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Psicopatologia psicanalítica: subjetividade e alteridade contemporâneas

Psicopatologia psicanalítica:
subjetividade e alteridade contemporâneas
Psychoanalytic psychopathology:
contemporaneous and alterity

Francisco de Assis Duque


Ana Cristina de Araújo Vianna

Resumo
Neste artigo, faz-se uma reflexão acerca dos estudos sobre psicopatologia e sua aplicação no
campo psicanalítico ao considerar aspectos da subjetividade e alteridade contemporâneas.
Para tanto, abordam-se as modificações da constituição da família na história e a influência
dessas modificações na imago paterna, diferenciando-a da função paterna. Aborda-se também
o sintoma enquanto expressão da verdade do inconsciente e o paradoxo do diagnóstico psica-
nalítico, bem como se discute o enlaçamento do “estranho” com a alteridade.

Palavras-chave: Psicanálise, Psicopatologia, Subjetividade, Alteridade.

Pensar a psicopatologia a partir da psicanáli- ideia defendida por Aristóteles. Assim, a vir-
se é um desafio, uma vez que a “psicopatolo- tude estaria naquele que age em harmonia
gização” da subjetividade humana está cada com suas paixões, alcançando o equilíbrio
vez mais presente no discurso hegemônico logos/paixão. Estaria nessa balança o “crime
na área da saúde mental. passional”, assim como as grandes obras,
tendo a paixão como impulsionadora desses
Psicopatologia contém a palavra grega pathos, dois opostos.
que, em sua origem, possui vários significa- No estoicismo, em oposição às teses aris-
dos. Dois conceitos, bastante diferentes, inte- totélicas, as paixões seriam obstáculos ao
ressam-nos sobremaneira: o passional, a pai- logos e deveriam ser domadas. Elas não po-
xão, a passividade; e o patológico, a doença, deriam ser usadas para o aprimoramento
presente no diagnóstico médico. A fronteira pessoal, e enquanto o apaixonado estivesse
que separa estas duas perspectivas é frágil e preso ao seu pathos (como doença), nada
varia de acordo com as épocas e as civiliza- poderia ser feito para ajudá-lo. Dessa forma,
ções (MARTINS apud CECCARELLI, 2003, não seria ele responsável por seus atos. Qual
p. 13-25). a saída? Evitar a expressão da paixão e extir-
pá-la pela raiz (CECCARELLI, 2003).
Nessa perspectiva, o homem não é res- Há um debate interminável entre esses
ponsável por suas paixões, pois não as esco- dois pressupostos, o “normal” e o “patológi-
lhe. Contudo, torna-se responsável pela in- co”. O pathos como causa da conduta do su-
fluência delas nas suas ações, sendo possível jeito ou como uma doença que o aliena e que
julgar o aspecto ético do sujeito. Essa era a o faz necessitar de cuidados especializados.
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Psicopatologia psicanalítica: subjetividade e alteridade contemporâneas

Ao se tratar de psicopatologia na psicaná- mestre, aprendendo com ele, numa obser-


lise, tem-se como implicação o desejo recal- vação direta, o manejo dos distúrbios men-
cado, impregnado de culpa que se inscreve tais. Esse modelo de clínica permaneceu no
na interação relacional, reflexo do imperati- século XIX. No final do século XIX, com as
vo original do sujeito. Por outro lado, a psi- pesquisas de Charcot, a clínica do olhar ga-
copatologia cunhada como doença tende a nhou força quando ele passou a demonstrar
reduzir o mesmo como sendo o portador de para seus discípulos que podia introduzir e
um mal, ainda que possa ser apenas tempo- retirar sintomas utilizando o método hipnó-
rário. tico. Tais demonstrações tinham o intuito de
Em ambas as situações, o ‘apaixonado’ é mostrar que, no caso das histéricas, as para-
depositário das mazelas que o envolvem no lisias de membros não provocavam lesões,
sentido social e cultural, um ser que denun- ao contrário do que os médicos pensavam.
cia a falta. Isso aconteceu nos manicômios de Com essa descoberta, Charcot se consagrou
outrora, e agora, nas ruas, a céu aberto, na como o mestre das histéricas.
vida dos que estão marcados numa socieda- Freud, no fim do século XIX e início do
de que não os vê. século XX, inovou a perspectiva da psicopa-
Ao esboçar os pilares da psicanálise, tologia, trazendo um corpo de conceitos pre-
Freud desvelou a existência do inconsciente cisos para reconhecer a histeria e a conversão
que se constrói a partir da realidade externa histérica, além de trazer à luz a diferencia-
e abastece a realidade interna. As vicissitu- ção clara da neurose obsessiva e da angústia.
des humanas ao longo dos séculos mostram Ao desenvolver a metapsicologia, contribuiu
o enfrentamento do sujeito diante da castra- para a atual classificação das psicopatologias
ção que remete à diferença, à capacidade de a partir da perspectiva estrutural, a saber: (a)
superar as frustrações e ressignificar o de- neuroses de defesa ou transferenciais, nas
sejo. Um exemplo disso pode ser visto nos quais se encontram as histéricas conversivas
adolescentes que gritam pela falta do simbó- e fóbicas, as neuroses obsessivas e as neuro-
lico, buscam, na ficção violenta, inscrever-se ses de ansiedade; (b) as psicoses; (c) as per-
em um laço social. Talvez estejam num mo- versões; e (d) as afecções psicossomáticas.
vimento como o das histéricas de outrora, Tais estruturas são determinadas a partir das
exibindo a paixão à flor da pele. Cabe ainda fixações em fases do desenvolvimento psi-
ressaltar que o imprevisto da paixão, acima cossexual desde os primeiros anos de vida.
descrito, explica-se pelo estranho (Unheimli-
che), ou seja, o estranho que é familiar e tam- A família e a subjetivação
bém pela alteridade intrínseca na estrutura na contemporaneidade
subjetiva do sujeito. Se, de um lado, a Ética a Nicômaco, de Aris-
tóteles (a ética das virtudes) é uma ética para
A psicopatologia na história todos e questiona o que é bom ou o bem e,
Segundo Ferreira (2002), a psicopatologia por outro lado, a ética de Kant é uma ética
começou a se estruturar como clínica pelos do imperativo categórico universal (a ética
médicos alienistas a partir do final do sé- dos deveres), a ética da psicanálise ocupa-se
culo XVIII. Constituiu-se por meio de um da singularidade da experiência humana, em
discurso científico, utilizando um método um imperativo original. Nesse sentido, trata-
de observação e de organização da loucura, se de uma ética do bem dizer gerada na clíni-
numa visão racionalista. Dessa forma, os ca psicanalítica, relativa ao campo da lingua-
médicos procuraram se apropriar da loucu- gem. É uma prática que envolve o discurso
ra como foco da clínica, numa tentativa de do analista, do suposto saber, no qual o dese-
dominá-la. Os discípulos seguiam ao lado do jo se implica eticamente, não como desejo de

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fazer o bem, mas como um operador de um a uma identidade. No entendimento de Ro-


discurso e, pelo lado do analisante, há uma dulfo (apud VITORELLO, 2011), as funções
relação da ação do sujeito com o desejo que nomeiam os implicados no advir do sujeito,
o habita. Assim sendo, o inconsciente, objeto ou seja, aqueles que no processo de consti-
de estudo da psicanálise, implica-o em seus tuição psíquica cumprem a função materna,
atos ao revelar as inscrições do desejo nos a função paterna e a função de irmãos. Não
sintomas, atos falhos, chistes, sonhos, lapsos restam dúvidas das grandes transformações
e esquecimento (AZENHA, 2011). É o dese- da figura paterna no transcorrer da história.
jo recalcado que se representa nessas facetas. O declínio do sistema patriarcal na moderni-
dade acelerou o enfraquecimento da autori-
Para a psicanálise, o agente da castração sim- dade do pai e, com isso, as relações sociais e
bólica é o pai e, nesse sentido, fica mais acen- subjetivas sofreram grandes transformações.
tuada do que revelada a verdadeira função do Há no sujeito formas de subjetivar de
pai que é, essencialmente, unir (e não opor) acordo com o meio, familiar e social, em que
um desejo à Lei (AZENHA, 2011, p. 67). ele se constitui. De outro modo, a cultura e a
época em que o sujeito vive também definem
O enfraquecimento da figura paterna nas nele as formas de subjetivação. Na Antigui-
novas configurações familiares coloca em dade, o poder era prerrogativa do homem,
xeque, de forma inadvertida, a psicanálise, o qual ocupou o papel central na família. O
atribuindo-lhe um caráter ultrapassado. Na direito era muito limitado para as mulheres
contemporaneidade, os novos modos de re- e as crianças. Durante a Idade Média, a vida
lações familiares são apontados como indi- das crianças piorou e as mulheres estavam
cadores do declínio da função paterna, to- sob o domínio dos homens. Nesse período,
davia é a introdução do terceiro na relação a guerra era o principal modo de relação so-
dual mãe-bebê que barra o gozo do sujeito e cial. Em vista disso, a liberdade de expressão
o coloca diante da realidade e da cultura. das pulsões e da gratificação dos impulsos se
exacerbou nessa época em que as mulheres
Retomada por Lacan, em 1938, a hipótese eram vistas como objeto sexual, sujeitas aos
freudiana da mudança de relações do homem ímpetos dos homens. No período medieval,
com o pai, nas representações da função pa- não havia restrição de circulação da criança
terna e no lugar de filiação como núcleo do no mundo adulto, pois não havia ainda uma
sintoma social em nossa cultura tem gerado diferenciação entre adultos e crianças, nem
discussões em torno do enfraquecimento do as famílias eram responsáveis pela educação
significante pai e de seus efeitos nas formas delas.
de subjetivação dos sujeitos modernos (AZE- Importantes transformações passaram a
NHA, 2011, p. 67). ocorrer quanto à estrutura social e aos mo-
dos de estruturação da personalidade no fi-
É necessário distinguir claramente os nal da Idade Média e início da Modernidade.
conceitos de “função paterna”, na psicaná- A estrutura social monarquista, que se ins-
lise, e de “imago social do pai”, na cultura. taurou a partir do século XVII, elege o pai
Para Roudinesco (apud AZENHA, 2011), a como “o lugar tenente de Deus” (BADIN-
imago encontra-se relacionada à imagem in- TER apud VITORELLO, 2011, p. 9), tornan-
ternalizada da figura paterna, ao passo que a do-se o sucedâneo do rei na família. A famí-
função diz respeito à ordem simbólica e in- lia constituída no sistema patriarcal, com sua
depende da presença ou ausência do pai. Por estruturação hierarquizada e vertical, não
função, compreende-se o exercício de uma estava fundada nos laços afetivos, tampouco
nomeação que permite à criança ter acesso as crianças ocupavam o lugar afetivo que têm

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hoje para os adultos. De acordo com Arriès desamparo psíquico ainda maior para o ser
(1981), nesse século, surge, nas classes do- humano. A atemporalidade e a alteridade do
minantes, a primeira concepção real da in- inconsciente, inconciliável com a temporali-
fância. O adulto passa, pouco a pouco, a se dade e objetividade do mundo externo, cria-
preocupar com a criança, porque ela é um ram novas formas de subjetivação para fazer
ser dependente e fraco. A palavra “criança” frente ao desamparo e ao controle do estado
passou a designar a primeira idade de vida, a de cultura do mundo globalizado.
idade da necessidade de proteção. Experiência realizada por alunos do cur-
Com o surgimento do “Estado” no sécu- so de pedagogia da UFRGS, na disciplina
lo XVIII, o patriarcado familiar perdeu força de Psicologia da Educação, ao observar as
para o patriarcado estatal, o qual se conso- crianças e suas famílias, em 2011, mostraram
lida como autoridade pública à medida que a diversidade de modos de agrupamento fa-
vai enfraquecendo o poder do pai. Há um miliar e de arranjos quanto ao desempenho
processo de “humanização” do pai divino e, das funções parentais. As observações dos
nesse contexto, a criança e a mãe ganham va- discentes de pedagogia revelaram que nem
lor. “Nos séculos seguintes a mulher passa a sempre o pai ou a mãe exercem as funções
ocupar o lugar de “rainha do lar”, e a criança parentais na família.
torna-se o “menino rei”. Está então instalado
o modelo de família nuclear burguesa” (BA- [...] por vezes são os tios, os avôs ou são parti-
DINTER apud VITORELLO, 2011, p. 10). O lhadas por várias pessoas. Há também os ca-
fortalecimento do Estado e a ideologia ilu- sos em que a função parental está vazia, pois
minista surgem como fatores preponderan- os pais denotam estar na posição de filhos e
tes de mudanças no tecido social da época, os filhos na posição dos adultos (VITOREL-
promovendo alterações nas condutas sociais LO, 2011, p. 11).
e nas formas de subjetivar dos sujeitos.
Fleig (2008) discute as relações entre as A pesquisa permitiu reconhecer na co-
formas de neuroses dominantes e as mu- munidade local a diversidade quanto às
danças nas condições da família, tal como configurações familiares, tal como constata
ocorreu na modernidade com o declínio do Roudinesco (2003): famílias “recompostas”;
Nome-do-Pai. Embora se constate o enfra- famílias com a “guarda compartilhada dos
quecimento do pai moderno, o declínio da filhos”; famílias “extensivas”, nas quais pais,
imago que o processo histórico deflagrou filhos e avós convivem na mesma casa; “mães
não coincide com a função paterna. O pai solteiras” ou “separadas” com a responsabili-
como função continua a ser o organizador dade de cuidar sozinhas dos filhos. Situações
fundamental da subjetividade e da cultura. que produzem questionamentos acerca dos
A função paterna, como operação estrutu- papéis e funções: como estão definidos, de
ral tanto para o sujeito quanto para o social, quem é a responsabilidade do cuidado das
pode ser encarnada por vários agentes. Na crianças e quem desempenha o que nessa
contemporaneidade, as funções parentais nova estruturação familiar. A presença do
não se tornam tão visíveis como eram na pai e da mãe não quer dizer que o desempe-
ordem tradicional. Há que considerar que, nho da função paterna e materna esteja ga-
em qualquer época, a cultura trata de criar rantido. Por outro lado, há famílias “mono-
estratégias de recalque e repressão com a fi- parentais” nas quais a mãe cuida dos filhos, e
nalidade de mascarar o mal-estar existente. as funções estão instaladas, via desejo mater-
Na contemporaneidade, a qual se vive, hou- no (VITORELLO, 2011).
ve uma mudança na dimensão da percep- Fleig (2008) indica a emergência de um
ção do espaço-tempo, que resultou em um matriarcado no cenário contemporâneo,

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pois hoje muitas famílias estão situadas em cada um. Assim, não se pode perder de vista
torno da mãe. As técnicas de procriação ca- as relações do sintoma com a estruturação
minham no sentido de dispensar a partici- subjetiva do sujeito (VITORELLO, 2011).
pação do homem-pai na filiação. Entretanto, Para Rodulfo (apud VITORELLO, 2011),
ressalta-se que o significante paterno tem a o discurso familiar é para o sujeito o “tesou-
propriedade de barrar a demanda engolfante ro de significantes”, lugar de onde retira as
da mãe e situar a criança em relação ao de- significações para sua inscrição no univer-
sejo do Outro materno. Dessa forma, a lei so simbólico. Ao salientar a importância do
simbólica (lei do pai) interdita a mãe e, ao “mito familiar”, o autor diferencia-o de histó-
mesmo tempo, autoriza o sujeito ao acesso a ria familiar. O mito diz respeito ao lugar ocu-
um lugar sexuado. Na visão de Fleig (2008), pado pela criança na família, sua posição em
há na cultura contemporânea a expressão de relação ao campo desejante dos pais, incluin-
uma nova economia psíquica decorrente da do tanto os processos ou tramas imaginárias
suposição de se estar liberado da referência (as fantasias e o brincar) como as funções
paterna. parentais (materna, paterna, dos irmãos).
As novas e múltiplas configurações da fa- Muito tem sido discutido sobre as funções
mília ocidental evidenciam as mudanças nos parentais e as novas configurações familiares
papéis sociais do homem e da mulher, assim na contemporaneidade. Como identificar es-
como a nova realidade nas relações entre os ses conflitos no sujeito?
sexos. A família atual não é mais caracteri- Na compreensão de Dor (1994, p. 9), “o
zada pela “parentalidade”, mas pela descen- diagnóstico psicanalítico remete à dimen-
tralização do poder e por múltiplas aparên- são de um embaraço técnico no campo do
cias. A dominância masculina, característica inconsciente” ao se confrontar com a prática
do sistema patriarcal, cedeu lugar para um psicanalítica e sua investigação. Nessa pers-
contexto em que a mulher tem importância. pectiva, há uma dificuldade de balizamento
Muitas vezes, é em torno da mãe que estão ao utilizar um método dependente de “fer-
as “famílias recompostas” (ROUDINESCO, ramentas” subjetivas. O psicanalista trabalha
2003). Há que considerar, na nova perspecti- com incertezas ao escutar a narrativa his-
va, as famílias “homoparentais” (constituída tórica do paciente. Uma narrativa que, por
por um casal homossexual e seus filhos ado- vezes, entra em ressonância com sua própria
tivos ou não). O próprio direito civil já reco- história.
nhece a união civil dos casais homossexuais, Segundo Dor (1994, p. 13),
garantindo inclusive o direito à adoção de
filhos. Tal efetivação denota a transformação [..] diagnóstico psicanalítico difere do diag-
da família na contemporaneidade. nóstico médico. Existe no diagnóstico psica-
nalítico um paradoxo: por um lado, a necessi-
O sintoma e o diagnóstico psicanalítico dade de estabelecer um diagnóstico que balize
A psicanálise torna-se, desde sua descoberta o tratamento e, por outro, a impossibilidade
por Freud, um balizamento de escuta para a de fazê-lo precocemente, uma vez que ele só
cura dos sintomas do sofrimento. Sintomas poderá se delinear no transcurso da análise.
que vêm expressar, por meio de uma metá-
fora, a verdade do sujeito. Há uma relação O diagnóstico médico visa, inicialmente,
de afetos, que mantém a produção de sinto- determinar a natureza de uma afecção ou
mas com a verdade e que abarca um “saber” uma doença, a partir de uma semiologia. A
inconsciente sobre o sujeito. Desse modo, o seguir, objetiva a classificação dos sintomas,
sintoma evidencia algo que tem uma signi- que permite localizar um estado patológico
ficação e que está relacionado à história de no quadro de uma nosografia. Para o autor, o

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ato psicanalítico não pode se apoiar pronta- classe em que o elemento que amedronta
mente na identificação diagnóstica como tal. pode se mostrar como algo recalcado que re-
Uma interpretação psicanalítica não pode torna. Contudo, o estranho não é nada novo
se constituir, em sua aplicação, como pura e ou alheio ao sujeito, mas algo que é familiar
simples consequência lógica de um diagnós- e há muito nele instalado, sendo que somen-
tico, já que o sintoma tem múltiplas faces. te teria se alienado de sua consciência por
A técnica de investigação que o analista uma operação de recalcamento (THONES;
dispõe é a associação livre do paciente e a PEREIRA, 2013). A partir disso se pensa na
atenção flutuante, e é na dimensão do dizer e conexão do estranho com a alteridade, ou
do dito que se definirá o campo de investiga- seja, há um enlaçamento do estranho com a
ção psicanalítica. Como o espaço de palavra diferença, com a alteridade, com o outro da
está saturado de “mentira” e tem o imaginá- relação.
rio como parasita, a avaliação psicanalítica é O sentimento do estranho no âmbito so-
essencialmente subjetiva e deve buscar des- cial se apresenta como pendular, relativo e
velar a verdade do desejo. Ao considerar as relacional; oscila entre sentimentos amoro-
incertezas encontradas no balizamento do sos e hostis, entre a representação de si mes-
diagnóstico psicanalítico, leva-se em conta a mo e a representação dos outros. Portanto,
singularidade, a “composição” do mundo in- o estranho se constitui como um território
terno e do mundo externo, da realidade e da minado. Muitas são as definições e as rela-
presença do outro. ções que se fazem em torno dessa parado-
xal categoria, na qual se busca compreender
O estranho sobre um afeto e uma representação. O es-
e a alteridade contemporânea tranho mantém íntima relação com o que é
Em suas descobertas analíticas, Freud inte- próprio, aparecendo, assim, como o duplo
ressou-se pelo tema do “estranho” no início do mesmo.
do século XX, constatando que o estranho O duplo constitui, para Freud no seu en-
era um tema negligenciado no ramo da es- saio sobre o estranho, um componente psí-
tética, uma vez que o enfoque, em seu tem- quico de fundamental importância. Rank
po, era dado ao estudo da beleza. A temática (apud FREUD, 2006) constata que o duplo,
do estranho, captada por Freud, constituiu- como negação do poder da morte, se torna
se como um assunto gerador de polêmica e uma segurança para o sujeito contra a des-
de constrangimento, o qual a sociedade, em truição do eu. As produções literárias de fic-
geral, evitava e ainda evita abordar. O tema ção da época, observadas por Rank, segundo
do “estranho” foi aprofundado por Freud no Freud em 1914, indicavam a correlação di-
texto intitulado Das Unheimliche, de 1919. reta do escrito com o psiquismo do escritor.
Após pesquisa do sentido da palavra Unhei- Freud aprofundou essa noção de relações
mliche (estranho), em várias línguas, Freud contra a castração na linguagem dos sonhos
o definiu como assustador e familiar, que se e no narcisismo primário. A partir de Freud,
pode inferir também como lugar estranho a psicanálise vem desvendando a topologia
(que pode se articular à ideia de uma pessoa do sujeito de tal forma que se pode afirmar
desorientada no ambiente) estrangeiro, que hoje, com segurança, que toda forma de ex-
pode dar a ideia de alguém vindo de outro pressão do sujeito guarda relação intrínseca
lugar (THONES; PEREIRA, 2013). com o mesmo. Todas as representações se
É importante ressaltar que ele buscou mostram por meio do enunciado do discur-
seu significado nos fenômenos que causam so e no discurso do enunciado, como afirma
estranheza. Assim, constatou que entre os Lacan. Nesse sentido, o duplo ocuparia o
exemplos de coisas assustadoras existe uma espaço da sombra, dos fantasmas que retor-

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nam, dos reflexos perdidos, de sujeitos que patologia: as neuroses histéricas, fóbicas, ob-
na ficção procurariam persistir à morte. sessivas, de ansiedade; as psicoses; as perver-
Thones e Pereira (2013) evidenciam for- sões; as afecções psicossomáticas.
mas diferentes sobre a representação do es- Considera-se que o modo singular de
tranho, de si mesmo em relação ao Outro subjetivação do sujeito responde ao meio fa-
desconhecido. Para esses autores, é apenas a miliar e social em que ele se constitui, bem
partir de si mesmo que o sujeito pode defi- como a implicação cultural de sua época. Na
nir o outro, porquanto seja também definido atualidade, no mundo globalizado, a busca
pelo outro a partir do alcance de seu próprio de normatização de comportamentos vem
olhar. Assim, as formas de relação do sujeito gerando uma padronização da normalidade
com o outro, e vice-versa, dependem dessa e transformando a singularidade em anor-
condição, ou seja, da incidência do Outro malidade. Em vista disso, são criadas regras
sobre o sujeito e do quanto este conseguiu se de procedimentos a partir de parâmetros que
tornar independente, reconhecendo-o. não levam em conta a particularidade da di-
As mudanças na estrutura familiar da nâmica pulsional do sujeito. A tão falada glo-
contemporaneidade, bem como a crise no balização da atualidade, ao produzir a subje-
conhecimento e o fim das certezas ou verda- tividade que lhe é própria, arrasta consigo o
des absolutas surgem como possíveis causas padecimento psíquico na forma de mal-es-
de uma desorganização social e violência tar, fruto das marcas da sociedade e desse
sem precedentes. Tem-se a impressão de uma momento histórico. Assim sendo, acredita-
ruptura do laço social e o fim das referências se que o sofrimento psíquico impingido à
simbólicas, o fim da função e também da humanidade atual culminará numa reorga-
imago paterna. Para Cecarelli (2010), cada nização para uma nova visão de mundo.
época tem a sua própria leitura de mundo,
não sendo uma melhor que a outra. Desse Abstract
modo, uma verdade ou um comportamento This paper holds a reflection about the stu-
dura até que outra verdade venha sobrepô- dies on psychopathology and its application
-la. Em Totem e Tabu, Freud (1914) traz o to the psychoanalytic domain when conside-
conceito de Weltanschauung, como visões de ring aspects of contemporary subjectivity and
mundo às quais o homem recorreu ao lon- alterity. It addresses to the changes in family
go do processo evolutivo: animista, religiosa pattern through history and the influence of
e científica. Tais visões de mundo acompa- these changes over the paternal imago, distin-
nharam a necessidade de proteção através do guishing it from the paternal function. It ad-
amor para aliviar o sofrimento psíquico de dresses the symptom as an expression of the
cada época. truth of the unconscious and the paradox of
psychoanalytic diagnosis. It discusses the bon-
Considerações finais ding of “weird” with alterity.
Com os estudos freudianos, desvelou-se a
falsa soberania da consciência marcada pe- Keywords: Psychoanalysis, Psychopathology,
las forças pulsionais sob a determinação do Subjectivity, Alterity.
inconsciente. Dessa forma, a psicanálise en-
tende a psicopatologia a partir dos conflitos
que se estabelecem entre o inconsciente e o
consciente do sujeito, fruto de seu impera-
tivo original. Por essa razão é chamado de
psicopatologia psicanalítica. A variação ou
o grau desse conflito indica o tipo de psico-

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