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A FORMAÇÃO DO INFORMADOR

Luís Milanesi

Resumo
Apresenta uma seqüência de fatos condensa-
dos, em três décadas, e ainda pouco estuda-
dos que exige o repensar do fazer profissional
da Biblioteconomia e se procure um lugar para
ela, mesmo que seja preciso recriá-la. Reflete
sobre a formação tradicional do bibliotecário e
a necessidade de formar profissionais que se-
jam necessários à sociedade e preparados para
atuar em áreas distintas face a diversidade de
públicos e quadros sociais. Aponta para a ne-
cessidade das instituições formadoras realiza-
rem pesquisa das necessidades e das deman-
das reais por meio de um constante ma-
peamento da sociedade para detectar as suas
carências de informação, os quadros secula-
res de misérias em todos os segmentos, da
educação fundamental às áreas de especiali-
zação. Propõe um novo formato para forma-
ção de profissionais competentes e críticos.

Palavras-Chave
Ensino de Biblioteconomia; Formação do Pro-
fissional Bibliotecário; Perfil e Atuação Profis-
sional

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crito onde pudesse encontrar respostas
1 UM XEQUE-MATE NA para as suas dúvidas, em 2001 um estu-
BIBLIOTECONOMIA dante japonês ou brasileiro, frente ao com-
putador, em sua casa e integrado à rede
Se em 1253 um sábio europeu per- mundial, seria soterrado por mais de 500
corria dezenas, centenas de quilômetros a bilhões de documentos disponíveis na web.
pé ou no lombo de animal por estradas pre- Se a oferta de informações durante sécu-
cárias, perigosas, em busca de um manus- los pouco foi alterada, em alguns anos en-
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A Formação do Informador Luís Milanesi
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tre o final do Século XX e o início do XXI, mentos refinados de busca? O bibliotecá-
comparativamente, aumentou de tal forma rio até pouco tempo ainda manobrava o seu
que o problema não é mais a falta, mas de catálogo artesanal para traduzir o acervo
excesso de informação. localizado no espaço físico onde exercita-
va a sua precisão, disciplina e poder. Com
Um estudo da Universidade da a avalanche tecnológica que acelerou o
Califórnia em Berkeley, desenvolvido pela relógio da humanidade a reciclagem pas-
School of Information Management sou a ser uma exigência indispensável aos
Systems, divulgado intensamente, inclusi- profissionais que se querem atualizados. A
ve por jornais brasileiros diários, trouxe tecnologia da informação centrada no com-
dados que aprofundaram as dúvidas relati- putador, redes e periféricos não serviu, ape-
vas à formação do profissional que se de- nas, para acelerar os velhos processos,
nomina, legalmente, “bibliotecário”. Nesse mas mudá-los.
estudo, no ano 2000 – que já está distante
não no tempo, mas no desenvolvimento As invenções só têm sentido pela di-
tecnológico – o mundo produziu cerca de mensão de utilidade que mostram ter a cur-
três exabytes de novas informações. Um to ou a longo prazos. Se a informática está
exabyte equivale a um quintilhão de bytes. alterando o cotidiano das pessoas é por-
Se esse volume de informação fosse divi- que elas percebem as suas vantagens e
dido pelo número total de habitantes do pla- tratam de dominar as máquinas. É um pa-
neta cada pessoa teria direito à posse do radoxo, mas o bibliotecário não foi o pri-
conteúdo de, aproximadamente, 500 livros. meiro profissional a se apossar das novas
Isso significa que nesses últimos anos fo- tecnologias de informação – como poderia
ram criadas mais informações do que em se esperar. Se o novo profissional não esti-
toda história. E esse volume dobra a cada ver no comando do uso das novas máqui-
ano. É preciso ressaltar, conforme um dos nas, estará sem a possibilidade de indicar
dados do estudo, que a informação impres- direções para elas. É o que ocorreu: o bi-
sa corresponde a menos de 10% do total. bliotecário em seu perfil mais comum ficou
alijado do uso dos instrumentos de infor-
Esses dados foram obtidos de uma mação. E se o profissional em seu ambien-
outra situação social e não se aplicam ao te de trabalho não pôde dispor de tecnologia
grande Brasil onde o problema é mais ele- atualizada, as instituições formadoras mui-
mentar: a educação básica que ainda não to menos. Portanto, o perfil do profissional
foi resolvida. No entanto, sendo o fenôme- formado a partir das duas últimas décadas
no global, é uma questão de tempo tê-lo do século XX não podia corresponder às
presente com todo impacto que traz. Aliás, necessidades. Houve distanciamento entre
no Brasil, tão heterogêneo e diversificado, o profissional da informação e a tecnologia
já é possível observar que uma parte signi- da informação. Os espaços vazios foram
ficativa dos estudantes busca a internet sendo ocupados por profissionais com ou-
como caminho primeiro e único para elabo- tras habilitações que não a Bibliotecono-
rar as suas pesquisas escolares. mia(1).

De imediato assoma a pergunta: qual _____________________________


o profissional que está preparado para en- (1) Vários cursos que formavam bibliotecários pas-
saram a ter outro nome. Aqui se usa o termo
frentar esse novo quadro? Como encarar a
Biblioteconomia porque foi assim que surgiu como
pródiga produção de novas possibilidades profissão legalizada e como área do conhecimento
de armazenamento e da criação de instru- alçada à categoria superior no ensino.
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A partir de 1960, 70, previa-se para a poderia haver desenvolvimento científico.
profissão um caminho seguro, pois a soci- Parece que essa evidência não foi levada
edade, progressivamente, dependia da in- em consideração no Brasil como se os bra-
formação não só para se desenvolver, mas sileiros pudessem queimar etapas e che-
até mesmo para garantir a sua própria so- gar ao desenvolvimento científico e
brevivência. A ignorância, em todas as suas tecnológico sem garantir uma formação
formas, passou a ser considerada como básica de qualidade. Talvez por essa so-
uma das travas que impediriam não ape- freguidão estatal, a informação científica
nas o desenvolvimento econômico-social, assumiu a vanguarda. À deriva ficou a in-
mas também o crescimento do indivíduo formação no âmbito das escolas de primei-
como cidadão conhecedor de seus direitos ro e segundo graus, a base.
e deveres. Os centros de informação
especializados, em áreas diminutas e pro- O reflexo dessa política nas institui-
fundas do conhecimento, garantiam que a ções formadoras de bibliotecários foi a va-
independência econômica do País só po- lorização da “biblioteca especializada” e a
deria ocorrer pelo domínio das informações despreocupação com a “biblioteca escolar”
estratégicas. Havia, portanto, apoio a pro- vista como menor e incapaz de garantir um
gramas nacionais de controle da produção bom emprego. A prioridade estava na es-
científica e de seu componente paralelo: o pecialização necessária ao almejado de-
controle informacional. Isso significava uma senvolvimento científico e tecnológico. E
predisposição para transformar a este só poderia acontecer pela posse e
Biblioteconomia numa poderosa alavanca controle das informações geradoras de no-
de desenvolvimento científico e tecnológico. vos conhecimentos. Foi o período em que
as universidades e instituições de fomento
Os que cursaram Biblioteconomia a à pesquisa viveram tempos de vacas gor-
partir dos anos 70 ficaram sabendo com das. A política de proteção à indústria bra-
toda clareza que as áreas dedicadas à ci- sileira que se alimentaria das pesquisas
ência e tecnologia, com destaque, eram científicas, prescindindo dos avanços da
fundamentais. Na época traçavam-se vas- ciência e tecnologia de outros países, jun-
tos projetos desenvolvimentistas. Particu- taria os cientistas locais aos bibliotecários
larmente, nas duas décadas de regime mi- no esforço de encontrar os melhores cami-
litar essa política foi acionada com vigor. nhos para competir com os países desen-
Os generais mostraram-se sensíveis à idéia volvidos. Um exemplo claro e elucidativo
de um crescimento econômico calçado disso foi a barreira que se levantou para
numa universidade forte que daria respos- impedir a importação de equipamentos de
ta aos desafios científicos e faria o País informática, supondo-se que o País seria
competir com as grandes potências. O in- capaz de produzir o necessário para as
cremento das pesquisas nas universidades suas necessidades. Foram anos de atraso,
seria decisivo na busca de patamares mais uma vez que a indústria nacional não su-
altos de produção tecnológica e ser a re- perava a distância cada vez maior entre a
denção de um país pobre que não tinha fô- produção periférica do país pobre e o avan-
lego para aproximar-se dos mais desenvol- ço rápido das grandes potências. Sem ul-
vidos. Os “tigres asiáticos” da época mos- trapassar esse abismo e tendo as suas por-
travam ser possível crescer e isso era visto tas fechadas para as importações, o Brasil
pela exuberância tecnológica que exibiam. viveu em permanente descompasso com o
Esses países, no entanto, investiram numa mundo que ele desejava ser. Assim, nem
base educacional sólida sem a qual não foi superado o atraso tecnológico e nem se
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cuidou adequadamente do ensino básico, e o da Biblioteconomia – um paradoxo difí-
esse que garantiria a consistência de uma cil de entender e de se aceitar – afastou,
política de desenvolvimento técnico-cientí- de vez, a Biblioteconomia de seu próprio
fico. campo: a informação. Os bibliotecários do
final do Século XX, alarmados pela inva-
Mas enquanto durou a crença na pos- são de outros profissionais em seus cente-
sibilidade de desenvolvimento tecnológico nários domínios prenderam-se a uma legis-
autônomo acreditou-se nas bibliotecas e lação que lhes garantiria o exercício da pro-
centros de documentação como uma neces- fissão em detrimento de outros profissionais
sidade que exigia resposta inadiável. E no – mesmo que fossem muito mais compe-
bojo desse esforço pela autonomia a ser tentes na tarefa de gerenciar informações.
alcançada pelos cientistas e tecnólogos Procurou-se no antigo corporativismo a
destacavam-se, com ares futuristas, a garantia de preservação e crescimento da
Biblioteconomia e Documentação como as profissão. Ao invés de abrir diálogo e esta-
áreas onde estavam os instrumentos sem belecer parcerias com outros especialistas
os quais o projeto nacional não teria como para a troca de experiências, o bibliotecá-
se firmar. Essa Biblioteconomia com rio lançou-se à operosa tarefa de erguer
mainframes passou a ser sine qua non do muros para evitar que intrusos pisassem o
desenvolvimento nacional. seu solo sagrado definido por ele próprio
como “da informação”. Em outras palavras,
A partir do início dos anos oitenta, fir- procurou-se a competência profissional pela
mou-se no período pós-militar a idéia se- lei e não pelo esforço competente.
minal da “democratização da informação”,
sendo gerado dela os programas que bus- No entanto, já nos últimos anos do
cavam garantir a cada cidadão o conheci- Século XX a inquietação veio à tona, pois
mento necessário para a sua inclusão na tornava-se impossível tapar o sol com a
sociedade. Isso motivou uma série de inici- peneira: a Biblioteconomia praticada distan-
ativas ligadas à biblioteca pública, ainda ciava-se cada vez mais do complexo uni-
que essa, ao lado da biblioteca escolar, verso da informação. O fim da profissão
nunca tenha superado os diagnósticos e passou a ser esboçada na linha de um ho-
prognósticos negativos que faziam dela. rizonte próximo. O domínio do computador
cresceu mais na sociedade em geral do que
De qualquer forma, havia um vasto nas bibliotecas em particular. Qualquer ga-
espaço para a Biblioteconomia como im- roto da classe média já podia não só con-
prescindível alavanca da sociedade para a sultar um banco de dados como criá-lo,
busca de seus próprios caminhos – mesmo enquanto a maioria dos bibliotecários, ata-
que já se apresentasse multifacetada e com da a antigas práticas tornava-se anacrôni-
problemas de identidade. Mesmo assim, ca e frágil, sem mesmo sustentar a velha
nas três últimas décadas do Século XX era dignidade que o domínio das fichas lhe
vista como uma profissão não apenas im- dava. O instrumento mais poderoso de
prescindível para a sociedade, mas promis- armazenamento e organização das informa-
sora para os indivíduos que fizessem dela ções, o computador, ficou à margem das
a sua opção. bibliotecas e do ensino da Biblioteconomia.
Sem uma política forte de fortalecimento dos
No entanto, esse prognóstico otimista serviços de informação como necessário à
começou a apresentar fissuras. O aumento autonomia da produção industrial, sem
da distância entre o mundo da informática maiores estímulos, biblioteca e informação
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foram se afastando a tal ponto que, acredi- O especialista, esse que dedicava as
tou-se não haver relações entre ambas. O suas teses a bibliotecários, pois não pode-
bibliotecário viu as suas antigas práticas ria deixar de tê-los a seu lado, passou a
perderem a função, o seu espaço ser inva- adquirir uma certa autonomia. Um cientista
dido e ficou sem saber o que pôr no lugar. com menos de 40 anos, dificilmente, encon-
tra motivo para pesquisar em acervos bibli-
Essa seqüência de fatos condensa- ográficos. O sujeito que procura informa-
dos, em três décadas, e ainda pouco estu- ção tornou-se, cada vez mais, independente
dada exige que se repense o fazer profissi- na busca, usando as ferramentas que os
onal da Biblioteconomia e se procure um computadores em rede propiciam. O catá-
lugar para ela, mesmo que seja preciso logo e o acervo estão em seu escritório, no
recriá-la. computador conectado a milhares de ou-
tros. Esse cientista não só tem ao alcance
dos dedos o que precisa, como pode trocar
2 BIBLIOTECÁRIO/INFORMADOR arquivos e idéias com outros interessados
no mesmo assunto. Ele dispõe de serviços
Aquele que presta informações pro- de informação ligados a centros de exce-
fissionalmente, o sujeito que junta e orga- lências, podendo, de maneira rápida e com-
niza as respostas em vista das prováveis pleta, atualizar-se.
indagações pode ser identificado como
“informador”. Essa atividade cresceu no Uma pergunta obvia que poderia ser
transcorrer do Século XX porque na medi- feita: quem seria o “arquiteto da informa-
da em que tanto o cientista quanto o ho- ção” que modela um banco de dados e o
mem pouco diferenciado da multidão que- dispõe na internet? Responder que seria o
riam saber, aquele muito mais do que este, bibliotecário atualizado seria lógico. Mas
a ação de especialistas em achar o deseja- não é o que ocorre. De um modo geral, ele
do e o necessário passou a ser imprescin- ficou à margem, tendo ele próprio, talvez,
dível. Quanto mais informação o especia- até dificuldades para ser usuário de servi-
lista recebia, mais as combinava, produzin- ços de informação na internet. Em algum
do novos conhecimentos numa cadeia cres- momento iniciou-se uma separação de
cente e cada vez mais rápida. águas, tornando-se a Biblioteconomia mais
um afluente secundário no vasto campo da
Se nos Século XIX e nas primeiras dé- informação.
cadas do Século XX a organização das in-
formações não ia muito além da ordem dada No Século XX, progressivamente, três
a um acervo, tarefa muito bem executada fenômenos ocorreram, abalando séculos da
pelos bibliotecários, nas três últimas déca- rotina bibliotecária. O primeiro trouxe, ao
das a situação tornou-se muito mais com- lado da escrita – o livro – outras formas de
plexa para esse profissional. Esse profissi- expressar idéias e sentimentos: as imagens
onal durante séculos foi o atento zelador e os sons. Foi a reprodutibilidade industri-
das coleções de livros das quais conhecia al, iniciada pela imprensa de Gutenberg e,
todos os mistérios. Esse profissional carre- depois, ampliada para os audiovisuais, que
gou o estigma, que está em seu nome, de provocou a inundação de documentos que,
organizador de volumes nas estantes e num momento, foi identificada como “caos
administrador de empréstimos ou consul- bibliográfico”. O caos, de fato, foi além com
tas. Tinha ele a chave da porta que abria a a produção de gravações sonoras e filmes.
poucos o conhecimento.
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O segundo fenômeno foi a ruptura com disso, não apenas é possível atender a ex-
o registro em suportes concretos e pectativa do público, mas criar expectativa.
organizável como objetos físicos. O térmi- Aí se abre um vasto e complexo campo: a
no da ação bibliotecária não se completa- criação de demanda. Não mais estaria com-
va mais com a coleção rigorosamente or- pleta a atividade do bibliotecário se ele fi-
ganizada e pronta para ser utilizada pelos casse restrito aos usuários ou aos que usam
usuários. Um deles poderia solicitar uma os serviços. A preocupação deve ser com
informação que, necessariamente, não es- o seu público potencial. A maioria não usa
tava numa folha escrita, numa imagem ou e não é porque não precisa, mas simples-
numa gravação. “Como faço para obter a mente porque desconhece os caminhos
minha cédula de identidade?” Provavelmen- para o uso. Tornava-se necessário dar um
te ninguém descreveu os procedimentos sentido social às informações, transforman-
para tal e publicou. Outras perguntas des- do-as em produtos utilizáveis pela socie-
se tipo poderiam ser feitas, obrigando o dade como um instrumento essencial ao seu
informador, se ele quisesse dar respostas crescimento.
a esse tipo de pergunta, a ir, necessaria-
mente, além-registros: caberia a ele a tare- Esses três elementos – multiplicidade
fa de reunir vários dados e organizar um de suportes, informação como serviço para
corpo de informações segundo a demanda um determinado público e a criação da de-
e interesses do seu público. Esse tipo de manda informacional – seriam fatores de
serviço, vasto e complexo, cresceu e tende mudança do perfil profissional. Mais uma
a crescer. No entanto, quem ocupou esse vez o profissional ateve-se ao rigor de suas
espaço foi a imprensa que presta serviços regras organizatórias e deixou escapar o
e que apresenta, diariamente, guias para sentido mais amplo de sua função. Caberia
todas as situações da vida cotidiana. Quan- a ele buscar as informações que o seu pú-
do se deseja uma informação é previsível blico precisa seja nos impressos, nas gra-
que o cidadão se dirija mais vezes a uma vações ou nas imagens para formar o acer-
banca de jornal do que a uma biblioteca. vo, organizá-lo objetivando uma busca, rá-
Esse jornal que o cidadão leva sob o braço pida e precisa, para fornecer não só aquilo
é a sua “biblioteca” portátil, a que suprirá que o usuário pede, mas o que ele precisa.
as necessidades de informação. Convenha- Nesse sentido, o bibliotecário, se houves-
mos que é limitado, mas feito sob medida: se a mutação necessária para acompanhar
o que ele quer é facilmente localizável. Em o tempo, seria um tradutor do saber (o seu
algum momento da história das bibliotecas universo de informações organizadas) para
públicas brasileiras discutiu-se o que foi a vida (o meio onde atua com pessoas, his-
denominado “informação utilitária”, mas isso tória e circunstâncias). E a transformação
não prosperou. Desse desafio de oferecer constante da vida exigiria novas informa-
o que um determinado público quer e pre- ções – numa relação permanente entre in-
cisa, ao que consta, os bibliotecários pou- formação e mutação. Essa concepção não
co participaram. foi regra nas faculdades de Biblioteconomia
e, havendo um descompasso entre a pro-
O terceiro fenômeno foi a certeza de fissão e a sociedade, o bibliotecário deixou
que não basta organizar a biblioteca-loja, de ser, por definição, o arquiteto, o gerente
mesmo que moderníssima, se não existe da informação ou, simplesmente, o
público. É fundamental que o informador informador e se fixou durante décadas no
conheça muito bem a qual público ou pú- Século XX como classificador e catalogador
blicos se destina a sua atividade. A partir de livros. Não basta modernizar as técni-
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cas, é necessário compreender o significa- esse profundamente revolucionário e que
do de informação e conhecimento para o imprimiu uma velocidade espantosa à dis-
meio onde o bibliotecário atua – seja um seminação da informação. Num tempo em
grupo de crianças ou uma comunidade de que a nova informação espalhava-se com
cientistas. a velocidade da composição tipográfica e
do trem a recepção de um fala, a narração
de um fato, de um jogo no mesmo momento
3 DA FICHA AO COMPUTADOR: EM em que aconteciam, provocou uma drásti-
BUSCA DE UMA IDENTIDADE ca mudança das formas de difusão de in-
formações. No Brasil, a Rádio Nacional es-
Durante os quatro séculos de impren- tava na Capital da República, mas o Brasil
sa e o progressivo aumento de produção inteiro ouvia o Repórter Esso. Apesar des-
gráfica o desafio foi sempre o mesmo: or- sas mudanças radicais, as bibliotecas con-
ganizar uma coleção e localizar uma obra tinuaram imutáveis. Sabia-se que os pro-
dentro dela. O catálogo, com o seu aperfei- prietários de receptores acolhiam vizinhos
çoamento lento, resolvia o problema. Bas- para ouvir notícias, mas não há notícia do
tava ter paciência e tempo para percorrer uso da radiofonia em bibliotecas. Como a
várias bibliotecas, vários catálogos e quilô- preocupação estava centrada na coleção
metros de estantes para poder juntar a in- de livros e eles chegavam por navio, trem
formação perseguida. Posteriormente, pe- ou carroça a radiofonia passou ao largo e
las dificuldades de locomoção e tempo que não se entendeu o quanto ela poderia ser
se perdia nesse périplo, sentiu-se a neces- um veículo público de informação.
sidade de conhecer à distância o perfil das
coleções. Progressivamente, o acervo iso- Partindo da necessidade de inovações
lado deixou de apaziguar os pesquisado- tecnológicas para o mercado, cientistas e
res mais inquietos. A partir de um dado tecnólogos passaram a depender, progres-
tema, procurava-se saber o que poderia sivamente, do acesso às informações. A
existir em quaisquer bibliotecas do plane- idéia do “inventor”, aquele que descobriu
ta. A grande produção bibliográfica e a frag- ou criou algo na solidão de seu laboratório
mentação de temas dificultavam encontrar foi cedendo espaço para a criação coleti-
num único local, numa única biblioteca, o va, mesmo que os cientistas estivessem
suficiente: era necessário juntar as partes muito distantes uns dos outros. Se antes
para se ter a noção do todo. Não se per- existia a figura do bibliotecário, homem sá-
guntava mais o que um determinado acer- bio, leitor por definição, conhecedor de seu
vo continha sobre um assunto, mas onde acervo, depois, sem que ele fosse substi-
poderiam ser encontradas informações so- tuído, surgiu a figura do “documentalista”,
bre esse assunto. Em outras palavras: não aquele que se dedicava a um determinado
apenas se procurava saber se havia um tí- assunto, organizava as informações em seu
tulo na coleção, mas o que existia sobre âmbito para que todos os pesquisadores da
um determinado assunto em quaisquer co- área soubessem, exatamente, o que exis-
leções estivesse em Roma ou Lisboa. tia sobre o assunto e, mais importante, quais
eram as novidades. Se em séculos o bibli-
A partir dos anos 20 do século XIX otecário, isolado, bastava para resolver os
uma novidade extraordinária alterava todo problemas de acesso dos leitores aos livros,
panorama da informação e comunicação: a em poucas décadas foi preciso criar novas
radiofonia. Com ela ocorreu a simultanei- práticas para satisfazer as necessidades
dade entre a emissão e a recepção, fato dos pesquisadores cada vez mais
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especializados. A cooperação entre biblio- profissional, que não eram mais, apenas,
tecas passou a ser uma necessidade. Ao organizadores de acervos, mas deveriam
lado da Biblioteconomia surgiu o termo administrar a informação de maneira am-
Documentação – e muita controvérsia. pla num século que, justamente, foi desig-
nado como “século da informação”. Ou o
Bibliotecários e documentalistas fazi- seu próprio século.
am esforços para determinar as suas áre-
as de atuação, defendendo os seus espa- Como foi mencionado, as inovações
ços agressivamente como se fossem anta- científicas cresciam em progressão geomé-
gônicos e não complementares. Aos biblio- trica e o conhecimento, na medida em que
tecários cabia uma defesa intransigente de se aprofundava, dividia-se em novas espe-
seu mundo construído em séculos; os adep- cializações, sempre exigindo o surgimento
tos da Documentação procuravam demons- paralelo de profissionais capazes de conhe-
trar que os instrumentos bibliotecários não cer e administrar as informações relativas
mais respondiam às exigências do tempo. a elas. Quanto mais rápido o desenvolvi-
O que os documentalistas queriam dizer mento da ciência mais veloz deveria ser a
naquela época – no Brasil, a partir da dé- resposta do profissional da informação. Na
cada de 60 – tornou-se óbvio: as buscas medida da segmentação do conhecimento,
não mais se restringiam ao catálogo de um pedia-se um profissional diferenciado para
acervo, mas buscavam tudo sobre um de- múltiplos públicos e temas. Não só foram
terminado tema fosse qual fosse o tipo de se definindo os tipos de bibliotecas – a pú-
documento ou o local onde pudesse estar. blica, a escolar, a especializada – mas essa
última fragmentava-se em especializações
O termo “documentalista” não sufocou temáticas. Aos poucos, desaparecia o bi-
o “bibliotecário” e nem se fixou enquanto bliotecário genérico conhecedor de algu-
modalidade profissional. Permaneceu a mas técnicas que permitiam a ele adaptar-
ancestral denominação, mesmo que se a qualquer área do conhecimento huma-
etimologicamente não se relacionasse mais no ou a públicos tão diferentes como a cri-
com as necessidades e práticas ança e o cientista. Para trabalhar no cam-
informacionais das últimas décadas do sé- po da informação médica ou numa especi-
culo XX. À Biblioteconomia foram incorpo- alização da medicina não bastava conhe-
radas práticas que os polêmicos cer regras ou ter habilidade para organizar
documentalistas trouxeram, alterando em um serviço. Seria fundamental estar famili-
parte o perfil da profissão. Isso foi feito de arizado com o tema. Nessa perspectiva
forma tímida, sem a agressividade compe- parecia razoável a existência de bibliote-
titiva que se esperava do bibliotecário face cário, médico, engenheiro, biólogo, histori-
aos novos perfis profissionais que rapida- ador... E foi muito mais fácil, por exemplo,
mente se definiam, aos avanços ao especialista em DNA, conhecedor de
tecnológicos e às mutações radicais que informática, criar instrumentos de busca de
ocorriam em seu terreiro. informação nesse tema do que fazer um
bibliotecário conhecer genética e o ácido
Havendo incompatibilidade semântica desoxirribonucléico para poder organizar as
entre a prática e a sua designação, os bi- informações produzidas pela e para a área.
bliotecários, com problemas de identidade, Essa especialização galopante e
partiram em busca de uma que os concili- perturbadora foi simultânea ao desenvolvi-
asse com os novos tempos. Entenderam, é mento da informática – que, também, é uma
isso foi refletido nos cursos de formação especialização que se divide em várias ou-
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tras. desgastada, teve o seu nome alterado para
“Ciência da Informação” sem que o seu con-
Logo após a intensa disseminação do teúdo tivesse mudado. Da mesma forma,
personal computer – ele já se equiparava a antigas disciplinas mudaram o rótulo, aban-
um eletro-doméstico sem, contudo, estar donando uma aparência não condizente
presente na maioria das bibliotecas – foi com os novos tempos da informação.
possível integrá-los em rede. Com isso fo-
ram criadas possibilidades novas e extra-
ordinárias para o profissional da informa- 4 PONTO DE PARTIDA: UMA IDÉIA DE
ção. Já não havia mais tempos diferentes UNIVERSIDADE
entre a publicação e a recepção de publi-
cações científicas fosse qual fosse a dis- Não há muito a acrescentar ao que se
tância entre o emissor e o receptor. Nesse escreveu sobre a universidade –
novo cenário da informação, à frente esta- notadamente Anísio Teixeira e Darci Ribei-
vam os próprios pesquisadores. Eles sabi- ro – além dos ajustes que o tempo determi-
am identificar, com segurança, o exato as- na. Os projetos que esses dois educadores
sunto de um texto, o que permitia não só fizeram de instituições de ensino superior
integrar um texto numa determinada orga- ainda são matrizes inspiradoras. Não se
nização como obter outros a partir do mes- sabe, com certeza, se os modelos eram
mo âmbito temático. O uso regular da muito avançados ou se os tempos brasilei-
informática aliado à familiaridade com o ros posteriores tiveram velocidade mais
tema permitiu uma autonomia para o pes- baixa. De qualquer forma, é preciso desta-
quisador que antes não era possível. Disso car aqui o essencial para que se tenha um
resultou o self-service informacional: quem ponto de partida para um esboço mínimo
precisa, pega sem esperar que seja servi- adequado à formação dos profissionais da
do. Não existem certezas sobre o perfil des- informação. Ao que tudo indica, as formu-
ses novos organizadores de bancos de da- lações curriculares precedentes não tive-
dos na internet como instrumento podero- ram essa preocupação.
so de acesso rápido ao que se deseja, mas,
ao que tudo indica, são os próprios especi- A Biblioteconomia, mesmo sendo
alistas com os conhecimentos necessários antiqüíssima como prática, entrou para a
de informática ou aliados a especialistas em universidade como área de conhecimento
banco de dados. muito depois de seu início. No Brasil, isso
ocorreu nos meados do Século XX. Um pro-
Esse novo quadro foi motivo de incer- blema inicial: como transformar um punha-
tezas, inclusive em relação ao perfil profis- do de técnicas em ensino superior? Como
sional do bibliotecário. Dessa busca por um criar teorias a partir da assimilação de roti-
espaço, da caça a uma identidade, surgi- nas? Nas elaborações mentais para equi-
ram novas designações para a velha parar a Biblioteconomia a áreas como Ma-
Biblioteconomia, todas elas girando em tor- temática, Filosofia, Medicina, tentou-se,
no da “informação”. Esse assunto tem sido muitas vezes, torná-la “culta”, apelando-se
discutido nas unidades formadoras de bi- para as disciplinas ditas “culturais” sem que
bliotecários, tanto nas instituições isoladas ocorresse a idéia básica de vincular esses
quanto nas universidades. A situação não estudos socioculturais à informação e à
seria equacionada pela mudança de nomes sociedade, principalmente ao meio para o
dos cursos como ocorreu. A velha qual eram formados os bibliotecários. Eram
Biblioteconomia, semanticamente disciplinas complementares que desperta-
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vam interesse menor. O conteúdo jamais sibilidades de atuação, cria demandas pro-
cairia em concursos. Essas matérias “cul- fissionais. A universidade pública, livre de
tas” faziam contraste com as “técnicas”, pois preocupações imediatas de alimentar o
nas primeiras – introdutórias e rasteiras – mercado com mão-de-obra barata, deve ser
aprendia-se quase nada de tudo e nas se- a formadora de profissionais de elite que
gundas o aluno deveria dominar tudo do se definem pela excelência de sua forma-
quase nada. O sustento dos currículos, a ção e capacidade de criticar e propor. Em
parte substancial deles, sempre ficou reser- outras palavras, é tarefa fundamental da
vada às disciplinas técnicas – essas que universidade pública apontar novos cená-
sempre foram o motivo essencial da exis- rios, indicar os problemas que são delinea-
tência da Biblioteconomia. dos e municiar a sociedade com as respos-
tas. Ela, por definição, será a que está à
Para pensar e propor projetos de for- frente do tempo e, por isso, terá a tarefa de
mação de profissionais que administram construir o tempo.
informações é fundamental ter conhecimen-
tos da situação nesse campo no país ou Para projetar e implantar um curso for-
região onde esses projetos serão implan- mador de profissionais da informação é fun-
tados. Em outras palavras, torna-se impres- damental obter um conhecimento amplo e
cindível saber o que temos e o que devere- profundo da situação dos mecanismos
mos ter para se chegar ao nível que dese- informacionais disponíveis na sociedade.
jamos. A universidade é um instrumento Pouco se conhece da situação das biblio-
criado pela sociedade para que dê respos- tecas universitárias, públicas ou escolares;
tas aos seus problemas – que ela própria muito menos, ainda, se sabe o que ocorre
detecta e antecipa. Para isso, 1) pesquisa nas corporações. Poucas pesquisas foram
e descobre as soluções imediatas ou que dedicaram-se à compreensão do panora-
poderão ser úteis em longo prazo; 2) trans- ma. O que se sabe é mais por suposição.
fere os conhecimentos aos alunos, condu- Não existem dados confiáveis e, muito me-
zindo-os ao domínio de uma área que per- nos, interpretação deles. O resultado é a
mita a eles o exercício de uma atividade formatação de cursos que produzem um
profissional; 3)estende à sociedade esse profissional cujo papel não foi determinado
conhecimento para que ela faça o melhor com clareza. Não se sabe qual função terá
uso dele. Em outras palavras, a universi- e a quem ele servirá.
dade descobre e leva à população o conhe-
cimento de acordo com as necessidades Se a Biblioteconomia de outrora tives-
detectadas. se essa preocupação de adequar-se, rigo-
rosamente à idéia de universidade e à so-
A instituição universitária em países ciedade onde ela se plantou, a trajetória da
pobres, mantida pelos recursos públicos, profissão seria outra. A prioridade dada à
quase sempre aquém do imprescindível, técnica, a insistência no treino das rotinas,
deve, com rigor, perseguir as metas de ser- quase nivelado ao adestramento, fizeram
vir a sociedade que a sustenta. Ela, nesse dos cursos de Biblioteconomia algo menor,
esforço, passa a ser a formadora da elite quase sempre desprezado e sem expres-
pensante e crítica de profissionais compe- são entre as outras áreas do conhecimento
tentes e referenciais. Como instituição que que as universidades abrigam. É preciso
vai muito além da formação de mão-de-obra observar e interpretar o nascimento e mor-
para atender ao mercado de trabalho, ela te desses cursos – exatamente num perío-
estabelece novas necessidades, abre pos- do em que a informação é, freqüentemente,
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vista como “estratégica” para todos os se- da profissão. Mas permanecia o grande pro-
tores da sociedade. blema: vincular essas ações a uma série
de outras para dar um sentido a elas. Clas-
4.1 Técnicas x humanísticas, teoria x sificar e catalogar são atividades que exis-
prática tem em função de algo e não se encerram
em si – como muitas vezes acreditou-se.
Como foi visto, durante décadas, o Nesse período de inquietação de uma
ensino da Biblioteconomia dividia as disci- Biblioteconomia “técnica”, as ações passa-
plinas entre “técnicas” e “culturais”. Há duas ram a ser divididas entre aquelas que per-
hipóteses para explicar essa situação. A mitiam responder ao “como fazer?” e as
primeira indica que, ao sair de um simples outras que não respondiam ao “por que fa-
treinamento para entrar na esfera do ensi- zer?” As “técnicas” tocavam os limites do
no superior, os cursos precisando de um treinamento e se aproximavam do adestra-
perfil mais elevado, inclusive para atingir o mento: um máximo de respostas com um
número de horas regulamentares que as mínimo de reflexão. Já as chamadas “cul-
universidades, pela legislação, exigiam, turais” não mostravam nenhum vínculo com
recebeu o recheio de disciplinas como “Evo- o trabalho profissional e, portanto, não po-
lução do Pensamento Filosófico e Científi- deria fazer ponte entre o específico técnico
co”. A segunda explicação aponta para um e a cena social. Não havia, pode-se dizer,
sincero desejo de obrigar o futuro bibliote- uma idéia para justificar as práticas. Ape-
cário a tomar conhecimento das disciplinas nas existia a prática e, ainda, quase ele-
de caráter humanístico como a Filosofia e mentar: bastava acionar uma série de re-
a História, uma vez que isso seria funda- gras e normas para ser um bibliotecário apto
mental para o exercício da profissão. ao exercício da profissão.

O resultado foi uma justaposição de É preciso destacar que o corpo docen-


disciplinas aparentemente isoladas, entre te dos cursos de Biblioteconomia sempre
as quais não seria possível construir pon- foi formado a partir de seleção de bons pro-
tes. As disciplinas “técnicas” eram centrais fissionais, esses conhecedores do “como
e as outras, meros acessórios que, se eli- fazer”. Nas salas de aula transferiam o que
minadas, não fariam a menor diferença. A sabiam e que usavam com desenvoltura. E
Biblioteconomia mostrava plenamente a sua isso, por certo, ia ao encontro dos desejos
ambigüidade: não ultrapassava o treina- implícitos ou explícitos dos discentes: eles
mento para execução de tarefas rotineiras desejavam o conhecimento técnico como
das bibliotecas, mas exigia enquadrar-se no salvo-conduto para aventurar-se pelo uni-
terceiro grau. O resultado disso foi o previ- verso das bibliotecas visto como mercado
sível: mesmo na universidade, ela perma- de trabalho. Portanto, tudo que não fosse
neceu um curso técnico. técnico correria o risco de ser inútil. Não
havia pós-graduação no Brasil para formar
Atrás desse aparente conflito estava mestres e doutores na área. A bibliografia
um outro, esse muito mais grave: o possí- sempre se mostrou frágil, refletindo o ensi-
vel conflito entre a educação e o mero trei- no das necessidades imediatas: quase nun-
namento. Este, isolado, não teria sentido ca iam além de manuais técnicos. Outros
nos cursos superiores, pois em nada con- textos, que não trouxessem as receitas e
tribuiria para vincular o fazer e o pensar, o bulas não passavam de “filosofia” sem maior
reproduzir e o criticar, a ação e a reflexão. importância. No entanto, a partir da implan-
As “técnicas” permitiriam a ele o exercício tação dos cursos de pós-graduação na dé-
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cada de 70, tornou-se necessário criar um aqueles que dominam as técnicas, mas
corpo teórico-prático plenamente articula- desconhecem como aplicá-las à socieda-
do em suas partes para dar um sentido à de, é tão ou mais perigoso do que aqueles
Biblioteconomia. Foi aí que se constatou a que, sendo humanistas, desconhecem os
pobreza bibliográfica da Biblioteconomia, instrumentos técnicos da ação.
principalmente nas áreas que pudessem lhe
dar substância política. Talvez a pós-gra- Num outro plano, estabelece-se outro
duação tenha sido a comprovação final da antigo conflito: a teoria e a prática. Os cur-
inviabilidade de manter a Biblioteconomia sos de Biblioteconomia, tradicionalmente,
atrelada, exclusivamente, ao campo dos foram identificados como práticos. Afinal, o
procedimentos técnicos. que se esperava de um bibliotecário era
justamente a capacidade de organizar uma
No entanto, a situação nunca foi vista biblioteca. Não teria sentido criar teorias
com clareza, preferindo-se formar para a organização de um catálogo. As te-
aplicadores de procedimentos técnicos a orias, nessa perspectivas, seriam mesmo
profissionais críticos. Tal opção justificava- inúteis, fúteis. Os empregadores sempre
se pela necessidade de atender à deman- buscaram aqueles que tivessem um desem-
da do mercado que, aliás, nunca esteve penho profissional que respondessem à
acima da capacidade dos cursos superio- demanda que deles se esperava. Esse
res de formarem bibliotecários. Discutia-se embate entre teoria e prática é genérico na
nos encontros de bibliotecários que, para universidade, mas na Biblioteconomia nun-
atender a essa necessidade, seria neces- ca motivou polêmicas geradoras de mudan-
sário produzir profissionais que resolves- ças. Ela sempre foi vista e aceita como área
sem os problemas e não se entregassem a com um forte predomínio prático. A pergunta
devaneios filosóficos. “Resolver problemas” “mas, existe curso superior para formar bi-
era equivalente a dominar os procedimen- bliotecários?” refletia essa percepção da
tos técnicos para organizar acervo e servi- ação profissional.
ços; e “devaneios filosóficos” aplicava-se a
qualquer digressão crítica capaz de dar um Os próprios concursos na área públi-
sentido à ação antes de executá-la. Apesar ca para a obtenção de vaga de trabalho,
de alguns avanços isolados, persistiu a como foi dito, sempre procuraram detectar
ação técnica do “como fazer” como a mais o nível de conhecimento que os candidatos
importante da Biblioteconomia e, em várias poderiam ter das técnicas. Isso acabou che-
faculdades, a única. gando ao corpo discente. Alunos,
notadamente aqueles já trabalhando em
Parece um paradoxo, mas os estudos bibliotecas e querendo subsídios para uma
humanísticos dentro da Biblioteconomia atuação mais competitiva, não se entusias-
foram, como regra, apêndices eruditos sem mavam por disciplinas que não lhes ofere-
sentido para o exercício da profissão. No cessem respostas para as suas necessida-
entanto, como humanismo e técnica não se des imediatas. Novamente, faltou o exercí-
opõem, mas se complementam, a cio de inteligência que estabelece pontes
esquizofrenia perdeu o sustento, principal- entre as partes, revelando a incapacidade
mente depois que a universidade deu iní- de ligar teoria e prática, bem como
cio à produção de mestres e doutores. Tor- humanismo e técnica. Talvez, o problema
nou-se claro que não tem sentido a sepa- esteja nos expositores das teorias: não en-
ração das partes e toda a tentativa nesse contrando as pontes que permitam o trân-
sentido é potencialmente perigosa porque sito, permanecem isolados e, vistos pelos
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olhos mais pragmáticos, inúteis. De qual- vários, como será visto, indica que há vari-
quer forma, na Biblioteconomia, referir-se ações conforme o campo onde atua. De
a alguém como “teórico”, sempre teve uma qualquer forma, a base humanística é im-
dimensão pejorativa. prescindível em qualquer situação.

A aplicação de respostas previamen- 4.2 Mercado x sociedade


te determinadas, no entanto, nunca foi su-
ficiente para estabelecer o bibliotecário A opção por uma carreira profissional,
como um profissional capaz de enfrentar como regra, é feita pelo jovem de acordo
novas situações e criar respostas a elas. com uma suposta garantia de boa coloca-
Fora do manual, das regras, da rotina ele ção no mercado de trabalho: se há campo
tem dificuldade para atuar. Em vários mo- para uma atuação tranqüila e bem remune-
mentos da trajetória do ensino da rada, a carreira se torna atraente para um
Biblioteconomia no Brasil, perguntou-se se número maior de jovens. As carreiras mais
o curso, naquele formato, tinha um perfil que promissoras são mais procuradas, princi-
justificasse ser “superior”. Da forma como palmente nas instituições públicas. Isso
as disciplinas eram ministradas, a resposta pode provocar uma acirrada disputa pelas
seria negativa. Adequava-se mais ao perfil vagas. Como o trabalho em bibliotecas nun-
de um curso técnico do segundo grau. ca se caracterizou como opção fundamen-
tada nas possibilidades pecuniárias, às
Supondo que possa haver conflito sem vezes, existem mais vagas do que candi-
possibilidade de conciliação entre a teoria datos. A opção pela Biblioteconomia é feita
e a prática, o que não é correto, a opção por outras motivações. Uma delas, muito
mais vantajosa em termos profissionais é a citada, é o gosto pela leitura ou o amor aos
primeira. Quem é capaz de fazer análise e livros. Outra, não tantas vezes citadas, é a
crítica de determinadas situações em ter- baixa competitividade na disputa pela vaga.
mos de controle de informações e de suas
relações com o público, saberá, sem maio- A Biblioteconomia, uma profissão não
res dificuldades, buscar as respostas na reconhecida pela sociedade como o é a
bibliografia e aplicar os instrumentos práti- Medicina ou a Engenharia, e, ainda, uma
cos para resolver esses problemas. das que oferecem as mais baixas remune-
rações no mercado de trabalho, precisou
Em termos da carreira profissional, os obter perante a lei o reconhecimento de si
que justificam a prática alegam que o re- própria e a criação da “reserva de merca-
cém formado que a desconhece terá mui- do” para os diplomados nela. O
tas dificuldades para entrar no mercado de corporativismo projetado na legislação as-
trabalho. Mas aqueles que observam aten- segurou aos egressos dos cursos de
tamente percebem que o bibliotecário que Biblioteconomia, e somente a eles, um lu-
progride mais rápido na carreira e chega gar de atuação profissional no âmbito das
aos mais altos postos são aqueles que, não bibliotecas e centros de documentação –
apenas mostram conhecimento prático, mas isso desde que existissem vagas. Como o
dominam o discurso analítico e crítico. mercado de trabalho não é disputado pe-
los diplomas que se apresentam, mas pela
Uma decisiva pergunta pode ser fei- competência demonstrada numa seleção
ta: o profissional da informação é formado para a obtenção de um emprego, a legisla-
no campo das humanidades ou das ciênci- ção “não pegou”. Isso quer dizer que o
as? A fragmentação do bibliotecário uno em “exercício ilegal da profissão”, desde que a
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lei foi promulgada, passou a ser praticada fissional que, na prática, demonstrou não
intensamente. Em contrapartida, a lei não ser imprescindível nos muitos cenários onde
chega a um vasto contingente de trabalha- atuou ou atua.
dores que, efetivamente, atua no campo da
informação, ainda que isso não conste do No exercício profissional, a força mai-
currículo. Há como escapar dessa legisla- or é o mercado. As instituições formadoras
ção, quando o empregador a conhece ou e, principalmente, os alunos sempre fica-
quando ela o assusta. Assim, uma varieda- ram atentos a ele. No entanto, o que o mer-
de de trabalhos claramente situados no cado pede nem sempre é o que a socieda-
âmbito da coleta, organização e difusão de de precisa. É nessa perspectiva que as
informação deixaram de ser “bibliotecas” ou universidades públicas têm tarefas funda-
“centros de documentação” e passaram a mentais. Uma dessas ações básicas é a
ser administrados por economistas, admi- pesquisa das necessidades e das deman-
nistradores de empresas, jornalistas, histo- das reais. Isso só poderá ocorrer por meio
riadores, etc. No âmbito das corporações de um constante mapeamento da socieda-
existem atividades típicas dos profissionais de para detectar as suas carências de in-
da informação; o mesmo ocorre nos meios formação, os quadros seculares de miséri-
de comunicação e na internet onde são ra- as em todos os segmentos, da educação
ros os bibliotecários. As bibliotecas de em- fundamental às áreas de especialização.
presas, mais atrativas do ponto de vista fi- Esse tipo de estudo ainda não foi feito no
nanceiro, passaram a ter outras denomina- Brasil e tudo que se diz a respeito de bibli-
ções como, por exemplo, centros ou servi- otecas ou, mais amplamente, de serviços
ços de informação. Ou evoluíram para “in- de informação, são dados inconsistentes,
formação estratégica”, “gestão do conheci- conjecturas, conclusões impressionistas.
mento”, deixando ao largo os que se for-
maram em Biblioteconomia. Para esses Há décadas são formados bibliotecá-
espaços profissionais nem mesmo se pro- rios sem que se estabeleça uma relação
curou o bibliotecário, pois a ponte entre “in- entre eles e as necessidades porque, sim-
formação” e “biblioteca” raramente era fei- plesmente, elas não são conhecidas. To-
ta. Então, se por um lado havia uma legis- mando-se como exemplo a área mais deli-
lação que procurava proteger os gradua- cada e estratégica – a informação no ensi-
dos, por outro existia os fatos reais que no fundamental – verifica-se que não há
separavam o bibliotecário da informação. uma pesquisa consistente que mostre
quantas escolas não têm bibliotecas,
Não é a legislação que conferirá im- quantas existem e como são, o que repre-
portância a um desempenho profissional, sentam no processo educacional, etc. Além
mas o reconhecimento social que se tem disso, não se sabe quantas deveriam exis-
dele. Precisa-se de um médico porque ele tir, como poderiam ser, que tipo de forma-
cura, de um engenheiro porque ele vai ga- ção teria o profissional que nelas atuassem.
rantir a solidez da ponte. O bibliotecário não A partir desse quadro de ignorância gene-
firmou a sua relevância para o meio onde ralizada, não é possível que se saiba que e
atua. Ele pode ser substituído por qualquer quantos bibliotecários formar para atender
trabalhador, inclusive com baixa escolari- às necessidades do meio. Com a identifi-
dade, como acontece na maioria dos ca- cação e quantificação das carências, a uni-
sos. Esse conceito negativo da profissão versidade pública, pelas suas pesquisas,
não é produto apenas da ignorância do meio poderá indicar os caminhos para superá-
social, mas também do desempenho do pro- las, dando respostas satisfatórias aos pro-
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blemas que existem. Em outras palavras: é a profissão esgotara o seu ciclo e não ha-
necessário que seja feito um diagnóstico via como resgatá-la. Por outro lado, foi fei-
para que se aplique a terapia mais correta. to um esforço no sentido de buscar as saí-
das. De qualquer forma, a Biblioteconomia
Vistas pelo ângulo do mercado, as bi- conhecida morrera. Seria preciso recriá-la.
bliotecas escolares não teriam espaço no Ou criar uma nova profissão. À antiga pro-
ensino de Biblioteconomia porque não há fissão não bastava mais apenas uma atua-
uma demanda para esse tipo de atuação. lização, mas pedia um perfil profissional que
E quando há, os salários são baixos. As se enquadrasse nos rumos da “sociedade
instituições formadoras dão as costas para da informação”. A imagem do bibliotecário
um profissional sem espaço. No âmbito do organizador de acervos, construída duran-
ensino privado e com fins lucrativos, essa te séculos e estereotipada pela literatura,
postura até se explica. Como cobrar men- cinema e até mesmo pela publicidade en-
salidade de um futuro bibliotecário que, pro- trava, definitivamente, na galeria dos pre-
vavelmente, vai ter dificuldades para con- cursores. Os novos caminhos não foram
seguir um emprego e se conseguir vai ga- uma seqüência do trabalho bibliotecário.
nhar pouco? Sem alunos pagantes, essas Várias ações novas foram detectadas, prin-
instituições não têm como sobreviver. Já na cipalmente no campo da internet e dentro
universidade pública a preocupação exces- de um fenômeno identificado como
siva com o mercado não apenas é incom- globalização. Biblioteconomia e informação,
preensível como se mostra perversa. Uma por vezes, pareciam não se relacionar. A
entidade mantida com recursos públicos informação assumiu um caráter estratégi-
tem o dever de formar profissionais que co para povos, corporações e pessoas. E a
sejam necessários à sociedade. E se não Biblioteconomia para ter um sentido no
há mercado para eles ou se os salários são campo da informação/comunicação não
baixos, é preciso reverter a situação. E teve outra alternativa senão tomar novos
quem fará isso não são os governadores, rumos.
prefeitos ou deputados, mas os próprios
profissionais, aqueles que receberam a É tarefa difícil desenhar esse novo
melhor formação e têm competência e lide- profissional uma vez que o Brasil e os paí-
rança para mudar a paisagem. O desafio ses pobres de um modo geral vivem múlti-
maior não é produzir profissionais para ocu- plos tempos históricos que se cruzam com
par as vagas do mercado, atendendo a uma várias classes sociais, formando um qua-
demanda existente, mas formar aqueles que dro social complexo e carregado de confli-
vão inventar as novas possibilidades de tos. Se por um lado, alguns setores estão
atender às necessidades. atualizados com o Século XXI, tendo à dis-
posição todos os benefícios da tecnologia,
por outro, convive-se com altas taxas de
5 O PERFIL PREVISÍVEL analfabetismo e miséria. Todas as profis-
sões deparam-se com esse mesmo quadro,
Foram as mudanças tecnológicas – mas para algumas delas a situação é mais
pequenos discos contendo um número gi- complexa. Se a educação é alavanca de
gantesco de informação e a rapidez para mudanças sociais, se o conhecimento é
executar a rotina essencial: armazenar e imprescindível para o desenvolvimento,
recuperar – que provocaram na área da entende-se que os serviços de informação
Biblioteconomia um justificado alvoroço. sejam imprescindíveis. A complexidade está
Numa visão apocalíptica, acreditou-se que em oferecer serviços tão variados quanto a
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própria diversidade social. fazer.

Mesmo observando-se de modo rápi- 5.1 As novas técnicas


do o quadro sociocultural brasileiro e, den-
tro dele, particularmente, as bibliotecas e As mudanças tecnológicas menciona-
serviço de informação, percebe-se uma das provocaram uma série de abalos na
heterogeneidade que pede profissionais antiga e sólida base de regras e procedi-
com habilidades tão diferentes que pare- mentos manuais da Biblioteconomia. Um
cem de profissões distintas. O que um bi- deles, pôs por terra uma das bases da pro-
bliotecário escolar do interior do Brasil tem fissão: a catalogação e a classificação. Um
em comum com o responsável pela infor- exemplo: a tiragem de mil exemplares de
mação estratégica de uma empresa um livro destinada a esse mesmo número
multinacional? Se fossem formados profis- de bibliotecas teria, décadas atrás, de pas-
sionais para cada uma dessas situações, sar pelas mãos de mil bibliotecários ou, pelo
por certo existiriam profissionais incapazes menos, de alguém que dominasse as re-
de dialogar tal a diferença de objetivos e gras de classificação e catalogação sufici-
de ações. No entanto, na prática contem- entes para executar as tarefas. Com o de-
porânea, não é isso que acontece: forma- senvolvimento da rede de comunicação
se um mesmo bacharel em Biblioteconomia, entre computadores, o mesmo livro pode-
um profissional genérico, para responder a ria ser catalogado e classificado em um
todas as demandas. Provavelmente, a sua único local e por uma pessoa. Imediatamen-
atuação tenderá a ser genérica, superficial te esse trabalho seria compartilhado por 999
e pouco reconhecida. outros profissionais. Na relação custo/be-
nefício, não há dúvida que a segunda pos-
A maioria dos cursos que formam bi- sibilidade é menos onerosa e mais segura.
bliotecários está no âmbito da universida- Isso, sem mencionar que o conteúdo do
de pública. Ela busca dar respostas às ne- referido livro poderia estar disponível na
cessidades sociais. E elas são rede, rompendo com livro enquanto objeto
diversificadas, variáveis. É preciso dar res- físico de tantos séculos para ser virtual. Em
postas competentes para solucionar esses outras palavras: as chamadas atividades
problemas específicos, buscando de todas técnicas para estabelecer o assunto do tex-
as formas o desenvolvimento pleno e har- to, as suas características e o próprio con-
mônico da sociedade. Chega-se à conclu- teúdo, sem nenhuma dificuldade, estariam
são que formar profissionais da informação à disposição dos interessados a partir de
exige não o bibliotecário polivalente, o centros geradores. A centralização, poten-
factotum, esse que sabe de tudo um pouco cialmente planetária, comprometeu o traba-
e é incapaz de ser competente em qualquer lho local elaborado artesanalmente.
campo, mas o profissional com formação
específica e preparado para atuar em áre- Isso permitiu e facilitou a criação de
as distintas face a diversidade de públicos centros temáticos que trocam ou fornecem
e quadros sociais. Sem atender a essa di- informações para públicos específicos. Es-
versificação, sem dar bases teóricas e trei- ses centros, como uma conseqüência das
nar rotinas diferenciadas, os cursos conti- novas possibilidades tecnológicas, passa-
nuarão formando técnicos mais ou menos ram a funcionar conectados, integrados em
abstratos, ignorantes das condições da so- rede cada um tendo as suas atribuições
ciedade onde vivem e das relações que previamente definidas. A produção de tex-
poderiam se estabelecer entre o saber e o tos novos e de qualidade torna-se o único
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desafio, pois a sua distribuição não encon- cumento, pelo acervo, colecionismo ou pelo
tra barreiras: no momento em que é inte- aspecto documental, histórico. Há, ainda,
grado na rede, dentro de determinadas re- no livro a portabilidade e o conforto de lei-
gras, está disponível para todos que tenham tura que a tecnologia não resolveu. Nestes
a chave para abri-la. Os novos estudos nem primeiros anos do Século XXI, o acesso ao
chegam a ser impressos no papel: são sub- conhecimento aponta para a internet como
metidos aos interessados e, se for neces- uma possibilidade mais viável. Ela, em alta
sário, poderão ser impressos em suas ca- velocidade, oferece as informações neces-
sas ou escritórios. Para quem necessita da sárias para o desenvolvimento técnico-ci-
informação mais precisa, no tempo mais entífico. Como é avaliada e valorizada do
curto possível e com o menor custo não se ponto de vista econômico, terá uma impor-
preocupa se ela é real ou virtual. Certamen- tância compatível às possibilidades de ge-
te, um número cada vez maior de estudos, rar lucros. Parte substancial das ciências
relatos de pesquisas, deixam de passar pelo está montada nessa perspectiva. Os inves-
processo gráfico, tornando-se disponível timentos são feitos como se faz em qual-
apenas na internet. quer negócio, incluindo aí as atividades que
tornam os textos acessíveis. Há o mercado
No campo da informação, pode-se da produção de informação, que para ser
constatar o aumento da velocidade de dis- utilizada pede uma organização, que gera-
seminação, a fragmentação temática, es- rá novos conhecimentos para, finalmente,
pecialização e aprofundamento de aborda- produzir lucros.
gem. Só os especialistas poderão dialogar
dentro de seus espaços específicos na web, A internet é um fenômeno
formando comunidades onde todos são ini- recentíssimo que gera discussões, produ-
ciados e com a capacidade de compreen- zindo céticos que não acreditam em suas
der e comunicar. A tecnologia que propi- possibilidades como biblioteca doméstica,
ciou isso foi criada e aperfeiçoada por en- pessoal; e apocalípticos que profetizam o
genheiros, físicos; a organização dos ins- fim do livro e dos acervos. De qualquer for-
trumentos da informática, quase sempre ma, a internet é utilizada por uma faixa mí-
bancos de dados, ficou por conta de profis- nima da população. Mas se conjectura que
sionais especialistas em softwares; já o os acessos aos sites que oferecem textos
conteúdo é domínio do especialista – ele para a “pesquisa” dos escolares já ultrapas-
conhece o assunto e faz uso regular do saram o número de visitas às bibliotecas
serviço. Na internet não são necessários que atendem à demanda dos estudantes.
os intermediadores, principalmente se o Este fenômeno, tão visível, sinaliza fortes
produto está direcionado para os especia- mudanças e põe em cheque currículos e
listas. Esse é um dos critérios para tornar métodos de ensino dos cursos de
viáveis os sites: devem ser auto-explicáveis. Biblioteconomia.
Se cabia ao bibliotecário a realização de
várias tarefas para facilitar aos pesquisa- Para a informação restrita a uma área,
dores a obtenção do material de pesquisa a internet é um avanço que aniquilou as
necessário a eles, pós-internet o especia- práticas precedentes. O acesso rápido, pre-
lista direciona-se para a auto-suficiência. ciso e atualizado impôs à ciência uma nova
velocidade, levando o texto na internet a
Os livros, documentos reais, persisti- uma perecibilidade inédita. As informações
rão em acervos públicos e privados mais na internet tendem a ser descartadas uma
na perspectiva do prazer bibliófilo pelo do- vez que a produção de novidades torna
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descartável o texto anterior. Os conteúdos possível, apenas um, seriam capazes de
disseminados pela rede de computadores atender à demanda de todos os especialis-
são rapidamente substituídos. Se houver tas em um assunto.
um descompasso entre a produção e a dis-
seminação a desatualização e o descrédi- As mudanças ocorrem em dois cam-
to serão inevitáveis. pos: o tema e o público. A formação do pro-
fissional da informação, de um modo geral,
O bibliotecário nessa nova circunstân- permaneceu idêntica para modalidades di-
cia, para não ser apenas um bibliófilo, de- ferentes de temas e públicos. Assim, por
verá assumir novas funções que exigirão, mais estranho que possa parecer, é igual a
também, novos conhecimentos. formação que se dá nos cursos de
Biblioteconomia ao que, por exemplo, de-
5.2 O generalista em extinção seja atuar numa empresa e ao que optou
pelo trabalho com crianças. Tanto o tema
Nos campos da ciência e da quanto o público são completamente dife-
tecnologia nas últimas décadas ocorreram rentes. O que diferencia uma área da outra
tantas transformações que tabelas tipo CDD é menos o instrumental técnico e mais,
ou CDU deveriam ser refeitas várias vezes muito mais, o público e o assunto. Durante
ao ano para acompanhar as mudanças. A décadas a formação do bibliotecário preo-
rápida segmentação do conhecimento em cupou-se unicamente com os graus de com-
áreas específicas – quanto mais se plexidade técnica. Para uma biblioteca in-
aprofunda mais se especializa – indicava fantil, seriam utilizados procedimentos téc-
que uma ação correspondente nos servi- nicos elementares. A partir disso, entendeu-
ços de informação deveria ocorrer. A res- se que o bibliotecário escolar seria um bi-
posta foi a criação de centros especializa- bliotecário menor quando de fato ele é es-
dos de informação conduzidos por profissi- pecializado em crianças. Nessa perspecti-
onais capazes de compreender o universo va menos vale Dewey do que um estudo de
temático específico. Para o usuário Piaget.
centrado numa especialização mínima
conectar-se a um centro que pudesse co- Se a Biblioteconomia for encarada
brir integralmente a sua área significou eco- exclusivamente pelo ângulo técnico – e foi
nomia, principalmente de tempo. Cada tema isso que aconteceu – basta relacionar to-
passa a ter um vocabulário controlado es- das essas habilidades, do mais elementar
pecífico que só tem sentido num serviço livro de tombo até aos mais complexos ban-
especializado e para usuários homogêne- cos de dados, da mais simples tabela de
os em suas demandas. A condição para classificação a intrincados problemas de
esse usuário acompanhar o desenvolvimen- terminologia para ter todos os problemas.
to de sua área é, dentro da internet, De posse desse imenso menu de procedi-
conectar-se ao site que o manterá atuali- mentos, empacotado com o diploma, o fu-
zado diariamente. Como o acesso é relati- turo bibliotecário estaria plenamente habi-
vamente barato graças à eliminação das litado ao exercício profissional. Nas ativi-
distâncias, à redução dos custos de dades práticas, para a obtenção de resul-
armazenamento e à redução drástica de tados positivos, seria necessário apenas
gastos com recursos humanos determina- escolher os procedimentos mais adequa-
do pela automação, esses serviços de in- dos sem maiores preocupações com o pú-
formação foram, aos poucos, integrando-se blico e o campo temático do acervo e servi-
de tal forma que uns poucos e, no limite ços. O resto seria eliminado da memória por
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ser inútil. O aluno de Biblioteconomia, por ternas. O resultado desse descompasso
certo, aprenderia mais do que o necessá- entre o profissional que se precisa e o que
rio para o exercício profissional reduzido à se tem é o descarte daquilo que se tem,
aplicação de procedimentos adequados. mas que não funciona. Em outras palavras,
São quatro anos de estudos voltados es- o bibliotecário tradicional acaba sendo des-
sencialmente a um feixe de operações prá- cartado. Ou, pelo menos, não participa das
ticas para situações diversas. No entanto, inovações no campo onde ele, antes das
se o tema e o público fossem considerados profundas mudanças nas últimas décadas
significativos para o profissional da infor- do Século XX, exercia domínio.
mação, os cursos atuais seriam inadequa-
dos para formá-lo. Como o assunto e o pú- 5.2.1 Informação para a educação
blico são absolutamente necessários para
que se faça uma correta arquitetura da in- A Biblioteconomia, teimosamente, fi-
formação, o aluno sairia desprovido do im- cou indivisível, peça única e polivalente: o
prescindível – como um cirurgião que apren- bacharelando poderia tomar qualquer rumo
deu a operar sem conhecer muito bem o depois de formado, pois tendo habilitação,
paciente e sem ter muita certeza a respeito estaria hábil para exercer as suas funções.
da doença. Se isso teve sentido em outros tempos,
porque os acervos e o público eram mais
As técnicas são simples instrumentos, homogêneos, no Século XXI não é mais vi-
necessários, mas insuficientes. Tratando- ável.
se de uma atividade em que há um público
receptor, é imprescindível que ele seja iden- Uma primeira e óbvia divisão deve ser
tificado com clareza e conhecido profunda- feita: os serviços para adultos e crianças e
mente para que possa haver, pelo menos, adolescentes. Estas, mesmo de classes
o diálogo essencial. Será impossível existir sociais diferentes, não se mostram tão di-
um trabalho voltado, por exemplo, para a ferentes umas das outras quanto os adul-
informação na empresa se não existir por tos. Estes, com o transcorrer dos anos, seg-
parte daquele que se propõe a prestar in- mentam-se em grupos bem diferenciados
formações aos que nela trabalham o domí- pela escolaridade, nível econômico, profis-
nio do assunto – tanto administração de sões, expectativas. Se a escolha for para o
empresa quanto a área específica onde ela público adulto há uma nova divisão: servi-
atua. E aí surgem duas questões: a primei- ços para público heterogêneo – caso da
ra, já mencionada, é relativa à autonomia biblioteca pública – e serviço para público
progressiva do usuário. E a segunda é uma homogêneo como, por exemplo, adminis-
constatação: é inviável formar profissionais tradores de empresas, cientistas, historia-
da informação se ele não souber o que in- dores, etc.
formar. Afinal, ele é o crivo das informações.
Por esse motivo, quem está atuando no É, portanto, possível delimitar três áre-
mercado da informação é o que domina o as distintas e dividir, assim, os currículos
assunto e não as técnicas polivalentes. Um para formar profissionais da informação. A
administrador de empresa que se especi- primeira é o campo da mediação que deve
aliza em informação é o caminho mais cur- ser estabelecida entre a informação e os
to para a obtenção de bons serviços. Já o escolares ou, amplamente, as crianças e
bibliotecário sem o conhecimento do cam- adolescentes. Essa é uma área abandona-
po temático onde atuará, provavelmente, da, ainda que fundamental e de importân-
desenvolverá atividades de rotina e subal- cia estratégica para o desenvolvimento da
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sociedade. Na memória brasileira ainda conflituosos caminhos do conhecimento. Já
está viva as duas décadas de regime mili- ao professor cabe uma outra ação comple-
tar que priorizou o desenvolvimento cientí- xa: além dos discursos e exercícios, há o
fico para garantir uma indústria nacional desafio permanente de capacitar o educan-
sem que houvesse um esforço maior para do de tal forma que ele desenvolva uma
solidificar a base educacional da pirâmide. reflexão própria, criando o seu próprio dis-
Em outras palavras, sem um bom ensino curso. Essa interação entre dois profissio-
de primeiro e segundo graus e boas biblio- nais voltados para a infância e adolescên-
tecas, não há como produzir cientistas, cia pode ocorrer a partir de suas especiali-
mesmo que eles disponham de boas bibli- zações. Enquanto um trabalha para orga-
otecas. nizar acervos, espaços e as navegações
prazerosas pelo saber, o outro discute, pro-
Do ponto de vista das necessidades voca, introduz a dúvida e exercita o edu-
técnicas tradicionais, o que se espera des- cando à produção de idéias e à aquisição
se profissional voltado à educação é o mí- da autonomia de pensar.
nimo. No entanto, há pela frente um públi-
co que vai exigir muito além da simples lo- Nessa perspectiva, o bibliotecário que
calização de um livro. Nesse caso, o pro- atua junto aos escolares está em sua ação
fissional tem a sua função ampliada: ele sai integrado ao professor. Como nos países
de seu cenário e ações típicas e passa a mais pobres o que existe nas escolas é
pensar e interagir com o seu público. A per- muito pouco além do quadro negro e do giz,
gunta que pode ser feita é se, nesse caso, o professor é o elemento único, quase sem-
o profissional não ultrapassa os seus limi- pre incapaz de ir além de transmissor de
tes e invade a área do professor. Essa dú- um pacote de informações limitado – quan-
vida só ocorre quando se entende o ensino do chega a isso. São milhares de escolas
fundamentado no discurso do mestre em sem acervos e sem mediadores de leitura.
sala de aula. Se houver a superação da aula São milhões de crianças que têm a sua
expositiva pela busca de outras informações potencialidade criativa desenvolvida aquém
e a descoberta do prazer de achar, quem do possível e desejável, quando não
se responsabiliza pelos acervos passa a ter atrofiada. A formação de professores-bibli-
uma importância superior ao que se otecários ou bibliotecários-professores não
convencionou atribuir ao bibliotecário. é necessária apenas para atender a deter-
minado e restrito mercado de trabalho. Essa
Cabe a ele não só atender à deman- formação quase inexistentes é necessária
da, mas principalmente criar a demanda como parte fundamental da estratégia de
pela leitura. Isso significa que esse profis- uma nação para o seu desenvolvimento.
sional exerce funções de educador – o que Criança que só depende do professor e não
é muito diferente de um mero organizador tem acesso ao mundo do conhecimento
de acervos e de empréstimos. Ele trabalha amplo e diversificado, cresce se amputan-
num cenário e com elementos específicos: do.
as informações registradas, seja em que
suporte for, pelas quais deve conduzir e Esse vazio só poderá ser preenchido
seduzir o educando. A atividade dele é par- quando as instituições que produzem os
tilhada com o professor. É tarefa do media- profissionais da informação formarem não
dor de leitura organizar não apenas o acer- apenas profissionais habilitados a ocupar
vo, os serviços e o ambiente, mas estabe- esses espaços, mas lideranças que, agin-
lecer o itinerário pelos infinitos e do politicamente na sociedade, possam
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contribuir para o seu desenvolvimento. bros da classe alta e miseráveis. Sendo
Quando se pergunta por que não existem público, o serviço estará voltado à popula-
programas de apoio à leitura nas escolas, ção, sempre atento ao objetivo central que
a resposta tende a incriminar os adminis- é fornecer as informações na hora em que
tradores públicos, aqueles que vencem as elas se fizerem necessárias.
eleições. Há, sempre, um superior culpa-
do. Raramente os cursos de Essa heterogeneidade aprofunda-se
Biblioteconomia e os profissionais se per- quando se observa a abrangência temática:
guntam o que estão fazendo para superar ela vai de um filme infantil a um tratado eru-
essas deficiências seculares. A informação dito de Filosofia, de história em quadrinhos
no processo educacional é desvalorizada a uma ópera, de um periódico a uma infor-
no mercado de trabalho e esse passa a ser mação de uso imediato. Quando se relaci-
um critério para desvalorizá-la nos cursos onam essa vastidão temática com a
de Biblioteconomia. A superação dessa heterogeneidade do público, o quadro tor-
anomalia que tantos malefícios traz à soci- na-se complexo para qualquer profissional.
edade deve ser iniciada nos cursos que for- É preciso fazer recortes minuciosos no cam-
mam não só profissionais da informação, po temático e seleção cuidadosa na popu-
mas líderes. lação para permitir uma perfeita corres-
pondência entre o conhecimento recortado
5.2.2 Informação pública e o perfil de um segmento do público.

O campo da informação pública Do ponto de vista técnico também a


descortina tantos problemas que se torna o informação pública exige domínio amplo.
mais complexo e que exige maior atenção. Mas não para organizar um acervo biblio-
Ele une dois desafios: o público é tão hete- gráfico que isso não é mais um desafio. Os
rogêneo quanto a informação. Quanto mai- problemas surgem pela multiplicidade de
or for a homogeneidade, tanto de público acervos e pela organização informativa que
quanto de informação, menos complexas prescinde de acervo. É possível manter uma
são as ações para informar. Se ambos fo- biblioteca, uma fonoteca e uma videoteca,
rem homogêneos, há um grau maior de fa- todas relacionadas, mas é preciso também,
cilidade para encontrar a informação certa dar informações que permitam às pessoas
para o usuário certo. No entanto, num ou- viver em sociedade: direitos e deveres dos
tro extremo, se os dois forem heterogêne- cidadãos, organização social, governo, tri-
os, chega-se ao máximo de dificuldade. butos, serviços públicos, etc. Por exemplo:
se alguém solicita informações sobre “meio
O serviço de informação pública deve ambiente” é possível indicar livros, revis-
estar voltado para a cidade, abrangendo tas, documentários em vídeo, as leis muni-
toda a sua população, de baixa ou alta ren- cipais sobre o assunto, as organizações
da, com ou sem escolaridade, de todas as civis e suas ações. Uma parte é o acervo e
faixas etárias. Relacionando-se essas situ- a outra são as compilações já prontas e
ações umas às outras multiplicam-se as di- atualizadas ou que deverão ser feitas se-
ficuldades para executar ações corretas, gundo a demanda. Para cada assunto, po-
eficazes. Isso significa que, de bibliotecas dem ser levantadas informações de várias
convencionais a centros de cultura e infor- fontes. Sendo detectado o nível do
mação, há uma condensação de dificulda- solicitante, de um grupo deles ou até de uma
des porque deverá atender a criança e o área urbana ou rural, os dados que serão
idoso, o analfabeto e o universitário, mem- oferecidos deverão ser perfeitamente ade-
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quados ao perfil do solicitante ou para um ornitólogo, mesmo que o instru-
formatados de acordo com a demanda. mental técnico seja semelhante. Aliás, se
for feito um cotejo entre o valor do conheci-
Esse quadro de sensibilidade política mento da área e o valor do domínio de téc-
e de competência técnica deverá contar nicas, esta será menos valorada. As técni-
com um profissional versátil e plenamente cas são delineadas de acordo com campo
informado a respeito do grupo social onde temático. A recuperação da informação é
atua e com conhecimentos básicos das vá- realizada a partir de palavras que encer-
rias áreas do conhecimento. Sem isso será ram conceitos. Se esse universo semânti-
um técnico mecânico encarregado de man- co não for dominado, haverá bloqueio à
ter a rotina ou um erudito que não sabe obtenção das informações desejadas. As
como estender o conhecimento que admi- palavras portam conceitos e sem o conhe-
nistra. Essa é a condição básica para o cimento deles elas pouco significam. E sem
exercício pleno de suas habilidades. De elas não se constrói a “busca”. Além disso,
pouco valerá uma organização técnica sem é fundamental valorar a informação. Se o
que ela esteja adequada ao público para o profissional não consegue perceber entre
qual existe e ao conhecimento que lhe seja várias informações quais são as mais im-
necessário. Esse profissional deve ter in- portantes para o corpo onde atua, prova-
formação ampla, variada, ter sensibilidade velmente ele não terá a sua ação valoriza-
para sentir o meio social e capacidade de da.
perceber os sinais que dele emergem. Se
assim não for, existirá o técnico das rotinas Mesmo que a “Biblioteconomia espe-
e não aquele profissional que se espera, cializada”, como era conhecida, fosse con-
capaz de mudar o meio onde vive. siderada a mais promissora, aquela sobre
a qual se depositava as esperanças da ne-
5.2.3 Informação para especialistas cessidade de bibliotecários num mundo de
especialistas, principalmente nos campos
A terceira área é aquela que se mos- tecnológicos, isso não se concretizou. Os
trou promissora em termos de mercado de pesquisadores a partir das duas últimas
trabalho a partir do desenvolvimento cien- décadas do Século XX cresceram, parale-
tífico-tecnológico, da busca da qualidade e, lamente, em conhecimento e habilidade
quase sempre da acirrada competição en- para localizar informações. Ele desenvol-
tre empresas: a informação para um públi- veu-se acessando as informações por con-
co homogêneo e, geralmente, monotemáti- ta própria graças às condições dadas pela
ca, aquela que se restringe a um único as- tecnologia e pelo domínio que teve e tem
sunto, explorando-o em profundidade e da área – tanto de seu saber específico,
mantendo os usuários perfeitamente quanto do domínio da informática. A busca
atualizados a respeito de novas informa- de informações efetuada por outros para
ções geradas em qualquer parte do plane- esse profissional deixou de ser uma neces-
ta. Essa área exige um profissional que sidade vital. Se antes o bibliotecário, de
esteja familiarizado com o tema para que posse de sua paciência proverbial, passa-
possa conhecer os meandros do campo e va horas fazendo um levantamento biblio-
o seu universo semântico, bem como dia- gráfico, posteriormente, isso passou a ser
logar com os seus usuários. O controle da feito pelo próprio usuário, visitando sites e
informação para engenheiro que domina a trocando informações com os seus pares.
tecnologia para a produção do vidro está a A busca é parte integrante de seu conheci-
uma distância abissal da mesma atividade mento.
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Para esses profissionais, que circulam áreas: é mais especializada do que genéri-
pela fronteira do conhecimento, os biblio- ca, mas é preciso que os responsáveis por
tecários, perdendo a antiga função e não ela tenham um razoável conhecimento do
assumindo outras, deixaram de ser estra- assunto que se ensina na instituição; o pú-
tégicos. Talvez, coubesse a eles a constru- blico não é plenamente homogêneo, pois
ção de banco de dados e de sites, mas isso uma unidade pode ter setores diferentes,
implicaria na mesma questão: como cons- além da diferença de nível entre um calou-
truir bancos de dados e sites a respeito de ro e um doutorando; há uma demanda for-
um assunto que se desconhece? Aquela mal para determinadas leituras, mas é pre-
que parecia uma área propícia aos biblio- ciso criá-la também. Dessa forma, os servi-
tecários “especializados”, como se dizia, ços de informação para o terceiro grau, exi-
tornou-se pouco fértil porque houve uma gem uma visão abrangente para atender à
fusão entre o conhecimento e a sua busca. demanda ampla das bibliotecas universitá-
Quanto mais se aprofunda num assunto, rias.
mais controlável ele se torna.
Um novo espaço que se torna visível
Com os computadores em rede e para os estudantes é a administração de
acesso sem limites, o volume de informa- informação para uso das empresas. Esse
ções tornou-se tão grande que pode se tor- campo recebe denominações específicas:
nar inútil para quem não tem tempo sufici- gestão do conhecimento, conhecimento
ente para fazer a garimpagem necessária. empresarial e outras. Exige do profissional
Isso, poderia ser realizado por profissionais que deseja nela atuar conhecimento ao
da informação, ainda que dentro da condi- menos básico de administração de empre-
ção fundamental: conhecer o assunto. En- sa. Como a informação nesse ambiente é
tre mil itens, é necessário escolher os dez estratégica, o profissional deverá estar ha-
mais importantes. Isso só poderá ser feito bilitado a dar um valor a ela para poder
por quem tem conhecimento do tema. Como disseminá-la pelos setores específicos ou
não são encontrados bibliotecários quími- descartá-la. Isso vai exigir do profissional
cos, físicos, biólogos, economistas, os pró- também um vasto conhecimento do setor
prios acabam administrando a busca e a onde atua, sempre tendo a Economia como
identificação do que lhe é importante face pano de fundo. Esse tipo de atuação pro-
ao excesso de informação. As chamadas fissional é um reforço à idéia da necessida-
“comunidades virtuais”, comuns na internet, de que tem o profissional de adquirir co-
integram especialistas, permitindo a eles a nhecimentos básicos de uma área temática
troca de informações constantes. A comu- e dispor sobre ela as ferramentas neces-
nidade planetária de especialistas colabo- sárias para administrar as informações que
ra para que o “caos virtual” seja menos as- possam ser significativas.
sustador do que foi o “caos bibliográfico”
que tanto espantou os bibliotecários de 5.3 Conhecer o público a ser informado
antanho.
Talvez o grande e persistente erro da
Como foi visto, há três grandes dire- Biblioteconomia foi voltar-se para si própria
ções para a administração das informações. e ficar amarrada ao seu arsenal de normas
Uma pergunta que pode ser feita é onde técnicas sem se preocupar com o “para
ficam nesses três grandes campos os pro- quem” e o “porque”. Em outras palavras, a
fissionais que atuam na biblioteca univer- serviço de quem estariam todas as habili-
sitária. Ela incorpora elementos das três dades biblioteconômicas? E essa despreo-
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cupação não ocorreu só com os usuários – público.
aqueles que usam os serviços – mas em
relação ao público como um todo. O antigo Não é de se estranhar, pois, que a
bibliotecário nunca se mostrou suficiente- Biblioteconomia enquanto campo da univer-
mente preocupado com as pessoas que sidade fosse considerada uma área unica-
procuravam os serviços. E, muito menos, mente técnica sem muitos espaços para
com aquelas que deveriam ser usuárias, reflexão e escolhas. Na medida que as nor-
mas não eram. Há notícias raras de pes- mas fossem assimiladas e que alguma teo-
quisas para detectar a satisfação do usuá- ria subjacente a elas, quando muito, viesse
rio e, menos ainda, para avaliar as neces- à tona, seria construído o profissional. No
sidades do público. entanto, cresce a desconfiança de que o
caminho devesse ser exatamente o opos-
Houve uma comprometedora confu- to: a partir do conhecimento das necessi-
são entre objetivos e meios, sendo estes dades de informação de um segmento so-
exaltados e alçados à condição do objetivo cial seria construído o conjunto de conhe-
da Biblioteconomia e aqueles, esquecidos. cimentos e habilidades para encontrar as
Essa separação mostrou-se descarnada, soluções que ela exige. Primeiro diagnosti-
perdendo-se no cipoal dos detalhes técni- car, depois prescrever e ministrar. Em ou-
cos aos quais nunca foi possível dar um tros termos e na forma interrogativa: o que
sentido convincente. Talvez por isso a for- se deve fazer para que as pessoas possam
mação de bibliotecários chegou tão tarde obter as informações que lhes sejam ne-
ao ensino superior e tanta controvérsia e cessárias para a realização pessoal e o bem
desprezo provocou quando isso aconteceu. estar coletivo? Antes, de responder, é pre-
Os currículos das últimas décadas estive- ciso estabelecer com clareza o que essas
ram, na essência, voltados para o “como” e pessoas querem e o que precisam.
raramente faziam menção ao usuário e nun-
ca ao público. Os professores pareciam di- Esse caminho – do social para as téc-
zer para os seus alunos: “eu ensino as téc- nicas, dos problemas para as respostas –
nicas e, depois, vocês façam as devidas é o mais lógico e aquele que, por certo, daria
adaptações de acordo com a situação”, sem mais respeitabilidade à profissão. Para que
que se estudassem os prováveis cenários isso ocorresse seria necessário reverter um
sócio-culturais que os discípulos teriam pela quadro empedernido em décadas de “filo-
frente. Dos procedimentos, regras, normas sofia” de menos e normas demais. Em mui-
até a identificação e compreensão das com- tas discussões sucedidas nas faculdades
plexidades da sociedade, de grupos soci- de Biblioteconomia, vieram à tona reflexões
ais ou das corporações há um longo cami- esclarecedoras: sem as técnicas, o que
nho que o aluno, dificilmente conseguirá seria da profissão? De fato, com o perfil da
percorrer quando estiver atuando profissi- formação tradicional, o resultado seria um
onalmente. vácuo. É exatamente esse espaço que deve
ser preenchido. E não, apenas, trocar as
A dose maciça de técnicas, rotinas e técnicas mais velhas pelas mais novas,
procedimentos inoculados seria a própria substituir a máquina de escrever pelo com-
definição do profissional a si próprio: sou putador. Na visão tradicional e conserva-
um técnico. São freqüentes os casos de dora da profissão se antes era preciso co-
bibliotecários que, orgulhosos, dizem ser a nhecer as regras de catalogação e saber
função deles classificar e catalogar. O res- datilografia, agora o desafio é dominar a
to extrapola a Biblioteconomia, inclusive o informática e continuar atento às normas
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que, apenas, mudaram de nome. Em suma, O consumo da informação, notada-
permanece o mesmo perfil de formação. E mente nos países mais pobres, está muito
o que se precisa é ir além, corajosamente aquém das necessidades. Em outras pala-
além e alterar a concepção da formação vras: o número de usuários poderia ser
profissional. E isso se faz de dentro para muito maior. Só freqüentam esses serviços
fora. Da essência para a aparência. aqueles que: a) sentem necessidade; 2)
conseguem se utilizar deles. É a minoria.
O currículo feito para a pronta Quanto mais restrito for o assunto de um
aplicabilidade dos instrumentos técnicos centro de informação, real ou virtual, pro-
não abria espaço para o estudo das deman- porcionalmente será maior o interesse do
das sociais da informação. A cada vez que público específico. Não é necessário criar
se mencionava esse tecnicismo, as bases demanda para a informação monotemática,
da Biblioteconomia tecnicistas sentiam-se pois os especialistas chegaram a essa con-
ameaçadas como se a profissão estivesse dição exatamente porque freqüentaram os
em perigo. A perspectiva que, progressiva- serviços de informação, conhecendo muito
mente, pode ser detectada com clareza é a bem os caminhos de acesso. E de tal forma
necessidade de “humanizar” o profissional, que andam sozinhos. Já a informação
ampliando fortemente os estudos da infor- politemática, dirigida a um público hetero-
mação na sociedade, o que ela significa, gêneo, exige um forte trabalho de valoriza-
como interfere na vida cotidiana, como in- ção do conhecimento que poderá ser for-
terfere na qualidade de vida, como se situa mado pelos indivíduos como um bem im-
dentro de uma estratégia de desenvolvi- prescindível para eles.
mento. O espaço para esses estudos de-
verá aumentar significativamente. Afinal, a O exemplo mais claro disso é o servi-
profissão é reconhecida porque atua face ço de informação pública. Se houver, por
a determinadas necessidades. O informador parte do profissional da informação, peran-
existe em função, sempre, do outro. “A bi- te o público potencial, uma posição passi-
blioteca para o bibliotecário” não é apenas va, só vão utilizar os serviços aqueles que
uma irreverência, mas uma definição pre- forem obrigados a fazê-lo. A maioria pas-
cisa do que foi a Biblioteconomia durante sará ao largo. No entanto, essa parte maior
décadas. também precisa do conhecimento para es-
tar apta a sobreviver na sociedade e de-
5.3.1 Criar demanda senvolver as suas potencialidades. É nes-
sa situação que se abre frente ao profissio-
A ciência da informação cresceu no nal um desafio muito mais complexo do que
espaço que há entre o conhecimento e o organizar acervos e dados: como cumprir a
público. O profissional ocupa esse espaço sua tarefa básica de fazer chegar informa-
que precisa ser preenchido, cria as pontes ções a quem delas precisa?
necessárias entre eles e todas as possibili-
dades de intermediação. No entanto, a for- Pelos escassos dados disponíveis
mação do bibliotecário, como foi dito, ex- para os setores públicos, sabe-se que me-
cluiu o público. Sem essa preocupação, nos de 1% da população freqüenta biblio-
deixa de existir a idéia do mediador. É como tecas e serviços conexos pelo menos 10
se uma loja fosse aberta sem que o dono vezes ao ano. Isso poderia fazer supor que
se preocupasse com a venda dos produ- 99% não precisa ampliar a sua área de co-
tos. nhecimento – ou que o faz por meio de ou-
tras possibilidades como o rádio, a TV e
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outros veículos. Há, pois, uma baixa deman- ignorou os dois últimos como se fosse pos-
da informacional, mesmo havendo uma sível alimentar o processo sem existir a
altíssima necessidade de ampliá-la. integração lógica dos três(2). Em outros ter-
mos: desentranhados do social, os biblio-
Como proceder em relação ao públi- tecários ficaram à parte do esforço pela
co? O que faz um recém-formado ao che- educação e pelo suprimento permanente de
gar a uma instituição, a um bairro ou a uma informações estratégicas para a socieda-
escola? Cuida de organizar o acervo e ser- de. Nos cursos, conceitos de “educação”,
viços e fica lá à espera dos clientes? Isso “informação”, “informação estratégica”, “co-
não se aprende na escola, como seria ne- nhecimento” e outros deveriam estar em
cessário. Foram preparados para o exercí- pauta. Sem o domínio desses conceitos
cio da profissão como se o ato de organi- pelos futuros profissionais será difícil
zar fosse um fim em si e não um instrumen- entendê-los aptos ao desempenho da tare-
to para facilitar o atendimento de quem já fa de informar.
tem o desejo de conhecer. E a maioria que
não manifesta o desejo de conhecer? Essa 5.4 Conhecer a área
é uma das faces mais esdrúxulas e perver-
sas da velha Biblioteconomia. Pode-se ale- A progressiva fragmentação de assun-
gar que o papel do bibliotecário é organi- tos, com o conseqüente aprofundamento,
zar e a sua capacidade organizatória en- pedem profissionais diferenciados em sua
globa e esgota a profissão. No entanto, formação. E de tal modo que, vez ou outra,
pode-se perguntar: se não for o profissio- aponta-se a pós-graduação como o cami-
nal da informação o criador de demanda, nho mais lógico para a habilitá-los ao exer-
quem seria? cício pleno de suas habilidades. Os estu-
dos feitos após uma graduação seria uma
Na informação pública criou-se, timi- boa proposta se as condições sociais do
damente, uma área denominada “ação cul- meio social permitissem. Existem dois obs-
tural”. Isso, não é uma atividade que se re- táculos para a adoção dessa via: primeira-
laciona com a tradicional biblioteca. Ao con- mente, não haveria demanda para uma car-
trário, é um esforço de ruptura com a atitu- reira pouco valorizada no mercado que exi-
de passiva de quem abre a loja e espera os gisse seis anos ou mais para a sua conclu-
compradores. Como os serviços públicos são. Passaria a existir uma crise imediata
não entram em falência, não causa preo- de vocação. Além disso, há uma brutal ne-
cupação se ele tem poucos usuários ou se cessidade de profissionais para atender a
há qualidade no atendimento. É fundamen- vários setores da sociedade completamen-
tal transformar o público em usuário. Existe te desguarnecidos de um mínimo de com-
uma anorexia informacional que leva a mai- petência profissional para atuar no campo
oria da sociedade a prescindir de formas da informação. As escolas, por exemplo. É
alternativas de conhecimento, ficando uni- preciso, pois, aumentar o contingente de
camente com os produtos oferecidos pela recursos humanos adequados para aten-
mídia. A “ação cultural” pode e deve ser uma der a demanda e, principalmente, para criá-
forma de ampliar o gosto pelo conhecimen- la.
to. Dentro dos três verbos inseparáveis dos
serviços de informação que optaram pela A escolha desse caminho, a pós-gra-
“ação cultural” como estratégia de criação ________________________________
de demanda informacional – informar, dis- (2) Sobre o assunto, ver do autor A Casa da Inven-
cutir e criar – a Biblioteconomia tradicional ção, São Paulo, Ateliê Editorial, 1997.
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duação, mesmo inviável, revela a necessi- ge um outro caminho: por que não substi-
dade de um acúmulo de conhecimentos tuir o “básico” pelos fundamentos de algu-
anterior ao saber específico que habilita o ma área do conhecimento humano? Para
profissional da informação. Isso por que ele quem deseja trabalhar com informação na
só poderá informar se conhecer muito bem área das exatas poderá adquirir créditos em
o espaço temático ou o público específico Matemática, Física... Quem pretende atuar
que escolheu. Esse profissional, transitan- com informação nos processos educacio-
do entre a mensagem e o receptor – deve nais entrará na universidade pela Educa-
conhecer a ambos. ção. Qualquer aluno que tenha adquirido
um determinado número de créditos em
Os cursos de Biblioteconomia procu- qualquer área do conhecimento humano
raram sempre dar uma base humanística estaria habilitado a receber os instrumen-
genérica como requisito para a formação tos necessários ao trabalho de organiza-
de um bom bibliotecário. Sobre essa base, ção da informação. Os fundamentos inici-
assentavam-se as “técnicas”, sem que hou- ais do aprendizado do informador, adquiri-
vesse diferenciação entre as várias moda- dos no mínimo em dois anos, serão da área
lidades possíveis de atuação profissional. que ele deverá conhecer para poder tran-
Essa base quase nada acrescentava uma sitar por ela, reconhecendo a sua amplitu-
vez que não conseguia se relacionar com a de e problemas.
profissão. Depois da formatura, cada um ia
buscar o seu espaço profissional com os Sendo possível essa integração de
instrumentos obtidos, sempre os mesmos, áreas, qualquer aluno que tenha obtido um
uma espécie de kit capaz de resolver quais- determinado número de créditos em qual-
quer problemas, e que deveriam se adap- quer das áreas da universidade, provavel-
tar às mais diversas situações. O recém- mente 50%, poderá fazer a
formado, de fato, passava a aprender em complementação desejada na área da in-
pleno exercício de sua atividade profissio- formação.
nal. E se, por um acaso, desses tão comuns
na vida profissional, coubesse a ele traba-
lhar num centro de documentação voltada 6 PROPOSTAS
para produção de medicamentos, seria obri-
gado a captar alguns rudimentos de quími- Os dados acima permitem a síntese
ca, caso contrário ficaria inabilitado para abaixo (Figura 1 - Próxima página).
classificar, catalogar e até mesmo dialogar
com os usuários. Do ponto de vista das necessidades
Uma pergunta poderia ser feita: por sociais, as quatro áreas são importantes,
que não um físico-informador? Porque sendo a área da Educação a mais delicada
quem opta pela Física não tem como obje- e que exige maior atenção. Numa estraté-
tivo trabalhar em biblioteca. Mas, um gia desenvolvimentista ela é fundamental.
informador-físico seria perfeitamente lógi- Não há como conquistar novos patamares
co: além de conhecer Física teria o instru- no campo da ciência e da tecnologia sem
mental técnico de informação, tornando-se firmar as bases.
apto ao exercício de selecionar, organizar
e disseminar para o público cujo perfil o Um novo formato para formar profis-
profissional também conhece. sionais competentes, críticos, deve ter dois
compromissos básicos:
Sendo inviável a pós-graduação, sur-
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Figura 1
Áreas: Educação Pública Universitária Especializada
Público: Grande e delimitado Grande/heterogêneo Grande e delimitado Pequeno/homogêneo
Informação: Politemática Politemática Monotemática rel. Monotemática
Acesso: Local e virtual Local e virtual Local e virtual Virtual
Demanda: Atende e cria Cria e atende Atende e cria Atende
Complexidade: Alta Altíssima Alta Baixa

1. Compromisso com o meio onde foi im- quisa que seja uma alavanca efetiva de
plantado. Cada país e até mesmo região desenvolvimento social – o objetivo, enfim,
têm necessidades específicas que não po- de uma instituição pública de ensino supe-
dem ser ignoradas. Portanto, antes de pro- rior.
curar um perfil para a formação adequada
de profissionais da informação é necessá- Um aspecto a ser considerado, ain-
rio buscar o perfil do que existe e do é pre- da, é o referente ao número de alunos que
ciso que exista. Nesse aspecto, o quadro é se formam anualmente. Se houver uma ava-
precário, pois são raros os estudos sobre liação das carências e das várias faces do
os diversos segmentos de atuação profis- mercado, é possível avaliar não apenas o
sional. Dados elementares são inexistentes. perfil, mas a quantidade de profissionais.
Dessa forma, torna-se difícil identificar com Alguns cursos, em busca da qualidade, têm
precisão os problemas e procurar medidas turmas reduzidas; outros preocupados com
para superá-los. No entanto, as universi- a própria sobrevivência recebem um núme-
dades existem em função disso. São elas ro excessivo de alunos. A quantidade nem
que diagnosticam e estabelecem as formas sempre implica em baixa qualidade. Os cur-
de superação. Só depois de se conhecer sos à distância prescindem da presença fí-
as características da sociedade como um sica e podem formar bem milhares de alu-
todo, bem como estudar os vários segmen- nos.
tos com precisão é que se poderá delinear
o perfil do profissional para levar as solu- Se, por um lado, o campo da informa-
ções necessárias às partes e ao conjunto. ção oferece, cada vez mais, novas direções
Um curso de alto nível na área da informa- a serem exploradas – o que pede um nú-
ção deverá delinear políticas de informa- mero maior de optativas – por outro lado,
ção. há a necessidade social de formar profissi-
onais com o máximo de qualidade e em
2. Compromisso com a ciência. Não basta maior número. A solução de mais vagas em
estar atualizado em relação ao que os cen- um único turno com a abertura para mais
tros mais desenvolvidos realizam, é preci- optativas parece ser a escolha mais lógica.
so produzir conhecimento, descobrindo
novas soluções para os problemas identifi- 6.1 Dois anos básicos em qualquer
cados. área

A aliança desses dois compromissos Por que nunca houve preocupação


e as suas relações é necessária, permitin- pelo domínio de uma área do conhecimen-
do criar uma instituição de ensino e pes- to antes de estudar as formas de controlar
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os dados pertinentes a esse campo? Como logia e conceitos da área: ele aplicaria as
foi visto, a antiga Biblioteconomia acredita- regras e tudo funcionaria bem. Supondo que
va que as técnicas disponíveis aplicavam- isso fosse verdadeiro, ainda existiria um
se da Música à Veterinária, da Matemática outro problema que a antiga Bibliotecono-
à Literatura sem maiores problemas de mia nunca deu a devida atenção: as com-
adaptação. Não importava se o classifica- plexas relações com o público. Se antes as
dor/catalogador desconhecesse a termino técnicas ocupavam o maior espaço

Conhecimento Técnicas Conhecimento


de uma área do público

os novos tempos passaram a exigir a mudança dessa distribuição:

Conhecimento da área e conexas Técnicas Conhecimento do público

As técnicas que eram um fim em si nos cursos atuais de Biblioteconomia. Se,


deverão ser reduzidas ao que são: instru- por exemplo, o aluno tiver uma boa base
mentos. São imprescindíveis, mas não dei- em História, porque ele gosta de História,
xam de ser instrumentos para alcançar de- estará mais preparado para conhecer as
terminados objetivos. São eles que permi- teorias e mecanismos dos processos de
tem pôr em prática o que se deseja. Mas é gerência de informação histórica, podendo
fundamental saber com precisão o que se atuar em centros de documentação históri-
deseja e para quem. ca. Se o gosto for pela Educação, torna-se
claro que a opção será por atuar no campo
6.1.1 As opções temáticas da informação para crianças e adolescen-
tes. Trata-se unicamente de substituir as
A aquisição de fundamentos de qual- disciplinas “básicas” por uma efetiva base
quer área do conhecimento humano é, cer- do conhecimento. As “básicas” na tradicio-
tamente, a opção mais segura para qual- nal Biblioteconomia não vão além de gene-
quer jovem que esteja entrando na univer- ralidades frágeis sobre as quais pouco se
sidade. Ele já sabe se prefere exatas, hu- pode construir.
manas ou biológicas. Já no segundo grau
isso está delineado e ele escolhe a área Esse modelo só se aplica em univer-
para a qual mostra maior aptidão. No exa- sidades onde todas as áreas formam um
me vestibular, volta a fazer escolhas. Aos conjunto e não em faculdades isoladas.
18 anos ele, como regra, sabe do que não
gosta. Essa opção pelo campo temático da
informação poderá ocorrer em dois momen-
Na universidade, tendo uma base ra- tos:
zoável em um campo de sua preferência –
dois anos – estará mais seguro do que se - Alunos que, de início, optaram pelo cam-
tiver pela frente a dispersão que encontra po da informação e se matriculam numa
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outra unidade para ter uma base sólida de escolha e a trajetória posterior deverá ha-
conhecimentos. ver uma coerência. Por certo, dada as in-
certezas e mobilidade tão próprias nos mais
- Alunos que não optaram pela área da in- jovens, uma opção inicial poderá não pre-
formação e, posteriormente, fizeram trans- valecer. Nesses casos, o itinerário deverá
ferência sem necessidade de novo exame ser refeito pelo orientador. O importante é
vestibular. que o aluno disponha de conhecimentos
que o integre num campo, dispondo de vo-
É possível, ainda, em uma nova situ- cabulário e conceitos básicos que o formam.
ação, que o aluno faça disciplinas de am- O fundamental é que o aluno possa ter à
bos os campos, simultaneamente, de pre- disposição um leque de disciplinas para
ferência tendo tempo integral. calçar os seus próprios caminhos – sem-
pre orientado. Ao se graduar ele deverá ter
Em outra situação, o aluno que já ti- bases sólidas numa área e instrumentos
ver concluído um curso poderá obter crédi- para organizar a informação que lhe digam
tos na área da informação com disciplinas respeito.
complementares, tornando-se, por exemplo,
um Educador/Informador. Essa possibilida- Entre as básicas deverão estar, neces-
de seria útil na área educacional. Se o pro- sariamente, disciplinas instrumentais como,
fessor já fez os seus quatro anos de Peda- por exemplo, “Técnicas de Pesquisa”, a ser
gogia, poderá em mais dois anos obter cré- ministrada a todos que desejarem um ba-
ditos na área da informação. Com isso es- charelado no campo da gestão da informa-
taria garantida a formação adequada da- ção. É comum encontrar alunos de
queles que desejam atuar em bibliotecas Biblioteconomia com profundas dificuldades
escolares – uma das deficiências mais trá- para fazer um levantamento bibliográfico.
gicas da educação no Brasil. A possibilidade de fazer um levantamento
bibliográfico e de selecionar as obras mais
De qualquer forma, essas novas pos- significativas é prática pouco freqüente – o
sibilidades exigem que todos os alunos te- que num curso de “Ciência da Informação”
nham um professor orientador para com- é alarmante. Um trabalho que exija o co-
por com ele o conjunto de disciplinas que nhecimento de diversas áreas não poderá
deverá cursar. Com isso, aproxima-se da depender, unicamente, das aulas
idéia dos “cursos moleculares” já em práti- expositivas, mas deverá ir muito além, bus-
ca no Brasil. cando na bibliografia indicada ou naquela
que o próprio aluno constrói, as informa-
6.2 A segunda etapa ções que lhe sejam necessárias. Isso é o
que acontecerá na prática quando o forman-
Como foi mencionado, o aluno com a do encontrará situações que exigirão um
orientação de um professor e conforme as conhecimento que ele não “aprendeu”. É
suas disponibilidades poderá compor o seu preciso, pois, expor os alunos a situações
conjunto de disciplinas para cada semes- práticas e até críticas para que exercite a
tre. Para os quatro primeiros semestres, sua capacidade de resolver problemas a
necessariamente, serão cursadas discipli- partir do que assimilou e de sua habilidade
nas que darão os fundamentos numa área de encontrar o que não aprendeu. É funda-
do conhecimento, aquelas que permitirão mental, pois, que ele tenha aprendido a
ao aluno transitar com facilidade por um buscar.
campo seja qual for. Entre essa primeira
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A partir do quinto semestre, o enfoque indicados pelo professor, deixando de bus-
maior será para a área técnica: os alunos car outras informações.
passam a conhecer todo o corpo de habili-
dades para organizar informações. No quin- Essa atividade de planejamento per-
to semestre, eles terão acesso às bases da mitirá ao aluno acionar todos os instrumen-
chamada “Ciência da Informação”, discipli- tos necessários à construção de um servi-
nas que os habilitem a manipular conceitos ço de informação, indo do conhecimento do
básicos como se constituíssem um dicio- público à avaliação da qualidade. Se ele,
nário especializado que, além de introduzir por exemplo, se interessar pelo planejamen-
a um determinado campo, dá uma visão in- to de um serviço de informação para estu-
tegrada de todos os verbetes. Essa visão dantes universitários e pesquisadores na
de conjunto permitirá ao aluno perceber com área de Botânica, deverá, de início, ter um
clareza os seus próprios caminhos dentro relativo conhecimento da área, possível na
da área que forma profissionais da infor- dinâmica aqui proposta, configurando-a
mação. com clareza, indicando o seu âmbito e limi-
tes, as sub-áreas e áreas correlatas. A par-
No sexto semestre, a tarefa pedagó- tir desse diagnóstico, será identificado o
gica é aprofundar os verbetes, mas público a ser transformado em usuário. As
direcionando para os campos escolhidos suas expectativas serão registradas por
pelos alunos. Exemplos: bancos de dados meio de pesquisa para que possa ser de-
aplicados à informação pública ou à infor- tectado o nível de exigência técnica dos
mação monotemática. Os princípios são os serviços.
mesmos, mas os alunos desenvolvem os
seus trabalhos de acordo com os seus in- No caso específico da Botânica, o co-
teresses. nhecimento prévio da área, bem como do
botânico, é necessário, seja para arquite-
6.3 A capacidade de criar tar e concretizar um centro de pesquisas,
com o seu herbário e a sua biblioteca ou
O sétimo semestre será reservado a um centro de informações botânicas
um trabalho que reúna as disciplinas dire- plugado em sites de Botânica do planeta. A
tamente relacionadas ao planejamento, à partir do reconhecimento da área – Botâni-
administração de serviços de informação, ca – e do público – alunos e professores de
bem como os vínculos que possam existir Botânica de uma instituição universitária –
entre eles e o público. A elaboração de um será possível executar o planejamento com
projeto prático, escolhido pelo aluno, de segurança, indo da seleção de material, de
acordo com as suas opções, a partir de uma livros a sites na internet à configuração fí-
situação real, será a única atividade do se- sica do local, mobiliário, sempre com o in-
mestre. Trata-se de atividade que antecipa tuito de oferecer algo que esteja dentro dos
dentro da universidade o que o aluno en- padrões de qualidade para aquela situação.
contrará como desafio profissional. Para
isso, não basta apenas conhecer concei- Há inúmeros cenários para o exercí-
tos e regras, mas saber aplicá-las em da- cio das práticas de informação. Pode ser
das situações. O uso de bibliografia, como escolhido um bairro de uma grande cidade
foi dito, não é uma prática tão disseminada ou uma cidade pequena, uma indústria ou
quanto parece, deverá ser incrementada ao uma escola de primeiro grau. O fundamen-
máximo. De um modo geral, os alunos ten- tal é que o aluno tenha alguma familiarida-
dem a ficar presos unicamente aos textos de com esse cenário e busque, com o acom-
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panhamento de professores, todas as in- capaz disso. Se não o for, a formação foi
formações necessárias para que ele faça o ruim e o aluno, agora profissional, reprodu-
diagnóstico e dê os caminhos para permitir zirá na prática a incapacidade de criar e
ao público-alvo a obtenção do conhecimen- mostrar a competência.
to que lhe seja necessário.
No TCC, caberá ao aluno escolher
Essa prática levará à elaboração de aquilo que lhe pareça instigante e relevan-
trabalhos individuais e diferentes uns dos te, uma dúvida, algo que não suficientemen-
outros, antecipando o que o aluno como te esclarecido, e procurar todas as infor-
profissional fará posteriormente. Essa mo- mações que permitam a ele esclarecer a
dalidade de ação, por certo, intensificará dúvida, sabendo organizar o discurso e
no aluno o espírito crítico não apenas de- demonstrar o domínio do tema que esco-
sejável, mas necessário, preparando-o para lheu. O TCC é, de fato, a prova final do cur-
atuar no meio social prevenido e sem fan- so. Não aquela que averiguará o que rete-
tasias. ve, mas o que é capaz de inventar.

6.4 A prova da habilidade Para isso, o aluno terá um total de três


semestres para apresentar o seu trabalho.
O último semestre terá o objetivo de Nesse período será estimulado a conhecer
possibilitar ao aluno duas práticas funda- de forma exaustiva a bibliografia pertinen-
mentais: fazer síntese e analisar o que, ain- te e obter o conhecimento que lhe será im-
da, não está suficientemente esclarecido. portante. Essa capacidade é básica para o
O Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) profissional. Se ele trabalhará com a infor-
dá essa possibilidade: enquanto pede ao mação para os outros, deverá saber muito
aluno que avalie o que absorveu em quase bem trabalhá-la para si.
quatro anos, estimula-o a dar respostas
para questões novas. Por tudo isso, o TCC não poderá ser
uma simples formalidade pré-formatura,
De um modo geral, o TCC torna-se um mas o comprovante de que está apto a ser
grande desafio para todos aqueles que nun- um profissional criativo e preparado para
ca fizeram o exercício da dúvida. Do pri- dar resposta às demandas informacionais
meiro grau à universidade, a prática do en- do meio onde atuará. O tempo maior dedi-
sino, como regra, está fundamentada na cado ao TCC permitirá ao aluno não apre-
capacidade de reprodução e não de cria- sentar à banca avaliadora o que não esti-
ção. Cabe ao aluno, sempre, reproduzir sem ver em condições de ser plenamente apro-
maiores preocupações o discurso do pro- vado. Ele só faz isso quando se sentir em
fessor ou o que está escrito nos livros indi- condições com a flexibilidade que três se-
cados. A invenção não é estimulada e, em mestres permite.
alguns casos, cerceada. Resta ao discente
demonstrar que ele conhece o pacote de Havendo uma exigência maior em re-
informação que, determinou-se, ele deve lação ao TCC , provavelmente será o me-
conhecer. As provas têm, exatamente, o lhor exame para permitir ao aluno o ingres-
objetivo de provar o domínio desse conhe- so no Mestrado ou ao Doutorado. Os me-
cimento. O TCC é a possibilidade que o dis- lhores trabalhos qualificariam, automatica-
cente tem de mostrar que é capaz de criar, mente, os alunos à pós-graduação. Com
de pensar com a própria cabeça e ser con- isso, seria feita uma ligação direta entre a
vincente – porque o profissional deverá ser graduação e a pós-graduação.
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6.5 Aperfeiçoamento em Arquivística e livros desaparecerão, mas passam a fazer
Museologia. parte de um conjunto e o que interessa é
esse conjunto. Poderá haver, ainda, o es-
A “Ciência da Informação” – má de- pecialista em, unicamente, organizar um
nominação herdada do inglês – é tão vasta acervo, mas eles serão menos administra-
quanto complexa. Ela foi fragmentada pe- dores da informação e mais bibliotecono-
las novas tecnologias e pelos perfis sócio- mistas, vinculados à bibliofilia. O profissio-
culturais do mundo contemporâneo. Com nal especialista em achar a informação que
esses fragmentos é possível compor e re- se precisa, no tempo mais curto, ao menor
compor novas possibilidades de inserção custo e com a maior precisão face à neces-
de instrumentos informativos no meio soci- sidade detectada integra uma profissão a
al. Duas áreas conexas, além de outras in- ser recriada. Pode ser a Ciência da Infor-
suspeitas no presente e, mais ainda, no fu- mação, Gestão da Informação, Infonomia
turo são a Arquivística e a Museologia. A ou outros termos. Esse profissional será o
necessidade social de ambas, em termos gerente, o administrador, o gestor, o enge-
numéricos, não é conhecida, mas não é tão nheiro, o arquiteto da informação, o
espantosa quanto à do profissional que infonomista, etc. Ou, simplesmente, o
administra a informação para grupos huma- informador.
nos específicos e dentro de determinados
espaços temáticos. Sabe-se que muitos que A implementação dessas idéias exige
não receberam a formação específica para não apenas difíceis alterações estruturais,
administrar centros de informação, museus mas alteração no modo como os professo-
e arquivos, mas tendo curiosidade e res da área encaram a formação do profis-
acúmulo de conhecimentos para arquitetar sional da informação. As mudanças buro-
acervos reais ou virtuais e administrá-los, cráticas podem dar trabalho porque a bu-
são perfeitamente competentes. Mas, isso rocracia é aliada da incompetência e da
é exceção. De um modo geral, os mais com- imobilidade que resultam em conservado-
petentes profissionais são aqueles que re- rismo. As normas que regem a vida das
ceberam a melhor formação. universidades não são dogmas, mas sim-
plesmente regras que num momento foram
Os campos denominados Arquivística aceitas e que, em outro momento, serão
e Museologia são mais restritos e, como a necessariamente alteradas. Todo o proces-
Biblioteconomia, mostram faces diferenci- so de mudança é movido, essencialmente,
adas. Um exemplo: um profissional pela mudança de mentalidade. Essa é a
museólogo sem formação em História terá parte mais difícil
problemas para atuar em museu histórico.
Um discente que deseja trabalhar em mu-
seu de arte deveria acrescentar ao seu cur-
rículo disciplinas do campo das artes. Des-
sa diferença entre as áreas, parece que o
caminho mais viável para formar um currí-
culo lógico seja criá-lo a partir de optativas.

As indicações aqui feitas procuraram


mostrar que o ensino de Biblioteconomia
voltado para a organização de bibliotecas,
desaparece. Não que as bibliotecas ou os
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profesional de la Bibliotecología y se procure un
sitio para ella, mismo que sea necesario
_____________________________________________________________ recreárla.Reflige sobre la formación tradicional
del bibliotecário y la necesidad de formar
profesionales que sean necesarios a la
Luís Milanesi
sociedad preparados para actuar en áreas dis-
Professor do Departamento de
tintas face a diversidad de públicos y cuadros
Biblioteconomia da Universidade de São sociales. Apunta para la necesidad de las
Paulo instituciones formadoras realizaren
e-mail: milanesi@usp.br investigación de las necesidades y de las de-
mandas reales por medio de un constante
_______________________________________________________ mapeamento de la sociedad para detectar sus
carestías de información, los cuadros secula-
res de miserias en todos los segmentos, de la
Title educación fundamental a las áreas de
The "informer” formation especialización. Propone un nuevo formato
para formación de profesionales competentes
Abstract y críticos.
It presents a sequence of three decade
condensed facts still less studied, that demands Palabras-clave
rethinking the librarian professional Enseñanza de Bibliotecología; Formación del
performance and that seeks a place for Library Profesional Bibliotecário; Perfil y Actuación
Science, even if it is necessary to re-create it. Profesional
Reflects on the librarian's traditional education
and the urgency of forming professionals the
society needs and that are prepared to act in ____________________________________________________________
different areas according to public's diversity
and social circumstances. It points out the Artigo recebido em: 02/05/2002
necessity the Library Science courses have to
accomplish researches related to needs and ____________________________________________________________
real demands mapping out permanently the
society to detect its lacks of information, its
centuries of poverty in all segments, from fun-
damental education to specialialized areas. It
proposes a new design to form well-qualified
and critical professionals.

Keywords
Library Science Teaching; Librarian Training;
Librarian Profile and Performance

__________________________________________________________

Titulo
La formación del informador

Resumen
Presenta una secuencia de hechos
condensados, en tres décadas, y todavía poco
estudiados que exige el repensar del quehacer
_____________________________________________________________________________________________
40 Inf.Inf., Londrina, v. 7, n. 1, p. 07-40, jan./jun. 2002

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