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AO SERVIÇO SOCIAL
autor do original
FLAVIA ABADE
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
Conselho editorial sergio cabral, claudete veiga, claudia regina de brito
Diagramação fabrico
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
ISBN 978-85-5548-066-9
Prefácio 7
Contextualização histórica 28
As primeiras escolas brasileiras de Serviço Social 30
O Estado Novo e as instituições assistenciais 32
A ideologia desenvolvimentista e o amadurecimento
do Serviço Social no Brasil 37
Movimento de Reconceituação da profissão 40
A dimensão ético-política 76
A dimensão teórico-metodológica 78
A dimensão técnico-operativa 79
A dimensão investigativa 83
Teoria, prática, ética e pesquisa: quatro lados de uma mesma profissão 87
Prefácio
Prezado(a) aluno(a)
Sejam bem-vindos à disciplina Introdução ao Serviço Social!
Estudaremos a história da profissão e sua transformação em categoria profis-
sional inscrita na divisão sociotécnica do trabalho. Para tanto, vocês conhecerão
o contexto sócio-histórico de surgimento da profissão, os principais aspectos da
formação acadêmica e da prática profissional e a profissionalização do Serviço
Social. Também será possível debater e refletir sobre as diferentes dimensões do
Serviço Social contemporâneo: a dimensão técnico-operativa, a dimensão ético-
-política, a dimensão investigativa e a dimensão teórico-metodológica.
É importante citar que a trajetória histórica da profissionalização do Serviço
Social no contexto mundial está intrinsecamente envolvida com os primórdios
da industrialização e com a expansão do capitalismo, sendo necessário com-
preender a emergência da questão social decorrente do desenvolvimento deste
sistema produtivo. A profissão também sofreu forte interferência do pensa-
mento católico, o que também será abordado nesta disciplina.
Além disso, conheceremos as primeiras escolas de Serviço Social e as ações
sociais das quais originaram o Serviço Social brasileiro, sendo necessário res-
gatar alguns conhecimentos históricos sobre os governos brasileiros, princi-
palmente o governo Vargas e o governo de Juscelino Kubistchek, nos quais o
Serviço Social se expandiu. Abordaremos também o Movimento de Reconceitu-
ação da profissão, através do qual a categoria rompeu com a alienação e cons-
truiu sua própria identidade crítica.
7
1
A origem do Serviço
Social no contexto
mundial
1 A origem do Serviço Social
no contexto mundial
REFLEXÃO
• Conhecer a gênese do Serviço Social
• Relacionar o surgimento da profissão com o desenvolvimento do capitalismo e o agra-
vamento da questão social
• Conhecer as primeiras escolas de formação e as primeiras práticas profissionais de
Serviço Social
REFLEXÃO
Você se lembra de ter ouvido falar sobre a Sociedade de Organização da Caridade? Ela foi a
instituição precursora da assistência social que buscou racionalizar as ações filantrópicas e
já se preocupava, no final do século XIX, com a capacitação de agentes profissionais para o
exercício da assistência social. Falaremos mais sobre essa importante instituição ao abordar-
mos a racionalização da prática da assistência social.
10 • capítulo 1
necessidade de se aprimorar ações de caridade e transformá-las em práticas
eficazes e competentes que pudessem minimizar mazelas sociais.
A respeito da origem do Serviço Social, Estevão (2013, pp. 15) explica:
[…]como e por que ou para que surge uma profissão. Em primeiro lugar é quando ela
se torna socialmente necessária e as práticas profissionais se gestam no labor cotidia-
no. Antes de serem instituídas, as profissões se legitimam pela sua eficácia social e/
ou política.[…] O Serviço Social também começou assim.
A origem do Serviço Social como profissão tem, pois, a marca profunda do capitalis-
mo e do conjunto de variáveis que a ele estão subjacentes – alienação, contradição,
antagonismo – , pois foi nesse vasto caudal que ele foi engendrado e desenvolvido.
(MARTINELLI, 2011, p. 66)
A história do Serviço Social pode ser melhor compreendida no livro escrito por Maria
Lucia Martinelli, intitulado Serviço Social: identidade e alienação, no qual a autora
cita que “as condições peculiares que determinaram o seu surgimento como fenômeno
histórico, social e como atividade profissional, e em que se produziram seus primeiros
modos de aparecer, marcaram o Serviço Social como uma criação típica do capitalismo,
por ele engendrada, desenvolvida e colocada permanentemente a seu serviço, como
uma importante estratégia de controle social, uma ilusão necessária para, juntamente
com muitas outras ilusões por ele criadas, garantir-lhe a efetividade e a permanência
histórica.” (MARTINELLI, 2011, pp. 66-67)
capítulo 1 • 11
Para compreendermos com mais clareza como ocorreu a racionalização da
assistência social e sua transformação em profissão, faz-se necessário estudar-
mos a expansão do capitalismo e o surgimento da questão social como dispara-
dores do surgimento do Serviço Social. É o que veremos a seguir.
12 • capítulo 1
CONEXÃO
O capitalismo tem sido matéria de estudos entre economistas e sociólogos e, recentemente,
foi publicada obra considerada inovadora a respeito deste sistema. Trata-se do livro “Capital
in the Twenty-Firsty Century”, ainda não traduzido para o português, de autoria de Thomas
Piketty, que assim como Karl Marx critica duramente as desigualdades econômicas e so-
ciais produzidas pelo capitalismo desenfreado. Para mais informações sobre a obra, leia a
reportagem publicada pela Folha de São Paulo, clicando no link: <http://www1.folha.uol.
com.br/ilustrada/2014/05/1453454-economista-thomas-piketty-faz-critica-admirada-do-
capitalismo.shtml>
capítulo 1 • 13
A estratégia utilizada pela burguesia, concentrando o trabalhador na grande indústria,
constituíra fértil terreno para a construção da identidade de classe do proletariado,
condição essencial para a estruturação de sua consciência de classe. Foi lá, no interior
da fábrica, que se criou a dinâmica inicial em direção à consciência de classe, que o
trabalhador individual deu os primeiros passos de seu percurso em direção à classe
social, com consciência de classe. A própria burguesia, através de suas estratégias
burguesas, concentrando o trabalhador nas grandes cidades e nas grandes indústrias,
contraditoriamente oferecera as condições para o surgimento do proletariado, consoli-
dando-se não só sua posição de classe social, mas de classe política.
14 • capítulo 1
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvi-
mento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo
seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifes-
tação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a
qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. O
Estado passa a intervir diretamente nas relações entre o empresariado e a classe tra-
balhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica do mercado de traba-
lho, através da legislação social e trabalhista específicas, mas gerindo a organização e
prestação dos serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da questão social.
(IAMAMOTO, CARVALHO, 2014, p.83)
Foi assim, que na Inglaterra, no século XIX, foi criada a primeira instituição
de assistência social com o objetivo de controlar a pobreza e manter a expansão
capitalista. É o que veremos a seguir.
capítulo 1 • 15
© GALINA MIKHALISHINA | DREAMSTIME.COM
CURIOSIDADE
Esta pode ser considerada a primeira proposta de prática para o Serviço Social. Apesar
de não atender às reivindicações da classe trabalhadora da época, a assistência prestada
pela Sociedade de Organização da Caridade continha embasamento científico e visava à
racionalização da assistência. A percepção da pobreza como “problema de caráter” levou a
Sociedade a organizar a assistência em torno da proposta educativa de “reforma de caráter”
junto às famílias pobres, defendendo a cientificidade das ações,
Esta pode ser considerada a primeira proposta de prática para o Serviço So-
cial. Apesar de não atender às reivindicações da classe trabalhadora da época,
a assistência prestada pela Sociedade de Organização da Caridade continha
embasamento científico e visava à racionalização da assistência. A percepção
da pobreza como “problema de caráter” levou a Sociedade a organizar a assis-
tência em torno da proposta educativa de “reforma de caráter” junto às famílias
pobres, defendendo a cientificidade das ações, demonstrando uma postura
alienada em relação ao agravamento da “questão social” ocasionado pela orga-
nização deficiente da sociedade.
16 • capítulo 1
O desenvolvimento de ações de educação familiar com famílias de operá-
rios e pobres em geral através da criação de centros sociais de atendimento
caracterizava a prática da assistência social promovida pela Sociedade, que se
expandiu também para os Estados Unidos. A Sociedade defendia a capacitação
de visitadores sociais para a realização de um adequado inquérito domiciliar.
Sobre a visita domiciliar, Martinelli (2011, p. 105) comenta que eram desen-
volvidas na Inlgaterra, a princípio, com dois objetivos: conhecer as condições
de moradia e de saúde da classe trabalhadora e socializar o modo capitalista de
pensar. A Sociedade de Organização da Caridade passou a defender sua utili-
zação em situações específicas, como na concessão ou regularização de bene-
ficios, defendendo a necessidade de capacitação dos visitadores sociais para a
realização de um inquérito domiliciar adequado.
A qualificação dos agentes que executavam a assistência social passou a ser
uma preocupação, sendo que muitos cursos passaram a ser oferecidos, visando
o treinamento dessas pessoas. Mary Richmond, da Sociedade de Organização
da Caridade de Baltimore, destaca-se em sua iniciativa. Falaremos de forma
aprofundada sobre seu trabalho a seguir.
No ano de 1899, foi fundada a primeira escola de Serviço Social do mundo,
em Amsterdã, na Holanda, dando início ao processo de secularização3 da pro-
fissão, pelo qual se substitui as explicações religiosas pelas científicas. A Socio-
logia passa a ter uma grande contribuição na formação dos assistentes sociais.
3 Secularizar: Voltar à vida leiga ( o que era da vida religiosa). Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
4 Reacionário: que é contrário a mudanças sociais e políticas; conservador. Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Por-
tuguesa
capítulo 1 • 17
também trabalhava com o meio social no qual o indivíduo estava inserido, den-
tre eles a escola, a família e o emprego. Mas não fazia crítica ao sistema capita-
lista e sua repercussão direta na questão social.
Mary Richmond criou o Serviço Social de Casos, pelo qual o assistente social
através de técnicas diversas, como visitas domiciliares, entrevistas e reuniões
realizava sugestões e orientações ao indivíduo e às instituições que o cercavam,
buscando resolver aquele caso através do apoio ao desenvolvimento individual
complementado com algum tipo de ajuda material. Publicou livros importan-
tes no início do século XX que abordavam o Serviço Social de Casos e as técni-
cas utilizadas pelos assistentes sociais, como o diagnóstico social. Dentre suas
obras, se destaca o livro Diagnóstico Social, publicado em 1917.
CONEXÃO
Para conhecer melhor a história e obra de Mary Richmond, visite o site <http://www.his-
toryofsocialwork.org/eng/details.php?cps=6&canon_id=133>
18 • capítulo 1
O método de trabalho do Serviço Social de Casos criado por Richmond in-
fluenciou o Serviço Social norte-americano e até hoje está presente na forma-
ção profissional do assistente social. Posteriormente, outros métodos foram
criados, visando atender as problemáticas sociais de forma mais eficiente,
como o Serviço Social de Grupos e o Serviço Social de Comunidade.
capítulo 1 • 19
1931, escrita após quarenta anos da publicação da Rerum Novarum, procurou
enfatizar a concepção católica nas ações de educação e assistência e reafirmar
a importância da Igreja na solução dos problemas sociais.
Além disso, a assistência social europeia fundamentava-se em escritos so-
bre as Conferências de São Vicente de Paulo, que tinham sua origem no século
XVII, buscando assim, ordenar a prática da assistência social com base no fun-
damentos da Igreja Católica.
Enquanto nos Estados Unidos, já a partir de 1920, ganhava força a Associação Na-
cional de Trabalhadores Sociais, na Europa o esforço se concentrava em garantir a
hegemonia do pensamento católico e do grupo de profissionais que o adotava como
referencial para suas ações. (MARTINELLI, 2011, p. 119).
Como o criador não podia deixar de legitimar a criatura, tanto essa identidade atribuída
quanto a prática assistencial desenvolvida pelos assistentes sociais eram plenamente
ratificadas pela burguesia. Instalou-se, porém, aí o grande paradoxo que veio a marcar
profundamente a trajetória histórica e a própria face do serviço social: a legitimação
de sua prática não decorreu da população usuária, mas sim da classe dominante – os
mandantes da prática – e, depois , os contratantes dos serviços profissionais dos as-
sistentes sociais.
20 • capítulo 1
A seguir, veremos como a profissão surgiu nos países da América Latina,
conhecendo as primeiras escolas latino-americanas de Serviço Social.
capítulo 1 • 21
As profissionais pioneiras escolhiam o Serviço Social como uma vocação,
um gesto de renúncia pessoal que se sobrepunha às necessidades materiais. A
maioria não dependia de seu salário para viver, já que advinham de camadas so-
ciais altas. Tais características conferiram à profissão atributos relacionados à
plena disponibilidade do profissional e baixa exigência quanto à remuneração.
A fim de ilustrar a formação profissional recebida nas primeiras escolas de
Serviço Social da América Latina, Castro (2011) relata as características da for-
mação da Escola Elvira Matte de Cruchaga, segunda escola de Serviço Social
fundada no Chile. A começar pelos requisitos exigidos na admissão das alunas:
idade entre 21 e 35 anos, atestado médico de boa saúde, recomendação paro-
quial e um texto escrito sobre sua história pessoal.
O curso tinha duração de três anos e o programa de ensino se divida em uma
parte teórica e outra prática e incluíam:
22 • capítulo 1
ATIVIDADE
Procure redigir com suas palavras a relação entre o sistema capitalista e o surgimento da
profissão de assistente social.
REFLEXÃO
Serviço Social não é caridade
O Serviço Social não se caracteriza por ações de caridade e filantropia, também não se trata
de ajudar os pobres.
O Serviço Social é uma profissão que busca a efetivação de direitos sociais e para al-
cançar tal objetivo conta com uma política pública estruturada, com ações bem definidas e
organizadas.
LEITURA
Escola sim, esmola não
Âmbar de Barros
Durante muito tempo me perguntei se a esmola dada às crianças que me abordavam nos
faróis de São Paulo era um bem ou um mal.
Eu dava, sim; mas depois me sentia culpada, era invadida por um misto de impotência e
raiva. Raiva por viver num país injusto e desigual; impotência por não saber o que fazer para
ajudar as crianças abandonadas à própria sorte numa cidade tão difícil e perigosa.
Hoje, não dou mais esmola para crianças e jovens e não me sinto culpada. Dirijo a área de
projetos de uma fundação dedicada à capacitação do professor da escola pública. E há dez
anos trabalho como voluntária numa organização não-governamental que atua na promoção
dos direitos de crianças e adolescentes.
Quando meninos e meninas me abordam, no carro ou na calçada, eu paro. Olho para eles,
converso. Se eles dizem que estão com fome, convido-os para a lanchonete mais próxima.
Quase nunca aceitam.
capítulo 1 • 23
A convivência com Cesare de Florio La Rocca, presidente do Projeto Axé, me ensinou
muito. Aprendi com os educadores de rua de Salvador que as crianças que perambulam
pelas grandes cidades brasileiras, em geral, não são desnutridas, pois são as mais aptas a
sobreviver.
Aqueles que optam pelos desafios, pela liberdade e pelo perigo das ruas são heróis
da sobrevivência. São os que dizem não a uma vida que não é vida. Não suportam mais a
violência doméstica, preferem correr riscos a continuar passando fome, amontoados em
barracos e cortiços.
O contato com eles e o conhecimento de suas trajetórias de vida me deu a certeza de
que eles não precisam de esmola. Eles precisam de cidadania, e a esmola é o oposto disso:
é a perpetuação da diferença. Vai na contramão da construção da auto-estima que essas
crianças e jovens devem recuperar.
O gesto de dar esmola identifica aquele que a recebe como mendigo. Fere a dignidade
da criança. Cria nela uma dependência perigosa em relação ao bom samaritano que, ao lhe
dar um dinheiro fácil, aplaca seu sentimento de culpa, mas mata na criança o desejo de so-
nhar, de elaborar um projeto de vida.
Quanto menor e mais desamparada a criança, mais dinheiro ela ganha. Vigiada pela mãe
(estaria ela protegendo ou explorando?), aprende logo cedo a ganhar dinheiro fácil. Acon-
tece que a generosidade pública estanca quando o menino cresce. Os vidros dos carros se
fecham, com medo do jovem pedinte.
Criança precisa de pai e mãe empregados, escola de qualidade, respeito e dignidade.
Todos concordam, mas, na prática, quase ninguém faz nada. Quase ninguém acompanha as
propostas de seus candidatos para a infância, nem cobra dos políticos que elegeu, no Execu-
tivo e no Legislativo, eficiência nas ações sociais, nem doa algumas horas de seu tempo livre
para ajudar a escola pública de seu bairro. Quase ninguém.
O querido Betinho, com quem trabalhei na campanha contra a fome, dizia que dava esmola,
sim. Que muitas crianças precisavam levar para casa um dinheirinho: era a diferença entre
passar fome e dormir de barriga cheia.
Concordo com ele: a solidariedade humana deve ser praticada a todo momento. Não me
recuso a dar dinheiro a alguém que não tem um centavo para voltar para casa. Ou a um adulto
que procura um emprego para manter a família. Ou a uma pessoa mais velha, desamparada.
Dou a eles de bom grado a minha ajuda. Há momentos em que o melhor que você pode fazer
por alguém é mesmo abrir a carteira.
Às crianças eu dou muito mais do que alguns trocados. Dou horas de trabalho que eu
roubo dos meus próprios filhos, minha militância de cidadã, o respeito que eles merecem
como seres humanos em formação.
24 • capítulo 1
As moedas esquecidas no cinzeiro do carro e dadas, às pressas, aos meninos que se
esgueiram entre os veículos podem aliviar a consciência do motorista, mas não são solução
para a criança. Fazem mal a ela. Cada centavo recebido, cada nota amassada diminuem ainda
mais sua baixa auto-estima.
A mensagem passada junto com o dinheiro é que a criança deve se esforçar para comover,
chorar, mentir, inventar uma tragédia ainda maior do que a que ela já vive. Como criança comove
mais, é presa fácil de adultos inescrupulosos nas ruas.
A sociedade brasileira pode fazer mais do que dar esmola. A bolsa-escola reduziu muito
o número de crianças pedintes nos faróis de Brasília. O MEC está tentando envolver setores
diversos da sociedade no esforço de levar todas as crianças para a escola.
A implantação das classes de aceleração das secretarias da Educação do Paraná e de São
Paulo e do Instituto Ayrton Senna, além da existência de projetos como o Crer para Ver, da Fun-
dação Abrinq e da Natura, demonstra que o Brasil, muito lentamente, se dá conta de que criança
não precisa de esmola, e sim de escola.
Texto publicado na Folha de São Paulo, 21 de março de 1998.
Âmbar de Barros, 38, jornalista, é diretora de projetos da Fundação Victor Civita, mantida
pelo Grupo Abril, e presidente do conselho da ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da
Infância).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Âmbar de. Escola sim, esmola não. Folha de S. Paulo, 21 de março de 1998
ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Bra-
sil. Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 40ed. São Paulo: Cortez,
2014.
capítulo 1 • 25
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No próximo capítulo você conhecerá a história do Serviço Social no Brasil, incluindo a criação
das primeiras escolas de formação e o contexto sócio-histórico no qual ocorreram as primei-
ras práticas profissionais. Além disso, conhecerá como ocorreu a expansão do Serviço Social
e as principais mudanças ocorridas nas ações sociais.
26 • capítulo 1
2
A história do
Serviço Social no
Brasil
2 A história do Serviço Social no Brasil
Neste capítulo, conheceremos o surgimento e o desenvolvimento do Serviço So-
cial Brasileiro, contextualizando-o historicamente, já que a história do Serviço So-
cial se desenvolveu paralelamente à história dos governos e políticas brasileiras.
OBJETIVOS
• Conhecer a história do Serviço Social no Brasil
• Identificar as instituições assistenciais que marcaram o desenvolvimento do Serviço So-
cial brasileiro
• Realizar uma leitura crítica sobre a expansão do Serviço Social durante a política de-
senvolvimentista
• Compreender o Movimento de Reconceituação da profissão
REFLEXÃO
Você se lembra de ter estudado nas aulas de História sobre o desenvolvimentismo? Tais
ideias interferiram no destino econômico e social do país, pois visavam retirar os países latino-
-americanos do atraso a que estavam submetidos em relação aos países de Primeiro Mundo.
Os assistentes sociais da época também foram fortemente influenciados por essa tendência
desenvolvimentista, aderindo às propostas técnicas de desenvolvimento de comunidade pro-
venientes dos Estados Unidos.
28 • capítulo 2
da época. Os operários não possuíam direito a férias, descanso semanal remune-
rado ou licença para tratamento de saúde.
CONEXÃO
Para compreender a história do Brasil do período colonial ao início da industrialização, leia o
resumo publicado pelo site Brasil Escola. Ele é bem didático e de fácil compreensão.
<http://www.brasilescola.com/geografia/resumo-historico-economico-brasil-fim-colonialis-
mo-capitalismo.htm>
capítulo 2 • 29
poder, a princípio, provisoriamente dando início a denominada Era Vargas. Na
ocasião, o Estado tomou para si a incumbência de diminuir as tensões prove-
nientes das manifestações trabalhistas que contou com amplo apoio da Igreja
Católica e de alguns grupos dominantes. A Igreja Católica passa a intervir na
vida social, colaborando inclusive com a Revolução Constitucionalista de 1932,
organizando o sindicalismo católico e, posteriormente, criando os Círculos
Operários. Amplia consideravelmente as instituições católicas laicas, criando
instituições centralizadoras do apostolado social, através da Ação Católica Bra-
sileira, fundada em 1935. As encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno
influenciaram as respostas aos problemas sociais formuladas por estas insti-
tuições, buscando os princípios da cristandade para realizar a justiça social.
30 • capítulo 2
O elemento e a base organizacional que viabilizarão o surgimento do Serviço Social se
constituirão a partir da mescla entre as antigas Obras Sociais – que se diferenciavam
criticamente da caridade tradicional – e os novos movimentos de apostolado social,
especialmente aqueles destinados a intervir junto ao proletariado, ambos englobados
dentro da estrutura do Movimento Laico, impulsionado pela hierarquia. (IAMAMOTO,
CARVALHO, 2014, p. 178)
capítulo 2 • 31
do-se das encíclicas papais. A fundamentação teórica dos assistentes sociais
orientava-se para a reprodução da força de trabalho do proletariado e de sua
reprodução enquanto classe social. As intervenções eram focadas na família e
continham caráter assistencial complementar à renda obtida através da venda
da força de trabalho dos trabalhadores. Também compreendiam ações médi-
co-sanitaristas de caráter profilático e encaminhamentos a serviços diversos. A
representação que faziam do proletariado era a representação produzida pela
classe dominante e reproduziam as relações sociais de produção capitalista.
De acordo com Iamamoto & Carvalho (2014, p. 254), o desmonte da função mobiliza-
dora dos sindicatos faz emergir a “figura do pelego, líder sindicalista comprometido com
a burocracia do Ministério do Trabalho, desvinculado da categoria profissional a que
pertence e que se caracteriza pela docilidade ante o patronato e pela manipulação de
recursos assistenciais.”
32 • capítulo 2
categoria profissional a que pertence e que se caracteriza pela docilidade ante o
patronato e pela manipulação de recursos assistenciais.”
Na esteira da política de massas surgem instituições novas: Seguro Social,
Justiça do Trabalho, Assistência Social. Tais instituições caracterizavam-se por
atenuarem as sequelas da exploração capitalista, pouco modificando as condi-
ções de vida da população.
capítulo 2 • 33
“Criada em 28 de agosto de 1942, a Legião Brasileira de Assistência (LBA)
teve longa existência e significou um marco na organização da assistência so-
cial no Brasil. Inicialmente a LBA direcionou os seus esforços para atender
as famílias dos soldados que estavam na Europa, com a entrada do Brasil na
Segunda Guerra Mundial – o próprio nome da instituição expressa nítida re-
ferência militar. A primeira-dama Darcy Vargas agregou mulheres das classes
mais privilegiadas do país para compor uma legião de combatentes femininas
que, mesmo não indo para o cenário da guerra na Europa, deveriam atuar no
Brasil como verdadeiros soldados naquilo que eram capazes de fazer: cuidar
dos mais necessitados, principalmente das famílias dos pracinhas. Logo que
a guerra acabou o Boletim Informativo da LBA explicou que em tempos de paz
os serviços de assistência social seriam prestados em colaboração com o poder
público e outras instituições privadas abrangendo uma ampla gama de serviços
(O programa..., 1945, p.6). Ao observarmos a estrutura da LBA nota-se que ela
foi organizada como um superministério ou supersecretaria, abarcando servi-
ços da assistência social à saúde, da educação à habitação, da pesquisa social à
propaganda, enfim, atuando em diferentes frentes de ação, que não por acaso
foram prioritárias durante o governo Vargas.” (MARTINS, 2011, p. 16)
A LBA apresentava como objetivo inicial a prestação de assistência às famí-
lias dos soldados convocados para a guerra e outros assuntos referentes ao es-
forço de guerra. Posteriormente, seus objetivos se estenderam a todas as áreas
da assistência social, contribuindo para a racionalização da assistência no Bra-
sil. Contava com financiamento do governo e de algumas entidades privadas.
Em relação às técnicas do Serviço Social no interior da LBA, eram desen-
volvidas visitas domiciliares, inquéritos sociais, pesquisa social e entrevistas e
utilizava-se o método do serviço social de casos para decisão quanto a auxílios
financeiros, encaminhamentos para serviços médicos, regularização de docu-
mentos, obtenção de empregos, etc.
34 • capítulo 2
Esses regimes tiveram apoio considerável das mulheres organizadas em associações
muito semelhantes à LBA, que se sustentaram na ideia da participação política das
mulheres a partir daquilo que as habilitava para a intervenção social: a capacidade de
cuidar com a qual a natureza as dotou. A criação da LBA é contemporânea à organiza-
ção da assistência social fundada numa racionalidade política dos Estados de bem-es-
tar e em padrões científicos de pesquisa, estratégias de ação e formação de recursos
humanos presentes nos países ocidentais. (MARTINS, 2011, p.16)
capítulo 2 • 35
tria – SESI. O SESI foi criado com o intuito de oferecer melhores condições de
vida aos trabalhadores da indústria. A criação do SESI ocorreu em 1946, num
momento de pós-guerra, e demonstrou a estratégia adotada pela burguesia in-
dustrial para enfrentar a questão social: a prestação de serviços assistenciais
aos operários e suas famílias, incluindo lazer, educação popular, atendimento
médico, odontológico, assistência alimentar e habitacional.
O setor de Serviço Social do SESI atuava como um facilitador das atividades
adaptadas às necessidades dos operários e de suas famílias. Realizava plantão,
encaminhamentos, avaliação social para concessão de benefício e orientações.
Pode-se afirmar que a atuação do Serviço Social no SESI demarca sua institucio-
nalização e sua incorporação pela burguesia industrial.
As instituições assistenciais acima citadas, somadas a outras que surgiram
no país após a década de 1930, diretas ou indiretamente geridas pelo Estado,
exerceram um papel fundamental frente às ações de disciplinamento e repro-
dução da força de trabalho favorecendo a manutenção da dominação de classe.
As instituições assistenciais respondiam às reivindicações da classe trabalha-
dora com a oferta de benefícios que possibilitavam a manutenção da capaci-
dade de trabalho dos operários. Sendo assim, continham um aspecto político-
-ideológico acoplado a suas propostas: ao oferecerem benefícios, impunham
alguns hábitos próprios da classe dominante e transmitiam a ideia de aceitação
das relações sociais vigentes.
Pode-se afirmar que a legitimação e institucionalização do Serviço Social
ocorreu concomitantemente ao desenvolvimento das instituições assistenciais,
ampliando-se o mercado de trabalho e consolidando a profissão enquanto um
grupo de trabalhadores assalariados com práticas sociais institucionalizadas.
36 • capítulo 2
Assim, o Serviço Social se desenvolveu a partir da identidade atribuída pelo
capitalismo e pela Igreja, identidade esta despolitizada e desprovida de cons-
ciência social, não se constituindo como uma identidade própria da categoria
profissional. Seu modo de trabalho se caracterizava por um agir imediato alie-
nante e alienado, denominado por alguns autores como o fetiche da prática.
Sem tomar consciência das contradições inerentes à sociedade capitalista, a
categoria profissional somente respondia aos interesses da classe hegemônica
e não se engajou em um projeto coletivo de ação profissional. O Serviço Social
aproximou-se da burguesia e se afastou da classe trabalhadora, pois suas ações
profissionais atendiam muito mais aos interesses do capital do que às reinvin-
dicações da classe trabalhadora e visavam à manutenção da ordem social.
A institucionalização do Serviço Social ocorreu principalmente através do
Estado que, unido à classe dominante, se tornou o maior empregador do as-
sistente social. E a linha de prática do Serviço Social no Brasil, que até então
recebia forte influência européia, em especial da linha franco-belga, a partir
dos anos de 1940 passou a se aproximar da experiência norte-americana. É o
que veremos a seguir.
capítulo 2 • 37
O crescimento industrial ganhou maior dimensão a partir do governo de Juscelino Ku-
bistchek (1956-1961) com a criação de medidas alfandegárias para a vinda de empre-
sas inernacionais para o Brasil. Esse período foi conhecido pelo seu otimismo no que
tange ao crescimento da economia brasileira em que medidas como o Plano de Metas
incentivaram a produção industrial. Essa política do JK para estimular o crescimen-
to industrial ficou conhecida como nacional-desenvolvimentista, ela concetrava suas
atenções em investimentos na área de energia e de transportes. Para isso, JK utilizou
o capital estrangeiro permitindo a entrada de empresas multinacionais para o Brasil,
como a montadora de automóveis, Volkswagen. (Site brasilescola.com)
38 • capítulo 2
Os projetos profissionais do Serviço Social se expandiram na direção desen-
volvimentista presentes nos governos de JK e de Jânio Quadros, buscando de-
senvolver a sociedade com técnicas de desenvolvimento de comunidade.
Cabe mencionar que tanto as propostas dos assistentes sociais quanto a
ideologia desenvolvimentista não mencionavam a estruturação das relações
sociais na sociedade capitalista, assim como não explicavam as determina-
ções do processo social. O desenvolvimentismo mantinha a ordem social tal
qual encontrava-se, dividida em classes sociais e propunha o crescimento eco-
nômico como solução para os problemas do país. A ênfase dada à técnica de
desenvolvimento de comunidade se difundiu no Serviço Social na época, sob
o prisma da modernização trazida ao país através de programas patrocinados
por organismos internacionais. Esta técnica penetrou nos meios rurais através
da educação de adultos e em programas diversos, exportada pela indústria do
conhecimento norte-americana.
De acordo com Castro (2011), o desenvolvimento de comunidade apresen-
tava uma abordagem funcionalista da questão social e era adequado à realida-
de social norte-americana e não à sociedade brasileira, devido às claras distin-
ções entre elas. O assistente social tinha o papel de organizar a população no
sentido de obter realizações materiais, como contruções de escolas e serviços
de saúde. Entretanto, a ênfase do desenvolvimento de comunidade nos méto-
dos de trabalho e o engajamento da categoria profissional na proposta desen-
volvimentista sob a égide do crescimento econômico como forma de combater
os problemas sociais acarretou na reiteração do clientelismo. As ações profis-
sionais não eram críticas em relação à estrutura econômica desigual e a neces-
sidade de transformação da realidade social, buscando apenas identificar as
necessidades da população e os recursos disponíveis.
Dentre os pressupostos do Desenvolvimento de Comunidade, pode-se citar:
capítulo 2 • 39
A ideologia contida no Desenvolvimento de Comunidade era a de que as so-
luções para os problemas da sociedade estavam na própria sociedade, desres-
ponsabilizando o próprio Estado das obrigações para com o progresso social.
Todavia, não se pode negar que todo o processo do Serviço Social com a
proposta desenvolvimentista do país e com a adoção do método de Desenvol-
vimento de Comunidade propiciou a revalorização da profissão e seu reconhe-
cimento social.
A partir da década de 1960, o Brasil passou a viver tempos difíceis. O mundo vi-
nha passando por muitas transformações: a divisão em dois blocos, sendo um
capitalista e outro socialista, denominada Guerra Fria; a Revolução Socialista
Cubana em 1959. A situação do país era caracterizada por uma economia de-
pendente que gerava o aumento da pobreza e da miséria e atendia aos interes-
ses dos países desenvolvidos. O golpe de 1964 que deu início à ditadura militar
veio cercear a liberdade da população e destruir a organização social e política
conquistada pelos trabalhadores até aquele momento.
Nesse contexto alguns profissionais da categoria começaram a desenvolver
uma percepção crítica da realidade e também da profissão. Passaram a buscar a
superação da alienação, negando as aparências do capitalismo e redefinindo o
significado da profissão. Os agentes críticos começaram a questionar a identidade
atribuída ao Serviço Social pela classe dominante e a não-identidade que tomava
conta dos profissionais durante os tempos da ditadura, considerando que a profis-
são não era legitimada pela classe trabalhadora.
40 • capítulo 2
cesso. Tal movimento foi denominado Movimento de Reconceituação e seus
agentes críticos procuraram reunir em torno de seus objetivos o maior número
possível de profissionais da categoria. É evidente que a desunião e a fragmenta-
ção que permeavam a categoria impediram que o Movimento fosse bem suce-
dido no seu início, dividindo a categoria em dois grupos: os reconceituados e os
não-reconceituados, ou seja, aqueles que adotavam posições revolucionárias
versus os que mantinham as tradicionais práticas.
Alienação e crítica passaram a conviver entre os profissionais do Serviço
Social a partir do Movimento de Reconceituação iniciado em 1965. Ao longo
das décadas de 1970 e 1980, o movimento ganhou força e um novo percurso
profissional foi traçado, a partir da construção de uma identidade mais próxi-
ma das classes populares. Conhecer a realidade das classes populares e suas
reivindicações era a única saída para reverter a postura impositiva e controla-
dora que a profissão vinha exercendo. As alianças com a classe trabalhadora
marcam a nova fase do Serviço Social, com ações politizadas vinculadas aos
interesses ds classes populares.
capítulo 2 • 41
SERVIÇO SOCIAL PRÉ- SERVIÇO SOCIAL PÓS-
RECONCEITUAÇÃO RECONCEITUAÇÃO
• Assistência aos pobres e carentes • Compromisso com a população
• Patologia social • Mudança de estrutura
• Serviço Social de Casos • Direito dos trabalhadores
• Serviço Social de grupos • Revolução social
• Desenvolvimento de comunidade • Conscientização social
ATIVIDADE
1. Pesquise na internet ou em livros de História a proposta desenvolvimentista iniciada
com o governo de Juscelino Kubistchek.
2. Aponte suas principais características e faça uma reflexão crítica sobre os efeitos desta
proposta para a sociedade brasileira.
42 • capítulo 2
REFLEXÃO
Agora que você conhece melhor as instituições brasileiras de assistência social pioneiras do
Brasil, procure refletir sobre o papel social que elas desempenharam na sociedade e seus
impactos junto à população trabalhadora.
LEITURA
Leia o artigo intitulado Gênero e assistência: considerações histórico-conceituais sobre práti-
cas e políticas assistenciais, de autoria da historiadora Ana Paula V. Martins, sobre os cuida-
dos e a organização da assistência social no Brasil, clicando no link:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702011
000500002>
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução
de José Paulo Netto e Balkys Villa Lobos. São Paulo: Cortez, 2011.
ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil.
Esboço de uma interpretação histórico-metodológica.
capítulo 2 • 43
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No próximo capítulo você conhecerá a formação acadêmica em Serviço Social, as diretrizes
curriculares e os programas de pós-graduação da área.
44 • capítulo 2
3
Formação
Profissional em
Serviço Social
3 Formação Profissional em Serviço Social
Neste capítulo será apresentado o tema da formação acadêmica dos alunos dos
cursos de Serviço Social, suas principais diretrizes e inclui também a apresen-
tação dos cursos de pós-graduação em Serviço Social.
OBJETIVOS
• Apresentar a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social),
entidade responsável pela coordenação e articulação do projeto de formação profissional;
• Apontar a situação da formação profissional na graduação e pós-graduação
• Discutir as diretrizes curriculares previstas para o curso de Serviço Social
REFLEXÃO
Você se lembra dos motivos que o levaram a escolher este curso de graduação? A princípio,
o ingresso na profissão de assistente social exigia vocação e renúncia pessoal. Atualmen-
te, o compromisso ético-político somado ao arcabouço teórico-metodológico garantem um
profissional competente e engajado ao projeto da categoria. Além disso, o assistente social
inserido na divisão sociotécnica do trabalho é um trabalhador assalariado como tantos outros
que também precisa lutar por melhores condições de trabalho e remuneração permanente-
mente, não podendo exercer suas atividades profissionais de forma voluntária.
46 • capítulo 3
permite compreender os motivos pelos quais o processo de formação profis-
sional é bastante complexo.
O processo de formação profissional não se restringe ao ensino em Serviço So-
cial: trata-se de um processo contínuo e inacabado de autoqualificação. A educação
permanente é uma premissa importante para aqueles que escolhem a profissão de
assistente social, pois a atualização é sempre necessária para quem lida diretamen-
te com a realidade social.
Outro aspecto importante da for-
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mação profissional é a construção de
saberes a respeito da prática social. O
assistente social, seja aquele que está
envolvido com a pesquisa inserido em
programas de pós-graduação, ou mes-
mo aquele que está atuando na prática
deve buscar construir conhecimento so-
bre a realidade social e sobre as manifestações da questão social na população.
A investigação ou pesquisa acerca realidade é uma das dimensões do exercício
profissional, como veremos em capítulo posterior.
O ensino acadêmico em Serviço Social equivalente à graduação objetiva a
preparação inicial para o exercício profissional, direcionando o profissional
quanto ao referencial teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo.
É essencial que durante a graduação, os discentes de Serviço Social compreen-
dam o processo de formação em sua totalidade, o que envolve sua historicidade
e sua relação com a realidade social e deve abranger as três dimensões acima
citadas: a teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.
Ao estudarmos a gênese do Serviço Social no primeiro capítulo deste livro,
vimos que o Serviço Social surgiu como uma estratégia de enfrentamento da
questão social proposta pela burguesia. No contexto histórico brasileiro, pu-
demos perceber que o surgimento da profissão coincide com o fim da escravi-
dão e início do assalariamento e teve forte influência da Igreja Católica através
do apostolado laico. As entidades criadas pela igreja para disseminação de sua
doutrina social foi impactante para a expansão de ações sociais, dando as bases
para a criação da profissão, sendo que o CEAS, fundado pela Igreja Católica, re-
presentou um marco na atribuição de maior efetividade às ações filantrópicas.
capítulo 3 • 47
Pode-se afirmar que a pedra angular da formação em seus primórdios teve
forte influência europeia do modelo franco-belga, se lembrarmos que o primeiro
curso de qualificação de agentes da prática social, denominado Curso Intensivo
de Formação Social para Moças, foi ministrado pela assistente social belga Adèle
de Loneuax, da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas. Havia forte influên-
cia do ideário franco-belga de ação social que se baseava no pensamento de São
Tomás de Aquino (o tomismo do século XII) e em sua retomada por Jacques Ma-
ritain na França e pelo Cardeal Mercier na Bélgica (neotomismo no fim do século
XIX). O modelo fundamentava-se numa linha de apostolado do “servir ao outro”,
tomando como base o princípio neotomista de salvar corpo e alma. O modelo
franco-belga limitou-se a uma formação essencialmente doutrinária e moral.
A partir de 1940, sob a influência do desenvolvimentismo e das técnicas nor-
te-americanas de ação social, há uma grande ênfase na questão metodológica
com o intuito de modernização da profissão no Brasil. A aproximação do país
com os Estados Unidos da América (EUA) repercurtiu diretamente na profis-
são, que passou a utilizar metodologias de ação que tornassem a prática profis-
sional mais eficaz. Nesta época, a formação profissional tinha seus alicerces no
ensino das metodologias de Caso, Grupo e Desenvolvimento de Comunidade e
adquiriu um perfil mais técnico, afastando-se do pensamento católico.
A partir da década de 1960, aumentou-se a exigência quanto a um profissio-
nal mais moderno e ocorreu a vinculação efetiva com as disciplinas atreladas às
Ciências Sociais, como a Sociologia, a Psicologia Social e a Antropologia. Estas
passaram a integrar o currículo da graduação, sendo disciplinas ministradas
nos primeiros anos do curso. A laicização da formação, ou seja, a desvinculação
da fundamentação teórica da profissão do pensamento cristão, ocorreu neste
período, iniciando-se a ruptura com o Serviço Social tradicional e a renovação
da profissão através do chamado Movimento de Reconceituação.
O Movimento de Reconceituação propiciou alguns desdobramentos que se dis-
tinguiram de acordo com a perspectiva teórica adotada, não se constituindo um
movimento homogêneo. Alguns autores citam três perspectivas:
48 • capítulo 3
2. A perspectiva de reatualização do conservadorismo: orientação fenome-
nológica, valorização da subjetividade;
3.2 A ABEPSS
5 Marxiana: abordagem da teoria marxista a partir das próprias obras de Karl Marx.
capítulo 3 • 49
surgimento dos cursos de Pós-Graduação. Na década de 1990, a ABESS passou a
ser denominada ABEPSS, mudança justificada pela indissociabilidade do ensi-
no e pesquisa, além da explicitação da natureza científica da entidade. A ABEPSS
organiza o Encontro Nacional de Pesquisadores de Serviço Social – ENPESS, de
dois em dois anos, além de oficinas, encontros e assembleias.
De acordo com seu Estatuto, trata-se de uma “entidade civil, de natureza aca-
dêmico-científica de âmbito nacional, de direito privado, sem fins lucrativos e
com duração indeterminada.” Apresenta os seguintes objetivos:
50 • capítulo 3
I – propor e coordenar a política de formação profissional na área de Serviço Social
que associe organicamente ensino, pesquisa e extensão e articule a graduação com a
pós-graduação; II – fortalecer a concepção de formação profissional como um proces-
so que compreende a relação entre graduação, pós-graduação, educação permanen-
te, exercício profissional e organização política dos assistentes sociais; III – contribuir
para a definição e redefinição da formação do assistente social na perspectiva do
projeto ético-político profissional do Serviço Social na direção das lutas e conquis-
tas emancipatórias. IV – propor e coordenar processos contínuos e sistemáticos de
avaliação da formação profissional nos níveis de Graduação e Pós-Graduação. V –
estimular intercâmbios e colaborações nacionais e internacionais entre as Unidades
de Formação Acadêmica, grupos de pesquisa, pesquisadores, entidades representati-
vas da categoria dos assistentes sociais; VI – promover articulação entre associações
acadêmicas e científicas congêneres; VII – apoiar iniciativas de criação de Programas
de Pós-Graduação na área de Serviço Social no país; VIII – acompanhar o processo
de autorização, reconhecimento e renovação dos cursos de Graduação e Programas
de Pós-Graduação; IX – fomentar e estimular a formação e consolidação de grupos
de pesquisa nas universidades e/ou outras instituições voltadas para a pesquisa; X –
estimular a publicação da produção acadêmica na área de Serviço Social e assegurar
a publicação semestral da Revista Temporalis como revista nacional da ABEPSS; XI
– divulgar cadastro de pesquisadores em Serviço Social; XII – promover eventos aca-
dêmico-científicos na área do Serviço Social; XIII – manter atualizadas as subáreas de
conhecimento e especialidades em Serviço Social nos órgãos de fomento à pesquisa
adequando-as aos eixos temáticos de orientação acadêmico-científica definidos no
âmbito da ABEPSS; XIV – representar e defender os interesses da área de Serviço
Social, nas agências de fomento no que se refere ao ensino, pesquisa e extensão;
XV – fortalecer a concepção de ensino de graduação presencial, denso, crítico, laico
e numa perspectiva de totalidade. (ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL- ABEPSS, 2008)
CONEXÃO
A TEMPORALIS é uma revista criada em 2000 editada pela ABEPSS e se destina a publi-
cação de trabalhos científicos sobre temas atuais e relevantes no âmbito do Serviço Social,
áreas afins e suas relações interdisciplinares. Visite o site da revista acessando o link:
capítulo 3 • 51
<http://periodicos.ufes.br/temporalis>
Em seu Art. 2o, a resolução traz que o projeto pedagógico de formação profissional a
ser oferecida pelo curso de Serviço Social deverá explicitar:
a) o perfil dos formandos;
b) as competências e habilidades gerais e específicas a serem desenvolvidas;
c) a organização do curso;
d) os conteúdos curriculares;
e) o formato do estágio supervisionado e do Trabalho de Conclusão do Curso;
f) as atividades complementares previstas. (Ministério da Educação, 2012)
A resolução dispõe sobre cada um dos aspectos que devem estar explicita-
dos no projeto pedagógico, a começar pelo perfil exigido dos formandos:
52 • capítulo 3
Profissional que atua nas expressões da questão social, formulando e implementando
propostas de intervenção para seu enfrentamento, com capacidade de promover o
exercício pleno da cidadania e a inserção criativa e propositiva dos usuários do Ser-
viço Social no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho. (Ministério da
Educação, 2012)
capítulo 3 • 53
Os núcleos englobam um conjunto de conhecimentos e
habilidades que se especifica em atividades acadêmicas,
enquanto conhecimentos necessários à formação profissio-
nal. Essas atividades, a serem definidas pelos colegiados, se
desdobram em disciplinas, seminários temáticos, oficinas/
laboratórios, atividades complementares e outros compo-
nentes curriculares. ( Ministério da Educação, 2012)
54 • capítulo 3
partir da década de 1930, com franca expansão a partir da década de 1960. As
transformações políticas, sociais, econômicas e culturais do período ditatorial,
com forte incentivo ao sistema capitalista geraram a necessidade de determi-
nado suporte tecnológico e científico à política de modernização. Organizados
nos moldes da estrutura educacional norte-americana, os programas de pós-
graduação privilegiavam ( e ainda privilegiam) a formação de técnicos para
atuarem nas políticas de desenvolvimento nacional e o estímulo a pesquisas
voltadas para atender os interesses do mercado.
Nesse contexto de modernização conservadora se dá a criação dos primeiros
programas de pós-graduação em Serviço Social, sendo que os primeiros cursos
foram implantados nas Universidades Católicas de São Paulo e Rio de Janeiro.
capítulo 3 • 55
recionadas às empresas, o que coloca em risco a autonomia das universidades.
CONEXÃO
Para mais informações sobre a lei que prevê ações de inovação tecnológica, consulte o link
da legislação que dispõe sobre os incentivos à inovação e à pesquisa científica. <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.973.htm>
Quanto aos parcos recursos disponibilizados, não é qualquer pesquisa que recebe
apoio financeiro: há uma clara depreciação das instituições dedicadas à pesquisa,
pressionadas, a partir dos critérios de avaliação, sob critério de rentabilidade e lucro, a
oferecerem soluções ao setor produtivo-mercantil submetendo seus objetivos acadê-
micos aos resultados imediatos. (GUERRA, 2011, p. 142)
56 • capítulo 3
ESTRUTURAS DE PESQUISA TOTAL DESCRIÇÃO
04 São Paulo
01 no Pará
03 no Rio de Janeiro
Grupos de pesquisa (Cadas- 01 em Santa Catarina
trados na Plataforma Carlos 19 03 em Porto Alegre
Chagas do CNPq) 03 na Bahia
01 em Tocantins
03 em Minas Gerais
01 no Sergipe
TIPO DE
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 TOTAL
PRODUÇÃO ANO
capítulo 3 • 57
Revistas serviço
00 00 00 00 04 04 01 00 10 01 04 20
social e sociedade
Revistas tempo-
14 02 03 00 20 01 03 08 04 10 05 70
ralis
Teses 01 01 02 01 01 01 07
Dissertações 06 03 04 01 02 03 02 01 04 05 31
Total de
30 36 25 02 97 03 44 54 38 16 180 525
produções
ATIVIDADE
Leia e comente:
Pela primeira vez na história da profissão, o número de alunos supera o de profissionais, o
que confirma a tese de Iamamoto (2008) acerca da formação de um exército assistencial
de reserva.
REFLEXÃO
Algumas mudanças nas políticas de educação superior no país interferiram diretamente no
perfil dos profissionais recentemente formados. Sobre tais mudanças, leia o texto abaixo e
reflita sobre os impactos delas na formação profissional do assistente social.
“Na esteira das mudanças em curso na política de educação superior do início do século
XXI, no Brasil, sublinhamos a gestão de Tarso Genro (2003/2004), na qual foi apresentada
a primeira versão do Projeto Lei da Reforma da Educação Superior no país. Também, nesse
período (2004), foi aprovado o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES),
institucionalizando o papel do Estado como avaliador da política e a Gratificação pelo Exercí-
cio da Docência (GED), materializando a avaliação individual dos docentes por desempenho.
O Programa Universidade para todos (PROUNI), conformando a esfera pública não-estatal,
58 • capítulo 3
mediante a compra de vagas públicas em IES privadas com incentivos fiscais. Também é
apresentado o PL 3627/Política de Cotas, num esforço para dar respostas às históricas de-
sigualdades de acesso das “minorias” ao ensino superior; e a portaria 4059/MEC que aprova
a inclusão da modalidade do ensino semipresencial em até 20% da carga horária total dos
cursos de graduação no país, estimulando o EAD também no ensino presencial.”
LEITURA
CHAUÍ, Marilena. Reforma do ensino superior e autonomia universitária. Revista Serviço So-
cial & Sociedade, São Paulo, ano 20, 1999.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n° 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e
à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. 2004.
Acesso em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.973.
htm> Acesso em: 27 out. 2014.
ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
FERREIRA, Severina Irene Tomaz; BRITO, Dalliana Grisi Ferreira; MIRANDA, Suelle Marce-
lino. A formação profissional do assistente social no Brasil: um estudo de suas
tendências históricas. Trabalho apresentado no XV Encontro Latino Americano de Inicia-
ção Científica e XI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale
do Paraíba
capítulo 3 • 59
IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil.
Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 40ed. São Paulo: Cortez, 2014.
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No próximo capítulo você conhecerá alguns aspectos que condicionam e determinam a prá-
tica profissional em Serviço Social. Além disso, apresentaremos as entidades representativas
da profissão e o projeto ético-político profissional.
60 • capítulo 3
4
Prática profissional
em Serviço Social
4 Prática profissional em Serviço Social
Neste capítulo será abordado o excercício profissional do assistente social, seus
condicionantes internos e externos e suas especificidades. Também falaremos
sobre as entidades representativas da profissão, a fiscalização do exercício pro-
fissional e o projeto ético-político do Serviço Social.
OBJETIVOS
• Compreender as especificidades da profissão, seus condicionantes internos e externos;
• Analisar as entidades representativas e a fiscalização da profissão
• Entender o projeto ético-político enquanto oranização política e construção coletiva da
profissão
REFLEXÃO
Você se lembra de ter ouvido falar a respeito dos Conselhos que defendem e fiscalizam as
profissões? Assim como a Medicina, a Psicologia, a Enfermagem, o Direito e outras profis-
sões, o Serviço Social também possui uma entidade representativa, o Conselho Federal de
Serviço Social, com a finalidade de disciplinar o exercício profissional, de modo que os inte-
resses da categoria sejam assegurados.
62 • capítulo 4
sui uma utilidade social. Assim como os demais trabalhadores assalariados, ele
necessita vender sua força de trabalho em troca de sua subsitência através do
salário que lhe é pago. A inserção do assistente social no mercado de trabalho
ocorreu a partir do momento que o Estado assumiu a tarefa de propor e admi-
nistrar políticas sociais, pelo qual o profissional do Serviço Social passou a ocu-
par um espaço sócio-ocupacional. Os determinantes do trabalho profissional
constituem interesses antagônicos próprios da luta de classes.
Apesar de se constituir em uma profissão liberal, o Serviço Social não possui
os meios necessários para exercê-la sem que haja sua contratação por alguma
entidade, empresa ou pelo Estado (seu maior empregador na atualidade). En-
tretanto, essa característica possibilita uma autonomia profissional garantida
no Código de Ética da profissão. Outra particularidade da profissão é a relação
direta estabelecida com o usuário com possibilidades distintas de intervenção
de acordo com os objetivos da instituição que a emprega. Outro traço próprio
da profissão é sua indefinição de funções o que permite ampliar suas ações de
acordo com as demandas da instituição.
O assistente social, inserido na divisão sociotécnica do trabalho, participa
ativamente da reprodução das relações sociais, estando simultaneamente a
serviço das classes trabalhadoras e respondendo às demandas do capital.
Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que vivem em ten-
são. Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer
um ou outro polo pela mediação do seu oposto. Participa tanto dos mecanismos de
dominação e exploração como ao mesmo tampo e pela mesma atividade, da resposta
às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antago-
nismo nesses interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel
básico da história (IAMAMOTO; CARVALHO, 2001, p.75).
A prática profissional do Serviço Social não pode ter uma visão endógena, que
considere apenas seu ponto de vista. É preciso considerar os condicionantes in-
ternos e os condicionantes externos do trabalho do assistente social. Dentre os
condicionantes internos estão o aprimoramento do instrumental e do desempe-
nho técnico-operativo do profissional. Dentre os condicionates externos es-
tão as circunstâncias sociais e históricas na qual a prática profissional se realiza.
As múltiplas manifestações da questão social são a matéria-prima do pro-
cesso de trabalho do assistente social, ou seja, seu objeto de intervenção. O pro-
capítulo 4 • 63
duto do processo de trabalho são os serviços sociais. Conhecer seu objeto de
intervenção é primordial para a ação profissional.
64 • capítulo 4
X – planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de
Serviço Social;
XI – realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e servi-
ços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas
e outras entidades. (LEI DE REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO, 1993)
Além dos itens já citados a legislação aponta algumas atividades que são pri-
vativas da profissão, como a supervisão de estágio em Serviço Social, a execução
de programas na área de Serviço Social e a realização de perícias sobre a matéria
de Serviço Social. Com a promulgação da Lei 13.317, de 26 de agosto de 2010,
esta foi acrescentada à lei de regulamentação da profissão, incluindo que a car-
ga horária de trabalho do assistente social deverá ser de 30 horas semanais.
capítulo 4 • 65
A referida lei também aborda o tema da inscrição nos Conselhos Regionais
pela qual os Assistentes Sociais realizam o pagamento das contribuições com-
pulsórias (anuidades). Importante mencionar que a Carteira de Identificação
Profissional expedida pelos CRESS servirá de prova para fins de exercício pro-
fissional e também pode ser utilizada como Carteira de Identidade Pessoal em
todo o território nacional.
Outra citação importante é a responsabilidade das Unidades de Ensino de
credenciar e comunicar aos Conselhos Regionais de sua jurisdição os campos
de estágio de seus alunos e designar os Assistentes Sociais responsáveis por sua
supervisão. Ressalta-se que somente os estudantes de Serviço Social, sob super-
visão direta de Assistente Social que esteja em dia com seus deveres profissio-
nais, poderão realizar estágio de Serviço Social. Além disso, em seu Art. 15., a
redação da lei traz a vedação ao uso da expressão Serviço Social por quaisquer
pessoas que não desenvolvam atividades previstas nos artigos que tratam das
competências e atribuições privativas do assistente social (Art. 4º e 5º da lei).
A lei também detalha as competências do Conselho Federal de Serviço Social
(CFESS) e dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) que serão expla-
nadas em item a seguir que trata especificamente do Conjunto CFESS/CRESS
enquanto entidade representativa da categoria.
66 • capítulo 4
No início, a atuação do conselho era meramente fiscalizadora e mantinha
caráter autoritário, sem aproximação com a categoria profissional. Assim como
outros conselhos profissionais, exerciam uma função controladora e burocráti-
ca da atividade laboral. As ações se restringiam à inscrição e pagamento da taxa
anual de contribuição. Tal postura conservadora e a-crítica refletia o momento
histórico da profissão na ocasião de seus primeiros anos de funcionamento.
A partir do Congresso da Virada e do Movimento de Reconceituação da Profis-
são, eventos já comentados anteriormente neste livro, as entidades representati-
vas também passaram a assumir uma postura mais comprometida com a demo-
cratização e articulação política entre entidades representativas, profissionais e
movimentos sociais. Foi por meio da disputa pela direção das entidades repre-
sentativas de alguns profissionais imbuídos do novo projeto profissional que se
deu a mudança no interior dos conselhos.
O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) é uma autarquia pública federal que
tem a atribuição de orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício
profissional do/a assistente social no Brasil, em conjunto com os Conselhos Re-
gionais de Serviço Social (CRESS). Para além de suas atribuições, contidas na Lei
8.662/1993, a entidade vem promovendo, nos últimos 30 anos ações, políticas para a
construção de um projeto de sociedade radicalmente democrático, anticapitalista e em
defesa dos interesses da classe trabalhadora. (Fonte: www.cfess.org.br)
capítulo 4 • 67
Quanto às competências dos CRESS, em suas respectivas áreas de jurisdi-
ção, podemos assinalar:
68 • capítulo 4
Os espaços de discussões do Conjunto relativos à Política de Fiscalização têm sido
ampliados, a exemplo dos Seminários Nacionais de Capacitação das COFIs que acon-
tecem a cada 2 anos (realizados a partir de 2002), além da continuidade dos Semi-
nários Regionais de Fiscalização que ocorrem juntamente com os Encontros Descen-
tralizados, preparatórios para o Encontro Nacional. Outro espaço previsto é a Plenária
Ampliada, para aprofundamento de alguma temática, e ainda o Projeto Ética em Movi-
mento, espaço privilegiado para a ampliação do debate e reflexão ética. (Fonte: www.
cfess.org.br)
De acordo com o Art. 16º da Lei 8662 de 7 de junho de 1993, os CRESS pode-
rão aplicar penalidades aos infratores da Lei, através de multas, suspensão do
exercício profissional quando este deixar de cumprir o disposto no Código de
Ética ou ainda cancelar definitivamente o registro profissional, caso comprove-
-se a gravidade da infração. Complementa referindo que a penalidade pode se
estender à instituição ou empresa caso se comprove responsabilidade ou coni-
vência com a infração cometida pelo profissional.
CONEXÃO
O CFESS prepara periodicamente documentos que manifestam a opinião da entidade a res-
peito de determinados temas. É o “CFESS Manifesta”. Acesse o link do CFESS Manifesta
sobre o último Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado no ano de 2013.
<http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta_14cbas-grafica4paginas.pdf>
capítulo 4 • 69
4.3.2 ENESSO
70 • capítulo 4
No ENESS, organizado anualmente, ocorrem as deliberações a respeito da or-
ganização política do movimento estudantil em relação a questões pertinentes ao
Serviço Social. Existem também os Encontros Regionais de Serviço Social (ERESS),
os Conselhos Nacionais de Estudantes de Serviço Social (CONESS) e os Conselhos
Regionais de Estudantes de Serviço Social (CORESS) nos quais ocorrem a discus-
são sobre a formação política e profissional no nível nacional ou regional.
CONEXÃO
Para obter mais informações sobre a ENESSO, acesse o site da entidade: <http://enesso.
xpg.uol.com.br/>
capítulo 4 • 71
O projeto ético-político revela a autoimagem da profissão, seus valores e
princípios, suas funções e seus requisitos, define regras. Ele está disposto no
Código de Ética da Profissão, promulgado em 1993, onde estão definidos os
princípios que regem a profissão. São eles:
72 • capítulo 4
traçar uma noção clara da profissão e, além de se materializar no Código de
Ética Profissional, também está presente nas diretrizes curriculares e na lei que
regulamenta a profissão.
ATIVIDADE
Aponte os principais aspectos do Projeto Ético-político do Serviço Social.
REFLEXÃO
Leia o texto abaixo e comente sobre o exercício profissional do assistente social que precisa
se distanciar de um agir imediato.
“Em uma sociedade, como a nossa, que se organiza por esta lógica de mercado, as
pessoas são importantes enquanto são produtivas e quando não produzem, é como se já
não fossem nem sequer seres humanos. É impressionante constatarmos como o econômico
invade as relações sociais e como certas práticas retiram cidadania dos sujeitos, fragilizando
a sua já frágil condição humana. Não dialogam com os sujeitos em sua plenitude, descon-
sideram a sua consciência política, reduzindo o campo de intervenção do Serviço Social ao
mero atendimento pontual da solicitação das pessoas. Nosso ato profissional é muito mais
pleno do que o atendimento imediato da solicitação. É muito maior do que isso. Certamente,
vamos prestar o atendimento, mas tendo até mesmo a coragem em alguns momentos de
recolher aquele gesto espontâneo da resposta imediata.
A nobreza de nosso ato profissional está em acolher aquela pessoa por inteiro, em co-
nhecer a sua história, em saber como chegou a esta situação e como é possível construir
com ela formas de superação deste quadro. Se reduzirmos a nossa prática a uma resposta
urgente a uma questão premente, retiramos dela toda sua grandeza, pois deixamos de con-
siderar, neste sujeito, a sua dignidade humana.” (Martinelli, 2006, p. 11)
LEITURA
Recomenda-se a leitura da publicação do CFESS sobre as atribuições privativas do assisten-
te social, produzido pela Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI). Acesse o link para
fazer o download gratuito do documento na íntegra:
<http://www.cfess.org.br/arquivos/atribuicoes2012-completo.pdf>
capítulo 4 • 73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução
de José Paulo Netto e Balkys Villa Lobos. 12ed. São Paulo: Cortez, 2011.
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética do Assistente Social. 10ed.
Brasília, 2012.
ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil.
Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 40ed. São Paulo: Cortez, 2014.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Reflexões sobre o Serviço Social e o projeto ético-político profis-
sional. Emancipação, 6(1): 9-23, 2006,
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No próximo capítulo abordaremos as dimensões do exercício profissional, sendo elas: a di-
mensão ético-política, a dimensão teórico-metodológica, a dimensão técnico-operativa e a
dimensão investigativa. Tais dimensões são separadas didaticamente mas devem estar inte-
gradas durante a atuação profissional.
74 • capítulo 4
5
O Serviço Social e
suas dimensões
5 O Serviço Social e suas dimensões
O exercício do Serviço Social perpassa algumas dimensões que propiciam uma
atuação engajada no projeto político da profissão, permitindo uma interven-
ção qualificada sobre a realidade social. São elas: a dimensão ético-política, a
dimensão teórico-metodológica, a dimensão técnico-operativa e a dimensão
investigativa. É o que estudaremos neste capítulo.
OBJETIVOS
• Conhecer as dimensões que integram a prática profissional em Serviço Social
• Refletir sobre a intevenção sobre a realidade social
• Apreender as possibilidades de exercício profissional alinhado ao projeto profissional
da profissão.
REFLEXÃO
Você se lembra do projeto ético-político profissional, citado no capítulo anterior? Ele é a base
para um exercício profissional em consonância com um Serviço Social transformador e nor-
teia todas as dimensões da atuação do assistente social.
76 • capítulo 5
Um contexto sócio-histórico refratário aos influxos democráticos exige, contraditoria-
mente, a construção de uma nova forma de fazer política - que impregne a formação e o
trabalho dos assistentes sociais - capaz de acumular forças na construção de novas re-
lações entre o Estado e a sociedade civil que reduzam o fosso entre o desenvolvimento
econômico e o desenvolvimento social, entre o desenvolvimento das forças produtivas
e das relações sociais. Requer, portanto, uma concepção de cidadania e de democracia
para além dos marcos liberais. A cidadania entendida como capacidade de todos os
indivíduos, no caso de uma democracia efetiva, de se apropriarem dos bens socialmente
produzidos, de atualizarem as potencialidades de realização humana, abertas pela vida
social em cada contexto historicamente determinado. (IAMAMOTO, 2004, P. )
• A defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autori-
tarismo;
capítulo 5 • 77
5.2 A dimensão teórico-metodológica
• A perfectibilidade;
Em meados dos anos 1940, o Serviço Social entra em contato com a teo-
ria positivista trazida pelas técnicas norte-americanas de intervenção social.
A abordagem positivista analisa os fatos a partir de sua aparência, abstraindo
aquilo que é invariável. Restringe-se ao que se pode verificar, de forma a obter
uma visão fragmentada da realidade. Não aponta mudanças, apenas ajustes e
manutenção. A valorização das técnicas e da eficiência são características das
práticas positivistas.
78 • capítulo 5
Pode-se afirmar que, o Serviço Social, em sua fase embrionária, esteve am-
plamente voltado para a manutenção da ordem social e amenização das mazelas
sociais com vistas a apoiar a classe dominante e fortalecer o sistema capitalista.
Com o passar do tempo, a categoria profissional passou a questionar seu
papel social tradicional e após o Movimento de Reconceituação, buscou rom-
per com o Serviço Social conservador. O aprofundamento da produção intelec-
tual da categoria resultou em três vertentes:
• A vertente modernizadora, caracterizada pela incorporação de aborda-
gens funcionalistas, estruturalistas e sistêmicas. Constituem o projeto
renovador tecnocrático fundado na busca por eficiência e eficácia.
capítulo 5 • 79
ção, visto que se temia o uso de técnicas de forma reducionista, que atribuissem
à profissão um caráter tecnicista e pragmático.
A partir do Movimento de Reconceituação, houve uma necessidade de críti-
ca às práticas profissionais conservadoras, a fim de buscar a emancipação pro-
fissional e a reflexão sobre a atuação do assistente social. As denúncias quanto
ao uso de técnicas sem um aprofundamento teórico e como um fim em si mes-
mo fizeram com que, durante alguns anos, o Serviço Social buscasse se apro-
priar da teoria marxista e se afastasse de seu repertório técnico-operativo.
Cabe mencionar que o debate sobre a dimensão técnico-operativa não pode
ocorrer de forma isolada e desarticulada das demais dimensões da profissão.
Também é importante dizer que se constitui tarefa complexa, visto que a pro-
fissão ocupa espaços diversos e realiza ações de diferentes naturezas, desde a
gestão até o atendimento direto a usuários.
Conforme apontam Mioto & Lima (2009, p.27):
[...] o processo interventivo não se constrói a priori, ao contrário, faz-se no seu próprio
trajeto, e essa construção não depende só do Assistente Social, mas também dos ou-
tros sujeitos envolvidos, dentre eles, o espaço sócio-ocupacional no qual o profissional
está inserido e os destinatários das ações nele desenvolvidas.
80 • capítulo 5
Os elementos condicionantes se caracterizam pela existência de um projeto
profissional que define a direção ético-política a partir de uma concepção teó-
rico-metodológica.
Os elementos estruturantes dizem respeito ao próprio conhecimento, pla-
nejamento, objetivos, abordagens e recursos a serem empregados nas ações
profissionais.
Como fazer:
Definição do Suporte
Que ação: teórico da ação;
Definição da ação escolha da
Objetivos abordagem; escolha
dos instrumentos
técnicos-operativos
e demais recursos
Para quê:
Marco referencial
teórico/analítico
Onde:
Natureza do espaço
sócio-ocupacional
Para quem:
Sujeitos em situação
capítulo 5 • 81
1. Processos político-organizativos: ações de mobilização e organização
da população em torno de seus interesses. Podem ocorrer através da
assessoria prestada pelo assistente social
82 • capítulo 5
NÚMERO DE
ÁREAS TEMÁTICAS TRABALHOS
Direitos Geracionais - Velhice 28
capítulo 5 • 83
O que seria, então, a propalada atitude investigativa? Remete a uma postura aberta do
sujeito para investigar, a permanente curiosidade, expectativa para aprender e enten-
der o inesperado, o acaso, o que extrapola suas referências e o leva a ir além. A atitude
investigativa consiste numa postura inquieta e curiosa, por isso é fundamental na ba-
gagem cotidiana do profissional. A ausência dessa postura pode levar à cristalização
das informações, à estagnação do aprendizado profissional, o que, consequentemente,
comprometerá o compromisso do assistente social com a qualidade dos serviços pres-
tados à população usuária. (FRAGA, 2010, 53)
Todo conhecimento se inicia pelos órgãos dos sentidos (intuição). O empirismo restrito
limita o conhecimento a este seu nível preliminar e estabelece a máxima de que só se
aprende a fazer fazendo. O conhecimento pode partir do senso comum, mas tem que
ir além dele. Há que se incorporar este conhecimento, porém, analisá-lo criticamente,
negá-lo (o que significa dizer que há mais coisas sobre o objeto do que estamos su-
pondo) e elevá-lo a um novo patamar, o que significa agregar conhecimentos novos,
às vezes, abrir mão de velhos preconceitos. A nova síntese permite que o processo se
renove através de novo questionamento, cujo resultado tende a ser o aprofundamento
do conhecimento sobre o objeto estudado. (GUERRA, s/d, p.7)
84 • capítulo 5
A pesquisa sobre a realidade social inerente ao exercício profissional objeti-
va a interpretação de um objeto, como por exemplo um processo social ou um
conjunto de documentos. Ao analisar de forma sistemática seu objeto e inter-
pretá-lo, o assistente social estará se preparando para resolver problemas atra-
vés de um projeto de intervenção. Investigar a realidade é fundamental para um
exercício profissional crítico e fundamentado.
A realidade social sempre apresenta elementos que não se manifestam na
aparência e não podem ser conhecidos de forma imediata. Para se conhecer
a essência de um fenômeno é preciso apreendê-lo em sua totalidade. Vamos
tomar como exemplo uma família, supondo que uma determinada família seja
o objeto que o assistente social objetiva investigar. Ela não poderá ser compre-
endida sem que se leve em consideração o contexto na qual está inserida, como
se relaciona com esse contexto e como o contexto interfere na família. Somente
assim, o profissional conseguirá apreendê-la em sua totalidade. Nesse sentido,
o assistente social, ao se deparar com um objeto em sua prática profissional,
deverá sempre se perguntar: o que há além das aparências desse objeto?
Toda totalidade apresenta aspectos universais, particulares e singulares
que encontram-se articulados e que necessitam ser captados para a adequada
interpretação do objeto. Retomando o exemplo da família enquanto objeto a
ser conhecido em sua totalidade, podemos afirmar que ao analisar determi-
nada família, temos um objeto em si, ou seja, uma situação singular, que é a
família vista de forma imediata, em suas aparências. Para apreender sua tota-
lidade é preciso compreender a instituição familiar e suas concepções, valores
e processos sócio-históricos inserida em uma sociedade capitalista, ou seja, o
objeto em sua universalidade. A particularidade do objeto é manifesta em suas
necessidades, interesses, valores e não se expressam em sua aparência. É na
particularidade que buscamos a essência do objeto, sua dimenão mediata.
É importante mencionar que a realidade sempre apresenta contradições, in-
teresses divergentes, valores opostos e o método dialético de conhecer a realida-
de opera nestas contradições em busca de uma síntese. Outra característica pró-
pria da realidade é a coexistência de elementos velhos e novos com tendências de
predominância de um ou outro, dependendo do momento ou situação. Cabe ao
profissional enquanto investigador da realidade, organizar as informações, iden-
tificando aquelas que atendam aos seus objetivos e que propiciem a construção
do conhecimento a respeito da realidade estudada. Tal conhecimento irá instru-
mentalizar o assistente social para sua intervenção profissional.
capítulo 5 • 85
[…] a investigação é inerente à natureza de grande parte das competências pro-
fissionais: compreender o significado social da profissão e de seu desenvolvimento
sócio-histórico, identificar as demandas presentes na sociedade, realizar pesquisas
que subsidiem a formulação de políticas e ações profissionais, realizar visitas, perícias
técnicas, laudos, informações e pareceres sobre matéria de Serviço Social, identifi-
car recursos. Essas competências referem-se diretamente ao ato de investigar, de
modo que, de postura a ser construída pela via da formação e capacitação profissional
permanente (cuja importância é inquestionável), a investigação para o Serviço So-
cial ganha o estatuto de elemento constitutivo da própria intervenção profissional.
(GUERRA, s/d, p.13)
86 • capítulo 5
A pesquisa científica é fundamental para a proposição de ações profissio-
nais que alcancem a transformação social. Ela não pode estar desvinculada
da prática profissional, pois teoria e prática devem caminhar juntas, a teoria
oferecendo suporte à prática fundamentada e eficaz. Dessa forma, a profissão
consegue romper com o pragmatismo que a coloca na posição de solução dos
problemas de forma imediata, sem a devida reflexão teórica necessária à ação
profissional comprometida.
Como vimos nos itens anteriores, o Serviço Social abarca quatro dimensões,
sendo elas: a do fazer profissional (dimensão técnico-operativa), a do saber pro-
fissional (dimensão teórico-metodológica), a do poder profissional (dimensão
ético-política) e a da cientificidade da ação profissional (investigativa). As qua-
tro dimensões explicitadas compôe uma exigência profissional que ao atuar so-
bre a realidade, o fará de forma crítica, eficiente e ética, priorizando o projeto
profissional da profissão e o compromisso com a população.
A integração das dimensões profissionais permite ao profissional uma com-
preensão clara da realidade social, a identificação das possibilidades de atua-
ção, a definição de estratégias adequadas e alinhadas com a defesa dos direitos
sociais, o engajamento ético-político previsto no projeto coletivo da profissão e
uma prática profissional consistente.
O esvaziamento teórico, o apego às técnicas e sua pretensa neutralidade
são elementos que fazem parte do passado da profissão e que foram superados
após o movimento de Reconceituação da Profissão e a adoção da teoria marxis-
ta pelo Serviço Social. Alguns desafios se colocam em relação ao aprimoramen-
to e qualificação do exercício profissional contemporâneo, como por exemplo,
a ampliação de pesquisas a respeito da instrumentalidade do trabalho profis-
sional, o que envolve repensar a dimensão técnico-operativa e resgatar ferra-
mentas importantes utilizadas pela profissão ao longo de sua trajetória, ou ain-
da, propor novas estratégias de ação coerentes com o momento atual.
Orientar o trabalho nos rumos aludidos, requisita um perfil profissional culto, crítico e
capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva demo-
cratização das relações sociais.
capítulo 5 • 87
Exige-se, para tanto, compromisso ético-político com os valores democráticos e com-
petência teórico-metodológica na teoria crítica em sua lógica de explicação da vida
social. Estes elementos, aliados à pesquisa da realidade possibilitam decifrar as situa-
ções particulares com que se defronta o assistente social no seu trabalho, de modo a
conecta-las aos processos sociais macroscópicos que as geram e as modificam. Mas,
requisita, também, um profissional versado no instrumental técnico-operativo, capaz
de potencializar as ações nos níveis de assessoria, planejamento, negociação, pesqui-
sa e ação direta, estimuladora da participação dos sujeitos sociais nas decisões que
lhes dizem respeito, na defesa de seus direitos e no acesso aos meios de exercê-los.
(IAMAMOTO, 2004, p.33)
ATIVIDADE
Após a leitura do Capítulo 5, responda a seguinte questão:
• Qual a importância de cada dimensão do Serviço Social para uma prática comprometida
com os princípios da profissão?
REFLEXÃO
“Somos profissionais cuja prática está direcionada para fazer enfrentamentos críticos da reali-
dade, portanto precisamos de uma sólida base de conhecimentos, aliada a uma direção política
consistente que nos possibilite desvendar adequadamente as tramas conjunturais, as forças
sociais em presença. É neste espaço de interação entre estrutura, conjuntura e cotidiano que
nossa prática se realiza. É na vida cotidiana das pessoas com as quais trabalhamos que as
determinações conjunturais se expressam. Portanto, assim como precisamos saber ler conjun-
turas, precisamos saber ler também o cotidiano, pois é aí que a história se faz, aí é que nossa
prática se realiza.
Certamente não estamos pensando no cotidiano como um espaço repetitivo, vazio, mas
sim como um espaço contraditório e complexo onde a realidade se revela, onde os problemas
se expressam. Saber ler a conjuntura a partir do cotidiano, significa identificar acontecimen-
tos, contextos, relações de força, para saber onde e como atuar.” (Martinelli, 2006, p. 11)
88 • capítulo 5
LEITURA
A fim de alcançar uma melhor compreensão a respeito da concepção histórica do Serviço
Social, leia o artigo “O que Serviço Social quer dizer”, de autoria de Vicente de Paula Faleiros.
O artigo apresenta uma revisão bibliográfica a respeito das concepções atribuídas ao Servi-
ço Social ao longo dos anos, assim como as definições da profissão feitas por associações
profissionais. Vale à pena ler!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução
de José Paulo Netto e Balkys Villa Lobos. 12ed. São Paulo: Cortez, 2011.
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética do Assistente Social. 10ed.
Brasília, 2012.
ESTEVÃO, Ana Maria. O que é Serviço Social. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil.
Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 40ed. São Paulo: Cortez, 2014.
FALEIROS, Vicente de Paula. O que Serviço Social quer dizer. Serv. Soc. Soc., São Pau-
lo, n. 108, p. 748-761, out./dez. 2011.
capítulo 5 • 89
y la diversidade latinoamericana. San José, Costa Rica: ALAETS/Espacio Ed./Escuela
de Trabajo Social, 2004, p. 17-50.
MIOTO, Regina Célia Tamaso; LIMA, Telma Cristiane Sasso. A dimensão técnico-opera-
tiva do Serviço Social em foco: sistematização de um processo investigativo.
Revista Textos & Contextos. Porto Alegre v. 8 n.1 p. 22-48. jan./jun. 2009
EXERCÍCIO RESOLVIDO
Capítulo 1
Procure redigir com suas palavras a relação entre o sistema capitalista e o sur-
gimento da profissão de assistente social.
Resposta: O sistema capitalista, enquanto um sistema produtivo baseado na exploração da
força de trabalho daqueles que não detêm os meios de produção, se desenvolveu concomi-
tante ao agravamento das mazelas sociais. As desigualdades sociais advindas da expansão
do capitalismo eclodiram à medida que a industrialização e a urbanização se intensificaram,
com o agravamento da miséria, da fome, do desemprego e das condições de saúde da po-
pulação. As lutas operárias por melhores condições de vida e de trabalho passaram a ate-
morizar a classe detentora dos meios de produção, a burguesia, que apresentavam interesse
de manter a ordem vigente para reprodução do capital. Foi assim que a burguesia, aliada ao
Estado e à Igreja Católica, intensificaram as ações de caridade e racionalizaram a assistência
social, tornando-a mais organizada e permanente. A partir de então, surgem alguns cursos
preparatórios voltados para agentes sociais e instituições com o objetivo de prestar assistên-
cia social, marcando os primórdios da ação profissional de Serviço Social.
Capítulo 2
90 • capítulo 5
Resposta: O desenvolvimentismo diz respeito à política econômica nacional adotada pelo
governo de Juscelino Kubistchek, que esteve à frente da presidência do Brasil entre os
anos de 1955 a 1960, e instituiu o Plano de Metas pelo qual procurou desenvolver a in-
dustrialização, investindo nos setores de transporte e energia, indústrias de base e indústria
automobolística. Também houve grande investimento na educação e procurou-se substituir
as importações. De acordo com a política de JK, o desenvolvimento econômico advindo da
expansão da industrialização enriqueceria o país e reduziria as desigualdades sociais. JK
também procurou facilitar a entrada do capital estrangeiro. Infelizmente, a política desenvol-
vimentista deu início ao endividamento externo e não alcançou os objetivos esperados. Hoje,
sabe-se que desenvolvimento econômico não é, necessariamente, sinônimo de desenvolvi-
mento social. Apesar do aumento do PIB (Produto Interno Bruto) ocorrido na época, a maior
parte da população não se beneficiou deste crescimento, pois grande parte das indústrias
se concentrou na região sudeste. Outros problemas sociais surgiram, como por exemplo, a
migração em massa do nordeste para o sudeste.
Capítulo 3:
capítulo 5 • 91
Capítulo 4:
Capítulo 5:
92 • capítulo 5