nossos gados estão de parabéns, porque têm nele
contra nósuma arma mil vezes mais poderosa doqueos embustes e os artifícios das res
cisões dos contratos europeus. Agoraa pecuária nacional fica reduzida a exportar o so-
brante do seu consumo de carne, ou em conserva, ou em charque, ou em pé, para ser
beneficiado no estrangeiro."* 78

^7®cORREA, Carlos. Proibição da exportação de carnes. Correio do Povo, Porto Alegre, 17 dez. 1919. p. 1.

165
o grande perigo que a medida do centro trazia paraa pecuária gaúcha
eraadificuldade de colocação de sua matéria-prima, o gado. As conser
vas, findo o conflito europeu, tiveram a sua procura diminuída pelo
mercado internacional. O charque enfrentava uma crise continuada e os
estoques se avolumavam. Quanto ã exportação de gado em pé, só os
criadores de fronteira è que realmente poderiam aproveitar esta saída. A
deficiência dos transportes ferroviários ou o longo trajeto a pé, que
emagrecia o gado, desaconselhava esta solução para os estancieiros de
zonas mais distantes, como a serra. Além, disso, uma vez no Prata, este
gado, menos refinado que o orientai, seria vendido em condições
desavantajosas às companhias frigoríficas estrangeiras que tanto ope
ravam aqui como ià.
A questão agitou o Rio Grande do Sul, que tinha seus interesses
afetados por uma política emanada de uma oligarquia que desconsidera
va a importância da questão pecuária para o Estado gaúcho, afetado, por
um lado, pela crise do charque e, por outro, pela restrição da matança
nos frigoríficos.
Aliás, as conseoüèncias da sobra do gado no Estado já se faziam
prever:

... determinou-se que a proibição và até 28 de fevereiro ... o que pode então acon
tecer é que, suspensa esta, e ... os frigoríficos, valendo-se da situação daqueies (cria
dores) com seus campos sobrecarregados, acabam por tirar partido das circunstâncias
apremiantes para os criadores, sem vantagem nenhuma para o consumidor.t^d

Tanto a União dos Criadores como a Associação Comercial solici


taram a revogação do decreto, pedindo a interferência do presidente do
Estado no caso, Borges contemporizou, alegando ser uma determinação
que atendia os interesses do centro. Na realidade, o Governo gaúcho
pactuava com uma política de barganha e conciliação de interesses que o
levava a apoiar o Governo de Epitácio Pessoa nas suas decisões, a fim
de ganhar o apoio federal para a sua meta máxima em termos de política
econômica: a solução final do caso dos transportes no Rio Grande do
Sul.
A análise de questão serve, contudo, para demonstrar as condições
de limitação que se impunham ã economia gaúcha de seguir os seus
próprios rumos, atendendo os interesses específicos da sua classe
produtora, tanto no que diz respeito aos criadores como aos charquea-
dores.
Para o Estado, porém, antes e acima da problemática que atingia a
pecuária gaúcha, estava a questão dos transportes. A sua solução se

^^^D'UTRA, Leo. Aexportação de carnes. Correio do Povo, Porto Alegre, 18dez. 1919. p. 1

166
consagraria de corpo e alma o Governo. Se com relação ã pecuária agia
de maneira indireta, favorecendo-a e impuisionando-a, com relação aos
transportes seu objetivo era a intervenção direta, pela socialização.
Encampando um serviço público, o Governo agia tendo em vista os
interesses de todos os setores sociais e econômicos do Estado, que
usufruiriam dos benefícios de dinamização do setor dos transportes.
Na concepção do Estado, da solução deste probiámas estariam
pendentes todas as demais questões que afligiam a economia do Rio
Grande.
Na mensagem de 1917, Borges de Medeiros queixava-se contra os
serviços da companhia concessionária que explorava o porto do Rio
Grande e que gozava da garantia de juros de 10% sobre o capital
empregado. Ora, o Governo federai deveria garantir este pagamento,
conforme estabelecia o termo de concessão. Como o serviço de atendi
mento do porto era péssimo, o lucro auferido era pequeno. Para pagar
esta garantia de juros, o Governo poderia se ver obrigado a aumentar as
taxas, prejudicando ainda mais o deficiente sistema de escoamento
marítimo dos produtos gaúchos. Frente a este status quo se insurgia o
Governo do Rio Grande do Sul, propondo ao Governo federai a encam
pação amigável através da mediação do poder central que transferiria
para o Estado a conservação da barra e a exploração doporto'®®
Um deficiente e oneroso sistema de escoamento só poderia ter a
sua contrapartida no fomento do contrabando e na salda dos produtos
por Montevidéu. Batalhando pela Idéia governista quanto aos transpor
tes, a açãoda bancada gaúcha no Congresso veio a dar os seus frutos.

Referia Borges na mensagem de 1918:

Seguem rapidamentee sem opugnação os trâmites regimentaisdo projeto n° 129A


—918, queestabelece as condições emvirtude das quaiso Poder executivo permitirá à
"Compagnie Françalse du Port du Rio Grande do Sul" a transferência dos seus contratos
relativos à barra do Rio Grande e porto do mesmo nome, naconformidade do que forou
tiouver sido convencionadoentre o presidente do Estado o os representantes da "Com
pagnie". Com parecer favorável e unânime da "Comissão de Finanças" que formulou
apenas levesalterações, passou o projetona Câmara Federal e encontra-se Mora no Se
nado, onde é de esperar que tenha o mesmo curso favorável e vltorloso.l^^
O empenho do Governose justificava na medida em que a questão
dostransportesera considerada o único ou verdadeiro problema econô
mico no Rio Grande doSuP^^
180
MENSAGEM presidencial de 1917. p. 46-53.
181
MENSAGEM presidencial de 1918. p. 35.
^®^lbidem, p. 60.

167
o problema da barra e porto do Rio Grande teria seu fim em 18 de
outubro de 1919, quando, apossas conversações com o Governo federai,
o Governo do Estado pôs em ação o esquema de socialização dos
serviços públicos, velha aspiração positivista que se tornou realidade.
O Governo gaúcho encampou a barra e o porto, passando ao Estado a
administração da única via de escoamento marítimo da produção rio-
grandense. Objetivava, com isso, desviaf a exportação de Montevidéu
para o Rio Grande, não só beneficiando a zona da campanha como
servindo de escoamento para a produção da zona coioniai.
O Governo intencionava reduzir as taxas cobradas para acelerar o
processo de transferência do porto oriental para o porto rio-grandense. O
Estado, ao realizar a encampação, não objetivava lucros, mas sim
incentivar a produção e dinamizar a circulação. Com isso, pensava o
Governo solucionar de uma vez por todas os problemas econômicos
gaúchos. Neste sentido, só faltava encampar a Viação Férrea,o que se
daria em 1920. O período do pós-guerra, contudo, demonstraria que os
esforços empregados não eram suficientes para findar com o problema
rIo-grandense.
Portanto, durante o período em apreço, as ações do Governo quanto
às atribuições da atividade charqueadora se limitaram a agir indireta
mente na redução de impostos ou diretamente sobre a questão dos
transportes, atendendo, neste caso, uma perspectiva de progresso
econômico global do Estado. Quanto aos criadores, a crise do charque
os afetava diretamente pela perturbação que ocorria ante a incerteza de
colocação da matéria-prima que produziam. Jâ os charqueadores sofre
ram um processo de reversão de suas expectativas quanto às vendas do
artigo para Cuba, uma vez que o Uruguai retornou rapidamente ao
mercado antilhano. Permanecia, pois, a crise no setor charqueador.
Em 1918, funcionavam no Estado 34 estabelecimentos charqueado
res, número menor do que os saladeiros atuantes em 1917. Mesmo
assim seis destes deixaram de funcionar. Em 1919, restavam 28 char-
queadas operando no Estado, estando o maior número delas em Bagé e
Pelotas .183

Efn 1920, funcionavam 31 charqueadas no Estado. Entre elas, se


achavam a charqueada da C/a. Swiftdo Brasii e a Charqueada Wilson, de
propriedade da companhia do mesmo nome, que estava adaptando suas
instalações para um frigorífico
O capital estrangeiro norte-americano, portando, se achava presen
te também neste ramo, operando com o charque. Quanto às proprieda-
I^^mEIsISAGEM presidencial de 1920. p. 85.

1®^REVISTA do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (8) : 240-5, dez. 1922.

168
des charqueadoras do capitalismo inglês, tem-se noticias de que, em
1915, foi requerida a falência da Ang/o Brazilian Meat Company Ltda. que
possuía as charqueadas Santa Tereza e Industrial na zona de Bagé^ . A
partir deste momento, o capital nacional que a ela estivera associado
(Visconde de Ribeiro de Magalhães) permaneceu só na direção dos
estabelecimentos, mantendo-os em funcionamento.

Retiradas as empresas de propriedade exclusiva do capital estran


geiro {Swift e Wilson), restavam, para o ano de 1920, 29 charqueadas no
Estado de propriedade nacional. Este número poderá ser ainda diminuí
do se for descontada a charqueada Paredão, de Cachoeira, onde apare
ce, nos dados que se possui para1920, como sendo de propriedade da
Brazilian Extract of Meat and HIde Factory. Fora esta referência, não se
encontraram maiores informações sobre a charqueada. Caso, porém, se
deduzisse mais esta, restariam, para o ano em apreço, apenas 28
charqueadas de rio-grandenses.
Frente a multiplicidade dos criadores existentes na região, vê-se
que este reduzido grupo constituía uma pequena fração da classe
dominante no Estado. Como grupo com interesses próprios, articula
vam-se em convênios, mas não tinham, frente aos criadores organizados
no órgão de ciasse União dos Criadores, um tipo de atuação simiiar na
defesa de seus objetivos.
O número das charqueadas no Estado diminuía ou, no máximo,
conseguia manter os mesmos estabelecimentos funcionando. Era uma
indústria em estagnação e não em expansão, no período de análise.
Segundo os dados fornecidos para o ano de 1920^®® , as charquea
das estabeleciam-se nos municípios de Pelotas (em número de 5), Itaquí
(1), Bagé (6), Urugualana (1), Quarai (2), São Borja (1), Caxias (1),
Rosário (1), Camaquã (1), Santa Maria (1), Cachoeira (1), Jaguarão (1),
SãoGabriel (4), Júlio deCastilhos (1), Livramento (1), PortoAlegre (2) e
Passo Fundo (1).
A julgar pelo grande contingente de estabelecimentos fronteiriços,
pode-se apreciar a quantidade de charque que era exportada por
Montevidéu, tendo em vista as dificuldades que se antepunham á saida
por Rio Grande.
Em termos mais especificados, a sua distribuição era a seguinte,
segundo os dados que se possui para o ano de 1920^®^*
'85o PROGRESSO, Porlo Aleqre 127 28), de/ 1915 e lan 1016
'86re\/ista do Arquivo Público, op. cit., nota 184, p, 240-5
'®^lbidem.
Pelotas
Estabelecimento: Charqueada São Gonçalo
Proprietário: Pedro Osório & Cia.
Área: 500 ha
Fundação: 1886
Abate: 40.000 reses p/safra
Capital: 1.000:000«000
Estabelecimento: Charqueada São João
Proprietário: Manoel Ferreira da Silva
Área: 500 ha
Fundação: 1 ? de janeiro de 1920
Abate: 20.000 reses p/safra
Capitai: 350:0005000
Estabelecimento: Charqueada Moreira
Proprietário: Moreira & Fiihos
Area: 500 ha
Fundação: 1905
Abate: 20.000 reses p/safra
Capital: 200:0005000
Estabelecimento: Charqueada Fragata
Proprietário: Braga & Araújo
AVea: 100 ha
Fundação: 1? de janeiro de 1920
Abate: 6.000 reses p/safra
Capital: 100:0005000
Estabelecimento: Charqueada Marciano
Proprietário: Marciano Gonçalves Terra & Cia.
Abate: 2.569 reses p/safra
Itaqui
Estabelecimento: Charqueada DIckInson
Proprietário: J.C. DIckInson & Cia.
Area: 20 quadras de sesmaria
Fundação: 1910
Abate: 30.000 reses diárias
Bagé
Estabelecimento: Charqueada Industrial
Proprietário: Magalhães, Prattl & Cia.
Area: 350 ha
Fundação: 1908
Abate: 80.000 reses p/safra
Capitai: Social - 200:0005000
Mercantil - 6.000:0005000
Estabelecimento: Charqueada Santa Tereza
Proprietário: Ribeiro de Magalhães
Fundação: 1897
Estabelecimento: Charqueada Santo Antônio
Proprietário: Joaquim PImentel Magalhães
Area: 436 ha
Fundação: 1904
Abate: 40.000 reses p/safra
Capital: Social - 150:0005000
Mercantil - 2.500:000500

170
Estabelecimento: Charqueada Santa Martin
Proprietário: Serafim Gomes & Irmãos
Área: 872 ha
Fundação: 1900
Abate: 60.000 reses p/safra
Capital: Social -1.000:0003000
Mercantil - 8.000:0003000
Estabelecimento: Charqueada S. Domingos
Proprietário: Tamborindeguy & Costa
Área: 119 ha
Fundação: 1904
Abate: 40.000 a 60.000 reses p/safra
Capital: Social - 200:0003000
Mercantil - 5.000:0003000
Estabelecimento: Charqueada São Miguel
Proprietário: Miguel Vinhas & Cia.
Área: 119 ha
Fundação: 1914
Abate: 30.000 reses p/safra
Capital: Social - 100:0003000
Uruguaiana
Estabelecimento: Charqueada Barra do Quarai
Proprietário: Companhia Saidero Barra do Quarai
Fundação: 1887
Capital: 300.000 pesos ouro
Quarai
Estabelecimento: Charqueada São Carlos
Proprietário: Osório Rocha & Cia.
Área: 643.000 m2
Fundação: 1911
Abate: 100.000 reses p/safra
Capital: Social - 280:0003000
Mercantil - 4.000 a 8.000 contos de réis
Estabelecimento: Charqueada Novo Quarai
Proprietário: Caio, Tabares & Cia.
Área: 2.450.700 m2
Fundação: 1894
Abate: 100.000 reses p/safra
São Borja
Estabelecimento: Saiadeiro Alto uruguai
Proprietár;o: Companhia industriai e Comerciai
Área: 1.602 ha
Fundação: 1911
Caxias
Estabelecimento: Charqueada Guerreiro
Proprietário: Guerreiro & Cia.
Área: 1.000.000 m2
Fundação: 1915
Abate: 900 reses p/safra
Capital: 600:0003000
Rosário
Estabelecimento: Charqueada Cia. Swift do Brasil
Área: 21.500 m2
Fundação: 1917
Abate: 30.000 reses p/safra
171
Camaquã
Estabelecimento: Charqueada Centeno
Proprietário: Hildebrando José Centeno
Santa Maria
Estabelecimento: Charqueada de Nilo Teodósio Gonçalves
Capital: 900:000$000
Cachoeira
Estabelecimento: Charqueada Paredão
Proprietário: BrazIIlan Extract of Meat and HIde Factory
Fundação: 1878
Capital: 105.000
Jaguarão
estabelecimento: Charqueada União
Proprietário: Rache, Leite & Cia.
Área: 13 ha
Fundação: 1860
Abate: 15.000 reses p/safra
São Gabriel
Estabelecimento: Charqueada de Boaventura Pinto
Área: 4.356.000 m2
Fundação: 1911
Capital: 100:000$000
Estabelecimento: Charqueada de Antônio Cândido da Silveira
Área: 11.893 m2
Fundação: 1910
Capital: '100:0009000
Estabelecimento: Charqueada de Serafim Gomes & Irmão
Área: 435 ha
Fundação: 1918
Capital: 100:0009000
Estabelecimento: Charqueada de Manoel F. da Silva
Fundação: 1915
Júlio de Castilhos
Estabelecimento: Charqueada Tupanciretan
Proprietário: Pedro Osório, Abreu & Cia.
Área: 610 ha
Fundação: 1907
Abate: 50.000 reses p/safra
Capital: 1.200:0009000
Livramento
Estabelecimento: Charqueada Wilson
Área: 130 ha
Fundação: 1918
Capital: 2.000:0009000
Porto Alegre
Estabelecimento: Charqueada Pedras Brancas
Proprietário: Evaristo Lopes dos Santos
Estabelecimento: Charqueada Comte. Marampelo
Passo Fundo
Estabelecimento: Charqueada de J. Magalhães

172
A partir destas Informações, pode-se ver a origem estrangeira de
algumas charqueadas no Estado: americanas, como Swift e Wilson, ou
de capital Inglês em sua origem (Braziiian Extract Meat and Hide
Factory, na charqueada Paredão) ou em associações anteriores (char-
queada Industriai, onde se encontra a coligação da Angio com o capital
nacional).
Dentro do conjunto total, destacam-se aqueles oriundos da pene
tração uruguaia na zona da fronteira, a fim de contornar barreiras
alfandegárias para a entrada do produto no mercado brasileiro.
È o caso especifico da charqueada Dickinson, em Itaqul; a charqueada
Barra do Quarai, da Companhia Saiadero Barra do Quaraí, em Uruguala-
na; a charqueada São Carlos, em Quaraí, fundada pela firma Reverbei,
Mendive & Cia.; a charqueada Novo Quarai, no mesmo município, da
firma Calo, Tabares & Cia,; e Saiadeiro Alto Uruguai, em São Borja, da
Companhia industriai e Comercial.

De una forma y otra, entonces, arrendando, comprando, instalando nuevas fábricas,


se produjo un trasiego considerable de capitales hacia Ia frontera brasilefia.'88

No conjunto dos fatos. Importareter que, na análise da origem das


charqueadasgaúchas, se constata a própria precariedade de capitaliza
ção local. Aquelas que se destacaram sofreram justamente um Influxo
de capital alienígena.
Dentre estas, talvez merecesse referência especial o Saiadeiro
Dickinson, da firma Jorge Ciarck Dickinson & Filhos, fundado em 20
de março de 1910, à margem esquerda do rio Uruguai, em Itaqul. No
depoimento de um fazendeiro local, o conhecido Marcial Terra,teria
afirmado, em Porto Alegre, numa reunião política por volta de1934, que
este seria o maior e melhor saiadeiro da América do Sul, acrescentando:
afirmo, porque conheço iodos
Inclusive, pelos dados de matança do saiadeiro a partir de sua
Inauguração, pode-se apreciar o desenvolvimento da crise do char-
quei9o.

1910 — 49.348 reses


1911 — 82.631 reses
1912 — 78.803 reses
1913 — 60.923 reses
1914 — 60.927 reses
1915 — 19.344 resea .
1916 — 4.461 reses
1917 — 24.290 reses
1918 — 24.698 reses
1QO
BARRAN & NAHUM, op. cit., nota 17, p. 326.
^89tavAR ES Eleni Pereira. Inventárioabreviado sobreacervqcuituraido município de ítaqui. São Leopoldo, 1977.
p. 87-8. (monografia do cursode Especialização em História Contemporânea)
^^^Ibidem, p. 88.

173
Ê possível observar que, no ano seguinte ao de sua fundação, a
charqueadadesenvolveu grande capacidade de abate. Indo após decres-
cendo a matança de ano a ano até atingir o momento crítico de 1916. A
partir daí, constata-se a osciiação favorávei de 1917-1918, quando foi
possívei dar entrada no mercado cubano com o produto rio-grandense.
Fazendo um retrospecto dos processos analisados no capítulo,
viu-se que o período da guerra veio trazer boas perspectivas de mercado
pela elevação dos preços dos produtos agropecuários. A conjuntura
internacional favorável atuou tanrlbém como um poderoso incentivo á
renovação tecnológica da estrutura pecuária gaúcha, através da funda
ção de frigoríficos. Neste sentido, arregimentaram-se criadores de
ambas as facções políticas, com o apoio do Estado para a constituição
de um frigorífico nacional. Apesar de todos os incentivos oficiais e da
campanha da União dos Criadores, o projeto encontrava uma série de
dificuldades para converter-se em realidade. Enquanto o frigorífico
nacional demorava a concretizar-se, começavam a operar no Estado os
estabelecimentos estrangeiros. Setai fato, por um lado, contribuiu para
adinamização dos processos da criação de gado e seleção de rebanho,
por outro, a persistência da crise do charque e a ação do frigorífico
estrangeiro mantinham a pecuária gaúcha numa situação em que não
podia auferir, de fato,os possíveis lucros advindos dos bons preços.
A atuação do Estado frente ao problema pecuário como um todo
permitiu que este fosse um dos fecundos períodos do Governo borgista.
Ao propor a fundação de um frigorífico nacional que viesse ao encontro
dos interesses econômicos da classe pecuarista, Borges de Medeiros
teve a adesão dos dois segmentos em que se dividia a política da região.
A penetração do frigorífico estrangeiro na economia pecuária gaú
cha contribuiu, em parte, para manter, no momento daguerra, o clima de
euforia, uma vez que somente ao aproximar-se o fim do período é que as
manobras baixistas das empresas estrangeiras começaram a reverlar-se
claramente. Restava, contudo, a esperança na realização do projeto
nacional, que ainda não fracassara de todo.
O próprio charque, na etapa aludida, experimentou uma osciiação
favorável, pela conquista do mercado cubano.
Em suma, condições propícias de mercado levavam a crer que o Rio
Grande do Sul venceria as condições de crise e estagnação que a sua
economia criatória e charqueadora enfrentava desde o início do século.
Entretanto, desfeito o momento da guerra, a pecuária rio-grandense
enfrentaria uma conjuntura mais depressiva ainda.

174
3 — AS CRISES DO PÔS-GUERRA (1920-1930)

3-1 —A reabertura da crise na pecuária (1920-1923)

A crise econômica da peçuária gaúcha, possibilitando a conscien


tização parcial dos agentes, conjugada às perspectivas desenvolvimen-
tistas do Governo e à conjuntura favorável de mercado,levaram a uma
febril campanha pela instalação do Frigorífico Rio Grande.
Desde o início, contudo, se antepuseram dificuldades ao projeto
nacional, em termos de capitai, tecnologiae dominio de mercado. Mas,
ao mesmo tempo, a conjuntura da guerra mantinha uma perspectiva
otimista, devido tanto aos preços altos atingidos pelos produtos agro
pecuários no mercado mundial, quanto pela noção positivista de pro
gresso necessário que acompanhou a montagem do frigorífico nacional.
As empresas estrangeiras, que no Estado haviam se estabelecido,
estavam dando bons lucros e a experiência demonstrara ser positiva
A penetração do frigorífico estrangeiro, por outro lado, tomava
premente a necessidade de opor um estabelecimento nacional ao aliení
gena para impedir o monopólio.
Aconjuntura favorável da guerra para os produtos pecuários, como
jáse viu no capitulo anterior, fez com que as áreas periféricas incremen
tassem o seu processo produtivo, tanto no piano de investimentos na
esfera da criação quanto na renovaçãoda estrutura fabril, com a monta
gem de frigoríficos de capitai norte-americano ou inglês.
Com as grandes perspectivas de lucros, os negócios começaram a
avoiumar-se e houve um processo de expansão do crédito, aliado a uma
política de incentivos fiscais do Governo.
Ao ter inicio a década de 20, entretanto, desfez-se a conjuntura
ótima que se prolongara até 1919. Da época de euforia, passava-se
rapidamente á configuração da crise económico-financeira.
Terminado o conflito, decaiu a demanda ultramarina dos produtos
pecuários, uma vez que as nações voltaram-se para a tarefa de recons
trução interna da economia européia num momento em que decaia o seu
poder aquisitivo. Com a retração da demanda, decairam os preços. A
especulação infiacionária, seguiu-se um período de deflação.
A respeito deste problema, refere Dotta:

175
La retraclón de los mercados mundiales a comienzos de los anos 20 va a determinar
gravesproblemas. Durante IaGuerra, lospreclos habiansubido a mâs dei doblede su ní
vel de 1913, bajando aquellos después de Ia contienda. Pero luego de firmada Ia paz e
Iniciada Ia recuperaclón de Ias marinas mercantes. Ia demanda aumentó, generando un
alza artificial deprecies que no podia mantenerse, loque originó el desplome de los mls-
mos con Ias conseqüências consigulentes para los países colonlales, semicolonlales y
dependientes, proveedores de matérias primas. Habla ocurrido que Ias potências euro-
peascombatleron mâsdecuatroafioscon todas sus energias y todas sus reservas. Al fi
nal de Ia contienda, hubounabajaen laproduclón, sin precedente en Ia história dei capi
talismo ...
Lacrisis mundial determinó una bajade preclos que sl sitúan en los segulentes gua-
rlsmos:
Preclos mayoristas bajan en 45%;
Preclos matérias primas Industriales bajan em 51%;
Preclos matérias primas agrícolas bajan em 53%.''
A crise revelar-se-la universal, mas assumiria um caráter agudo na
zona platina, onde a pecuária se apresenta como a atividade econômica
principal.
No Prata, onde desde longa data reaiizava-se a criação com cuida
dos de refinação e cruzamento do rebanho, onde a indústria frigorífica
encontrava-se consolidada e onde os pecuaristas possuíam o controle
governamental, a crise rebentou com violência. Em suma, tratava-se da
derrocada da própriaestrutura econômica platinae do abalo no prestígio
dos estancieiros locais, que divisavam, como o ponto centrai da proble
mática, a ação nefasta dos frigoríficos. Por um lado, se tinha consciên
cia de que a superprodução dos artigos frigorificados determinava a
t)aixado seu preço, mas, por outro, tinha-se como motivo mais consis
tente as especulações que as empresas estrangeiras faziam com a carne.
A atuação dos pecuaristas variou desde projetos que visavam a
nacionalização, pela encampação da indústria alienígena, como a exe
cução da Lei 11.227, de 1923, que fixava um preço mínimo para a compra
do gado bovino. Todavia, posta em execução esta medida, verificou-se
que os estabelecimentos frigoríficos tinham poder bastante para perma
necerem parados, sem abater, sem que com isso se vissem prejudica
dos. O desfecho melancólico do incidente deu-se após 22 dias de
paralisação das compras de gado, quando os próprios pecuaristas
solicitaram a revogação da lei2.
Outra era a versão da crise dada pelos gerentes de frigoríficos no
Prata, que enfocavam o probiemaapenasanívei de retração de mercado.

Referindo-se a uma série de medidas tomadas para solucionar a


dei içada situação da crise pecuária na Argentina, a Revista Comerciai do
Brasil, de 1922, acrescentava:
^DOTTA, Mario et alii. Eluruguay ganadero. Montevideo, Ediciones de La Banda Oriental, 1972. p. 98
^RICHELET, Juan E. La ganaderfa argentina y comercio decarnes. Buenos Ayres, Lajouane/Libreria Nacional,
1928.

176
(..) A essas medidas, vêm seguindo outras, estudadas com mais calma, e — por
isso mesmo, de mais fácil realização, graças ao apoio do Governo, tais como a exporta
ção de carnes para a Rússia, a concessão de um crédito de quinze anos à Alemanha. Es
tas duas últimas idéias diz-se que foram apresentadas em uma reunião dos gerentes dos
frigoríficos, presidida pelo Ministro interino da Agricultura. Nessa reunião, estes geren
tes foram unân imes em declarar que a causa exclusiva da crise residia na menor demanda
dos mercados consumidores, mostrando-se todos eles otimistas devido a um conjunto
de circunstâncias deles conhecido e que os levaram a esperar uma melhoria gradual e
paulatina nos preços dos mercados ... 3

A crise, naturalmente, se fazia sentir com maior intensidade nos


países que tinham a pecuária como setor dominante da economia
(Argentina eUruguai)e menos naquelesque tinham uma produção mais
variada.
O retraimento dos mercados europeus de carne congelada e con
servada (produtos de frigorífico que ascenderam durante a guerra em
substituição às carnes resfriadas) causou seus efeitos sobre o Brasil.
Fortunato Pimentel, referia em janeiro de 1920, no Correio do Povo,
a mudança havida nos produtos exportados pelos frigoríficos no pós-
guerra:

(...) a guerra, que mudara muitíssimo o comércio mundial de carne, felizmente já


terminou, dando-nos com a paz almejada grandes surpresas, modificações radicais em
diversas indústrias, aniquilando a exportação de carnes em conserva ("corned beef"),
que por longos anos de lutas constituiu o alimento principal dos soldados nas linhas de
batalha, razão porque as companhias americanas se instalaram no Brasil, ativando a
nossa indústria, enviando milhões de latas para a Europa, levantando assim a nossa pri
meira indústria, elevando os preços de nossos gados e contribuindo poderosamente pa
ra firmar o nome do Brasil no comércio europeu da carne.^

Tanto o corned beef como o frozen beef eram alimento por excelên
cia das tropas e haviam permitido que os frigoríficos estrangeiros se
estabelecessem em áreas em que o processo de refinamento do rebanho
não se achasse tão adiantado como no Prata. Neste caso estava o Brasil.
Fazendo uma comparação entre a situação pré e pós-guerra, a
Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul assim se pronun
ciava:

Um dos produtos, cuja estatística apresenta mais violentos saltos na escala de


nossas exportações, nestes últimos anos, são as carnes conservadas. A guerra deu ex
cepcional surto a este comércio, a celebração do armistício submergiu-o numa crise tre
menda ... Os principais compradores de carnes em conservas eram os Estados belige
rantes. Careciam estes delas, para abastecimento de seus exércitos dos quais consti
tuíam o principal alimento. Daí com o crescer das multidões em armas, o avultar das en
comendas. E,1918,sobreveioo armistício. Ésabido que este se antecipou á previsão ge
ral, que marcava a cessação das hostilidades para1919, quando menos. Mas muitas en
comendas estavam feitas.Por outro lado,não se sabia ao certo se ao armistício se segui
riaa celebraçãoda paz. Apossibilidadeda renovação das hostilidades perdurou, de fato.

^CRISE da pecuária na Argentina. Revista Comerciai do Brasil. Rio deJaneiro {16):278, abr. 1922.
"^EXISTÊNCIA de gados na Inglaterra. Correio do Povo. Porto Alegre, 31 jan. 1920. p. 2.

177
atè o derradeiro instante. Por outro iado, havia os exércitos de ocupação em todas as an
tigas frentes de batalha a abastecer. Por isso, ainda neste ano, as remessas atingiram ao
máximo. A despeito de todas estas dificuldades, porém, a paz se fez. Os exércitos vindos
de continentes distantes foram repatriados. As tropas de ocupação reduziram-se ao
mínimo. As colossais quantidades de carnes destinadas aos formidáveis exércitos da
Entente ficaram disponíveis. E elas foram lançadas ao mercado. Só os americanos dei
xaram na Europa quantidades enormes.
O resultado foi este que a estatística assinala: o brusco e quase total estancamento
da exportação em 1920. E no ano corrente, a situação ainda é pior, pois que contra 1.507
toneladas, no valor de 2.848 contos de réis, exportados nos oito primeiros meses de
1920, só exportamos no mesmo período do ano em curso, 469 toneladas, no valor de 939
contos de réis. Quem mais sofreu com isso, no Brasil, foi o Rio Grande do Sul. Cabiam-
nos, com efeito, mais de quatro quintos da exportação em 1919, recaiu assim, sobre nós
a maior parte do prejuízo decorrente do súbito estancamento e foi uma das razões que
contribuíram para agravar a crise da nossa pecuária.^

o Rio Grande do Sul se achava, quanto aos problemas que afeta


vam a economia pecuária no pós-guerra, numa situação similar à do
Prata, pois tinha representados, neste setor da economia, os produtos
que maisavultavam na pauta das exportações do Estado. Todavia, o Rio
Grande carecia, como na Argentina e no Uruguai, do livre acesso aos
mecanismos de decisão política que permitissem melhor proteger a
pecuária da crise mundial. O Rio Grande do Sul posiclonava-se com um
grande peso na balançado poder na República Velha brasileira, mas não
era um estado dirigente que pudesse manipular, tal como a oligarquia
cafeeira, a política nacional em seu benefício.

Como se manifestava, no Estado, a crise pecuária e como era a


mesma percebida pelos elementos ligados a esta atividade econômica?

Basicamente, ocorria uma crise econômica e financeira.


A proliferação dos frigoríficos, pondo em ação sua grande capaci
dade de abate, levou a uma superprodução dos produtos pecuários. O
Rio Grande do Sui, em especial, era responsável por uma grande quota
das exportações dos produtos frigoríficos que o Brasil enviava ás nações
combatentes. Com a retração do mercado internacional, a perda de
poder aquisitivo europeu, a deflação e os problemas pertinentes á volta
da economia de guerra à economia de paz motivou a baixa do preço dos
produtos pecuários.

Ante a crise de mercado, os frigoríficos restringiram a matança,


que, conjugada com a restrição doat^atenas charqueadas, criou para
a pecuária gaúcha uma crise sem precedentes.
Com relaçãoà produção dos frigoríficos de todo o Brasil, Fortunato
Pimentel fornece os seguintes dados para a exportação de carnes
"íf
Alegre (10-11 :3o3,inov. 1921. conservas. Revista do Comércio eindústria do Rio Grande do Sui. Porto
178
congeladas e resfriadas 6;

Anos Toneladas Valoremrèls


1914 1.415 .—

1915 8.514 . 6.121 :S99$000


1916 33.661 28.191:589S000
1917 66.452 80.232:840$000
1918 60.509 80.755:199$000
1919 54.094 80.183:151 $000
1920 63.600 87.212:521 $000
1921 61.934 85.305:382$000
1922 32.308 39.300:335$00
1923 76.829 88.490:835$000

Note-se, aqui, a diminuição, em toneiagem e vaior, para o ano de


1922, mas também considere-se a rápida recuperação em 1923.
Com relação ao Rio Grande do Sul, apresentam-se os seguintes
dados 7 •

EXPORTAÇÃO DE CARNES CONGELADAS

Anos Quilos Valorem réis

Anos Quilos Valorem réis


1919 7.355.981 5.884:7848800
1920 24.193.707 19.297:6391600
1921 32.548.381 26.027:4248300
1922 2.932.872 2.383:9428300
1923 11.199.983 8.960:6728500
1924 12.931.355 12.511.4718200

EXPORTAÇÃO DE CARNES EM CONSERVA

Anos Quilos Valorem réis


1919 16.710.252 16.969:5198290
1920 840.731 947:3408300
1921 1.601.184 1.865:6178500
1922 1.789.538 1.459:6918250
1923 999.273 999:0078130
1924 829.011 994:8138200

Com relaçãoà carne congelada, registra-sea sua ascensão progres


sivaatè o ano de 1921, o baque sofridoem 1922, ano chaveda conjuntura
crítica, e a relativa recuperação de 1923 ei924, porém sém chegar sequer
à metade dos níveis de 1921.

6piMENTEL. Foriunato. Charqueadas e frigoríficos s I Tipoqiafia do Ceniro S.A. s.d. p. 225.


^MENSAGEM presidencial de 1927.

179
Quanto às carnes em conserva, observa-se o seu declínio irrecupe
rável no pós-guerra, após a desarticulação dos exércitos, com o advento
da paz.
Para grande parte dos criadores, contudo, a diminuição do abate e,
conseqüentemente, da exportação, era responsabilidade exclusiva da
ação das empresas estrangeiras que buscavam baixar o preço do gado.
Os frigoríficos estrangeiros, desde quando iniciaram a operar no
Estado, enfrentaram dificuldades, tal como a oferta de animais limitada
ao período da safra de gado gordo, quando os produtores colocavam à
venda animais pesados, paraobterbom preço. Para fugirá ociosidade, a
empresa obteve uma sofisticação na sistemática do trabalho, que lhe
permitia reter matéria-prima congelada para ser utilizada na entressafra.
O setor de lataria também era uma indústria paralela que acompanhou a
Swift e a Armour desde o seu inicio.
Operando por mais tempo, o frigorífico captava preferencialmente a
mão-de-obra no local onde estava instalado.
Durante o período que se está abordando (1920-1923), pode-se
apreciar mais uma vez a transferência de controle acionário que se fazia
dentro das empresas pertencentes ao grupo Armour.
Em 1919, como já fora referido, a maior acionária era a Armour do
Brasil S.A., com sede em São Paulo. Em 1920, o controle das ações
havia passado para a Cia Financeira e industriai de Montevidéu, outra
empresa coligada, responsável pela Introdução de maquinaria na Amé
rica do Sul e pelo aumento de capital da Armour do Rio Grande do Sui,
necessário para a expansão da empresa.
No ano de 1921, a Cia. Armour do Rio Grande do Sui adquiriu, por
compra da Cia. Financeira e industriai, com sede em Montevideo, todas
as ações que esta companhia tinha da C/a. Armour dei Uruguay.^ A
Armour dei Uruguay, por sua vez, tinha a procuração para representar a
Cia. Armour do Rio Grande do Sul em todos os seus negócios em
Montevidéu ^
Toda esta transferência de controle das ações dentro do mesmo
grupo serve para exemplificar as profundas vinculações e ramificações
da empresa americana da zona do Prata, seu controle de mercado,
mobilidade segundo os interesses da empresa e a disponibilidade da
obtenção de tecnologia e capital segundo as necessidades do estabele
cimento.
Por exemplo, em 1923, a Assembléia Geral dos acionistas da
companhia autorizou os diretores da mesma a contrair um empréstimo
8aTA N» 8 de 1' nov. 1921 Livro de Alas da Diretoria U92340Í Arquivo da Swifl Armour S A Indúsina e
Comércio. Santana do Livramento.
^ATA N° 2 de 7 fev. 1920. Livro de Atas da Diretoria ^1923 40) Arquivo da Swift-Armour S A Indústria e
Comércio. Santana do Livramento

180
em obrigações ao portador — debèntures — com a garantia hipotecária
de todos os bens da companhia. A importância da emissão seria de
4.000,000 dólares ouro e as debèntures seriam resgatàveis em 20 anos,
com juros de 3% ao ano^°.
O contrato de emissão das debèntures seria feito com o Continental
and Comercial Trust and Savings Bank, de Chicago. A justificativa da
emissão era a

... a conveniência de cancelar-se a dívida flutuante da companhia, ganhando tempo


para efetuar pagamentos e podendo melhor desenvolver os seus negócios."

O contexto do pós-guerra, portanto, atingiu em cheio os frigorífi


cos. Por um iado, a proliferação das indústrias de frigorificação,moti
vando um excesso de oferta num momento de recessão da demanda,
ocasionou, como se viu, aquedado preço e a conseqüente restrição do
abate das empresas. Por outro iado, o finai da guerra determiriou,
também, uma alteração no consumo europeu dos produtos frigorifica-
dos, ocasionando a queda da carne congelada e conservada.
O finai da guerra ocasionou, ainda, uma escassez de navios
apropriados para o transporte de carnes frigorificadas, criando proble
mas para a saída dos produtos gaúchos que, mais do que nunca,
demandavam os portos platinos,que eram melhor aquinhoados com a
presença de barcos frigoríficos.
Com relação às charqueadas, pode-se dizer que o que se observava
eraa progressão de uma situação crítica e não o eciodir de uma crise de
mercado.
Quanto a este problema, referia-se A. Castro:

... repetidamente se observana históriado Rio Grande do Sulque o difícil paraeste


não é "descobrir" novos produtos e Introduzir novas técnicas: o problema consiste em
manter os mercados, uma vez que outras áreas, mais bem situadas, se lancem no ra
mo.''2

Realmente, um dos pontos básicos que se revelou ao longo da


formação histórica gaúcha foi a emergência dos concorrentes como
fator impeditivo de maior lucratividade da economia local.
No período da guerra, o Rio Grande do Sul conseguira penetrar no
mercado cubano, posição estaque perdeu tão logo se configurou a crise
das carnes frigorificadas, e o Uruguai retornou à velha atividade saladei-

N" 14 (j(> M f(>v Livro da Atos d.r Difolnn., 140) Ar(|iiiv<< (l.i SwiH Aimoiit S A
IridustiM (• CtimcK IO Siinl.irwi do I ivi.imci-in
1' Al AN" 11(j,.4 |,.v 1923 Liv/odcAl.is(Jd Assrnih/f'.,r (urr.ildo^ Aiioosi.is r9^9 •943i Ardiiivi» díi Swif l Armoiif
S A Indnslii.i o ("omÓK lo S.iiil.ni.i do I ivt.iinoiti(«
^^(!AS IH(). Aiilôoio Bnrios de. SgIc onsdios sobre ,/ e< linorei.i luosileiro Rii> de .jcieeiio, f-oreiise, ^9/ V 2 P 54

181
ril. Tendo já um relativo domínio do mercado cubano, o Estado oriental
recomeçou a exportação para Havana, desalojando ò produto gaúcho.
Como já foi analisado anteriormente (subcapitulo 2.4), o Uruguai
apresentava vantagens não só no que diz respeito ao rebanho superior,
como com relação ao menor custo de produção. Voltava, pois, o Prata a
dominar em Cuba e a penetrar no mercado interno brasileiro.
Quanto ao problema da concorrência nacional, mais se acentuaria
no período em apreço.
Rèferia o Correio do Povo, em março de 1921:
Apareceu, em umdos últimos número d"'0 Jornal",do Rio, umartigosobre a Indús-
triadocharquenos váriosEstados do país. Esse artigo Interessa pelos abundantes dados
queoferece sobreprodução, exportação e consumodaquelegênerode tão grandeimpor-
tâncla naeconomia rio-grandense, convindo, porém, chamar especialmente a atenção
dos Interessados para a afirmação que nele se faz sobre a conveniência de transferir os
centros de produçãodo charque paraos próprioscentros de consumo, aconselhando os
Estados do Norte a desenvolverem a indústria d?» charque para se libertarem da Importa
ção. ... Analisemos agorao quadro da produção nacional de charque em1920 ... Exis
tem, no Brasil,74charqueadas distribuídas entre os Estados do RioGrande do Sul, Mato
Grosso e Minas Gerals,_além de outras situadas em São Paulo, Paraná, Goiás e Riode
Janeiro, cujo número nãose logrou registrarali ... As charqueadasdesses Estados ... •
do Sul (nesse ano, porém, trabalharam ape
nas28)^27 paraMinas Gerais e 12 parao Mato Grosso. Adespeitoda baixaverificada na
^produção desta Indústria, é o Rio Grande o Estado que mais charqueafa.13

Êindiscutível que o Rio Grandedo Sui tinha a primaziana produção


charqueadora nacional, mas seus concorrentes ofereciam o produto a
um preço mais baixo, tendo em vista a proximidade do mercado consu
midor.

Wilson Cano ainda coloca uma série de considerações sobre a


economia pecuária gaúcha em relação ao mercado e ás possibilidades de
capitalização.
Por exemplo, refere como fator limitador o fato de que o centro
dinâmico da economia estava sediado fora do Rio Grande, no mercado
brasileiro e mesmo internacioneti. Além disso, refere W. Cano,

(...) uma parcela razoável do excedente gerado pela economia do extremo sul tinha
sido apropriada pelo comércio atacadista localizado nos grandes centros urbanos do
país (principalmente Rio e São Paulo), onde, já de longa data, havia radicado seus Inte-
tesses, sede e operações.1^

Tai fatores são altamente expiicitativos da condição subordinada e


periférica do Rio Grande do Sui, ao qual escapava o controle das
13
INDUSTRIA do charque. Correio do Povo. Porto Alegre, 18mar. 1921. p. 1.
^^CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. DIFEL. 1977, p. 107

182
decisões de mercado e mesmo uma parcela importante do excedente
econômico produzido.
Cano compara, inclusive, a posição do produto básico gaúcho - o
charqüe - com os produtos primários oferecidos por outras regiões do
país: o café e o açúcar.

o café atravessava uma situação privilegiada dé oferta dominante no mercado inter-


lacionai e o açúcar, embora sofresse uma decadência mu itissecu iar no mercado externo,
gozava, no mercado interno,de uma situação protegida: o charque gaúcho, ao contrário,
lão só perdia seus mercados externos, dasAntilhas, principalmente, como também, pe
las condições internas jà apontadas, tinha suas possibilidades de expansão via mercado
interno seriamente condicionadas.15

Embora a análise de Cano, neste trecho, se refira a uma realidade


um pouco mais antiga do que se está tratando, crê-se que a colocação se
reveste de extrema vaiidez, constituindo-se mesmo num fatò exempllfl-
cativo da Incapacidade do Rio Grande do Sul de dispor de controle sobre
os centros decisórios do poder e influir daí, diretamente, para beneficiar
seus produtos a seu bel-prazer.
Em termos de exportação, assim se comportou o produto no
período em questão i6 ;

CHARQUE EXPORTADO

Anos Quilos Valor


1919 35.374.117 47.130:119Í
1920 35.503.502 42.570:924»
1921 34.590.534 41.514:805$
1922 53.671.958 56.002:503$
1923 63.748.841 59.844:687$

Comparem-se tais dados com o valor médio do charque para os


mesmos anos i^;
Anos Valor do kg
1919 Rs. 1 $332
1920 Rs. 1 $199
1921 Rs. 1 $200
1922 Rs. 1 $043
1923 Rs. $938

Os dados revelam, pois, que durante o período baixou o preço do


charque, pois, aos efeitos da inflação no Brasil, acrescentavam-se os do
^^Ibidem, p. 114.
1®ANUARI0 Estatístico do Estado do Rio Grande do Sul, Repartição de Estatística. Porto Alegre, AFederação, 1923.
p. 475.
I^PÍMENTEL, op. çit., nota 6, p. 144.

183
desenvolvimento das empresas saladeiras pelo país. O consumo, por um
lado, restringia-se e, por outro, a oferta crescia.
Com relação à posição do Rio Grande do Sul no mercado nacional
de charque, a Revista do Comércio e indústria do Rio Grande do Sul
apresentava as seguintes toneladas para a exportação do ano de 1921:

Rio Grande 10.066


Minas Gerais 6.702
Mato Grosso 1.981
São Paulo 1.303
Estado do Rio 38
Rio da Prata 2.162

Houve uma profunda alteração na posição dos fornecedores do mércado carioca. Há


anos, Minas Gerais nos havia arrebatado a primeira coiocacão. Em 1921. inverteram-se
as posições: o Rio Grande readquiriu o primeiro lugar; Minas Gerais ficou em segundo e as
entradas de São Paulo, igualmente, confrontadas com as do ano anterior, acusam redu
ção. Que importância se deverá atribuir a esse fato? indicará, ele, uma nova orientação
definitiva no mercado carioca de charque? infelizmente, não nos parece que haja base
suficiente para uma resposta pela afirmativa. Ao contrário, embora a asserção possa
parecer paradoxal, o fenômeno assinalado pode ser, apenas, uma conseqüência e uma
comprovação da crise que a nossa pecuária atravessa. Reduziu-se, grandemente, como é
sabido, a salda do charque para o exterior; as remessas para o estrangeiro baixaram de
7.889 toneladas, em 1920, para4.333, em 1921. A produção de charque, ao contrário, su
biu no Rio Grande. Abriram-se charqueadas novas. Não sabendo como dar saída a seu
gado, criadores associaram-se, criando novos estabelecimentos ou pondo em atividade
os que se achavam paralisados. E as remessas para o mercado do Rio cresceram, em
grande parte feitas, naturalmente, em consignação. Mas o aumento notado nas remes
sas para a capital da república mal bastaria para compensara redução dos que se fizeram
para o exterior ou, mais precisamente, para Cuba.
Ficaria, pois, uma coisa pela outra e os dados agora divulgados não indicariam, no
fundo, alteração apreciável para a indústria rio-grandense do charque.18

Registre-se, aqui, a profundidade da crise que se descortinava para


a pecuária, como crise de mercado, afetando tanto a charqueada como o
frigorífico. Não sabendo como dar saída a seus gados, os criadores
associaram-se.., Encontrando-se em crise os frigoríficos estrangeiros,
que haviam se constituído na grande alternativa para a colocação do
gado, restava a charqueada, tradicional forma de absorção da matéria-
prima local. Éeste fato que leva os criadores a fundarem eles próprios
charqueadas, fato que se registrou desde 1921J9 Tratava-se, inclusive,
de concentrar os esforços no mercado interno, uma vez que a exportação
para Cuba sofrerá tremenda rebaixa.

EXPORTAÇÃO decharque. fíev/sta do Comércio e Indústria do Rio Grande doSul. Porto Alegre (8 :265, ago.
1922.
19
CRIADORES eagricultores.Revista do Comércio e Indústria do RioGrandedo Sul. PortoAlegre (8 :276,(ago. 1921

184
Em 1922, contudo, à grande penetração do charque gaúcho no
mercado carioca acrescentou-se também a platina. A reação foi imedia
ta, como se pode constatar pelos dados já apontados: excesso de oferta
sem correspondente expansão da demanda ocasionou uma queda do
preço acentuada:

Concluía o artigo:

... o problema da nossa pecuária conserva toda a sua gravidade. A necessidade


capital é, hoje como ontem, a abertura de novos mercados à nossa produção de carnes,
sob qualquer que seja o aspecto em que eles se apresentem, quer os saídos dos frigorífi
cos, quer o produto rudimentar das charqueadas.20

Durante o resto do período em curso (1920-1923), o Rio Grande do


Sul continuou mantendo a liderança, mas pouca esperança se deposita
va neste tipo de alteração, conforme se pode ver pelo comentário feito
em julho de 1923:

Certamente, na situação atual da nossa pecuária, bom é que ainda tenhamos esse
derivativo, que para ela representa a maior saída de charque para o Rio. Mas essa mesma
maior saída só se obteve à custo de sacrifícios: ela representa o resultado de enormes re
messas aleatoriamente feitas em consignação e ao abaixamento do preço. Por outro la
do, nesse terreno, nenhuma melhora se pode considerar definitiva. Já novos concorren
tes surgem; até Santa Catarina se apresta ao fabrico do charque. E, além de tudo, essa
indústria está condenada: o frigorífico, sejam quais forem as alternativas de um período
excepcional de crise, suplantou, em definitivo, a charqueada.2*í

Em suma, ofatodeterincrementadoaofertaparaomercadojnterno
se fizera à custa do sacrifício do preçodo produto e às maquinações das
casas consignatárias; nada, porém, obstava a que crescesse o número
de concorrentes. O produto em si não se aperfeiçoava, tal como se dera
com relação ao frigorífico.
Acrise econômica que se abatera sobre o RioGrande do Sul não era,
porém, somente uma crise dos produtos do frigorífico ou do charque.
Incidia ainda sobre a delicada questão dos transportes. A questão da
circulação era considerada prioritária pelo Governo Gaúcho e, segundo
os promotores da política de dinamização dos transportes, estava em
vias de ser resolvida. É evidente que o Governo gaúcho não tinha
condições de solucionar o caso dos navios frigoríficos. Encampado,
porém, o porto do Rio Grande em 1919, seguir-se-ia em 1920 o caso da
Viação Férrea 22 .

2®lbid9nn.
2^0COMÉRCIO docharque Revista doComórcio e Indústria doRio Grande doSul Porlo Alegre (7):232, jul.
1923

22mENSAGEM presidencial de1920.


185
o objetivo do Governo era, entre outros, diminuir o alto custo dos
transportes, que refletia sobre a produção.
O serviço era deficiente e considerava-se que a concessionária
estrangeira da estrada de ferro não queria melhorar o atendimento.
Em1920, o presidente do Estado dirigia-se à Assembléia de Repre
sentantes

... solicitando a aprovação do acordo feito com o Governo federai para a transferên
cia ao Estado da rede ferroviária do Rio Grande do Sui e, bem assim, a indispensável
autorização para emitirtitulos de divida de nossoTesouro, afim de obter os recursos ne
cessários com que ocorra aos encargos decorrentes do novo serviço, ora dirigido pela
administração rio-grandense.23

A comissão de orçamento deu o seu parecer favorável ao pedido do


Governo do Estado gaúcho, aprovando o acordo feito a 12 de Julho de
1920 entre o Rio Grande do Sul e o Governo federal que transferia para o
Estado os serviços da C/e. Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil. Da
mesma forma, ficava o Governo autorizado a efetuar todas as operações
de crédito necessárias para a efetivação do contrato feito. O plano do
Estado para dinamizar a circulação chegara ao seu clímax com a sociali
zação dos serviços públicos do porto e da Viação Férrea. Frente aos
encargos assumidos, o Governo gaúcho tratou de arrecadar fundos para
desempenhá-los a contento. Na Câmara Federal, o deputado paulista
Carlos Garcia assim relatava o ocorrido:

Diante dessa expectativa, o Governo estaduai, que havia colocado os saldos do


Tesouro do Estado nos bancos, avisou a estes estabeiecimentos que precisava retirar o
capital neles depositado a fim rfè fazer frente aos novos encargos assumidos. Ora, os
banqueiros que haviam distribuido esse dinheiro em empréstimos aos seus contribuin
tes, de uma hora para outra fizeram com que estes o restituissem, causando um
verdadeiro abaio e grande crise nos meios estancieiros do Rio Grande do Sui.24

Coincidia esta atuação do Governo em relação aos bancos com a


crise dos estabelecimentos de crédito que se desenrolou de 1920 a 1921.
Durante os bons tempos, face aos preços altos e às perspectivas de
lucros, as instituições bancárias haviam alargado o crédito aos criadores
e charqueadores. No pós-guerra, contudo, o panorama se modificaria.
Referia Alcibíades de Oliveira, ao relatar o processo ocorrido no Banco
Pelotense:

Em fins de 1920, parte da diretoda principiou a inquietar-se com a situação. A


desinfiação econômica do "pós-guerra" — a queda dos preços —se consumara. Nume
rosos ciientes do banco, devedores de somas avuitadas, estavam visiveimente e irreme-

2^ANAIS daAssembléia dosRepresentantes do Estado doRio Grande doSul. 29? Sessão Ordinária, 21 out. 1920.
Porto Alegre, A Federação, 1921. p. 102.

24a crise da pecuária. Correio do Povo Porto Alegre, 25 mar 1922. pl

186
díavelmente atingidos. E os diretores começaram a pensar que tinham ido demasiado
longe no esquecimento das garantias, e da relatividade delas ... Nesse estado de espíri
to, a diretoria resolveu tomar — em novembro de 1920 — uma medida radical. E passan
do de um extremo a outro — e expediu instruções severíssimas, determinando que todas
as contas correntes devedoras fossem convertidas em promissórias. E o prazo para a
execução dessa ordem era terminante, peremptório — 30 dias!25

Pode-se bem avaliar o pânico gerado entre os pecuaristas que,


tendo contraído empréstimo na época das vacas gordas, viam-se, repen
tinamente, obrigados a saldar suas dívidas em curto prazo, na época das
vacas magras.
Enquanto se configurava dramática a crise da pecuária, o Governo
do Estado, fiel ao princípio da prioridade dos transportes como proble
ma magno do Rio Grande do Sul, solicitava e obtinha da Assembléia o
consentimento para contrair um empréstimo externo de dez milhões de
dólares.
O acordo, realizado em 18 de novembro de 1921 entre o Governo do
Estado do Rio Grande do Sul e Ladenburg, Thalmann e Companhia,
banqueiros de New York, destinava-se, basicamente, a completar as
obras do cais de Porto Alegre, no melhoramento dos canais interiores e
para aparelhar tecnologicamente as minas de carvão do Gravataí. O
empréstimo, que fora autorizado pela Lei n° 272, de 1®de novembro de
1921, seria posteriormente criticado pela oposição gaúcha. Quanto às
operações internas de crédito, o deputado oposicionista Gaspar Salda
nha acusou o Governo de ter contribuído para o agravamento da crise da
pecuária.

o Sr. GasparSaldanha - ... quando foi da encampaçãoda Viação Férrea, o Governo


do Estado lançou umempréstimo internoque teveruinosas conseqüências, muitoespe
cialmente com referênciaà indústria pecuáriado Rio Grandedo Sul. O lançamento de se
melhante empréstimo, feito pelo Governo para atender à encampação dessa grande via
férrea, trouxe como primeiraconseqüência o fechamento, por parte do Banco Pelotense,
das contas correntes de seus comitentes, medida esta tão vexatória quão conhecida.
O Sr. Alberto Rosa — Protesto. Tal não se deu ...
OSr. Gaspar Saldanha —Eumesmo fui incumbidopela Associação rural de Alegre
te de formular um protesto dirigido à diretoria do banco contra semelhante medida, que
vinha colocar os fazendeiros do Estado na mais agoniante dificuldade.

O Sr. Alberto Rosa — Sr. presidente, tendo o nobre deputado da oposição Dr. Gas
par Saldanha declarado que o Banco Pelotense havia tomado a deliberação de fechar as
suas contas correntes motivado pelo empréstimo que fizera ao Estado, declaro que as
considerações expendidas por S. Exa. não traduzem a expressão da verdade. O que hou
ve, Sr. presidente, foi uma deliberação tomada pelo Banco Pelotense relativamente ao
modo porque agiu, não tendo cortado créditos, mas determinado sirhplesmente a manei
ra de os conceder.

oc

OLIVEIRA, Alcibíades de. Um drama bancário. Porto Alegre, Globo. p. 55-6.

187
o Sr. Gaspar Saldanha — Sr. presidente, devo frisar bem, por isso que è verdade,
que o Banco Peiotense fechou as contas correntes de seus comitentes determinando que
os créditos daí por diante passassem a ser concedidos em promissórias, aSOdIas de pra
zo, como é fato público e notório, isto ocorreu justamente no Início da safra, com o que
muitos prejuízos sofreram todos os que, de momento para outro, se viram privados do
crédito necessário que possuem naquele estabelecimento bancárlo.26

Aos poucos, a crise econômico-financeira acabaria por degenerar


em crise política, eclodindo na revolução de 1923, onde as oposições,
sob a liderança de Assis Brasil, rearticuiar-se-iam e tentariam a tomada
do poder.
Na verdade, o impacto da crise da pecuária fez com que a parcela
da classe dominante locai, que não tinha acesso aos mecanismos de
controle do poder, fosse ãs armas contra o monopólio do Partido
Republicano Rio-grandense no Governo.
Enquanto Gaspar Saldanha, da oposição, colocava o ponto de vista
dos criadores atingidos pela crise, que identificavam o Governo como
um dos responsáveis pelo agravamento do problema, Alberto Rosa, da
situação e então diretor do Banco Peiotense, defendia a posição do
Estado e da associação bancária que era um seu prolongamento. Aliás, o
Banco Peiotense.

(...) sempre agiu como um braço econômico do governo estadual e se mantinha "ba-
jo el ala dei sombrero" do todo poderoso e pergaminhado presidente Dr.A.A. Borges de
Medeiros. O Estado sempre manteve grandes depósitos no banco e a sua diretoria era
amiga e aliada política do Governo.

Em outras palavras, o Banco Peiotense, fundado com capitais de


charqueadores e criadores ligadosao Partido Republicano Rio-granden
se era um dos braçosde açãodo Governo borgista. Porocasião da época
de euforiaeconômica, o presidente do Estado forçara o banco a investir
2.000 contos de réis na C/a. Frigorífica do Rio Grande. Agora, face à
necessidade de dar acabamento ao problema dos transportes, Borges
recolhera capitaisdo Estado neledepositados, episódio que se conjuga
va com a retração do mercado europeu no pós-guerra.

Em detGrminado momento, a diretoria mandou quese transformassem em promis


sórias os delitos em contas correntes dos fazendeiros e charqueadores. Decorridos os
prazos, face à crise econômica ocasionada pela Primeira Grande Guerra (1914-1918), o
banco chegou a dispor de mais dei 00 mil reses, que havia financiado a 120 e 150 mil réis
e queestavam valendo 60ou70.0 colapso foi violento, mas oGoverno do Estado ajudou-
o e saivou-0.28

2®ANAIS da AssembléladeRepresentantes do Estado do Rio Grande do Sul 30? SessSo Ordinária 1® nov 1921
Porto Alegre, A Federação, 1922. p. 126-8.
27leTTI, Nicanor. Agravata grenâ. Correio do Povo. Porto Alegre, 12 mar. 1922. p. 6. (Caderno de Sábado).
^®lbidem. p. 8.

188
Na realidade, se medidas do banco afetaram a ciasse ligada à
pecuária, a crise da pecuária também incidiria sobre o Banco. Ante a
drástica atitude da diretoria, desaparecera a confiança depositada peios
pecuaristas e começou a corrida daqueles que podiam para retirar o seu
depósito do Banco Peiotense. Gerou-se um clima de precaução contra
a instituição.
Neste impasse, a única coisa que reaimente o susteve foi o amparo
governamental e da parcela de ciasse dominante que monopolizava o
poder.

No dizer de Aicibíades de Oiiveira, o Banco Peiotense resistiu por


suas reservas morais e porque o Estado o nomeou seu agente financeiro.

E contribuiu grandemente para esse gesto não só o fatb de que o Banco itie prestara
recentemente alto serviço na negociação de um empréstimo para a Viação Férrea, mas
ainda a circunstância, toda pessoal, dequeo"ieader'Üo Banco, no momento, era o Coro
nel Alberto Rosa — que tintia e merecia a confiança do Governo. E através desta con
fiança pessoal se concretizava, e expressava, a confiança na instituição, nas relações
com o Estado.^^

O problema do recuo do crédito viria a perturbar toda a economia de


base pecuária no Estado.
Referia Deiphino Riet, vice-presidente da União dos Criadores,
numa entrevista ao Correio do Povo, em juiho de 1920:
(•..) com a falta de numerário, as charqueadas restringiram este anoas suas matan
ças, tanto que estas, na atual safra, foram inferiores às anteriores. Por sua vez, os frigorí
ficos tôm deixado de abater e os gados, em certos pontos do Estado, também baixaram
de preços.30

Havendo redução do abate nas duas formas de aproveitamento da


carne no Rio Grande do Sul — o frigorífico e a charqueada — sobrava
gado no Estado, ocasionando a baixa do seu preço e, conseqüentemen
te, a ruína do criador. Justamente aquele elemento que mais investira na
criação e se endividara buscando o aprimoramento do rebanho, via seu
crédito ser cortado justamente no momento em que mais necessitava de
capitai.
Dentro deste quadro crítico, econômico e financeiro, que afetava,
ao mesmo tempo, as empresas estrangeiras de frigorificação, as char
queadas e a criação de gado, a falência do projeto nacional de constitui
ção de um frigorífico veio dar um exemplo significativo da incapacidade
do Rio Grande do Sul de pôr em execução uma empresa de tal monta.

^OLIVEIRA, op. cit., nota 25. p. 57-8.


30
RIET, Deiphino. O Preço da carne. Correio do Povo. Porto Alegre, 8 jul. 1920. p. 2.

189
Á aMriÜB que a crise se configurava, mais do que nunca as
perspectivas haviam se voitado para o Frigorífico Rio Grande, confiando
os interessados no seu funcionamento. O caso do frigorífico montado
com capitais nacionais vinha, de ionga data, arrastando-se.
Em 1917, peio Decreto n® 2.296, de 24 de setembro do mesmo ano,
a Cia Frigorifica Rio Grande havia obtido do Governo do Estado autoriza
ção para o seu funcionamento iegai no Rio Grande do Sui. Empreendi
mento que contou com o apoio do Estado e iniciativa da associação da
ciasse rural — União dos Criadores — o frigorífico foi um projeto capaz
de unir os estancieiros gaúchos em um idêntico objetivo. Elementos das
duas facções políticas reuniram-se em torno do empreendimento nacio
nal, uma vez que o fato de ambos pertencerem à mesma classe dominan
te fazia com que tivessem interesses econômicos comuns. Tais interes
ses eram dotar a pecuária de maior rentabilidade e opor à iniciativa es
trangeira um estabelecimento nacional, impedindo o monopólio. Além
disso, contribuiria paraavalorização do gadoeo melhoramento do reba
nho. Estimulados pelos bons preços obtidos no mercado internacional
pelos produtos frigoríficados, o projeto foi envolvido pela perspectiva
progressista do Partido Republicano Rio-grandense, inspirado no ideá
rio positivista da evoiução natural e necessária que conduziria ao
progresso. Com relação à industria da carne, a idéia era expressa em
termos de que a charqueada seria fatalmente substituída peio frigorífico,
forma mais adiantada de industrialização da carne. Dentro deste ponto
de vista, cabia ao Estado favorecer o livre desenvolvimento das forças
produtivas e remover os entraves que seantepuhham à iniciativa privada,
no caso, os criadores.
Quanto a estes últimos, até mesmo os setores afastados do poder
— a oposição maragata — eram levados a apoiar a iniciativa do
frigorífico nacional. Apesar do apoio governamental, a proposta era
apresentada em nome da associação de classe {União dos Criadores) e
não do partido no poder (PRR).
Por outro lado, o aspecto de moralidade governamental do Governo
borgista, em termos econômico-financeiros, eram fatores que ponde
ravam. A inspiração buscada no princípio positivista de praticar sempre
a sã poiítica, fiiha da morai e da razão, bem como a norma seguida do
equiiibrio orçamentário, foram fatores que ponderaram para que, nesta
fase, ambas as facções políticas estivessem unidas para obter algo do
seu interesse específico: o beneficiamento que traria à pecuária a
indústria da carne frigorifica.
A propósito de uma perspectiva quanto à ação do Governo, é
interessante vero que referia um artigo do imparciai, de Itaqui, em junho
de 1915:

190
Quaisquer que sejam as nossas convicções políticas, devemos com orgulho confes
sar que nenhum estado da Federação brasileira apresenta mais digno, exato e escrupulo-
so emprego dos dinheiros públicos do que o Governo do Ilustre Dr. Borges de Medeiros.
ÉporIssoqueorgulhosose felizes nos subjugamos à apregoada tirania de seu partido, *à
disciplina superior de suas hostes.3f

A dominação monolítica do PRR era constatada. O problema básico


eraacirculação do poder político, pois, quanto aos interesses da classe
dos criadores, estes se viam representados no projeto de construção de
um frigorífico, que foi capaz de unir os elementos da classe dominante
que politicamente se colocavam em campos opostos.
Em janeiro de 1918,0 Diário Popuiar, de Pelotas, noticiava que já se
achava na cidade o pessoal encarregado para a construção do Frigorífico
Rio Grande. Tratava-se dos representantes da firma construtora de
Buenos Aires, Scott and Hume, que havia trazido para Pelotas maquina
ria especializada. Da mesma forma, pensava-se começar a construção
do ramai que ligaria o frigorífico á Viação Férrea 32

Por ocasião da realização do Congresso de Criadores, em maio de


1918, em Santa Maria, era referido com entusiasmo que o Frigorífico Rio
Grande achava-se em plena construção:

Já acham-se prontas e funcionando de acordo com o seu respectivo destino as


construções preliminares, como sejam depósitos, oficinas de carpintarla e ferraria, es
critórios, etc., bem como o desvio da estrada de ferro. Está em plena atividade a constru
ção simultânea dos edifícios (matadouros, fábricas de conservas e câmaras frigoríficas),
•chando-se os alicerces muitíssimo adiantados. Com a chegada das madeiras já
contratadas, esperadas parte delas em breves dias, as obras entrarão em franco progres
so. Simultaneamente está se trabalhando na construção do trapiche e na perfuração do
poçoseml-surgentequejáatlngea26 m de profundidade. E podemos adiantar que se os
materiais e máquinas chegarem dentro dos prazos previstos, o estabelecimento poderá
ficarem condições de trabalharnofim deste ano ou nos primeiros meses do vlndouro.33

Os grandes problemas abordados no Congresso foram a criação de


um banco rural, com as suas exigências de crédito a juro baixo e prazo
longo, os cuidados necessários ao melhoramento progressivo do reba
nho e a questão dos transportes. Com relação a este tópico, o Cel.
Alfredo Moreira fez a seguinte proposição á Assembléia Geral dos
Criadores:

31
PELO Rio Grande. A £srá/7C/a-Porto Alegre (59):30, jan. 1918.
32friG0RIFIC0 Rio Grande. AEstância,Pono Alegre (59):30. jan. 1918.
^RELATÓRIO apresentado pelo presidente da União dos Criadores do Rio Grande do SI. Alfredo Gonçalves Morei
ra, à Assembléia Geral, Conselho fiscal e demais sócios, ano 1917-1818. A Estância. Porto Alegre (62):117-8,
maio/ago. 1918.

191
Proponho que o Congresso solicite ao presidente do Estado a sua prestigiosa inter
venção junto ao Governo federal e caso não seja possível conseguir, absolutamente, a
equiparação das tarifas da rede ferroviária rio-grandense com as paulistas, ao menos não
seja aumentada a tarifa atual para o fado destinado ao frigorífico da "Cia. Frigorífica Rio-
grandense'.34

Note-se, aqui, duas etapas das solicitações feitas; uma delas que
solicita a equiparação das tarifas ferroviárias gaúchas às paulistas,
reconhecidamente mais baratas na cobrança do transporte. Outra pro
posição era favorecer a matéria-prima que demandasse o frigorífico
nacional.
Tal proposição levantou uma série de debates. Segundo uma ala de
opiniões este pedido implicaria num privilégio para Pelotas, enquanto
que outra corrente argumentava que não se tratava do caso específico de
Pelotas, mas de um frigorífico nacional, fruto dos esforços dos criadores
e que receberia gado de todas as zonas do Estado.

No dizer de Oswaido Aranha:

... a proposta do Coronel Moreira não envolve privilégios aos criadores rlo-gran-
denses que são os que mais contribuem paraaViação Férrea, sendo justo, portanto, que
ela os auxilie. A Viação Férrea faz contratos em que são favorecidos os comerciantes que
habituaimente lhes fornecem grandes cargas, logo pode fazer uma concessão ao frigorí
fico da "União?35

Ambas as propostas foram discutidas, sendo vitoriosa aquela apre


sentada pelo Cel. Moreira e por Oswaido Aranha.
No fim do ano de 1918, a diretoria da C/a Frigorífica Rio Grande
apresentava o seu relatório, relativo ao primeiro ano social findo em 30
de setembro de 191036.
No relatório, a diretoria retomou os dados já conhecidos para a
montagem da empresa, reafirmou a importância do caráter nacional da
indústria e relembrou tudo o que Borges de Medeiros, a Intendência
Municipal de Rio Grande e a União dos Criadores haviam feito.
Até 1918, só se encontram referências a um projeto com caráter
estritamente nacional. Contudo, nos primeiros meses de 1919, começa
ram a aparecer boatos de que se cogitava de vender o frigorífico para uma
empresa estrangeira.
Num artigo publicado em A Estância, o Cei. João Aquino dos
Santos Fagundes, criador de Santiago e presidente da comissão local da
União dos Criadores, referia:

^CONGRESSO de criadores. £c/?os do Sul. Rio Grande, 27 maio 1918. p. 1.


^0 TERCEIRO Congresso Rural de Santa Maria. Correio do Povo. Porto Alegre, 26 maio 1918. p.9.
^RELATÓRIO da Diretoria da Cia. Frigorífica Rio Grande. AEstância. Porto Alegre (64):262 etseq., nov./dez. 1918

192
De alguns dias para cá tem corrido com insistência o boato de que diversos acionis
tas do frigorífico da "União dos Criadores', descontentes com a má direção dada aos
trabalhos do mesmo, se têm retraído, desistindo de suas ações, e que devido a essa de
serção, a "União dos Criadores'pensa transmitir os compromissos assumidos a um sin
dicato estrangeiro. Não acreditamos que tal aconteça, tanta a idoneidade da digna dire
toria da "UniãoVentretanto, como é preferível prevenir que remediar, julgamos acertado
lembrar aos ilustres colegas, senhores criadores, que o momento não comporta vacila-
ções. Só há um caminho a seguir e este é levar avante o plano traçado: construir um frigo
rífico a despeito de todos os sacrifícios. Dele depende, não diremos o nosso bem-estar,
o progresso do nosso Estado, mas muito mais que isso a nossa existência como força
produtora. Precisamos nos convencer desta verdade: a criação dum frigorífico, com ca
pitais nosso, è para a nossa classe uma questão de interesse vital ... Se de fato há má di
reção. 3 maneira a entravar a execução dos referidos trabalhos, o nosso caminho não
deve ser o da deserção, e sim, o da ação franca e decisiva (...) Se nãotemos pessoal ca
paz, busquemo-lo onde houver( . )Cumpre acentuar aqui que não devemos esperar tudo
da ação da "União dos Criadores que, façamos justiça, demasiado tem feito, em reiação
aos minguados recursos de que dispõe. Que podemos esperar deia, se lhe negamos o
nosso concurso?
Atendamos que a nossa classe, unida, è uma força reai, capaz de impor a sua vonta
de, nos limites do justo, ao passo que desunida, vegetará à mercê dos trustes.37
Está aí exposta a concepção da necessidade da união da classe para
se oporão capital estrangeiro. Todavia, é dado a entrever que os recursos
que se dispõe são insuficientes, que é preciso levar adiante o projeto a
despeito de todos os sacrifícios. Quanto aos boatos mencionados, o
Cel. Moreira se apressou em desmenti-los, classificando-os de

... versões destituídas completamente de fundamento, e talvez, auspiciosamente


engendradas pelos frigoríficos estrangeiros que têm o maior interesse em procurar o
descrédito da nossa empresa.

A perspectiva otimista seria retomada, sendo apontadas como


causas únicas para o retardamento da sua construção a carência de
transportes na Viação Férrea e pelos efeitos da guerra, que ocasionara
escassez de materiais de construção

O primitivo projeto de só utilizar matéria-prima gaúcha na constru


ção do frigorífico era prejudicado pelas dificuldades enfrentadas com os
transportes ferroviários internos. Entretanto, a nova orientação de diri
gir-se a São Paulo para adquirir materiais revelara-se, na opinião da
revista A Estância, extremamente recompensadora do tempo perdido.
Em fins de maio de 1920, a Cia Frigorífica Rio Grande começou a
funcionar. A17 de julho do mesmo ano, por força do Decreto n° 2.607,
foram concedidos ao frigorífico nacional dos favores de que tratavam as
Leis n° 206, de 25 de novembro de 1916, e n° 223, de 23 de novembro de
1917. Os benefícios foram concedidos tendo em vista

^^0 ARTIGO do Coronel Aquino. AEstância. Porto Alegre (661:40, fev. 1919.
38a ACÂO da Uniào dos Criadoressobre o Frigorífico Rio Grande A Estância. Porto Alegre (66):39. fev 1919
^^0 frigorífico Rio Grande - o estado atual das obras. A Estância. Porto Alegre (67):88-90, mar. 1919.

193
... ter ficado provado estar a referida companhia, desde aquela data, funcionando
regularmente com as instalações e aparelhos necessários à conservação de seus produ
tos pelo frio ou outro processo equivalente.40

O frigorífico tinha a capacidade de abater 10.000 bovinos por mês e


se destinaria não só à exploração de carnes geladas pelo frio e subprodu
tos, como também procuraria exportar frutas e verduras para o norte do
pais.

As operações foram, contudo iniciadas

... a título de ensaio, pois a estação já estava demasiado adiantada para que se ten
tasse a atividade em larga escala.42

Apesar do seu início auspicioso, a companhia não logrou obter os


recursos necessários para iniciar as operações em larga escala na safra
seguinte. Mesmo o grande empenho daqueles que lideravam a subscri
ção de ações para integralização do capital da empresa não produziu
melhores resultados. Frente a esta situação, os boatos aventados no
início do ano de 1919 acabariam por concretizar-se, efetivamente, no
início do ano de 1921.
Por gestões da firma G.C. Dickinson, foi providenciado um encon
tro entre a diretoria do Frigorífico Rio Grande e o sr. Ricardo Tootel, di-
retor-gerente da firma inglesa Vestey Brothers, ficando acertada a venda
da empresa nacionai à companhia britânica.
O Decreto n° 2.766, de 15 de abril de 1921, concedeu autorização à
sociedade anônima The Rio Grande Meat Company, com sede em
Pelotas, para o seu iegai funcionamento no Estado^^. Ainda neste
mesmo ano, era expedido o Decreto n° 2.806, de 1.° de junho, que
concedia a esta sociedade anônima os favores estabelecidos nas Leis n®
206, de 25 de novembro de 1916, en° 223, de 23 de novembro de1917'^.
Estes favores, como já foi visto anteriormente já haviam sido concedidos
no ano anterior ao Frigorífico Rio Grande. A nova empresa, The Rio
Grande Meat Company, posteriormente trocaria o seu nome pelo de
Frigorífico Angio de Peiotas, mudança que ficou regulamentada pelo
Decreto n° 3.371, de 24 de setembro de1924.^5
Sob essa nova denominação, o processo torna-se mais claro: o
Angio já tinha uma vez deitado raízes no território rio-grandense. Asso-
^GOVERNO do Estado do Rio Grande do Sul. le/s, decretos e atos. Decreto n? 2.607, 17 jui. 1920.
MENSAGEM presidencial de 1920.
FEDERAÇÃO. Porto Alegre, 4 fev. 1921. p. 1.
^^GOVERNO do Estado do Rio Grande do Sul. Leis, decretos e atos. Decreto n? 2.766, 15 abr. 1921.
^Ibidem, Decreto n? 2.806, 1? jun. 1921.
^^Ibidem, Decreto nP 3.371, 24 set. 1924.

194
ciara-se, em 1911, à charqueada bageense de propriedade do Visconde
de Ribeiro Magaihâes, indo à faiência em 1915. Por outro lado, o Angio
lançava as suas malhas pelos paises platinos. Ao referir-se ao processo
de penetração estrangeira na dinamização da indústria de carne no
Uruguai, Mario Dotta referiu:
... enmuestro país, el capital Inglês no se resignabaa pasar a un segundo plano, y
tiacíasu apariciónen IaIndústriafrigorífica en el ano1924, cuando Ia"Vestey'de Londres
adquire Iafábrica"Lleblgb'y queda tran.sformada en el "Frigorífico AngIo', con una capa-
cidad de faena de 1.600 vacunos y 4.000 ovinorpor dia.^®
Enquanto o capitai americano se mostrava presente no grupo de
Chicago do Beef Trust, o britânico se fazia presente no não menos
poderoso grupo dos Vestey Brothers, que dominava a rede dos frigorífi
cos Anglo.
Ligada ao grupo capitalista da Vestey Brothers, estava a Union Cold
Storage Co., além de outras mais que operam simultaneamente no
Prata, Brasil, China, Venezuela, Austrália e Nova Zelândia. Eram pro
prietários de frigoríficos e fábricas de conserva, além de casas comer
ciais de importação de produtos pecuários, tais como as firmas W.
Weddel& Co. Ltda., W. & R. Fiechtere ColonialConsignement Dlstri-
butingCo. Ltda. Além disso, o grupo britânico controlava grandes mata
douros no Reino Unido para a venda de carne a retalho no mercado inglês
e possuía uma empresa de navegação para transporte de carnes conge
ladas, a Blue Star Line Ltd.
No Brasil, o trust inglês era dono de um frigorífico em São Paulo e
agora com a compra do Frigorífico Rio Grande, deitava suas raízes na
industrialização da carne gaúcha através do frio.
Com a vendado Frigorífico Rio Grande a uma empresa estrangeira,
ficavam os gaúchos com o setor mais dinâmico da industrialização da
pecuária monopolizado pelas empresas estrangeiras. O fato se dava
justamente no momento em que, com a crise do pós-guerra, os frigorífi
cos americanos aqui instalados punham em ação as suas manobras
baixistas, a fim de prescAfar sua margem de lucro dentro de uma
conjuntura desfavorável. Dada a incapacidade da acumulação locai de
poder montar, com recursos próprios, uma empresa nitidamente capita
lista, restava em mãos nacionais a velha estrutura da charqueada, que se
mantinha em crise crônica.
 crise econômica, acrescentavam-se os efeitos da crise financeira.
O momento que se iniciou com a abertura da década de 20 fez o Rio
Grande submergirem sérias dificuldades, abalado pela baixa de preço de
seus artigos pecuários pela retração do mercado consumidor, pelo recuo

''®DOTTA, op. cit,, nota 1, p. 91.


FEDERAÇÃO. Porto Alegre, 4 fev. 1921, p. 1.

195
do crédito, pela Ineficiência de um sistema de transportes e, fundamen
talmente, pela carência de capitais.
Em suma, a crise do pós-guerra reveiara-se mais violenta que
nunca. Os problemas que já se manifestavam no período que antecedeu
o conflito,haviam sido mascarados pela euforia dos bons preços e a onda
de otimismo que acompanhou a seqüênciada Primeira Guerra. Findando
a conjuntura favorável de mercado e não tendo sido solucionados os
velhos problemas nem recompensados os esforços dispendidos, a crise
rebentou com toda a violência sobre a pecuária rio-grandense, oportu-
nizando tomadas de posição mais radicais.

3.2. A busca de saídas para a crise no período 1920-1923

A medida que melhor se configurava a crise econômico-financeira


do período pós-guerra, começavam os representantes da classes domi
nante pecuarista e articular-se na busca de tentativas para soiucioná-la.
A nível de consciência dos pecuaristas, a crise era visualizada como
sendo, basicamente, derivada dos fatores crédito, transportes e merca
do, achando-se aqui incluída a ação prejudicial dos frigoríficos estran
geiros no Estado.
Um outro nível de consciência seria o propiciado pelo frigorífico
nacional no seu malogro, atribuindo-se fracasso não só ã falta de capital
como à falta de união entre os estrangeiros.
A forma mais radicai de encarar o processo seria, finalmente, aquela
configurada no fim do período, quando os ataques e críticas se dirigiram
contra o poder instituído, que se demonstrava incapaz de debelar a crise.
Frente ao amadurecimento doprocessode conscientização no pós-
guerra, agudizaram-se as tensões existentes no interior da classe domi
nante. De um lado, o conflito entre as duas frações de ciasse — criadores
e charqueadores — agregado a um terceiro elemento com interesses
diferenciados, que foi o frigorífico estrangeiro. De outro lado, foi neste
momento que se delimitaram melhoras visões que as duas facções polí
ticas tinham do processo econômico gaúcho. Em outras palavras, a crise
tornou mais ciara a presença de estratégias diferenciadas em relação ao
desenvolvimento do Rio Grande.
Nenhuma das reflexões, contudo, atingia a dimensão real do pro
blema, ou seja, as condições de existência de uma economia como a
brasileira, inserida num contexto capitalista mundial sob o signo da
dependência.
Esta dependência se fazia sentir, agora, de maneira mais drástica
sobre o Rio Grande do Sul, porque, com a instalação dos frigoríficos, o
Estado ingressara nos quadros da exportação para fora, tornando-se
mais sensível ás crises do mercado internacional.

196
De um modo geral, como era percebida, no Estado, a crise do
pós-guerra?
Para o partido governista, a situação atravessada pelo Rio Grande
do Sul não era tão grave assim. Explanando a postura do Governo quanto
ao momento vivido, o editorial de A Federação, de 23 de março de 1921,
traçava a diferença fundamental entre crise e depressão:
Crise, na exata acepção econômica, significa o estado no qual está se operando uma
modificação para pior, produzida por motivos em geral imprevistos ou não suficiente
mente observados e consultados (...) Acrise é o ápice de uma conjuntura perigosa (...) A
depressão é uma decorrência da crise (...) significa um estado de abatimento na capaci
dade produtora ecomercial(...) Ora, se a crise è o momento agudo do perigo que pode en
gendrar os piores resultados, a depressão, peto contrário, traz consigo, em geral,_as
próprias condições necessárias para o restabelecimento da normalidade nas relações
comerciais.48

Dentro da perspectiva governista, o Rio Grande do Sul atravessava


um período de depressão, reflexo de uma crise mundial, trazendo,
portanto, implícitas as condições de recuperação necessárias à marcha
do progresso. Face'a situação aflitiva porque atravessava o país, o Rio
Grande ainda ocupava uma posição extremamente favorável, uma vez
que sua economia não se baseava sobre a monocultura mas sim sobre
uma variedade de atividades produtoras.

Argumentava o Governo:

Não tiá escola econômica que não preconize como Ideal a que todo corpo político
deve tender a possibilidade de se bastar, quanto possível, a si mesmo. Assim, quanto
maisvariada a produção de um país. Estado ou município, tanto menor a Incidência so
breeles de crises oriundasde causas estranhas. Bastaquese tenhaapreendido a verda
de do enunciado paraque nãose tenhanenhuma dificuldade emestabelecer, desde 'pgo.
as diferenças existentes neste particular, entreo Rio Grande do Sule o resto do pais.

Frente a São Paulo, que baseava toda a sua riqueza sobre um único
produto, o Rio Grande do Sul apresentava umavariada produção que lhe
proporcionava condições para subsistir diante de conjunturas depressi
vas. Na concepção do grupo que empoigava o poder, a política seguida
pelo Governo borgista era a mais acertada possível; prornover no Rio
Grande um desenvolvimento econômico muitilateral, a fim de que o
Estado se auto-abastecesse. Dentro desta perspectiva, o Governo deve
ria remover os entraves quese antepunham à diversificação e aumento da
produção gaúcha. Assim, o Governo interessava-se pelo progresso de
todos os ramos setoriais da economia e não por um em especial.

FEDERAÇAO. Porto Alegre, 23 mar. 1921. p. 1.


^®A FEDERAÇÃO. Porto Alegre, 29 mar. 1921. p. 1.

197
Apr6S6ntava-s6 como o raprasantanta da todos os saQmantos sociais a
não lhacompatia, pois, concadar privllégioô a um só sator am datriman-
to dos damais. Convém ralambrar ncjui, como justificativa para asta
postura idaológica assumida, qua a facção política qua ampoigara o
podar com a Rapública não contara com o apoio da toda a ciassa domi-
nanta dos pacuaristas. Buscara, assim, para afirmar-se no poder, não
só o recurso à força, mas também a ampliação social de sua base políti
ca. Frente a asta processo, tomara impulso a idéia do desenvolvimento
multilatarai, auto-sustantado, onda todos os ramos da atividades deve
riam ter igual tratamento.
Já o grupo pecuarista da oposição, considerando qua liderava o
sator econômico mais importante do Estado, alagava ter direito a um
tratamento prafarancial, principalmente no momento am qua se debatia
numa crise aflitiva. Sendo a pecuária responsável paia maior parta das
exportações do Estado, julgavam os criadoras qua o marcado deveria ser
regulado segundo os seus interessas a qua o Governo deveria ouvi-los
nas suas reivindicações, auxiliando-os. Carlos Corrêa, o ruraiista da
Quaraí qua se tornou o paladino do raarguimanto da pecuária nesta
época, batalhava noi« união das classes rurais como uma das formas
desta atividade econômica impor-sa.
A nossa classe rural gaúcha, que è a detentora de quase toda a riqueza do Estado, e a
produtora de todo o elemento que lhe dá vida, que sustenta o Governo e que abastece as
indústrias e alimenta o povo, è a única que, nos nossos dia, ainda não conquistou ne
nhum dos direitos e nenhuma das regalias que lhe cabem, como a maior força produtiva e
a potência maior da sociedade.50

Para os ruralistas em geral, não englobados pelo situacionismo


gaúcho, o desenvolvimento rio-grandense era associado ao desenvolvi
mento da pecuária.
Dentro da conjuntura crítica gerai, a falência do projeto de criação
de um frigorífico rio-grandense e sua venda a uma empresa britânica
vieram contribuir para melhor explicitar as estratégias diferentes que se
apresentavam para o desenvolvimento da economia gaúcha.
Através das páginas de A Federação, órgão oficiai do Governo,
pode-se apreciara visão do grupo no poder quanto á venda do frigorífico:

Avenda do "Frigorífico RioGrande"estabeiecido em Pelotas e montado com capi


tais rio-grandenses, à firma inglesa "Vestey Brotherd',não oferece motivos para a pers
pectiva sombria e inquietadora quese tem esboçado emtorno destaoperação. Antes de
mais nada, convém notar mesmoque sua transformaçãoè umaresuitante lógicae neces
sáriadasituaçãoatualdas indústrias emfacedas condições do mercado monetário muri-
diai ... Dos 5 grandes sindicatos norte-americanos deexploração das indústrias frlgori-
ficas, três jáestão radicados no Rio Grande do Sul; sãoascompanhias "Swift? "Armour^

^OCORRÊA, Cfiilns Umno dns rl.iss^s nir.ir. Corre/o do Povo Porto Alegre, 25 out. 192'' P 3

198
Wilson'.'Com a venda do "Frigorifico Rio Grande','radica-se também no nosso Estado o
maiorsindicato inglês(...) Tendo sido criado para servir também de anteparo ao manejo
natural dos sindicatos norte-americanos na fixação dos preços dos gados e para evitar no
Rio Grande do Sul as funestas conseqüências registradas na Argentinas no Uruguai, em
conseqüência da dominação discricionária daqueles poderosos "trusts',' convém exami
naraqui se a alienação do "Frigorifico Rio Grande deve ser, sob este ponto de vista, con
siderado um mal

O editorial argumentava que a venda do frigorífico fora um excelente


negócio, pois, uma vez revelada a incapacidade dos fazendeiros de
angariar os fundos necessários para que o empreendimento passasse a
operarem larga escala, o capital estrangeiro viria dinamizar a Industriali
zação de carne no Estado. Tratando-se de uma firma inglesa, e não
americana, não viria a constituir-se em fator de monopólio, mas sim no
anteparo às pretensões de suas congêneres do grupo de Chicago. Sendo
uma empresa de grande porte e com grande raio de ação, sua instaiação,
no parecer do Governo, só devia ser apreciada com bons oihos.

Outra, porém, seria a maneira de grande parte dos criadores gaú


chos de encarar a passagem do frigorífico nacional para as mãos de
estrangeiros.
Numa reunião de fazendeiros realizada em Tupanciretã en fevereiro
de 1921, para discutirem os probiemas que afiigiam a pecuária, foi
abordada a necessidade de organização de um novo frigorífico de
criadores. Transcrevendo a intervenção de João Mascarenhas no encon
tro dos pecuaristas, o Correio do Povo reiatava:

Ao seu vera defesadas indústrias pastoris exige a formação de um capital suficien


te para a organização de uma companhia com o exclusivo objetivo de construir um gran
de frigorifico, onde possam ser abatidas 2.000 reses, diariamente. Basta que cada cria
dor contribua com 5% de suas rendas, durante alguns anos, para ter-se em pouco tempo
atingidoeste capital. Propôsque cada criadorqueaderissea essa idéia,e que tenha sido
acionista do"Frigorifico Rio Grande','de8de jádepositeovalor das ações que vai ""eceber,
em qualquer um dos nossos principais bancos: da Província, do Comércioou Peloten-
se, em conta especial, sob o titulo "valorização do boi'.'^^

Reaflrmava-seo velho desejo de montarum frigorífico com capitais


genuinamente nacionais. A propaganda, ao que parece, não se restrin
giu a esta iniciativa dos criadores da zona serrana, mas também agitou
os estancieiros da Campanha.
Dentro destas pretensões, uma visão relativamente lúcida do pro
cesso era referido por Geraldino Silveira:

FEDERACAO. Porto Alegre, 4 fev. 1921. p. 1.


^^REUNlAO de fazendeiros. Correio do Povo. Porto Alegre, 19 fev. 1921. P-1-

199
o fracasso deste ("Frigorífico Rio Grande) obedece a aiguns fatores imprevistos,
entre os quais a crise do numerário, que caiu sobre o Rio Grande, como repercussão de
um mai generaiissímo no país e fora dele (...). O que porém devemos encarar é o
fundamental, prático, aquilo que a "possibilir^^de"determina de forma afirmativa ou ne
gativa no regime das competições. Os frigoríficos norte-americanos, como se sabe, são
em nosso meio poderosas sucursais de casas matrizes que, com meticulosa organiza
ção, técnica e financeira, agem ativamente dentro dos próprios mercados de consumo.
Os frigoríficos do Rio Grande obedecerão, por certo, a essa diretriz de além-mar, a um
simples aviso telegráfico para determinar as suas compras, contratos e embarques, de
acordo com as ordem recebidas. As empresas britânicas, da mesma forma, obedecerão
ao seu núcleo deiiberantee especulativo, em Londres. Assim, pois, o nosso modesto fri
gorífico caso fosse fundado teria de atuar na dependência absoluta de "técnicod'e "inter-
mediáriod'estrangeiros, numa irremediável contingência às combinações mercantis dos
"trusts'.' Esta é a situação que nos depara, assim^a distância, ao observar a iniciativa —
muito louvável, repetimos — de nossos criadores. Oxalá estejamos exagerando de
"pessimismo"... 53
o depoimento parece trazer a constatação da superioridade tecno-
gicae financeira e o domínio de mercado dos frigoríficos estrangeiros,
norte-americanos e ingleses, bem como o ceticismo relativo à formação
de um frigorífico genuinamente nacional. De saída, o empreendimento
nacional ficaria na dependência dos canais de comercialização e da
tecnologia estrangeira. Como alternativa a um projeto com capitais
exclusivamente iocais que não teria condições de subsistir, a proposta
de Geraldino Silveira representa um recuo das proposições nacionalis
tas, na medida em que aventa a hipótese de buscar

... a cooperação do capital estrangeiro, num grupo Isolado, com sede européia, de
maneira que, por essa forma, se tivesse o concurso Imediato do consórcio, com Interes
se próprio, para vendas em primeira mão.54

Para fugir aos trusts britânicos e norte-americanos, G. Silveira


propunha a tentativa de consórcio com o capital italiano ou mesmo
belga, através do qual se obtivesse, com maior presteza, capitai
necessário e colocação segura dos produtos no mercado.

O problema da venda do Frigorífico Rio Grande ao capital estrangei


ro atraiu sobre a União dos Criadores uma série de críticas, como, por
exemplo, a de que esta instituição nada teria feito para impedir a
transação.
Na real idade, tanto a União dos Criadores carecia de capitais quanto
o drama do Frigorífico Rio Grande conjugava-se com o próprio problema
do crédito bancário no Rio Grande do Sul.
Entrevistado a respeito da venda do frigorífico, o Cei. Alfredo
Gonçalves Moreira, presidente da União, assim se expressava:

53siLVEIRA, Geraldino. Frigoríficos e gados Correio do Povo.Pono Alegre. 12 mar. 1921 p


^''ibldem.

200
Todos sabem, efetivamente, que apesar de nossa paciente e tenaz propaganda de
muitos meses, teríamos desistido do nosso objetivo, se o Banco Pelotense não se pro
pusesse a completar os quatro mil contos necessários desde que o estabelecimento fos
se construído na cidade de Pelotas e não no Rio Grande como era o nosso projeto. Sendo
o nosso capital Inferior a dois ml! contos e convencidos da Imperiosa necessidade da
fundação de um frigorífico rio-grandense, fosse onde fosse, não vacilamos, e aceitamos
esta proposta. Épreciso que se note, que Isso se passou no período áureo, em que o boi
estava sendo cotado pelos preços mais altos a que tem atingido. Constituído o frigorífico
cessaram as responsabiiidades da "União dos Criadores", passando elas inteiramente á
diretoria da novel empresa. Esta, apenas Iniciadas as suas construções, verificou a Im
possibilidade de prosseguir por se terem esgotado os seus recursos. O Banco Pelotense,
graças á boa vontade de sua diretoria, correu em seu auxílio fornecendo-lhe quantia su
perior a ml! contos, a título de empréstimo. Acentuou-se porém a crise e este estabeleci-
inento, que já havia desviado cerca de 4 mil contos para atender ao "Frigorífico", ficou
Impossibilitado de continuar a prestar-lhe seu concurso pecuniário.55

Neste relato do Coronel Moreira,está explícito um problema básico


dos criadores gaúchos: a falta de capital, a carência de recursos, a
debilidade de acumulação da pecuária sulina. Vendido o frigorífico,
parte de seus acionistas aplicou o capital na construção do Grande
Hotel, de Pelotas.

As reduzidas chances de acumulação de capital, num tipo de


estrutura econômica que oferecia ao mercado Interno um produto tam
bém em crise, haveriam de refletir-se irremediavelmente no projeto local
dos criadores. Acharqueada, até o momento em que era a única forma de
industrialização da carnegaúcha, manteve a pecuária em Instabilidade
permanente. Quando ao saladeiro veio acrescentar-se, no Rio Grande do
Sul, a indústria da frigorificação de carnes, esta contribuiu para acentuar
o estado de permanente tensão em que se debatia a pecuária. Dentro
deste quadro, poucas chances de desenvolvimento oferecia um projeto
exclusivamente local.
Embora esta falta de capitalfosse conscientizada, a razão e origem
de ser nem sempre eram ciaramente percebidas. Leo D'Utra, por exem
plo, defendia a idéia deque a falência do projeto regional se devia à falta
de união entre os criadores. Argumentava para isso com o exemplo da
União dos Criadores.

Ela devia, porque assim oexige opróprio interesse dos que à indústria pastoril dedi-
cam a sua atividade e dela tiram os seus proventos, congregarse nao a totaiiaaoe aos
criadores, aos menos a Imensa maioriadestes. Ora, no Rio Grande, os criadores
tam aos milhares. Háquem os compute, sem exagero, em mais de 20.0iw. enianio,
a "União',' em todo o Estado, não conta, talvez mais de 1.500 associados.

PECUÁRIA rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre. 10abr. 1921. p. 6.


56D'UTRA. Leo O reerguimento da pecuárm Correto do Povo maio 192V P 3

201
Relembrando o desenvolvimento que haviam tido todos os ramos da
atividade econômica rio-grandense, Leo D'Utra argumentava que a pe
cuária ainda era a atividade principal no Estado e qualquer crise qtie
sobre ela se abatesse iria refletir-se sobre o conjunto da economia
gaúcha, Alertava os pecuaristas para a desunião, exemplificada pela
venda do Frigorífico Rio Grande, e apontava como medida de extrema
necessidade a coiaboração consciente de todos em prol de cada um, ote
cada um em beneficio de todos, em função do reerguimento da pecuária .
Verificados os posicionamentos assumidos no Estado quanto à
visão da crise em geral e quanto à venda do Frigorífico Rio Grande,
cumpre analisar como eram encarados os probiemas referentes ao
crédito, transportes e mercado.
Quanto ao crédito e transportes, apontava um artigo da Revista do
Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul, em 1922:
... carece o nosso comércio de toda a elasticidade e precisa a nossa produção da
máxima liberdade de movimentos. Em palavras mais simples: è necessário que o
transporte seja fácil e barato; é preciso que o produto não seja onerado com tributações
pesadas; é preciso que o comerciante, o criador, o agricultor encontrem numa larga ba
se de créditos, em condições razoáveis, a possibilidade de expansão dos seus negócios.
Enquanto dominar a atuai estreitezaem matéria de créditos, enquanto os fretes consti
tuírem um fator notável de encarecimento do produto, enquanto as mais absurdas moda
lidades tributárias perseguirem toda forma de atividade, nada de definitivamente profí
cuo teremos feito em favor de nossa produção.58
Em Última análise, reivindicava Caries Corrêa, em nome dos cria
dores:
... é nessa situação verdadeiramente aflitiva que a lavoura e a pecuária volvem as
suas súplicas para 8. Excelência, o sr. presidente do Estado, para lhe ser prestada, corn a
urgência e a resolução que a situação reciama,a redução imediata das tarifas da Viação
Férrea, sobretudo para os produtos da pecuária, como único remédio eficaz para essa ca-
iamidade.59
Frente ás reivindicações de crédito fácil, o Governo borgista argu
mentava que, se os créditos fossem ilimitados, haveria uma alta de
preços que se manteria artificialmente, o que seria ruinoso para a
pecuária 6o . Segundo os princípios comtistas, a regra deveria ser
moderação e austeridade financeira. Diante do pedido de redução das
tarifas ferroviárias para os produtos da pecuária, o Governo se via a
braços com o sério problema de melhorar os transportes após as
encampações feitas. Todavia, para que os serviços continuassem, se
revelara impossível baixar as tarifas tai como o Estado se propusera a
fazer após a socialização dos serviços públicos.
®^lbidem.
PROPOSITO da crise da pecuária. Revista do Comércio e indústria do Rio Grande do Sui. Porto Alegre (31:65.
mar. 1922.

^®CORREA, Carlos. As tarifas daViacâo Férrea do Estado ea ttossa pecuária. Correo doPovo. Porto Alegre, 16 dez.
1921. p. 3.
®°A FEDERAÇÃO. 23 mar. 1921.

202
Quanto ao problema do mercado, nem todos os raciocínios abarca
vam a dimensão do drama da pecuária. Retraira-se o mercado consumi
dor europeu no pós-guerra e os estoques comprados e armazenados
durante o conflito ainda seriam consumidos por um certo tempo,
trancando ou restringindo a demanda. Alèm disso, os bons preços
haviam disseminado pelas regiões pecuárias do globo potentes frigorífi
cos com grande capacidade de abate.
O Governo tendia a considerar a crise como decorrente do fator
mercado. Como se viu, o Rio Grande atravessava um momento de
depressão, ao qual se seguiria a recuperação econômica. Havia como
que uma crença nas possibiiidades de recuperação automática do
mercado, que se enquadrariam numa idéia de existência de marcha
natural das sociedades.
Esta visão, algo otimista, pois á depressão se seguiria o progresso,
visava minimizar os focos de tensão.
Um artigo da Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul
tendia a identificar-se com este tipo de encarar os fatores relativos ao
mercado:

(...) Estacrise, particular da pecuária em certos casos e agravada por circunstâncias


especiais, è, sob outros aspectos, simples ramificaçãode uma crise gerai que afeta toda
a produção. Consuite-se, atentamente, a estatística da nossa exportação. Ver-se-á que
há, nela, não um, mas muitos produtosque estão em acentuada baixa ... E isso compro
vaque se trata de um mal generalizado, apenas aqui e ali mais agravado por condições
particulares, ou tornado mais sensível, como èo caso da nossa pecuária, pela soma avui-
tada dos interesses que fere. São as conseqüências da guerra, da mundial perturbação
econômica, financeira e social que ela determinou que estamos ainda sofrendo. Elade
terminou umaformidável expansão da nossa exportação; hoje estamos sob a influência
de umatendênciaoposta a essa: a de restrição do consumo. Não é que as necessidades
do VelhoMundo hajam diminuído; mas a sua capacidade de aquisição baixou enorme-
mente ... Ascircunstâncias absolutamente excepcionais criadas pela guerra, terãode ir
dando lugar, poucoa pouco, forçosamente, a novascondições de equilíbrio ... Isso dá
uma segura esperança: de que a crise presente será transitòria.^l
Corroborando com esta visão de enquadramento do problema ao
nível do mercado, Borges de Medeiros referia, em sua mensagem de
1912, que o marasmo europeu provém do empobrecimento geral, das
colossais dívidas Internacionais, da desorganização das finanças priva
das e públicas, do desequilíbrio do comércio, concluindo
que essas causas gradualmente Iriam sendo minimizadas®^.
Enquanto que remetia a crisegeral para o plano do desequilíbrio do
mercado e endividamento, para o nível do Estado, o Governo borgista
defendia justamente o equilíbrio e a ortodoxia financeira. Ao criticar para
o plano geral aquilo que, por princípio partidário, evitava realizar no Rio
Grande do Sul, Borges resguardava a integridade do Governo e da eco-
PROPOSITO da crise da pecuária, op. cit., nota 58.
®2meNSAGEM presidencial de 1922. p.54.

203
nomia do Estado. Confiante na orientação que seguia e na recuperação
automática da conjuntura depressiva, era com otimismo que o Governo
encarava a situação da economia gaúcha, onde só se encontravam mo
tivos de animação e confiança na resistência vitoriosa que eia demons
trava
Na mensagem presidencial de 1922, Borges explanaria claramente
sua visão sobre a situação da pecuária, dizendo que não havia escassez
da procura de gado, se fosse considerado o volume das reses abatidas
no Estado:

Não é.pois, a insuficiência da procura que ocasiona as perturbações e angústias que


atormentam os criadores e invernadores, senão a baixa quase instantânea de valores e o
retraimento e encarecimento crescentes do crédito bancário. Quanto à queda dos pre
ços, ninguém ignora que o fenômeno provém da depressão econômica mundial, que for
çou restriçõesao comércio e consumo de carnes congeladas nos mercados europeus. É
fatal essa influência que a ação dos governos e dos industriais poderá modificar ou ate
nuar, mas nãoeiiminardetodo ... É possível que convênios comerciais, como os que se
celebraram com Bélgica e a Itália, nos garatissem nos mercados consumidores a ven
da mínima e certa de carnes congeladas ... Se no estrangeiro é isso o que de meitior se
pode alcançar neste momento, aqui é mister porfiar por igual na defesa econômica do va
lor do boi, mediante métodos e práticas que a experiência universal consagra e sugere
com indiscutível eficácia. É necessário, antes de tudo, acelerar o processo, aliás já
adiantado, da transformação e melhoramento do primitivo gado crioulo que, por ser infe
rior e inservívei á indústria do frio, vaie muito menos que o chamado — tipo frigorífico;
mas, jsendo ele o preponderante, torna-se "ipso-factd'um elemento desfavorável ao equi
líbrio, duradouro dos preços remuneradores (...)
Subsiste porém ainda insolúvei outro problema mais grave, o de natureza comerciai^
porque é o relativo á própria venda nos mercados produtores.64
Veja-se, pois, o que resta do pensamento do Governo: existe para
ele um problema a nível de mercado (preço baixo) e de crédito (retrai
mento).
Quanto aos criadores, cabe-lhes a solução do problema no que diz
respeito à produção: obtido um novilho de superior qualidade, o preço
acompanhará o esforço despendido na tarefa de refinamento. O Gover
no, pois, centraliza a sua análise no esforço que deve despender o
criador na obtenção de um bom produto e não na campanha baixista de
charqueadores e frigoríficos. Embora este fato seja mencionado na
mensagem presidencial, com a abordagem do caso argentino, quando
se menciona a tentativa dos criadores de formarem uma frente única para
defender-se do frigorífico^^, não é feita uma transposição clara do
conflito parao caso rio-grandense. Um governo orientado pela ideologia
positivista nega o conflito e não admite protecionismos. Não atenderá
exclusivamente os criadores em exclusão dos interesses de um setor

^'íbiclem, p. 58.
®''lbidem, p. 77-9.
®^lbidem, p. 81.

204
que reconhece como dinâmico para a realização do capitalismo no sul -
as carnes frigorificadas. Minimiza, pois, o conflito e transfere o proble
ma para ativação da própria ação dos criadores. Estes devem promover a
recuperação da pecuária não só no aperfeiçoamento do rebanho mas
também pela união da classe na defesa dos seus interesses e organiza
ção das vendas. Do ponto de vista da comercialização, só a cooperativa
dos criadores é que poderá encaminhar a venda favoravelmente. Só uni
das poderão enfrentar os compradores, cuja oferta não sofre contraste
nem opos/ção®®
Este era o ponto mais direto que o Estado chegava ao acusar o
problema da relação entre pecuaristas e frigoríficos.
Considerava que o frigorífico, era capaz de se impor porque o
criador não se organizava. Não remetia a análise para a superioridade da
empresa monopolista, para seu domínio de mercado e tremendo respal
do financeiro que lhe permitia, inclusive, ficar sem abater sem que a
fábrica fechasse. Assim como a indústria era capaz de baixar o preço do
gado até o limite mínimo sem o qual se tornaria improdutivo continuar
criando, o que levaria à falência toda a atividade criatória do Rio Grande
do Sul, o frigorífico poderia também elevaro preço do artigo até um nível
máximo, aos qual as charqueadas não poderiam acompanhar, sendo
obrigadas a fechar.
O criador, que sentia mais profundamente a opressão da indústria
da carne frigorificada estrangeira, era capaz de avaliar melhor a atuação
do truste.
Quanto ao problema do mercado, o criador gaúcho tinha consciên
cia do problema da retração internacional para os produtos da pecuária.
Aquestão se manifestava de forma clara para o RioGrande do Sul, pois o
mercado para os produtos frigorificados era altamente competitivo.
Com relação àconcorrência internacional (Prata, especialmente) no
domínio da carne frigorificada, surgia o problema da qualidade da
matéria-prima oferecida,que podia depreciaro produto acabado. Embo
ra o Rio Grande do Sul se achasse à maior distância do restante do país
quanto ao processo de refinamento dos gados, tinha-se aconsciência de
que só pela importação de reprodutores selecionados que o Estado
poderia neutralizaropiniões emitidas pelos mercados estrangeiros con
tra os produtos gaúchos. Da Inglaterra, por exemplo, chegavam notícias
de que o Evening Stander, de Londres, comentara aue as carnes brasifel-
ras serviam somente para alimentar os leões do Jardim Zoológico ...
É claro que o comentário se referia mais especificamente às carnes
frigorificadas oriundas das regiões abastecidas por outra sorte de gado
®°lbidem.

®^PIMENTEL, Foriunato. Os frigoríficos. Correio do Povo. Porto Alegre, 4 fev. 1920. p. 1.

205
que não aquele proveniente da cruza de reprodutores estrangeiros com o
gado crioulo. A referência era feita, em especial, ao gado zebu, de pouca
aceitação na Europa, a não ser em carnes enlatadas para abastecimento
dos exércitos. A introdução do zebu era repelida pelos criadores mais
progressistas, que alcunhavam o animai de Átila da. índia, lembrando os
seus efeitos maléficos de degenerescência do rebanho.^^
O problema que, contudo, era mais associado à questão do
mercado e aos maus preços obtidos pelo gado era a noção de que os
frigoríficos aproveitavam-se da situação e realizavam uma campanha
baixista, oferecendo os menores preços possíveis pelo rebanho, o que
levava à ruina dos fazendeiros.
Defensor desta posição, Carlos Corrêa assim se expressava no
Correio do Povo:

Temos repetido, já mais de uma vez nestas coiunas, essa veiha verdade, por todos
sabida, de que os frigoríficos que trabalham aqui na Américado Sui conseguem todos os
anos lucros fabulosos, que, não raro, atingem e ultrapassam de cem por cento sobre os
capitais investidos. Embora toda gente saiba que essa è a verdade, muito poucas vezes
se tem conseguido trazer a público algumas demonstrações numéricas parciais, porque
os frigoríficos, como é natural, guardam ciosamente o segredo de suas operações. Para
poderem obter tais lucros se tem estas casas válidoaté hoje, principalmente, da ignorân
cia dos nossos criadores, tanto argentinos, como uruguaios ou brasileiros, pobre as ne
cessidades dos mercados consumidores europeus, sobre os estoques ià existentes, os
preços em vigor, etc., para nos impingiremessas ridículas mentiras de que "o consurno
de carnes frias na Europa tem diminuído muito ultimamente',' que "os depósitos estão
abarrotados de carnes','de que "os preços das carnes baixaram enormemente nos merca
dos europeus''e quejandas. Eo tem conseguido admiravelmente, porque, ou acreditando
ou não, todos os criadores sul-americanos se têm resignado a imposições dos seus pre
ços. Ainda há poucos dias, baseando-nos em informações particularese dos jornaiseu
ropeus, afirmamos que os mercados da Europa estão desprovidos de carnes, que os pre
ços iá são relativamente altos e que há uma ativa procura de carnes ...
Mais adiante, referindo o comentário feito a respeito do problema
pe\a Federação Ruraido Uruguai, Carlos Corrêa mencionava a existência
de uma coligação entre os frigoríficos, que fixavam arbitrariamente os
preços, vioientando assim artificiaimente a oferta e a procura. Suas
manobras consistiam em comprar menos que o exigido pelo consumo
europeu, a fim de obter preços aitos.^®
Tem-se, aqui, exposta uma outra forma de encarar o problema do
mercado e da baixa do preço dos produtos pecuários, que se concentra
no ataque à atuação nefasta do frigorífico. Menospreza-se a retração do
consumo de mercado mundial de após-guerra, abstraindo-se a crise
econômico-financeira na qual a Europa se debateu.
®®AS CARNES brasileiras na Franca - a sua rnú classificação. Correto do Povo.
Porto Alegre, 12 jan. 1921. P 1
®^CORREA, Carlos. Os frigoríficos e a nossa pecuária. Correo do Povo. Porto Alegre, 18fev. 1922. p. 3.
^^Ibidem.

206
A situação deve ser analisada com o devido cuidado. Por um iado,
um dado fundamental a ser considerado é a proliferação dos frigoríficos
no plano mundial, conjugada com a deflação e a retração do poder
aquisitivo do mercado europeu, indiscutivelmente, houve um recuo da
demanda e uma baixa do preço do gado e seus produtos, que se
manifestou mundialmente. Outro fato è a constatação de que cada
alteração do mercado consumidor internacional fazia com que o frigorí
fico tendesse a transferir as suas perdas para o fornecedor direto da
matéria-prima. No caso, era o estancieiro o mais duramente atingido.
Emalgumas áreas, como o Prata, as empresas estrangeiras gozavam de
uma situação quase monopolística quanto à industrialização da carne.
Quanto havia, na área, uma outra forma de aproveitamento da carne,
emboraobsoleta(charqueadagaúcha), ofrigorífico tendia a entrar neste
ramo de negocios e aniquilar a força do concorrente para manter o
criador submisso.

Um outro dado ainda merece ser considerado. Já se viu que houve


alteração na pauta das exportações dos produtos frigorificados com o
fim da guerra, mediante o declínio da carne congelada e enlatada e o
aumento do envio da carne resfriada. O frigorífico, com isso, continuou
operando e mantendo uma margem de lucro, já não tão espetacular
quanto aquela ganha no período do conflito, mas, mesmo assim,
substancial. Amargemde lucro, contudo, podiaaumentar na medida em
que fosse mantida a diferença entre os preços de compra do gado e
venda da carne frigorificada. Havendo uma oscilação desfavorável no
preço dos produtos no mercado europeu, imediatamente o frigorífico
forçava a baixa do preço do gado,suspendendo a matança e fazendo
circulara notícia de que caíra vertiginosamente o preço da matéria-pri
ma.

Realizava, assim, mesmo após a recuperação da economia mundial,


um processo de transferência das perdas sofridas no pós-guerra sobre c
criador locai.
No Prata, especialmente, a presença da coligação dos frigoríficos
estrangeiros, regulando os preços do gado sob a alegação de que este
era um processo aufomáf/co do mercado, fazia com que as especulações
das empresas se revelassem mais claramente^^. . . ^
Apesar dos criadores tentarem resistir ante as noticias de que os
frigoríficos realizavam uma campanha baixista, propondo-se a não
vendero gado por um preço vil, a perspectiva de chegar ao fim da safra
com os campos repletos, o que implicaria naperda da partedo rebanho

SMITH. Peter J Carne vpolítica en Ia Argentina. Buenos Ayres, Paidòs. 1968. P 39-4

207
quando viesse o Inverno, terminava fazendo com que os estancieiros
cedessem... e os frigoríficos obtivessem os lucros desejados.
Ê claro que, no Rio Grande do Sul, havia outra saída para o gado,
que era o tradicional saiadeiro, mas este também aproveitava-se para
transferir suas perdas para o criador.
Portanto, quanto maior fosse a crise do frigorífico ou da charquea-
da, maior tendia ser a exploração imposta ao estancieiro.
Este, pois, se via em antagonismo de interesses tanto com relação
ao charqueador, de quem dependia para o escoamento de seu gado,
como com relação ao frigorífico.
Embora a divergência de interesses entre o criador e o charqueador
fosse a mais antiga, neste momento aquela com o frigorífico se revelaria
muito maior. Não escapava aos olhos dos estancieiros que, mesmo
afetados pela crise, os frigoríficos tinham melhores condições para
enfrentá-la. O frigorífico ainda conseguia dividir os prdprios fazendei
ros, usando alguns como ponta de lança, na medida em que os contrata
va para seus compradores de gado.
Acentuou-se, pois, o nível dos conflitos no Rio Grande do Sul, que
agora se decompunham no enfrentamento entre criadores e charquea-
dores, criadores e frigoríficos e charqueadores e frigoríficos.
Na passagem do ano de 1921 para o de 1922, aos fatores de falta de
mercado e crédito e baixa do preço do gado, se acrescentaram os efeitos
de um inverno rigorosíssimo, de uma prolongada seca e de uma epide
mia de aftosa. Conjugados a estes fatores, os ruraiistas gaúchos
tiveram conhecimento de que uma companhia americana de Livramento
teria obtido licença do Governo federal para Importar gado uruguaio para
abatê-lo durante a safra. Igualmente, os criadores rio-grandenses sou
beram que o Prata estava retomando a sua atividade saiadeiril, como
forma encontrada pelo Governo para reagir à crise dos frigoríficos. Com
isso, o Rio Grande, mais uma vez, enfrentaria o risco de ver o seu
charque desalojado do mercado interno brasileiro pelo produto similar
platino. Por outro lado, os Governos do Prata estavam atendendo às
solicitações de seus pecuaristas, isentando os produtos pecuários dos
direitos de exportação, concedendo créditos aos países estrangeiros
para compra de artigos platinos e proibindo a importação do gado em pé
dos países fronteiriços-^^
Frente^a agudização da situação aflitiva, Carlos Corrêa, numa série
de artigos polêmicos pelo Correio do Povo, procurou alertar a classe das
ameaças que sobre ela pairavam. Pode-se, mesmo, afirmar que sua
atuação foi marcante no sentido de radicalizar a opinião dos pecuaristas

^^PROJETOS argentino e uruguaio para remediai a crise da pecuária. Correio do Povo Porto Alegre. 4 fev. 1922.
p. 3.

208
rio-grandenses contra o Governo do Estado, que se mostrava incapaz de
debelar a crise e atender os ruralistas na proposição de suas reivindica
ções. Referia Carlos Corrêa, em dezembro de 1921:

(...)os desarrazoados precedentes dos decretos de proibição de espoliação de


carnes frigorif içadas nos dão direito e nos obrigam a ficar de sobreaviso (...) No delírio da
ambição de lucros fantásticos, as grandes empresas americanas que exploram a
indústria das carnes congeladas no nosso pais têm já por várias vezes se excedido de
tal maneira nos ardis que procuram pôr em prática para a desvalorização dos nossos
gados, que desde algum tempo já vai criando entre os invemadores e criadores do
Estado uma atmosfera de antipatia e de prevenções cada vez maiores.
Sem irmos mais longe, basta lembrarmos que na safra passada, quando os bancos
exigiram dos invemadores, em um momento critico, a liquidação de seus compromis
sos, essas casas se prevalecendo de sua situação privilegiada, pela abundância de re
cursos de que dispunham, levaram a tal ponto os seus excessos, que, não contentes
com imporem os preços que quiseram pelos nosos gados, chegaram até às mais revol
tantes ameaças, como essa que foi ouvida por por um forte criador de Ivaré, de que
haviam de comprar os gados do Rio Grande pelos preços que quisessem, porque os
invemadores não tinham mais recursos, e que só eles, os frigoríficos, tinham dinheiro
para as compras. E è do conhecimento de todos que a execução desta ameaça causou
não pequeno número de prejuízos e de falências entre os nossos honrados criadores
gaúchos. Fortes por esse vil sucesso da safra passada, já essas poderosas empresas
começaram cedo este ano a sua campanha "derrotista Vcom que se empenham em
sustentar a obtenção dos seus fantásticos lucros, á custa de nossa ruína completa ...
Ultimamente, quando,em outubro, os charqueadores reunidos em Pelotas resolveram
não matar antes de março vindouro, os frigoríficos, aproveitando a depressão que esta
notícia viria causarentreos criadores do Estado, espalharam logo que também só ma
tariam em março, em número reduzido e somente gados especiais. E agora, quando
tendo os bancos fechados, sem créditos em parte alguma, sem recursos, para o próprio
custeio dos seus trabalhos e com os prazos dos seus compromissos vencidos, depois
de uma invernia cruel e mortífera, que dizimou os nossos rebanhos e comprometeu os
engordes, em plena seca, que dura já mais de 3 meses, e que ameaça maiores horrores
que a que tivemos há 4 anos, com as tarifas da Estrada de Ferro do nosso Estado eleva
das de uma maneira fantástica e, verdadeiramente proibitiva, os nossos criadores e in
vemadores anteviam na acelerada procura de couros e de gorduras para a Alemanha e
na falta de carnes nos ep*''^postos europeus, um indício paraboa safra e uma esperan
çado melhores preços(...) eis que surgede surpresa(...) o nossoGoverno centralestá na
iminência de abrir as nossas fronteiras aos gados uruguaios, para virem fazer concor
rência vantajosa aos nossos ... 73

Acrítica feita aborda vários ângulos da questão: a subordinação


gaúcha às pretensões do centro, contrariando interesses locais (caso
lembrado da proibição da exportação de carnecongelada); as manobras
baixistas dos frigoríficos e seus lucros fabulosos, acompanhados que
eram pelas charqueadas, na restrição do abate e na imposição do baixo
preço; a situação desfavorecida do criador no conjunto dos atores

^^CORREA, Carlos. Novas ameaças nnossa pecuária Correio do Povo Porto Alegre, Hdez. 1921. p. 3.

209
envolvidos; o cerceamento do crédito; condições climáticas adversas e
ainda o problema dos transportes.,.
Para o combativo pecuarista, a situação de crise se configurava na
medida em que os campos se apresentavam cheios de gado gordo já às
portas do Inverno, ao mesmo tempo em que se achavam com dividas
avultadas das quais os credores exigiam pagamento. Dentro desta
situação angustiosa, aproveitavam-se as charqueadas e os frigoríficos
problema este que, ás vezes se apresentava sob a forma de um único
agenie: o frigorífico-charqueada. Nasuaopinião, opoderpúblico ou não
conhecia a situação ou não tinha coragem suficiente para encarar o
problema74. a necessidade mais urgente dos criadores, portanto, era a
venda do gado por um preço remunerador. Embora a charqueada e o
frigorífico enfrentavam dificuldades no período, a situação se apresen
tava mais grave para o criador. Na etapa anterior, de euforia durante a
guerra, o estancleiro fora levado a Investir na unidade de produção,
utilizando benfeitorias. Importando reprodutores.
Todavia, multo pouco tempo decorrera para que todos estes esfor
ços dessem os seus frutos e já a recessão do mercado mundial se
apresentava para os pecuaristas, que, além dos baixos preços, tinham
de enfrentar o problema do endividamento.
Frentela agudização da crise e as tomadas de conscientização do:
fatores que a mesma envolvia, como se posicionaram os pecuristas en
termos práticos?
Reabria-se, novamente, o problema da união da classe na defesa de
seus Interesses. A própria falência do projeto nacional contribuíra para
despertar novamente o espírito de cooperativismo e solidariedade entre
3S criadores. Uma forma difundida de visualização do fracasso era,
como já se viu neste capítulo, atribuir a falta de capital à debilidade da
união dos estancleiros. Carlos Corrêa, numa série de artigos do Correio
do Povo, Intitulados União das Ciasses rurais, procurava demonstrar que
a classe rural, embora a mais rica do Estado, não usufruía da posição
que lhe caberia, por direito, por não ter ainda consciência plena de seus
Interesses.
A crise em que se dabatia a pecuária estava levando os criadores a
questionar o próprio sistema e, no final do período, levaria aqueles
setores de oposição a catallzarem a crise econômico-financeira, fazen-
do-a evoluir para a crise política declarada.
O fato de a classe dominante não poder solucionar, por sl, os
problemas que a atormentavam se manifestava exasperante. Havia uma
tendência a transferir ao poder constituído a culpa pela não resolução da

REUNIÃO dos criadores ontem. Correio do Povo Porto Alegre. 2i fev 1922. p 3

210
crise. Parecia, ainda, inconcebível que o Governo não atendesse primor
dialmente a classe que mais contribuía para os cofres públicos e
procurasse desenvolver outros setores da economia.

"Jusquae tandem, constituindo nós, os homens do campo, a grande força da Na


ção, havemos de continuar a ser os cordeiros humiides e submissos às arbitrariedades
e às injustiças que nos tolhem o passo e que nos asfixiam as forças, enquanto que ou
tras classes que vivem dos nossos esforços gozam de todos os favores das nossas leis
e da proteção oficial? Atè quando nos resignaremos nós ao vexame dos impostos In
constitucionais de trânsito, de exportação e de importação dos municípios, e a essa
abusiva insensatez do regime de restrições e de proibições de exportação dos nossos
produtos?
Atè quanto havemos de nos sujeitar a não termos estradas para o nosso trânsito e
para o nosso comércio, a não termos garantias para as nossas propriedades, a não
termos escolas suficientes para os nossos filhos e a vermos os pesados impostos que
pagamos ao Estado para nos serem retribuídos equitativamente em garantias de
propriedades, em instrução, em estradas e em progressos, serem empregados literal
mente em benefícios de outras regiões longínquas, jà de si mais favorecidas e menos
produtivas, desde que sabemos que em idênticas condições às nossas, muitos outros
povos adiantados foram encontrar a solução desses problemas na força poderosíssima
das associações de ciasse?75

As queixas se avolumavam e antes que as frustações se transfor


massem em conflito aberto com o poder estabelecido, a busca de saídas
para a crise levada a efeito pelos ruraiistas propugnava pelo cooperatl-
vlsmo e pela união da classe no Rio Grande do Sul. Dentro desta
perspectiva, propunha-se a criação da Federação Ruraldo Rio Grande do
Sul, entidade que, frente ^a crise, poderia reunir todas as energias.
Inclusive a criação da Federação Rural era uma forma de encaminhar o
problema para uma solução não política. O objetivo era criar uma
Instituição

... livre das injunções mesquinhas da poiitica partidária ... que seja capaz de reu
nir realmente todas as energias das nossas ciasses rurais, para a amparar responder a
todas as aspirações e as as necessidades da nossa pecuária ... '»

Tratava-se, antes, do reerguimento desta instituição, uma vez que a


Federação Rural já fora fundada, em 20 de setembro de 1909, numa
assembléia de criadores em Porto Alegre. Em 1912, outro organismo, a
União dos Criadores, fora fundada também na capital.
A reacriação da Federação Rural era, pois, uma forma de dar

75cORREA. Carlos. Uniâo das classes rurais. Correio do Povo Porto Alegre, 1° nov. 1921 p. 3.

76CORREA, Carlos. União das classes rurais Correio do Povo,Porlo Alegre, 5 nov, 1921. p. 3.

211
encaminhamento ao problema sem recorrer às armas e sem a contesta
ção clara ao poder político Instaurado. Seria o que, se poderia dizer, uma
solução não política para o problema econômico. O Estado, compreen
dendo a Importância da medida e o seu alcance como saída conciliatória,
apressou-se em dar seu aval ao empreendimento da classe rural. Até
então, vigorava no Estado uma dualidade de Instituições de defesa dos
Interesses rurais, sem, contudo, solucionarem a contento o problema da
pecuária. Pensou-se, então, na possibilidade de fusão das duas numa
nova Federação Rural do Rio Grande do Sul.
Jacinto Gomes era um defensor, no Estado, da necessidade da
união das classes rurais em colaboração com a ação governamental.
Na nona exposição-feira de Bagè, em novembro de 1921, revelou
que o presidente do Estado lhe autorizara a declarar que
... se os produtores do Rio Grande orlarem um órgão central de defesa dos
nossos produtos ele será o representante do Governo federal no Estado, na organiza
ção pleiteada pela recente mensagem do presidente da República. E mais: que c
Governo do Estado iniciará a sua cooperação à ciasse, concedendo á nova sociedade
avultado auxilio anual para a importação de reprodutores, que considera uma das mais
palpitantes necessidades dos nossos criadores.77

Nesta reunião de Bagè, foi fundada, em 16 de novembro de 1921, a


nova Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul, pela
fusão das duas Instituições preexistentes. Foi escolhida um diretoria
provisória e, entre os nomes que aderiram e prestaram apoio à nova
entidade, encontravam-sepersonalidades de ambas as facções políticas
do Rio Grande do Sul, como foi o caso de Joaquim Luís Osório e FIrmIno
Paim Filho, do PRR e Joaquim Francisco de Assis Brasil, da oposição
(dissidênciarepublicana). Ainda mais umavez, o projetado órgãoque se
destinava a defender os Interesses dos criadores tornava-se capaz de
englobar os dois segmentos de classe dominante no Estado que se
defrontavam politicamente.
Entusiasmado com os efeitos da propaganda em prol do cooperatl-
vlsmo e união das classes rurais, Carlos Corrêa escrevia, no Início do ano
de 1922:

Na safra passada, foram criadas e funcionaram as cooperativas dos estancieiros


dos municipios de Uruguaiana, São Gabriel e Caxias, onde eles ctiarquearam os seus ga
dos de desfrute, e tal foi o seu resultado que não só elas continuarão a funcionar nesta
nova safra, como ities seguirá o exemplo um grande número de outras idênticas, cria-

77exPOSIÇÃO feira de Bagé. Correio do Povo,Porto Alegre.18 nov. 1921. p.

212
das em outros murricípíos como Alegrete, Bagé, Cruz Alta, Santa Maria, Pelotas e Livra
mento, conforme diz um telegrama do "Correio do Povo" de ontem. Essa nova iniciativa
vai produzindo um grande entusiasmo entre os nossos estancieiros pelos seus resulta
dos materiais e também lhes vai despertando a confiança em uma vitória completa em
um bem futuro, contra a ambição desenfreada dos grandes intermediários, frigoríficos
e charqueadas. E disso não pode deixar de ser um sintoma bem claro o fato de alguns
charqueadores desistirem de matar para arrendar os seus estabelecimentos às coope
rativas de fazendeiros.78

o sentido último do movimento cooperativo de criadores era, como


se viu, eliminar a figura do intermediário e obter, assim, uma remunera
ção boa para a matéria-prima produzida. A esperança era de que os
frigoríficos e charqueadas se vissem forçados a acompanhar os bons
preços oferecidos pelas cooperativas, com o que a situação se restabe
leceria em termos de mercado.
Tinha-se, por dado básico, que os frigoríficos americanos ofere
ciam o preço mais baixo possível pelo gado para vender, na Europa, a
carne pelo preço mais alto conseguido e, assim, obter os tais lucros
fabulosos.
Acrescentava, a este respeito, Carlos Corrêa:

Em vista dos preços porque vimos vender na França em primeira mão as nossas
carnes procedentes da "Casa Armour',' de Livramento, e do que ela pagou pelos gados
dos invernadores, ctiegamos nós também a idênticas conclusões ... E quem estuda
mais a fundo a questão, tiá de encontrar entre os métodos de comerciar dos
americanos de hoje ... uma perfeita analogia com as práticas dos povos superados dos
outros tempos em relação às suas colônias selvagens e desprotegidas e há de verificai
que tinha sobras de razão o Dr. Ruiz Drago quando acrescentou á astuciosa divisa Mon-
roe "A América é para osamericanos'áquelas justíssimas palavras "para os americanos
do norteí79

Ageneralização desteestadodeespírito era facilitada pela consta


tação do que ocorria com a realidade platina —onde a coligação dos
frigoríficos estrangeiros violentava artificialmente as leis daoferta e da
procura —e com notícias que chegavam da Europa, a respeito de suas
necessidades de carne e dos preços alcançados em Londres pelos
produtos pecuários®®.
Prosseguindo na campanha de união das classes rurais, realizou-
se, na sede da Associação Comercial de Porto Alegre, em fevereiro de
1922, uma reunião de criadores, promovida por Jacinto Gomes, José
Carlos Ferreira, Oswaldo Aranha, Carlos Corrêa e Alberto Bins. Fazendo
7®C0RREA, Carlos. Ocooperativismo em marcha. Correio doPovo,Pot\o Alegre, 1° fev 1922 p 3.
^^CORREA, Carlos. Projetos argentinos e uruguaios para remediar a crise da pecuária. Correio do Povo,
P. Alegre. 4 fev. 1922. p. 3

®^CORREA, op. cit., nota (

213
uma análise da situação, os fazendeiros solicitaram ao Governo da União
e do Estado e aos representantes de bancada gaúcha no Congresso o que
chamaram de medidas de salvação. ?'e:teavam os ruralistas a proibição
da entrada de gado de corte uruguaio e do charque platino no Brasil ou a
elevação do imposto de inriportação, até tornar impraticável a sua
entrada. Para impedir fraudes, solicitavam que o Governo se empenhas
se em conseguir que todo o charque gaúcho se escoasse por Rio Grande
e não Dor Montevidéu, pelo que deviam ser baixadas as tarifas da Viação
p0f|'0Q8l
Uma série de considerações aqui se impõem: em primeiro lugar, a
constatação de que os fazendeiros eram impotentes para coibir a ação
dos trusts estabelecidos no Estado. Frente a isso, voltaram-se para o
charque, tradicional destino do rebanho gaúcho.
Momentaneamente, o impulso de renovação da estrutura de pro
dução foi abandonado; falira o projeto nacional e o pecuarista, que muito
investira na criação, vira-se coberto de dívidas. Permanecera, como
único meio de aproveitamento da riqueza, a realidade saladeiril. Só que,
nesta atividade, o que se cogitava era uma legislação protecionista, uma
solução institucional a nível do mercado. A perspectiva era inteiramente
paternalista. Os criadores reivindicavam e o Governo devia conceder-lhe
o auxilio, desde cima.
Todavia, mesmo com a elevação das taxas alfandegárias ou mesmo
a proibição de entrada do charque platino no pais, ainda o produto
uruguaio encontrava uma forma de burlar a lei. Era o recurso das guias
falsas, forma pela qual se contrabandeava o produto platino para dentro
do território nacional.
Referia o Correio do Povo:

É do domínio público que muitos charqueadores da fronteira pagavam impostos de


matança do dobro ou triplo dos gados que matavam, para poderém obter as guias ne
cessárias e que na passagem do ctiarque pelo território uruguaio lhe era juntado a dos
gados uruguaios em número suficiente para completares guias. Assim um charquea-
dorque matava 10 mil bois pagava impostos de 30 mil, tiravaasguias de 30 mil e na
passagem docharque dos seus10 mil bois nacionais pelo Uruguai elelhes adicionava c
de 20 mil bois uruguaios que entravam nos nossos mercados com procedência brasilei
ra. 82

Asituação, aliás, apresentava-se ainda com outros inconvenientes,


na medidaem que aumentava, com isso, a rendados portos e vias férreas
uruguaias, em detrimento das vias de escoamento nacionais. Frente a
este problema, argumentava Leo D'Utra, outro combativo comentarista
REUNIÃO dos criadores efetuada ontem, op. cit., nota 74.

^^Ibidem.

214
da crise, que a situação de concorrência ao charque gaúcho, tanto
nacional quanto estrangeiro, bem como a preferência de escoamento
pelos portos platinos poderiam ser contornadas se os fretes da Viação
Férrea fossem acessíveis. Em outras palavras, mesmo com a redução
que o Governo pretendia fazer, segundo se comentava, esta era inade
quada à situação de crise. Alguns produtos, pela nova tabela que iria
circular, teriam descontos de atê 50%, sem que este fosse o caso do
charque. A distância entre Livramento e Rio Grande era maior do que a
distância entre Rivera e Montevidéu. Cabia, pois, compensar esta des
vantagem geográfica com uma vantagem econômica na redução dos
fretes

Dando força para que se constatasse a situação aflitiva do charque


gaúcho, Carlos Corrêa apresentou, na reunião de criadores realizada em
Porto Alegre, dados que comprovaram ser o custo de produção do
charque do Prata menor do que o do charque gaúcho. Verifica-se a favor
do estrangeiro uma diferença de $320, contra a qual nada podia fazer o
Rio Grande do Sul, umavezque o charqueadornacional não podiavender
mais barato o seu charque no mercado interno sem prejudicar-se. Por
seu lado, o criador, não podia, também, entregaro gadoa um preço mais
baixo sem ir à falência®^.
Este posicionamento de solicitar medidas de exceção, oriundo de
uma reunião de criadores em fevereiro de 1922, foi um movimento
paralelo à atuação da FARSUL e da União dos Criadores, entidades das
quais era presidente o Cel. Alfredo Gonçalves Moreira, fator que gerou
problemas de suscetibilidades entre este e o movimento, a tempo
solucionados.
Foi constituída uma Comissão de Criadores que redigiu um memo
rial ao Governo da União, onde solicitava dois tipos de reivindicações
para a pecuária sulina. As de caráter provisoVio destinavam-se à defesa
do mercado interno brasileiro para os produtos gaúchos, e as de carater
permanente referiam-seàformação de um banco de crédito rural hipote
cário que desse amparo definitivo à agropecuaVia. Flores da Cunha,
então intendente de Uruguaiana, foi o escolhido para levar ao Rio de
Janeiro as reivindicações dos criadores. Tendo, porem, a comissão
enviado uma copia do memorial ao presidente do Estado, Borges de
Medeiros tomou a si a responsabilidade do caso. Em oficio no qual
respondia à Comissão dos Criadores, Borges justificava-se;

®^D'UTRA, Leo. Acrise da pecuária e os nossos fretes. Correio do Povo.Podo Alegre, 12 mar 1922 p 3

^A REUNIÀO dos criadores efetuada ontem, op. cit., nota 74.

215
... é-me grato comunicar-vos que, para maior segurança, confiei ao deputado Joa
quim Luís Osório a incumbência de levar para o Rio o referido memorial, que ali será
entregue, solenemente, aos destinatários, por uma comissão de representantes da
nossa bancada, de cuja habitual operosidade e comprovado patriotismo podeis esperar
eficientes esforços no sentido da adoção das medidas e providências solicitadas.
Cumpre-me, de minha parte, afirmar-vos, também, que o Governo do Estado, com o
maior desvelo e grande interesse que o assunto lhe desperta, tudo fará em defesa da
indústria pecuária na grave crise que a assoberba.85

A partir deste momento, encampando o movimento dos criadores e


declarando-se empenhado na defesa dos seus interesses, Borges asso
ciou a vitoria da causa ao seu desempenho como presidente do Estado.
Como portador do memorial dos criadores, dirigiu-se ao Rio, a
mando do Governo do Rio Grande, o deputado Joaquim Luís Osório,
pleiteando as seguintes medidas de emergência, assim especificadas:

Primeira - Elevação da taxa de importação para o charque estrangeiro e mais


produtos a um nível tal que permita aos charqueadores nacionais concorrerem
livremente com os estancieiros dentro do pais, podendo pagar ao criador brasileiro por
seu gado, quando não um preço remunerador dos sacrifícios feitos, pelo menos um
preço que evite a rLí.io ueies;
Segunda - Enérgicas medidas para evitar de modo absoluto a entrada clandestina
do charque, subprodutos e de gados gordos estrangeiros no nosso território;
Terceira - Equiparar as charqueadas nacionais aos frigoríficos no que respeita ás
vantagens de que gozam estes últimos, com a isenção de impostos de importação de
sal, aniagem, cascos, etc.;
Quarta - Fixação de um limite máximo para o preço do charque segundo os tipos, o
qual pode ser o preço máximo atual.86

Como medida de defesa permanente, pleiteavam os criadores a


idéia da formação de um banco de crédito rural hipotecário.
Acrescentavam, ainda, os pecuaristas sulinos a dilatação dos pra
zos de redescontos, por considerar que aqueles vigentes de quatro
meses eram muito curtos para solucionar o problema dos fazendeiros,
ainda mais que não existiam bancos de crédito agrícola que os amparas
sem.
Corroborando para a defesa do seu ponto de vista, argumentavam
ainda os rio-grandenses que a pecuária contribuía com mais de 75% da
exportação geral do Estado e que o Rio Grande exportava, anualmente,
cerca de 35.000 toneladas

FEDERACAO. op. cit., nota 60.


®®A SITUACAO da pecuária rio-grandense. Corre/o doPovo. Porto Alegre, 5 mar. 1922. p. 10.

®^A SITUAÇAO da pecuária rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre, 23 mar. 1922. p. 3.

216
Colocando o ponto de vista gaúcho, a questão agitou o Congresso,
pois a crise da pecuária afetava ainda outros Estados, como Minas
Gerais, Mato Grosso, Goiás e até São Paulo. Foi nomeada uma comis
são para tratar do assunto, formada peios representantes dos Estados
atingidos..
NaCâmara Federal, o deputado paulista Carios Garcia, ao anaiisar o
problema gaúcho, enfatizou dois pontos que considerou básicos: a
poiitica estadual de encampação do porto do Rio Grande e da Estrada de
Ferro Auxiliaire e o contrabando. Assumindo tais compromissos no
setor de transporte, o Estado retirou dos bancos o capitai que neles
depositava (saldos do tesouro), obrigando a estes estabelecimentos a
exigira imediata devolução do dinheiro que haviam concedido em em
préstimos aosfazendeiros, a fim depoder atender aopedido doGoverno.
Facetais eventos, os bancos locais ficariam sem condições de auxiliara
pecuária no transe dificii em que ela se achava. Por outro lado, a
encampação da Viação Férrea teve como conseqüência imediata o
aumento das tarifas para o gado transportado, de 5$000 para 20$000, o
que veio a repercutir em ônus para o criador.
Sem crédito, endividadoe tendo as tarifas aumentadas, a situação se
revelava péssima para o pecuarista gaúcho.Com relação ao contraban
do, afirmava o deputado:
... é sabidoem toda a parteque se mete maisgado nos frigoríficos do Rio Grande
que o produzido no Estado. E a razão é confiecida: é porque da Argentina se exporta,
clandestinamente, faz-se contrabando. Se é fato que esse gado entra comocontraban
doem concorrência com o gado do Estado, vejamos qual a situação doméstica do nos
so estancieiro. Háalio impostoterritorial que é pago ao Estado e hão imposto porcabe
ça de gado, que è cobrado pela Municipalidade. Ao passo que o gado que entra como
contrabando não faz nenhuma destas despesas, o gado do RioGrande está, pois, onera
do por uma concorrência desleal com o estrangeiro.88
Finalizava o deputado paulista pedindo o apoio para as necessida
des de crédito do criador e o atendimento ás medidas de emergência
para o escoamento da safra.
Para que se possa compreender esta condescendência do centro
em ouviras reclamações da periferia, a questão deve ser analisada à luz
da conjuntura nacional do momento.
Etri março de 1921, fora Implantada a terceira operação vaiorizadora
do café, momento em que esta política passou a ser feita em nível
nacional.
Segundo Boris Fausto,

A CRISE da pecuária, op. cit., nota 24.

217
... o Presidente da República passou a identificar os interesses da cafeicultura
com os interesses nacíonais.89

Realizava-se a extensão da predominância da burguesia cafeeira. A


partir de então, o Estado passou a intervir direta e permanentemente no
terreno econômico para salvar o café, base da economia agroexportado-
ra brasileira. Regulando a entrada do café nos portos, recorrendo a
empréstimos externos ou emitindo, o Governo federal apresentava a
política de defesa deste produto como defesa nacional. Em suma,
aplicando o seu programa de emissões, o Governo canalizava recursos e
beneficiava um só gênero produzido, em detrimento dos demais.
O grupo cafeicuitor afirmava-se no panorama nacional como seg
mento predominante, mas sua hegemonia começava a ser contestada.

Não por acaso, as eleições presidenciais de março de 1922 marcaram peia primeira
e única vez em toda a história da República Velha uma divisão entre os dois maiores
Estados, apoiados por seus pequenos clientes de um lado e, de outro, um bloco de es
trelas de segunda grandeza, constituído pelo Rio Grande do Sui, Bahia, Pernambuco,
Estado do Rio, sob a liderança do primeiro. A campanha de reação Republicana não se
resumiu a este aspecto, pois é necessário considerar o significado das intervenções
dos militares na contenda política. Entretanto, do ponto de vista das classes dominan
tes regionais, o ponto central em disputa se definia em termos de opções da política
econômico-financeira. Quando Borges de Medeiros, em nome do rio Grande do Sul,
negou-se a apoiar a candidatura de Artur Bernardes, sua principal objeção era de que
paulistas e mineiros haviam imposto um nome destinado a favorecer as emissões e os
esquemas de sustentação do café.90

È justamente neste momento que se agudizaram as tensões entre os


setores de classe dominante nacional vinculados à economia cafeeira e
aqueles ligados ao fornecimento do mercado interno. Ora, a posição
comtista do Governo gaúcho condenava tanto a política das emissões e
do desequilíbrio financeiro, quanto julgava desaconselhável o favore-
cimento de um produto em detrimento dos demais. A realidade econô
mica do Rio Grande justificava esta postura teórica. O Estado gaúcho
produzia para o abastecimento do mercado interno (charque e gêneros
agrícolas) e os efeitos da inflação acarretados pela emissão
tendiam a apresentar restrição do poder aquisitivo das camadas popula
res urbanas. Por outro lado, o Rio Grande rebelava-se por ver, no pano
rama nacional, só um produto ser atendido e cumulado de privilégios
através da política de valorização do café.

®®FAUSTO, Boris. Expansão do café política cafeeira. IN: org. OBrasil republicano \\\. São Paulo Dl-
FEL, 1975. p. 233. (Col. História Geral da Civilização Brasileira)

^Ibidem, p. 235-6.

218
Face a esse quadro, o Governo gaúcho aproveitou-se deste momen
to de cisão das oligarquias— Reação Republicana — para posicionar-se
contra a política do Governo federal.
Bernardes foi o candidato vitorioso, mas começava neste momento
a ser contestada a hegemonia e predominância do grupo cafeeiro no
poder.
Foi durante esta intensa agitação política e instituição da defesa
permanente do café em âmbito nacional que se processaram na Câmara
os debates sobre a proteção da pecuária.®^
Reciamava-se no Legislativo que outros produtos deveriam também
receber a proteção do Governo, tais como a borracha, o cacau, o
algodão, a pecuária.
Opinava o pensamento rio-grandense:

Se é justo que valorizemos o café, porque è a vida de São Paulo, do Rio de Janeiro
e de grande parte de Minas, Bahia, etc.; se è justo que valorizemos o açúcar, porque è a
vida de Pernambuco, da Bahia, do Rio de Janeiro; a borracha porque è a selva da Amazô
nia inteira, porque não havemos também de valorizar a nossa pecuária,que é a vida do
Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de Goiás, de Mato Grosso e de grande parte de
São Paulo, Paraná, Minas, Bahia, Rio, etc.?92

Considerando tudo aquilo que o Rio Grande do Sul conseguiu do


Governo centrai para a pecuária durante o momento final do Governo de
Epitássio Pessoa, Love refere que vigorou o mecanismo pacificador de
compensação econômica pelo fracasso político.
Tratava-se, em última análise, de uma acomodação da oligarquia
cafeeiracom as oligarquias regionais, frente à imposição de uma política
beneficiadora do café, que passava a ser efetuada no piano de toda a
nação.
Dadas as condições de barganha para a aceitação de uma política
econômico-financeira nacional, os demais Estados tiveram alguma
chance de obter benefícios para seus produtos.
No caso específico, a bancada gaúcha no Congresso tentou conse
guir algumas medidas protencionistas.
O senador gaúcho Vespúcio de Abreu, do PRR, que ocupava a
presidência da comissão nomeada para estudar a situação da pecuária
nacional, apresentou emendas ao projeto de Sampaio Vidai sobre a
defesa permanente do café. Este último projeto se encontrava engaveta-

91
LOVE. Joseph. O regionalismo gaúcho. Sào Paulo. Perspectiva. 1975. p. 204-13.
92
CORRÊA. Carlos. Opreçodos gados na República Argentina e o nosso charque nacional.Correio do Povo. Porto
Alegre. 4 mar. 1922. p. 3.

^^LOVE. op. cit.. nota 91. p. 212.

219
do no Senado. O parlamentar gaúcho propunha, entre outros itens, a
elevação do imposto de Importação sobre o quilo do charque para 300
réis e o auxílio do Governo federal à pecuária nacional, mediante
operações a serem realizadas pelo Banco do Brasil, até o limite mínimo
de 50 mil contos.®^
Com o desenvolver das discussões parlamentares, em vez de discu
tir-se em separado o problema da pecuária, elaborando-se um projeto
especial para salvá-la da crise, passou-se a estudar as emendas propos
tas ao projeto de Sampaio Vidal sobre a defesa permanente do café. Com
isso, ganhavam importância as emendas propostas por Vespúcio de
Abreu, em especial aquelas referentes ao fornecimento do crédito pelo
Banco do Brasil. Frente a esta situação, duas alterações importantes se
deram: desviava-se o conteúdo das proposições dos criadores rio-gran-
denses (proteção para o charque e garantia do mercado interno), centra
lizando o debate em torno de concessão do crédito. Outra mudança foi
que as medidas de proteção ao café, com suas possíveis emendas,
assumiam papel de destaque, atrelando a si o caso da pecuária nacional,
que ficou em posição secundária.
A mudança de comportamento da bancada gaúcha no Congresso
passando a discutir a concessão do crédito e não a elevação das tarifas
sobre o charque platino, foi logo denunciada por Carlos Corrêa, no Rio
Grande do Sul:

Hà evidente engano de parte dos que pretendem prioridade para as medidas de or-
dem financeira sobre as de caráter econômico, e não nos arreceamos de repetir que, se
algumas delas a merecem, é fora de dúvida que devem ser as que tenderem a nos asse
gurar mercados para o nosso charque nacional ... Assim o entendeu a totalidade dos
criadores do nosso Estado e a maioria das nossas charqueadas nacionais, dando in
condicional apoio às medidas econômicas de emergência propostas pela comissão de
criadores ao Congresso Federal e ao chefe na nação

O problema básico é que as tarifas protenclonistas, que se pleiteava


no Congresso Nacional em função do charque gaúcho, não esbarravam
só com a intransigência de cunho positivista do Partido Republicano
Rio-grandense, que condenava todo e qualquer protecionismo ou
concessão de privilégios. Também iam contra os interesses do centro do
país ou da oligarquia agroexportadora que detinha a hegemonia política
na República Velha. A Sociedade Nacional de Agricultura, que nomeara

FEDERAÇÃO. Porto Alegre,. 31 mar. 1922. p. 1.

^^CORREA, Carlos. Acrise de nossa pecuária e a natureza das medidas queela reclama. Correio do Povo. Porto
Alegre, 31 mar. 1922. p. 3.

220
uma comissão para estudar o caso, pronunciou-se contra qualquer
elevação do imposto sobre o charqueestrangeiro96. Alegava defender os
interesses do consumidor nacional, queteria, com o aumento das tarifas
alfandegárias, uma elevação do seu custo de vida. Na realidade, a
oligarquia dominante, ao impor ao país uma política econômico-finan-
ceira que se destinava à salvação do café, causava sobre o restante da
população efeitos inflacionistas que agravavam a vida dos consumido
res urbanos. Se, contudo, as condições de subsistência do trabalhador
nacional fossem ainda mais prejudicadas, o nível de tensão social
aumentaria, comprometendo a estabilidade do sistema. Apresentando-
se, portanto, como defensora do nível de vida dos consumidores, a
oligarquiacafeeira, antes de tudo, defendia os seus próprios interesses.
Frente aos interesses do setor da economia voltado para a agroex-
portação, o Rio Grande do Sul aparecia como elemento subordinado ao
centro do país, com a sua economia predominantemente voltada para o
mercado interno.
Em vez de elevar o preço do charque, com o aumento do imposto
sobre o produto estrangeiro, a solução alvitrada foi limitar a importação
do similar platino à média de sua importação no último triênio.
Relatando as diligências da delegação rio-grandense no Congresso
Nacional, Borges de Medeiros referia, na mensagem presidencial de
1922:

Os primeiros esforços não iograram obter senão o pouco, infeiizmente, que ficou
na Lei n? 1.548, de 19 de junho de 1922, cujas providências, em relação à indústria pas
toril, consistem nas seguintes, aiém de outras secundárias:

limitar a importação do charque estrangeiro ao máximo igual á média de sua im


portação no último triênio;
vedar aos frigoríficos o emprego do sal, aniagem, etc., importados com isenção de
impostos, no fabrico de charque;
promover o abaixamento das tarifas, nas estradas de ferro federais, para o trans
porte de gado em pé e produtos deie derivados;
abrir crédito aos Governos dos países consumidores para o fim de nos adquirirem
os produtos da indústria agrícola e pastoril;
prestar auxílios até o limite máximo de 50 mil contos.97

Complementando tais concessões, a Lei n° 4.657, de 24 de agosto


de 1922, criava a carteira de crédito agrícoia do Banco do Brasii. O
Governo emprestava-ihe um máximo de 400.000:$000 em apólices da
dívida pública, podendo a carteira agrícoia emitir ietras hipotecáveis a
96
A CRISE da pecuária. Correio do Povo. Porto Alegre, 7 abr. 1922. p. 1.

^^MENSAGEM Presidencial de 1922. p. 82.

221
juro que não excedesse 5% e na proporção máxima de 50% dos seus
títulos hipotecários aprovados pelo fiscal do Governo. As letras hipo
tecárias seriam oferecidas ao público desde que não excedessem
ao capitai realizado de cada banco.
O Banco do Brasil tornava-se, assim, um intermediário entre o
Governo e os criadores e ficava autorizado para operar até o limite
máximo de 50.000 contos, na concessão de crédito aos pecuaristas
necessitados.
Uma vez aprovadas, começaram as criticas, apontando a inação dos
ooderes públicos, federai e estadual e a própria falta de energia dos
fazendeiros.

De que nos serviu a limitação do "quanturrfde importação do charque estrangeiro a


40.000 toneladas, se a medida foi aprovada quando os nossos vizinhos já tinham abar
rotado os nossos mercados de quanto charque puderam produzir?
De que nos serve essa ridicuia carteira hipotecária, que vai funcionar com 50 mil
contos de fundos, para empréstimos que devem ser reembolsáveis em prestações for
çadas de 20% cada ano? E quando só em um município de nosso Estado os débitos
dos fazendeiros atingem, quase, esta quantia?
(...) havemos de chegar, forçadamente, à conclusão de que o principal motivo do
nosso retardamento e da nossa miserável situação econômica e financeira permanente
está em nós mesmos, que não temos coragem para emitir as nossas idéias, que não te
mos energias para defendê-las, e que, por esse motivo, não sabemos impor a nossa
colaboração na criação das nossas leis e na direção do país, como fazem as classes
crodutoras dos povos adiantados.»"

As medidas foram consideradas insuficientes frente a magnitude


dos problemas a serem resolvidos. O exemplo do Prata era lembrado
como o caso a Imitar, onde os criadores tinham o apoio necessário dos
Governos. Considerava-se uma vergonha que o Rio Grande do Sul
consentisse na exportação de seus produtos pelos portos piatinos.
onde se desnacionaiizavam, enquanto que as mercadorias estrangeiras
penetravam nos portos nacionais como se fossem brasileiras. O ataque
ia mais longe, passando pela constatação de que o mercado interno es
tava entregue ao charque do Prata e as companhias estrangeiras chega
vam a ter defensores das suas afrontosas pretensões até no seio do
Congresso Federal^^.
A bancada gaúcha, por seu turno, se revelara incapaz de defender e
fazer valer os interesses legítimos dos pecuaristas; o Governo centrai
também se encontrava movido pelos seus próprios interesses, tal como
a criação do instituto Permanente de Defesa do Café. Na verdade, o RGS,

98,CORRÊA, Carlos. A criseda nossa pecuária. Correio do Povo. Porto Alegre, 27 jun. 1922. p. 3.

^^Ibidem.

222
como região periférica, dependia sempre de condições de barganha para
fazer vaier seus interesses a nívei nacional.
Acusava-se, inclusive, a demora e o retardamento com que o
assunto fora debatidos encaminhado ao Congresso Federal, tempo este
que fora habilmente aproveitado pelos produtores platinos para abarro
tar o mercado brasileiro com um lote de charque cerca de cinco vezes o
estoque normal. Por outro lado, a demora na aprovação de medidas
reduzira a matança no Rio Grande do Sul aSOO.OOO reses, enquanto que o
desfrute normal seria de 700.000. Este fato, aliado à redução de 50% do
valor do gado, só dera incremento ao drama dos fazendeiros^®®
Outro ponto de crítica era quanto às medidas decretadas de que o
Governo central promoveria a redução das tarifas ferroviárias nas estra
das federais. Além de haver um certo ceticismo quanto ao cumprimento
destas promessas, a medida de nada adiantaria se no Rio Grande do Sul
não houvesse também redução das tarifas cobradas pela Viação Férrea.

Em especial, a situação do crédito rural era recriminada. A quantia


máxima de 50 mil contos foi considerada ridícula, pois, pelo que se
calculava, a dívida total dos criadores do Rio Grande atingia quantia
superior a 400 mil contos. Além disso, outros pontos eram apontados:

Não se concebe que o Congresso, querendo virem auxilio de uma indústria, que se
acha em condições tão precárias por falta de dinheiro, lhe imponha um prazo máximo
de 5 anos com amortizações forçadas de 10% e mais o juro de cada semestre, o que,
para a pecuária, eqüivaleria a dizer, amortizações de 20% por ano e mais o juro de cada
vez. Essa indústria, dando só uma safra anual, só uma vez por ano os devedores teriam
recursos para as amortizações e juros.101

No piano estadual, a situação, aos poucos, degenararia de crise


econômico-financeira em crise política. Facilmente acumulavam-se os
ataques ao Governo instituído e, com rapidez, arregimentava-se o seg
mento de ciasse dominante do Estado não-hegemônica.
Com relação, especificamemente, ao Governo do Estado, este era
também declarado inepto, indiferente ao drama dos criadores e sem
patriotismo. Denunciava-se o fato de que Borges de Medeiros, se o
quisesse, poderia prestar um serviço relevante á economia do Estado,
dando mão á pecuária gaúcha. Referia-se que o Tesouro do Estado se
encontrava repleto com a remessa de dólares recebidos dos Estados
Unidos no último empréstimo externo contraído, bem assim como

100
COR REA, Carlos. Acriseda pecuáriae as medidasvotadas peloCongresso. Correio do Povo Porto Alegre.
1922. p. 3.
^ CORREA, Carlos. Acrise da pecuária eas medidas votadas pelo Congresso. Correio do Povo. Porto Alegre, 14 jul
1922. p. 3.

223
possuía grande reserva de numerário, fruto de depósitos particuiares.

Frente a esta situação, argumentava Carios Corrêa:


Com tão grandes recursos à sua disposição, parece que seria de todo justificàvei e
aitamente patriótico que o Governo do Estado iançasse mão de uma parte deles, para
fazer adiantamentos aos nossos fazendeiros neste momento extremamente critico em
que eies estão sendo forçados a sacrificar todos os seus bens a preços irrisórios, para
poderem atender a compromissos urgentes, ou que passem pelo torturante vexame de
os verem confiscados pelos credores ou vendidos em hasta pública por preços miserá
veis. ... O adiantamento que o Governo do Estado viesse a fazer aos fazendeiros neste
momento, importaria quase numa medida de salvação pública e nada mais seria do que
um avançamento provisório perfeitamente garantido, e que viria pôr bem em relevo a
sinceridade das suas intenções com que pretendeu amparar os nossos criadores na sua
recente campanha em defesa de nossa pecuária nacional e que foi tão mal sucedida.''02

Contudo, o Governo estadual, colocando como prioritária a questão


dos transportes, reservava para este fim o dinheiro em caixa; recusava-
se, alegando princípios Ideológicos, a emitir ou conceder um emprés
timo de forma direta a um segmento da sociedade em especial.

O Governo republicano de Inspiração positivista não achava conve


niente a aplicação de uma política protecionista, onde só uma classe
fosse a beneficiada, em detrimento do interesse das demais. Ao conce
der privilégios a um grupo qualquer, deixava-se de atender o conjunto da
sociedade, às vezes sacrificando toda uma geração.^®^
Ê importante considerar aqui que, na conjuntura especifica do
inicio da década de 30, o arroz despontava com vigor nas exportações
gaúchas. Cultura iniciada na zona de Cachoeira em regime de grande
propriedade, utilizando técnicas de irrigação e maquinarias agrícolas
importadas, converteu-se, neste momento, tanto numa opção para
transferência de fatores produtivos até então aplicados na pecuária,
como numa nova riqueza econômica para o Rio Grande.
Portanto, no momento em que a pecuária se debatia em crise, a
crise atingia os pecuaristas, mas não a todo o Estado, que possuía agora
o recurso do arroz, tornado o 3® produto de exportação em 1922.

Além do mais, um governo como o gaúcho, que não contava com o


apoio de toda a ciasse dos pecuaristas para manter-se no poder, tinha de
ampliar a sua sustentação política, incorporando estes novos setores

"'^CORRÊA, Carlos. As dificuldades financeiras dos nossos criadores. Correiodo Povo. Porto Alegre, 8jun. 1922. p.
3.

'"^A federação. Porto Alegre, 28 mar. 1922. p. 1.

224
que se iam criando. Também entre os arrozeiros Borges tinha parte de
sua base social de controle político.
Os pecuaristas da oposição, no caso, exigiam do governo rio-gran-
dense, neste momento, um conteúdo de classe específico: o governo
deveria corresponder aos interesses dos pecuaristas exclusivamente, e
não realizar a poiitica de satisfação a vários segmentos sociais.
Optando peia preservação de sua própria estrutura de poder e com o
respaldo de setores econômicos em expansão, Borges recusou-se a
atender aos criadores.

Agindo desta maneira, Borges de Medeiros mantinha-se fiel aos


princípios ideológicos adotados peio Governo republicano, que justifi
cavam sua atitude. O fracasso da campanha dos criadores, que não
haviam sido atendidos nas suas reivindicações, redundava, contudo, em
fracasso para o próprio Governo do Estado, que se arvorara em represen
tar junto ao Congresso os interesses dos estancieiros gaúchos.
A intransigência do poder instituído quanto à defesa de sua postura
fez com que os pecuaristas rompessem com Borges e fossem arregimen
tados nos quadros políticos de oposição que se constituíam.
Dentro deste contexto, são muito significativas as palavras de Assis
Brasil, em entrevista concedida a Carlos Corrêa, a respeito do momento
crítico que atravessava a pecuária:

"O remédio è dinheiro a juro suficientemente baixo e a prazo bastante ampio para
permitira restauração das forças combaiidas do devedor." E para vencermos esse grande
mai ... o dr. Assis Brasil apresenta como remédio heróico: ... "a instituição do crédito
hipotecário ou imobiliário que despertará para a torrente circulatória a formidável massa
de valores dormentes, representados pelos bens imóveis e seus acessórios". Esse insti
tuto de crédito será alimentado por uma grande emissão, que teria como lastro os bens
imóveis dados em garantia dos empréstimos. E aconselha esta solução com tanta con
vicção e tanta sinceridade que não vacila em declará-la.
... "o remédio que, para mim é o heróico, eque eu, salvo melhor juízo que me per
suadisse do contrário, não duvidaria de porem prática, se minha fosse a responsabilida
de da situação.""'0'^

Note-se bem o posicionamento: se minha fosse a responsabilidade


da situação. Assis Brasil, líder do movimento de oposição ao republica
nismo borgista,ia granjeando neste momento cada vez mais popularida
de, como, por exemplo, quando foi aclamado no Congresso dos
Criadores, realizado a 30 de julho de 1922, em Porto Alegre.
Considerando que as últimas medidas do Governo não haviam solu
cionado a crise, resoiveram os criadores afirmar um protesto coletivo e

'O^CORREA, Carlos Problrrnias da pecuária e o Dr Assis Brasil Correio do Povo 4. jul. 1922. p.3.

225
reunir na capital do Estado os representantes de todas as associações
rurais dos munucípios^^ . Lideravam a campanha as associações de
Driadores de Uruguaiana, São Gabriel, Pelotas e Livramento, além da
Federação Rural. Afirmando a necessidade de deliberar medidas urgen
tes para a salvação da pecuária, na defesa dos interesses de classe dos
criadores, escolheram os pecuaristas uma comissão para entender-se
com o presidente da nação, constituída pelos nomes de ildefonso Lo
pes, Assis Brasil e Carlos Corrêa.
Na ocasião, Assis Brasil usou da palavra, destacando o que ante
riormente já declarara à imprensa sobre a forma que considerava mais
apropriada para debelar a crise: emissão pelo Governo federal, multipli
cação das agências do Banco do Brasil nas zonas pastoris, fornecimento
de crédito mediante hipoteca dos campos de criação (valor máximo de
2/3 partes da terra), prazo longo (3, 6 e 9 anos) e juro módico.
Tendo, após, feito considerações sobre a sua vida, lembrou ter sido
o único deputado republicano verdadeiramente eleito no Estado. Afir
mou sua incompatibilidade com a situação pública, mas também seu
devotamento á causa republicana. Assis Brasil foi, então, ovacionado
pelos congressistas. Cd r. Alves Valença, falando a seguir, perguntou ao
auditório se ali não se encontraria o verdadeiro patriarca, obtendo pro
longados aplausos^^
Os criadores reunidos consideravam que havia a maior urgência de
ação, face aos desastrosos efeitos da safra e às más perspectivas para o
ano vindouro, uma vez que já começava a se espalhar uma campanha
baixista, iniciada pelo Frigorífico do Rio Grande, que declarara não ten-
cionar abater na próxima safra, a politica derrotista dos frigoríficos es
trangeiros logo foi seguida por um estabelecimento de Livramento (Ar-
mour, ao que tudo indica), que fez circular o boato de que o mercado
europeu se retraía. Justificava o fato dizendo que a Hoiahda deixaria de
comprar carne do Brasil. Apesar de a notícia ter sido desmentida pelo
Ministro da Fazenda, a presença do boato já influía sobre os preços,
ocasionando uma baixa^®^ •
Na sua volta para o Rio Grande do Sul, Assis Brasil relatava á im
prensa os resultados da comissão dos criadores junto á presidência da
República, falando na promessa do Governo federal em solucionar o
caso.

Tais diligências, contudo, foram interrompidas pelos episódios re


lacionados com as eleições de novembro de 1922 para a presidência do

lOõcORREA, Carlos. Opróximo Cpngresso decriadores. Corceio do Povo. Porto Alegre, 23 jul 1922 P. 3.

106o CONGRESSO dos criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, i° ago. 1922. p. 6.

107acrise da pecuária - campanha baixista. Correio do Povo. Porto Alegre, 2 ago. 1922. p. 3.

226
Estado, onde se defrontaram como candidatos Assis Brasil, pela oposi-
?ão (Aliança Libertadora),e Borges de Medeiros pela situação, indicado
que fora pelo PRR para o seu quinto mandato. Aos episódios relaciona-
ios com o resultado das eleições, seguiu-se o levante armado, que se
jrolongaria pelo ano de 1923, até o entendimento finai de Pedras Altas,
em 24 de dezembro.
O conflito atingia aqui ao seu nivei político, oriundo, por um lado,
de uma crise econômico-financeira da pecuária gaúcha, e da marginali-
zação política do segmento de cPasse dominante não hegemônico.
Não é por acaso que a busca da queda do sistema político tinha se
conjugado com a mais aguda crise porque atravessara a pecuária gaú
cha. O conflito tinha uma base real de problemas econômicos não supe
rados pelo Governo.
Enquanto, no período de guerra com sua conseqüente euforia, os
criadores e o Governo se acharam empenhados na perspectiva de reno
vação da estrutura econômica pecuária (importação de reprodutores,
seleção, cruzamento, benfeitorias, frigorífico nacional), o fato da não
circulação do poder político no interior da classe dominante, com um
todo, estava algo obscurecido, porque o Governo se achava emperrhado
na realização dos interesses econômicos dos criadores.
Neste momento, as duas facções políticas lutavam pelo mesmos
objetivos de ciasse.
Quando, porém, se desfez a conjuntura ótima da guerra e teve início
a depressão dos anos 20, quando faliu o projeto do frigorífico nacional,
quando houve a queda do preço do gado e o recuo do crédito, quando
etornou, com vigor, a crise do charque e se tornaram angustiantes para
3 pecuarista as manobras dos frigoríficos estrangeiros, houve um pro
cesso de reversão de expectativas. Reapareceu, com uma violência re
dobrada, o problema político do segmento de classe dominante fora do
Doder. O Governo de Borges de Medeiros deixou de se legitimar pela efi
cácia, como é o próprio dos governos autoritários, e passou, aos olhos
dos opositores, a iegitimar-se apenas peia vioiência e pela fraude.
Em suma, havia a crise mundial e as manobras baixistas dos frigo
ríficos, havia o predomínio do centro cafeicuitor sobre o sul pecuaris
ta, mas havia, mais presente do que nunca, o fato de que, no Estado, o
joverno de Borges de Medeiros não soiucionava os problemas da pe
cuária. Revelaram-se, de maneira clara, os antagonismos; o pensamento
de grande parte da classe rural não condizia mais com o Governo. O
Governo não se dispunha a emitir, não concedia auxílios diretamente á

227
oecuária, o setor mais atingido do Estado; o Governo se dizia contra a
intervenção direta e os privilégios.
Contudo, a classe dominante no Estado se revelava incapaz de so
lucionar, por si, seus problemas econômicos. Vinculada a uma econo
mia em crise, subordinada aos interesses do centro do pais, subsidiária
da economia agroexportadora, carecia de recursos próprios para reagir
frente à crise econòmico-financeira. Nem mesmo quando solicitou ao
Governo central a execução de medidas econômicas de salvação teve os
seus interesses atendidos.
No plano estadual, a estratégia de desenvolvimento econômico do
Governo republicano se mostrava incapaz de dar solução aos problemas
da pecuária.
Do plano econômico, o conflito atingia a sua configuração política.
Desfizera-se a a//ançâ econômica que permitiraa realização da fase mais
fecunda do Governo de Borges de Medeiros, aquela que se desenvolvera
de 1913 a 1919.
Incapazes de dar uma saída econômica para a situação que os afeta
va, os ruralistas se encaminharam para a solução política, arregimen-
tando-se na ^(jooiçâo ao Governo gaúcho.
Subsistia, con>o real idade econômica do Estado, uma pecuária fali
da, uma charqueada obsoleta, um estado de permanente tensão a que os
frigoríficos estrangeiros submetiam a pecuária sulina.
Na real idade, a charqueada e a criação haviam se revelado incapazes
de uma acumulação passível de ser canalizada para a implantação de um
modo de produção tipicamente capitalista para a pecuária rio-granden-
se.

Por não poder perceber integralmente a dinâmica do capitalismo


internacional, a situação de dependência da economia gaúcha e tambérr
brasileira, alvitrou-se a possibilidade de que a solução poderia ser dadc
por uma simples mudança política no interior da classe dominante.

3.3 - A crise de 1926 e o ressurgimento do espirito associativo

Finda a guerra civil, a oposição gaúcha não conseguiu o seu intente


de depor Borges de Medeiros, embora o Pacto de Pedras Altas estabele
cesse um limite de seu poder. A constituição de caráter positivista foi
revisada e se obteve a promessa de que Borges não se reelegeria, ume
vez findo o seu quinto mandato.

228
Segundo Leve, o movimento dos libertadores só teria prejudicadc
superficialmente a vida econômica do Estado^^ . Todavia, alguns dados
da época comprovam que a guerra civil de 1923 perturbou, em parte, £
Bconomia do Estado, naturalmente não no mesmo grau de intensidade
do conflito federalista de 1893-1895.
Rejubilando-se com o retorno à ordem, referia a Revista do Comér
cio e Indústria do Rio Grande do Sul, em dezembro de. 1923;

Reina novamente a paz no Rio Grande do Sul. Uma acentuada divergência em pontos
je vista políticos separou a família rio-grandense. A luta de princípios que os partidos
sustentavam na tribuna, na imprensa e nas urnas cedera lugar ao choque sangrento das
srmas ... Os rebanhos devastados; as propriedades destruídas; o comércio e as indús-
:rias sofrendo as fatais conseqüências dessa situação anormal; as forças vivas do Esta
do detidas na sua marcha vertiginosa de progresso ... 109

Na verdade, o rebanho gaúcho sofrerá uma perda, durante o ano de


1923, na ordem de 1.704.750 cabeças de gado de todas as espécies,
distribuídas na seguinte proporção: menos 811.500 suínos 592. 840
Dovinos, 75.500 eqüinos, 7.650 caprinos e 2.680 muares. Analisando as
Dausas de tal decréscimo, a mensagem presidencial de 1924 apontava a
incidência de epizootias. a grande matança para consumo e industriali-
:ação em charqueadas e frigoríficos e aquelas abatidas durante a revo-
?ãoii°.
Em especial, alguns fatores preocupavam os estancieíros:

... com a revolução, a nossa indústria pastoril sofreu grande abalo, estando os fa-
jendeiros sem cavalos para assistirem, convenientemente, aos seus rebanhos.m

As raças finas de bovinos de campanha requeriam um trato cuida


doso e uma vigilância contínua, com o que se exigiam muitos cavalos.
Com o conflito, os fazendeiros da fronteira tiveram devastadas as suas
tropas de cavalos e também suas raças selecionadas de bovinos. O
problema, portanto, se apresentava para os ruralistas sob uma dupla
faceta.
A revolução de 1923 ocasionou, ainda, uma verdadeira crise nas
associações rurais do Estado. Até aqui se tem feito um traçado evolutivo

IOSlovE, po. cii , noia 91. p. 223.

109a paz Revista do Comércio e Indústria do Rio Grandedo Sul. Porto Alegre (i M2);409, nov,-dez. 1923.

^^OmENSAGEM presidencial de 1924

'^^A SITUAÇÀÜ da pecuária no grandense Correio do Povo. Porto Alegre, 2 abr. 1927. p. 8.

229
desse movimento de congraçamento das classes rurais do Rio Grande. A
Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul fora fundada
em 1909. Em 1912, formara-se a União dos Criadores, passando a existir
uma dualidade de instituições associativas dos pecuaristas gaúchos,
até que as duas se fundiram em 1921. Na direção de uma e outra entidade
destacava-se a figura do Cel. Alfredo Gonçalves Moreira, batalhando
sempre junto aos poderes públicos pelos interesses dos criadores do
Estado. A conjuntura revolucionária que atingira o Rio Grande e o fale
cimento do Cel. Alfredo Gonçalves Moreira e mais os prejuízos causados
pela crise da pecuária, criaram uma série de dificuldades para a manu
tenção dos trabalhos do órgão de classe.
Em dezembro de 1924, a Federação era obrigada a transferir ao
Governo do Estado algumas de suas tarefas, como se pode ver na
declaração publicada na revista "A Estância", por Danton Jacques de
Seixas,2° Secretário da "Federação":
Declaro, a quem Interessar possa, que, perdurando a crise das associações rurais
que começou com os primeiros pródomos da revoiução de 1922 e não podendo esta Fe
deração fazer face às despesas que itie acarretam a manutenção de sua sede e a conti
nuação do serviço de Registro geneaiógico, recorri, finaimente, ao benemérito Governo
do Estado que, patrioticamente, se prontificou a continuar aquele importante serviço e a
manterem seu poder tanto o acervo do Registro quanto o da "Federação Rurai", enquan
to não for removido o empeço acima notado.112
Apesar destes contratempos, os anos que se seguiram (1924 e 1925)
foram de lenta recuperação, em especial do setor avançado da industria
lização da carne no Estado, ou seja, o frigorífico. O reerguimnento da
indústria do frio suscitou um alento novo à pecuária gaúcha pela ativa
ção das compras de gado.
No plano internacional, os anos de 1924 1925 e 1926 assinalaram
um processo de intensa competição entre as companhias para con
quistar a supremacia do mercado. Adisputa acentuada favorecia os pro
dutores de gado, porque a competição levava os frigoríficos a elevarem
os prejuízos, remunerando bem os fazendeiros. Manifestava-se aqui a
intensa luta travada pelos dois grandes blocos de frigoríficos mundiais:
aqueles ligados ao Grupo de Chicago e o concorrente londrino, não
menos importante, dos Vestey Brothers. Quanto aos The Big Four, de
Chicago, haviam se transformado em três poderosos grupos, pois a
Morris fora absorvida pela Armour^^^-
Dominando o mercado mundial da carne, a competição entre os
frigoríficos,,denominada, no Prata, Guerra da Carne, bem demonstrava o
processo de declínio do imperialismo britânico e a ascensão das com
panhias norte-americanas.
''''2DECLARAÇÀ0. A Estância. Porto Alegre (b):222. dez i924.

''13RICHELET. op. cit., nota 2.

230
Na Argentina, esta disputa assumiu contornos dramáticos, uma vez
que determinou a falência das pequenas companhias, como a English
and Dutch, River Plate, British and Continental e Sansinena, enquanto
que as gigantescas empresas frigoríficas controladas pela Swift, Armour
e Vestey, aos poucos, iam concentrando tudo em suas mãos^^^.
Tal processo ocorrido no Prata, refletindo uma disputa a nível mun
dial, manifestou-se também no Brasil, onde operavam subsidiárias dos
grandes trusts de carne frigorificada.

Com relação à exportação geral no ramo das carnes congeladas e


resfriadas, os anos de 1923, 1924 e 1925 acusaram um aumento em
relação a 1922.0 exemplo da exportação brasileira nestes ramos, contu
do. não é nada. se comoarada ás cifras da Argentina e Uruguai, por
exemplo"® . A Grã-Bretanha,grande mercado consumidor dos produ
tos platínos, não importava grande tonelagem de carne do Brasil.

Em especial, as compras da Itáliafizeram com que a exportação de


carnes congeladas tomasse incremento em 1924.

Com relação às carnes em conserva, cuja exportação havia entrado


em regressão a partir do final da Primeira Guerra Mundial, o ano de 1923
marcou uma pequena reação. Todavia, as carnes congeladas foram o
ramo da exportação de produtos animais que mais cresceu, em tonela
gem e valor"® •

Anos Tonelagem Valor


1921 349.633 214.959:3136000
1922 342.337 233.071:9916000
1923 404.669 311.150:8936000
1924 438.530 413.942:7186000
1925 402.895 473.997:4056000

Comentando a questão da exportação das carnes congeladas, um


artigo do Correio do Povo referia, em 1924:

'I^SMITH, op. cll., nota 7i.


EXPOSIÇÃO de carnes. Correio do Povo. PorioAlegre. 25 mar. 1924. p. 3.
^^®MENSAGEM presidencial de 1926.

231
o ano de 1924 vai batendo ... o "record" das exportações de carne congelada no
quadriênlode1921 a 1924. Não se deve porém inferir que as remessas de carne congela
da tentiam sido ou estejam sendo em 1924 muito superiores às de 1923. Mesmo compa
rado com o do ano inicial do quadriênio a que nos referimos, istoé, com 1921, vê-se que o
excedente de exportação de carnes congeladas ... não chega sequer a atingir o volume
de 10.000 toneladas. Como se vê, não há correlação entre a tonelagem exportada a mais
de 1921 para cá e a ascensão vertiginosa dos preços das carnes, no mercado nacional.^ 1^

Frente a tais dados, concluíam os pecuaristas não ter havido, nos


anos anteriores, uma crise de consumo nos mercados importadores;
mas sim uma crise artificialmente criada, uma crise de especulações
fomentadas pelas formidáveis empresas frigoríficas^^® • Outras
opiniões contudo, consideravam a melhoria dos preços do gado como
uma evolução espontànea^'*^ .
No Rio Grande do Sul, os frigoríficos recomeçaram a operar, incre
mentando os seus grandes ramos de produção: carne em conserva,
congelada e resfriada.
As grandes empresas achavam-se ainda em face de expansão no
Estado. A título de exemplificação, pode ser citado o caso do Frigorífico
Wilson, de Livramento, onde, em 1924, os acionistas, em assembléia
geral, decidiram considerar o lucro do ano como fundo de reserva da
companhia, sem que nenhum dividendo fosse distribuídoi2o . O mesmo
se passava com o Frigorífico Armour, da mesma cidade, como se pôde
constatar pela leitura do livro de atas da Assembléia Geral dos acionis
tas^^' •
Continuava, nesta última companhia, a transferência de controle
acionário de uma subsidiária para outra. Em 1925, a.Afmour of Brazil
Corporatlon adquiriu a quase totalidade das ações da Cia. Financeira e
industriai de Montevideo, a qual, como já foi visto anteriormente, pos
suía, desde 1920, a maior parte das ações da Cia. Armour do Rio Grande
do Sul. Igualmente, a Armour American Corporatlon providenciava para
o pagamento da divida de 4.000.000 de dólares da companhia no Conti
nental and Comercial Trust and Saving Bank of Chicago, dívida esta

^^^INTERESSES da agropecuária Corre/o do Povo. Porto Alegre, 28 dez 1924 p. 5.

PECUÁRIA rio-grandense e o exterior. A Estância. Porto Alegre (1):5. ago 1024.

'^^SILVEIRA, Geraldino Indústria pastoiil Correio do Povo. Porto Alegre, 25 mai. 1025. p. 3.
i20pE|_os MUNICÍPIOS do Rio Grande do Sul. Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre (17):170, maio 1024

LIVRO de Atas da Assembléia dos Acionistas (1010 1043 )Arquivo da Swift Armour S.A. Indústria e Comércio.
Santana do Livramento

232
garantida pela hipoteca de todos os bens imóveis da companhia^^^ • ^
ArmourAmerican Corporation fez um contrato com o banco, garantindo
uma emissão de 4.900.000 dólares em debêntures, as quais seriam en
dossadas pelos bens hipotecados, calculados no mesmo valor.

A melhoria dos preços do gado se refletiria internamente, dando


grande animação às transações de venda dos exemplares do rebanho
sulino. Compradores de gado dos frigoríficos percorriam os municípios
do Estado, adquirindo animais nas fazendas e gerando grande expectati-
\/a e praticamente estabelecendo o preço do quilo do boi vivo. Durante a
época da safra de 1925 (janeiro-março), o preço oferecido pelos frigorífi
cos americanos — Armour, Swift e Wilson — e pelo frigorífico de Pelotas
(inglês) oscilou entre 700 réis e 900 réis por quilo, oferecida esta quota
máxima pela Armour. A constância das ofertas, contudo, foi de 750 a 800
réis 123.
Reativando a sua capacidade produtiva, recuperaram os frigoríficos
a fabricação de carne congelada. É interessante que se rememore o
quadro completo da exportação do Estado desde 1919, para que se tenha
uma idéia de sua marcha irregular, pontilhada pela crise de 1922, recupe
rando-se os anos de 1923 a 1925, mas sem, porém, atingir o nível al
cançando em 1921 •

1919 — 7.355.981 km no valor de 5.884:784$80


1920 — 24.193.707 kg no valor de 19.297:639$600
1921 — 32.548.381 kg no valor de 26.027:424$300
1922 — 2.932.872 kg no valor de 2.383:942$300
1923 — 11.199.983 kg no valor de 8.960:672$500
1924 — 12.931.355 kg no valor de 12.511:471 $200
1925 — 18.998.000 kg no valor de 19.012:219$000

'22ata N" 3' Of9 (Jcv '925 Livro de Atas da Diretoria ('920 '943). Arquivo da Swift-Armour S.A, Indústria e
Comércio Santaiui do Liviomcnio

^^^INTERESSES da pecu.ina . Correio do Povo. Poito Alegre, jan. a mar. 1925.


^^^MENSAGEM presidencial de 1027 p 72 a quantidade exportada em 1025 foi corrigida pelos dados fornecidos
pela mensagem de 1030

233
Com relação à exportação gaúcha de carnes em conserva, estas
seguiram uma curva descendente, apesar da retomada de atividade dos
frigoríficos^^® •

1921 — 1.601.184 kg no valor de 1.865:617S500


1922 — 1.789.538 kg no valor de 1.459:691 «250
1923 — 999.273 kg no valor de 999:007*130
1924 — 829.011 kg no valor de 994:813*200
1925 — 726.951 kg no valor de 874:729*800

Porém, de um modo geral, reergueu-se a atividade pecuária no Es


tado, com o incremento do abate e a elevação dos preços do gado.
Embora tais ofertas fossem um fator estimulante para os criadores e
invernadores, obrigavam praticamente os charqueadores a acompanha
rem tais preços. Estes ofereciam sempre pelo limite mínimo possível.
Com relação à atividade charquedora, sua situação não acompa
nhou a evolução da marcha do frigorífico. A crise prolongada que atra
vessava — elevado custo de produção, arcaísmo técnico, tipo de produto
fabricado, mercado competitivo — mantinha-se, acentuando-se cada
vez mais.
Todavia, como era, para os rio-grandenses, a única forma de indus
trialização gaúcha em mãos nacionais, desde a monopolização dos fri
goríficos em mãos estrangeiras, a atividade saladeiril expandiu-se, em
especial pela zona da serra.
Refereria o Correio do Povo, com relação à situação dos saladeiros
da serra em 1925:

A indústria do charque vai, dia a dia, tendo o necessário desenvolvimento no muni


cípio deJúlio de Castilhos. Ainda tiá poucos anos, contava-se com um único estabeleci
mento saladeiril, o da firma "Osório, Abreu, Terra & Cia.", localizado em Tupanciretá, e
tioje pertencente ao sr. Osório e Barcellos.
Na safra passada, mais duas cfiarqueadas, a "São João", dossrs. Waf)lrich, Irmãos
e Azevedo, e a "União", da firma "S. O. Barros e Filfios", ali trabaltiavam, dando grande
incremento à indústria do charque. Agora é um novo estabelecimento, a charqueada
"São José", dos senhores Machado e Dei Fabro" que se inaugura. 1^6

'25|bidem.

'26||\jteresSES da agropecuária. Correio do Povo. Porlo Alegre, 2' lev. 1925. p 3.

234
Apesar da expansão dos estabelecimentos saladeiris para esta zo
na, sobrava gado para ser vendido para outras regiões.Em especial,os
frigoríficos estrangeiros, estabelecidos em diferentes pontos do Es
tado, adquiriam muito gado gordo na serraP^ O gado serrano, assim
como as charqueadas da região, eram os mais sacrificados com as
despesas de transportes face à distância.
O embarque dos produtos dos saladeiros da serra era feito em
muito pequena escala, ficando os depósitos repletos e parte da
mercadoria tendo de permanecer exposta ao ar livre, sujeita à deteriori-
zação.

Expunham os charqueadores da zona seus problemas:

Por outro lado, é sabido que os produtos das charqueadas, uma vez negociados,
têm prazo certo para a respectiva entrega. Tal não sucedendo, os compradores opoem
uma série de razões que obrigam os vendedores a diferenças e, portanto, a prejuízos
sempre vultosos, porque vultosas são as transações."'28

Com relação à produção das charqueadas, o relatório do secretário


da Fazenda de 1927 apresentava os seguintes dados para o charque
exportado pelo Estado.^ ^9

Anos Toneladas Valorem mil réis


1921 34.590 41.514:804»000
1922 53.617 56.002:5051000
1923 63.748 59.844:687$000
1924 54.519 76.800:8651000
1925 58.236 92.979:6131000

^27(30MES, Aristides de Moraes. Fundação e evolução dasestâncias serranas. Cruz Alia. Gràf. Dal Forno. 1966. p.
220.

^28||\jteRESSES da agropecuária. Correio do Povo. Porto Alegre, 2 abr. 1024. p. IQ.


^29relATORIO do secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, Dr. Antônio Marinho Loureiro Chavez, ao
presidente do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, a Federação, 1027.

235
Observe-se que, enquanto houve um decréscimo de tonelagem (ca
so do ano de 1924), o valor da exportação se manteve em aumento
constante. As coisas assim encaradas dão uma impressão de prosperi
dade para a indústria do charque. Fazendo, porém, uma relação entre a
tonelagem e o valor, acha-se o seguinte cálculo para o preço médio do
quilo do charque nos mercados do norte

Ano Valordoquilo
1921 Rèís1S200
1922 Réis 1 $043
1923 Réis 938
1924 Réis 1 $408
1925 Réis 1 $596

Constata-se, portanto, a existência de grandes oscilações no seu


preço, o que vinha a se refletir sobre o resto da economia do Estado, em
termos de instabilidade.
Fora os mercados nacionais, havia a possibilidade de exportação
para o estrangeiro, em especial Cuba, mas aí o Rio Grande do Sul era
desbancado pelo similar platino. Leo D'Utra criticava esta situação vivida
pelo charque:

Para perceber, agora, a origem do mal que fere a nossa exportação de charque, basta
olhar para o quadro dos países de destino. Esse quadro assim se resume:

Toneladas Contos de réis


Uruguai 2.094 3.264
Cuba 1.643 2.586
Outros países 190 335
3.927 6.185
Ora, o Uruguai não precisa do nosso charque, nem o consome. Basta-lhe e sobra-lhe
o de casa. O que do Rio Grande recebe — quando não figura na estatística, como Indica
ção de simples manobras destinadas a facilitar a entrada do similar uruguaio em nossos
mercados — apenas atravessa o seu território, para dele sair, desnaclonallzado, com
destino aos,mercados de consumo — que são, em regra, as Antilhas. Entre o produtor
rlò-grandensee o comprador estrangeiro, por nossa culpa, por não havermos cuidado de
estabelecer relações diretas, sempre se Interpôs, assim, o Intermediário uruguaio.

130piMENTEL, op. cii.. nola 6. p M4

D'UTRA. Leo. A pecuária e u coniérc iu exienor em ^922 A Estância. Porto Alegre


(2) 42-3, sei 1024

236
Permanecia, portanto, o problema do envio do charque gaúcho pe
los portos estrangeiros, questão que seria depois muito debatida.
A indústria do charque seria ainda atribulada com os problemas
relativos ao seu custo de produção. Quanto à valorização do gado, nada
podia fazer, como se viu, senão acompanhar os preços estipulados pelos
frigoríficos estrangeiros. Já quanto a outros fatores que incidiam sobre
o preço do produto, ficava a depender dos favores concedidos pelo
Governo central. È, por exemplo, o caso especifico do imposto sobre o
sal estrangeiro — de Cádiz - consumido pelas charqueadas e conside
rado demasiado alto, comparado com a situação platina, onde os sala-
deiros gozavam de isenção de impostos. Como cabia à União taxar os
impostos de importação, ficava o charqueador na dependência de um
processo de barganha que pudesse se estabelecer entre o Governo cen
tral e a bancada gaúcha no Congresso. Em 1924, a União baixou o decre
to que estabeleceu a diminuição do imposto sobre o sal estrangeiro^22 ,
Este era considerado pelos charqueadores gaúchos o único possivel de
ser usado, julgando o produto similiar nacional de péssima qualidade.
O centro, contudo, pensava, antes de mais nada, em resolver seus
problemas. Face à escassez de carne no Rio de Janeiro, cogitava-se de
isentar de direitos o charque importado. Ante esta perspectiva, os char
queadores de Bagèede Pelotas, através do deputado gaúcho Maciel Jr.,
levaram ao Ministro da Fazenda o pedido de sustar o imposto de impor
tação do gado platino, como forma de compensar o prejuízo que os
saladeiristas rio-grandenses tinham com a livre entrada do charque es
trangeiro. Consideravam os charqueadores seresta a única medida que
pode salvar ainda a indústria do charque do profundo desastre no próxi
mo ano^^^-
O problema, contudo, não teria solução para os rio-grandenses,
pois a chamada lei de emergência para minorar a carestia da vida, face à
grande inflação, concedeu isenção, pelo prazo de60 dias, de importação
dos gêneros de primeira necessidade. Comentava Flores da Cunha que s
medida do Governo, embora parecesse inspirada em patriotismo, nãc
conseguiria estabilizar o preço do produto, mas sim agravar as condi
ções de um ramo da indústria nacionaM34.

'32aSS1S Ji ÜS.11 (• .1 incJúsinn do cluirciuu Correio do Povo Poiio Alegie, 26 nov. '924. o 3

^33|NTERESStS d;i .igioDeciKiM.i Correto do Povo Vowo 11 \en '925 p 6


'34oCHARQUE e a lei de eniergència AEstãnaa Poiio Alegre 12) 6', sei, 1924

237
De um modo geral, contudo, os anos de 1923 a 1925 seriam de
relativa reabilitação e desafogo para a economia sulina. O ano de 1926,
contudo, viu desabar sobre a pecuária gaúcha mais uma grave crise,
atingindo a indústria frigorífica, que entrou em colapso, a charqueada e,
por extensão, os criadores rio-grandenses.

Como este processo se verificou?

Recuperada do desfalque ocasionado pela revolução de 1923 e não


sofrendo baixas significativas com os movimentos de 1924 e 1926 no
Estado, a população pecuária gaúcha foi tendo um aumento progressi
vo, como se pode ver nos dados a seguirl^® •

Anos Cabeças Valor


1923 21.986.890 1.449.424:780S000
1924 22.014.880 1.547.974:280S000
1925 24.038.100 1.735.009:3901000
1926 25.372.610 1.752.089:2001000
1927 25.568.840 1.758.437:5001000

Face à grande disponibilidade de gado para abate, os frigoríficos


foram aumentando a sua produção. Operavam, na época, as quatro gran
des companhias no Estado, produzindo carne conservada e congelada:
Armour, Swift, Wilson eAnglo. Logo os efeitos da superprodução come
çara a se fazer sentir. O mercado exterior passou a se contrair, em
especial o londrino, que constituía a grande fonte de consumo. Em
parte, atuou o fator de debilitamento da libra, que determinou que a
Grã-Bretanha restringisse as importações. Na realidade, estavam ope
rando muitos frigoríficos mundialmente, ao lado do Prata e do Brasil,
como Nova Zelândia e Austrália que, inclusive, solicitavam preferência
econômica no mercado britânico.
A superprodução levou à queda do valor dos artigos frigoríficados
e, para transferirem suas perdas para os criadores, as empresas restrin
giram o abate. Especialmente no Prata, os estancieiros foram obrigados
a pagar grande parte do custo da guerra da carne.^^

35dIRETORIA GER.M do tesouro. Dados sobre produção e exportação de charque e carnes congeladas em
^928, Porto Alegre. 12 sei 1929 Arquivo Hisiórico do Estado do Rio Grande do Sul.

'36smITH, op. cit , noia 71

238
Em 1927, terminaria para o Prata o conflito entre os dois grandes
grupos, firmando-se, em outubro, a Conferência dos Fretes. Ficou deci
dido, pelo acordo, que os norte-americanos disporiam de 54,9% das
exportações das carnes frigorificadas, os britânicos de 35,1 % e os ar
gentinos de 10%'^' •
No Rio Grande do Sul, a crise dos frigoríficos fez com que, em 1926,
as empresas paralisassem as suas atividades, com exceção da Armour,
de Livramento. Comparando os abates da Armour deste ano com os do
quadriênio, pode-se ver a grande diminuição^^® •

Anos Abate
1923 13.195
1924 23.175
1925 34.328
1926 6.993

Observa-se a matança crescente a partir de 1923 e o declínio no ano


de 1926.
Em termos de produção geral do Estado de carnes frigorificadas,
o colapso destas empresas refletiu-se na diminuição drástica da expor
tação de carnes congeladas. Frente a uma exportação de 18.998.000 Kg,
no valor de 19.012:219$000, em 1925, o ano de 1926 apresentou apenas
1.380.379 Kg, no valor de 1.348:922$600^^® •

Por seu turno, a cfiarqueada também continuou em crise, comitan-


temente ao colapso da indústria frigorífica. O problema da intensa con
corrência e a superprodução, aliado às remessas desordenadas do char-
que para as praças nacionais, sem o menor controle, determinavam
flutuações no seu preço

Conf igurando-se a conturbação das duas formas de aproveitamento


da carne no Rio Grande do Sul, o fato refletiu-se imediatamente sobre a
matança no Estado, registrando-se um dos índices mais baixos de aba
te. O fato era comentado na mensagem presidencial de 1927:

^37ibi(jem.

"•^SdADOS deabate debovinos de 1917 a 1074 e deovinos de1023 a 1074 Arquivo Swift-Armour S.A. Indústria e
Comércio. Santana do Livramento.
139MEfv;SA(3f oresidencial de 1027 p 72
^'^Olbidem.

239
A matança de 1926. em conseqüência, nivelou-se à de 1919 e de 1920. que eram até
então as mínimas conhecidas dos dois últimos decênios. Segundo o quadro estatístico
relativo aos anos de 1907 a 1926. o número de bovinos abatidos para consumo e indús
tria tem oscilado entre as percentagens extremas de 16,1, em 1907, e 9,3, em 1919. A per
percentagem de 1926 corresponde a 9,4.'í4"*

Ora, se a charqueada e o frigorífico restringiram a matança e dimi


nuíram a produção, entrou em crise o criador, completando-se o quadro
desfavorável da pecuária em 1926.
A crise de 1926, contudo, foi o fator que congregou a classe rural no
Estado para a defesa dos seus interesses, despertando novamente o
espírito associativo que se encontrava esmorecido.
Já no início do ano, reuniu-se em Bagè um congresso de charquea-
dores, para a defesa da classe, sob a presidência do renomado Coronel
Pedro Osório. A respeito de suas medidas preliminares, o Correio do
Povo noticiava;

...a crise do charque agravou-se multo mais, pelo excesso de uma produção que
nao encontrou, nos mercados, o consumo necessário para esgotá-la. Ante este superá
vit da última safra, oô charqueadores lançaram mãos de um alvitre de conseqüências
muito sérias, tanto para a sua classe como para a classe dos fazendeiros: transferir o
inicio da safra atuai de janeiro para março. O enunciado simples dessa medida, por si
mesmo, demonstra as largas responsabilidades assumidas pelos charqueadores. Entre
elas avulta, preponderante e impositivamente, a grande massa de créditos que tal provi
dência exigiria para ter um curso normal e apresentar um resultado positivo. Antes de
tudo, o adiantamento da safra correspondente a uma transferência para mais tarde, dos
recebimentos. Todavia, os compromissos assumidos no decorrer do ano para a manu
tenção das charqueadas só para umou outro industrial se protelarãocom a mesma faci
lidade ... A situação dos invernadores revela-se ainda mais grave do que a dos char
queadores. Apenas decorrido o tempo de engorde dos gados, o interesse todo dos fa
zendeiros é ultimar a liquidação das suas tropas, cujo sustento, durante o inverno, já re
presentaumagrandedespesa. Osdois ou três mesesa maisqueas tropas passarão nas
invernadas vão, necessariamente, encarecer o preço do gado e portanto do próprio
charque.1^2

^''^Ibidem.

^42o CONGRFSSO dos charqueadoros Correio do Povo Pnrio Alegre 10 fev 1926 p 2

240
Portanto, antes mesmo que o congresso começasse a discutir seus
problemas, sua preliminar começava a preocupar os representantes das
demais frações de classe dos pecuaristas: criadores e invernadores.
Temiam os produtores do gado a formação de um trust, como se pode ver
nas entrevistas concedidas por criadores, tal como a de Batista Luzardo
ao Correio do Povo, em 11 de fevereiro de 1926.^^ Também alguns
artigos começaram a ser escritos, demonstrando os interesses divergen
tes e os temores, como aquele publicado no Diário do Comércio, em 28
de janeiro de 1926, com o título Reunião de charqueadores: a postos,
fazendeiros.^^

Interpelados, os congressistas afirmavam não ter a mínima inten


ção de prejudicar os criadores, desejando que os preços fossem sempre
os melhores possíveis. Explicava um charqueador entrevistado:

Não preciso de maior recomendação do que dizer que sempre acompanhamos os


preços das companhias frigoríficas, as quais gozam de aiguns privilégios e contam com
muitos mercados, quanoo nós temos unicamente o norte e ainda sofremos a concorrên
cia das repúblicas do Prata.''

Estava à frente da organização do congresso João de Souza Masca-


renhas, que afirmou o mútuo interesse de charqueadores e criadores, o
mesmo João Mascarenhas que, nos momentos que precederam a insta
lação do frigorífico nacional, denunciava os convênios saladeiristas...
Charqueador e criador, neste momento sua visão orientava-se pela única
forma de industrialização da carne que restava em mãos de rio-granden-
ses.
No discurso de inauguração, João Mascarenhas exaltou o senti
mento de coieguismo, o espirito de ciasse e a consciência de gue a
força é o valor dos reunidos, reafirmando com ênfase que a união da
ciasse saladeiril só poderia ser produtivatambém para a classe dos cria
dores, uma vez que as medidas que se decidiriam no congresso só
poderiam fazer benefício a todos. Os objetivos do congresso só pode
riam fazer benefícioa todos. Os objetivos do congressos eram a defesa
dos interesses gerais, com influência sobre todos os setores da coletivi
dade. Propunham estabelecer a Associação dos Charqueadores, pro-

congresso de charqueadores Correio do Povo. Porio Alegre. tev. 1926. p. 2.

^^INTERESSES da agropecuária. Correio do Povo. PortoAlegre. 7 fev. 1926. p. 6.

^^^Ibidem.

241
piciando, com isso, a comunhão da classe a fim de que esta pudesse ter
DS meios de solucionar seus problemas.^''®
Foi louvado pelo deputado Simões Lopes o fato do congresso reunir
charqueadores sem distinções poiiticas, unicamente em defesa da cias-
gg 147 Tal como anteriormente foi referido com relação à extinta União
dós Criadores, a agremiação reunia elementos da fração de classe do
minante de ambas as facções políticas do Estado, uma vez que estavam
sendo tratados assuntos pertinentes à defesa dos seus interesses de
classe. Embora houvesse, dentro da mesma classe, grupos com orienta
ção política diversa, os interesses econômicos, decorrentes da sua in
serção dentro do modo de produção, eram os mesmos.
No período anterior (1920-1923), em que a crise econômico-finan-
ceira catalisara as frustrações para uma solução de caráter político - a
derrubada do Governo e a conseqüente mudança de orientação quanto
ao problema pecuário - a tensão existente entre criadores e charqueado
res fora esmorecida.
O conflito de ambas as frações de ciasse com os frigoríficos tam
bém não pôde levar a nada pela constatação que, frente ao poder das
smpresasestiangeiras, pouco podiam os pecuaristas gaúchos. Quanto ás
tensões no interior da classe dominante que diziam respeito ás frações
de classe, foram obscurecidas no momento em que o conflito entre as
facções políticas em que se dividiam os pecuaristas assumiu o primeiro
plano. Realizando-se, assim, a transposição da crise econômica para a
crise política, a disputa fundamental foi canalizada para a divisão parti
dária da classe dominante estadual, e não para a divergência existente
quanto á ocupação econômica.

Resolvida parcialmente a questão pelo conflito armado e pelas dis


posições do Pacto de Pedras Altas, o período de recuperação que s(
seguiu nos anos de 1924 e 1925 fez com que as tensões latentes fossem
esquecidas, bem como os problemas que ainda restavam insolúveis.
Quando, porém, retornou a crise em 1926, apareceram novamente as
divergências existentes entre os charqueadores e os criadores.
Na medida em que uma das frações de classe arregimentou-se e pôs
em ação medidas para salvaguardar seus Interesses específicos, a outra
fração considerou-se atingida e também reagiu.

^^^CONGRESSO de charqueadores Correio do Povo. Porto Alegre. 12 fev 1926. p. 2.


^^^CONGRESSO de charqueadores Correio do Povo. Porto Alegre, 13 fev. 1026. p. 2.

242
Neste sentido, a renovação da crise, com o conseqüente ressurgi
mento do espírito associativo, também serviu tanto para conscientizar
os grupos na defesa dos seus interesses quanto para reavivar as diver
gências existentes entre ambos.
Reaiizados os trabalhos do congresso de charqueadores em Bagè,
foram aprovadas as seguintes noções: o emprego de balança e a adoção
de um tipo único de contrato para as compras de gado; o esforço para a
produção de um tipo de charque - o charque gordo; o reconhecimento de
um Escritório Centrai como representante dos interesses dos charquea
dores. Além destas noções, o congresso solicitava ao presidente do
Estado para que tornasse efetiva a preferência que o charque deveria
gozar nos transportes pela Viação Férrea, de maneira a tudo se processar
dentro da maior regularidade, igualmente, deixava expressa uma nota de
louvor ao presidente do pais, Arthur Bernardes, e a Borges de Medeiros
pela maneira pafr/óf/ca pe/a quai tem encarado e resoivido as questões
referentes à indústria saiadeiril Com reiação a Bernardes, este havia
dado, em seu governo, vantagens temporárias para o charque gaúcho no
mercado interno brasileiroi^s . Com relação a Borges, a referência era
feita aos estudos que este estava fazendo quanto aos serviços de trans
portes no Estado^®®.

Note-se quea perspectiva é ainda muito voltada para as resoluções


desde cima, paternalisticamente, via Estado, o que parece típico de
uma fração de ciasse que não dispunha de suficiente capitalização e
autonomia para tomar decisões mais radicais, tais como o aperfeiçoa
mento do processo produtivo, via introdução de tecnologia e outros.
Inclusive quanto a uma proposta mais avançada para o beneficiamento
da carne - a reintegração da idéia da criação do frigorífico - o congresso
transferiu esta incumbência para a outra fração de ciasse:

o congresso dos charqueadores do RioGrandedo Sul emite voto para que os criado
res do Estadotomema iniciativa da criaçãode umgrandefrigorífico nacionaldestinado a
descongestionar o excesso de produção da nossa indústria pecuária.'"

148coNGRESSO de charqueadores, op cii , trora M6

'49lOVE , op. cit., nela 91 p. 230

l^OcONGRESSO de charqueadores Correio do Povo Porio Alegre, '3 fev 1026. p. 2

^^IcONGRESSO de charqueadores, op cii . nota 146.

243
Pronunciando-se a respeito desta proposição dos charqueadores,
Camilo Mèrcio Xavier, em entrevista concedida à imprensa, conside
rou-a destituída de senso prático, uma vez que o Rio Grande não se
ressentia de falta de frigoríficos. Pelo contrário, os estabelecimentos
existentes no estado operavam até com capacidade ociosa:

Basta referir que o "Frigorífico do Rio Grande", onde foram empregados cerca de
40.000:O00SO00 contos, tem capacidade para abater 200.000 reses por ano e, no entanto,
não sacrifica mais de 70.000, devido às dificuldades de transportes ferroviários. Não è
pois a falta de frigoríficos que determina o congestionamento da produção bovina, mas
sim a crise dos meios para condução.152

Remetia-se aqui a critica, novamente, ao problema básico dos


transportes, até então não satisfatório, apesar da encampação feita pelo
Estado.
A atuação dos charqueadores, contudo, serviria de exemplo para o
congraçamento dos criadores. Concluía Camilo Mércio Xavier, criador
de D. Pedrito:

Os criadores têm até hoje dispersado as suas energias, em vez de coordená-ias para
incentivar o desenvolvimento duma das maiores indústrias do pais. Ê uma necessidade
os fazendeiros apresentarem uma frente única.153

Estimulados, por um lado, pela crise econômica que atravessavam


e, por outro, pelo exemplo dos industriais do charque, começaram os
criadores a se organizar.

A17 de maio, realizava-se, em Pelotas, uma Assembléia das Asso


ciações Rurais, sendo discutidos problemas tais como a criação do
crédito rural e hipotecário no Rio Grande do Sul e a questão do livre
intercâmbio do gado.

Após longos debates, a Assembléia deu seu parecer quanto ao


banco, concluindo que o poder executivo da União ficava autorizado a
prestar assistência ao órgão de crédito rural. Quanto à questão do gado,
aAssembiéia manifestou-se pela manutenção do imposto vigente sobre
a entrada do gado de corte pela fronteira. Contudo, nenhuma decisão
fundamentai para a salvação da pecuária foi tomada.

CONGRESSO de charqueadores. Correio do Povo. Pnrio Alegre, 2 mar. 1926. p. 2.

^53|bidem

244
Prosseguindo no seu movimento de união em proi dos interesses
comuns, em agosto de 1926 foi instalada, em Porto Alegre &Associa
ção dos Criadores do Rio Grande do Sui, tendo por fim o progresso da
pecuária e a defesa permanente dos interesses dos criadores, para o que
procurava estudar e estimuiara solução dos problemas inerentes à evo
lução da indústria pastorii^^-
Tendo por presidente o criador Ricardo Machado, uma das suas
primeiras preocupações foi empreender uma campanha de combate à
epizootia da raiva, que se constituía numa séria ameaça ao rebanho
gaúcho.

A Associação dos Criadores do Rio Grande do Sul promoveu uma


série de encontros estaduais e regionais, realizando debates para que
fossem levantados os principais problemas que afligiam os criadores
rio-grandenses, no que foi auxiliada por uma série de entrevistas feitas
pelo Correio do Povo aos pecuaristas dos diferentes municípios.

Um dos principais problemas apontados era o do crédito, que, na


opinião de alguns, estava relacionado com a política deflacionária posta
em prática desde o último ano do governo de Artur Bernardes e seguida à
risca por Washington Luis. Em última análise, considerava-se que a ca
rência do meio circulante, motivada pela retração do crédito e pela não
emissão, acat>avapor prejudicar os estancieiros^®® Narealidade, o que
se revelava claramente era a debilidade de capitalização da área gaúcha,
manifestando-se na falta de recursos que os estancieiros enfrentavam.

Êopinião aceita na historiografia aquela que apresenta o RioGrande


do Sul satisfeito com a política de estabilização cambial posta em práti
ca por Bernardes e continuada por Washington Luís, uma vez que a
orientação de preços estáveis era uma das metas financeiras do Governo
gaúcho de orientação positivista^®® • Entretanto, vè-se que este posicio
namento não era unânime no Estado.
Referindo-se a este problema, afirmavao ex-deputado Alves Valen-
ça, criador e invernador;

154asSOCIAÇÃO dos Cnadoies do Rio Giande do Sul eslatuios A Estância. PortoAlegre I3);387, out. 1926
155a crise econômico linanceirn Correiodc Povo Porto Aleqio, 1° set, 1927 p 3

156love, op, cit , nota 91 p 230

24R
A crise atual da pecuária nacional e mais especialmente da rio-grandense ... tem
sua razão máxima na elevação rápida da taxa cambial que desvalorizam o boi, que è ouro
em prazo perturbadoramente curto ... há uma queda de quase 50% nos preços de oferta
para o gado invernado e gordo (...) 157

Como se pode ver, a deflação determinava um decréscimo no preço


do boi, que se revelava ascensional quando a política era a do câmbio
baixo.
Na medida em que a política de valorização da moeda se fazia acom
panhar do recuo do crédito, os criadores e invernadores se viam a braços
com dificuldades para fazerem frente aos seus compromissos, ou a ven
derem seu gado a baixo preço para obtenção imediata de dinheiro.
A situação se configurava dramática pela falta de recursos. Falando
da necessidade da criação de um órgão de crédito rural, o ruralista
Gedeon Leite assim dizia, através da revista A Estância:

Êde prudente necessidade da classe este estabelecimento, para desafogo dos seus
embaraços, pois, mujtas vezes, os senhores criadores e invernadores, a fim de obterem
pequenos créditos, dão em garantia os seus semoventes, os quais, apesar de serem mer
cadorias de lei, mais do que qualquer outra, são recusados, pondo-se em dúvida esta
garantia, oferecida, vezes várias, para a abertura de um crédito muito inferior à terça parte
do seu valor real, porque não são mercadorias armazenáveis, nem bens de raiz que se
possam hipotecar e que nem todos os criadores e invernadores têm a sorte de possuir...
Fácil lhes é, muitas vezes, a obtenção de numerário por meio de desconto em notas pro
missórias, avalizadas a curtos prazos e em antagonismo com as condições de seu co
mércio, oqueos coloca, na época do respectivo vencimento, em situações embaraçosas,
forçando-os a sacrificar os seus produtos, para que a honra não lhes seja comprometi
da.* 58

A reivindicação pela criação de um banco rural, portanto, consti


tuía-se uma aspiração generalizada entre os criadores.
Naquestão da abertura do crédito, a opinião do deputado Joaquim
Luís Osório era pela criação de uma Banco do Estado, tal como ocorrera
no Prata, na medida em que só o poder público teria condições de
ofereceras vantagens de um juro módico, de cerca de 8% e de um prazo
longo, em torno de 30 anos
Os que defendiam a idéia de uma organização montada com capital
privado,argumentavam que a incorporação do banco rural se daria pelo
lançamento de ações.

^^'^ASSOCIACAO dos Criadores do Rio Grande do Sul Correio do Povo. Porto Alegre. 26 fev 1926. p. 10.

^^LEITE, Gedeon. Associação dos Criadores do Rio Gictnde do Sul AEstância. PoitoAlegre (4)115 7, nov. 1026.

^^®A SITUAÇÃO atual dos criadores no grandenses Correio do Povo. Porto Alegre. M abri. 1027. p. 12.

246
o outro grande problema que agitou multo as opiniões da época foi
o do contrabando de gado e de charque.
O contrabando de gado, em especial, relacionava-se com o probie-
ma do imposto cobrado sobre a importação do gado de corte.
A este respeito, pronunciava-se a Assoc/ação Rural ^ de Bagé, atra
vés de seu presidente, o Coronel Feliciano Gonçalves Vieira:

A diretoria da "Associação Rurai" está convencida de que a atuai crise nada mais è
do que o reflexo do contrabando, pois, é sabido que a oferta de gado, no Rio Grande, tem
sido, nestes últimos anos, sempre superior à procura, e que, apesar disso, entram clan
destinamente, só no território rio-grandense, mais de duzentas mil cabeças, por ano. Se
acrescentarmos a essa impressionante cifra, mais quatrocentos mil animais que entram,
jà manufaturados, nos nossos portos, pelos vergonhosos processos das célebres guias,
não podemos deixar, então, de compreender a situação de abandono, aflitiva e desespe-
radora da nossa principal indústria."'60

Face à grande disponibilidade de gado, as charqueadas haviam


abatido muito e enviado fardos de charque para o mercado naclona
muito além das necessidades de consumo deste. Este excesso tendeu
a acumular-se, prejudicando as safras seguintes, onde se restringiu o
abate. Permanecendo a realidade do contrabando do gado platino para
o Rio Grande, ficaram os campos gaúchos superlotados. Previa-se,
mesmo, a mortandade de parte do rebanho nas invernadas por falta de
pasto. Neste ponto, as opiniões se dividiam quanto à melhor maneira
de impedir o contrabando de gado. Uns achavam que era preferível
eliminar o imposto de importação, tal como Assis Brasil, e outros que
era melhor mantê-lo a uma taxa módica, uma vez que as taxas altas
estimulavam o contrabando.
Desta forma, contrabandeando seu excedente de gado para o Rio
Grande, o Uruguai colocava bem o seu rebanho. Este tinha boa
aceitação nas charqueadas da fronteira, por ser melhor que o
rio-grandense. Enquanto isso, o criador gaúcho enfrentava o problema
do superpovoamento dos campos.

Comentava-se que o contrabando do gado fazia-se, especialmente,


por Bagé, mas o certo é que ele se fizesse mais provavelmente por
todos os municípios da fronteira, zonas pecuaristas que eram.

160a situação atual doscriadores rio-grandenses. Correio do Povo. Porlo Alegre, 25mar. 1927. p. 1.

247
Embora protestos indignados se elevassem contra o chamado
vergonhoso contrabando do gado em pé, havia um certo ceticismo
quanto às possibilidades de combatê-lo, como se pode ver nas
palavras de Simões Lopes, ex-ministro da Agricultura:

Quem è que vai fazer a fiscalização? São homens que percebem no máximo de 100$ a
200S000 mensais. São esses os verdadeiros agentes do contrabando, os que, segundo se
diz, mais facilitam a passagem de qualquer tropa. Um fato é que o contrabando de gado
sempre existiu, existe e existirá. Ainda há anos, quando se criou um imposto proibitivo
... ainda asim foram as autoridades obrigadas a afrouxar as disposições fiscais, tai a
circunetânciae tal os interesses da gente interessada que nada houve para que se impe
disse a continuação do contrabando. Hoje, incontestaveimente, cerca de 200 mil reses
entram pela fronteira sem que o Tesouro Federal recolha um vintém. Não são os criado
res que tiram proveito desta situação, mas os contrabandistas, aqueies que nada fazem
peia pecuária. Quer dizer que o elevado imposto è apenas ilusório, não existiu e não exis
te, sendo dificílimo de ser executado.161

A má remuneração dos funcionários encarregados da fiscalização


tornava-os os principais agentes da fraude, lesando não só o Tesouro
Nacional como os próprios criadores, uma vez que a super-abundância
de gado contribuía para a depreciação do seu valor.
Quanto á outra faceta do contrabando, ou seja, o tráfico das guias
falsas para o charque, referia o deputado Flores da Cunha:

... todos conhecem o fato de muitos estabelecimentos venderem as suas guias re


tiradas de repartições fiscais brasileiras, permitindo o embarque do charque para as pra
ças do norte da República, via Montevidéo. E tão bom negócio oferecem elas, que s ao
objeto de cotações entre os freqüentadores da Bolsa montevideana. Essas transações,
como è natural, são extremamente nocivas aos interesses do Rio Grande, porque o
nosso charque, passando pelo Uruguai, è substituído, tomando o rótulo de brasileiro o
artigo inferior e passando o bom como sendo uruguaio."* 62

Ora, tal processo tendia a favorecer o produto platino em


detrimento do brasileiro, uma vez que era feita uma triagem, sendo
enviado o melhor produto como sendo de procedência uruguaia e o de
inferior qualidade como brasileiro. Aliás, a manobra ia mais além: se
mandava o charque com maior proporção de gordura para o mercado
brasileiro, enquanto que o mais magro era remetido para Cuba. A
triagem, como se vê, revelava um senso de conhecimento das
preferências do mercado consumidor...

^61 reunião de ontem da Associaçãodos Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 4 abr. 1927. p. 5.
situação atual dos criadores rio-grandenses. Correio do Povo. Porto Alegre, 22 mar. 1927. p. 8.

248
Como forma de surpreender a manobra clandestina, o secretário da
Associação Rural de Alegrete, Sr. Basileu Medeiros, aconselhava:

Para se constatar a importância do contrabando, bastaria que se verificasse nas In-


tendèncias o fornecimento de guias para exportação de gados para as charqueadas e se
confrontasse com o número das mesmas abatidas, ou então, prestar um pouco de aten
ção para a introdução de cíiarque do Rio Grande no mercado do Rio de Janeiroe Pará."' 63

Tanto no caso do contrabando de gado como no charque,


verificava-se a constatação de que havia venalidade e corrupção, se não
do Governo, pelo menos dos funcionários da fiscalização na zona da
fronteira.
Nesta série de entrevistas e pesquisas promovidas pela
Associação dos Criadores do Rio Grande do Sul, os fazendeiros
opinaram que os principais problemas enfrentados pela pecuária eram
a necessidade de crédito e o contrabando de gado e charque.
Os problemas, aliás, eram interligados. Com a introdução de gado
e tasajos platinos no território brasileiro, mais se acentuava a
necessidade de créditos a juro baixo e prazo longo que os criadores
requisitavam, a fim de fazer frente ao problema do superlotamento dos
campos.
O caso do superpovoamento dos campos, por seu turno, ligava-se
à questão do decreto de matança de vacas e o contrabando do charque
vinculava-se, nas suas propostas de solução, á eterna questão dos
transportes no sul.

A questão do decreto do Governo federal, regulamentando a


matança de vacas, vem, mais uma vez, caracterizar a subordinação do
Rio Grande do Sul ás pretensões do centro. Por pedido dos criadores
dos diferentes Estados, foi a sua execução transferida por algum
tempo. Em 1927, porém, os paulistas, alegando estarem seus rebanhos
desfalcados, solicitaram que o decreto entrasse em vigor. Se este era o
ponto de vista de São Paulo, diferente se apresentava a situação do Rio
Grande do Sul, onde, com os campos superlotados, os fazendeiros
certamente não teriam como vender os seus gados.

situação atuai dos criadores río-grandenses. Correio do Povo. Porto Alegre, 5 abr. 1927. p. 5.

249
o pensamento do Governo federal vinculava-se à idéia da
necessidade de repovoamento dos campos, o que, evidentemente,
poderia, com justiça, se aplicar ao caso paulista, mas não ao
gaúcho^®'* •
No que tange ao problema dos transportes no Rio Grande do Sul,
este continuava a ser a meta prioritária do Governo.
Em 1927, o Governo do Estado fez um empréstimo externo, no
valor de 10 milhões de dólares, com os banqueiros Ladenburg,
Thalmann & Cia., de New York, dinheiro este que seria aplicado no
resgate da dívida flutuante, em despesas com a Viação Férrea, no
alargamento e aprofundamento dos canais interiores e noutros
trabalhos hidráulicos, sendo o restante, se possível, aplicado nas obras
do cais de Porto Alegre^®®-
Desdea encampação da Cie. Auxiliaire que o Estado não conseguira
realizar a tão propalada diminuição do custeio dos transportes
ferroviários. Manteraestradadeferrofuncionandoexigiamuitocapitaleo
Governo tanto era obrigado a recorrer a empréstimos externos quanto a
elevar as tarifas. Agravara, com isso, o problemadecirculação no Estadoe
ajudavaafortaleceratendênciadoescoamento dos produtos gaúchos por
Montevidéu, melhor servido de vias férreas. Na medida em que isto
ocorria, incrementava-se o negócio rendoso das Guias falsas.
A alternativa do embarque pelo porto do Rio Grande implicava, por
seu lado, não somente na eficiência do sistema de transporte ferroviário,
mas no melhoramento dos próprios serviços do porto.
Segundo a mensagem presidencial de 1927, a partir do momento em
que o porto passou a funcionar sob a administração do Governo do
Estado, inverteu-se a corrente de exportação dos produtos rio-granden-
ses.

... OScouros, as madeiras, o sebo e o charque que, notadamente, demandavam os


portos platinos, via fronteira, para exportação, descem, hoje, preferentemente, ao porto
do Rio Grande, d'onde são exportados para as praças d'além-mar.''66

SITUAÇÃO atual dos criadores rio-grandenses, op. cit., nota 62.

165ac0RD0 feito pelo Estado do Rio grande do Sul com Ladenburg.jhalmann &Cia 13 jan. 1927. Secretaria da
Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul.
166|viENSAGEM presidencial de 1927. o 54.

250
Apesar destas declarações otimistas de Borges de Medeiros, a
própria persistência do contrabando e a superioridade do sistema de
circulação uruguaio faziam com que ainda boa parte da produção
buscasse os canais de escoamento piatinos.

Outro problema que afligia os estancieiros era aquele


relacionado com a indenização devida pelo Governo aos criadores
prejudicados com a revolução de 1923. O Governo federai
comprometera-se a indenizar os fazendeiros pelas perdas sofridas com o
conflito armado e, até a data em que o debate era travado, nenhuma
providènciafora tomada. Esta demora vinha só prejudicar os estancieiros
que já se viam em má situação com a falta de crédito^®' •

Os prejuízos ocasionados pela revolução, conjugados á crise de


1926, refietiam-se sobre a qualidade do rebanho gaúcho, que, até então,
permitiraao Rio Grande manter um determinado padrão de exportação de
carnes frente as restantes do pais. Sem recursos para a importação de
gado estrangeiro selecionado e não podendo assistir convenientemente
os seus rebanhos, os fazendeiros estavam comprando reprodutores ze-
bus. Para os defensores do aprimoramento do gado, a perspectiva era
péssima, pois até mesmo os criadores da fronteira, pioneiros do
aperfeiçoamento das raças bovinas, estavam adquirindo exemplares^®® •
Entreos criadores da serra, por seu turno, a receptividade ao gado zebu já
era grande.

Na perspectivadafraçãodeciassedoscriadores, frente a todos estes


problemas referidos, umamedidaapresentava-se como fundamentai para
a suaafirmação: o desenvolvimento do cooperativismo e a necessidadede
ressurgimento da FARSUL {Federação das Associações Rurais do Rio
Grande do Sui).

Na opinião praticamente unânime dos criadores, nas diferentes


ocasiões emque se reuniram emdiversos pontos do Estado nos primeiros
meses de 1927, afirmava-se a idéia de organizar o órgão de defesa dos
interesses da ciasse. Neste sentido, o exemplo de congraçamento de
produtores que dava a formação do sindicato arrozeiro no Estado, em
1926, era um estimulo à união dos criadores numa organização similar
que os representasse em suas pretensões.

Bataihador da idéia, Joaquim Luis Osório assim se expressava:

167LEITE, op. cit., nota 158.


168seixAS, Danton. Pela pecuária. Correio do Povo. Porto Alegre, 5 mar. 1927. p. 10.

251
o Estado está pacificado. Esse movimento associativo de defesa da classe rural terá
aindao grandeefeitode aproximar os homens, fazendo-os esquecer ressentimentos.169

O ressurgimento da FARSUL era uma idéia de congraçamento, que


tendia a unir, pela defesa de interesses econômicos comuns, os dois
setores daclassedominantequetinham representação políticadíferente.
Umaoutraquestão, contudo, era ponto de debate entre as duas facções: a
do Imposto territorial.

Referia o deputado oposionista Alves Vaiença:

E, se o executivo rio-grandense quisesse resgatar a crimonosa falta de assistôncia


com que tem tratado a sua principal indústria e maior fonte de renda, podia prorrogar o
pagamento do imposto territorial já em seu critério e o seu maior agravamento contínuo,
pelo critério fiscal do imposto único, absurdo inominável em nosso meio.170

Sistematicamente, a oposição gaúcha apresentava-se contra o


imposto territorial. Considerando-se que a agremiação política era
nucleada em fazendeiros, iatifundârios da pecuária, estes teriam,
naturalmente, de pagar um imposto relativamente elevado, proporcional
às suas terras.

O debate já vinha de longe e, na Assembléia de Representantes do


Estados, em 1925, o deputado Demétrio Xavier, da oposição,
respondendo a João Neves da Fontoura, líder da situação, dizia que os
fazendeiros muito haviam contribuído para o progresso econômico e
material do Rio Grande, sempre lutando contraa Indiferença dos poderes
públlcosquenada lhes havia dado. Afirmava que os fazendeiros não eram
a classe mais privilegiada, como havia dito João Neves, mas sim a mais
sacrificada pelos impostos e a que menos garantias recebia do Governo.
Sea propriedade rural se valorizava, era pelo trabalho dos fazendeiros e às
suascustas,quenadaconsegulramdo Estado, tal como estradas de ferro
e de rodagem, ou mesmo policiamento. O deputado opocionista,
inclusive, comparava a situação da campanha com a da serra, que tudo
obtinha do Governo. Após mais considerações, concluía dizendo da
necessidade de que no Rio Grande do Sul se fizesse a defesa do boi tal
como em São Paulo se fazia a do café.

Ante tais argumentos, João Neves respondia:

SITUAÇÃO atual dos criadores, op. cit., nota 159.


^^OassOCIAÇÃO dos Criadores do Rio Grande do Sul. Corre/o do povo. Porto Alegre, 26 set. 1926. p. 10.

252
Roma não se fez num dia. Não façam tantas revoluções que o Estado executará mais
depressa as obras necessárias ao seu progresso.**7"*

À parte este problema, que dividia politicamente a classe dominante


no Estado, eiementosdeambos os partidos reuniam-se em comissões de
estudo que levassem as proposições dos criadores gaúchos atèa bancada
rio-grandense no Congresso. A situação se mostrava particularmente
favorável na medida em que um gaúcho, saido dos quadros do PRR,
ocupava a pasta da Fazenda no Governo de Washington Luís: Getúiio
Vargas. Para Vargas, mais do que para o presidente da República, se
dirigiam as expectativas e se davam os entendimentos.

Prosseguindo na sua campanha de articulação, a Associação dos


Criadores do Rio Grande do Sui programou, para 24 de maio de 1927, um
congresso de criadores em Porto Alegre, a fim de tratar de todos os
problemas que afligiam a pecuária.

A julgar por alguns depoimentos, certos elementos da fração de


classe dos charqueadores consideravam que, no congresso, só se
debateriam os interesses dos criadores, menosprezando os da classe
saladeirii. Inclusive, julgaram injustiça responsabilizar os charqueadores
pelocontrabandodegado. Reputavam mesmo como necessária a entrada
do gado uruguaio, não como contrabando, mas mediante o pagamento de
um imposto módico. Com isso, se teria matéria-prima barata e de melhor
qualidade

Na sessão solene de instalação do Congresso de Criadores, no


Teatro São Pedro, Borges de Medeiros fez o discurso de inauguração,
tecendo considerações sobre a crise econômica da pecuária e pregando a
união dos fazendeiros para a defesa de seus interesses:

Sois os genuínos representantes de uma classe que, além de sera mais numerosas e
a possuidora da maior riqueza territorial e mobiliária, è ainda a tierdeira da tradição cava-
Ihielresca da fama heróica e altiva da terra do Rio Grande do Sul ... Sois os mais aptos
para assentar e escolher os meios que possam defender, proteger e estimular o capital
pecuário e Indicar a resistência de vossa atividade ás vicissitudes do atual momento. O
mal que vos oprime não é um fenômeno Isolado. È o aspecto geral da crise que se vem
fazendo sentir desde 1922 ... O que determinou esta fatalidade econômica? Foi sem

ANAIS da Assembléia de representantes do Estado do Rio Grande do Sul 63° Sessão. 11 dez 1925
Porto Alegre, A Federação, 1926, p 548 53

ATUAL situação dos criadores no-grandenses. Correio do Povo. Porto Alegre. 24 maio 1927. p. 2.

253
dúvida, a reação das nações do Velho Continente, que, tendo conseguido normalizar a
sua situação, não mais necessitaram importar artigos de consumo que lhes absorviam
quantias fabulosas, como se dera durante os anos de guerra e, após, enquanto entraram
em plena obra de sua reconstituição. A situação européia consolidou-se, a moeda esta-
bilizou-se e valorizou-se neste e naquele pais, as indústrias voltaram à atividade anterior,
os rebanhos foram recontituidos e a produção desenvolveu-se. Fechadas e limitadas, as
entradas em vários países europeus, era natual que as exportações sul-americanas tives
sem de reduzirasuaproduç ao, à quantidade mínima ou a vender seus produtos a preços
aviltados, o que determinou o colapso da indústria, que se refletiu imediatamente em to
dos os valores pecuários. Assim como essa indústria (frigorífica) havia, anteriormente,
atingido ou se mantido sempre à altura dos negócios, alcançando altas cotações os pro
dutos pecuários, também a sua queda, agora, em sentido contrário, foi vertiginosa.^í 73

A visão que o Governo apresentava da crise era restrita ao plano do


mercado, tal como convinha à sua orientação de cunho positivista:
retrala-se o consumidor europeu no após-guerra, criando obstáculos à
colocação do produto pecuário latino-americano. Estava ausente
qualqueroutrotipodeanálise.tal comoaqueiavinculadaàguefrac/ecarne
entre as companhias internacionais frigoríficas que disputavam os
mercados. Tampouco se abrangia a débil idade da pecuária gaúcha, como
economia subsidiária dentro de um país de economia dependente.
Remetia, por seu turno, a solução do problema para a iniciativa
particular, idéia também pertencente ao seu universo ideológico. Após
considerações sobre o recente congresso de charqueadores, afirmava o
presidente do Estado que a assembléia dos criadores era um
complemento daquela dos homens do charque:

Os charqueadores e os criadores não devem continuar separados, em campos eco


nômicos, assim com a indústria não pode separar-se da matéria-prima, porque esta
acha-se ligada àquele.74

Mais uma vez manifestava-se aqui a tendência governamental de


suavizar tensões e ignorar conflitos. Pregando sempre a união, Borges
finalizaria com a exortação ao congraçamento dos criadores, o que seria
depois muitas vezes repetido comodemonstrativodo apoio e incentivo do
Governo ao movimento de cooperativismo:

^^^CONGRESSO de Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 25 maio 1927. p. 6.


^^'^Ibidem.

254
Associal-vos! Organizai a defesa de vossa indústria. Sós e isolados naturalmente
continuareis a ser fracos e impotentes, mas organizados e unidos pela solidariedade e
cooperação sereis uma força invencível.175

No discurso oficial que se seguiu, pronunciado por Joaquim Luís


Osório, foi historiada a vida da antiga FARSUL, bem como as soluções
que se apresentavam aos problemas da pecuária gaúcha. O pecuarista e
deputado situacionista reafirmava sua crença no poder da união dos
fazendeiros e nanecessidadeda não existênciadeatritos entre criadores e
charqueadores.

O tom básico do discurso era, contudo, a exortação do


cooperativismo e o ressurgimento da FARSUL, como um verdadeiro
imperativo que se impunha á classe rural, que, agindo desta forma, só
poderia merecer o apoio e aplauso dos governos
Durante o congresso, realizaram-se muitos debates, alguns deles
acalorados, como os que setravaram em torno do contrabando. Mais um
vez, tal como se dera no Congresso dos Charqueadores, estavam reunidos
em assembléias rio-grandenses sem distinção partidária, defendendo
unicamente os interesses da sua classe. As discussões travadas
assumiam um certo caráter regional, na medida em que a serra acusava a
campanha de pactuar e beneficiar-se com o contrabando, ao que esta
negava veemente.

As resoluções do Congresso dos Criadores, uma vez assentadas,


foram levadas por Joaquim Luis Osório á bancada gaúcha no Congresso
Nacional. Em entrevista concedida á imprensa carioca, o deputado
gaúcho relatou o que ficara decidido na reunião dos estancieiros.

Em primeiro lugar, decidira-se a manutenção dos impostos vigentes


de importação de gado de corte e charque procedente do estrangeiro.
Para a repressão do contrabando do charque, requisitavam que
fossem concluídos imediatamente os ramais férreos do Estado, bem
como que as tarifas fossem compensadores, de modo a atrair o
escoamento da produção pelo porto do Rio Grande.

Concluídos tais trabalhos, o poder público promoveria a


desnacionalização do charque em trânsito pelo território estrangeiro.

^^^Ibidem
'^^CONGRESSO de Criadores Correio do Povo. Porto Alegre, 24 maio 1927. p. 8.

255
Parafiscalizaraexpedição de guias, seriam indicados representantes da
Federação Rural junto às repartições públicas, charqueadas e
frigoríficos. Nas guias, deveria, obrigatoriamente, constar o tipo de
charque a que elas se referiam.

Deveriam ser reduzidas as tarifas da Viação Férrea para o charque


proveniente dos estabelecimentos da fronteira, destinados ao porto do
Rio Grande, de modo a atrair a exportação pela barra.

Deveria haver redução nos fretes dos navios do LIoyd, desde Rio
Grande até Cuba, de modo que este não ficasse maior que o frete de
Montevidéu até a referida ilha.

Com relação ao contrabando do gado de corte, optou o congresso


pela adoção de um sistema oficial de marcas de gado, que fosse
obrigatório. Para reprimir o contrabando, também seriam destacados
representantes da FARSUL para auxiliarem os poderes públicos.

O congresso decidiu pela necessidade imediata da criação de um


crédito rural, a longo prazo e juro baixo, devendo a iniciativa partir da
União. Através desse mecanismo, se conseguiria a libertação da
propriedade territorial de hipotecas a curto prazo, da cobrança de altos
juros e da venda forçada dos bens para pagar as dívidas contraídas. Da
mesma forma, a criação desta instituição solucionaria a crise de
numerário, facilitando aexpansão comercial e industrial face ao dinheiro
que ficaria à disposição para empréstimos.

Ocongressoreclamou, ainda, anecessidadede uma legislação rural,


devendo a União providenciar para a elaboração da promulgação de um
código rural. Dentro do Rio Grande, o congresso considerou que o
Governo deveria nomear uma comissão para elaborar o Código do
Processo Rural do Estado.

Todavia, aquela, que fora considerada a maior realização do


congresso foi justamente o ressurgimento daFeoferação das Assoc/ações
Rurais, com o fim de congregar os criadores numa instituição que
promovesse os interesses da classe

Pelos seus estatutos, a Federação das Associações Rurais do Rio


Grande do Sul, fundada em 24 de maio de 1927, era o órgão de

SITUAÇÃO da cecuâria rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre, 22 iun. 1927.

256
representação e aetesa aa ciasse rural, bem como o técnico consultivo
dos Governos do Estado e federal. Tinha como finalidades

... estimular e promover a articulação dos elementos da classe rural, com o fim de
organizar, pela associação, uma força moral e materialmente capaz de realizar as justas
aspirações do Rio Grande rural, defendendo integralmente seus direitos e interesses;
unir e solidarizar a classe sob a forma de associações rurais e de cooperativas; congregar
as "Associações Rurais do Estado", sob o patrocínio esclusivo da entidade máxima,
mantendo entre elas a mais perfeita coesão e cooperação, visando náo somente a defesa
da classe, como também, o estudo de todos os problemas que, em particular, interessa
rem a cada uma das zonas agropastoris do Rio Grande do Sul, em harmonia com aqueles
que se relacionarem com a comunhão «-ural do Estado; promovera realização de congres
sos ou reuniões gerais, regionais e locais, para o estudo de questões e problemas que
interessem à classe, no sentido de sugerir ã administração pública as soluções adequa
das; empenhar-se pela completa efetivação de todos os objetivos colimados pela classe
e pelo Rio Grande rural; organizar um centro de informações a respeito das atividades pe
cuárias do Estado; dirimir e resolver as questões que se suscitarem entre as "Associa
ções Rurais"; cooperar para a efetivação ... dos planos econômicos indicados pela
"Confederação Rural Brasileira".''78

As articulações começaram a ser feitas entre a bancada federal


gaúcha, Joaquim LulsOsórioeoministroda Fazenda, Getúlio Vargas. Ao
que tudo indicava, Vargas demonstrava o maior empenho em tentar
conseguir para o Rio Grande do Sul, através do poder federal, a
consecução das medidas pleiteadas pelo Congresso dos Criadores.

Atuavam pela efetivação de tais contatos as duas facções de


parlamentares gaúchos, situação e oposição, ambos bem
impressionados com o interesse manifesto pelo ministro da Fazenda,
principalmente com a questão do contrabando.

Aeste respeito, contudo, as criticas tomavam um caráterviolento de


acusação ao governo de Borges de Medeiros, como conivente com a
situação ilícita que ocorria no Sul.

Referia um jornal do Rio de Janeiro, a respeito:

Ainda não se sabe quais as resoluções tomadas pelo "Congresso dos Criadores",
reunidos em Porto Alegre, quanto às providências relativas à combinação do contraban
do nas fronteiras do Rio Grande do Sul, cinicamente praticado às barbas do fisco, com
grandes prejuízos para os criadores e não pequeno desvio das rendas federais. Mas qual

"•^^fedERACÂO das associações rurais do rio grande do sul. Estatutos. Porto Alegre, Kannen.
1927.

257
o elemento preponderante que para tal concorre, ativando o comércio ilicito?Não fora o
amparo que o borgismo dispensa aos contrabandistas profissionais em cujo seio conta
um desenvolvido número do núcleo eleitoral e,certamente, o contrabando nao assumiria
as proporções escandalosas que têm atingido. Porque a verdade è que as mais altas au
toridades da Fazenda, no Rio Grande do Sul, são as primeiras a se acomodarem na maior
inatividade em matéria de repressão fiscal, certas de que qualquer iniciativa ou providên
cia repressiva seria aniquilada com a intervenção da política do ditador
rio-grandense.l^Q

Apesar de tais críticas, a perspectiva era otimista quanto às diligên


cias da bancada gaúcha no Congresso, em acordo com Getúiio Vargas.
Considerava-se este apoio essencial, sendo uma ação conjunta a melhor
maneirado RioGrandedo Sul conseguiroque pretendia. Naatuação da re
presentação rio-grandense, era louvado o fato de que os debates não leva
vam em contaa separação política existente no Rio Grande e que dividia o
Estado em duas agremiações partidárias. Tanto as conclusões do con
gresso representavam o modo de pensar de todos os criadores gaúchos
quanto a bancada agia em uníssono no sentido de defender os interes
ses da classe, aproximando-se no plano econômico, apesar de
separadas politicamente

O Correio da Manhã, do Rio, assim louvava esta atuação dos


gaúchos;

Os rio-grandenses lutam aguerridamente até no campo de batalha, mas se dão tré


guas para deliberar sobre o bem coletivo; recalcam os seus sentimentos para se nortea
rem por objetivos mais elevados. Essa congregação de esforços entre adversários, no
momento presente, vale por uma lição de civlsmo.181

De volta do Rio de Janeiro, os representantes da FARSUL (Ricardo


Machado, presidente, e Delphim Mesquita Barbosa, secretário geral)
mostram-se satisfeitos com a atenção que o Rio Grande do Sul estava
merecendo dos ministros da Fazenda e da Agricultura, bem como pela
atuação da bancada sulina no Congresso. Os deputados rio-grandenses
haviam apresentado ao Congresso um projeto de lei que autorizava o exe
cutivo nacional a remodelar os serviços de repressão do contrabando na

179c0NGRESS0 dos Criadores do Rio Grande do Sul Correio do Povo. Porto Alegre, 26 iun. 1927.0.9.
ISOpara defesa de tal ponto de vista, consultem se;
A BANCADA rio-grandense e os criadores. Correio do Povo. Porto Alegre. 23 jun. 1927. p.3.
ECOS do Congresso dos Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 28 jun. 1927. p. 2.
ECOS do Congresso dos Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 26 jun. 1927. p. 1.
A DEFESA da pecuária rio-grandense Correio do Povo. Porto Alegre, 1° jul. 1927. p. 3.
A DEFESA da pecuária rio-grandense. Corrio do Povo. Porto Alegre, 2 jul. 1927. p. 2.

258
fronteira sulina. Antes, porém, de agir neste sentido, Getúiio Vargas de
signou o Dr. José Rezende e Siiva para vir comissionado ao Rio Grande
averiguar o problema do contrabando.
Em setembro, chegavaaoSui o representante de Getúiio Vargas para
estudar, in loco, as condições em que se dava o comércio iiícito e ver as
possibilidades de solucioná-lo.
Expondooresultadodesuaspesquisassobreo contrabando de gado
e charque, manifestou-se o enviado do ministro da Fazenda contrário á
exigência das guias, as quais só prejudicavam a expansão do comércio.
Referia a imprensa:

A adoção do seu plano de repressão do contrabando Implica na remoção do Posto


Fiscal para Cacequi e serão abolidas as atuais guias de trânsito de gado, substituídas por
guias organizadas pelos própriosfazendeiros, enviando umexemplará repartiçãofiscaíl-
zadora, marcando a tropa ou outra. Entretanto, os registros de gados e marcas serão ri
gorosos e mantidos todo o cuidado e exatidão. Sobre o contrabando de gado e charque,
estendeu-se s.s. largamente, declarando-se partidário das sugestões do último "Con
gresso de Criadores". Serão nomeados inspetores de zonas pelo Governo federal, mas
propostos pelas associações rurais. Por meio de uma série de medidas indiretas de fis
calização que aponta, pensa será combatido, senão inteiramente, ao menos em grande
parte o contrabando, de maneira que, adotado o seu plano, ficam atendidas as notas do
"Congresso dos Criadores".182

Para OS criadores, ficara comprovado, pelo estudo feito, que o cerne


do problema era a deficiência material do aparelho de repressão e a deso
nestidade de certos funcionários^^.
Neste momento, ao aproximar-seofim do ano de 1927, as diligências
do ministério da Fazenda com relação ao contrabando arrefeceram-se. O
titularda pasta preparava-se para ocupar o cargo de presidente do Estado
do Rio Grande do Sul. Apresentando sua plataforma, Getúiio Vargas
abordou alguns problemaseconômicosque se prendiam muito às preten
sões dos criadores do Rio Grande, com algumas modificações.
Com relação ao crédito rural, argumentavaVargas, sua solução deve
ria depender muitp mais do Governo estadual, que teria uma visão mais
completas adequada das peculiaridades do meio regional. No projeto de
organ ização do crédito seriam uti Iizados tanto o capitai estrangeiro como
os estabelecimentos bancários do Estado

'82represSÃO ao contrabando de gado e charque Correio do Povo. Porro Alegre, 28set. 1927. p. 1.

'8:^C0NTRABAND0 de gado e charque. Correio do Povo. Porto Alegre. 1° out. 1927. p. 3.


'84a plataforma e a economia rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre, 13 dez. 1927. p. 3.

259
Enquanto que as soluções quanto ao contrabando concentravam-se
nas conclusões do Dr.Rezende e Silva e às expectativas do problema do
crédito pendiam-se aos projetos do governo de Getúlio Vargas, a questão
das indenizações devidas aos criadores pelos prejuízos causados pela re
volução não tinha nenhuma solução do presidente da República.

Quanto aos ramais ferroviários da União no Rio Grande do Sul,

... jà nos últimos dias da sessão legislativa ... surgiu no seio da Câmara dos Depu
tados uma emenda à cauda do orçamento autorizando o poder executivo a despender
48:000 contos com a construção dos ramais férreos federais neste Estado.'•"5

Findava, assim, o longo período do governo de Borges de Medeiros


no Rio Grande do Sul. Depois da grande contestação sofrida pela revolu
ção de 1923, os últimos anos haviam sido preenchidos pela breve recupe
ração da economia pecuária do Estado nos anos dei 924e 1925, para nova
mente recair a economia gaúcha na grande crise de 1926. Atingindo cria
dores, charqueadorese frigoríficos, a cri se teve o efeito de despertar defi
nitivamente, dentro dos quadros da República Veiha rio-grandense, a
capacidade de rearticulação e união da ciasse dominante em defesa de
seus interesses econômicos. Reunindo-seem congressos, promovendo
assembléiase debates, charqueadores e criadores congregaram-se para
decidir sobre seus problemas.
Ressurgia o espírito associativo e cada fração de classe agrupou-se
no seu órgão específico. Emboraochoque de interesses entre as duas fra
ções de ciasse reaparecesse novamente, a nota característica do período
foi o reerguimento da pecuária como um todo, demonstrando que, do su
cesso deste setor da economia, dependiam tanto os criadores como os
charqueadores. Os criadores viam-se obrigados a fazer sua a causa da de
fasado charque nacional, porque, ante a inatividade dos frigoríficos, este
era o destino que restava para o rebanho gaúcho.
Aindadentro deste mesmo espirito decongraçamento, lutavam, la-
doalado, pelos mesmos interesses econômicos libertadores e republica
nos, como representantes da mesma classe que eram.
No final do governo de Borges, as expectativas voltaram-se mais e
maisparaoministrodafazenda,aqueleque seria o próximo presidente do
Estado.Tantopo levantar os problemas como nas propostas para solucio
ná-los, a perspectiva era ainda muito paternalista, ou seja, os proprietá
rios dos meios de produção esperavam dos poderes públicos soluções
desde cima, providenciais.

^85r£jroSPECTO comercialdo ano de 1927: a crise pasforil. Correiodo Povo. Porto Alegre, 1?jan. 1928. p. 15.

260
Quanto à anàl ise que ambas as frações de classe faziam dos seus pro
blemas, tendiam elas muito mais porquestões referentes a crédito, trans
portes e mercado do q ue a propostas de renovação da estrutura produtora.
Quanto à oposição dos pecuaristas aos frigoríficos, esta foi arrefecida,
pela impossibilidadede fazerem algo contra as grandes empresas estran
geiras. Enfim, caracterizava-seo quadro de umaclassedetentorado prin
cipal meio de produção, mas despossuída dos requisitos de capital de gi-
roqueodesenvolvimentocapitalistadeeconomiaexigia naquele momen
to.

3.4 — A reorganização sob Vargas (1928-1930)

Em 1928, dava-se umamudança política importante no RioGrande do


Sul: comprometido pelo Pacto de Pedras Altas, dei 923, a não reeleger-se
novamente, Borges de Medeiros cedia o posto máximo do Governo gaú-
ctio aGetúlio Vargas. Junto com Vargas, subiatodauma segunda geração
de republicanos, que constituiriam o novo grupo governante: Flores da
Cunha, Oswaido Aranha, Lindolfo Collor, João Neves da Fontoura, Mau
rício Cardoso, Firmino Paim Filho.
Getúlio esteve somente dois anos à testa do Governo gaúcho, mas
seu período foi profundo em realizações, tanto no que diz respeito ao pla
no econômico como ao político, realizando-se a aproximação entreos
tradicionais grupos políticos que se opunham no Estado.
Apesar das conquistas obtidas nof inal do governo Borges, tal comoa
criação da FAfíSL/L, e das diligências de Vargas, então ministro da Fazen
da, ao iniciar-se o novo período governamental haviaum certo desencanto
com as soluções dadas pelos poderes públicos às questões da pecuária
gaúcha.

Rememorando tudo o que se haviafeito para acabarcom o contraban


do, inclusiveavisitaaos jldodelegadodo ministério da Fazenda, comen
tavam os pecuaristas:

Durante mais de dois meses andou no interior do Rio Grande o Dr. Rezende e Siiva,
coihendo impressões e recebendo aivitres. Depois de se julgar suficientemente apare
lhado, aquele funcionário regressou ao Rio, declarando à imprensa que ia disposto a
apresentar um relatório cheio de sugestões que, bem aproveitadas pelo Governo, pode
riam minorar a situação dos criadores, com excelentes resultados ... todos ficaram
aguardando o pronunciamento do Governo Federai, mas debalde, porque, até hoje, nada
mais surgiu lá no Rio com referência à iniciativa dos criadores.'86

186a repressão docontrabando do gado e dochaique. Correio do Povo. Porto Alegre, 18 fev. 1928. p. 12.

261
Realmente, salvo auxílio militar na forma de um pelotão da cavalaria
da Brigada, apedido de um delegado fiscal que pretendia, por sua própria
conta, reprimirocontrabandonafronteira, nada mais fora feito. Na verda
de, o serviço de repressão aumentara, mas mais por iniciativas de agentes
isolados do que por ação dos poderes públicos federais, tal como fora so
licitado. O contrabando de gado continuava a ser feito, uma vez que os
animais platinos, de superior raçae alimentados com melhores pasta
gens, tinham preferência pelas charqueadas da fronteira.
Enquanto que havia como que um comum acordo entre os
pecuaristas sobre os malefícios do contrabando do charque, quanto ao
problema do gado de corte as opiniões variavam. Uns consideravam que
se deveria proibirasuaentrada, em defesado rebanho gaúcho, enquanto
queoutros pugnavam pelo livre intercâmbiodegadocom o Uruguai. Otipo
de argumentação usada neste segundo caso defendia não só a perspec
tiva de obter a melhor matéria-prima para a charqueada local, como
também adeque o Rio Grande do Sul, com frigoríficos esaladeiros, tinha
uma boa capacidade de abate, que permitia o consumo do gado platino e
gaúcho. Por outro lado, a entrada de gado de superior qualidade atuaria
como um estímulo àrenovação e aprimoramento do rebanho local. Dentro
de uma visão identificada com a charqueada, o pedido da FARSUL de
proibiro livre intercâmbio de gado significaria o próprio aniquilamento da
indústria saladeiriM®^.
Frente, portanto, a problemas não solucionados para a pecuária
gaúcha, a FARSUL programou o Segundo Congresso de Criadores para
ser realizado em 28 de março de 1928, em Porto Alegre. Guardando uma
certa decepção do Governo da União e do Estado, quanto às soluções da
das às reivindicações do congresso de 1927, todas as expectativas
voltavam-se agora parao novo presidentedo Estado, que sedizia disposto
a atender às solicitações dos criadores.
Na abertura do congresso, o discurso de Vargas foi de molde a fazer
crescer as esperanças dos estancieiros:

O "Congresso dos Criadores" que ora se realiza, por iniciativa da "Federação das As
sociações Rurais", não pode deixar de merecer o mais franco e decidido apoio do Gover
no do Estado. São os representantes de uma classe cuja vida, no desdobramento de sua
atuação moral e material através dos tempos, constitui um dos fatores preponderantes
na formação social do Rio Grande do Sul e reflete os traços característicos do gênio de
seu povo ... As novas exigências da civilização ... quase não permitem que os grandes
empreendimentos sejam realizados pelo só esforço individual. Dai a necessidade da
forma associativa que tomam estas empresas e da tendência generalizada para o reagru-
pamento social organizado pela categoria de classes, conforme a profissão ou atividade

^S^RIET, D.M. Segundo Congresso de Criadores. Correiodo Povo. Porio Alegre, n abr. 1928. p. 3.

262
econômica de cada um para que melhor se compreendam o orientem os fenômenos cole
tivos. Odesenvolvimento do espirito associativo é uma das causas mais importantes do
progresso econômico. Ao Estado cabe estimular o surgimento dessa mentalidade asso
ciativa, valorizá-la com a sua autoridade, suprir-lhe as deficiências, exercendoum certo
"controle" para evitar os excessos ... Cabe aos governos o dever elementar, como auxi
lioà cooperação das classes produtoras, de lhes facilitartambém os meios de transporte
paraativara circulação da riqueza móvel. Como remate lógico dessa euritmiade movi
mento, é preciso mobilizara propriedade Imóvel, pela organizaçãodo crédito rural. Coo
peração, circulação, mobilização —teremos al as principais forças propulsoras do de
senvolvimento econômico do Estado."'88

Comestas palavras, GetúlioVargastraçavaa orientação do Governo


a respeitodo problema. Era fundamental quese processasse a uniãopelo
cooperativismo, pela sindicallzação dos produtores, enquanto que ao
Estado cabia não somente estimular este movimento de união dos pro
dutores, como dar-ihes meios para o desenvolvimento, ou seja,
providenciar o aperfeiçoamento dos transportes e do crédito rural.
Indo mais adiante nas suas proposições, Getúlio Vargas explanava
melhora sua Idéia sobre estes pontos a serem solucionados. Qijanto ao
crédito, aposiçãodo Estadoerapelaformação de um bancode crédito ru
ral hipotecário,operandocomempréstimosajurosmódicoseprazo longo
de pagamento. Competiaao Governo estadual tornar este barico realida
de. Quanto ao problema do contrabando do charque pelo sistema das
guias falsas, este era um fator que, praticamente, aniquilava a vantagem
de ter-se um mercado próprio para consumo:

... o charque exportado por via fluvial e contrabandeado na praça de Montevidèo


mediante o tráficode guias: ou seguem do Brasilsimplesmente as guias desacompanha
das do charque, para serem preenchidas com a mercadoria platina, ou vai com elas o
charquede refugo mato-grossense, vulgarmente denominado "patos", e em Montevidéo
se realiza a troca — pois dai!é o charque gordo platino remetido para a praça do Riode
Janeiro acompanhando a guia de procedência brasiieirae o charque magrodo Brasilè ex
pedido para Cuba, comode procedência uruguaia. E isto que ocorre em Mato Grosso,
verifica-se igualmente quanto ao do Rio Grande do Sul.189

Paraeste problema, Getúlio propunhacomo solução a desnacionali


zação do charque, ou seja, decretar que fosse considerado como estran
geiro todo o charque que transitasse por fora do território nacional.
Tal processo deveria ser acompanhado do perfeito aparelhamento
das vias férreas, o que, contudo, no momento, estava suspenso devido à

188segUNDO Congresso de Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 26abr. 1928. p. 8.

189ibiçjepf^

263
políticadecontenção de despesas do Governo federal. Quanto ao proble
ma do contrabando do gado de corte, a resolução cabia ao Governo fede
ral, que nada fizera, embora o Governo do Estado do Rio Grande do Sul
muito se empenhasse para a sua solução.
Enfim, concluiaGetúlio,eraessenclal que, no Rio Grande, reinasse a
paz para que os problemas pudessem ser resolvidos. Nesta exortação à
união, finalizava:

As ideologias políticas que não tiverem por base de sua organização a solução de
problemas econômicos, dificilmente poderão subsistir.''90

Este último trecho parece imensamente significativo para a com


preensão do intento que Vargas tinha: realizar no Rio Grande a união das
duas facções partidárias. Sendo, na realidade, integrantesdeuma mesma
classedominante, não haveria razão mais forte, de cunho ideológico, que
as separasse, umavezque possuiam os mesmos interesses econômicos.
Entre os velhos problemas que foram novamente aventados no
Segundo Congresso de Criadores, apareceram como mais importantes
aqueles relacionados com ocrédito, o contrabando eaindenização devida
pelo Governo federal aos criadores prejudicados com a revolução de 1923.
Quanto ao crédito rural, o congresso opinou que, se o Governo já
tinha um plano pronto, tendo até nomeado técnicos para a sua organiza
ção, era preferível deixá-lo agir por sua conta e esperar os resultados.
Quanto ao contrabando de gado e charque, o congresso opinou pela
elevação do imposto de importação do charque estrangeiro. Determinou,
ainda, queficasseo sistema de repressão ao contrabando afeto ao Gover
no do Estado, que fosse aparelhado o sistema ferroviário da fronteirae re
duzidas as suas tarifas, bem como reduzidos os fretes nos navios do
LIoyd brasileiro. Solicitou que fossem abolidos os impostos interesta-
duaiseaschamadas taxasdeexped/enfecobradas pelas municipalidades
No que diz respeito á indenização dos prejuizos causados pela revo
lução, o Segundo Congresso deliberou solicitar ao Governo do Estado
que se empenhasse junto ao Governo Federal para que se efetuasse o
pagamento das mesmas Indenizações aos criadores •
Noquetangeaestes três tópicos debatidos — crédito, contrabandos
indenização pelos prejuizos da revolução — a perspectiva dos criadores
era ainda muito paternalista, esperando soluções desde cima, dadas
pelo Governo, sob a forma de um amparo financeiro, um controle mais
rigoroso ou reduções tarifárias e de impostos.

190|bidem.

^9'OS TRABALHOS do Segundo Congresso de Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 29 abr. 1928. p. 8-9.

264
Como novas propostas, apareceram as idéias defendendo a criação
de um sindicato do charque e da criação de um frigorífico.
Estaúltimanãoérealmentenova, umavezque, no período de euforia
Jurante a Primeira Guerra Mundial, até se concretizara no movimento em
torno 6o Frigorífico Rio Grande. A idéia, contudo, aqui reaparece com no
vas conotações.
Referindo ao problema da indústria do frio e ao atraso com que se
achavaoRioGrandedoSul em relações aela, falava o Dr. Leonardo Truda,
na inauguração do Segundo Congresso de Criadores:

Ora, nós não acompanhamos esta evolução. Podemos asseverar até que há alguns
que nem sequer se aperceberam dela, quando, na era da indústria do frio, continuam a
buscar obstinadamente o remédio definitivo para os males da pecuária rio-grandense,
nas charqueadas, como se elas pudessem oferecer-nos, hoje, mais que soluções transi
tórias preparatórias da evolução que se impõe ... Écerto que, neste entretempo, se ins
talou no Rio Grande do Sul a indústria frigorífica. Por ora, porém o menos que se pode di
zer é que até hoje não se verificaram as esperanças nele postas. Em 1926, exportaram-se
1172 toneladas de carne vacum congeladas e 612 de carne vacum conservada. Somem-
se essas cifras às do charque e ver-se-a que, ainda assim, nao alcançamos, em 1926, o
total que só o charque exportado nos dava em 1912 e 1913 ... O remédio definitivo não o
dará, sem dúvida, o charque. Dificilmente lograremos desenvolvera sua exportação. To
do o Brasil o produz hoje ... Aexportação do charque só nos poderá dar soluções transi
tórias, que devemos buscar com empenho para evitar um colapso, visto como não esta
mos aparelhados, nem o estaremos totaJmente, dentro dos anos mais próximos, para
prescindir de uma rubrica que ainda é a mais alta expressão de todo o nosso comércio de
exportação. Contemporaneamente porém devemos ir preparando a solução do futuro, a
solução definitiva. Essa só nõ-la proporcionarão os frigoríficos ... Talvez não venha
longe o dia em que, dentro do nosso próprio pais, se ofereçam mercados consumidores
aos produtos da indústria do frio."'92

Note-se, aqui, duas colocações naanàlisedasituação. Uma que con


sidera o charque a saída que só poderá dar soluções transitórias. Produz
um artigo que se destina a um mercado altamente competitivo, dentro de
um arcaísmo tecnológico. Todavia, apesar disso tudo, não se deve
abandoná-lo, pois ainda representa o produto responsável pela maior
quota nas exportações do Estado.
Umaoutradíretriz do pensamento aponta paraa única saída provável
—ofrigorifico, queaté então não produzia o rendimento desejado. Entre
tanto, asaidadaindústriadecarnefrigorificadapoderia ser encontrada na
conquista dos mercados nacionais, em especial o carioca, e, após, abas
tecer todos os grandes centros do litoral. Esta é no momento, uma nova
proposta que se apresentava para fazer ressurgir a idéia da frigorif icação
de carnes, animada pela perspectiva da conquista de um novo mercado.

'92seGUNDO Congresso de Criadores, op cii , nola 188. p 3.

265
Na verdade, a situação das carnes congeladas não deu, no Brasil — e,
em especial, no Rio Grande — os frutos desejados, principalmente se se
atentar para uma comparação com o exemplo platino.
Os dados fornecidos pelaDiretoriaGerai doTesouro do Estado apon
tam, para o ano de 1928, um abatede 142.423 cabeças parafrigorificaçãoe
753.577 destinadas ao fabrico de charque. Em termos de exportação, as
carnes congeladasapresentaram o número de 19.049.469 kg, no valor ofi
cial de 26.533:691 $000, enquanto que foram exportados 53.836.483 kg de
charque, no valor oficial de 97.220:841 $000^93.
Como se vê, ascharqueadas abatiam mais e exportavam mais que os
frigoríficos. Êverdade que as charqueadas eram em maior número que as
empresas de carne frigorif içada, mas não há nível de comparação entre a
capacidadede matançae produção de um e outro estabelecimento. Os fri
goríficos no Estado real mente estavam operando com capacidade ociosa.
A nível de mercado internacional, as carnes provenientes do Prata ob-
tinham uma aceitação maior que as brasileiras, o que, na perspectiva das
chamadas mentalidades progressistas, interessadas no desenvolvi
mento da indústria do frio, devia-se à qualidade do rebanho que propor
cionava a fabricação de um produto de qualidade superior.
Quantoàpossibilidadeda conquistado mercado Interno para os pro
dutos de frigoríficos, o congresso aprovou o votodequeo Governo federal
promovesse, por intermédio da Secção de Carnes e Derivados do Serviço
de Indústria Pastorii, a propaganda do uso de carnes frigorifícadas, que
além das varitagens da sanidade que oferecem, concorrerão para minorar
o custo de v/ofa^^^.
No que toca à outra nova proposta do congresso, a do Sindicato dos
Charqueadores, Getúl io Vargas apresentou aos criadores reunidos um te
legrama recebido do Rio de Janeiro, da parte do sr. Hermano Barcellos,
comerciante da praça, que oferecia os seus serviços no sentido de dotar o
Estado de um sindicato do charque, à semelhança do sindicato do açúcar
montado em Pernambuco. Uma comissão foi nomeada para dar um pare
cer sobre o teiegrama opi nando que a FA RSUL ficasse autorizada a convo
car os charqueadores para que se organizasse uma instituição desse ti
po 195.
Como interpretar a aprovação de uma moção desta ordem numa
reunião de criadores? Antes de mais nada, convém lembrar que, apesar
dos pontos de oposição que pudessem ter os interesses dos criadores

193DiRETORrA GERAL DO TESOURO, op. cii . noui 135

194os TRABALHOS do Segundo Congresso de Criadores, op cii , nota 191. p. 9.


195ibidem.

266
e dos charqueadores, ambos eram frações de uma mesma classe domi
nante, que vivia na exploração de atividades econômicas relacionadas
com a pecuária e que tinham como interesse primordial que os unia a
defesa do capital. Ora, sendo a charqueada a forma de exploração da
carne predominante no Estado em mãos nacionais, era natural que, da
prosperidade da charqueada, derivasse a prosperidade do próprio cria
dor. Mesmo que o criador identificasse que o charqueador procurava
pagar-lhe pelo boi o menor preço, a charqueada, face os dados apre
sentados, ainda era a forma prioritária de aproveitamento do boi. Face à
debilidade da acumulação local, a atividade charqueadora era a única
forma nacional de industrialização da carne.
Logo, neste final da década de 20, há, ao que parece, um certo res
surgimento, reerguimento da indústria nacional de charque, uma con
centração de esforços e adoção de medidas que resguardem esta
atividade pecuária. Isto não invalida, contudo, que, ao mesmo tempo
em que isto se dê, ressurja a idéia de montar no Estado a indústria do
frio com capitais locais, dirigindo-se agora não mais ao mercado inter
nacional, saturado pela proliferação de frigoríficos em escala mundial,
mas para o mercado interno brasileiro.
Referia a comissão que deveria opinarsobre a indústria pecuária:

Quanto à última conclusão, qual seja a propugnação para a formação de um frigorífi


co genuinamente nacional, tem a comissão a maior satisfação em recomendá-la não so
mente à operosa classe dos criadores e invernadores que tem interesse direto e imediato
na sua fundação, como também a todos aqueles, capitalistas, industrialistas, comer
ciantes, etc."1^96

o Segundo Congresso de Criadores encerrou-se a 30 de maio de


1928, com uma exortação ao cooperativismo como forma de obter a so
lução dos problemas, através da união dos criadores, com o auxílio dos
Governos.

Colocados os problemas e indicadas as soluções, desenvolveu-se,


a partir daí, a ação da FARSUL, do Governo do Estado e da bancadc
gaúcha no Congresso.
Pelo Decreto n? 4.079, de 22 de junho de 1928, o Governo do Esta
do criou o Banco do Rio Grande do Sul, instalado a 12 de setembro. Ní
sua operacionalização, contou Getúlio Vargas com a colaboração de

196|bidenn.

267
Firmino Paim Filho, secretário da Fazenda. A iniciativa de Vargas rece
beu o aplauso da FARSUL.
A nova instituição contou com fundos estatais na proporção
de 2/3 do capital inicial .Criada justamente para conceder crédito a juro
baixo e prazo longo aos interesses agrários e pastoris, durante o decor
rer do seu primeiro ano de vida, o banco concedeu mais da metade do
total dos seus empréstimos aos charqueadores •
Falando sobre as atividades do banco, Joaquim Luís Osório diria,
por ocasião do IV Congresso Rural, em 1930:

No auxílio à pecuária em geral na safra de 1929, o Banco emprestou, aproximada


mente, 80 mil contos de réis, sendo que dessa soma cerca de 50 mil contos foram desti
nados ao financiamento direto do charque e 17.577 contos a empréstimos hipotecários
rurais a longo prazo.''98

Para a fundação do banco, Getúlio Vargas contou com os recursos


obtidos do empréstimo externo contraído pelo Estado dos banqueiros
White, Weld& Cia., de New York. O empréstimo foi no montante de 42
milhões de dólares e, entre outros fins, se destinava ao pagamento da
subscrição do Governo para o capital inicial do banco de crédito rural
do Estado^®®-
Nas palavras de Vargas, o banco não se limitaria ás operações hi
potecárias e de penhor para a atividade pecuária. O Banco teria o
caráter de defender toda a produção do Estado, segundo as suas ne
cessidades.
Aplaudindo a iniciativa do presidente do Estado, a imprensa do Rio
comentava:

Com a orientação que adotou, de Incentivar as forças produtoras do Estado, ao mes


mo tempo que cria uma política de tolerância, uma lei indispensável à expansão eà rique
za do Estado, o sr. Getúlio Vargas, cumprindo as promessas formuladas em seu progra
ma de governo, torna a sua administração benéfica a todos os seus conterrâneos, e digna
de ser imitada pelos dirigentes das outras unidades.200

FEDERACAO. Porto Alegre, '"oui I929.


'98foi rnstalado. onterTr, na Bibholeca Prjblica, oIV Congresso Rural, Correio do Povo. Porlo Alegre 25 maio
1930. p 9
'99cONTRATo de empréstimo externo em dólares, i928 Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul.
200o CRÉDITO rufal no Rio Grande Correio do Povo Porto Alegre, 14 jul. 1928. p. 1

268
Para complementar tais medidas de auxílio à produção, o Governo
do Estado criou a Diretoria da Agricultura, indústria e Comércio,
mediante o Decreto n? 2.299, de 15 de abril de 1929. A nova instituição
apresentava-se como um órgão incrementador da lavoura, da indústria
animai e da economia rural, através dos inúmeros serviços, secções e
institutos que lhe eram afetos
Solucionado, assim, o problema do crédito e incentivada a produ
ção, restava aquela questão que gerava as maiores polêmicas: a do
contrabando do charque. A bancada gaúcha no Congresso, solidarizan-
do-se com Getúlio Vargas na repressão do comércio iiicito, pugnava
pela aprovação da lei da desnacionalização. Tanto a bancada
situacionista, sob a liderança de Flores da Cunha, quanto a bancada
oposicionista, sob a direção de Assis Brasil, se congregavam para fazer
valer no Congresso e junto ao Executivo Central as medidas que o Rio
Grande considerava efetivas na repressão ao contrabando. Não se tra
tando de problema político, havia a união na defesa dos interesses
econômicos da classe.
A proposta do Rio Grande do Sul era que o charque procedente
deste Estado e do Mato Grosso não transitasse pelas repúblicas plati
nas para atingir o mercado nacional. Se assim o fizesse, seria desna-
cionalizado, ou seja, teria de pagar impostos de importação como se
fosse estrangeiro para dar entrada no território nacional.
Tentava, desta forma, o Rio Grande impedir o tráfico das guias fal
sas. A bancada do Mato Grosso, contudo, não concordou com a pro
posta dos gaúchos, uma vez que era afetado diretamente, com o escoa
mento da sua produção pelos navios que faziam a rota Corumbá-Monte-
vidéu.
Enquanto a bancada gaúcha pleiteava uma providência de ordem
geral, a bancada mato-grossensse opunha-se a que a medida atingisse
o seu Estado, argumentando que a sua produção ficaria dificultada
quanto ao escoamento.
A contra-argumentação apresentada pelo Rio Grande do Sul dizia
que a Estrada dePerro Noroeste poderia dar vazão a toda a produção de
charque do Mato Grosso.
Cada bancada insistia na sua posição, mostrando-se irredutível e
abandonando a Idéia de acordo.
Frente a esta contenda, o Governo federal oscilava em termos de
conceder a sua preferência a este ou àquele Estado 202.

20'ANAIS do IV Congresso Rural Porio Alegre, Tipograira Thurmann, '930, p. '4 5,


202para leitura sobre o debale no Congresso em lorno dadesnacionalização docharque, veja se os artigos publi
cados no Correio do Povo e A Federação, nos meses de lunho a setembro de 1928

269
Considerava-se, por um lado, que as ligações de Washington Luís
com Getúlio Vargas faria pender os favores do centro para os gaúchos.
Getúlio fora seu ministro da Fazenda e, como tal, participara do progra
ma de estabilidade financeira levado a efeito pelo presidente da
República. Por outro lado, as manobras realizadas no Catete pelo líder
mato-grossensse Aníbal Toledo faziam com que a situação se invertes
se. Em síntese, a luta pela questão econômica do contrabando conver-
tia-se numa questão de preferências do poder central, e, em última
análise, em articulações de poder.

Comentava a imprensa:

Seo Rio GrandedoSui perder, como tudo Indica, esta partida, pode ficar certo de que
ficará totalmente desmoralizado, tendo ainda por contrapeso sobre o pescoço, a carga
do Catete. Se assim for, queremos ver se o sr. Getúlio Vargas continuará a cultivar o seu
"beguim" pelo cavaignac presidencial.203

A situação não se apresentava muito promissora para o Rio Grande


do Sul. Perdera a partida no caso da indenização devida pela revolução
de 1923, sob a alegação do Governo federal de que findara a guerra.
Também não obteve o Estado sulino o cumprimento da promessa feita
pelo Governo central de aparelhar e construir ramais nas ferrovias
federais no Rio Grande.
Um proposta de acerto surgiu com um substitutivo apresentado,
que tinha pretensões conciliatórias. O projeto revogava a lei vigente de
trânsito para o charque, obrigando que o mesmo fosse transportado só
em navios nacionais e fazendo o charque perder sua qualidade de brasi
leiro sempre que desembarcasse em território estrangeiro. Da mesma
forma, as guias expedidas pelas charqueadas de Mato Grosso deveriam
conter a especificação da quantidade e qualidade do produto transpor
tado (patos, mantas), o que impediria a sua substituição em Montevi-
déu.^°^

O Rio Grande do Sul negou-se a aceitar o transporte do charque


mato-grossense em navios do LIoyd, alegando que o contrabando

203o CONTRABANDO de charque. Correto do Povo. Porto Alegre, 21 jui. 1928. p. 12.
204a questão do contrabando de charque. Correio do Povo. Porto Alegre, 27 jul. 1928. p. 1.

270
continuaria. Reiniciou as negociações com o governo central e a solu
ção dada ao caso, que sobreveio em setembro de 1928, lhe foi total
mente favorável, graças à atuação de Getúlio Vargas e de João Neves da
Fontoura, líder da maioria no Congresso, nas suas gestões junto a
Washington Luís.
O Presidente da República optou, finalmente, pela desnacionaliza
ção. Entretanto, para que o Estado do Mato Grosso não fosse
prejudicado, o Congresso autorizou o Poder Central a instalar uma linha
de navegação entre Corumbá e Porto Esperança, que era o ponto terminal
da Estrada de Ferro Noroeste. Além disso, providências seriam tomadas
para que se abaixassem as tarifas ferroviárias da Estrada de Ferro
Noroeste e Central do Brasil 2°®.
A solução, no caso, agradou integralmente ao Rio Grande do Sul e
não ao Mato Grosso, porque, enquanto a decretação de desnacionaliza
ção resolvia o problema dos gaúchos, para o Mato Grosso a solução de
pendia ainda de providências a serem tomadas. Aliás, comentavam os
jornais, a quantia destinada para o estabelecimento da projetada linha
de navegação era insuficiente atê para comprar um navio fluvial^®®
Nesta opção do Governo Central pela satisfaç.ão dos interesses do Rio
Grande, contaram não apenas as habilidades pessoais de Vargas ou
João Neves, mas o peso político do estado sulino como grande eleitor
nas gestões presidenciais que se aproximavam. No dizer de Love,
Washinton Luis procurava contar com o apoio do Rio Grande do Sul e se
dispunha, inclusive a pensar na possibilidade de um candidato
gaúcho, se Minas Gerais vetasse o nome de Júiio Prestes^®'
Complementando a conjugação de esforços entre a FARSUL e o
Governo do Estado para atender os interesses da pecuária rio-granden-
se, foi convocado, para julho de 1928, um Congresso de Charqueado-
res, a fim de que se oficializasse a formação de um sindicato de produ
tores, que regularizasse e centralizasse a exportação do produto, no
momento em que este se via afetado pelo problema de superprodução
e pela concorrência nacional.
Permanecia, portanto, a instabilidade da economia rio-grandense:
os frigoríficos com grandes oscilações na produção e no abate e as
charqueadas com as flutuações de preço.

205/\ queSTAO do charoue Correio do Povo. Porio Alegie, '6 sei '928 p 24
206o CONTRABANDO dochargue Correio do Povo. Porio Alegre. 25 sei '928 p '
202lovE, op, cit., noia 9', p 243

271
Considerando que a questão dos frigoríficos, que exportavam para
o mercado internacional e eram empresas estrangeiras, não estava na
alçada de resolução dos rio-grandenses, voltavam-se os pecuaristas
gaúchos para aquela forma de industrialização que ficara em mãos na
cionais. Era do interesse tanto de charqueadores como de criadores que
o charque fosse bem colocado no mercado, pois, como já foi dito, do
seu sucesso dependia a atividade econômica de ambos.
O problema da colocação do produto, aliás, encontrava obstáculos
já com as casas exportadoras gaúchas:

Os exportadores rio-grandenses, em regra, não adquirem toda a produção das nos


sas charqueadas. Limitam-se, quando muito, a comprar partidas parceladas, de um ou
mais estabelecimentos saladeiris, exportando ou retendo-as, conforme as injunções da
especulação do momento. Em conseqüência disso, não è raro averiguar-se que os char
queadores, em falta de procura nos mercados estaduais, resolvem-se, impelidos pela
iminência de sérios prejuízos, a exportarem de conta própria as sobras da produção. De
sorte que jamais se reúnem apreciáveis partidas do artigo, dividido o volume da safra
entre muitos exportadores que não consultam previamente as possibilidades e as exi
gências do mercado de consumo, abarrotando-o.208

Um dos objetivos da sindicalização era justamente eliminar a figu


ra do intermediário, exportando os próprios produtores os seus artigos
e tentando equacionar a oferta á procura.

A respeito do problema, Getúlio Vargas desenvolveu, na sua


mensagem de 1928, a sua teoria associativa da defesa da produção:

A complexidade crescente da vida social, a sensibilidade dos fatores econômicos,


pela continua repercussão de uns sobre os outros, a massa dos capitais empregados,
quase não permitem que os grandes empreendimentos sejam realizados pelo só esfor
ço individual. Dai a necessidade da forma associativa que tomam estas empresas, e da
tendência generalizada do reagrupamento social organizado pela categoria de classe,
conforme a profissão ou a atividade econômica de cada um, para que melhor se
compreendam e orientem os fenômenos coletivos. O desenvolvimento associativo é
uma das causas mais importantes do progresso econômico. Geralmente os vínculos de
coesão imperam com mais intensidade nas associações profissionais. A própria finali
dade dos seus objetivos leva essas sociedades a assim se integrarem, para suprir as li
mitações de suas possibilidades pessoais. Ao Estado cabe estimular o surgimento

208siNDICATO do otuirguo Correto do Povo Poííu Aloyfo, h iul 1028 p 3

212
dessa mentalidade associativa, valorizà-la com a sua autoridade, corrigindo-lhe as in
suficiências, exercendo sobre ela um certo "controle" para lhe evitar os excessos. A
mais eficiente dessas organizações è a que assume a forma dos sindicatos. Organiza
dos para a defesa de intereses comuns, têm uma dupla vantagem: para os associados,
a união torna-os mais fortes; para os Governos, o trato direto com os dirigentes da
classe facilita, pelo entendimento com poucos, a satisfação do interesse de muitos.
Não há que recear o encarecimento da produção em prejuízo do consumidor, pois não è
esse o fim dos sindicatos. Eles não se constituem somente para a satisfação de inte
resse individuais; têm, pelo contrário, uma finalidade eminentemente social. E esta è a
de organizar a defesa da economia nacional contra a desvalorização provocada pelos
açambarcadores, em proveito próprio c não do consumidor.
A formação dos sindicatos e a ação dos Governos se completam para a realização
dos seguintes fins:
1? estandartização dos produtos, criando tipos selecionados de modo a acreditá-
los nos mercados consumidores;
2?) condicionar a produção às necessidades do consumo, evitando o excesso com
a produção de gêneros de má qualidade;
3?) regularizar a exportação, evitando a acumulação de grandes estoques nos
mercados de consumo, que reagem pelo excesso de oferta, produzindo o brusco dese
quilíbrio dos preços.209

A 26 de julho de 1928, instalava-se o Congresso dos Charqueado-


res, patrocinado pela FARSUL e com o apoio do Governo do Estado. No
seu discurso oficial de abertura dos trabalhos, Getúlio Vargas afirmou
tudo aquilo que, mais tarde, desenvolveria na sua mensagem presiden
cial do ano. Basicamente, exortou ao cooperativismo e sindicalizaçào
como únicas formas possíveis de realizar os intentos das classes pro
dutoras. Lembrou o exemplo da valorização do café, em São Paulo, o
movimento cooperativista em torno do açúcar, em Pernambuco, e o
exemplo gaúcho do Sindicato Arrozeiro. Se até agora o charque não ti
nha conseguido solucionar os seus problemas, è porque lhe carecia o
sentido do cooperativismo.

È preciso pois que vós, charqueadores, unidos e associados com os criadores, en


careis bem este problema, porque esta reunião não tem por fim prejudicar a indústria
pastoril e sim valorizá-la, pois de outro modo não teria o apoio do Governo do Esta-
do.210

Este ponto abordado por Vargas, allâs, foi uma das Idéias sobre a
égide das quais se convocou o congresso a fim de organizar o órgão de
classe dos charqueadores: o sindicato seria criado para defender a

209MtNSAGbM presicii^fK uíl (le -928 p 8 9


2^0cONGRLSSü de ctuírciLieadores Correio do Povo Puttu Alegie, 21 iul '928 p

273
indústria pecuária gaúcha e, como tal, deveria harmonizar o interesse
dos dois segmentos de ciasse dominante no Estado interessados no
problema.
Na primèira sessão ordinária dos trabalhos do congresso, surgi
ram três propostas ou projetos para formação de uma sociedade coope
rativa de charqueadores: as de Marcial Terra, João de Souza Mascare-
nhas e Hermaho Barcellos.
Marcial Terra, criador e charqueador da região serrana, propunha a
criação de uma cooperativa saladeiril, á qual caberia a criação de um
frigorífico, que, além das naturais vantagens que traria à pecuária em
termos de progresso, viria complementar a cooperativa saladeiril.
A criação do frigorífico, de modestas proporções, necessitaria da
ajuda financeira do Estado e se destinaria a produzir artigos frigorifica-
dos para o Rio Grande e outros Estados.
A empresa teria o fim de aproveitar ao máximo o rendimento do boi
e, para tanto, poderiam ser justapostos aos frigoríficos, curtumes, fá
bricas de adubos e de artefatos de osso e chifre.
Quanto á localização do frigorífico, que deveria atender ás necessi
dades de obtr:.4.1c fácil de matéria-prima e facilidade de escoamento
da produção. Marcial Terra propunha Cachoeira, A escolha deu-se pelo
fato da sua fácil ligação com a capital e com Rio Grande, bem como por
já possuir rebanho próprio, além de já ter fácil acesso às tropas da cam
panha e da serra^^^.
A proposta de Marcial Terra, portanto, centralizava na transforma
ção do modo de produção de maneira mais profunda: implicava na ins
talação de um frigorífico, na adoção de nova tecnologia e novos méto
dos, no aproveitamento integral da matéria-prima, na obtenção de no
vos produtos e na colocação destes no mercado interno brasileiro. Lo
go, era mais uma proposta de fundação de um frigorífico do que pro
priamente tratava da arregimentação dos charqueadores.

A proposta de João Mascarenhas era de constituição de um?


Sociedade Cooperativa dos Charqueadores, com sede em Pelotas, sot
a forma de sociedade anônima, por ações.
Entre outros fins, a sociedade deveria solucionar os problemas quí
afetavam o charque, fazendo compras e regulando as matanças d(
gado, vendendo a produção e procurando o melhor aproveitamentc
industrial do boi, diminuindo o custo de produção no beneficiamentc
do gado, promovendo a diminuição dos fretes e impostos

2^ IpiMENTEL. op cn . tK)id 6, P 284 b

274
regularizando a exportação para evitar abarrotamento dos rnercados e
criando um esquema classificatório do charque conforme a gordura•
A realidade a que se referiá a proposta de Mascarenhas era a da
empresa da charqueada e, dependendo da maneira como fosse posta
em prática, poderia ou não atender aos interesses dos criadores.
Hermano Barcellos, comerciante estabelecido no Rio de Janeiro e
de cujo telegrama a Getúlio Vargas, por ocasião do Segundo Congresso
de Criadores, resultará, ao que parece, a Idéia de um sindicato do
charque, propunha a formação de uma cooperativa do charque. A
cooperativa deveria estabilizar preços de compra e venda, matar
somente gado gordo, limitar a matança e distribui-la proporcionalmen
te entre os charqueadores, bem como colocar no mercado do Rio de
Janeiro, Bahia e Pernambuco somente o estoque passível de ser
consumido. Entre outros pontos, a proposta também recomendava a
frigorificação para suprir os mercados nacionais^'^ •
A proposta de Hermano Barcellos revela, por um lado, a visão de
alguém acostumado a tratar com o mercado consumidor; por outro, sua
proposta de manter somente o estoque necessário no mercado lembra
muito o mecanismo da valorização do café, ievada a efeito por São
Paulo.

Lidas as três propostas por uma comissão designada para este


fim, a referida comissão decidiu aproveitar os elementos que elas
forneciam e formular uma proposta definitiva ao congresso.
Tendo sido a mesma aprovada por unanimidade, ficou assentada a
formação do Sindicato dos Charqueadores, organização que teria a sua
sede em Pelotas e a duração de 15 anos.
Constituído a 30 de julho de 1928 e oficializado pelo Decreto n°
4.128, de 27 de agosto de 1928, foram elaborados os seus estatutos,
que colocavam ter a Instituição o fim de congregar os charqueadores
para, em ação conjunta, promover a defesa dos interesses recíprocos
dos criadores e charqueadores. Este ponto, aliás, voltou á baila
novamente: não deveria, a partir de agora, haver mais pontos de atrito
entre as duas frações de classe, uma vez que os Interesses de ambas
seriam defendidos. Por outro lado, as duas atividades ligavam-se aos
destinos de uma mesma indústria, a da carne.

2'2ibiclem, p. 283-4.

2'3n„cjem, p 285

275
o Sindicato dos Charqueadores se propunha a defender a indústria
pastoril pela normalização dos negócios do charque; realizar o
aproveitamento e aperfeiçoamento de todos os produtos e subprodutos
bovinos; auxiliar o melhoramento dos rebanhos pela industrialização
da carne; criar e manter um serviço de estatística de produção e
consumo nos mercados nacionais e estrangeiros; criar tipos de
classificação do charque, promovendo a estandartização e a
estabilização dos preços de compra e venda, conforme a produção e o
consumo; etc.^^^
Algumas considerações se impõem: o sindicato, com as
atividades que se propunha a realizar, realmente eliminava a figura do
intermediário nos seus negócios. Quanto à estandartização dos
produtos, o Sindicato dos Charqueadores seguia o mesmo processo
adotado na constituição do Sindicato Arrozeiro.
Pela leitura dos estatutos, conclui-se que o sindicato manter-se-ia
pela contribuição dos seus sócios, correspondendo a jóia de um conto
de réis e a contribuição de quinhentos réis por cabeça de gado abatida,
pagamento este mensal.
No encerramento do congresso, Ataliba Paz, delegado da
Associação Agricola Pastorii de Júlio de Castilhos, após louvar a
criação do sindicato, alertou para uma perspectiva que poderia
apresentar-se no futuro, quando nem mesmo o sindicato poderia saivar
a indústria do charque. Caber-lhe-ia, então, realizar a tarefa
progressista de apressar a evolução da indústria saladeira para a de
congelação.
Retornava-se aqui, novamente, à idéia proposta por Marcial Terra,
no Congresso dos Charqueadores, de que era preciso que se criasse
um frigorífico no Estado. Ao que parece, o ressurgimento da idéia da
montagem dos frigoríficos estava sendo difundida pelos pecuaristas
serranos.

A proposta da criação de um frigorífico nacional incrementava-se


na medida em que chegavam noticias do Rio de Janeiro de que lá se
consumia carne congelada do Rio Grande do Sul. O consumo das
mesmas não se fazia em maior escala, diziam os jornais, porque c
imposto de importação era muito alto. No sentido de conseguir a sue
diminuição, empenhavam-se, junto ao prefeito do Rio, o líder ds

2I4SINDICATO DOS CHAROUtADORES DO RIO GRANDE DO SUL Esiawtos Peloias, ,i Universal, 1928

276
bancada gaúcha, João Neves da Fontoura, e Hermano Barcellos.
presidente da Sociedade de Defesa da Produção Rio-Grandense 215

Era uma perspectiva nova que se abria, de momento, para os


frigoríficos estrangeiros, mas que podia se transferir em lucro para os
gaúchos, se novamente para este setor se dirigissem, agora com a
a garantia do mercado interno. No comércio exterior, as carnes
brasileiras frigorificadas seguiam um ritmo regular de exportação, uma
vez que mercados consumidores se fechavam, como a França,
enquanto que outros, como a Inglaterra, oscilavam entre proibições e
aceitação das carnes congeladas nacionais. Outras nações menos
exigentes, como a Itália, cediam ante a pressão da embaixada
brasileira^• Tais perspectivas de frigorificação da carne eram,
contudo, deixadas no plano da advertência, das proposições e dos
debates.

Em termos práticos, resultou desse congresso a formação do


sindicato. Uma vez posto em funcionamento, ou seja, restringindo a
oferta para o mercado nacional, conseguiu o Sindicato dos
Charqueadores uma elevação no preço do produto, o que resultou em
maior valor da exportação, como se pode ver pelos dados abaixo^^^-

Valor Preço
Anos em mil réis porquilo
1927 61.411 73.530:323$000 15200
1928 53.836 97.220:900$000 15800
1929 45.879 104.713:680$000 25300

A mensagem presidencial de 1929 registrava, como digno de nota,


o fato de se ter conseguido um novo mercado para o charque, através
das remessas diretas para Cuba?^® A fim de facilitar a exportação do

^'^0 CONSUMO cie carnescongeladas Correio do Povo. Porlo Alegre, '6 sei '928 p 24
2'6coMERCIO de carnes Correio do Povo. Porto Alegre, 23 nov '928, p 3,
217silvA. Austriclínio 8 GUERRA, Aldrovando Exportação de charque no Rio Grande do Sul. Porio Alegre,
Secretaria de Administração/Depariarnento Estadual de Esialisiica, ''959 p 9
218mENSAGEM presidencial de 1929

277
produto, o presidente do Estado, através da Lei n° 487, de 3 de
dezembro de 1929, ad referendum da Assembléia Legislativa, isentou
das taxas de 1.5% de exportação e 1% de expediente o charque
exportado para fora do pais.^^^
Além,disso, mediante autorização do ministério da Viação,_o
Governo do Estado conseguiu abatimento de 50% nos fretes da Viação
Férrea, para 4.700.000 kg de charque.220
Face, portanto, ao apoio do Governo ao sindicato e às manobras
comerciais deste último, pôde-se obter a valorização do produto para o
ano de 1929.

Através das estatísticas de exportação de charque organizadas


pelo sindicato, pode-se apreciar, numa relação de 41 exportadores,
para os anos de 1928 e 1929, a posição do Sindicato dos Charqueadores
como exportador isolado e que surge, em 1929, já em segundo lugar,
assumindo o primeiro em 1930.

Outra nota digna de menção é a posição ocupada entre os


exportadores pelos frigoríficos estrangeiros: a Swift do Brasil
aparece em terceiro lugar em 1929 e em 1930, por exemplo.221
Esta situação, dada tal como está, configura uma perspectiva de
progresso para a pecuária gaúcha, estabilidade do charque e, portanto,
arrefecimento dos pontos de atrito entre criadores e charqueadores.

Todavia, logo se fariam sentir os fatores de choque e divergência,


que se centralizam na data de matança e no preço imposto pelo
sindicato aos criadores na compra de gado.
Segundo a visão dos criadores, o charqueador, alegando que as
matanças poderiam avolumar os estoques, deixou de comprar o gado
no momento certo, transferindo a data do abate. Quando dispòs-se a
comprar o gado, ofereceu por ele um preço lrrisório.222.

2^9gOVERNO do estado DO RIO GRANDE DO SUL Le/s, decretos e atos. Porio Alegre. A Federação, 1929.
220(\/ienSAGEM presidencial de -929

221SINDICATO DOS XAROUEADÜRES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Estatística de exportação do


charque peios portos do Rio Grande e Pelotas, por exportador. '926 a '945
222/^ , ( h.irdiu- Ce f Pf-V! > ) Aií-t- . rTi.ir '929 p

278
As articulações do Sindicato dos Charqueadores, reabrindo o nível
de conflito entre as duas frações de classe dominante no Estado,
incitaram os fazendeiros â promoção do seu terceiro congresso,
sempre sob os auspícios da FARSUL. A idéia básica em torno da qual
girariam os debates seria o cooperativismo, no sentido de que, para
este fim, se conjugassem à iniciativa dos criadores a ação da FARSUL e
a orientação do Governo do Estado.

Entrevistado a respeito da idéia do cooperativismo e da existência


de uma prática efetiva entre os ruralistas, respondeu o gen. Ptoiomeu
de Assis Brasil, criador em São Gabriel:

Não existe, efetivamente, a união desejada. A ausência de interesse, senão des


conhecimento do cooperativismo entre eies, è uma prova evidente que a união ainda
não "amadureceu" ... Uma prova frisante da faita de união dos estancieiros tivemos re;-
centemente, e muito caro ia nos saindo, na atitude passiva e muçulmana frieza assumi
da ante o formidável esforço despendido este ano peios charqueadores para forçarem a
baixados gados ... Ê preciso, porém, acentuar bem; os preços das mercadorias só bai
xam (ou sobem) na conformidade da lei da oferta e da procura. Saivo a organização de
"trusts", como o do açúcar, em foco.223

O Sindicato dos Charqueadores passara a sofrer o ataque de


alguns criadores, que definiam a empresa como um trust.
Em maio de 1929, reaiizava-se o 3" Congresso de Criadores, na
capitai do Estado. Pronunciando o discurso de abertura, Getúlio Vargas
fez um exame retrospectivo das aspirações dos criadores e do saido a
'avor na obtenção daquilo que lhes interessava. Para Vargas, as
conquistas aicançadas representavam a vitória do espirito associativo.
Dentro do seu discurso, onde enumerou todas as realizações dos
criadores e do Estado, dois pontos devem ser destacados: o de que a
administração pública fiscaiizava os sindicatos, limitando os lucros
dentro de percentagens razoáveis, e o propósito do Governo de dar
ncentivo à renovação e ao aumento de produtividade do latifúndio,
tornando a cultura intensiva e repartindo as glebas.

Neste último ponto, o Estado se investia na função de


propagandista das idéias de progresso e renovação, não só no sentido
de que com a maior produtividade se obteria maior riqueza, mas
também peia maior utilização da mão-de-obra, coibindo o problema do
desemprego e êxodo rural.

223o PRÓXIMO Congresso Rural Correio do Povo. Porio Alegre, '6 rnaio '929. p 9.

27£
No que diz respeito à ação do sindicato, tanto o Governo agia
como fiscalizador quanto enfatizava os interesses solidários entre
criadores e charqueadores. Atitude, aliás, típica do Estado como tal,
que é o de tentar conciliar interesses e promover a adaptação e não
incentivar o confiito.

Acrescentava, ainda, a prociamação do presidente do Estado:

Isto não Impede, porém, que caso os criadores desejem, possam se organizar sob
a forma de cooperativas, instalando, também, ctiarqueadas e frigoríficos. O Governo es
tará igualmente disposto a ampará-ios,na defesa dos seus legítimos interesses.224

Comparando as expectativas da Federação das Associações


Rurais e do Governo do Estado quanto ao 2° Congresso, constatava-se
que ambos tinham em mente o cooperativismo estendido realmente até
os estancieiros. No plano da formulação das idéias, contudo, enquanto
que o Governo apresentava este passo do cooperativismo como uma
etapa a mais, como aigo a acrescentar, que harmonicamente se
justaporia ao Sindicato dos Charqueadores, a FARSUL insistia na
existência de uma incompatibiiidade dos fazendeiros com o sindicato.

Expiicava Ricardo Machado, presidente da FARSUL:

É bem de convir que, por acertado que tentia sido a organização dos ctiarqueado-
res em sindicato, não devemos considerar resolvido o problema maior da pecuária.
Como sindicato, a finalidade da instituição comercial encerra-se na obtenção do maior
preço da mercadoria; a ele escapam os meios de produzir bem, e produzir bem, isto é,
bom e barato, é o problema do Rio Grande. Como sindicato, deverá vender bem (o mais
caro possível) o que será a conveniência do Rio Grande; e deverá comprar bem (o mais
barato possível) o que não é conveniência do Rio Grande. De modo que a ação do Sindi
cato junto aos mercados compradores será favorável aos sindicatos e aos fazendeiros
porém, a ação do Sindicato dentro do Rio Grande, influindo nas épocas das matanças,
na redução das safras, na baixa do preço dos gados, será ação nefasta ao Rio Grande,
porque prejudicará aos fazendeiros. Não poderá haver sempre harmonia de vista entre
os produtores de matéria-prima e os industrializadores do boi, quaisquer que eles se
jam. Os segundos, que são em pequeno número, facilmente se agremiarão, come
descortino, e têm se preocupado em defender seus interesses; os primeiros, multe
numerosos e dispersos no território do Estado, apenas se têm associado nas largas
malhas das sociedades de utilidade geral. Urge que se reúnam em cooperativas capaze
de conseguir a melhoria da produção, a boa produção, a produção por menor preço; é
esse o problema do Rio Grande.225

224 O DISCURSO du orosidenit; do tsí.Klo Correto do Povo Puno Alegre, 25 maio ^929 p 5

225o TERCEIRO Congresso Rural Correto do Povo. Poriu Alegre, 26 maio ^929 p 7

280
Dentro do mesmo espirito do cooperativismo, Joaquim Luis
Osório apresentou, durante o Congresso dos Criadores, uma tese sobre
cooperativas de estancieiros no Rio Grande do Sul, com o fim de
beneficiamento do gado e venda dos produtos.

Segundo o orador, as cooperativas deveriam ser instaladas com


matadouros modelos, nas regiões pastoris mais indicadas e ligadas
entre si por uma União, para manter a unidade de programas e fins.
Para que tais objetivos fossem alcançados, era necessário que se
contasse não só com a união dos fazendeiros, como também com o
apoio do presidente do Estado.^^e
Dentro deste movimento cooperativista dos estancieiros que se
formou no Estado no final da década de 20, destacou-se a fundação da
Cooperativa Pastoril Sui Rio-Grandense, fundada em Pelotas em 8 de
outubro de 1928, fato recordado pela FARSUL durante a realização do
3° Congresso Rural.

A cooperativa tinha por fim congregar os criadores e invernadores


para, em ação conjunta, realizarem a regularização dos negócios de
gado, bem como melhorar e defender a indústria pecuária no Rio
Grande do Sul. Dentro destes objetivos, destacava-se o de conseguir
um preço justo pelo gado e

... tomar todas as medidas de emergência necessárias ... para a industrialização


da carne, pelos métodos mais convenientes, quando as circunstâncias assim aconse
lharem.227

O exemplo da Cooperativa Pastoril Sul Rio-Grandense. de Pelotas,


apresentava-se como um movimento associativo a ser imitado.
O cooperativismo surgia no final da década motivado, por um lado,
pelo próprio acúmulo de crises que, no decorrer do século XX, vinha
enfrentando a pecuária gaúcha e, por outro lado, pela situação de
agudização dos interesses divergentes de criadores e charqueadores,
tornados mais claros com o estabelecimento do Sindicato dos
Charqueadores.

226piMENTEL, o() t it , iHita 6, 262

222|bicjem, fj 263

281
Além dos pontos de atrito já mencionados - data de matança e
abaixamento do preço do gado - outras reclamações contra a atuação
do sindicato se avolumavam.

Uma firma exportadora de Rio Grande, por exemplo, fez uma


répresentação ao secretário da Fazenda contra a forma de atuação do
Sindicato dos Charqueadores. A firma acusava os incorporadores do
sindicato — João Mascarenhas, A. Nunes e Moreira e Filfio — de
monopolizarem a exportação de carne para os mercados brasileiros,
com notório prejuízo para as demais firmas exportadoras, utilizando,
para isso, métodos condenáveis. Acusavam ainda João Mascarentias,
um dos incorporadores, por ter se tornado o maior exportador do
Estado, graças à proteção que sempre Itie fora dada pelo Governo.

Gonfrontando-se a acusação feita com os dados de exportação dc


Sindicato dos Charqueadores, vê-se que João Mascarenfias passou de
6° colocado, em 1928, para o primeiro exportador do Estado, em
1929.229

Entre os próprios charqueadores, não havia comunhão de acordo


quanto á atuação do sindicato. Um exemplo pode ser dado com a
divergência manifesta, desde o ano de 1928, entre o sindicato e os
charqueadores de Uruguaiana. Estes pronunciavam-se contra a
intervenção do sindicato na compra do boi, venda do produto, época de
matança e de embarque, opinando que a parte comercial deveria ser
livre para o charqueador. Argumentavam que a fronteira apresentava, às
vezes, o boi gordo em novembro e dezembro, e se fossem proibidos de
matá-los no cedo, o perderiam depois, se esperassem para matá-lo no
tarde, sujeita, como estava, a região a secas freqüentes.220
Dentro de uma contexto de insatisfação contra os procedimentos
do órgão de classe dos charqueadores, o Governo do Rio Grande dc
Sul, pelo Decreto n° 4.498, de 29 de março de 1930, criou o serviço de
fiscalização da exportação do charque junto ao sindicato.^^^
Justificava a sua atitude pela necessidade de reprimir a fraude contra a
qualidade do charque destinado á exportação e para melhorar a
situação deste produto no mercado. A fiscalização, contudo, não se

228a ACAO do Siodiociio dos Chcifdiio.ídofos Correio do Povo Porto Alegre, 8 juo ^929 p 7

229sifvjQiCATO DOS XAROUtADORtS, ojj t ii . noto 22'


230||\ix£R£SSES da ciyrüpecuütici Correio do Povo '"ayo -928 p 7
231 governo do estado DO RIO GRANDE DO SUL Leis, decretos e atos Porto Aiegre, A Federação, ^930

282
dirigia especificamente para a solução dos problemas apontados e
debatidos na imprensa, mas fora criada em face de autorizações
indevidamente concedidas para a exportação, isenta de impostos, de
carnes da nova safra, antes da data fixada.

Na critica à orientação do Sindicato, os criadores, através dos seus


representantes, denunciaram o curto período de um mês (abril de 1930)
em que vigorou no Rio Grande do Sul a exportação livre do charque. O
ato do governo que instituiu a liberdade de embarque do produto,
fazendo fugir das mãos do Sindicato o controle da regularização das
exportações, fora, segundo Marcial Terra, sugestão dos charqueadores
de Uruguaiana, que se haviam aproveitado da "boa fé" do governo do
Estado e do Sindicato. A medida, contudo, fora anulada a tempo com a
ação de Getúlio Vargas, que pusera fim à crise.
Jà na opinião do criador Ataiiba Paz, o Sindicato dos
Charqueadores consentira porque lhe advieram daí grandes vantagens.
Quando circulou a notícia que o Sindicato reassumiria o controle das
exportações, regularizando-as e "moralizando" os embarques, a reação
do mercado fora imediata e os preços se elevaram, nas praças do norte.
Os agentes e consignatários, "sentindo-se apoiados, tomaram atitude
de firmeza, de onde resultou a elevação das cotações para um limite
razoáveJ."233. Na opinião de Ataiiba Paz, contudo, as bruscas
oscilações haviam prejudicado os estancieiros rio-grandenses.
Tendo de um lado as maquinações dos frigoríficos estrangeiros e
do outro a atuação do Sindicato dos Charqueadores, a pecuária
gaúcha mantinha-se numa situação de desequilíbrio.

Embora o final da década assistisse a uma concentração de


esforços na organização das vendas do charque, paralelamente
ressurgia a idéia, já muito aventada na época da guerra, de que o futuro
cabia à indústria do frio.

O 4" Congresso Rural do Estado, reunido em maio de 1930, sob o


patrocínio da FARSUL, teve como conteúdo centrai promover a união
dos fazendeiros para a organização da indústria da carne no Rio
Grande, voto aprovado no 3° Congresso de Criadores.

232anAIS do IV Congresso Rural. Porto Alegre, Tipografia Thurmann, 1930, p. 338.


233|(j|(jem, p. 333.

283
Reafirma-se a convicação de que o charque não era mais monopólio do
Rio Grande do Sul e que mesmo a ação do sindicato não podia impedir
a superprodução e o abarrotamento do artigo nos mercados brasileiros.

Relatava Joaquim Luís Osório, na sua exposição ao congresso:

... quando o sindicato restringe ou mesmo suspende as entradas ou remessas de


carne, è surpreendido, por vezes, pelo concorrente, que, mais próximo dos mercados,
aproveita-se da oportunidade.234

Internamente, no Rio Grande do Sul as sobras de charque de um


ano passavam a incorpor-se às da safra do ano seguinte,
avolumando-se o estoque. Assemelhava-se, aqui, o processo à famosa
política da valorização do café, que, em última instância, não resolvera
o problema de superprodução.
Decaindo, no mercado, o preço do charque, restringia-se a
matança no Estado. Por outro lado, os frigoríficos não se mostravam
capazes de absorver todo o rebanho gaúcho. Não por falta de
capacidade de abate, mas pelas grandes oscilações das vendas de
carnes friqorificadas para o mercado exterior, como se vê pelo quadro
abaixo :

Anos Brasil Rio Grande do Sul


1927 32.604 t 6.713 t
1928 65.163 t 19.049 t
1929 79.303 t 7.821 t

Dentro do quadro das exportações da América Latina, as


exportações brasileiras ocupavam uma parte minoritária, como se pode
constatar.2^®

Anos Argentina Uruguai Brasil


1925 775.929 t 147.415 t 57.077 t
1926 739.657 t 156.688 t 6.994 t
1927 807.741 t 140.390 t 32.604 t

234poi INSTALADO, onteri), na Biblioteca Pública, o IV CongressoRural, op cit , nota 198.

235(\/)pnsaGEM presidencial de 1930. p. 42


236([3,(j0rn^ p 41

284
A questão das carnes congeladas manifestava-se muito incerta, e
poderia haver restrição do abate, como jà ocorrera anteriormente. O que
fazer, portanto, com gado sobrante nas estâncias? Concluía Joaquim
Osório, na sua exposição ao congresso, que a solução só poderia estar
na indústria do frio, voltada agora para os mercados nacionais,
cabendo ao Estado fundar matadouros modelos para charque e para a
industrialização da carne pelo frio. Caberia, ainda, ao criador gaúcho o
mérito de salvar o rebanho de ser entregue ao seu único comprador, a
empresa estrangeira, que também se utilizava da campanha
baixista^^^
Os estancieiros gaúchos tinham bem presente, neste momento, o
exemplo do Uruguai que, em 1928, criara o seu frigorífico nacional.

O Frigorífico Nacional, criado pela lei uruguaia de 6 de setembro de


1928, tinha a finalidade de abastecer de carne a capital e impedir o
monopólio do negócio pelos trusts estrangeiros. Integrado pelos
estancieiros e por representantes do Estado, o frigorífico contou, para
o seu funcionamento, com o produto de um empréstimo interno
lançado pelo Governo e cujas ações foram adquiridas pelo Estado e
pelos criadores.

Para o pagamento do juro e amortização, criou o Governo um módico imposto


sobre as compras e vendas de gado realizadas nas tabladas do pais, ou diretamente,
quer para o consumo ou exportação. Para o giro dos negócios e com a garantia subsidi
ária do Estado, o Banco da República abriu ao Frigorífico Nacional um crédito de um mi
lhão de pesos.238

O caso do Uruguai era lembrado como forma possível de ser


copiada no Rio Grande do Sul, com o auxílio do Governo, para dar
solução ao problema.

Apoiando este tipo de idéia, os criadores de TupanciretÊ


apresentaram um projeto de criação de um frigorífico no planalto
serrano, argumentando que o município possuía ótima reserva de gado,
posição central e potencial de energia hidroelétrica.

Assinada pelos representantes da região serrana — Fortunatc

237foi instalado, ontem, ti<t Bibiiolecd Publica, o IV Coiigiesso Rural, ou cil , iiold '£
238|bidem

285
Pimentel, Juvenal José Pinto e Laudelino Flores de Barcelos — a
moção de criação do frigorífico nacional argumentava:

A indústria do charque caminha para o declinio, resultado do avanço pastoril em


São Paulo, Minas, Mato Grosso e Goiás. Marchando para o declinio, a velha indústria
saladeiril contrasta com o nosso progresso pastoril, figurado nos gados de excelente
cruza que habitam várias regiões do Estado. É necessário que se ergam frigoríficos
nacionais, como remédio indispensável, como solução definitiva para combater a crise
financeira que está atingindo e cada vez mais átinqirá a classe criadora do Rio Grande dc
Sul.239

Por ocasião dos debates que se travaram em torno da


Industrialização da carne no Rio Grande do Sul e da necessidade de sua
reorganização, foi relembrado o projeto de criação de um frigorífico
nacional, de autoria de Marcial Terra, apresentado em Porto Alegre, em
julho de 1928, por ocasião da organização do Sindicato dos
Charqueadores, no congresso que os mesmos realizavam. Tal idéia fora
apresentada, após, no 2° Congresso Regionai Serrano, realizado em
Tupanciretã, de 22 a 24 de março de 1930, colocando-se apenas dúvida
quanto ao local de instalação do referido frigorífico. A proposta de
Marcial Terra mencionava Cachoeira, enquanto que a reunião dos
ruralistas serranos sugeriu Porto Alegre
Além de Marcial Terra e Fortunato Pimentel, a idéia de
reorganização da indústria da carne no Rio Grande do Sul foi objeto de
trabalhos dos ruralistas Napoleão Moura, Armando Severo, Luís Pedoni
e Vicente Lucas de Lima.

Marcial Terra opinava, entre outras coisas, que

... não se pode comparar o preço que a indústria frigorifica pode pagar com aque
le que os charqueadores podem oferecer, pois grande é a diferença de aproveitamento
da matéria-prima por aquela indústria.241

Opinavam Pedoni e irmãos, comerciantes no Rio Grande, que

... a decadência da indústria saldeiril no Rio Grande do Sul è um fato constatado,


que cumpre reerguè-la e que essa reorganização somente dar-se-à com a formação de
uma agremiação das três classes empenhadas no seu surto.242

239anAIS do IV Congresso Rural Porto Alegre, Tipografia Thurniann, ^930 p 152.

2^Q|bidem, p 316 23
^'^hbidem, p 326
2^2|bidem.

286
Referenciava o Coronel Vicente Lucas de Lima, em sua tese, a
respeito da

... necessidade de procurar na indústria frigorífica a solução definitiva do


problema das carnes no Rio Grande do Sul, mesmo pelas suas vantagens reais sobre a
velha indústria estadual. Não é que consideremos extinta a indústria do charque neste
Estado ... impõe-se a reorganização da indústria do charque entre nós, ao lado da cria
ção da indústria do frigorifico nacional, que incontestavelmenté é o futuro. Esse apare-
Ihamento, que deverá ser a "Associação Sul Rio-Grandense de Carnes", deveria ser um
organismo semi-oficial, tal como no Uruguai é a empresa que ali recentemente se fun
dou ... 243

Em síntese, reconhecia-se a existência de uma crise para a


pecuária gaúcha, derivada não só da sua economia basear-se numa
indústria obsoleta e condenada, que enfrentava em condições de
desigualdade um mercado altamente competitivo, como também do
fato do setor mais dinâmico da industrialização de carnes se achar nas
mãos estrangeiras. Dentro desta perspectiva, impunha-se não só tentar
salvar a única forma de transformação da carne que restava em mãos
nacionais, como também fazer o Rio Grande ingressar numa etapa mais
aperfeiçoada da industrialização da carne, com a criação de um
frigorifico nacional.

Reconhecia-se a existência de interesses divergentes entre os


produtores de gado e os charqueadores, podendo-se inclusive
acrescentar, neste quadro de descontentamento, um elemento novo, o
dos comerciantes exportadores. Dadas as dificuldades encontradas
para a reorganização da indústria da carne, uma das teses, a de Pedoni,
apontava como solução possível o congraçamento de todos estes
interesses lutando por uma causa comum.
Não era tão fácil, contudo, solucionar assim antagonismos que
recentemente haviam se radicalizado com as maquinações baixistas do
sindicato.
Numa critica aos charqueadores, o ruralista Ataliba Paz
comentava, durante o congresso:

Nãose compreenderia a razãode ser desses congressos, se os criadores, que aqui


se reúnem para defender os seus interesses que são os próprios interesses econômicos
do Rio Grande, cruzassem os braços, diante do descalabro que desabou sobre a indús
tria pastoril, provocado pela má orientação do Sindicato. ... Prestigiaremos o Sindica
to sempre que agir dentro das normas do verdadeiro sindicalismo, opor-nos-emos a ele
toda vez que desvirtuar, como sucede agora, as suas finalldades.244

243|b,dem, p. 327

244|bidem, p 336-7.

287
Frente a todos estes debates e moções apresentadas, foi
organizada uma comissão para irão Presidentedo Estado, afim de saber
como Vargas receberia a idéia da montagem de um plano de
reorganização da indústria da carne no Rio Grande do Sui e qual o apoio
que prestaria a uma sociedade sob o nome de "Sociedade
Sui-Rio-grandense de Carnes^^^ •
Em resposta à Comissão, Getúlio Vargas deu seu integral apoio à
criação de um frigorífico nacional, como o melhor recurso para a
situação da pecuária gaúcha. Aprovou, inclusive, a sugestão feita da
criação de uma Sociedade Sui-Rio-grandense de Carnes, estimulando
os estudos que a fundação da mesma requereria 2^®-Indo mais além, o
presidente prometeu o apoio do poder público para a salvação da
pecuária gaúcha, acrescentando que os criadores poderiam dispor do
Governo do Estado para as somas necessárias para a criação do
estabelecimento frigorífico.

Finalizando os trabalhos do congresso, a presidência da FARSUL


reafirmou seus propósitos de incentivar a formação de cooperativas e
sindicatos no Estado.

Antes, porém, que tais planos de cooperativismo e formação de um


frigorífico nacional se efetivassem, a revolução de 1930 levaria o Rio
Grande do Sul, assim como o Brasil, para novos rumos, fazendo cair
por terra a República Velha.

Este trabalho não se deterá em analisar os efeitos da crise de 1929


sobre a economia da pecuária gaúcha, nem analisará os episódios
relacionados com a Aliança Liberal e a revolução que eclodiu a 3 de
outubro. O estudo prendeu-se à realidade da Primeira República e os
efeitos da crise só se manifestariam de forma mais clara no período que
se iniciaria após 1930.
A partir da segunda metade da década de 20, agudizaram-se os
problemas que a pecuária gaúcha vinha enfrentando no decorrer do
século. Pelo acúmulo de crises, as duas frações da classe dominantí
foram amadurecendo no seu processo de conscientização dos seus
interesses e na sua forma de reação perante as depressões da
economia. No plano político, por sua vez, findo o longo governo de
Borges de Medeiros no Estado, o novo presidente, que parecia ter um

2^^lbideni, p 340
246os TRABALHÍJS do IV Cnnprfíssf) Rurdl Correio do Povo Porto Alegre, 29 tnaio 1030 p

288
projeto político mais amplo de conquista do executivo nacional,
procurou internamente, em seu Estado, promover tanto a união política
necessária, como ajudar diretamente a economia gaúcha, em especial a
pecuária. Em muito pontos, representou uma quebra da antiga rigidez
positivista que orientava os republicanos, e cuja intransigência, no
tempo de Borges, motivava as criticas e ataques da oposição.

Durante a gestão de Vargas na presidência do Estado, a classe dos


pecuaristas arregimentou-se nas associações de classe corresponden
tes a cada uma das frações — criadores e charqueadores —
promovendo congressos, debates e pondo em execução medidas de
defesa dos seus interesses econômicos. O Estado atuou tanto como o
promotor da união como o realizador de reformas.
Na medida em que se arregimentavam, reapareciam os
antagonismos existentes entre os fornecedores da matéria-prima e os
seus manipuladores.
Frente a este processo, enquanto os charqueadores atuavam
através do seu sindicato, os criadores começaram uma campanha em
prol do cooperativismo e da fundação de um frigoríco nacional que
atendesse o mercado interno brasileiro.
O frigorífico estrangeiro, que durante a época da guerra apresentara
um futuro tão promissor, mostrara-se, na década de 20, oscilante
quanto à produção, mas resistindo apesar das crises, devido à sua
sólida estrutura financeira e econômica.
Ante o não aproveitamento de todo o gado do Estado pelos
frigoríficos e a falência do charqueador de garantir o mercado nacional
para si, reassumia o criador o impulsionamento dinâmico de
transformação da pecuária gaúcha, apresentando novamente um
projeto de constituição de uma empresa frigorífica nacional.
Diante deste contexto, o Governo de Vargas buscou auxiliar a
pecuária como um todo, tentando satisfazer seus interesses
econômicos e minimizar os antagonismos entre as duas frações de
classe. O caminho estava aberto para a aproximação política entre as
duas facções partidárias em que se dividia a classe dominante locai,
propiciando a união do Rio Grande, a coalizão política nacional e a
Dhegada ao Catete, na revolução de outubro,que derrubaria a República
/elha brasileira.

289
4 — CONCLUSÕES

Cabe, neste momento, fazer uma retomada do processo analisado


durante a República Velha Gaúcha.
Tratou-se de demonstrar, ao longo da pesquisa, as vicissitudes
que afligiram a economia pecuária rio-grandense nos seus dois ramos
básicos: criação e charqueada.
Viu-se que, antes que se descortinasse o primeiro conflito
mundial, a pecuária sulina mostrava-se estagnada, sem maior avanço
de suas forças produtivas. O Rio Grande apresentava reduzida
capacidade de acumulação, precária tecnologia e baixa rentabilidade. A
crise configurava-se não somente no plano da produção — uma
pecuária extensiva e uma charqueada obsoleta, em descompasso
tecnológico com os avanços mais recentes de frigorificação da carne —
mas também no do mercado. Revelava-se, claramente, o drama gaúcho
de produzir para o mercado interno um artigo que, apesar de apresentar
um elevado custo de produção, não podia ser oferecido a um alto
preço, pois, com isto, tanto se restringia o consumo quanto induzia o
aparecimento de concorrentes.
O caráter subordinado e subsidiário da economia gaúcha fazia com
que parte do excedente econômico produzido fosse apropriado pelo
centro do país. A situação periférica do Rio Grande do Sul era
acompanhada pela incapacidade dos grupos dominantes locais de
fazerem valer seus direitos no plano nacional. Em outras palavras, o
Rio Grande se via impedido de impor uma política geral de auxílio à
pecuária, que manipulasse taxas de importação ou fizesse valer uma
orientação financeira nacional de acordo com os seus interesses.
Vivenciando esta situação depressiva no período que antecedeu a
guerra, os pecuaristas começaram a conscientizar a crise. A
consciência desta, por sua vez, proporcionou, de forma mais lúcida, a

290
consciência dos interesses econômicos específicos da classe.
Contudo, cada fração de classe em que se decompunha o grupo
dominante no Estado agiu, em termos práticos, de forma diversa.
Enquanto os criadores constituiram agremiações para defesa de
interesses comuns, realizaram congressos e buscaram a renovação da
pecuária mediante o refinamento do rebanho, os charqueadores
articularam-se em convênios, buscando elevar o preço do produto no
mercado e baixar o preço do gado localmente.
Face a esta diferença de forma de atuação, começaram a se tornar
mais ou menos ôlaros os níveis de divergência existentes entre as duas
frações em que se decompunha* a classe dominante local dos
pecuaristas.

O Estado, de inspiração positivista, imbuído de uma proposta


modernizante e impulsionadora das forças produtivas, tinha como meta
Dromover o desenvolvimento econômico global do Rio Grande. Dentro
deste contexto ideológico que previa a realização do capitalismo de
'orma global, atingindo todos os níveis setoriais, o Governo procurava
atuar como incentivador de renovações no terreno da pecuária,
auxiliando-a dentro dos limites que lhe impunha a sua matriz
arientadora comtista.
O exemplo da superioridade do Prata, manifesto tanto em termos
de rebanho quantoem beneficiamento da carne, atuava como modelo a
ser seguido, apontando o caminho promissor da frigorificação.
As tentativas de modernização da pecuária, por parte do Governo
Jstadual, tendiam a vir ao encontro das necessidades dos pecuaristas
íomo um todo, mas muitas das medidas econômicas do Estado
sofriam contestação de facção política não hegemônica da classe
lominante. Quando se tratava, porém, de dar encaminhamento a
nteresses econômicos comuns à classe, ambas as facções
sentavam-se lado a lado em congressos, para discutir os problemas
elativos à pecuária.
Com o rebentar da Primeira Guerra Mundial e a conjuntura ótima
ie mercado que se criou para os produtos pecuários, ampliando-se o
seu consumo e elevando-se o seu preço, o capitalismo internacional,
apresentado pelas companhias frigoríficas norte-americanas e
nglesas, incrementou o seu processo de penetração naquelas áreas do
jlobo produtoras de gado. Em especial, o capitalismo interessava-se
!m operar naquelas zonas onde o custo de produção fosse mais baixo,

291
tal como no Prata, zona pecuária por excelência e já campo de
operações das empresas frigorificas. O período da guerra, contudo,
determinou alterações no consumo mundial, que incidiram sobre o tipo
de produto fabricado pelos frigoríficos. Decaiu a fabricação de carnes
resfriadas, que exigia gado de superior qualidade, e incrementou-se a
fabricação de carnes congeladas e conservadas, possibilitando a
industrialização da matéria-prima de mais baixo grau de refinamento.
Dentro deste quadro, as grandes empresas frigorificas internacionais
fizeram sua entrada no Brasil.

Com o estímulo da conjuntura favorável criada pela guerra,


incrementou-se, no Estado, a idéia de renovação da estrutura produtiva
pecuária, elaborando-se o projeto de constituição de um frigorífico
nacional.

Tendo o apoio dos criadores e do Governo do Estado, para a


constituição do Frigorífico Rio Grande convergiram os interesses tanto
de uma como de outra facção política em que se dividia o Rio Grande
do Sul. A constatação ganha sentido na medida em que estavam se
realizando os interesses de classe dos criadores, proporcionando-se a
acumulação de capital através da constituição de uma empresa
tipicamente capitalista. Quanto ao Estado, com o projeto do frigorífico
nacional, via dinamizar-se a sua proposta de promover o
desenvolvimento das forças produtoras locais, realizando o progresso
econômico.
Outra consideração que merece destaque é que, nesta proposté
modernizante, os criadores apresentavam-se como o setor dinâmico,
uma vez que pretenderam a inovação tecnológica no campo produtivo,
ficando os charqueadores restritos a articulações do tipo convênio no
plano da comercialização.
Todavia, os fatores de crise presentes na pecuária e até então não
solucionados não permitiram que este setor da economia pecuária
gaúcha fosse capaz de gerar uma acumulação tal que permitisse
fundar, com recursos locais, uma empresa capitalista plenamente
configurada.
A própria demora para arrecadar capitais para integralizar a
projetada companhia frigorífica evidenciou isto. A tal ponto este
processo se deu, que foram as empresas estrangeiras as que se
aproveitaram das condições de mercado e da legislação
protecionistas do Estado, montando primeiro os seus frigoríficos nc
Rio Grande do Sul.

292
De imediato, a conjunção dos fatores favoráveis de mercado com a
campanha do frigorífico nacional e mais a ação das companhias
estrangeiras dinamizaram a pecuária no Rio Grande do Sul.
Acompanhando a época de euforia econômica, os bancos expandiram o
seu sistema crediticio, fornecendo largos empréstimos aos criadores
que passaram a investir na produção.
Os efeitos estimulantes da guerra não atuaram sobre a charqueada
tal como sobre a criação, impulsionando-a a renovar-se. O
estabelecimento saladeiril permaneceu sem maiores alterações,
beneficiando-se apenas de uma oscilação favorável, quando o produto
brasileiro conseguiu penetrar no mercado cubano.
Desfeita a conjuntura ótima da guerra, reapareceu a crise da
pecuária em toda a sua plenitude. Retraiu-se o mercado mundial,
caíram os preços e se manifestaram de forma ainda mais violenta os
problemas relativos à produção e mercado na pecuária gaúcha,
problemas estes não solucionados e existentes desde antes do
conflito.
A crise tinha, agora, uma nova dimensão, pois abarcava a criação,
a charqueada e também os frigoríficos. Aos probiemas oriundos de
uma crise econômico-financeira sem precedentes, acrescentavam-se
os antagonismos que se divisavam não mais só entre criadores e
charqueadores; o panorama das tensões na pecuária fora enriquecendo
com a figura do frigorífico estrangeiro, que atuava tanto contra o
estancieiro como contra o charqueador.
Dentro deste contexto a incapacidade de capitalização da área
gaúcha, manifesta com a venda do Frigorífico Rio Grande ao Angio, foi
um fator que agudizou ainda mais a stiuação da pecuária no
pós-guerra.
Com a falência do projeto nacional, o setor mais dinâmico da
industrialização da carne ficou totalmente entregue às empresas
estrangeiras que realizavam manobras baixistas. Em mãos
rio-grandenses, permaneciam a velha charqueada e a criação, ambas
em crise.

A classe dominante local se revelava incapaz de solucionar, por si


só, seus problemas e o Estado demonstrava não corresponder às
necessidades dos pecuaristas afetados. Manifestava-se, claramente,
que o pensamento que o Governo tinha de si próprio e de suas
responsabilidades não condizia com o pensamento dos estancieiros e
do que eles esperavam do poder instituído.

293
Comprometendo-se a responder pelos Interesses da pecuária no
Congresso Nacional, Borges de Medeiros fez com que o nãc
atendimento das expectativas dos fazv^ndeiros fosse identificado como
um fracasso seu como governante.
Da crise econômico-financeira, o Estado rio-grandense evoluiu
para a crise política.
Pela acumulação de problemas econômicos não soiucionados,
níveis de tensão social agudizados e incapacidade do Governo local de
solucionar a crise, aferrando-se aos seus princípios ideológicos,
extrapolou-se o conflito para a questão do poder. A parcela não
hegemônica da classe dominante no Estado passou a contestar o
Governo, indo á revolta armada.
A situação de dependência global da economia sulina frente à
economia central do país, sua subordinação política aos interesses do
café, a precariedade da acumulação, eram todos fatores que se
divisavam, mas não de forma total, permitindo que os pecuaristas
pudessem ter uma consciência real do problema que viviam. Na sua
revolução contra o domínio do Partido Republicano Rio-grandense, os
estancieiros per":::;-;,: que a situação econômica pudesse ser resolvida
por uma mudança nos quadros do Governo.
A breve recuperação da economia pecuária gaúcha, nos anos que
se seguiram à revolução de 1923, e o sucesso parcial do movimento
armado, com o compromisso da não reeleição de Borges de Medeiros,
fizeram com que os anos de 1924 e 1925 fossem de dinamização dos
negócios do gado no Estado.
A crise de 1926,atingindo com violência a criação, a charqueada e o
frigorífico, propiciou a rearticulação da classe dominante, através da
realização de congressos, promoção de debates e congraçamento em
órgãos de classe.
Neste momento, cada fração de classe arregimentou-se em
assembléias específicas, onde debateu seus problemas particulares.
Renovou-se, novamente, o choque de interesses entre as duas frações
de classe, enquanto que se obscureceu o nível de oposição entre as
duas facções políticas.
A oposição aos frigoríficos, embora sentida, foi um tanto
arrefecida pela dura constatação de que, contra as poderosas empresas
estrangeiras, nada podiam fazer os pecuaristas nacionais.
Otom predominante do período que se abriu apôs a crise de 1926foi,
contudo, o grande esforço pelo reerguimento da pecuária, fazendo
ressurgir com vigor o espírito associativo.

294
Emergindo de crises sucessivas, não tinha, contudo, a pecuária
gaúcha condições de agir senão através de forma reivindicatória,
solicitando providências do poder público federai e estadual.
O que se pode distinguir como nota fundamental neste processo
que se desenvolveu em crises sucessivas durante estas três primeiras
décadas do século XX, é que a pecuária gaúcha reveiou-se, ao longo de
todo o período, incapaz de realizar, por si mesma, ou mesmo com o
apoio do Estado, a sua transformação completa dentro dos moldes de
um capitalismo plenamente desenvolvido. Incapaz de gerar uma
capitalização que permitisse solucionar seus problemas e renovar a
estrutura produtora, bem como impossibilitada de fazer valer seus
direitos de forma completa perante o poder centrai, a pecuária
desenvoiveu-se numa situação critica que se avolumou cada vez mais.
Reformas foram feitas sem que, contudo,o Rio Grande do Sul vencesse
suas barreiras ou conseguisse ultrapassar os limites impostos pela
sua situação subordinada e descapitalizada.
Vinculada a uma pecuária assim carente de capitais e
atormentada por crises praticamente ininterruptas, com leves
oscilações conjunturais favoráveis, a classe dominante dos pecuaristas
Foi tomando consciência de seus interesses e procurando lutar por
3les. Contudo, a sua própria fraqueza a impedia de uma ação
verdadeiramente renovadora, capaz de dar solução definitiva a seus
problemas. Sua perspectiva seria assim, até o finai, orientada para um
Estado paternalista e providenciai. Ao passo que a crise econômica foi
possibilitando o surgimento da consciência de ciasse, as duas frações
em que se dividia a classe dominante foram tornando claras as suas
divergências. Todavia, no final do período, apesar do antagonismo que
mantinha com o charqueador, o criador doi obrigado, perante as
manobras dos frigoríficos estrangeiros, a defender os interesses do
charque junto aos poderes públicos, uma vez que esta era a única forma
de industrialização da carne que se mantivera em mãos nacionais.
A proposta dinâmica de renovação da estrutura produtora,
mediante a instalação de um frigorífico, permaneceu liderada por
criadores ou por aqueles que com eles se identificassem. Os donos
das charqueadas ficaram na defesa de sua produção típica e
articulando-se em nível de mercado, para controle do preço do artigo.
No finai da década de 20, ressurgiria no Estado, agora sob o
Governo de Vargas, a idéia da criação de um frigorífico nacional,
voltado para o mercado interno brasileiro, uma vez que o internacional

ZSE
se achava monopolizado e saturado pela produção das empresas
estrangeiras. Tal projeto, contudo, não chegou a realizar-se dentro dos
quadros da República Velha.
Ao encerrar-se a Primeira República, o Estado gaúcho apresentava
nova configuração. O Governo de Getúlio Vargas caracterizou-se pela
preocupação em promover a sindicalização e o cooperativismo sob o
patrocínio do Estado, estendendo a mão à pecuária gaúcha mesmo que
Isso representasse um recuo da herança positivista do PRR. O
ressurgimento da FARSUL, a constituição do Sindicato dos
Charqueadores e a fundação do Banco do Rio Grande do Sul foram
alguns marcos deste processo.
Na medida êm que satisfazia os interesses econômicos da classe
dominante no estado e tentava minimizar as divergências existentes
entre as duas frações em que ela de decompunha, Vargas preparava o
caminho para a união pclitíca que pretendia realizar.
Aliás, no decorrer das relações que se traçaram entre a classe dos
pecuaristas e o Governo durante a República Velha, constatou-se que,
toda vez em qiw — '.ratou de defender os seus interesses de classe,
obscureceu-se a divisão política existente. Tanto na época de Borges
como na de Getúlio, sentaram-se lado a lado, em congressos ou
agremiações de classe, com o apoio do Governo, elementos da
situação e da oposição no Estado, reunidos para a defesa dos
interesses corhuns da classe a que pertenciam. Em especial, Vargas,
ao procurar defender a pecuária e solucionar a questão econômica
básica do Estado, obteve, assim, um ambiente propicio de apoio ao
Governo, que permitiu a união das facções políticas rio-grandenses.
Espera-se, com esta pesquisa, ter demonstrado as hipóteses
iniciais do trabalho e, ao mesmo tempo, contribuído para analisar
alguns dos problemas básicos vivenciados pelo Rio Grande do Sul na
época da República Velha.

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presidente Dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros. Porto Alegre, A Federação,
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MENSAGEM à Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul, pelo
presidente Carlos Barbosa Gonçalves. Porto Alegre, A Federação, 1908, 1909,
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MENSAGEM à Assembléia de Representantes do Estado do RioGrande do Sul, pelo vi
ce-presidente em exercício Gen. Salvador Ayres Pinheiro Machado. Porto Alegre,
A Federação, 1915, 1916.
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• Relatórios

RELATÓRIO da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, apresentado pelo Diretor, Enge
nheiro Augusto Pestana, ao Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas.
Porto Alegre, 1921, 1922, 1924.
RELATÓRIO da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, apresentado pelo Diretor, Enge
nheiro Octacilio Pereira, ao Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas.
Porto Alegre, 1926.
RELATÓRIO do Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, Álvaro Batista, ao pre
sidente do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, A Federação, 1909.
RELATÓRIO do Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, Dr. Antônio Marinho
Loureiro Chaves, ao presidente do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, A
Federação, 1927.
RELATÓRIO do Diretor da Repartição de Estatística, Júlio Vasques, ao Secretário de
Estado dos Negócios do Interior e Exterior. Porto Alegre, 1912, 1913, 1914.
RELATÓRIO do Diretor da Repartição de Estatística, Nathaniel Cunha, ao Secretário de
Estado dos Negócios do Interior e Exterior. Porto Alegre, 1915, 1916, 1917, 1918.
RELATÓRIO do Diretor da Repartição de Estatística, Artur Candal, ao Secretário de
Estado dos Negócios do Interior e Exterior. Porto Alegre, 1919, 1921.

Decretos — Leis

GOVERNO DO ESTADO do Rio Grande do Sul. Leis, decretos e atos. Porto Alegre, A
Federação, 1912,1914,1915,1916, 1917, 1918, 1919, 1921, 1924, 1926, 1928, 1929,
1930.

• Revistas

A ESTÂNCIA, Porto Alegre, 1913 a 1926.


EGATEA (Revista da Escola de engenharia de Porto Alegre), Porto Alegre, 1915.
O PROGRESSO, Porto Alegre, 1915 a 1916.
REVISTA do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre(8), dez
1922.
REVISTA BRASILIENSE, São Paulo (18-19-20), 1958.
REVISTA Comercial do Brasil, Rio de Janeiro, 1922.
REVISTA do Comércio e Indústria, São Paulo, 1917 a 1920.
REVISTA do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1918 a 1924.

• Jornais

CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 1900 a 1930.


A FEDERAÇÃO, Porto Alegre, 1915, 1917, 1921, 1922, 1928, 1929.
ECHOS DO SUL, Rio Grande. 1917 a 1919.
A PLATÉIA e A FOLHA POPULAR, Santana do Livramento, Suplemento de 7 jul. 197^
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, Rio de Janeiro, Secção 1, n? 273, 25 nov. 1943, anexo '
(empréstimos externos).
• Anuários

ANUÁRIO Estatístico de Exportação (1920 a 1941), Departamento Estadual de Estatisti


ca. Porto Alegre, A Federação, 1921, 1923, 1924, 1925, 1926, 1927, 1928.
ANUÁRIO Estatístico do Estado do Rio Grande do Sul, Repartição de Estatística. Portí
Alegre, A Federação, 1921, 1923, 1924, 1925, 1926, 1927, 1928.

302
o Arquivos
a) INSTITUTO SUL RIO-GRANDENSE DE CARNES
RESENHA sobre a corporação argentina de produtores de carne. 1926.
SINDICATO DOS XARQUEADORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Estatística
de exportação do abarque pelos portos do Rio Grande e Pelotas, por exportação
1926 a 1945.
SINDICATO DOS XARQUEADORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Estatutos.
Pelotas, A Universal, 1928.
RESENHA sobre cooperativas de carnes do Rio Grande do Sul. s.d.
FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES RURAIS DO RIO GRANDE DO SUL. Estatutos. Por
to Alegre, Kannen, 1927.
POPULAÇÃO BOVINA do Rio Grande do Sui: 1910-1940. Divisão de estatística.
b) SWIFT-ARMOUR S.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO
(Santana do Livramento)
LIVRO de Atas da Assembléia Geral dos Acionistas; 1919-1943,
LIVRO de Atas da Diretoria: 1920-1943.
ESCORÇO histórico da firma desde a sua fundação (datilografado).
HISTÓRICO da firma: local, origem e data de fundação (datilografado).
DADOS de abate de bovinos de 1917 a 1974 e de ovinos de 1923 a 1974.
ATIVIDADES da Companhia no Rio Grande do Sul (mimeografado).
CORRESPONDÊNCIA entre São Paulo (Armour do Brasil, Law Departament) e Buenos
Aires, 1928.
c) ARQUIVO HISTÓRICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DIRETORIA GERAL DO TESOURO. Dados sobre produção e exportação de abarque e
carnes congeladas em 1928. Porto Alegre, 12 set. 1929 (manuscrito).
CONTRATO com The Brazilian Cold Storage and Development Company Limited. Porto
Alegre, Secretaria de Obras Públicas, 20 maio 1903.
MINSSEN, Guilherme. Memorial de conservação das carnes pelo frio. Porto Alegre,
Secretaria de Obras Públicas, 8 dez. 1914.
RAPPORT général presentèau Ministre de TAgriculture au nom de ia commission des
viandes frigorifièes par M. Maurice Quentin et par M. Alfred Massè, ancien minis
tre duCommerce.Joarna/ Officiel de Ia Republique Française. Ministère de TAgri-
cuiture. Anexe 8 juin 1915.
RELATÓRIO do Dep. Cosnier — Importation des viandes frigorifièes. Documents parle-
mentaires — Chambre. Journal Officiel de Ia Republique française. 1915.
REGISTRO Especial deTitulose Documentos. 1902. Secretariade Obras Públicas do Es
tado do Rio Grande do Sul.
REQUERIMENTO encaminhado ao Governo do Estado por Tbe Brazilian Cold Storage
and Development Company Limited. 1904. Secretaria de Obras Públicas.
• Avulsos da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul —
Contadoria e Auditoria Geral do Estado

ACORDO relativo ao empréstimo externo, de 1921, no Estado do Rio Grande do Sul.


CONTRATO de empréstimo externo em dólares. 1921.
ACORDO feito pelo Estado do Rio Grande doSul com Ladenburg, Thalmann &Cia. 13
jan. 1927.

303
CONTRAJO do empréstimo externo em dólares às municipalidades. 1927.
CONTRATO do empréstimo externo em dólares. 1928.

o Locais onde as fontes foram coletadas

Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.


Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS.
Biblioteca Pública do Estado.
Biblioteca Sul Rio-Grandense (Rio Grande).
Contadoria e Auditoria Geral do Estado.
Fundação de Economia e Estatistica.
Instituto Sul Rio-Grandense de Carnes.
Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
Swift-Armour S.A. Indústria e Comércio (Santana do Livramento).

Este livro foi composto e impresso por


ProArte para a Movimento em maio
de 1980. As últimas provas foram
revisadas pela Autora.
145/80

304
Aanálise da realidade da pe
cuária gaúcha, sobretudo de
suas fases mais recuadas, em
termos científicos, praticamente
inexistente. Os poucos estudos
existentes carecem de uma visão
global do problema. Pela rele
vância do setor agropecuário no
conjunto da economia gaúcha,
torna-se fundamental analisar as
transformações ocorridas na
economia pecuária do Estado -
criação e charqueadas - em espe
cial a mudança oriunda da ins
talação da indústria frigorífica,
durante o período da Primeira
República. É isto que Sandra Pe-
savento analisa nesta obra.
Pelo seu enfoque objetivo e
científico, pela visão global do
problemae pela profundidade de
análise, o livro de Sandra Pesa-
vento doravante constituirá refe
rência obrigatória sobre o assun
to.

EDITORA MOVIMENTO
Instituto Estadual do Livro, RS

Pela análise do setor agropecuário gaúcho, de


extrema relevância em nossa economia, especi
ficamente do período de 1890 a 1930, o livro de
Sandra Jatahy Pesavento — República velha
gaúcha: charqueadas, frigoríficos e criadores -
se constitui em estudo de vital importância para
a compreensão dos mecanismos de poder,
instituídos no Rio Grande do Sul, ainda vigentes
hoje.

Mais um livro de valor da


EDITORA MOVIMENTO

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