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REPCBUa
VELHA
GACCHA
charqueadas • frigoríficos •criadores
Volume 18
Capa
Mário Rõhnelt
Revisão
Reter Pellens
1980
Direitos desta edição reservados à
Editora Movimento
República, 130 — F: 24.5178
Porto Alegre - RS - Brasil
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PREFÁCIO
Heiga Iracema Landgraf Piccolo
INTRODUÇÃO 13
1. O MARCO REFERENCIAL: A REPÚBLICA VELHA GAÚCHA NA FASE
PRÉ-GUERRA (1890-1913)
1.1. Os problemas da formação social gaúcha e a nova alternativa
política: a adoção da República 21
1.2. A crise do celeiro do país e a estagnação da economia pecuária na
fase pré-guerra 29
1.3. A classe dominante e as formas de conscientização da
crise 52
1.4. As formas de atuação do Estado
2. A CONJUNTURA DA GUERRA EO PERÍODO DE EUFORIA (1914-1919).
2.1. As novas perspectivas do mercado mundial e a expansão impe-
rialista
2.2. Atentativa de reorganização da indústria da carne no Rio Grande do
Sul: os criadores, o governo e o malogrado projeto de criação de um
frigorífico nacional ; ••
2.3. Apenetração dos frigoríficos estrangeiros na economia pecuária do
Estado
2.4. Ocharque no contexto da guerra: uma oscilação favorável 151
3. AS CRISES DO PÓS-GUERRA (1920-1930)
3.1. Areabertura da crise na pecuária (1920-1923) 175
3.2 . Abusca de saldas para a crise no período 1920-1923 196
3.3. Acrise de 1926 e o ressurgimento do espirito associativo 228
3.4. Areorganização sob Vargas (1928-1930) 261
4. CONCLUSÕES 290
BIBLIOGRAFIA 297
PREFÁCIO
10
o problema não interessava apenas aos charqueadores, mas também
aos criadores na condição de fornecedores de matéria prima. As
divergências e convergências entre as duas frações do grupo dominante, a
ação do Estado que, dentro de uma concepção positivista procurava
concretizar o capitalismo no Rio Grande do Sul, removendo os entraves que
se opunham à iniciativa privada de promover o desenvolvimento
econômico, tudo isso é criteriosamente analisado na tese, assim como os
avanços e recuos na constituição de um frigorífico nacional, a penetração
do capital estrangeiro, mostrando as dificuldades encontradas, dificuldades
que não eram apenas de ordem estrutural, mas lançavam suas raízes na
tradicional mentalidade senhorial do grupo dominante.
Como elemento indispensável à compreensão do processo histórico em
que se insere o objeto específico de sua tese, a autora aprofunda a análise
da conjuntura, na linha braudeliana de abordagem histórica.
Enfim, o leitor vai encontrar na tese. que ora se publica, um quadro
amplo de referências dentro do qual se analisam as tentativas de
modernização da atividade pastoril e da charqueada e a ação não só dos
grupos sociais interessados, mas também a do Estado.
O mérito não reside apenas na contribuição significativa que a tese traz
para o conhecimento de aspectos específicos do processo histórico
sul-rio-grandense, o que por si só seria suficiente para assegurar-lhe, daqui
por diante, um lugar de destaque na Bibliografia sobre a História do Rio
Grande do Sul. O trabalho da professora Sandra Jatahy Pesavento vai muito
além daquilo que é inerente a uma tese: trabalhar sobre as hipóteses
levantadas e evidentemente em função delas, procurando demonstrá-las.
Ele leva o leitor a questionar o que tradicionalmente é afirmado como sendo
a verdade histórica e, acima de tudo, a repensar a Históriado RioGrande do
Sul não apenas como uma sucessão linear de fator, mas como um processo
dinâmico porque dialético.
Eestudos que levantam questões, enfim, problematizam a História, são
aqueles que contribuem para o seu progresso, para a sua afirmação como
ciência.
11
INTRODUÇÃO
13
Permanecendo cerca de dois séculos como uma "terra de ninguém",
praticamente inexplorado, o estado sulino integrou-se tardiamente ao
território português na América, dando-se a apropriação econômico-
miiitar da região somente no século XViii.
14
por setores de pecuaristas, que tentaram a fundação de um frigorífico
nacional. O mesmo se poderia dizer com relação ao Estado, que tanto
acolheu a entrada do capitai estrangeiro como apoiou o projeto local
dos estancieiros.
Possuindo os requisitos básicos para o beneficiamento da matéria-
prima local e atendimento das exigências do mercado externo, os
frigoríficos americanos {Armour.Swift e Wilson) estabeleceram-se no
Rio Grande do Sul, trazendo consigo importante renovação técnica.
A indústria do frio fez o Estado ingressar de forma marcante nos
quadros da exportação para fora, no seu objetivo de atender à demanda
do mercado mundial convuisionado pela guerra.
Os estudos realizados até agora sobre a República Velha Gaúcha
são ainda insuficientes para que se tenha uma idéia completa do proces
so ocorrido, tanto no que diz respeito às crises e rearticuiações da
economia pecuária como no que se relaciona às práticas e interesses
específicos dos grupos sociais envolvidos.
O tema dos frigoríficos, por exemplo, é precariamente abordado pe
la historiografia gaúcha e nacional. As obras que tratam especialmente
da história econômica do Estado pouca referência fazem à frígorif iC€ição
da carne, salvo alguns dados sobre instalação e produção das empresas.
O mesmo não acontece com relação ao charque, tema suficiente
mente abordado, ainda que geralmente sem maiores preocupações de
análise da estrutura produtoraou do fenômeno de retardamento do avan
ço das forças produtivas. Nota-se a predominância de critérios descriti
vos sobre os analíticos. A interpretação, quando efetivada, prende-se a
realidades cronologicamente bem mais próximas do que a República
Velha.
Torna-se necessário substituir este tipo de enfoque por aquilo que
se poderia chamar de uma história social:
Todaa história é, em certa medida, uma história social, uma vezque
o que se busca no seu estudo é a ação social dos homens em conjunto,
mesmo que o interesse se prenda a um fenômeno econômico ou político.
Como diz Aibert Soboui, a História Saciai se refere ao homem
enquanto membro de um grupo social e socialmente determinado?
Continuando nesta linha de raciocínio adotado, pode-se complementar a
idéia exposta com as palavras de Georges Duby, de que a história das
sociedades evidentemente deve se fundar sobre uma anólise de
estruturas materiais.^
^DUBY, Georges Hisiópna social e ideologia das sociedades, IN GOFF. J.3caues &NORA, Pierre, org Faire dt
1'histoire. Paris, Gallimard, 1974. lère partie
o
SOBOUL. Albert. Descrição e medidaem história social IN GODINHO, Vitorino Magalhães,org A históriasocial,
problemas, fontes e métodos. Lisboa, Cosmos, 1967
15
È praticamente Impossível repensara história sem que se analise a
forma pela qual os homens organizaram a sua vida econômica e siste
matizaram o processo produtivo. A històrlaé um todo Integrado, onde os
diferentes níveis se acham Indissoluvelmente relacionados, sem que
seja possível, ao analisar um deles, abstrair os demais. Nesta cadela de
Interligações, o fundamento que anima as relações sociais que os
homens contraem com seus semelhantes, e mediante as quais se
articulam em estruturas de poder, encontra significâncla na vida econô
mica.
^SOBOUL, Albert. Omovimento interno das estruturas. IN: GOLDMANN, Lucien etalii. Sistema e liberdadeXis-
boa. Presença, 1972. p. 41.
16
determinada fase de sua história: a conjuntura de 1890 a 1930, tentando
fazer o que Braudel chama de história de média duração^.
A conjuntura, por sua vez, é um momento dado da estrutura, du
rante o qual os elementos que a integram se tornam mais perceptíveis
de análise. No caso gaúcho, a conjuntura escolhida reveste-se de parti
cular importância, pois foi no decorrer da mesma que se estruturaram
as bases do capitalismo no Rio Grande do Sul, ou seja, quando as rela
ções assalariadas de produção se tornaram dominantes, associadas a
renovações tecnológicas e a um aumento de produtividade.
O processo que se verificou no Rio Grande do Sul não foi isolado
do que ocorreu no restante do país, que desde as últimas décadas do
século XIX e, particularmente, nas primeiras décadas do século XX, ge
rou as condições específicas e históricas para a formação do capitalis
mo^. Pré-condições para que o capitalismo se consolidasse foram a
acumulação de capital, a disponibilidade de mão-de-obra livre, um mer
cado interno consolidado ou em formação, a existência de matéria-pri
ma e de precários mas suficientes requisitos tecnológicos, que permiti
ram uma arrancada Inicial.
Assim como na área afetada diretamente pelo café, no Rio Grande
do Sul forjaram-se as condições para a gestação de um capitalismo tar
dio, ou seja, aquele possível de desenvolver-se em áreas oriundas de
uma formação colonial, historicamente dependentes e subordinadas.
Resguardando a especificidade das condições das áreas coloniais cria
das e montadas a fim de fornecer um excedente econômico às áreas
centrais, as colônias contribuíram para acionar o processo de
acumulação primitiva que aí se verificou. Neste sentido, as áreas
americanas sempre estiveram ligadas e em função de um processo de
formação do capitalismo. O que é essencial, contudo, é que, em
determinado momento, o modo de produção capitalista, com o qual a
realidade latino-americana se achava conectada em termos de relações
comerciais, passou a internaiizar-se no contexto colonial.
É fundamental captar este processo, no qual a extinção da
escravidão e a passagem para uma economia fundamentada em relações
de produção assalariadas foram a pedra de toque. Neste sentido,
considera-se que tanto o momento da passagem da monarquia para a
república como todoo período quese estendeaté1930 constituiram uma
fase- crucial em que se estruturaram internamente as condições
necessárias ao desenvolvimento do capitalismo. A dinamização interna
do capitalismo, por sua vez, correspondeu às exigências de reprodução
do capital em escala mundial. .
Nos países periférico-dependentes, como o Brasil, o café cumpriu
um papel fundamental no processo. Tanto a agricultura como o comér-
®IANNI, Octávio. Oprogresso econômico e o trabalhador livre. IN: HOLANDA, Sérgio Buarque de, org, OBrasil
monárquico II. São Paulo, DIFEL, 1972. V 5.
17
cio desempenharam, nesta fase, a função de proporcionar a acumula
ção. Da mesma forma, a indústria, neste período, apresentou-se como
uma função do setor exportador, nascida no seu bojo^.
O Rio Grande do Sui, como área subordinada à economia central
brasileira, cumpriu um papei neste processo, ao produzir para o merca
do interno que então se desenvolvia no país. Considerando a sua ativi
dade econômica primordial — a pecuária, formada pelo binômio cria-
ção-charqueada — constata-se que nenhuma das duas formas pelas
quais ela se apresentava constituiu uma expressão perfeitamente
configurada do modo de produção capitalista. Todavia, a especificida
de da região fez com que justamente esta fosse a forma assumida lo
calmente pelo Rio Grande do Sul, num contexto brasileiro que se capi
talizava. Em outras palavras,o setor pecuário tendeu a apresentar-se co
mo uma das formas pelas quais pôde se realizar o capitalismo no sul.
Tal como no conjunto do país, tratava-se de gerar um capitalismo
tardio, marcado pela dependência, pela herança colonial e pelo fato
ainda de subordinar-se à economia centrai do país como área subsidiá
ria.
Acumulação limitada, precária tecnologia e baixa rentabilidade se
riam traços distintivos deste processo. A nível das relações de produção
capitalistas, estas nãose apresentavam ainda na sua forma desenvolvi
da, umavezqueasatividades ligadas à pecuária envolviam formas de re
muneração não monetárias, tais como casa, terra para plantio, etc.
O Rio Grande do Sui apresentava-se como o caso típico de um
região onde se gerava o capitalismo em condições de subordinação e
periferia.
O grupo ligado à pecuária, detentor dos meios de produção da
principal atividade econômica do Estado, é chamado de classe
dominante e busca-se, no decorrer do trabalho, visualizar a problemática
toda da economia gaúcha tal como era encarada desde o seu ponto de
vista específico.
Essa classe possuía a supremacia econômico-sociai na formação
sulina e nela distinguem-se duas frações criadores e charqueadores
— embora a esses se pudesse agregar ainda outro grupo, o dos
invernadores. Umelemento de tensão presente no contexto rio-granden-
se foi o fato de que somente um setor da ciasse dominante detinha efeti
vamente o controle do poder político nas mãos. O restante da ciasse do
minante,com expressão social e responsabilidade rio processo produti
vo pecuário, mas com diferente representação política, ficava sem ter
acesso aos mecanismos de decisão do poder no Estado. A hegemonia
política da ciasse dominante estava centrada no grupo do Partido Repu
blicano Rio-grandense (PRR), que controlava todo o Rio Grande.
^SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origem da indústria no Brasil. São Paulo, Alfa-Omega. 1976.
18
Ainda colocando a ênfase a nível das classes sociais envolvidas, o
que se busca analisar è a ação e os interesses dos pecuaristas, embora
não se negue a importância do trabalhador rural ou do operário de frigorí
fico em suas manifestações. O processo é, aqui, encarado do ponto de
vista do capital e não do trabalho.
A náiise não ficaria completa sem que se abordasse, ainda que bre
vemente, o matiz ideológico positivistaque serviu de norma de conduta e
ação político-administrativa do Estado gaúcho durante a República Ve
lha.
A ideologia è concebida como fenômeno supra-estrutural, elabora
do a partir de uma classe, segundo seus interesses próprios, parciais e
específicos, que ao pretender se ampliare se justificar perante o resto do
corpo social, torna-se parcial e deformado. Isto se dâ na medida em que,
fruto dos interesses de uma classe e elaborada para defender posições
adquiridas ou a adquirir, pretende apresentar-se como universal,
impondo-se a toda a sociedade®-
Neste trabalho, procurou-se levantar algumas hipóteses fundamen
tais.
Parte-se da idéia de que a economia pecuária gaúcha revelou-se in
capaz de gerar uma acumulação que desse margem a montar, com re
cursos locais, uma empresa capitalista plenamente configurada, que
revolucionasse os meios de produção pecuária. Em outras palavras,
frustrou-se o projeto local de implantação de um frigorífico nacional
com recursos rio-grandenses. Apesar das condições extremamente fa
voráveis de mercado na época da guerra, por exemplo, a economia pe
cuária apresentava-se com problemas tanto a nível de produção como
de comercialização.
Na esfera social, levantou-se a proposição de que a situação de
crise da pecuária, nas primeiras décadas do século XX, propiciou a
conscientização da classe dominante, levando a tomadas de posição
frente ao problema, tais como a formação de agremiações de classe ou
projetos localistas de montagem de um frigorífico.
Teoricamente, poderia ser colocado em questão que um grupo que
fornece a matéria-prima (criador) tenderia a apresentar interesses eco
nômicos diferenciados daquele grupo que a industrializa (charquea-
dor). Antes da pesquisa efetivada, não se tinha, contudo, encontrado
elementos de comprovação real dessa premissa teórica, que hoje pare
ce solucionada. Constata-se que criadores e charqueadores apresenta
ram interesses específicos e muitas vezes divergentes e que, com isso,
encontravam respostas diversas diante dos problemas surg[dos.
No plano das estruturas do poder, buscou-se a verificação da idéia
de que as tentativas de modernização de economia pecuária abrigou
®GOLDMANN, Lucien, Ciências humanas e filosofia. 3. ed. Sâo Paulo, DIFEL, 1972.
19
elementos de classe dominante de uma e outra facção política no Rio
Grande do Sul. Quando o Estado de Inspiração positivista e perspectiva
modernizante procurou satisfazer os Interesses econômicos da classe
pecuarista como um todo, arrefeceram-se as divergências a nivel
político.
20
1 _ o MARCO REFERENCIAL: A REPÚBLICA VELHA GAÚCHA NA
FASE PRÈ-GUERRA (1890-1913)
1.1 — Os problemas da formação social gaúcha e a novaalternativa po
lítica: a Instalação da República
21
Frente ao processo de formação do capitalismo que se desenca
deava no Brasil, na zona afetada pelo café, como se apresentava o Rio
Grande do Sul?
Considerem-se os fatores indicativos da análise do capitalismo
acima citados. A nível de capitalização, este processo era possível no
Estado em duas áreas econômicas especificas: a campanha e a zona da
colônia, mas principalmente nesta que, segundo Singer, apresentava
maior dinamismo^. No que diz respeito ao componente trabalho, en
contrava-se entre os imigrantes certa dosagem de mão-de-obra espe
cializada na zona da colônia e, potencialmente, uma ampla massa não
especializada na zona da campanha. Refere-se aqui potencialmente,
porque tais elementos gravitavam em torno da economia criatória, ain
da não totalmente marginalizados como se tornariam quando por oca
siãode apresentar-se completo o processo de cercamento dos campos.
Love dá como época do inicio deste processo, no Rio Grande do Sul
1870^. No piano do mercado, o desenvolvimento, na zona colonial, dê
uma agricultura comerciai especializada, na base da mão-de-obra fami
liar e do minifúndio, foi capaz de gerar uma capacidade aquisitiva e
mesmo de capitalização. No bojo do mesmo processo, desenvolveu-se,
nessa área, um cirtrr^nato de base agropecuária que, manipulando á
matéria-prima locai, se estabeleceu a principio para suprir as necessi
dades da comunidade. Estendeu-se, após, às localidades e centros ur
banos mais próximos. Munidos de uma técnica artesanal, foram os imi
grantes um componente fundamental para as bases de uma futura
indústria no sul.
2
SINGER, Paul, Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo, Ed. Nacional, 1968. p 162 et seo
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo, Perspectiva, 1971. p. 17. '
22
queadores continuaram a debater-se com seus problemas crônicos, incapazes que fo
ram, mesmo depois da Abolição, de reagir como empresários autenticamente capitalis
tas.'*
Na verdade, a forma conciliatória assumida pela Abolição no Rio
Grande do Sul — libertação com cláusula de prestação de serviços —
limitou a generalização de relações de produção assalariadas na char-
queadae se constituiu num entrave à transform*ação do velho estabele
cimento numa verdadeira empresa capitalista. Pre^sos, como lembra
Cardoso, a uma visão senhoria! de mundo, a liberação dos capitais em
pregados na compra de escravos não foi aplicada na reorganização da
estrutura produtiva, como por exemplo na introdução de tecnologia
mais avançada. Todavia, a importação da técnica pressupunha ijma
maior capitalização, que não havia. O fato da economia gaúcha articu
lar-se como periférica ao mercado central limitava ainda a capitalização
na área, na medida em que parcela significativa do excedente econômi
co produzido no sul era captado pela economia central. Acrescente-se,
a estes fatores dados, a evidência de que o Rio Grande do Sul não pro
duzia, através da charqueada, um vaior de uso de alto vaior-de-troca no
mercado mundial^, o que em parte limitava os ganhos dos produtores
locais. Dentro do contexto brasileiro do século XIX, predominavam os
interesses ligados à economia de exportação, à qual interessava reduzir
seus custos de produção. Com isto, buscava-se forçar a baixa do preço
do charque, alimento da escravaria nacional. Desaparecendo a escravi
dão como instituição, permanecia a população pobre como mercado
consumidor do artigo sulino. Dadas as condições do mercado a que se
destinava, não podia o produto ser oferecido a preço muito alto, com o
risco de restringir o seu consumo. O mercado ao qual se destinava o ar
tigo sulino era altamente competitivo, na medida em que o mesmo ti
nha de enfrentar a concorrência do similar platino. Foge ao esquema
deste estudo a análise do verdadeiro quadro de concorrência que se es
tabelecia entre a charqueada gaúcha e o saiadero platino®. Registre-se
apenas que o problema ultrapassava a questão das tarifas alfandegárias
protecionistas, tal como era visualizada pelos senhores sulinos e se ra
dicava na desigualdade estabelecida entre uma empresa capitalista as
salariada e uma ainda escravista, disputando o mercado interno brasi
leiro no oferecimento de um mesmo produto.
Retome-se os obstáculos que se antepunham a uma maior capita
lização na charqueada gaúcha: retardamento da generalização das rela
ções de produção assalariadas, ausência de uma classe de empreende
dorescapitalistas, permanência de uma visão senhoria! de mundo, não
aplicação de recursos em tecnologia mais avançada que incrementas-
^CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. Sào Paulo, DIFEL, 1962. p. 233.
^MüLLER, Geraldo. Periferia e dependência nacional. São Paulo, USP, 1972. p. 21. (Tese de mestrado em Socio-
„ logia)
"CARDOSO, op. cit., nota 4, cap. 3 e 4.
23
sem a produtividade, condição periférica determinando retenção de ex
cedente econômico pelo centro, baixo valor de troca de artigo produzi
do, mercado competitivo.
A maior parte destes fatores podem ser aplicados à atividade da
criação de gado. Fundamentalmente, a economia criatória apresentava-
se estruturada sobcritérios extensivos, com oaumento da produção
ligado á expansão dos fatores terra e gado. Da mesma forma que com re
lação ao charque, a condição subsidiária da economia e sua subordina
ção aos núcleos centrais de decisão do pais, não permitindo aos estan-
cieiros ter acesso aos mecanismos de orientação da política econômica
nacional, foi também um fator limitativo. Esta dependência no plano
político se manifestava ao nível da consciência dos agentes, sempre
que a concorrência do charque uruguaio se fazia sentir nas alfândegas
brasileiras.
Com relação ao contexto agrícola colonial, onde mais rapidamente
se produzia a acumulação, encontram-se também obstáculos. Sendo a
colonização estabelecida mediante pequenos proprietários, a produção
do excedente era parcelada em vários núcleos com reduzida capacidade
de acumulação. Frente a eles, se sobrepunha a figura do comerciante
rural, elo de ligayãu «nire o produtor direto e o mercado. Como coloca
Jean Roche:
A partir de meados do século XIX, os mais ricos habitantes das colônias eram os
comerciantes e a superioridade de seu patrimônio em relação ao dos colonos não fez
senão acentuar-se.^
Acolônia tornou-se, através do comerciante, o núcleo dinâmico de
aplicação do capital (indústria, comércio, bancos), mas, mesmo assim
dentro dos quadros do império, poucaschances tinham os imigrantes è
seus descendentes de participar da vida política da província e fazer im
por seus interesses a uma sociedade dominada por latifundiários. Suas
reduzidas chances de ação limitavam-se às câmaras municipais da área
colonial.
Outro fenômeno registrado é que o próprio fato de a estrutura
montada ser na basede pequenos proprietários limitou a generalização
do trabalho livre assalariado. Quando se verifica o processo de esgota
mento do solo, e se constata tornar-se improdutiva nova subdivisão de
uma propriedade já muitas vezes fracionada em herança, face aos nu
merosos descendentes, dá-se o que Jean Roche chama de enxamagem
(emigração do colono paraoutra região, fundando novo núcleo colonial
agrícola).® Observa com propriedade Müller:
... o trabalhador da campanha (região pecuária) e das grandes explorações agrí
colas (região mista), enquanto excedente da força de trabalho necessária, dIrige-se do
campo para a cidade; o tipo trabalhador —proprietário da pequena colônia' —
ce na área rural.9 formane-
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1969. V. II. p. 576.
^Ibiidem, v 1. cap. 5.
MULLER, op. cit., nota 5, p. 27.
24
Vê-se, pois, que mesmo a zona colonial agrícola que apresentava
mais promissoras condições de desenvolvimento enfrentava seus es-
traves.
25
projetos separatistas em relação ao Rio Grande do Sul. Os fazendeiros serranos, misto
de criadores, negociantes de mulas e exploradores de erva-mate, não representavam a
classe dominante na província.
'^FRANCO, Sérgio daCosta. Osentido histórico da revolução de 1893. \N: Fundamentos da cultura rio-granden-
se. 5. série. PortoAlegre, Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, Gráfica da Universi
dade, 1962. p. 195-6.
LOVE, op. cit., nota 3, p. 21.
''2picC0L0, Helga Iracema Landgraf. Apolítica rio-grandense no iiimpérío (1868-1882). Porto Alegre, Ed. Gabine
te de Pesquisa de História do Rio Grandedo Sul, Institutode Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, 1964.
D 110
26
o que é fundamental é demonstrar que também neste plano se
manifestaram tensões, dentro de todo um quadro de problemas enfren
tados pelo extremo sul neste momento.
As contradições locais da formação social gaúcha conjugavam-se
com as novas realidades que se configuravam no panorama nacional e
que acabaram por trazer a queda do regime: a transição de uma econo
mia escravocrata para uma assalariada, novos segmentos sociais
descompromissados com o regime, idéias da federação e república.
Como partido, o Repubiicano Rio-grandense foi capaz de atrair pa
ra seus quadros setores em estado de disponibilidade poiitica, bem
como propôs-se a realizar, em âmbito regionai, um projeto de moderni
zação e transformação econômica, social e política, que o momento
exigia e que os quadros imperiais não conseguiam efetivar.
Atrair novos setores e solucionar velhos problemas, eis a fórmula
para o pequeno e extremamente ativo partido que surgia em busca de
ampliação de sua base social.
O Partido Republicano Rio-grandense (PRR) não era majoritário.
Peio contrário, deve-se encará-lo como uma minoria consciente, de ex
trema atividade política, em expansão na conquista de novos adeptos e
que habilmente manteve sólidos laços com o exército.
Esta aliança com elementos militares foi facilitada, por um lado,
pela afinidade de orientação ideológica (positivismo) entre a instituição
e os republicanos gaúchos e, por outra, pelos próprios traços de vincu-
lação militarista que o Rio Grande do Sui apresentava desde a sua for
mação^ ^ .
Dentro deste contexto ganha importância a questão da ideologia: o
PRR, estribando-se no positivismo como matriz ideológica inspiradora
de conduta e ação política, apresentou um projeto de desenvolvimento
que se destinava a abranger a totalidade da formação social sulina.
O positivismo, que no contexto histórico europeu surgiu como
defensor da sociedade burguesa em ascensão e para fortalecer o
processo de desenvolvimento capitalista, aqui no Rio Grande do Sul
defrontou-se com um contexto onde se tratava antes de Implantá-lo e
dar-lhe continuidade e crescimento.
O Estado, na concepção positivista, tem principalmente funções
técnico-administrativas e não políticas, uma vez que se apresenta como
o representante de todos os interesses sociais, é justamente nestas
funções técnicas do Estado que se enquadra a perspectiva de promover
a concretização do capitalismo, assegurar liberdade à iniciativa privada
e, na impossibilidade desta, remover os entraves que se antepunham ao
desenvolvimento econômico.
^^Sobr6 o assunto, as colocaçõas mais significativas são de"
LOVE, op cit , nota 3.
FAUSTO, Bons. Pequenos ensaios de história da república 1889-1945 São Paulo, CEBRAP, 1972. (Col. Cadernos
CEBRAP, 10).
SCHWARTZMANN, Simon São Paulo e o estado nacional. São Paulo, DIFEL, 1975.
27
o Estado de inspiração positivista que se implantou no sui
propôs-se a desenvolver, ao mesmo tempo, todos os setores da
economia - pecuária, agricultura, indústria — garantindo a livre
iniciativa e fortalecendo a propriedade privada. Ante a debilidade desta,
apareceu como o Estado providenciai e paternalista, intervencionista e
interessado em estabelecer o progresso^^ -Dentro desta perspectiva,
buscava eliminar os entraves ao livre desenvolvimento das forças
produtivas que tenderiam ao capitalismo.
29
rebanho. Princípios elementares de higiene não eram aplicados e
grande era a mortalidade registrada por epidemias.
1908 1909
Espécies
Número Valores Número Valores
1910 1911
Espécies
Número Valores Número Valores
1912 1913
Pc o
30
CONFRONTO DO ANO 1908 COM O Dt "JCi
Número de Cabeças
1 Espécies Aumento
%
1908 1913 absoluto
Valores
Aumento
Espécies %
Absoluto
1908 1913
31
charqueada e, como tal, encontrava-se na dependência dos preços
oferecidos peio grupo charqueador. Globalmente, a economia gaúcha
exportadora de charque e couro achava-se na dependência da economia
centrai de exportação brasileira. Desta forma, processava-se a
canalização do excedente econômico para fora, captando os iucros,
efetivamente, as casas consignatárias da venda de charque nos
mercados do centro (Rio de Janeiro, Santos) que, por sua vez,
redistribuíam a mercadoria para os portos do norte e nordeste. Assim,
portanto, nem todo o excedente econômico produzido ficava aqui no
sul, sendo parte captado pela economia centrai da qual o Rio Grande do
Sul era periférico.
Escrevendo sobre a situação pecuária do início do século, Lassance
assim descreve o esquema da criação extensiva:
o estancíeíro tem dois negócios: um o do gado de orla, que consiste em tô-io solto
nos campos e deixâ-io produzir; o outro é o da compra de novilhos e vacas para serem
invernados. No primeiro gênero de negócio, a muito pouco reduz-se o trabalho do
estancieiro; o campo, as pastagens e aguadas são aquilo que a natureza deu. Cousa de
que absolutamente não trata è melhorar as pastagens de um campo, substituindo o
pasto fraco por outro mais nutriente,limpà-io para eliminar os insetos que prejudicam
o gado, as gramineas tóxicas, etc...etc...Na primavera lançam fogo ao campo para
extinguir o pasto seco e fazer brotar verde. A geada mata o carrapato, o mfcuim e outros
insetos que incomodam o gado. Quanto às aguadas, se as estâncias são nas encostas
dos rios ou arroios, ali desaitera-se o gado. Se não existem águas correntes, as sangas
banhados e iagões formados por águas pluviais, mesmo quando cobertos por uma
grossa crosta de limo, saciam o gado. Com relação a este não hâ nenhum cuidado
especial (...) O gado atirado ao campo é algumas vezes reunido em rodeios para ser
contado, apartando-se um ou outro que se apresente com bicheira, que è curada com
remédios caseiros ou, muito comumente, por meio de rezas e benzeduras. Também, de
tempos em tempos, atira-se ao campo sal para o gado comer. O gado de invernar não
produz aumento de trabalho. A invernada è um campo cercado e provido de melhores
pastagens, onde o gado vai engordar para ser vendido para as charqueadas. E ali ele e
atirado e o estancieiro aguarda tranqüilamente que ele engorde. Os outros trabalhos
consistem em castrar o touro, marcá-io e serrar-ihe as pontas das guampas (...; Eis a
quanto se resumem os trabalhos de estância para a produção e engorda de gado.
(...) diz o estancieiro atrasado quando se lhe pergunta por que motivo não busca
melhorar as pastagens dos seus campos e o seu gado. Responde slmploriamente:
Qual! Se com o que possuo ganho dinheiro, que necessidade tenho de obter gado de
raça que vem me dar trabalho e incômodo?
O autor, aqui, refere-se ao fato da existência de um mercado certo
para o seu produto - a charqueada locai - que se abastecia nas
estâncias sulinas, independentemente de raça ou peso do rebanho.
Mercado garantido e alto preço obtido peio gado, embora o trabalho ^o
capitai despendido na empresa criatória tenham sido mínimos, são
fatores apontados peio autor como responsáveis pela manutenção de
l^LASSANCE CUNHA, Ernesto Antônio, O/?/o Grande doSul. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1908. p. 29-30.
'iSlbidem, p. 31.
32
um estado de coisas atrasadas.Todavia, as coisas assim ditas podem
dar margem a que se compreenda o processo às inversas: que o
charqueador sempre oferecia bons preços, quando, na verdade, como
fica demonstrado mais adiante, o elemento dono da charqueada tendia
a transferir para o produtor direto - o estancieiro - as perdas da baixa do
preço do charque no mercado nacional. Não dispondo dos meios de
acesso direto às fontes controladoras jdesse mecanismo, tendia a
ressarcir-se do prejuízo nas costas do criador.
Quanto ao preços que poderia obter pelo gado, interessava ao
criador a desvalorização monetária.
Os resultados das vendas de gado variam na razão Inversa de oscilação de câmbio,
isto é, quanto mais baixa é a taxa cambial, mais elevado é o valor do gado e quanto
mais alta é aquela, menor é o valor deste.^^
33
do carneador^que consiste em carnear o couro, tirar a cabeça, abrir a rês, retirar as
vísceras, destacar os quartos e as paietas e despontar as mantas. Tem como auxiiiares
no serviço do couro os chamados "matambreiros", que com um machado recurvo de
gume cego destacam, a golpes, o couro do peito e da parte do ventre onde está mais
aderido à carne denominada "matambre" (...) O trabalho de um carneador dura de 20 a
30 minutos (...) Em torno deste importante operário agem com vaivém febril os
transportadores das peças destacadas do bovino (...) Depois do "carneador", vem o
trabalho do "despostador", de quartos e paietas; sègue-se-ihe o do "charqueador", que
è aliás tão importante quanto os anteriores porque dele dependem a boa saigação e a
apresentação do produto.
34
Operando com velhos processos, contando algumas vezes com
inovações tecnológicas como, por exemplo, o uso de caldeiras e
máquinas a vapor para extração do sebo, dispondo de uma força de
trabalho abundante e remunerada de forma não sistemática, ou, melhor
dizendo, nem sempre remunerada por um salário efetivo, a velha
charqueada enfrentava problemas que oneravam o seu custo de
produção. Um deles era o próprio preço da matéria-prima, que
apresentava, no início do século XX, uma elevação no custo dos
alimentos, notadamente os pecuários. Ora, a alta do preço do gado,
que interessava ao criador, não interessava em absoluto ao
charqueador, que via aumentar o preço da matéria-prima e, com isso,
elevado o custo da sua produção. Da mesma forma, as altas taxas
sobre a importação do sai de Cádiz prejudicavam o proprietário do
estabelecimento saiadeirii, vendo elevar-se o preço de um gênero
necessário à elaboração do charque e redundando em novo acréscimo
no setor produtivo. Diga-se de passagem, o problema do sai de Cádiz
deve-se a que este era considerado pelos saiadeiristas como o único
válido para a fabricação do charque, em detrimento do sai nacional.
Como pela Constituição Federai de 1891 cabia à União taxar os
impostos sobre a importação, e não aos Estados, o controle de tal
mecanismo escapava ás mãos dos interessados. Tal como o sai, a
aniagem vinha de fora do Rio Grande, a um alto preço.
Um outro problema que agravava ainda mais a produção do artigo
sulino eram os elevados fretes decorrentes de um deficiente,
inoperante e onerosíssimo sistema de transportes. A começar pelo
transporte ferroviário, pode-se dizer que o esquema montado se
revelava incapaz de atender às necessidades de escoamento da
produção do Estado, seja pela insuficiência da rede, seja pela
insuficiência de vagões ou maus serviços, como atrasos e falta de
condições que assegurassem aos produtos a sua manutenção. Na
ausência de linhas férreas, muitas vezes os animais eram obrigados a
irem a pé até as charqueadas, com o que perdiam peso e, com isso,
valor. Com relação ao charque, a demora da espera ao longo da estrada
de ferro muitas vezes deteriorava o produto.
A maior parte das linhas férreas do Rio Grande do Sul pertencia à
União, que, pelo contrato de 18.06.1905, unificou-as á CIE. Auxiliare
des Chemins de Fer au Brésil, constituídas por capitais belgas e
americanos e dominada por Percivai Farquhar. Este arrendamento
deveria vigorar até 15.03.1968.
Teoricamente, tal evento vinha corresponder ás necessidades de
expansão do sistema de transportes do Rio Grande do Sul, ligando as
zonas produtoras ao litoral. Na prática, porém, a ineficiência do serviço
ferroviário asfixiava a produção, cobrando altos fretes e não satisfazen
do quanto aos transportes.
35
Em 1910 foi Inaugurada a linha Rio Grande-São Paulo, a qual fazia
parte da Brazilian Southern Railway, também sob o controle de Percival
Farquhar.
Da mesma forma que a estrada de ferro, o serviço portuário do Rio
Grande do Sul também ficava multo a desejar. Em 1906, foi realizado
um contrato entre o Governo federal e o engenheiro americano Elmer
Corthell, que deveria realizar melhoramentos na barra e construir o
porto. Como o mesmo nada efetivou, a concessão foi transferida em
1908 à C/e. Française du Port du Rio Grande do Sul, em cujo contrato
figurava a cláusula de uso e gozo da exploração do porto por 89 anos
após a construção, além da renda líquida de 6% sobre o capital
empatado^®•
A concessionária estrangeira, também controlada por Percival
Farquhar, não se dispunha a construir efetivamente o porto e
desobstruir a barra de molde a permitir acesso aos navios de grande
calado. Além disso, cobrava taxas portuárias multo altas, afugentando
com tais medidas a produção gaúcha que demandava em grande
parte ao porto de Montevidéu para chegar, através dele, aos mercados
brasileiros. Assim como estava provido de um Importante porto, o
Uruguai apre®'^":*?'.*?-se bem servido de vias férreas. Até a fronteira
gaúcha chegavam as linhas da Ferrocarril Central dei Uruguay, que
oferecia transporte mais barato.
Desta forma, a produção gaúcha, buscando fretes mais baixos e
melhor sistema de transportes, demandava ao Prata para atingir ao
Brasil, com o que parte da renda fiscal era perdida peia alfândega
brasileira.
Sintetizando, pode-se dizer que, no plano da produção, a
charqueada se encontrava em crise, tendo em vista o seu arcaísmo
técnico e a predominância de critérios quantitativos. Por outro lado,
fatores como o alto preço da matéria-prima, elevada taxa sobre a
Importação do sal e aniagem e o deficiente sistema de transportes
oneravam multo o custo da produção.
Decorrem daí as constatações de que a economia charqueadora
apresentava limitações sérias ao avanço das forças produtivas e à
possibilidade de obter maiores lucros. As chances de capitalização era
ainda diminuídas, como se viu, com a dependência existente entre a
estrutura gaúcha e as casas comerciais que distribuíam o produto pelo
país.
Entrando, pois, no estudo da situação da crise no plano do
mercado, como se comportava o principal produto da exportação
rio-grandense? Um Indicador do problema seria a análise da tabela de
exportação do produto, em tonelagem e valor2^.
•^"mensagem presidencial de 1913, p. 18.
27siL\/A. Austriclínio G. & GUERRA, Aidrov.uulo R Exporinc^odo charqt/e no Rio Grande do Sn/ Pímk^ Alonrc.
Secretaria de Administração, Departamento Estadual do Estatística, 1059 P 8 Foi comenda a taltfíl.i pat.» mil reis.
uma vez que os valores se apresentavam em cm/eiros
36
Quantidade Valor (em Quantidade Valor (em
Anos Anos
(em t) mil réis) (em t) mil réis)
28quiNTA d(3 Süntn Tero/a, Munif.ipio dt; Bagé Pr(ir)rn»da(lo do Visconde de Ribeiro de Magalhães A Estância,
Porlo Aleyie 122) 331, nov 19M
37
Por exemplo, o período de 1895 a 1896 assinalou as conseqüências
de uma crise gerada pela Revolução Fedr^ralista no contexto sulino,
quando o despovoamento dos ca.Toos i.npediu o funcionamento das
charqueadas e desencadeou um processo de paralisação da economia
gaúcha.
Na medida em que o Rio Grande do Sul retraía-se, tinha lugar a
entrada do concorrente platino, o que se verificou nos anos a seguir.
^^LEVINE, Robert. ORio Grande do Sulcomo laiorde instabilidade da República Velha, IN FAUSTO, Bons, org O
fírasH republicano III. Sào Paulo. DIFEL, 1975 V I, p 105
38
consumidor ser pobre e qualquer elevação do preço acarretar uma
retração da compra do artigo.
Um outro problema que desaconselhava a elevação do preço do
charque gaúcho foi o aparecimento de concorrentes nacionais no
terreno da pecuária e seus produtos derivados a partir das crises do
café que se pronunciaram no Início da República.
As repetidas crises da passagem do século devolveriam algumas regiões à agricul
tura diversificada. Minas, em particular, veria o café cair de 72% para 38% de suas
exportações entre 1898 e 1908. Readquiriram importância nas exportações mineiras os
derivados da pecuária, o fumo, certos gêneros como o feijão, o arroz, etc. Ao retornar à
sua vocação pecuária (...) e expandir uma agricultura relativamente diversificada (e de
reduzidos rendimentos), Minas retornava ás tendências dominantes na primeira metade
do século XIX. Mas já agora em outras condições: seu isolamento fora vencido com a
inauguração da rodovia União e Indústria em 1861, as partes meridional e central de
seu território haviam sido cortadas por diferentes rodovias. Além do mais, surgia um
grande mercado consumidor em São Paulo, bem como crescia extraordinariamente o
mercado carioca. O Estado iria, pois, disputar - com inegáveis vantagens em certos
casos - o mercado "central" recém surgido no país. Por trás de Minas estavarn também
na competição certas áreas do Brasil central, já que uma fração das vendas mineiras de
gado não seria mais do que uma reexportação de animais criados em Goiás e Mato
Grosso^^.
39
ma que ele oferecia em condições desvantajosas. É lógico que esta
diferenciação de expectativas em torno do contrabando poderia ser
atenuada ou mesmo Inexistente no caso de charqueadores que eram
támbém estanclelfos, ou no caso de criadores que realizassem eles
próprios o contrabando.
Dentrodeste contexto, faz-se necessário tecer algumas considera
ções a respeito da concorrênciaplatina, colocando desde já que o Prata
não só disputava com o Rio Grande do Sul o mercado nacional de
charque como também se apresentava, na época que está enfocada,
como exportador de carne frigorificada para o mercado mundial.
Ao analisar a posição dos fornecedores platinos de charque,
veriftca-se que tanto a Banda Oriental como os saladeiros de Buenos
Aires partiram para o processo de mercantillzação da carne ao redor da
década de 80 do século XVIII, época em que também o Rio Grande do
Sul organizava as suas charqueadas dentro de um sentido mercantil.
Os fabricantes platinos de tasajo tiveram, contudo, a seu favor,
todo o protecionismo da política oficial, coisa que a charqueada
gaúcha não obteve de forma regular ao longo de sua história, uma vez
que os latifundiários locais não tinham controle direto sobre os
mecanismos de manipulação das taxas de Importação.
No que diz respeito ao saladero uruguaio, principal concorrente do
Rio Grande do Sul, as questões relativas à proteção e desenvolvimento
do charque foram levadas em conta pelos Governos do VIce-ReInado e
também da Coroa espanhola. Exemplo disso é a criação na Banda
Oriental do Corpo de Blandegues. Estes foram criados
(...)_ con Ia finalidad de evitar el contrabando y restabelecer Ia seguridad en la
campana. Estas mismas autoridadesadoptarân una posiclón protectorade la industria
saiaderii, cuando por ias Reaies Círdenes dei 10 de abril de 1793 y 20 de diciembre de
1802, Ias carnes saladas quedarán exoneradas de todo derecho de Introducción v
extración.31
As lutas de libertação com relação á Espanha Interromperam a
prosperjdade dos saladeros, crise esta que se prolongou após com a
ocupação portuguesa da Banda Oriental. Enquanto a economia
uruguaia esteve assim desorganizada, seu gado orlentou-se para o
abastecimento das charqueadas gaúchas e para a alimentação dos
exércitos.
Apartirde 1820, o saladero oriental recuperou-se, sofrendo, desde
1838, Inovações técnicas tais como a Introdução da máquina a
vapor para a extração da graxa, assim como foram realizados
melhoramentos sanltárlos,^^
Neste ponto, convém lembrar que a Independência dos países
platinos deu-se sob aégide da Inglaterra eque a mesma foi responsável
•^'DOTTA. Mario et alii. El Uruguay ganadero. Montevideo, Ediciones de la Banda Orientai, 1972. p. 47
^^Ibidem, p. 49.
40
pela evolução do processo produtivo na região, coisa que não se deu no
Rio Grande do Sul.
Na opinião de Limeira Tejo, o distanciamento do Rio Grande do
Sul no século XIX em relação ao Prata se explicaria pela falta de
comunicação da região com o restante do país, enquanto que o Prata
gozava do sistema de transportes marítimos Ingleses, Indiscutivelmen
te o melhor do mundo na época.
Transporte de mercadorias entre as capitais platinas e o Rio se fazia, assim, com
muito maior facilidade ecorrveniència do que entre o porto do Rio Grande e a capital da
União. Nao é de admirar, pois, que a produção do Prata fosse, irresistivelmente, se
apoderando dos mercados que, por todos os títulos, cabiam ao produto da antiga
província de Sao Pedro.^o »
Embora não se depreze a eficiência do esquema de circulação
oferecido pelo ingleses para a distribuição do produto platino,
considera-se que urn dado fundamental seriam os progressos técnicos
que a penetração britânica na área foi capaz de introduzlr^^*
Achamada Guerra Grande (1838-1851) novamente velo determinar
um período critico para o saladero platino e para a economia uruguaia
que se viu reduzida a fornecer gado para o Brasil, gado quê
era contrabandeado ou alvo das chamadas califórnias encetadas pelos
estancieiros gaúchos que invadiam o território platino para arrebanhar
OS animais. «niiai
o final do conflito foi marcado pelo Tratado de 1851 entre o
Uruguai eo Brasil. No dizer de Dotta, o Estado Oriental foi prejudicado
(...) aí concederse al Impeho Ia exoneraclón dei pago de todo impuesto al ganado de
Ia Banda Oriental, el que alimentaria a los saladeros riograndenses, provocando Ia
ruína de jos aquellos poços establecimientos que habían logrado subsistir en los
críticos anos de Ia guerra. Anota el historiador E. Acevedo queen1854 sólo un saladero
trabaja en toda Ia costa dei Rio Uruguay, el de Lafone, Y"(...) ese mismo no puede
lucharcontra los establecimientos similares dei Rio de Grande, por Ia sensilia razón de
que ellos compran nuestros ganados libres de impuestos, en tanto que nuestro tasajo
está sujeto a fuertes derechos de importación en Brasil" .
Todavia, na década de 60 do sécuio passado, acentuou-se no
Uruguai a infiuência inglesa no processo de fabricação de carnes,
reaiizando um aproveitamento quase que completo do gado,
dotando-o de uma estrutura capitalista com relações de produção
assalariadas, divisão do trabalho, utilização de mão-de-obra especiali
zada e melhorias técnicas.36
33tEJO, Limeira. A indústria rio-grandense em função da economia nacional. IN: DIRETORIA GERAL DE
estatística. Estatística industrial do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1939. p. 17.
^Bibliografia sobre o modo produtivo:
35
CARDOSO, op. cit.. nota 4.
36
RAMOS, José Hugo Castro & OSÓRIO, Ivan. Rio Grande do Sul, industrialização posta à prova. Porto Alegre.
Diretoria do EnsinoIndustnaKMEO/Centrode Estudos Sociais de Faculdades de Filosofia da UFRGS, 1969. cap. 2.
41
No final do século XIX, o aumento de emigração estrangeira para o
Prata - não só de Ingleses mas também de alemães, Irlandeses,
franceses - proporcionou à area a Incorporação de mentalidade
capitalista , experiência comercial e novo surto de renovação técnica.
Foram realizados melhoramentos, tais como cercamento de campos.
Importação de reprodutores selecionados, cruzamento, aprimoramento
do gado criolio e mesmo o estabelecimento de uma unidade fabril de
extrato de carne (1861, Frav Bentosi, vendida em 1866 k Liebig
Extract oT Meat. Além destas Inovações, foram realizados aparelha-
mentos nos portos, dinamização do sistema bancário e construção de
uma rede ferroviária.^^
Para a compreensão do processo que o Prata, como um todo,
apresentava, é fundamental que se tenha em vista que, nestes países, a
pecuária apresentava-se como a economia central, para a qual eram
canalizados todos os recursos. Da mesma forma, os senhores de terra,
gado 0 charque, constituíam-se na classe dominante nacional, que
controlava os mecanismos decisórios de poder. Comparativamente, o
RGS possuía uma economia subsidiária da economia central e sua
classe dominante local era subordinada aos Interesses dos senhores do
café que controlavam a política nacional.
Feita esta exposição, retome-se o caso do Uruguai, principal
concorrente do Rio Grande no charoue.
O fato de dispor de um gado de melhor qualidade, selecionado; de
ter a sua disposição pastagens forrageiras; do custo de produção,
expresso em terra, gado e sal, apresentar-se multo baixo, pondo, multas
vezes, o charqueador a resguardo das flutuações do mercado, eram
vantagens que o Uruguai apresentava como país saladeirll por
excelência. Aliás, foi mesmo esta reduzida Inversão de capital que
permitia a existência de uma renda mínima, mesmo quando a
conjuntura desfavorável de mercado se configurava. Tudo Isto Induzia a
continuar produzindo. Reduzia aindamais o custo de produção o fato do
saladero uruguaio ser litorâneo, não precisando seus produtos percorrer
longas distânclàs para o escoamento.
Apoiado por uma política nacional orientada por satisfazê-lo,
dotado de bons portos e rede ferroviária, superiores tecnoiogicamente e
tendo por trás de si o sistema de transporte marítimo britânico, o salade
ro ainda não dependia de um único mercado, exportanto tanto para o
Brasil como para Cuba.
Se estes fatores, assim equacionados, podem ser apontados como
vantagens do tasajo orientai em relação ao produto rio-grandense, por
outro lado, a charqueada uruguaia também se via prejudicada pelos
mesmo fenômenos que afetavam o produto gaúcho na sua colocação
^'^FRANCO, Guilherme Vnzquez Ingleses, fefio,f:arriles v fnqotificos Enciclopédia Uruguava. Montevideo, Ed.
Reunidos/Editorial Arca, 1968 p 83
42
no mercado brasileiro. Fundamentalmente, eles eram representados
pelas flutuações do câmbio e pelo reduzido poder aquisitivo do
consumidor nacional.
Tome-se, como exemplo, a situação que se configurou no período
de 1896 a 1900, para o charque orientai. Nodecorrer dos anos citados, o
Rio Grande do Sul sofria os efeitos da guerra civii (1893-1895), que
desorganizara a atividade criatória do Estado, fazendo incidir seus
efeitos sobre as charqueadas. O período da guerra perturbara ainda
mais o sistema de transporte ferroviário, prejudicando o gado serrano,
praticamente o mais necessitado neste sentido.
Àdiminuição da produção de charque no Rio Grande do Sul seguiu-
se a diminuição do abatede gado naArgentina com destino para tasajo.
Este pais se lançara já na escala de frigorificação, o que decretara um
rápido declínio dos saladeros locais. Voltara-se, então, a Argentina para
a indústria de carne frigorífica e para a exportação do gado em pé para
a Grã-Bretanha. Na mesma época. Mato Grosso e o Nordeste brasileiro
foram atingidos pelas secas, restringindo também sua oferta de
charque para os mercados centrais do país.
Ora, com a queda da oferta do charque do Rio Grande, da
Argentina e de outros concorrentes brasileiros, o charque oriental
praticamente dominou o mercado nacional, registrando-se não só um
aumento das exportações uruguaias para o Brasil, como também uma
elevação no preço do artigo^®•
Neste caso, não só a diminuição da oferta do produto contribuiu
para a elevação do seu preço, mas também o fato de se sentirem os
efeitos econômico-financeiros da política emissionista do encilhamen-
to sobre a economia brasileira, depreciando o valor da moeda e
ocasionando a inflação. O aumento do preço do produto no meroado
não deve ser, porém, considerado como uma situação ótima, na
medida em que os consumidores se retraiam.
Oferta disminuida, precio alto y consumo restringido fue ja nueva equaclón. De
todo eiio se deducia que ia pobreza dei consumidor brasiieno era ei regulador dei
mercado tasaiero, ei único dato invariabie de todo ei negocio saladerii. Si ia oferta
crecía, comia màs porque pagaba menos; si iaoferta disminuia, ei precio se eievaba y
comia menos..., o no comia tasajo.39
Que condições apresentava a charqueada gaúcha para tentar
superar esta situação da grande presença do produto similar platino no
mercado nacional?
Uma saída era tentar conseguir impor uma política alfandegária
protecionista a fim de alijar do mercado brasileiro o concorrente melhor
situado.
38compa.ar ,a,s a.,-macôes co.n a.aPela da „ 40 P-co Méd,o do Charcuo nos Mercados do Nor,e
^^BARRAN,JP.&NAHUM,BRecuperüCiónvdepefidencia( 1895 1904) IN Histona rural deiUruguay
moderno. Motevideo, Ediciones de Ia Banda Oriental 1973 Tomo III, P 46
^^PIMENTEL, op cit , nota 20. p 146
43
Em alguns momentos isto foi conseguido peio Rio Grande do Sui.
^'íbidem, p, 293.
44
Além de tudo, eliminar o concorrente não significaria conseguir
impor um preço muito alto, tendo em vista o poder aquisitivo do
mercado, extremamente baixo. Não se tornara possível também forçar
um maior consumo pelo abaixamento do preço do artigo, pois ai o
limite adviria do preço do gado, em elevação na passagem do século.
Uma saida para a economia rio-grandense seria talvez a conquista
do mercado cubano, mas, neste, o Uruguai tentava afirmar-se cada vez
mais, principalmente após a dominação americana (1891) quando os
Estados Unidos tentaram fazer penetrar no mercado antilfianoprodutos
enlatados.
Se estas eras as opções de saida que se apresentavam para o
charque gaúcho, no piano do mercado (protecionismo alfandegário e
busca de afirmação em outros mercados), os saladeros piatinos toma
ram outro rumo.
Para sair da crise, muitas charqueadas orientais voltaram-se para a
perspectiva de emigrar para o exterior, o que significava estabeiecerem-
se dentro das fronteiras do Rio Grande do Sul. Através deste recurso,
ficavam livres dos impostos alfandegários cobrados pelo Brasil, po
dendo mais facilmente abastecer as praças do nordeste. Tinham condi
ções de obter mão-de-obra a mais baixo custo do que no Prata e, pelas
suas ligações comerciais com a pátria de origem, podiam adquirir gado
de superior qualidade no Uruguai. Além disso, o trabalhador da char-
queada gaúcha reveiava-se mais dócil e menos consciente que o do
Prata, onde as greves dos trabalhadores nos saladeros levavam os
empresários a procurar emigrar. Desta maneira, importantes estabele
cimentos charqueadores se estabeleceram no Rio Grande do Sul, origi
nários do Estado Orientai, como a firma DIckInson & Cia., fundada em
itaqui em 1910, a A Compania Saladero Barra de Quarahy, fundada em
1887, a São Carlos, em Quarai. no ano de 1911, e o Saladeiro Alto
Uruguai, também em 1911, em São Borja^^-
Até agora, em termos da concorrência platina, foram colocadas as
articulações das charqueadas orientais e das gaúchas na busca de
abastecimento de um mesmo mercado.
Todavia, enquanto que o Rio Grande do Sul mantinha-se arraigado
á charqueada como forma principal da industrialização da carne, o Prata
já arrancará para uma fase de maior avanço tecnológico, com a
instalação dos frigoríficos.
"*2 BARRAN & NAHUM, op. cit., nota 39, p. 325 et seq.
45
Na virada do século, a economia mundial passou a experimentar
os resultados das mais recentes Inovações tecnológicas que fizeram
baixar o custo da produção e o preço de multo artigos de consumo
mundial.
46
field, em 1903. As principais inversões argentinas realizaram-se com a
formação dos frigoríficos La Sansinena Company (1884), La Bfanca
(1902) e Frigorífico Argentino (1905)^^-
A tais empreendimentos logo viriam se acrescentar as empresas
norte-americanas, através da instalação no Prata do famoso Beef
Trust, de Chicago. As gigantescas companhias Sw/7f, Morris, Armoure
Wilson (ou The Big Four, como também eram chamadas) iriam, a partir
de então, encetar uma luta ferrenha com o capitalismo inglês já instala
do.
Citando em sua obra um comentário do Times de Londres, em
1902, Barran & Nahum informam:
La provisión de carnes en los Estados Unidos está centralizada em manos dei
"Beef Trust", formado por grandes casas consignatárias que tienen su asiento principal
en Chicago. Media docena de estas firmas manejam ellas soias toda Ia provisión de
carne de vaca, de puerco y de carnero para ei puebio americano, dirigen ei comercio de
ganado y de carnes desde que nace ei animal hasta que se convierte en articulo de
consumo (...) Proprietários de cabahas, criadores de ganados, peones de estancia,
comisionistas, matarifes, carniceros vendedores ai por menor, todo ei mundo depende
de este puhado de hombres ricos, contanto que estes hombres se combinen. El abril
pasado se combinaron y elevaron los precios de Ia carne en toda Ia Uniòn, con el
resultado de que se produjeron distúrbios en Nueva York y se extendiò por todo ei país
el descontento (...) El "Beef Trust" hace invernar gran parte de su ganado en tierras dei
Estado, por Ias que no paga nada (...)Se sostiene que, mientras el sindicato encarece
el precio de Ia carne para el consumidor americano, continua vendiendo esta a precios
mucho más bajos en ia Gran Bretaha (...)Las ramificaciones dei "Beef Trust" son muy
profundas. Está vinculado a todos los demás trust, y así se explicaque Ia lucha entre el
puebio americano, encabezado por el Presidente, y los grandes sindicatos cujo cam-
peòn típico es el "beef Trust", sea seguido con intenso interés tanto dentro como fuera
de Ia gran República.44
Os autores referem-se aqui aos efeitos da poiítica federai anti-trus-
te que se desenvolveu nos Estados Unidos a partir de 1890. A Lei
Sherman, que proibia as coligações monopoiísticas para limitação de
comércio e imposição de preços refletira uma exigência dos cidadãos
americanos revoltados contra o que consideravam exageros do capita
lismo monopolista que começava a se configurar. Porém, a Lei só teve
aplicação prática com o presidente Theodore Rooseveit, que procurou
submeter estas empresas ao controle do Estado, iniciando uma
campanha contra as grandes associações, principiou pelo Trust da
Carne, formado pelos frigoríficos de Chicago que haviam organizado e
NationaiPacking Campani para obter o controle de frigorificação da
carne no centroeeste. Como refere Linck^®, apesar do Supremo
47
Tribunal ter dado ganho de causa ao Governo, em1905, os
frigoríficos continuaram desafiando-o.
46richELET, op. cit., nota 43, cap, 2, e FRANCO, op. cit., nota 37.
48
Os criadores se beneficiaram da luta, uma vez que lhes convinha a
política de preços altos para o gado que a competição entre os frigorífi
cos estimulava. Apesar de externamente caírem os preços em Londres,
os frigoríficos mantinham os mesmos elevados para os criadores lo
cais. Neste primeiro pool, os Estados Unidos haviam ficado com
41,35% das vendas, a Inglaterra com 40,15% e a Argentina com 18,50%,
mas, em 1913, as companhias americanas ameaçaram retirar-se caso
não lhes fosse concedido aumento de 70% sobre sua quota. Apesar do
Governo inglês ter intercedido junto ao argentino por suas companhias,
prevenindo contra o monopólio que Chicago pretendia exercer no Prata e
do assunto ser muito discutido no Parlamento argentino, onde se
desenvolveu uma campanha anti-truste, as companhias americanas
afirmaram que poderiam prosseguir oferecendo preços cada vez mais
altos sem com isso perder dinheiro. Em 1914, obtinham a vitória. No
novo pool que se formou, os Estados Unidos obtiveram 58,50%, a
Argentina11,86%, ea Inglaterra29,64%. Indiscutivelmente, os Estados
Unidos haviam obtido o controle da situação'*®.
Sintetizando, configurava-se uma situação de crise no período
republicano que antecedeu à guerra (1890-1913) no referente ao setor
econômico pecuário gaúcho.
Por um lado, uma criação extensiva que se caracterizava pela baixa
produtividade e pouca utilização de recursos técnicos para o melhora
mento do rebanho; por outro lado, a arcaica charqueada que apresenta
va problemas na ordem da produção e na esfera do mercado.
No conjunto, ambas as atividades apresentavam-se com entra
ves ao processo de acumulação de capital. Isto em parte pode ser ex
plicado pela não configuração de relações capitalistas assalariadas
de produção na sua forma plena, pela precariedade de tecnologia e
mesmo pelo valor de troca obtido no mercado pelo artigo produzido. A
alta do preço do gado, que poderia se constituir numa perspectiva
favorável para o criador, era um fator que onerava o custo de produção
do proprietáro da charqueada, abrindo-se, com isso, uma frente de
conflito entre ambos.
No conjunto, a economia gaúcha se apresentava globalmente de
pendente dos centros do país, onde ficava captada parte do excedente
produzido.
Mesmo apontando todos estes obstáculos e configuração de crise,
o Censo de 1907, realizado pelo CentroIndustrial do Brasil, fazia figurar
a indústria da carne seca do Rio Grande do Sul numa relação que
apresentou cem das maiores empresas brasileiras da época.
Por exemplo, como oitava firma relacionada, figurava a de Emílio
Calo &Cia. (Quaraí), como décima-sexta a de Anaya &Irigoyen C-ivra-
mento) e, como vigésima, a pertencente a Ribeiro Magalhães (Bagé).
'^RICHELET, op. cit., nota 43,e SMITH, Peter. Carne ypolítica en ia Argentina. Buenos Aires, Paidòs, 1968.
49
Dentre as cem maiores firmas manufatureiras cadastradas em 1907,
veja-se aquelas pertencentes ao Rio Grande do Sui^.
50
de tecidos, quanto à aproximação com uma empresa capitaiista piena-
mente configurada.
A criação, por seu turno, oscilava entre seus problemas inerentes à
estrutura produtiva de baixa produtividade e a sua dependência à char-
queada, para quem vendia a matéria-prima.
51
1.3. - A classe dominante e as formas de conscientização da crise
Não se pode dizer que a classe dominante gaúcha fosse totalmente
alienada do processo de renovação porque atravessava a economia pe
cuária, notadamente a praticada na zona platina. Rememorando a evo
lução bovina no Rio Grande do Sul, Euclides Moura escrevia numa série
de artigos publicados no Carreiro do Povo em 1914:
o exemplo do cruzamento com o gado inglês Introduzido no Rio da Prata por cria
dores ingleses nos veio porém da República do Uruguai, que acompanhou desde logo
com passos iguais aos da Argentina os progressos da criação moderna. Há perto de
quarenta anos que criadores brasileiros estabelecidos na fronteira com aquele país, ou
no próprio território oriental, começaram a introduzir no Rio Grande do Sul gado fino de
cria do Dr. Carlos Reyles, o homem que entre os primeiros mais denodadamente se
aventurou a reformas pecuárias no Uruguai. Dos nomes patrícios que mais notadamen
te se colocaram à frente do movimento reformador no nosso Estado é justo citar, peios
sacrifícios feitos e pela eficiência de ação, o Sr. Augusto Pereira de Carvalho, fazendei
ro em Santana do Livramento (...) apresentando em seus campos bem cuidados belos
exemplares bovinos de afamadas raças. Conquanto moroso, esse movimento conti
nuou no Rio Grande até ser interrompido pela agitação política e pela revolução
federalista de 1893. Concluída esta e pacificado o Estado, a atividade rural foi toda
absorvida pelo repovoamento dos campos que a fratricida luta deixara abertos e vazios.
Mas já em 1898, homens que três anos antes se achavam de armas na mão em campos
opostos, embora ainda adversários políticos, se uniam e conjugavam esforços para o
nosso progresso econômico, fundando na cidade de Pelotas a Sociedade Agrícola Pas
toril do Rio Grande do Sul, que foi na nossa terra a feliz iniciadora das exposições agro
pecuárias.50
Face a problemática que se apresentava para a pecuária gaúcha,
tanto no nível da produção como no do mercado, teve início na década
de 90 do século passado um movimento de reação dos pecuaristas.
A tendência organizatória e de avaüação crítica dos problemas a
serem enfrentados desenvolveu-se a partir de Pelotas, unindo as dife
rentes facções políticas numa frente, que pode ser considerada parado-
xai, se forem iembrados os sangrentos episódios da revolução da dego
la, que precedeu a formação da Sociedade. Entretanto, deve-se te? em
vista que a distinção política no sul não obedecia a um critério de
ciasses, ou seja, tanto o PRR quanto o Partido Federalista (PF) abriga-
Z50mouRA, Euclides. A questão do gado. Correio do Povo. Porto Alegre,29 maio 1914. P.1.
52
vam latifundiários da pecuária. Eiementos integrantes da mesma classe
tendem a apresentar Interesses econômicos comuns. Configurada uma
situação de crise, a tentativa de superação da mesma uniu-os na mesma
agremiação que buscava defender os interesses da pecuária, embora no
plano político permanecesse a distinção básica: os republicanos eram
os de dentro, os maragatos eram os de fora.
Apropagandaem torno da necessidade de associaçãodos ruralistas gaúchos, pa
ra melhor incremento de sua produção e profícua defesa de seus interesses, encontrou
mais decisivo impulso inicial nas colunas da "Revista Agrícola do Rio Grande do Sul",
fundada em 1897, em Pelotas, sob a Inspiração de competentes agrônomos, com Gui-
Ifierme Minssen à frente, todos agrupados em torno da bandeira do ensino agrícola no
Liceu Riograndense de Agronomiae Veterinária, da Princesa do Sul. Como deco.^rôncla
de salutar campanha destes batalhadores, surgiu naquelacidade a lídima pioneira das
associações rurais do Estado — a Sociedade Agrícola Pastoril do RioGrande do Sul, a
12 de outubro de 1898.51
Adiretoria da Sociedade era formada peias prestigiosas figuras de
José Cipriano Nunes Vieira, presidente, Antunes Maciel, vice-presiden
te, e Soares de Paiva, 1? secretário, nomes estes ligados à atividade pe
cuária.
Coincidiu o surgimento desta organização pioneira com a crise da
pecuária gaúcha registrada após a guerra civii de1893-1895, atingindo a
criação e a charqueada.
Entre as suas proposições, a Sociedade Agrícola Pastoril do Rio
Grande do Sul recomendava a difusão dos processos de refinamento e
seleção do rebanho, bem como a agremiação dos latifundiários.
A julgar pelos nomes integrantes da Sociedade, nela se encontra
vam representantes de uma e outra fração de classe dos pecuaristas.
Não possuímos eiementos conclusivos que permitam afirmarque a agre
miação defendia os interesses específicos de charqueadores ou de
criadores. Um fato, contudo, foi constatado no decorrer da pesquisa:
na medida em que um elemento apresentou-se como criador e char-
queador,ao mesmo tempo tendeu, na maior parte das vezes, a defender
os interesses da fração de ciasse majoritária, ou seja, aquela ligada à
criação.
Quanto à existência de um possível conflito entre aqueles que
industrializavam a carne e os que a forneciam, Barran & Nahum, ao
descreverem o panorama pecuário do extremo sul, referem um convê
nio do charque, efetuado em 1897. Dão a entrever a existência de um
atrito presente entre as duas frações da classe dominante local e outro
entre os charqueadores e as casas consignatárias da venda do produto
nos mercados do centro e do norte. A venda em consignação implicava
em que o custo da produção do artigo aumentasse na medida em que o
intermediário cobrasse comissão muito alta.
Yaantes de iniciarse Iazafra de 1897-1898, los saladeristas brasllenos de Rio Gran
de flrmaron un convênio con ei cual procuraron: a) dlsmínuir Ia oferta de tasajo, com-
prometlèndose cada industrial a reducir en un 50% Ia matanza de ganado y arrendar.
53
porintermedie dei sindicato queconstituirían, lossaladeros queno habian trabajado ei
ano anterior para manteneriosen ia inactividad; b) mejorar su posición frente a los con-
signatarios, eligiendo comisionistas en cada mercado dei Norte dei Brasil, designados
por IaAsemblea General de los industriales, noaceptandootro régimen que el dei pago
de Ia mitad dei producto ai contado, "y nunca menos"; c) mejorar su posición frente a
ios hacendados, ya que ai disminuir Ia produciòn èstos sufrirían de plétora, comprome-
tléndose los industriales entre si a comprar el ganado a 30 dias de plazo para el pago, y
no a menos52. 53
A tatica é clara; restringir a matança para elevar o preço do char-
que no mercado e sustar a crise das charqueadas, mantendo arrenda
dos os estabelecimentos inativos; deixa entrever também as conse
qüências que deveriam enfrentar os criadores que se veriam a braços
com a superprodução do gado gordo, uma vez que as charqueadas res
tringiam suas atividades.
Como se vê, deiineavam-se antagonismos sem que estes se reve
lassem ainda de maneira ciara, como aconteceria mais tarde. De um la
do, aparecia a presença de um convênio entre os industriais da carne e,
de outro, uma sociedade que, pelos seus fins, objetivava o aprimora
mento da atividade criatória gaúcha.
Uma vez fundada, a agremiação pioneira dos pecuaristas passou a
desenvolver uma intensa atividade a fim de atingir os fins a que se pro
punha.
Instalada a sociedade em outubro de 1898 (...) recebia adesões de diferentes
pontos do Estado e decidia, no mês seguinte, efetuar ai? exposição agropecuária para
a qual obteve o auxílio de um conto de réis da Intendència Municipal e de seis contos
de réis do Governo do Estado, que comunicando esta decisão declarara em telegrama
firmado pelo Dr. Borges de Medeiros à diretoria da sociedade: "O Governo louva e
aplaude a brilhante iniciativa dessa associação que pode contar com a melhor boa von
tade em prol do seu alevantado tentamen".
A exposição realizou-se em 21 de abril de 1899, sendo apresentados entre os ani
mais expostos quarentas quatro bovinos crioulos e diversas raças em diferentes^graus
de sangue. (...) Na 2® exposição, efetuada em 24 de fevereiro de 1900, foram apresenta
dos 78 vacas quase todas dignas de apresentação e o número de secções do grupo de
bovinos, que na primeira fora apenas de 4, eievou-se a 10, dividindo-se pelas raças
Durham, Hereford. Schavitz, Holandesa e Crioula(...) A3® exposição, em abril de 1908.
excedeu as anteriores, não só em número como na quaiidade do produto. A 4?, em
1905, concorreram 63 bovinos. A 5?, 6? e 7? realizaram-se, respectivamente, em maio
de 1907, novembro de 1910 e março de 1913, assinalando cada um destes certames um
passo largo no melhoramento pecuário.54
Embora efetivamente o processo de refinamento tenha feito pro
gressos no Rio Grande do Sul, em 1914 o Estado possuía 312 bovinos
de puro sangue registrados, enquanto que o Uruguai apresentava 1.582
bovinos em 1907, registrados 1.627 em 1908 e mais 1.617 animais em
1909, perfazendo um totai de 4.826 cabeças em três anos. Como dizia
Euclides Moura, comprovava-se a enormidade de distância em que o
Estado se achava do Uruguai e Argentina no processo de seleção do re-
banho^®.
^^baRRAN b NAHUM op cil . nola 39. P 1^8
53ver tabela p. 40: de 1893a 1896o preço do charque baixou.
^^MOURA, op. cit. nota 50. p. 1.
55lbidem. p. 2.
54
Uma das conseqüências da campanha levada a efeito pela Socie
dade Agrícola Pastoril de Pelotas, foi a disseminação pelo Estado de
outros núcleos agremiativos locais que, por sua vez, começaram a rea
lizar exposições de gado, municipais ou regionais.
Em 1903, surgiu a Sociedade Pastoril e Industriai de Jaguarao; em
1904, nasciaa Associação Rural de Bagè, sob a presidência de Joaquim
Francisco de Assis Brasil, e surgia também a Associação Rural Gabrie-
lense; em 1905 era a vez da Sociedade Agrícola Pastoril de üru^aiana.
Seguiram-se a Sociedade Pastoril de Dom Pedrito, a de Arrolo Grande,
Santa Vitória e outras.
Ainda por Iniciativa dos ruralistas de Pelotas, em1905 conseguiu-
se o transporte do gado em pé pela Southern Brapiian Railway Compa-
ny(Rio Grande a Bagé, nesta data sob a concessão da Cie. Auxiiiare ae
Chemins de Fer au Brésil). ... c «waWí.
Para comemorar o 10? aniversário de sua existência, a bocieaaae
Agrícola e Pastoril do Rio Grande do Sul promoveu oi? Congresso
Agrícola do Estado, realizado em Pelotas, a 12 de outubro de laUo.
Seu presidente, Joaquim Luís Osório pôs em debate a conv^enien-
cla da fundação de um órgão queagremiasse todas as associações ru
rais que haviam proliferado pelo Estado. Tal projeto tornou-se reaiiaa e
numa assembléia de criadores realizada em Porto Alegre em oe
setembro de 1909, quando surgiu a Federação das Associações Rurais
do Rio Grandedo Sul, entidade de classe que congregava os pecuaristas
para a defesa dos seus Interesses. irir.ro
A partir dai, a Idéia cooperativista e associativa tomou um incre
mento cada vez maior no melo dos latifundiários. . . o- n
01 ? Congresso da Federação dasAssociações Rurais do Rio Gran
de do Sul teve lugar em 11 de junho de1910, sob a presidência de uar-
los Barbosa Gonçalves e contando com a presença de Inúmeros repr^
sentantes das sociedades filiadas, que debateram problemasreterentes
á situação da pecuária gaúcha. „ .,«0 «o
Na abertura do Congresso, Joaquim Luís Osório ®^
cuaristas presentes o congraçamento dos esforços no ®® .jl
zar Interesses econômicos comuns, esquecendo as divergências p
cas.
56
Reg[stre-se bem que, em ambos os depoimentos, se faz a ressalva
da atuação do Centro. No segundo deles, nega-se a ação trustificadora
da entidade, tendo em vista a retidão e honestidade dos diretores. De
ve-se considerar, em primeiro lugar, que as duas intervenções são
feitas por pessoas ligadas à pecuária e, no caso de Mascarenhas, de
um criador-charqueador. Trata-se da visão da classe dominante sobre
si mesma, em última análise. Além destas considerações, parece fun
damental acrescentar que,neste momento histórico dado, ainda não se
hav|am manifestado de forma totalmente clara, ao nível da conscienti
zação dos agentes, a diversidade de interesses presente entre os ele
mentos que forneciam a matéria-prima e os que a transformavam.
Existia, contudo, uma percepção de uma crise que devia ser en
frentada, embora a maior parte das vezes as causas percebidas fossem
remetidas ao nivel da circulação: necessidade de encaminhar a exporta
ção, garantir bom preço no mercado, contrabando, deficiência de trans
porte.
Alguma coisa, contudo, foi feita neste período no sentido do apri
moramento das raças, tendo começado, com maior freqüência, após a
Revolução Federalista de 1893-1895, a importação de gado seleciona
do. Esse processo se intensificou após 1910, fruto do debate que se
travou em torno disso no 1? Congresso da Federação das Associações
Rurais do Rio Grande do Sul.
A perspectiva do crédito também não esteve ausente, como se vê,
com o surgimento do Banco Pelotense, em 5.02.1906, estabelecimento
criado com capitais locais, especialmente de charqueadores e pecua
ristas e com o apoio do Estado.
Tendo em vista o exemplo platino muito próximo, com o seu in
discutível avanço tecnológico e amplas perspectivas de mercado em
expansão, revelava-se claro o contraste entre o que se passava na eco
nomia das repúblicas vizinhas e o dilema da charqueada e da criação
gaúcha.
Já em 1903, a Associação Comerciai de Porto Alegre assim se pro
nunciava:
(•..) a indústria pastoril do Rio Grande do Sul está estacionària, se não em decadên
cia. Quais serão as causas determinantes deste retrocesso? A causa é a nossa inferiori
dade produtiva em frente de nossos felizes vizinhos do Rio da Prata, protegidos direta
ou indiretamente contra nós mesmos. Diretamente, porque taxamos insuficientemente
o charque platino; a taxa do charque deve ser elevada a 160 réis no mínimo, indireta
mente, pelos seguintes motivos: 1®) Taxamos exageradamente o sai (...) 2°) Com a
supressão de cabotagem livre, os fretes e gastos que pagamos deixam uma margem
muito provável em proveito de nossos vizihhos do Prata (...) 3°) O charque rio-granden-
se é ainda hoje sobrecarregado com o imposto de exportação estadual e felizmente esta
sobrecarga desaparecerá em breve porqueo patriótico Governo do Estado está em vias
de abolí-lo por completo (...) 4°) Protegendo desmesuradamente a indústria têxtil, da
tela de embalagem, gravamos de novo indiretamente o charque (...) 61
61 BARRAN & NAHUM, op. cií., nota 39, p. 51. Tradução do Autor.
57
Torna-se clara, neste trecho, a conscientização do problema, limi
tada a questões relativas à taxação sobre o charque, o sal, a tela de
embalagem e o problema do frete.
Não estava ausente da visão que a ciasse dominante tinha da crise a
reflexão a respeito da decadência da charqueada e a sua substituição
pelos mais modernos processos produtivos de frigorificação da carne,
tal como se dera no Prata. Aqui, as opiniões se dividiam, como se pode
ver nas posições assumidas pelo presidente do Estado Carlos Barbosa
Gonçalves, na sua mensagem de 1908, e pelo secretário da Fazenda Ál
varo Batista, em 1909®^.
Refere Carlos Barbosa:
58
Carlos Barbosa percebe o progresso tecnológico que advirá com a
indústria de carne frigorificada, mas insiste nas possibilidades de re
sistência da charqueada. Identifica-se, pois, com o velho processo
produtivo transferindo a solução pela ampliação do mercado de consu
mo: o sertão brasileiro. Quanto ao progresso do frigorífico, este se dará
na medida em que o problema magno — a barra e o porto de Rio Grande
— for solucionado. Logo, a raiz do problema econômico liga-se à esfe
ra da circulação também.
A nossa indústria nnais rendosa, a que produz mais para o Estado e para os parti
culares, é a do charque; mas é certo que è uma indústria transitória. O charque não
transpôs ainda os limites das repúblicas platinas e do Brasil, senão para Irà Cuba. Ê,
portanto, uma indústria que tende a desaparecer; e, como a nossa principal riqueza
consiste na criação de gado, o futuro econômico do Rio Grande está ameaçado, e
desde já cumpre-nos estudar e resolver o problema do emprego do nosso gado.
Devemos dizer que há muito foi ele cuidadosamente estudado e resolvido, de acordo
com os conhecimentos científicos contemporâneos e que a nós resta apenas aproveitar
a experiência e o trabalho dos outros, com a devida antecedência, para prevenirmos
umagrande criseeconômica. OGoverno do Rio Grande previu a extinção do charque co
moalimento, e a necessidade de empregar a carne, como matéria-prima de outros pre
parados alimentares.64
(...) até que, de modo definitivo, a grande indústria de conservação de carne, por
quaisquer problemas, desenvolva-se entre nós, para prevenir a crise, que virá fatalmen
te e para gradualmente substituir uma indústria grosseira e condenada, porque lhe falta
uma qualidade para ser permanente, a de correspondera uma necessidade humana, e,
portanto, de poder generalizar o consumo do seu produto, o charque.®®
S^RELATÔRIO do Secretário dos Negócios da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul. 1909. P. 66.
65|bidem. P. 66-7
^^Ibidem, p. 67-8
59
REPÚBLICA ARGENTINA
67|bidem. p. 66-7.
60
Conclusão: é preciso favorecer estes e deixar aquele exposto à dura sorte da
procura, agora feita exclusivamente pelo Brasil e Cuba.68
1° - Material que, comprado aos milhares para ser entre todos distribuído, resulta
rá mais barato, porque os sócios aproveitarão todos os descontos comerciais.
®®lbidem, p 66 7.
S^NOSSO programa. Estância. Porto Alegre, (11:5, mar. 1913.
61
OrQãnizBção crisdâ psrs dsfôndôr os intsrsssss sspscificos dos
criadores, uma das suas primeiras atuações neste sentido foi ter agido
(...) em defesa da ciasse, quando por ocasião do pretendido convênio deiineado e
iniciado peio Sr. Emílio Caio. Sim, este senhor, unido a alguns charqueadores. de*
Montevideo e do Estado, pretendiam, negando a notória escassez.de gados, impor
preços aos fazendeiros, assegurando para si nababescos proventos advindos da alta
dos efeitos nos mercados de consumo!
^"santos, Eurico de Oliveira. Aos criadores. AEstância. Porto Alegre, (1): 15, mar. 1913.
MOREIRA, AlfreíJo Gonçalves. Relatório apresentado pela Diretoria da União dos Criadores do Rio Grande do
Sul à Assembléia geral, em Santa Maria. A Estância. PortoAlegre, 3(8.', maio 1913.
62
Müller explicaesta identificação do obstáculo ao nível de circula
ção pela estrutura da produção e pelas funções econômicas da área:
^^MOREIRA, Alfredo Gonçalves. Memorial que o Exmo. Sr. Dr. Borges de Medeiros, M.D. Presidente do Estado,
apresenta à União dos Criadores do Rio Grande do Sul. A Estância. Porto Alegre, (3);92, maio 1913.
75osÒRIO, op. cit., nota 75, p. 48.
63
A União dos Criadores argumentava que a valorização dos gados e
dos campos que no momento se apresentava poderia não ser uma
fenômemo necessariamente durável. Se o gado se configurava valori
zado, era porque estava escasso, tendo em vista tanto as epizootias
como a inciemência das estações. Inclusive, a alta momentânea do
gado não beneficiava a todos, mas principalmente os invernadores que
não haviam sofrido os problemas pertinentes à criação e eram os que
forneciam aos charqueadores.
Para poder enfrentar mais um encargo, teriam os criadores de
remodelar a exploração dos campos e dos rebanhos, obtendo, com
isso, maior rendimento. Para isso exatamente havia sido criada a União
dos Criadores, mas, materialmente, os criadores se encontravam im
possibilitados de aprimorar a criação, uma vez que seus campos se
achavam despovoados e um imposto proibitivo à vinda de rebanhos
platinos fora colocado pelas Repúblicas vizinhas. A possibilidade que,
após a Revolução de 1893-1895, teve o Rio Grande de repovoar seus
camposcomgadodo Prata, havia acabado. Aconclusão lógica era que o
Governo, elevando o imposto, faria os criadores legarem por
propriedades vazias, desfalcadas de gado e improdutivas
O mesmo problema era aventado na Assembléia de Representan
tes do Estado pelo Deputado iidefonso Pinto, remernorando tanto as
palavras de Alfredo Moreira ao encaminhar o memorial da União dos
Criadores quanto às do próprio Borges de Medeiros que, em sua men
sagem de 20 de setembro de 1913, afirmara a diminuição bovina no
Estado^^
Ao lado da impraticabilidade da elevação do imposto, era consi
derado fato alarmante a diminuição do rebanho, sendo apontadas como
causas do fenômeno tanto as naturais (como epizootias), como as
comerciais (grande abate, indiscriminado, e a exportação do gado em
pé para as repúblicas vizinhas)
Ainda na fase pré-guerra, a ciasse rural realizou, em 24 de maio de
1913, O Segundo Congresso de Criadores de Santa Maria, onde foram
tratados com especial atenção os problemas refere^es à necessidade
de criação de um Banco Rural e a fundação de coop^ativas de produ
ção, sendo nomeadas comissões para estudo.
Quanto ao Banco, viria solucionar as necessidades de crédito
rural e, quanto ao segundo item, foi abordada a necessidade de forma
rem-se charqueadas nos moldes cooperativistas, que seriam distribuí
das em zonas carentes do Estado.
ANAIS DA ASSEMBLÉIA DOS REPRESENTANTES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. 22* Sessão
Ordinária. 1913. Porto Alegre, 1913. p. 252-9.
64
A respeito do prooiema das charqueadas, as opiniões durante o
Congresso se dividiram, sendo oue a ala liderada por Euribíades
Dutra Vilia manifestou-se formalmente contra a figura do industrial do
cfiarque. Jà um outro grupo identificava ser o comissário do norte ou
intermediário o elemento que se devia combater. Em outras palavras,
havia a constatação de que o criador sofria as conseqüências de uma
exploração, divergindo as opiniões quanto à identificação do agente
deste processo.
Como se viu, a vivência de uma situação critica na pecuária gaúcha
fez com que a classe dominante despertasse para os problemas que
enfrentavam a criação e a charqueada rio-grandense. Passaram a ter
consciência da crise que atravessavam e procuraram organizar-se,
identificar os obstáculos e discutir o modo de combatê-los. Em espe
cial, começaram a realizar o cruzamento do rebanho gaúcho com repro
dutores importados ingleses, organizaram-se em agremiações para
defesa de interesses comuns, realizaram exposições de gado, dissemi
naram pelo Estado os núcleos agremiativos, efetivaram congressos
onde discutiram os principais problemas que afligiam a pecuária. A
organização dos criadores revelou-se mais concientizada da crise e
seus fatores, enquanto que os charqueadores se limitavam a articula
ções tipo convênio para elevar o preço do produto no mercado e baixar
localmente o preço do gado.
Numa época em que as classes sociais se encontravam muitas
vezes ainda relativamente indiferenciadas, aos poucos dois níveis de
conscientização foram se estruturando.
Por um lado, aparecia a noção de que a pecuária gaúcha, como um
todo, enfrentava uma crise e que era preciso que se reagisse na defesa
da pecuária. Tem-se, aqui, a consciência da crise e, na medida em que
isto de dava, adquiria-se a consciência dos interesses da classe domi
nante rio-grandense que se apoiava na pecuária. Dentro desta perspec
tiva, charqueadores e criadores, como frações de classe dominante que
eram, tinham interesse na preservação da atividade econômica funda
mental do Estado, da qual detinham os meios de produção, e na
acumulação de capital. De forma geral, sob o prisma econômico, estes
eram os interesses amplos da classe que, aos poucos, os pecuaristas
iriam conclentlzando de forma cada vez mais clara.
Contudo, na proporção em que este processo se desencadeava
(consciência da crise propiciando consciência de classe), lentamente
se atingia o segundo nível de conscientização, pela constatação da
existência de interesses divergentes no plano econômico entre criado
res e charqueadores. Isto correspondia aos interesses da cada fração
de classe, específicos e opostos muitas vezes. Entretanto, é conve
niente lembrar que, por mais conflitantes que pareçam estes interes
ses, criadores e charqueadores se apresentam como frações de uma
65
mesma classe dominante, cujo interesse maior è o processo de acumu-
iação de capital que as une.
Ê nesta linha de percepção que se insere a criação da União dos
Criadores, por iniciativas dos estancieiros ou dos convênios de char-
queadores, que visavam forçar a baixa do preço para aquisição de
matéria-prima e a alta do charque no mercado nacional. Cada qual
pretendia, no caso, defender interesses especificos de fração de classe.
66
1.4 ° As formas de atuação d© Estado
67
Em suma, o positivismo pressupunha um desenvoivimanto mate
rial sem renovação social, negando o conflito social. Desta forma, o
Estado concebido pelo comtismo se apresenta como portador dos
interesses de todas as classes. A nível teórico, neste caso não teria
sentido falar-se em funções de dominação política. Segundo esta con
cepção positivista, o Estado teria funções eminentemente técnicas,
tais como promover o desenvolvimento material das sociedades. Era
preciso que, tanto no nível econômico como no espiritual, a mais
ampla liberdade fosse assegurada, a fim de que se chegasse ao estágio
do pleno desenvolvimento científico (o das repúblicas positivas, de que
falava Comte), onde triunfaria a mais justa e sábia das filosofias, a
positiva.
68
É preciso, pois, que se remonte às idéias de Augusto Comte sobre
o capital, a fim de que se possa compreender a afirmação positivista de
que ele é social em sua origem e em seu destino.
Segundo Teixeira Mendes, cada homem produz mais do que o
necessário para o seu sustento e, desta forma, este excesso de produ
ção pode ser conservado de uma geração para a seguinte, num proces
so de acumulação.
A origem do capital é social, e sua conservação exige o consumo social, logo o seu
destino deve também ser social. Ora, o emprego social do capital exige que os
possuidores consagrem a renda à manutenção dos agentes que a produzem e a
aquisição de seus instrumentos de produção, reservando para si uma quota sabiamente
determinada. Só nestas condições a sociedade pode garantir a algum de seus membros a
administração do capital humano.
Quem jamais, em seu estado de razão, não viu que é de ordem natural das
sociedades que haja sempre ricos e pobres, aqueles em pequeno, em diminutíssimo
número e estes formando a grande maioria, a quase totalidade do povo?-®^
Ora, se esta divisão entre possuidores e não possuidores é algo
natural, deve ser respeitado, porque é um elemento integrante da
ordem que é a base do progresso. Deve haver, pois, conformação ao
status quo — ordem formalmente estabelecida - assim como deve ser
assegurada a propriedade, com o que se assegurará o progresso.
O posicionamento, como se vê, é adequado a um projeto social que
se destina a promover a acumulação capitalista sem renovação da
estrutura social.
Quanto ao pólo írcbalho, este é remunerado através do salário,
(...) subsidio liberalmente dado pela sociedade a cada cidadão, a fim de poder
manter a família, que è a base de toda ação cívica. E se esse subsidio è dado por
intermédio dos ricos, é incontestável que estes llmitam-se a cumprir um dever Inlludl-
vel, porque o capital que possuem pertencendo de fato à sociedade, cumpre que seja
aplicado em proveito da mesma sociedade.82
69
o progresso industrial resulta espontaneamente de uma natural harmonia coletiva,
Isenta de intervenção perturbadora ou de artificiosas combinações. Conciliando a
independência com o concurso, como condição da existência social, a nossa organiza
ção econômica, cimentada sobre bases nacionais e livrés, estimula e garante o surto
vitorioso de todas as iniciativas privadas sem prejuízo de convergência de esforços em
bem do aperfeiçoamento social. A prudente Interferência do Estado restringe-se aqui a
nivelar e generalizar as condições da verdadeira concorrência, sem as quais estiolam-se
e fenecem as energias individuais.
Tão perigoso è a falsa concorrência como funestos os monopólios ou
privilégios quaisquer. Num e noutro caso, a sociedade é sempre a vitima da exploração
de poucos. Presidindo ao livre jogodas forças econômicas, compete ao Estado exercer
uma ação reguladora na medida das necessidades Indicadas pelo bem público.
Nos casos em que a ação particular explorasse um serviço público,
auferindo com isso mais lucros do que propriamente prestando um
serviço à comunidade, deveria o Estado realizar a socialização dos
serviços publicas, o que significava remeter à esfera governamental a
exploração do serviço. Quando o caso se referia a um serviço municipal
dar-se-ia o nome de municipaiizaçào.
Mais adiante, Borges explicita ainda a ação do Estado nestes
casos:
70
o governo borgista, nesta sua primeira fase (1898-1907), mostrava-
se apreensivo quanto aos métodos empregados na criação extensiva
capazes de comprometer o ritmo econômico do Estado. Ao mesmo
tempo reafirmava o seu propósito de procurar orientar a pecuária no
sentido de progresso.
Em 1904, Borges assim se exprimia;
Não são lísonjeíras as condições da indústria pastoril. As tentativas de melhora
mento do gado nativo, peia introdução de pastores de raças superiores, hão sido
infrutíferas, porque não mudaram também os processos rotineiros de criação. Não
salmos ainda da fase iniciai da indústria pastoril: a criação è feita à lei da natureza e em
comum; os campos perdem cada vez mais as suas qualidades nutritivas por não serem
convenientemente tratados. Não se cuida do plantio de pastos. Graças, porém, ao
sistema de prados artificiais, os Estado Unidos, a Austrália e a Argentina têm conse
guido resuitados supreendentes. Por outro lado, não sabemos ainda aproveitar os
elementos que fornece a criação em larga escala para explorar indústrias acessórias
como a de laticínios. Na aiçada da ação governamental, não cessarei de estimular as
iniciativas regeneradoras de nossa mais antiga indústria.^^
Não basta produzir muito quando o valor do produto não oferece vantajosa com
pensação ao trabalho e ao capitai. Para conjurar esta situação desfavorável, é mister
que a ação individual se revele com intensidade, a par das medidas protetoras que se
compreendem na esfera do poder púbiico. As indústrias agrícola e pastoril, fontes de
nossa riqueza pública e privada, exigem aprefeiçoamentos que dependem diretamente
do esforço individual®^
71
cal de outrora, entregando-se ao trabalho ativo e producente. Os potreiros de pasta
gem, os galpões, os tanques higiênicos para bovinos e para lanígeros, o trato dos
reprodutores e milhares de misteres peculiares à boa administração das fazendas de
criação, absorvem-lhe agora a atividade quotidiana. A seleção e o cruzamento mere
cem-lhe atenção máxima, como meios eficazes de promover em pouco tempo o
aperfeiçoamento completo dos gados.
72
tes de pensamento a respeito da velha indústria: üma que ainda cria nas
suas possibilidades de resistência por vários anos, representada pelo
pensamento de Carlos Barbosa, e outra que a considerava fadada ao
desaparecimento, tal como se viu nas palavras do secretário da Fazen
da Álvaro Batista. Assunto por demais controvertido e debatido na
época, tendo em vista a soma de capitais nela imobilizados, a par de
toda a discussão que se pudesse fazer em torno dele, generalizava-se a
idéia de que a ciasse dos pecuaristas deveria racionalizar o processo
produtivo, não apenas para o charqueador dominar o mercado brasilei
ro, mas também conquistar novos mercados, através da implantação de
um novo ramo industriai: o frigorífico.
Neste sentido, a preocupação do Estado manifestou-se através de
um contrato realizado em, 29 de maio de 1903 com uma firma estrangei
ra, a Brazilian Cold Storage & Development Umited, à qual o Governo
do Estado concedia o
(...) privilégio para o estabelecimento, uso e gozoduratus ' u: •. de trinta anos,
de depósitos frigoríficos para conservação de carnes, peixes, le^iime;?, frutas, ovos,
etc., mediante a aplicação do sistema aperfeiçoado de refrigeração, sendo facultado à
Companhia manter os depósitosque quisere nos pontos onde julgar mais conveniente
fazê-lo. O privilégio é outorgado sem a mínima.
Restrição da liberdade da Indústria das charqueadas, dos açougues ou de outras
quaisquer semelhantes 92
ACompanhia, radicada em Londres, operando no mercado de Smi-
thfieid, desde 1902 nomeara um procurador para tratar deseus negócios
no Brasil, a fim de estabelecer-se em qualquer Estado do Pais para
operar com processos de frigorificaç >.93
Além disso, a Companhia se incui.>^ia de introduzir gado selecio
nado. Por outro lado, também se obrigava a pagar ao Estado um impos
to porcabeça de gadoabatido e um imposto de exportação para os pro
dutosquefabricasse, bem como fornecer carne ao Hospício São Pedro
e Casa de Correção pela metade do preço vendido no mercado. Além
disso, podia cobrar taxa de armazenagem aos que desejassem utilizar
seus depósitos para conservação de charque ou outros produtos. Ten
do conc^ido assim uma série de favores á Brasilian Cold Storage, o
°0''9'sta procurou justificar-se pela sua atitude, na Mensagem
inteiramente nova no Brasil, a sua Introdução no Estado teve apenas a
SoHí, "I" privilégio temporário, que não envolve, aliás, a mínima restrição á llber-
r,.'iKfi5°
puDiico. Nao hesiteiem ®outras Indústrias,
outorgaro aludido nem impõeIndependente
privilégio ônus direto ou
de Indireto ao erário
concorrência pú-
Ãron 1"® ®® consubstanciam nas seguintes.
V sempre
as do Estado, s''*'90que
71,for
§21,possível.
msnda adotat s concortência
Ora, nocaso públ Icstratava
vertente nãose nos serviços
de servie
ço ou Obra do Estado, e o queé mais, a concorrência poderia ter efeito contraproducen-
92meNSAGEM presidencialde 1905. p. 18.
quivo^Hfslóríco^do^Estadc)^ ^documenios. Secretaria de Obras Púbicas do Estado do Rio Grande do Sul.Ar-
73
te se não fosse impraticável. Conquanto o priviiègio concedido não constitua um pro
cesso de invenção, todavia a conservação de carnes, etc., mediante a aplicação do sis
tema mais aperfeiçoado de refrigeração, é uma indústria desconhecida ou inexpiorada
por nós. Quem, neste caso, ousaria disputar a concorrência? Demais, que outras vanta
gens poderia ela trazer além das que oferecia a companhia concessionária? Por outro
lado, não seria a abertura da concorrência motivo bastante para entibiar a mesma em
presa, que soiicitava uma concessão pura e simpies como garantia única dos avuitados
capitais a empregar?
Estas e outras considerações induziram-me a celebrar o contrato pela forma indi
cada, bem convencido, como estou, de sua influência, decisiva nos destinos econômi
cos do Rio Grande do Sui.94
Dentro da concepção do Estado, a indústria da carne frigorificada
viria conquistar novos mercados no exterior, abrindo ao Rio Grande do
Sul um campo novo de negociações, bem como solidificar a sua posi
ção dentro do mercado interno brasileiro pela variação do produto ex
portado. De exportadores de charque para as praças do norte e centro
do país, o Rio Grande do Sul introduziria a carne congelada nestes mer
cados.
Além de contribuir para a valorização do preço dos gados e cam
pos, o sucesso da nova empresa atrairia capitais para o Rio Grande do
Sul e o desenvolvimento geral dos negócios aumentaria a renda do Es
tado mediante o pagamento de impostos.
Firmando o contrato em 1903, em dezembro do ano seguinte en
contra-se a Companhia pedindo a dilatação do prazode um_ano, estipu
lado para que a empresa desse inicio às obras de instalação dos depó
sitos frigoríficos, findo o qual a concessão se quedaria nula95.
O pedido foi deferido, dilatando-se o prazo até 30 de junho de
1905, sem o que a concessão caducaria. Não tendo a Companhia mon
tado suas instalações até esta data, a concessão perdeu o seu valor. A
razão da não instalação se prende, muito provavelmente, às exigências
do governo no pagamento de impostos pela companhia estrangeira,
exigências estas que, após, seriam substituídas por uma política de
concessão de favores.
A ação do estado, de promotor do desenvolvimento econômico,
proporcionando o surgimento de frigoríficos, alertando a classe rural
para a união na defesa de seus interesses, não esmoreceria e se faria
sentir numa série de decretos e leis expedidos neste período.
Pelo Decreto n? 979, de 6 de janeiro de 1903, o Governo do Estado
facultava aos profissionais da agricultura e indústria para se organiza
rem em sindicatos na defesa de seus interesses. O movimento coope-
ratiyista no Rio Grande do Sul cobrou força com a atuação do reverendo
Teodoro Amstad, nas colônias alemãs, a partir de 1901, e do Dr. Stefa-
no Paternó, a partir de 1911, na zona de colonização italiana.
Por ocasião da propaganda Paternó, assinou o Governo do Rio Grande, a 30 de no
vembro de 1911, a Lei n? 133, que concedia ás cooperativas diversas regalias e isenções
de impostos por prazos que variavam de 3 a 10 anos.96
94meNSAGEM presidencial de 1305. p. 21.
^^REQUERIMENTO encaminhado aoGoverno do Estado por The BrasUan Coü Storage andDevebpment Compa-
ny Limited. 1904. Secretaria deObras Púbicas. Arquivo Histórico do Estado.
96piMENTEL. op. cit.. nota 20, p. 261
74
A intenção do Governo era alertar o produtor e promovera ativação
da iniciativa individual na defesa da economia gaúcha.
Intentando implantar a indústria do frio no Estado, o Governo deu
surgimento à Lei n? 149, de 12 de novembro de 1912, quando isentou,
pelo prazo de 30 anos, dos impostos de indústria e profissões o gado
abatido e a exportação de carne congelada ou refrigerada e subprodu
tos, os frigoríficos que se estabelecessem no Estado. O decreto não
previa apenas a frigorificação de carne, mas também a fabricação de la
ticínios, frutas e vegetais. A lei estabelecida que só pagariam taxa de ex
portação os produtos considerados matéria-prima^^.
É interessante verificar que, dando todo este impulso à instalação
dos frigoríficos, procurando atraí-los para o Estado através de conces
são de incentivos fiscais, o Governo condicionava o sucesso da indús
tria pecuária à solução do problema magno tal como era concebido no
Rio Grande do Sul: o dos transportes. Eis como se expressava Borges
de Medeiros a esse respeito:
Não há dúvidas do grandioso futuro dessa indústria que, para expandir-se extraor
dinariamente, só tem a esperara soluçãofinal do problema dos transportes—a abertu
ra da barra do Rio Grand^e à franca navegação das embarcações de longo curso. Nesse
dia, ao lado da exportação do charque, surgirá necessariamente a do gado em pé para
abastecimentodos mercados nacionais e mesmo estrangeiros: e a nova Indústria frigo
rífica virá concorrer com a das nossas veihas charqueadas. Poderá a nossa pecuária
disputar também o mercado mundial.98
Neste sentido, e para sanar as deficiências que apresentava o
Estado sulino no setor de transportes, o Governo expediu o Decreto n?
1958, de 19 de abril de 1913, estabelecendo o plano da Viação Geral do
Estado, que compreendia a viação de rodagem, viação férrea e viação
fluvial.
Tanto o esquema ferroviário como o porto do Rio Grande achavam-
se sob o regime de concessão a companhias estrangeiras, que, porém,
nao prestavam bom serviço ao escoamento da produção gaúcha. Além
disso, cobravam altos fretes, que encareciam a produção e faziam os
artigos rio-grandenses atingirem os mercados nacionais em condições
de inferioridade em relação aos concorrentes.
A propósito dos concorrentes, estes já se faziam sentir desde o
inicio do século sobrea economia gaúcha, como se pode ver nestas re
flexões de Borges na sua mensagem de 1902:
(...) avoluma-se mais e mais a massa dos produtos da indústria agrícola e pastoril.
Entretanto, observa-se, e não é licito dissimular a gravidade de tal fato, que, apesar de
ser maiora produção^ não tem aumentado proporcionalmente a riqueza ou o valor dos
produtos em circulação. Abaixa dos preços é o efeito Inquestionável da concorrência
sempre crescente. Acrise nacional, que teve pororigem a superproduçãodo café com a
sua correlativa depreciação, operou uma rápida transformação nas condições econômi
cas de muitos Estados, que até então haurlam exclusivamente na monocultura todos
os elementos de prosperidade. São Paulo, a parde louvável esforço pelo aperfeiçoa
mento da produção do café, empreende ativamente outras culturas. Minas avantaja-se
nodesenvolvimento da Indústria pastoril e de outras que lhe são acessórias. O mesmo
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Leis, decretos eatos. Porto Afegre, AFederação, 1912.
98meNSAGEM presidencial de 1913. p. 58.
75
impulso vigoroso agitaas classGs produtoras nos Estados de Santa Catarina, Paraná,
Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e outros (...) Menos é de lamentar a concorrência in
terna, da Qual resultam benefícios reais para o país e para os consumidores em geral,
do que a volumosa Importação estrangeira de gêneros similares ao da produção naclo-
nal!99
A respeito desta problemática relação que se estabeleceu entre
produção exportada e valor recebido, por um lado, e a presença de con
correntes, por outro, Borges vincularia a questão dos transportes:
Não existe proporcionalidade entre a massa e o valor dos produtos, é que Influên
cias anômalas e estranhas atuam sobre nossa economia. E a principal causa do atraso,
no que unânime è o consenso, provém da Insuficiência e desmedida carestiados trans
portes. Sabidoè que dois terços da nossa exportação se destinaao consumo do norte
do país, onde o produto rio-grandense, em competência Irrelutável com o similar es
trangeiro e nacional, sofre a depreciação, que não logram evitar nem a quantidade e
nem a qualidade. Ao passoque os concorrentes nacionais se encontram, por assim di
zer, às portas dos mercados consumidores, usufruindo os benefícios resultantes da
economia de tempo e do menor percurso, porflam em vão os produtores deste extremo
meridional em vencer esta barreira. Mas, a exageração dos fretes anula os melhores es
forços, aniquila a resistência das Indústrias e asfixia a liberdade de conrièrclo.
Apreocupação pela questão dos transportes,^como melo de aliviar
a produção, éalgo que se encontrava nas cogitações do governo desde
a época de Júlio de Castilhos, quando se pensava em aumentar a rede
ferroviária do Estado, estendendo-a às zonas de produção colonial.
Desde 1903 já se encontrava expressa a vontade governamental de dar
solução a este problema:
Nutro a fundada esperança de realizar ainda conveniente acordo com o Governo
Federal ou com a empresa que tomar a sl as obras da barra do Rio Grande, a ^íin dese
rem acelerados os trabalhos completos de desobstrução dos canais interiores.
Amesma questão è novamente formulada no ano seguinte, com vi
vo empenho pelo presidente do Estado, mencionando a extensão do
problema:
As maiores urgências consistem em regular definitivamente o tráfego marítimo
com o exterior. Tal è o magno problema que deve Inspirar a preferente atençao e a deci
dida convergência deesforços por parte doscooperadores do progresso rIo-grandense.
Constituiu secular aspiração a de dotar o Estado de um porto marítimo que correspon
daàs exigências docomércio e da navegação (...) Os elevados fretes, as exageradas ta
xasdeseguro, reboque e praticagem oneram demasiadamente o comércio e restringem
os transportes. Eis porque o nosso comércio, excetuando o do litoral, fez de Montevl-
deo o seu entreposto, tornando-os tributários da vizinha República, cujas vias férreas
se dirigem paraa nossa fronteira como outros tantos tentáculos destinados a sugar a
selva econômica do Rio Grande do Sul. Demais, como fatos atrofiantes do comércio lí
cito, o contrabando encontra ali toda sorte de estímulos e facilidade^ como as que
provêm do livre trânsito, além das diferenças de fretes e de seguros.
No Intuito de remediar a situação, por pressão do Governo do Rio
Grande do Sul, foi em 1911 realizada uma revisão do contrato que redu
ziu as tarifas ferroviárias, a fim de satisfazer as necessidades de trans
portar Internamente a produção gaúcha.
76
Intervindo, aconselhando e orientando, o Governo gaúcho tomava,
na conjutura que precedeu a guerra, as providências que encarava como
necessárias ao seu projeto de desenvolvimento econômico.
No plano de circulação, setor prioritário, oferecia-se o problema
dos transportes.
No plano de produção, batalhava pelo aprimoramento da criação e
seleção do rebanho, oscilava entra a condenação e a crença das possi
bilidades de renovação da charqueada e procurava promover no contex
to sulino a entrada do frigorífico.
Na sua matriz ideológica positivista, encontrava a inspiração da
conduta a seguir.
Em 1916, definindo a posição do Governo quanto às questões
econômicas, o deputado Carlos Penafiel diria, na Assembléia dos
Representantes:
o programa dos governos, visto as suas necessidades contemporâneas, devia se
encerrar como o tinha assim resumido Comte, dentro dessa sentença; "Manter com
energia a ordem material, secundar sabiamente o desenvolvimento industrial, o progra
ma dos governos não pode certamente se cingir inflexivelmente à fórmula do liberalis
mo econômico — 'laissez faire', 'laissez aller' — cuja orientação é dar aos Estados mo
dernos a função única de manter e zelar pela ordem no interior e no exterior. O desen
volvimento econômico e industrial sempre renovado e a política moderna criaram para o
Estado outros deveras e, a cada passo, se faz conveniente a sua interferência indireta e,
por vezes, direta, nos casos de calamidade geral, de perigos para a economia coletiva,
tomando medidas de defesa em prol da riqueza social".i03
Finalizando esta análise da posição do Estado sulino durante a Re
pública Velha com relação á economia, è conveniente que se conclua
retomando as primeiras noções afirmadas, ou seja, o fato de que o Es
tado positivista se propunha a permitir a realização do capitalismo no
sul.
Na medida em que o Estado positivista se dispunha a viabilizar o
capitalismo no Rio Grande do Sul,como já foi dito, a transformação da
pecuária gaúcha era uma das formas pelas quais era possível que isto
se realizasse. É dentro desta perspectiva que se deve entender as
promoções de melhorias do rebanho e dos métodos criatórios, ou mes
mo o interesse em promovera substituição da charqueada pelo frigorí-
fico.
Pretende o Estado de orientação positivista realizar, a nível econô
mico, o capitalismo de forma global, ou seja, desenvolver, ao mesrrio
tempo, todos os setores da economia sulina: pecuária, agricultura, in
dústria.
o Estado deveria contribuir para que tal processo se desse, mas não pela atuação
direta. Dai decorre o aspecto de que o Estado deveria intervir na economia através dos
canais indiretos, como o uso de uma legislação protecionista, ou o recurso aos incenti
vos fiscais ... È dentro deste espirito que devemos compreender a preocupação do
Estado pela solução da questão dos transportes, considerado o principal problema
econômico do Rio Grande e que já se fazia sentir desde o Império. A resolução do pro
blema do escoamento da produção foi, desde a instalação do novo regime, a meta má
xima do Governo republicano, pois assim atenderia, de forma indireta, a todos os seto-
103pErsj/\PiEL. Cart)s Moção sobre a matança devacas. Anaiscid Assembèia deRepresentantes doEstado do Rio
Grande do Sul 3' Sessão Ordinária, 11 nov 1916. p. 81.
77
res econômicos do Estado. Remover os entraves existentes à circulação era, na concep
ção governamental, uma forma capaz de possibilitar, por si só, o incremento da produ
ção nos seus diferentes níveis.l04 •
Se for vinculada esta preocupação de abarcar os diferentes setores
da economia, através de uma atuação do Estado sobre os transportes,
com o fato do PRR ter representado uma ampliação da base política, as
conexões vão se tornando mais claras. O Estado de orientação positi
vista, enn seu proselitismo, procurou alargar suas bases sociais, cap
tando criadores e charqueadores dissidentes dos partidos imperiais,
segmentos médios urbanos (classes médias em formação), além de seg
mentos rurais de colonato (em especial, o italiano).
Pode-se vincuiar ainda a este quadro a conotação de que, como zo
na periférico-dependente, subordinada à economia centrai do pais, ti-
ntia parte do seu excedente apropriado na comercialização. A soiução
de um problema na esfera de circulação iria, portanto, minorar este pro
cesso de expropriação que o Rio Grande sofria.
Dentro de todo este contexto, ganha cobro e razão a justificativa
ideoiógico-positivista da superioridade da ação indireta do Estado, da
prioridade da questão dos transportes.
Como ideologja que é, o positivismo sacraiizava e proporcionava
meios de adequação da prática econômica à existência, no poder, de
um partjdo que buscava a ampiiação da sua base social, formas de
superaçãode umasituação fundamentaimente dependente de uma mer
cadocentral e vias de concretização do avanço das forças produtivas, a
fim de conseguir definitivamente a implantação do capitalismo no Sul.
O tempo demonstraria que a praxis do Governo borgista com rela
ção à economia haveria de contribuir para entravar a realização do capi
talismo no Rio Grande. Área dependente, com precária acumulação,
apresentaria, também, uma fraca capacidade de capitalização burgue
sa. O Estado, no caso, não se substituiu a ela, não Incidindo sua atua
ção no plano de produção, mas sim sobre a circulação. Na medida em
que isto se deu, frustrou-se o projeto de desenvoiver o Rio Grande do
Sul.
104p^Savento, ScJndfci Joinhv C(>tisiclfíriK(T(?s sohrf-' ,ihvoIik. Ai id.i .Kinciiltut.i tianrhii ale /"/,„
SEITE Porto Aleqre. Fundação do Fconorma u Fstatisiic ). i'^i 37 ni^\ du/ 1977
78
2 — A CONJUNTURA DA GUERRA E O PERÍODO DE EUFORIA (1914-
1919)
2
O MERCADO mundial de carne O Progresso Porlo Aleqre 135), 1916
79
por Ia exportaclón de capitales. Los grandes monopólios, carteies, sindicatos, trusts,
etc. entraron a dominar Ia produción en todas sus etapas y Ia comercialización b^o to
das sus formas, ajustando a sus Intereses los principales resortes de Ia economia mo
derna a escala mundial. Esta concentraclón dei capital y Ia produción determinó Ia ne-
cesidad de Ia expansión Imperialista en busca de mercados donde colocar Ia produción
y el capital, incapaces de ser absorbidos por Ias metrópolls en condiciones convenien
tes para Ia "oligarquia financiera" de Ia época".3
Paul Singer, ao comentara inserção do Brasil no contexto do capi
talismo internacional, captou muito bem o processo que estava ocor
rendo em termos de expansão imperialista.
Por volta de 1870, tinha fim a hegemonia britânica, cedendo lugar
às disputas interimperialistas entre as grandes nações industrializadas.
Este processo de agudizaçãodas rivalidades entre as potências fez com
que, às vésperas de 1914, já não houvesse praticamente mais terras a
conquistar, uma vez que todo o mercado mundial se achava dividido
em um reduzido número de poderosas nações. Na medida em que agu-
dizou-se a corrida nacional, procurando as potências imperialistas ex
pandir-se às custas das demais, eclodiu a Primeira Guerra Muridial,
momento clímax da rivalidade das grandes potências neste estágio de
desenvolvimento capitalista. A partir do fim do conflito, começou a mu
dar o caráter do capitalismo e mesmo certas áreas apresentararn um re-
fluxo. Refere-se Singer especialmente ao caso da União Soviética, que
furtou ao capitalismo uma vasta área territorial.
o período quese Inicia após 1918 não se caracteriza apenas pelo refluxo capitalis-
ta, mas também pela reorganização Interna da economia capitalista. Até então, a ativi
dade Industrial estava quase Inteiramente limitada aos países centrais do sistema, que
desenvolviam na periferia colonial (ou ex-colonlal) apenas a produção de bens primá
riose das atividades de Infra-estrutura —transportes, energia, serviços urbanos ne
cessárias à suacomercialização. Após 1918, começam a se organizar. Inicialmente nos
Estados Unidos, depois também naeuropa Ocidental e no Japão, empresas com ativi
dades em muitos ramos e em muitos países e que se tornaram notórias como empjesas
•'multinacionais". Sãoestas empresas que vão tomar multo mais flexível a divisão in
ternacional do trabalho, compatiblllzando-a com a Industrialização de países que nem
por Isso deixam de ser periféricos ou dependentes.^
Desde o início do século, uma das pontas de lança do avanço mo
nopolista era o frigorífico, uma vez que a tecnologia capitalista estava
dominando os processos de conservação da carne pelo frio. As grandes
empresas dirigiam-se para aquelas regiões do mundo onde se encon
travam as melhores, maiores e mais baratas reservas de gado e onde se
pagavam aos operários os salários mais baixos: o Prata.
Tal processo correspondia à nova dinâmica da divisão do trabalho.
Na medida em que se apresentavam necessidades de consumo nos
países de economia central, que não podiam ser satisfeitas pela estru
tura produtora destes países industrializados, começava a grande pro
cura dentro das áreas periféricas daquelas regiões onde as condições
de lucratividade fossem maiores.
^DO "i TA, M.ím: Wi ,iin ti LJnj(i(Jüv M, (d-. K.n.-s ()c l.i B-ind;) Onf-nlai, '9/2 [> 89
^SINGER, Paul OBrasil no contexto do capitalismo internacional. IN: FAUSTO. Boris, org. OBrasil republica
no III São Paulo, DIFEL, 1975. V, 5, p. 348-9.
80
Isto implicava em achar uma área onde o custo de produção fosse
o mais baixo possível e a comercialização seguisse o mesmo ritmo de
facilidade, de molde a ampliar a margem de lucro.
Em 1915, este processo era percebido e comentado pela Comissão
das Carnes Frigorifiçadas, estabelecida na França para estudar as con
dições de utilização dos produtos da indústria do frio e quais as dispo
nibilidades de gado do mundo. No seu relatório geral ao Ministro da
Agricultura, em 1915, a Comissão das Carnes Frigorifiçadas referia;
En envisageant les conséquences de Ia guerra que nous soutenons, au polnt de
vue de Ia situation du bétail ... vous vous trouviezen effet en présence de deux phéno-
menes economiques dont le fait, même, slnon rimportance, était depuis longtemps
prévu et dont le second est, dans une certaine mesure, fonction du premiar; d'une part,
une augmentation anormale de Ia consommatlon en viande, d*autre part, une dlmlnu-
tion inusitée du cheptel.
Pour remédier a cet état de choses, on avait dès les temps de palx, eu Tldée de faire
appel aux ressources du bétail ètranger ou colonial, sous Ia forme Ia pius maniable
pour le transport et Ia moins dispendleuse,par lemploiede Ia viande congelèe.
Cette conception entrait dans les vues des pouvolrs publics lorsquMIs demandalent
a Ia loi de Ia possibilitè de suprimer par simples décrets, dès les premlères heures de Ia
mobilisation, les droits de douanes sur les denrèes en provenance d'autremer; ils Tont
réalisèe d'ailleurs, lorsqu'à Ia date du 2 aoút 1914, ils ont levé les droits d'entrée sur les
viandes salèes et conservées par un procèdé frigorifique.
Le traitment de Ia viande par ce procedé, dont Torigine essentiellement française
remonte aux découvertes de Charles Teilier, fait Tobject d'une industrie florissante en
Amèrlque, en Australie et en Nouvelle Zelande,ou Tabondancedu bétail se traduit par
une exportation indispensable et méthodiquement organisée, suivant les formules con-
nues et perfectionnées.5
Indiscutivelmente, a Grande Guerra representou para o mercado de
carnes uma ampliação e um impulso que ultrapassaram, desde muito,
aquele gerado pela guerra dos boers na África e que impulsionara para
o Prata os Frigoríficos ingleses.
Tratava-se agora do abastecimento da população civil e das tropas
em campanha, às quais era dada uma ração mais substancial de carne.
As nações beligerantes voltavam-se para os centros fornecedores co
loniais e estrangeiros. Dentre os abastecedores mundiais, a Austrália
apresentava, ao eclodir o conflito, grandes possibilidades de incre
mentar ainda mais a criação de gado, aproveitada por suas companhias
frigoríficas. Já na Nova Zelândia, que, em1915, abrigava 33 indústrias de
frigorificação de carneS o grande incremento demográfico diminuíra a
quota de exportação. Em ambas as regiões, contudo, a grande distân
cia acarretava aumento de fretes. Um outro fator que acarretava preo
cupações, no que diz respeito à exportação de carnes desta região do
mundo, era o seu clima irregular, com grandes oscilações. Especial
mente no que tocava à exportação de carne bovina, o abastecimento
não se comparava àquele advindo do Prata, de forma regular e crescen
te. Por exemplo, a Austrália, que entre 1895 e 1899 exportava de 500 a
SraPPORT général, op. cit., nota 1, p. 357.
6|bidem, p. 366.
81
600.000 quintais, entre os anos de 1902 a 1906 não chegou a perfazer
100.000. Somente em 1940 conseguiu demonstrar uma recuperação
sensivei, montando 900.000 quintais de carnes frigorificadas na expor
tação. Da mesma forma que a Austrália, a Nova Zelândia apresentava
irregularidade na produção, aièm de ser especializada na carne ovina e
não vacum.^
Os Estados Unidos da América, por outro lado, desde antes da
guerra, se haviam convertido em país importador de carne, de exporta
dor que era. O grande mercado interno norte-americano era abastecido
pela sua rede de companhias frigoríficas de Chicago. A partir de um
determinado momento, saturou-se o mercado consumidor americano
para carnes frigorificadas.
A diminuição do estoque locai de gado e a saturação do mercado
interno fizeram com que as poderosas empresas de Chicago passas
sem a exportar capitais para onde estes operassem com maior lucrati
vidade.
Dentro deste contexto, portanto, a fonte básica de operações seria
o Prata, que já fornecia para a Inglaterra uma toneiagem de carne
equivalente àquela enviada pela Austrália e Nova Zelândia juntas.^
A Argentina e o Uruguai se constituíam, na época da guerra, a
região do mundo mais rica de gado, com possibilidades de expansão e
reposição do rebanho, que se considerava, então, ilimitadas.
Já se viu em capítulo anterior (subcapítulo 1.2) que os países
piatinos eram campo de operações dos frigoríficos estrangeiros que
haviam escolhido o Prata como zona ótima de investimento e expiora-
ção.
Na região, verificava-se uma disputa entre os grupos econômicos
ligados ao Trust do Beef, de Chicago, e outros não menos poderosos,
de Londres, pertencentes ao Grupo Vestey Brothers, obtendo ambos
grandes lucros nas suas operações.
^BARRAM, J. P. &NAHUM, B. La prosperidad frágil (1905-1914). IN: Historia rural de! uruguai moder-
no. Moníevideo, Ediciones de Ia Banda Oriental, 1977. Tomo 5. p. 64.
82
TheSmithfield and Argentina Meat, capital angio-argentino; Cia. San-
sinema, capital anglo-argentino ®
A época era de verdadeira euforia e, no relatório do Ministro da
Agricuitura da França, afirmava-se:
De tous Ias pays du monde, c'est TArgentíne quí détient Ias pius d'animaux de
bouchérie, en égard au nombrede ses habitants (...) Les Argentina n*ont Jamais cessè
de raftirmer en procíamant qu'ils pourraient produire Ia viande congelée en aussi
grande quantité qu'on en aurait besoin, et se plaignant de rinsufficance de leurs
débouchés (...) Ce quMI faut regarder, c est 1'augmentatlon sucessiva das envois faits à
Tetranger, qui se prodult sans que Ton alt besoin de demandar au chéptel un effort
nouveau, sans que Ton constate qu*ll se solt appauvrl.10
Années Tonnes
1901 44.901
1904 97.741
1910 253.703
1911 312.884
11
RICHELET, Juan La ganaderia argentina y su comerão de carnes. Buenos Ayres, J Lajouane/Librería Nacional,
1978.
RAPPORT génèral, d cit , nota 1, p 366
^hbidem.
83
A partir de então, durante o período de 1914 a 1918, a Argentina foi
aumentando a produção de gado conforme aumentava a demanda e
conforme subiam os preços no mercado internacionai. O negócio,
durante a época da guerra, atingiu um nível de iucro fabuioso, pois, aos
altos preços obtidos peios produtos, se acrescentava o fato de ser a
Argentina o país que podia produzir a carne a mais baixo custo de
produção (abundância de gado em relação à população, baixo valor da
terra, excelente qualidade do rebanho, salários baixos, bom sistema
ferroviário e portos aparelhados).
Frente à expansão dos negócios, a Swift criou uma fiiial do frigorí
fico na Patagônia — The New Patagonian Meat Preserving and Cold
Storage — onde foram montados dois estabelecimentos, os de Rio
Gallegos e San Julián.
Enquanto na Argentina progredia extraordinariamente a indústria
do frio, regredia a atividade saiadeirista, como pode ser observado nos
dados abaixoi2.
REPÚBLICA ARGENTINA
Número de Animais Abatidos para Elaboração
de Carnes no Último Qüinqüênio
Estabelecimentos
Anos
Frigoríficos Saladeiros e Fábricas Total
84
canos, acrescentava-se o imperialismo britânico, pois, desde 1911, a
companhia anglo-americana Sansinena comprara La Frigorífica Uru-
guaya S.A. Referem Barran & Nahum:
Fué precisamente en ei ano de 1913 que se produjo ei gran cambio: por primeira
vez — y para siempre ya ei voiumen de ia carne congelada exportada por ios frigoríficos
sobrepasó ai voiumen de ia carne tasajo exportada por ios saiaderos ... ei reverso de
ia era frigorífica era Ia ruina progresiva de Ia Industria tradicional y dei tasajo''3.
Pode-se comprovar tais afirmativas com os seguintes dados, for
necidos pelo Memoriai da conservação das carnes pelo frio, de Guilher
me Minssen, em 1914
URUGUAI
Número de Gado Bovino Abatido e Exportado Segundo seu Destino
Anos Frigoríficos Saldeiros e Fábricas
URUGUAI
Número de Gado Ovino Abatido e Exportado
Anos Frigoríficos
1907 117.400
1908 143.099
1909 150.358
1910 241.418
1911 288.465
1912 333.544
1913 311.111
85
Pela observação dos dados, verifica-se pois, a progressão de au
mento do abate nos frigoríficos, tanto no que diz respeito aos bovinos
como aos suínos e o decréscimo da atividade do saíadeiro.
Outro fenômeno que merece destaque é o fato do frigorífico con
ferir um novo valor à criação ovina que não a exportação da lã ou do
gado em pé, na medida em que sua carne era industrializada pelo frio.
Além disso, com esta alteração que se processava, o estancieiro
uruguaio deixava de preocupar-se com o mercado cubano e brasileiro e
passava a voltar suas vistas para as praças européias. Isto teria reper
cussão sobre a cfiarqueada gaúcha, durante o período da guerra, na
tentativa de penetrar no mercado de Cuba, como se verá mais adiante.
Fora do mercado platino de fornecimento de carne, as nações
européias possuidoras de colônias ainda poderiam contar com as re
servas de gado destas regiões, como é o caso da França, que poderia
suprir-se com o rebanho de suas possessões. Madagascar, por exem
plo, onde existiam empresas frigoríficas, poderia fornecer, em parte,
carne para a França, mas muito aquém das necessidades desta. Outras
zonas do império colonial francês na África Ocidental e Central (Sene
gal, Guiné, Daomé) seriam potencialmente zonas fornecedoras de car
ne, sem que, cotuuao, até lá tivesse se expandido a indústria do frio.
No Prata, a situação pré-guerra, marcada pelo abasteci
mento dos mercados e pelo aproveitamento do rebanho local, prolon
gou-se no período do conflito que teve inicio em 1914.
O primeiro pool durara de 1911 a 1913 e fora a maneira que as
companhias frigoríficas encontraram para terrninar sua rivalidade, en
caminhando-a para a negociação. Fazia-se a divisão do mercado britâ
nico para o envio da carne platina. Dentro do Prata, os empresários de
frigoríficos gozavam deuma situação monopolista decompra e fixavam
o preço. Desta maneira, fixando quotas de exportação para cada grupo
estrangeiro, estes dividiam não só o mercado consumidor europeu como
o próprio rebanho fornecido. Oferecendo internamente o mesmo pre^,
não havia condições do estancieiro, em desacordo com preço oferecido
por uma empresa, ir vender para outra, isto só sucederia se as quotas
de um frigorífico se encontrassem esgotadas.
Os estancieiros platinos evoluíram de uma posição que encarava
os frigoríficos estrangeiros, participalmente os americanos, como sal
vadores da pecuária, para outra em que até medidas com sensível
caráter arttl-trust foram tentadas. Exemplo disso foi a
Governo argentino de expropriar os frigoríficos ou mesmo a tentativa
de articulação de uma greve dos fornecedores de carne.
Opool era, assim, uma forma dos frigoríficos superarem a compo
sição desenfreada de compra e exportação de carne onde, internamen
te, eram levados a cada vez pagarem preços mais altos pelo gado e,
externamente, verem o preço da carne frigorificada baixar no mercado
86
britânico frente ao envio desordenado dos estabelecimentos america
nos e ingleses.
Com opoo/, mantinham preços relativamente estáveis para o gado
platino e para a carne no mercado mundial}^
87
polista que se afirmava, que era a de controlar um processo produtivo
desde a oferta de matéria-prima, passando pelas várias etapas de
elaboração de mesma até a sua colocação no mercado. Ê o caso
específico da empresa frigorífica que passara a se dedicar à criação, à
frigorificação e à sua colocação no mercado.
As companhias frigoríficas, na medida em que ofereciam bons
preços pelo novilho refinado, agiam como fatores de Impulso à seleção
do rebanho. Na medida em que se organizavam em pool, detinham o
controle da oferta de preço pela carne. Por outro lado, seguidamente as
companhias que exploravam a frigorificação possuíam o domínio do
mercado. No caso do Beef Trust, estes praticamente haviam se as
senhorado do mercado Inglês de Smithfield'^^.
Quanto à perspectiva de associação de produtores, referida no
trecho do Relatório, o Rio Grande do Sul apresentou movimentos de
congregação da classe rural para a defesa de seus Interesses, numa
etapa que precedeu a guerra. Condições efetivas de fazer valer esses
Interesses a nível de mercado Internacional, porém, era outro problema
não superado.
A conjuntura c^uerra determinou, portanto, um Incremento na
demanda Internaclonaí dos produtos pecuários e a elevação dos preços
dos artigos frigorificados e do próprio gado. Com a expansão das
empresas de frigorificação pelas áreas pecuárias do globo, verificou-se
um Incremento no abate e nas exportações mundiais de carne. A
guerra, contudo, determinou ainda alterações no tipo de produto frlgo-
rlflcado consumido.
Até mais ou menos o Início da guerra, os criadores platinos procu
ravam com afinco aprimorar o processo de mestiçagem e seleção do
rebanho, uma vez que os frigoríficos pagavam altos preços por um tipo
de gado refinado para a Industrialização da carne refrigerada - o chilled
beef - de grande aceitação no mercado Internacional.
A respeito dos tipos de carne frígorífícada, o Deputado Cosníer,
em relatório ao parlamento francês, no ano de 1915, explicava:
L'expression "viandes frigorifiées" ne comporte qu'un sens générique et sert a
designer deux sortes des viandes: íes viandes congeiées et les viandes refrigerées.
Le Congrès national du frold tenu à Toulouse en 1912 a proposé, et le congrès In-
ternatlonal du frold a Chicago en 1913 a décidé que le terme de viande congelée serait
reservé pour toutes les viandes soumises à une température inférieure à O degré suffi-
sament longtemps pourque Ia viande prenne Ia consistance d'un bloc de pierre. Au con
traíra, le terme de viande refrigerée sert a designer Ia viande soumise à une température
ègale ou légèrement supèrleure à O degré et dont Tetat n'a jamais atteint Ia congéla-
tlonJÔ
^^BARRAN, J.P. & NAHUM, B. Recuperación y dependência (1895-1904).
IN; Historia ruraídeíUruguaymoderno. Moníevideo, Edicionesde Ia Banda Oriental 1973 Tomo 3
P. 68-70.
88
Dentre os dois tloos acima mencionados, a produção do chilled
beef, ou carne refrigerada, oferecia um artigo mais saboroso, porém
rnais perecivei. Impiicava na criação de noviihos de tipo chiller, sele
cionados e aiimentados em campos de pastagens forrageiras, como a
aifafa.
90
de terras para invernadas.
"Continental Products Co." organizada com capitais norte-americanos. É
proprietária de frigorífico de Osasco, nos arredores da capital. Emprega 370 operários.
"Caçapava Packing House", de Caçapava. Fundada pelo Coronel João Francisco P.
de Souza, pertencente hoje ao Sr. Carlos de Moura. Dedica-se ao fabrico de charque e
tem 40 operários.
Tratava-se, presentemente, de fundar um novo frigorífico em Franca, na linha
Moggyana, e outros da Companhia Armour nos arredores da capital.
Os três estabelecimentos que funcionavam em 1916 abateram, no mesmo ano, estas
quantidades de gado:
Bovinos Suínos
91
Note-se que esta expansão era vinculada ao Prata, uma vez que a
British Meat Company Limited, já atuante na Argentina, deslocou-se
para o Rio de Janeiro, enquanto que a Armour, sediada soiidamente
nas duas nações platinas, intentava estabelecer-se em São Paulo.
A respeito da expansão imperiaiista americana no Brasil, assim
analisa Moniz Bandeira:
A maior oportunidade para a conquista do mercado brasileiro pelos Estados Uni
dos surgiu quando a guerra imperiaiista de 1914-1918 desviou na Europa as correntes
do comércio. As exportações do Brasil para a Alemanha, que em 1912 e 1913 superaram
as vendas à Inglaterra, cessaram a partir de 1915 e as importações caíram (...) O mesmo
aconteceu às*exportações para a Inglaterra (...) e as importações de seus produtos pelo
Brasil baixaram. (...) Em 1915 pela primeira vez os Estados Unidos tomaram a liderança
de todo o comércio exterior brasileiro, tanto das exportações como das importações
(...) A competição entre os Estados Unidos e a Inglaterra não se limitava ao comércio
exterior, do Brasil. Os grupos monopolistas dos dois países disputavam (associando-
se muitas vezes) as fontes de matérias-primas e o controle dos meios de comunicação
e de transporte ... Àquele tempo, nos primeiros anos do século XX, o capitalista ameri
cano Percival Farquhar voltava as suas vistas parao Brasil (...) Farquhar, que inspjrou a
"Líghtand Power" e estivera vinculado à Sociéte Anonyme du Gaz, estendia então as
malhas dos seus interesses a outros setores da economia brasileira. A "Brazil Raliway
Company", principal empresa do sindicato que ele representava, adquiriu de um grupo
francês, por volta de 1908, a concessão da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande (...) A
"Brazil Railway', pouco tempo depois, apossou-se de toda a rede ferroviária do Rio
Grande do Sul, arrendou a Sorocabana, comprouações da Mogiana e da Paulista, obte
ve a concessão da Madeira-Mamoré e os direitos da Vitória-Minas. Capitais europeus,
predominantemente ingleses, fundiam-se neste empreendimento, que montava a cerca
de quarenta e cinco milhões de libras esterlinas e o empresário americano dirigia. O
sindicato Farquhar dispunha, a essa altura, de frigoríficos, indústrias de papel, cadelas
de hotéis, vastas áreas de terras, administrava os portos do Pará ("Port of Pará) e do
Rio Grande do SI e fundaram a "Southern Brazil Lumberand Colonizatlon Co!', que con
trolaria a madeira do Paraná, e a "Amazon Land Colonizatlon Co!*, para explorar a borra
cha da Amazônia ... 22
92
Tal mecanismo seria próprio ao capitai monopolista que assumia sua
forma mais completa recentemente com as corporações internacionais.
Note-se por exemplo : Farquhar, aièm das suas atuações no ramo
da exploração da madeira, com a Southern Brazil Lumber and Coloni-
zation Co., e nos transportes ferroviários e serviços portuários
(...) tinha também grandes fazendas de gado — 4 milhões de acres com 140.000
cabeças em 5 ranchos, em Descalvado, no Pantanal — em nome da "Brazil Land Cattie
& Packing Co.'.' O gado era Industrializado localmente numa charqueada, sendo parte
da produção exportada para Assunção e Buenos Alres.24
93
ferências à renomada Charqueada Industrial, de Bagé, pertencente ao
Visconde de Ribeiro de Magaihães, importante criador e charqueador
da região. Até 1911, os negócios ficaram exclusivamente em suas
mãos. Mas, em 1914, a revista A Estância referia:
Hoje constitui (...) a Ctiarqueada industrial uma Importante companfiia — "Ttie
Angio Brazilian Meat Company Ltd. (...) O Visconde de Ribeiro de Magalhães é o prin
cipal acionista e diretor. Os outros diretores, ingleses, distintos e de grande capital,
estão em Londres.28
Frente a esta arrancada do Brasil no caminho da frigorificação, to
mou interesse o Governo federai, na pessoa de Wencesiau Braz, a fim
de que o país pudesse, tal como o Prata, ocupar um lugar de destaque
entre os fornecedores de carne no mercado internacional 2®, ^
Como até agora se viu, em termos de pioneirismo, São Paulo
largara na frente, no sentido da industrialização de carne pelo frio. Em
termos de potencial pecuário, porém, o Estado cafeeiro ficava a dever
ao Rio Grande.
O Rio Grande do Sul ocupavao primeiro lugar na criação de bovi
nos, com 6.657.940 cabeças, secundado por Minas Gerais, com
6.342.600 cabeças, Bahia com 2.850.310, Mato Grosso com 2.717.550,
Goiás com 1.934.830 e São Paulo com 1.792.880; Rio de Janeiro ficava
muito mais abaixo, com 556.310 cabeças.
O Rio Grandedo Sul ocupavao primeiro lugar em gado ovino, com
2.622.920 cabeças, contra apenas 149.480 de São Paulo e 63.510 do Rio
de Janeiro 30.
Ora, vê-se com isso que, indiscutivelmente, o Rio Grande do Sul
se apresentava como o Estado que mais possuía os tipos de rebanho
adequados à industrialização pelofrio. Ficou constatado, também, que
São Paulo e Rio de Janeiro abasteciam-se nas áreas limítrofes de Minas
Gerais, Mato Grosso e Goiás, com gado de inferior qualidade.
O que teria levado os frigoríficos a se instalarem justamente nes
ses Estados, enquanto o Rio Grande do Sul, que possuía o maior reba
nho, retardava-se neste processo?
Indiscutivelmente, é preciso que se analisem as condições históri
cas locais do eixo Rio-São Paulo para obter a explicação. Berço da
cafeicuitura, nessas regiões se processava maior capitalização através
da atividade monocuitora exportadora, ao mesmo tempo que nelas se
verificava um surto de urbanização sem procedentes. São Paulo, em es
pecial, fizera afiuir para os seus cafezais uma grande leva de Imigrantes
que vinham como assalariados das lavouras de café. Processo de urba
nização, capitalização e massa salarial deram margem a um mercado
interno consumidor regional de grandes proporções.
28QuiNTAde Santa Tereza, Município de Bagé —Propriedade doVisconde de Ribeiro de MagalhSes.A Estância,
Porto Aègre {22);331, nov. 1914.
29aS indústrias animais no Brasil Revista do Comércio e Indi^stría, São Paub (49-50):6, ian./fev. 1919.
30estATISTICA de gado existente no Brasilem 1916. Revista do Comércio e indústria, São Paub (30):214, iun.
1917.
94
Paralelamente a este processo, capitais iam sendo aplicados no
setor infra-estrutural que permitia tanto a Interlorlzagâo dos cafezals
como o rápido escoamento da produção para o mercado Internacional:
estradas de ferro e aparelhamento de portos.
O volume dos negócios que tinham como base o café tornou ne
cessária a proliferação das Instituições de crédito que permitissem fa
zer girar os capitais acumulados. A rede bancária, por sua vez, foi uma
forma indireta de possibilitar que parte do capital acumulado pelo café
se passasse para a Indústria nascente, sob a forma de concessão de
crédito.
No bojo de todo este processo, dIfundIu-se, junto com as cidades,
o setor de prestação de serviços, ampliando mais ainda o mercado de
consumo face aos novos segmentos sociais que se apresentavam. Ora,
diante de todo este contexto dinâmico, toma-se lógico e compreensível
o porquê da escolha do eixo São Paulo-Rlo de Janeiro para a Instalação
dos primeiros frigoríficos no Brasil.
Era zona com possibilidades de obtenção e transporte de matéria-
prima em áreas próximas, criadoras de gado; possuía massa de capital
disponível, força de trabalho, mercado consumidor local e bom esque
ma de armazenagem e de escoamento da produção através dos portos
de Santos e do Rio de Janeiro, além das ramificações ferroviárias Inter
nas.
Tudo Isto levava a uma dolorosa constatação para os rlo-granden-
ses: São Paulo não era um Estado criador por excelência, mas já pos
suía frigoríficos exportando, enquanto que o RioGrande do Sul atrasa
va-se neste processo.
Neste sentido, pronunclava-se o Governo do Estado:
Sendo o RioGrande do Sul a principal região pastoril do Brasil, 6 para suscitar re
paros o fato de não lhe competir a prioridade nesse movimento, em torno de nova In
dústria, máximequando os poderes públicos do Estado não cessaram nunca de favore
cer e estimular a efetividade dessa veemente asplração.3''
Em suma, a conjuntura ótima propiciada pela guerra, proporcio
nando ampliação do consumo dos gêneros de primeira necessidade e
elevação do seu preço, determinou um avanço Imperlalista das empre
sas estrangeiras sobre os países periféricos, com o objetivo de promo
ver a Industrialização da carne. Buscava-se, essencialmente, as zonas
onde fosse obtida matéria-prima com mais baixo custo de produção,
convertendo-se o Prata numa área de Inversão por excelência.
Todavia, a mudança ocorrida no tipo de produto exportado pelos
frigoríficos, possibilitando a Industrialização da carne de mais baixa
qualidade, permitiu o avanço destas empresas para o Brasil.
No contexto brasileiro, foi São Paulo a área pioneira, fundamental
mente pela sua maior ligação com o capital estrangeiro, maior acumu
lação e mais eficiente sistema de circulação. O RIoGrande do Sul, zona
pecuária por excelência, com gado de melhor qualidade e contando
31MENSAGEM presidencial de 1917, p. 59.
95
com o apoio do poder público e o Interesse dos criadores para a moder
nização, sofreria um retardamento neste processo.
32m0URA, Eucides. Aquestão do gado. Correio do Povo. Porto Afegre, 13 maio 1914, p. 1
33mENSAGEM presidencialde 1913.
96
de vacas, criava-se ainda, para o estancieiro, o problema do destino a
ser dado às vacas veihas, que, reinvernadas, acabariam morrendo^
Verificam-se aqui aiguns pontos de divergência entre os criadores
e o governo, que, porém, seriam obscurecidos peia apresentação de um
projeto — o do frigorífico nacionai — que, de momento, viria corres
ponder aos interesses dos pecuaristas como ciasse e do governo locai.
Antes, contudo, que se pusesse em execução o piano de monta
gem da empresa frigorífica iocai, o conflito existente entre os produto
res de matéria-prima e os saiadeiristas acirrava-se cada vez mais. Para
isso, contribuía, de modo especiai, a acentuação da crise do saiadeiro.
Face a aceleração do processo de decadência do charque, os
industriais gaúchos procuravam transferir seus prejuízos para os forne
cedores de matéria-prima. A nível externo, o boi achava-se extrema
mente valorizado, contudo, os saiadeiristas buscavam açticuiar-se e
realizar convênios para forçarem o criador a aceitar baixo preço peia
matéria-prima oferecida.Tai tática, evidentemente, serviria para acen
tuar o conflito já pressentido entre criadores e charqueadores.
De ano para ano diminuía o abate de gado para a fabricação de
charque: de 695.748 cabeças em 1913, foram abatidas 489.524 em
1914 35
^QUADRO dogddo abatido nascharqueadas nobiênio 1913/1914. IN: RGS. Relatório da Repartição
de Eslatistica. Porto Alegre, 1915.
97
A medida, todavia, podia dar certo como solução de emergência,
pois ante a perspectiva de não ter para quem vender o gado, ao aproxi
mar-se do fim da safra, e vendê-lo a p<'eço baixo, é evidente que os cria
dores acabariam cedendo. O nível de conscientização da problemática
estava atingindo um maior grau de profundidade.
Configurava-se a oposição de interesses econômicos entre char-
queadores e criadores locais, melhor divisada por estes últimos e ab
solutamente ignorada pelo Estado. Isto è claramente concebido desde
que se recorra à orientação positivista inspiradora da conduta polftico-
administrativa do Governo gaúcho. Torna-se necessário lembrar, mais
uma vez, que o positivismo defende a ordem, a harmonia social e
ignora o conflito. Na sua perspectiva, os interesses de ambos deveriam
ser coincidentes, ou seja, acelerar o livre desenvolvimento das forças
produtivas da economia gaúcha. O que se tinha em mente era o pro
gresso econômico, e para que tal se desse, a estabilidade social era um
requisito indispensável.
Frente ao conflito, a oligarquia positivista dirigente não se posi
cionava a favor desta ou daquela fração de classe em detrimento da ou
tra. Vai-se mais além: o Estado gaúcho defendia evidentemente os inte
resses da clap«^ «^--^minante pecuarista, da qual um setor formava a elite
dirigente que ocupava o poder. Além disso, o Estado não era o repre
sentante exclusivo de uma ou outra fração de classe (criadores ou
charqueadores), mas acolhia no partido ambos os elementos.
A filiação partidária, no caso, è que fazia com que se aceitassem
ou não medidas do Governo consideradas atentatórias ao interesse da
classe dos pecuaristas. O imposto territorial, por exemplo, sacrificava
o grande proprietário e atingia indiscriminadamente latifundiários da
situação ou da oposição. O que sucedia era que os da oposição ê que
reclamavam e solicitavam ao Governo a redução de taxas. Ao analisar
os situacionistas gaúchos è que ganha força o cunho ideológico: o po
sitivismo consagrava a supremacia do imposto direto sobre o indireto e
a norma de ação política baixada pelo patriarca Castilhos fora promover
a lenta substituição do imposto de exportação pelo territorial. Por
motivos de cunho ideológico, o grupo de criadores da situação defen
dia a vigência do imposto que incidia sobre a propriedade, embora fos
se também latifundiário.
Contudo, unidas vão se encontrando as perspectivas do Governo
republicano e dos pecuaristas, sem distinção partidária, quanto ao
projeto de dar um melhor destino aos rebanhos gaúchos do que as tra
dicionais charqueadas.
Justamente agora, o período da guerra mundial de 1914-1918 trazia
ao RioGrande do Sul a possibilidade de congregar os interesses dá clas
se rural com o apoio do Estado através da criação de um frigorífico nacio-
nâl
' È fundamental que se precise aqui que o impulso renovador nesta
fase se articula a partir dos criadores, que tentam modificar basicamen
te a estrutura produtora no Estado, enquanto que os saladeiristas per-
98
manecem aterrados a soluções de tipo convênio de charqueadores para
Impor a baixa do preço ou então tentar conseguir penetrar em mercados
externos, como é o caso de Cuba.
Mesmo que se encontrem charqueadores entre os expoentes do
movimento renovador, é Importante que se considere que eles se iden
tificam mais com a função de criadores que desempenham, assumindo
um papel progressista de renovação da estrutura produtora.
O projeto de montar um frigorífico regional apresentava-se com um
cunho nacionalista, voltado para os interesses locais. Tratava-se da ins
talação de um modo de produção nitidamente capitalista no contexto
sulino, mediante a importação de tecnologia avançada, que transforma
ria a estrutura produtiva local. Antes, porém, que este projeto fosse
claramente articulado, se apresentariam soluções Intermediárias, tais
como a de João de Souza Mascarenhas, reagindo frente as maquina
ções dos charqueadores antes referidas:
Aceitando a luta, para salvaguardarmos nossos Interesses, reergamos, melhoran-
óo nossa Indústria, e asseguremos a valorização de nossos gados, enquanto é tempo e
o tempo urge; aceitemos também a colaboração dos Industrialistas que conosco quei
ram labutar, em busca do fim que almejamos (...) e unidos formemos o capital (...)
Fundemos as companhias que devem levantar as charqueadas regionais, moldadas nas
"packing-houses" de Chicago, com capacidade para abater de cinqüenta até duzentas
mil reses por safra, aproveitando tudo do boi para dele obter o máximo rendimento pos
sível. E o façamos, então, de modo como se não houvesse mais intermediário, e fosse
cada um de per sl a manufaturar os produtos do gado que lhe pertence.37
A idéia não é nova, pois já fora apresentada por Euribiades Dutra
Viiia, criador de Cruz Aita, no 2? Congresso dos Criadores, em Santa
Maria, em 1913.
As idéias centrais são a eiiminação do intermediário, reaiizando o
criador as tarefas de aproveitamento da matéria-prima; a criação das
charqueadas regionais moidadas nas packing-houses de Chicago; a
saiga da carne gorda em câmaras frias e o aproveitamento integrai da
carne, fosse sob a forma de charque ou de produtos eniatados e con
servados, bem como a industriaiização das gorduras (veias, sabão) e o
curtimento de couros. Nota-se, porém, que ainda aqui há um apeio aos
industriais que queiram coiaborar com a idéia progressista. O projeto é,
pois, conciiiatòrio entre inovações tecnoiógicas e a veiha estrutura pro
dutiva montada.
Sem ser fiiiado ao PRR e aos princípios positivistas, a posição de
Mascarenhas apresentava-se como se tai fosse: progressista-conserva-
dora...
Assim como este tipo de proposição era oferecido, outra preocu
pação, cada vez mais presente, era a da necessidade do refinamento do
rebanho, como se vê neste artigo de Eduardo Cotrin:
A Indústria da criação do gado bovino constitui, Incontestavelmente para o Brasil,
um problema de Interesse transcendente pela Importância econômica que representam
os seus produtos (...) No momento atual, em que todas as vistas dos consumidores eu-
37|bidem, p. 22.
99
ropeus e norte-americanos se voltam para a América do Sul, como o Inquestionável
empório de futura produção e comércio de carne, parece natural o estimulo e atenção
de todos nós, no que concerne ao grande problema de transformação do gado bovino,
no Intuito de obter tipos Industriais de acoruo com as exigências dos consumidores. O
problema do refinamento do gado está, mais do que nunca, em evldèncla.38
Tais problemas seriam aventados no 3? Congresso de Criadores,
realizado em 24 de maio de 1914, em Santa Maria. João de Souza Mas-
carenhas apresentou sua tese Organização do nosso crédito e meio de
defesa contra a especulação de nossos industriais, incumbido que fora
peio Cei. Alfredo Moreira, presidente da União dos Criadores, de defen
der a conveniência da fundação de sociedade anônimas de criadores a
fim de constituir charqueadas-modeio regionais. Ainda neste momento
a proposta de Mascarenhas implicava numa forma de conciliação entre
o velho processo de transformação da carne gaúcha e as novas técnicas
de conservação peio frio. Suas colocações são muito interessantes, na
medida em que marcam uma vertente do pensamento dos criadores
gaúchos. Considera que, em comparação com o charqueador, o criador
enfrenta muitíssimas dificuldades, a começar por aquelas propriamen
te ditas naturais — desobstrução da barra do Rio Grande, pastagens
mais pobres — até a pouca disponibilidade de crédito e o pagamento
de juros altos o>juie o valor do rebanho, acrescido do deficiente sistema
de transportes. Diz ainda Mascarenhas:
Esta questão resume transcendental importância,que a meu ver torna-se necessário
que o criador tome iniciativadecisivae recorraao poderpúblico, paraquese liberte desta
escravidão em que tem vivido. Acumulam-se os anúncios de arrendamentos de estânci
as, de vendas de campos e de gados. Ninguém receia a baixa dos preços, nem dos
campos, nem dos gados, mas não se fazem transações; e as poucas que têm lugar, é
com o sacrifício do interesse do vendedor, peia usura do comprador, que dadas as
condições que venho de apontar, não receia competência (...) Esta insuficiência de
numerário sempre existiu, máxime para o médio e o pequeno criador; o nosso mundo
financeiro é demasiado pobre para poder atender as suas necessidade (...) Os nossos
institutos bancários, imitando as grandes instituições bancárias européias, cortaram
créditos e restringiram operações (...) constituídos para satisfazerem as necessidades
de outras fontes de nossa atividade, de pouco, muito pouco, nos podem servir.39
^COTRIN, Eduardo. Asolução de um grande problema. AEstância, Porto Alegre (15):75, maio 1914.
^^MASCARENHAS, JoãodeSouza. Organização do nosso orédito e meio dedefesa contra a especulação de nos
sos industriais. A Estância. Porto Alegre (16): 124-7, jun. 1914.
100
deixar de ser senão o criador (...) A história de nossa associação, a "União dos
Criadores", outra não é senão uma história de lutas, umas após outras, contra os
convênios dos saladeiristas.40
101
do. De outro lado, importa considerar a concepção que o Governo esta
dual sulino tinha de si próprio e que era defendida por aqueles elemen
tos da ciasse dominante ligados ao PRR.
Esta divergência entre níveis de aspiração dos criadores, por um
lado, e o posicionamento do Estado de feição positivista, por outro,
vem se somar ao quadro das divergências já apontadas anteriormente.
Dentro do posicionamento positivista, o Estado não admitia privi
légio de espécie alguma a qualquer setor de produção em particular.
Não implicava em que o Estado deixasse de intervir na economia. Muito
pelo contrário, a intervenção estatal era algo previsto e aceito, mas o
Governo não beneficiava diretamente um grupo social em detrimento
dos demais. A forma de atuação do Estado era concebida de maneira
indireta sobre os setores da economia ou diretamente sob a forma de
encampação dos serviços públicos. Tinha como meta obter o desenvol
vimento gaúcho em termos de auto-suficiência, promovendo o aumen
to e a diversificação da produção rio-grandense em todos os setores.
O Estado positivista considerava-se o representante de todas as
classes sociais e, como tal, não pressupunha a concessão de privilé
gios a um grupo determinado. Tal perspectiva adotada ajustava-se à
realidade de um governo que se mantinha no poder ferreamente, mas
que não contava com o apoio de toda a ciasse dominante. Apoiava-se,
na realidade, em vários segmentos sociais.
igualmente, em termos bancários, o Estado era contrário a qual
quer intervenção do Governo neste sentido. Era pela plena liberdade
bancária e o parecer substitutivo que os representantes do Governo
apresentavam foi de que se encaminhasse ao Congresso, por intermé
dio da União dos Criadores e do Governo do Estado um projeto de lei
para aplicação dos saldos das caixas econômicas a fim de auxiliar a pe
cuária gaúcha.
No relatório apresentado á assembléia dos pecuaristas, o presi
dente da União dos Criadores, Gel. Alfredo Gonçalves Moreira, lamen
tava a discordância entre o ponto de vista do Governo e o dos criadores:
De fato, o que as classes rurais precisam é o crédito a iargo prazo, o Juro barato,
enfim, do crédito real ou hipotecário, e todo o nosso empenho visava este fim. Ora,
com um capitai de cinco, seis ou mesmo dez mil contos subscrito entre criadores,
jamais poder-se-ia atender este desideratum. O meio mais viàvei que encontramos
para a realização dessa grande aspiração de nossa classe era, a par da subscrição
daquele capital, a obtenção da garantia do Governo do Estado para as letras hipotecá
rias emitidas pelo Banco e que seriam negociáveis no estrangeiro, cujos capitais se
conformariam com juros baratos e iongo prazo. Infelizmente, procurando conhecer o
parecer do Governo a respeito, tivemos conhecimento de que nem esta idéia, nem
mesmo a de fundação de um Banco do Estado com as mesmas prerrogativas, estavam
de acordo com o seu pensamento, contrário à Intervenção oficial em matéria bancárla;*3
10 apresentado pelo presidente da União dos Criadores, Coronel Alfredo G Moreira, à Assembléia
43RELATÔRI0
Ia
Geral, reunida na cidadede Santa Maria, em 24 de maio de 1914. A Estância, PortoAlegre (16):114, jun. 1914.
102
Descartada a possibilidade da constituição do Banco Rural de Cré
dito e das charqueadas regionais, ficava de pé a idéia da possibilidade
de exportação de carnes congeiadas, tema de tese apresentado no Con
gresso por Ramiro Barcelos "4. Fixando a indústria do charque como
coisa do passado, nem por isso ela deveria ser abandonada subitamen
te, uma vez que, mal ou bem, existia um mercado consumidor no pais.
A proposição de B arcellos era que fosse imitado o exemplo do Prata,
graduai e metódico na sua Implantação da Indústria da carne frigorifica-
da, precedido que fora o processo por uma cuidadosa seleção do reba
nho, refinando-o através de cruzamentos sucessivos com raças supe
riores até alcançar um tipo de novilho adequado às exigências do mer
cado. Neste sentido, tornava-se conveniente a importação das raças
européias.
Do 3° Congresso de Criadores, promovido pela União dos Criado
res, pondo de lado as divergências entre os dois segmentos da classe
dominante (situação e oposição) que discutiam a tese de Mascarenhas,
ficou de pé o lançamento da Idéia da montagem de um frigorífico. Fa
lando sobre o tema, Luís Ignácio Jacques afirmava sobre a
(...) necessidade Imperiosa de transformar em fato o seu excelente plano de
fundação de um grande estabelecimento frigorífico no nosso Estado (...) é pois o
interesse da classe que está em jogo: com a fundação de um grande estabelecimento
frigorífico no nosso Estado ter-se-ão novos mercados abertos à nossa indústria bovina,
que, assim, se libertará das dificuldades da falta de consumo interno e do "trust" de
Montevideo. 45
103
Ê evidente que, com o declínio da charqueada, os criadores sem
pre teriam o recurso de fornecer gado para os frigoríficos uruguaios que
ofereciam melhores preços do que os estabelecimentos saladeirís gaú
chos. Todavia, se isto era conveniente aos criadores da fronteira, que
atè arrendavam ou compravam fazendas no Uruguai, tornava-se mais
difícil para os criadores do interior, face as deficiências dos serviços da
rede ferroviária interna.
Os anos de 1914 e 1915 seriam agitados por inúmeros debates so
bre o tema dos frigoríficos, a respeito das condições que o Rio Grande
do Sui apresentava para a sua implantação.
No estudo da argumentação das vantagens que o frigorífico have
ria de trazer e do que oferecia o Rio Grande do Sui para a sua instala
ção, é que se pode ver a perspectiva otimista se delineando, marcada
pela conjuntura favorável da guerra.
Basicamente, a argumentação se coloca em termos de aproveitar
as amplas perspectivas do mercado que se abriam para os produtos fri-
gorifiçados e equiparar o Rio Grande do Sui aos avanços da tecnologia.
Num artigo da revista EGATEA {Revista da Escola de Engenharia
de Porto Alegre), a questão era vista da seguinte forma:
Tem-se discutido uitimamente, com relativa freqüência, entre nós, a questão dos
frigoríficos. Mais cedo ou mais tarde, e o mais cedo melhor, temos de procurar nos
"packing-houses" e nas "coid-storage warchouses", uma solução para um pfpblema de
máxima importância econômica para o Rio Grande do Sui (...) A principal produção do
nosso Estado é o gado de corte, isto é, a carne. Esta só sai do Estado, ou sob a forma
do gado em pé ou sob a de charque. Nenhuma das duas encontra mercados fáceis e
esta questão tornar-se-á mais séria desde que intensifiquemos a nossa produção, o
que fatalmente tem que suceder para o desenvolvimento econômico do Estado. O
caminho já está indicado pela experiência doutros produtores e tem sido ultimamente
amplamente ventilado em nosso meio - é a exploração de carnes congeladas. Há
manifesta tendência para um aumento da procura do gênero, abrindo-se novos merca
dos, ao mesmo tempo que as fontes do suprimento tendem a decrescer. A América do
Sui provavelmente caberá em não longe futuro abastecer uma grande parte de tais
mercados e enquanto os nossos vizinhos do Prata fazem já entrada nestes campos de
comércio, nós estamos ainda de todo desaparelhados, dispondo entretanto, neste
Brasil, duma das mais admiráveis regiões ganadeiras do mundo, que se estende do sui a
Mato Grosso (...) A nós, do Rio Grande, para quem a questão tem mais urgente interes
se, os frigoríficos não virão somente abrir oportunidades à indústria pastoril. A agricul
tura será diretamente beneficiada (...) abrir-se-ão as possibilidades de encontrar novos
mercados para os frutos, para os legumes verdes (...) Para os laticínios, para os ovos o
mesmo se estende. O que tem sido pouco estudado é o seu aspecto técnico. A
refrigeração constitui um ramo multo especial da engenharia mecânica, ramo este que
não tem ainda em nosso meio merecido o interesse de que é credor pela sua íntima
ligação com os nossos problemas econômicos.
104
tância, pois, além de aproveitar Integralmente o boi e seus subprodu
tos, conferindo um maior valor ao rebanho, viria ainda beneficiar outros
setores da economia, tais como a agricultura, laticínios, etc.
Todavia, embora a perspectiva fosse de confiança, algumas ques
tões se Impunham para debate.
Um dos Itens que mais se apresentava como problema era o do ca
pital necessário.
Um frigorífico, à semelhança dos empreendimentos Industriais
que se haviam estabelecido no Prata, ou buscando o exemplo dos for
midáveis packing-houses de Chicago, ou mesmo voltando a atenção
para a companhia fundada em Barretes, por Antônio da Silva Prado, era
uma obra que demandava muitíssimo capital. João de Souza Mascare-
nhas, numa exposição aos pecuaristas de Pelotas, preocupava-se em
saber
(...) com quanto os criadores deste município ou nesta cidade residentes pode
riam concorrer para a formação do capitai necessário ao estabelecimento do frigorífico
no Estado.48
^MASCARENHAS. João de Souza. União dos criadores. AEstância, Porto Alegre (171:214, jul. 1914.
49MOREIRA, Alfredo Gonçalves. AEstância, Porto Alegre (251:477-8, mar. 1915.
oOibidem, p. 478.
105
Quanto à questão da origem dos capitais, D. M. Riet, vice-presi
dente da União dos Criadores, elemento ligado à pecuária que muito se
bateu pela implantação dos frigoríficos, assim se expressava:
Temos grande conveniência em que o primeiro estabelecimento frigorífico no
Estado seja fundado exclusivamente com capitai rio-grandense, tendo em conta a
vaiorização do nosso boi, por serem donos desta empresa os próprios criadores, pois
em caso contrário, se tai instalação fosse fundada com capitais estrangeiros, os
empresários indefectiveimente procurariam acumular grandes lucros para oferecer
bons dividendos, à custa do criador que taivez obtivesse desse estabelecimento os
mesmos preços pagos pelos charqueadores, seria um monopólio que taivez piorasse a
difícil situação em que nos achamos e como de pronto não temos gado preparado para
fornecer dois ou três frigoríficos, que poderiam entrarem competência, o primeiro que
for fundado trabalhará talvez longo tempo, sem temer competência nos preços.
Tais considerações justificam a conveniência do patriótico sacrifício
de todos os criadores, na medida de suas possibilidades, que sendo coletivo
preencherá devidamente as despesas necessárias para a fundação de um frigorífico^^.
Apesar da perspectiva nacionalista, a União dos Criadores cogitou
de entrarem contato com as empresas estrangeiras que operavam com
frigoríficos no Prata, procurando interessâ-las nesse empreendimento
levado a efeito pelo órgão da classe rural gaúcha. A diretoria da União
justificava seu proceder quanto ao assunto, dizendo que convinha mui
to aproveitar a competência técnica e as reiações comerciais dessas
empresas, que poderiam facilitar a instalação do frigorífico® .
Nas propostas feitas às empresas, a União propunha entrar com
metade, ou talvez mais, da quantia de capitai necessário para a monta
gem da empresa, cabendo à organização estrangeira entrar com uma
parte de capital e com a tecnologia.
Todavia, as articulações feitas com a Continental Products Com-
pany não lograram o efeito desejado, como se pode ver no ofício dirigi
do à União dos Criadores por Mr. Batton, superintendente da compa
nhia:
Teremos muito prazer em enviar a este Estado, dentro em breve, um nosso
representante, para lá estudar a pecuária e a possibiiidade de fazermos embarque de
animais para este "packing-house". Caso seja isto exeqüivei, aí manteremos um
encarregado para a aquisição de gado bovino a este efeito. Estudamos igualmente a
exeqoibiiidade do estabelecimento de uma "packing-tiouse" dentro deste Estado, e
fizemos, neste intuito, algumas indagações superticiais. Os nossos projetos, neste
sentido, porém deixam de ser contemplados e não podemos, pois, fazer declarações
positivas quanto à nossa última resolução^^.
Falhando a possibilidade de associação com o capital estrangeiro,
a União dos Criadores preparou-se para levar adiante o projeto, contan
do apenas com os recursos locais.
Se o capital estrangeiro mostra-se sestroso em participar do pro
cesso de produção unido aos nacionais, outras seriam as perspectivas
51rieT, D.M. Curtumes e frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (261:493, abr. 1915.
52mOREIRA, Alfredo Gonçalves. Os frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (171:218, iul. 1914.
^BATTON, C. Oficio dirigido pela Continental Productos Cmpanv ao presidente da União dos Criadores. A
Estância, Porto Alegre, (17):218. jul. 1914.
106
com relação à comercialização do produto, pois, em abril de 1915, a fir
ma inglesa Weddel & Cia. Ltda., de Londres, oferecia-se para pôr seus
serviços à disposição do projetado frigorífico local, a fim de colocar os
produtos no mercado inglês s'».
Um outro problema discutido era o da matéria-prima locai ser ade
quada ou não para o novo empreendimento a fundar-se.
A propósito desta questão, uma forte corrente no seio da classe
dos pecuaristas considerava ter o Rio Grande do Sul gado suficiente e
selecionado para ser aproveitado pelo frigorífico. Inclusive a própria im
plantação da nova indústria viria impulsionar o processo de seleção e
remodelação da pecuária, invocava-se o auxílio do Governo do Estado,
pois este uma vez abolira o imposto de exportação de gado de corte,
para beneficiar os criadores face o decréscimo de abate nas charquea-
das locais. Poderia agora fechar as fronteiras, para que a matéria-prima
não escasseasse no Estado. Comparações eram feitas com a situação de
São Paulo, pioneiro da indústria frigorífica no Brasil, mas que, contu
do, utilizava um rebanho de qualidade notoriamente inferior ao gaúcho.
Proveniente de Mato Grosso e Minas Gerais, o gado abatido nos frigo
ríficos paulistas era mestiço com zebu, frente ao qual o rebanho do Rio
Grande do Sul, que já vinha sofrendo um processo de refinamento e se
leção desde há alguns anos, levava vantagem®®.
Outra corrente de opinião entre os pecuaristas afirmava que era ne
cessário que se aprimorasse ainda mais a criação no Estado, face ás
exigências de consumo dos países importadores de carne frigorifica-
da®6.
Considere-se que a diferençaentre as duas perspectivas é apenas
superficial: a primeira considera que o RioGrande do Sul já se encontra
com ótimas condições para abater seu gado, tendo em vista a indus
trialização almejada; a segunda insiste na necessidade de melhor aper
feiçoamento do rebanho, importando, cada vez mais, as raças superio
res inglesas, tal como se dera no Prata.
^Já com relação à tecnologia necessária, isto na realidade se cons
tituía num problema, uma vez que o Rio Grande do Sul se apresentava
desaparelhado e a técnica forçosamente deveria ser importada.
Quem melhor colocou o problema do distanciamento tecnológico
entre o processo produtivo instalado e o da indústria a Instalar foram os
dois expoentes máximos dessa campanha levada a efeito pela União
dos Criadores: Alfredo Gonçalves Moreira, seu presidente, e João de
Souza Mascarenhas, ativo membro da entidade de ciasse.
Numa circular enviada aos presidentes e membros das comissões
da União dos Criadores, o Gel. Moreira assim colocou a questão:
54|NTERESSANTE informação dos senhores Dickinson. AEstância. Porto Alegre (261.522, abr. 1915.
^^Para defesa de tais idéias, veja-se:
MASCARENHAS, op. cit., nota 48, p. 214 et seq.
PIRES, Vieira. Os frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (20):300 et seq., out. 1914.
OS frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (21);322 et seq., nov. 1914.
MOREIRA, Alfredo Gonçalves. Sobre frigoríficos. A Estância, Porto Alegre (24).-442. fev. 1915.
^RIET, D.M. A pecuária rio-grandense. A Estância, Porto Alegre, (19).-274, set. 1914.
107
Desde a fundação da "União dos Criadores", a sua diretoria vem se empenhando
para melhorar, a situação da classe pastoril, cada ano ameaçada de sérios prejuízos
t..) a causa principal da crise porque está passando a indústria pastoril é manter-se
ainda como meio exclusivo do aproveitamento do nosso gado, o fabrico do charque,
produto que só se consome no norte do país e destinado às classes proletárias que não o
podem consumir senão dentro de certos limites de preço, mormente na época da crise
que atravessa aquela região. A diminuição do charque deterrrlnou, por esse motivo,
uma notável diminuição do seu consumo, que naturalmente está se refletindo sobre os
negócios desta safra, diminuindo a matança nas charqueadas. Esse mal não nos é
dado remover sem ampliar ou antes remodelar a nossa indústria de carnes. Por isto,
estamos hoje convencidos de que todas as tentativas no sentido de melhorar a nossa
situação fundando charqueadas regionais sob moldes cooperativistas, ou outros quais
quer, resultarão infrutíferas e virão imobilizar valiosos capitais em estabelecimentos de
charqueadas que já vão sendo de sobra para as necessidades dessa indústria, quando
poderiam estes capitais vir dar vida aos frigoríficos, os quais, abrindo novos mercados
às nossas carnes, libertarão o nosso principal produto da dependência dos mercados
nacionais cujo consumo cada ano mais se restringirá, e para os quais só devemos
reservar uma parte de nossa produção (...) No frio industrial, portanto, devemos ir
buscar os elementos para melhorar a situação atual e prepararmos o advento de uma
época de sólida prosperidade econômica que assenta sempre na nossa principal
riqueza - o gado^'
Mais veementes na sua tomada de posição são as palavras de
Mascarenhas:
Extinguiu-se a indústria saladeiril na República Argentina e vai de vencida na
República do Uruguai. A indústria de frigorificação das carnes, valorizando o gado,
substitui a indústria saladeiril. Podemos permanecer indiferentes a este florescimento
industriai econômico? (...) Devemos resignar-nos, entre pasmos e estúpidos, a uma
decadência certa, amarrados à rotineira indústrial saladeiril, que nunca quis ou nunca
pôde melhorar? Seremos incapazes de nos unirmos, mesmo diante do exemplo do
florescimento dos países vizinhos, deixando de prestigiar a ação da benemérita "União
dos Criadores',* que neste momento se desvanece de ser patrioticamente apoiada pelo
honrado Governo do Estado?Devemos resignar-nos a perder o esforço durante tantos
anos dispendido, e com tantos sacrifícios alcançado, do melhoramento dos nossos
gados, continuando a transformar em charque a carne dos bois mestiços, por não
querermos auxiliar com o nosso capital o capital estrangeiro, no sentido de ser fundado
o primeiro frigorífico do Rio Grande do Sul?
A necessidade de um estabelecimento frigorífico no Rio Grande do Sul se impõe
como questão de vida ou de morte, para valorização definitiva e crescente de nossa
pecuária. 58
Torna-se claro o posicionamento do órgão de ciasse rural que foi a
União dos Criadores: a sua proposta progressista já ultrapassara a
forma conclilatória das charqueadas regionais onde seriam aplicadas
as técnicas de conservação da carne pelo frio e decididamente o seu
piano era a implantação da indústria frigorífica. A decadência da char-
queada era encarada como inevitável, idéia já reiativamente esboçada
antes da guerra, mas agora afirmada com maior certeza. A união dos
esforços era apregoada com o meio indispensável para a satisfação dos
interesses da ciasse.
108
Tecnologia, capital, matéria-prima, eram problemas da ordem de
produção debatidos peios criadores gaúchos. Frente a eles, que ação
tinha o poder do Estado, tão invocado pelos pecuaristas?
Protásio Alves, Secretário do interior, dirigiu uma circular aos inten
dentes municipais do Estado solicitando que isentassem de impostos
de exportação o gado de corte 59 Pelo Decreto 2092, de 29 de maio de
1914, o Governo do Estado abriria novas fronteiras à exportação do ga
do para o estrangeiro e outros Estados.
Atendendo à solicitação dos criadores que se achavam com os
campos despovoados, sem arrendamento, o presidente do Estado con
cedeu a isenção do pagamento da multa pela demora em pagar o im
posto territoriai.
Note-se aqui que Borges de Medeiros não abriu mão de sua prerro
gativa de exigir a cobrança do imposto direto, apenas isentou o criador
em dificuidades da multa pelo atraso no pagamento.
Todavia, estas medidas do Governo do Estado, por um lado, solu
cionavam momentaneamente a crise dos pecuaristas, facilitando a
venda do seu produto, mas, por outro, favoreciam e incrementavam as
indústrias estrangeiras no Prata, que eram as que receberiam a maté
ria-prima gaúcha que seria industrializada em suas fábricas. Quanto à
nascente indústria frigorífica nacional, esta já seria desde o Inicio am
parada pela Lei 148, de 12 de novembro de 1912, que isentava por 30
anos, do pagamento de impostos, os frigoríficos que se estabecessem
no Estado.
Na sua tendência de realizar um desenvolvimento muitiiateral, o
Governo republicano, com suas medidas, ora amparava a indústria nas
cente, ora favorecia as empresas já instaladas no Prata, que poderiam
obter o gado gaúcho como matéria-prima.
A exempio do interesse que tomava o Governo borgista pelo as
sunto da frigorificação de carnes, o intendente de Rio Grande procurou
atrair para o seu município a iocaiização da nova empresa:
o município de Rio Grande não pode ficar indiferente ante a solução deste magno
problemate, assim pensando, devemos, obedientes à beneméritaorientaçãodo Governo
do Estado, isentardo pagamento de impostos qualquer frigorífico que aqui se fundar,
bem como os gados em trânsito para este fim. Finalmente, como um poderoso
incentivo, lembro-vos a criação de um prêmio de 10 contos de réis, que muito concorre
rá para estimular qualquer Iniciativa naquele sentido.60
À propagação_ da idéia da montagem de um frigorífico nacional
veio se juntar a ação da Federação Rural e da bancada gaúcha no Con
gresso. No Senado e na Câmara, o projeto era defendido sem distinção
partidária, como se pode ver no apoio que teve, de ambos os partidos
poiiticosgaúchos, a emenda apresentada pelo dep. Maciel Jr. Aemen
da, que propunha a isenção das taxas de importação as máquinas e
59pROVIDÈNCIAS do Governo. AEstância, Porto Alegre (171:219, jul. 1914.
SOrelATÔRIO do intendente do município de Rio Grande. AEstância, Porto Alegre (25).'484, mar. 1915.
109
acessórios destinados aos frigoríficos, foi assinada tanto por um Joa
quim Luís Osório como por um Rafaei Gabada, que por eia se batiam 6i.
Em âmbito estaduai, a Lei 197, de 3 de dezembro de 1915, votada
peia Assembiéia de Representantes do Estado, autorizava o Governo a
auxiliar mediante empréstimos as empresas que se fundassem no Rio
Grande do Sui para a conservação peio frio de carnes ou outras subs
tâncias. Peia iei, era concedida ao Presidente do Estado a faculdade de
realizar as operações de crédito necessárias, ficando também estabele
cido que o total desses empréstimos, que se efetuariam mediante con
tratos, não excederiam à quantia de dois mil contos de réis®^.
Embora obtenção de capital, refinamento do rebanho e importação
de maquinaria fossem problemas sérios para a ciasse rural e para o pre
sidente do Estado, outros obstáculos ainda se antepunham à concreti
zação do projeto regional: a velha questão dos transportes e, a eia liga
da, a dúvida quanto ao locai do estabelecimento do futuro frigorífico.
Mais do que nunca a questão da barra do Rio Grande tornava-se o
assunto do dia e, junto com ele, as deficiências de escoamento da pro
dução através da estrada de ferro local.
Algumas opiniões apontavam o caminho de exportação peia fron
teira, outras consideravam que os serviços da Cie. Française du Port du
Rio Grande do Sui, dando a profundidade de 5,50m a 6,00m, em breve
permitiria o acesso dos navios de grande caiado.
Frente a este problema, desde 1915, o Governodo Estado buscava,
junto com a bancada gaúcha no Congresso, conquistar o apoio da
Câmara para que se efetivasse a autorização do Governo federai para a
encampação do Porto do Rio Grande peio Governo gaúcho, transferin
do a concessão ao Estado do Rio Grande do Sul.
Quanto ao problemada estrada de ferro, o Governo estadual entra
ra em ação junto com a União dos Criadores face à Cie. Auxiiiaire des
Chemins de Fer au Brésii para conseguir não só o melhoramento dos
serviços como a redução dos fretes. Para tanto, o presidente da União
dos Criadores, Gel. Moreira, fora até São Pauio conferenciar com o Sr.
Barrow, vice-presidente da Brazii Raiiway, empresa da qual a Cie. Auxi
iiaire era subsidiária, a fim de tratar sobre os transportes ferroviários no
Rio Grande do Sui, conseguindo a promessa de que a companhia esta
va disposta a facilitar o transporte do gado para o frigorífico.
O projeto que era levado adiante peia União dos Criadores, com o
apoio oficial do Governo do Estado, objetivava estabelecer o frigorífico
no único porto de mar do RioGrande do Sui. Todavia, outras propostas
surgiram a nível municipal, propondo a realização de empresas noutras
regiões da fronteira, do litoral ou do meio interior.
A proposta de fundar o frigorífico em Rio Grande contava com o
poderoso argumento de ser ali o escoamento necessário da produção
gaúcha por via maritima, além de contar com o prosseguimento dos tra-
baihos de desobstrução da barra que haveriam de dar acesso aos gran-
®^ATOS oficiais, congressos, exposições. AEstância, Porto Alegre, (31).'715, sst. 1915.
62g0VERN0 do estado DO RIO GRANDE DO SUL. Leis, decretos e atos. Porto Alegre, A Federação, 1915.
110
des navios. Depunha ainda a favor desta proposta a firme intenção do
Governo do Estado de encampar a companhia concessionária, pondo
em prática o princípio da socialização dos serviços públicos.
Consideravam os incorporadores do projeto do frigorífico nacional
que, estando tanto a estrada de ferro como o porto no Rio Grande do Sul
nas mãos de uma mesma empresa, o sindicato Farquhar, esta teria in
teresse em diminuir os fretes, a fim de atrair a exportação dos produtos
do frigorífico rio-grandense para os canais de escoamento.
Face a esta proposta, grande repercussão teve o projeto do cônsul
do Uruguai no Estado, Sr. Vicente Carrió, que propunha a formação de
um frigorífico na zona da fronteira, mais especificamente em Livramen
to. Carrió considerava ser este o ponto ideai e, num memorandum á
União dos Criadores, lembrava a facilidade quanto aos transportes e á
obtenção de matéria-prima. A fronteira era, indiscutivelmente, a região
melhor servida pela criação de gado no Estado, a mais densamente po
voada pelo rebanho bovino gaúcho e, portanto, o locai mais convenien
te para uma grande empresa que, por sua natureza, operasse em larga
escala, igualmente, a indústria que iá operasse poderia aproveitar o
gado uruguaio, de superior qualidade.
Quanto ao escoamento da produção. Livramento coiocava-se no
ponto de encontro entre as vias férreas uruguaias e brasileiras e, quan
to a portos marítimos, a produção poderia facilmente escoar por Mon
tevidéu, indiscutivelmente superior a Rio Grande®^.
Frente a esta proposta, ievantaram-se as críticas dos elementos lo
cais, que denunciaram o fato de que a proposta do cônsul uruguaio
ocultaria o interesse de desviar para Montevidéu toda a produção de
carnes gaúcha. Logo, escaparia do fisco rio-grandense toda a cobrança
de taxas e toda a despesa com fretes. Em outras palavras, parte da
riqueza que poderia ficar no Rio Grande do Sul escoaria para o país vizi
nho. Logo, o frigorífico, ao utilizar o serviço de viação férrea e portuária
do Uruguai, beneficiaria mais o Estado Orientai do que o Rio Grande.
A intervenção do cônsul uruguaio foi considerada inoportuna, lesi
va aos interesses locais, ao pretender assumir a direção do movimento
que decidiria a localização do frigorífico. Na opinião de Ramiro Barcei-
ios, que com Vicente Carrió manteve um longo debate sobre o assunto,
o memorandum causara muito má impressão:
Todo empenho do Snr. Cônsul General, e claramente revelado em seu longo
"memorandum',' era conquistar o apoio do Dr. Borges de Medeiros para desviar do porto
do Rio Grande para o de Montevideo a exportação das nossas carnes (...) O snr. Cônsul
do Uruguai está em seu direito de fazer a tentativa no que diz respeito ao frigorífico e
até no que se refere ao "contrabando" com que se tem asfixiado de longa data o nosso
comércio do litoral. Nós, porém, não só temos o direito como o dever cívico de
cortar-lhes as asas e de Impedir que sobre tais pedras angulares levante a coluna
triunfal do domínio econômico do Uruguai sobre o Rio Grande do Sul.64
63fRIGORIFICOS, memorandum do cônsul uruguaio à União dos Criadores sobre a localização mais apropriada
de um frigorífico. A Estância, Porto Alegre (21).-325 et seq,, nov. 1914.
64o DR. Ramiro Barcellos responde ao Sr. Cônsul do Uruguai. AEstância, Porto Alegre (26).-499-511, abr. 1915.
111
Carrió voltaria à carga novamente, propondo à União dos Criadores
unir-se ao capital uruguaio num projeto que estava se apresentando no
Estado Oriental da construção de um frigorífico ao norte (Salto ou
Paissandu). Em resposta, a presidência da União lembrou que a sua in
tenção era a cidade de Rio Grande, o que não impedia que pudesse
também interessar-se no assunto®®.
Às proposições de Carrió e da União dos Criadores, outras viriam
surgir no Estado, como aquela levada a efeito pelo conhecido saladei-
rista de Santana do Livramento, Pedro Irigoyen que, aliado a capitaiis-
tas uruguaios, tencionava montar uma companhia frigorífica no iocal.
ReferiavA Estância a respeito:
o capital será de 2.000 contos, sendo misto o estabelecimento, isto é, aproveitará
as instaiações da ctiarqueada, fábricas de conservas, velas e sabão, da firma "Anaya e
Irigoyen", à quai será acrescentada a secção frigorífica. Consuitada a direção Ferro
Carril Centrai do Uruguay sobre o transporte das carnes em vagões frigoríficos até o
porto de Montevideo, respondeu afirmando que desde que a empresa garanta o embar
que mensai de determinada quantidade de carne de frigorífico, a direção da "Ferro Carril"
faria construir 20 vagões de 30.000 kg. destinados a esse transporte.66
Tudo indica que aqui estariam presentes as primeiras articuiações
da compra da charqueada da firma Anaya e irigoyen, de Livramento, pe
lo frigorífico Armour, que já nesta época operava no Uruguai e na Ar
gentina. A instaiação, contudo, só se efetivaria mais tarde, o que será
desenvolvido mais adiante, quando se tratar da implantação dos frigorí
ficos estrangeiros no Estado.
Criadores de Rosário, por sua vez, tentavam também articular-se
para transformar a empresa charqueadora local em frigorífico. Conta
vam a seu favor a excelente oferta da matéria-prima, face a sua localiza
ção estratégica frente a zona fornecedora de gado. Através da ação do
senador Vitorino Monteiro, conseguiu a comissão incorporadora do fri
gorífico de Rosário um empréstimo do Governo federal no valor de mil
contos de réis®^.
Nesta proliferação de tentativas de criar uma empresa frigorífica,
também de Peiotas surgiu uma proposta:
Em 15 de outubro de 1915, o saudoso e competente engenheiro civii, Dr. João
Gabriel Ubatuba, apresentou um anteprojeto de um estabelecimento frigorífico em
Pelotas, chegando às seguintes conclusões: "A instalação do frigorífico em Pelotas
impõe-se não só porque representa uma economia anual de 7% sobre o capital
social, como também pela convicção que nutrimos de que a instaiação do frigorífico na
cidade de Rio Grande seria para nós, rio-grandenses, um fracasso indescupávei, pois é
sabido que, há muitos anos, iá existiu a indústria do charque e os estabelecimentos
não conseguiram fixar-se. Este desastre nas charqueadas foi motivado, além das
causas apontadas, (pastos, aguadas, transporte), pelas areias tenuíssimas daquela
região, que tocadas pelos ventos, ali sempre reinantes, aderiam ás carnes por ocasião
de serem estendidas nos varais, dando-lhes mau aspecto e prejudicando-as mesmo
para o consumo. A vós, meus senhores, de quem depende a realização deste grande
®5caRTA de Carrió ao presidente da União dos Criadores. AEstância, Porto Alegre (26).-519, abr. 1915.
®®FRIGORlFICOS em livramento. AEstância, Porto Alegre (24I.-445, fev. 1915.
67o PROGRESSO, Porto Alegre (25), out. 1915.
112
empreendimento, só aconselharia o estabelecimento do frigorífico na cidade de Pelo
tas, pois me repugnaria lançar-vos a uma empresa cuja indústria tão delicada quanto
exigentes não fosse amparada por investigações práticas, concisas e leais. Ademais, o
sr. Cipriano Corrêa Barcellos, m.d. Intendente municipal, prometeu aos membros
desta comissão interceder junto ao patriótico conselho municipal para auxiliar a nova
empresa com o terreno que a mesma necessitasse na margem do canal de São
Gonçaio.68
113
matadouro correm as carcaças do boi abatido até o armazém ou tenda! de câmaras
frigoríficas, de onde passará diretamente ao bojo dos transatlânticos de navegação alta
que,para tal fim, nos visitarem.70
Para averiguar o que poderia ser feito no Estado em termos de fri
goríficos, o Governo incumbiu Guilherme Minssen de viajar ao Prata
para colher informações sobre as empresas iâ instaladas. Desta viagem
de estudos resultou o Memorial da conservarção das carnes pelo frio^'* e
o Memorial sobre a Indústria de frigorificação das carnes ou conserva
ção das carnes pelo frlo^^, este publicado, em 1915, sob a forma de
conclusões extraídas das informações do primeiro relatório.
Em síntese, o trabalho recolheu dados diversos sobre a população
pecuária do Prata e do Rio Grande, bem como demonstrou qual o desti
no dado a este rebanho: charque, conservas, produtos congelados. En
quanto que o charque declinava inexoravelmente, a marcha da indústria
das carnes conservadas e congeladas era ascensional. Não tendo o
Uruguai capacidade para abater todo o gado do Rio Grande do Sul, o fa
to das charqueadas gaúchas irem deixando de funcionar deixava ape
nas uma saída para o Estado sulino, ou seja, a da implantação dos fri
goríficos. No Estado, refere o Memorial:
(...) se apresentam duas soluções para a fundação da indústria referida, a saber: a)
construção de um entreposto frigorífico no porto do Rio Grande com transporte do
gado em pé até ai e embarque direto das carnes nos vapores; b) construção de um
entreposto frigorífico em um ou mais pontos da fronteira uruguaia e transporte das
carnes elaboradas pelo frio até Montevideo. Citei estas hipóteses apenas para indicar
que a segunda, a do transporte férreo das carnes elaboradas, não é aplicado no Rio da
Prata (...) Em conseqüência não podemos tirar ensinamentos do Rio da Prata para o
transporte de carnes frigorificadas. Entretanto está provado que é possível técnica e
comercialmente, pois é aplicado em grande escala nos Estados Unidos onde as
grandes quantidades de carnes elaboradas pelo frio são enviadas aos grandes centros
de consumo (...) As companhias "Swift", "Armour", "Morris", "Suizberger" (...) possu
em cerca de 40.000 vagões.73
^^Ibidem, p. 776.
Donos dò importante estabelecimento saladeiril de Itaqui, os ir
mãos Dickinson tomariam a seu cargo a representação da firma em
Buenos Aires e Montevidéu, onde tinham escritório para seus negócios
de charque.
Com iarga experiência no negócio de carnes, a firma Dickinson
defendia uma série de vantagens comerciais que a fundação de uma fri
gorífico traria à pecuária gaúcha: pagariam pelo gado um preço muito
maiordo que aqueie que as charqueadas poderiam oferecer e conferiria
um vaior industriai ao gado ovino, na medida em que se poderia expor
tar carne de carneiro congelada.
O Frigorífico Rio Grande tinha por objetivo fundar mais de um es-
tabeiecimento no Estado, embora o primeiro fosse aquele projetado pa
ra a cidade de Rio Grande.
Amuitipiicação de projetos para a construção de frigoríficos, con
tudo, já estava conduzindo à preocupação. Em entrevista á Noticia, o
deputado Carlos Penafiel argumentava:
Para que todas estas iniciativas se transformem em realidade, são necessários
16.000:$000, assim divididos: para o de Santana do Livramento,6.000:000$000: para o de
Rosário, 6.000:0008000: para o de Rio Grande, 4.000:0008000. E no momento atual, em
face de todas as dificuldades que nos assoberbam, será possível levantar todo este
capital? (...) O que me parece difícil ou pelo menos, extemporâneo, é o fato de se estar
tratando da fundação de três desses estabelecimentos, senckj necessário reunir, com
urgência, quantias verdadeiramente avultadas. Não havia, em tudo isso, dispersão de
esforços? 74
A situação se tornava tanto mais grave quando o mesmo deputado
referia os iucros fabulosos que os frigoríficos obtinham no Prata,
ficando o Rio Grande do Sui á margem deste oportunidade de enrique
cer: em Buenos Aires, um frigorífico distribuía dividendos de 40%
sobre as ações ordinárias, depois de cobertos todos os gastos'®.
Reaimente, a verdadeira euforia peios frigoríficos estava fazendo
com que, na prática, nenhum projeto se concretizasse. Como já foi
demonstrado antes, a capitalização era baixa no Rio Grande do Sul, não
só pelas condições mesmas da estrutura produtiva como peia função
do Rio Grande em reiação á economia nacionai (periférico-dependen-
te). O sonho da muitipiicidade dos frigoríficos formados com capitais
nacionais haveria, pois, de cair por terra.
A União dos Criadores sentia o probiema e sua diretoria assim se
expressava, em junho de 1915:
(...) numa época como esta, de crise monetária mundial, de retralmento de capital
nacionalque encontra fácilcolocação sob a forma de empréstimo a juros elevados, seria
utopia contar com elementos suficientes para a organização simultânea de tantas
empresasdesse gênero quedemandam capital avultado. Eraprecisocontar, sobretudo,
com o apoio dos interessados diretos, que são os criadores para uma grande parte dos
quais a situação nesta safra é de dificuldades por não terem efetuado a venda de seus
'''penafiel, Carlos. AEstância, Porto Alegre 127); 577, maio 1915:
'®lbldem.
115
gados. Assim sendo, a aquisição do capital necessário para a fundação do frigorífico
representa uma extraordinária soma de esforços, sendo indispensável para esse fim o
concurso de todas as zonas pastoris do Estado, mesmo das que por circunstâncias
transitórias não possam reabrir desde logo os benefícios diretos do frigorífico.^®
O problema real é que, além dos fatores derivados de uma estrutu
ra montada e dos nexos que a mesma mantinha com o mercado con
sumidor, deve-se acrescentar a conjuntura desfavorável porque atraves
sava a Indústria pecuária por excelência do Estado: o charque.
O criador, como se sabe, dependia da charqueada para dar escoa
mento à matéria-prima que produzia e, quando o charqueador se deba
tia em crise, tendia a transferir seus efeitos para o reprodutor direto.
Em suma, numa época em que no mercado Internacional era alto o valor
do gado, o pecuarista rio-grandense não podia se valer dos bons preços
dentro do contexto sulino. Ante a retração do abate na charqueada,
era obrigado a reinvernar o gado gordo por falta de quem o comprasse
ou vendê-lo para os frigoríficos uruguaios, quando possível. Em pés
sima situação econômico-financeira , não dispunha mesmo do capital
necessário que, aplicado, viria proporcionar-lhe a lucratividade deseja
da.
Em julho, a União dos Criadores enviaria uma quinta circular às
comissões locais, solicitando um Incremento no processo de recolhi
mento de capital para a montagem do frigorífico. Em agosto de 1915, o
vice-presidente, Dr. M. D. RIet, lamentaria
(...) a demora que tem sofrido o andamento do projetado frigorífico no porto de Rio
Grande, magno empreendimento dificultado por motivos que estão no domínio público.
As iniciativas de Rosário, de Livramento, se bem plausíveis na devida oportunidade, nos
atuais momentos provocaram a dispersão de esforços, que unidos teriam resolvido o
patriótico problema, colocando o nosso porto em condições de poder exportar carne na
futura safra.77
O problema de arrecadação do capital continuaria portodo ano de
1916, apesar dos ingentes esforços da diretoria da União dos Criadores.
Ao mesmo tempoem que isto se dava, noticias corriam de que o capital
estrangeiro preparava-se para entrarnoRio Grande do Sul. Oassunto do
frigorífico era levado ao debate na Assembléia dos representantes, onde
se ouviriam as palavras do Deputado Possidônio da Cunha:
Sr. presidente, háàlguns anos a esta parteconstitui aspiração do Rio Grandedo Sul
a fundação de unri estabelecimento frigorífico, que venha amparar e desenvolvera nossa
indústria pecuária e, ao mesmo tempo, facilitar a exportação de legumes, frutas,
iaticínios, etc., que constituem poderoso fator econômico e grande fator de renda em
muitos países da Europa e da América.
A indústria bovina, entre nós, tal como se acha atualmente constituída, não mais
corresponde às exigências do progresso de hoje; de sorte que vemos, com pesar
diminuir o consumo de alguns dos seus produtos e outros são elaborados de forma que
parte da matéria-prima fica inteiramente perdida.
^^MOREIRA, Alfredo Gonçalves. Ainda pelo frigorífico. AEstância, Porto Alegre (28): 609, Jun. 1915.
^^RIET, D.M. Frigorífico Rio Grande. A Estância, Porto Alegre (30):668. ago. 1915.
116
As charqueadas vão gradatívamente diminuindo de vaior como estabelecimentos
industriais e, de outro iado, os produtos agrícolas que entre nós são em grande
abundância, não podem ser exportados em maior quantidade, porque não suportam um
transporte longo e demorado por serem de fácil deterioração. A fundação, pois, de um
estabelecimento frigorífico impõe-se a todos os espíritos e não é mais um assunto
sujeito ã discussão. Diversas têm sido as tentativas feitas para a realização desse
desideratum, mas infelizmente, até hoje nenhum resultado obtivemos (...) nestes
últimos tempos, notadamente a "União dos Criadores" tem empregado os seus melhores
esforços neste sentido (...) Não tem (...) faltado apoio dos poderes públicos para
favorecer o surto de estabelecimentos dessa espécie. Não me cabe indagar, nesta
ocasião, os fatores e motivos do insucesso destas tentativas, mas o que è certo é que,
até o presente, não logramos ainda ver realizada a nossa aspiração de um estabele
cimento frigorífico. Agora, porém, tendo chegado ao nosso conhecimento — e por
conduto autorizado — que uma empresa estrangeira, do gênero, que já se acha
estabelecida no Rio da Prata, pretende virfuncionar no RioGrande do Sul, desde que os
seus produtos, manufaturados aqui, pelos ônus que tiverem, não fiquem em situação
inferior aos que elaboraram naqueles países, a comissão de orçamento, por meu
intermédio, deliberou apresentar à consideração da Assemiéia um projeto de lei am
pliando e modificando a Lei 146, de 1912 (...)78
117
Quanto a esta atitude do Governo, o deputado Emílio Guilayn assim
justificava;
118
Assim, no Banco Pelotense, a marcha evolutiva foi a seguinte, até a crise de 1921;
®^RELATÔRIO da Repartição de Estatística Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior do Estado do Rio Gran
de do Sul, 1914. p. 134.
119
17.965 cabeças, e Ismael Florlano Fagundes, com 17.000, ambos de
ItaquI, outro município também apontado como líder em termos de
inovações sanitárias para animais®^.
Em 1918, o número de banheiros carrapaticidas aumentava para
374, destacando-se os municípios de Bagè, Livramento, Alegrete, Her-
val, São Gabriel eitaqui^.
Assim como melhorava a qualidade de rebanho e dos métodos de
criação, também a quantidade e o valor do mesmo se desenvolviam sob
o influxo favorável da conjuntura da época.
Em número e valor de cabeças bovinas, o rebanho cresceu na
seguinte proporção®®:
Aumento Sobre Cada Ano Anterior
Valor Absoluto
Anos Cabeças Relativo
(em mil réis)
Número Valor N? Valor
120
o problema é que, ao aumentar o valor dos campos, aumentava o
imposto a pagar. O estancleiro, no caso, estava Investindo na unidade
produtora, tendo em vista as perspectivas de frigorlf Icação da carne. Os
melhoramentos se faziam sentir, tanto a nível qualitativo como quanti
tativo. O que se põe em dúvida, contudo, é que os lucros ou a margem
de capitalização fosse tão grande, pois, se tal se desse, não se tornaria
tão difícil arrecadar dinheiro para a montagem do frigorífico nacional.
Joseph Love refere que
(...) na ampliação do capital do frigorífico de controle doméstico, Borges apelou
aos líderes do Partido Republicano Rio-grandense local para solicitarem fundos aos
estancieiros em seus municípios.92
Apesar detodo este Impulso, não se conseguia arrecadar o capital
necessário, masos incentivos concedidos pelo Governo davam seus
frutos. Estes, contudo, não eram exatamente o que a União dos Cnado-
|fes esperava. No Inicio do ano de 1917, um artigo do Correio do Povo
comentava, ao referir-se à situação de economia pecuária gaúcha:
Mas o remédio para estasituação é confiecido. Oque nós temos a f^er é o que os
Inossos vizinhos piatinos já fizeram, há muito tempo, e o que Minas e Sao Paulo estão
praticando com muito proveito: é irmos substituindo a nossa retardatana industria do
charque pela das carnes congeladas e resfriadas. Felizmente, ao que se sabe, ja a
"Swift Cy." está demarcando o terreno em que vai instalar o seu frigorífico no Rio
Grande e que a "Armour Cy." já iniciou também os trabalhos para a instalaçao do seu
estabelecimento, que será localizado no Livramento. Apenas não se fala do fri^rifico
que se devia fundar com capitais genuinamente rio-grandenses_. Eisto e tanto mais la
mentável, porquanto importa num atestado de nossa indecisão e de nossa falta de
energia e previsão. Entretanto, a não termos nenhum frigorífico, é bem preferível que
tenhamos dois, embora fundados com capitais estrangeiros.
121
rotina. Era a descapitalização da economia pecuária que levava setores
dos criadores a permanecerem como "atrasados" ou "refratários" às
inovações. Estando a pecuária em crise, e já sendo a capitalização
baixa em virtude da própria estrutura e de sua vinculação periférlca-de-
pendente, o criador não conseguia integralizar o capital necessário. A
demora foi tal que uma companhia estrangeira - a Swlft, precisamente -
adiantou-se ao projeto dos pecuaristas gaúchos e acertou o estabele
cimento de uma unidade industrial no porto do Rio Grande. Face o
ocorrido, mudou-se internamente a perspectiva, pois carecia de fun
damento a possibilidade de funcionarem lado a lado, no mesmo local,
uma empresa estrangeira e uma empresa nacional. A solução encon
trada foi a mudança do local para Pelotas, onde a municipalidade
favoreceu a instalação, concedendo um terreno à margem do São
Gonçalo, próxima a um ramal de estrada de ferro e com um porto
apropriado. Inclusive, a partir do momento em que mudou o plano da
União dos Criadores, esta nova localização foi considerada uma vanta
gem, uma vez que evitaria o pagamento das onerosas taxas exigidas
pela companhia concessionária do porto do Rio Grande.
No que diz respeitoá doação do terreno, o contrato foi assinado
entre os diretores da Companhia Frigorífica Rio Grande e o intendente
de municipalidade, Dr. Cipriano Barcellos, em 21 de novembro de
191795
... não subscrito antes por Iniciativa dos incorporadores, notadamente peia
"União dos Criadores", cujas listas de subscrição atingem a quantia superior a dois mil
contos de réis.96
^^GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Leis, decretos e atos. Porto Alegre, a Federação, 1917. P
119.
122
A primeira administração da companhia teria como diretores G.C.
Dickinson & Cia. e Emílio Guilayn, ficando o conselho fiscal a cargo de
Alberto Rosa, Alfredo Gonçalves Moreira Antônio Augusto de As-
sumpçào.
A companhia constituiu-se iegamente numa assembléia em 17 de
setembro de 1917, na sede da União dos Criadores do Rio Grande do
Sul, quando se achou subscrito integralmente o capitai.
^^frigorífico genuinamente rio-grandense AEstância, Porto Alegre (55) 9 10, set 1017
123
— Ainda mesmo que ela deixasse de funcionar nós teríamos os juros de 6% do
capital empregado, que nos garante o Governo do Estado. Esse auxílio é talvez mais
proveitoso do que o empréstimo de mll contos que pretendia dar, a princípio, o Ilustre
presidente do Estado, a quem devemos o êxito desta Iniciativa pelo multo que nos
auxiliou na formação da companhia. O Governo tomou a sl mesmo a passagem de ações
por toda a campanha, portodo o Interior doEstado, obtendo resultado surpreendente.98
Um projeto corajoso, sem dúvida, inspirado numa acentuada defe
sa dos interesses iocais, este dos criadores gaúchos. Opor-se ao truste
e ao monopólio, valorizar a matéria-prima locai e equiparar o Rio
Grande às mais recentes inovações tecnológicas no campo da transfor
mação dos alimentos eram os projetos dos estancieiros. Para tanto,
congregavam-se os esforços de ciasse dominante sob o patrocínio do
Estado, que cumulava os futuros frigoríficos que surgissem de incen
tivos fiscais.
Deles iriam aproveitar-se as empresas estrangeiras, superiores
financeira e tecnoiogicamente. Frente à força do capital monopolista,
perderia terreno um projeto de criação de um frigorífico nacional que
viria transformar radicalmente a estrutura produtora no Estado.
O projeto foi concebido numa época de euforia quanto às perspec
tivas oferecidas pelo mercado internacional, que pareceram poder ar
rancar a economia pecuária gaúcha da crise e estagnação.
A alta do preço do gado e a ampliação do consumo mundial,
contudo, atuaram de forma a estimular no Estado tanto a ampliação do
crédito como a renovação da pecuária, através do aprimoramento de
rebanhos e cuidados higiênicos no seu tratamento. O objetivo mais alto
de renovação seria, porém, atingido quando o Rio Grande do Sul
conseguisse, através de atuação dos criadores e da proteção do Esta
do, montar uma empresa frigorífica com capitais locais.
Justamente o aspecto nacionalista que liderava a companhia de
instalação da indústria do frio haveria de frustrar-se, e quem levaria a
dianteira seria o capitai estrangeiro. Este trans|adou-se do Prataparao
Rio Grande, aproveitando-se tanto das condições de mercado no mo
mento, quanto da legislação protecionista que o Estado gaúcho ofere
cia.
124
firma charqueadora Anaya e Irigoyen para a instalação de um frigorífico
em Santana do Livramento.
Outras firmas estrangeiras também voltavam as suas vistas para o
Estado. Em 1915 inaugurava-se em São Paulo o frigorífico de Osasco,
considerado perfeito para a época quanto às suas instalações, com
capital de 12.000 contos. Segundo notícias divulgadas pela revista A
Estância, a Continental Products Company pretendia estabelecer mais
dois frigoríficos no Brasil: um no Paraná e outro no nosso Estado^^.
A empresa, que em 1914 se demonstrara desinteressada em as
sociar-se ao capital local, uma vez estabelecida definitivamente em São
Paulo no ano seguinte, pretendia agora ampliar a sua penetração em
outras regiões do país. A Continental Products Company fora dirigida
pela Suizberger and Sons, de Chicago, da qual tornara-se sucessora a
Wilson Company. A idéia de instalação desta companhia no Rio Gran
de, que tanto surpreendeu na época, não tardaria muito em reallzar-se,
pois, efetivamente, em 1918,a Wilson estabeleceu-se em Santana do
Livramento.
A questão da entrada do capital e da tecnologia estrangeiros era por
demais discutida, uma vez que se tinha por estabelecido que a
maquinaria deveria ser importada e que o capital nacional mostrava-se
insuficiente.
Não havia, por parte do Rio Grande, ojeriza ao capital estrangeiro
em si, mas do que ele pudesse representar através de combinações
exclusivistas, subjugando o capital nacional, mais débil.
Outro tipo de consideração inclusive era levantada: a de que, uma
vez instalada a empresa de forma monopolista, quem mais iria sofrer
as conseqüências seria o produtor direto da matéria-prima, ou seja, o
estancieiro, que ficaria praticamente á mercê dos preços queitie quises
sem pagar por seus gados^°°.
Pronunciando-se a respeito do pensamento do Governo sobre os
frigoríficos, o capital estrangeiro e os incentivos fiscais concedidos, a
Comissão de Orçamento, na legislatura de 1916, afirmava que a ação do
Estado não envolvia concessão de privilégios nem de favores só aos
empreendimentos locais ou só aos estrangeiros, como alguns pensa
vam.
Registre-se, acima de tudo, que a boa doutrina que o Rio Grande sempre amparou e
defendeu, desde a Constituinte republicana federal, é que toda a exploração industrial
"que não puder ser executada pela inciativa individual completamente livre, sem
monopólios nem privilégios, e cuja utilidade social estiver provada, deve ser realizada
pela União ou pelos Estados", conforme os casos, porque tanto aquela como estes
abrirão oportunamente mão dos seus privilégios, o que não acontece com as empresas
particulares. Não é o caso da indústria da carne. Assiste aos espíritos duvidar. Por mais
125
longe, porém, que levassem as suas conquistas os "trustificadores" da carne em nosso
Estado, encontrariam a vencer um sem conto de resistências, barreiras não só por parte
dos interesses naturais e legítimos dos criadores, coligados entre si, como do próprio
Governoa quem sobraria, em último caso, o remédio extremo de avocar a si a solução de
tal embaraço.
Conceder quaisquer privilégios que importem num monopólio para uma empresa,
sob o pretexto de "nacionalizar" uma indústria qualquer, mesmo para o caso especial da
indústria pecuáriaque, por sua natureza e desenvolvimento, é a fonte principal de nossa
riqueza, seria uma infração da política financeira republicana, um desvirtuamentodos
princípios básicos do regime, um ataque à Constituição.
O regime de qualquer companhia, estrangeira ou nacional, baseada sob a forma de
sociedade anônima, que aqui se instalar para explorar a indústria do frio aplicada à
conservação da carne, pode ser oneroso a comunidade pelos altos dividendos que os
acionistas visem ou pela agiotagem a que "trustif icadores" ou diretores de tais empreen
dimentos são, não raro, propensos quanto pretendem lucros fabulosos. O argumento de
que não devem merecer nenhum encorajamento do Governo do Estado as sociedades
anônimas que vêm de fora com grandes capitais podia também aplicar-se a fortes
empresas nacionais que amanhã, ã custa do açambarcamento e da ganância de uma
dúzia de exportadores de carnes frigorificadas, podiam funcionar em detrimento do
interesse da massa geral dos produtores e da economia rio-grandense. O Estado é
obrigado a respeitar escrupulosamente, pois é sagrado princípio da política republicana,
eé umamedidasempredo mais prudentecivismo a liberdade de trabalho, a liberdade de
comércio, a liberdade de indústria, a liberdade sob todas as formas. Edepois, constitu-
cionalmente, os direitos dos cidadãos estrangeiros que venham desempenhar sua
atividade entre nós são iguais aos dos nacionais. Qualquermedidagovernamental que
restringisse essa faculdade assegurada pelos códigos orgânicos do Estado e da União
tornar-se-iaarbitráriaedespótica(...) O regime atual em que vivemos exclui, portanto, a
possibilidade de qualquer restrição à livre expansão da atividade econômica?101
Tem-se aqui formulada uma perspectiva governamental norteada
pela meta de acelerar a Implantação do capitalismo na área. O grupo no
poder partia de uma noção de que o desenvolvimento do capitalismo
deveria ser na base da auto-sustentação, o que seria obtido através da
plena liberdade econômica e da diversificação de produção. Assim
sendo, deveriam ser dadas Iguais oportunidades a todos os setores da
economia, a fim de que fosse aumentada e diversificada a produção e
exportação do Estado. Em outras palavras, através de um desenvolvi
mento multllateral de todos os setores produtivos, o Rio Grande Iria
não só aumentando suas exportações, como automaticamente substi
tuindo as Importações.
Apartir das noções comtistas, já se viu que esta noção de liberda
de se ligava á própria perspectiva de Implantação das repúblicas positi
vas, tecnicamente desenvolvidas, que era a meta a atingir. A liberdade
Implicava em oportunidades Iguais paratodos, sem distinção de espécie
alguma. Desta maneira, a ética de governo positivista condenava a
proteção de um produto em detrimento dos demais, ou de um grupo de
empresas em particular.
RELATÓRIO da Comissãode Orçamento. Anaisda Assembléia de Representantesdo Estado do Rio Grande do
Sul. 37® Sessão. 21 nov. 1916. p. 129.
126
Cabia ao Estado Intervir quando a iniciativa privada se revelasse
incapaz de levar adiante o processo ou quando se verificassem abusos
monopolistas.
A norma comtista cria nas forças do mercado e na livre concorrên
cia, que implantariam uma ordem superior.
Segundo Müller,
(...) essa visão romântica do comércio mundial assentava-se nos interstícios da
ideologia positivista de que Borges era portador, cuja tendência de ver o mundo era a
partir da moral da fraternidade universal.102
127
No caso em questão, a aplicação da forma capitalista de produção
na economia pecuária implicava na aceitação do recurso estrangeiro.
Cabia ao Estado cuidar para que o capitai alienígena não se tornasse
monopolista, prejudicando os interesses da sociedade como um todo
em benefício das perspectivas de lucro do trust.
Aparece aqui o papei do Estado de coibir os excessos, intervindo
mesmo se preciso fosse. Na medida, porém, em que procurava pro
movera instalação do frigorífico nacional, com recursos locais, o Estado
estava opondo uma barreira ao pretenso estabelecimento da situação de
monopólio pelos trusts estrangeiros.
O problema, aliás, que perturbava o Rio Grande do Sul, não è
específico da área, mas comum ás formações sociais periférico-depen-
dentes onde se gerava um capitalismo tardio, numa fase em que as na
ções hegemônicas já haviam passado para estágios de maior desenvoí-
vímento capitalista.
Especificamente, no momento em que o Rio Grande do Sul se
articulava, através de uma fração de ciasse interessada em montar uma
indústria frigorífica, as nações centrais já se achavam numa fase de
exportação de capitais para as zonas do globo onde se verificasse que a
implantação de frigoríficos revelaria uma alta lucratividade.
A região carecia de condições para levar adiante sozinha o proces
so; negar a entrada do capitai alienígena significava, ao mesmo tempo,
dar as costas á tecnologia.
O ideai seria, no pensamento do Governo gaúcho, contrabalançar
ao empreendimento estrangeiro um genuinamente nacional.
Aentrada do capital estrangeiro, contudo, inspirava preocupações,
na medida em que se tinha notíciasdos grandes lucrosauferidos pelas
empresas frigoríficas nas repúblicas vizinhas do Prata. Delfino Riet
apontava o problema nas páginas de A Federação:
Hàdois mssss publicamos vários artiQos, como último apsio aos nossoscoisgas
criadores, sobre a conveniência de reforçar capitai da "Companhia Frigorífica Rio
Grande". Nas aludidas pubicações, mencionávamos a reduçãodos preços por quilo em
pè, pagos pelosfrigoríficos do Prata, resultantes das combinações monopolizadores
destes estabelecimentos. A pouca ou nenhumaatenção dispensada às nossas manifes
taçõesautoriza-nos a suporque, noconceito da ciasse, exagerávamos a situação, tendo
comotábuadesalvação a perspectiva detrês grandes frigoríficos noEstado, sendoquiçá
o suficiente para garantir a valorização do nosso gado. Para confirmar o que então
dissemos, damos a seguir a notíciado balançodo ano p. findode alguns frigoríficos do
Prata, extraídode umjornaluruguaioque assim intitulou a notícia: "O Custo do Gado. A
ganância fabulosa do frigoríficos. Dados eloqüentes para os criadores". Vemos a
"Companhia Armour", que com umcapitai de 3.000.000 de pesos ouro, ganhou 672.463,-
49 pesos ouro. A "ia Bianca", com um capitai desembolsado de 1.500.000 pesos ouro,
teve de utilidade 1.520.901,26 pesos ouro. A "Companhia Swift", cujo capitai real è de
7.500.000, ganhou 2.758.945,35 pesos ouro. E, finalmente, o "Frigorífico Sansinena"
128
obteve, em 1916, lucros iíquidos no valor de 1.218,55 pesos ouro, pelos seus próprios
nagócios, e 490.800 por intervenção indireta e outros negócios.
Em outro número, o mesmo jornal, com o título "Os Frigoríficos e os Fazendeiros",
diz: "São indubitaveimente assombrosos os iucros líquidos obtidos durante o último ano
da guerra pelos frigoríficos de Montevidéu e La Piata. Como se terá observado (...) há
frigoríficos que, no ano aludido, lograram em utilidades uns, o total do capital de fundo,
e outros o dobro. Estamos pois diante de um surpreendente florescimento, quiçá, nunca
resgistrado nos anais do comércio dos países do Rio da Prata. É tanto mais inaudito o
fato quanto esse assombroso florescimento da indústria de carnes ocorre com estabe
lecimentos de recente data e em plena época de desastres financeiros. A que, antes de
tudo, se deve esta assombrosa prosperidade?
Não se pode vacilar um só momento a respeito.
Um rápido exame do assunto nos leva à conclusão que o portentoso enriquecimento
dos frigoríficos no Rio da Prata funda-se na exploração do fazendeiro e, por derivação
dos operários, seja na própria fábrica ou fora delas. As grandes greves destes dias é a
evidente comprovação do fato, como o são igualmente os constantes regateios que sofre
o preço dos gados, e com pretextos diversos, têm promovido, desde algum tempo, os
frigoríficos de ambas as capitais platinas.
(...) demos minuciosos detalhes da ganância e dos iucros desconcertantes que
tinham os frigoríficos de Buenos Aires e Montevidéu, provando matematicamente com a
infalível exatidão das cifras, que cada novilho produzia aos frigoríficos 80 pesos ouro de
lucro líquido. Aquilo tudo foi uma revelação. O segredo do negócio deixou de sê-lo, para
deixar às claras a verdade nua. Agora as somas obtidas em benefício pelos frigoríficos
vêm confirmar mais uma vez aquele acerto. Como o indicamos antes, a prosperidade dos
frigoríficos estriba-se na exploração do fazendeiro, a que a fábrica, tarde ou cedo, impõe
preço, usando para o caso de infinitos recursos, todos eles destinados a alarmar o
criador e desarmar-lhe as suas justas pretensões. Em geral, a diplomacia dos gere^ntes
dos frigoríficos recorre ao pânico da falta dos transportes, aos perigos de navegação, à
falta de pedidos da Europa e por fim, entre os muitos pretextos, ao abarrotamento dos
depósitos, donde resultado que, segundo as direções daqueles estabelecimentos, a
existência ultrapassa as necessidades e aguarda o transporte para o seu desafogo. O
fazendeiro termina cedendo. E se pretendia, por exemplo, 10 centésimos ouro por quilo
de carne de novilho, aceita 8 1 /2 ou 9". 10^
Face ao que acontecia no Prata, os pecuaristas passavam a ter
percepção dos riscos que corriam, e aos quais só poderiam opor a soli
dariedade de classes e a formação de uma empresa congênere nacional a
fim de impedir o monopólio total.
Na mesma linha de pensamento, pronunciava-se o Governo do
Estado na sua mensagem presidencial de 1917, quando referia a limi
tação do preço do gado, levada a efeito pelos frigoríficos estrangeiros,
bem como os seus Iucrose a exploração que se fazia sobre o criador
Ainda nesta linha de raciocínio, A Estância também apontava para
os lucros fabulosos dos frigoríficos, referindo que um deles obtivera,
para o ano de 1914, distribuindo o dividendo de 40% sobre as ações
ordinárias
129
Apesar de toda esta perspectiva da ação dos trusts, que privavam os
criadores e invernadores nacionais de iucrarem com os bons preços
oferecidos aos produtos frigorificados durante a guerra, ainda assim
mantinha-se uma grande esperança com o projeto regional, apesar da
escassez de capital. Referia o Correio do Povo as palavras d D. Riet,
grande defensor do frigorífico nacional:
^^^RIET, D.M. Os novilhos e os frigoríficos. Correio do Povo, Porto Alegre, 3 abr. 1917. p.l.
^^PIMENTEL, op. cit-, nota 95, p. 201.
130
Após fundar em Chicago um pequeno matadouro, Philip Armour
construiu, em 1874, a primeira câmara frigorífica. Surgiu por esta época
a marca Armour Star, conceituada no mercado pela sua qualidade. Ver
dadeiro self made-man.
(...) construiu novas fábricas no sistema de sociedade por ações e racionaiizou o
sistema de operações, passando a tirar do porco e do boi o máximo de rendimento.'•09
Aos poucos, a Companhia Armour, com sede em Chicago, foi se
especializando no fornecimento do mercado interno americano,
aperfeiçoando cada vez mais a sua tecnologia. Chigago, centro de
encontro das mais importantes vias férreas, foi o ponto por excelência
onde se concentraram os frigoríficos que iriam constituir o Beef-Trust.
Para Chicago convergiam, os rebanhos de todas as zonas de criação nos
Estados Unidos e de lá era distribuída toda produção frigorifiçada para o
mercado consumidor interno. Quando se abasteceu o mercado america
no e começaram a escassear as reservas de gado yankee, surgiu a
oportunidade de suprir o mercado europeu. Para tanto, partiu a Armour
em busca de expansão para as zonas criadoras de gado onde melhor
pudesse aplicar seus capitais. Na região do Prata, a Armot/r estabeleceu
subsidiárias na Argentina e no Uruguai. Em 1917, penetrava no Rio
Grande do Sul. O arquivo da Prefeitura Municipal de Livramento refere o
seguinte:
^®^ESBOÇO HISTÓRICO; local, oriâem e data da fundação, IN: Arquivo da Swift-Armour S.A Indústria e
Comércio, Santana do Livramento.
IIOPIMENTEL, op. cil., nota 95, p. 201
131
A "Companhia Armour do Brasil", tendo adquirido a "Charqueada Irigoyen" em
Livramento, tranforma-la-á em frigorífico, para o que estão sendo construídos os
edifícios destinados à congelação e refrigeração de carnes, com capacidade para uma
matança diária de 800 reses,e uma fábrica de carnes em conserva, com capacidade para a
matança diária de 400 cabeças. Serão ainda instaladas, em edifícios próprios, fábricas de
sabão, de línguas, de classificação de gorduras, de preparação de miúdos, de óleos
animais, etc. Todas as instalações, inclusive maquinismos, estão orçadas em um
milhão e qüinhenta.s mil libras e ficarão concluídas definitivamente dentro de cinco
anos. Os vagões frigoríficos serão de propriedade da companhia, que pretende dispen-
der nessa aquisição até e.OOOiOOOSOOO.I
Lamentando que o empreendimento da Armour não houvesse esco
lhido a municipalidade de Rio Grande para o seu estabelecimento, o
jornal Echos do Sul se pronunciava, em maio de 1917:
Um dos diretores do frigorífico, Sr. Pedro Irigoyen, disse ser aquele o único
município do Estado em que um estabelecimento daquele gênero pode encontrar todas
as vantagens de que carece, pois é o centro dos melhores municípios produtores de gado
adaptável á refrigeração de carnes — Bagè, D. Pedrito, Quaraí e Uruguaiana, além do
próprio município de Livramento que em nada fica inferior àqueles. Esses municípios,
classificou-se os Sr. Irigoyen em primeira classe, ficando em segunda os de Pelotas,
Alegrete, S. Gabriel, Rosário e Itaqui, e, depois,em terceiro, os de Rio Grande e outros
132
Segundo a justificativa da própria companhia, o motivo da localiza
ção do frigorífico em Livramento teria sido a facilidade de aquisição de
matéria-prima na zona da fronteira e o escoamento da produção por
Montevidéu, através da Ferrocarril Central dei Uruguay-^'^^
Um pouco depois de constituidaasociedade, em4cle julho de1917,
coincidindo com a data da Independência Americana, foi realizada uma
festa nos salões do Clube Comercial de Livramento, na qual a C/a.
Armour foi apresentada à sociedade local. No decorrer da mesma, o
diretor geral do Frigorífico Livramento, Mr. Hamford Finney, usou da
palavra. Seu discurso é rico em intenções e significados para a compre
ensão das táticas usadas pelas companhias estrangeiras na sua penetra
ção latino-americana:
(...) A união do Brasil com os Estados Unidos da Américado Norte è uma combina
ção que produzirá uma força e unidade de ações tais, sob o ponto de vista financeiro,
moral e industrial, que bem se avantajarào a qualquer outra combinação de idêntico
caráter no Hemisfério do Ocidente (...) É propósito da "Companhia Armour do Brasil"
fazerainda com que este frigorífico seja o maiordo vosso grandiosopaís. Eo únicolimite
que lhe será dado ao dispèndio de capitais na costrução das edificações para esse
estabelecimento, estará na quantidade de gado bovinosuíno e ovelhumque pudesse
fornecer para serem abatidos.
Quanto ao transporte de seus produtos paratodos os pontos da terra providenciará a
"Companhia Armourdo Brasil". O senhor Armour, que foi o fundador e é o engenheiro
chefe e grande orientador de nossa companhia, tem reafirmado constantemente, nestes
três últimos meses, que o mundo clamarápelos nossos produtose que tão patriota é o
homem que vai para as trincheiras batalhar com a sua carabina, quanto o é aquele que
dali se acha retirado, produzindo alimentos para prover subsistência, a fim de que não
lhes faltem forças para disparar sua arma (...)
Um frigorífico não ê uma instituição filantrópica. Trabalhamos, é verdade, para
ganhar dinheiro. Mas temos verificado, em nada menos de 60 anos de existência, que
não podemos conseguir esse "desideratum" no lugar onde o povo não é próspero.
Portanto, a orientação da "Companhia Armour',' em qualquer meio onde se estabeleça
(...) é querer queo mesmo prospere também, sendo que de qualquer modo, dentro dos
limites do possível, a companhia contribuirá com os seus esforços para a realização
desse objetivo.
A"Companhia Armour" vos proporciona os mercados do mundo. Os produtos de
Santana não serão enviados apenas para os Estados Unidos, para a Argentina e para o
Uruguai, mas para a França, também, e para a Inglaterra e mesmo para a Alemanha, uma
vez terminada a guerra (...) É que a "Companhia Armour" fornecerá os vapores para o
transportadas manufaturas dos gados bovinos e porcinos que lhe forem vendidos por
vós. Eis, pois, como a "Cia. Armour" se torna um elemento de valor para qualquer
comunidade. ,
(...) Resta-me agora dirigir a palavra aos senhores e senhoras da 'Companhia
Armour". Sois, por ora, um conjunto reduzido, um décimo apenas do que será a vossa
agremiação ao cabode um ano. Mas o único meio que há neste mundo de se consegu r o
êxito dequalquer organização política mesmo, éa união. E isto está em serdes leais aos
vossos chefes, dedicados aovosso trabalho, fazendo tudo oque estiver em vós, sempre
que fordes chamados (...) lembrando-vos finalmente e sempre, que todos vos, se
trabalhardes para a "Companhia Armour" com dedicação, com lealdade, com persisten-
^^"^ESBOCO HISTÓRICO, op.. nota 109.
133
cia, havels de receber a devida recompensa, apenas seja apurado o vosso merecimento.
Lembrai-vos que a "Companhia Armour do Brasii" progride continuamente e tende
sempre presente na imaginação a soma de capitais que ela pode depender, a fim de
proporcionarvantagens que agradem a todos, no futuro (...) Ê meu desejo que o pessoal
todo desta companhia disponha de um belo lugar para a sua morada e que todos tenham
um centro para diversões. Providenciaremos a fim de que tudo se realize, não deixando
de gastar dinheiro necessário, mas è necessário que me auxilieis (...) sendo leais,
conservando-vos unidos, lutando sempre por este fim: — o êxito da "Companhia
Armour" no Brasii.
Constate-se aqui a política de boa vizinhança, procurando conquis
tar a confiança dos criadores locais, inspirando fé no trabalho da com
panhia, toda ela voltada para a comunidade, com boas intenções que vão
desde o enriquecimento dos pecuaristas até casa e diversão para os
funcionários da empresa. È importante que se note o desejo de fazer o
fazendeiro local sentir-se participante de uma empresa capitalista em
ascensão, co-autor da grandeza da Armour.
Quanto à atuação da Companhia Armour, recém-instalada, o 3°
Congresso Rural de Santa Maria, realizado em maio de 1918, fez duas
referências ao seu desempenho. No que diz respeito ao debate da tese
sobre o desenvolvimento das criações ovina e suína, no estado, João de
Souza Mascarenhas apresentou a seguinte conclusão, aprovada pela
Assembléia:
o Congresso aconselha a criação de porcos na maior escala possível e louva o ato da
"Companhia Armour do Brasil", introduzindo no Estado as raças Pollands-China e Duroc
Jersey puro sangue.^^®
Mais adiante, Mascarenhas se pronunciaria novamente, sendo tam
bém sua indicação aprovada.
o Congresso aconselhaa introdução, nos rodeios, de reprodutores puro-sangue, e
tendo conhecimento de que a "Companhia Armour" pretende introduzir no Estado, em
larga escala, reprodutores bovinos para vender aos criadores, a preços de custo, faz
votos para que essa companhia leve a efeito o seu louvável intento.117
1917 nascia a Armour. A Platéia e a Folha Popular, Santana do Livramento, 1974. Suplemento especial.
TERCEIRO Congresso Rural de Santa Maria. Correio do Povo. Porto Alegre, 26 maios 1918. p. 9
117,,
Ibidem.
134
Estado, que atingiam 291 parao gado bovino noanode1917, contando o
município de Bagé com o maior número. Para o gado ovino, o número
atingia a 96 para o mesmo ano"®
Em entrevista concedida ao Correio do Povo no fim do ano de 1917,
Dmesmo Mr. Hamford Finney, aqui referido como presidente da C/a Ar-
mour na América do Sul, referia-se à expansão das atividades da compa-
ntiia na Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile e no Brasil acha
vam em construção doisfrigoríficos: um em São Paulo e outro enSanta
na. Este último ficava como sede da Companhia Armour do Brasil,
embora ofrigorífico que estivesse sendo construído em São Paulo tives
se maiores proporções, como, por exemplo, acapacidade de abate diârio
de2.500 cabeças degado vacum eS.OOO suínos, estando jáavaliados em
4milhões dedólares. Quanto ao frigorífico de Santaria do Livramento, ja
haviam sido empregados dois milhões e meio de dólares. Ofrigorífico
trabalhava já há um ano e meio em fabricação de charque e conserva^
até o momento em que as instalações estivessem completas. A
capacidade de abate era de 500 bois; para logo depois que fossem
terminadas as obras, a matança diária seriade1.200 bois, porcos e tan
tos carneiros quantos pudesse comprar, utilizando como mão-de-obra
cerca de 2.500 operários. Referia ainda Finney:
—Até hoje (...) em vista das vantagens oferecidas pelo Governo e pela estrada
central do Uruguai, a "Armour" exporta seus produtos via Montevideo. Mas desdequeo
Governo do Estado do Rio Grande do Sul e a estrada de ferro ofereçam as niesmas
vantagens, a "Companhia Armour" teráo maior prazer em exportar sua produção pelo
porto doRio Grande, fomentando, destamaneira, a riquezae o desenvolvimento dopais,
pois è sistema da companhia dar preferência ao pais em que trabalha, usar dos meios
queelepode oferecer, querestes meios sejam a mão-de-obra, o transporte, ou materiais
de construção, etc.f 19
Quanto à refrència feita à mão-de-obra, é evidente que, fora a dos
técnicos especializados, o frigorífico utilizava a força de trabalho local,
de muito mais baixo custo. Aliás, a baixa remuneração do trabalho era
umadas fontes de lucro dos frigoríficos nas áreas dependentes. Quanto
ao problema dos transportes, também está claro de concluir que o
frigorífico operaria onde lhe fosse menor o custo de produção, e isto
implicava, é claro, no barateamento dos fretes e rapidez dos transportes.
Mais adiante na entrevista, Finney dizia:
Apesar de não fazer parte doseuprograma denegócios, a"CompanhiaArmour" está
introduzindo gado vacum e suino de puro sangue, dos Estados Unidos e Inglaterra, para
reprodução e vendendo-os aos criadores a preço decusto, para conseguir o aperfeiçoa
mento da raça crioula.1^*^
^^®RELATÔRIO da Repartição de Estatistica. Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior do Estado do Rio
Graníde cJo Sul. 1917. p. 287.
INDUSTRIA frigorífica no Rio Grande. Correio do Povo, Porto Alegre, 12 set. 1918. P- 1
^^^Ibidem.
135
Confirma-se, aqui, peias palavras do presidente da companhia, a
preocupação da mesma com o refinamento do rebanho, já referido
anteriormente no Congresso de Santa Maria, de maio de 1918.
Em 1918, na sua mensagem à Assembléia dos Representantes do
estado, Borges de Medeiros daria notícias do andamento do frigorífico
da Armour, de Livramento:
Está produzindo por enquanto charque, carnes em conservas, línguas em conserva,
graxa, sabão, extrato de carne. São abatidas por mês 5.000 reses, mais ou menos. A
companhia já tem realizado ali o capital fixo de 9.500 contos, que espera elevar
gradualmente até 19.000 contos, depois de concluídas todas as instalações.
Mantém atualmente 1.380 operários, dos quais 50% são brasileiros, 40% uruguaios
e 10% argentinos, norte-americanos, italianos e ingleses.121
Note-se aqui a predominância da força de trabalho da fronteira
brasiieiro-uruguaia, enquanto que a pequena fração de norte-america
nos e ingleses pertencem ao contingente técnico.
Em fins de 1918, a Companhia Armour do Brasil transferiu sua sede
para São Paulo, onde fora instalado o novo frigorífico da companhia:
Frigorífico São Paulo. Deixou as obras do frigorífico sulino para a sua
filial.
Em 13 de novembro de 1919, realizou-se a Primeira Assembléia
Geral de constituição de uma nova sociedade anônima: a Companhia
Armour do Rio Grande do Sul, estando presentes todos os sócios
fundadores, a saber: Mr. T.E. Park. Mr. J.A. Tucker, Mr. F.W. Lyman,
Mr, E. McCauley, Mr. E. M. MonroeeMr. C.M. Wesver, mais a Compa-
nhia Financeira e industriai, com sede em Montevidéu, cada um
subscritor de uma ação. O oitavo subscritor era a Companfi/a Armour do
BrasilS. A., dona de 3.993 ações, com o que se integraiizava o capitai da
companhia, ao todo 4.000 ações de um conto de réis cada.
A quota da Companhia Armour do Brasil estava constituída
de bens, entre charqueadas, chácaras, campos, maquinarias, fábricas
de conservas, fazendas de criação e cultura, etc. 122
A companhia assim constituída era uma sociedade anônima, que
deveria ter por finalidade, segundo seus estatutos, realizar a exploração
de carne em geral, compreendendo preparação, compra, venda, revenda
e exportação dos produtos, criação de gado em pé e abatido, além de
explorar indústrias correlatas.
Com sede em Santana do Livramento, a companhia tinha a faculda
de de operar no Brasil e no estrangeiro, estabelecendo sucursais onde
lhe interessassel^^
^21 mensagem presidencial de 1919. p.48.
'22ata n° 1, de 13 nov 1919 IN Livro de Atos do Assenihléio Gero! dos Acionislos (19'9 '9431 Arpuivo da
Swift-Armour S A Indúslri.i e Comf^rno, SfífiIrfUrf do Livrrirnf?rt|o
^23ata n° 2. de 17 nov 1019 IN Livro de Aios dd Assenihléid Gera! dos Acionistas (10'9 '943) Arquivo du
Swift-Armcur S A indúslria e Conióirio, Sarti<in,i do 1ivonienic
136
Empresa subsidiária de uma indústria estrangeira, cuja matriz era
Chicago, a Companhia Armourdo Rio Grande do Sui Wgava-se à Armour
do Brasil S.A., com sede em São Paulo, e ao núcleo da Argentina e do
Uruguai. A Companhia Financeira e Industriai de Montevidéu, por sua
vez, facilitava a entrada de equipamento. Era uma empresa filiada ao
grupo que tinha, na época, o controle do fornecimento de materiais para
a América do Sul.
Quanto às ligações com o Prata, foi conferida à Sociedade anônima
C/a. Armour do Uruguai o direito de representar a C/a. Armour do Rio
Grande do Sul em Montevidéu, para tratar de todos os seus negócios,
celebrar contratos de compra e venda de material, operações bancárias e
outros convênios de interesse daempresaJ24
Dentre os seus diretores, todos eles acionistas da companhia, dois
residiam em Livramento (Tuckere Park), enquanto que Lyman, McCau-
ley e Monroe em Buenos Aires, todos referidos como industriais.
Pelo Decreto n° 13.925, de 17 de dezembro de 1919, o presidente da
República na época, Epitácio Pessoa, concedia autorização para a
companhia funcionar com os estatutos que apresentara 1^5
No ano seguinte, a Armour se veria diante da necessidade de
promover o aumento do seu capital:
Em reunião de Diretoria realizada no dia 13 de junho de 1920, conforme ata n° 4,
deliberou-se convocar uma Assembléia Gerai Extraordinária de acionistas para tratar de
aumentar o capital da sociedade, devido à insuficiência do capitai inicial para atender às
vultosas despesas com a aquisição de maquinarias, materiais importados, etc. 126
O volume dos negócios da empresa, o grande desenvolvimento das
obras e instalações do frigorífico, aliados às perspectivas de uma boa
safra que se avizinhava, levavam à proposição de aumentar o capital da
companhia. A insuficiência de recursos já mostrara a necessidade de
recorrer a um empréstimo no valor de 36.000:000$000 (trinta e seis mil
contos de réis) concedido pela Cia. Financeira e industrial. A proposta
aceita foi de que o aumento de capital deveria ser exatamente este que
levou à operação de crédito, ficando com isso o capital social da firma
elevado a 40.000:000$000 (quarenta mil contos de réis).
Sugeria ainda a diretoria que
(...) omelhor meio de realizar o mesmo aumento seria ode transformar a própria
credora da sociedade, isto e, a "Cia Financeira eIndustrial" em acionista pois assim
ficaria, com um ato so. e de modo rápido e fácil, paga a divida da sociedade.127
Note-se como na realidade atuava o grande complexo econômico
financeiro de uma das quatro grandes companhias do grupo de Chicago
Ar<.u,vodaSw,., A,r.ou,S Aln.úsu."e
^^^DECRETO n° 13 925' de 17 dez. 1919, da presidência da República dos Estados Unidos do Brasil. IN: Arquivo da
g^jfl-Armour S.A. Industria e Comercio, Santana do Livramento.
^^^ESCORCO histórico da firma desde asua fundaçàoaté apresente data. IN: Arquivo da Swift-Armour SAIn-
(jústria e Comércio, Santana do Livramento.
127ATAnM,de 13jun 1920 Livro de Atas da Diretoria (1020 1043) Arquivo da Swif! Armour S A Int^ústria p
Comércio, Santana do Livramento
137
Inúmeras empresas associadas realizavam transferência de ações e
capital conforme as conveniências e necessidades, a fim de que melhor
se operacionalizasse o funcionamento da empresa.
Examinem-se, a seguir, alguns dados:^^®
138
(...)as iniciativas mais importantes, em começo de execução, são indubitavelmente
as que se relacionam com a fundação de dois grandes frigoríficos no porto do Rio Grande
e em Santana do Livramento. Aquele é o que está construindo a "Companhia Swift do
Brasil", fundada no Maine, Estados Unidos, com o capitai de 500.000 dólares (cerca de 2
mil contos, papei) e autorizada a funcionar nesta República por Decreto n° 12.411, de 7
março do corrente ano. Por decreto n° 19.492, de 31 de maio último, o Governo federal
autorizou a "Compagnie Française du Port du Rio Grande do Sul" a vender a "Companhia
Swift do Brasil" terrenos junto ao porto, tendo de superfície 23 hectares, ao preço
mínimo de 24 dólares ouro, por hectare, e a arrendar-lhes as marinhas e acrescidos ao
preço mínimo de mil dólares ouro por ano e por hectare, bem como o atuai armazém de
inflamàveis e respectivo trapiche. Obrigou-se também a "Companhia Swift" a pagar a
muita de cem mil dólares ouro, se não estiver com seus estabelecimentos industriais em
plena operação comerciai. É fácil imaginaro que será este frigorífico, quando se sabe
que a empresa "Swift" possui poderosos estabelecimentos na América do Norte e no
Prata. 129
129
MENSAGEM presidencial de 1917. p. 73.
130
PIMENTEL, op. cit., nota 95, p. 194-5.
131
MENSAGEM presidencial de 1918. p. 48
132
PIMENTEL, op. cit., nota 95, p. 195.
139
GADO ABATIDO NA COMPANHIA SWIFT DO BRASIL 8.A.
RIOGRANDE
NÚMERO DO CABEÇAS
1918 4.145
1919 64.512
1920 62.890
1921 50.781
140
A partir da instalação dos frigoríficos estrangeiros, pode ser acom
panhada a evolução da economia pecuária do estado através dos dados
fornecidos pelas mensagens presidenciais. Constata-se, em primeiro
lugar, a valorização do rebanho, que foi acompanhada pela valorização
dos campos.
141
A mesma observação tem cabimento quanto ao gado ovino, que até agora fornecia
de preferência a ià e doravante se destinará a produzir mais carne do que lã.
Não há propaganda mais persuasiva nem ação mais prática e eficaz estimular e
acelerar o refinamento do gado de corte, maior e menor, do que aqueias que exercem os
próprios frigoríficos por meio da severa seleção na qualidade e peso dos animais
entradas nos seus matadouros e peios quais, em compensação, não regateiam os preços
mais aitos e mais remuneradores. Em geral, o tipo de novilho para frigorífico è o de raça
Durham, Hereford e Polied Angus, puro ou de alta mestiçagem (...) Hoje que a indústria
do frio já se instalou entre nós, com tendência a radicar-se e desenvolver-se soberba-
mente, o que nos cumpre e urge fazer ê imitar o maravilhoso exemplo da Argentina e
dotar a nossa pecuária de todos os aperfeiçoamentos de que ê suscetível, nem só
curando e cruzando o gado, como também melhorando os campos.
Nesse sentido ê possível aproveitar melhoras pastagens naturais e criar prados ou
campos de aifafas ou de outras plantas forrageiras. É necessário, concomitantemente,
acelerar o cruzamento do gado nativo com reprodutores dos tipos preferidos pelos
frigoríficos, quer em relação aos bovinos, quer quanto aos ovinos e suínos.
O futuro pertence sem dúvida à indústria do frio e para ele devemos caminhar com
previdência e segurança.!36
137
CARNE CONGELADA em perigo. Correio do Povo. Porto Alegre, 1
142
A qualidade da carne seja selecionada, a fim de que possa rivalizar com as carnes
exportadas pela Argentina e pelo Uruguai. Geralmente, o gado indígena, que foi princi
palmente cruzado com o zebu indiano, é de tipo ossudo e grosseiro e carnudo dianteiro,
em vez de ser traseiro
"Osório, Rocha e Cia.", composta dos sócios Pedro Osório, Dr. Luís Pacheco
Prates, Dr. Juvena" Saldanha, Manoel A. Macedo e outros, conforme listaque publicamos
naSecção da Junta Comercial, como capitalde 280:0005000, no município de Quaraí.
138
RIET, D.M. Carne para a Europa. Correio do Povo, Porto Alegre 28 dez. 1918. p. 1.
SILVEIRA, Geraldino. Carnes inferiores. Correio do Povo. Porto Alegre, 10 nnaio 1919. p. 1-
140
CRIACAO de gado. Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre {1):29. jul. 1918.
143
No que diz respeito às exportações do Estado, a ação das empresas
estrangeiras também se faria sentir
Produtos 1916 1917 Absoluto Relativo
144
Gado Abatido
Tomando-se por base as médias anuais dos algarismos absolutos nos dois qüin
qüênios supra, o primeiro por ser constituído de anos normais e o último por ter sido o
período intenso da guerra mundial, verifica-se que o nosso Estado manteve-se em
superioridade numérica e mesmo ultrapassando em muito durante os anos de 1914 a
1918, a matança geral de bovinos nas três repúblicas reunidas. 145
145
RELATÓRIO da Repartição de Estatística. Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior do Estado do Rio
Grande do Sul. 1920. p. 249.
145
o charque continuava ainda o principal produto exportado, com os
seguintes valores e quantidades, para os mesmos anos em apreço
146
Exportação de Carnes Congeladas pelo Brasil
147
1921. os congelados ocupavam a terceira colocação em produtos expor
tados/"
Para o exterior, os frigoríficos mandavam seus produtos principai-
mente para os portos do Havre, Liverpooi, Londres, Chicago e New York
148
ções de oferecer um melhor preço pelo gado do que a charqueada, como
ainda podiam melhor remunerar o operário e ocupá-lo por maior período
durante o ano.
Se o frigorífico não agiu mais intensamente desta forma, foi porque
as crises de charqueada vinham beneficiá-lo, entregando o gado do
criador em sua mãos. Se o Governo do Estado mostrava-se satisfeito
com a introdução das empresas estrangeiras que haviam dado um
impulso mais dinâmico à pecuária, alguns setores de pecuáristas, já em
1919, queixavam-se das operação que realizavam os frigoríficos:
o fazendeiro Sr. João de Souza Mascarenhas, em artigo publicado no "Diário do
Interior", de Santa Maria, comenta a noticia, que ctiegou àquela cidade, da suspensão de
compras de gado pelos frigoríficos. A juizo do Sr. Mascarentias, essas suspensão
temporária não tem a menor importância. Pode ser até — acrescenta — uma manobra
comercial, justamente com o fim de atemorizar os que ainda não quiseram vender as
suas invernadas pelos preços presentemente oferecidos pelos tropeiros. 154
149
ções para o transporte de carnes congeladas, nunca poderíamos supor que tivéssemos
necessidade de defender os interesses dos charqueadores depois de se instalarem aqui
os frigoríficos norte-americanos (...) 155
155
COMISSARIADO Echos do Sul Rki Grande, 25 abr 1919 v i
150
Sintetizando o processo atè aqui anaiisado, pode-se dizer que a
Primeira Guerra e toda a gama de transformações que acarretou nos
níveis de demanda mundial proporcionou o avanço do imperialismo
estrangeiro na pecuária gaúcha.
Escorados em incentivos fiscais e dotados de um aparelhamento
notável, as companhias frigoríficas passaram a expandir-se e mesmo a
influir sobre a estrutura econômica locai.
Enquanto que os primeiros resultados conduziram a uma expecta
tiva otimista quanto á atuação do frigorífico, no final do período em
apreço começaram a circular as notícias das manobras baixistas das
empresas estrangeiras. Inaugurava-se, com isso, um novo nível de
tensão no panorama sulino, pela percepção de oposição de interesses
entre fazendeiros e frigoríficos. Ainda que isto desencadeasse um certo
processo de reversão das expectativas contra as empresas, ainda nesta
época muitos pontos pesavam a seu favor. O governo apontava que a
indústria estrangeiraviera conferir um novo valor ao rebanho, estimularo
seu refinamento e introduzir novas raças para a criação; as exportações
haviam crescido, ingressando o Rio Grande no mercado internacional
com seus produtos frigorificados.
156
MENSAGEM presidencial de 1914. p. 46-7.
152
gação da Lei n° 195, de 2 de dezembro de 1915, que Isentou o charque do
pagamento do Imposto de exportação.^
Neste sentido, ao mesmo tempo em que auxiliava as unidades
charqueadoras locais, o Governo punha em prática a sua concepção de Ir
pouco a pouco substituindo os Impostos de exportação (Indiretos) pelo
territorial (direto).
Quanto ao problemas dos transportes e do seu custo, esta era uma
meta máxima para o Governo do Estado e porcuja solução se empenhara
desde há multo, sem, contudo, obter resultados satisfatórios. Sua
preocupação, entretanto, não dizia respeito só ao problema do charque,
mas facilitar o escoamento de toda a produção local.
A mensagem presidencial referia a diminuição do abate, o que se
pode constatar através do quadro de matanças das charqueadas por
municípios, nos anos de 1913 e1914.^®®
^ ANAIS da Assembléia de Representantesdo Estado do Rio Grande do Sul. 25f Sessão Ordinária,6nov. 1916. i
157
68.
158
159silVA, Austriclínio & GUERRA, AIdrovando. Exportação do charque no Rio Grande do Sul Porto Alegre,
Secretaria'de Administração/Departamento Estadual de Estatística. Porto Alegre, 1959. p. 8.
^^^PIMENTEL, op. cit., nota 95, p. 144.
154
do, que se dirigia então paraoPrata, onde eravendido aos frigoríficos io-
cais.
Referia o Governo que
(...) a relevaçãodo imposto de exportação, posto que traga uma redução nas rendas,
Importa em auxiliar a nossa principal indústria, abrindo-ltie novos mercados."'®^
161
MENSAGEM presidencial de 1914. p 47
ibidem, p. 48
163
RIET, op. cit., nota 56, p. 274.
155
Frente ao problema, Luís Ignácio Jacques se referiria, nas páginas
de A Estância, em abril de 1915:
A indústria do charque, pelo rumo que vai — pese a quem pesar — está com os seus
dias contados; haja vista as charqueadas falhas nesta safra. 164
A questão, desde o ponto de vista dos criadores, tinha uma única
salda, como já se viu no capítulo anterior: acelerar o processo de indus
trialização, encontrando para o gado uma forma de aproveitamento me
lhorque o charque, mediantea implantação de um frigorífico. Esta era a
perspectiva dos criadores face ao problema, assim como daqueles ele
mentos ditos progressistas, que também eram criadores-charqueado-
res, como o coronel PedroOsório, prestigiosa figura dentro dos quadros
da classe dominante gaúcha.
Quanto à ação dos charqueadores, estes permaneciam produzindo
o mesmo artigo e retraindo, às vezes, a oferta (as piihas de inverno do
charque não colocado no mercado). Basicamente, o produto eraexpor
tado para os mercados nacionais: Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco.
Mesmo havendo um decréscimo da exportação, até o ano de 1916, o
charque eraaindao produto que, exportado, maior valor produzia ao Es
tado.
Compare-se, a propósito, odistanciamento entre as cifras atingidas
pelo artigo, comparativamente a outros gêneros alimentícios
EXPORTAÇÃO DOS PRINCIPAIS GÊNEROS DESTINADOS AALIMENTAÇÃO
ANOSDE1912e1913
ValorOficial
Gêneros destinados àalímentação 1912 1913
Açúcar —
25:5006000
Arroz 2.512:1986800 4.955:2636220
Banha 13.232:9516355 16.857:2806310
Batatas 432:2426990 571:5656320
Conservas 339:3656670 398:6326150
Conservas alimentícias 219:0146200
Doces secos ou em calda 477:8466700 889:288$500
Extrato de carne 10:3406000 3:6829000
Farinha de mandioca 3.314:7016000 4.782:3859630
Farinha de trigo 37:0386200 13:5389700
Feijão 3.751:5296810 5.114:2219800
Línguas 798:0916230 707:8289981
Lingüiça e salame 5:6786000 46:3129900
Toucinho 28:1486930 59:8529780
Charque 31.540:1916200 31.751:3629740
Charque (cavacos) 67:3529350
l^^JACQUES, Luís Ignácio. Questão de suma importância AEstância. Porto Alegre 126)"522 abr 1915
165 .
relatório daRepartição deEstatísticas. Secretaria dosNegócios doInterior e Exterior do Estado do Rio Gran
de do Sul. 1914.
156
Uma oportunidade, contudo, a Primeira Guerra Mundial viria trazer
ao charque rio-grandense.
^^^BOLETIM de informação dos mercados do charque em 27 de fevereiro de 1915. >4 Estância, Porto Alegre (25):484,
mar. 1915.
167
A respeito do processo descrito, consulte-se:
CARONE, Edgar. A República Velha; intituicões e classes sociais.
São Paulo, DIPEL, 19 0. p. 306 et seq.
SOUZA . Maria do Carmo Campello de. O processo político partidário na Primeira República. IN: NOTA, Carlos
Guilherme, org. Brasil em perspectiva. São Paulo, DIFEL, 1969.
157
Mesmo após a morte de Pinheiro Machado, continuou a ter relevân
cia a posição do Rio Grande do Sui no cenário nacional. Pode-se mesmo
dizer que houve uma política de troca de favores acentuada durante o
governo do presidente mineiro Wencesiau Braz com Borges de Medei
ros.
158
A exportação do charque em 1917 excedeu a de 1916 em 14.478:9675374, sendo a di
ferença nas quantidades de 17.954.284 kg ... Em 1917 foram abatidas nas diversas char-
queadas instaladas em vários pontos do Estado 627.950 cabeças de gado bovino, número
muito superior ao de cada um dos anos 1914, 1915 e 1916.169
Ê natural que a produção gaúcha aumentasse neste caso, pois
tratava-se de suprir a falta do charque platino.
A exportação uruguaia de charque baixou de 53.305 toneladas, em
1911, para 418 toneladas em 1916, Com relação a sua penetração no
mercado brasileiro, as exportações uruguaias também declinaram de
33.710 toneladas em 1910 para apenas 782 toneladas em 1916
A sitúação não tinha nada de novo; pelo contrário, era uma realidade
muito antiga que acompanhava o desenvolver da economia brasileira e
que se manifestava no Rio Grande do Sul já anteriormente com o
charque: toda a vez que a economia concorrente perturbava-se, experi
mentava o produto nacional um período de ascensão. Quando o concor
rente estrangeiro rearticulava-se, desorganizava-se novamente a expor
tação dos produtos locais, entrando em declínio.
Sobre estes acontecimentos, Leonardo Truda escrevia, no ano de
1917:
... não diretamente como houvera sido melhor, mas através do Uruguai, já manda
mos algum charque para Cuba. Em 1914, foi só o município de Itaqui que para ali enviou
132.400 kg, no valor de 92:5805000. Mas o relatório da Fazenda deste ano já nos diz que,
em 1915, partiram de três municípios do Rio Grande, para aquele destino, as seguintes
quantidades de charque:
Quilos Valoroficial
Bagè 46.995 32:8965500
Quarai 222.928 156:0495600
'taqui 535.850 375:0955000
805.773 564:0405100
Já é algumacoisa porcerto. Mas não háde ser isso que nos háde induzira conservar
e a preferir indefinidamente a indústriado charque. Nem Cuba è um mercado em que,
ainda que conseguíssemos chegar a estabecer-nos nele, poderíamos considerar assegu
rada para sempre a nossa posição.
AVenezuela e a Colômbia já iniciaram a exportação de gado em pé e carneseca. Os
americanos paraali voltam suas vistas. Os campos abundam e os rebanhos aumentarão.
Serão, provavelmente, concorrentes de amanhã que nos arrebatariam o mercado con
quistado.
Além disso. Cuba, soba influência americana, progride rapidamente. Não é de duvi
darqueela venha ou leve a preferir a carne congelada à seca. Exportar o nosso charque
paraas Antilhas seria, pois, um negócio e poderia ser mesmo um bom negócio. Mas
sê-lo-ia temporariamente, seria transitório, como transitória é a própria indústria do
charque.
159
Aliás, teimarmos em transformarem charque uma parte do nosso gado de que pode
ríamos fazer carnes frigoríficadas, será insistirmos em atirarfora, voluntariamente, ano a
ano, uma fortuna considerável."''''
'^'tRUDA, Leonardo. ORio Grande doSul e a exportação decarne. AEstância, Porto Alegre (53,: 177-8, jul. 1917.
'^^penAFIEL, op. cit., nota 74, p. 576.
160
Em razão disso, as exportações uruguaias do produto, que se retraiam de longa da
ta, atingindo o mínimo de 4.180 toneladasem1916, ascenderam rapidamente, comase-
guinte curva:
191 6 4.180 toneladas
191 7 7.544 toneladas
1918 6.786 toneladas
1920 12.480 toneladas
1922 • 22.220 toneladas
73
162
Ouadro comparativo do cu^jo da matéria-prima para a fabricação do charque e defretes:
Fretes por 1.000 kg de gordura -
de Pelotas a:
Rio de Janeiro 30$000 30^000 423000 633500 633500
Pernambuco 223000 543000 693000 933400 933400
Bahia 223600 543000 603000 913600 913900
Foi, pois, por desconhecimento das condições da indústria do charque, que esse
produto obteve fixação de preço tão injusta.176
A argumentação, que se vale da demonstração de um custo de
produção elevado face a um baixo preço tabelado que retiraria a margem
de lucro do produtor, defende nitidamente os interesses dos charquea-
dores.
Revela, além disso, a inconformidade da Região face às articula
ções econômicas do centro, que norteava as diretrizes da nação. Revela,
inclusive, que a possibilidade de barganha do Rio Grande do Sul era
limitada e que, apesar das concessões auferidas mediante apoio a
certas medidas de Wencesiau Braz, prevaleciam sempre os interesses do
centro, ligados ao complexo cafeeiro.
Veja-se agora o tipo de visão que tinha do processo a Revista do
Comércio e Indústria, editada em São Paulo, ao transcrever o ponto de
vista do Governo:
Em meados do ano corrente, as condições de existência da população, especial
mente das classes proletárias, que se vinham agravando de ano para ano desde o come
ço da guerra européia, chegaram a determinar um mal-estar generalizado, que se
traduziu por agitações em vários pontos do pais.
Essa situação não era um mal que houvesse escolhido de preferência o nosso país,
para afligi-lo. Era apenas o nosso quinhão, nas conseqüências de temerosa crise que a
guerra provocou na vida econômica de todas as nações, mesmo as mais afastadas do
teatro militar (...)0 nosso caso oferece pontos capitais de diferença com a situação na
Europae nos Estados Unidos (...)Essa situação paradoxalde carestia da subsistência a
acompanhar"pari passu" o excesso de produção,tem, entretanto, uma explicação natu
ral e fácil. O fenômeno fiiia-se a causas complexas, mas pode-se destacar dentre elas
três principais: a primeira é o aumento considerável do meio circulante inconversível que
cresceu de 150% ern três anos (...) a segunda causa é a dificuldade do transporte (...)
Finalmente, a terceira causa apreciável de carestia revelou-se, por diversos fatores con
correntes e concludentes, ser a especulação ilícita (...) Para minorar os efeitos desse
encarecimento progressivo de subsistência, não se verificou a alta correspondente no
ganhos dos que vivem do seu trabalho. Os proletários organizados em associações de
classe, tiveram força para reclamar e exigir, pormelo de paradas, o aumento dos salá
rios (...)
Avotação da Lei n? 3533 e a expedição do respectivo regulamento, armaram o "Co
missariado" coma faculdade de estender a regularização dos preços a todos os pontos
do país, onde essa providênia se tornasse necessária (...)
Diíiculdades( . )surgiram relativamente ao preço do charque. Esse artigo, que faz
parteindispensável da dietadas classes pobres, subiu do preço médio de13400 o quilo,
no varejo, em julho de 1914, a 23500 em julho deste ano. Em agosto, o preço aumentou
com franca tendência para alta ainda maior.Comosucede com o açúcar, a manutenção
do preço desse produto em um nível ao alcance das classes pobres é mais do que uma
questãocomercial —é questãodeordem pública. Acarestiadocharque foi uma das cau-
^^^COí\/\\SSAP{\ADO eocharque. Revista doComércioe/ndústría doRio Grande doSu/, Porto Alegre 13): 107, set.
1918.
183
sas notórias de agitação operária e dos distúrbios de agosto último. O "Comissariado"
verificou as existências no mercado, informou-se das condições das charqueadas, in
vestigou os preços no Distrito Federai e fixou-se no de 2$200 o kg para a melhor quali
dade, e em relação para as demais. Esta medida não satisfez as exigências da população,
que pedia preços mais acessíveis, mas foi o meio que encontrou o "Comissariado" de
conciliar as reclamações populares verificadas procedentes com os interesses respeitá
veis dos charqueadores.l^?
^^^BULHÕES, Leopoldo de. Acarestia da vida e o Comissariado da Alimentação Pública. Revista do Comércio t
Indústria, São Paulo (47) ; 395-8, nov.1918.
164
Ê evidente que havia especulação com o preço do charque, que se
devia muito mais à ação das casas comissionârias para a venda do artigo
do que dos produtores gaúchos. Todavia, os interesses destes ficavam
subordinados aos interesses da economia agro-exportadora, sendo,
como eram, fração da classe dominante nacional,mas ligados a uma
região de economia subsidiária.
A mesma subordinação dos interesses do Rio Grande do Sul ao
centro se faria sentir na proibição decretada pelo Comissariado de
Alimentação Pública em 1918, da exportação para o estrangeiro das
carnes congeladas e frigorificadas.
As explicações dadas pelo Governo eram que se deveria aliviaros
depósitos de carne frigorificada em Londres. Havia a necessidade de,
por um lado, proteger a pecuária nacional, desfalcada com o excessivo
abate dos frigoríficose, por outro, forçara baixado preço da carne para
os centros consumidores. Argumentava o Governo que a a exportação
exagerada dos produtos congelados determinara a falta de carne nos
centros urt>anos.
Contratai determinação, levantava-se o Rio Grande do Sul, como se
pode ver nas palavras de Carlos Corrêa ao Correio do Povo, em dezembro
de 1919:
^7®cORREA, Carlos. Proibição da exportação de carnes. Correio do Povo, Porto Alegre, 17 dez. 1919. p. 1.
165
o grande perigo que a medida do centro trazia paraa pecuária gaúcha
eraadificuldade de colocação de sua matéria-prima, o gado. As conser
vas, findo o conflito europeu, tiveram a sua procura diminuída pelo
mercado internacional. O charque enfrentava uma crise continuada e os
estoques se avolumavam. Quanto ã exportação de gado em pé, só os
criadores de fronteira è que realmente poderiam aproveitar esta saída. A
deficiência dos transportes ferroviários ou o longo trajeto a pé, que
emagrecia o gado, desaconselhava esta solução para os estancieiros de
zonas mais distantes, como a serra. Além, disso, uma vez no Prata, este
gado, menos refinado que o orientai, seria vendido em condições
desavantajosas às companhias frigoríficas estrangeiras que tanto ope
ravam aqui como ià.
A questão agitou o Rio Grande do Sul, que tinha seus interesses
afetados por uma política emanada de uma oligarquia que desconsidera
va a importância da questão pecuária para o Estado gaúcho, afetado, por
um lado, pela crise do charque e, por outro, pela restrição da matança
nos frigoríficos.
Aliás, as conseoüèncias da sobra do gado no Estado já se faziam
prever:
... determinou-se que a proibição và até 28 de fevereiro ... o que pode então acon
tecer é que, suspensa esta, e ... os frigoríficos, valendo-se da situação daqueies (cria
dores) com seus campos sobrecarregados, acabam por tirar partido das circunstâncias
apremiantes para os criadores, sem vantagem nenhuma para o consumidor.t^d
^^^D'UTRA, Leo. Aexportação de carnes. Correio do Povo, Porto Alegre, 18dez. 1919. p. 1
166
consagraria de corpo e alma o Governo. Se com relação ã pecuária agia
de maneira indireta, favorecendo-a e impuisionando-a, com relação aos
transportes seu objetivo era a intervenção direta, pela socialização.
Encampando um serviço público, o Governo agia tendo em vista os
interesses de todos os setores sociais e econômicos do Estado, que
usufruiriam dos benefícios de dinamização do setor dos transportes.
Na concepção do Estado, da solução deste probiámas estariam
pendentes todas as demais questões que afligiam a economia do Rio
Grande.
Na mensagem de 1917, Borges de Medeiros queixava-se contra os
serviços da companhia concessionária que explorava o porto do Rio
Grande e que gozava da garantia de juros de 10% sobre o capital
empregado. Ora, o Governo federai deveria garantir este pagamento,
conforme estabelecia o termo de concessão. Como o serviço de atendi
mento do porto era péssimo, o lucro auferido era pequeno. Para pagar
esta garantia de juros, o Governo poderia se ver obrigado a aumentar as
taxas, prejudicando ainda mais o deficiente sistema de escoamento
marítimo dos produtos gaúchos. Frente a este status quo se insurgia o
Governo do Rio Grande do Sul, propondo ao Governo federai a encam
pação amigável através da mediação do poder central que transferiria
para o Estado a conservação da barra e a exploração doporto'®®
Um deficiente e oneroso sistema de escoamento só poderia ter a
sua contrapartida no fomento do contrabando e na salda dos produtos
por Montevidéu. Batalhando pela Idéia governista quanto aos transpor
tes, a açãoda bancada gaúcha no Congresso veio a dar os seus frutos.
167
o problema da barra e porto do Rio Grande teria seu fim em 18 de
outubro de 1919, quando, apossas conversações com o Governo federai,
o Governo do Estado pôs em ação o esquema de socialização dos
serviços públicos, velha aspiração positivista que se tornou realidade.
O Governo gaúcho encampou a barra e o porto, passando ao Estado a
administração da única via de escoamento marítimo da produção rio-
grandense. Objetivava, com isso, desviaf a exportação de Montevidéu
para o Rio Grande, não só beneficiando a zona da campanha como
servindo de escoamento para a produção da zona coioniai.
O Governo intencionava reduzir as taxas cobradas para acelerar o
processo de transferência do porto oriental para o porto rio-grandense. O
Estado, ao realizar a encampação, não objetivava lucros, mas sim
incentivar a produção e dinamizar a circulação. Com isso, pensava o
Governo solucionar de uma vez por todas os problemas econômicos
gaúchos. Neste sentido, só faltava encampar a Viação Férrea,o que se
daria em 1920. O período do pós-guerra, contudo, demonstraria que os
esforços empregados não eram suficientes para findar com o problema
rIo-grandense.
Portanto, durante o período em apreço, as ações do Governo quanto
às atribuições da atividade charqueadora se limitaram a agir indireta
mente na redução de impostos ou diretamente sobre a questão dos
transportes, atendendo, neste caso, uma perspectiva de progresso
econômico global do Estado. Quanto aos criadores, a crise do charque
os afetava diretamente pela perturbação que ocorria ante a incerteza de
colocação da matéria-prima que produziam. Jâ os charqueadores sofre
ram um processo de reversão de suas expectativas quanto às vendas do
artigo para Cuba, uma vez que o Uruguai retornou rapidamente ao
mercado antilhano. Permanecia, pois, a crise no setor charqueador.
Em 1918, funcionavam no Estado 34 estabelecimentos charqueado
res, número menor do que os saladeiros atuantes em 1917. Mesmo
assim seis destes deixaram de funcionar. Em 1919, restavam 28 char-
queadas operando no Estado, estando o maior número delas em Bagé e
Pelotas .183
1®^REVISTA do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (8) : 240-5, dez. 1922.
168
des charqueadoras do capitalismo inglês, tem-se noticias de que, em
1915, foi requerida a falência da Ang/o Brazilian Meat Company Ltda. que
possuía as charqueadas Santa Tereza e Industrial na zona de Bagé^ . A
partir deste momento, o capital nacional que a ela estivera associado
(Visconde de Ribeiro de Magalhães) permaneceu só na direção dos
estabelecimentos, mantendo-os em funcionamento.
170
Estabelecimento: Charqueada Santa Martin
Proprietário: Serafim Gomes & Irmãos
Área: 872 ha
Fundação: 1900
Abate: 60.000 reses p/safra
Capital: Social -1.000:0003000
Mercantil - 8.000:0003000
Estabelecimento: Charqueada S. Domingos
Proprietário: Tamborindeguy & Costa
Área: 119 ha
Fundação: 1904
Abate: 40.000 a 60.000 reses p/safra
Capital: Social - 200:0003000
Mercantil - 5.000:0003000
Estabelecimento: Charqueada São Miguel
Proprietário: Miguel Vinhas & Cia.
Área: 119 ha
Fundação: 1914
Abate: 30.000 reses p/safra
Capital: Social - 100:0003000
Uruguaiana
Estabelecimento: Charqueada Barra do Quarai
Proprietário: Companhia Saidero Barra do Quarai
Fundação: 1887
Capital: 300.000 pesos ouro
Quarai
Estabelecimento: Charqueada São Carlos
Proprietário: Osório Rocha & Cia.
Área: 643.000 m2
Fundação: 1911
Abate: 100.000 reses p/safra
Capital: Social - 280:0003000
Mercantil - 4.000 a 8.000 contos de réis
Estabelecimento: Charqueada Novo Quarai
Proprietário: Caio, Tabares & Cia.
Área: 2.450.700 m2
Fundação: 1894
Abate: 100.000 reses p/safra
São Borja
Estabelecimento: Saiadeiro Alto uruguai
Proprietár;o: Companhia industriai e Comerciai
Área: 1.602 ha
Fundação: 1911
Caxias
Estabelecimento: Charqueada Guerreiro
Proprietário: Guerreiro & Cia.
Área: 1.000.000 m2
Fundação: 1915
Abate: 900 reses p/safra
Capital: 600:0003000
Rosário
Estabelecimento: Charqueada Cia. Swift do Brasil
Área: 21.500 m2
Fundação: 1917
Abate: 30.000 reses p/safra
171
Camaquã
Estabelecimento: Charqueada Centeno
Proprietário: Hildebrando José Centeno
Santa Maria
Estabelecimento: Charqueada de Nilo Teodósio Gonçalves
Capital: 900:000$000
Cachoeira
Estabelecimento: Charqueada Paredão
Proprietário: BrazIIlan Extract of Meat and HIde Factory
Fundação: 1878
Capital: 105.000
Jaguarão
estabelecimento: Charqueada União
Proprietário: Rache, Leite & Cia.
Área: 13 ha
Fundação: 1860
Abate: 15.000 reses p/safra
São Gabriel
Estabelecimento: Charqueada de Boaventura Pinto
Área: 4.356.000 m2
Fundação: 1911
Capital: 100:000$000
Estabelecimento: Charqueada de Antônio Cândido da Silveira
Área: 11.893 m2
Fundação: 1910
Capital: '100:0009000
Estabelecimento: Charqueada de Serafim Gomes & Irmão
Área: 435 ha
Fundação: 1918
Capital: 100:0009000
Estabelecimento: Charqueada de Manoel F. da Silva
Fundação: 1915
Júlio de Castilhos
Estabelecimento: Charqueada Tupanciretan
Proprietário: Pedro Osório, Abreu & Cia.
Área: 610 ha
Fundação: 1907
Abate: 50.000 reses p/safra
Capital: 1.200:0009000
Livramento
Estabelecimento: Charqueada Wilson
Área: 130 ha
Fundação: 1918
Capital: 2.000:0009000
Porto Alegre
Estabelecimento: Charqueada Pedras Brancas
Proprietário: Evaristo Lopes dos Santos
Estabelecimento: Charqueada Comte. Marampelo
Passo Fundo
Estabelecimento: Charqueada de J. Magalhães
172
A partir destas Informações, pode-se ver a origem estrangeira de
algumas charqueadas no Estado: americanas, como Swift e Wilson, ou
de capital Inglês em sua origem (Braziiian Extract Meat and Hide
Factory, na charqueada Paredão) ou em associações anteriores (char-
queada Industriai, onde se encontra a coligação da Angio com o capital
nacional).
Dentro do conjunto total, destacam-se aqueles oriundos da pene
tração uruguaia na zona da fronteira, a fim de contornar barreiras
alfandegárias para a entrada do produto no mercado brasileiro.
È o caso especifico da charqueada Dickinson, em Itaqul; a charqueada
Barra do Quarai, da Companhia Saiadero Barra do Quaraí, em Uruguala-
na; a charqueada São Carlos, em Quaraí, fundada pela firma Reverbei,
Mendive & Cia.; a charqueada Novo Quarai, no mesmo município, da
firma Calo, Tabares & Cia,; e Saiadeiro Alto Uruguai, em São Borja, da
Companhia industriai e Comercial.
173
Ê possível observar que, no ano seguinte ao de sua fundação, a
charqueadadesenvolveu grande capacidade de abate. Indo após decres-
cendo a matança de ano a ano até atingir o momento crítico de 1916. A
partir daí, constata-se a osciiação favorávei de 1917-1918, quando foi
possívei dar entrada no mercado cubano com o produto rio-grandense.
Fazendo um retrospecto dos processos analisados no capítulo,
viu-se que o período da guerra veio trazer boas perspectivas de mercado
pela elevação dos preços dos produtos agropecuários. A conjuntura
internacional favorável atuou tanrlbém como um poderoso incentivo á
renovação tecnológica da estrutura pecuária gaúcha, através da funda
ção de frigoríficos. Neste sentido, arregimentaram-se criadores de
ambas as facções políticas, com o apoio do Estado para a constituição
de um frigorífico nacional. Apesar de todos os incentivos oficiais e da
campanha da União dos Criadores, o projeto encontrava uma série de
dificuldades para converter-se em realidade. Enquanto o frigorífico
nacional demorava a concretizar-se, começavam a operar no Estado os
estabelecimentos estrangeiros. Setai fato, por um lado, contribuiu para
adinamização dos processos da criação de gado e seleção de rebanho,
por outro, a persistência da crise do charque e a ação do frigorífico
estrangeiro mantinham a pecuária gaúcha numa situação em que não
podia auferir, de fato,os possíveis lucros advindos dos bons preços.
A atuação do Estado frente ao problema pecuário como um todo
permitiu que este fosse um dos fecundos períodos do Governo borgista.
Ao propor a fundação de um frigorífico nacional que viesse ao encontro
dos interesses econômicos da classe pecuarista, Borges de Medeiros
teve a adesão dos dois segmentos em que se dividia a política da região.
A penetração do frigorífico estrangeiro na economia pecuária gaú
cha contribuiu, em parte, para manter, no momento daguerra, o clima de
euforia, uma vez que somente ao aproximar-se o fim do período é que as
manobras baixistas das empresas estrangeiras começaram a reverlar-se
claramente. Restava, contudo, a esperança na realização do projeto
nacional, que ainda não fracassara de todo.
O próprio charque, na etapa aludida, experimentou uma osciiação
favorável, pela conquista do mercado cubano.
Em suma, condições propícias de mercado levavam a crer que o Rio
Grande do Sul venceria as condições de crise e estagnação que a sua
economia criatória e charqueadora enfrentava desde o início do século.
Entretanto, desfeito o momento da guerra, a pecuária rio-grandense
enfrentaria uma conjuntura mais depressiva ainda.
174
3 — AS CRISES DO PÔS-GUERRA (1920-1930)
175
La retraclón de los mercados mundiales a comienzos de los anos 20 va a determinar
gravesproblemas. Durante IaGuerra, lospreclos habiansubido a mâs dei doblede su ní
vel de 1913, bajando aquellos después de Ia contienda. Pero luego de firmada Ia paz e
Iniciada Ia recuperaclón de Ias marinas mercantes. Ia demanda aumentó, generando un
alza artificial deprecies que no podia mantenerse, loque originó el desplome de los mls-
mos con Ias conseqüências consigulentes para los países colonlales, semicolonlales y
dependientes, proveedores de matérias primas. Habla ocurrido que Ias potências euro-
peascombatleron mâsdecuatroafioscon todas sus energias y todas sus reservas. Al fi
nal de Ia contienda, hubounabajaen laproduclón, sin precedente en Ia história dei capi
talismo ...
Lacrisis mundial determinó una bajade preclos que sl sitúan en los segulentes gua-
rlsmos:
Preclos mayoristas bajan en 45%;
Preclos matérias primas Industriales bajan em 51%;
Preclos matérias primas agrícolas bajan em 53%.''
A crise revelar-se-la universal, mas assumiria um caráter agudo na
zona platina, onde a pecuária se apresenta como a atividade econômica
principal.
No Prata, onde desde longa data reaiizava-se a criação com cuida
dos de refinação e cruzamento do rebanho, onde a indústria frigorífica
encontrava-se consolidada e onde os pecuaristas possuíam o controle
governamental, a crise rebentou com violência. Em suma, tratava-se da
derrocada da própriaestrutura econômica platinae do abalo no prestígio
dos estancieiros locais, que divisavam, como o ponto centrai da proble
mática, a ação nefasta dos frigoríficos. Por um lado, se tinha consciên
cia de que a superprodução dos artigos frigorificados determinava a
t)aixado seu preço, mas, por outro, tinha-se como motivo mais consis
tente as especulações que as empresas estrangeiras faziam com a carne.
A atuação dos pecuaristas variou desde projetos que visavam a
nacionalização, pela encampação da indústria alienígena, como a exe
cução da Lei 11.227, de 1923, que fixava um preço mínimo para a compra
do gado bovino. Todavia, posta em execução esta medida, verificou-se
que os estabelecimentos frigoríficos tinham poder bastante para perma
necerem parados, sem abater, sem que com isso se vissem prejudica
dos. O desfecho melancólico do incidente deu-se após 22 dias de
paralisação das compras de gado, quando os próprios pecuaristas
solicitaram a revogação da lei2.
Outra era a versão da crise dada pelos gerentes de frigoríficos no
Prata, que enfocavam o probiemaapenasanívei de retração de mercado.
176
(..) A essas medidas, vêm seguindo outras, estudadas com mais calma, e — por
isso mesmo, de mais fácil realização, graças ao apoio do Governo, tais como a exporta
ção de carnes para a Rússia, a concessão de um crédito de quinze anos à Alemanha. Es
tas duas últimas idéias diz-se que foram apresentadas em uma reunião dos gerentes dos
frigoríficos, presidida pelo Ministro interino da Agricultura. Nessa reunião, estes geren
tes foram unân imes em declarar que a causa exclusiva da crise residia na menor demanda
dos mercados consumidores, mostrando-se todos eles otimistas devido a um conjunto
de circunstâncias deles conhecido e que os levaram a esperar uma melhoria gradual e
paulatina nos preços dos mercados ... 3
Tanto o corned beef como o frozen beef eram alimento por excelên
cia das tropas e haviam permitido que os frigoríficos estrangeiros se
estabelecessem em áreas em que o processo de refinamento do rebanho
não se achasse tão adiantado como no Prata. Neste caso estava o Brasil.
Fazendo uma comparação entre a situação pré e pós-guerra, a
Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul assim se pronun
ciava:
^CRISE da pecuária na Argentina. Revista Comerciai do Brasil. Rio deJaneiro {16):278, abr. 1922.
"^EXISTÊNCIA de gados na Inglaterra. Correio do Povo. Porto Alegre, 31 jan. 1920. p. 2.
177
atè o derradeiro instante. Por outro iado, havia os exércitos de ocupação em todas as an
tigas frentes de batalha a abastecer. Por isso, ainda neste ano, as remessas atingiram ao
máximo. A despeito de todas estas dificuldades, porém, a paz se fez. Os exércitos vindos
de continentes distantes foram repatriados. As tropas de ocupação reduziram-se ao
mínimo. As colossais quantidades de carnes destinadas aos formidáveis exércitos da
Entente ficaram disponíveis. E elas foram lançadas ao mercado. Só os americanos dei
xaram na Europa quantidades enormes.
O resultado foi este que a estatística assinala: o brusco e quase total estancamento
da exportação em 1920. E no ano corrente, a situação ainda é pior, pois que contra 1.507
toneladas, no valor de 2.848 contos de réis, exportados nos oito primeiros meses de
1920, só exportamos no mesmo período do ano em curso, 469 toneladas, no valor de 939
contos de réis. Quem mais sofreu com isso, no Brasil, foi o Rio Grande do Sul. Cabiam-
nos, com efeito, mais de quatro quintos da exportação em 1919, recaiu assim, sobre nós
a maior parte do prejuízo decorrente do súbito estancamento e foi uma das razões que
contribuíram para agravar a crise da nossa pecuária.^
179
Quanto às carnes em conserva, observa-se o seu declínio irrecupe
rável no pós-guerra, após a desarticulação dos exércitos, com o advento
da paz.
Para grande parte dos criadores, contudo, a diminuição do abate e,
conseqüentemente, da exportação, era responsabilidade exclusiva da
ação das empresas estrangeiras que buscavam baixar o preço do gado.
Os frigoríficos estrangeiros, desde quando iniciaram a operar no
Estado, enfrentaram dificuldades, tal como a oferta de animais limitada
ao período da safra de gado gordo, quando os produtores colocavam à
venda animais pesados, paraobterbom preço. Para fugirá ociosidade, a
empresa obteve uma sofisticação na sistemática do trabalho, que lhe
permitia reter matéria-prima congelada para ser utilizada na entressafra.
O setor de lataria também era uma indústria paralela que acompanhou a
Swift e a Armour desde o seu inicio.
Operando por mais tempo, o frigorífico captava preferencialmente a
mão-de-obra no local onde estava instalado.
Durante o período que se está abordando (1920-1923), pode-se
apreciar mais uma vez a transferência de controle acionário que se fazia
dentro das empresas pertencentes ao grupo Armour.
Em 1919, como já fora referido, a maior acionária era a Armour do
Brasil S.A., com sede em São Paulo. Em 1920, o controle das ações
havia passado para a Cia Financeira e industriai de Montevidéu, outra
empresa coligada, responsável pela Introdução de maquinaria na Amé
rica do Sul e pelo aumento de capital da Armour do Rio Grande do Sui,
necessário para a expansão da empresa.
No ano de 1921, a Cia. Armour do Rio Grande do Sui adquiriu, por
compra da Cia. Financeira e industriai, com sede em Montevideo, todas
as ações que esta companhia tinha da C/a. Armour dei Uruguay.^ A
Armour dei Uruguay, por sua vez, tinha a procuração para representar a
Cia. Armour do Rio Grande do Sul em todos os seus negócios em
Montevidéu ^
Toda esta transferência de controle das ações dentro do mesmo
grupo serve para exemplificar as profundas vinculações e ramificações
da empresa americana da zona do Prata, seu controle de mercado,
mobilidade segundo os interesses da empresa e a disponibilidade da
obtenção de tecnologia e capital segundo as necessidades do estabele
cimento.
Por exemplo, em 1923, a Assembléia Geral dos acionistas da
companhia autorizou os diretores da mesma a contrair um empréstimo
8aTA N» 8 de 1' nov. 1921 Livro de Alas da Diretoria U92340Í Arquivo da Swifl Armour S A Indúsina e
Comércio. Santana do Livramento.
^ATA N° 2 de 7 fev. 1920. Livro de Atas da Diretoria ^1923 40) Arquivo da Swift-Armour S A Indústria e
Comércio. Santana do Livramento
180
em obrigações ao portador — debèntures — com a garantia hipotecária
de todos os bens da companhia. A importância da emissão seria de
4.000,000 dólares ouro e as debèntures seriam resgatàveis em 20 anos,
com juros de 3% ao ano^°.
O contrato de emissão das debèntures seria feito com o Continental
and Comercial Trust and Savings Bank, de Chicago. A justificativa da
emissão era a
N" 14 (j(> M f(>v Livro da Atos d.r Difolnn., 140) Ar(|iiiv<< (l.i SwiH Aimoiit S A
IridustiM (• CtimcK IO Siinl.irwi do I ivi.imci-in
1' Al AN" 11(j,.4 |,.v 1923 Liv/odcAl.is(Jd Assrnih/f'.,r (urr.ildo^ Aiioosi.is r9^9 •943i Ardiiivi» díi Swif l Armoiif
S A Indnslii.i o ("omÓK lo S.iiil.ni.i do I ivt.iinoiti(«
^^(!AS IH(). Aiilôoio Bnrios de. SgIc onsdios sobre ,/ e< linorei.i luosileiro Rii> de .jcieeiio, f-oreiise, ^9/ V 2 P 54
181
ril. Tendo já um relativo domínio do mercado cubano, o Estado oriental
recomeçou a exportação para Havana, desalojando ò produto gaúcho.
Como já foi analisado anteriormente (subcapitulo 2.4), o Uruguai
apresentava vantagens não só no que diz respeito ao rebanho superior,
como com relação ao menor custo de produção. Voltava, pois, o Prata a
dominar em Cuba e a penetrar no mercado interno brasileiro.
Quanto ao problema da concorrência nacional, mais se acentuaria
no período em apreço.
Rèferia o Correio do Povo, em março de 1921:
Apareceu, em umdos últimos número d"'0 Jornal",do Rio, umartigosobre a Indús-
triadocharquenos váriosEstados do país. Esse artigo Interessa pelos abundantes dados
queoferece sobreprodução, exportação e consumodaquelegênerode tão grandeimpor-
tâncla naeconomia rio-grandense, convindo, porém, chamar especialmente a atenção
dos Interessados para a afirmação que nele se faz sobre a conveniência de transferir os
centros de produçãodo charque paraos próprioscentros de consumo, aconselhando os
Estados do Norte a desenvolverem a indústria d?» charque para se libertarem da Importa
ção. ... Analisemos agorao quadro da produção nacional de charque em1920 ... Exis
tem, no Brasil,74charqueadas distribuídas entre os Estados do RioGrande do Sul, Mato
Grosso e Minas Gerals,_além de outras situadas em São Paulo, Paraná, Goiás e Riode
Janeiro, cujo número nãose logrou registrarali ... As charqueadasdesses Estados ... •
do Sul (nesse ano, porém, trabalharam ape
nas28)^27 paraMinas Gerais e 12 parao Mato Grosso. Adespeitoda baixaverificada na
^produção desta Indústria, é o Rio Grande o Estado que mais charqueafa.13
(...) uma parcela razoável do excedente gerado pela economia do extremo sul tinha
sido apropriada pelo comércio atacadista localizado nos grandes centros urbanos do
país (principalmente Rio e São Paulo), onde, já de longa data, havia radicado seus Inte-
tesses, sede e operações.1^
182
decisões de mercado e mesmo uma parcela importante do excedente
econômico produzido.
Cano compara, inclusive, a posição do produto básico gaúcho - o
charqüe - com os produtos primários oferecidos por outras regiões do
país: o café e o açúcar.
CHARQUE EXPORTADO
183
desenvolvimento das empresas saladeiras pelo país. O consumo, por um
lado, restringia-se e, por outro, a oferta crescia.
Com relação à posição do Rio Grande do Sul no mercado nacional
de charque, a Revista do Comércio e indústria do Rio Grande do Sul
apresentava as seguintes toneladas para a exportação do ano de 1921:
EXPORTAÇÃO decharque. fíev/sta do Comércio e Indústria do Rio Grande doSul. Porto Alegre (8 :265, ago.
1922.
19
CRIADORES eagricultores.Revista do Comércio e Indústria do RioGrandedo Sul. PortoAlegre (8 :276,(ago. 1921
184
Em 1922, contudo, à grande penetração do charque gaúcho no
mercado carioca acrescentou-se também a platina. A reação foi imedia
ta, como se pode constatar pelos dados já apontados: excesso de oferta
sem correspondente expansão da demanda ocasionou uma queda do
preço acentuada:
Concluía o artigo:
Certamente, na situação atual da nossa pecuária, bom é que ainda tenhamos esse
derivativo, que para ela representa a maior saída de charque para o Rio. Mas essa mesma
maior saída só se obteve à custo de sacrifícios: ela representa o resultado de enormes re
messas aleatoriamente feitas em consignação e ao abaixamento do preço. Por outro la
do, nesse terreno, nenhuma melhora se pode considerar definitiva. Já novos concorren
tes surgem; até Santa Catarina se apresta ao fabrico do charque. E, além de tudo, essa
indústria está condenada: o frigorífico, sejam quais forem as alternativas de um período
excepcional de crise, suplantou, em definitivo, a charqueada.2*í
Em suma, ofatodeterincrementadoaofertaparaomercadojnterno
se fizera à custa do sacrifício do preçodo produto e às maquinações das
casas consignatárias; nada, porém, obstava a que crescesse o número
de concorrentes. O produto em si não se aperfeiçoava, tal como se dera
com relação ao frigorífico.
Acrise econômica que se abatera sobre o RioGrande do Sul não era,
porém, somente uma crise dos produtos do frigorífico ou do charque.
Incidia ainda sobre a delicada questão dos transportes. A questão da
circulação era considerada prioritária pelo Governo Gaúcho e, segundo
os promotores da política de dinamização dos transportes, estava em
vias de ser resolvida. É evidente que o Governo gaúcho não tinha
condições de solucionar o caso dos navios frigoríficos. Encampado,
porém, o porto do Rio Grande em 1919, seguir-se-ia em 1920 o caso da
Viação Férrea 22 .
2®lbid9nn.
2^0COMÉRCIO docharque Revista doComórcio e Indústria doRio Grande doSul Porlo Alegre (7):232, jul.
1923
... solicitando a aprovação do acordo feito com o Governo federai para a transferên
cia ao Estado da rede ferroviária do Rio Grande do Sui e, bem assim, a indispensável
autorização para emitirtitulos de divida de nossoTesouro, afim de obter os recursos ne
cessários com que ocorra aos encargos decorrentes do novo serviço, ora dirigido pela
administração rio-grandense.23
2^ANAIS daAssembléia dosRepresentantes do Estado doRio Grande doSul. 29? Sessão Ordinária, 21 out. 1920.
Porto Alegre, A Federação, 1921. p. 102.
186
díavelmente atingidos. E os diretores começaram a pensar que tinham ido demasiado
longe no esquecimento das garantias, e da relatividade delas ... Nesse estado de espíri
to, a diretoria resolveu tomar — em novembro de 1920 — uma medida radical. E passan
do de um extremo a outro — e expediu instruções severíssimas, determinando que todas
as contas correntes devedoras fossem convertidas em promissórias. E o prazo para a
execução dessa ordem era terminante, peremptório — 30 dias!25
O Sr. Alberto Rosa — Sr. presidente, tendo o nobre deputado da oposição Dr. Gas
par Saldanha declarado que o Banco Pelotense havia tomado a deliberação de fechar as
suas contas correntes motivado pelo empréstimo que fizera ao Estado, declaro que as
considerações expendidas por S. Exa. não traduzem a expressão da verdade. O que hou
ve, Sr. presidente, foi uma deliberação tomada pelo Banco Pelotense relativamente ao
modo porque agiu, não tendo cortado créditos, mas determinado sirhplesmente a manei
ra de os conceder.
oc
187
o Sr. Gaspar Saldanha — Sr. presidente, devo frisar bem, por isso que è verdade,
que o Banco Peiotense fechou as contas correntes de seus comitentes determinando que
os créditos daí por diante passassem a ser concedidos em promissórias, aSOdIas de pra
zo, como é fato público e notório, isto ocorreu justamente no Início da safra, com o que
muitos prejuízos sofreram todos os que, de momento para outro, se viram privados do
crédito necessário que possuem naquele estabelecimento bancárlo.26
(...) sempre agiu como um braço econômico do governo estadual e se mantinha "ba-
jo el ala dei sombrero" do todo poderoso e pergaminhado presidente Dr.A.A. Borges de
Medeiros. O Estado sempre manteve grandes depósitos no banco e a sua diretoria era
amiga e aliada política do Governo.
2®ANAIS da AssembléladeRepresentantes do Estado do Rio Grande do Sul 30? SessSo Ordinária 1® nov 1921
Porto Alegre, A Federação, 1922. p. 126-8.
27leTTI, Nicanor. Agravata grenâ. Correio do Povo. Porto Alegre, 12 mar. 1922. p. 6. (Caderno de Sábado).
^®lbidem. p. 8.
188
Na realidade, se medidas do banco afetaram a ciasse ligada à
pecuária, a crise da pecuária também incidiria sobre o Banco. Ante a
drástica atitude da diretoria, desaparecera a confiança depositada peios
pecuaristas e começou a corrida daqueles que podiam para retirar o seu
depósito do Banco Peiotense. Gerou-se um clima de precaução contra
a instituição.
Neste impasse, a única coisa que reaimente o susteve foi o amparo
governamental e da parcela de ciasse dominante que monopolizava o
poder.
E contribuiu grandemente para esse gesto não só o fatb de que o Banco itie prestara
recentemente alto serviço na negociação de um empréstimo para a Viação Férrea, mas
ainda a circunstância, toda pessoal, dequeo"ieader'Üo Banco, no momento, era o Coro
nel Alberto Rosa — que tintia e merecia a confiança do Governo. E através desta con
fiança pessoal se concretizava, e expressava, a confiança na instituição, nas relações
com o Estado.^^
189
Á aMriÜB que a crise se configurava, mais do que nunca as
perspectivas haviam se voitado para o Frigorífico Rio Grande, confiando
os interessados no seu funcionamento. O caso do frigorífico montado
com capitais nacionais vinha, de ionga data, arrastando-se.
Em 1917, peio Decreto n® 2.296, de 24 de setembro do mesmo ano,
a Cia Frigorifica Rio Grande havia obtido do Governo do Estado autoriza
ção para o seu funcionamento iegai no Rio Grande do Sui. Empreendi
mento que contou com o apoio do Estado e iniciativa da associação da
ciasse rural — União dos Criadores — o frigorífico foi um projeto capaz
de unir os estancieiros gaúchos em um idêntico objetivo. Elementos das
duas facções políticas reuniram-se em torno do empreendimento nacio
nal, uma vez que o fato de ambos pertencerem à mesma classe dominan
te fazia com que tivessem interesses econômicos comuns. Tais interes
ses eram dotar a pecuária de maior rentabilidade e opor à iniciativa es
trangeira um estabelecimento nacional, impedindo o monopólio. Além
disso, contribuiria paraavalorização do gadoeo melhoramento do reba
nho. Estimulados pelos bons preços obtidos no mercado internacional
pelos produtos frigoríficados, o projeto foi envolvido pela perspectiva
progressista do Partido Republicano Rio-grandense, inspirado no ideá
rio positivista da evoiução natural e necessária que conduziria ao
progresso. Com relação à industria da carne, a idéia era expressa em
termos de que a charqueada seria fatalmente substituída peio frigorífico,
forma mais adiantada de industrialização da carne. Dentro deste ponto
de vista, cabia ao Estado favorecer o livre desenvolvimento das forças
produtivas e remover os entraves que seantepuhham à iniciativa privada,
no caso, os criadores.
Quanto a estes últimos, até mesmo os setores afastados do poder
— a oposição maragata — eram levados a apoiar a iniciativa do
frigorífico nacional. Apesar do apoio governamental, a proposta era
apresentada em nome da associação de classe {União dos Criadores) e
não do partido no poder (PRR).
Por outro lado, o aspecto de moralidade governamental do Governo
borgista, em termos econômico-financeiros, eram fatores que ponde
ravam. A inspiração buscada no princípio positivista de praticar sempre
a sã poiítica, fiiha da morai e da razão, bem como a norma seguida do
equiiibrio orçamentário, foram fatores que ponderaram para que, nesta
fase, ambas as facções políticas estivessem unidas para obter algo do
seu interesse específico: o beneficiamento que traria à pecuária a
indústria da carne frigorifica.
A propósito de uma perspectiva quanto à ação do Governo, é
interessante vero que referia um artigo do imparciai, de Itaqui, em junho
de 1915:
190
Quaisquer que sejam as nossas convicções políticas, devemos com orgulho confes
sar que nenhum estado da Federação brasileira apresenta mais digno, exato e escrupulo-
so emprego dos dinheiros públicos do que o Governo do Ilustre Dr. Borges de Medeiros.
ÉporIssoqueorgulhosose felizes nos subjugamos à apregoada tirania de seu partido, *à
disciplina superior de suas hostes.3f
31
PELO Rio Grande. A £srá/7C/a-Porto Alegre (59):30, jan. 1918.
32friG0RIFIC0 Rio Grande. AEstância,Pono Alegre (59):30. jan. 1918.
^RELATÓRIO apresentado pelo presidente da União dos Criadores do Rio Grande do SI. Alfredo Gonçalves Morei
ra, à Assembléia Geral, Conselho fiscal e demais sócios, ano 1917-1818. A Estância. Porto Alegre (62):117-8,
maio/ago. 1918.
191
Proponho que o Congresso solicite ao presidente do Estado a sua prestigiosa inter
venção junto ao Governo federal e caso não seja possível conseguir, absolutamente, a
equiparação das tarifas da rede ferroviária rio-grandense com as paulistas, ao menos não
seja aumentada a tarifa atual para o fado destinado ao frigorífico da "Cia. Frigorífica Rio-
grandense'.34
Note-se, aqui, duas etapas das solicitações feitas; uma delas que
solicita a equiparação das tarifas ferroviárias gaúchas às paulistas,
reconhecidamente mais baratas na cobrança do transporte. Outra pro
posição era favorecer a matéria-prima que demandasse o frigorífico
nacional.
Tal proposição levantou uma série de debates. Segundo uma ala de
opiniões este pedido implicaria num privilégio para Pelotas, enquanto
que outra corrente argumentava que não se tratava do caso específico de
Pelotas, mas de um frigorífico nacional, fruto dos esforços dos criadores
e que receberia gado de todas as zonas do Estado.
... a proposta do Coronel Moreira não envolve privilégios aos criadores rlo-gran-
denses que são os que mais contribuem paraaViação Férrea, sendo justo, portanto, que
ela os auxilie. A Viação Férrea faz contratos em que são favorecidos os comerciantes que
habituaimente lhes fornecem grandes cargas, logo pode fazer uma concessão ao frigorí
fico da "União?35
192
De alguns dias para cá tem corrido com insistência o boato de que diversos acionis
tas do frigorífico da "União dos Criadores', descontentes com a má direção dada aos
trabalhos do mesmo, se têm retraído, desistindo de suas ações, e que devido a essa de
serção, a "União dos Criadores'pensa transmitir os compromissos assumidos a um sin
dicato estrangeiro. Não acreditamos que tal aconteça, tanta a idoneidade da digna dire
toria da "UniãoVentretanto, como é preferível prevenir que remediar, julgamos acertado
lembrar aos ilustres colegas, senhores criadores, que o momento não comporta vacila-
ções. Só há um caminho a seguir e este é levar avante o plano traçado: construir um frigo
rífico a despeito de todos os sacrifícios. Dele depende, não diremos o nosso bem-estar,
o progresso do nosso Estado, mas muito mais que isso a nossa existência como força
produtora. Precisamos nos convencer desta verdade: a criação dum frigorífico, com ca
pitais nosso, è para a nossa classe uma questão de interesse vital ... Se de fato há má di
reção. 3 maneira a entravar a execução dos referidos trabalhos, o nosso caminho não
deve ser o da deserção, e sim, o da ação franca e decisiva (...) Se nãotemos pessoal ca
paz, busquemo-lo onde houver( . )Cumpre acentuar aqui que não devemos esperar tudo
da ação da "União dos Criadores que, façamos justiça, demasiado tem feito, em reiação
aos minguados recursos de que dispõe. Que podemos esperar deia, se lhe negamos o
nosso concurso?
Atendamos que a nossa classe, unida, è uma força reai, capaz de impor a sua vonta
de, nos limites do justo, ao passo que desunida, vegetará à mercê dos trustes.37
Está aí exposta a concepção da necessidade da união da classe para
se oporão capital estrangeiro. Todavia, é dado a entrever que os recursos
que se dispõe são insuficientes, que é preciso levar adiante o projeto a
despeito de todos os sacrifícios. Quanto aos boatos mencionados, o
Cel. Moreira se apressou em desmenti-los, classificando-os de
^^0 ARTIGO do Coronel Aquino. AEstância. Porto Alegre (661:40, fev. 1919.
38a ACÂO da Uniào dos Criadoressobre o Frigorífico Rio Grande A Estância. Porto Alegre (66):39. fev 1919
^^0 frigorífico Rio Grande - o estado atual das obras. A Estância. Porto Alegre (67):88-90, mar. 1919.
193
... ter ficado provado estar a referida companhia, desde aquela data, funcionando
regularmente com as instalações e aparelhos necessários à conservação de seus produ
tos pelo frio ou outro processo equivalente.40
... a título de ensaio, pois a estação já estava demasiado adiantada para que se ten
tasse a atividade em larga escala.42
194
ciara-se, em 1911, à charqueada bageense de propriedade do Visconde
de Ribeiro Magaihâes, indo à faiência em 1915. Por outro lado, o Angio
lançava as suas malhas pelos paises platinos. Ao referir-se ao processo
de penetração estrangeira na dinamização da indústria de carne no
Uruguai, Mario Dotta referiu:
... enmuestro país, el capital Inglês no se resignabaa pasar a un segundo plano, y
tiacíasu apariciónen IaIndústriafrigorífica en el ano1924, cuando Ia"Vestey'de Londres
adquire Iafábrica"Lleblgb'y queda tran.sformada en el "Frigorífico AngIo', con una capa-
cidad de faena de 1.600 vacunos y 4.000 ovinorpor dia.^®
Enquanto o capitai americano se mostrava presente no grupo de
Chicago do Beef Trust, o britânico se fazia presente no não menos
poderoso grupo dos Vestey Brothers, que dominava a rede dos frigorífi
cos Anglo.
Ligada ao grupo capitalista da Vestey Brothers, estava a Union Cold
Storage Co., além de outras mais que operam simultaneamente no
Prata, Brasil, China, Venezuela, Austrália e Nova Zelândia. Eram pro
prietários de frigoríficos e fábricas de conserva, além de casas comer
ciais de importação de produtos pecuários, tais como as firmas W.
Weddel& Co. Ltda., W. & R. Fiechtere ColonialConsignement Dlstri-
butingCo. Ltda. Além disso, o grupo britânico controlava grandes mata
douros no Reino Unido para a venda de carne a retalho no mercado inglês
e possuía uma empresa de navegação para transporte de carnes conge
ladas, a Blue Star Line Ltd.
No Brasil, o trust inglês era dono de um frigorífico em São Paulo e
agora com a compra do Frigorífico Rio Grande, deitava suas raízes na
industrialização da carne gaúcha através do frio.
Com a vendado Frigorífico Rio Grande a uma empresa estrangeira,
ficavam os gaúchos com o setor mais dinâmico da industrialização da
pecuária monopolizado pelas empresas estrangeiras. O fato se dava
justamente no momento em que, com a crise do pós-guerra, os frigorífi
cos americanos aqui instalados punham em ação as suas manobras
baixistas, a fim de prescAfar sua margem de lucro dentro de uma
conjuntura desfavorável. Dada a incapacidade da acumulação locai de
poder montar, com recursos próprios, uma empresa nitidamente capita
lista, restava em mãos nacionais a velha estrutura da charqueada, que se
mantinha em crise crônica.
 crise econômica, acrescentavam-se os efeitos da crise financeira.
O momento que se iniciou com a abertura da década de 20 fez o Rio
Grande submergirem sérias dificuldades, abalado pela baixa de preço de
seus artigos pecuários pela retração do mercado consumidor, pelo recuo
195
do crédito, pela Ineficiência de um sistema de transportes e, fundamen
talmente, pela carência de capitais.
Em suma, a crise do pós-guerra reveiara-se mais violenta que
nunca. Os problemas que já se manifestavam no período que antecedeu
o conflito,haviam sido mascarados pela euforia dos bons preços e a onda
de otimismo que acompanhou a seqüênciada Primeira Guerra. Findando
a conjuntura favorável de mercado e não tendo sido solucionados os
velhos problemas nem recompensados os esforços dispendidos, a crise
rebentou com toda a violência sobre a pecuária rio-grandense, oportu-
nizando tomadas de posição mais radicais.
196
De um modo geral, como era percebida, no Estado, a crise do
pós-guerra?
Para o partido governista, a situação atravessada pelo Rio Grande
do Sul não era tão grave assim. Explanando a postura do Governo quanto
ao momento vivido, o editorial de A Federação, de 23 de março de 1921,
traçava a diferença fundamental entre crise e depressão:
Crise, na exata acepção econômica, significa o estado no qual está se operando uma
modificação para pior, produzida por motivos em geral imprevistos ou não suficiente
mente observados e consultados (...) Acrise é o ápice de uma conjuntura perigosa (...) A
depressão é uma decorrência da crise (...) significa um estado de abatimento na capaci
dade produtora ecomercial(...) Ora, se a crise è o momento agudo do perigo que pode en
gendrar os piores resultados, a depressão, peto contrário, traz consigo, em geral,_as
próprias condições necessárias para o restabelecimento da normalidade nas relações
comerciais.48
Argumentava o Governo:
Não tiá escola econômica que não preconize como Ideal a que todo corpo político
deve tender a possibilidade de se bastar, quanto possível, a si mesmo. Assim, quanto
maisvariada a produção de um país. Estado ou município, tanto menor a Incidência so
breeles de crises oriundasde causas estranhas. Bastaquese tenhaapreendido a verda
de do enunciado paraque nãose tenhanenhuma dificuldade emestabelecer, desde 'pgo.
as diferenças existentes neste particular, entreo Rio Grande do Sule o resto do pais.
Frente a São Paulo, que baseava toda a sua riqueza sobre um único
produto, o Rio Grande do Sul apresentava umavariada produção que lhe
proporcionava condições para subsistir diante de conjunturas depressi
vas. Na concepção do grupo que empoigava o poder, a política seguida
pelo Governo borgista era a mais acertada possível; prornover no Rio
Grande um desenvolvimento econômico muitilateral, a fim de que o
Estado se auto-abastecesse. Dentro desta perspectiva, o Governo deve
ria remover os entraves quese antepunham à diversificação e aumento da
produção gaúcha. Assim, o Governo interessava-se pelo progresso de
todos os ramos setoriais da economia e não por um em especial.
197
Apr6S6ntava-s6 como o raprasantanta da todos os saQmantos sociais a
não lhacompatia, pois, concadar privllégioô a um só sator am datriman-
to dos damais. Convém ralambrar ncjui, como justificativa para asta
postura idaológica assumida, qua a facção política qua ampoigara o
podar com a Rapública não contara com o apoio da toda a ciassa domi-
nanta dos pacuaristas. Buscara, assim, para afirmar-se no poder, não
só o recurso à força, mas também a ampliação social de sua base políti
ca. Frente a asta processo, tomara impulso a idéia do desenvolvimento
multilatarai, auto-sustantado, onda todos os ramos da atividades deve
riam ter igual tratamento.
Já o grupo pecuarista da oposição, considerando qua liderava o
sator econômico mais importante do Estado, alagava ter direito a um
tratamento prafarancial, principalmente no momento am qua se debatia
numa crise aflitiva. Sendo a pecuária responsável paia maior parta das
exportações do Estado, julgavam os criadoras qua o marcado deveria ser
regulado segundo os seus interessas a qua o Governo deveria ouvi-los
nas suas reivindicações, auxiliando-os. Carlos Corrêa, o ruraiista da
Quaraí qua se tornou o paladino do raarguimanto da pecuária nesta
época, batalhava noi« união das classes rurais como uma das formas
desta atividade econômica impor-sa.
A nossa classe rural gaúcha, que è a detentora de quase toda a riqueza do Estado, e a
produtora de todo o elemento que lhe dá vida, que sustenta o Governo e que abastece as
indústrias e alimenta o povo, è a única que, nos nossos dia, ainda não conquistou ne
nhum dos direitos e nenhuma das regalias que lhe cabem, como a maior força produtiva e
a potência maior da sociedade.50
^OCORRÊA, Cfiilns Umno dns rl.iss^s nir.ir. Corre/o do Povo Porto Alegre, 25 out. 192'' P 3
198
Wilson'.'Com a venda do "Frigorifico Rio Grande','radica-se também no nosso Estado o
maiorsindicato inglês(...) Tendo sido criado para servir também de anteparo ao manejo
natural dos sindicatos norte-americanos na fixação dos preços dos gados e para evitar no
Rio Grande do Sul as funestas conseqüências registradas na Argentinas no Uruguai, em
conseqüência da dominação discricionária daqueles poderosos "trusts',' convém exami
naraqui se a alienação do "Frigorifico Rio Grande deve ser, sob este ponto de vista, con
siderado um mal
199
o fracasso deste ("Frigorífico Rio Grande) obedece a aiguns fatores imprevistos,
entre os quais a crise do numerário, que caiu sobre o Rio Grande, como repercussão de
um mai generaiissímo no país e fora dele (...). O que porém devemos encarar é o
fundamental, prático, aquilo que a "possibilir^^de"determina de forma afirmativa ou ne
gativa no regime das competições. Os frigoríficos norte-americanos, como se sabe, são
em nosso meio poderosas sucursais de casas matrizes que, com meticulosa organiza
ção, técnica e financeira, agem ativamente dentro dos próprios mercados de consumo.
Os frigoríficos do Rio Grande obedecerão, por certo, a essa diretriz de além-mar, a um
simples aviso telegráfico para determinar as suas compras, contratos e embarques, de
acordo com as ordem recebidas. As empresas britânicas, da mesma forma, obedecerão
ao seu núcleo deiiberantee especulativo, em Londres. Assim, pois, o nosso modesto fri
gorífico caso fosse fundado teria de atuar na dependência absoluta de "técnicod'e "inter-
mediáriod'estrangeiros, numa irremediável contingência às combinações mercantis dos
"trusts'.' Esta é a situação que nos depara, assim^a distância, ao observar a iniciativa —
muito louvável, repetimos — de nossos criadores. Oxalá estejamos exagerando de
"pessimismo"... 53
o depoimento parece trazer a constatação da superioridade tecno-
gicae financeira e o domínio de mercado dos frigoríficos estrangeiros,
norte-americanos e ingleses, bem como o ceticismo relativo à formação
de um frigorífico genuinamente nacional. De saída, o empreendimento
nacional ficaria na dependência dos canais de comercialização e da
tecnologia estrangeira. Como alternativa a um projeto com capitais
exclusivamente iocais que não teria condições de subsistir, a proposta
de Geraldino Silveira representa um recuo das proposições nacionalis
tas, na medida em que aventa a hipótese de buscar
... a cooperação do capital estrangeiro, num grupo Isolado, com sede européia, de
maneira que, por essa forma, se tivesse o concurso Imediato do consórcio, com Interes
se próprio, para vendas em primeira mão.54
200
Todos sabem, efetivamente, que apesar de nossa paciente e tenaz propaganda de
muitos meses, teríamos desistido do nosso objetivo, se o Banco Pelotense não se pro
pusesse a completar os quatro mil contos necessários desde que o estabelecimento fos
se construído na cidade de Pelotas e não no Rio Grande como era o nosso projeto. Sendo
o nosso capital Inferior a dois ml! contos e convencidos da Imperiosa necessidade da
fundação de um frigorífico rio-grandense, fosse onde fosse, não vacilamos, e aceitamos
esta proposta. Épreciso que se note, que Isso se passou no período áureo, em que o boi
estava sendo cotado pelos preços mais altos a que tem atingido. Constituído o frigorífico
cessaram as responsabiiidades da "União dos Criadores", passando elas inteiramente á
diretoria da novel empresa. Esta, apenas Iniciadas as suas construções, verificou a Im
possibilidade de prosseguir por se terem esgotado os seus recursos. O Banco Pelotense,
graças á boa vontade de sua diretoria, correu em seu auxílio fornecendo-lhe quantia su
perior a ml! contos, a título de empréstimo. Acentuou-se porém a crise e este estabeleci-
inento, que já havia desviado cerca de 4 mil contos para atender ao "Frigorífico", ficou
Impossibilitado de continuar a prestar-lhe seu concurso pecuniário.55
Ela devia, porque assim oexige opróprio interesse dos que à indústria pastoril dedi-
cam a sua atividade e dela tiram os seus proventos, congregarse nao a totaiiaaoe aos
criadores, aos menos a Imensa maioriadestes. Ora, no Rio Grande, os criadores
tam aos milhares. Háquem os compute, sem exagero, em mais de 20.0iw. enianio,
a "União',' em todo o Estado, não conta, talvez mais de 1.500 associados.
201
Relembrando o desenvolvimento que haviam tido todos os ramos da
atividade econômica rio-grandense, Leo D'Utra argumentava que a pe
cuária ainda era a atividade principal no Estado e qualquer crise qtie
sobre ela se abatesse iria refletir-se sobre o conjunto da economia
gaúcha, Alertava os pecuaristas para a desunião, exemplificada pela
venda do Frigorífico Rio Grande, e apontava como medida de extrema
necessidade a coiaboração consciente de todos em prol de cada um, ote
cada um em beneficio de todos, em função do reerguimento da pecuária .
Verificados os posicionamentos assumidos no Estado quanto à
visão da crise em geral e quanto à venda do Frigorífico Rio Grande,
cumpre analisar como eram encarados os probiemas referentes ao
crédito, transportes e mercado.
Quanto ao crédito e transportes, apontava um artigo da Revista do
Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul, em 1922:
... carece o nosso comércio de toda a elasticidade e precisa a nossa produção da
máxima liberdade de movimentos. Em palavras mais simples: è necessário que o
transporte seja fácil e barato; é preciso que o produto não seja onerado com tributações
pesadas; é preciso que o comerciante, o criador, o agricultor encontrem numa larga ba
se de créditos, em condições razoáveis, a possibilidade de expansão dos seus negócios.
Enquanto dominar a atuai estreitezaem matéria de créditos, enquanto os fretes consti
tuírem um fator notável de encarecimento do produto, enquanto as mais absurdas moda
lidades tributárias perseguirem toda forma de atividade, nada de definitivamente profí
cuo teremos feito em favor de nossa produção.58
Em Última análise, reivindicava Caries Corrêa, em nome dos cria
dores:
... é nessa situação verdadeiramente aflitiva que a lavoura e a pecuária volvem as
suas súplicas para 8. Excelência, o sr. presidente do Estado, para lhe ser prestada, corn a
urgência e a resolução que a situação reciama,a redução imediata das tarifas da Viação
Férrea, sobretudo para os produtos da pecuária, como único remédio eficaz para essa ca-
iamidade.59
Frente ás reivindicações de crédito fácil, o Governo borgista argu
mentava que, se os créditos fossem ilimitados, haveria uma alta de
preços que se manteria artificialmente, o que seria ruinoso para a
pecuária 6o . Segundo os princípios comtistas, a regra deveria ser
moderação e austeridade financeira. Diante do pedido de redução das
tarifas ferroviárias para os produtos da pecuária, o Governo se via a
braços com o sério problema de melhorar os transportes após as
encampações feitas. Todavia, para que os serviços continuassem, se
revelara impossível baixar as tarifas tai como o Estado se propusera a
fazer após a socialização dos serviços públicos.
®^lbidem.
PROPOSITO da crise da pecuária. Revista do Comércio e indústria do Rio Grande do Sui. Porto Alegre (31:65.
mar. 1922.
^®CORREA, Carlos. As tarifas daViacâo Férrea do Estado ea ttossa pecuária. Correo doPovo. Porto Alegre, 16 dez.
1921. p. 3.
®°A FEDERAÇÃO. 23 mar. 1921.
202
Quanto ao problema do mercado, nem todos os raciocínios abarca
vam a dimensão do drama da pecuária. Retraira-se o mercado consumi
dor europeu no pós-guerra e os estoques comprados e armazenados
durante o conflito ainda seriam consumidos por um certo tempo,
trancando ou restringindo a demanda. Alèm disso, os bons preços
haviam disseminado pelas regiões pecuárias do globo potentes frigorífi
cos com grande capacidade de abate.
O Governo tendia a considerar a crise como decorrente do fator
mercado. Como se viu, o Rio Grande atravessava um momento de
depressão, ao qual se seguiria a recuperação econômica. Havia como
que uma crença nas possibiiidades de recuperação automática do
mercado, que se enquadrariam numa idéia de existência de marcha
natural das sociedades.
Esta visão, algo otimista, pois á depressão se seguiria o progresso,
visava minimizar os focos de tensão.
Um artigo da Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul
tendia a identificar-se com este tipo de encarar os fatores relativos ao
mercado:
203
nomia do Estado. Confiante na orientação que seguia e na recuperação
automática da conjuntura depressiva, era com otimismo que o Governo
encarava a situação da economia gaúcha, onde só se encontravam mo
tivos de animação e confiança na resistência vitoriosa que eia demons
trava
Na mensagem presidencial de 1922, Borges explanaria claramente
sua visão sobre a situação da pecuária, dizendo que não havia escassez
da procura de gado, se fosse considerado o volume das reses abatidas
no Estado:
^'íbiclem, p. 58.
®''lbidem, p. 77-9.
®^lbidem, p. 81.
204
que reconhece como dinâmico para a realização do capitalismo no sul -
as carnes frigorificadas. Minimiza, pois, o conflito e transfere o proble
ma para ativação da própria ação dos criadores. Estes devem promover a
recuperação da pecuária não só no aperfeiçoamento do rebanho mas
também pela união da classe na defesa dos seus interesses e organiza
ção das vendas. Do ponto de vista da comercialização, só a cooperativa
dos criadores é que poderá encaminhar a venda favoravelmente. Só uni
das poderão enfrentar os compradores, cuja oferta não sofre contraste
nem opos/ção®®
Este era o ponto mais direto que o Estado chegava ao acusar o
problema da relação entre pecuaristas e frigoríficos.
Considerava que o frigorífico, era capaz de se impor porque o
criador não se organizava. Não remetia a análise para a superioridade da
empresa monopolista, para seu domínio de mercado e tremendo respal
do financeiro que lhe permitia, inclusive, ficar sem abater sem que a
fábrica fechasse. Assim como a indústria era capaz de baixar o preço do
gado até o limite mínimo sem o qual se tornaria improdutivo continuar
criando, o que levaria à falência toda a atividade criatória do Rio Grande
do Sul, o frigorífico poderia também elevaro preço do artigo até um nível
máximo, aos qual as charqueadas não poderiam acompanhar, sendo
obrigadas a fechar.
O criador, que sentia mais profundamente a opressão da indústria
da carne frigorificada estrangeira, era capaz de avaliar melhor a atuação
do truste.
Quanto ao problema do mercado, o criador gaúcho tinha consciên
cia do problema da retração internacional para os produtos da pecuária.
Aquestão se manifestava de forma clara para o RioGrande do Sul, pois o
mercado para os produtos frigorificados era altamente competitivo.
Com relação àconcorrência internacional (Prata, especialmente) no
domínio da carne frigorificada, surgia o problema da qualidade da
matéria-prima oferecida,que podia depreciaro produto acabado. Embo
ra o Rio Grande do Sul se achasse à maior distância do restante do país
quanto ao processo de refinamento dos gados, tinha-se aconsciência de
que só pela importação de reprodutores selecionados que o Estado
poderia neutralizaropiniões emitidas pelos mercados estrangeiros con
tra os produtos gaúchos. Da Inglaterra, por exemplo, chegavam notícias
de que o Evening Stander, de Londres, comentara aue as carnes brasifel-
ras serviam somente para alimentar os leões do Jardim Zoológico ...
É claro que o comentário se referia mais especificamente às carnes
frigorificadas oriundas das regiões abastecidas por outra sorte de gado
®°lbidem.
205
que não aquele proveniente da cruza de reprodutores estrangeiros com o
gado crioulo. A referência era feita, em especial, ao gado zebu, de pouca
aceitação na Europa, a não ser em carnes enlatadas para abastecimento
dos exércitos. A introdução do zebu era repelida pelos criadores mais
progressistas, que alcunhavam o animai de Átila da. índia, lembrando os
seus efeitos maléficos de degenerescência do rebanho.^^
O problema que, contudo, era mais associado à questão do
mercado e aos maus preços obtidos pelo gado era a noção de que os
frigoríficos aproveitavam-se da situação e realizavam uma campanha
baixista, oferecendo os menores preços possíveis pelo rebanho, o que
levava à ruina dos fazendeiros.
Defensor desta posição, Carlos Corrêa assim se expressava no
Correio do Povo:
Temos repetido, já mais de uma vez nestas coiunas, essa veiha verdade, por todos
sabida, de que os frigoríficos que trabalham aqui na Américado Sui conseguem todos os
anos lucros fabulosos, que, não raro, atingem e ultrapassam de cem por cento sobre os
capitais investidos. Embora toda gente saiba que essa è a verdade, muito poucas vezes
se tem conseguido trazer a público algumas demonstrações numéricas parciais, porque
os frigoríficos, como é natural, guardam ciosamente o segredo de suas operações. Para
poderem obter tais lucros se tem estas casas válidoaté hoje, principalmente, da ignorân
cia dos nossos criadores, tanto argentinos, como uruguaios ou brasileiros, pobre as ne
cessidades dos mercados consumidores europeus, sobre os estoques ià existentes, os
preços em vigor, etc., para nos impingiremessas ridículas mentiras de que "o consurno
de carnes frias na Europa tem diminuído muito ultimamente',' que "os depósitos estão
abarrotados de carnes','de que "os preços das carnes baixaram enormemente nos merca
dos europeus''e quejandas. Eo tem conseguido admiravelmente, porque, ou acreditando
ou não, todos os criadores sul-americanos se têm resignado a imposições dos seus pre
ços. Ainda há poucos dias, baseando-nos em informações particularese dos jornaiseu
ropeus, afirmamos que os mercados da Europa estão desprovidos de carnes, que os pre
ços iá são relativamente altos e que há uma ativa procura de carnes ...
Mais adiante, referindo o comentário feito a respeito do problema
pe\a Federação Ruraido Uruguai, Carlos Corrêa mencionava a existência
de uma coligação entre os frigoríficos, que fixavam arbitrariamente os
preços, vioientando assim artificiaimente a oferta e a procura. Suas
manobras consistiam em comprar menos que o exigido pelo consumo
europeu, a fim de obter preços aitos.^®
Tem-se, aqui, exposta uma outra forma de encarar o problema do
mercado e da baixa do preço dos produtos pecuários, que se concentra
no ataque à atuação nefasta do frigorífico. Menospreza-se a retração do
consumo de mercado mundial de após-guerra, abstraindo-se a crise
econômico-financeira na qual a Europa se debateu.
®®AS CARNES brasileiras na Franca - a sua rnú classificação. Correto do Povo.
Porto Alegre, 12 jan. 1921. P 1
®^CORREA, Carlos. Os frigoríficos e a nossa pecuária. Correo do Povo. Porto Alegre, 18fev. 1922. p. 3.
^^Ibidem.
206
A situação deve ser analisada com o devido cuidado. Por um iado,
um dado fundamental a ser considerado é a proliferação dos frigoríficos
no plano mundial, conjugada com a deflação e a retração do poder
aquisitivo do mercado europeu, indiscutivelmente, houve um recuo da
demanda e uma baixa do preço do gado e seus produtos, que se
manifestou mundialmente. Outro fato è a constatação de que cada
alteração do mercado consumidor internacional fazia com que o frigorí
fico tendesse a transferir as suas perdas para o fornecedor direto da
matéria-prima. No caso, era o estancieiro o mais duramente atingido.
Emalgumas áreas, como o Prata, as empresas estrangeiras gozavam de
uma situação quase monopolística quanto à industrialização da carne.
Quanto havia, na área, uma outra forma de aproveitamento da carne,
emboraobsoleta(charqueadagaúcha), ofrigorífico tendia a entrar neste
ramo de negocios e aniquilar a força do concorrente para manter o
criador submisso.
SMITH. Peter J Carne vpolítica en Ia Argentina. Buenos Ayres, Paidòs. 1968. P 39-4
207
quando viesse o Inverno, terminava fazendo com que os estancieiros
cedessem... e os frigoríficos obtivessem os lucros desejados.
Ê claro que, no Rio Grande do Sul, havia outra saída para o gado,
que era o tradicional saiadeiro, mas este também aproveitava-se para
transferir suas perdas para o criador.
Portanto, quanto maior fosse a crise do frigorífico ou da charquea-
da, maior tendia ser a exploração imposta ao estancieiro.
Este, pois, se via em antagonismo de interesses tanto com relação
ao charqueador, de quem dependia para o escoamento de seu gado,
como com relação ao frigorífico.
Embora a divergência de interesses entre o criador e o charqueador
fosse a mais antiga, neste momento aquela com o frigorífico se revelaria
muito maior. Não escapava aos olhos dos estancieiros que, mesmo
afetados pela crise, os frigoríficos tinham melhores condições para
enfrentá-la. O frigorífico ainda conseguia dividir os prdprios fazendei
ros, usando alguns como ponta de lança, na medida em que os contrata
va para seus compradores de gado.
Acentuou-se, pois, o nível dos conflitos no Rio Grande do Sul, que
agora se decompunham no enfrentamento entre criadores e charquea-
dores, criadores e frigoríficos e charqueadores e frigoríficos.
Na passagem do ano de 1921 para o de 1922, aos fatores de falta de
mercado e crédito e baixa do preço do gado, se acrescentaram os efeitos
de um inverno rigorosíssimo, de uma prolongada seca e de uma epide
mia de aftosa. Conjugados a estes fatores, os ruraiistas gaúchos
tiveram conhecimento de que uma companhia americana de Livramento
teria obtido licença do Governo federal para Importar gado uruguaio para
abatê-lo durante a safra. Igualmente, os criadores rio-grandenses sou
beram que o Prata estava retomando a sua atividade saiadeiril, como
forma encontrada pelo Governo para reagir à crise dos frigoríficos. Com
isso, o Rio Grande, mais uma vez, enfrentaria o risco de ver o seu
charque desalojado do mercado interno brasileiro pelo produto similar
platino. Por outro lado, os Governos do Prata estavam atendendo às
solicitações de seus pecuaristas, isentando os produtos pecuários dos
direitos de exportação, concedendo créditos aos países estrangeiros
para compra de artigos platinos e proibindo a importação do gado em pé
dos países fronteiriços-^^
Frente^a agudização da situação aflitiva, Carlos Corrêa, numa série
de artigos polêmicos pelo Correio do Povo, procurou alertar a classe das
ameaças que sobre ela pairavam. Pode-se, mesmo, afirmar que sua
atuação foi marcante no sentido de radicalizar a opinião dos pecuaristas
^^PROJETOS argentino e uruguaio para remediai a crise da pecuária. Correio do Povo Porto Alegre. 4 fev. 1922.
p. 3.
208
rio-grandenses contra o Governo do Estado, que se mostrava incapaz de
debelar a crise e atender os ruralistas na proposição de suas reivindica
ções. Referia Carlos Corrêa, em dezembro de 1921:
^^CORREA, Carlos. Novas ameaças nnossa pecuária Correio do Povo Porto Alegre, Hdez. 1921. p. 3.
209
envolvidos; o cerceamento do crédito; condições climáticas adversas e
ainda o problema dos transportes.,.
Para o combativo pecuarista, a situação de crise se configurava na
medida em que os campos se apresentavam cheios de gado gordo já às
portas do Inverno, ao mesmo tempo em que se achavam com dividas
avultadas das quais os credores exigiam pagamento. Dentro desta
situação angustiosa, aproveitavam-se as charqueadas e os frigoríficos
problema este que, ás vezes se apresentava sob a forma de um único
agenie: o frigorífico-charqueada. Nasuaopinião, opoderpúblico ou não
conhecia a situação ou não tinha coragem suficiente para encarar o
problema74. a necessidade mais urgente dos criadores, portanto, era a
venda do gado por um preço remunerador. Embora a charqueada e o
frigorífico enfrentavam dificuldades no período, a situação se apresen
tava mais grave para o criador. Na etapa anterior, de euforia durante a
guerra, o estancleiro fora levado a Investir na unidade de produção,
utilizando benfeitorias. Importando reprodutores.
Todavia, multo pouco tempo decorrera para que todos estes esfor
ços dessem os seus frutos e já a recessão do mercado mundial se
apresentava para os pecuaristas, que, além dos baixos preços, tinham
de enfrentar o problema do endividamento.
Frentela agudização da crise e as tomadas de conscientização do:
fatores que a mesma envolvia, como se posicionaram os pecuristas en
termos práticos?
Reabria-se, novamente, o problema da união da classe na defesa de
seus Interesses. A própria falência do projeto nacional contribuíra para
despertar novamente o espírito de cooperativismo e solidariedade entre
3S criadores. Uma forma difundida de visualização do fracasso era,
como já se viu neste capítulo, atribuir a falta de capital à debilidade da
união dos estancleiros. Carlos Corrêa, numa série de artigos do Correio
do Povo, Intitulados União das Ciasses rurais, procurava demonstrar que
a classe rural, embora a mais rica do Estado, não usufruía da posição
que lhe caberia, por direito, por não ter ainda consciência plena de seus
Interesses.
A crise em que se dabatia a pecuária estava levando os criadores a
questionar o próprio sistema e, no final do período, levaria aqueles
setores de oposição a catallzarem a crise econômico-financeira, fazen-
do-a evoluir para a crise política declarada.
O fato de a classe dominante não poder solucionar, por sl, os
problemas que a atormentavam se manifestava exasperante. Havia uma
tendência a transferir ao poder constituído a culpa pela não resolução da
REUNIÃO dos criadores ontem. Correio do Povo Porto Alegre. 2i fev 1922. p 3
210
crise. Parecia, ainda, inconcebível que o Governo não atendesse primor
dialmente a classe que mais contribuía para os cofres públicos e
procurasse desenvolver outros setores da economia.
... livre das injunções mesquinhas da poiitica partidária ... que seja capaz de reu
nir realmente todas as energias das nossas ciasses rurais, para a amparar responder a
todas as aspirações e as as necessidades da nossa pecuária ... '»
75cORREA. Carlos. Uniâo das classes rurais. Correio do Povo Porto Alegre, 1° nov. 1921 p. 3.
76CORREA, Carlos. União das classes rurais Correio do Povo,Porlo Alegre, 5 nov, 1921. p. 3.
211
encaminhamento ao problema sem recorrer às armas e sem a contesta
ção clara ao poder político Instaurado. Seria o que, se poderia dizer, uma
solução não política para o problema econômico. O Estado, compreen
dendo a Importância da medida e o seu alcance como saída conciliatória,
apressou-se em dar seu aval ao empreendimento da classe rural. Até
então, vigorava no Estado uma dualidade de Instituições de defesa dos
Interesses rurais, sem, contudo, solucionarem a contento o problema da
pecuária. Pensou-se, então, na possibilidade de fusão das duas numa
nova Federação Rural do Rio Grande do Sul.
Jacinto Gomes era um defensor, no Estado, da necessidade da
união das classes rurais em colaboração com a ação governamental.
Na nona exposição-feira de Bagè, em novembro de 1921, revelou
que o presidente do Estado lhe autorizara a declarar que
... se os produtores do Rio Grande orlarem um órgão central de defesa dos
nossos produtos ele será o representante do Governo federal no Estado, na organiza
ção pleiteada pela recente mensagem do presidente da República. E mais: que c
Governo do Estado iniciará a sua cooperação à ciasse, concedendo á nova sociedade
avultado auxilio anual para a importação de reprodutores, que considera uma das mais
palpitantes necessidades dos nossos criadores.77
212
das em outros murricípíos como Alegrete, Bagé, Cruz Alta, Santa Maria, Pelotas e Livra
mento, conforme diz um telegrama do "Correio do Povo" de ontem. Essa nova iniciativa
vai produzindo um grande entusiasmo entre os nossos estancieiros pelos seus resulta
dos materiais e também lhes vai despertando a confiança em uma vitória completa em
um bem futuro, contra a ambição desenfreada dos grandes intermediários, frigoríficos
e charqueadas. E disso não pode deixar de ser um sintoma bem claro o fato de alguns
charqueadores desistirem de matar para arrendar os seus estabelecimentos às coope
rativas de fazendeiros.78
Em vista dos preços porque vimos vender na França em primeira mão as nossas
carnes procedentes da "Casa Armour',' de Livramento, e do que ela pagou pelos gados
dos invernadores, ctiegamos nós também a idênticas conclusões ... E quem estuda
mais a fundo a questão, tiá de encontrar entre os métodos de comerciar dos
americanos de hoje ... uma perfeita analogia com as práticas dos povos superados dos
outros tempos em relação às suas colônias selvagens e desprotegidas e há de verificai
que tinha sobras de razão o Dr. Ruiz Drago quando acrescentou á astuciosa divisa Mon-
roe "A América é para osamericanos'áquelas justíssimas palavras "para os americanos
do norteí79
213
uma análise da situação, os fazendeiros solicitaram ao Governo da União
e do Estado e aos representantes de bancada gaúcha no Congresso o que
chamaram de medidas de salvação. ?'e:teavam os ruralistas a proibição
da entrada de gado de corte uruguaio e do charque platino no Brasil ou a
elevação do imposto de inriportação, até tornar impraticável a sua
entrada. Para impedir fraudes, solicitavam que o Governo se empenhas
se em conseguir que todo o charque gaúcho se escoasse por Rio Grande
e não Dor Montevidéu, pelo que deviam ser baixadas as tarifas da Viação
p0f|'0Q8l
Uma série de considerações aqui se impõem: em primeiro lugar, a
constatação de que os fazendeiros eram impotentes para coibir a ação
dos trusts estabelecidos no Estado. Frente a isso, voltaram-se para o
charque, tradicional destino do rebanho gaúcho.
Momentaneamente, o impulso de renovação da estrutura de pro
dução foi abandonado; falira o projeto nacional e o pecuarista, que muito
investira na criação, vira-se coberto de dívidas. Permanecera, como
único meio de aproveitamento da riqueza, a realidade saladeiril. Só que,
nesta atividade, o que se cogitava era uma legislação protecionista, uma
solução institucional a nível do mercado. A perspectiva era inteiramente
paternalista. Os criadores reivindicavam e o Governo devia conceder-lhe
o auxilio, desde cima.
Todavia, mesmo com a elevação das taxas alfandegárias ou mesmo
a proibição de entrada do charque platino no pais, ainda o produto
uruguaio encontrava uma forma de burlar a lei. Era o recurso das guias
falsas, forma pela qual se contrabandeava o produto platino para dentro
do território nacional.
Referia o Correio do Povo:
^^Ibidem.
214
da crise, que a situação de concorrência ao charque gaúcho, tanto
nacional quanto estrangeiro, bem como a preferência de escoamento
pelos portos platinos poderiam ser contornadas se os fretes da Viação
Férrea fossem acessíveis. Em outras palavras, mesmo com a redução
que o Governo pretendia fazer, segundo se comentava, esta era inade
quada à situação de crise. Alguns produtos, pela nova tabela que iria
circular, teriam descontos de atê 50%, sem que este fosse o caso do
charque. A distância entre Livramento e Rio Grande era maior do que a
distância entre Rivera e Montevidéu. Cabia, pois, compensar esta des
vantagem geográfica com uma vantagem econômica na redução dos
fretes
®^D'UTRA, Leo. Acrise da pecuária e os nossos fretes. Correio do Povo.Podo Alegre, 12 mar 1922 p 3
215
... é-me grato comunicar-vos que, para maior segurança, confiei ao deputado Joa
quim Luís Osório a incumbência de levar para o Rio o referido memorial, que ali será
entregue, solenemente, aos destinatários, por uma comissão de representantes da
nossa bancada, de cuja habitual operosidade e comprovado patriotismo podeis esperar
eficientes esforços no sentido da adoção das medidas e providências solicitadas.
Cumpre-me, de minha parte, afirmar-vos, também, que o Governo do Estado, com o
maior desvelo e grande interesse que o assunto lhe desperta, tudo fará em defesa da
indústria pecuária na grave crise que a assoberba.85
®^A SITUAÇAO da pecuária rio-grandense. Correio do Povo. Porto Alegre, 23 mar. 1922. p. 3.
216
Colocando o ponto de vista gaúcho, a questão agitou o Congresso,
pois a crise da pecuária afetava ainda outros Estados, como Minas
Gerais, Mato Grosso, Goiás e até São Paulo. Foi nomeada uma comis
são para tratar do assunto, formada peios representantes dos Estados
atingidos..
NaCâmara Federal, o deputado paulista Carios Garcia, ao anaiisar o
problema gaúcho, enfatizou dois pontos que considerou básicos: a
poiitica estadual de encampação do porto do Rio Grande e da Estrada de
Ferro Auxiliaire e o contrabando. Assumindo tais compromissos no
setor de transporte, o Estado retirou dos bancos o capitai que neles
depositava (saldos do tesouro), obrigando a estes estabelecimentos a
exigira imediata devolução do dinheiro que haviam concedido em em
préstimos aosfazendeiros, a fim depoder atender aopedido doGoverno.
Facetais eventos, os bancos locais ficariam sem condições de auxiliara
pecuária no transe dificii em que ela se achava. Por outro lado, a
encampação da Viação Férrea teve como conseqüência imediata o
aumento das tarifas para o gado transportado, de 5$000 para 20$000, o
que veio a repercutir em ônus para o criador.
Sem crédito, endividadoe tendo as tarifas aumentadas, a situação se
revelava péssima para o pecuarista gaúcho.Com relação ao contraban
do, afirmava o deputado:
... é sabidoem toda a parteque se mete maisgado nos frigoríficos do Rio Grande
que o produzido no Estado. E a razão é confiecida: é porque da Argentina se exporta,
clandestinamente, faz-se contrabando. Se é fato que esse gado entra comocontraban
doem concorrência com o gado do Estado, vejamos qual a situação doméstica do nos
so estancieiro. Háalio impostoterritorial que é pago ao Estado e hão imposto porcabe
ça de gado, que è cobrado pela Municipalidade. Ao passo que o gado que entra como
contrabando não faz nenhuma destas despesas, o gado do RioGrande está, pois, onera
do por uma concorrência desleal com o estrangeiro.88
Finalizava o deputado paulista pedindo o apoio para as necessida
des de crédito do criador e o atendimento ás medidas de emergência
para o escoamento da safra.
Para que se possa compreender esta condescendência do centro
em ouviras reclamações da periferia, a questão deve ser analisada à luz
da conjuntura nacional do momento.
Etri março de 1921, fora Implantada a terceira operação vaiorizadora
do café, momento em que esta política passou a ser feita em nível
nacional.
Segundo Boris Fausto,
217
... o Presidente da República passou a identificar os interesses da cafeicultura
com os interesses nacíonais.89
Não por acaso, as eleições presidenciais de março de 1922 marcaram peia primeira
e única vez em toda a história da República Velha uma divisão entre os dois maiores
Estados, apoiados por seus pequenos clientes de um lado e, de outro, um bloco de es
trelas de segunda grandeza, constituído pelo Rio Grande do Sui, Bahia, Pernambuco,
Estado do Rio, sob a liderança do primeiro. A campanha de reação Republicana não se
resumiu a este aspecto, pois é necessário considerar o significado das intervenções
dos militares na contenda política. Entretanto, do ponto de vista das classes dominan
tes regionais, o ponto central em disputa se definia em termos de opções da política
econômico-financeira. Quando Borges de Medeiros, em nome do rio Grande do Sul,
negou-se a apoiar a candidatura de Artur Bernardes, sua principal objeção era de que
paulistas e mineiros haviam imposto um nome destinado a favorecer as emissões e os
esquemas de sustentação do café.90
®®FAUSTO, Boris. Expansão do café política cafeeira. IN: org. OBrasil republicano \\\. São Paulo Dl-
FEL, 1975. p. 233. (Col. História Geral da Civilização Brasileira)
^Ibidem, p. 235-6.
218
Face a esse quadro, o Governo gaúcho aproveitou-se deste momen
to de cisão das oligarquias— Reação Republicana — para posicionar-se
contra a política do Governo federal.
Bernardes foi o candidato vitorioso, mas começava neste momento
a ser contestada a hegemonia e predominância do grupo cafeeiro no
poder.
Foi durante esta intensa agitação política e instituição da defesa
permanente do café em âmbito nacional que se processaram na Câmara
os debates sobre a proteção da pecuária.®^
Reciamava-se no Legislativo que outros produtos deveriam também
receber a proteção do Governo, tais como a borracha, o cacau, o
algodão, a pecuária.
Opinava o pensamento rio-grandense:
Se é justo que valorizemos o café, porque è a vida de São Paulo, do Rio de Janeiro
e de grande parte de Minas, Bahia, etc.; se è justo que valorizemos o açúcar, porque è a
vida de Pernambuco, da Bahia, do Rio de Janeiro; a borracha porque è a selva da Amazô
nia inteira, porque não havemos também de valorizar a nossa pecuária,que é a vida do
Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de Goiás, de Mato Grosso e de grande parte de
São Paulo, Paraná, Minas, Bahia, Rio, etc.?92
91
LOVE. Joseph. O regionalismo gaúcho. Sào Paulo. Perspectiva. 1975. p. 204-13.
92
CORRÊA. Carlos. Opreçodos gados na República Argentina e o nosso charque nacional.Correio do Povo. Porto
Alegre. 4 mar. 1922. p. 3.
219
do no Senado. O parlamentar gaúcho propunha, entre outros itens, a
elevação do imposto de Importação sobre o quilo do charque para 300
réis e o auxílio do Governo federal à pecuária nacional, mediante
operações a serem realizadas pelo Banco do Brasil, até o limite mínimo
de 50 mil contos.®^
Com o desenvolver das discussões parlamentares, em vez de discu
tir-se em separado o problema da pecuária, elaborando-se um projeto
especial para salvá-la da crise, passou-se a estudar as emendas propos
tas ao projeto de Sampaio Vidal sobre a defesa permanente do café. Com
isso, ganhavam importância as emendas propostas por Vespúcio de
Abreu, em especial aquelas referentes ao fornecimento do crédito pelo
Banco do Brasil. Frente a esta situação, duas alterações importantes se
deram: desviava-se o conteúdo das proposições dos criadores rio-gran-
denses (proteção para o charque e garantia do mercado interno), centra
lizando o debate em torno de concessão do crédito. Outra mudança foi
que as medidas de proteção ao café, com suas possíveis emendas,
assumiam papel de destaque, atrelando a si o caso da pecuária nacional,
que ficou em posição secundária.
A mudança de comportamento da bancada gaúcha no Congresso
passando a discutir a concessão do crédito e não a elevação das tarifas
sobre o charque platino, foi logo denunciada por Carlos Corrêa, no Rio
Grande do Sul:
Hà evidente engano de parte dos que pretendem prioridade para as medidas de or-
dem financeira sobre as de caráter econômico, e não nos arreceamos de repetir que, se
algumas delas a merecem, é fora de dúvida que devem ser as que tenderem a nos asse
gurar mercados para o nosso charque nacional ... Assim o entendeu a totalidade dos
criadores do nosso Estado e a maioria das nossas charqueadas nacionais, dando in
condicional apoio às medidas econômicas de emergência propostas pela comissão de
criadores ao Congresso Federal e ao chefe na nação
^^CORREA, Carlos. Acrise de nossa pecuária e a natureza das medidas queela reclama. Correio do Povo. Porto
Alegre, 31 mar. 1922. p. 3.
220
uma comissão para estudar o caso, pronunciou-se contra qualquer
elevação do imposto sobre o charqueestrangeiro96. Alegava defender os
interesses do consumidor nacional, queteria, com o aumento das tarifas
alfandegárias, uma elevação do seu custo de vida. Na realidade, a
oligarquia dominante, ao impor ao país uma política econômico-finan-
ceira que se destinava à salvação do café, causava sobre o restante da
população efeitos inflacionistas que agravavam a vida dos consumido
res urbanos. Se, contudo, as condições de subsistência do trabalhador
nacional fossem ainda mais prejudicadas, o nível de tensão social
aumentaria, comprometendo a estabilidade do sistema. Apresentando-
se, portanto, como defensora do nível de vida dos consumidores, a
oligarquiacafeeira, antes de tudo, defendia os seus próprios interesses.
Frente aos interesses do setor da economia voltado para a agroex-
portação, o Rio Grande do Sul aparecia como elemento subordinado ao
centro do país, com a sua economia predominantemente voltada para o
mercado interno.
Em vez de elevar o preço do charque, com o aumento do imposto
sobre o produto estrangeiro, a solução alvitrada foi limitar a importação
do similar platino à média de sua importação no último triênio.
Relatando as diligências da delegação rio-grandense no Congresso
Nacional, Borges de Medeiros referia, na mensagem presidencial de
1922:
Os primeiros esforços não iograram obter senão o pouco, infeiizmente, que ficou
na Lei n? 1.548, de 19 de junho de 1922, cujas providências, em relação à indústria pas
toril, consistem nas seguintes, aiém de outras secundárias:
221
juro que não excedesse 5% e na proporção máxima de 50% dos seus
títulos hipotecários aprovados pelo fiscal do Governo. As letras hipo
tecárias seriam oferecidas ao público desde que não excedessem
ao capitai realizado de cada banco.
O Banco do Brasil tornava-se, assim, um intermediário entre o
Governo e os criadores e ficava autorizado para operar até o limite
máximo de 50.000 contos, na concessão de crédito aos pecuaristas
necessitados.
Uma vez aprovadas, começaram as criticas, apontando a inação dos
ooderes públicos, federai e estadual e a própria falta de energia dos
fazendeiros.
98,CORRÊA, Carlos. A criseda nossa pecuária. Correio do Povo. Porto Alegre, 27 jun. 1922. p. 3.
^^Ibidem.
222
como região periférica, dependia sempre de condições de barganha para
fazer vaier seus interesses a nívei nacional.
Acusava-se, inclusive, a demora e o retardamento com que o
assunto fora debatidos encaminhado ao Congresso Federal, tempo este
que fora habilmente aproveitado pelos produtores platinos para abarro
tar o mercado brasileiro com um lote de charque cerca de cinco vezes o
estoque normal. Por outro lado, a demora na aprovação de medidas
reduzira a matança no Rio Grande do Sul aSOO.OOO reses, enquanto que o
desfrute normal seria de 700.000. Este fato, aliado à redução de 50% do
valor do gado, só dera incremento ao drama dos fazendeiros^®®
Outro ponto de crítica era quanto às medidas decretadas de que o
Governo central promoveria a redução das tarifas ferroviárias nas estra
das federais. Além de haver um certo ceticismo quanto ao cumprimento
destas promessas, a medida de nada adiantaria se no Rio Grande do Sul
não houvesse também redução das tarifas cobradas pela Viação Férrea.
Não se concebe que o Congresso, querendo virem auxilio de uma indústria, que se
acha em condições tão precárias por falta de dinheiro, lhe imponha um prazo máximo
de 5 anos com amortizações forçadas de 10% e mais o juro de cada semestre, o que,
para a pecuária, eqüivaleria a dizer, amortizações de 20% por ano e mais o juro de cada
vez. Essa indústria, dando só uma safra anual, só uma vez por ano os devedores teriam
recursos para as amortizações e juros.101
100
COR REA, Carlos. Acriseda pecuáriae as medidasvotadas peloCongresso. Correio do Povo Porto Alegre.
1922. p. 3.
^ CORREA, Carlos. Acrise da pecuária eas medidas votadas pelo Congresso. Correio do Povo. Porto Alegre, 14 jul
1922. p. 3.
223
possuía grande reserva de numerário, fruto de depósitos particuiares.
"'^CORRÊA, Carlos. As dificuldades financeiras dos nossos criadores. Correiodo Povo. Porto Alegre, 8jun. 1922. p.
3.
224
que se iam criando. Também entre os arrozeiros Borges tinha parte de
sua base social de controle político.
Os pecuaristas da oposição, no caso, exigiam do governo rio-gran-
dense, neste momento, um conteúdo de classe específico: o governo
deveria corresponder aos interesses dos pecuaristas exclusivamente, e
não realizar a poiitica de satisfação a vários segmentos sociais.
Optando peia preservação de sua própria estrutura de poder e com o
respaldo de setores econômicos em expansão, Borges recusou-se a
atender aos criadores.
"O remédio è dinheiro a juro suficientemente baixo e a prazo bastante ampio para
permitira restauração das forças combaiidas do devedor." E para vencermos esse grande
mai ... o dr. Assis Brasil apresenta como remédio heróico: ... "a instituição do crédito
hipotecário ou imobiliário que despertará para a torrente circulatória a formidável massa
de valores dormentes, representados pelos bens imóveis e seus acessórios". Esse insti
tuto de crédito será alimentado por uma grande emissão, que teria como lastro os bens
imóveis dados em garantia dos empréstimos. E aconselha esta solução com tanta con
vicção e tanta sinceridade que não vacila em declará-la.
... "o remédio que, para mim é o heróico, eque eu, salvo melhor juízo que me per
suadisse do contrário, não duvidaria de porem prática, se minha fosse a responsabilida
de da situação.""'0'^
'O^CORREA, Carlos Problrrnias da pecuária e o Dr Assis Brasil Correio do Povo 4. jul. 1922. p.3.
225
reunir na capital do Estado os representantes de todas as associações
rurais dos munucípios^^ . Lideravam a campanha as associações de
Driadores de Uruguaiana, São Gabriel, Pelotas e Livramento, além da
Federação Rural. Afirmando a necessidade de deliberar medidas urgen
tes para a salvação da pecuária, na defesa dos interesses de classe dos
criadores, escolheram os pecuaristas uma comissão para entender-se
com o presidente da nação, constituída pelos nomes de ildefonso Lo
pes, Assis Brasil e Carlos Corrêa.
Na ocasião, Assis Brasil usou da palavra, destacando o que ante
riormente já declarara à imprensa sobre a forma que considerava mais
apropriada para debelar a crise: emissão pelo Governo federal, multipli
cação das agências do Banco do Brasil nas zonas pastoris, fornecimento
de crédito mediante hipoteca dos campos de criação (valor máximo de
2/3 partes da terra), prazo longo (3, 6 e 9 anos) e juro módico.
Tendo, após, feito considerações sobre a sua vida, lembrou ter sido
o único deputado republicano verdadeiramente eleito no Estado. Afir
mou sua incompatibilidade com a situação pública, mas também seu
devotamento á causa republicana. Assis Brasil foi, então, ovacionado
pelos congressistas. Cd r. Alves Valença, falando a seguir, perguntou ao
auditório se ali não se encontraria o verdadeiro patriarca, obtendo pro
longados aplausos^^
Os criadores reunidos consideravam que havia a maior urgência de
ação, face aos desastrosos efeitos da safra e às más perspectivas para o
ano vindouro, uma vez que já começava a se espalhar uma campanha
baixista, iniciada pelo Frigorífico do Rio Grande, que declarara não ten-
cionar abater na próxima safra, a politica derrotista dos frigoríficos es
trangeiros logo foi seguida por um estabelecimento de Livramento (Ar-
mour, ao que tudo indica), que fez circular o boato de que o mercado
europeu se retraía. Justificava o fato dizendo que a Hoiahda deixaria de
comprar carne do Brasil. Apesar de a notícia ter sido desmentida pelo
Ministro da Fazenda, a presença do boato já influía sobre os preços,
ocasionando uma baixa^®^ •
Na sua volta para o Rio Grande do Sul, Assis Brasil relatava á im
prensa os resultados da comissão dos criadores junto á presidência da
República, falando na promessa do Governo federal em solucionar o
caso.
lOõcORREA, Carlos. Opróximo Cpngresso decriadores. Corceio do Povo. Porto Alegre, 23 jul 1922 P. 3.
106o CONGRESSO dos criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, i° ago. 1922. p. 6.
107acrise da pecuária - campanha baixista. Correio do Povo. Porto Alegre, 2 ago. 1922. p. 3.
226
Estado, onde se defrontaram como candidatos Assis Brasil, pela oposi-
?ão (Aliança Libertadora),e Borges de Medeiros pela situação, indicado
que fora pelo PRR para o seu quinto mandato. Aos episódios relaciona-
ios com o resultado das eleições, seguiu-se o levante armado, que se
jrolongaria pelo ano de 1923, até o entendimento finai de Pedras Altas,
em 24 de dezembro.
O conflito atingia aqui ao seu nivei político, oriundo, por um lado,
de uma crise econômico-financeira da pecuária gaúcha, e da marginali-
zação política do segmento de cPasse dominante não hegemônico.
Não é por acaso que a busca da queda do sistema político tinha se
conjugado com a mais aguda crise porque atravessara a pecuária gaú
cha. O conflito tinha uma base real de problemas econômicos não supe
rados pelo Governo.
Enquanto, no período de guerra com sua conseqüente euforia, os
criadores e o Governo se acharam empenhados na perspectiva de reno
vação da estrutura econômica pecuária (importação de reprodutores,
seleção, cruzamento, benfeitorias, frigorífico nacional), o fato da não
circulação do poder político no interior da classe dominante, com um
todo, estava algo obscurecido, porque o Governo se achava emperrhado
na realização dos interesses econômicos dos criadores.
Neste momento, as duas facções políticas lutavam pelo mesmos
objetivos de ciasse.
Quando, porém, se desfez a conjuntura ótima da guerra e teve início
a depressão dos anos 20, quando faliu o projeto do frigorífico nacional,
quando houve a queda do preço do gado e o recuo do crédito, quando
etornou, com vigor, a crise do charque e se tornaram angustiantes para
3 pecuarista as manobras dos frigoríficos estrangeiros, houve um pro
cesso de reversão de expectativas. Reapareceu, com uma violência re
dobrada, o problema político do segmento de classe dominante fora do
Doder. O Governo de Borges de Medeiros deixou de se legitimar pela efi
cácia, como é o próprio dos governos autoritários, e passou, aos olhos
dos opositores, a iegitimar-se apenas peia vioiência e pela fraude.
Em suma, havia a crise mundial e as manobras baixistas dos frigo
ríficos, havia o predomínio do centro cafeicuitor sobre o sul pecuaris
ta, mas havia, mais presente do que nunca, o fato de que, no Estado, o
joverno de Borges de Medeiros não soiucionava os problemas da pe
cuária. Revelaram-se, de maneira clara, os antagonismos; o pensamento
de grande parte da classe rural não condizia mais com o Governo. O
Governo não se dispunha a emitir, não concedia auxílios diretamente á
227
oecuária, o setor mais atingido do Estado; o Governo se dizia contra a
intervenção direta e os privilégios.
Contudo, a classe dominante no Estado se revelava incapaz de so
lucionar, por si, seus problemas econômicos. Vinculada a uma econo
mia em crise, subordinada aos interesses do centro do pais, subsidiária
da economia agroexportadora, carecia de recursos próprios para reagir
frente à crise econòmico-financeira. Nem mesmo quando solicitou ao
Governo central a execução de medidas econômicas de salvação teve os
seus interesses atendidos.
No plano estadual, a estratégia de desenvolvimento econômico do
Governo republicano se mostrava incapaz de dar solução aos problemas
da pecuária.
Do plano econômico, o conflito atingia a sua configuração política.
Desfizera-se a a//ançâ econômica que permitiraa realização da fase mais
fecunda do Governo de Borges de Medeiros, aquela que se desenvolvera
de 1913 a 1919.
Incapazes de dar uma saída econômica para a situação que os afeta
va, os ruralistas se encaminharam para a solução política, arregimen-
tando-se na ^(jooiçâo ao Governo gaúcho.
Subsistia, con>o real idade econômica do Estado, uma pecuária fali
da, uma charqueada obsoleta, um estado de permanente tensão a que os
frigoríficos estrangeiros submetiam a pecuária sulina.
Na real idade, a charqueada e a criação haviam se revelado incapazes
de uma acumulação passível de ser canalizada para a implantação de um
modo de produção tipicamente capitalista para a pecuária rio-granden-
se.
228
Segundo Leve, o movimento dos libertadores só teria prejudicadc
superficialmente a vida econômica do Estado^^ . Todavia, alguns dados
da época comprovam que a guerra civil de 1923 perturbou, em parte, £
Bconomia do Estado, naturalmente não no mesmo grau de intensidade
do conflito federalista de 1893-1895.
Rejubilando-se com o retorno à ordem, referia a Revista do Comér
cio e Indústria do Rio Grande do Sul, em dezembro de. 1923;
Reina novamente a paz no Rio Grande do Sul. Uma acentuada divergência em pontos
je vista políticos separou a família rio-grandense. A luta de princípios que os partidos
sustentavam na tribuna, na imprensa e nas urnas cedera lugar ao choque sangrento das
srmas ... Os rebanhos devastados; as propriedades destruídas; o comércio e as indús-
:rias sofrendo as fatais conseqüências dessa situação anormal; as forças vivas do Esta
do detidas na sua marcha vertiginosa de progresso ... 109
... com a revolução, a nossa indústria pastoril sofreu grande abalo, estando os fa-
jendeiros sem cavalos para assistirem, convenientemente, aos seus rebanhos.m
109a paz Revista do Comércio e Indústria do Rio Grandedo Sul. Porto Alegre (i M2);409, nov,-dez. 1923.
'^^A SITUAÇÀÜ da pecuária no grandense Correio do Povo. Porto Alegre, 2 abr. 1927. p. 8.
229
desse movimento de congraçamento das classes rurais do Rio Grande. A
Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul fora fundada
em 1909. Em 1912, formara-se a União dos Criadores, passando a existir
uma dualidade de instituições associativas dos pecuaristas gaúchos,
até que as duas se fundiram em 1921. Na direção de uma e outra entidade
destacava-se a figura do Cel. Alfredo Gonçalves Moreira, batalhando
sempre junto aos poderes públicos pelos interesses dos criadores do
Estado. A conjuntura revolucionária que atingira o Rio Grande e o fale
cimento do Cel. Alfredo Gonçalves Moreira e mais os prejuízos causados
pela crise da pecuária, criaram uma série de dificuldades para a manu
tenção dos trabalhos do órgão de classe.
Em dezembro de 1924, a Federação era obrigada a transferir ao
Governo do Estado algumas de suas tarefas, como se pode ver na
declaração publicada na revista "A Estância", por Danton Jacques de
Seixas,2° Secretário da "Federação":
Declaro, a quem Interessar possa, que, perdurando a crise das associações rurais
que começou com os primeiros pródomos da revoiução de 1922 e não podendo esta Fe
deração fazer face às despesas que itie acarretam a manutenção de sua sede e a conti
nuação do serviço de Registro geneaiógico, recorri, finaimente, ao benemérito Governo
do Estado que, patrioticamente, se prontificou a continuar aquele importante serviço e a
manterem seu poder tanto o acervo do Registro quanto o da "Federação Rurai", enquan
to não for removido o empeço acima notado.112
Apesar destes contratempos, os anos que se seguiram (1924 e 1925)
foram de lenta recuperação, em especial do setor avançado da industria
lização da carne no Estado, ou seja, o frigorífico. O reerguimnento da
indústria do frio suscitou um alento novo à pecuária gaúcha pela ativa
ção das compras de gado.
No plano internacional, os anos de 1924 1925 e 1926 assinalaram
um processo de intensa competição entre as companhias para con
quistar a supremacia do mercado. Adisputa acentuada favorecia os pro
dutores de gado, porque a competição levava os frigoríficos a elevarem
os prejuízos, remunerando bem os fazendeiros. Manifestava-se aqui a
intensa luta travada pelos dois grandes blocos de frigoríficos mundiais:
aqueles ligados ao Grupo de Chicago e o concorrente londrino, não
menos importante, dos Vestey Brothers. Quanto aos The Big Four, de
Chicago, haviam se transformado em três poderosos grupos, pois a
Morris fora absorvida pela Armour^^^-
Dominando o mercado mundial da carne, a competição entre os
frigoríficos,,denominada, no Prata, Guerra da Carne, bem demonstrava o
processo de declínio do imperialismo britânico e a ascensão das com
panhias norte-americanas.
''''2DECLARAÇÀ0. A Estância. Porto Alegre (b):222. dez i924.
230
Na Argentina, esta disputa assumiu contornos dramáticos, uma vez
que determinou a falência das pequenas companhias, como a English
and Dutch, River Plate, British and Continental e Sansinena, enquanto
que as gigantescas empresas frigoríficas controladas pela Swift, Armour
e Vestey, aos poucos, iam concentrando tudo em suas mãos^^^.
Tal processo ocorrido no Prata, refletindo uma disputa a nível mun
dial, manifestou-se também no Brasil, onde operavam subsidiárias dos
grandes trusts de carne frigorificada.
231
o ano de 1924 vai batendo ... o "record" das exportações de carne congelada no
quadriênlode1921 a 1924. Não se deve porém inferir que as remessas de carne congela
da tentiam sido ou estejam sendo em 1924 muito superiores às de 1923. Mesmo compa
rado com o do ano inicial do quadriênio a que nos referimos, istoé, com 1921, vê-se que o
excedente de exportação de carnes congeladas ... não chega sequer a atingir o volume
de 10.000 toneladas. Como se vê, não há correlação entre a tonelagem exportada a mais
de 1921 para cá e a ascensão vertiginosa dos preços das carnes, no mercado nacional.^ 1^
'^^SILVEIRA, Geraldino Indústria pastoiil Correio do Povo. Porto Alegre, 25 mai. 1025. p. 3.
i20pE|_os MUNICÍPIOS do Rio Grande do Sul. Revista do Comércio e Indústria do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre (17):170, maio 1024
LIVRO de Atas da Assembléia dos Acionistas (1010 1043 )Arquivo da Swift Armour S.A. Indústria e Comércio.
Santana do Livramento
232
garantida pela hipoteca de todos os bens imóveis da companhia^^^ • ^
ArmourAmerican Corporation fez um contrato com o banco, garantindo
uma emissão de 4.900.000 dólares em debêntures, as quais seriam en
dossadas pelos bens hipotecados, calculados no mesmo valor.
'22ata N" 3' Of9 (Jcv '925 Livro de Atas da Diretoria ('920 '943). Arquivo da Swift-Armour S.A, Indústria e
Comércio Santaiui do Liviomcnio
233
Com relação à exportação gaúcha de carnes em conserva, estas
seguiram uma curva descendente, apesar da retomada de atividade dos
frigoríficos^^® •
'25|bidem.
234
Apesar da expansão dos estabelecimentos saladeiris para esta zo
na, sobrava gado para ser vendido para outras regiões.Em especial,os
frigoríficos estrangeiros, estabelecidos em diferentes pontos do Es
tado, adquiriam muito gado gordo na serraP^ O gado serrano, assim
como as charqueadas da região, eram os mais sacrificados com as
despesas de transportes face à distância.
O embarque dos produtos dos saladeiros da serra era feito em
muito pequena escala, ficando os depósitos repletos e parte da
mercadoria tendo de permanecer exposta ao ar livre, sujeita à deteriori-
zação.
Por outro lado, é sabido que os produtos das charqueadas, uma vez negociados,
têm prazo certo para a respectiva entrega. Tal não sucedendo, os compradores opoem
uma série de razões que obrigam os vendedores a diferenças e, portanto, a prejuízos
sempre vultosos, porque vultosas são as transações."'28
^27(30MES, Aristides de Moraes. Fundação e evolução dasestâncias serranas. Cruz Alia. Gràf. Dal Forno. 1966. p.
220.
235
Observe-se que, enquanto houve um decréscimo de tonelagem (ca
so do ano de 1924), o valor da exportação se manteve em aumento
constante. As coisas assim encaradas dão uma impressão de prosperi
dade para a indústria do charque. Fazendo, porém, uma relação entre a
tonelagem e o valor, acha-se o seguinte cálculo para o preço médio do
quilo do charque nos mercados do norte
Ano Valordoquilo
1921 Rèís1S200
1922 Réis 1 $043
1923 Réis 938
1924 Réis 1 $408
1925 Réis 1 $596
Para perceber, agora, a origem do mal que fere a nossa exportação de charque, basta
olhar para o quadro dos países de destino. Esse quadro assim se resume:
236
Permanecia, portanto, o problema do envio do charque gaúcho pe
los portos estrangeiros, questão que seria depois muito debatida.
A indústria do charque seria ainda atribulada com os problemas
relativos ao seu custo de produção. Quanto à valorização do gado, nada
podia fazer, como se viu, senão acompanhar os preços estipulados pelos
frigoríficos estrangeiros. Já quanto a outros fatores que incidiam sobre
o preço do produto, ficava a depender dos favores concedidos pelo
Governo central. È, por exemplo, o caso especifico do imposto sobre o
sal estrangeiro — de Cádiz - consumido pelas charqueadas e conside
rado demasiado alto, comparado com a situação platina, onde os sala-
deiros gozavam de isenção de impostos. Como cabia à União taxar os
impostos de importação, ficava o charqueador na dependência de um
processo de barganha que pudesse se estabelecer entre o Governo cen
tral e a bancada gaúcha no Congresso. Em 1924, a União baixou o decre
to que estabeleceu a diminuição do imposto sobre o sal estrangeiro^22 ,
Este era considerado pelos charqueadores gaúchos o único possivel de
ser usado, julgando o produto similiar nacional de péssima qualidade.
O centro, contudo, pensava, antes de mais nada, em resolver seus
problemas. Face à escassez de carne no Rio de Janeiro, cogitava-se de
isentar de direitos o charque importado. Ante esta perspectiva, os char
queadores de Bagèede Pelotas, através do deputado gaúcho Maciel Jr.,
levaram ao Ministro da Fazenda o pedido de sustar o imposto de impor
tação do gado platino, como forma de compensar o prejuízo que os
saladeiristas rio-grandenses tinham com a livre entrada do charque es
trangeiro. Consideravam os charqueadores seresta a única medida que
pode salvar ainda a indústria do charque do profundo desastre no próxi
mo ano^^^-
O problema, contudo, não teria solução para os rio-grandenses,
pois a chamada lei de emergência para minorar a carestia da vida, face à
grande inflação, concedeu isenção, pelo prazo de60 dias, de importação
dos gêneros de primeira necessidade. Comentava Flores da Cunha que s
medida do Governo, embora parecesse inspirada em patriotismo, nãc
conseguiria estabilizar o preço do produto, mas sim agravar as condi
ções de um ramo da indústria nacionaM34.
'32aSS1S Ji ÜS.11 (• .1 incJúsinn do cluirciuu Correio do Povo Poiio Alegie, 26 nov. '924. o 3
237
De um modo geral, contudo, os anos de 1923 a 1925 seriam de
relativa reabilitação e desafogo para a economia sulina. O ano de 1926,
contudo, viu desabar sobre a pecuária gaúcha mais uma grave crise,
atingindo a indústria frigorífica, que entrou em colapso, a charqueada e,
por extensão, os criadores rio-grandenses.
35dIRETORIA GER.M do tesouro. Dados sobre produção e exportação de charque e carnes congeladas em
^928, Porto Alegre. 12 sei 1929 Arquivo Hisiórico do Estado do Rio Grande do Sul.
238
Em 1927, terminaria para o Prata o conflito entre os dois grandes
grupos, firmando-se, em outubro, a Conferência dos Fretes. Ficou deci
dido, pelo acordo, que os norte-americanos disporiam de 54,9% das
exportações das carnes frigorificadas, os britânicos de 35,1 % e os ar
gentinos de 10%'^' •
No Rio Grande do Sul, a crise dos frigoríficos fez com que, em 1926,
as empresas paralisassem as suas atividades, com exceção da Armour,
de Livramento. Comparando os abates da Armour deste ano com os do
quadriênio, pode-se ver a grande diminuição^^® •
Anos Abate
1923 13.195
1924 23.175
1925 34.328
1926 6.993
^37ibi(jem.
"•^SdADOS deabate debovinos de 1917 a 1074 e deovinos de1023 a 1074 Arquivo Swift-Armour S.A. Indústria e
Comércio. Santana do Livramento.
139MEfv;SA(3f oresidencial de 1027 p 72
^'^Olbidem.
239
A matança de 1926. em conseqüência, nivelou-se à de 1919 e de 1920. que eram até
então as mínimas conhecidas dos dois últimos decênios. Segundo o quadro estatístico
relativo aos anos de 1907 a 1926. o número de bovinos abatidos para consumo e indús
tria tem oscilado entre as percentagens extremas de 16,1, em 1907, e 9,3, em 1919. A per
percentagem de 1926 corresponde a 9,4.'í4"*
...a crise do charque agravou-se multo mais, pelo excesso de uma produção que
nao encontrou, nos mercados, o consumo necessário para esgotá-la. Ante este superá
vit da última safra, oô charqueadores lançaram mãos de um alvitre de conseqüências
muito sérias, tanto para a sua classe como para a classe dos fazendeiros: transferir o
inicio da safra atuai de janeiro para março. O enunciado simples dessa medida, por si
mesmo, demonstra as largas responsabilidades assumidas pelos charqueadores. Entre
elas avulta, preponderante e impositivamente, a grande massa de créditos que tal provi
dência exigiria para ter um curso normal e apresentar um resultado positivo. Antes de
tudo, o adiantamento da safra correspondente a uma transferência para mais tarde, dos
recebimentos. Todavia, os compromissos assumidos no decorrer do ano para a manu
tenção das charqueadas só para umou outro industrial se protelarãocom a mesma faci
lidade ... A situação dos invernadores revela-se ainda mais grave do que a dos char
queadores. Apenas decorrido o tempo de engorde dos gados, o interesse todo dos fa
zendeiros é ultimar a liquidação das suas tropas, cujo sustento, durante o inverno, já re
presentaumagrandedespesa. Osdois ou três mesesa maisqueas tropas passarão nas
invernadas vão, necessariamente, encarecer o preço do gado e portanto do próprio
charque.1^2
^''^Ibidem.
^42o CONGRFSSO dos charqueadoros Correio do Povo Pnrio Alegre 10 fev 1926 p 2
240
Portanto, antes mesmo que o congresso começasse a discutir seus
problemas, sua preliminar começava a preocupar os representantes das
demais frações de classe dos pecuaristas: criadores e invernadores.
Temiam os produtores do gado a formação de um trust, como se pode ver
nas entrevistas concedidas por criadores, tal como a de Batista Luzardo
ao Correio do Povo, em 11 de fevereiro de 1926.^^ Também alguns
artigos começaram a ser escritos, demonstrando os interesses divergen
tes e os temores, como aquele publicado no Diário do Comércio, em 28
de janeiro de 1926, com o título Reunião de charqueadores: a postos,
fazendeiros.^^
^^^Ibidem.
241
piciando, com isso, a comunhão da classe a fim de que esta pudesse ter
DS meios de solucionar seus problemas.^''®
Foi louvado pelo deputado Simões Lopes o fato do congresso reunir
charqueadores sem distinções poiiticas, unicamente em defesa da cias-
gg 147 Tal como anteriormente foi referido com relação à extinta União
dós Criadores, a agremiação reunia elementos da fração de classe do
minante de ambas as facções políticas do Estado, uma vez que estavam
sendo tratados assuntos pertinentes à defesa dos seus interesses de
classe. Embora houvesse, dentro da mesma classe, grupos com orienta
ção política diversa, os interesses econômicos, decorrentes da sua in
serção dentro do modo de produção, eram os mesmos.
No período anterior (1920-1923), em que a crise econômico-finan-
ceira catalisara as frustrações para uma solução de caráter político - a
derrubada do Governo e a conseqüente mudança de orientação quanto
ao problema pecuário - a tensão existente entre criadores e charqueado
res fora esmorecida.
O conflito de ambas as frações de ciasse com os frigoríficos tam
bém não pôde levar a nada pela constatação que, frente ao poder das
smpresasestiangeiras, pouco podiam os pecuaristas gaúchos. Quanto ás
tensões no interior da classe dominante que diziam respeito ás frações
de classe, foram obscurecidas no momento em que o conflito entre as
facções políticas em que se dividiam os pecuaristas assumiu o primeiro
plano. Realizando-se, assim, a transposição da crise econômica para a
crise política, a disputa fundamental foi canalizada para a divisão parti
dária da classe dominante estadual, e não para a divergência existente
quanto á ocupação econômica.
242
Neste sentido, a renovação da crise, com o conseqüente ressurgi
mento do espírito associativo, também serviu tanto para conscientizar
os grupos na defesa dos seus interesses quanto para reavivar as diver
gências existentes entre ambos.
Reaiizados os trabalhos do congresso de charqueadores em Bagè,
foram aprovadas as seguintes noções: o emprego de balança e a adoção
de um tipo único de contrato para as compras de gado; o esforço para a
produção de um tipo de charque - o charque gordo; o reconhecimento de
um Escritório Centrai como representante dos interesses dos charquea
dores. Além destas noções, o congresso solicitava ao presidente do
Estado para que tornasse efetiva a preferência que o charque deveria
gozar nos transportes pela Viação Férrea, de maneira a tudo se processar
dentro da maior regularidade, igualmente, deixava expressa uma nota de
louvor ao presidente do pais, Arthur Bernardes, e a Borges de Medeiros
pela maneira pafr/óf/ca pe/a quai tem encarado e resoivido as questões
referentes à indústria saiadeiril Com reiação a Bernardes, este havia
dado, em seu governo, vantagens temporárias para o charque gaúcho no
mercado interno brasileiroi^s . Com relação a Borges, a referência era
feita aos estudos que este estava fazendo quanto aos serviços de trans
portes no Estado^®®.
o congresso dos charqueadores do RioGrandedo Sul emite voto para que os criado
res do Estadotomema iniciativa da criaçãode umgrandefrigorífico nacionaldestinado a
descongestionar o excesso de produção da nossa indústria pecuária.'"
243
Pronunciando-se a respeito desta proposição dos charqueadores,
Camilo Mèrcio Xavier, em entrevista concedida à imprensa, conside
rou-a destituída de senso prático, uma vez que o Rio Grande não se
ressentia de falta de frigoríficos. Pelo contrário, os estabelecimentos
existentes no estado operavam até com capacidade ociosa:
Basta referir que o "Frigorífico do Rio Grande", onde foram empregados cerca de
40.000:O00SO00 contos, tem capacidade para abater 200.000 reses por ano e, no entanto,
não sacrifica mais de 70.000, devido às dificuldades de transportes ferroviários. Não è
pois a falta de frigoríficos que determina o congestionamento da produção bovina, mas
sim a crise dos meios para condução.152
Os criadores têm até hoje dispersado as suas energias, em vez de coordená-ias para
incentivar o desenvolvimento duma das maiores indústrias do pais. Ê uma necessidade
os fazendeiros apresentarem uma frente única.153
^53|bidem
244
Prosseguindo no seu movimento de união em proi dos interesses
comuns, em agosto de 1926 foi instalada, em Porto Alegre &Associa
ção dos Criadores do Rio Grande do Sui, tendo por fim o progresso da
pecuária e a defesa permanente dos interesses dos criadores, para o que
procurava estudar e estimuiara solução dos problemas inerentes à evo
lução da indústria pastorii^^-
Tendo por presidente o criador Ricardo Machado, uma das suas
primeiras preocupações foi empreender uma campanha de combate à
epizootia da raiva, que se constituía numa séria ameaça ao rebanho
gaúcho.
154asSOCIAÇÃO dos Cnadoies do Rio Giande do Sul eslatuios A Estância. PortoAlegre I3);387, out. 1926
155a crise econômico linanceirn Correiodc Povo Porto Aleqio, 1° set, 1927 p 3
24R
A crise atual da pecuária nacional e mais especialmente da rio-grandense ... tem
sua razão máxima na elevação rápida da taxa cambial que desvalorizam o boi, que è ouro
em prazo perturbadoramente curto ... há uma queda de quase 50% nos preços de oferta
para o gado invernado e gordo (...) 157
Êde prudente necessidade da classe este estabelecimento, para desafogo dos seus
embaraços, pois, mujtas vezes, os senhores criadores e invernadores, a fim de obterem
pequenos créditos, dão em garantia os seus semoventes, os quais, apesar de serem mer
cadorias de lei, mais do que qualquer outra, são recusados, pondo-se em dúvida esta
garantia, oferecida, vezes várias, para a abertura de um crédito muito inferior à terça parte
do seu valor real, porque não são mercadorias armazenáveis, nem bens de raiz que se
possam hipotecar e que nem todos os criadores e invernadores têm a sorte de possuir...
Fácil lhes é, muitas vezes, a obtenção de numerário por meio de desconto em notas pro
missórias, avalizadas a curtos prazos e em antagonismo com as condições de seu co
mércio, oqueos coloca, na época do respectivo vencimento, em situações embaraçosas,
forçando-os a sacrificar os seus produtos, para que a honra não lhes seja comprometi
da.* 58
^^'^ASSOCIACAO dos Criadores do Rio Grande do Sul Correio do Povo. Porto Alegre. 26 fev 1926. p. 10.
^^LEITE, Gedeon. Associação dos Criadores do Rio Gictnde do Sul AEstância. PoitoAlegre (4)115 7, nov. 1026.
^^®A SITUAÇÃO atual dos criadores no grandenses Correio do Povo. Porto Alegre. M abri. 1027. p. 12.
246
o outro grande problema que agitou multo as opiniões da época foi
o do contrabando de gado e de charque.
O contrabando de gado, em especial, relacionava-se com o probie-
ma do imposto cobrado sobre a importação do gado de corte.
A este respeito, pronunciava-se a Assoc/ação Rural ^ de Bagé, atra
vés de seu presidente, o Coronel Feliciano Gonçalves Vieira:
A diretoria da "Associação Rurai" está convencida de que a atuai crise nada mais è
do que o reflexo do contrabando, pois, é sabido que a oferta de gado, no Rio Grande, tem
sido, nestes últimos anos, sempre superior à procura, e que, apesar disso, entram clan
destinamente, só no território rio-grandense, mais de duzentas mil cabeças, por ano. Se
acrescentarmos a essa impressionante cifra, mais quatrocentos mil animais que entram,
jà manufaturados, nos nossos portos, pelos vergonhosos processos das célebres guias,
não podemos deixar, então, de compreender a situação de abandono, aflitiva e desespe-
radora da nossa principal indústria."'60
160a situação atual doscriadores rio-grandenses. Correio do Povo. Porlo Alegre, 25mar. 1927. p. 1.
247
Embora protestos indignados se elevassem contra o chamado
vergonhoso contrabando do gado em pé, havia um certo ceticismo
quanto às possibilidades de combatê-lo, como se pode ver nas
palavras de Simões Lopes, ex-ministro da Agricultura:
Quem è que vai fazer a fiscalização? São homens que percebem no máximo de 100$ a
200S000 mensais. São esses os verdadeiros agentes do contrabando, os que, segundo se
diz, mais facilitam a passagem de qualquer tropa. Um fato é que o contrabando de gado
sempre existiu, existe e existirá. Ainda há anos, quando se criou um imposto proibitivo
... ainda asim foram as autoridades obrigadas a afrouxar as disposições fiscais, tai a
circunetânciae tal os interesses da gente interessada que nada houve para que se impe
disse a continuação do contrabando. Hoje, incontestaveimente, cerca de 200 mil reses
entram pela fronteira sem que o Tesouro Federal recolha um vintém. Não são os criado
res que tiram proveito desta situação, mas os contrabandistas, aqueies que nada fazem
peia pecuária. Quer dizer que o elevado imposto è apenas ilusório, não existiu e não exis
te, sendo dificílimo de ser executado.161
^61 reunião de ontem da Associaçãodos Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 4 abr. 1927. p. 5.
situação atual dos criadores rio-grandenses. Correio do Povo. Porto Alegre, 22 mar. 1927. p. 8.
248
Como forma de surpreender a manobra clandestina, o secretário da
Associação Rural de Alegrete, Sr. Basileu Medeiros, aconselhava:
situação atuai dos criadores río-grandenses. Correio do Povo. Porto Alegre, 5 abr. 1927. p. 5.
249
o pensamento do Governo federal vinculava-se à idéia da
necessidade de repovoamento dos campos, o que, evidentemente,
poderia, com justiça, se aplicar ao caso paulista, mas não ao
gaúcho^®'* •
No que tange ao problema dos transportes no Rio Grande do Sul,
este continuava a ser a meta prioritária do Governo.
Em 1927, o Governo do Estado fez um empréstimo externo, no
valor de 10 milhões de dólares, com os banqueiros Ladenburg,
Thalmann & Cia., de New York, dinheiro este que seria aplicado no
resgate da dívida flutuante, em despesas com a Viação Férrea, no
alargamento e aprofundamento dos canais interiores e noutros
trabalhos hidráulicos, sendo o restante, se possível, aplicado nas obras
do cais de Porto Alegre^®®-
Desdea encampação da Cie. Auxiliaire que o Estado não conseguira
realizar a tão propalada diminuição do custeio dos transportes
ferroviários. Manteraestradadeferrofuncionandoexigiamuitocapitaleo
Governo tanto era obrigado a recorrer a empréstimos externos quanto a
elevar as tarifas. Agravara, com isso, o problemadecirculação no Estadoe
ajudavaafortaleceratendênciadoescoamento dos produtos gaúchos por
Montevidéu, melhor servido de vias férreas. Na medida em que isto
ocorria, incrementava-se o negócio rendoso das Guias falsas.
A alternativa do embarque pelo porto do Rio Grande implicava, por
seu lado, não somente na eficiência do sistema de transporte ferroviário,
mas no melhoramento dos próprios serviços do porto.
Segundo a mensagem presidencial de 1927, a partir do momento em
que o porto passou a funcionar sob a administração do Governo do
Estado, inverteu-se a corrente de exportação dos produtos rio-granden-
ses.
165ac0RD0 feito pelo Estado do Rio grande do Sul com Ladenburg.jhalmann &Cia 13 jan. 1927. Secretaria da
Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul.
166|viENSAGEM presidencial de 1927. o 54.
250
Apesar destas declarações otimistas de Borges de Medeiros, a
própria persistência do contrabando e a superioridade do sistema de
circulação uruguaio faziam com que ainda boa parte da produção
buscasse os canais de escoamento piatinos.
251
o Estado está pacificado. Esse movimento associativo de defesa da classe rural terá
aindao grandeefeitode aproximar os homens, fazendo-os esquecer ressentimentos.169
252
Roma não se fez num dia. Não façam tantas revoluções que o Estado executará mais
depressa as obras necessárias ao seu progresso.**7"*
Sois os genuínos representantes de uma classe que, além de sera mais numerosas e
a possuidora da maior riqueza territorial e mobiliária, è ainda a tierdeira da tradição cava-
Ihielresca da fama heróica e altiva da terra do Rio Grande do Sul ... Sois os mais aptos
para assentar e escolher os meios que possam defender, proteger e estimular o capital
pecuário e Indicar a resistência de vossa atividade ás vicissitudes do atual momento. O
mal que vos oprime não é um fenômeno Isolado. È o aspecto geral da crise que se vem
fazendo sentir desde 1922 ... O que determinou esta fatalidade econômica? Foi sem
ANAIS da Assembléia de representantes do Estado do Rio Grande do Sul 63° Sessão. 11 dez 1925
Porto Alegre, A Federação, 1926, p 548 53
ATUAL situação dos criadores no-grandenses. Correio do Povo. Porto Alegre. 24 maio 1927. p. 2.
253
dúvida, a reação das nações do Velho Continente, que, tendo conseguido normalizar a
sua situação, não mais necessitaram importar artigos de consumo que lhes absorviam
quantias fabulosas, como se dera durante os anos de guerra e, após, enquanto entraram
em plena obra de sua reconstituição. A situação européia consolidou-se, a moeda esta-
bilizou-se e valorizou-se neste e naquele pais, as indústrias voltaram à atividade anterior,
os rebanhos foram recontituidos e a produção desenvolveu-se. Fechadas e limitadas, as
entradas em vários países europeus, era natual que as exportações sul-americanas tives
sem de reduzirasuaproduç ao, à quantidade mínima ou a vender seus produtos a preços
aviltados, o que determinou o colapso da indústria, que se refletiu imediatamente em to
dos os valores pecuários. Assim como essa indústria (frigorífica) havia, anteriormente,
atingido ou se mantido sempre à altura dos negócios, alcançando altas cotações os pro
dutos pecuários, também a sua queda, agora, em sentido contrário, foi vertiginosa.^í 73
254
Associal-vos! Organizai a defesa de vossa indústria. Sós e isolados naturalmente
continuareis a ser fracos e impotentes, mas organizados e unidos pela solidariedade e
cooperação sereis uma força invencível.175
^^^Ibidem
'^^CONGRESSO de Criadores Correio do Povo. Porto Alegre, 24 maio 1927. p. 8.
255
Parafiscalizaraexpedição de guias, seriam indicados representantes da
Federação Rural junto às repartições públicas, charqueadas e
frigoríficos. Nas guias, deveria, obrigatoriamente, constar o tipo de
charque a que elas se referiam.
Deveria haver redução nos fretes dos navios do LIoyd, desde Rio
Grande até Cuba, de modo que este não ficasse maior que o frete de
Montevidéu até a referida ilha.
256
representação e aetesa aa ciasse rural, bem como o técnico consultivo
dos Governos do Estado e federal. Tinha como finalidades
... estimular e promover a articulação dos elementos da classe rural, com o fim de
organizar, pela associação, uma força moral e materialmente capaz de realizar as justas
aspirações do Rio Grande rural, defendendo integralmente seus direitos e interesses;
unir e solidarizar a classe sob a forma de associações rurais e de cooperativas; congregar
as "Associações Rurais do Estado", sob o patrocínio esclusivo da entidade máxima,
mantendo entre elas a mais perfeita coesão e cooperação, visando náo somente a defesa
da classe, como também, o estudo de todos os problemas que, em particular, interessa
rem a cada uma das zonas agropastoris do Rio Grande do Sul, em harmonia com aqueles
que se relacionarem com a comunhão «-ural do Estado; promovera realização de congres
sos ou reuniões gerais, regionais e locais, para o estudo de questões e problemas que
interessem à classe, no sentido de sugerir ã administração pública as soluções adequa
das; empenhar-se pela completa efetivação de todos os objetivos colimados pela classe
e pelo Rio Grande rural; organizar um centro de informações a respeito das atividades pe
cuárias do Estado; dirimir e resolver as questões que se suscitarem entre as "Associa
ções Rurais"; cooperar para a efetivação ... dos planos econômicos indicados pela
"Confederação Rural Brasileira".''78
Ainda não se sabe quais as resoluções tomadas pelo "Congresso dos Criadores",
reunidos em Porto Alegre, quanto às providências relativas à combinação do contraban
do nas fronteiras do Rio Grande do Sul, cinicamente praticado às barbas do fisco, com
grandes prejuízos para os criadores e não pequeno desvio das rendas federais. Mas qual
"•^^fedERACÂO das associações rurais do rio grande do sul. Estatutos. Porto Alegre, Kannen.
1927.
257
o elemento preponderante que para tal concorre, ativando o comércio ilicito?Não fora o
amparo que o borgismo dispensa aos contrabandistas profissionais em cujo seio conta
um desenvolvido número do núcleo eleitoral e,certamente, o contrabando nao assumiria
as proporções escandalosas que têm atingido. Porque a verdade è que as mais altas au
toridades da Fazenda, no Rio Grande do Sul, são as primeiras a se acomodarem na maior
inatividade em matéria de repressão fiscal, certas de que qualquer iniciativa ou providên
cia repressiva seria aniquilada com a intervenção da política do ditador
rio-grandense.l^Q
179c0NGRESS0 dos Criadores do Rio Grande do Sul Correio do Povo. Porto Alegre, 26 iun. 1927.0.9.
ISOpara defesa de tal ponto de vista, consultem se;
A BANCADA rio-grandense e os criadores. Correio do Povo. Porto Alegre. 23 jun. 1927. p.3.
ECOS do Congresso dos Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 28 jun. 1927. p. 2.
ECOS do Congresso dos Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 26 jun. 1927. p. 1.
A DEFESA da pecuária rio-grandense Correio do Povo. Porto Alegre, 1° jul. 1927. p. 3.
A DEFESA da pecuária rio-grandense. Corrio do Povo. Porto Alegre, 2 jul. 1927. p. 2.
258
fronteira sulina. Antes, porém, de agir neste sentido, Getúiio Vargas de
signou o Dr. José Rezende e Siiva para vir comissionado ao Rio Grande
averiguar o problema do contrabando.
Em setembro, chegavaaoSui o representante de Getúiio Vargas para
estudar, in loco, as condições em que se dava o comércio iiícito e ver as
possibilidades de solucioná-lo.
Expondooresultadodesuaspesquisassobreo contrabando de gado
e charque, manifestou-se o enviado do ministro da Fazenda contrário á
exigência das guias, as quais só prejudicavam a expansão do comércio.
Referia a imprensa:
'82represSÃO ao contrabando de gado e charque Correio do Povo. Porro Alegre, 28set. 1927. p. 1.
259
Enquanto que as soluções quanto ao contrabando concentravam-se
nas conclusões do Dr.Rezende e Silva e às expectativas do problema do
crédito pendiam-se aos projetos do governo de Getúlio Vargas, a questão
das indenizações devidas aos criadores pelos prejuízos causados pela re
volução não tinha nenhuma solução do presidente da República.
... jà nos últimos dias da sessão legislativa ... surgiu no seio da Câmara dos Depu
tados uma emenda à cauda do orçamento autorizando o poder executivo a despender
48:000 contos com a construção dos ramais férreos federais neste Estado.'•"5
^85r£jroSPECTO comercialdo ano de 1927: a crise pasforil. Correiodo Povo. Porto Alegre, 1?jan. 1928. p. 15.
260
Quanto à anàl ise que ambas as frações de classe faziam dos seus pro
blemas, tendiam elas muito mais porquestões referentes a crédito, trans
portes e mercado do q ue a propostas de renovação da estrutura produtora.
Quanto à oposição dos pecuaristas aos frigoríficos, esta foi arrefecida,
pela impossibilidadede fazerem algo contra as grandes empresas estran
geiras. Enfim, caracterizava-seo quadro de umaclassedetentorado prin
cipal meio de produção, mas despossuída dos requisitos de capital de gi-
roqueodesenvolvimentocapitalistadeeconomiaexigia naquele momen
to.
Durante mais de dois meses andou no interior do Rio Grande o Dr. Rezende e Siiva,
coihendo impressões e recebendo aivitres. Depois de se julgar suficientemente apare
lhado, aquele funcionário regressou ao Rio, declarando à imprensa que ia disposto a
apresentar um relatório cheio de sugestões que, bem aproveitadas pelo Governo, pode
riam minorar a situação dos criadores, com excelentes resultados ... todos ficaram
aguardando o pronunciamento do Governo Federai, mas debalde, porque, até hoje, nada
mais surgiu lá no Rio com referência à iniciativa dos criadores.'86
186a repressão docontrabando do gado e dochaique. Correio do Povo. Porto Alegre, 18 fev. 1928. p. 12.
261
Realmente, salvo auxílio militar na forma de um pelotão da cavalaria
da Brigada, apedido de um delegado fiscal que pretendia, por sua própria
conta, reprimirocontrabandonafronteira, nada mais fora feito. Na verda
de, o serviço de repressão aumentara, mas mais por iniciativas de agentes
isolados do que por ação dos poderes públicos federais, tal como fora so
licitado. O contrabando de gado continuava a ser feito, uma vez que os
animais platinos, de superior raçae alimentados com melhores pasta
gens, tinham preferência pelas charqueadas da fronteira.
Enquanto que havia como que um comum acordo entre os
pecuaristas sobre os malefícios do contrabando do charque, quanto ao
problema do gado de corte as opiniões variavam. Uns consideravam que
se deveria proibirasuaentrada, em defesado rebanho gaúcho, enquanto
queoutros pugnavam pelo livre intercâmbiodegadocom o Uruguai. Otipo
de argumentação usada neste segundo caso defendia não só a perspec
tiva de obter a melhor matéria-prima para a charqueada local, como
também adeque o Rio Grande do Sul, com frigoríficos esaladeiros, tinha
uma boa capacidade de abate, que permitia o consumo do gado platino e
gaúcho. Por outro lado, a entrada de gado de superior qualidade atuaria
como um estímulo àrenovação e aprimoramento do rebanho local. Dentro
de uma visão identificada com a charqueada, o pedido da FARSUL de
proibiro livre intercâmbio de gado significaria o próprio aniquilamento da
indústria saladeiriM®^.
Frente, portanto, a problemas não solucionados para a pecuária
gaúcha, a FARSUL programou o Segundo Congresso de Criadores para
ser realizado em 28 de março de 1928, em Porto Alegre. Guardando uma
certa decepção do Governo da União e do Estado, quanto às soluções da
das às reivindicações do congresso de 1927, todas as expectativas
voltavam-se agora parao novo presidentedo Estado, que sedizia disposto
a atender às solicitações dos criadores.
Na abertura do congresso, o discurso de Vargas foi de molde a fazer
crescer as esperanças dos estancieiros:
O "Congresso dos Criadores" que ora se realiza, por iniciativa da "Federação das As
sociações Rurais", não pode deixar de merecer o mais franco e decidido apoio do Gover
no do Estado. São os representantes de uma classe cuja vida, no desdobramento de sua
atuação moral e material através dos tempos, constitui um dos fatores preponderantes
na formação social do Rio Grande do Sul e reflete os traços característicos do gênio de
seu povo ... As novas exigências da civilização ... quase não permitem que os grandes
empreendimentos sejam realizados pelo só esforço individual. Dai a necessidade da
forma associativa que tomam estas empresas e da tendência generalizada para o reagru-
pamento social organizado pela categoria de classes, conforme a profissão ou atividade
^S^RIET, D.M. Segundo Congresso de Criadores. Correiodo Povo. Porio Alegre, n abr. 1928. p. 3.
262
econômica de cada um para que melhor se compreendam o orientem os fenômenos cole
tivos. Odesenvolvimento do espirito associativo é uma das causas mais importantes do
progresso econômico. Ao Estado cabe estimular o surgimento dessa mentalidade asso
ciativa, valorizá-la com a sua autoridade, suprir-lhe as deficiências, exercendoum certo
"controle" para evitar os excessos ... Cabe aos governos o dever elementar, como auxi
lioà cooperação das classes produtoras, de lhes facilitartambém os meios de transporte
paraativara circulação da riqueza móvel. Como remate lógico dessa euritmiade movi
mento, é preciso mobilizara propriedade Imóvel, pela organizaçãodo crédito rural. Coo
peração, circulação, mobilização —teremos al as principais forças propulsoras do de
senvolvimento econômico do Estado."'88
189ibiçjepf^
263
políticadecontenção de despesas do Governo federal. Quanto ao proble
ma do contrabando do gado de corte, a resolução cabia ao Governo fede
ral, que nada fizera, embora o Governo do Estado do Rio Grande do Sul
muito se empenhasse para a sua solução.
Enfim, concluiaGetúlio,eraessenclal que, no Rio Grande, reinasse a
paz para que os problemas pudessem ser resolvidos. Nesta exortação à
união, finalizava:
As ideologias políticas que não tiverem por base de sua organização a solução de
problemas econômicos, dificilmente poderão subsistir.''90
190|bidem.
^9'OS TRABALHOS do Segundo Congresso de Criadores. Correio do Povo. Porto Alegre, 29 abr. 1928. p. 8-9.
264
Como novas propostas, apareceram as idéias defendendo a criação
de um sindicato do charque e da criação de um frigorífico.
Estaúltimanãoérealmentenova, umavezque, no período de euforia
Jurante a Primeira Guerra Mundial, até se concretizara no movimento em
torno 6o Frigorífico Rio Grande. A idéia, contudo, aqui reaparece com no
vas conotações.
Referindo ao problema da indústria do frio e ao atraso com que se
achavaoRioGrandedoSul em relações aela, falava o Dr. Leonardo Truda,
na inauguração do Segundo Congresso de Criadores:
Ora, nós não acompanhamos esta evolução. Podemos asseverar até que há alguns
que nem sequer se aperceberam dela, quando, na era da indústria do frio, continuam a
buscar obstinadamente o remédio definitivo para os males da pecuária rio-grandense,
nas charqueadas, como se elas pudessem oferecer-nos, hoje, mais que soluções transi
tórias preparatórias da evolução que se impõe ... Écerto que, neste entretempo, se ins
talou no Rio Grande do Sul a indústria frigorífica. Por ora, porém o menos que se pode di
zer é que até hoje não se verificaram as esperanças nele postas. Em 1926, exportaram-se
1172 toneladas de carne vacum congeladas e 612 de carne vacum conservada. Somem-
se essas cifras às do charque e ver-se-a que, ainda assim, nao alcançamos, em 1926, o
total que só o charque exportado nos dava em 1912 e 1913 ... O remédio definitivo não o
dará, sem dúvida, o charque. Dificilmente lograremos desenvolvera sua exportação. To
do o Brasil o produz hoje ... Aexportação do charque só nos poderá dar soluções transi
tórias, que devemos buscar com empenho para evitar um colapso, visto como não esta
mos aparelhados, nem o estaremos totaJmente, dentro dos anos mais próximos, para
prescindir de uma rubrica que ainda é a mais alta expressão de todo o nosso comércio de
exportação. Contemporaneamente porém devemos ir preparando a solução do futuro, a
solução definitiva. Essa só nõ-la proporcionarão os frigoríficos ... Talvez não venha
longe o dia em que, dentro do nosso próprio pais, se ofereçam mercados consumidores
aos produtos da indústria do frio."'92
265
Na verdade, a situação das carnes congeladas não deu, no Brasil — e,
em especial, no Rio Grande — os frutos desejados, principalmente se se
atentar para uma comparação com o exemplo platino.
Os dados fornecidos pelaDiretoriaGerai doTesouro do Estado apon
tam, para o ano de 1928, um abatede 142.423 cabeças parafrigorificaçãoe
753.577 destinadas ao fabrico de charque. Em termos de exportação, as
carnes congeladasapresentaram o número de 19.049.469 kg, no valor ofi
cial de 26.533:691 $000, enquanto que foram exportados 53.836.483 kg de
charque, no valor oficial de 97.220:841 $000^93.
Como se vê, ascharqueadas abatiam mais e exportavam mais que os
frigoríficos. Êverdade que as charqueadas eram em maior número que as
empresas de carne frigorif içada, mas não há nível de comparação entre a
capacidadede matançae produção de um e outro estabelecimento. Os fri
goríficos no Estado real mente estavam operando com capacidade ociosa.
A nível de mercado internacional, as carnes provenientes do Prata ob-
tinham uma aceitação maior que as brasileiras, o que, na perspectiva das
chamadas mentalidades progressistas, interessadas no desenvolvi
mento da indústria do frio, devia-se à qualidade do rebanho que propor
cionava a fabricação de um produto de qualidade superior.
Quantoàpossibilidadeda conquistado mercado Interno para os pro
dutos de frigoríficos, o congresso aprovou o votodequeo Governo federal
promovesse, por intermédio da Secção de Carnes e Derivados do Serviço
de Indústria Pastorii, a propaganda do uso de carnes frigorifícadas, que
além das varitagens da sanidade que oferecem, concorrerão para minorar
o custo de v/ofa^^^.
No que toca à outra nova proposta do congresso, a do Sindicato dos
Charqueadores, Getúl io Vargas apresentou aos criadores reunidos um te
legrama recebido do Rio de Janeiro, da parte do sr. Hermano Barcellos,
comerciante da praça, que oferecia os seus serviços no sentido de dotar o
Estado de um sindicato do charque, à semelhança do sindicato do açúcar
montado em Pernambuco. Uma comissão foi nomeada para dar um pare
cer sobre o teiegrama opi nando que a FA RSUL ficasse autorizada a convo
car os charqueadores para que se organizasse uma instituição desse ti
po 195.
Como interpretar a aprovação de uma moção desta ordem numa
reunião de criadores? Antes de mais nada, convém lembrar que, apesar
dos pontos de oposição que pudessem ter os interesses dos criadores
266
e dos charqueadores, ambos eram frações de uma mesma classe domi
nante, que vivia na exploração de atividades econômicas relacionadas
com a pecuária e que tinham como interesse primordial que os unia a
defesa do capital. Ora, sendo a charqueada a forma de exploração da
carne predominante no Estado em mãos nacionais, era natural que, da
prosperidade da charqueada, derivasse a prosperidade do próprio cria
dor. Mesmo que o criador identificasse que o charqueador procurava
pagar-lhe pelo boi o menor preço, a charqueada, face os dados apre
sentados, ainda era a forma prioritária de aproveitamento do boi. Face à
debilidade da acumulação local, a atividade charqueadora era a única
forma nacional de industrialização da carne.
Logo, neste final da década de 20, há, ao que parece, um certo res
surgimento, reerguimento da indústria nacional de charque, uma con
centração de esforços e adoção de medidas que resguardem esta
atividade pecuária. Isto não invalida, contudo, que, ao mesmo tempo
em que isto se dê, ressurja a idéia de montar no Estado a indústria do
frio com capitais locais, dirigindo-se agora não mais ao mercado inter
nacional, saturado pela proliferação de frigoríficos em escala mundial,
mas para o mercado interno brasileiro.
Referia a comissão que deveria opinarsobre a indústria pecuária:
196|bidenn.
267
Firmino Paim Filho, secretário da Fazenda. A iniciativa de Vargas rece
beu o aplauso da FARSUL.
A nova instituição contou com fundos estatais na proporção
de 2/3 do capital inicial .Criada justamente para conceder crédito a juro
baixo e prazo longo aos interesses agrários e pastoris, durante o decor
rer do seu primeiro ano de vida, o banco concedeu mais da metade do
total dos seus empréstimos aos charqueadores •
Falando sobre as atividades do banco, Joaquim Luís Osório diria,
por ocasião do IV Congresso Rural, em 1930:
268
Para complementar tais medidas de auxílio à produção, o Governo
do Estado criou a Diretoria da Agricultura, indústria e Comércio,
mediante o Decreto n? 2.299, de 15 de abril de 1929. A nova instituição
apresentava-se como um órgão incrementador da lavoura, da indústria
animai e da economia rural, através dos inúmeros serviços, secções e
institutos que lhe eram afetos
Solucionado, assim, o problema do crédito e incentivada a produ
ção, restava aquela questão que gerava as maiores polêmicas: a do
contrabando do charque. A bancada gaúcha no Congresso, solidarizan-
do-se com Getúlio Vargas na repressão do comércio iiicito, pugnava
pela aprovação da lei da desnacionalização. Tanto a bancada
situacionista, sob a liderança de Flores da Cunha, quanto a bancada
oposicionista, sob a direção de Assis Brasil, se congregavam para fazer
valer no Congresso e junto ao Executivo Central as medidas que o Rio
Grande considerava efetivas na repressão ao contrabando. Não se tra
tando de problema político, havia a união na defesa dos interesses
econômicos da classe.
A proposta do Rio Grande do Sul era que o charque procedente
deste Estado e do Mato Grosso não transitasse pelas repúblicas plati
nas para atingir o mercado nacional. Se assim o fizesse, seria desna-
cionalizado, ou seja, teria de pagar impostos de importação como se
fosse estrangeiro para dar entrada no território nacional.
Tentava, desta forma, o Rio Grande impedir o tráfico das guias fal
sas. A bancada do Mato Grosso, contudo, não concordou com a pro
posta dos gaúchos, uma vez que era afetado diretamente, com o escoa
mento da sua produção pelos navios que faziam a rota Corumbá-Monte-
vidéu.
Enquanto a bancada gaúcha pleiteava uma providência de ordem
geral, a bancada mato-grossensse opunha-se a que a medida atingisse
o seu Estado, argumentando que a sua produção ficaria dificultada
quanto ao escoamento.
A contra-argumentação apresentada pelo Rio Grande do Sul dizia
que a Estrada dePerro Noroeste poderia dar vazão a toda a produção de
charque do Mato Grosso.
Cada bancada insistia na sua posição, mostrando-se irredutível e
abandonando a Idéia de acordo.
Frente a esta contenda, o Governo federal oscilava em termos de
conceder a sua preferência a este ou àquele Estado 202.
269
Considerava-se, por um lado, que as ligações de Washington Luís
com Getúlio Vargas faria pender os favores do centro para os gaúchos.
Getúlio fora seu ministro da Fazenda e, como tal, participara do progra
ma de estabilidade financeira levado a efeito pelo presidente da
República. Por outro lado, as manobras realizadas no Catete pelo líder
mato-grossensse Aníbal Toledo faziam com que a situação se invertes
se. Em síntese, a luta pela questão econômica do contrabando conver-
tia-se numa questão de preferências do poder central, e, em última
análise, em articulações de poder.
Comentava a imprensa:
Seo Rio GrandedoSui perder, como tudo Indica, esta partida, pode ficar certo de que
ficará totalmente desmoralizado, tendo ainda por contrapeso sobre o pescoço, a carga
do Catete. Se assim for, queremos ver se o sr. Getúlio Vargas continuará a cultivar o seu
"beguim" pelo cavaignac presidencial.203
203o CONTRABANDO de charque. Correto do Povo. Porto Alegre, 21 jui. 1928. p. 12.
204a questão do contrabando de charque. Correio do Povo. Porto Alegre, 27 jul. 1928. p. 1.
270
continuaria. Reiniciou as negociações com o governo central e a solu
ção dada ao caso, que sobreveio em setembro de 1928, lhe foi total
mente favorável, graças à atuação de Getúlio Vargas e de João Neves da
Fontoura, líder da maioria no Congresso, nas suas gestões junto a
Washington Luís.
O Presidente da República optou, finalmente, pela desnacionaliza
ção. Entretanto, para que o Estado do Mato Grosso não fosse
prejudicado, o Congresso autorizou o Poder Central a instalar uma linha
de navegação entre Corumbá e Porto Esperança, que era o ponto terminal
da Estrada de Ferro Noroeste. Além disso, providências seriam tomadas
para que se abaixassem as tarifas ferroviárias da Estrada de Ferro
Noroeste e Central do Brasil 2°®.
A solução, no caso, agradou integralmente ao Rio Grande do Sul e
não ao Mato Grosso, porque, enquanto a decretação de desnacionaliza
ção resolvia o problema dos gaúchos, para o Mato Grosso a solução de
pendia ainda de providências a serem tomadas. Aliás, comentavam os
jornais, a quantia destinada para o estabelecimento da projetada linha
de navegação era insuficiente atê para comprar um navio fluvial^®®
Nesta opção do Governo Central pela satisfaç.ão dos interesses do Rio
Grande, contaram não apenas as habilidades pessoais de Vargas ou
João Neves, mas o peso político do estado sulino como grande eleitor
nas gestões presidenciais que se aproximavam. No dizer de Love,
Washinton Luis procurava contar com o apoio do Rio Grande do Sul e se
dispunha, inclusive a pensar na possibilidade de um candidato
gaúcho, se Minas Gerais vetasse o nome de Júiio Prestes^®'
Complementando a conjugação de esforços entre a FARSUL e o
Governo do Estado para atender os interesses da pecuária rio-granden-
se, foi convocado, para julho de 1928, um Congresso de Charqueado-
res, a fim de que se oficializasse a formação de um sindicato de produ
tores, que regularizasse e centralizasse a exportação do produto, no
momento em que este se via afetado pelo problema de superprodução
e pela concorrência nacional.
Permanecia, portanto, a instabilidade da economia rio-grandense:
os frigoríficos com grandes oscilações na produção e no abate e as
charqueadas com as flutuações de preço.
205/\ queSTAO do charoue Correio do Povo. Porio Alegie, '6 sei '928 p 24
206o CONTRABANDO dochargue Correio do Povo. Porio Alegre. 25 sei '928 p '
202lovE, op, cit., noia 9', p 243
271
Considerando que a questão dos frigoríficos, que exportavam para
o mercado internacional e eram empresas estrangeiras, não estava na
alçada de resolução dos rio-grandenses, voltavam-se os pecuaristas
gaúchos para aquela forma de industrialização que ficara em mãos na
cionais. Era do interesse tanto de charqueadores como de criadores que
o charque fosse bem colocado no mercado, pois, como já foi dito, do
seu sucesso dependia a atividade econômica de ambos.
O problema da colocação do produto, aliás, encontrava obstáculos
já com as casas exportadoras gaúchas:
212
dessa mentalidade associativa, valorizà-la com a sua autoridade, corrigindo-lhe as in
suficiências, exercendo sobre ela um certo "controle" para lhe evitar os excessos. A
mais eficiente dessas organizações è a que assume a forma dos sindicatos. Organiza
dos para a defesa de intereses comuns, têm uma dupla vantagem: para os associados,
a união torna-os mais fortes; para os Governos, o trato direto com os dirigentes da
classe facilita, pelo entendimento com poucos, a satisfação do interesse de muitos.
Não há que recear o encarecimento da produção em prejuízo do consumidor, pois não è
esse o fim dos sindicatos. Eles não se constituem somente para a satisfação de inte
resse individuais; têm, pelo contrário, uma finalidade eminentemente social. E esta è a
de organizar a defesa da economia nacional contra a desvalorização provocada pelos
açambarcadores, em proveito próprio c não do consumidor.
A formação dos sindicatos e a ação dos Governos se completam para a realização
dos seguintes fins:
1? estandartização dos produtos, criando tipos selecionados de modo a acreditá-
los nos mercados consumidores;
2?) condicionar a produção às necessidades do consumo, evitando o excesso com
a produção de gêneros de má qualidade;
3?) regularizar a exportação, evitando a acumulação de grandes estoques nos
mercados de consumo, que reagem pelo excesso de oferta, produzindo o brusco dese
quilíbrio dos preços.209
Este ponto abordado por Vargas, allâs, foi uma das Idéias sobre a
égide das quais se convocou o congresso a fim de organizar o órgão de
classe dos charqueadores: o sindicato seria criado para defender a
273
indústria pecuária gaúcha e, como tal, deveria harmonizar o interesse
dos dois segmentos de ciasse dominante no Estado interessados no
problema.
Na primèira sessão ordinária dos trabalhos do congresso, surgi
ram três propostas ou projetos para formação de uma sociedade coope
rativa de charqueadores: as de Marcial Terra, João de Souza Mascare-
nhas e Hermaho Barcellos.
Marcial Terra, criador e charqueador da região serrana, propunha a
criação de uma cooperativa saladeiril, á qual caberia a criação de um
frigorífico, que, além das naturais vantagens que traria à pecuária em
termos de progresso, viria complementar a cooperativa saladeiril.
A criação do frigorífico, de modestas proporções, necessitaria da
ajuda financeira do Estado e se destinaria a produzir artigos frigorifica-
dos para o Rio Grande e outros Estados.
A empresa teria o fim de aproveitar ao máximo o rendimento do boi
e, para tanto, poderiam ser justapostos aos frigoríficos, curtumes, fá
bricas de adubos e de artefatos de osso e chifre.
Quanto á localização do frigorífico, que deveria atender ás necessi
dades de obtr:.4.1c fácil de matéria-prima e facilidade de escoamento
da produção. Marcial Terra propunha Cachoeira, A escolha deu-se pelo
fato da sua fácil ligação com a capital e com Rio Grande, bem como por
já possuir rebanho próprio, além de já ter fácil acesso às tropas da cam
panha e da serra^^^.
A proposta de Marcial Terra, portanto, centralizava na transforma
ção do modo de produção de maneira mais profunda: implicava na ins
talação de um frigorífico, na adoção de nova tecnologia e novos méto
dos, no aproveitamento integral da matéria-prima, na obtenção de no
vos produtos e na colocação destes no mercado interno brasileiro. Lo
go, era mais uma proposta de fundação de um frigorífico do que pro
priamente tratava da arregimentação dos charqueadores.
274
regularizando a exportação para evitar abarrotamento dos rnercados e
criando um esquema classificatório do charque conforme a gordura•
A realidade a que se referiá a proposta de Mascarenhas era a da
empresa da charqueada e, dependendo da maneira como fosse posta
em prática, poderia ou não atender aos interesses dos criadores.
Hermano Barcellos, comerciante estabelecido no Rio de Janeiro e
de cujo telegrama a Getúlio Vargas, por ocasião do Segundo Congresso
de Criadores, resultará, ao que parece, a Idéia de um sindicato do
charque, propunha a formação de uma cooperativa do charque. A
cooperativa deveria estabilizar preços de compra e venda, matar
somente gado gordo, limitar a matança e distribui-la proporcionalmen
te entre os charqueadores, bem como colocar no mercado do Rio de
Janeiro, Bahia e Pernambuco somente o estoque passível de ser
consumido. Entre outros pontos, a proposta também recomendava a
frigorificação para suprir os mercados nacionais^'^ •
A proposta de Hermano Barcellos revela, por um lado, a visão de
alguém acostumado a tratar com o mercado consumidor; por outro, sua
proposta de manter somente o estoque necessário no mercado lembra
muito o mecanismo da valorização do café, ievada a efeito por São
Paulo.
2'2ibiclem, p. 283-4.
2'3n„cjem, p 285
275
o Sindicato dos Charqueadores se propunha a defender a indústria
pastoril pela normalização dos negócios do charque; realizar o
aproveitamento e aperfeiçoamento de todos os produtos e subprodutos
bovinos; auxiliar o melhoramento dos rebanhos pela industrialização
da carne; criar e manter um serviço de estatística de produção e
consumo nos mercados nacionais e estrangeiros; criar tipos de
classificação do charque, promovendo a estandartização e a
estabilização dos preços de compra e venda, conforme a produção e o
consumo; etc.^^^
Algumas considerações se impõem: o sindicato, com as
atividades que se propunha a realizar, realmente eliminava a figura do
intermediário nos seus negócios. Quanto à estandartização dos
produtos, o Sindicato dos Charqueadores seguia o mesmo processo
adotado na constituição do Sindicato Arrozeiro.
Pela leitura dos estatutos, conclui-se que o sindicato manter-se-ia
pela contribuição dos seus sócios, correspondendo a jóia de um conto
de réis e a contribuição de quinhentos réis por cabeça de gado abatida,
pagamento este mensal.
No encerramento do congresso, Ataliba Paz, delegado da
Associação Agricola Pastorii de Júlio de Castilhos, após louvar a
criação do sindicato, alertou para uma perspectiva que poderia
apresentar-se no futuro, quando nem mesmo o sindicato poderia saivar
a indústria do charque. Caber-lhe-ia, então, realizar a tarefa
progressista de apressar a evolução da indústria saladeira para a de
congelação.
Retornava-se aqui, novamente, à idéia proposta por Marcial Terra,
no Congresso dos Charqueadores, de que era preciso que se criasse
um frigorífico no Estado. Ao que parece, o ressurgimento da idéia da
montagem dos frigoríficos estava sendo difundida pelos pecuaristas
serranos.
2I4SINDICATO DOS CHAROUtADORES DO RIO GRANDE DO SUL Esiawtos Peloias, ,i Universal, 1928
276
bancada gaúcha, João Neves da Fontoura, e Hermano Barcellos.
presidente da Sociedade de Defesa da Produção Rio-Grandense 215
Valor Preço
Anos em mil réis porquilo
1927 61.411 73.530:323$000 15200
1928 53.836 97.220:900$000 15800
1929 45.879 104.713:680$000 25300
^'^0 CONSUMO cie carnescongeladas Correio do Povo. Porlo Alegre, '6 sei '928 p 24
2'6coMERCIO de carnes Correio do Povo. Porto Alegre, 23 nov '928, p 3,
217silvA. Austriclínio 8 GUERRA, Aldrovando Exportação de charque no Rio Grande do Sul. Porio Alegre,
Secretaria de Administração/Depariarnento Estadual de Esialisiica, ''959 p 9
218mENSAGEM presidencial de 1929
277
produto, o presidente do Estado, através da Lei n° 487, de 3 de
dezembro de 1929, ad referendum da Assembléia Legislativa, isentou
das taxas de 1.5% de exportação e 1% de expediente o charque
exportado para fora do pais.^^^
Além,disso, mediante autorização do ministério da Viação,_o
Governo do Estado conseguiu abatimento de 50% nos fretes da Viação
Férrea, para 4.700.000 kg de charque.220
Face, portanto, ao apoio do Governo ao sindicato e às manobras
comerciais deste último, pôde-se obter a valorização do produto para o
ano de 1929.
2^9gOVERNO do estado DO RIO GRANDE DO SUL Le/s, decretos e atos. Porio Alegre. A Federação, 1929.
220(\/ienSAGEM presidencial de -929
278
As articulações do Sindicato dos Charqueadores, reabrindo o nível
de conflito entre as duas frações de classe dominante no Estado,
incitaram os fazendeiros â promoção do seu terceiro congresso,
sempre sob os auspícios da FARSUL. A idéia básica em torno da qual
girariam os debates seria o cooperativismo, no sentido de que, para
este fim, se conjugassem à iniciativa dos criadores a ação da FARSUL e
a orientação do Governo do Estado.
223o PRÓXIMO Congresso Rural Correio do Povo. Porio Alegre, '6 rnaio '929. p 9.
27£
No que diz respeito à ação do sindicato, tanto o Governo agia
como fiscalizador quanto enfatizava os interesses solidários entre
criadores e charqueadores. Atitude, aliás, típica do Estado como tal,
que é o de tentar conciliar interesses e promover a adaptação e não
incentivar o confiito.
Isto não Impede, porém, que caso os criadores desejem, possam se organizar sob
a forma de cooperativas, instalando, também, ctiarqueadas e frigoríficos. O Governo es
tará igualmente disposto a ampará-ios,na defesa dos seus legítimos interesses.224
É bem de convir que, por acertado que tentia sido a organização dos ctiarqueado-
res em sindicato, não devemos considerar resolvido o problema maior da pecuária.
Como sindicato, a finalidade da instituição comercial encerra-se na obtenção do maior
preço da mercadoria; a ele escapam os meios de produzir bem, e produzir bem, isto é,
bom e barato, é o problema do Rio Grande. Como sindicato, deverá vender bem (o mais
caro possível) o que será a conveniência do Rio Grande; e deverá comprar bem (o mais
barato possível) o que não é conveniência do Rio Grande. De modo que a ação do Sindi
cato junto aos mercados compradores será favorável aos sindicatos e aos fazendeiros
porém, a ação do Sindicato dentro do Rio Grande, influindo nas épocas das matanças,
na redução das safras, na baixa do preço dos gados, será ação nefasta ao Rio Grande,
porque prejudicará aos fazendeiros. Não poderá haver sempre harmonia de vista entre
os produtores de matéria-prima e os industrializadores do boi, quaisquer que eles se
jam. Os segundos, que são em pequeno número, facilmente se agremiarão, come
descortino, e têm se preocupado em defender seus interesses; os primeiros, multe
numerosos e dispersos no território do Estado, apenas se têm associado nas largas
malhas das sociedades de utilidade geral. Urge que se reúnam em cooperativas capaze
de conseguir a melhoria da produção, a boa produção, a produção por menor preço; é
esse o problema do Rio Grande.225
224 O DISCURSO du orosidenit; do tsí.Klo Correto do Povo Puno Alegre, 25 maio ^929 p 5
225o TERCEIRO Congresso Rural Correto do Povo. Poriu Alegre, 26 maio ^929 p 7
280
Dentro do mesmo espirito do cooperativismo, Joaquim Luis
Osório apresentou, durante o Congresso dos Criadores, uma tese sobre
cooperativas de estancieiros no Rio Grande do Sul, com o fim de
beneficiamento do gado e venda dos produtos.
222|bicjem, fj 263
281
Além dos pontos de atrito já mencionados - data de matança e
abaixamento do preço do gado - outras reclamações contra a atuação
do sindicato se avolumavam.
228a ACAO do Siodiociio dos Chcifdiio.ídofos Correio do Povo Porto Alegre, 8 juo ^929 p 7
282
dirigia especificamente para a solução dos problemas apontados e
debatidos na imprensa, mas fora criada em face de autorizações
indevidamente concedidas para a exportação, isenta de impostos, de
carnes da nova safra, antes da data fixada.
283
Reafirma-se a convicação de que o charque não era mais monopólio do
Rio Grande do Sul e que mesmo a ação do sindicato não podia impedir
a superprodução e o abarrotamento do artigo nos mercados brasileiros.
284
A questão das carnes congeladas manifestava-se muito incerta, e
poderia haver restrição do abate, como jà ocorrera anteriormente. O que
fazer, portanto, com gado sobrante nas estâncias? Concluía Joaquim
Osório, na sua exposição ao congresso, que a solução só poderia estar
na indústria do frio, voltada agora para os mercados nacionais,
cabendo ao Estado fundar matadouros modelos para charque e para a
industrialização da carne pelo frio. Caberia, ainda, ao criador gaúcho o
mérito de salvar o rebanho de ser entregue ao seu único comprador, a
empresa estrangeira, que também se utilizava da campanha
baixista^^^
Os estancieiros gaúchos tinham bem presente, neste momento, o
exemplo do Uruguai que, em 1928, criara o seu frigorífico nacional.
237foi instalado, ontem, ti<t Bibiiolecd Publica, o IV Coiigiesso Rural, ou cil , iiold '£
238|bidem
285
Pimentel, Juvenal José Pinto e Laudelino Flores de Barcelos — a
moção de criação do frigorífico nacional argumentava:
... não se pode comparar o preço que a indústria frigorifica pode pagar com aque
le que os charqueadores podem oferecer, pois grande é a diferença de aproveitamento
da matéria-prima por aquela indústria.241
2^Q|bidem, p 316 23
^'^hbidem, p 326
2^2|bidem.
286
Referenciava o Coronel Vicente Lucas de Lima, em sua tese, a
respeito da
243|b,dem, p. 327
244|bidem, p 336-7.
287
Frente a todos estes debates e moções apresentadas, foi
organizada uma comissão para irão Presidentedo Estado, afim de saber
como Vargas receberia a idéia da montagem de um plano de
reorganização da indústria da carne no Rio Grande do Sui e qual o apoio
que prestaria a uma sociedade sob o nome de "Sociedade
Sui-Rio-grandense de Carnes^^^ •
Em resposta à Comissão, Getúlio Vargas deu seu integral apoio à
criação de um frigorífico nacional, como o melhor recurso para a
situação da pecuária gaúcha. Aprovou, inclusive, a sugestão feita da
criação de uma Sociedade Sui-Rio-grandense de Carnes, estimulando
os estudos que a fundação da mesma requereria 2^®-Indo mais além, o
presidente prometeu o apoio do poder público para a salvação da
pecuária gaúcha, acrescentando que os criadores poderiam dispor do
Governo do Estado para as somas necessárias para a criação do
estabelecimento frigorífico.
2^^lbideni, p 340
246os TRABALHÍJS do IV Cnnprfíssf) Rurdl Correio do Povo Porto Alegre, 29 tnaio 1030 p
288
projeto político mais amplo de conquista do executivo nacional,
procurou internamente, em seu Estado, promover tanto a união política
necessária, como ajudar diretamente a economia gaúcha, em especial a
pecuária. Em muito pontos, representou uma quebra da antiga rigidez
positivista que orientava os republicanos, e cuja intransigência, no
tempo de Borges, motivava as criticas e ataques da oposição.
289
4 — CONCLUSÕES
290
consciência dos interesses econômicos específicos da classe.
Contudo, cada fração de classe em que se decompunha o grupo
dominante no Estado agiu, em termos práticos, de forma diversa.
Enquanto os criadores constituiram agremiações para defesa de
interesses comuns, realizaram congressos e buscaram a renovação da
pecuária mediante o refinamento do rebanho, os charqueadores
articularam-se em convênios, buscando elevar o preço do produto no
mercado e baixar o preço do gado localmente.
Face a esta diferença de forma de atuação, começaram a se tornar
mais ou menos ôlaros os níveis de divergência existentes entre as duas
frações em que se decompunha* a classe dominante local dos
pecuaristas.
291
tal como no Prata, zona pecuária por excelência e já campo de
operações das empresas frigorificas. O período da guerra, contudo,
determinou alterações no consumo mundial, que incidiram sobre o tipo
de produto fabricado pelos frigoríficos. Decaiu a fabricação de carnes
resfriadas, que exigia gado de superior qualidade, e incrementou-se a
fabricação de carnes congeladas e conservadas, possibilitando a
industrialização da matéria-prima de mais baixo grau de refinamento.
Dentro deste quadro, as grandes empresas frigorificas internacionais
fizeram sua entrada no Brasil.
292
De imediato, a conjunção dos fatores favoráveis de mercado com a
campanha do frigorífico nacional e mais a ação das companhias
estrangeiras dinamizaram a pecuária no Rio Grande do Sul.
Acompanhando a época de euforia econômica, os bancos expandiram o
seu sistema crediticio, fornecendo largos empréstimos aos criadores
que passaram a investir na produção.
Os efeitos estimulantes da guerra não atuaram sobre a charqueada
tal como sobre a criação, impulsionando-a a renovar-se. O
estabelecimento saladeiril permaneceu sem maiores alterações,
beneficiando-se apenas de uma oscilação favorável, quando o produto
brasileiro conseguiu penetrar no mercado cubano.
Desfeita a conjuntura ótima da guerra, reapareceu a crise da
pecuária em toda a sua plenitude. Retraiu-se o mercado mundial,
caíram os preços e se manifestaram de forma ainda mais violenta os
problemas relativos à produção e mercado na pecuária gaúcha,
problemas estes não solucionados e existentes desde antes do
conflito.
A crise tinha, agora, uma nova dimensão, pois abarcava a criação,
a charqueada e também os frigoríficos. Aos probiemas oriundos de
uma crise econômico-financeira sem precedentes, acrescentavam-se
os antagonismos que se divisavam não mais só entre criadores e
charqueadores; o panorama das tensões na pecuária fora enriquecendo
com a figura do frigorífico estrangeiro, que atuava tanto contra o
estancieiro como contra o charqueador.
Dentro deste contexto a incapacidade de capitalização da área
gaúcha, manifesta com a venda do Frigorífico Rio Grande ao Angio, foi
um fator que agudizou ainda mais a stiuação da pecuária no
pós-guerra.
Com a falência do projeto nacional, o setor mais dinâmico da
industrialização da carne ficou totalmente entregue às empresas
estrangeiras que realizavam manobras baixistas. Em mãos
rio-grandenses, permaneciam a velha charqueada e a criação, ambas
em crise.
293
Comprometendo-se a responder pelos Interesses da pecuária no
Congresso Nacional, Borges de Medeiros fez com que o nãc
atendimento das expectativas dos fazv^ndeiros fosse identificado como
um fracasso seu como governante.
Da crise econômico-financeira, o Estado rio-grandense evoluiu
para a crise política.
Pela acumulação de problemas econômicos não soiucionados,
níveis de tensão social agudizados e incapacidade do Governo local de
solucionar a crise, aferrando-se aos seus princípios ideológicos,
extrapolou-se o conflito para a questão do poder. A parcela não
hegemônica da classe dominante no Estado passou a contestar o
Governo, indo á revolta armada.
A situação de dependência global da economia sulina frente à
economia central do país, sua subordinação política aos interesses do
café, a precariedade da acumulação, eram todos fatores que se
divisavam, mas não de forma total, permitindo que os pecuaristas
pudessem ter uma consciência real do problema que viviam. Na sua
revolução contra o domínio do Partido Republicano Rio-grandense, os
estancieiros per":::;-;,: que a situação econômica pudesse ser resolvida
por uma mudança nos quadros do Governo.
A breve recuperação da economia pecuária gaúcha, nos anos que
se seguiram à revolução de 1923, e o sucesso parcial do movimento
armado, com o compromisso da não reeleição de Borges de Medeiros,
fizeram com que os anos de 1924 e 1925 fossem de dinamização dos
negócios do gado no Estado.
A crise de 1926,atingindo com violência a criação, a charqueada e o
frigorífico, propiciou a rearticulação da classe dominante, através da
realização de congressos, promoção de debates e congraçamento em
órgãos de classe.
Neste momento, cada fração de classe arregimentou-se em
assembléias específicas, onde debateu seus problemas particulares.
Renovou-se, novamente, o choque de interesses entre as duas frações
de classe, enquanto que se obscureceu o nível de oposição entre as
duas facções políticas.
A oposição aos frigoríficos, embora sentida, foi um tanto
arrefecida pela dura constatação de que, contra as poderosas empresas
estrangeiras, nada podiam fazer os pecuaristas nacionais.
Otom predominante do período que se abriu apôs a crise de 1926foi,
contudo, o grande esforço pelo reerguimento da pecuária, fazendo
ressurgir com vigor o espírito associativo.
294
Emergindo de crises sucessivas, não tinha, contudo, a pecuária
gaúcha condições de agir senão através de forma reivindicatória,
solicitando providências do poder público federai e estadual.
O que se pode distinguir como nota fundamental neste processo
que se desenvolveu em crises sucessivas durante estas três primeiras
décadas do século XX, é que a pecuária gaúcha reveiou-se, ao longo de
todo o período, incapaz de realizar, por si mesma, ou mesmo com o
apoio do Estado, a sua transformação completa dentro dos moldes de
um capitalismo plenamente desenvolvido. Incapaz de gerar uma
capitalização que permitisse solucionar seus problemas e renovar a
estrutura produtora, bem como impossibilitada de fazer valer seus
direitos de forma completa perante o poder centrai, a pecuária
desenvoiveu-se numa situação critica que se avolumou cada vez mais.
Reformas foram feitas sem que, contudo,o Rio Grande do Sul vencesse
suas barreiras ou conseguisse ultrapassar os limites impostos pela
sua situação subordinada e descapitalizada.
Vinculada a uma pecuária assim carente de capitais e
atormentada por crises praticamente ininterruptas, com leves
oscilações conjunturais favoráveis, a classe dominante dos pecuaristas
Foi tomando consciência de seus interesses e procurando lutar por
3les. Contudo, a sua própria fraqueza a impedia de uma ação
verdadeiramente renovadora, capaz de dar solução definitiva a seus
problemas. Sua perspectiva seria assim, até o finai, orientada para um
Estado paternalista e providenciai. Ao passo que a crise econômica foi
possibilitando o surgimento da consciência de ciasse, as duas frações
em que se dividia a classe dominante foram tornando claras as suas
divergências. Todavia, no final do período, apesar do antagonismo que
mantinha com o charqueador, o criador doi obrigado, perante as
manobras dos frigoríficos estrangeiros, a defender os interesses do
charque junto aos poderes públicos, uma vez que esta era a única forma
de industrialização da carne que se mantivera em mãos nacionais.
A proposta dinâmica de renovação da estrutura produtora,
mediante a instalação de um frigorífico, permaneceu liderada por
criadores ou por aqueles que com eles se identificassem. Os donos
das charqueadas ficaram na defesa de sua produção típica e
articulando-se em nível de mercado, para controle do preço do artigo.
No finai da década de 20, ressurgiria no Estado, agora sob o
Governo de Vargas, a idéia da criação de um frigorífico nacional,
voltado para o mercado interno brasileiro, uma vez que o internacional
ZSE
se achava monopolizado e saturado pela produção das empresas
estrangeiras. Tal projeto, contudo, não chegou a realizar-se dentro dos
quadros da República Velha.
Ao encerrar-se a Primeira República, o Estado gaúcho apresentava
nova configuração. O Governo de Getúlio Vargas caracterizou-se pela
preocupação em promover a sindicalização e o cooperativismo sob o
patrocínio do Estado, estendendo a mão à pecuária gaúcha mesmo que
Isso representasse um recuo da herança positivista do PRR. O
ressurgimento da FARSUL, a constituição do Sindicato dos
Charqueadores e a fundação do Banco do Rio Grande do Sul foram
alguns marcos deste processo.
Na medida êm que satisfazia os interesses econômicos da classe
dominante no estado e tentava minimizar as divergências existentes
entre as duas frações em que ela de decompunha, Vargas preparava o
caminho para a união pclitíca que pretendia realizar.
Aliás, no decorrer das relações que se traçaram entre a classe dos
pecuaristas e o Governo durante a República Velha, constatou-se que,
toda vez em qiw — '.ratou de defender os seus interesses de classe,
obscureceu-se a divisão política existente. Tanto na época de Borges
como na de Getúlio, sentaram-se lado a lado, em congressos ou
agremiações de classe, com o apoio do Governo, elementos da
situação e da oposição no Estado, reunidos para a defesa dos
interesses corhuns da classe a que pertenciam. Em especial, Vargas,
ao procurar defender a pecuária e solucionar a questão econômica
básica do Estado, obteve, assim, um ambiente propicio de apoio ao
Governo, que permitiu a união das facções políticas rio-grandenses.
Espera-se, com esta pesquisa, ter demonstrado as hipóteses
iniciais do trabalho e, ao mesmo tempo, contribuído para analisar
alguns dos problemas básicos vivenciados pelo Rio Grande do Sul na
época da República Velha.
296
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Decretos — Leis
GOVERNO DO ESTADO do Rio Grande do Sul. Leis, decretos e atos. Porto Alegre, A
Federação, 1912,1914,1915,1916, 1917, 1918, 1919, 1921, 1924, 1926, 1928, 1929,
1930.
• Revistas
• Jornais
302
o Arquivos
a) INSTITUTO SUL RIO-GRANDENSE DE CARNES
RESENHA sobre a corporação argentina de produtores de carne. 1926.
SINDICATO DOS XARQUEADORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Estatística
de exportação do abarque pelos portos do Rio Grande e Pelotas, por exportação
1926 a 1945.
SINDICATO DOS XARQUEADORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Estatutos.
Pelotas, A Universal, 1928.
RESENHA sobre cooperativas de carnes do Rio Grande do Sul. s.d.
FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES RURAIS DO RIO GRANDE DO SUL. Estatutos. Por
to Alegre, Kannen, 1927.
POPULAÇÃO BOVINA do Rio Grande do Sui: 1910-1940. Divisão de estatística.
b) SWIFT-ARMOUR S.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO
(Santana do Livramento)
LIVRO de Atas da Assembléia Geral dos Acionistas; 1919-1943,
LIVRO de Atas da Diretoria: 1920-1943.
ESCORÇO histórico da firma desde a sua fundação (datilografado).
HISTÓRICO da firma: local, origem e data de fundação (datilografado).
DADOS de abate de bovinos de 1917 a 1974 e de ovinos de 1923 a 1974.
ATIVIDADES da Companhia no Rio Grande do Sul (mimeografado).
CORRESPONDÊNCIA entre São Paulo (Armour do Brasil, Law Departament) e Buenos
Aires, 1928.
c) ARQUIVO HISTÓRICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DIRETORIA GERAL DO TESOURO. Dados sobre produção e exportação de abarque e
carnes congeladas em 1928. Porto Alegre, 12 set. 1929 (manuscrito).
CONTRATO com The Brazilian Cold Storage and Development Company Limited. Porto
Alegre, Secretaria de Obras Públicas, 20 maio 1903.
MINSSEN, Guilherme. Memorial de conservação das carnes pelo frio. Porto Alegre,
Secretaria de Obras Públicas, 8 dez. 1914.
RAPPORT général presentèau Ministre de TAgriculture au nom de ia commission des
viandes frigorifièes par M. Maurice Quentin et par M. Alfred Massè, ancien minis
tre duCommerce.Joarna/ Officiel de Ia Republique Française. Ministère de TAgri-
cuiture. Anexe 8 juin 1915.
RELATÓRIO do Dep. Cosnier — Importation des viandes frigorifièes. Documents parle-
mentaires — Chambre. Journal Officiel de Ia Republique française. 1915.
REGISTRO Especial deTitulose Documentos. 1902. Secretariade Obras Públicas do Es
tado do Rio Grande do Sul.
REQUERIMENTO encaminhado ao Governo do Estado por Tbe Brazilian Cold Storage
and Development Company Limited. 1904. Secretaria de Obras Públicas.
• Avulsos da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul —
Contadoria e Auditoria Geral do Estado
303
CONTRAJO do empréstimo externo em dólares às municipalidades. 1927.
CONTRATO do empréstimo externo em dólares. 1928.
304
Aanálise da realidade da pe
cuária gaúcha, sobretudo de
suas fases mais recuadas, em
termos científicos, praticamente
inexistente. Os poucos estudos
existentes carecem de uma visão
global do problema. Pela rele
vância do setor agropecuário no
conjunto da economia gaúcha,
torna-se fundamental analisar as
transformações ocorridas na
economia pecuária do Estado -
criação e charqueadas - em espe
cial a mudança oriunda da ins
talação da indústria frigorífica,
durante o período da Primeira
República. É isto que Sandra Pe-
savento analisa nesta obra.
Pelo seu enfoque objetivo e
científico, pela visão global do
problemae pela profundidade de
análise, o livro de Sandra Pesa-
vento doravante constituirá refe
rência obrigatória sobre o assun
to.
EDITORA MOVIMENTO
Instituto Estadual do Livro, RS