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Histórias da Comunicação, História das Histórias

Natália Leon Nunes

Livro: O Beijo de Lamourette Autor(a): Robert Darnton Editora: Companhia das Letras

Postado: 24/09/2010

Professor Universitário, jornalista e atual diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard, o estado-unidense Robert Darnton
tem vasta pesquisa sobre livros. Prova do seu interesse por este objeto é que o autor é fundador do programa Gutemberg-e, site
da Universidade de Columbia no qual estão arquivados diversos livros, monografias e outros textos. Sua participação neste
endereço virtual não é, entretanto, abandono do objeto livro – feito de papel e vendido nas livrarias. Mesmo com o advento da
internet, os livros nunca foram tão vendidos como o são hoje. Essa é uma das idéias apresentadas por Darnton em um dos
títulos seus publicados no Brasil, A Questão dos Livros. Sua última obra lançada, O Beijo de Lamourette, usa elementos da
pesquisa sobre editoras, jornais e até best sellers do Iluminismo para discutir a História e suas histórias.

Na introdução de O Beijo de Lamourette, Robert Darnton escreve: “este é um livro sobre a história, os meios de comunicação
e as histórias dos meios de comunicação”. Além de apresentar os temas, o autor esclarece que o livro é reunião de artigos
escritos em situações diversas e que, na sua confecção, não houve esforço para que houvesse coerência entre eles. Assim, ao
leitor de primeira viagem, O Beijo de Lamourette pode ser considerado compilação de artigos acadêmicos e textos mais
jornalísticos de um mesmo autor, agrupados por blocos de assuntos. A leitura, no entanto, revela pouco a pouco, ideias
recorrentes de Darnton que expressam sua postura diante da história e dos historiadores.

Darnton abre o livro com dois textos - um sobre a Revolução Francesa, outro sobre a Polônia. No primeiro, o autor apresenta
dados sobre a França Revolucionária - como por exemplo os pais que deram aos seus filhos nomes de La Loi, Liberté e
Constitution, ou o ambiente sangrento que havia no país mesmo antes da revolução – os parisienses que passavam no centro
da cidade costumavam ter seus sapatos encharcados de sangue –, ou ainda a proposta para que a semana tivesse dez, e não sete
dias. A descrição parece querer fornecer ao leitor imagens de período em que tudo estava posto em questão, que não só a
política, mas a cultura tinha que ser reconstruída. Já no segundo capítulo, Darnton conta da relação dos poloneses com a
história - as datas comemorativas oficiais e as não-oficiais, os monumentos aos mortos, a postura diante dos russos e dos
alemães. Escrito em 1981, o capítulo ressalta que naquele ano já estava formado o Solidarnosc (Solidariedade), força política
que chegou ao poder em 1989. Se os poloneses guardavam rancor da guerra e da ocupação nazista, a ocasião na qual foi
escrito o texto de Darnton evidenciava sua insatisfação diante do regime comunista. O capítulo mostra justamente essa tensão
na consciência histórica dos poloneses: a postura ambígua diante do passado difícil de seu país.

A segunda parte do livro, que fala dos meios de comunicação, traz histórias do passado recente. Fazendo as vezes do cronista,
sem encher suas relatos de citações e argumentos de autoridade, Darnton narra episódios curiosos de sua profissão. O mais
longo capítulo deste bloco nos leva à redação do New York Times na década de 1960. Entendemos boa parte da estrutura do
jornal: a hierarquia dos funcionários, as notícias vindas diretamente de policiais que jogam pôquer com os jornalistas, a
escolha das manchetes. No lugar de construir discurso abstrato sobre a mídia manipuladora, Darnton relata, por exemplo, o dia
em que foi impedido de publicar matéria repleta de escândalos – estupro, morte etc.. – porque ela havia sido vivida por negros
e estes não ocupavam lugar de destaque nas páginas principais do jornal. Se essa denúncia choca, o humor com que os outros
capítulos são escritos surge em boa medida. É o caso da carta que Darnton escreveu a determinada rede de televisão, que além
de cometer grandes erros históricos em roteiro de seriado acerca da Revolução Francesa, transformou aquele momento em
grande novela cheia de cenas eróticas entre Napoleão e Josefina.

As partes III, IV e V do livro apresentam maior rigor acadêmico, o que não significa que a leitura fique chata ou pesada. No
capítulo O que é fazer a História dos Livros?, por exemplo, somos apresentados a Isaac-Pierre Rigaud, livreiro que habitava a
cidade de Montpellier no final do século XVIII. Rigaud vendeu muitos livros de Voltaire a seus clientes, mas nem por isso
deixou de publicar obras de outras áreas, como a Medicina. Na verdade, o livreiro não simpatizava muito com o filósofo
Iluminista e estava muito mais comprometido com o comércio do que com as Luzes. Resistente à crise dos livros instaurada na
França nas décadas de 1770 e 1780, Rigaud costumava encomendar poucos livros por vez. Os pequenos lotes que o
comerciante de Montpellier recebia em sua loja antecipam o que Darnton vai combater em capítulos seguintes: a idéia de que
o Iluminismo se propagou homogeneamente na França pré-Revolucionária ou as leituras muito gerais sobre o século XVIII na
França, como a que é feita pelo historiador Peter Gay em seu livro sobre o Iluminismo, no qual boa parte dos filósofos tinham
aspirações revolucionárias.
Darnton combate sociólogos e historiadores com documentos, relatos e estatísticas. A veia subversiva, implantada por Peter
Gay, aos iluministas é questionada pelo autor do Beijo de Lamourette em diversos momentos. É o caso da leitura das obras de
filósofos que se declaravam muito mais conservadores do que Gay os pensou ou exame de documentos do Antigo Regime nos
quais já aparecem propostas formuladas por funcionários da burocracia francesa e que foram apropriadas na Revolução.
Nenhum pesquisador que se arriscou a fazer história da cultura passa impune na leitura do historiador americano. É correto
falar de cultura popular analisando obras escritas pelas elites de determinada época? É possível escrever história dos livros
excluindo as obras que não se tornaram canônicas, mas que foram muito lidas no passado? O que é uma obra canônica? Como
tratar livro como o de Starobinski acerca da vida de Rousseau, que se tornou um clássico para depois ser questionado por
Lévi-Strauss e Derrida e abandonado por muitos pesquisadores? É como se, para Darnton, o historiador devesse estar sempre
em estado de atenção,sem se deixar seduzir pelos fatos narrados.

Em mais de um momento, Darnton fala da história das mentalités. Se sua crítica aos que se aventuram a entender a cultura
passada e a constituir novos campos da história – como é o caso da disciplina ainda em formação que estuda a leitura – é
rigorosa, ele não deixa por isso de fazer história. Seu livro nos reporta às longas viagens daqueles que atravessavam a França
para transportar livros iluministas proibidos ou às leituras da Bíblia feitas em voz alta nos séculos XVI e XVII. São pequenos
episódios do passado que, quando descobertos, modificam o próprio passado. Essa parece ser a unidade do livro de Darnton:
em meio à polifonia de assuntos tratados, Darnton nunca esquece de alertar aqueles que se arriscam a fazer história. Suas
anedotas não são mero entretenimento ao leitor. São a prova de que a história se faz difícil de apreender. E são também os
mortos que chacoalham quem se arrisca a olhar pra trás. A história não é homogênea, chapada, simples, passível de única
narrativa. Entender as mentalités do passado é colocar em diálogo vozes dissonantes, achar relatos que contrariam as grandes
generalizações.

O final do livro, denominado Bons Vizinhos, coloca a História ao lado da Sociologia, da Literatura e da Antropologia. São
disciplinas que podem ajudar os historiadores na história da cultura. Não há defesa de projeto de pesquisa que anule os limites
entre história e outras formas de olhar o passado ou declaração de que tudo agora recebe denominação de teoria. Ao contrário,
ao contar acerca das disciplinas aliadas da História, Darnton faz novamente isso que aparece e escapa a todo instante: a
história. É essa história viva que encontramos do começo ao fim do livro. Disciplina que não se fecha, não se cala. A história
não pode ser tão fixa que deixe de assombrar os historiadores. Ela é líquida, maleável. Quem entende isso entende que falar da
história, seja em seriado americano sobre a Revolução Francesa, seja em artigos acadêmicos, é também fazer história, uma vez
que contar os fatos é também constituí-los deste ou daquele jeito.

O percurso do livro cujo subtítulo é Mídia, Cultura e Revolução é melhor entendido depois do caminho que o leitor percorre.
O que é o Beijo de Lamourette? Nas primeiras páginas conhecemos o dono do beijo. Lamourette foi bispo francês que prestou
juramento à Constituição. No dia 7 de julho de 1792, quando a França estava ameaçada de invasão da Áustria, a facção dos
brissotianos, que levara o país a guerra, estava em disputa com seus adversários e o país não tinha governo, Lamourette propõe
o Amor fraterno. E no meio das calorosas discussões da Assembléia, há o rápido instante em que todos se abraçam e se beijam.
O que foi o beijo de Lamourette? Pergunta Darnton. O que significou este instante perdido no passado, essa demonstração
coletiva de afeto situada em um dos momentos mais célebres da história? Não há resposta para essa pergunta. O espírito que
corre o livro, que fala tantas vezes da Revolução Francesa, tem no seu modo de operar essa dúvida colocada diante de todo
fato apresentado. A Revolução pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade não aparece com tanta recorrência por acaso. Ela foi o
momento da suspensão da dúvida, de reconstrução histórica. Essa é parte do legado que elas nos deixou e que Darnton nos
informa: a necessidade de recontar a história, tarefa árdua, certamente sem fim de terminado e nem por isso inútil. Como
historiador, muitas vezes considerado enfadonho pelas pessoas que não se interessam pelo passado, Darnton tem a difícil meta
de fazer justiça aos mortos. Se um dia este objetivo for atingido, ele nos declara esperar “recuperar os sentidos com o choque
de algo inesperado, como foi o beijo de Lamourette.”

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