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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

EVANDRO OLIVEIRA DE BRITO

O DESENVOLVIMENTO DA ÉTICA NA FILOSOFIA DO


PSÍQUICO DE FRANZ BRENTANO

DOUTORADO EM FILOSOFIA

SÃO PAULO
2012
EVANDRO OLIVEIRA DE BRITO

O DESENVOLVIMENTO DA ÉTICA NA FILOSOFIA DO


PSÍQUICO DE FRANZ BRENTANO

DOUTORADO EM FILOSOFIA

Tese apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de DOUTOR em Filosofia,
sob a orientação do Prof. Doutor Mário
Ariel Gonzáles Porta.

SÃO PAULO
2012

2
Banca Examinadora:

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AGRADECIMENTOS

Sou grato a Deus e aos amigos que me apoiaram nessa caminhada.


Agradeço especialmente ao Prof. Dr. Mário Porta. Em primeiro
lugar, sou grato pelos “cheques em branco” que ele assinou. Espero começar a
“cobri-los” neste trabalho e saudar minha dívida em trabalhos futuros. Sou lhe
grato também pelas orientações objetivas e precisas, mas sou
fundamentalmente grato pelo incentivo à autonomia na pesquisa filosófica. Não
poderia deixar de mencionar duas coisas sem as quais este trabalho não teria
chegado ao fim. A primeira delas foi o incentivo para continuar o trabalho, ainda
que o prazo estivesse sido ultrapassado. A segunda foi a anedota da “mordida
do cachorro pequinês” e a ideia de que a força de um trabalho filosófico pode
estar na intuição de um problema que nunca deve ser abandonado
Agradeço a todos os amigos que contribuíram na árdua aquisição
das raríssimas obras brentanianas. À amiga Ana Beatriz Cerisara e André
Cerisara De Jongh, sou grato pelas cópias dos livros Vom ursprung sittlicher
erkenntnis (1969), Psychologie vom empirischen standpunkt, 3 v, (1971-1974),
Grundlegung und aufbau der ethik (1978), Kategorienlehre (1985). Ao amigo
Azddine Taine, mein Bruder, sou grato pelo auxílio prestado na aquisição das
principais obras brentanianas junto às bibliotecas da Heinrich Heine Universität
em Düsseldorf. Ao professor Celso Braida, sou grato pelo livro de Arthur
Rojszczak, From the act of judging to the sentence - The Problem of Truth
Bearers from Bolzano to Tarski. Ao professor Darlei Dall’agnol, sou grato pelo
artigo de Moore, Review of Franz Brentano‟s The Origen of the Knowledge of
Right and Wrong. Ao amigo e irmão Daniel Monteiro e Diana Garay, sou grato
pela cópia dos livros de Wundt, Sistema de filosofia cientifica, o sea,
fundamentos de metafisica basada en las ciencias positivas, 2 V, (1913), mas,
principalmente, pela acolhida na cidade de Córdoba e pelo auxilio prestado nas
bibliotecas da Univerdad Nacional de Córdoba. À amiga Eliane Santos, sou
grato pela cópia dos livros Deskriptive Psychologie e o livro de Chisholm,
Brentano and intrinsic value (1986). À amiga Gislene Santos, sou grato pelas
cópias dos livros de Wundt, Etica una investigacion de los hichos y leyes de la
vida moral, 3 V, (1917). À amiga Lia Vainer Schucman, sou grato pelas cópias
dos livros Von der mannigfachen Bedeutung des Seienden nach Aristoteles, El

4
porvenir de la filosofia (1936), Vom Ursprung sittlicher Erkenntnis /
herausgegeben und eingeleitet von Oskar Kraus (1889) e (1921), Religion und
Philosophie: ihr Verhältnis zueinander (1954), Von der mannigfachen
Bedeutung des Seienden nach Aristoteles und ihre gemeinsamen Aufgaben
(1960). Sou grato, além disso, pela possibilidade de acessar a base de dados
da University of California Santa Barbara e pesquisar em 311 artigos escritos
pelos principais comentadores de Brentano. Ao admirável amigo Luiz
Hebeche, sou grato pela cópia do livro que amarrou este trabalho, Wahrheit
und evidenz: erkenntnistheoretische abhandlugen und briefe (1974). À amiga
Mirena dos Santos, sou grato pelo livro L‟origene de la connaissance moral
suive de la doctrine du jugement corret (2003).
Agradeço imensamente aos professores que aceitaram participar da
banca de avaliação deste trabalho na qualificação e na defesa final. Sou grato
também aos professores da Universidade Federal de Santa Catarina que me
aceitaram como aluno especial no curso de pós-graduação em filosofia.
Agradeço especialmente aos professores Arlene Reis, Celso Braida, Darlei
Dall’agnol, Luiz Hebeche e Marcos Müller Granzotto. Sou grato aos colegas
do programa de pós-graduação em Filosofia da PUC-SP, aos colegas do
Centro Universitário Municipal de São José, aos colegas do Departamento de
Metodologia de Ensino da UFSC vinculados ao projeto de ensino de filosofia no
E.E.B. Henrique Stodieck, especialmente aos professores Nestor Habkost,
Jason Lima e Silva e Aguinaldo Amaral.
Agradeço imensamente a todos que dedicaram parte de seu
precioso tempo para ler as versões iniciais e finais desta tese. À amiga Gislene
Santos, sou grato ainda pela revisão e auxílio na redação dos termos gregos e
pelas longas discussões sobre meu tema de pesquisa. À minha amiga Elise
Jaquim e ao amigo e professor Charles Feldhaus, sou grato pelo pronto
auxílio na revisão do abstract. Ao meu colega pesquisador e professor Ernest
Giusti, sou grato ainda pela análise e pelas sugestões pontuais para correção
das versões finais deste texto. Ao meu amigo Emerson Martins, sou grado
pelas cuidadosas observações sobre as partes iniciais do texto. Ao colega
Célio Escher, sou grato pela revisão final do texto principal.
Aos membros da minha família sou eternamente grato pelo apoio
emocional e financeiro. Agradeço especialmente a minha querida mãe Maria

5
Rosa Brito, seu marido Manoel Reis e meus irmãos Ednan Brito e Eliana
Moiano, mas agradeço também a grande família Pereira que sempre me
recebeu de portas abertas a qualquer hora do dia ou da noite. Agradeço
aqueles amigos que escolhi como família quando morei na cidade de São
Paulo, Carolina Bianchi, Gabriel Bianchi, Eliane Santos, Ulises Sininho,
Amay e Fernando Monteiro e George França. Agradeço também aqueles
amigos que escolhi como família na minha ilha preferida. Muito obrigado
Gislene Vale Santos, Ana Beatriz Cerisara, Lia Vainer e a família Vainer
Schucman, Nara e Erick Sciasci, Daniel Monteiro e Diana Garay, Rogério
Lacerda e, principalmente, a minha família Morelli Matos, José Claudio, João
Carlos, Margarida, Janira e Georgina. Muito obrigado à família Jaquim e,
especialmente, à Elise Jaquim, não penas por me visitar no inverno de
Düsseldorf, mas também por me receber em Paris como membro da família.
Sou grato aos amigos “republicanos” com os quais dividi moradia nos anos de
pós-graduação. Entre eles, aos amigos de todas as horas José Cláudio
Matos, Fernando Monteiro, Graziela Barbosa, Marinês e Gabriel Angenot,
Nathalia Lambert, e Roberto Laufenschlager.
Sou grato de modo especial à amiga Lia Vainer Schucman por todo
auxílio prestado durante todos estes anos e, especialmente, obrigado por
resolver os detalhes burocráticos junto à secretaria do programa de pós-
graduação em filosofia da PUC-SP.
Finalmente, agradeço ao CAPEs pela bolsa parcial que serviu como
ajuda na concretização desta tarefa.

6
Para o grande amigo

Luiz Hebeche.

7
RESUMO

Esta tese de doutorado tem como propósito comparar duas formulações


brentanianas da noção de valor moral e analisá-las a partir da filosofia do
psíquico que lhes serve de base. Explicitaremos, desta maneira, o modo como
as reformulações da noção de valor moral decorreram do desenvolvimento das
descrições da atividade da consciência, apresentadas (ou pressuposta) por
Brentano na primeira etapa de seu desenvolvimento intelectual (1874-1892).
Explicitaremos, assim, que „valor moral‟, tal como foi apresentada por Brentano
na obra Psicologia do ponto de vista empírico (1874), seria o resultado de uma
solução aristotélico-tomista que visava resolver um problema epistemológico
moderno. Como tal, o valor moral seria exclusivamente um sentimento.
Explicitaremos, no entanto, que na obra Origem do conhecimento moral (1889)
Brentano reformulou tal noção ao propor uma epistemologia moral não
subjetivista que, orientada pelos trabalhos que compuseram a Psicologia
descritiva (1888-1892), considerava o valor moral um conhecimento análogo ao
juízo evidente. Esta tese está sustentada sobre a hipótese de que a teoria do
conhecimento moral, formulada por Franz Brentano em 1889, resultou de duas
mudanças específica. Por um lado, esta teoria resultou do abandono do
conceito de objeto intencional, tomado como ponto arquimediano na
formulação da Psicologia do ponto de vista empírico. Por outro lado, ela
resultou da formulação do conceito de ato intencional, apresentado no contexto
da formulação da Psicologia descritiva. A justificação desta hipótese
interpretativa será apresentada por meio dos seguintes passos argumentativos.
(1) Apresentaremos a teoria brentaniana do conhecimento moral publicada em
1889, na obra Origem do conhecimento moral, e (2) descreveremos os
pressupostos epistemológicos fundamentais da Psicologia descritiva que
sustentam esta teoria do conhecimento moral, caracterizados como
reformulações conceituais efetuadas por Brentano na Psicologia do ponto de
vista empírico. (3) Esta hipótese interpretativa será corroborada pela
apresentação da incompatibilidade entre a ética do sentimento moral e a ética
do conhecimento moral. Esta incompatibilidade, ainda, será evidenciada por
meio da comparação entre as descrições brentanianas do ato psíquico de
sentimento moral, vigente na Psicologia do ponto de vista empírico, e do ato
psíquico de conhecimento moral caracterizado como preferência, vigente na
Origem conhecimento moral. (4) Nossa análise implicará a seguinte conclusão.
Ao abandonar os pressupostos da Psicologia do ponto de vista empírico, a
teoria brentaniana do conhecimento moral baseou-se no pressuposto de que a
noção de ato intencional estabelecia uma relação intrínseca e imediata
chamada de consciência da preferência do moral, ou seja, o fenômeno
psíquico de preferência.

Autor: Evandro Oliveira de Brito


Título: O desenvolvimento da ética na filosofia do psíquico de Franz
Brentano.
Palavras chaves: intencionalidade; objeto intencional; consciência; ética;
moral; filosofia da mente; Franz Brentano.

8
ABSTRACT

This thesis aims to compare two of Brentano‟s formulations


regarding the notion of moral values and analyze them from the philosophy of
the mind that serves as their base. I will explain in this way, how the
reformulation of the notion of moral values arose from the development of
descriptions of the activity of consciousness, presented (or assumed) by
Brentano in the first stage of his intellectual development (1874-1892). I will
explain, therefore, that moral values, as it was formulated by Brentano in the
work Psychology from an empirical standpoint(1874), was the result of an
Aristotelian-thomist solution aimed at solving a problem of modern
epistemology. As such, the moral value would be only a moral sentiment. I will
explain, however, that in The origin of the knowledge of right and wrong (1889)
Brentano reformulated this notion by proposing a non-subjectivist moral
epistemology, that guided by the works that made up the Descriptive
psychology (1888-1892), considered the moral value analogous to a evident
judgment. This thesis is supported by the assumption that the theory of moral
knowledge, formulated by Franz Brentano in 1889, resulted from two specific
changes. On one hand, this theory led to the concept of intentional object being
abandoned, taken as the Archimedean point in the formulation of Psychology
from an empirical standpoint. On the other hand, it resulted in the formulation of
the concept of intentional act, presented in the context of the formulation of
Descriptive psychology. The justification of this interpretive hypothesis will be
presented through the following arguments: (1) I will present the
Brentano‟s theory of moral knowledge, published in 1889 in the work The origin
of the knowledge of right and wrong, and (2) I will describe the basic
epistemological assumptions of Descriptive psychology who hold this theory of
moral knowledge, characterized as conceptual reformulations made by
Brentano in Psychology from an empirical standpoint. (3) This hypothesis will be
supported by interpretive presentation of the incompatibility between the ethics
of moral sentiment and ethics of moral knowledge. This incompatibility also will
be supported by comparing the descriptions of Brentano‟s psychic act of moral
feeling, present in Psychology from an empirical standpoint, and of
Brentano‟s psychic act of moral knowledge characterized as preference,
present in The origin of the knowledge of right and wrong. (4) My analysis will
lead to the following conclusion. By abandoning the assumptions of
the Psychology from an empirical standpoint, Brentano‟s theory of moral
knowledge was based on the assumption that the notion of intentional
act established an intrinsic and immediate relationship called the consciousness
of moral‟s preference, or, the psychic phenomenon of preference.

Author: Evandro Oliveira de Brito


Title: The development of ethics in the Franz Brentano‟s‟ philosophy of
mind.
Keywords: intentionality; intentional object, consciousness, ethics,
morality, philosophy of mind; Franz Brentano.

9
SUMÁRIO

O DESENVOLVIMENTO DA ÉTICA NA FILOSOFIA DO PSÍQUICO DE FRANZ


BRENTANO

INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I............................................................................................................................................ 24
A TEORIA DO CONHECIMENTO MORAL: O PROBLEMA FUNDAMENTAL E SEU
CONTEXTO ............................................................................................................................................ 24

1.1 A defesa da tese acerca da origem do conhecimento moral (1889) na sociedade jurídica de Viena ......... 24

1.2 Chisholm e a indicação do fenômeno psíquico de preferência como pedra de toque da ética
brentaniana ...................................................................................................................................................... 27

1.3 As noções psíquicas de fins e meios como modo de indicação da intencionalidade no ato psíquico de
preferência. ...................................................................................................................................................... 35

1.4 A esfera psíquica da existência do bem: o erro de Aristóteles. .................................................................. 43

1.5 A proposta de superação do subjetivismo moral por meio da correta descrição dos fenômenos que
constituem a esfera psíquica. ........................................................................................................................... 50

CAPÍTULO II
A ÉTICA DO SENTIMENTO MORAL COMO DESCRIÇÃO DO FENÔMENO PSÍQUICO
DE AMOR E ÓDIO NAS FORMULAÇÕES TEÓRICAS DE 1874 ................................................. 55

2.1 Introdução .................................................................................................................................................. 55

2.2 A recepção da noção aristotélica de in-existência intencional do objeto como critério de distinção das
partes da alma na teoria aristotélica ............................................................................................................... 56

2.3 A definição brentaniana das três classes de fenômenos psíquicos orientanda pela dupla distinção
aristotélica entre pensamento e apetite ( e ). .............................................................................. 66

2.4 A dependência ontológica e epistemológica dos fenômenos de amor ou ódio como fundamento da
ética do sentimento moral. ............................................................................................................................... 80

2.5 O esboço de uma teoria do sentimento moral no contexto da Psicologia do ponto de vista empírico. ...... 91

CAPÍTULO III
OS FUNDAMENTOS DA DESCRIÇÃO DOS FENÔMENOS PSÍQUICOS NO CONTEXTO
DA PSICOLOGIA DESCRITIVA (1889) ........................................................................................... 112

3.1 Introdução ................................................................................................................................................ 112

3.2 A orientação cartesiana para a descrição das atividades da consciência em 1889................................. 114

3.3 A descrição das partes separáveis das atividades psíquicas por meio da análise das relações entre as
partes e o todo da consciência na Psicologia descritiva. ............................................................................... 119

3.4 A descrição das partes distinguíveis das atividades psíquicas por meio da análise das relações entre
as partes e o todo da consciência na Psicologia descritiva. .......................................................................... 123

10
3.5 A reformulação da descrição cartesiana da atividade psíquica fundamental: as ideae. ......................... 141

3.6 A descrição cartesiana das atividades psíquicas baseadas em representações: os judicia e as


Voluntattes sive affectus ................................................................................................................................. 147

3.7 O critério brentaniano e a distinção cartesiana entre ideae e judicia ..................................................... 150

3.8 O critério brentaniano para a definição da evidência do juízo ................................................................ 152

3.9 O critério brentaniano para a fundamentação da teoria da verdade como evidência ............................. 155

CAPÍTULO IV
A TEORIA ÉTICA DO CONHECIMENTO MORAL COMO DESCRIÇÃO DO FENÔMENO
PSÍQUICO DE PREFERÊNCIA NAS FORMULAÇÕES TEÓRICAS DE 1889 ......................... 167

4.1 Introdução ................................................................................................................................................ 167

4.2 A indicação da fonte originária do conhecimento moral a partir da descrição da justeza dos
sentimentos de amor e ódio, estabelecido por meio de uma analogia para com a definição de justeza dos
juízos .............................................................................................................................................................. 169

4.3 A análise da definição tautológica de verdade como juízo justo e a distinção entre fenômenos
psíquicos de ordem superior e ordem inferior ............................................................................................... 174

4.4 A analogia entre juízo justo e amor justo como modo de indicar os fenômenos psíquicos de ordem
superior .......................................................................................................................................................... 190

4.5 O fenômeno psíquico da preferência como fundamento da teoria do conhecimento moral ..................... 197

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................. 206

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 209


BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA......................................................................................................... 210
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA........................................................................................................ 214

11
O DESENVOLVIMENTO DA ÉTICA NA FILOSOFIA DO PSÍQUICO DE FRANZ
BRENTANO

INTRODUÇÃO

A obra clássica de Brentano dedicada à exposição de sua teoria


ética foi apresentada ao público germânico em 1889 e recebeu o título de
Origem do conhecimento moral (Ursprung sittlicher Erkenntnis). O propósito
dessa obra consistia em anunciar a consolidação da ética como uma ciência
positiva, no entanto, durante quase todo o ano de 1887, dois anos antes da
apresentação pública da teoria brentaniana, o então filósofo e futuro pai da
sociologia positivista francesa, Emilie Durkheim, realizou uma pesquisa
bibliográfica na Alemanha acerca do desenvolvimento de teorias que
concebiam a ética como uma ciência especial dotada de métodos e princípios
próprios1.

A pesquisa de Durkheim encontrou o debate acadêmico alemão em


torno dessa nova proposta dividido em três grandes perspectivas teóricas: a
proposta economista sociológica (que, ao analisar a distinção entre moral e
economia, afirmava que a primeira consistia na forma enquanto a segunda
consistia na matéria)2; a proposta jurídica de Rudolf von Ihering (unificadora do
direito positivo e filosofia do direito)3; e a proposta psicologista de Wilhelm
Wundt4. Ainda segundo a análise de Durkheim, dentre as obras que se
destacaram como alternativas originais, desvinculadas tanto da concepção
moral kantiana como da concepção utilitarista, estava uma obra do futuro
psicólogo e interlocutor de Brentano, Wilhelm Wundt (Ethik: Eine Untersuchung
der Tatsachen und Gesetze des sittlichen Lebens). A relevância desse estudo,
para nosso propósito, está no fato de que ele sintetiza o problema norteador

1
Cf. Durkheim, Émile. La science positive de la morale en Allemagne. Revue philosophique, 24, 1887, p.
33-142 e 275-284.
2
Conferir o capítulo Économistes et sociologistes em Durkheim, Émile. La science positive de la morale
en Allemagne, p. 5-16.
3
Conferir o capítulo Les juristes. M. Ihering em Durkheim, Émile. La science positive de la morale en
Allemagne, p. 17-24.
4
Conferir o capítulo Les moralistes. M. Wundt em Durkheim, Émile. La science positive de la morale en
Allemagne, p. 25-47.

12
das teorias morais da época. Desse modo, o contexto do problema acerca da
moral enfrentado pelos pensadores alemães foi apresentado, então, por
Durkheim a partir da seguinte comparação com a produção intelectual
francesa:

Na França só se conhecem dois tipos de moral: a dos espiritualistas e


kantianos, e a dos utilitaristas. Mas surgiu recentemente na Alemanha
uma escola de teóricos morais que se propôs estudar a ética como
uma ciência especial, com seu método e seus princípios. As
diferentes ciências filosóficas tendem cada vez mais a se afastar
umas das outras e a abandonar as grandezas e hipóteses metafísicas
que sempre foram a sua raiz comum. Hoje a psicologia não é
materialista e nem espiritualista. Por que o mesmo não poderia ser
5
válido para a moral?

O que se explicitou imediatamente a partir da investigação de


Durkheim foi a relação entre a ética e a psicologia (enquanto filosofia do
psíquico ou filosofia da mente). Isso se deu na medida em que a ética foi
tomada como tarefa e a filosofia do psíquico foi tomada como fundamento
epistemológico. Assim, o modo como Brentano, dois anos mais tarde, se
vinculou a esse contexto especulativo pode ser primeiramente indicado nas
ressalvas que ele mesmo apontou na apresentação de sua teoria ética.

Em uma observação pontual encontrada no prólogo da obra de


1889, Brentano relembrou que essa publicação resultou da conferência
proferida em 23 de janeiro do mesmo ano para a Sociedade Jurídica de Viena.
Embora o título da conferência tivesse sido “Da sanção natural do justo e do
moral” (Von der natürlichen Sanktion für recht und sittlich), no contexto da
publicação, Brentano optou pela mudança de título com o intuito de apontar
mais precisamente o conteúdo analisado. Seu propósito consistia em
apresentar outro ponto de vista para o tema tratado, poucos anos antes na
mesma academia, por Rudolf von Ihering em seu discurso intitulado “Sobre a
gênese do sentimento de direito”. Esse novo ponto de vista sustentado pela

5
“Nous ne connaissons guère en France que deux sortes de morale: celle des spiritualistes et des kantiens
d'une part, celle des utilitaires de l'autre. Cependant il s'est depuis peu constitué en Allemagne une école
de moralistes qui a entrepris de constituer l'éthique comme une science spéciale, ayant sa méthode et
ses principes. Les différentes sciences philosophiques tendent de plus em plus à se détacher les unes des
autres et à se dégager des grandes hypothèses métaphysiques qui leur servaient de liens. La psychologie
n'est plus aujourd'hui ni spiritualiste ni matérialiste, pourquoi n'en serait-il pas de même de la morale?”
Durkheim, Émile. La science positive de la morale en Allemagne, p. 4.

13
filosofia brentaniana do psíquico6 marcou explicitamente o combate ao
relativismo moral, bem como explicitou os problemas teóricos, acerca do
conhecimento moral, considerados relevantes no debate político e acadêmico
germânico na segunda metade do século XIX7.

Em uma segunda observação pontual acerca da suposta


apresentação pública acidental, bem como da publicação inesperada dessa
obra, Brentano ressaltou enfaticamente que se tratava de um trabalho original
constituído das duas características seguintes. Em primeiro lugar, esse
trabalho comportava os pontos de reformulações e aperfeiçoamento de sua
teoria apresentada na sua primeira grande obra intitulada Psicologia do ponto
de vista empírico (Psychologie vom empirischen Standpunkt). Em segundo
lugar, esse trabalho apontava para a elaboração de sua nova perspectiva
epistemológica de análise dos fenômenos psíquicos, definida de modo mais
preciso como Psicologia descritiva. Brentano anunciou essas duas
características por meio das seguintes palavras:

Erraria grandemente quem, julgando por sua causa acidental,


considerasse minha conferência como uma obra passageira e
momentânea. Pelo contrário, nela ofereço os frutos de uma
meditação de muitos anos. De tudo que publiquei até agora, suas
discussões são os produtos mais amadurecidos. Elas pertencem
à esfera conceitual de uma Psicologia Descritiva, que dentro de
pouco tempo espero poder dar publicidade em toda sua extensão.
Então se verá – pelo tanto que me separo do tradicional e, sobre
tudo, pelos aperfeiçoamentos essenciais que introduzi em
minhas próprias opiniões já sustentadas em minha Psicologia do
ponto de vista empírico – que meu extenso retraimento literário não
8
obedeceu à ociosidade .

Em outras palavras, tratava-se aqui da indicação de que a


originalidade de tais reformulações possibilitou a formulação de uma teoria
acerca do conhecimento moral capaz de fundamentar sua ética. Partindo de
6
Cf. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 3.
7
Cf. Durkheim, Émile. La science positive de la morale en Allemagne, p. 4.
8
„Man würde irren, wenn man um des zufälligen Anstoßes willen den Vortrag für ein flüchtiges Werk
der Gelegenheit hielte. Er bietet Früchte von jahrelangem Nachdenken. Unter allem, was ich bisher
veröffentlicht, sind seine Erörterungen wohl das gereifteste Erzeugnis. Sie gehören zum
Gedankenkreise einer ‚Deskriptiven Psychologie„, den ich, wie ich nunmehr zu hoffen wage, in nicht
ferner Zeit seinem ganzen Umfange nach der Öffentlichkeit erschließen kann. Man wird dann an weiten
Abständen von allem Hergebrachten und insbesondere auch an wesentlichen Fortbildungen eigener, in
der ‚Psychologie vom empirischen Standpunkt„ vertretener; Anschauungen genugsam erkennen, daß
ich in meiner langen literarischen Zurückgezogenheit nicht eben müßig gewesen bin“. Brentano, Franz.
Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 3-4.

14
evidências textuais e históricas, nossa tese compartilha a interpretação de que,
na perspectiva da ética, a originalidade dessas reformulações brentanianas
estava relacionada diretamente à possibilidade de se explicitar a evidência do
fenômeno psíquico de preferência, pois, tal como defendem Roderick Chisholm
e seus seguidores, o fenômeno psíquico de preferência passou a ser descrito
como evidente apenas nas teorias formuladas a partir de 1889 9. Assim, no que
se refere à ética brentaniana, portanto, nossa tese afirma a superação da teoria
do sentimento moral, encontrada na Psicologia do ponto de vista empírico
(1874), pela teoria da evidência do fenômeno de preferência, encontrada na
Origem do conhecimento moral (1889).

É imprescindível ressaltar, ainda, as considerações do filósofo inglês


George Moore, pois tais considerações se referem à originalidade filosófica
apresentada por Brentano na Origem do conhecimento moral. Moore não
apenas corroborou a originalidade da teoria brentaniana no prefácio de seu
Principia ethica, mas também resenhou a tradução inglesa dessa obra (The
Origin of the Knowledge of Right and Wrong, English translation by Cecil
Hague, 1902). Nesse trabalho, ele avaliou explicitamente as palavras com que
o filósofo alemão radicado na Áustria proclamou sua contribuição intelectual e
iniciou sua resenha com as seguintes afirmações:

Esta é de longe a melhor discussão acerca dos princípios mais


fundamentais da ética do que qualquer outra que eu já conheci. O
próprio Brentano está plenamente consciente de que fez um grande
avanço na teoria da Ética (...) e sua convicção tanto na originalidade,
como no valor do seu próprio trabalho, está completamente
10
justificada .

O ponto relevante dessa afirmação de Moore demonstra a


confiança que Brentano adquiriu para reformular suas primeiras teses. Em
outras palavras, Brentano reconheceu que a proposta epistemológica
apresentada inicialmente na Psicologia do ponto de vista empírico deveria

9
Chisholm foi o primeiro a indicar essa mudança. Como veremos no decorrer desta tese, sua
interpretação defende que o abandono da noção de objeto intencional (tese ontológica de Brentano) está
na base da introdução da noção de fenômeno psíquico de preferência. Cf. Roderick M. Chisholm.
Brentano on descriptive psychology and the intentional, in: Phenomenology and existentialism, p. 1-24.
10
“This is far better discussion of the most fundamental principles of Ethics than any others with which I
am acquainted. Brentano himself is fully conscious that he has made a great advance in the theory of
Ethics (...) and his confidence both in the originality and in the value of his own work is completely
justified”. G. E. Moore, International Journal of Ethics, p. 115.

15
passar por uma reformulação suficientemente consistente e capaz de redefinir
a sua filosofia do psíquico. Tratava-se, como veremos a seguir, daquilo que os
estudiosos de Brentano classificam como reformulação do ramo teórico de sua
teoria do conhecimento, chamado psicologia no sentido mais geral11. Além
disso, essa reformulação também sustentaria as reformulações dos três ramos
práticos da teoria do conhecimento, a saber: a estética, a lógica e a ética.
Acerca dessa tripartição cabe apresentar agora uma pequena observação.

Nossa análise se delineará sobre uma tese discutível, mas que não
será analisada, uma vez que não é o ponto central do nosso debate. Essa tese
afirma o status filosófico da psicologia no contexto da Psicologia do ponto de
vista empírico. Acerca desse ponto, adotaremos o consenso apresentado por
Linda McAlister12, Alfred Kastil13 e Lucie Gilson14, de que, ao menos
implicitamente, o estatuto da filosofia do psíquico, psicologia filosófica ou
filosofia da mente já se encontrava estabelecido, tal como foi efetivamente
explicitado por Brentano nas obras posteriores. Assim, como McAlister nos
lembra, já na Psicologia do ponto de vista empírico Brentano afirmava o
seguinte:

Permitam-me ressaltar, sem insistir muito nisto, que a psicologia


contém as raízes da estética que, em um ponto mais avançado de
desenvolvimento, indubitavelmente aperfeiçoará e aprimorará o olhar
do artista. Do mesmo modo, basta dizer que a importante arte da
lógica, na qual uma única melhora implica mil progressos científicos,
tem também a psicologia como fonte. Além disso, a psicologia tem a
tarefa de constituir-se como base científica para a teoria da
educação, tanto do indivíduo como da sociedade. Juntamente com a
estética e a lógica, a ética e a política procedem do campo da
psicologia. E, assim, a psicologia parece ser a condição fundamental
do progresso da humanidade precisamente no mesmo plano daquela
15
que constitui sua dignidade essencial.

11
Cf. McAlister, Linda. The development of Franz Brentano‟s ethics, p. 10.
12
McAlister, Linda. The Development of Franz Brentano‟s Ethics, p. 10-12.
13
Kastil, Alfred. Die Philosophie Franz Brentano, p. 27-28.
14
Gilson, Lucie. La Psychologie descriptive selon Franz Brentano, p. 77.
15
„Nur ganz flüchtig weise ich darauf hin, wie in der Psychologie die Wurzeln der Ästhetik liegen, die
unfehlbar bei vollerer Entwickelung das Auge des Künstlers klären und seinen Fortschritt sichern wird.
Auch das sei nur mit einem Worte berührt, daß die wichtige Kunst der Logik, von der ein Fortschritt
tausend Fortschritte in der Wissenschaft zur Folge hat, in ganz ähnlicher Weise aus der Psychologie
ihre Nahrung zieht. Aber die Psychologie hat auch die Aufgabe, die wissenschaftliche. Grundlage einer
Erziehungslehre, des Einzelnen wie der Gesellschaft, zu werden. Mit Ästhetik und Logik erwachsen
auch Ethik und Politik auf ihrem Felde. Und so erscheint sie als Grundbedingung des Fortschrittes der

16
É oportuno, ainda, indicar o contraponto dessa interpretação no
contexto da teoria ética brentaniana e colocar essa distinção de modo mais
objetivo.

No terceiro parágrafo do Grundlegung und Aufbau der Ethik,


parágrafo dedicado ao esclarecimento da distinção entre filosofia teórica e
prática, Brentano apresentou, tanto a distinção, como a clara relação de
dependência que se instituía explicitamente entre a ciência teórica e as
ciências práticas16. Colocada do lado teórico como ciência fundamental estava
a investigação filosófica do psíquico, concebida por Brentano como psicologia;
e colocadas do lado prático como ciências dependentes dos fundamentos da
filosofia do psíquico estavam a estética, a lógica e a ética. Brentano apresentou
essa distinção nos seguintes termos:

Para ser exato, a ética mantém o mesmo tipo de relação interna para
com o braço teórico da filosofia, especificamente para com a
psicologia, da mesma maneira que a agricultura e a medicina se
relacionam com a química orgânica e a fisiologia. Mas existem outras
disciplinas com o mesmo status na filosofia, a saber, estética e lógica.
Cada uma tem a função de explicitar um ideal particular em sua
própria perfeição psíquica. Existem três ideais, os quais
correspondem aos três tipos básicos de atividades psíquicas:
representações, juízos e interesses. A perfeição própria das
representações é a beleza; dos juízos, a verdade; dos interesses
17
(amor e ódio), bens morais .

No intuído de compreender o que está em jogo com a apresentação


dessas analogias, é interessante nos determos em outro argumento de
McAlister acerca dessa tese brentaniana. Em seu texto Sobre o futuro da
filosofia (Über die Zukunft der Philosophie), Brentano especificou novamente a
relação entre o ramo teórico e prático do conhecimento. Segundo McAlister,
existe aqui outro ponto além da distinção entre o ramo teórico (que comporta a

Menschheit gerade in dem, was vor allem ihre Würde ausmacht“. Brentano, Franz. Psychologie vom
empirisch Standpunkt, Erst Band, p. 30.
16
Cf. Brentano, Franz. Grundlegung und Aufbau der Ethik, p. 6-7.
17
„Gewiss ist ihre Beziehung zu den theorethischen Zweigen der Philosophie, insbesondere zur
Psychologie, ähnlich innig wie bei jenen zur organichen Chemie und Physiologie. Aber auch andere
praktische Disziplinen gehören in solcher Weise zum Gebiete der Philosophie, wie namentlich die
Ästhetik und die Logik. Jede hat die Aufgabe, einem besonderen Ideal, einer eigentümlichen
seelischen Vollkommenheit zu dienen. Es gibt drei solcher, entsprechend den drei psychischen
Grundklassen: Vorstellen, Urteilen und Interesses. Die eigentümliche Vollkommenheit des Vorstellens
ist die Schönheit, die des Urteils die Wahrheit, die des Interesses (Liebens und Hassens) die sittliche
Güte“. Brentano, Franz. Grundlegung und Aufbau der Ethik, p. 6.

17
psicologia e a metafísica) e o ramo prático (que comporta a estética, a lógica e
a ética). Trata-se da dependência do conhecimento prático em relação ao
teórico. Desse modo, diz ela:

Ele (Brentano) considera que a filosofia é composta dos dois ramos


teóricos (episteme no sentido aristotélico) psicologia e metafísica e
dos três ramos práticos (tecnai) lógica, ética e estética. Certamente
seria falacioso argumentar diretamente que, desde que alguma coisa
é verdade para uma das partes da filosofia, ou seja, psicologia, que
isto é verdade para a filosofia como um todo. No entanto, na visão de
Brentano, a psicologia está em posição singular. Ele a define como o
estudo dos fenômenos mentais e acredita que não se pode chegar às
teorias corretas em qualquer outro ramo da filosofia (exceto por
acidentes fortuitos) ao menos que se parta da correta consideração
18
do fenômeno mental .

Essa tarefa filosófica que Brentano atribuiu à psicologia do final do


século XIX, orientada pelos critérios positivistas e empiristas, instituiu as linhas
gerais da filosofia brentaniana do psíquico. Não nos ocuparemos da
apresentação das especificidades que envolvem a defesa ou o ataque a tal
proposta. Interessa-nos apenas tomar como ponto de partida o fato de que, ao
propor uma análise filosófica do psíquico, Brentano reivindicou para essa
análise a tarefa da ontologia e da epistemologia. Como, no entanto, será
analisado no desenvolvimento desta tese, ao anunciar mudanças específicas
radicais na descrição da atividade psíquica [por exemplo: a) o abandono da
noção de objetos intencionais in-existentes19 e a formulação do conceito de ato
intencional; b) o abandono da noção de „verdade como correspondência‟ e a
formulação do conceito de „verdade como evidência‟], Brentano afirmou obter a
objetividade que apenas reivindicara em 1874, por meio de seus critérios

18
“He believes it (philosophy) to be composed of two theoretical branches, (episteme in the Aristotelian
sense), psychology and metaphysics, and three practical branches (tecnai), logic, ethics and aesthetics.
It would, of course, fallacious to argue straightway that since something is true one of the parts of
philosophy, i.e. of psychology, that it is true of philosophy as a whole. Psychology, however, is in a
unique position in Brentano‟s view; he defines it as a study of mental phenomena and he believes that
you cannot arrive at correct theories in any of the other branches of philosophy (except by fortuitous
accident) unless you start from the correct account of mental phenomena. So, although psychology is
one among several branches of philosophy, it is the branch upon all other depends. It must be for this
reason that Brentano concludes that what is true of psychology is true of philosophy as a whole”. L.
McAlister, The development of Franz Brentano‟s ethics, p. 10.
19
Optamos pelo termo in-existência por entendermos que ele contempla o propósito brentaniano de
caracterizar a expressão como modo de existência-em e, com isso, elimina o equivoco que o termo
inexistência comporta ao sugerir o sentido de não existência para o referido termo. Agradeço a
orientação do Prof. Pedro Monticelli acerca deste ponto.

18
empiristas20 e positivistas21 norteadores da Psicologia do ponto de vista
empírico.

Nossa tese tratará de estabelecer que, especificamente no caso do


conhecimento ético, essa reformulação propôs a destituição do estatuto
fundamental atribuído ao sentimento como base dos fundamentos da moral.
Trata-se, portanto, de explicitar o modo como a Origem do conhecimento moral
(1889) diluiu o estatuto que Brentano atribuiu ao sentimento, na publicação da
Psicologia do ponto de vista empírico (1874), ainda sob a influência de Hume e
de J. S. Mill. Nesse sentido, nossa tese tratará de corroborar a seguinte
reivindicação brentaniana sobre a originalidade filosófica do rompimento radical
e completo com o subjetivismo ético:

Ninguém determinou os princípios do conhecimento na ética como eu


determino aqui, sobre a base de novas análises. Ninguém,
sobretudo os que acreditaram dever outorgar ao sentimento uma
participação nos fundamentos da moral, rompeu tão radical e
22
completamente com o subjetivismo ético .

20
Acerca do seu comprometimento com o empirismo, diz Brentano, “O título que atribuí à minha obra
explicita por si mesmo o objeto e o método. Em psicologia eu coloco-me no ponto de vista empírico.
Meu único mestre é a experiência. Eu compartilho, portanto, com outros filósofos, a convicção de que
certa fonte de ideal não é incompatível com este ponto de vista”. [„Die Aufschrift, die ich meinem
Werke gegeben, kennzeichnet dasselbe nach Gegenstand und Methode. Mein Standpunkt in der
Psychologie ist der empirische: die Erfahrung allein gilt mir als Lehrmeisterin: aber mit anderen teile
ich die überzeugung, daß eine gewisse ideale Anschauung mit einem solchen Standpunkte wohl
vereinbar ist“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 1.
21
Sobre a relevância da filosofia positiva para o desenvolvimento científico da humanidade, conferir o
artigo Quatro fases da filosofia e seu estado atual (Die Vier Phasen der Philosophie und ihr
augenblicklicher Stand em traduções para o espanhol e inglês), onde Brentano destaca a superioridade
da posição histórica de Comte para com a história da filosofia. Conferir, ainda, a introdução de Münch
em seu artigo Brentano and Comte (p. 33–39). Em sua análise direta da filosofia comtiana, diz
Brentano, “[...] o que distingue nossa condição daquela dos céticos é nossa exigência de que é possível
conhecer a verdadeira relação que existe entre as coisas. Nós não podemos determinar o tamanho
absoluto de um objeto, mas nós podemos calcular seu tamanho relativo com precisão. Nós nunca
poderemos saber o absoluto momento no qual um evento ocorre, mas nós podemos ser capazes de
especificar quando ele ocorre em relação a outro evento” (Brentano, Franz. Augusto Comte, 114, in:
Dieter Münch, Brentano and Comte, p. 40). Outra citação análoga é apresentada por Kraus no prefácio
da Psicologia do ponto de vista empírico. “Neste ponto nós (Brentano se referindo a Comte)
permanecemos com os céticos. E que outro ponto existe que nos diferenciaria deles, se não a indicação
do reconhecimento da verdadeira relação entre as coisas? O tamanho de um corpo não é determinável,
mas podemos medir e calcular sua relação com exatidão... É assim que nos separamos dos céticos e
deles nos distanciamos em mil milhas“. [„In diesem Punkte müssen wir Alle (Comte und Brentano) zu
den Skeptikern stehen. Und was Anderes bleibt, das uns von ihnen unterscheiden könnte, wenn nicht
die Behauptung der Erkennbarkeit der wahren Verhältnisse der Dinge? - Die absolute Größe eines
Körpers ist nicht bestimmbar, die relative können wir mit Genauigkeit messen und berechnen; (...) Das
also ist, was uns von den Skeptikern trennt, und es entfernt uns von ihnen weit und auf tausend
Meilen“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. LXXXIII.
22
„Keiner hat die Erkenntnisprinzipien der Ethik so bestimmt, wie es hier auf Grund neuer Analysen

19
O exposto é suficiente para apresentar o problema que vamos
analisar no decorrer desta tese. Segundo a análise de Moore, exposta em sua
resenha do livro Origem do conhecimento moral, o problema é evidenciado a
partir de dois pontos, pois, mesmo proclamando o rompimento com o
subjetivismo ético, (1) a tese brentaniana consistia na afirmação de que “[...] o
que nós sabemos, quando sabemos que uma coisa é boa em si mesma, é que
o sentimento de amor dirigido a tal coisa (o prazer na tal coisa) é justo (richtig).
Similarmente, que uma coisa é má, é meramente outro modo de dizer que a
rejeição de tal coisa deve ser justa”23. Além disso, (2) essa tese central
apresentada por Brentano retomava os conceitos próprios das teorias éticas
baseadas no sentimento moral, tal como o sentimento de prazer e desprazer
arduamente criticado por ele mesmo. Indicado o problema, impõe-se de
imediato a necessidade de dissolução dessa aparente contradição por meio da
apresentação da teoria brentaniana acerca do conhecimento moral.

Como questão norteadora do capítulo primeiro, apresentaremos a


proposta teórica de Brentano encontrada na obra Origem do conhecimento
moral e indicaremos o modo como esta obra propôs a reformulação da ética,
ao tomar como base os fundamentos estabelecidos pela nova filosofia do
psíquico, ou seja, pela Psicologia descritiva. Em outras palavras, trataremos de
explicitar essa proposta teórica, de rompimento com o subjetivismo ético, a
partir da reformulação da descrição do fenômeno psíquico de sentimento
moral. Por isso, no primeiro capítulo desta tese, nós apresentaremos as
afirmações textuais de Brentano (1889) que apontam o caminho equivocado
percorrido por sua teoria do sentimento moral (1874). De modo mais
específico, sustentaremos que a noção aristotélica de in-existência do objeto
intencional foi a fonte do equívoco encontrado na fundamentação da psicologia
de 1874. Tal como indicaremos a partir de bases textuais, esse problema foi
enfatizado na confissão tardia do próprio Brentano, pois ele reconheceu ter
incorporado o erro da ética aristotélica à formulação das teses sustentadas nas
suas primeiras obras. Ainda no primeiro capítulo, apresentamos a proposta

geschehen mußte; keiner insbesondere, der das Gefühl bei der Grundlegung beteiligt glaubte, so
prinzipiell und vollständig mit dem ethischen Subjektivismus gebrochen“. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 4.
23
Moore, George Eduard. Review of Franz Brentano‟s The Origen of the Knowledge of Right and Wrong.
In: International Journal of Ethics, p. 115.

20
brentaniana para a solução desse problema. Essa proposta de solução tomou
como norte as considerações textuais de Brentano acerca da necessidade de
correção da teoria do sentimento moral, pois, segundo Brentano, foi preciso
apresentar uma descrição da atividade psíquica capaz de fundamentar “[...] o
fato de que juntamente com a experiência da atividade sentimental está unido
concomitantemente o conhecimento da bondade do objeto”24. Com esta
exposição da proposta brentaniana de fundamentação da ética, abriremos o
caminho investigativo para a análise do modo brentaniano de descrever a
atividade psíquica, tanto em 1874 como em 1889.

Assim, nos capítulos seguintes, exporemos o modo como a


formulação (1874) e a reformulação (1889) dos conceitos fundamentais da
psicologia brentaniana foram apresentadas como base da teoria do
conhecimento moral.

O segundo capítulo tratará da emergência da teoria brentaniana do


sentimento moral ao descrever os fundamentos da filosofia do psíquico
apresentados na obra Psicologia do ponto de vista empírico. De modo mais
específico, essa análise descreverá o modo como a interpretação brentaniana
da teoria aristotélica do desejo, orientada pela noção de in-existência do objeto
intencional, foi tomada como fundamento da teoria do sentimento moral de
1874. Essa análise explicitará o fato de que a filosofia brentaniana do psíquico
de 1874 fundamentava a teoria do sentimento moral da seguinte maneira. A
base para a formulação da teoria ética do sentimento moral estava na noção de
in-existência do objeto intencional. Por quê? Por três motivos:

(a) porque a noção de in-existência do objeto intencional era o


critério fundamental para a definição positiva do fenômeno
psíquico de amor e ódio;

(b) porque a noção de in-existência do objeto intencional


fundamentava a descrição do fenômeno psíquico do amor e ódio
como consequência do conhecimento causal (de que o amor a
um objeto-causa tem outro objeto como efeito);

24
„Daß mit der Erfahrung der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit auch die Erkenntnis der Güte
des Objekts immer zugleich gegeben ist“ Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79,
nota 28.

21
(c) porque, com base na regra que se inferia de uma relação de
causa e efeito entre objetos amados, descrevia-se a ética como
a retidão do amor que se encontrava em conformidade com essa
sua regra25.

A apresentação dos três pontos acima mostrará que a noção de in-


existência do objeto intencional estabelecia a dependência da ética para com a
psicologia. Nossa análise explicitará essa dependência entre psicologia e ética
e mostrará textualmente que os equívocos encontrados na teoria do sentimento
moral decorriam dos princípios aristotélicos que fundamentavam a filosofia
brentaniana do psíquico em 1874. Assim, abriremos caminho para investigar os
limites que o aristotelismo, incorporado à teoria brentaniana de 1874,
estabeleceu para a formulação da ética concebida como uma teoria do
conhecimento moral.

O terceiro capítulo analisará sistematicamente a relação entre as


partes e o todo da consciência, caracterizadas pela descrição da atividade
psíquica utilizados na Psicologia descritiva. Essa análise explicitará o modo
como a nova filosofia do psíquico viabilizou o explícito propósito brentaniano de
levar a cabo a tarefa de reformulação da ética. Por quê? Porque o novo modo
de descrição das atividades psíquicas apresentou uma mudança radical na
filosofia brentaniana do psíquico. Essa nova descrição substituiu o fundamento
ontológico da noção de intencionalidade, encontrado na in-existência
intencional do objeto, por um fundamento epistemológico, encontrado no ato
intencional da consciência. De modo mais específico, tais descrições
elaboradas a partir de 1889 foram tomadas como atos intencionais e
apresentaram duas novas especificidades constituintes do juízo e do
sentimento. Trata-se, aqui, do fundamento epistemológico que instituiu a
evidência na atividade psíquica de julgar e o caráter análogo à evidência na
atividade de sentimento de amor e ódio. Por isso mesmo, esse fundamento
epistemológico estabeleceu as distinções entre: (a) o juízo evidente de ordem
superior e o juízo cego de ordem inferior; e (b) o sentimento de amor e ódio de
ordem superior e o sentimento de amor e ódio de ordem inferior.

25
Cf. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.

22
O quarto capítulo aprofundará a análise do fundamento
epistemológico que instituiu a evidência na atividade psíquica do sentimento.
Desse modo, explicitaremos a distinção entre o sentimento justo de ordem
superior, análogo ao juízo evidente, e o sentimento de ordem inferior, análogo
ao juízo cego. Tomaremos como base os resultados dessa distinção e
apresentaremos sua principal implicação: a possibilidade de descrição do
fenômeno psíquico de preferência como um tipo de atividade psíquica de
terceira classe, ao lado do sentimento de amor e ódio. Em outras palavras,
apresentaremos a descrição da atividade de sentimento justo de amor e ódio e,
com base nessa descrição, apresentaremos a natureza cognoscível da justa
eleição de um fim ou um meio que se toma como objeto. Desse modo,
poderemos concluir que a teoria brentaniana do conhecimento moral estava
baseada no fato de que a noção de ato intencional estabelecia uma relação
intrínseca e imediata chamada de consciência da preferência do moral sobre o
imoral ou fenômeno psíquico de preferência.

Restringindo o âmbito da análise aos trabalhos brentanianos


apresentados entre 1874-1892, nossa conclusão sustentará uma tese um
pouco mais precisa e cuidadosa, e, ao mesmo tempo, mais modesta que
aquela sustentada pela interpretação de Sanches Granado. Segundo Granado,
o período das conferências de 1889 marcou uma indecisão no pensamento
brentaniano, pois “Brentano parecia estar a cavalo entre uma definição
gnosiológica e uma definição ontológica da verdade, entre uma explicação pela
ratio cognoscendi ou pela ratio essendi” 26. Contra a tese de Granado, utilizada
como analogia para caracterizar a indecisão brentaniana acerca da moral, nós
sustentaremos que a solução para o problema da apreensão da justeza do
sentimento foi apresentada em 1889. Mesmo assim, no entanto, suas raízes
não se encontram na teoria ética ou na teoria do conhecimento, e sim na
psicologia brentaniana concebida como uma filosofia do psíquico. Desse modo,
a teoria brentaniana acerca da origem do conhecimento moral, inspirada na
futura Psicologia descritiva, rompeu com os pressupostos da Psicologia do
ponto de vista empírico, norteadores da teoria do sentimento moral.

26
Granados, Sergio Sánchez-Migallón. La ética de Franz Brentano, p. 118.

23
CAPÍTULO I

A TEORIA DO CONHECIMENTO MORAL: O PROBLEMA


FUNDAMENTAL E SEU CONTEXTO

1.1 A defesa da tese acerca da origem do conhecimento moral


(1889) na sociedade jurídica de Viena

A teoria brentaniana de 1889 tinha como propósito sustentar que há


uma regra que, em si e por si e por sua própria natureza, é cognoscível como
justa e obrigatória. Tratava-se, historicamente, da oposição entre Brentano e
Ihering, bem como do problema central que vinculou o debate entre a ética
brentaniana e a doutrina jurídica de Ihering27. Segundo a análise apresentada
por Brentano, o termo “natural” (utilizado no discurso jurídico para a
classificação dos fundamentos do direito por meio da expressão „direito
natural‟) comportava dois significados: (1) dado naturalmente ou inato, por
oposição àquilo que se adquire por meio de dedução ou experiência na
evolução histórica; (2) regra concebida em si e por si mesma como justa e
obrigatória28. Nessa análise, Brentano afirmou que a via para o
estabelecimento da teoria acerca do conhecimento moral estava na negação
do primeiro e afirmação do segundo sentido de „natureza‟, ou seja, na
afirmação da regra concebida em si e por si como justa. Ainda que fosse uma
bifurcação argumentativa, Brentano valeu-se dessa distinção para se opor ao
relativismo que sustentava a doutrina jurídica de Ihering, pois ele considerava
que tal relativismo era consequência direta da negação do sentido fundamental
de „natureza‟ (como regra concebida, em si e por si mesma, como justa e
obrigatória).

27
Para um esclarecimento acerca do desenvolvimento da teoria de Ihering até 1889, conferir
especialmente o capítulo intitulado Les juristes: M. Ihering, em Durkheim, Émile. La science positive
de la morale en Allemagne, p. 17-24.
28
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 7.

24
Essa tomada de posição possuía, ainda, duas implicações. Por um
lado, ela negava a noção de princípios morais inatos e, também, negava os
princípios fundamentais tanto do jus naturae como do jus gentius29. Por outro
lado, ela afirmava a possibilidade de se estabelecer o fundamento acerca do
conhecimento do bom e do preferível a partir da descrição da estrutura
psíquica. Este último é um ponto que deve ser enfatizado, pois aqui há uma
indicação sutil do caminho argumentativo adotado por Brentano.

A recolocação do problema moral no contexto da descrição da


estrutura psíquica fazia parte da principal estratégia argumentativa de Brentano
para se afastar do relativismo da teoria de Ihering. Ali estava, dizia ele, “[...] o
ponto em que nos separamos de Ihering. Ao não com que Ihering responde às
perguntas acerca da existência de uma verdade moral, e de uma lei moral
universal e necessária, eu oponho um resoluto sim”30. As perguntas que
receberam essa resposta afirmativa por parte de Brentano foram colocadas do
seguinte modo:

[1] Há uma verdade moral ensinada pela própria natureza,


independente de toda autoridade eclesiástica, política e, em geral, de
toda autoridade social?

[2] Há uma lei moral natural no sentido de que esta lei, por sua
natureza, tenha validade universal e necessária para todos os
homens de todos os lugares e tempos, bem como para todas as
31
espécies de seres dotados de pensamento e sentimento?

29
“Coincido completamente com Ihering quando este, seguindo o precedente de John Locke, nega todos
os princípios morais inatos. Além disso, concordando com ele, não concebo nem o estranho jus naturae
[quod natura ipsa omnia animália docuit (direito natural é o que a natureza ensinou a todos os
animais)], nem tampouco o jus gentium (caracterizado como direito natural da razão por resultar da
coincidência universal dos povos)”. [„Ich bin vollkommen mit Ihering einig, wenn er nach dem
Vorgange von John Locke alle angeborenen Moralprinzipien leugnet. Noch mehr, mit ihm glaube ich
weder an das barocke jus naturae, i. e. quod natura ipsa omnia animalia docuit, noch an das jus
gentium, an ein Recht, welches durch die allgemeine Übereinstimmung der Völker als natürliches
Vernunftrecht gekennzeichnet ist, wie die römischen Rechtslehrer es faßten“]. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 7-8.
30
„Hier sind wir an der Stelle, wo ich mich mit Ihering veruneinige. Dem ‚Nein„, das er auch hier spricht,
setze ich ein entschiedenes ‚Ja„ entgegen“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 9.
31
„(1) Gibt es eine unabhängig von aller kirchlichen lind politischen und überhaupt von aller sozialen
Autorität durch die Natur selbst gelehrte sittliche Wahrheit? (2) Gibt es ein natürliches Sittengesetz in
dem Sinne, daß es, seiner Natur nach allgemeingültig und unumstößlich, für die Menschen aller Orte
und aller Zeiten, ja für alle Arten denkender und fühlender Wesen Geltung hat (...)?“. Brentano, Franz.
Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 9.

25
A resposta positiva atribuída por Brentano a essas questões exige
duas observações fundamentais. Seria plausível esperar que Brentano tivesse
seguido dois caminhos na sua refutação à doutrina jurídica de Ihering. O
primeiro deles afirmaria a verdadeira existência de uma realidade moral e
exigiria que a teoria brentaniana acerca do conhecimento moral apresentasse
uma fundamentação ontológica. O segundo caminho argumentativo afirmaria a
validade universal e necessária dessa lei moral e exigiria a apresentação de
uma fundamentação epistemológica. Essas, no entanto, não foram as questões
a que a teoria brentaniana de 1889 respondeu separadamente. Desse modo,
não foram questões tratadas e resolvidas em seus aspectos ontológicos ou
epistemológicos. Para Brentano, a fundamentação ontológica e epistemológica,
que norteava a teoria acerca do conhecimento moral, deveria ser explicitada a
partir da descrição da estrutura da consciência, ou seja, por meio de uma
análise filosófica do psíquico. Nesse sentido, a análise brentaniana mostrou
que a questão mais fundamental desconsiderada por Ihering, e que dissolvia as
duas questões acima, indagava pelo caráter cognoscível da lei moral na esfera
da atividade psíquica. Por isso, Brentano insistiu no questionamento contra a
teoria moral de Ihering do seguinte modo:

[3] Seu conhecimento (da lei moral válida universal e


necessariamente) cai na esfera de nossas capacidades psíquicas?
(...) Ao „Não‟ com que Ihering responde estas perguntas, eu oponho
um resoluto „Sim‟. Quem de nós dois tem razão? Espero que a
presente investigação sobre a sanção natural do moral e do justo
32
possa esclarecer .

O exposto até aqui basta para estabelecer que a descrição da


estrutura psíquica seja indicada, portanto, como o critério de determinação da
teoria acerca do conhecimento moral. Em outras palavras, segundo Brentano,
seria uma descrição da estrutura psíquica que exporia a existência de uma
sanção natural do moral e do justo.

32
„Fällt seine Erkenntnis in das Bereich unserer psychischen Fähigkeiten? (...) Dem 'Nein', das er auch
hier spricht, setze ich ein entschiedenes 'Ja' entgegen. Und wer von uns hier im Rechte sei, das wird
hoffentlich unsere heutige Untersuchung über die natürliche Sanktion für sittlich und recht ins klare
setzen“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 9.

26
1.2 Chisholm e a indicação do fenômeno psíquico de preferência
como pedra de toque da ética brentaniana

Uma falha na estratégia de análise adotada por um grupo de


comentadores da ética brentaniana, particularmente aqueles que desenvolvem
a interpretação de Linda McAlister, tem sido o pouco cuidado na busca da
coerência interna entre as obras brentanianas. Esse descuido tem resultado
em análises que criam problemas inexistentes e recriam problemas dissolvidos.
De modo mais específico, podemos considerar que tal grupo de comentadores
não estabelece os seguintes pontos como critérios de análise: (a) as diferenças
teóricas existentes entre as fases do desenvolvimento do pensamento
brentaniano; e (b) as implicações das especificidades teóricas dessas fases no
contexto da filosofia prática (a estética, a lógica e a ética). Jonas Oslon, por
exemplo, em sua análise acerca do conceito brentaniano de prazer 33, essencial
para a apresentação do fundamento ético, não concebe qualquer diferença nas
descrições dos fenômenos psíquicos do sentimento. Segundo Oslon, esses
conceitos são unívocos, sejam eles analisados no contexto da Psicologia do
ponto de vista empírico, à luz da noção de objeto intencional in-existente,
sejam eles analisados no contexto da Psicologia descritiva, à luz da noção de
ato intencional. De outro modo, mas ainda em função de uma análise que
mantém os mesmos fundamentos da interpretação para dois momentos
distintos da exposição teórica da ética brentaniana até 1889, McAlister insistiu
em sua tese doutoral, contra o próprio Brentano, que a ética brentaniana é
utilitarista34. Vejamos.

No prefácio de seu livro The development of Franz Brentano ethics,


McAlister afirmou que seu propósito era “[...] eliminar as imprecisões ao traçar
o desenvolvimento da ética brentaniana do primeiro ao último período” 35. A
principal estratégia de análise adotada por McAlister estava no cuidado com os
argumentos apresentados na obra póstuma brentaniana intitulada Grundlegung

33
Cf. Olson, Jonas. Brentano on pleasure. In: Rabinowicz, W. Ronnow-Rasmussen, T. Patterns of value:
essays on axiology and formal value analysis, p. 138-44.
34
Cf. McAlister, Linda. The development of Franz Brentano‟s ethics, p. 133-140.
35
McAlister, Linda. The Development of Franz Brentano‟s Ethics, p. 2.

27
und Aufbau der Ethik. Desse modo, ela analisou a última publicação da teoria
moral brentaniana da seguinte maneira:

Sua última filosofia moral, que começou a evoluir em torno da virada


do século e reflete as mudanças ocorridas de modo geral em seu
pensamento filosófico, não foi apresentada por Brentano em
publicação ou de forma acabada. No entanto, ela pode ser
sistematizada a partir das referências encontradas em papers e
cartas encontradas em seu Nachlass. Ela também está refletida em
um trabalho postumamente publicado com o título de Fundação e
construção da ética (Grundlegung und Aufbau der Ethik). A forma da
edição adotada neste livro torna muito obscuro o desenvolvimento
dos cursos de Brentano sobre ética, oferecidos na Universidade de
Viena entre 1876 e 1894, ainda que ela seja apresentada de forma
mais detalhada que na (obra) Ursprung, a primeira filosofia ética de
Brentano. Pois, a Professora Mayer-Hillebrand e o Professor Kastil
Alfred, que trabalhou neste material antes dela, optaram por
incorporar neste primeiro texto de Brentano a sua última visão ética.
Aparentemente, eles tentaram editar todas as seções do primeiro
texto que não estava de acordo com esta última visão.
Em resumo, eles tentaram transformar um texto antigo em um tardio,
reescrevendo virtualmente algumas de suas partes. Não é preciso
dizer que o livro resultou em alguma coisa confusa, pois ele dá a
impressão que Brentano expôs a mesma teoria ética por toda sua
36
vida.

Essa declaração afirmou a preocupação de McAlister com as


imprecisões decorrentes das mudanças no desenvolvimento da ética
brentaniana. Mesmo assim, no entanto, apesar do compromisso de eliminar
tais imprecisões, McAlister ignorou as reformulações propostas por Brentano
para alguns conceitos fundamentais da ética até 1889. Por quê? Porque a obra
Origem do conhecimento moral (1889) foi a principal fonte utilizada por
McAlister para caracterizar o primeiro período da ética brentaniana. Desse
modo, a limitação está no fato de que o trabalho de McAlister concebeu
indistintamente a teoria do sentimento moral, proposta na Psicologia do ponto

36
“His later moral philosophy which began to evolve around the turn of the century, and which reflects
the changes taking place in his philosophical thought generally, was not set out by Brentano in any
published or polished form. It can, however, be pieced together from references in letters and in papers
from his extensive Nachlass. It is also reflected in a work published posthumously under the title
Grundlegung und Aufbau der Ethik. It is the form of editing adopted for this book which does so much
to obscure the development of Brentano‟s lectures on ethics delivered at the University of Vienna
between 1876 and 1894, and so it represents in a more detailed form than does Ursprung, Brentano‟s
early ethical philosophy. But Professor Mayer-Hillebrand and Professor Alfred kastil, who worked on
this material before her, have chosen to incorporate into this early text Brentano‟s later ethical views as
well, and they have apparently tried to edit out all those sections of the early text which do not agree
with these later views. In short they have tried to turn an early text into a later one by virtually
rewriting it in places. The resulting book is, needless to say, somewhat misleading, for it give the
impression that Brentano had expounded the same ethical theory throughout his life”. McAlister,
Linda. The development of Franz Brentano‟s ethics, p. 1-2.

28
de vista empírico (1874) e a teoria do conhecimento moral, proposta na Origem
de conhecimento moral (1889).

Uma interpretação completamente diferente foi inaugurada pela


análise apresentada por Roderick Chisholm em 1967-937. Tratava-se, de modo
mais específico, de um dos seus primeiros trabalhos acerca da noção de
relação intencional no contexto da terceira classe de fenômenos psíquicos
(amor, ódio e preferência). Ainda que tal análise estivesse orientada por uma
bifurcação entre a fase brentaniana da Psicologia do ponto de vista empírico
(1874) e a fase brentaniana do Reísmo (1905), ela não excluiu a relevância das
reformulações indicadas como novidades na proposta da Psicologia Descritiva.
Pelo contrário, a própria teoria chisholmeana acerca do valor intrínseco tomou
por base a interpretação da obra brentaniana, analisada segundo esse
critério38.

Seguindo a linha interpretativa inaugurada por Chisholm, os recentes


estudos que abordam com atenção os textos publicados e as palestras
proferidas por Brentano entre 1889 – 1901 mostram que Brentano redefiniu os
conceitos fundamentais da sua ética39. Mulligan, por exemplo, considera que a
redefinição principal da ética está na eliminação da noção de diferença de
intensidade entre atividades psíquicas afetivas40. Ainda, segundo Mulligan,
“Brentano parece ter mudado sua noção de emoção pelo fato de ter se
colocado duas questões: Qual é a relação entre dor e amor? A emoção varia

37
Cf. Chisholm, Roderick M. Brentano on Descriptive Psychology and the Intentional, in:
Phenomenology and existentialism, p. 1-24.
38
Chisholm foi o primeiro a indicar essa mudança, tomando por base a introdução da noção de fenômeno
psíquico de preferência. Cf. Roderick M. Chisholm. Brentano on Descriptive Psychology and the
Intentional, in: Phenomenology and existentialism, p. 1 – 24.
39
Recentemente vários trabalhos têm apontado essa mudança, ainda que o objetivo não seja a análise da
ética brentaniana. Cf., por exemplo, Mulligan, Kevin. Brentano on the mind, in: The Cambridge
Companion to Brentano, Cambridge University Press, United Kingdon, 2004. p. 66-97. Além disso,
duas linhas de pesquisa convergentes têm se destacado pelo fato de vincularem essa mudança à origem
do positivismo lógico. Basta comparar a proposta de uma tradição filosófica austro-saxônica defendida
por Barry Smith (Austrian philosophy – the legacy of Franz Brentano. Chicago: Open Court
Publishing Company and Illinois: LaSalle, 1994.) e a linha de pesquisa história do brentanismo
fundada por Liliana Albertazzi (Immanent realism: an introduction to Brentano. Dordrecht: Springer,
2006).
40
“In his Psychology Brentano thinks that the relation I may stand in of hating one object more than some
other object should be understood in terms of differences of intensity between my simple affective
attitudes to these objects. This view, Brentano came to think, is wrong. “More” does not refer to a
relation between the intensities of two acts. But he continues to speak of preferring as a type of
comparison”. Mulligan, Kevin. Brentano on the mind, p. 86.

29
em intensidade? Esses dois problemas são aspectos da questão: se, e em que
sentido, emoções „espirituais‟ superiores diferem das emoções sensórias ou
vitais inferiores?”41. O ponto relevante para a nossa tese está no fato de que
uma solução para tais problemas foi encontrada pelos seguidores de Chisholm
nos textos brentanianos de 1889 – 1901. Nessas fontes, esses comentadores
reconhecem a fundamentação da ética brentaniana como resultado da
substituição das bases oferecidas na Psicologia do ponto de vista empírico
pelas novas bases propostas pela vindoura Psicologia descritiva42. Então, o
que disse Chisholm afinal? Vejamos:

Agora nós podemos voltar à concepção brentaniana de intencional,


começando com a doutrina da in-existência intencional que ele
propôs em 1874 e abandonou subseqüentemente. Em sua
Psychologie vom empirischen Standpunkt, publicada pela primeira
vez em 1874, Brentano propôs a doutrina da in-existência intencional
como um meio de distinção entre o mental ou psíquico e o físico (...).
Nós temos aqui uma tese ontológica sobre a “in-existência
intencional”, a qual Brentano abandonou posteriormente, e uma tese
psicológica implicando que referência a um objeto é o que distingue
entre o mental e o físico. Cada uma destas teses parece-me ser
importante. A tese ontológica parece-me ser problemática e não,
como Brentano pensou subseqüentemente, ser obviamente falsa. A
43
tese psicológica parece-me ser verdadeira.

41
”Brentano seems to have changed his mind about the emotions as a result of asking himself two
questions: What is the relation between pain and love? Do emotions vary in strength? These two
problems are aspects of the question whether, and in what sense, higher, “spiritual” emotions differ
from lower, sensory or vital emotions”. Mulligan, Kevin. Brentano on the mind, p. 83.
42
Liliana Albertazzi concebe a relação entre a ética e a reformulação da filosofia do psíquico brentaniana
do seguinte modo. “Given that Brentano‟s ethical theory was also grounded in his descriptive
psychology, the problem of right and wrong linked closely with discussion of the nature of judgments
and emotions, which constituted the second and third classes of psychic phenomena. A reading of
Brentano‟s ethics may therefore usefully begin with his Psychologies, in particular its first two
volumes. Conversely, Brentano‟s lectures on ethics clarify a number of aspects of his descriptive
psychology left implicit or undefined in the volumes of the Psychologies (…) Regardless of its specific
argument, therefore, The Origin of our Knowledge of Right and Wrong was also a development of
Brentano‟s psychology from an empirical standpoint in that it introduced a more strongly descriptive
component (...) The danger of giving subjective colouring to an ethics based on a psychological
definition of good, and in particular on psychic acts of love and hate, was very evident to Brentano. He
also distinguished two different types of pleasure and displeasure relative to a particular object of
presentation: 1. a type of pleasure closely connected with habit, instinct and reaction to particular sense
impressions, and which differs among species and among individuals. 2. A type of pleasure connected
with acts of desiring something good or something bad. Once again, the feature that differentiates
between these two types of pleasure is not the content of the act of intentional reference but the nature
of the act itself, which is characterized as either right or wrong. L. Albertazzi, Immanent realism: an
introduction to Brentano, p. 296-299.
43
“Now we may turn to Brentano's conception of the intentional, beginning with the doctrine of
intentional inexistence which he propounded in 1874 and was subsequently to abandon. In his
Psychologie vom empirischen Standpunkt, first published in 1874, Brentano proposed .the doctrine of
intentional inexistence as a means of distinguishing the mental or psychical from the physical (…) We

30
No momento oportuno exporemos as principais implicações que
essa interpretação de Chisholm impôs para a teoria da ética brentaniana.
Agora importa apenas considerar que ela tinha duas noções fundamentais da
Psicologia descritiva no seu horizonte. Assim, é interessante fazermos uma
breve apresentação.

A primeira delas é a noção de „relação intencional‟, que resultou da


reformulação da noção de „ato psíquico‟. Em 1890-1, no texto publicado com o
título de Psychognosie e incorporado como primeiro capítulo da obra Psicologia
descritiva, Brentano propôs a seguinte formulação para a noção de „relação
intencional‟.

Assim, a peculiaridade que, acima de tudo, é característica geral da


consciência, é aquela que ela mostra sempre e em todo lugar, ou
seja, em cada uma de suas partes, certo tipo de relação,
relacionando um sujeito a um objeto. Esta relação também é referida
como „relação intencional‟. A toda consciência pertence
essencialmente uma relação. Como em toda consciência, dois
correlatos podem ser encontrados aqui. Um dos correlatos é o ato de
44
consciência, o outro é aquilo para o qual ele está dirigido.

A segunda noção relevante para nosso trabalho também foi


apresentada no texto Psychognosie. Trata-se da noção de „objeto imanente‟
apresentada como nova formulação da noção de „objeto intencional in-
existente‟:

Explicação do termo objeto: algo interno dado objetivamente. Não


necessita corresponder a alguma coisa fora. Para evitar confusões,
pode-se chamá-lo objeto existente-em (inwohnendes) ou imanente. É
45
algo (a) geral e (b) exclusivamente característico da consciência

have here an ontological thesis concerning "intentional inexistence," which Brentano was later to
abandon, and a psychological thesis, implying that reference to an object is what distinguishes the
mental from the physical. Each of these theses seems to me to be important. The ontological thesis
seems to me to be problematic and not, as Brentano subsequently thought, to be obviously false. And
the psychological thesis seems to me to be true”. Chisholm, Roderick M. Brentano on Descriptive
Psychology and the Intentional, p. 6.
44
“Vor allem also ist es eine Eigenheit, welche für das Bewußtsein allgemein charakteristisch ist, daß es
immer und überall, d.h. In jedem seiner ablösbaren Teile eine gewisse Art von Relation zeigt, welche
ein Subjekt zu einem Objekt in Beziehung setzt. Man nennt sie auch "intentionale Beziehung". Zu
jedem Bewußtsein gehört wesentlich eine Beziehung. Wie bei jeder Beziehung finden sich daher auch
hier zwei Korrelate. Das eine Korrelat ist der Bewußtseinsakt, das andere das, worauf er gerichtet ist”.
Brentano, Franz. Deskriptive psychologie, p. 21.
45
“Erläuterungen des Ausdrucks Objekt: etwas innerlich Gegenständliches ist gemeint. Draußen braucht
ihm nichts zu entsprechen. Zur Verhütung von Mißverständnissen mag man es "inwohnendes"
"immanentes" Objekt nennen. ' Es ist dies etwas a) allgemein und b) ausschließlich dem Bewußtsein

31
Com a exposição dessas duas referências no texto brentaniano
pretendemos apenas situar a tese de Chisholm e indicar que ela reconheceu o
abandono, não apenas do conceito de objeto intencional in-existente, mas, de
modo mais apropriado, da própria teoria da imanência do objeto intencional in-
existente. Eis que ele diz:

O uso ontológico da palavra „intencional‟, portanto, parece


enfraquecer seu uso psicológico. Objetos intencionalmente in-
existentes foram concebidos como tentativa de compreender
referência intencional, mas a tentativa não foi bem sucedida porque
46
os objetos assim concebidos eram intencionalmente in-existentes..

Nesse sentido, também Chrudzimski e Smith reconhecem que “[...]


esta teoria da intencionalidade do objeto plenamente desenvolvida dominou a
leitura na Psicologia descritiva em 1890/1, na qual o objeto imanente é descrito
por Brentano como „correlato intencional‟”47. Ao tomarmos essa indicação,
podemos considerar que a formulação da teoria brentaniana do conhecimento
moral apontou o fato de que, em 1891, „intencional‟ já não era mais a
propriedade de um objeto, mas antes uma relação na qual a consciência se
encontrava.

É, portanto, em função desse abandono declarado por Brentano em


189148 que se impõe a necessidade de orientar a análise que se ocupa da ética
na direção dos conceitos formulados na Psicologia descritiva. Veremos, no
momento oportuno, a razão pela qual a noção de relação intencional,
pertencente à esfera teórica da Psicologia descritiva, permitiu a Brentano
descrever o fenômeno psíquico de preferência. No momento, é interessante
ressaltar que esse fenômeno, pertencente à terceira classe de fenômenos
psíquicos (amor e ódio), só foi reconhecido por Brentano a partir de 1889.

eigenes”. Brentano, Franz. Deskriptive psychologie, p. 22.


46
The ontological use of the word "intentional," therefore, seems to undermine its psychological use.
Intentionally inexistent objects were posited in the attempt to understand intentional reference, but the
attempt did not succeed-precisely because the objects so posited were intentionally inexistent.
Chisholm, Roderick M. Brentano on Descriptive Psychology and the Intentional, p. 12.
47
“This full-fledged object theory of intentionality dominates the lecture on Descriptive Psychology on
1890/1 in which the immanent object is referred to by Brentano as „intentional correlate”.
Chrudzimski, Arkadiusz e Smith, Barry. Brentano‟s ontology: from conceptualism to reism, p. 206.
48
Cf. Brentano, Franz. Deskriptive psychologie, p. 21.

32
De fato, na primeira edição da Psicologia do ponto de vista empírico
(1874), Brentano utilizou o termo „preferência‟ (Vorzug) em seis passagens49,
no entanto em nenhum desses usos o termo preferência designava um
fenômeno psíquico de terceira classe. Do mesmo modo, o do verbo „preferir‟
(Vorziehen), que caracteriza o ato psíquico de preferência, não foi utilizado no
corpo do texto dessa edição. Sua introdução na Psicologia do ponto de vista
empírico ocorreu em 1911, no apêndice elaborado por Brentano para a
tradução italiana dessa obra.

O próprio Brentano reconheceu, no prefácio dessa tradução, que


esse trabalho consistia na segunda edição da obra clássica. Tal como
esclarece a citação a seguir, essa edição estava inalterada e foi composta
apenas pelos capítulos 5-9 do livro II. Além disso, ela foi enriquecida com notas
de rodapé e seguida de um apêndice projetado para demarcar as
reformulações conceituais que sua filosofia do psíquico teria sofrido:

Meu livro foi publicado há mais de trinta anos e as investigações


tardias não alteraram as perspectivas expressadas ali, apesar de elas
terem levado a desenvolvimentos adicionais ou, como ao menos eu
mesmo acredito, às melhorias em alguns pontos muito importantes.
Parecia impossível não mencionar essas inovações e, ao mesmo
tempo, parecia aconselhável manter o formato original do meu
trabalho e a forma na qual ele influenciou seus contemporâneos.
Além disso, eu estava mais propenso a seguir este procedimento por
reconhcer que muitos psicologistas eminentes, que tinham mostrado
grande interesse na minha doutrina, estavam mais inclinados a
recepcioná-la em sua primeira forma, que a seguir-me nas minhas
novas linhas de pensamento. Então eu decidi reimprimir o texto
antigo praticamente sem alterações e, ao mesmo tempo, completá-lo
com algumas observações que podem ser encontradas parcialmente
nas notas de rodapé, mas principalmente em um apêndice. Essas
observações contêm uma defesa contra certos ataques de várias
fontes à minha doutrina e desenvolvem os aspectos de minha
doutrina, que, no meu próprio julgamento, necessitaram de
50
correções.

49
Cf. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 10, 29 e 189, Zweite
Band, p. 9, 37, 99.
50
“Mehr als drei Dezennien waren seit dem Erscheinen meines Buches verflossen, und neue Forschungen
hatten bei mir zwar der Hauptsache nach die damals ausgesprochenen Ansichten bestehen lassen, aber
doch in manchem nicht unwichtigen Punkt zu einer Fortbildung oder, wie ich wenigstens glaube,
berichtigenden Modifikation geführt. Es schien mir unmöglich, dieselben unerwähnt zu lassen. Und
doch empfahl es sich zugleich, die Darlegung in ihrer ursprünglichen Gestalt, in der sie auf die
Zeitgenossen gewirkt hatte, beizubehalten; und dies um so mehr, als ich die Erfahrung gemacht hatte,
daß manche angesehene Psychologen, die meiner Lehre ernste Beachtung geschenkt, ihr mehr in der
früheren Fassung beizupflichten, als auf den neueingeschlagenen Wegen mir zu folgen geneigt waren.
So entschloß ich mich zu einer so gut wie unveränderten Wiedergabe des alten Textes, zugleich aber

33
No que se refere especificamente ao conceito de preferência,
utilizado por Brentano para descrever uma parte do fenômeno psíquico de
sentimento a partir de 1889, é fundamental destacarmos uma observação
muito precisa do editor Oskar Kraus.

Kraus encontrou, na Psicologia do ponto de vista empírico, o critério


brentaniano utilizado para descrever a escolha de um objeto considerado
melhor ou mais valioso que outro. Ao analisar o texto brentaniano a seguir,
Kraus demarcou o grau de intensidade do amor ou ódio como o critério
determinante da escolha:

Nós podemos comparar umas com as outras as diferenças de graus


de amor ou ódio, tal como nós podemos comparar diferentes níveis
de convicções na afirmação e na negação. Assim como não há
inconveniente em dizer que eu afirmo uma coisa com maior certeza
do que eu nego alguma outra, eu também posso dizer que eu amo
uma coisa mais do que eu amo outra. E eu posso determinar não
apenas que a intensidade oposta é relativamente maior ou menor,
mas também que a intensidade do prazer, desejo, volição e propósito
é maior ou menor na relação de uma para com a outra. O prazer que
eu tenho nisso é maior que o desejo que eu tenho por aquilo. Meu
desejo de ver-te novamente não é tão forte como me propósito de
51
fazer-te conhecedor de minha desaprovação, etc.

Segundo Kraus, esse critério brentaniano da intensidade do amor


precedeu à formulação do conceito de preferência. Por isso é interessante
ressaltar que a primeira aparição do termo „preferência‟ na Psicologia do ponto
de vista empírico ocorreu em 1924, na nota de rodapé introduzida por Kraus
para analisar a citação acima. Nessa análise, ele utilizou o termo „preferência‟
de três modos distintos.

zu seiner Bereicherung durch gewisse Bemerkungen, die ich zum Teil als Fußnoten, zum Teil aber,
und vorzüglich, als Anhang beifügte. Sie enthalten neben einer Verteidigung gegen gewisse Angriffe,
welche meine Lehre von anderer Seite erfahren, auch eine Angabe von solchen Momenten, für die ich
selbst eine Korrektur nötig finde“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter
Band. p. 1-2.
51
“Wie die verschiedenen Stufen der überzeugung im Anerkennen und Verwerfen, so lassen auch die
Gradunterschiede im Lieben und Hassen sich miteinander vergleichen. Wie ich ohne Inkonvenienz
sagen kann, daß ich das eine mit größerer Gewißheit annehme, als ich das andere leugne: so kann ich
auch sagen, daß ich das eine in höherem Maße liebe, als ich das andere hasse.9) Und nicht bloß die
Stärke von Gegensätzen, sondern auch die von Freude und Verlangen und Willen und Vorsatz kann ich
im Verhältnis zueinander als größer und geringer bestimmen. Ich freue mich mehr darüber, als ich
nach jenem verlange; mein Verlangen ihn wieder zn sehen ist nicht so stark, als mein Vorsatz, ihn
meine Mißbilligung- empfinden zu lassen usf“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band. p. 107.

34
Em primeiro lugar, Kraus utilizou o termo „preferência‟ para designar
o fenômeno psíquico descrito por Brentano como substituto da avaliação
comparativa do amor ou ódio. Assim, disse ele que, “[...] posteriormente,
Brentano concebeu tais diferenças de graus, não como uma avaliação
comparativa no amor e ódio tendo diferentes graus de intensidade, mas como
diferenças em uma espécie particular de atividade emocional, ou seja,
preferência” 52.

Em segundo lugar, Kraus apresentou a definição brentaniana do


termo „preferência‟ e indicou sua fonte bibliográfica. Desse modo, disse ele,
“[...] preferência é um „valor relativo‟, o qual está descrito detalhadamente na
Origem do conhecimento moral e no Ensaio suplementar V” 53.

Finalmente, ele indicou a relevância desse conceito para a sua


própria teoria e para a teoria econômica ao afirmar que “[...] preferências são
de especial importância para a teoria do valor, incluindo a teoria do valor
econômico”54.

Se, portanto, consideramos válido o caminho indicado por Kraus e


aberto por Chisholm, o conceito central resultante das reformulações
apresentadas a partir de 1889 foi o conceito que define a capacidade psíquica
da eleição do melhores meios e fins: a preferência, concebida como um tipo de
relação intencional descrita na Psicologia descritiva. Desse modo, enquanto
ramo prático da filosofia do psíquico, os estudos da ética brentaniana têm o
ponto de partida e o ponto de chegada nesse conceito.

1.3 As noções psíquicas de fins e meios como modo de indicação


da intencionalidade no ato psíquico de preferência.

52
„Solche wertvergleichende Gradunterschiede im Lieben und Hassen hat Br. später nicht als Intensität
gefaßt, sondern als eine besondere Spezies der Gemütstätigkeit, nämlich als "Vorziehen"“. Brentano,
Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band. p. 290.
53
„Vorziehen ist ein "relatives Werten", das im "Ursprung sittlicher Erkenntnis" (Philos. BibI. 55) und
auch im Anhange unter V näher charakterisiert ist“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band. p. 290-291.
54
„Für die Wertlehre, auch die ökonomische, sind die "Bevorzugungen" von besonderer Wichtigkeit“.
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band. p. 291.

35
As orientações de Chisholm e Kraus, apresentadas no ponto
anterior, permitem que o desenvolvimento da ética brentaniana seja
apresentado a partir da seguinte sistematização:

(1) O conceito de preferência foi o ponto de separação radical entre


a teoria ética brentaniana de 1889 e as concepções modernas que
fundamentaram a ética na noção de racionalidade prática.

(2) Analisando algumas concepções modernas, Brentano considerou


que o problema da eleição estava, por um lado, restrito à escolha dos meios e,
por outro, vinculado à pressuposição da existência ou não existência do fim em
si absoluto.

(3) Para afastar-se das concepções modernas, Brentano apresentou


a descrição da estrutura da consciência e concebeu as noções de fins e meios
a partir de uma análise filosófica do psíquico.

(4) O propósito da análise brentaniana não consistia apenas em


apresentar a origem psíquica dos conceitos de fins e meios. O propósito
consistia, fundamentalmente, em explicitar a relação existente entre o sujeito,
os fins e os meios, como uma relação constituinte da consciência, ou seja,
como um tipo de relação intencional.

(6) O conhecimento imediato desse tipo de relação intencional


caracteriza a origem de todo conhecimento moral.

O esquema acima, inspirado nas indicações de Kraus e Chisholm,


não pode ser totalmente compreendido se as três questões seguintes não
forem respondidas. São elas: (a) de que modo Brentano analisou as noções
modernas de „fins‟ e „meios‟?; (b) de que modo ele reformulou e relacionou tais
noções, ao concebê-las como um tipo específico de relação intencional própria
do contexto da filosofia do psíquico?; (c) de que modo a descrição da relação
entre meios e fins, caracterizada como um tipo de relação intencional da
consciência, origina todo o conhecimento moral? Se quisermos antecipar a
solução da nossa tese e apresentar uma única resposta para as três questões,
podemos dizer que Brentano reformulou as noções de meios e fins para poder
descrevê-las como partes de uma relação intencional da consciência. Por quê?
Porque, desse modo, Brentano pôde descrever a percepção interna do

36
fenômeno psíquico de preferência como o conhecimento imediato da origem de
todo o conhecimento moral. Existem, no entanto, alguns detalhes que exigem
esclarecimentos.

Para compreendermos os detalhes envolvidos na argumentação


brentaniana, contextualizaremos primeiramente a análise dos conceitos de
„meios‟ e „fins‟, tal como foi apresentada na obra Origem do conhecimento
moral. Em seguida, apresentaremos o modo como Brentano propôs a
retomada da relação entre meios e fins no contexto da filosofia do psíquico.

Em sua análise acerca da noção de „meios‟, Brentano afirmou o


seguinte:

Os meios a que recorremos para conseguir um fim podem ser (a)


diferentes e podem ser (b) justos ou injustos. (c) São justos os meios
55
realmente aptos para nos conduzir ao fim .

Trata-se aqui de uma estratégia argumentativa brentaniana que


tomou como ponto de partida um elemento da ética racionalista moderna. Esse
elemento foi expresso por Kant na Fundamentação da metafísica dos costumes
(por meio da máxima “quem quer os fins, quer os meios”), no momento em que
Kant descreve e recusa a estrutura dos imperativos hipotéticos como
fundamento da moralidade56.

Para compreender o que Brentano pretendeu reestruturar é


interessante comparar o seguinte esclarecimento kantiano em uma passagem
da Fundamentação da metafísica dos costumes:

Quem quer os fins, quer também (na medida em que a razão tem
influxo decisivo sobre as ações) os meios indisponivelmente
necessários de alcançá-lo, e que estão em seu poder. Esta
proposição é, no que diz respeito ao querer, analítica, porque o ato de
querer um objeto, efeito de minha atividade, supõe já a minha
causalidade, como causalidade de uma causa agente, isto é, o uso
57
dos meios.

55
„Die Mittel, die wir ergreifen, um zu einem Zwecke zu gelangen, können verschieden und können bald
die richtigen, bald unrichtige Mittel sein. Richtig werden sie dann sein, wenn sie wirklich zu dem
Zwecke zu führen geeignet sind“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 15.
56
Kant, Immanuel, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 79.
57
Idem, Ibidem.

37
A sutileza da argumentação kantiana consistia em demonstrar que
havia uma contradição teorética em supor a volição do fim sem que fosse
suposta imediatamente a volição do meio que o efetivasse, pois Kant entendia
que a atividade da vontade finita era sempre um dever e, no caso dos
imperativos hipotéticos, quem quisesse os fins deveria (necessariamente)
querer os meios para obtê-los, uma vez que a volição dos primeiros implicaria a
volição dos últimos. Por isso Kant concluiu que a necessidade teorética dos
imperativos hipotéticos demonstrava a possibilidade, ou as condições de
validade, desses imperativos. É, no entanto, fundamental explicitarmos o que
estava pressuposto, na argumentação kantiana, como base da sustentação
dessa tese.

Segundo Kant, em todo ato de querer um determinado fim, o fim que


se quer e a atividade de alcançá-lo são uma e a mesma coisa, pois, dizia ele,
“[...] representar-me uma coisa como um efeito que eu posso produzir de certo
modo, e representar-me a mim mesmo, em relação a este feito, como agindo
do mesmo modo, é de fato uma e a mesma coisa” 58. Isso significava que a
atividade da vontade, ou seja, a espontaneidade prática da razão, ao constituir
o fim que se quer (chamado efeito), estabelece imediatamente os meios de
obtê-lo (chamado causa). Tratava-se, portanto, da descrição da relação entre
meios e fins a partir da categoria da relação (causalidade – dependência).

Para Brentano, essa descrição analítica da atividade espontânea da


vontade era apenas uma parte da ficção resultante do sistema kantiano, pois,
seguindo esse caminho, Kant não pôde apresentar a evidência empírica que
deveria sustentar as categorias do entendimento, bem como a origem empírica
de todo e qualquer conceito. A recusa de Brentano ao modo de análise
kantiano foi apresentada por meio das seguintes palavras:

Os conceitos “Querer”, “Concluir”, não são adquiridos por intuições


sensíveis, a não ser que se tome o conceito de “Sensível” com uma
generalidade tamanha que fique anulada toda distinção entre
“Sensível” e “Supra-sensível”. Tais conceitos se originam em
intuições de conteúdo psíquico. Da mesma origem procedem os
conceitos de “Fim”, “Causa” (admitimos, por exemplo, entre nossa
crença nas premissas e nossa crença na conclusão, uma relação
causal), “Impossibilidade”, “Necessidade” (a adquirimos de juízos que
não afirmam nem negam simplesmente de modo assertórico, mas,

58
Idem, Ibidem.

38
como dizemos habitualmente, de modo apodítico), e muitos outros
que alguns filósofos modernos, não tendo conseguido descobrir sua
verdadeira origem, consideram como categorias dadas
59
imediatamente .

O que Brentano estava delineando, portanto, separava-se totalmente


da proposta kantiana, pois não se tratava de explicitar a correlação entre meios
e fins determinada por um princípio de causalidade. Para essa análise do
psíquico, tratava-se, fundamentalmente, da descrição da relação intencional (a
qual foi explicitada nas últimas obras brentanianas como relação parte – todo)60
que envolve a atividade (psíquica) de eleição do meio necessário para a
obtenção do fim, diante da existência de uma diversidade de meios.

Entenda-se, no entanto, e é fundamental que isso seja ressaltado,


que o ponto central da análise brentaniana estava na consciência acerca do ato
psíquico de escolha desse meio, com o intuito de descrever o modo como se
dava o conhecimento da adequada ou justa escolha desse meio. Em outras
palavras, para Brentano existia uma relação intrínseca e imediata entre a
justeza do ato psíquico de escolha e a consciência acerca desse ato. Assim,
Brentano deslocou a questão acerca da eleição de um meio justo para a
questão acerca da natureza cognoscível da justa eleição desse meio. Segundo

59
„Die Begriffe ‚Wollen„, ‚Schließen„ werden nicht aus sinnlichen Anschauungen gewonnen; man müßte
denn den Begriff ‚sinnlich„ so allgemein fassen, daß aller Unterschied von ‚sinnlich„ und
‚Übersinnlich„ sich verwischte. Sie stammen aus Anschauungen psychischen Inhalts. Ebendaher
stammen die Begriffe ‚Zweck', ‚Ursache„ (wir bemerken z. B. zwischen unserem Glauben an die
Prämissen und unserem Glauben an den Schlußsatz eine ursächliche Beziehung), ‚Unmöglichkeit„ und
‚Notwendigkeit„ (wir gewinnen sie aus Urteilen, welche etwas nicht einfach assertorisch, sondern, wie
man sich auszudrücken beliebt, apodiktisch anerkennen oder verwerfen) und viele andere, welche
manche Moderne, denen die Erforschung des wahren Ursprungs mißlang, als von vornherein gegebene
Kategorien betrachten wollten“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 53-54, nota
18.
60
É interessante antecipar aqui as seguintes observações de Liliana Albertazzi. “Another significant
aspect of Brentano‟s ethical analysis concerns value from the standpoint of the part/whole relation.
This analysis was subsequently reprised and developed by Husserl and Moore and it relates to the
difference between summmative wholes and organic wholes. Brentano argues that a whole made up of
goods is better than each of its parts. From this point of view, Brentano’s ethics is not mere a
mereological ethics in which the parts are what really matter. Each value whole is a point of
arrival which does not require further integration because a part is always a function of the
whole. The second point concerns the relationship between different wholes which are not parts of
each other. Brentano states that “One good is preferred to another good which is not a part of it but is
equal in every respect to a determination of its parts”. In other words, two value wholes are
comparable in respect to the quantity of value only if they are made up of values of the same kind.
From this point of view, it is impossible to conduct universal comparison among values, since these are
only comparable with respect to a particular region or category of value. A category of value consists
of those values that can join together in an organic whole: that is, a whole which is different from the
sum of its parts”. Albertazzi, Liliana, Immanent realism: an introduction to Brentano, p. 300.

39
a análise de Chisholm, encontrava-se aqui o abandono do problema imposto
pela noção de „relação meio-fim‟ e iniciava-se o problema da cognição imediata
da „relação parte-todo‟, que seria esclarecido plenamente no trabalho póstumo
intitulado Sobre a consciência sensória e noética61. No momento, interessa-nos
o fato de que, no escopo da obra brentaniana de 1889, essa relação intrínseca
e imediata entre meio e fim foi chamada de consciência da preferência do
moral sobre o imoral ou, como apresentaremos detalhadamente no último
capítulo, fenômeno psíquico de preferência. É exatamente essa indicação que
encontramos no seguinte comentário:

E, assim, há de ser certa [consciência da] justeza interior aquilo que


constitui a [consciência da] preferência essencial de certos atos da
vontade sobre outros atos, sobre atos opostos, e aquilo que constitui
62
a preferência do moral sobre o imoral .

61
Segundo a análise de Chisholm, Brentano se vale de um caminho iniciado por Leibniz para solucionar a
falta de base empírica do conhecimento da relação de causa e efeito. A solução está, diz Chisholm, em
reconhecer a distinção entre vontade antecedente e vontade consequente como uma distinção própria
do ato psíquico de vontade. “According to the traditional distinction between antecedent will and
consequent will, one's attitude toward a compound situation is a consequence of one's attitude toward
its various components. The attitude toward the component states was referred to as one's antecedent
will; and the resulting attitude toward the compound state was referred to as a consequent will. Thus
Leibniz mentions the view of certain Christians, according to which God wills to save all men
according to his antecedent will, but not according to his consequent. The distinction enables him to
say that evil is never the object of God's antecedent will; it is, rather, part of the object of God's
consequent will. Brentano's version of this distinction is not, strictly speaking, a distinction between
types of willing, for he introduces the concept of will only at a later stage. His distinction pertains to
antecedent and consequent attitudes: There may be an antecedent and consequent pro attitude and there
may be an antecedent and consequent anti attitude. For example, a certain pleasurable activity may be
the object of an antecedent pro attitude. Considering just that object - considering it in and for itself
and as if alone - I desire the object as an end in itself. I may then consider the possibility of bringing
about that object. If I am reasonable, I will also consider the wider situation that, according to my
evidence, is most likely to result if I should try to bring about the pleasurable situation. The wider
situation includes the pleasurable activity as only one of its parts. It will also include any difficulties
that are thought to be involved in bringing about this activity, as well as the consequences one thinks
would result from this activity. Brentano observes that the antecedent attitudes may be distinguished
from the consequent attitudes in the following way. There is no irrationality or inconsistency in making
incompatible things the objects of one's antecedent attitudes. A person contemplating a career may
look favorably upon being a doctor and not a lawyer; and he may also look favorably upon being a
lawyer and not a doctor. There may thus be many such objects of the antecedent attitude. But there can
be only one object of the consequent attitude. Brentano says that, if a wider whole is loved in and for
itself, then any part of that whole is loved implicitly - even though that part may be hated in and for
itself. And he says that, if a wider whole is hated in and for itself, then any part of that whole is hated
implicitly - even though that part may be loved in and for itself”. Chisholm, Roderick M. Brentano and
Intrinsic Value, p. 20-21.
62
„Und so wird es denn auch eine gewisse innere Richtigkeit sein, welche den wesentlichen Vorzug
gewisser Akte des Willens vor andern und entgegengesetzten und den Vorzug des Sittlichen vor dem
Unsittlichen ausmacht“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 3-4.

40
Uma descrição análoga à escolha dos meios foi apresentada por
Brentano em sua análise da noção de „fins‟. Brentano também apresentou essa
descrição com o propósito de elucidar o estatuto exclusivamente psíquico de
todo e qualquer fim que pudesse existir.

Em certo sentido, Brentano recusou a noção moderna de fim em si


ou fim absoluto ao considerar que “[...] também os fins, os mais próprios e
últimos fins, podem ser diferentes”63. Partindo desse ponto, ele estabeleceu
que, sendo os fins últimos diferentes, também entre os próprios fins últimos
caberia eleição, pois “[...] esta eleição, dado que o fim último é o princípio que
dá a medida para tudo, é a mais importante de todas”64. Em outras palavras, ao
recusar a noção moderna de fim em si ou fim absoluto, Brentano pôde
equiparar analogamente a escolha dos fins à escolha dos meios e, também de
modo análogo, afirmar que o ponto central da análise estava na consciência
acerca do ato psíquico de escolha desse fim, pois o caráter em si do fim
elegido explicitava-se pela sua adequação ou justeza da sua escolha (que seria
um ato psíquico).

Assim como na análise dos meios, existiria aqui também uma


relação intrínseca e imediata entre a justeza do ato psíquico de escolha e a
consciência acerca desse ato. Assim, portanto, Brentano também deslocou a
questão acerca da eleição de um fim justo para a questão acerca da natureza
cognoscível da justa eleição do fim. Desse modo, assim como na análise da
escolha dos meios, também o problema ontológico e epistemológico da
escolha do fim em si foi trazido para o âmbito da análise do psíquico. E,
justamente nesse âmbito de análise, a questão acerca da natureza da eleição
dos fins justos foi tomada por Brentano como o conhecimento da justa
preferência ou do fenômeno psíquico da preferência.

Com base nessas distinções, Brentano pretendeu ter aberto o


caminho que o distanciou cada vez mais do subjetivismo moral sentimentalista,
que até mesmo a sua Psicologia do ponto de vista empírico não havia

63
„Aber auch die Zwecke, und zwar die eigentlichsten und letzten Zwecke, können verschieden sein“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 15.
64
„Also das steht fest: auch die letzten Zwecke sind verschieden; auch zwischen ihnen schwebt die Wahl;
und sie ist - da der letzte Zweck ein für alles maßgebendes Prinzip ist - die wichtigste unter allen“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 15.

41
resolvido. Em outras palavras, para além dos motivos éticos fundados no
sentimento moral aos quais só foi possível atribuir a designação de crença,
Brentano apresentou o modo de conhecer a própria atividade psíquica de
preferir. Foi, portanto, o conhecimento do fenômeno psíquico de preferência
que recebeu a designação de motivo ético justo, pois o conhecimento desse
fenômeno estabeleceu o único sentido do termo sanção que Brentano
considerou válido. Tal como ele mesmo afirmou, “[...] a crença em dita
preferência é um motivo ético. O conhecimento de dita preferência é o motivo
ético justo, a sansão que confere consistência e validez à lei ética”65.

Esses pontos apresentados indicaram apenas que o conhecimento


da preferência se tornou a questão central da ética brentaniana a partir de
1889. Mesmo assim, no entanto, nossa apresentação não se deteve
suficientemente na exposição do modo como o fenômeno psíquico de
preferência origina o conceito de melhor e os demais conceitos éticos. Vejamos
como esse problema foi introduzido.

O problema da origem do conceito dos conceitos éticos foi colocado


por Brentano na Origem do conhecimento moral por meio das seguintes
questões:

Qual o fim é justo? Por qual deve ser decidido nossa eleição?
Quando o fim está estabelecido e se trata apenas de eleger os meios,
diremos “elege meios que, realmente, conduzam ao fim“. Mas quando
se trata de eleger os fins, diremos “elege um fim que, razoavelmente,
possa ser considerado como realmente exeqüível”. Mas esta resposta
não é suficiente. Existem coisas exeqüíveis que devemos muito mais
de evitar que não procurar. “Elege, pois, o melhor entre o acessível!”
Esta será a única resposta conveniente. No entanto, esta resposta é
obscura. O que significa isso “O melhor”? O que geralmente nós
chamamos “Bom”? E como adquirimos o conhecimento de que uma
66
coisa é boa é melhor que a outra?

65
„Der Glaube an diesen Vorzug ist ein ethisches Motiv; die Erkenntnis dieses Vorzugs das richtige
ethische Motiv, die Sanktion, welche dem ethischen Gesetze Bestand und Gültigkeit verleiht“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 3-4.
66
„Welcher Zweck ist richtig? Für welchen soll sich unsere Wahl entscheiden? Wo der Zweck feststeht
und es sich nur um die Wahl von Mitteln handelt, werden wir sagen: wähle Mittel, die wirklich zu dem
Zwecke führen! Wo es sich um die Wahl von Zwecken handelt, werden wir sagen: wähle einen Zweck,
der vernünftigerweise für wirklich erreichbar zu halten ist. Aber diese Antwort genügt nicht; manches
Erreichbare ist vielmehr zu fliehen als zu erstreben: wähle das Beste unter dem Erreichbaren! Das wird
also allein die entsprechende Antwort sein. Aber sie (die Antwort) ist dunkel; was heißt das ‚das
beste„? Was nennen wir überhaupt ‚gut„? Und wie gewinnen wir die Erkenntnis, daß etwas gut und
besser ist als ein anderes?“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 15 - 16.

42
Brentano utilizou um argumento aparentemente circular, pois ele
supôs um modo justo de preferir e deslocou a indagação acerca do fim justo
para a um leque de possibilidades onde a resposta foi “elege aquilo que é o
melhor”. Ocorre, no entanto, que o ponto principal está no fato de que a
argumentação brentaniana exigiu uma definição eficiente do conceito de
melhor. Desse modo, a aparência de circularidade argumentativa se desfaz ao
apontar a necessidade de se elucidar a origem do conceito. Assim, tal como
havia feito ao deslocar a descrição dos conceitos de „fins‟ e „meios‟ para o
âmbito da atividade psíquica, Brentano também remeteu a descrição da origem
do conceito de „melhor‟ para o âmbito da atividade da consciência. Em outras
palavras, a origem do conceito de „melhor‟ resultaria da descrição de sua
experiência intuitiva concreta, ou seja, no modo como a filosofia do psíquico
descreveu o fenômeno psíquico da preferência.

Apresentaremos, de modo breve, a problematização brentaniana


dos fundamentos da ética encontrados na psicologia e o modo como ele que
retoma os conceitos de „bem‟ e „melhor‟.

1.4 A esfera psíquica da existência do bem: o erro de Aristóteles.

Desde a apresentação da Psicologia do ponto de vista empírico,


Brentano estava convicto de que a perspectiva empírica era a única via capaz
de explicitar os fundamentos do ramo teórico da filosofia67. Foi nessa
perspectiva que o problema da ética foi retomado na Origem do conhecimento
moral. Assim, ao indagar sobre “o que devemos aspirar? Qual fim é justo? Qual

67
“O título que atribuí à minha obra explicita por si mesmo o objeto e o método. Em psicologia eu me
coloco no ponto de vista empírico. Meu único mestre é a experiência. Eu compartilho, portanto, com
outros filósofos, a convicção que certa fonte de ideal não é incompatível com este ponto de vista”.
[„Die Aufschrift, die ich meinem Werke gegeben, kennzeichnet dasselbe nach Gegenstand und
Methode. Mein Standpunkt in der Psychologie ist der empirische: die Erfahrung allein gilt mir als
Lehrmeisterin: aber mit anderen teile ich die Überzeugung, daß eine gewisse ideale Anschauung mit
einem solchen Standpunkte wohl vereinbar ist“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Erster Band, p. 1.

43
é injusto?” e relembrar que, “como Aristóteles já nos fez notar, esta é a
pergunta mais própria e fundamental da ética”68, Brentano tinha como propósito
apontar a origem empírica dos conceitos da filosofia prática. Em outras
palavras, tratava-se de explicitar a origem dos conceitos práticos que
estruturam a ética, a partir da descrição das representações intuitivas
concretas que os constituem. Tratava-se, portanto, de demarcar a esfera de
origem de todo e qualquer conceito a partir da experiência que os
fundamentava69. Vejamos, por exemplo, como ele se referiu à possibilidade do
conhecimento acerca da origem do conceito de Bom e estendeu esse critério
de conhecimento para todo e qualquer conceito:

Para responder esta pergunta (acerca do problema fundamental da


ética) de modo satisfatório devemos, primeiramente, indagar pela
origem do conceito de bom, que, como a origem de todos nossos
conceitos, deve estar em certas representações concretas intuitivas.
Nós temos representações intuitivas de conteúdo físico que nos
mostram qualidades sensíveis, determinadas espacialmente de modo
particular. Desta esfera procedem os conceitos de cor, som, espaço e
muitos outros. Mas, o conceito de bom não têm sua origem nesta
esfera. É fácil reconhecer que este conceito, como o de verdadeiro -
que em função da afinidade existente entre ambos aproximam-se
razoavelmente -, procede das representações intuitivas de conteúdo
70
psíquico .

Esse argumento de Brentano apresenta a relação existente entre a


filosofia do psíquico e a ética ou, de modo mais preciso, a dependência da
ética para com a psicologia. Assim, ele ressalta o fato de que as mudanças e

68
„Was soll ich erstreben? Welcher Zweck ist richtig, welcher unrichtig? Das ist darum, wie schon
Aristoteles hervorhebt, die eigentlichste und hauptsächlichste Frage der Ethik“. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 15 - 16.
69
Se, por um lado, a extensão da proposta brentaniana tem a pretensão de oferecer os fundamentos para a
elaboração de uma nova tábua de categorias, por outro lado, ele insiste que se trata da retomada de
questões apresentadas pelo filósofo de Estagira: “Aristóteles já conhecia esta verdade (conferir, por
exemplo, De Anima, III, 8). A idade média a manteve, mas não lhe atribuiu expressão feliz no
princípio: nihil est in intellectu quod non prius fuerit in sensu”. [„Schon Aristoteles war diese
Wahrheit bekannt (vergl. z. B. De Anim. III, 8). Das Mittelalter hielt sie fest, drückte sie aber nicht
glücklich aus in dem Satze: nihil est in intellectus, quod non prius fuerit in sensu“]. Brentano, Franz.
Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 53-54, nota 18..
70
„Um diese Fragen in befriedigender Weise zu beantworten, müssen wir vor allem den Ursprung des
Begriffs des Guten aufsuchen, der, wie der Ursprung aller unserer Begriffe, in gewissen konkret
anschaulichen Vorstellungen liegt. Wir haben anschauliche Vorstellungen physischen Inhalts; sie
zeigen uns sinnliche Qualitäten, in eigentümlicher Weise räumlich bestimmt. Aus diesem Gebiet
stammen die Begriffe der Farbe, des Schalles, des Raumes und viele andere. Der Begriff des Guten
aber hat nicht hier seine Quelle. Es ist leicht zu erkennen, daß er, wie der des Wahren, der ihm als
verwandt mit Recht zur Seite gestellt wird, den anschaulichen Vorstellungen psychischen Inhalts
entnommen ist“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 16.

44
as correções que Brentano apresentou na sua filosofia do psíquico tiveram
implicação direta na fundamentação da sua ética da preferência. Vejamos qual
foi o principal problema para a ética brentaniana estabelecido pela filosofia do
psíquico apresentada na obra Psicologia do ponto de vista empírico.

Ao analisar o modo como a Psicologia do ponto de vista empírico


ofereceu os fundamentos para a ética, Brentano reconheceu, indiretamente,
que ela incorporou um erro presente na ética aristotélica. A saber, a definição
aristotélica de bem em si. Assim, na elaboração da obra Origem do
conhecimento moral, Brentano apresentou um novo modo de conceber a noção
de bem em si e atacou o estagirita pelo fato de ter deixado escapar esse ponto.
Para entendermos esse problema, será preciso responder às seguintes
questões: Qual foi o erro que Aristóteles teria cometido e a filosofia
brentaniana do psíquico teria incorporado em 1874? Como esse erro pôde
ser solucionado em 1889 e por que essa solução permitiu a descrição da
experiência intuitiva concreta, presente no fenômeno psíquico da preferência?

O problema pode ser apresentado de modo objetivo. Segundo


Brentano, Aristóteles não percebeu que o bem em si deveria ser tomado no
sentido unitário estrito. Segundo ele, o estagirita equivocadamente tomou o
conceito unitário de bem em si a partir da sua noção de unidade por analogia.
Ou, nas palavras do próprio Brentano:

O conceito de bem (em si) é, assim, um conceito unitário em sentido


estrito e, não como Aristóteles ensinava (em conseqüência de uma
confusão que trataremos adiante), unitário em sentido meramente
71
análogo .

Esse é um ponto extremamente sutil, pois a crítica a Aristóteles é


fundamentalmente uma autocrítica. Veremos, no segundo capítulo, que
Brentano não havia se dado conta de que o conceito aristotélico de bem em
sentido análogo eliminava a possibilidade de uma fundamentação empírica da
ética na Psicologia do ponto de vista empírico. Em outras palavras, esse
conceito aristotélico de bem precisou ser reformulado e, só então, Brentano

71
„Der Begriff des (in sich selbst) Guten ist hiernach ein einheitlicher im strengen Sinne und nicht, wie
Aristoteles (infolge einer Verirrung, auf die wir noch zu sprechen kommen werden) lehrte, bloß in
analoger Weise einer“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 62, nota 26.

45
pôde descrever o fenômeno psíquico de preferência como uma representação
intuitiva concreta originária do conceito de melhor.

Ora, se de fato foi assim, cabe aqui um esclarecimento acerca do


motivo pelo qual o bem concebido como uma unidade de analogia inviabilizou a
possibilidade de fundamentar a ética da preferência na Psicologia do ponto de
vista empírico.

Em suas análises para a formulação das teorias que embasaram A


Origem do conhecimento moral (1889), Brentano confessou ter se dado conta
tardiamente do erro cometido por Aristóteles na fundamentação ontológica de
sua ética. De modo pontual, Brentano atribuiu a Aristóteles o exagero de ter
avançado para além da atividade psíquica, ao caracterizar o objeto correlato de
todo ato de desejo. A análise brentaniana ressaltou que, na interpretação
aristotélica, o status do bem em si era análogo ao status do objeto da
Metafísica. A dificuldade consistia no fato de que tal interpretação remetia à
famosa regressão ad infinitum, na medida em que seu status ontológico teria
que ser conhecido antecipadamente de algum modo72. Essas considerações
estão explícitas nos seguintes comentários:

Particularmente, é interessante o fato - que eu notei tardiamente - de


que Aristóteles une o subjetivismo moral com o lógico de Protágoras,
para refutá-los conjuntamente (Metafísica, K, 6, 1062, b 16-1063 a 5).
Em contrapartida, as linhas que se seguem imediatamente dão a
entender que Aristóteles caiu na tentação (sem dúvida bem
explicada) de acreditar que conhecemos o bom como bom,
independente da comoção da atividade sentimental (Ibidem, 29,
73
conferir De Ânima III, 9 e 10) .

Essa crítica brentaniana a Aristóteles tem um ponto muito sutil.


Brentano não acusou o estagirita tendo em vista aquilo que sua ética fez. Pelo
contrário, a acusação brentaniana apontou exatamente aquilo que a ética
aristotélica não conseguiu fazer, ao considerar que “[...] conhecemos o bom

72
Conferir especialmente a última parte da extensa nota 28 em Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher
Erkenntnis, p. 78.
73
„Interessant ist es insbesondere, daß (was ich erst nachträglich bemerkte) schon er den ethischen
Subjektivismus mit dem logischen des Protagoras zusammenstellt und beide gleichmäßig verwirft.
(Metaph. K, 6 p. 1062 b 16 und 1063 a 5.) Dagegen scheint es nach den nächstfolgenden Zeilen, als ob
Aristoteles der allerdings begreiflichen Versuchung erlegen sei, zu glauben, wir erkännten das Gute als
gut, unabhängig von der Erregung der Gemütstätigkeit (ebend. 29; vgl. De Anim. III, 9 u. 10)“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 78, nota 28.

46
como bom, independente da comoção da atividade sentimental” 74. Assim,
Brentano considerou que a ética aristotélica foi indiretamente responsável por
dois problemas filosóficos.

Em primeiro lugar, ela foi indiretamente responsável pela


impossibilidade de refutação total do subjetivismo protagórico e, por isso, ela
implicou o fortalecimento do subjetivismo moral75. Em segundo lugar, ela
obscureceu aquilo que Brentano colocou como noção central da ética, a saber,
o conhecimento da justeza (análoga à evidência dos atos de juízo) que
caracteriza o ato psíquico de amor e ódio, bem como o ato psíquico de
preferência. Em resumo, a interpretação de Brentano considerou que o
conceito aristotélico de bem em si revigorou o subjetivismo moral, na medida
em que não deu conta de explicitar a atividade psíquica própria do amor (ou da
74
Não se trata de uma consideração válida para a totalidade das obras aristotélicas ou mesmo para a
totalidade dos argumentos do estagirita. De fato, para Brentano, o corpus aristotélico oferece várias
passagens que, tomadas isoladamente, afirmam teses opostas à tese central. “Se deixamos de lado os
aristotélicos medievais e consideramos a própria doutrina de seu mestre, esta parece muito diferente.
Aristóteles reconhece que existe um apetite justo e outro injusto (), e
que o apetecido ( não é sempre o bom (
declara na Ética a Nicômaco, com o respeito ao prazer (), que nem todo prazer é bom, que
existe prazer no mal, prazer esse que é por sua vez mal (Ética a Nicômaco, X, 2). Na Metafísica
distingue uma espécie superior e outra inferior de desejo ((e e afirma que
aquilo que a espécie superior deseja por si mesmo é verdadeiramente bom (Metafísica
28). Aqui existe certa a aproximação com a concepção verdadeira. (...) Mas, Aristóteles está de acordo
com a verdadeira doutrina da origem de nosso conceito e conhecimento do bem quando, na ética a
Nicômaco (X, 2), refutando a opinião de que a alegria não pertence ao bem, acrescenta como
argumento que todos apetecem a alegria. E, acrescenta, „Pois, se apenas os irracionais a apetecessem,
existiria alguma justificação para refutar este fundamento. Mas, se também os a racionais o fazem,
como dizer algo contrário?‟. Essa manifestação também pode se relacionar com sua opinião errônea”.
[„Blicken wir von den mittelalterlichen Aristotelichen auf ihren Meister selbst zurück, so scheint seine
Lehre eine andere. Aristoteles erkennt an, daß es ein richtiges und ein unrichtiges Begehren
() gebe, und daß das Begehrte () nicht immer das Gute
() sei. (De Anim. III, 10.) Ebenso erklärt er bezüglich der Lust () in der
Nikomachischen Ethik, nicht jede sei gut; es gebe eine Lust am Schlechten, welche selbst schlecht sei
(Eth. Nikom. X, 2). In der Metaphysik unterscheidet er eine niedere und höhere Art von Begehren
(e ; was die höhere um seiner selbst willen begehre, sei in Wahrheit gut
(Metaph. , 7 p. 1072 a 28). Eine gewisse Annäherung an die richtige Anschauung dürfte hier bereits
erreicht sein. (...) Besser stimmt es mit der wahren Lehre vom Ursprung unseres Begriffes und unserer
Erkenntnis des Guten, wenn er Eth. Nikom. X, 2 gegen die Annahme, daß die Freude nicht zu dem
Guten gehöre, als Argument gelten läßt, daß alles nach ihr begehre, und beifügt: 'denn wenn nur die
unvernünftigen Wesen danach begehrten, so enthielte die Verwerfung dieser Begründung wohl eine
gewisse Berechtigung, wenn nun aber auch die vernünftigen es tun, wie sollte sich noch etwas dagegen
sagen lassen?' Doch läßt sich auch dieser Ausspruch mit seiner falschen Ansicht vereinigen“].
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 78, nota 28.
75
“Considerado a partir deste ponto de vista, Hume, o moralista do sentimento, aparece com vantagem
(sobre Aristóteles). Pois, pergunta com razão, como podemos conhecer que algo deve ser amado, se
não temos a experiência do amor?” [„Von dieser Seite betrachtet, erscheint der Gefühlsmoralist Hume
ihm gegenüber im Vorteil, welcher mit Recht betont: wie soll man erkennen, daß etwas zu lieben ist,
ohne die Erfahrung der Liebe?“]. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.

47
preferência) caracterizado como justo. Desse modo, Brentano concluiu que o
estagirita não evitou que se concebesse indistintamente, tanto o amor
caracterizado como justo, como o amor não caracterizado como justo76, e, por
isso, não superou o subjetivismo moral. Vejamos:

Segundo a análise brentaniana, esse único erro do estagirita gerou a


impossibilidade de se explicitar essa atividade psíquica fundamental para a
ética, no entanto sua análise mostrou que dois grupos de filósofos
sentimentalistas se valeram desse erro para formular os fundamentos da ética
tomando por base o subjetivismo moral: “Os primeiros, disse ele,
compreendem a coisa dizendo que todo agrado está caracterizado como justo.
Os segundos, dizendo que nenhum agrado está caracterizado como justo”77.

A análise brentaniana considerou que o segundo grupo tentou anular


por completo o conceito de bem como justamente agradável, descartando
qualquer atividade psíquica análoga a um conhecimento evidente do agrado.
Por esse motivo, esse segundo grupo entendeu que “[...] o termo 'digno de ser
desejado' (diferentemente de „desejável‟) seria um termo sem sentido” 78. De
modo contrário, a análise brentaniana acerca dos fundamentos subjetivistas
tomados pelo primeiro grupo considerou que “[...] continua subsistindo o 'digno
de ser desejado' como um conceito especial, de modo que não há tautologia
em dizer: nada é desejável em si mesmo, que não seja em si mesmo digno de
ser desejado79, ou seja, bom”80.

76
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 78, nota 28.
77
„Die einen fassen die Sache so, als sei alles Gefallen, die anderen so, als sei kein Gefallen als richtig
charakterisiert“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 73, nota 28.
78
„„Begehrenswert„ im Unterschied von ‚begehrbar„ ist ein Wort ohne Sinn. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 73, nota 28.
79
“É patente que, sendo conseqüentes, deveriam ter sustentado isto e, de fato, assim o ensinaram. Aqui os
hedonistas têm o seu ponto extremo, e com eles, muitos outros. Por exemplo, na idade média encontra-
se a doutrina de São Tomás de Aquino, cuja grandeza foi novamente honrada por Ihering (v. Sum.
Theol., 1ª, q. 80 e q. 82, art. 2, ad 1)“. [„Offenbar müssen sie, konsequent, dieses behaupten und haben
es wirklich gelehrt. Die extremen Hedoniker gehören alle hierher, aber mit ihnen auch viele andere; im
Mittelalter z. B. findet sich die Lehre selbst bei dem von Ihering wieder in seiner Größe gewürdigten
Thomas von Aquino. (Vgl. z. B. Summ. theol., la qu. 80. qu. 82, art. 2 ad 1 u. ö.)”]. Brentano, Franz.
Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 73, nota 28.
80
„Den ersteren bleibt 'begehrenswert' wohl als ein besonderer Begriff bestehen, so daß es keine
Tautologie ist, wenn sie sagen: nichts ist in sich begehrbar, außer insofern es in sich begehrenswert, in
sich gut ist“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 73, nota 28.

48
Podemos, então, justificar o fato de que essa consequência do erro
de Aristóteles funcionou como pedra de toque para a construção da
argumentação brentaniana de 1889. Brentano se apoiou no fato de que essa
concepção permitiu a relativização do conhecimento da origem dos conceitos
de bem e mal. Assim, com outra face da mesma moeda, essa relativização do
conhecimento da origem desses conceitos sustentou, também, um subjetivismo
moral. Segundo a análise brentaniana81, tal subjetivismo moral era análogo ao
subjetivismo protagórico acerca dos conceitos de verdade e falsidade e, por
isso, precisou ser refutado. Desse modo, concluiu ele:

Assim como, de acordo com este subjetivista (Protágoras), na esfera


do juízo cada um é a medida do todo, de modo que aquilo que é
verdadeiro para um será ao mesmo tempo falso para outro. Do
mesmo modo, os representantes da opinião segundo a qual apenas o
bom pode ser amado e apenas um mau pode ser odiado, estão
forçados propriamente a admitir que neste terreno cada um seja
critério: para o bom, do que é bom em si; e para o mal, do que é mal
em si. Desta maneira, uma mesma coisa seria ao mesmo tempo boa
em si e má em si. Boa em si para todos os que a amam por si mesma
82
e má em si para todos os que a odeiam por si mesma .

Esse subjetivismo protagórico que perpassou a maioria dos sistemas


de moral83 foi, para Brentano, o problema que sua ética dissolveu ao
apresentar a descrição da atividade psíquica própria do agrado caracterizado
como justo, frente ao agrado não caracterizado como justo. Para isso, a análise
brentaniana retornou à tese do mestre estagirita e propôs uma reformulação

81
O fundamento dessa relação de analogia entre relativismo e subjetivismo, atribuído por Brentano a
Protágoras, também deve ser concebido à luz da própria teoria brentaniana do psíquico tomada como
referência.
82
„Wie nach diesem Subjektivisten auf dem Gebiete des Urteils jeder das Maß von allem ist, so daß oft,
was für den einen wahr, für den anderen zugleich falsch sein müßte: so sind die Vertreter der Meinung,
nur Gutes könne geliebt, nur Schlechtes gehaßt werden, eigentlich genötigt anzunehmen, daß auf
diesem Gebiete jeder für alles maßgebend sei, für das Gute dafür, daß es in sich gut, für das Schlechte
dafür, daß es in sich schlecht sei, so daß oft etwas zugleich in sich gut und schlecht sein würde; in sich
gut für alle, die es um seiner selbst willen lieben, in sich schlecht für alle, die es um seiner selbst willen
hassen“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 73-74, nota 28.
83
“A falsificação subjetivista do conceito de bem é tão reprovável como a falsificação subjetivista do
conceito de verdade e da existência em Protágoras. Mesmo que, no terreno do justamente agradável e
desagradável, o erro subjetivista se fecundou de modo mais fácil e, até o momento, tenho infectado a
maioria dos sistemas de moral”. [„Die subjektivistische Fälschung des Begriffs des Guten ebenso
verwerflich, als die subjektivistische Fälschung des Begriffs der Wahrheit und der Existenz bei
Protagoras verwerflich war, obwohl der subjektivistische Irrtum auf dem Gebiete des mit Recht
Gefallenden und Mißfallenden viel leichter Platz greift und bis heute die meisten ethischen Systeme
infiziert“]. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 74, nota 28.

49
muito sutil, por entender que “[...] a tentação em que Aristóteles caiu é muito
bem explicável84”. Tratava-se, para Brentano, de corrigir tanto (1) a noção de
relação causal que determinava a concepção do amor como consequência do
conhecimento, como também (2) a noção de correspondência que determinava
o conhecimento da retidão do amor pela conformidade com sua regra. Vejamos
sua análise incisiva sobre esse ponto:

Dizia que a tentação em que Aristóteles caiu é muito bem explicável.


Origina-se no fato de que juntamente com a experiência da atividade
sentimental está unido concomitantemente o conhecimento da
bondade do objeto. E pode ocorrer facilmente que a relação se
inverta e se acredite que o amor é conseqüência do conhecimento e,
ainda, que conhecemos a retidão do amor pela conformidade com
85
esta sua regra .

O ponto relevante está no fato de que a correção proposta pela


análise brentaniana se sustentou na relação intrínseca e concomitante entre
experiência da atividade sentimental e conhecimento da bondade do objeto
tomada como um fato.86 Para Brentano, portanto, foi o fato de não se
reconhecer que a experiência do amor e o conhecimento da bondade do objeto
ocorriam juntos que nos levou à “inversão” errônea cometida por seu mestre de
Estagira.

1.5 A proposta de superação do subjetivismo moral por meio da


correta descrição dos fenômenos que constituem a esfera
psíquica.

Ao apontar a relação análoga entre verdade e bem, Brentano tomou


sua própria teoria do psíquico como referência. Desse modo, a razão pela qual

84
„Ich sagte, die Versuchung, der Aristoteles erlegen, erscheine begreiflich”. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.
85
„Ich sagte, die Versuchung, der Aristoteles erlegen, erscheine begreiflich. Sie entspringt daraus, daß
mit der Erfahrung der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit auch die Erkenntnis der Güte des
Objekts immer zugleich gegeben ist. Da kann es denn leicht geschehen, daß man das Verhältnis
verkehrt und meint, man liebe hier infolge der Erkenntnis und erkenne die Liebe als richtig an der
Übereinstimmung mit dieser ihrer Regel“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79,
nota 28.
86
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.

50
o relativismo (da verdade) e o subjetivismo (do bem) são análogos e estão
concebidos na tese protagórica não deve ser procurada nos argumentos de
Protágoras ou no contexto de formulação de sua tese. Tratava-se, a partir
1889, de uma relação encontrada na descrição da unidade da consciência, ou
seja, na classificação brentaniana dos fenômenos psíquicos de representação,
de juízo e de amor ou ódio. A estratégia argumentativa brentaniana não
consistiu, no entanto, apenas na tomada da teoria ética do mestre estagirita
como boneco de palha e, indiretamente, sua teoria de 1874. Brentano
incorporou, a essa análise, uma análise acerca da teoria cartesiana do juízo
com a mesma finalidade. Em outras palavras, para descrever a justeza do ato
sentimental, a análise brentaniana apontou a existência de um erro análogo ao
de Aristóteles na teoria cartesiana dos juízos caracterizados como justos87.
Façamos aqui uma breve antecipação para estabelecer a relação entre
Aristóteles e Descartes.

Brentano considerou que Descartes não atribuiu a concepção da


justeza do juízo ao próprio ato de julgar. Por isso, Descartes precisou recorrer
às peculiaridades que envolvem as representações que estão na base do juízo
para explicitar um critério de verdade. De modo análogo, e seguindo a solução
proposta para o erro de Aristóteles, a análise brentaniana considerou que a
solução estava em corrigir a noção de correspondência, pois essa noção
determinava a concepção da verdade do juízo a partir da representação que
lhe serve de base. Vejamos como ele mesmo descreveu essa relação:

Não deixa de ser interessante comparar o erro que Aristóteles comete


aqui, no que se refere à atividade sentimental caracterizada como
justa, com o erro que vimos Descartes cometer com respeito ao juízo
caracterizado como justo. Um e outro são essencialmente análogos.
Em ambos os casos, o caráter distintivo é almejado, não no próprio
ato caracterizado como justo, mas sim na peculiaridade da
representação que lhes serve de base. Na verdade, parece-me que
em seu tratado Des Passions existem muitas passagens que dão a
entender que o próprio Descartes pensou nisto de modo muito
semelhante ao de Aristóteles e essencialmente análogo à sua
88
doutrina do juízo evidente .

87
Idem, Ibidem.
88
„Es ist nicht ohne Interesse, den Fehler, den hier Aristoteles in betreff der als richtig charakterisierten
Gemütstätigkeit begeht, mit jenem zu vergleichen, dem wir bei Descartes hinsichtlich des als richtig
charakterisierten Urteils begegnet sind. Der eine ist dem anderen wesentlich analog; in beiden Fällen
wird der auszeichnende Charakter, statt in dem als richtig charakterisierten Akte selbst, vielmehr in der

51
Se o problema dos erros aristotélico e cartesiano descrito pela
análise de Brentano pôde ser explicitado de modo simples, sua solução não
seguiu a mesma simplicidade. A complexidade da solução estava no fato de
que, contra toda tradição filosófica e contra sua teoria de 1874, Brentano não
apenas apresentou uma reformulação das teorias do juízo e do sentimento de
amor ou ódio, mas sustentou essas reformulações numa teoria mais radical da
verdade, resultante do abandono da teoria da in-existência intencional do
objeto. Em outras palavras, Brentano considerou que era preciso apresentar
uma teoria da verdade capaz de substituir o critério de correspondência (que
não escapa da regressão ad infinitum) pelo critério de evidência. Vejamos
como ele sistematizou o problema e preparou o terreno para a apresentação de
sua teoria ética:

Para não mencionar os que compartilham implicitamente, muitos hoje


se aproximam ao erro de Descartes, acerca do que caracteriza a
evidência, quando concebem a questão como se assegurassem um
critério para cada juízo evidente. Assim, este critério teria que ser
dado antecipadamente de algum modo, ou como conhecido - e isto
nos levaria ao infinito - ou como dado na representação (e este é
realmente o único que resta). Acerca disto se pode dizer no que a
tentação para com semelhante erro era eminente e pode ter ajudado
a enganar Descartes. O erro de Aristóteles se comete menos. Mas, é
porque se dedicou menos atenção ao fenômeno da atividade
sentimental caracterizada como justa que ao fenômeno do juízo
caracterizado como justo. Se o primeiro era desconhecido em sua
essência, o segundo não foi estudado de modo suficiente para que
89
fosse possível uma falsa interpretação de sua essência .

No cerne do problema acerca da não apreensão da justeza do juízo


e do sentimento de amor ou ódio estava a reformulação brentaniana da
descrição da estrutura da consciência apresentada inicialmente em 1874 na

Besonderheit der ihm zugrunde liegenden Vorstellung gesucht. In der Tat scheint mir in der
Abhandlung 'Les Passions' aus vielen Stellen ersichtlich, daß Descartes selbst die Sache hier ganz
ähnlich wie Aristoteles und wesentlich analog seiner Lehre vom evidenten Urteile gedacht habe“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.
89
„Dem Irrtume Descartes' bezüglich des Charakteristischen der Evidenz kommen heutzutage viele nahe
(wenn man nicht lieber sagen will, daß sie ihn implicite geradezu teilen), wenn sie die Sache sich so
vorstellen, als halte man sich bei jedem evidenten Urteil an ein Kriterium. Dieses müßte dann
irgendwie vorher gegeben sein; entweder als erkannt - das würde aber ins Unendliche führen - oder
(und das bleibt eigentlich allein übrig) als in der Vorstellung gegeben. Auch hier kann man sagen, daß
die Versuchung zu solchem Mißgriff naheliege, und sie mag auch auf Descartes beirrend eingewirkt
haben. In den Irrtum des Aristoteles fällt man weniger; aber wohl nur darum, weil man überhaupt das
Phänomen der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit weniger als das des als richtig
charakterisierten Urteils in Betrachtung gezogen hat. Wenn man dieses in seinem Wesen verkannte, so
hat man jenes oft nicht einmal genügend bemerkt, um es in seinem Wesen zu mißdeuten“. Brentano,
Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79-80, nota 28.

52
Psicologia do ponto de vista empírico. Foi, portanto, como solução para o
problema da apreensão da justeza do sentimento, cujas raízes não se
encontravam na teoria ética ou na teoria do conhecimento, e sim na Psicologia
do ponto de vista empírico, que Brentano apresentou, em 1889, sua teoria
acerca da origem do conhecimento moral inspirada na “futura” Psicologia
descritiva.

Diante do exposto, podemos retomar o objetivo da nossa tese e


apresentar sistematicamente o modo como a fundamentação da ética emergiu
da estrutura da análise filosófica do psíquico. Para isso, trataremos de analisar
tanto o desenvolvimento da psicologia brentaniana (filosofia teórica) como
também a ética (filosofia prática), formuladas e reformuladas em função dessa
psicologia, com base nas seguintes distinções.

a) O desenvolvimento da filosofia brentaniana do psíquico:

- será analisado no capítulo II, tomando por base a noção


de in-existência intencional do objeto.

- em seguida, esse desenvolvimento será analisado no


capítulo III, tomando por base a noção de relação
intencional, constituinte de todo ato de consciência.

b) A formulação e reformulação da ética brentaniana:

- será analisada no capítulo II, tomando por base a


formulação da teoria do sentimento moral, fundada na
noção de in-existência intencional do objeto.

- em seguida, essa formulação e reformulação da ética


serão analisadas no capítulo IV, tomando por base a
formulação da teoria do conhecimento moral fundada na
noção relação intencional, constituinte da atividade da
consciência.

Embora sejam distinguidas, as análises desses dois aspectos do


desenvolvimento da filosofia do psíquico não se separam. Por isso, três
questões centrais são colocadas como norte da nossa análise:
53
1) Como se estruturou a descrição brentaniana da atividade psíquica
apresentada na Psicologia do ponto de vista empírico em 1874 e, ainda, de que
modo essa estrutura psíquica fundamentou a ética do sentimento moral?

2) De que modo essa filosofia do psíquico, apresentada em 1874,


estava comprometida com os erros de Descartes e Aristóteles e, portanto,
impedida de explicitar a teoria do conhecimento moral?

3) De que modo as reformulações da filosofia do psíquico


brentaniana, antecipadas na Origem do conhecimento moral em 1889,
explicitaram, tanto a nova teoria do juízo (com base na noção radical de
verdade como evidência), como a teria do conhecimento moral?

Se quisermos apresentar uma única resposta para as três questões,


poderíamos dizer “pelo modo como a noção de „intencional‟ estabelece os
fundamentos ontológicos e epistemológicos no contexto de cada obra”, no
entanto, a complexidade que envolve essa noção exige que dediquemos pelo
menos um capítulo para cada uma dessas questões.

54
CAPÍTULO II

A ÉTICA DO SENTIMENTO MORAL COMO DESCRIÇÃO DO


FENÔMENO PSÍQUICO DE AMOR E ÓDIO NAS FORMULAÇÕES
TEÓRICAS DE 1874

2.1 Introdução

Argumentamos, no item 1.5 acima, que as formulações das teorias


que embasaram A origem do conhecimento moral (1889) estavam diretamente
relacionadas às correções que Brentano apresentou para a Psicologia do ponto
de vista empírico (1874). Baseando-nos em afirmações textuais de 1889,
sustentamos que a fundamentação psicológica da ética apresentada em 1874
estava equivocada, pois seguia o caminho errôneo do mestre de Estagira.

Brentano confessou não ter percebido esse erro no contexto da


formulação das suas primeiras obras. Tal erro consistia em (a) descrever o
fenômeno psíquico do amor como consequência do conhecimento (de uma
relação de causa e efeito entre objetos amados) e com base na regra que se
infere dessa relação, (b) descrever a ética como a retidão do amor que se
encontrava em conformidade com essa sua regra90. Segundo Brentano, o que
ainda não havia sido concebido pela teoria moral proposta na Psicologia do
ponto de vista empírico era “[...] o fato de que juntamente com a experiência da
atividade sentimental está unido concomitantemente o conhecimento da
bondade do objeto”.91

Estamos diante do ponto central de nossa tese. Sustentamos que


essa proposta de inversão na formulação da ética está diretamente relacionada
à inversão que Brentano apresentou na descrição da noção de relação
intencional. Seguindo a interpretação de Chisholm, tratava-se das
reformulações ontológicas e epistemológicas implicadas pela nova noção de

90
Conferir especialmente a última parte da nota 28. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher
Erkenntnis, p. 79.
91
„Sie entspringt daraus, daß mit der Erfahrung der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit auch die
Erkenntnis der Güte des Objekts immer zugleich gegeben ist“. Brentano, Franz. Vom Ursprung
Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.

55
ato intencional. De modo mais específico, afirmamos que o abandono da
primeira noção de intencionalidade (descrita como in-existência intencional do
objeto tomado como correlato do ato) e a sua reformulação (como um ato
intencional da consciência referido a um objeto imanente) constituíram o
horizonte da passagem da teoria brentaniana do sentimento moral à ética como
teoria do conhecimento moral.

Para entendermos o modo como se deu essa inversão na


formulação da ética brentaniana, trataremos primeiramente de apresentar o
problema. Descreveremos o modo como a interpretação brentaniana da teoria
aristotélica do desejo, orientada pela noção de objeto intencional in-existente,
foi tomada como fundamento da teoria moral de 1874. Consequentemente,
descreveremos como o aristotelismo da própria teoria brentaniana estabeleceu
os limites para a formulação de uma ética concebida como uma teoria do
conhecimento moral. Essa exposição servirá de base para os próximos
capítulos. Em tais capítulos trataremos de descrever o modo como Brentano
propôs a dissolução desses limites éticos, ao redefinir a intencionalidade a
partir do ato psíquico. Essa proposta estava orientada por uma teoria da
verdade como evidência que se aplicava aos juízos e, de modo análogo, aos
sentimentos de amor e ódio. Em outras palavras, trataremos de descrever o
modo como as novas definições brentanianas de 1889 implicaram o abandono
(1) da noção de relação causal que determinava a concepção do amor como
consequência do conhecimento; e, também, (2) da noção de correspondência
que determinava o conhecimento da retidão do amor pela conformidade com
sua regra.

2.2 A recepção da noção aristotélica de in-existência intencional do


objeto como critério de distinção das partes da alma na teoria
aristotélica

É extremamente relevante considerarmos dois fatos acerca da teoria


brentaniana de 1874: (1) Brentano afirmou que sua teoria estava diretamente
56
orientada por uma das teses aristotélicas acerca da distinção das partes da
alma. Nosso objetivo em 2.2 é esclarecer esse primeiro ponto; (2) Brentano
seguiu essa orientação aristotélica para estabelecer a sua classificação dos
fenômenos psíquicos. Nosso objetivo em 2.3 será esclarecer esse segundo
ponto. Vejamos os detalhes do primeiro ponto.

Brentano apresentou, nos textos aristotélicos, três teorias acerca da


classificação dos fenômenos psíquicos. Sua análise considerou que todas
essas teorias eram decorrentes de modos possíveis de divisão da atividade
psíquica, no entanto apenas um desses modos de divisão oferecia a condição
necessária e suficiente para a classificação positivista desses fenômenos.
Tratava-se, segundo Brentano, da diversidade de modos de referência da
consciência a um objeto intencional in-existente. Assim, importa-nos explicitar
os argumentos que justificaram sua escolha, pois Brentano reconheceu
explicitamente essa orientação por meio das seguintes afirmações:

Das classificações consideradas restam apenas as que têm por


princípio divisório a diversa referência ao objeto imanente da
atividade psíquica, ou a modalidade diversa de sua existência
intencional. Este ponto de vista foi o que Aristóteles preferiu, em
relação a todos os outros, ao ordenar a matéria. E, ainda, o ponto que
vários outros pensadores desta última década adotaram,
conscientemente ou não e uns mais freqüentemente que outros, ao
proceder sua divisão básica dos fenômenos psíquicos. O que mais
distingue os fenômenos psíquicos dos físicos é o fato de que nos
primeiros algo está objetivamente inerente. Por isso é bem
compreensível que as diferenças mais profundas no modo como algo
lhes é objetivo constituam as melhores diferenças de classe entre
eles mesmos. Quanto mais a psicologia se desenvolveu, mais se
reconheceu que as propriedades comuns e as leis dependem das
diferenças fundamentais no modo de se referir ao objeto, mais que
92
quaisquer outras.

92
„Es bleiben von den betrachteten Klassifikationen noch diejenigen übrig, welche die verschiedene
Beziehung zum immanenten Gegenstande der psychischen Tätigkeit oder die verschiedene Weise
seiner intentionalen Existenz zum Einteilungsgrunde haben. Dieser Gesichtspunkt war es, den
Aristoteles bei der Anordnung des Stoffes vor allen übrigen bevorzugte, und den häufiger als
irgendeinen anderen auch die verschiedensten Denker späterer Zeit, mehr oder minder bewußt, bei der
Grundeinteilung der psychischen Phänomene einnahmen. Die psychischen Phänomene unterscheiden
sich von allen physischen durch nichts so sehr als dadurch, daß ihnen etwas gegenständlich inwohnt.
Und darum ist es sehr begreiflich, wenn die am tiefsten greifenden Unterschiede in der Weise, in
welcher ihnen etwas gegenständlich ist, zwischen ihnen selbst wieder die vorzüglichsten
Klassenunterschiede bilden. Je mehr die Psychologie sich entwickelte, um so mehr hat sie auch
gefunden, daß an die fundamentalen Unterschiede in der Weise der Beziehung zum Objekt sich mehr
als an irgendwelche andere gemeinsame Eigentümlichkeiten und Gesetze knüpfen“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 32 – 33.

57
Para esclarecer os detalhes envolvidos nos argumentos desta
citação será preciso apresentar alguns pontos centrais da análise brentaniana.

Brentano ocupou-se, primeiramente, de analisar os principais


trabalhos que tratavam da classificação dos fenômenos psíquicos. Essa tarefa
resultou na descrição da história do debate acerca desse tema desde Platão
até Wundt, Lotze, Bain, J. S. Mill, entre outros93. Além disso, essa análise
apresentou dois pontos relevantes e complementares como resultado. Por um
lado, ela reconheceu que apenas quatro maneiras distintas de classificação
dos fenômenos psíquicos perpassaram as obras filosóficas dedicadas à
investigação do tema. Por outro lado, ela afirmou que três dessas distinções
foram apresentadas primeiramente nas obras de Aristóteles94. As palavras de
Brentano são as seguintes:

Ele (Aristóteles) havia dividido as atividades psíquicas,


primeiramente, (a) na medida em que algumas estão aderidas ao
corpo e outras não estão unidas a ele; (b) em seguida, pensando-as
como, em parte, comuns ao homem e aos animais e, em parte,
exclusivamente próprio do homem; e, por último (c) segundo a
distinta modalidade de in-existência intencional ou, como poderíamos
dizer, segundo a distinta modalidade da consciência. Vemos este
último princípio divisório aplicado com especial freqüência em todas
95
as épocas.

Segundo a análise, os critérios aristotélicos de divisão das atividades


psíquicas seriam: (a) por aderência ou não aderência ao corpo; (b) por
pertencimento exclusivo ou não exclusivo ao homem; (c) pela distinção na

93
Conferir especialmente o capítulo V do Livro II da Psicologia do ponto de vista empírico (1874) ou sua
reedição no capítulo I do Livro II da edição de 1911, intitulado Olhada sobre os primeiros ensaios de
uma classificação dos fenômenos psíquicos [Überblick über die vorzüglichsten Versuche einer
Klassifikation der psychischen Phänomene]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 3-27.
94
Além dos três modos aristotélicos, Brentano descreve que “a isto se agrega ainda o principio da
segunda divisão de Bain, que divide os fenômenos psíquicos em fenômenos primitivos e em
fenômenos derivados destes por evolução” [„Hierzu kommt dann noch das Prinzip der zweiten
Einteilung von Bain, welche die Psychischen Erscheinungen in primitive und in solche zerlegt, welche
sich aus primitiven entwickeln“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter
Band, p. 27. Não nos ocuparemos aqui desta divisão, uma vez que ela nos desviaria dos nossos
propósitos.
95
„Er hatte die psychischen Tätigkeiten geschieden: einmal, insofern er sie teils an dem Leibe haftend,
teils nicht an ihn gebunden glaubte; dann, insofern er sie teils dem Menschen mit den Tieren gemein,
teils ihm ausschließlich eigentümlich dachte, und endlich nach dem Unterschied der Weise der
intentionalen Inexistenz oder, wie wir sagen könnten, nach dem Unterschiede der Weise des
Bewußtseins. Das letzte Einteilungsprinzip sehen wir besonders häufig und zu allen Zeiten
angewandt“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 27.

58
modalidade de referência ao objeto intencional in-existente. Brentano apontou,
então, dois problemas: (1) o critério da aderência e o critério do pertencimento
não eram efetivamente distintos; (2) o critério da aderência e o critério do
pertencimento se valiam da percepção indireta para definir os fenômenos
psíquicos. Por questões metodológicas, apresentaremos apenas os detalhes
do primeiro problema.

Brentano sustentou que o critério da aderência (ou não aderência ao


corpo) distinguia os fenômenos psíquicos em função do seu pertencimento à
parte mortal ou à parte imortal da alma. Disse ele:

Aristóteles acreditava que certas faculdades da alma são


exclusivamente próprias do homem, e as considerava imateriais. Em
contra partida, considerava aquelas (faculdades) comuns aos animais
como faculdades de um órgão corporal. Assim, admitindo a exatidão
de suas concepções, esta divisão isola no primeiro membro aqueles
96
fenômenos que, na natureza, aparecem isolados dos demais.

Em outras palavras, uma parte dos fenômenos psíquicos seria


considerada atividade do órgão central, enquanto a outra parte seria
considerada atividade imaterial desvinculada do corpo, no entanto as
atividades psíquicas não aderidas ao corpo pertenceriam exclusivamente ao
homem.

A continuação da análise brentaniana explicitou que o critério do


pertencimento está baseado na maior ou menor extensão dos fenômenos
psíquicos. O critério distinguiria as três partes da alma, tal como Brentano
descreve na citação a seguir.

Assim, ele enumera uma parte vegetativa da alma, uma sensitiva e


uma intelectiva. A primeira, que abraça os fenômenos da nutrição, do
crescimento e da reprodução, seria comum a todos os seres vivos
terrestres, inclusive as plantas. A segunda, que abraça os sentidos e
a fantasia, os outros fenômenos afins e as emoções, é segundo ele
específica dos animais. Finalmente, acredita que a terceira, que
compreende o pensamento superior e a vontade, é exclusivamente
97
peculiar ao homem dentre os seres vivos terrestres .

96
“Denn Aristoteles glaubte gewisse Seelenvermögen dem Menschen ausschließlich eigen, und hielt diese
für immateriell, die allgemein animalischen dagegen für Vermögen eines körperlichen Organes. Es
sondert also, wenn wir die Richtigkeit seiner Anschauungen voraussetzen, jene Einteilung in dem
ersten Gliede Erscheinungen für sich ab, welche auch in der Natur von den anderen isoliert auftreten“.
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 30.
97
„Er zählt darum einen vegetativen, sensitiven und intellektiven Teil der Seele auf. Der erste, der die

59
Apesar da indicação dos três modos de atividades psíquicas, a
análise brentaniana insistiu que a aplicação moderna desse critério aristotélico
estabelecia uma divisão polarizada, pois Brentano considerava que os
modernos distinguiram apenas entre aqueles fenômenos psíquicos comuns aos
animais e aqueles peculiares ao homem. Assim, ele denominou essa aplicação
de redução moderna da clássica divisão tripartite da atividade anímica.

De fato, Brentano reconheceu que a concepção aristotélica originária


enumerava na alma as partes vegetativa, sensitiva e intelectiva, no entanto,
disse ele, “[...] em conseqüência das restrições que o conceito de atividade
psíquica experimentou na posteridade, o primeiro dos três membros cai
inteiramente fora de seu campo”98. Segundo a análise brentaniana, e tomando
por base o sentido moderno da expressão, a teoria aristotélica acabou
dividindo as atividades psíquicas, relevantes para a ciência moderna, nos
grupos das atividades comuns aos animais e daquelas peculiares ao homem.

O que, no entanto, estava em jogo para Brentano era apenas a


divisão das atividades psíquicas. Assim, ainda que se tenha reduzido a
atividade a dois modos, esse critério distinguia entre as atividades psíquicas
desvinculadas de um corpo (humano ou animal) e as atividades vinculadas a
tal corpo. Assim, portanto, como considerou Brentano, “[...] estes membros
coincidem como os membros da primeira (divisão) e o grau de universalidade
de sua existência define sua ordem”99.

Brentano tinha um propósito específico para o resultado dessa


análise. Ele pretendia refutar cabalmente os dois primeiros modos aristotélicos
de divisão dos fenômenos psíquicos, pois, disse ele, “[...] as circunstâncias em
que alguns são funções de um órgão e outros não, faz esperar que cada uma

Phänomene der Ernährung, des Wachstums und der Erzeugung in sich schließt, soll allen irdischen
lebenden Wesen, auch den Pflanzen, gemeinsam zukommen. Der zweite, der Sinn und Phantasie und
andere verwandte Erscheinungen und mit ihnen die Affekte enthält, gilt ihm als der spezifisch
animalische. Den dritten endlich, welcher das höhere Denken und Wollen in sich begreift, glaubt er
unter den irdisch lebenden Wesen dem Menschen ausschließlich eigentümlich“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 7.
98
„Aber infolge der Beschränkung, welche der Begriff der psychischen Tätigkeit später erfuhr; fällt das
erste der drei Glieder gänzlich außerhalb ihres Bereiches“. Brentano, Franz. Psychologie vom
empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 7.
99
„Diese Glieder fallen mit den Gliedern der ersten zusammen. Ihre Ordnung aber bestimmt der Grad der
Allgemeinheit ihres Bestehens“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter
Band, p. 7.

60
das classes revelará importantes propriedades e leis comuns. Mas a opinião
aristotélica, sobre a base das quais a divisão seria aceitável, contém muitos
pontos impugnáveis”100. Podemos sintetizar a impugnação brentaniana destes
pontos do seguinte modo.

Primeiramente, Brentano questionou a validade da divisão dos


fenômenos psíquicos em comuns aos animais e peculiares ao homem. Ele
considerou que seria necessário explicitar uma diferença realmente qualitativa
entre os dotes psíquicos dos homens e dos animais. Entretanto, a história da
filosofia mostrou a impossibilidades de tal divisão, pois existiam várias posições
controversas acerca dessas diferenças qualitativas. Para Brentano, o problema
central estava nas principais vantagens oferecidas por essa divisão. A saber:
(1) o estudo isolado de uma parte de nossos fenômenos psíquicos; e (2) a
possibilidade de inferência de leis gerais a partir deles. O problema consistia no
fato de que a validade desse estudo era questionada em um ponto elementar:
o conhecimento acerca da vida psíquica dos animais só poderia ser obtido de
modo indireto. Segundo Brentano, esse obstáculo comprometeu os critérios de
ordenação dos fenômenos psíquicos segundo uma filosofia positiva.

Exposta a análise e o problema que dela derivava, Brentano


recorreu ao próprio Aristóteles para desconsiderar a validade desses modos de
divisão dos fenômenos psíquicos, pois, disse ele, “[...] esta circunstância,
agregada ao desejo de não estabelecer hipóteses não provadas, dissuadiu o
próprio Aristóteles de empregá-la como divisão básica, na exposição
sistemática de sua doutrina da alma”101. Em outras palavras, Brentano apoiou-

100
„Aristoteles schied die psychischen Phänomene in solche, welche dem Menschen mit den Tieren
gemein, und solche, welche ihm eigentümlich seien. Stellen wir uns auf den Standpunkt der
Aristotelischen Lehre, so wird diese Einteilung in vieler Hinsicht vorzüglich scheinen. Denn
Aristoteles glaubte gewisse Seelenvermögen dem Menschen ausschließlich eigen, und hielt diese für
immateriell, die allgemein animalischen dagegen für Vermögen eines körperlichen Organes. Es
sondert also, wenn wir die Richtigkeit seiner Anschauungen voraussetzen, jene Einteilung in dem
ersten Gliede Erscheinungen für sich ab, welche auch in der Natur von den anderen isoliert auftreten;
und der Umstand, daß die einen Funktionen eines Organs sind, die anderen nicht, läßt erwarten, daß
jede der beiden Klassen wichtige gemeinsame Eigentümlichkeiten und Gesetze zeigen werde. Aber
die Aristotelischen Ansichten, auf Grund deren die Einteilung sich empfehlen würde, enthalten gar
manches, was bestritten werden kann“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 30.
101
„Dieser Umstand sowohl als auch der Wunsch keine unerwiesenen Voraussetzungen zu machen, hat
selbst Aristoteles abgehalten, sie bei der systematisch geordneten Darlegung seiner Seelenlehre als
Grundeinteilung zu verwenden“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter
Band, p. 31.

61
se nos critérios da argumentação aristotélica para refutar as duas primeiras
possibilidades de divisão básica dos fenômenos que caracterizavam a
atividade psíquica. Assim, o caminho está aberto para a exposição do terceiro
modo de divisão.

Para Brentano, a divisão das atividades psíquicas segundo a


modalidade de referência ao objeto intencional in-existente era o fundamento
da doutrina aristotélica da alma. Ele apresentou dois motivos fundamentais
para sustentar essa afirmação.

Primeiramente, ela era capaz de agrupar todas as atividades


psíquicas, de modo exaustivo, em apenas duas classes. Assim, poderíamos
dizer, por meio de uma expressão brentaniana, que, segundo Aristóteles,
pensamento e apetite (e ) dividiam todo o universo dos fenômenos
psíquicos. Isso está exemplificado na citação abaixo:

Outra divisão capital dada por Aristóteles distingue os fenômenos


psíquicos (tomando a expressão em nosso sentido) em pensamento
e apetite,  e , no sentido mais amplo. Esta divisão cruza
com a anterior, na medida em que é objeto de nossa consideração.
Aristóteles compreende na classe do pensamento a percepção
sensível e a fantasia, a memória e a previsão empírica, além das
supremas atividades intelectuais, como a abstração, a formação de
juízos universais e a dedução científica. Os desejos e tendências
superiores, assim como os impulsos ínfimos e todos os sentimentos e
emoções. Em suma, os fenômenos psíquicos que não estão incluídos
102
na primeira classe ficam compreendidos na classe do apetite.

De fato, um dos pontos relevantes na análise brentaniana da teoria


acerca da alma era a divisão exaustiva das atividades psíquicas em duas
classes. Esse, no entanto, não era o critério fundamental, pois se tratava de
uma derivação de outro critério mais radical. Em outras palavras, o
fundamental para Brentano não era o fato de que Aristóteles apresentava uma
teoria onde os fenômenos da atividade psíquica estavam divididos em

102
„Eine andere Haupteinteilung, die Aristoteles gibt, scheidet die psychischen Phänomene, - das Wort in
unserem Sinne genommen, - in Denken und Begehren,  und , im weitesten Sinne. Diese
Einteilung kreuzt sich bei ihm mit der vorigen, so weit sie für uns in Betracht kommt. Denn in der
Klasse des Denkens faßt Aristoteles mit den höchsten Verstandesbetätigungen, wie Abstraktion,
Bildung allgemeiner Urteile und wissenschaftlicher Schlußfolgerung, auch Sinneswahrnehmung und
Phantasie, Gedächtnis und erfahrungsmäßige Erwartung zusammen. In der des Begehrens aber sind
ebenso das höhere Verlangen und Streben wie der niedrigste Trieb, und mit ihnen alle Gefühle und
Affekte, kurzum alles, was von psychischen Phänomene der ersten Klasse nicht einzuordnen ist,
begriffen“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 7-8.

62
pensamento e desejo ( e ), mas o fato de que essa teoria
apresentava o fundamento dessa divisão e estabelecia o critério para a
classificação de qualquer fenômeno psíquico. Assim, o critério encontrado foi a
diferença de modo de referência ao objeto intencional in-existente na
consciência. Em outras palavras, a análise brentaniana encontrou, na teoria
aristotélica, o modo de dividir os fenômenos que caracterizam a atividade
psíquica. Essa divisão estava explícita na diferença existente entre os modos
que o pensamento e o apetite comportam na sua referência a tal objeto
intencional in-existente. Somente por isso, as diferenças no modo de referência
ao objeto intencional in-existente foram tomadas como o critério fundamental. A
citação a seguir descreve a proclamação desse encontro:

Se indagarmos o que moveu Aristóteles a unir, mediante esta divisão,


o que a divisão anterior havia separado, descobrimos facilmente que
foi certa semelhança que a representação e a aparência sensíveis
mostram com a representação e as certezas intelectuais, conceituais,
assim como os apetites inferiores com as tendências superiores.
Encontrou aqui e ali a mesma modalidade de in-existência
intencional, para dizê-lo com uma expressão que tomamos
anteriormente dos escolásticos. O mesmo princípio determinou que
atividades, que a divisão anterior havia unido, fossem separadas em
classes diversas. Pensamento e apetite divergem na referência ao
objeto e Aristóteles apontou a diferença entre ambas as classes
justamente nisso. Não as concebia endereçadas a objetos diversos,
mas aos mesmos objetos, embora de modo diverso. Em seu livro
103
sobre a alma e em sua Metafísica , disse claramente que uma
mesma coisa é objeto do pensamento e do apetite, e depois de
104
recebida na faculdade de pensar, move o apetite.

Tratemos com mais detalhes o que acaba de ser estabelecido.


Voltemos à citação anterior, onde Brentano fez a proclamação do critério de

103
Brentano refere-se às passagens de De Anima, III, 10 e Metafísica, A, 7.
104
„Wenn wir untersuchen, was Aristoteles dazu geführt habe, vermöge dieser Einteilung zu verbinden,
was die frühere Einteilung geschieden hatte: so erkennen wir leicht, daß ihn dabei eine gewisse
Ähnlichkeit bestimmte, welche das sinnliche Vorstellen und Scheinen dem intellektuellen,
begrifflichen Vorstellen und Fürwahrhalten und ebenso das niedere Begehren mit dem höheren
Streben zeigt. Er fand hier und dort, um es mit einem Ausdrucke, den wir schon früher einmal den
Scholastikern entlehnten, zu bezeichnen, die gleiche Weise der intentionalen Inexistenz. Und aus dem
selben Prinzipe ergab sich dann auch die Trennung von Tätigkeiten, welche die frühere Einteilung
verbunden hatte, in verschiedene Klassen. Denn die Beziehung auf den Gegenstand ist bei Denken
und Begehren verschieden. Und darein eben setzte Aristoteles den Unterschied der beiden Klassen.
Nicht auf verschiedene Objekte glaubte er sie gerichtet, sondern auf dieselben Objekte in
verschiedener Weise. Deutlich sagte er, sowohl in seinen Büchern von der Seele als in seiner
Metaphysik, daß dasselbe Gegenstand des Denkens und Begehrens sei und, zuerst im Denkvermögen
aufgenommen, da das Begehren bewege“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 8 - 9.

63
divisão dos fenômenos psíquicos, pois ela apresentou dois pontos relevantes
para a formulação da teoria moral brentaniana de 1874.

No primeiro ponto dessa citação, Brentano ressaltou que se tratava


sempre do mesmo objeto intencional in-existente.105 As atividades psíquicas
referiam-se a esse mesmo objeto intencional de dois modos distintos:
entendendo-o ou apetecendo-o. Assim, se o objeto era único, eram os modos
de relação para com esse objeto que deveriam diferir. Assim, portanto, todo e
qualquer apetecer deveria consistir num tipo de relação específica para com o
objeto apetecido.

Com a exposição desse ponto, alcançamos nosso primeiro objetivo.


Ele consistia em apresentar o modo como Brentano encontrou o critério
positivo capaz de definir a totalidade da classe dos fenômenos psíquicos como
o modo de referência do apetite a algo bom-mau. Tal como se evidencia na
citação a seguir, esse foi o fio condutor da clássica orientação aristotélico-
tomista, presente em outras partes da Psicologia do ponto de vista empírico:

Aristóteles falou aqui com uma clareza que não deixa nada a desejar.
„Bom‟ e „apetecível‟ são termos sinônimos para ele. „O objeto do
apetite‟ (), diz ele em seus livros da alma, „é o bom ou o
que aparece como bom‟. E, no começo de sua Ética, explica: „toda
ação e toda eleição parece tender a algo bom, pelo qual se designou
106
o bom, com razão, como aquilo a que todos tendem‟ . Por isso
107
identifica-se, também, a causa final com o bem . Esta teoria

105
“Esta expressão tem sido mal compreendida, acreditando que se trata de proposição e persecução de
um fim. Assim, teria sido melhor evitá-la. Os escolásticos usam ainda com mais freqüência a
expressão „objetivo‟, em vez de „intencional‟. Trata-se do fato de que para o objeto psiquicamente
ativo, e como tal, algo está presente em sua consciência de certo modo, seja como meramente
pensado, seja como apetecido, evitado ou outro modo semelhante. Se dei preferência à expressão
„intencional‟, foi porque considerava maior ainda o perigo de cometer um equívoco se designasse o
pensado com os termos de pensado como „ser objetivo‟. Pois, os modernos costumam chamar ser real
sendo aquilo que existe na realidade em contraposição aos „fenômenos meramente subjetivos‟, aos
quais nenhuma realidade se emana”. [„Dieser Ausdruck ist in der Art mißverstanden worden, daß man
meinte, es handle sich dabei um Absicht und Verfolgung eines Zieles. So hätte ich vielleicht besser
getan, ihn zu vermeiden. Die Scholastiker gebrauchen weit häufiger noch statt "intentional" den
Ausdruck "objektiv". In der Tat handelt es sich darum, daß etwas für das psychisch Tätige Objekt und
als solches, sei es als bloß gedacht oder sei es auch als begehrt, geflohen oder dergleichen,
gewissermaßen in seinem Bewußtsein gegenwärtig ist. Wenn ich dem Ausdruck "intentional" den
Vorzug gab, so tat ich es, weil ich die Gefahr eines Mißverständnisses für noch größer hielt, wenn ich
das Gedachte als gedacht "objektiv seiend" genannt hätte, wo die Modernen, im Gegensatz zu "bloß
subjektiven Erscheinungen", denen keine Wirklichkeit entspricht, das wirklich Seiende so zu nennen
pflegen“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 8-9.
106
Brentano refere-se às passagens das seguintes obras: De Anima., III, 10; Ética à Nicômaco, I, I;
Metafísica., A, 7; Retórica., I, 6.
107
Brentano refere-se especificamente à Metafísica, A, 10 e seguintes.

64
subsistiu na Idade Média. Tomas de Aquino ensinava, com todo
clareza, que assim como o pensamento entra em relação com um
objeto enquanto cognoscível, o apetite entra em relação com ele
108
enquanto bom . Deste modo, pode suceder que um e o mesmo
109
objeto seja objeto de atividades psíquicas heterogêneas.

Façamos apenas mais uma consideração acerca dos argumentos


aristotélicos expostos acima. Brentano ressaltou que, em tais argumentos,
existia uma prioridade do entendimento sobre o apetite. Isso significava que o
entendimento era condição de possibilidade do apetite. Em outras palavras,
nesse critério aristotélico de divisão e classificação das atividades psíquicas,
Brentano encontrou algo além da definição positiva de fenômenos psíquicos
utilizada em sua Psicologia do ponto de vista empírico. Ele encontrou o critério
que deveria (1) ordenar a disposição do fenômeno psíquico pertencente à
classe do sentimento e (2) estabelecê-lo como fenômeno dependente da
atividade do entendimento. Tratava-se, portanto, como ele descreve na citação
a seguir, da dependência relativa de todo apetite para com as representações:

A diversidade de base dos fenômenos psíquicos, bem como sua


expansão sobre um círculo mais ou menos amplo de seres dotados
de psique, foi o fundamento da divisão anterior. Sua distinta relação
ao objeto imanente é o (fundamento) desta divisão. A ordem de
sucessão dos membros está determinada pela independência relativa
dos fenômenos. As representações pertencem à primeira classe, pois
110
uma representação é a condição necessária de todo apetite.

É manifesto, segundo a citação acima, que Brentano saltou sobre


problemas ontológicos e epistemológicos fundamentais. Um desses problemas

108
Brentano refere-se à Súmula Teológica, P. I. Q. 80. A. 1 ad 2.
109
„Aristoteles spricht hier mit einer Deutlichkeit, die nichts zu wünschen Übrig läßt. „Gut„ und
„begehrbar„ sind ihm gleichbedeutende Ausdrücke. „Der Gegenstand des Begehrens„
(„“), sagt er in seinen Büchern von der Seele, „ist das Gute oder das als gut
Erscheinende„; und am Anfange seiner Ethik erklärt er: „Jede Handlung und jede Wahl scheint nach
einem Gute zu streben; weshalb man mit Recht das Gute als dasjenige bezeichnet hat, wonach alles
strebt. Daher identifiziert er auch die Zweckursache mit dem Guten. Dieselbe Lehre erhielt sich dann
im Mittelalter. Thomas von Aquin lehrt mit aller Klarheit, daß, wie das Denken zu einem Objekt als
erkennbarem, das Begehren zu ihm als gutem in Beziehung trete. So könne es geschehen, daß ein und
dasselbe Gegenstand ganz heterogener psychischer Tätigkeiten sei“. Brentano, Franz. Psychologie
vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 92.
110
„Wie also bei der früheren Einteilung die Verschiedenheit des Trägers der psychischen Phänomene so
wie die Verbreitung über einen weiteren oder engeren Kreis psychisch begabter Wesen den
Einteilungsgrund bildete, so bildet ihn bei dieser der Unterschied in ihrer Beziehung auf den
immanenten Gegenstand. Die Ordnung der Aufeinanderfolge der Glieder ist durch die relative
Unabhängigkeit der Phänomene bestimmt. Die Vorstellungen gehören zur ersten Klasse; ein
Vorstellen aber ist die notwendige Vorbedingung eines jeden Begehrens“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 9.

65
estava na imediata identificação da noção aristotélica de pensamento () à
sua noção de representação. Veremos que Brentano formulou um novo
conceito de representação e o definiu como classe fundamental dos fenômenos
psíquicos. Nosso interesse específico, aqui, está no fato de que esse salto tem
implicação direta na teoria do sentimento moral que emerge da psicologia de
1874.111

Podemos, agora, apresentar nosso próximo passo argumentativo.


Explicitaremos como Brentano seguiu essa orientação aristotélica para
estabelecer a sua classificação dos fenômenos psíquicos. De modo mais
específico, descrevermos o modo como Brentano ampliou o critério que
estabeleceu a bipartição aristotélica entre pensamento e apetite ( e
) para apresentar as três classes de fenômenos psíquicos. A
apresentação desse ponto será fundamental para esclarecer que a atividade
psíquica de sentimento era valorativa e não cognitiva. Por isso Brentano
descreveu a referência do ato psíquico de sentimento como uma “experiência”
valorativa do objeto intencional in-existente.

2.3 A definição brentaniana das três classes de fenômenos


psíquicos orientanda pela dupla distinção aristotélica entre
pensamento e apetite ( e ).

Para anunciar a recepção do critério aristotélico de divisão das


partes da alma, Brentano lançou o seguinte questionamento. “Qual é o caráter
positivo que podemos, então, indicar? Ou, por acaso não existe qualquer

111
Conforme a teoria brentaniana de 1889, como elucidaremos no final deste capítulo, o que está em jogo
é o fato de que, em 1874, a descrição da consciência atribui evidência apenas à primeira classe dos
fenômenos psíquicos. As demais classes – juízos e sentimento – possuem sua validade epistemológica
orientada pela noção de verdade como referência. Em outras palavras, tomados à luz da descrição do
conceito de verdade (evidência – correspondência), os critérios aristotélicos de descrição dos
fenômenos psíquicos não são recebidos da mesma maneira nas teorias de 1874 e 1889. Assim, é
justamente em função dessa explícita orientação pelos critérios aristotélicos de classificação dos
fenômenos psíquicos, sugerida principalmente na dependência de todo apetite para com a
representação, que Brentano reconhece, em 1889, o fato de que sua primeira teoria estava
impossibilitada de apresentar uma ética como teoria do conhecimento.

66
definição positiva válida conjuntamente para todos os fenômenos
psíquicos?”112. A resposta brentaniana para essas questões reintroduziu a
noção aristotélica como critério positivo de classificação dos fenômenos
psíquicos.

Não nos é possível discutir aqui a questionável validade dessa


reintrodução, pois isso fugiria aos propósitos do nosso trabalho113. Podemos,
no entanto, esclarecer a seguinte questão: – Por que Brentano identificou a
divisão aristotélica das partes da alma à sua classificação dos fenômenos
psíquicos? A resposta para esta questão tem uma importância significativa
para a nossa tese, pois ela apresenta o problema que Brentano estava
tentando resolver. Por isso, é interessante ressaltar que a estratégia de
Brentano consistiu em buscar soluções histórico-filosóficas para os problemas
científicos enfrentados pela filosofia do psíquico no final do século XIX.

Além dos debates com Aristóteles e outros pensadores da história


da filosofia, a Psicologia do ponto de vista empírico tinha a pretensão de
cientificidade. Isso significa que ela estava ocupada com a resolução dos
problemas científicos de sua época. Para indicar o tipo de problema enfrentado
por Brentano nessa obra, basta apresentar dois obstáculos existentes na sua
fundamentação. O primeiro obstáculo estava no fato de que o objeto da
psicologia não estava definido. O segundo obstáculo estava no fato de que seu
método científico não estava plenamente estabelecido. Por isso, a Psicologia
do ponto de vista empírico apresentava-se como solução para esses dois
obstáculos. A solução para o primeiro obstáculo estava na definição positiva do
fenômeno que se constituiria como objeto de estudo da psicologia empírica.
Em outras palavras, a definição positiva de fenômenos psíquicos. A solução
para o segundo obstáculo estava na definição do tipo de percepção que

112
„Welches positive Merkmal werden wir nun anzugeben vermögen? Oder gibt es vielleicht gar keine
positive Bestimmung, die von allen psychischen Phänomenen gemeinsam gilt?“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 112.
113
De fato, o debate sobre a reintrodução dos critérios aristotélicos está aberto, ainda que recentes estudos
tenham tentado consolidar essa interpretação. Para uma análise contra essa interpretação, ver
Spiegelberg, Herbert. „Intention‟ and „intentionality‟ in the scholastics, Brentano and Husserl, 1976.
Para uma análise favorável a essa interpretação, ver: Sorabji, Richard. From Aristotle to Brentano.
The development of the concept of intentionality, 1991, p. 227-259; Marras, Ausonio. Scholastic roots
of Brentano‟s conception of intentionality, 1976. p. 128-139; George, Rolf. e Koehn, Glen. Brentano‟s
relation to Aristotle, 2004. p. 20 – 44.

67
apreenderia empiricamente esse fenômeno psíquico. Algumas considerações
sobre o modo como Brentano apresenta a definição positiva de fenômenos
psíquicos bastarão para esclarecer a recepção do referido critério aristotélico.

O ponto de partida brentaniano para a definição positiva dos


fenômenos psíquicos foi a diferença entre esses fenômenos e os fenômenos
físicos. Na Psicologia do ponto de vista empírico, Brentano analisou o debate
histórico científico acerca do caráter extenso dos fenômenos físicos e, por
contraposição, encontrou a primeira definição de fenômenos psíquicos. Tal
como mostra a citação abaixo, essa definição tomou por base os argumentos
de A. Bain e tinha uma peculiaridade. Ela afirmava o caráter não extenso dos
fenômenos psíquicos a partir do caráter extenso dos fenômenos físicos.
Vejamos:

A. Bain deu recentemente a mesma definição. “A esfera do objeto ou


mundo objetivo (externo) – disse – fica circunscrita exatamente por
uma propriedade: a extensão. O mundo da experiência subjetiva (o
mundo interno) carece desta propriedade. Diz-se de uma árvore ou
de um riacho que possui uma magnitude extensa. Um prazer não tem
longitude, largura nem espessura e de modo algum é uma coisa
extensa. Um pensamento ou uma idéia podem referir-se às
magnitudes extensas. Mas não se pode dizer acerca deles, que
tenham uma extensão em si mesmo. Tampouco podemos dizer que
um ato voluntário, um apetite, uma crença, preencham um espaço em
certas direções. Assim, quando se cai na esfera do sujeito, chama-se
inextenso. Usando, pois, como ocorre comumente, o nome de espírito
para a totalidade das experiências internas, podemos defini-lo
negativamente mediante um único fato: mediante a carência de
114
extensão” .

Façamos algumas observações. Embora fosse uma definição


negativa, ela tinha três virtudes argumentativas: (1) ela era uma definição
unitária; (2) ela unificava a classe dos fenômenos psíquicos; (3) ela distinguia

114
(Brentano indica como fonte bibliográfica dessa citação a introdução ao cap. 1 da obra Mental science
de Bain). „Dieselbe Bestimmung gibt neuerdings A. Bain: Das Gebiet des Objekts oder die objektive
(äußere) Welt, sagt er, ist genau umschrieben durch ein e Eigentümlichkeit, die Ausdehnung. Die Welt
der subjektiven Erfahrung (die innere Welt) entbehrt dieser Eigentümlichkeit. Von einem Baume oder
von einem Bache sagt man, er besitze eine ausgedehnte Größe. Ein Vergnügen hat nicht Länge, Breite
oder Dicke; es ist in keiner Hinsicht ein ausgedehntes Ding. Ein Gedanken oder eine Idee mag sich
auf ausgedehnte Größen beziehen, aber man kann nicht von ihnen sagen, sie hätten eine Ausdehnung
in sich selbst. Und ebensowenig können wir sagen, daß ein Willensakt, eine Begierde, ein Glauben
einen Raum nach gewissen Richtungen erfülle. Daher spricht man von Allem, was in das Bereich des
Subjekts fällt, als von dem Unausgedehnten. Gebraucht man also, wie es gemeiniglich geschieht, den
Namen Geist für die Gesamtheit der inneren Erfahrungen, so können wir ihn negativ durch eine
einzige Tatsache definieren, durch den Mangel der Ausdehnung“. Brentano, Franz. Psychologie vom
empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 121.

68
entre os fenômenos psíquicos e os fenômenos físicos. A análise brentaniana
valeu-se dessa distinção entre fenômenos e apresentou os dois próximos
passos da argumentação. O primeiro deles consistiu na necessidade de
redefinir a noção de (ser) representado. Brentano propôs que fenômeno físico
seria sinônimo de (ser) representado. O segundo consistiu na necessidade de
redefinir a noção de representação. Brentano propôs que, em alguns casos,
fenômeno psíquico seria sinônimo de representação. Vejamos como ele
chegou a essa definição.

Brentano aceitou, em certo sentido, o critério de Bain e afirmou que


todos os fenômenos físicos deveriam ser caracterizados por sua extensão.
Esse critério colocou uma virada importante. Além dos fenômenos dos
sentidos, os produtos da fantasia ou imaginação também caíram sob essa
classe de fenômenos físicos. Isso significa que, segundo essa definição, uma
sereia pensada e um centauro pensado seriam fenômenos físicos115.

Brentano valeu-se da definição negativa dos fenômenos psíquicos,


como não extensos e não localizados espacialmente, e afirmou que eles se
impunham por contraposição aos físicos. Nesse caso, disse ele, “[...]
imediatamente os fenômenos (psíquicos) seriam definíveis frente aos físicos,
com a mesma exatidão, como aqueles fenômenos que não têm extensão nem
determinação local”116. As atividades psíquicas, como atos psíquicos de
pensar, atos psíquicos de julgar e atos psíquicos de querer, seriam exemplos
de fenômenos psíquicos, pois não seriam extensos ou localizados.

115
A simplicidade dessa afirmação é mera aparência. Não é possível, no entanto, retomar o debate sobre
os problemas que ela levanta. Insistiremos apenas no ponto destacado por Linda McAlister em sua
análise da carta enviada por Brentano a Anton Marty (17 de março de 1905). “Though written during
Brentano's later philosophical period, the crucial parts of this letter refer back to his earlier position
which he attempts to clarify. He says: it has never been my view that the immanent object is identical
with thought-of object, what we think is the object or thing and not the thought of object. If, in our
thought, we contemplate a horse, our thought has as its immanent object – not a contemplated horse,
but a horse. And strictly speaking only the horse – not the contemplated horse – can be called an
object. ["Es ist aber nicht meine Meinung gewesen, dass das immanente Objekt vorgestelltes Objekt
sei. Die Vorstellung hat nicht vorgestelltes Ding, sondern das Ding, also z.B. die Vorstellung eines
Pferdes nicht vorgestelltes Pferd, sondern Pferd, zum (immanenten, d.h. Allein eigentlich Objekt zu
nennenden) Objekt.]“. McAlister, Linda. The Development of Franz Brentano‟s Ethics, p. 22-23.
116
„Und auch die psychischen wären dann den physischen gegenüber mit derselben Exaktheit als
diejenigen Phänomene zu bestimmen, welche keine Ausdehnung und örtliche Bestimmtheit zeigen“.
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 121.

69
Esse passo argumentativo de Brentano estabeleceu dois pontos
fundamentais. Um desses pontos foi a relação intrínseca entre esses dois tipos
de fenômenos. O outro ponto foi a impossibilidade de se definir um dos
fenômenos sem ter como referência direta o outro. Assim, a argumentação
brentaniana mostrou que só havia um modo de compreender essa relação.
Para isso, seria preciso reformular a noção de representação. Desse modo, o
próximo passo argumentativo formulou uma noção relacional de representação,
ou seja, uma relação entre representação e (ser) representado.

Brentano estabeleceu que o conceito de representação deveria ser


atribuído exclusivamente aos fenômenos psíquicos. Por representação, disse
ele a seguir, dever-se-ia entender apenas o ato de representar, ou seja, a
própria atividade da consciência. Desse modo, representação não seria o
representado, ou seja, o fenômeno físico, mas o ato psíquico que “contém” o
representado na medida em que está relacionado com ele. Suas palavras
foram as seguintes:

Mas este estar presente, de cada uma das coisas nomeadas, é


precisamente um estar representado em nosso sentido. Um
semelhante estar representado se encontra sempre que algo aparece
à consciência: seja amado, odiado ou considerado com indiferença;
seja reconhecido, rechaçado ou – não sei me expressar de modo
melhor que dizendo – representado, em uma completa abstenção de
juízo. Tal como nós usamos a palavra representar, pode-se dizer que
117
ser representado equivale a aparecer, ser fenômeno.

Alguns exemplos apresentados por Brentano ajudam esclarecer o


que foi estabelecido. Podemos dizer que a audição de um som se constituiria
tanto de um fenômeno físico como de um fenômeno psíquico. Sendo assim, o
som ouvido seria um fenômeno físico na medida em que consistiria naquilo que
estaria representado “na” consciência118. Por sua vez, o ato de ouvir o som

117
„Allein jenes Gegenwärtig-sein jedes einzelnen der genannten Dinge ist eben schon ein Vorgestelltsein
in unserem Sinne. Und ein solches kommt Überall vor, wo etwas im Bewußtsein erscheint: mag es
gehaßt oder geliebt oder gleichgültig betrachtet; mag es anerkannt oder verworfen oder, bei völliger
Zurückhaltung des Urteils - ich kann mich nicht besser ausdrücken als -, vorgestellt werden. Wie wir
das Wort vorstellen gebrauchen, ist vorgestellt werden so viel wie erscheinen“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 114.
118
“Exemplos de fenômenos físicos são: uma cor, uma figura, uma paisagem que vejo; um acorde que
ouço; o calor, o frio, o odor que sinto; e as coisas semelhantes que me aparecem na fantasia. Estes
exemplos bastarão para tornar intuitiva a distinção de ambas as classes”. [“Beispiele von physischen
Phänomen dagegen sind eine Farbe, eine Figur, eine Landschaft, die ich sehe; ein Akkord, den ich
höre; Wärme, Kälte, Geruch, die ich empfinde; sowie ähnliche Gebilde, welche mir in der Phantasie
erscheinen. Diese Beispiele mögen hinreichen, den Unterschied der beiden Klassen anschaulich zu

70
seria um fenômeno psíquico119 e se constituiria como a atividade de
representação (ou seja, a audição) do fenômeno físico representado (ou seja,
do som). Assim, portanto, enquanto fenômeno psíquico, a representação
deveria ser entendida sempre como uma atividade ou ato da consciência. Por
sua vez, enquanto fenômeno físico, o correlato do ato deveria ser entendido
sempre como aquilo que é representado120. Por mais que parecesse trivial,

machen“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 112.
119
“Toda representação, mediante sensação ou fantasia, oferece um exemplo de fenômeno psíquico. Aqui
eu entendo por representação, não aquilo que é representado, mas o ato de representar. A audição de
um som, a visão de um objeto colorido, a sensação de calor ou frio, assim como os estados
semelhantes da fantasia, são exemplos aos quais aludo. Do mesmo modo é também (exemplo) o
pensamento de um conceito geral, sempre que tenha lugar realmente. Todo juízo, todo recordo, toda
prospecção, toda conclusão, toda convicção ou opinião, toda dúvida é um fenômeno psíquico. Como
também o é todo movimento anímico, alegria, tristeza, medo, esperança, valor, covardia, cólera, amor,
ódio, apetite, volição, intento, assombro, admiração, desprezo, etc.” [„Ein Beispiel für die psychischen
Phänomene bietet jede Vorstellung durch Empfindung oder Phantasie; und ich verstehe hier unter
Vorstellung nicht das, was vorgestellt wird, sondern den Akt des Vorstellens. Also das Hören eines
Tones, das Sehen eines farbigen Gegenstandes, das Empfinden von warm oder kalt, sowie die
ähnlichen Phantasiezustände sind Beispiele, wie ich sie meine; ebenso aber auch das Denken eines
allgemeinen Begriffes, wenn anders ein solches wirklich vorkommt. Ferner jedes Urteil, jede
Erinnerung, jede Erwartung, jede Folgerung, jede Überzeugung oder Meinung, jeder Zweifel - ist ein
psychisches Phänomen. Und wiederum ist ein solches jede Gemütsbewegung, Freude, Traurigkeit,
Furcht, Hoffnung, Mut, Verzagen, Zorn, Liebe, Haß, Begierde. Willen, Absicht, Staunen,
Bewunderung', Verachtung, usw“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster
Band, p. 111 - 112.
120
É fundamental relembrar que a preocupação de Brentano é a definição empírica de fenômeno psíquico.
Por isso mesmo, salta aos olhos a simplicidade dessa definição, quando comparada às análises que os
interlocutores e os próprios pupilos de Brentano apresentaram posteriormente. Cabe, no entanto,
antecipar duas distinções clássicas que ainda não aparecem nas obras brentanianas de 1874. Tal como
foram apresentadas por Twardowski, são aquelas elaboradas por Zimmermann e Höfler. Segundo
Twardowski, a distinção de Zimmermann estabelece que “[...] faz-se necessário somente, quando se
fala do fato de qualquer coisa ser representada, acrescentar se ela é representada na representação
ou pela representação. No primeiro caso, o que é significado com o representar é o conteúdo de
representação; no segundo, é o objeto da representação” (Twardowski, K. Para a doutrina do
conteúdo e do objeto das representações, Uma investigação psicológica, p. 63). Ainda segundo
Twardowski, “[...] mesmo evitando-se assim a confusão do ato psíquico com seu conteúdo, resta
ainda por ser superada uma ambigüidade sobre a qual Höfler chamou atenção. Após ele pronunciar-
se sobre a relação com um conteúdo, própria dos fenômenos psíquicos, ele continua 1. O que nós
chamamos ‘conteúdo da representação e do juízo’ encontra-se inteiramente no interior do sujeito,
tal como o ato de representação e de juízo. 2. As palavras ‘Gegestand’ e ‘Object’ são usadas em
dois sentidos: por um lado, para aqueles existentes em si (an sich Bestehende), ... para o qual nosso
representar e julgar igualmente se dirigem, por outro lado, pela ‘imagem’ (Bild) psíquica ‘em’ nós
existente mais ou menos aproximada daquela real (Realen), aquela quase-imagem (mais
precisamente: signo) idêntica ao que em (1) denomina-se conteúdo. Em contraposição ao
Gegenstand ou objeto, suposto como independente do pensamento, denomina-se o conteúdo de um
representar e julgar (igualmente, sentir e querer) também o objeto o ‘objeto imanente ou
intencional’ desse fenômeno psíquico” (Twardowski, K. Para a doutrina do conteúdo e do objeto
das representações, Uma investigação psicológica, p. 63). Se, no entanto, de um lado Brentano não
distingue explicitamente conteúdo e objeto, cabe aqui antecipar uma distinção entre objeto que se
institui a partir da descrição da percepção interna. A saber: a distinção dos correlatos do ato em objeto
primário e objeto secundário. Acerca dessa distinção, diz Twardowski que “[...] as expressões objeto
primário e objeto secundário encontram em Brentano num sentido ligeiramente diferente (do dele).
Pois embora Brentano designe como objeto primário o objeto da representação, tal como é feito aqui

71
essa redefinição do conceito de representação tinha duas implicações
epistemológicas.

Em primeiro lugar, ela foi suficiente para redefinir a linha de


demarcação que separa o universo dos fenômenos psíquicos e dos fenômenos
físicos. De modo mais específico, todo fenômeno que se constituía como
correlato de um ato de consciência passava a fazer parte do universo dos
fenômenos físicos,. Por exemplo, na medida em que vejo o vermelho ou sinto
calor, o vermelho ou o calor representado se constitui num correlato do meu
ato psíquico, ou seja, em um correlato de uma representação. Foi exatamente
desse modo que, enquanto representado, todo o correlato do ato foi definido
como fenômeno físico.

Em segundo lugar, é de fundamental importância reconhecer que,


assumindo essa definição brentaniana, a constituição do fenômeno físico se
dava a partir da atividade que caracterizava o fenômeno psíquico. Apenas mais
uma ressalva. Existia uma dependência epistemológica dos fenômenos físicos
para com os psíquicos que se manifestava a partir da descrição do estatuto
privilegiado dos psíquicos frente aos físicos. Esse privilégio decorreu do caráter
evidente com que se dava a apreensão imediata dos fenômenos psíquicos121.
Voltaremos a esse ponto no devido lugar.

Até o momento, esclarecemos como a análise brentaniana superou


o obstáculo imposto para a psicologia do século XIX ao definir positivamente
seu objeto, no entanto há algo mais. A definição positiva de fenômenos
psíquicos como representações não estava completa. A análise brentaniana
ainda precisou apresentar sua característica principal, pois, tal como sustenta a
citação a seguir, os fenômenos psíquicos se definiam positivamente de duas
maneiras: (1) ou eram representações, compreendidos sempre como atos de

(na obra de Twardowski), ele entende por objeto secundário de uma representação o ato e o conteúdo
tomados em conjunto, na medida em que ambos, durante a atividade de representar um objeto, são
apreendidos pela consciência interna, e aí a representação torna-se assim consciente”. Twardowski,
Kasimir. Para a doutrina do conteúdo e do objeto das representações, Uma investigação psicológica,
p. 62-63, nota 2.
121
Não é possível, nesta tese, fazermos uma exposição dos pressupostos epistemológicos que
fundamentam essa dependência, pois migraríamos da ética para a psicologia brentaniana. Por isso,
deixemos aberta essa questão. Voltaremos a ela, ao menos indiretamente no final do capítulo V, no
contexto da apresentação da teoria brentaniana do ato psíquico.

72
representar; ou (2) eram atividades da consciência que tinham por base
representações:

Assim, tentaremos dar uma explicação do fenômeno psíquico de


outro modo mais unitário. Para este propósito apresenta-se uma
determinação da qual fizemos uso anteriormente, quando dizíamos
que designávamos com o nome de fenômenos psíquicos, tanto as
representações como todos aqueles fenômenos cujo fundamento
está formado por representações. Apenas necessitamos advertir que
uma vez mais entendemos por representação, não o representado,
mas o ato de representá-lo. Mas o ato de representar forma o
fundamento, não do ato de julgar meramente, mas também do ato de
apetecer e de qualquer outro ato psíquico. Nada pode ser julgado,
nada tampouco apetecido, nada esperado ou temido, se não for
representado. Deste modo, a determinação dada compreende todos
os exemplos aduzidos de fenômenos psíquicos e, em geral, todos os
122
fenômenos pertencentes a esta esfera .

E, acerca das peculiaridades que envolvem essa definição, é


importante fazermos mais uma ressalva. Embora essa fosse uma definição
positiva, é fundamental ressaltarmos que ela não era uma definição unitária,
pois dividia o universo dos fenômenos psíquicos em dois grupos123. Em outras
palavras, essa definição estabeleceu que a representação propriamente dita
constituiria, por si só, uma classe de fenômeno psíquico, formando, assim, o
primeiro grupo. Havia ainda, no entanto, em função da própria definição, duas
outras classes de fenômenos psíquicos que formavam o segundo grupo. Eram
elas a classe dos juízos e a classe dos sentimentos de amor e ódio. Essas
duas classes de fenômenos psíquicos se definiam exclusivamente como tal
pelo fato de estarem necessariamente baseadas em representações
(entendendo sempre como ato de representar e não como aquilo que é
representado).

122
„Doch wir wollen noch in einer anderen und einheitlicheren Weise eine Erklärung des psychischen
Phänomens zu geben suchen. Hierfür bietet sich uns eine Bestimmung dar, von der wir schon früher
Gebrauch machten, indem wir sagten, mit dem Namen der psychischen Phänomene bezeichneten wir
die Vorstellungen, sowie auch alle jene Erscheinungen, für welche Vorstellungen die Grundlage
bilden. Daß wir hier unter Vorstellung wiederum nicht das Vorgestellte, sondern das Vorstellen
verstehen, bedarf kaum der Bemerkung. Dieses Vorstellen bildet die Grundlage des Urteilens nicht
bloß, sondern ebenso des Begehrens, sowie jedes anderen psychischen Akte. Nichts kann beurteilt,
nichts kann aber auch begehrt, nichts kann gehofft oder gefürchtet werden, wenn es nicht vorgestellt
wird. So umfaßt die gegebene Bestimmung alle eben angeführten Beispiele psychischer Phänomene
und überhaupt alle zu diesem Gebiete gehörigen Erscheinungen“. Brentano, Franz. Psychologie vom
empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 112.
123
Cf. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 120.

73
Tal como manifesta a citação a seguir, Brentano considerou como
condição sine qua non de todo juízo ou sentimento, enquanto tipos especiais
de fenômenos psíquicos, a existência da atividade fundamental da consciência
chamada representação:

Portanto, podemos considerar como uma definição indubitavelmente


justa dos fenômenos psíquicos, aquela que (estabelece): ou eles são
representações; ou eles descansam sobre as representações que
lhes servem de base (no sentido explicado). Com isso, teríamos dado
uma segunda definição de seus conceitos, divisíveis em menos
membros que a primeira. No entanto, não é inteiramente unitária, pois
124
nos apresenta os fenômenos psíquicos divididos em dois grupos.

A questão que se colocou a Brentano, a partir da definição


apresentada acima, indagava pelos fundamentos dessa definição. Em outras
palavras, como a análise brentaniana fundamentou essa definição tripartite,
positiva e unificadora? A resposta brentaniana para esta questão estava na
introdução do critério aristotélico de divisão das partes da alma.

De fato, Brentano considerou que se tratava de uma reintrodução


desse critério, pois “[...] os antigos psicólogos já haviam chamado a atenção
para uma afinidade especial de caráter analógico existente entre os fenômenos
psíquicos e que os fenômenos físicos não participam” 125. A análise brentaniana
esclareceu que, ao definir positivamente os fenômenos psíquicos, a noção
relacional de representação encontrava seu fundamento na retomada do
conceito de objeto intencional in-existente em todo ato psíquico. A citação
abaixo traz a clássica solução apresentada na Psicologia do ponto de vista
empírico:

Todo fenômeno psíquico está caracterizado por aquilo que os


escolásticos da idade média chamaram de in-existência intencional
(ou mental) de um objeto e que nós chamamos, se bem que com
expressões não inteiramente inequívocas, a referência a um
conteúdo, a direção a um objeto (pelo qual não se deve entender aqui

124
„Wir dürfen es demnach als eine unzweifelhaft richtige Bestimmung der psychischen Phänomene
betrachten, daß sie entweder Vorstellungen sind, oder (in dem erläuterten Sinne) auf Vorstellungen als
ihrer Grundlage beruhen. Hierin hätten wir also eine zweite, in wenigere Glieder zerfallende
Erklärung ihres Begriffes gegeben. Immerhin ist sie nicht ganz einheitlich, da sie vielmehr die
psychischen Phänomene in zwei Gruppen geschieden uns vorführt“. Brentano, Franz. Psychologie
vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 120.
125
„Nichtsdestoweniger haben schon Psychologen älterer Zeit auf eine besondere Verwandtschaft und
Analogie aufmerksam gemacht, die zwischen allen psychischen Phänomenen bestehe, während die
physischen nicht an ihr Teil haben“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster
Band, p. 124.

74
uma realidade), ou a objetividade imanente. Todo fenômeno psíquico
contém algo em si como seu objeto, ainda que nem todos do mesmo
modo: na representação há algo representado; no juízo há algo
admitido ou rechaçado; no amor, amado; no ódio, odiado; no apetite,
126
apetecido, etc. .

É importante fazermos uma consideração sobre a sutileza da


estratégia argumentativa de Brentano. Ao estabelecer o critério aristotélico
como fundamento, sua análise pôde avançar para além da distinção entre o
pensamento () e o desejo () proposta por Aristóteles. Brentano
distinguiu três modalidades de referência ao objeto intencional in-existente. Por
isso, como descreve a citação a seguir, sua análise justificava as três
classificações de fenômenos psíquicos:

Para expor nossa opinião sem mais tardar, sustentaremos também


que é preciso distinguir três classes capitais de atividades psíquicas,
atendendo a sua diversa modalidade de sua referência a seu
conteúdo. Mas estes três gêneros não são os mesmo que se
estabelecem comumente e, na falta de expressões mais adequadas,
designamos o primeiro com o nome de representação, o segundo
como o nome de juízos e o terceiro com o nome de emoção,
interesse ou amor. Todas estas denominações são susceptíveis de
127
equívoco, pois todas são empregadas em um sentido mais estreito.

Se, como está expresso, a análise brentaniana foi além da teoria


aristotélica, será preciso responder à seguinte questão: – Como a análise
brentaniana pôde explicitar três classes de fenômenos psíquicos se ela utilizou
o mesmo critério com que Aristóteles distinguiu duas partes da alma? Brentano
considerava que sua classificação não era uma refutação ao trabalho de
Aristóteles, pelo contrário, ele entendeu que a distinção dos fenômenos

126
„Jedes psychische Phänomen ist durch das charakterisiert, was die Scholastiker des Mittelalters die
intentionale (auch wohl mentale) Inexistenz eines Gegenstandes genannt haben, und was wir, obwohl
mit nicht ganz unzweideutigen Ausdrücken, die Beziehung auf einen Inhalt die Richtung auf ein
Objekt (worunter hier nicht eine Realität zu verstehen ist) oder die immanente Gegenständlichkeit
nennen würden. Jedes enthält etwas als Objekt in sich. obwohl nicht jedes in gleicher Weise. In der
Vorstellung ist etwas vorgestellt. in dem Urteile ist etwas anerkannt oder verworfen, in der Liebe
geliebt, in dem Hasse gehaßt, in dem Begehren begehrt usw“. Brentano, Franz. Psychologie vom
empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 124 - 125.
127
„Um sogleich unsere Ansicht auszusprechen, so halten auch wir dafür, daß hinsichtlich der
verschiedenen Weise ihrer Beziehung zum Inhalte drei Hauptklassen von Seelentätigkeiten zu
unterscheiden sind. Aber diese drei Gattungen sind nicht dieselben wie die, welche man gemeiniglich
aufstellt, und wir bezeichnen in Ermangelung passenderer Ausdrücke die erste mit dem Namen
Vorstellung, die zweite mit dem Namen Urteil, die dritte mit dem Namen Gemütsbewegung, Interesse
oder Liebe! Keine dieser Benennungen ist von der Art, daß sie nicht mißverständlich wäre; vielmehr
wird jede häufig in einem engeren Sinne angewandt“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 33.

75
psíquicos em três classes seguiu plenamente a orientação do mestre de
Estagira. Vejamos como sua análise esclareceu essa possibilidade:

Brentano propôs que a parte da alma definida por Aristóteles como


pensamento () poderia ser analisada, mais uma vez, pelo critério
aristotélico da referência ao objeto intencional in-existente. Ao analisar o
pensamento () segundo esse critério, a análise brentaniana apresentou
duas modalidades de referência ao objeto intencional in-existente. Eram elas,
as representações e os juízos. No caso, no entanto, a sutileza da analise não
estava em negar o fato de que os juízos supunham representações. Pelo
contrário, para Brentano se tratava de estabelecer dois pontos fundamentais.
Em primeiro lugar, era preciso apresentar o duplo modo de referência ao objeto
intencional in-existente na consciência: (a) como meramente representado; ou
(b) como afirmado ou negado. Em segundo lugar, era preciso apresentar, por
analogia à relação de dependência do desejo () para com o pensamento
(), a dependência da modalidade do juízo para com a modalidade de
representação. Assim, Brentano sintetizou a analogia do seguinte modo:

Afirmamos que todo objeto julgado é recebido na consciência de um


duplo modo: como representado e como afirmado ou negado. A
relação seria análoga àquela que a grande maioria dos filósofos, e
Kant não menos que Aristóteles, admite entre a representação e o
apetite, com razão, como vimos. Nada é apetecido que não seja
representado. Mas o apetite é uma segunda modalidade, inteiramente
nova e peculiar, da referência ao objeto. Uma segunda classe
inteiramente nova da percepção do objeto na consciência. Nada é,
tampouco, julgado que não seja representado. Mas sustentamos que,
enquanto o objeto de uma representação se converte em objeto de
um juízo afirmativo ou negativo, a consciência entra em uma classe
128
completamente nova de referência.

Analisemos com um pouco mais de precisão alguns pontos que


acabam de ser afirmados na citação acima. É ponto pacífico que se trata aqui

128
„Wir behaupten vielmehr, daß jeder Gegenstand, der beurteilt werde, in einer doppelten Weise im
Bewußtsein aufgenommen sei, als vorgestellt und als anerkannt oder geleugnet. So wäre denn das
Verhältnis ähnlich dem, welches mit Recht, wie wir sahen, von der großen Mehrzahl der Philosophen,
und von Kant nicht minder als von Aristoteles, zwischen Vorstellen und Begehren angenommen wird.
Nichts wird begehrt, was nicht vorgestellt wird; aber doch ist das Begehren eine zweite, ganz neue
und eigentümliche Weise der Beziehung zum Objekte, eine zweite, ganz neue Art von Aufnahme
desselben ins Bewußtsein. Nichts wird auch beurteilt, was nicht vorgestellt wird; aber wir behaupten,
daß, indem der Gegenstand einer Vorstellung Gegenstand eines anerkennenden oder verwerfenden
Urteils werde, das Bewußtsein in eine völlig neue Art von Beziehung zu ihm trete“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 38.

76
da orientação aristotélica utilizada por Brentano para descrever, em sua
Psicologia do ponto de vista empírico, a representação como aquela atividade
psíquica fundamental, que se constituía como base dos juízos e dos
sentimentos. Havia, no entanto, algo mais.

Em 1874, o ponto fundamental da tese brentaniana estava no papel


que o objeto imanente exercia na consciência, em função do estatuto
ontológico que lhe era atribuído pelo modo intencional de in-existência. Em
outras palavras, embora Brentano considerasse que o aspecto característico
de cada uma das classes fundamentais da atividade psíquica consistia no
modo peculiar de referência ao objeto imanente, a especificidade da tese de
1874 estava no fato de que esses mesmos modos diversos de referência eram
ainda ontologicamente dependentes do objeto imanente. Assim, não apenas as
representações, mas também os juízos e os sentimentos, eram descritos, em
1874, como atividades psíquicas de referência, dependentes ontologicamente
do modo intencional de in-existência do objeto imanente ao qual se dirigiam.
Assim, portanto, a Psicologia do ponto de vista empírico não podia descrever
os juízos evidentes e a preferência superior, pois a intensidade do objeto
intencional in-existente na representação era o critério da referência do juízo e
do sentimento. Voltaremos a esse ponto no lugar devido.

Estabelecido e fundamentado o conceito positivo de fenômeno


psíquico, a análise brentaniana apresentou sua extensão e sua aplicação.
Assim, Brentano afirmou, na citação abaixo, que, mesmo se tratando sempre
de um único objeto imanente, “o objeto está concebido na consciência
duplamente, como representado e como afirmado ou negado”129:

Se houvéssemos reconhecido isto desde o início, não haveria


ocorrido a ninguém a idéia de distinguir as representações e os juízos
dizendo que o conteúdo das primeiras é a idéia simples e o conteúdo
dos últimos uma idéia composta. Pois, na verdade, não existe a
menor diferença no que diz respeito ao conteúdo. O que afirma, o que
nega e o que incerto pergunta, tem o mesmo objeto na consciência.
O último, representando-o meramente. Os dois primeiros,
representando-o e ao mesmo tempo admitindo-o ou rechaçando-o.

129
„Er ist dann doppelt im Bewußtsein aufgenommen, als vorgestellt und als für wahr gehalten oder
geleugnet“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 38.

77
Todo objeto que é conteúdo de uma representação pode ser
130
conteúdo de um juízo, segundo as circunstâncias.

Esse critério estendeu-se, também, à classe dos sentimentos. E, tal


como afirmou Brentano na comparação citada abaixo, “[...] do mesmo modo,
quando o apetite se dirige a ele, o objeto é inerente como representado e, ao
mesmo tempo, como apetecido”131:

Comparamos, com esta finalidade, a relação entre a representação e


o juízo com a relação entre as duas classes de fenômenos cuja
profunda diversidade na referência ao objeto está fora de dúvida: com
a relação entre as representações e os fenômenos de amor e ódio.
Assim como um objeto, ao mesmo tempo representado e amado ou
ao mesmo tempo representado e odiado, está intencionalmente na
consciência de um duplo modo, também ocorre o mesmo com um
objeto que, ao mesmo tempo, representamos e afirmamos ou que, ao
mesmo tempo, representamos e negamos. Todas as circunstâncias
são análogas aqui e ali. Todas mostram que, no primeiro caso, uma
segunda modalidade de consciência fundamentalmente distinta se
acrescenta à primeira modalidade, assim como sucede também no
132
outro caso.

Deixaremos para o momento oportuno a análise do problema que se


impõe de imediato para a teoria brentaniana de 1874, a saber: a
impossibilidade de explicar os juízos negativos verdadeiros. Por ora,
analisemos, com um pouco mais de precisão, a orientação aristotélica adotada
por Brentano para a classificação dos fenômenos psíquicos da terceira classe.

130
„Hätte man dies von Anfang erkannt, so wäre wohl niemand auf den Gedanken gekommen,
Vorstellungen und Urteile dadurch zu unterscheiden, daß der Inhalt der ersteren ein einfacher, der
Inhalt der letzteren ein zusammengesetzter Gedanke sei. Denn in Wahrheit besteht hinsichtlich des
Inhaltes nicht der geringste Unterschied. Der Bejahende, der Verneinende und der ungewiß Fragende
haben denselben Gegenstand im Bewußtsein; der letzte, indem er ihn bloß vorstellt, die beiden ersten,
indem sie ihn zugleich vorstellen und anerkennen oder verwerfen. Und jedes Objekt, das Inhalt einer
Vorstellung ist, kann unter Umständen auch Inhalt eines Urteils werden“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 68.
131
„Wie er, wenn die Begierde auf ihn sich richtet, als vorgestellt zugleich und als begehrt ihm
innewohnt“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 38.
132
„Vergleichen wir zu diesem Zwecke das Verhältnis von Vorstellung und Urteil mit dem Verhältnis
zwischen zwei Klassen von Phänomenen, deren tiefgreifende Verschiedenheit in der Beziehung zum
Objekt außer Frage steht: nämlich mit dem Verhältnis zwischen Vorstellungen und Phänomenen von
Liebe oder Haß. So sicher es ist, daß ein Gegenstand, der zugleich vorgestellt und geliebt, oder
zugleich vorgestellt und gehaßt wird, in zweifacher Weise intentional im Bewußtsein ist: so sicher gilt
dasselbe auch in betreff eines Gegenstandes, den wir zugleich vorstellen und anerkennen, oder
zugleich vorstellen und leugnen. Alle Umstände sind hier und dort analog; alle zeigen, daß, wenn in
dem einen, auch in dem anderen Falle eine zweite, grundverschiedene Weise des Bewußtseins zu der
ersten hinzugekommen ist“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band,
p. 65.

78
Explicitamente orientado pela atividade psíquica classificada por
Aristóteles como desejo (), Brentano assumiu sem ressalvas esse
critério para a terceira classe de fenômenos psíquicos. Essa assunção está
descrita do seguinte modo:

Pois bem, creio que algo é amado – ou, dito com mais exatidão, algo
é amado ou odiado - em todo ato pertencente a esta terceira classe,
tomado no sentido que a palavra tem no segundo caso. Assim como
todo juízo toma um objeto por verdadeiro ou falso, também de um
modo análogo todo fenômeno pertencente à terceira classe toma um
133
objeto por bom ou mau.

Essa descrição, bem como a analogia entre a atividade psíquica do


juízo e a atividade psíquica de amor e ódio apresentou um ponto que ainda não
havíamos explicitado. Tal como sustentou Brentano no final da citação acima, a
especificidade existente em cada um dos modos de referência ao objeto
imanente implicava consequências específicas. Por um lado, se a atividade
psíquica de juízo consistia no modo de referência que afirmava ou negava o
objeto imanente, então decorria dessa mesma atividade a tomada
(conhecimento) do objeto imanente à consciência como verdadeiro ou falso.
Por outro lado, se a atividade psíquica de amor e ódio consistia no modo de
referência que ama ou odeia o objeto imanente, então também decorria dessa
mesma atividade a tomada (experiência) do objeto imanente à consciência
como bom ou mau. É de estrema relevância ressaltar esse ponto, pois ele
estabeleceu o norte da teoria do sentimento moral apresentada em 1874. Em
outras palavras, o fundamento da teoria do sentimento moral estava na in-
existência intencional do objeto imanente e não, como será proposto em 1889,
na relação intencional constituinte do ato de consciência. Assim, portanto, a
Psicologia do ponto de vista empírico tinha sua tese desenvolvida sobre o
pressuposto de que o objeto imanente possuía os pressupostos ontológicos
que permitiam o seu conhecimento como verdadeiro ou falso, assim como esse
mesmo objeto imanente possuía os pressupostos ontológicos que permitiam a
sua experiência como bom ou mau. Tratava-se, em 1874, de uma descrição do

133
„In einem Sinne wie dem, welchen das Wort in dem zweiten Falle hat, glaube ich nun, daß in jedem
Akte, der zu dieser dritten Klasse gehört, etwas geliebt, genauer gesprochen etwas geliebt oder gehaßt
wird. Wie jedes Urteil einen Gegenstand für wahr oder falsch nimmt, so nimmt in analoger Weise
jedes Phänomen, welches der dritten Klasse zugehört, einen Gegenstand für gut oder schlecht“.
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 36.

79
valor de verdade e uma descrição do valor moral do objeto imanente orientada
pelo estatuto ontológico que ele possuía.

2.4 A dependência ontológica e epistemológica dos fenômenos de


amor ou ódio como fundamento da ética do sentimento moral.

A formulação da noção positiva de fenômenos psíquicos abriu o


caminho para a análise do debate entre Brentano e outro pensador que, além
de Aristóteles, exerceu um papel fundamental na Psicologia do ponto de vista
empírico. Trata-se de Augusto Comte, pois ele estabeleceu os critérios de
cientificidade para a filosofia positiva. Como enfatizamos no ponto anterior, a
fundação da psicologia como ciência foi o problema específico que Psicologia
do ponto de vista empírico pretendeu resolver. Por isso, a apresentação do
método e a definição positiva do objeto de tal ciência foram as principais
tarefas de Brentano. As palavras com que Brentano iniciou sua obra de 1874
enfatizaram esse compromisso:

O título que atribuí à minha obra explicita por si mesmo o objeto e o


método. Em psicologia eu me coloco no ponto de vista empírico. Meu
único mestre é a experiência. Eu compartilho, portanto, com outros
filósofos, a convicção que uma certa fonte de ideal não é incompatível
134
com este ponto de vista .

Segundo a análise de Dieter Münch, foi o aristotelismo de


Brentano135 que o levou a se familiarizar com a filosofia concebida a partir do
espírito científico136. Sob a influência do mestre de Estagira, Brentano foi

134
„Die Aufschrift, die ich meinem Werke gegeben, kennzeichnet dasselbe nach Gegenstand und
Methode. Mein Standpunkt in der Psychologie ist der empirische: die Erfahrung allein gilt mir als
Lehrmeisterin: aber mit anderen teile ich die Überzeugung, daß eine gewisse ideale Anschauung mit
einem solchen Standpunkte wohl vereinbar ist“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Erster Band, p. 1.
135
Uma descrição das relações entre os conceitos da psicologia aristotélica e a psicologia brentaniana é
apresentado por Münch como boneco de palha do seu argumento que pretende estabelecer a
influência de Comte na psicologia de Brentano. Cf. Münch, Dieter. Brentano and Comte, p. 33-38.
136
Conferir especialmente a introdução de Münch em seu artigo Brentano and Comte (p. 33-39). Sobre a
relevância da filosofia positiva para o desenvolvimento científico da humanidade, conferir o artigo
Quatro fases da filosofia e seu estado atual (Die Vier Phasen der Philosophie und ihr
augenblicklicher Stand), onde Brentano destaca a superioridade da posição histórica de Comte para

80
envolvido na compreensão da filosofia empírica, especialmente a assim
chamada filosofia positiva desenvolvida por Comte. Como consequência dessa
aproximação, Münch considera que a teoria brentaniana dos fenômenos
psíquicos foi uma resposta para a questão: „Como podemos lidar com
fenômenos psíquicos no contexto da filosofia positiva?‟. Em outras palavras,
Brentano estava tentando resolver um problema gestado dentro da própria
filosofia positiva e que buscava estabelecer a lei da fundação da psicologia
como ciência137.

Ao seguirmos a interpretação aberta por Münch, dois pontos


explicitam claramente a base comtiana utilizada por Brentano para estabelecer
o método e o objeto da Psicologia proposta. A saber: (1) o compromisso crítico
com a cientificidade moderna de evitar pressuposições metafísicas 138; e (2) o
compromisso positivista de restringir os objetos da ciência aos fenômenos para
instituir, de modo cada vez mais geral, as leis que explicam as relações entre
eles139. Por questões metodológicas, analisaremos apenas esse segundo
ponto, pois o debate acerca da exclusão das pressuposições metafísicas não
faz parte do nosso tema.

com a história da filosofia.


137
Münch, Dieter. Brentano and Comte, p. 36.
138
Esse é um ponto delicado, no entanto é fundamental relevar que, na Psicologia do ponto de vista
empírico, Brentano abdica da pretensão transcendente em função dos limites epistemológicos do
método que pretende utilizar. Assim, a realidade dos fenômenos físicos deve ser rejeitada a partir da
perspectiva empírica e seu alcance. Nesses termos, diz Brentano, “[...] não é, pois, correta a hipótese
de que um fenômeno físico, como os que se encontram intencionalmente em nós, exista fora do
espírito e encerre realmente uma contradição. Apenas a comparação de um com outro resultam em
conflitos que provam claramente como aqui nenhuma existência real corresponde à intencional. E
sendo assim, até onde nossa experiência alcança, não erramos em negar aos fenômenos físicos toda
existência distinta da intencional”. [„Nicht also das ist richtig, daß die Annahme, es existiere ein
physisches Phänomen, wie die, welche intentional in uns sich finden, außerhalb des Geistes und in
Wirklichkeit, einen Widerspruch einschließt, nur eines mit dem anderen verglichen, zeigen sie
Konflikte, welche deutlich beweisen, daß der intentionalen hier keine wirkliche Existenz entspricht“.
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 132.
139
“De início, certos fenômenos evidentes e conhecidos pareciam prover uma explicação de realidades
secretas. Reconhecidos posteriormente como mais obscuros que todos os demais, começaram a
despertar assombro e curiosidade. Os grandes pensadores da antiguidade consagraram a eles o melhor
de suas atividades. No entanto, não se estabeleceu consenso ou clareza acerca deles. Estes são
precisamente os fenômenos que converti em meu objeto de estudo. Neste trabalho proponho esboçar,
em termos gerais, um quadro exato de suas características e leis”. [“Was im Anfang, wohlbekannt
und offenbar, für das Verborgene die Erklärung schien, und was später, vor anderem geheimnisvoll,
Staunen und Wißbegier erweckte; woran die großen Denker des Altertums am meisten mit Eifer sich
abmühten, und worüber Eintracht und Klarheit noch heute am wenigsten erzielt sind: das sind die
Erscheinungen, die auch ich wieder forschend betrachtete, und von deren Eigentümlichkeiten und
Gesetzen ich hier, in allgemeinen Zügen, ein berichtigtes Bild zu geben suche]. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 5.

81
Ora, para a filosofia positiva, as ciências eram as ciências dos
fenômenos, pois elas estabeleciam as leis gerais da relação entre eles140. É
nessa ótica que a psicologia como ciência dos fenômenos psíquicos deve ser
observada. Assim, no entanto, uma questão se impõe de imediato: Qual é o
critério da filosofia positiva recepcionado por Brentano no que se refere às leis
que governam as relações entre os fenômenos psíquicos? Tal como expõe a
exigência de Comte, na citação a seguir, tratava-se da generalidade, da
simplicidade e da independência recíproca:

Existe, a este respeito, uma ordem invariável e necessária que


nossos diversos gêneros de concepção seguiram e tiveram de seguir
em sua progressão, e cuja consideração exata é o complemento
indispensável da lei fundamental precedentemente enunciada. Esta
ordem será o assunto especial da próxima lição. Basta-nos, por hora,
saber que se conforma com a natureza diversa dos fenômenos e que
se determina por seu grau de generalidade, de simplicidade e de
independência recíprocas, três considerações que, embora
141
distintas, concorrem no mesmo fim.

Ao vincular essas exigências comtianas à sua orientação aristotélica,


Brentano reconheceu a existência de uma relação hierárquica entre os
fenômenos psíquicos. Com base em passagens da Psicologia do ponto de
vista empírico, apresentaremos a descrição das distintas atividades da
consciência a partir dos seguintes critérios comtianos: a independência relativa,
a simplicidade e a generalidade da classe. Cabe ressaltar que esse critério
explicitou o fundamento ontológico para a ética do sentimento moral de 1874.

140
Em sua análise direta da filosofia comtiana, diz Brentano: “[...] o que distingue nossa condição daquela
dos céticos é nossa exigência de que é possível conhecer a verdadeira relação que existe entre as
coisas. Nós não podemos determinar o tamanho absoluto de um objeto, mas nós podemos calcular seu
tamanho relativo com precisão. Nós nunca poderemos saber o absoluto momento no qual um evento
ocorre, mas nós podemos ser capazes de especificar quando ele ocorre em relação a outro evento”
(Brentano, Franz. Augusto Comte, p. 114, in: D. Münch, Brentano and Comte, p. 40). Outra citação
análoga é apresentada por Kraus no prefácio da Psicologia do ponto de vista empírico. “Neste ponto
nós (Brentano se referindo a Comte) permanecemos com os céticos. E que outro ponto existe que nos
diferenciaria deles, se não a indicação do reconhecimento da verdadeira relação entre as coisas? O
tamanho de um corpo não é determinável, mas podemos medir e calcular sua relação com exatidão...
É assim que nos separamos dos céticos e deles nos distanciamos em mil milhas“. [„In diesem Punkte
müssen wir Alle [Comte und Brentano] zu den Skeptikern stehen. Und was Anderes bleibt, das uns
von ihnen unterscheiden könnte, wenn nicht die Behauptung der Erkennbarkeit der wahren
Verhältnisse der Dinge? - Die absolute Größe eines Körpers ist nicht bestimmbar, die relative können
wir mit Genauigkeit messen und berechnen; die absolute Zeit eines Ereignisses ist uns unbekannt, das
Früher und Später können wir vielleicht auf Stunde und Minute angeben. Das also ist, was uns von
den Skeptikern trennt, und es entfernt uns von ihnen weit und auf tausend Meilen“]. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt,Erster Band, p. 132.
141
Comte, Augusto. Curso de filosofia positiva, p. 14

82
Em outras palavras, a ordem hierárquica proposta por Brentano, mediante os
três critérios positivistas, explicitou a dependência ontológica do sentimento
para com o juízo e do juízo para com a representação. Vejamos
detalhadamente como Brentano apresentou essa descrição.

Brentano analisou separadamente cada uma das três classes de


fenômenos psíquicos (representação, juízo e sentimento) para verificar a sua
adequação ao critério positivista. O resultado de sua análise mostrou que o
fenômeno psíquico de representação possuía um caráter universal e
necessário. Essas universalidade e necessidade encontravam-se no modo de
referência do ato de representar o objeto intencional in-existente. Tal como
afirmou Brentano, na citação a seguir, essa característica fazia com que a
representação fosse a atividade psíquica fundamental:

Não quero dizer que o juízo e o amor não estejam representados de


algum modo em todo estado psíquico, ressaltamos isto agora mesmo.
Mas assinalamos ao mesmo tempo certa diferença de generalidade,
de modo que o objeto primário só está presente de um modo
necessário e universal na consciência, no modo de inerência (in-
142
existência) intencional que é próprio do ato de representar.

Segundo a análise brentaniana, a evidência desse argumento


decorria do seguinte fato. Uma vez aceito o critério aristotélico de divisão das
atividades psíquicas, “[...] é possível pensar sem contradição em um ente que,
sem a faculdade do juízo e do amor, estivesse provido apenas da faculdade de
representação, mas não o contrário”143. As representações, por si só e ainda
que em caráter fictício, permitiriam a inferência de leis que descreveriam essa
única atividade psíquica, tal como revelavam algumas de nossas atividades
psíquicas144.

142
„Ich sage dies nicht, als wollte ich leugnen, daß auch Urteil und Liebe in jedem psychischen Zustande
irgendwie vertreten seien; dies haben wir vielmehr soeben noch ausdrücklich hervorgehoben. Aber
wir haben dennoch zugleich einen gewissen Unterschied der Allgemeinheit bemerkt, insofern das
primäre Objekt notwendig und allgemein nur in der dem Vorstellen eigenen Weise der intentionalen
Einwohnung im Bewußtsein gegenwärtig ist“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 127.
143
„Auch könnte man sich ohne Widerspruch ein Wesen denken, welches, ohne Vermögen für Urteil und
Liebe, allein mit dem Vermögen der Vorstellung ausgestattet wäre, nicht aber umgekehrt“. Brentano,
Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 127.
144
"As leis do curso das representações, em uma ficção psíquica semelhante, poderiam ser algumas das
leis cujo influxo se revela atualmente em nossa vida psíquica”. [„Die Gesetze des Vorstellungslaufes
bei einer solchen psychischen Fiktion könnten einige von den Gesetzen sein, die auch jetzt in unserem

83
Façamos uma observação importante. A argumentação brentaniana
que estamos analisando se desenvolveu à luz do seguinte pressuposto. Os
fenômenos psíquicos de representação possuíam um estatuto epistemológico
privilegiado. Tratava-se da descrição do modo como a consciência apreendia
imediatamente todo ato de representar, por meio de uma coconsciência que
acompanhava o próprio ato. Brentano explicitou a evidência desse ato psíquico
por meio de um juízo existencial que, não se caracterizando como atribuição de
verdade ou falsidade, se restringia a reconhecer a representação do fenômeno
físico.

Ora, a representação era o ato evidente de referência ao objeto


intencional in-existente. Desse modo, as regras que podiam ser inferidas a
partir da atividade de representação constituíam leis gerais, segundo os
critérios positivistas. Tais leis, no entanto, descreviam exclusivamente a relação
direta entre intensidade da excitação física e a intensidade da sensação145.

A aplicação prática dessa lei elementar estabeleceu, por exemplo,


que a única intensidade encontrada nas representações era a maior ou menor
vivacidade e nitidez do fenômeno. Desse modo, a atividade de representação
comportava, por esse mesmo motivo, os três critérios exigidos para a atividade
psíquica fundamental: “Ela é [diz Brentano] o mais simples dos três fenômenos
psíquicos, uma vez que o juízo e o amor comportam sempre uma
representação”146. Por isso mesmo, “[...] é a mais independente na medida em
que é a base das restantes e, precisamente por isso, este fenômeno é também
o mais geral” 147.

Ao aplicar esses critérios às classes dos juízos e de sentimentos, a


análise brentaniana reconheceu o seguinte. Mesmo que tais fenômenos
tivessem necessariamente por base as representações, os juízos estariam
numa situação de independência relativa para com os sentimentos, pois,

psychischen Leben ihren Einfluß offenbaren“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 127-128.
145
Cf. Brentano, Franz. Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 98-99.
146
„Sie ist das einfachste der drei Phänomene, indem Urteil und Liebe immer eine Vorstellung in sich
schließen“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 127.
147
„Sie ist ebenso das unabhängigste unter ihnen, da sie die Grundlage der übrigen ist; und ebendarum ist
dieses Phänomen auch das allgemeinste“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 127.

84
argumenta ele, “[...] não existiria contradição na idéia de um ente que unisse a
atividade do juízo com a de representação, mas carecesse de todo movimento
de amor ou ódio”148. Como esse era um caso possível, a análise brentaniana
também considerou possível a complementação das leis da representação
pelas leis do juízo. Em outras palavras, as leis específicas inferidas a partir da
atividade do juízo poderiam ser acrescentadas àquelas inferidas a partir da
pura atividade de representação. Esclareçamos esse ponto de outra maneira.

Argumentamos que a aplicação prática da lei elementar inferida da


atividade de representação permitiu estabelecer a maior ou menor nitidez e
vivacidade acerca do fenômeno. Podemos dizer, então, que a essa lei
elementar acrescentavam-se agora as leis do conhecimento (lógica). Tais leis,
determinantes dos critérios da atribuição de verdade ou falsidade, seriam
inferidas a partir da atividade psíquica do juízo. Além disso, embora menos
independente, menos simples e menos geral que a representação, o juízo seria
considerado relativamente mais independente, mais simples e mais geral que o
sentimento de amor e ódio. Em função dos critérios positivistas, diz Brentano a
seguir, esta última classe seria aquela que dependeria de todas as demais,
sendo por isso a menos simples e geral:

Em relação à independência, em relação à simplicidade e também,


por isso mesmo, em relação à generalidade, esta classe encontra-se
atrás da classe do juízo. Ainda que, no que se refere à generalidade
apenas no sentido, naturalmente, em que se pode falar de uma
149
diferença de generalidade na representação e no juízo.

A análise brentaniana descreveu o sentimento de amor ou ódio


como dependente epistemologicamente do juízo e, na medida em que o juízo
dependia ontologicamente da representação, essa dependência se estendeu
também à atividade psíquica de sentimento de amor ou ódio. Detenhamo-nos
um pouco mais nessa última descrição. O que nos interessa, de modo

148
„Der Gedanke eines Wesens, das mit der Tätigkeit zum Vorstellen die zum Urteilen verbände, aber
ohne jede Regung der Liebe oder des Hasses bliebe, enthält keinen Widerspruch“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 128.
149
„In bezug auf Unabhängigkeit, in bezug auf Einfachheit, und eben darum auch in bezug auf
Allgemeinheit steht also diese Klasse der des Urteiles nach; an Allgemeinheit natürlich nur in dem
Sinne, in welchem allein auch bei Vorstellung und Urteil von einem Unterschiede der Allgemeinheit
gesprochen werden konnte“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band,
p. 128-129.

85
específico, são as consequências que resultaram da aplicação desse critério à
representação e ao juízo, pois essas consequências se impuseram sobre a
definição do fenômeno de amor ou ódio. Distinguiremos, para isso, dois pontos
da argumentação brentaniana.

O primeiro ponto relevante trata da natureza do juízo pressuposto


em toda atividade psíquica de amor ou ódio. Brentano ressaltou que, ao
analisarmos o sentimento a partir de uma relação com o juízo, saltava aos
olhos uma diferença manifesta acerca do tipo de juízo pressuposto na atividade
psíquica do sentimento de amor e ódio. Em suas palavras exemplificadoras,
disse ele, “[...] não é certamente necessário que quem ama algo creia que este
algo exista ou que possa existir, mas todo amor é um querer que algo seja” 150.
Brentano esclareceu, a partir desse exemplo, um dos sustentáculos de sua
ética como teoria do sentimento moral (1874). Segundo sua análise, o ato de
querer pressupunha um juízo ou crença, não acerca do objeto desejado, mas
acerca de uma relação causal, pois, quando um ato de amor desencadeava
outro ato de amor, ou quando uma coisa era amada por amor de outra coisa,
existia sempre o juízo ou crença pressuposta de que uma coisa amada possuía
certa relação (causal) com a outra151. Isso se explica perfeitamente a partir de
outro exemplo que ele apresentou:

Segundo o juízo sobre a existência ou a não existência, a


verossimilhança ou a inverossimilhança, daquilo que se ama, o ato de
amor é alegria, tristeza, esperança, temor e outras muitas formas que
ainda toma. Parece inconcebível que um ente esteja dotado com a
faculdade do amor e do ódio, sem ter parte na (faculdade) do
152
juízo.

O segundo ponto relevante trata da dependência (epistemológica)


que a atividade psíquica de amor e ódio tinha para como as leis inferidas a
partir das atividades psíquicas de representação e juízo. Em outras palavras,

150
„Es ist gewiß nicht nötig, daß derjenige, welcher etwas liebt, glaubt, daß es existiere, oder auch nur
existieren könne; aber dennoch ist jedes Lieben ein Lieben, daß etwas sei“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 128.
151
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 127 - 128.
152
„Je nach dem Urteile über das Sein oder Nichtsein, die Wahrscheinlichkeit oder Unwahrscheinlichkeit
dessen, was man liebt, ist der Akt der Liebe bald Freude, bald Trauer, bald Hoffnung, bald Furcht, und
nimmt so noch mannigfache andere Formen an. So scheint es in der Tat undenkbar, daß ein Wesen
mit dem Vermögen der Liebe und des Hasses begabt wäre, ohne an dem des Urteiles Teil zu haben“.
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 128.

86
sobre o pressuposto de que todo sentimento tinha por base um juízo e este,
por sua vez, uma representação, estava o fato de que seria impossível
estabelecer qualquer lei de sucessão para os fenômenos de amor ou ódio se
eles não estivessem baseados em juízos. Reconhecemos essa consequência
da análise brentaniana na descrição abaixo, que tratou dos aspectos análogos
existentes entre os juízos e os sentimentos:

Passemos ao último ponto da comparação: as leis da sucessão dos


fenômenos. Mesmo que os juízos não se mostrem independentes das
leis gerais do curso das representações, eles apresentam ainda
outras leis especiais que não podem ser derivadas daquelas. Já
ressaltamos que estas leis constituem as principais bases
psicológicas da lógica. Diríamos, então, que no amor ou ódio
acontece algo análogo. De fato, estes fenômenos não são
independentes, nem das leis do curso das representações, nem das
gêneses e sucessões dos juízos. No entanto, eles também mostram
leis especiais e originais em sua sucessão e desenvolvimento, as
153
quais formam as bases psicológicas da ética .

Ora, se o juízo era o pressuposto fundamental da atividade psíquica


de amor e ódio, bem como das leis éticas inferidas a partir dessa atividade
psíquica, então é fundamental que apresentemos o modo como Brentano os
descreve.

Um modo de apresentar a teoria brentaniana dos juízos é analisar


sua proposta de reforma da lógica vigente. Nessa proposta, a lógica
encontrava seu fundamento em juízos que não eram definidos como
conhecimento no sentido clássico do termo (S é P), mas como predicações
existenciais. Essas predicações existenciais descreviam o modo de referência
da atividade psíquica dos juízos ao objeto intencional in-existente ((S é P)é) e
((S)é). Eram esses juízos existenciais, portanto, que estariam na base do
sentimento de amor e ódio e de suas leis. Vejamos os detalhes dessa teoria:

153
„Wenden wir uns zu dem letzten Punkte des Vergleiches, zu den Gesetzen der Sukzession der
Erscheinungen. Bei den Urteilen, obwohl sie von den allgemeinen Gesetzen des Vorstellungslaufes
sich keineswegs unabhängig zeigen, kommen doch noch andere, besondere Gesetze hinzu, welche aus
ihnen nicht abgeleitet werden können. Wir bemerkten bereits, daß diese Gesetze die vorzügliche
psychologische Grundlage der Logik ausmachen. Bei Liebe und Haß, sagten wir damals, sei etwa
ähnliches der Fall; und in der Tat sind zwar diese Phänomene weder von den Gesetzen des
Vorstellungslaufes noch von denen der Entstehung und Sukzession der Urteile unabhängig; aber
dennoch zeigen auch sie besondere unableitbare Gesetze ihrer Aufeinanderfolge und Entwickelung,
welche die psychologische Grundlage der Ethik bilden“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 109.

87
Ao tomar por base os fundamentos teóricos da sua Psicologia do
ponto de vista empírico, a análise brentaniana propôs a reformulação dos
ramos práticos da psicologia. A lógica, que até então fora concebida como
teoria do silogismo, deveria ser reformulada. Em outras palavras, Brentano
propôs uma correção para as clássicas proposições universais afirmativas e
negativas, bem como para as proposições particulares afirmativas e negativas.
De fato, tais correções estavam orientadas pela própria teoria brentaniana do
juízo existencial que descrevia a evidência imediata da percepção interna.
Assim, os juízos a serem reformulados seriam, disse ele, “[...] os particulares
afirmativos, os universais negativos e os erroneamente chamados universais
afirmativos e particulares negativos”154. A análise brentaniana, portanto, propôs
uma redução para as proposições que constituíam o quadrado de oposições do
silogismo, pois Brentano considerava que, “[...] como a redução anterior à
forma existencial permite reconhecer claramente, nenhum juízo afirmativo é
universal (ou teríamos que chamar de universal ao juízo com matéria
individual), nenhum juízo negativo é particular”155.

O que está em jogo nesse ponto é algo bem simples quando


consideramos que a lógica era, também, um ramo da psicologia empírica, pois
seus fundamentos deveriam estar circunscritos às atividades da consciência.
Se isso fosse considerado, a especificidade estaria em inferir a nova teoria do
silogismo a partir da atividade básica do juízo, pois essa atividade consistia na
atribuição mais radical de verdade.

A questão é objetiva: Que descrição do ato psíquico daria origem à


verdade? Como resposta, Brentano descreveu o juízo como uma atribuição de
valor de verdade ao ato psíquico (ou relação) que se refere ao objeto
intencional in-existente, “orientado” (por isso mesmo) pelo estatuto ontológico
do objeto que ele contém (de certo modo). Isto significava, dizia ele, que “[...]
quem assente a algo, não apenas admite o objeto, mas também, à pergunta

154
„Die partikulär bejahenden, die allgemein verneinenden, und die irrtümlich sogenannten allgemein
bejahenden und partikulär verneinenden“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 57.
155
„In Wahrheit ist, wie die obige Rückführung auf die existentiale Formel deutlich erkennen läßt, kein
bejahendes Urteil allgemein es müßte denn ein Urteil mit individueller Materie allgemein genannt
werden) und kein verneinendes Urteil partikulär“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 57.

88
sobre se o objeto deve ser admitido, admitirá também a admissibilidade do
objeto, ou seja, a verdade do objeto (pois a expressão bárbara não significa
outra coisa)” 156. Nesse sentido, essa era também uma descrição da estrutura
do juízo que, no entanto, rompia como o modelo clássico da predicação „A é B‟.
Tratava-se aqui, por analogia ao fundamento epistemológico da percepção
interna, de um tipo de predicação existencial de inspiração aristotélica. Cabe
ressaltar que Brentano a apresentou pela primeira vez em sua tese doutoral, ao
descrever o sentido impróprio do ser como verdadeiro. Naquele contexto,
tratava-se de uma predicação do tipo [(A é B)é], ou ainda, [(A)é]. No momento
oportuno, trataremos do modo como as leis lógicas são inferidas a partir do
juízo existencial. No momento, basta indicar sua origem.

Analisemos, agora, a questão de modo inverso. Se, como descreveu


Brentano, o estatuto epistemológico do conhecimento estava assegurado aos
juízos, então como seria possível descrever a experiência sentimental de amor
ou ódio? Além disso, como seria possível inferir e explicitar as leis que regem a
sucessão das atividades psíquicas de sentimento? Em outras palavras, como a
psicologia empírica de 1874 compreendeu esse problema e, com isso,
apresentou a ética do sentimento moral como sua solução?

Ora, a análise brentaniana sustentou taxativamente que o


conhecimento estava circunscrito à esfera dos juízos157. Desse postulado
decorreu, por um lado, que seria impossível obter tal conhecimento a partir da
natureza dos fenômenos de amor, fossem eles prazer ou dor, desejo ou temor.
Assim como era inconcebível, também, no âmbito de uma Psicologia do ponto
de vista empírico, a possibilidade de que tais sentimentos fossem inatos.
Existia, no entanto, aquilo que Brentano concebeu, em 1874, como uma
vantagem teórica: a implicação de que as experiências próprias das atividades

156
„Wer etwas für wahr hält, nicht bloß den Gegenstand anerkennt, sondern dann, auf die Frage, ob der
Gegenstand anzuerkennen sei, auch das Anzuerkennensein des Gegenstandes, d. h. (denn nichts
anderes bedeutet der barbarische Ausdruck) die Wahrheit des Gegenstandes ebenfalls anerkennen
wird“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 89-90.
157
“Vimos como nas representações não há nem virtude e nem maldade, por um lado, e nem
conhecimento nem erro, por outro. Os dois últimos aparecem com os fenômenos do juízo. Os
primeiros encontram-se exclusivamente na esfera do amor e do ódio, como já dissemos”. [„Wir sahen,
wie in den Vorstellungen einerseits weder Tugend noch sittliche Schlechtigkeit, anderseits weder
Erkenntnis noch Irrtum liegt. Mit den Phänomenen des Urteilens kommen die letzten beiden hinzu;
das erste Paar dagegen liegt, wie schon gesagt, ausschließlich in dem Gebiete der Liebe und des
Hasses“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 108.

89
psíquicas de sentimento de amor ou ódio se referiam às experiências
constituídas por existências e ações reais de um gênero especial de forças. Em
outras palavras, Brentano considerava que “[...] a força de certos fenômenos de
amor para a realização dos objetos aos quais estão dirigidos, é, pois, uma
condição prévia da volição”158. Essa dependência impunha-se, então, como
uma tentativa de dar conta do problema ético no contexto da Psicologia do
ponto de vista empírico. Seu fundamento encontrava-se, como descreveu
Brentano no texto a seguir, não apenas na unidade da terceira classe de
fenômenos psíquicos, mas também na dependência epistemológica dessa
classe de fenômenos para com os juízos:

Se a volição supõe a experiência de um influxo dos fenômenos de


amor na produção do objeto amado, isto supõe evidentemente que
também os fenômenos de amor, que não podem ser chamados de
volições, se revelarão eficazes de modo análogo à volição, ainda que
em um grau mais debilitado. Pois se semelhante eficiência
pertencesse exclusivamente à volição, ficaríamos enredados em um
círculo fatal. A volição suporia a experiência da volição, enquanto,
naturalmente, de modo contrário, também esta experiência suporia a
volição. Mas, a coisa é muito diferente se o mero desejo de certos
sucessos tem por conseqüência sua realização. Então pode se
repetir, com a modificação que o conhecimento desta eficiência o
159
confere, ou seja, como volição.

É interessante ressaltar, novamente, como esse ponto estava em


jogo na transição entre a teoria ética de 1874 e 1889. Retomemos, então, o
problema que Brentano se empenhou em refutar na citação acima.

Ora, o que estava sendo exigido para evitar o círculo vicioso era o
fato de que a vontade não poderia supor a experiência da volição, assim como
158
“A força de certos fenômenos de amor para realizar os objetos aos quais estão dirigidos é, pois, uma
condição prévia da volição. Apenas ela (ainda quando não se considere a faculdade de agir como a
faculdade mesma de querer, como fez Bain) dá, de certo modo, a capacidade para esta”. [“Somit ist
die Kraft gewisser Phänomene der Liebe zur Verwirklichung der Gegenstände, auf welche sie
gerichtet sind, eine Vorbedingung des Wollens, und gibt, auch wenn man nicht, wie Bain es getan hat,
das Vermögen zu handeln als das Vermögen der Wollens selbst betrachtet, in gewisser Weise erst die
Fähigkeit zu ihm“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 115.
159
„Wenn das Wollen die Erfahrung eines Einflusses von Phänomenen der Liebe zur Hervorbringung des
geliebten Gegenstandes voraussetzt, so setzt es offenbar voraus, daß auch Phänomene der Liebe,
welche kein Wollen genannt werden können, ähnlich wie das Wollen, wenn auch vielleicht in
schwächerem Grade, sich wirksam erweisen. Denn würde eine solche Einwirkung sich ausschließlich
an das Wollen knüpfen, so würde man in einen verhängnisvollen Zirkel verwickelt. Das Wollen würde
die Erfahrung des Wollens voraussetzen, während natürlich umgekehrt auch diese das Wollen
voraussetzt. Anders, wenn auch schon das bloße Verlangen nach gewissen Ereignissen ihr Eintreten
zur Folge hat; es kann dann mit der Modifikation, welche die Kenntnis von dieser Kraftbeziehung ihm
gibt, d. i. als Wollen sich wiederholen“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 116.

90
a experiência da volição não poderia supor a vontade. Como um modo de
evitar esse círculo vicioso, Brentano apresentou um tipo de solução que ele
mesmo reconhece, no contexto da formulação da sua teoria do conhecimento
moral de 1889, como o erro de Aristóteles. Como havíamos afirmado em partes
anteriores, Brentano é confesso acerca do reconhecimento tardio desse erro e
orientou sua nova teoria moral de 1889 pela necessidade de reformular o que
aqui ficava estabelecido. À luz da análise tardia do próprio Brentano, essa tese
de 1874 se ocupava de dois pontos. Descrever (a) o fenômeno psíquico do
amor como consequência do conhecimento (de uma relação de causa e efeito
entre objetos amados) e, com base na regra que se inferia dessa relação, (b)
descrever a ética como a retidão do amor que se encontrava em conformidade
com essa sua regra160.

O que, de fato, ainda não havia sido concebido pela teoria ética
proposta na Psicologia do ponto de vista empírico era, como já indicamos
acerca da análise brentaniana de 1889, o fato de que “[...] juntamente com a
experiência da atividade sentimental está unida concomitantemente o
conhecimento da bondade do objeto”.161 Em outras palavras, o círculo vicioso,
que Brentano rejeitava em 1874, foi retomado como um círculo virtuoso
descrito a partir da teoria da evidência do juízo e do sentimento superior,
tornando-se a tese central em 1889.

A análise exposta até o momento é suficiente para a apresentação


do esboço da teoria brentaniana do sentimento moral, ainda que ela se
encontre apenas imbricada nos argumentos que fundamentam a Psicologia do
ponto de vista empírico.

2.5 O esboço de uma teoria do sentimento moral no contexto da


Psicologia do ponto de vista empírico.

160
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.
161
„Daß mit der Erfahrung der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit auch die Erkenntnis der Güte
des Objekts immer zugleich gegeben ist“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79,
nota 28.

91
Fazia parte do projeto da Psicologia do ponto de vista empírico
apresentar uma teoria do sentimento moral fundada na descrição da atividade
psíquica do sentimento de amor ou ódio. Ocorreu, no entanto, que essa tarefa,
que foi projetada para ocupar o livro V dessa mesma obra, nunca foi cumprida.
Os dois principais motivos teóricos que justificam esse abandono já foram
mencionados ao longo deste trabalho e serão analisados no próximo capítulo.
A saber: (1) a reformulação da noção de relação intencional, uma vez que
Brentano substituiu a noção in-existência intencional do objeto imanente pela
noção de ato intencional; (2) a reformulação da noção de verdade, uma vez
que Brentano passou a distinguir verdade como evidência e verdade como
correspondência no âmbito da atividade psíquica de juízos e, de modo análogo,
no âmbito da atividade psíquica de sentimentos. Mesmo assim, ainda que a
Psicologia do ponto de vista empírico apresente uma ética rudimentar e
também refutada pelo próprio autor, sua retomada consiste em uma etapa
indispensável para a compreensão daquela que foi apresentada em seu lugar.
Vejamos como os poucos detalhes antecipados explicitamente por Brentano
estruturaram a proposta de uma ética fundada em uma teoria do sentimento
moral.

Uma apresentação sistemática dos elementos fundamentais que


estruturaram o esboço dessa ética pode ser proposta na seguinte ordem:

a) A descrição da unidade da terceira classe de fenômenos


psíquicos (sentimento de amor e ódio). Tal descrição estabeleceu que todos
os atos psíquicos de sentimento consistiam numa referência ao caráter bom ou
mau do objeto intencional in-existente como conteúdo de consciência.

b) A especificidade de cada modo de referência da consciência


ao objeto intencional in-existente. Essa especificidade definiu a experiência
do sentimento de amor e ódio como uma experiência valorativa moral. Assim,
ficava eliminada a possibilidade de conhecimento no âmbito da atividade
psíquica do sentimento.

c) A descrição da inferência das leis éticas a partir dos juízos


(ou crenças) de relações causais que determinam o valor moral da
vontade.

92
Tomemos cada um desses pontos separadamente e vejamos o
modo como Brentano se valeu dos fundamentos da sua Psicologia do ponto de
vista empírico para indicar as bases da ética como teoria do sentimento moral.

a) A descrição da unidade da terceira classe de fenômenos


psíquicos (sentimento de amor e ódio). Tal descrição estabeleceu que todos
os atos psíquicos de sentimento consistiam numa referência ao caráter bom ou
mau do objeto intencional in-existente como conteúdo de consciência.

O ponto de partida da argumentação brentaniana estava na


necessidade de esclarecer o modo como a unidade da classe dos fenômenos
psíquicos de sentimento de amor e ódio estabelecia a virtude e a maldade
moral. A dificuldade a ser superada estaria, então, em estabelecer que atos
aparentemente díspares, como o sentimento e a vontade, eram constituídos do
mesmo tipo de referência ao objeto intencional in-existente. A saber, aquela
referência que experiencia o caráter bom ou mau do objeto imanente. Brentano
considerou que a questão estava em descrever também para o sentimento a
valoração moral própria da vontade. Como explicita a citação a seguir,
importava que a origem do bom ou mau fosse atribuída a toda a classe dos
fenômenos psíquicos de sentimento de amor e ódio:

Vimos como nas representações não há nem virtude e nem maldade,


por um lado, e nem conhecimento nem erro, por outro. Os dois
últimos aparecem com os fenômenos do juízo. Os primeiros
encontram-se exclusivamente na esfera do amor e do ódio, como já
se dissemos. Mas, será que se encontram em apenas uma das duas
classes em que dividiu tal esfera: na esfera da vontade, mas não na
162
esfera dos sentimentos?

Esse foi o primeiro problema colocado pela análise brentaniana. De


fato, esse problema foi apresentado sobre um pressuposto teórico. Sua
possibilidade de solução encontrava-se nos fundamentos da Psicologia do
ponto de vista empírico, pois ela descrevia o modo como a experiência interna

162
„Wir sahen, wie in den Vorstellungen einerseits weder Tugend noch sittliche Schlechtigkeit, anderseits
weder Erkenntnis noch Irrtum liegt. Mit den Phänomenen des Urteilens kommen die letzten beiden
hinzu; das erste Paar dagegen liegt, wie schon gesagt, ausschließlich in dem Gebiete der Liebe und des
Hasses. Findet es sich nun vielleicht nur in der einen der beiden Klassen, in welche man das Gebiet
zerlegt hat, in dem Willen, nicht aber in dem der Gefühle?“. Brentano, Franz. Psychologie vom
empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 108.

93
apreendia imediatamente as diversas atividades da consciência. Para, no
entanto, dar conta de sua efetiva solução e, com isso, estabelecer o alicerce da
ética enquanto ramo da psicologia empírica, Brentano retomou o problema com
o propósito de especificar as relações internas existentes entre os tipos de atos
que caracterizavam os fenômenos psíquicos de amor ou ódio. Assim, sua
análise precisou descrever o modo como o bom e o mau emergiam em todos
os atos psíquicos de terceira classe.

Sua análise argumentativa tinha dois ramos. Por um lado, Brentano


analisou alguns atos psíquicos para explicitar a impossibilidade da separação
entre os atos de sentimento e os atos de vontade. Por outro lado, sua análise
explicitou os atos intermediários que, estando diretamente ligados aos atos de
sentimento e aos atos de vontade, evidenciavam a natureza contígua dos
fenômenos psíquicos de terceira classe. Abordaremos o modo como Brentano
apresentou essa solução a partir do seguinte exemplo:

Tomemos como exemplo a seguinte série: tristeza – anelo do bem


não possuído, esperança de que nos ocorra, desejo de procurá-lo,
decisão de empreender a aventura, resolução voluntária à ação. Um
dos extremos é um sentimento, o outro é uma volição. Ambos
parecem distar muito. Mas, se consideramos os membros
intermediários e comparamos unicamente os próximos, não
encontramos em todas as partes a coesão mais intima e um trânsito
163
quase imperceptível?

Como estabeleceu Brentano na citação acima, a condição básica


para que sentimento e vontade pudessem ser concebidos em uma mesma
classe era a identidade no modo de referência ao objeto intencional in-
existente. Assim, ainda que estivessem distribuídos nos dois extremos, deveria
existir uma série de atos psíquicos diversos situados entre o sentimento de
prazer e a vontade (de ação), bem como uma série de atos psíquicos opostos
situados entre o sentimento de dor e a vontade (de omissão).

Ora, como Brentano pretendeu estabelecer a ética a partir dos


fundamentos da Psicologia do ponto de vista empírico, seu caminho
163
„Betrachten wir als Beispiel die folgende Reihe: Traurigkeit - Sehnsucht nach dem vermißten Gute -
Hoffnung, daß es uns zuteil werde - Verlangen, es uns zu verschaffen - Mut, den Versuch zu
unternehmen - Willensentschluß zur Tat. Das eine Extrem ist ein Gefühl, das andere ein Willen; und
sie scheinen weit voneinander abzustehen. Wenn man aber auf die Zwischenglieder achtet und immer
nur die nächst-stehenden miteinander vergleicht, zeigt sich da nicht überall der innigste Anschluß und
ein fast unmerklicher Übergang?“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter
Band, p. 84-85.

94
argumentativo estava restrito às descrições das atividades psíquicas
estabelecidas pelo discurso em primeira pessoa. Isso significava que não havia
espaço para deduzir os atos particulares de terceira classe do ato psíquico de
sentimento de amor e ódio. Assim, impossibilitado de apresentar uma
demonstração, Brentano recorreu, com o exemplo apresentado acima, às
expressões da linguagem ordinária. Essa estratégia argumentativa indicou que
as atividades psíquicas intermediárias estavam dispostas em uma série que
ligava o sentimento à vontade164. Em um extremo estaria o sentimento da
tristeza, como anseio por um bem não possuído. Como atos psíquicos
intermediários, que se aproximam cada vez mais à vontade, estariam: (1) a
esperança de que tal bem se efetive; (2) o desejo de procurá-lo; (3) decisão de
empreender a sua busca; e, finalmente, (4) a resolução pela ação voluntária 165.

Esses exemplos fundavam-se na unidade que a terceira classe de


fenômenos psíquicos comportava. Assim, ao considerar que essa unidade se
explicitava por meio da descrição da estrutura da consciência, Brentano
estabeleceu que o bom e o mau resultavam tanto do sentimento como da
vontade. Em outras palavras, sua análise estabeleceu que, assim como havia
uma vontade moralmente boa e moralmente má, havia também sentimentos
moralmente bons e moralmente maus166.

Estabelecido esse primeiro ponto do esboço da teoria do sentimento


moral, cabe apresentar uma das dificuldades apontada pelo próprio Brentano.
Tratava-se da proposta de utilização de termos da linguagem corrente com um
164
“Dizemos: „sinto anseio‟; „sinto esperança‟; „sinto a necessidade de proporcionar-me isto‟; „sinto
coragem para empreender a busca‟; o único que ninguém diria é que sente uma resolução da vontade”.
[„Wir sagen: 'ich fühle Sehnsucht', 'ich fühle Hoffnung', 'ich fühle ein Verlangen, mir dieses zu
verschaffen', 'ich fühle Mut, dieses zu versuchen'; - nur, daß er einen Willensentschluß fühle, wird
wohl keiner sagen“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 85.
165
Cf. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 85.
166
Acerca desse ponto, Brentano afirma o seguinte: “[...] se vê facilmente que este não é o caso. Pois,
assim como há uma vontade moralmente boa e moralmente má, há também sentimentos moralmente
bons e moralmente maus, como, por exemplo, a compaixão, a gratuidade, o heroísmo, a inveja, a
crueldade, a covardia, etc. Por causa da já indicada falta de clara delimitação, ignorou-se até que ponto
alguns destes exemplos não pertencem antes ao domínio da vontade. No entanto, apenas um deles
bastaria para nosso fim“. [„Man erkennt leicht, daß dies nicht der Fall ist, sondern daß es wie einen
sittlich guten und sittlich schlechten Willen, auch sittlich gute und sittlich schlechte Gefühle gibt, wie
z. B. Mitleid, Dankbarkeit, Heldenmut, Neid, Schadenfreude, feige Furcht ust. Wegen des
besprochenen Mangels deutlicher Abgrenzung weiß ich freilich nicht, in wie weit einer einzelne von
diesen Beispielen vielleicht lieber zum Gebiete des Willens rechnet; aber auch nur ein e s von ihnen
würde zu unserem Zwecke genügen“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 108.

95
sentido estritamente rigoroso. Para Brentano, seria necessário que termos
como 'virtude' e 'maldade' fossem compreendidos no sentido estrito. O
desenvolvimento da Psicologia do ponto de vista empírico estabeleceria o
sentido rigoroso desses termos, sob pena de inviabilizar a ética como ramo da
psicologia:

Honramos, com o nome de virtude, apenas certos atos indicados, nos


quais é amado o verdadeiramente amável, ou odiado o
verdadeiramente odioso; e, do mesmo modo, atribuímos o nome de
maldade apenas a certos atos indicados, nos quais tem lugar uma
conduta oposta. Os atos de amor e ódio, nos quais uma conduta
correspondente parece natural, não se designa como virtuoso.
Poderíamos, talvez, mostrar como estes conceitos podem ser
alargados até serem aplicáveis com uma plena generalidade. Mas,
basta havermos demonstrado que, tal como os aplicamos
comumente, não oferecem nenhum apoio à distinção usual entre
167
sentimento e vontade.

Mesmo diante das dificuldades teóricas encontradas pelo próprio


Brentano, fica esboçado o primeiro ponto da ética. A saber: a classe das
atividades psíquicas do sentimento de amor e ódio, como um todo, experiencia
o bom ou mau próprio do objeto intencional in-existente.

b) A especificidade de cada modo de referência da consciência


ao objeto intencional in-existente. Essa especificidade definiu a experiência
do sentimento de amor e ódio como uma experiência valorativa moral. Assim,
ficou eliminada a possibilidade de conhecimento no âmbito da atividade
psíquica do sentimento.

Para estabelecer o segundo ponto fundamental de sua ética,


Brentano valeu-se, mais uma vez, da analogia que distinguia entre juízos e
sentimentos (amor e ódio). Essa analogia especificava a natureza do valor
originado a partir da relação sentimental ao objeto intencional in-existente.
Nesse ponto, a análise brentaniana não se ocupava meramente de descrever o
admitir ou o rechaçar, próprios do juízo, e nem o amar ou o odiar, próprios do
167
„Nur gewisse ausgezeichnete Akte, in welchen das wahrhaft Liebenswürdige geliebt, das wahrhaft
Hassenswürdige gehaßt wird, ehren wir mit dem Namen Tugend; und ebenso legen wir nur gewissen
ausgezeichneten Akten, in welchen ein entgegengesetztes Verhalten stattfindet, den Namen
Schlechtigkeit bei. Akte von Liebe und Haß, bei welchen ein entsprechendes Verhalten
Reibstverständlich erscheint, werden wir nicht als tugendhaft bezeichnen. Wir könnten vielleicht
zeigen, wie sich die Begriffe zu einer vollkommen allgemeinen Anwendbarkeit entschränken ließen.
Doch genügt es uns hier, dargetan zu haben, daß sie so, wie man sie gemeiniglich anwendet,
wenigstens der Üblichen Unterscheidung von Gefühl und Willen keine Stütze bieten“. Brentano,
Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 108. (nota *).

96
sentimento. Tratava-se de uma aplicação desse princípio estabelecido na
Psicologia do ponto de vista empírico. Assim, o propósito de tal analogia era
estabelecer que o bom e o mau fossem conteúdos de um ato psíquico de amor
ou ódio, assim como a verdadeiro e falso seriam conteúdos do juízo. Por isso,
como explicita a seguinte citação, o ato judicativo de admissão ou de rechaço
do objeto imanente era análogo ao ato sentimental de amor ou de ódio para
com tal objeto imanente:

Assim como a natureza geral do juízo consiste na admissão ou


rechaço de um fato, assim o caráter geral da esfera que ocupamos
agora consiste também, segundo o testemunho da experiência
interna, em certo admitir ou rechaçar, embora não no mesmo sentido,
mas em sentido análogo. Do mesmo modo que algo pode ser
conteúdo de um juízo, e enquanto verdadeiro é admitido ou falso
rechaçado, também pode ser conteúdo de um fenômeno da terceira
classe fundamental, e enquanto bom pode ser grato (no sentido mais
amplo da palavra) ou como mau, ingrato. Se ali se tratava da verdade
168
e falsidade de um objeto, aqui se trata de seu valor ou não valor.

Cabe aqui uma observação para que não se confunda o que


estamos analisando e para que possamos desencadear o próximo ponto da
análise a partir do que foi estabelecido até agora. Se o que foi apresentado
nesses dois pontos sugere a existência de uma proposta brentaniana de uma
ética do valor, não podemos situar essa proposta para além dos fundamentos
da Psicologia do ponto de vista empírico. Isso significaria abandonar o critério
aristotélico de divisão das classes de fenômenos constituintes da atividade
psíquica. Se, portanto, essa ética se fundou no sentimento de amor e ódio, sua
elaboração exigiu a análise de dois pontos para que ela não fosse interpretada
como uma teoria do conhecimento. A saber: (a) a descrição do modo como a
atividade da terceira classe experienciava o bom ou o mau no conteúdo
intencionalmente in-existente na consciência; e, fundamentalmente, (b) a
descrição do modo como essa atividade psíquica apreendia sua relação
psíquica ao bom ou mau e a define como valor moral.

168
„Wie die allgemeine Natur des Urteils darin besteht, daß eine Tatsache angenommen oder verworfen
wird, so besteht nach dem Zeugnisse der inneren Erfahrung auch der allgemeine Charakter des
Gebietes, welches uns jetzt vorliegt, in einem gewissen Annehmen oder Verwerfen; nicht in
demselben, aber in einem analogen Sinne. Wenn etwas Inhalt eines Urteils werden kann, insofern es
als wahr annehmlich oder als falsch verwerflich ist, so kann es Inhalt eines Phänomens der dritten
Grundklasse werden, insofern es als gut genehm (im weitesten Sinne des Wortes) oder als schlecht
ungenehm sein kann. Es handelt sich, wie dort um Wahrheit und Falschheit, hier um Wert und Unwert
eines Gegenstandes“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 88-
89.

97
O próprio Brentano foi incisivo acerca desse ponto, dizendo
expressamente: “[...] acredito que ninguém entenderá minhas palavras como se
eu quisesse dizer que os fenômenos desta classe são atos de conhecimento,
por meio dos quais se percebe bondade e maldade, valor ou não valor de
certos objetos”169.

Retomemos outra comparação que Brentano apresentou entre os


juízos e os sentimentos. Ela possibilita uma análise mais detalhada dos tipos
de valorações. Primeiramente, vejamos as especificidades que caracterizavam
a atribuição da verdade ou falsidade por meio do modo de referência que
admitia ou rechaçava o conteúdo intencional in-existente em uma
representação:

Quando dissemos que todo juízo que admite é assentimento e todo


juízo que rechaça é dissentimento, isto não significa que aquele
consista em uma predicação da verdade com respeito ao assentido,
nem este em uma predicação da falsidade com relação ao dissentido.
Nossas explicações anteriores demonstraram que o significado
destas expressões é uma modalidade especial da recepção
intencional de um objeto, uma modalidade especial da referência
psíquica a um conteúdo de consciência. O que há de exato é que
quem assente a algo, não apenas admite o objeto, mas também, à
pergunta sobre se o objeto deve ser admitido, admitirá também a
admissibilidade do objeto, ou seja, a verdade do objeto. A expressão
de assentimento se explica assim e a expressão de dissentimento se
170
explicará de um modo análogo.

Como veremos nos próximos capítulos, a Psicologia do ponto de


vista empírico limitou seus argumentos, pois não apresentou a distinção entre
juízos evidentes e juízos cegos. O argumento apresentado na citação acima
esclareceu, no entanto, o sentido específico da referência psíquica do juízo na

169
„Ich glaube, niemand wird meine Worte so verstehen, als wollte ich sagen, die Phänomene dieser
Klasse seien Erkenntnisakte, vermöge deren Güte oder Schlechtigkeit, Wert oder Unwert in gewissen
Gegenständen wahrgenommen werde“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 89.
170
„Wenn wir sagen, jedes anerkennende Urteil sei ein Fürwahrhalten, jedes verwerfende ein
Fürfalschhalten, so bedeutet dies also nicht, daß jenes in einer Prädikation der Wahrheit von dem
Fürwahrgehaltenen, dieses in einer Prädikation der Falschheit von dem Fürfalschgehaltenen bestehe;
unsere früheren Erörterungen haben vielmehr dargetan, daß, was die Ausdrücke bedeuten, eine
besondere Weise intentionaler Aufnahme eines Gegenstandes, eine besondere Weise der psychischen
Beziehung zu einem Inhalte des Bewußtseins ist. Nur das ist richtig, daß, wer etwas für wahr hält,
nicht bloß den Gegenstand anerkennt, sondern dann, auf die Frage, ob der Gegenstand anzuerkennen
sei, auch das Anzuerkennensein des Gegenstandes, d. h. (denn nichts anderes bedeutet der barbarische
Ausdruck) die Wahrheit des Gegenstandes ebenfalls anerkennen wird. Und damit mag der Ausdruck
'Fürwahrhalten' zusammenhängen. Der Ausdruck 'Fürfalschhalten' aber wird in analoger Weise sich
erklären“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 89-90.

98
teoria brentaniana de 1874. Tratava-se de uma atribuição de valor de verdade
ao ato psíquico (relação) que se referia ao objeto intencional in-existente. Essa
atribuição de valor de verdade estava “orientada” (por isso mesmo) pelo objeto
que ela continha (de certo modo), pois era nesse sentido que a verdade do
objeto deveria ser concebida e não como uma predicação da verdade acerca
de um sujeito (S é verdade).

Por analogia, a análise brentaniana estendeu esses critérios aos


atos psíquicos que experienciavam bondade ou maldade no conteúdo de uma
representação. Vejamos como argumentou o próprio Brentano:

Do mesmo modo, as expressões „ser grato como bom‟ e „ser ingrato


como mal‟ que usamos aqui de modo análogo, não significam, para
nós, que, nos fenômenos desta classe, a bondade seja atribuída a
uma coisa grata como boa ou a maldade a uma ingrata como má.
Entretanto, significam uma modalidade especial da referência da
atividade psíquica a um conteúdo. O que há de exato, aqui também, é
que aquela pessoa cuja consciência se refere deste modo a um
conteúdo, em conseqüência disso afirmará a pergunta sobre se o
objeto é de tal natureza que se pode entrar na referência
correspondente com ele. O que não significa nada mais que atribuir-
lhe bondade ou maldade, valor ou não valor. Um fenômeno desta
classe não é um juízo, como „isto se deve amar‟ ou „isto se deve
171
odiar‟, mas é um ato de amor ou de ódio.

O argumento da página anterior explicitou o sentido em que a


verdade do objeto deveria ser concebida. Por meio da descrição análoga ao
modo como se dava aquela atividade psíquica do juízo, esse argumento
descreveu a atribuição de valor moral. Tratava-se da atribuição de valor
(bondade ou maldade) ao ato psíquico (relação) que se refere ao objeto
intencional in-existente. Essa atribuição de valor moral estava “orientada” (por
isso mesmo) pelo objeto que ela continha (de certo modo). Esse, portanto, era
o sentido em que o valor moral do objeto deveria ser concebido e não como
uma predicação deôntica acerca do sujeito (S deve-se amar).
171
„Ebenso bedeuten uns denn die Ausdrücke, die wir hier in analoger Weise gebrauchen, 'als gut
genehm sein', 'als schlecht ungenehm sein', nicht, daß in den Phänomenen dieser Klasse Güte einem
als gut Genehmen, oder Schlechtigkeit einem als schlecht Ungenehmen zugeschrieben werde,
vielmehr bedeuten auch sie eine besondere Weise der Beziehung der psychischen Tätigkeit auf einen
Inhalt. Nur das ist auch hier richtig, daß einer, dessen Bewußtsein sich in solcher Weise auf einen
Inhalt bezieht, die Frage, ob der Gegenstand von der Art sei, daß man zu ihm in die betreffende
Beziehung treten könne, infolge davon bejahen wird; was dann nichts anderes heißt, als ihm Güte oder
Schlechtigkeit, Wert oder Unwert zuschreiben. Ein Phänomen dieser Klasse ist nicht ein Urteil: 'dies
ist zu lieben', oder 'dies ist zu hassen' (das wäre ein Urteil über Güte oder Schlechtigkeit); aber es ist
ein Lieben oder Hassen“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p.
90.

99
Apenas mais uma observação acerca dos pressupostos da
Psicologia do ponto de vista empírico que fundamentam essa descrição. Essa
valoração moral era, por si só, uma experiência imediata da própria atividade
psíquica do sentimento de amor e ódio, tal como estabelecia a percepção
interna de todo ato psíquico. Em outras palavras, a percepção interna, que
garantia a divisão das atividades psíquicas, consistia também na experiência
imediata da valoração descrita acima. Não se atentar para esse ponto, como
insistiu o próprio Brentano em argumentos análogos ao citado abaixo, significa
não reconhecer os critérios fundamentais da sua teoria de 1874:

Repito, pois, agora, no sentido das explicações dadas e sem o receio


de ser mal interpretado, que nos fenômenos desta classe tratamos da
bondade e da maldade, do valor e do não valor dos objetos,
analogamente como tratamos da verdade e da falsidade nos juízos.
Esta referência característica ao objeto é a que, como sustento, a
percepção interna nos dá a conhecer, de um modo imediato e
evidente, no apetite e na volição, assim como em tudo que
172
chamamos de sentimento ou emoção.

Em resumo, a análise brentaniana exposta descreveu o ato psíquico


de sentimento como fonte originária da valoração moral. Em função dessa
descrição, Brentano deparou-se com outra exigência básica de toda ciência
positiva: a possibilidade de inferência de leis gerais a partir das relações
estabelecidas entre os fenômenos psíquicos. Passamos, portanto, ao terceiro
ponto.

c) A inferência das leis da ética a partir dos juízos (ou crenças)


de relações causais que determinam o valor moral da vontade

Ainda que tenha indicado expressamente o caminho, Brentano não


se ocupou, explicitamente, do estabelecimento desse terceiro ponto no esboço
de sua ética, no entanto as linhas gerais, que circunscreveram a origem e o
universo de aplicação das leis da ética, estavam imbricadas nos argumentos
que fundamentavam a unidade da classe do sentimento de amor e ódio. Em

172
„Im Sinne der gegebenen Erläuterungen wiederhole ich also jetzt ohne Besorgnis mißverstanden zu
werden, daß es sich analog wie bei den Urteilen um Wahrheit oder Unwahrheit bei den Phänomenen
dieser Klasse um Güte und Schlechtigkeit, um Wert oder Unwert der Gegenstände handelt. Und diese
charakteristische Beziehung zum Objekte ist es, die, wie ich behaupte, bei Begehren und Wollen
sowie bei allem, was wir Gefühl oder Gemütsbewegung nennen, die innere Wahrnehmung in gleich
unmittelbarer und evidenter Weise erkennen läßt“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 90.

100
outras palavras, Brentano considerou que “[...] o amor e o ódio, ainda que não
sejam independentes das leis do curso das representações, estão submetidos
a leis especiais de sucessão e desenvolvimento, que constituem as bases
psicológicas da ética”173.

É interessante ressaltar outro ponto. A pergunta acerca de quais


eram essas leis especiais da ética, que complementariam as leis de sucessão
dos fenômenos, era recorrente no último capítulo da Psicologia do ponto de
vista empírico. Foram, no entanto, sempre evasivas as respostas ali
apresentadas. Brentano sempre remeteu ao quinto capítulo (não publicado) da
obra. Apesar dessa obscuridade acerca da questão, é possível estabelecer o
modo como Brentano propôs a inferência das regras fundamentais que
regeriam a sucessão e o desenvolvimento no âmbito da atividade psíquica de
amor e ódio. Vejamos o que disse Brentano:

Passemos ao último ponto da comparação: às leis da sucessão dos


fenômenos. Ainda que não se mostrem independentes das leis gerais
do curso da representação, os juízos apresentam, ainda, outras leis
especiais que não podem ser derivadas daquelas. Já observamos
que estas leis constituem as principais bases psicológicas da lógica.
Dizemos, então, que no amor e ódio ocorre algo análogo. De fato,
estes fenômenos não são independentes, nem das leis do curso de
representações, nem das gêneses e sucessões dos juízos. No
entanto, eles também mostram leis especiais e originais em sua
sucessão e desenvolvimento, as quais formam as bases psicológicas
174
da ética.

Analisaremos separadamente as considerações de Brentano. À luz


do que já foi explicitado a partir da Psicologia do ponto de vista empírico,
existiriam leis que governariam cada um dos âmbitos dos fenômenos

173
„Obwohl von den Gesetzen des Vorstellungslaufes nicht unabhängig, unterliegen doch Liebe und Haß,
als eine besondere, in der ganzen Weise des Bewußtseins grundverschiedene Gattung von
Phänomenen, noch besonderen Gesetzen der Sukzession und Entwickelung, welche vornehmlich die
psychologische Grundlage der Ethik ausmachen“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 67-68.
174
„Wenden wir uns zu dem letzten Punkte des Vergleiches, zu den Gesetzen der Sukzession der
Erscheinungen. Bei den Urteilen, obwohl sie von den allgemeinen Gesetzen des Vorstellungslaufes
sich keineswegs unabhängig zeigen, kommen doch noch andere, besondere Gesetze hinzu, welche aus
ihnen nicht abgeleitet werden können. Wir bemerkten bereits, daß diese Gesetze die vorzügliche
psychologische Grundlage der Logik ausmachen. Bei Liebe und Haß, sagten wir damals, sei etwa
ähnliches der Fall; und in der Tat sind zwar diese Phänomene weder von den Gesetzen des
Vorstellungslaufes noch von denen der Entstehung und Sukzession der Urteile unabhängig; aber
dennoch zeigen auch sie besondere unableitbare Gesetze ihrer Aufeinanderfolge und Entwickelung,
welche die psychologische Grundlage der Ethik bilden“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 109.

101
psíquicos: representação; juízo; e sentimento de amor e ódio. Diretamente
orientada pelo positivismo comtiano, a análise brentaniana apresentou cada
uma delas e mostrou o acréscimo da lei posterior em relação à anterior.

i) As leis gerais da representação. A análise brentaniana


descreveu as representações como relações básicas da consciência (relação
psíquica de referência ao objeto intencional). A partir de um conjunto de
relações básicas (representações) inferiam-se as regras gerais que governam
a relação direta entre intensidade da excitação física e a intensidade da
sensação. Isso explica o fato de que, em 1874, Brentano considerava que o
aumento ou diminuição da vivacidade e nitidez dos fenômenos era descrito
como única intensidade das representações. Tratava-se, assim, de uma
descrição do modo como as leis de sucessão dos fenômenos eram inferidas a
partir da atividade de representação175.

No próximo capítulo apresentaremos as consequências do


desenvolvimento dessa investigação para a própria teoria brentaniana. Por ora
nos restringimos a especular um pouco mais a consequência da ligação entre
os postulados da lógica brentaniana176 e a atividade psíquica do juízo.

ii) As leis gerais do juízo como leis básicas da lógica. Afirmamos


acima que Brentano concebeu o juízo como uma atribuição de valor de
verdade ao ato psíquico (relação) que se referia ao objeto intencional in-
existente. Essa atribuição de valor de verdade estava “orientada” (por isso
mesmo) pelo objeto que ela continha (de certo modo). Isso significava, dizia
ele, que “[...] quem assente a algo, não apenas admite o objeto, mas também,
à pergunta sobre se o objeto deve ser admitido, admitirá também a

175
Cf. Brentano, Franz. Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 98-99.
176
Acerca da lógica de Brentano, é fundamental relevarmos as seguintes considerações de Peter Simon.
“Brentano was versed in the logical doctrines of Aristotle, the Scholastics, and the British empiricists.
He was not a specialized logician, nor did he have any great interest in logic for its own sake or for its
history: his main interests were metaphysical, ethical, and psychological. His logic was a by-product
of these interests developed for teaching at the Universities of Würzburg and Vienna. He was an
admirer and correspondent of John Stuart Mill, whose 1843 A System of Logic for some time held
back the tide of mathematization in deductive logic while promoting inductive methods. Brentano did
not keep up with contemporary developments in logic. He conceived early in his career an antipathy
to mathematical logic, because he associated it with Hamilton‟s (to Brentano wildly erroneous)
doctrine of the quantification of the predicate, and he thereafter ignorantly opposed the idea of treating
logic with mathematical methods as if it must always make such an error”. Simon, Peter. Judging
correctly: Brentano and the reform of elementary logic, p. 46.

102
admissibilidade do objeto, ou seja, a verdade do objeto” 177. A descrição dessa
atividade psíquica constituinte da base de todo juízo, dissemos, consistia
naquela predicação existencial de inspiração aristotélica do tipo [(A é B) é], ou,
ainda, [(A) é].

Esse modo brentaniano de descrever a atividade psíquica do juízo


impôs algumas implicações para as leis especiais constituintes da lógica, pois
tais leis seriam inferidas a partir das regras encontradas pela percepção interna
no conjunto dos atos psíquicos de juízo existencial178. Uma vez inferidas, essas
leis seriam agregadas às leis básicas de sucessão dos fenômenos, tal como
determinava a orientação do positivismo comtiano. Assim como descreve a
citação abaixo, as leis da lógica deveriam ser uma universalização das regras
que governariam as operações dos juízos:

Pois bem, é necessária apenas esta concessão que todos nossos


oponentes fazem no tocante à cópula, para inferir dela, com
necessidade, que não se pode atribuir outra função ao „existe‟ e „não
existe‟ da proposição existencial. Pois, pode-se mostrar de modo
evidente que toda proposição categórica pode ser traduzida em uma
proposição existencial, sem nenhuma alteração de sentido e, assim, o
„existe‟ e o „não existe‟ da proposição existencial ocupa o lugar da
cópula. Eu quero esclarecer isto por meio de exemplos. A proposição
categórica „algum homem está enfermo‟ tem o mesmo sentido da
proposição existencial „um homem enfermo existe‟ ou „há um homem
enfermo‟. A proposição categórica „nenhuma pedra é viva‟ tem o
mesmo sentido da proposição existencial „uma pedra viva não existe‟
ou „não há pedras vivas‟. A proposição categórica „todos os homens
são mortais‟ tem o mesmo sentido da proposição „um homem imortal
não existe‟ ou „não há um homem imortal‟. A proposição categórica
„algum homem não é culto‟ tem o mesmo sentido da proposição
existencial „um homem inculto existe‟ ou „há um homem inculto‟.
Como as quatro classes de juízos categóricos que os lógicos trataram
de distinguir estão representadas nos quatro exemplos escolhidos, a
possibilidade da transformação verbal das proposições categóricas
179
em proposições existenciais fica provada universalmente.

177
„Nur das ist richtig, daß, wer etwas für wahr hält, nicht bloß den Gegenstand anerkennt, sondern dann,
auf die Frage, ob der Gegenstand anzuerkennen sei, auch das Anzuerkennensein des Gegenstandes,
(...) die Wahrheit des Gegenstandes ebenfalls anerkennen wird“. Brentano, Franz. Psychologie vom
empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 89-90.
178
Cf. Brentano, Franz. Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 56-57.
179
„Wohlan denn, - es bedarf nicht mehr als dieses Zugeständnisses, welches unsere Gegner allgemein
inbetreff der Copula machen, um daraus mit Notwendigkeit zu folgern, daß auch dem 'ist' und 'ist
nicht' des Existentialsatzes keine andere Funktion zugeschrieben werden könne. Denn aufs
Deutlichste läßt sich zeigen, daß jeder kategorische Satz ohne irgend welche Änderung des Sinnes in
einen Existentialsatz übersetzt werden kann, und daß dann das 'ist' und 'ist nicht' des Existentialsatzes
an die Stelle der Copula tritt. Ich will dies an einigen Beispielen nachweisen. Der kategorische Satz
'irgendein Mensch ist krank' hat denselben Sinn wie der Existentialsatz 'ein kranker Mensch ist' oder

103
Esse é o esboço da sua nova teoria silogística e Brentano utilizou-o
para exemplificar o modo como se daria a inferência das leis da lógica. Antes
de apresentarmos a analogia entre a origem dessas leis da lógica e das leis da
ética, resumamos o que se estabeleceu com o exposto neste ponto.

A argumentação brentaniana tomou com ponto de partida a regra


geral que governaria a relação psíquica dos juízos ao objeto intencional, ou
seja, o ponto de partida era a regra oriunda daquele tipo de juízo existencial
que afirma ou nega o conteúdo do ato psíquico. Brentano propôs fundar a
(nova) lógica180 ao estabelecer que “[...] as verdadeiras proposições afirmativas
são a chamada particular afirmativa e a chamada particular negativa” 181. Por
isso mesmo, “[...] as proposições verdadeiramente negativas, às quais
pertencem também as universais negativas, não contêm, naturalmente, a
admissão do sujeito, pois não afirmam nada, mas negam”182. Estabelecidos
esses pontos, a análise brentaniana afirmou que a lógica passava a vigorar sob
um conjunto de novas regras.183 Desse modo, tal como sintetiza Stegmüller,

'es gibt einen kranken Menschen'. Der kategorische Satz 'kein Stein ist lebendig' hat denselben Sinn
wie der Existentialsatz 'ein lebendiger Stein ist nicht' oder, 'es gibt nicht einen lebendigen Stein'. Der
kategorische Satz 'alle Menschen sind sterblich' hat denselben Sinn wie der Existentialsatz 'ein
unsterblicher Mensch ist nicht' oder 'es gibt nicht einen unsterblichen Menschen'. Der kategorische
Satz 'irgendein Mensch ist nicht gelehrt' hat denselben Sinn wie der Existentialsatz 'ein ungelehrter
Mensch ist' oder 'es gibt einen ungelehrten Menschen'. Da in den vier Beispielen, die ich wählte, die
sämtlichen vier Klassen von kategorischen Urteilen, welche die Logiker zu unterscheiden pflegen,
vertreten sind, so ist die Möglichkeit der sprachlichen Umwandlung der kategorischen Sätze in
Existentialsätze dadurch allgemein erwiesen“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 56-57.
180
Existem alguns estudos de Peter Simon que analisam a formalização existencial da proposta do
silogismo brentaniano. Entre esses estudos está o trabalho Judging correctly: Brentano and the reform
of elementary logic, in: The Cambridge Companion to Brentano, p. 45-95. Apresentá-los aqui seria,
porém, fugir dos propósitos da nossa tese.
181
„Die in Wahrheit affirmativen sind nach dem (…) partikulär bejahenden und verneinenden“. Brentano,
Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 58, (nota *).
182
„Die in Wahrheit negativen Behauptungen, zu welchen auch die allgemein bejahenden gehören,
enthalten selbstverständlich nicht die Anerkennung des Subjekts, da sie ja Überhaupt nicht etwas
anerkennen, sondern verwerfen“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter
Band, p. 58, (nota *).
183
“Em lugar das antigas regras dos silogismos categóricos, aparecem como regras capitais que permitem
uma aplicação imediata a cada figura e são perfeitamente suficientes em si mesmas para a apreciação
de todo silogismo, as três seguintes: 1. Todo silogismo categórico contém quatro termos, dos quais
dois são mutuamente opostos e os outros dois figuram duas vezes. 2. Se a conclusão é negativa, cada
uma das premissas tem em comum com ela a qualidade e um termo. Se a conclusão é afirmativa, uma
das premissas terá a mesma qualidade e um termo igual, a outra premissa terá qualidade oposta e
termo oposto. Essas são regras que um lógico da antiga escola não poderia ouvir sem horror. Eu digo:
que o silogismo tem quatro termos e o quaternio terminorum sempre foi condenado como um
paralogismo; que as conclusões negativas tenham premissas puramente negativas, e sempre foi
ensinado que nada pode se seguir de duas premissas negativas; que sob as premissas da conclusão

104
“Brentano achava que tinha mostrado, com isto, que toda a lógica formal
decorre apenas do princípio de não-contradição. Vários de seus discípulos
assumiram este ponto de vista. Mas esta concepção é sem dúvida incorreta”184.

iii) As leis gerais da ética. Com o exposto, podemos passar à


descrição dos procedimentos de inferência das leis da ética. Cabe dizer, no
entanto, que a descrição brentaniana da inferência das leis da ética foi muito
diferente daquelas oriundas das representações e dos juízos. As leis da ética
foram abordadas apenas por meio de exemplos ou por meio de analogias
específicas para com as leis das representações e dos juízos.

Adotaremos o seguinte procedimento expositivo. Apresentaremos os


exemplos e as analogias que propuseram a inferência de tais leis a partir de
dois pontos estabelecidos pela argumentação brentaniana. Em seguida,
mostraremos que Brentano compartilhava com J. S. Mill as principais questões
a que a lógica e a ética deveriam responder, na medida em que estariam

afirmativa se encontra um juízo negativo e se jurou que ela exige inevitavelmente duas premissas
afirmativas. Além disso, não restou lugar para uma conclusão categórica de premissas afirmativas e se
ensinava que as premissas afirmativas eram as melhores, pois quando uma negativa se associava a ela,
denominava-a a pejor par. Finalmente, nas novas regras não se ouve nada de „universal‟ e „particular‟,
e tinham-se essas expressões na ponta da língua, por assim dizer. E suas antigas regras não se
mostraram tão adequadas no exame do silogismo que agora, de modo inverso, os mil silogismos
medidos por ela consistem numa prova e uma garantia para elas mesmas? Vamos deixar de
reconhecer como válido o célebre silogismo „todos os homens são mortais; Caio é um homem, logo
Caio é mortal‟ e todos os seus companheiros? Isto parece uma pretensão impossível”. [„An die Stelle
der früheren Regeln von den kategorischen Schlüssen treten als Hauptregeln, die eine unmittelbare
Anwendung auf jede Figur gestatten, und für sich allein zur Prüfung eines jeden Syllogismus
vollkommen ausreichend sind, folgende drei: (1) Jeder kategorische Syllogismus enthält vier Termini,
von denen zwei einander entgegengesetzt sind und die beiden anderen zweimal zu stehen kommen.
(2) Ist der Schlußsatz negativ, so hat jede der Prämissen die Qualität und einen Terminus mit ihm
gemein. (3) Ist der Schlußsatz affirmativ, so hat die eine Prämisse die gleiche Qualität und einen
gleichen Terminus, die andere die entgegen gesetzte Qualität und einen entgegen gesetzten Terminus.
Das sind Regeln, die ein Logiker der alten Schule zunächst nicht ohne Grauen hören wird. Vier
Termini soll jeder Syllogismus haben: und er hat die Quaternio terminorum immer als Paralogismus
verdammt. Negative Schlußsätze sollen lauter negative Prämissen haben: und er hat immer gelehrt,
daß aus zwei negativen Prämissen nichts gefolgert werden könne. Auch unter den Prämissen des
affirmativen Schlußsatzes soll sich ein negatives Urteil finden: und er hätte darauf geschworen, daß er
unumgänglich zwei affirmative Prämissen verlange. Ja, für einen kategorischen Schluß aus
affirmativen Prämissen ist gar kein Raum gelassen: und er hatte doziert, daß die affirmativen
Prämissen die vorzüglichsten seien, indem er, wo eine negative sich dazu gesellte, diese als die 'pejor
pars' bezeichnete. Von 'allgemein' und 'partikulär' endlich hört man in den neuen Regeln gar nichts:
und er hatte diese Ausdrücke sozusagen immer im Munde geführt. Und haben nicht seine alten Regeln
sich bei der Prüfung der Syllogismen so geeignet erwiesen, daß nun umgekehrt wieder die tausend an
ihrem Maßstabe gemessenen Schlüsse für sie selbst Probe und Bewährung sind? Sollen wir den
berühmten Schluß: 'Alle Menschen sind sterblich, Cajus ist ein Mensch, also ist Cajus sterblich', und
alle seine Begleiter nicht mehl' als bündig anerkennen - Das scheint eine unmögliche Zumutung“].
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 78-79.
184
Stegmüller, Wolfgang. Filosofia da evidência: Franz Brentano, p. 52.

105
fundadas na psicologia. Finalmente, exporemos o modo como a teoria
brentaniana respondeu a essas questões recepcionadas de J. S. Mill.

Em primeiro lugar, consideraremos o que acabamos de explicitar no


início da seção: a) todos os atos psíquicos que compõem os sentimentos de
amor e ódio consistiam numa referência ao caráter bom ou mau do objeto que
in-existe intencionalmente como conteúdo de consciência; b) a experiência do
sentimento de amor e ódio era descrita como uma experiência valorativa moral
do modo de referência da consciência ao objeto intencional in-existente.
Descrita dessa maneira, ela eliminava a possibilidade de conhecimento no
âmbito da atividade psíquica do sentimento.

Em segundo lugar, consideraremos a explicação do próprio


Brentano acerca das regras ou leis de sucessão específicas da atividade de
sentimento de amor e ódio. Ele destacou o fato de que “[...] com muita
freqüência um objeto é amado ou odiado por causa de outro, sendo que em si
e por si não nos moveria em nenhum de ambos os sentidos, ou talvez o
faríamos em sentido oposto”185. Isso significava, ainda segundo suas
considerações, que, “[...] uma vez transferido deste modo, o amor se adere
persistentemente ao novo objeto sem consideração à origem”186. A validade
dessa “transferência” estaria no fato de que ela seria análoga a uma crença
própria do âmbito do juízo. Para corroborar sua hipótese, ele recorreu a um dos
vários pontos de identidade entre sua teoria e a de J. S. Mill. Como destaca a
citação a seguir, Brentano apontou a tarefa da psicologia e ressaltou a analogia
existente entre o julgar e o apetecer:

Mas isto disse com razão J. St. Mill em sua lógica das ciências do
espírito: “no que se refere à crença, os psicólogos haverão de
investigar sempre mediante estudos específicos e segundo as regras
da indução, (a) que crença temos por meio da consciência imediata,
(b) que leis regem a gênese de uma crença a partir de outra, (c) em
virtude de quais leis uma coisa é considerada como prova de outra
para nosso espírito, com razão ou sem ela. No que se refere ao
apetite, haverão de investigar, do mesmo modo, (d) que objetos
apetecemos primordialmente e (e) que causas nos conduzem a

185
„Sehr häufig wird ein Gegenstand wegen eines andern geliebt und gehaßt, während er an und für sich
in keiner von beiden Weisen oder vielleicht nur in einer entgegengesetzten uns bewegen würde“.
Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 68.
186
„Und oft haftet die Liebe, einmal in dieser Weise übertragen, ohne Rücksicht auf den Ursprung
bleibend an dem neuen Objekte“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter
Band, p. 68.

106
apetecer coisa que são primordialmente indiferentes ou inclusive
187
desagradáveis, etc. (Ded. u. lnd. Logik B. VI, Kap. 4, § 3)”.

Detenhamo-nos um pouco nas questões levantadas na citação


acima. Nossa estratégia argumentativa inverterá esse desafio de J. S. Mill
apresentado por Brentano. Devolveremos o problema ao próprio Brentano e
mostraremos como a sua teoria respondeu às principais questões que ele
mesmo lança para as teorias lógica e ética fundadas na psicologia. Vejamos:

A resposta da lógica brentaniana para a questão (a) (que crença


temos por meio da consciência imediata?) foi a seguinte. Para Brentano, a
“crença” obtida por meio da consciência imediata era um “conhecimento”
descrito por meio de um juízo existencial. Considerando esse ponto, a análise
brentaniana respondeu à questão (b) (que leis regem a gênese de uma crença
a partir de outra?), ao sustentar que a nova teoria dos silogismos descrevia as
leis que regem a gênese de um juízo a partir de outro (regras de inferência).
Além disso, essa nova teoria do silogismo também respondeu à questão (c)
(em virtude de quais leis uma coisa é considerada como prova de outra para
nosso espírito, com razão ou sem ela?), pois suas regras justificavam a
validade ou invalidade das inferências, uma vez que todas as proposições se
reduziriam a um juízo existencial.

A resposta da ética para a questão (d) (que objetos apetecemos


primordialmente?) foi a seguinte. A “crença” de que determinados objetos
amados causarão outros objetos era obtida por meio da percepção interna
como um juízo existencial [(S é P)é] ou [(S)é]. Por quê? Porque uma crença era
um juízo e todo juízo poderia ser reduzido à forma de um juízo existencial.
Considerando esse ponto, bem como sua analogia com a lógica, a ética
brentaniana deveria responder à questão (e) (que causas nos conduzem a
apetecer coisas que são primordialmente indiferentes ou inclusive

187
„So sagt denn mit Recht J. St. Mill in seiner Logik der Geisteswissenschaften: In betreff des G1aubens
werden die Psychologen immer durch spezifisches Studium nach den Regeln der Induktion zu
untersuchen haben, welchen Glauben wir durch unmittelbares Bewußtsein haben, und nach welchen
Gesetzen ein Glaube den anderen erzeugt; welches die Gesetze sind; kraft deren ein Ding, mit Recht
oder mit Unrecht, von unserem Geiste als Beweis für ein anderes Ding angesehen wird. In bezug auf
das Begehren werden sie ebenso zu untersuchen haben, welche Gegenstände wir ursprünglich
begehren, und welche Ursachen uns dazu führen, Dinge zu begehren, die uns ursprünglich
gleichgültig oder sogar unangenehm sind usw. (Ded. u. lnd. Logik B. VI, Kap. 4, § 3)". Brentano,
Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 68.

107
desagradáveis?). A resposta para essa questão deveria conter duas partes:
(1ª) a uma teoria ética análoga à nova teoria do silogismo, pois tal teoria
permitiria descrever a gênese de um amor a partir de outro; e (2 ª) as regras
que justificariam a validade ou invalidade das inferências de um amor a partir
do outro. Tal como Brentano afirma a seguir, esses dois últimos pontos
constituem o já mencionado compromisso da Psicologia do ponto de vista
empírico, que nunca foi levado a público por Brentano:

Com muita freqüência um objeto é amado ou odiado por causa de


outro, sendo que em si e por si não nos moveria em nenhum de
ambos os sentidos, ou talvez o faríamos em sentido oposto. A este
respeito, também, encontramos um fato inteiramente análogo nos
juízos. Também a eles, leis especiais que valem exclusivamente para
o juízo, e estão numa relação análoga com a lógica assim como as
leis do amor e ódio estão com a ética, se agregam às leis gerais do
curso das representações, cujo fluxo sobre a esfera do juízo é
inegável. Um juízo é inferido do outro, segundo leis especiais, como
188
um amor surge de outro, segundo leis especiais.

Podemos apresentar agora o fundamento da nossa interpretação e


justificarmos a analogia entre as leis especiais da lógica e as prometidas leis
especiais da ética. Ao descrever a unidade da atividade psíquica de sentimento
de amor e ódio, a argumentação brentaniana utilizou um dos princípios da
futura lei especial de sucessão que governaria a ética. Detenhamo-nos um
pouco mais nesse ponto.

Brentano argumentou que “[...] toda volição ou tendência, em seu


sentido mais próprio, se refere a uma ação. Não simplesmente um afã de que
algo suceda, mas um desejo de que algo se dê como conseqüência do próprio
desejo”189. A condição de possibilidade desse sentimento de amor estaria, no
entanto, no conhecimento de algo que manifestasse essa relação causal, pois,

188
„Sehr häufig wird ein Gegenstand wegen eines andern geliebt und gehaßt, während er an und für sich
in keiner von beiden Weisen oder vielleicht nur in einer entgegengesetzten uns bewegen würde. Und oft
haftet die Liebe, einmal in dieser Weise übertragen, ohne Rücksicht auf den Ursprung bleibend an dem
neuen Objekte. Auch in dieser Hinsicht aber finden wir eine ganz analoge Tatsache bei den Urteilen.
Auch bei ihnen kommen zu den allgemeinen Gesetzen des Vorstellungslaufes, deren Einfluß auf dem
Gebiete des Urteils nicht zu verkennen ist, noch besondere Gesetze hinzu, die speziell für die Urteile
Geltung haben, und in ähnlicher Beziehung zur Logik, wie die Gesetze der Liebe und des Hasses zur
Ethik stehen. Wie ein e Liebe aus der anderen nach besonderen Gesetzen entsteht, so wird ein Urteil aus
dem anderen nach besonderen Gesetzen gefolgert“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 68.
189
"Jedes Wollen oder Streben im eigentlicheren Sinne bezieht sich auf ein Handeln. Es ist nicht einfach
ein Begehren, daß etwas geschehe, sondern ein Verlangen, daß etwas als Folge des Verlangens selbst
eintrete“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 115.

108
disse ele, “[...] antes de haver alcançado o conhecimento, ou ao menos a
presunção, de que certos fenômenos de amor e desejo arrastam atrás de si os
objetos amados como suas conseqüências imediatas ou mediatas, uma volição
é impossível”190. Brentano considerava que uma questão se impunha como
consequência desse argumento. A saber: Qual é o modo de chegar a tal
conhecimento ou presunção?191. Ora, se retomarmos o que foi apresentado
acerca da referência que constitui a atividade psíquica do juízo, nós devemos
considerar que a resposta de Brentano apontaria um tipo de conhecimento
apodítico descrito pela estrutura [(S é P)é]. O conhecimento, ou a crença
descrita por Mill, de que um ato de amor implicará outro ato de amor teria seu
fundamento prévio na atividade psíquica do juízo 192. Assim, vale reiterar a

190
„Ehe jemand die Erkenntnis oder wenigstens die Vermutung gewonnen hat, daß gewisse Phänomene
der Liebe und des Verlangens die geliebten Gegenstände unmittelbar oder mittelbar als Folge nach
sich ziehen, ist ein Wollen für ihn unmöglich“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 115.
191
„Como chegar, então, a tal conhecimento ou presunção? [„Wie soll er nun aber zu einer solchen
Erkenntnis oder Vermutung gelangen?“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 115.
192
“Assim, (J. S. Mill) não apenas refuta a opinião de James Mill e de Herbert Spencer em uma de suas
notas ao Analisis daquele autor (J. Mill), segundo a qual a crença consiste em uma associação
inquebrantável de representações, mas também nega que a crença se forme apenas pelas leis de
associação de idéias, como estes dois pensadores teriam que admitir necessariamente. Se este fosse o
caso, diz ele, o sentimento seria coisa do hábito e do acaso, e não da razão. Uma associação entre
duas representações, por forte que seja, não é uma razão suficiente para o assentimento. Não é uma
prova de que os fatos correspondentes estejam entrelaçados na natureza exterior. A teoria parece
suprimir toda diferença entre o assentimento do sábio, regido pelas demonstrações que correspondem
às sucessões e coexistências reais dos fatos no mundo, e o assentimento do louco, produzido
mecanicamente por qualquer associação causal que provoque a representação de uma sucessão ou
coexistência no espírito. Assentimento este que se caracteriza exatamente pelo ditado comum de
afirmar algo „porque veio à cabeça‟( Lógica Ded. e ind., libro VI, ch. XI, nota 108). Seria supérfluo
nos determos mais em um ponto que está suficientemente claro, e que é reconhecido por todos os
pensadores, com raras exceções. Discussões posteriores iluminarão mais ainda o que foi dito aqui
sobre as leis especiais dos juízos e emoções (Brentano esclarece, em 1911, que se trata dos prometidos
livros IV e V que não foram publicados)”. [„Dem entsprechend verwirft er in seinen Noten zur
Analyse von James Mill nicht bloß die Ansicht des Verfassers so wie Herbert Spencers, daß der
Glaube in einer untrennbar festen Assoziation von Vorstellungen bestehe, sondern er leugnet auch,
daß, wie diese beiden Denker notwendig annehmen mußten, der Glaube nur nach den Gesetzen der
Ideenassoziation sich bilde. Wäre dies der Fall, sagt er, so würde das Fürwahrhalten eine Sache der
Gewohnheit und des Zufalls und nicht der Vernunft sein. Sicher ist eine Assoziation zwischen zwei
Vorstellungen, so stark sie auch sein mag, kein hinreichender Grund des Fürwahrhaltens; sie ist kein
Beweis dafür, daß die betreffenden Tatsachen in der äußeren Natur verbunden sind. Die Theorie
scheint jeden Unterschied aufzuheben zwischen dem Fürwahrhalten des Weisen, welches durch
Beweisgründe geleitet wird und den wirklichen Sukzessionen und Coexistenzen der Tatsachen in der
Welt entspricht, und dem Fürwahrhalten eines Toren, welches durch irgendwelche zufällige
Assoziation, welche die Vorstellung einer Sukzession oder Coexistenz in dem Geiste hervorruft,
mechanisch hervorgebracht worden ist, einem Fürwahrhalten, das treffend charakterisiert wird durch
die gemeinübliche Bezeichnung, 'etwas für wahr halten, weil man es sich in den Kopf gesetzt hat'
(Ded. u. lnd. Logik B. VI, ch. XI, Note 108). Es wäre überflüssig, jetzt länger bei einem Punkte zu
verweilen, der genügend klar und, mit geringen Ausnahmen, auch von allen Denkern anerkannt wird.

109
afirmação de Brentano: “[...] quem assente a algo, não apenas admite o objeto,
mas também, à pergunta sobre se o objeto deve ser admitido, admitirá também
a admissibilidade do objeto, ou seja, a verdade do objeto”193. Esse era,
portanto, o tipo de conhecimento considerado como experiência de um influxo
da atividade psíquica do sentimento de amor e ódio:

Se a volição supõe a experiência da um influxo dos fenômenos de


amor na produção do objeto amado, isto supõe evidentemente que
também os fenômenos de amor que não possam ser chamados
volições se revelariam eficazes, de modo análogo à volição, ainda
194
que talvez em grau mais débil.

Apesar dessa especificidade do conhecimento pressuposto pela


atividade psíquica de sentimento de amor e ódio, Brentano não ofereceu uma
teoria análoga ao novo silogismo que permitisse descrever a gênese de um
amor a partir de outro. Além disso, ele também não apresentou as regras que
justificariam sua validade ou invalidade.

O que ofereceu então Brentano como resposta para as duas últimas


questões de J. S. Mill que ele mesmo lançou? Como resposta, encontramos,
nas conclusões da Psicologia do ponto de vista empírico, apenas seu
comprometimento com aquilo que ele classificou como o erro de Aristóteles e
confessou, em 1889, não ter percebido no contexto da formulação das suas
primeiras obras. Vejamos o compromisso com esse erro:

(a) O fenômeno psíquico do amor é consequência do conhecimento:

Não apenas o representar é notoriamente uma condição prévia da


vontade, as crescentes discussões revelam que também o juízo

Spätere Erörterungen werden das, was hier über die besonderen Gesetze der Urteile und der
Gemütsbewegungen gesagt worden ist, noch mehr ins Licht setzen. [Buch IV und V. (Nicht zum
Druck gelangt.) Anmerkung von 1911]“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 68-69.
193
„Wer etwas für wahr hält, nicht bloß den Gegenstand anerkennt, sondern dann, auf die Frage, ob der
Gegenstand anzuerkennen sei, auch das Anzuerkennensein des Gegenstandes, (...) die Wahrheit des
Gegenstandes ebenfalls anerkennen wird“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 89-90.
194
„Wenn das Wollen die Erfahrung eines Einflusses von Phänomenen der Liebe zur Hervorbringung
des geliebten Gegenstandes voraussetzt, so setzt es offenbar voraus, daß auch Phänomene der Liebe,
welche kein Wollen genannt werden können, ähnlich wie das Wollen, wenn auch vielleicht in
schwächerem Grade, sich wirksam erweisen“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 116.

110
precede ao amor e ao ódio em geral, e mais ainda ao fenômeno
195
relativamente tardio da volição.

(b) Com base na regra que se infere dessa relação, considera a


ética como a retidão do amor que se encontra em conformidade
com essa sua regra196:

Parece inconcebível que um ente esteja dotado com a faculdade do


amor e do ódio, sem ter parte na (faculdade) do juízo. Deste modo, é
impossível estabelecer lei alguma de sucessão, para este gênero de
197
fenômenos, prescindindo inteiramente dos fenômenos do juízo.

O exposto é suficiente para estabelecer que o principal problema


enfrentado por Brentano na formulação da sua teoria do conhecimento moral
(1889) foi sua própria teoria do sentimento moral, bem como o aristotelismo em
que ela se fundamentou.

195
„Nicht bloß das Vorstellen ist offenbar eine Vorbedingung des Wollens; die eben geführten
Erörterungen zeigen, daß auch das Urteilen dem Lieben und Hassen überhaupt, und um so mehr dem
relativ späten Phänomene des Wollens vorgeht“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 129.
196
Cf. Brentano, Franz. Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.
197
„So scheint es in der Tat undenkbar, daß ein Wesen mit dem Vermögen der Liebe und des Hasses
begabt wäre, ohne an dem des Urteiles Teil zu haben. Und ebenso ist es unmöglich, irgendwelches
Gesetz der Aufeinanderfolge für diese Gattung von Phänomenen aufzustellen, welches von den
Phänomenen des Urteiles gänzlich absieht“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt,
Zweiter Band, p. 128.

111
CAPÍTULO III

OS FUNDAMENTOS DA DESCRIÇÃO DOS FENÔMENOS


PSÍQUICOS NO CONTEXTO DA PSICOLOGIA DESCRITIVA (1889)

3.1 Introdução

Nossa tese sustenta que a teoria apresentada por Brentano na obra


A origem do conhecimento moral (1889) consistiu num conjunto de correções
para as teorias apresentadas na Psicologia do ponto de vista empírico (1874).
As afirmações textuais de 1889, que apresentamos no primeiro capítulo,
apontaram o caminho equivocado que a ética do sentimento moral seguiu.
Sustentamos que esse equívoco decorreu dos fundamentos da filosofia do
psíquico de 1874, orientada pela noção aristotélica de in-existência do objeto
intencional. A base textual para a apresentação desse problema foi a própria
confissão tardia de Brentano acerca da incorporação do erro aristotélico à
formulação das teses sustentadas nas suas primeiras obras.

A exposição sistemática do problema que estamos descrevendo na


teoria brentaniana de 1874 é a seguinte. A noção de objeto intencional in-
existente, que serviu de base para a formulação de sua teoria ética do
sentimento moral, fundamentou: (a) a descrição do fenômeno psíquico do amor
como consequência do conhecimento (de uma relação de causa e efeito entre
objetos amados); e, com base na regra que se inferia dessa relação, (b)
descrevia a ética como a retidão do amor que se encontra em conformidade
com essa sua regra198. Assim, portanto, os equívocos encontrados na teoria do
sentimento moral são decorrentes dos fundamentos da Psicologia do ponto de
vista empírico, de 1874.

Tal como expusemos no primeiro capítulo, as considerações textuais


de Brentano acerca da correção na teoria do sentimento moral exigiam a
reformulação de um ponto específico. Importava apresentar uma descrição da
atividade psíquica para fundamentar “[...] o fato de que juntamente com a
198
Cf. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.

112
experiência da atividade sentimental está unido concomitantemente o
conhecimento da bondade do objeto”199. Tomando por base o explícito
propósito brentaniano de levar a cabo essa tarefa em 1889, nossa tese está
sustentada na interpretação de que o novo modo de descrição das atividades
psíquicas consistiu numa reformulação de sua filosofia do psíquico de 1874.
Consequentemente, esse novo modo de descrição resultou no abandono da
noção de in-existência intencional do objeto e da noção de verdade como
correspondência. Em outras palavras, iniciada em 1889, a reformulação da
teoria brentaniana da intencionalidade substituiu o fundamento ontológico da
noção de intencionalidade, encontrado na in-existência intencional do objeto,
por um fundamento epistemológico, encontrado no ato intencional da
consciência. Assim, nossa hipótese a ser corroborada sustenta que a ética,
como teoria do conhecimento moral, se explicitou na medida em que a
atividade psíquica passou a ser descrita como um ato intencional, em si mesmo
evidente.

Neste capítulo trataremos de explicitar o modo como as descrições


das atividades psíquicas de 1889, tomadas como atos intencionais,
apresentaram duas novas especificidades constituintes do sentimento de amor
e ódio. De modo mais específico, apresentaremos a descrição da evidência na
atividade psíquica do sentimento, pois ela estabeleceu a distinção entre o
sentimento justo de ordem superior, análogo ao juízo evidente, e o sentimento
de ordem inferior, análogo ao juízo cego. Nossa análise apresentará
primeiramente a descrição brentaniana do caráter intencional dos atos
psíquicos e explicitará que tais atos consistiam em relações intencionais.
Mostraremos como essa nova descrição estava orientada e justificada pela
descrição das relações entre as partes e o todo da consciência apresentada
por Brentano na Psicologia descritiva. Em seguida, apresentaremos a
descrição das atividades psíquicas do juízo, compreendida em 1889 como atos
intencionais da consciência. Em terceiro lugar, apresentaremos a principal
implicação dessa reformulação para a nossa tese. Trata-se da descrição do
fenômeno psíquico de amor e ódio como atos intencionais da consciência, pois

199
„Daß mit der Erfahrung der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit auch die Erkenntnis der Güte
des Objekts immer zugleich gegeben ist“ Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79,
nota 28.

113
tal descrição estabeleceu a distinção entre o sentimento justo de ordem
superior e o sentimento de ordem inferior. Essa distinção descreveu o ato
intencional de sentimento superior e sua cognição imediata do sentimento
justo. Partiremos, portanto, do fato de que as raízes do problema moral não se
encontravam na teoria ética ou na teoria do conhecimento, e sim na psicologia.
Mostraremos que a solução brentaniana para o problema da apreensão da
justeza do sentimento foi apresenta em 1889 como uma teoria acerca da
origem do conhecimento moral inspirada na futura Psicologia descritiva.

3.2 A orientação cartesiana para a descrição das atividades da


consciência em 1889

Nos capítulos anteriores, nossa análise da descrição brentaniana


das atividades psíquicas mostrou que a orientação aristotélica conduziu a ética
brentaniana a uma teoria do sentimento moral, mas havia algo mais. Tal como
mencionamos no primeiro capítulo, foi preciso descrever outro equívoco
reconhecido por Brentano como limitador de sua teoria. Tratava-se, como
veremos adiante, do fato de não ter distinguido, em 1874, o acerto e o erro
cometido por Descartes na sua descrição das atividades psíquicas de juízo. A
relevância desse ponto está no fato de que Descartes foi o interlocutor de
Brentano na sua classificação dos fenômenos psíquicos em 1889, pois
Brentano assumiu estrategicamente parte dos critérios cartesianos para definir
as classes fundamentais de fenômenos psíquicos. Em função desses critérios,
a análise brentaniana descreveu os atos psíquicos como relações intencionais
evidentes em si mesmas. Vejamos, passo a passo, as bases textuais e as
implicações dessa análise.

A noção de intencionalidade, tal como Brentano a apresentou em


1889, foi descrita nos seguintes termos:

O traço comum característico de todo psíquico consiste naquilo que


freqüentemente foi designado com o nome de consciência
(expressão, infelizmente, muito exposta a mal-entendidos), ou seja,
consiste em uma atitude do sujeito, em uma referência

114
intencional – tal como foi chamada – a algo que, ainda que não seja
real, no entanto está dado interiormente como objeto. Não existe
audição sem algo ouvido, nem crença sem algo crido, nem esperança
sem algo esperado, nem aspiração sem algo a que se aspire, nem
regozijo sem algo de que nos regozijemos, e assim
200
sucessivamente.

Analisaremos os detalhes dessa definição a partir de uma


comparação com a clássica definição de 1874:

Todo fenômeno psíquico está caracterizado por aquilo que os


escolásticos da idade média chamaram de in-existência intencional
(ou mental) de um objeto e que nós chamamos, se bem que com
expressões não inteiramente inequívocas, a referência a um
conteúdo, a direção a um objeto (pelo qual não se deve entender
aqui uma realidade), ou a objetividade imanente. Todo fenômeno
psíquico contém algo em si como seu objeto, ainda que nem todos do
mesmo modo: na representação há algo representado; no juízo há
algo admitido ou rechaçado; no amor, amado; no ódio, odiado; no
201
apetite, apetecido, etc.

Tal como foi utilizada na Psicologia do ponto de vista empírico, a


noção de intencionalidade consistiu no critério positivo para a divisão dos
fenômenos psíquicos em suas três classes. Por esse motivo, são manifestas
algumas diferenças do novo modo de apresentação da noção de
intencionalidade, quando comparado com a clássica definição de 1874.

Em primeiro lugar, podemos destacar a relevância que Brentano


deixou de atribuir às doutrinas aristotélicas e escolásticas da intencionalidade
nessa classificação de 1889, pois se, na Psicologia do ponto de vista empírico,
o critério de classificação dos fenômenos psíquicos foi atribuído integralmente
a Aristóteles e sua tradição, na Origem do conhecimento moral o estagirita é

200
„Der gemeinsame Charakterzug alles Psychischen besteht in dem, was man häufig mit einem leider
sehr mißverständlichen Ausdruck Bewußtsein genannt hat, d. h. in einem subjektischen Verhalten, in
einer, wie man sie bezeichnete, intentionalen Beziehung zu etwas, was vielleicht nicht wirklich, aber
doch innerlich gegenständlich gegeben ist. Kein Hören ohne Gehörtes, kein Glauben ohne Geglaubtes,
kein Hoffen ohne Gehofftes, kein Streben ohne Erstrebtes, keine Freude ohne etwas, worüber man
sich freut, und so im Übrigen“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 16.
201
“Jedes psychische Phänomen ist durch das charakterisiert, was die Scholastiker des Mittelalters die
intentionale (auch wohl mentale) Inexistenz eines Gegenstandes genannt haben, und was wir, obwohl
mit nicht ganz unzweideutigen Ausdrücken, die Beziehung auf einen Inhalt, die Richtung auf ein
Objekt (worunter hier nicht eine Realität zu verstehen ist), oder die immanente Gegenständlichkeit
nennen würden. Jedes enthält etwas als Objekt in sich. obwohl nicht jedes in gleicher Weise. In der
Vorstellung ist etwas vorgestellt, in dem Urteile ist etwas anerkannt oder verworfen, in der Liebe
geliebt, in dem Hasse gehaßt, in dem Begehren begehrt usw“. Brentano, Franz. Psychologie vom
empirisch Standpunkt, Erster Band, p. 124-125.

115
citado apenas como precursor desse critério202. Em segundo lugar, explicita-se
o fato de que o elemento relevante de definição de 1889 era a natureza
epistemológica da „atitude do sujeito‟, pois ela consistia em uma referência
intencional – tal como foi chamada – a algo dado interiormente como objeto.
Por isso, tratava-se de uma reformulação conceitual, uma vez que a clássica
definição de 1874 estabelecia como relevante o estatuto ontológico da noção
de in-existência do objeto intencional, pois ela afirmava que “[...] todo fenômeno
psíquico está caracterizado por aquilo que os escolásticos da idade média
chamaram de in-existência intencional (ou mental) de um objeto”203.

Apesar dessa diferença radical na definição, as funções atribuídas à


noção de intencionalidade permaneceram as mesmas. Suas funções
consistiam, ainda, (1) em definir positivamente os fenômenos psíquicos frente
aos físicos, bem como (2) distinguir e descrever os tipos de fenômenos que
constituíam a atividade psíquica. Assim, portanto, como se explicita a partir da
citação abaixo, a noção de referência intencional assumiu novamente a função
de critério para a definição positiva e classificação dos fenômenos psíquicos:

Assim como, nas intuições de conteúdo representativo físico, as


qualidades sensíveis oferecem numerosas diferenças, assim também
diferenças são oferecidas pelas referências intencionais das
intuições de conteúdos psíquicos. Assim como nas primeiras, o
número dos sentidos se estabelece a partir das diferenças mais
profundas entre as qualidades sensíveis (que Helmholtz chamou de
diferenças de modalidade), assim também, nas segundas, o número
de classes fundamentais de fenômenos psíquicos fica estabelecido
pelas diferenças mais profundas entre as referências intencionais.
204
De acordo com isto, existem três classes de fenômenos psíquicos.

202
Para esclarecer essa definição, Brentano acrescenta a seguinte nota: “Também se encontra em
Aristóteles os primeiros germes desta doutrina. Conferir principalmente Metafísica, Δ, 15, 1021, a 29.
O termo „intencional‟ procede dos escolásticos, como um bom número de outras denominações de
conceitos importantes”. [„Auch von dieser Lehre finden sich die ersten Keime bei Aristoteles, vgl.
insbes. Metaph. Δ, 15, p. 1021 a 29. Der Terminus ‚intentional„ stammt, wie so manche andere
Bezeichnung wichtiger Begriffe, von den Scholastikern her“]. Brentano, Franz. Vom Ursprung
Sittlicher Erkenntnis, p. 54, nota 19.
203
“Jedes psychische Phänomen ist durch das charakterisiert, was die Scholastiker des Mittelalters die
intentionale (auch wohl mentale) Inexistenz eines Gegenstandes genannt haben“. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt,Erster Band, p. 124.
204
„Wie bei den Anschauungen mit physischem Vorstellungsinhalt die sinnlichen Qualitäten, so zeigen
bei denen mit psychischem Inhalt die intentionalen Beziehungen mannigfaltige Unterschiede. Und wie
dort nach den tiefgreifendsten Unterschieden der sinnlichen Qualitäten (die Helmholtz Unterschiede
der Modalität genannt hat) die Zahl der Sinne, so wird hier nach den tiefgreifendsten Unterschieden
der intentionalen Beziehung die Zahl der Grundklassen der psychischen Phänomene festgestellt“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 16-17.

116
Acerca desta citação é interessante dissolver uma aparente
contradição textual. Apesar da explícita proposta de uma noção reformulada de
intencionalidade em 1889, Brentano ainda remetia à obra de 1874 ao afirmar
que “[...] a questão acerca dos fundamentos da divisão está tratada de modo
detalhado em minha Psicologia do ponto de vista empírico”205.

Nós seguimos a interpretação de Chisholm206 e consideramos que


essa remissão tem como propósito apenas apresentar os esclarecimentos
acerca do ponto em questão. Em outras palavras, ela indicava a necessidade
de um critério positivo de classificação dos fenômenos psíquicos e não o
critério aristotélico adotado. Desse modo, aquilo que deveria ser buscado não
seriam propriamente os argumentos presentes na Psicologia do ponto de vista
empírico nem a sua fundamentação, pois esses se fundamentavam na divisão
aristotélica entre pensamento e apetite ( e ).

Se essa interpretação de inspiração chisholmeana é plausível, então


se tornam compreensíveis as afirmações textuais de que, em 1889, a
classificação dos fenômenos psíquicos seria orientada pela análise cartesiana
e não mais pela análise aristotélica. Do mesmo modo, como esclarece a
citação a seguir, torna-se compreensível também o motivo pelo qual a

205
„Eingehender findet man die Frage nach dem Einteilungsgrunde erörtert in meiner Psychologie vom
empirischen Standpunkte (1874, Buch II Kap. 6; vgl. ebend. Kap. 1 § 5)“. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 54, nota 20.
206
Segundo a interpretação de Chisholm, o critério cartesiano de classificação dos fenômenos psíquicos
foi o critério básico de classificação adotado por Brentano em 1889. Sua análise ressalta o seguinte:
"in Sections 18 through 20 of his 1889 lecture, The Origin of Our Knowledge of Right and Wrong,
edited by Oskar Kraus, he set forth what we may call his basic system of classifying psychological
phenomena, a system he was later to revise in various ways. Referring to the classification Descartes
had set forth in the third of his Meditations, Brentano says of it that we may now look upon it as
something that has been established [The Origin of Our Knowledge of Right and Wrong (London:
Routledge and Kegan Paul, 1969). p. 15; Vom Urspung sittlicher Erkenntnis (Hamburg: Felix Meiner
Verlag, 1969). p. 17.]. The following is Descartes's statement: … Of my thoughts some are, so to
speak, images of the things, and to these alone is the title idea properly applied; examples are my
thought of a man or of a chimera, of heaven, of an angel, or [even] of God. But other thoughts possess
other forms as well. For example in willing, fearing, approving, denying, though I always perceived
something as the subject of the action of my mind, yet by this action I always add something else to the
idea which I have of that thing; and of the thoughts of this kind some are called volitions or affections
and others judgments (E. S. Haldane and G. R. T. Ross, eds., Philosophical Work of Descartes, vol. 1
(Cambridge: Cambridge University Press, 1931), p. 159). Descartes here tells us that there are three
fundamental classes of psychological phenomena: (1) thinking, or having ideas; (2).judging; and (3)
willing or feeling. The second and third presuppose the first; they always add something else to the
idea. Phenomena of the second type - judging - differ from those of the first and the third types in that
they are either true or false. Volitions, according to Descartes and Brentano, fall within the third class:
Acts of will are a kind of feeling or emotion". Chisholm, Roderick M. Brentano and intrinsic value, p.
1-2.

117
originalidade dessa descoberta passou a ser atribuída efetivamente à
Descartes:

207
Em suas Meditações , Descartes foi o primeiro a expô-las (as três
classes de fenômenos psíquicos) exata e integralmente. No entanto,
suas observações não foram suficientemente entendidas e caíram
imediatamente no esquecimento, até que em nossa época, o fato foi
redescoberto, independentemente dele. Hoje se pode considerar
208
como suficientemente assegurado.

A citação acima indica que Descartes era o interlocutor de Brentano


em 1889. Assim, uma nova tarefa se impõe. É preciso apresentar uma análise
do critério cartesiano de classificação dos fenômenos psíquicos. Nesse
contexto, Brentano afirmou ser imprescindível uma interpretação elaborada a
partir da esfera ideológica da Psicologia descritiva, à qual esperava em pouco
tempo poder dar publicidade em toda sua extensão209. Essa prometida obra
não foi publicada, no entanto. Aquela que de fato veio a público com o nome de
Psicologia descritiva consistiu em uma reunião de anotações de classes e
textos póstumos que agrupam essa esfera ideológica210.

207
Brentano apresenta a seguinte citação como base textual: “Cumpre aqui que eu divida todos os meus
pensamentos em certos gêneros e considere em quais desses gêneros há propriamente verdade ou erro.
Entre meus pensamentos, alguns são como as imagens das coisas, e só àqueles convém propriamente
o nome de idéia: como no momento em que eu represento um homem ou uma quimera, ou o céu, ou
um anjo, ou mesmo Deus. Outros, além disso, têm algumas outras formas: como, no momento em que
eu quero, que eu temo, que eu afirmo ou que eu nego, então concebo efetivamente uma coisa como o
sujeito da ação de meu espírito, mas acrescento também alguma outra coisa por esta ação à idéia que
tenho daquela coisa; e deste gênero de pensamentos, uns são chamados vontades ou afecções, e outros
juízos”. Descartes, René. Meditações, III § 5 – 6.
208
„Danach gibt es drei Grundklassen. Descartes in seinen Meditationen hat sie zuerst richtig und
vollständig aufgeführt; aber auf seine Bemerkungen wurde nicht genügend geachtet, und sie waren
bald ganz in Vergessenheit geraten, bis in neuester Zeit die Tatsache unabhängig von ihm wieder
entdeckt wurde. Sie darf wohl heutzutage als hinreichend gesichert gelten“. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 17.
209
„Ela pertence à esfera ideológica de uma Psicologia descritiva, que espero poder dar publicidade em
toda sua extensão dentro de pouco tempo. [„Sie gehören zum Gedankenkreise einer Deskriptiven
Psychologie, den ich, wie ich nunmehr zu hoffen wage, in nicht ferner Zeit seinem ganzen Umfange
nach der Öffentlichkeit erschließen kann“]. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p.
3.
210
Acerca dessas publicações, é interessante considerar as seguintes informações apresentadas em 1982
por Chisholm, na introdução de sua edição da Deskriptive Psychologie, e também em 1995, como
segunda parte da introdução da edição inglesa (Descriptive Psychology) elaborada por Benito Müller.
“Unfortunately, he did not publish a work entitled „Descriptive Psychology‟, but many of his writings
and dictations on the subject have been published in the various post-humous works in the
Philosophische Bibliothek (See, in particular, Volume II of the second edition of the Psychologie vom
empirischen Standpunkt, Von der Klassifikation der psychischen Phänomene, Leipzig: 1874, 2nd ed.
O. Kraus (ed.), Hamburg: Meiner 1925 (unaltered reprint Hamburg: Meiner 1971), [Engl. tr.:
Psychology from an Empirical Standpoint, The Classification of Mental Phenomena, L. McAlister
(ed.), London: Routledge & Kegan Paul 1973, p. 271– 311]; Volume 3 of the Psychologie, Vom

118
Nossa estratégia de análise adotará o seguinte procedimento. Para
fundamentar a descrição das teses presentes em A origem do conhecimento
moral (1889), nós apresentaremos as análises brentaniana encontradas nos
manuscritos de 1887 a 1891. Esses manuscritos fazem parte da obra
Psicologia descritiva, pois, disse Brentano, suas teses seriam compreendidas
“[...] não como uma continuação, mas como desenvolvimento da Psicologia do
ponto de vista empírico”211.

3.3 A descrição das partes separáveis das atividades psíquicas por


meio da análise das relações entre as partes e o todo da
consciência na Psicologia descritiva.

Psicognose (Psychognosie) era o título original do manuscrito das


leituras apresentado na Universidade de Viena em 1890. Tal manuscrito faz
parte da obra intitulada Psicologia descritiva (Deskriptive Psychologie)212. O
propósito desse manuscrito estava divido em duas partes: formular as
categorias psicológicas; estabelecer a demarcação entre a Psicologia genética

sinnlichen und noetischen Bewusstsein, O. Kraus (ed.), Leipzig: Meiner 1928, (2nd ed. Hamburg:
Meiner 1968 (unaltered reprint with new introduction by F. Mayer-Hillebrand, Hamburg: Meiner
1974) [Engl. tr.: Sensory and Noetic Consciousness, L. McAlister (tr.), London: Routledge & Kegan
Paul 1981]; Grundzüge der Ästhetik, F. Mayer-Hillebrand (ed.), Hamburg: Meiner 1959;
Untersuchungen zur Sinnespsychologie, 2nd ed. Roderick M. Chisholm and Reinhard Fabian (eds),
Hamburg: Meiner 1979). And he gave several courses of lectures on the subject at the University of
Vienna. Three different lecture manuscripts have been preserved. The first of these was given in
1887–8 and was entitled Deskriptive Psychologie. The second, entitled Deskriptive Psychologie oder
beschreibende Phänomenologie was given in 1888–9. (Although the term „Phänomenologie‟ occurred
in the title, it does not seem to have been used in the lectures themselves.) The third, entitled simply
Psychognosie, was given in 1890–1. The main text of the present book is taken from the lecture of
1890–1. The following material is added in the appendices: (1) the description of „inner perception‟
from the lectures of 1887–8; (2) the general account of „descriptive psychology‟ from the lectures of
1888–9; (3) „Of the Content of Experiences‟ from the lectures of 1887–8; (4) „Psychognostic Sketch
I‟, from 1901; (5) „Psychognostic Sketch II‟, also from 1901; and (6) an undated manuscript from the
same general period entitled „Perceiving and Apperceiving‟”. Brentano, Franz. Descriptive
Psychology, p. xvi – xvii.
211
„Die nicht als eine Fortsetzung, wohl aber als eine Fortentwicklung meiner "Psychologie vom
empirischen Standpunkte" erscheinen wird“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p.
56, nota 22 (final).
212
Cf. Brentano, Franz. Descriptive Psychology, p. xvi – xvii.

119
e a Psicognose. Há algo, porém, que nos interessa especificamente, além da
demarcação desses dois ramos da psicologia.

Nesse manuscrito Brentano apresentou a unidade da consciência


como o todo que constitui o objeto da Psicognose. Além disso, sua análise
formulou novos critérios de classificação das atividades psíquicas e, com isso,
descreveu as partes da consciência de um modo inovador. Retomemos os
detalhes do que foi indicado aqui.

No manuscrito intitulado Psychognosie, de 1890, Brentano definiu a


psicologia como “[...] a ciência da vida interna das pessoas [Seelenleben], ou
seja, a parte da vida que é capturada pela percepção interna (innere
Wahrehmung)”213. Essa definição estabeleceu que a psicologia em geral
tivesse como propósito a realização de duas funções distintas: “[...] buscar
exaustivamente (se possível) (a) os elementos da consciência humana, bem
como o modo pelo qual eles são conectados; e (b) descrever as condições
causais às quais os fenômenos particulares estão sujeitos”214. Distinguidas
essas duas funções, Brentano estabeleceu que “[...] a primeira delas é tema da
Psicognose e a segunda é o tema da Psicologia genética” 215. Isso significava,
na análise de Brentano, que a superação da Psicologia do ponto de vista
empírico só poderia ocorrer por meio do desenvolvimento da Psicognose. Por
isso, apenas a Psicognose consistia em uma psicologia pura comprometida
com a descrição exata dos constituintes elementares da consciência216.

213
„Die Psychologie ist die Wissenschaft vom Seelenleben des Menschen, d. i. von jenem Teil des
Lebens, welcher in innerer Wahrnehmung erfaßt wurde“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p.
1.
214
„Sie sucht die Elemente des menschlichen Bewusstseins und ihre Verbindungsweisen (nach
Möglichkeit) erschöpfend zu bestimmen und die Bedingungen anzugeben, mit welchen die einzelnen
Erscheinungen ursächlich verknüpft sind“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 1.
215
„Das Erste ist Sache der Psychognosie, das Zweite fällt der genetischen Psychologie anheim“.
Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 1.
216
“A diferença entre estas duas disciplinas é fundamental. Ela se manifesta, especificamente, em duas
relações essenciais: (a) Psycognose, pode-se dizer, é psicologia pura, desde que não seja
inapropriado se referir à psicologia genética como psicologia fisiológica; (b) a primeira é uma
ciência exata, enquanto a última presumidamente terá renunciado para sempre qualquer exigência de
exatidão. Ambos (os pontos) podem ser estabelecidos com algumas palavras”. [„Der Unterschied
beider Disziplinen greift tief und macht sich insbesondere in zwei sehr wesentlichen Beziehungen
geltend: a) Die Psychognosie, könnte man sagen, ist reine Psychologie, während die genetische
Psychologie nicht unpassend als physiologische Psychologie zu bezeichnen wäre. b) Jene gehört zu
den exakten Wissenschaften, während diese in allen ihren Bestimmungen wohl für immer auf den

120
Para dar conta dessa tarefa, Brentano utilizou uma estratégia
expositiva diferente daquela apresentada na Psicologia do ponto de vista
empírico. Não se tratava mais de analisar o problema a partir do debate com os
fisiologistas, pois essa tarefa agora estava destinada à Psicologia genética.
Cabia à psicologia pura, ou seja, à Psicognose, descrever a unidade da
consciência (o todo) e, imediatamente, estabelecer as relações com as partes
que a constituíam.

Em seu livro La ética de Franz Brentano, Sanches Granados


apresenta a seguinte estrutura para a descrição das partes da consciência
proposta por Brentano na Psicologia descritiva.

1. Partes realmente separáveis:


1.1. Partes separáveis reciprocamente.
(Ex. o ver e o ouvir).
1.2. Partes separáveis unilateralmente.
(Ex. o representar e o desejar).
2. Partes distincionais:
2.1. Em sentido próprio:
a) Partes “compenetradas”.
b) Partes lógicas.
c) Partes do par correlativo intencional.
d) Partes da dienergia psíquica.
2.2. Em sentido modificado.
a) (Ex. uma coisa A como parte do pensar A).
b) (Ex. uma coisa A como parte do A pensado).217

Exporemos detalhadamente a estrutura acima, ainda que não


sigamos exatamente a mesma terminologia de Granado em nossa análise, pois
nossa análise optará pela terminologia difundida por Chisholm. Por isso,
indicado o caminho, cabe agora uma apresentação textual da descrição da
estrutura da consciência apresentada por Brentano em 1890, eis que o nosso
propósito é explicitar o modo como a Psicognose descreve a relação
intencional que constitui o ato psíquico de sentimento de amor e ódio.

Em primeiro lugar, Brentano estabeleceu que o objetivo da


Psicognose era determinar os constituintes da consciência humana e o modo

Anspruch der Exaktheit verzichten muß. Beides läßt sich mit wenigen Worten dartun“]. Brentano,
Franz. Deskriptive Psychologie, p. 1.
217
Granados, Sergio Sánchez-Migallón. La ética de Franz Brentano, p. 71.

121
pelo qual eles estavam conectados, pois a consciência deveria ser tomada
como uma unidade e seus constituintes como as partes dessa unidade218.

Em segundo lugar, orientado pela noção de relação parte-todo,


Brentano dissolveu a aparente contradição entre unidade e multiplicidade. Ele
considerou que a contradição se aplicava apenas à existência de uma relação
entre simplicidade e multiplicidade, mas esse não era o caso da consciência,
pois a relação parte-todo consistia na relação entre unidade e multiplicidade.
Por isso, disse Brentano, “[...] a nossa consciência não se apresenta à nossa
percepção interna como alguma coisa simples, mas ela mostra a si mesma
composta de muitas partes”219.

Em terceiro lugar, Brentano estabeleceu que as partes da


consciência eram distinguidas em partes unilateralmente separáveis e partes
bilateralmente separáveis220. Isso significava, por um lado, que os atos
psíquicos, como visão e audição, eram classificados como mutuamente ou
bilateralmente separáveis. Em outras palavras, se ambos pertencessem à
mesma unidade real, um poderia continuar existindo quando o outro
cessasse221. Por outro lado, o ato psíquico da visão e a percepção do que se
vê eram unilateralmente separáveis. Em outras palavras, se ambos

218
“Nós dissemos que a Psicognose investiga os elementos da consciência humana e estabelece seu modo
de conexão. Isto implica que a consciência é algo constituído de uma multiplicidade de partes“. [“Wir
sagten, die Psychognosie suche die Elemente des menschlichen Bewußtseins und ihre
Verbindungsweisen zu bestimmen, darin liegt eingeschlossen, daß das Bewußtsein etwas sei, was aus
einer Vielheit von Teilen bestehe“]. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 10.
219
„Es bietet sich unserer inneren Wahrnehmung nicht als etwas Einfaches dar, sondern zeigt sich
zusammengesetzt aus vielen Teilen“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 12.
220
“Pois, ainda que estas partes nunca ocorram lado a lado como partes de um contínuo espacial, algumas
delas podem estar de algum modo efetivamente separadas de outras, como as partes de um contínuo
espacial. O sentido no qual uma dessas partes pode ser efetivamente separada de outra consiste em
que a primeira, tendo existido primeiro como pertencente à mesma unidade real [reale Einheit] que a
segunda, continua existindo quando a última deixa de existir”. [„Ja wenn diese Teile auch nie als ein
Nebeneinander erscheinen wie Teile eines räumlichen Kontinuums, so gilt doch von vielen unter
ihnen, ähnlich wie von Teilen eines solchen Kontinuums, daß der eine von dem andern in gewisser
Weise in Wirklichkeit losgelöst werden kann, indem er, der früher mit ihm als zur selben realen
Einheit gehörig bestanden, dann noch besteht, wenn der andere aufgehört hat zu existieren“].
Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 12.
221
“(Exemplos de bi-lateral/mutual) separabilidade real: ver e ouvir, partes de ver e partes de ouvir,
respectivamente, ver e lembrar ter visto”. [„Beispiele von beiderseitiger] wirklicher Abtrennbarkeit:
Sehen und Hören, je Teile des Sehens und Teile des Hörens, sehen und sich erinnern, gesehen zu
haben“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 12.

122
pertencessem à mesma unidade real, ainda que fosse possível continuar vendo
quando a percepção do que se vê cessa, o contrário não seria possível222.

Brentano sintetizou, então, a relação entre a unidade da consciência


e os dois tipos de separabilidade das partes do seguinte modo:

Embora a consciência real momentânea de um ser humano pertença


a uma simples unidade real, isto não significa, como dissemos, que
ela é algo simples em virtude de sua unidade. A percepção interna,
entretanto, não indica partes espacialmente dispersas. Contudo, ela
(consciência humana) é indubitavelmente composta de muitas partes,
algumas delas, como ver-ouvir, são mutuamente separáveis; outras
(delas), como ver e perceber o que é visto, são ao menos
223
unilateralmente separáveis.

Estabelecida a relação entre a unidade da consciência e suas partes


realmente separáveis, Brentano pretendeu ter apresentado os elementos
últimos constituintes da consciência, no entanto o ponto fundamental da análise
brentaniana estava na consequência que ele retirou. Os critérios que definiram
os elementos últimos estabeleceram que eles não poderiam mais ser
separados, no entanto a aplicação desses mesmos critérios permitiu que outras
divisões pudessem ser estabelecidas. Como apresentaremos em detalhes no
próximo ponto, essas divisões consistiam nas distinções dos elementos
últimos.

3.4 A descrição das partes distinguíveis das atividades psíquicas


por meio da análise das relações entre as partes e o todo da
consciência na Psicologia descritiva.

222
“(Exemplos de) separabilidade unilateral: ver e perceber, visão de uma cor particular e representação
do conceito, conceito e juízo, premissa e conclusão, etc.”. [„(Beispiele) einseitiger Abtrennbarkeit:
Sehen und Bemerken, Vorstellen und Begehren, Sehen einer besonderen Farbe und Vorstellendes
Begriffs, Begriff und Urteil, Prämissen und Schluß, usw.“]. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie,
p. 12.
223
„Obwohl das irgendwann wirkliche Bewußtsein eines Menschen zu einer einzigen Realität gehört, so
ist, sagten wir, damit nicht gesagt, daß es ob dieser Einheit etwas Einfaches sei. Von räumlich
auseinandertretenden Teilen zeigt allerdings die innere Wahrnehmung nichts. Aber dennoch ist es
unzweifelhaft zusammengesetzt aus vielen Teilen, von welchen die einen wie z.B. Sehen -Hören
gegenseitig, andere, wie z.B. das Sehen, vom Bemerken des Gesehenen, wenigstens einseitig ablösbar
sind“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 13.

123
Para apresentar a distinção como outro modo de divisão dos
elementos últimos constituintes das partes da consciência, Brentano deu o
quarto passo de sua descrição. Ele afirmou que, “[...] em certo sentido é
possível falar em outras partições [Teilungen], ainda que seja o caso dessas
partes últimas realmente separáveis. Essas partições seriam encontradas, não
por meio de uma separação real, mas por meio de uma distinção”224. Tratava-
se, como explicita a citação a seguir, das partes distincionais. Brentano
classificou-as desse modo, sob a inspiração da teoria química 225, para
evidenciar o contraste como as partes separáveis:

Tais partes meramente distincionais são ditas serem dadas também


na consciência humana. Assim, temos aqui novamente, em certo
sentido, partes de elementos. E, como no caso das partes, pode-se
em última instância falar em elementos de elementos (nomeando
estes últimos como partes meramente distincionais das últimas partes
226
separáveis) .

Em quinto lugar, estabelecido o critério de distinção de partes a


partir dos elementos últimos da partes separadas, Brentano classificou,
primeiramente, as partes distinguíveis em dois outros grupos: i) partes
estritamente distincionais; e ii) partes que podem ser obtidas por meio de uma
distinção modificada.

224
„Aber, sagten wir, auch bei den letzten wirklich ablösbaren Teilen, könne in einem gewissen Sinn
noch von weiteren Teilungen gesprochen werden, welche nicht durch wirkliches Ablösen, sondern
durch Unterscheidung gefunden würden“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 13.
225
“Em contraste com as partes realmente separáveis, eu a denominei partes distincionais. E, eu expliquei
o termo usando as partes que, de acordo como os atomistas, são dotadas dos menores corpúsculos
separáveis”. [„Ich nannte sie, im Unterschied von den wirklich ablösbaren, distinktionelle Teile. Und
erläuterte den Begriff an den Teilen, welche nach dem Atomisten die kleinsten abtrennbaren
Körperehen besitzen“]. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 13. E ainda, “Aquele que
acredita em átomos acredita em corpúsculos que não podem ser dissolvido em corpos menores. Mas,
ainda assim, ele pode falar em meios, quartos, etc., de átomos: partes que são distinguíveis ainda que
não possam ser separáveis. Para diferenciar estas das outras, nós podemos nos referir a elas como
partes distincionais. E, como a distinção vai além da separabilidade real, se pode falar em partes ou
elementos de elementos”. [„Wer an Atome glaubt, der glaubt an Körperchen, die nicht in kleinere
Körper auflösbar sind. Aber auch bei ihnen mag er von Hälften, Vierteln etc. sprechen: Teilen, die
nicht wirklich ablösbar, aber doch unterscheidbar sind. Wir mögen sie im Unterschied von andern
distinktionelle Teile nennen. Auch in dem menschlichen Bewußtsein gibt es nun außer ablösbaren
auch bloß distinktionelle Teile. Und indem das Unterscheiden weitergeht, als die wirkliche
Ablösbarkeit, könnte man von Teilen, resp. von Elementen der Elemente sprechen“]. Brentano, Franz.
Deskriptive Psychologie, p. 13.
226
„Solche bloß distinktionelle Teile gebe es nun auch im menschlichen Bewußtsein, also auch hier in
gewissem Sinne Teile der Elemente. Und wenn einmal wie von Teilen, so möge man ohne
Widerspruch in letzter Instanz auch von Elementen der Elemente sprechen (nämlich von letzten bloß
distinktionellen Teilen der letzten ablösbaren Teile)“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 14.

124
Em seguida, ele dividiu novamente as partes estritamente
distincionais em quatro classes: i‟) a classe das partes mutuamente
pertencentes (sich durchwohnende); i‟‟) a classe das partes lógicas; i‟‟‟) a
classe das partes dos pares de correlatos intencionais; i‟‟‟‟) e a classe das
partes meramente distincionais da relação psíquica primária e secundária
[Diploseenergie]227. Estabelecidas as definições, vejamos separadamente suas
aplicações a partir dos exemplos brentanianos.

i‟) Para exemplificar as partes mutuamente pertencentes (sich


durchwohnende), Brentano tomou o juízo „há uma verdade‟ com dois
propósitos. Um deles consistia em explicitar quais eram as partes distincionais
mutuamente pertencentes constituintes desse juízo. O outro consistia em
apresentar o modo como a análise da relação entre as partes e o todo da
consciência descrevia os atos psíquicos a partir de seus constituintes
distinguíveis. Assim, disse ele:

O que se segue são partes mutuamente pertencentes no ato do juízo


„há uma verdade‟: a) qualidade afirmativa; b) a direção ao objeto
„verdadeiro‟; c) auto-evidência; d) a modalidade apodítica, que há
uma verdade é reconhecida como sendo necessariamente
228
verdade .

Brentano considerou que esse exemplo estabelecia, de imediato, o


fato de que “[...] nós temos em um (simples) ato quatro partes mutuamente
pertencentes” 229. E, além disso, existia ainda a virtude de que o procedimento
de análise não se esgotava nessa distinção, pois, continuou ele, “[...] talvez nós

227
“Os quarto gêneros de partes distincionais no sentido estrito, que nós dissemos serem encontrados no
domínio da consciência, são, portanto: (1) mutuamente pertencentes; (2) lógica; (3) partes de pares de
correlatos intencionais; (4) partes meramente distincionais da Diploseenegie psíquica (relação
psíquica primária e secundária), ficando aberta a questão se essa relação dual não pode ainda ser
divisível em duas (outras) classes”. [„Das also waren die vier Gattungen von distinktionellen Teilen
im eigentlichen Sinne, die, wie wir sagten, das Gebiet des „Bewußtseins aufweist: (1) sich
durchwohnende,„(2) logische, (3) die Teile des intentionalen Korrelatenpaares, (4) bloß distinktionelle
Teile der psychischen Diploseenergie, (primäre und sekundäre psychische Beziehung), wobei
dahingestellt (sei), ob sie nicht wieder von zweifacher Klasse (ist)“]. Brentano, Franz. Deskriptive
Psychologie, p. 25.
228
„Die folgenden sind sich durchwohnende Teile im Urteilsakt ‚Es gibt eine Wahrheit„: a) bejahende
Qualität, b) das Gerichtetsein auf das Objekt ‚Wahrheit„, c) Evidenz, d) die apodiktische Modalität,-
daß eine Wahrheit ist, wird als notwendig wahr erkannt“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p.
20.
229
„Da hätten wir also in einem Akte 4 einander durchwohnende Besonderheiten“. Brentano, Franz.
Deskriptive Psychologie, p. 20.

125
possamos ser capazes de descobrir, no mesmo ato, um número ainda maior de
partes distincionais mutuamente pertencentes”230.

i‟‟) Ao exemplificar as partes lógicas, Brentano argumentou do


seguinte modo: “Aceitando (anerkennen), por exemplo, um pardal, eu aceito
um pássaro, porque pássaro é uma parte lógica de pardal, e eu aceito um bico,
porque bico é uma parte física de pássaro”231. Detenhamo-nos, aqui, numa
questão polêmica apontada pelos comentadores acerca dos elementos que
envolvem essa ilustração.

Tal como argumentou Chisholm, em sua análise acerca desse


ponto, o que estava em jogo nesse exemplo pode ser esclarecido a partir da
comparação com o modo brentaniano de descrever as partes lógicas no
manuscrito Würzburger Metaphysikkolleg232. Assim, Chisholm comparou o
exemplo acima com a seguinte descrição brentaniana das partes lógicas
encontrada no referido manuscrito:

O todo lógico é uma individuação de um gênero. Uma parte lógica é


cada parte de sua definição, isto é, gênero, diferença, diferenças
adicionais (diferença de diferença) e assim por diante até a menor
generalidade. É típico das partes lógicas, que a separabilidade
233
distincional seja apenas unilateral .

Ora, ao aceitarmos a comparação proposta por Chisholm, devemos


considerar como partes estritamente distincionais, a partir da individuação do
todo lógico, as partes lógicas de sua definição. A aplicação desse critério
permitiu a seguinte distinção nas atividades psíquicas, como exemplificou
novamente Brentano: “[...] assim, pensar (Denken) é uma parte lógica de
experienciar (Empfinden); experienciar é uma parte lógica de ver (Sehen); ver é

230
„Vielleicht würden wir in demselben Akte noch eine größere Zahl sich durchwohnender
distinktioneller Teile zu entdecken vermögen“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 20.
231
"Erkenne ich z.B. einen Spatzen an, so auch einen Vogel, weil Vogel logischer Teil des Spatzen ist,
und einen Schnabel, weil er physischer Teil des Spatzen ist". Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz,
1974, p. 99, in: Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 168, nota 8.
232
O Würzburger Metaphysikkolleg não publicado está no Brentano-Nachlass at Brown University,
Providence, RI, USA, under the reg. no. M 96 I and II. Cf. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie,
p. 168, nota 8.
233
„Das logische Ganze ist ein Individuum einer Gattung. Ein logischer Teil ist jeder Teil seiner
Definition, also Gattung, Differenz, weitere Differenz (Differenz der Differenz) u.s.f. bis zur
niedrigsten Allgemeinheit. Es ist bezeichnend für logische Teile, „daß die distinktionelle
Abtrennbarkeit nur eine einseitige ist„". Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 168, nota 8.

126
uma parte lógica de ver - vermelho (Rotsehen)”234. Estabelecidas as distinções,
detenhamo-nos em outro problema apontado por Chisholm com o propósito de
explicitar o ponto de demarcação entre as partes distincionais lógicas e as
partes mutuamente pertencentes.

Segundo Chisholm, o problema poderia ser colocado por meio da


seguinte questão: O conceito de partes mutuamente pertencentes
[durchwohnend] pode ser reduzido ao conceito de partes lógicas? Em outras
palavras, o problema estava no fato de que, quando falamos de espacialidade
[Räumlichkeit] ou de qualidade da sensação, não estamos falando de
subespécies de sensações ou de gêneros sob os quais elas se encontram.
Existia, portanto, um equívoco no modo como a sensação foi utilizada para
ilustrar o conceito de partes lógicas. Para dissolver o problema seria preciso
considerar que „partes lógicas‟ pareceriam apropriadas para espécies e
gêneros, e não para coisas individuais. „Partes mutuamente pertencentes‟
pareceriam apropriadas para coisas individuais e não para espécies e gêneros.
Se, tal como sustenta Chisholm, essa distinção fosse aceita, então poderíamos
considerar que, por um lado, “„ver - vermelho‟ teria „ver‟ como uma parte lógica;
„ver‟ teria „experienciar‟ como uma parte lógica; e „experienciar‟ teria „pensar‟
como uma parte lógica”235. Além disso, mas de modo análogo, “„julgar‟ seria
uma parte lógica de „aceitar‟”236. E aqui se destaca o ponto fundamental, pois
também no ato de „julgar‟ “[...] a qualidade afirmativa poderia ser uma parte
mutuamente pertencente de aceitar”237.

Para completar a apresentação dos conceitos que compunham o


esquema encontrado pela descrição da relação entre as partes e o todo da
consciência, e constituíam a base para a descrição das atividades psíquicas da
Psicologia descritiva, Brentano precisou ainda descrever a relação intencional
como o terceiro tipo de partes distincionais, ou seja, as partes dos pares de

234
„Denken ist also ein logischer Teil von Empfinden; Empfinden ist ein logischer Teil von Sehen; Sehen
ist ein logischer Teil von Rotsehen“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 168, nota 8.
235
„Rotsehen z.B. hat Sehen als logischen Teil; Sehen hat Empfinden als logischen Teil; und Empfinden
hat Denken als logischen Teil“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 168, nota 8.
236
„Analog ist Urteilen logischer Teil von Anerkennen“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p.
168, nota 8.
237
„Die affirmative Qualität wäre jedoch durchwohnender Teil von Anerkennen Brentano, Franz.
Deskriptive Psychologie, p. 168, nota 8.

127
correlatos intencionais. Esse foi o sexto e penúltimo ponto. Vejamos como ele o
anunciou:

Estas duas classes de partes distincionais no estrito senso são velhas


conhecidas. Mas, existem outras duas no domínio da consciência.
Uma delas é a relação psíquica que é essencial para toda
consciência, a outra é a conexão inseparável da relação psíquica
238
primária e da (relação) concomitante .

i‟‟‟) Para exemplificar as partes dos pares de correlatos intencionais,


Brentano tomou sua própria teoria da intencionalidade da consciência e a
submeteu a uma análise da relação entre as partes e o todo da consciência.
Como evidencia a citação acima, embora essa análise preservasse a distinção
entre a relação para com o objeto primário e relação para com o objeto
secundário de 1874, um dos resultados desse procedimento foi o abandono da
noção de in-existência intencional do objeto imanente. Assim, ao serem
descritas como partes distincionais no sentido estrito, as partes de pares de
correlatos que a atividade intencional da consciência apresentou foram
definidas apenas como relações psíquicas intencionais. Por isso, essas
relações distinguiram-se em relações primárias e relações secundárias.
Estabelecida essa distinção, Brentano redefiniu os termos fundamentais de sua
teoria da intencionalidade de 1874 a partir dos critérios explicitados pela
descrição da relação entre as partes e o todo da consciência. Vejamos como
isso foi exposto textualmente.

A citação a seguir apresenta a definição de relação intencional que


Brentano apresentou como parte distincional da consciência, a partir da qual se
deveriam distinguir ainda os pares de correlatos:

Portanto, a peculiaridade que, acima de tudo, caracteriza a


consciência de modo geral é aquela que se mostra sempre e em toda
parte, ou seja, em todas as suas partes, um certo tipo de relação,
relacionando um sujeito a um objeto. Referimo-nos também a esta
relação com „relação intencional‟. À toda consciência pertence
239
essencialmente uma relação .

238
„Diese zwei Klassen distinktioneller Teile im eigentlichen Sinn waren alte Bekannte. Es kommen aber
auf dem Gebiet des Bewußtseins noch zwei andere hinzu. Die eine ist die psychische Beziehung,
welche für jedes Bewußtsein wesentlich ist, die andere die untrennbare Verbindung der primären und
concomitierenden psychischen Beziehung“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 20-21.
239
„Vor allem also ist es eine Eigenheit, welche für das Bewußtsein allgemein charakteristisch ist, daß es
immer und überall, d.h. in jedem seiner ablösbaren Teile eine gewisse Art von Relation zeigt, welche

128
Ao aceitar essa relação intencional, e Brentano considerou que sua
apreensão estava evidenciada pela percepção interna, o que estava em jogo
era a distinção das partes que a constituíam. Assim, a análise brentaniana dos
pares de correlatos intencionais estabeleceu, primeiramente, que dois
correlatos seriam encontrados em toda relação. Além disso, a análise
especificou o seguinte: “[...] um dos correlatos é o ato da consciência e o outro
é aquilo ao qual este ato está dirigido”.240 Estabelecida a distinção e o critério,
vejamos as especificidades a partir dos exemplos.

Os exemplos apresentados por Brentano no trabalho de 1890, para


ilustrar a relação entre esses correlatos, foram os mesmos exemplos utilizados
na Psicologia do ponto de vista empírico. Em ambas as obras, Brentano definiu
ato e correlato como se segue: “‟Ver e aquilo que é visto‟, „Representar e aquilo
que é representado‟, „Querer e aquilo que é querido‟, „Amar e aquilo que é
amado‟, „Negar e aquilo que é negado‟, etc.”241. Ora, se o modo de enunciar
era o mesmo, então se impõe a seguinte questão: Como Brentano
fundamentou essa nova noção entre correlatos das partes da consciência, uma
vez que ela manifestamente abdicou do estatuto ontológico pressuposto pelo
modo intencional de in-existência do objeto imanente? A resposta direta para
esta pergunta é: O fundamento estava na retomada da tese aristotélica acerca
dos múltiplos sentidos do ser. Em outras palavras, o fundamento estava na
recepção brentaniana da distinção aristotélica entre os modos de ser real (Ser
como real) e ser não-real (Ser como não-real). Por meio dessa tese, anunciada
na citação a seguir, Brentano distinguiu o modo se Ser do ato psíquico como
real e o modo de ser do correlato desse ato psíquico como não real:

Como já foi esclarecido por Aristóteles, estes correlatos explicitam a


peculiaridade de que apenas um é real, (enquanto) o outro é não real
[nichts Reales ist]. (…) Os dois correlatos são separados apenas
distincionalmente um do outro. E, então, nós temos aqui novamente

ein Subjekt zu einem Objekt in Beziehung setzt. Man nennt sie auch "intentionale Beziehung". Zu
jedem Bewußtsein gehört wesentlich eine Beziehung“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p.
21.
240
„Das eine Korrelat ist der Bewußtseinsakt, das andere das, worauf er gerichtet ist“. Brentano, Franz.
Deskriptive Psychologie, p. 21.
241
„(Das eine Korrelat ist der Bewußtseinsakt, das andere das, worauf er gerichtet ist.) Sehen und
Gesehenes, Vorstellen und Vorgestelltes, Wollen und Gewolltes, Lieben und Geliebtes, Leugnen und
Geleugnetes, usw.“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 21.

129
duas partes puramente distincionais de pares de correlatos, uma das
242
quais é real e a outra não.

Detenhamo-nos um pouco mais nas implicações do que acaba de


ser estabelecido para retomarmos à questão por outro ângulo: Se, de fato, o
estatuto ontológico da in-existência intencional do objeto foi abandonado, como
deveria ser concebido, então, o objeto imanente? Responderemos a essa
questão a partir da análise de Benito Müller apresentada em sua edição da
Descriptive psychology243.

Segundo a análise de Müller, a citação acima consistia numa síntese


da doutrina fundamental de Brentano – a intencionalidade – que poderia ser
exposta do seguinte modo. Todo „fenômenos psíquico‟ – concebido como
partes realmente separáveis da consciência – explicitava, como característica
específica, certa estrutura relacional chamada de relação „intencional‟ ou
relação „psíquica primária‟. Como toda estrutura relacional, esclarece Müller,
um fenômeno psíquico era então meio para expor dois correlatos: um ato de
consciência, que chamaríamos de „A‟ (ao qual Brentano se referiu como o
„sujeito‟ da relação intencional), e aquilo ao qual „A‟ estaria se dirigindo, que
chamaríamos de „O‟ (o „objeto‟ da relação). Estabelecidas essas distinções, a
análise de Müller avança orientada pela seguinte questão: O que é o
segundo correlato?

De acordo com essa análise, prossegue Müller, o segundo correlato


do ato de ver, ou seja „Av‟, dado na experiência visual „V‟ foi descrito como „o
que é visto‟ [das Gesehene], ou seja „Ov‟. A princípio, deveria parecer que „Ov‟
seria tomado como sendo o objeto real (como a cadeira em frente à pessoa
que está vendo), mas, obviamente, isso não era o que Brentano tinha em
mente, pois ele afirmou como característica específica do par de correlatos
intencionais (e, portanto, implicitamente dos fenômenos psíquicos) que apenas
o primeiro correlato seria real. Assim, apenas o ato da consciência seria real e
nunca o objeto correlato. Isso obviamente excluiu a realidade da cadeira em

242
„Bei diesen Korrelaten zeigt sich, wie schon ARISTOTELES hervorhob, die Eigentümlichkeit, daß
das eine allein real, das andere dagegen nichts Reales ist. (...) Trennbar sind die Korrelate· nicht von
einander, außer [wenn sie] distinktionell [sind]“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 21.
243
Brentano, Franz. Descriptive Psychology, p. 180, nota 8a.

130
frente à pessoa que vê na medida em que ela seria o segundo correlato, ou
seja, o „objeto imanente‟ desse ato de ver. A interpretação de Müller considera,
então, o fato de que Brentano usou „referência a um conteúdo‟ como paráfrase
de „direção a um objeto‟. Nesses termos, o segundo correlato „Ov‟ seria
designado ser o conteúdo de „Av‟.

Exposta a estrutura de sua interpretação, Müller toma o polêmico


exemplo brentaniano descrito abaixo, com o propósito de elucidar o modo não
real de existência do objeto imanente:

Uma pessoa que está sendo pensada [ein gedachter Mensch] é tão
pouco real como uma pessoa que deixou de existir [gewesener
Mensch]. A pessoa que está sendo pensada, portanto, não tem causa
própria e não pode propriamente ter um efeito. Mas, quando o ato da
consciência (o pensar a pessoa) é efetivo, a pessoa que está sendo
244
pensada (o correlato não-real da pessoa) coexiste [ist mit da].

A análise de Müller dissolve as possíveis ambiguidades presentes


nesta citação considerando os seguintes pontos. Quando Brentano usou a
frase um tanto quanto opaca „a pessoa pensada‟ [der gedachte Mensch] para
falar sobre o segundo correlato de um ato „Ap‟ de pensar, ele não estava
falando sobre um tipo peculiar de pessoa, mas sobre o conteúdo do „Ap‟.
Nesse contexto, o uso do termo „pensar‟ e „pessoa‟ tinha apenas a função de
indicar que o conteúdo em questão „Op‟ seria um conteúdo de um pensamento
sobre a pessoa. De modo similar, Müller interpreta o uso brentaniano de
„pensamento da pessoa‟ [das Denken des Menschen], em referência à „Ap‟,
indicando que esse ato de consciência não seria meramente um ato de pensar,
mas igualmente um ato de pensar acerca de uma pessoa245.

Deixemos de lado as complicações que essa interpretação pôde


gerar para a primeira teoria brentaniana da intencionalidade e vejamos como
ela propôs a sistematização da unidade da consciência em 1890.

244
Para evidenciar a coerência da interpretação de Benito Müller, acompanhamos sua interpretação da
tradução da seguinte passagem citada. „So wenig ein gewesener Mensch, so wenig ist ein gedachter
etwas Reales. Der gedachte Mensch hat darum auch keine eigentliche Ursache und kann nicht
eigentlich eine Wirkung üben, sondern indem der Bewußtseinsakt, das Denken des Menschen gewirkt
wird, ist der gedachte Mensch, sein nichtreales Korrelat, mit da“. Brentano, Franz. Deskriptive
Psychologie, p. 21.
245
Para um aprofundamento dessa linha de interpretação, Müller remete ao trabalho de B. Smith („The
Soul and Its Parts II: Varieties of Inexistence‟, in Brentano Studien IV, Brentano Forschung:
Würzburg, 1993).

131
Se essa interpretação está correta, diz Müller, então todos os
fenômenos psíquicos possuíam uma estrutura relacional assimétrica particular.
Essa estrutura seria representada simbolicamente como „A‟→‟O‟, com (a) um
ato particular de consciência „A‟ (de pensar, de ver, etc.) e (b) o conteúdo „O‟
desse ato, como correlato, no entanto o ponto fundamental desta interpretação
estaria no fato de que ela definiu os fenômenos psíquicos como atos psíquicos,
a partir desta estrutura relacional assimétrica. Isso significava que deveria ser
enfatizado o fato de que Brentano não concebeu esses correlatos como partes
dos fenômenos psíquicos separados uns dos outros, mas como modos
meramente distincionais, pois seria impossível existir um ato de consciência
sem um conteúdo correlato.

Como conclusão da análise de Müller, análise que incorporamos à


nossa tese, podemos sistematizar a noção de intencionalidade de 1890 do
seguinte modo: “[...] enquanto partes da consciência realmente separáveis, os
fenômenos psíquicos não são meramente atos e nem meramente conteúdos,
mas „todos‟ nos quais conteúdo e ato estão inseparavelmente relacionados por
meio da intencionalidade”246. Como conclui Müller, isso é “[...] o que se deve ter
em mente quando o próprio Brentano escolhe se referir a estes fenômenos
meramente como „atos psíquicos‟247.

De acordo com a interpretação exposta, explica-se o abandono da


noção de in-existência intencional do objeto e justificavam-se as seguintes
definições estabelecidas por Brentano em 1890:

Explanação do termo objeto: (a) Algo concebido internamente como


objeto [ein innerlich Gegenständliches]; (b) Não necessita
corresponder a qualquer coisa fora; (c) Para evitar confusões, pode-
se chamar „residente-em‟ [inwohnendes] ou objeto „imanente‟; (d) é
248
algo (i) geral e (ii) exclusivamente característico da consciência .

246
“Psychical phenomena (the actually separable parts of consciousness) are thus neither merely acts nor
merely contents, but wholes in which content and act are inseparably related through intentionality”.
Brentano, Franz. Descriptive Psychology, p. 180, nota 8a.
247
“This must be kept in mind even when Brentano himself chooses to refer to these phenomena merely
as „psychical acts‟”. Brentano, Franz. Descriptive Psychology, p. 180.
248
„Erläuterungen des Ausdrucks Objekt: etwas innerlich Gegenständliches ist gemeint. Draußen braucht
ihm nichts zu entsprechen. Zur Verhütung von Mißverständnissen mag man es "inwohnendes"
"immanentes" Objekt nennen. ' Es ist dies etwas a) allgemein und b) ausschließlich dem Bewußtsein
eigenes“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 22.

132
Os esclarecimentos apresentados expuseram as especificidades do
segundo correlato da relação intencional, ou seja, o objeto imanente. Ocorre,
no entanto, que ainda não analisamos suficientemente o primeiro correlato, ou
seja, as especificidades constituintes da própria relação intencional. Esse foi o
último passo da análise brentaniana e consistiu na distinção das partes que
compunham a própria relação psíquica.

i‟‟‟‟) Para exemplificar a classe das partes meramente distincionais


da relação psíquica primária e secundária [Diploseenergie], Brentano
relembrou uma afirmação aristotélica.249 Tal como sustentava seu mestre de
Estagira, enfatizou Brentano, todo fenômeno psíquico continha a consciência
de si mesmo250, por isso, “[...] na representação [im Vorstellen] da cor há,
portanto, simultaneamente a representação desta representação” 251. Esse
exemplo tinha a função de apresentar o tipo de relação intencional que a
análise brentaniana distinguiu em parte primária e parte secundária. Tratava-
se, por um lado, do âmbito intrínseco da relação psíquica intencional onde a
inseparabilidade entre dois modos de relação era encontrada. E, por outro lado,
tratava-se do tipo de relação que podia ser distinguida em partes primária e
secundária. Assim, distinguidas a partir deste último critério, como bem
explicitou a citação a seguir, a apresentação das especificidades de cada uma
das partes da relação primária e secundária completava a descrição da
unidade da consciência a partir de uma teoria da intencionalidade reformulada:

O fato de que não há consciência sem alguma relação intencional é


tão certo quanto o fato de que, além do objeto ao qual ela está
primeiramente dirigida, a consciência tem, lateralmente, a si mesma
como objeto. Este é, de modo essencial, parte da natureza de todo
ato psíquico. (...) Toda consciência, qualquer que seja o objeto ao
qual ela está primariamente dirigida, está concomitantemente dirigida
252
a si mesmo.

249
Brentano refere-se à Metafísica, 1021a, 30.
250
„Schon ARlSTOTELES [betont], daß in dem psychischen Phänomene selbst das Bewußtsein von ihm
mitbeschlossen sei“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 22.
251
„Im Vorstellen der Farbe also zugleich ein Vorstellen dieses Vorstellens“. Brentano, Franz.
Deskriptive Psychologie, p. 22.
252
„So gewiß es ist, daß kein Bewußtsein überhaupt ohne intentionale Beziehung ist, so gewiß ist es, daß
es außer dem, worauf es primär gerichtet ist, sich selbst nebenher zum Objekte hat. Es gehört dies
wesentlich zur Natur jedes psychischen Aktes“ (...) ”Jedes Bewußtsein, primär auf was immer für ein
Objekt gerichtet, geht nebenher auf sich selbst“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 22-24.

133
Deter-nos-emos um pouco mais nos detalhes epistemológicos
envolvidos nesse modo de distinção das partes constituintes do ato intencional.
O que estava em jogo nessa descrição da relação intrínseca entre as
atividades primárias e secundárias era a possibilidade de descrever a natureza
evidente das atividades psíquicas. Analisaremos esse ponto a partir da
proposta de interpretação sugerida por Chisholm, acerca das especificidades
características da relação primária e secundária, nas notas da sua edição da
Deskriptive Psychologie.

A interpretação de Chisholm está orientada pela resposta à seguinte


questão: “O que Brentano compreende quando diz que todo ato psíquico tem a
si mesmo como objeto secundário?”253.

Chisholm analisa essa questão por meio de uma retomada do modo


como Brentano descreveu o problema dos objetos secundários na primeira
edição da Psicologia do ponto de vista empírico (Livro II, capítulo 3). Após
reconhecer que tal descrição do ato referindo a si mesmo como objeto
secundário continha o problema da regressão ad infinitum, regressão não
resolvida por Brentano em 1874, Chisholm apresenta a nova descrição trazida
pelo manuscrito de 1890 como uma solução para esse problema. Essa solução
brentaniana estabeleceu, diz ele, que “[...] todo ato psíquico é de tal modo que,
quando se explicita, se explicita de modo evidente para o sujeito” 254. Diante
dessa solução, cabe questionar: O que esta nova descrição da atividade
secundária constituinte do ato psíquico poderia significar exatamente quando
analisada por meio dos critérios encontrados pela descrição da relação entre
as partes e o todo da consciência apresentados em 1890?

Chisholm considera que essa descrição, apresentada também em


outros trabalhos que compõem a Deskriptive Psychologie, pressupunha uma
distinção entre o sentido estrito e o sentido lato que caracterizava a percepção
interna da consciência e explica: “[...] deve-se ressaltar que ele (Brentano)
identifica „consciência no sentido estrito‟ com perceber (Bemerken). Assim, é

253
„Was meint Brentano, wenn er sagt, daß jeder psychische Akt sich zum sekundären Objekt hat?“.
Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 169, nota 11.
254
„Jeder psychische Akt ist von der Art, daß er, wenn er auftritt, für das Subjekt evidentermaßen
auftritt“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 169, nota 11.

134
apenas no sentido estendido de consciência que todo ato psíquico pode ser
dito ser um objeto da consciência”255. Isso implica o fato de que, ao lado da
percepção interna que nos dava a conhecer de maneira imediata e evidente os
três modos distintos de relação intencional, a filosofia do psíquico brentaniana
de 1890 estendeu o estatuto da verdade como evidência para um tipo de juízo
e, ainda, o estatuto análogo à evidência para um tipo de sentimento de amor e
ódio. Então se pergunta novamente: Por que isso foi possível a partir da
Psicologia descritiva?

Para responder a essa questão, Chisholm toma os critérios


encontrados pela descrição da relação entre as partes e o todo da consciência
da Psicologia descritiva e analisa um exemplo utilizado por Brentano na obra
póstuma Vom sinnlichen und noetischen Bewusstsein (Sobre a consciência
sensível e noética). Segundo Chisholm, a palavra „sensação‟ tinha dois usos
completamente diferentes: “Ela pode ser usada para fazer referência ao que
Brentano chamou de qualidades sensíveis e ao que outros chamaram de
dados dos sentidos. Ou ela pode ser usada para fazer referência ao sentir,
experienciar ou possuir tais qualidades sensíveis”256. Chisholm propõe que,
segundo essa distinção brentaniana, a palavra „sensação‟ algumas vezes era
usada para fazer referência ao conteúdo da sensação e algumas vezes ela era
usada para fazer referência ao ato da sensação.257 Desse modo, o exemplo da
experiência de ver o vermelho, usada recorrentemente por Brentano, deveria
ser descrita da seguinte maneira:

Quando se sente uma mancha vermelha (Brentano diria uma


„qualidade vermelha‟), a mancha vermelha é o conteúdo da sensação
e o sentir a mancha vermelha é o ato da sensação. Brentano também
diz que: (1) a mancha vermelha é o objeto primário da sensação; e
que (2) o sentir a mancha vermelha é o objeto secundário da

255
„Es sei noch angemerkt, daß er "Bewußtsein im engeren Sinn" mit dem "Bemerkten"
(Psychognostische Skizze II = Anhang V) identifiziert. So kann nur im erweiterten Verständnis von
Bewußtsein gesagt werden, daß jeder psychische Akt Objekt des Bewußtseins ist. Brentano, Franz.
Deskriptive Psychologie, p. 170, nota 11.
256
“It may be used to refer to what Brentano had called „sense qualities‟ and what others have called
„sense data‟ or „sense impressions‟. Or it may be used to refer to the sensing, experiencing, or having
of such sense qualities”. Chisholm, Roderick M. Brentano and intrinsic value, p. 25.
257
Cf. Chisholm, Roderick M. Brentano and intrinsic value, p. 25-26.

135
sensação. Pois ambos, insiste ele, o conteúdo e o ato são objetos do
258
nosso conhecimento.

Aqui está a base da mudança operada por Brentano em 1890. A


mudança aí está, pois, no sentido estrito da percepção imediata, a Psicologia
do ponto de vista empírico havia estabelecido que a consciência percebia
imediatamente a si mesma como objeto secundário, na medida em que se
referia ao objeto primário. Agora, no entanto, a novidade indicada por Chisholm
está no fato de que havia uma nova maneira de descrever a relação intencional
entre essas mesmas partes da consciência. Em outras palavras, tomada no
sentido estendido, a percepção imediata dos atos psíquicos de juízo e de
sentimento de amor e ódio teriam o objeto secundário da sensação como seu
objeto primário. Vejamos como essa tese se sustenta.

Chisholm analisou os argumentos brentanianos utilizados para


descrever os atos psíquicos de prazer sensorial e dor sensorial como atos
psíquicos de amor e ódio. Assim, sua análise resultou na seguinte
interpretação:

Brentano afirma que prazer sensorial e dor sensorial são atos de


amor e ódio que estão dirigidos para “o aparecimento
[Erscheinung] de certas qualidades, mas não para as qualidades
em si mesmas” (Franz Brentano, Sensory and Noetic
Consciousness, London, Routledge and Kegan Paul, 1981, p. 114).
Quando alguém experiencia prazer sensorial, então (1) há um
conteúdo sensível A que é o objeto primário de um certo sentir. E, (2)
este sentir é por sua vez o objeto primário do ato de amor. Se no
momento a pessoa atenta para esta experiência e indaga o que está
ocorrendo, será evidente para ela que ela está sentindo A e que ela
259
ama o (ato de) sentir A.

258
“If one senses a red patch (Brentano would say a "red quality"), then the red patch is the content of
sensation and the sensing of the red patch is the act of sensation. Brentano also says that the red patch
is the primary object of the sensation and that the sensing of the red patch is the secondary object of
the sensation. For, he insists, both the content and the act are objects of our awareness. The content of
a sensation, then, is always a sense quality. Chisholm, Roderick M. Brentano and Intrinsic Value, p.
25.
259
Brentano says that sensory pleasure and sensory pain are acts of love and hate that are directed upon
"the appearance [Erscheinung] of certain qualities, but not upon the qualities themselves" (Franz
Brentano, Sensory and Noetic Consciousness, London, Routledge and Kegan Paul, 1981, p. 114).
When one experiences sensory pleasure, then (1) there is a sense content A that is the primary object
of a certain sensing, and (2) this sensing in turn is the primary object of an act of' love. If now the
person attends to this experience and asks what is going on, it will be evident to him that he is sensing
A and that he loves the sensing of A. Chisholm, Roderick M. Brentano and Intrinsic Value, p. 25-26.

136
Detenhamo-nos e esclareçamos um pouco mais essa tese de
Chisholm. Se voltarmos ao velho exemplo da mancha vermelha, poderemos
analisar o prazer sensorial da seguinte forma: (a) a estrutura psíquica da
experiência sensorial (ou seja, de uma representação); e (b) a estrutura
psíquica do prazer que pressupõe a experiência sensorial (ou seja, uma
representação).

(a) A estrutura psíquica da experiência sensorial (ou seja, de


uma representação): A mancha vermelha é o conteúdo da
experiência sensorial, por isso essa mancha é o objeto primário
da sensação, ou seja, do ato de sentir a mancha. Por sua vez, o
(ato de) sentir a mancha é o objeto secundário apreendido de
modo imediato pela própria consciência. Essa relação entre
objeto primário e objeto secundário da experiência sensorial
constitui o fenômeno psíquico mais elementar: a representação.

(b) A estrutura psíquica do prazer que pressupõe a experiência


sensorial (ou seja, uma representação): A experiência de
prazer sensorial, por sua vez, consiste num fenômeno psíquico
mais complexo, pois se trata de um ato de prazer (ou amor) que
pressupõe sempre uma experiência sensorial (representação).
No caso específico no nosso velho exemplo, (1) o conteúdo
sensível ‘mancha vermelha’ é o objeto primário do ato de
sentir (sensação - visão). Ocorre, no entanto, que (2) esse
mesmo ato de sentir (sensação – visão) é, por sua vez, o
objeto primário do ato de amor. Assim, (3) o ato de amor
passa a ser percebido de modo imediato pela consciência e se
caracteriza como objeto secundário. Por isso Chisholm
concluiu que, se a pessoa atenta para essa experiência do amor
e indaga o que está ocorrendo, será evidente para ela que ela
está sentindo (ou vendo) o vermelho e que ela ama o (ato de)
sentir (ou ver) o vermelho.

Ao tomarmos a evidência psíquica no sentido estendido sugerido por


Chisholm, podemos afirmar, acerca da nova teoria brentaniana, que, além de

137
meramente representada, alguma coisa pode ser evidente (ou análoga a algo
evidente) para um sujeito, se o sujeito a julgar (ou, então, a ama ou a odeia)
como evidente. Assim, portanto, tal como descreve Chisholm na citação a
seguir, a evidência perpassaria a atividade da consciência apesar de não poder
ser encontrada em lugar algum, a não ser no juízo:

Neste sentido, então, Brentano pode dizer que „toda atividade


psíquica cai sob a percepção interna‟. A atividade psíquica é
necessariamente tal que, se ela ocorre, e se no mesmo tempo se
julga que ela ocorre, então se julga com evidência. E, se Brentano
acrescenta que „isto não significa que tudo é percebido‟, ele nos
lembra que algo psíquico pode ocorrer sem nosso juízo de que ele
260
ocorre.

O que acaba de ser estabelecido exigiu, ainda segundo Chisholm,


alguns esclarecimentos: (a) Brentano não queria dizer que todo ato psíquico
seria o objeto primário de um juízo evidente ou (b) que todo ato psíquico seria
acompanhado de um juízo evidente, como efeito da ocorrência desse ato. Isso
implicaria a recolocação do problema da regressão ad infinitum, pois o próprio
juízo evidente seria um ato psíquico que pressuporia outro juízo. É preciso,
portanto, voltar ao propósito do texto brentaniano para elucidarmos o sentido
em que seria possível dizer, por um lado, que todo ato psíquico seria evidente
para o sujeito e, por outro lado, que, em certos casos, a evidência poderia ser
encontrada nas atividades do juízo e do sentimento.

Chisholm considera que Brentano nunca formulou explicitamente a


solução para essa aparente dicotomia, no entanto, ainda segundo Chisholm,
uma possível solução emanada a partir dos textos brentanianos permitiu
afirmar que “[...] a ocorrência de atos psíquicos é evidente para o sujeito no
seguinte sentido estendido: todo ato psíquico é necessariamente tal que, se
alguém realiza este ato e, ao mesmo tempo, julga que o realiza, então esse
alguém julga com evidência que o realiza”261.

260
„In diesem Sinne kann Brentano sagen, daß jede "psychische Tätigkeit in unsere innere Wahrnehmung
fällt". Alles Psychische ist notwendig von der Art, daß, wenn es vorkommt, und wenn man zugleich
urteilt, daß es vorkommt, man dann mit Evidenz urteilt. Und wenn Brentano hinzufügt, daß "aber
nicht alles [Psychische] darum bemerkt" wird, dann erinnert er uns, daß etwas Psychisches
vorkommen kann, ohne daß man urteilt, daß es vorkommt“. Brentano, Franz. Deskriptive
Psychologie, p. 170, nota 11.
261
„Wenn ein psychischer Akt statthat, kann er für das Subjekt evident sein im folgenden erweiterten
Verständnis des Wortes ‚evident„: Jeder psychische Akt ist notwendig von der Art, daß jemand, der

138
Ora, ao considerarmos essa interpretação de Chisholm, torna-se
manifesto o modo como essa descrição da relação intencional secundária
estabeleceu a necessidade de abandono da antiga descrição do juízo e do
sentimento. Em 1874, a descrição do juízo admitia a admissibilidade do
objeto262 e a descrição do sentimento afirmava a referência sentimental
correspondente à natureza do objeto263. Orientada pelo objeto intencional in-
existente, a descrição brentaniana não atribuía a evidência que a análise de
1890 considera como própria do caráter intencional da relação psíquica

diesen Akt vollzieht und gleichzeitig urteilt, daß er ihn vollzieht, dann mit Evidenz urteilt, daß er ihn
vollzieht“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p. 170, nota 11.
262
Em 1874, como já explicitamos, Brentano descrevia o ato do juízo orientado pelo estatuto do objeto
intencional do seguinte modo. “Quando dissemos que todo juízo que admite é assentimento e todo
juízo que rechaça é dissentimento, isto não significa que aquele consista em uma predicação da
verdade com respeito ao assentido, nem este em uma predicação da falsidade com relação ao
dissentido. Nossas explicações anteriores demonstraram que o significado destas expressões é uma
modalidade especial da recepção intencional de um objeto, uma modalidade especial da referência
psíquica a um conteúdo de consciência. O que há de exato é que quem assente a algo, não apenas
admite o objeto, mas também, à pergunta sobre se o objeto deve ser admitido, admitirá também a
admissibilidade do objeto, ou seja, a verdade do objeto. A expressão de assentimento se explica assim
e a expressão de dissentimento se explicará de um modo análogo”. [„Wenn wir sagen, jedes
anerkennende Urteil sei ein Fürwahrhalten, jedes verwerfende ein Fürfalschhalten, so bedeutet dies
also nicht, daß jenes in einer Prädikation der Wahrheit von dem Fürwahrgehaltenen, dieses in einer
Prädikation der Falschheit von dem Fürfalschgehaltenen bestehe; unsere früheren Erörterungen haben
vielmehr dargetan, daß, was die Ausdrücke bedeuten, eine besondere Weise intentionaler Aufnahme
eines Gegenstandes, eine besondere Weise der psychischen Beziehung zu einem Inhalte des
Bewußtseins ist. Nur das ist richtig, daß, wer etwas für wahr hält, nicht bloß den Gegenstand
anerkennt, sondern dann, auf die Frage, ob der Gegenstand anzuerkennen sei, auch das
Anzuerkennensein des Gegenstandes, d. h. (denn nichts anderes bedeutet der barbarische Ausdruck)
die Wahrheit des Gegenstandes ebenfalls anerkennen wird. Und damit mag der Ausdruck
'Fürwahrhalten' zusammenhängen. Der Ausdruck 'Fürfalschhalten' aber wird in analoger Weise sich
erklären“]. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 89-90.
263
Em 1874, de modo análogo à descrição dos juízos, Brentano descrevia o ato de sentimento orientado
pelo estatuto do objeto intencional do seguinte modo. “Do mesmo modo, as expressões „ser grato
como bom‟ e „ser ingrato como mal‟ que usamos aqui de modo análogo, não significam para nós, que
nos fenômenos desta classe, a bondade seja atribuída a uma coisa grata como boa ou a maldade a uma
ingrata como má. Entretanto, significam uma modalidade especial da referência da atividade psíquica
a um conteúdo. O que há de exato, aqui também, é que aquela pessoa cuja consciência se refere deste
modo a um conteúdo, em conseqüência disso afirmará a pergunta sobre se o objeto é de tal natureza
que se pode entrar na referência correspondente com ele. O que não significa nada mais que atribuir-
lhe bondade ou maldade, valor ou não valor. Um fenômeno desta classe não é um juízo, como „isto se
deve amar‟ ou „isto se deve odiar‟, mas é um ato de amor ou de ódio. [„Ebenso bedeuten uns denn die
Ausdrücke, die wir hier in analoger Weise gebrauchen, 'als gut genehm sein', 'als schlecht ungenehm
sein', nicht, daß in den Phänomenen dieser Klasse Güte einem als gut Genehmen, oder Schlechtigkeit
einem als schlecht Ungenehmen zugeschrieben werde, vielmehr bedeuten auch sie eine besondere
Weise der Beziehung der psychischen Tätigkeit auf einen Inhalt. Nur das ist auch hier richtig, daß
einer, dessen Bewußtsein sich in solcher Weise auf einen Inhalt bezieht, die Frage, ob der Gegenstand
von der Art sei, daß man zu ihm in die betreffende Beziehung treten könne, infolge davon bejahen
wird; was dann nichts anderes heißt, als ihm Güte oder Schlechtigkeit, Wert oder Unwert zuschreiben.
Ein Phänomen dieser Klasse ist nicht ein Urteil: 'dies ist zu lieben', oder 'dies ist zu hassen' (das wäre
ein Urteil über Güte oder Schlechtigkeit); aber es ist ein Lieben oder Hassen“]. Brentano, Franz.
Psychologie vom empirisch Standpunkt, Zweiter Band, p. 90.

139
secundária para com a relação primária (tomada como uma representação). De
fato, como explicita a citação a seguir, a evidência da percepção interna estava
orientada pelo estatuto ontológico do objeto intencional que sustentava a
Psicologia do ponto de vista empírico:

Repito agora, pois, o sentido da explicação dada e sem receio de ser


mal entendido que os fenômenos desta (terceira) classe se tratam da
bondade e da maldade, do valor e do não valor dos objetos, de modo
análogo aos juízos que se tratam da verdade ou da falsidade. Esta
característica referência ao objeto é a que, como sustento, a
percepção interna nos dá a conhecer, de modo igualmente imediato e
evidente, no apetite e na volição, assim como em tudo quanto
264
chamamos sentimento e emoção.

Assim, tal como propõe Chisholm, o sentido lato das atividades da


consciência permitiu estender a evidência à classe dos juízos, pois,
concomitante à descrição das atividades psíquicas, estava o abandono da
noção de in-existência intencional do objeto. Conforme a análise de Chisholm
acerca do velho exemplo brentaniano, dizer que “[...] a experiência de uma cor
sempre é acompanhada pela experiência concomitante desta experiência, é
dizer que a experiência da cor é necessariamente tal que, se alguém
experiencia deste modo e ao mesmo tempo julga que o faz, então ele julga
com evidência”265.

O exposto é suficiente para apresentar os critérios estabelecidos


pela esfera ideológica da prometida Psicologia descritiva, bem como os quarto
gêneros de partes distincionais no sentido estrito: (1) partes mutuamente
pertencentes; (2) partes lógicas; (3) partes de pares de correlatos intencionais;
(4) partes meramente distincionais da Diploseenergie psíquica (relação
psíquica primária e secundária). Explicitados tais gêneros, Brentano deixa
aberta a questão se a relação dual (das partes meramente distincionais da

264
„Im Sinne der gegebenen Erläuterungen wiederhole ich also jetzt ohne Besorgnis mißverstanden zu
werden, daß es sich analog wie bei den Urteilen um Wahrheit oder Unwahrheit bei den Phänomenen
dieser Klasse um Güte und Schlechtigkeit, um Wert oder Unwert der Gegenstände handelt. Und diese
charakteristische Beziehung zum Objekte ist es, die, wie ich behaupte, bei Begehren und Wollen
sowie bei allem, was wir Gefühl oder Gemütsbewegung nennen, die innere Wahrnehmung in gleich
unmittelbarer und evidenter Weise erkennen läßt“. Brentano, Franz. Psychologie vom empirisch
Standpunkt, Zweiter Band, p. 90.
265
„Das Empfinden einer Farbe ist stets begleitet vom Mitempfinden dieses Empfindens, sagt man: Das
Empfinden der Farbe ist notwendigerweise von der Art, daß, wenn jemand so empfindet und zugleich
urteilt, daß er so empfindet, er dann mit Evidenz urteilt“. Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie, p.
170, nota 11.

140
relação psíquica primária e secundária) não poderia ainda ser divisível em duas
(outras) classes.

Passemos, agora, à aplicação desses critérios aos fundamentos


cartesianos que orientaram a formulação da teoria do conhecimento moral.

3.5 A reformulação da descrição cartesiana da atividade psíquica


fundamental: as ideae.

Afirmamos, a partir de bases textuais (em 3.2), que a classificação


brentaniana dos fenômenos psíquicos apresentada em A origem do
conhecimento moral (1889) se orientou pela análise cartesiana acerca das
atividades da alma. Também afirmamos (em 1.5) que essa orientação
cartesiana fazia parte da estratégia brentaniana de argumentação. Em outras
palavras, Brentano se valeu da classificação cartesiana para apresentar as
correções na descrição das atividades psíquicas, impostas pelos critérios de
análise encontrados pela descrição da relação entre as partes e o todo da
consciência. De modo mais específico, Brentano tratou primeiramente de
analisar a divisão cartesiana acerca das atividades psíquicas. Seu propósito
era apresentá-la como uma distinção correta das partes da consciência, pois
essas partes estariam constituídas pelos pares de correlatos intencionais. Em
seguida, tomando como base as descrições das três atividades psíquicas
resultantes dessa análise, Brentano pôde fundamentar a correção da descrição
das atividades psíquicas dos juízos e dos sentimentos. Como indicamos no
ponto anterior, seu procedimento consistiu em distinguir, nos pares de
correlatos intencionais, as partes que constituíam a relação psíquica primária e
secundária (Diploseenegie). Vejamos, passo a passo, as bases textuais e as
implicações dessa análise. Para isso, analisaremos o Esboço Psicognóstico,

141
texto resultante do curso ministrado na Universidade de Viena em setembro de
1901266 e publicado como anexo 4 da Deskriptive psichologie.

Nesse trabalho, Brentano explicitou claramente o ponto de


convergência entre a análise cartesiana das atividades psíquicas e sua
descrição das partes da consciência orientada por sua análise da relação entre
as partes e o todo da consciência. Tal como estabeleceu a citação abaixo,
Brentano considerou que a análise cartesiana descreveu corretamente o
correlato de todo ato psíquico, encontrado por meio da distinção que explicita
as partes de correlatos intencionais. Por isso, ele aproximou sua definição de
„correlato do ato psíquico‟ à definição de Descartes:

Cada um de nós aparece para si mesmo em unidade e


particularidade pessoal. Nós nos referimos àquilo que constitui esta
unidade e particularidade como nossa alma (Seele). Esta alma
mostra a si mesma em múltiplas atividades. Ela inicia e cessa de
estar em ato de certo modo, enquanto permanece constantemente
em ato de outro modo. Como ato, ela é afetada e, como ato, ela é
efetiva. Deste modo, ela é (percebida como) substancial (wesenhaft).
Nós falamos neste sentido da maioria das atividades da alma.
Enquanto está em ato, ela tem alguma coisa como objeto. Isto
Descartes designou ter-como-objeto como pensamento (no sentido
mais geral). Outros designaram ter como consciência (no sentido
mais geral), ter-presente como mental [geistiges Gegenwärtig-
Haben], permanência mental [geistiges Inhaben], outros ainda como
relação intencional, ou alguma coisa mais. De modo breve e claro,
nós o designaremos ter-um-objeto [Gegenständlichhaben] e o
correlato existir-como-objeto [Gegenständlichsein]. Nisto consiste a
267
específica relação da alma, a relação psíquica .

266
As referências apresentadas pelo editor Chisholm são as seguintes.”PSYCHOGNOSTIC SKETCH
Outline of a psychognosy, begun on 4 September 1901 and finished on 7 September 1901. From the
Nachlass. Registered as Ps 86“.
267
„Jeder von uns erscheint sich selbst in persönlicher Einheit und Besonderheit; was diese Einheit und
Besonderheit ausmacht, nennen wir unsere Seele. Diese Seele zeigt sich in mannigfacher Tätigkeit; sie
beginnt und hört auf in einer Weise tätig zu sein, während sie in anderer Weise unverändert tätig
bleibt; sie wird als tätig gewirkt und ist als tätig wirksam, also wesenhaft [wahrgenommen]. Wir
sprechen in dieser Beziehung von einer Mehrheit von Seelentätigkeiten. Indem sie tätig ist, hat sie
etwas zum Gegenstand. DESCARTES hat dieses Zum-Gegenstande-Haben als Denken (im
allgemeinsten Sinne), andere haben es als Bewußtsein (im allgemeinsten Sinne), wieder andere als
geistiges Gegenwärtig-Haben, geistiges Inhaben, wieder andere als intentionale Beziehung und noch
andere noch anders bezeichnet. Wir wollen es der Kürze und Deutlichkeit Rechnung tragend
Gegenständlichhaben und das Korrelat Gegenständlichsein nennen. Es besteht darin die spezifisch
seelische Beziehung, die Seelen-Beziehung ” Brentano, Franz. Deskriptive Psychologie,
p. 146.

142
Tal como afirmou esta citação, o elemento fundamental para a
descrição das atividades psíquicas era a relação intencional entre ato e
correlato da consciência. Por esse motivo, segundo a interpretação de
Brentano já mencionada268, o valor da análise cartesiana estava no fato de ser
a primeira a apresentar uma divisão das classes constituintes das atividades
psíquicas, determinada por aquilo que o critério brentaniano descrevia como
partes da consciência constituintes dos pares de correlatos intencionais.

Para compreendermos a plausibilidade dessa consideração de


Brentano, é preciso ressaltar, mais uma vez, a novidade apresentada na
análise cartesiana. Segundo Brentano, essa novidade estava no critério que
estabeleceu a divisão das atividades psíquicas a partir da relação intencional
entre ato intencional e seu correlato (objeto imanente). Como contracara da
proclamação dessa novidade, explicitava-se imediatamente o abandono efetivo
da orientação aristotélico-tomista para o critério de classificação dos
fenômenos psíquicos.

O abandono desse ponto fundamental ocorreu no processo de


desenvolvimento do projeto brentaniano da filosofia do psíquico. Por isso
Brentano não se ocupou com a apresentação de uma refutação explícita aos
fundamentos da Psicologia do ponto de vista empírico, mas é interessante
ressaltar que as declarações brentanianas acerca da lei psicofísica de Fechner
são um exemplo pontual desse abandono. Em 1874, a lei de Fechner era
concebida por Brentano como aquela lei fisiológica obtida por indução a partir
dos fenômenos psíquicos de representação. Em 1889, a análise brentaniana
fazia referência à lei de Fechner apenas para apontar os pressupostos teóricos
abandonados:

Ainda que estivesse assegurada, a lei psicofísica de Fechner, uma


vez que provoca mais e mais dúvidas e objeções, só poderia servir

268
“Em suas Meditações, Descartes foi o primeiro a expô-las (as três classes de fenômenos psíquicos)
exata e integralmente. No entanto, suas observações não foram suficientemente entendidas e caíram
imediatamente no esquecimento, até que em nossa época, o fato foi redescoberto, independentemente
dele. Hoje se pode considerar como suficientemente assegurado”. [„Danach gibt es drei Grundklassen.
Descartes in seinen Meditationen hat sie zuerst richtig und vollständig aufgeführt; aber auf seine
Bemerkungen wurde nicht genügend geachtet, und sie waren bald ganz in Vergessenheit geraten, bis
in neuester Zeit die Tatsache unabhängig von ihm wieder entdeckt wurde. Sie darf wohl heutzutage
als hinreichend gesichert gelten“]. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 17.

143
para medir a intensidade do conteúdo de certas representações
269
intuitivas.

A partir de 1889, isso teve um significado imediato para a


nomenclatura utilizada na definição dos fenômenos psíquicos e isso pode ser
observado a seguir na definição da primeira classe de atividades psíquicas,
pois, mesmo que as denominações das classes se identificassem com aquelas
denominações apresentadas na Psicologia do ponto de vista empírico,
Brentano foi incisivo no fato de que a definição de cada uma das classes de
fenômenos psíquicos seguiria a orientação cartesiana.

Vejamos detalhadamente a exposição brentaniana de cada uma


delas, começando pela primeira:

A primeira classe é a das representações no sentido mais amplo da


palavra (as ideae de Descartes). Compreende tanto as
representações intuitivas concretas, por exemplo, aquelas oferecidas
270
pelos sentidos, como os conceitos mais distantes da intuição.

Brentano se valeu dos seguintes argumentos encontrados na


terceira meditação para identificar a classe das representações com as ideae
de Descartes:

Entre meus pensamentos, alguns são como imagens das coisas, e só


àqueles convém propriamente o nome de idéia: como no momento
em que eu represento um homem ou uma quimera, ou o céu, ou um
anjo, ou mesmo Deus. (...) Agora, no que concerne às idéias, se as
considerarmos somente nelas mesmas e não as relacionamos a
alguma outra coisa, elas não podem, propriamente falando, ser
falsas; pois, quer eu imagine uma cabra ou uma quimera, não é
271
menos verdadeiro que eu imagino tanto uma como outra.

Segundo a análise brentaniana, a definição cartesiana de ideae não


apenas recolocou os termos em que a noção de representação havia sido
definida na Psicologia do ponto de vista empírico, mas também lapidou o modo
como os pares de correlatos da relação intencional deveriam ser concebidos.

269
„Das psychophysische Gesetz Fechners, selbst wenn es gesichert wäre, während es mehr und mehr
Zweifel und Widerspruch hervorruft, würde nur für die Messung der Intensität des Inhalts gewisser
anschaulicher Vorstellungen“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 88, nota 40.
270
„Die erste Grundklasse ist die der Vorstellungen im weitesten Sinne des Wortes (Descartes' ideae).
Sie umfaßt die konkret anschaulichen Vorstellungen, wie sie uns z. B. die Sinne bieten, ebenso wie
die unanschaulichsten Begriffe“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 17.
271
Descartes, René. Meditações, p. 109.

144
Em outras palavras, tal como estabeleceu Brentano em 1874, a representação
consistiu no ato de representar. Esse ato necessariamente possuía um objeto
intencional in-existente como correlato representado. Em 1889, a interlocução
com Descartes chamou a atenção para o seguinte ponto. Ao recusar a noção
de ideae como cópia e atribuir-lhe uma função assimétrica, Descartes
apresentou a relação intencional destituída do pressuposto de um objeto
intencional in-existente. Por esse motivo, ainda segundo os argumentos
brentanianos, Descartes foi o primeiro filósofo a distinguir os pares de
correlatos que constituem a relação intencional.

Analisemos um pouco mais os detalhes que envolvem essa análise


brentaniana acerca dessa definição apresentada por Descartes. Tomaremos
dois pontos específicos na análise de Gèrard Lebrun acerca da noção
cartesiana de ideae: (a) a descrição do estatuto objetivo do correlato da ideae;
(b) a descrição do modo de existência desse correlato, como um modo de ser
destituído de realidade.

Lebrun esclarece, primeiramente, que Descartes usou a noção de


ideae de dois modos distintos. Isso significa que seria preciso identificar o uso
meramente ilustrativo, adotado quando Descartes se referiu à noção de ideia
como cópia de um original. E, além disso, seria preciso identificar o uso de
ideia como uma função assimétrica (ou, como definiu Brentano, a relação
intencional). Após a identificação desses dois usos, seria fundamental não
confundi-los. Assim, Lebrun tem como base de sua análise a seguinte
passagem das Meditações:

Esta definição da idéia como cópia na qual se anuncia um original (a


idéia-quadro) reaparecerá muitas vezes nesta Meditação. Importa
tanto mais sublinhar que os termos "como uma imagem" constituem
apenas uma comparação destinada a explicar a função da idéia. Não
se trata, de forma alguma, de assimilar a idéia intelectual à imagem
272
sensível.

Seria preciso reconhecer, insiste Lebrun, o fato de que precisamente


na passagem citada acima a função da ideae é definida „como uma imagem‟.
Além disso, para obtermos a correta compreensão acerca do que Descartes
pretendeu, seria preciso considerar seu protesto contra Hobbes apresentado

272
Idem, Ibidem, nota 52.

145
nas Terceiras Respostas: "Pelo nome de idéia, ele (Hobbes) quer somente que
se entendam aqui as imagens das coisas materiais pintadas na fantasia
corpórea”273. De fato, era essa definição hobbeseana que interessava a
Descartes refutar, pois a intenção de Hobbes podia ser resumida na
formulação da seguinte implicação. “Sendo isso suposto (idéias são pinturas na
fantasia), é-lhe fácil mostrar que não se pode ter nenhuma idéia própria e
verdadeira de Deus nem de um anjo..."274.

Se utilizarmos uma terminologia brentaniana para expor a análise de


Lebrun, podemos dizer que Descartes apontou o seguinte equívoco
hobbeseano. Hobbes não concebeu que ideae seria uma relação intencional
constituída por dois pares de correlatos (ideia como representação e ideia
representada) e, por isso mesmo, encontrou na descrição cartesiana apenas o
último elemento do par de correlatos intencionais, ou seja, a ideia
representada. Se essa relação intencional tivesse sido concebida por Hobbes,
ele teria percebido que o termo ideae tinha sido apresentado justamente por
ser capaz de definir as relações que estruturavam as atividades psíquicas
como “[...] eu represento um homem ou uma quimera, ou o céu, ou um anjo, ou
mesmo Deus”275.

Foi exatamente nesse ponto que Brentano encontrou a precisão da


definição cartesiana, pois o segundo ponto fundamental estava no novo
estatuto daquilo que constituía o correlato do ato de representar: a objetividade.
Assim, para Brentano, esse estatuto de objetividade explicitava-se na
afirmação de Descartes, quando ele sustentou que “[...] quer eu imagine uma
cabra ou uma quimera, não é menos verdadeiro que eu imagino tanto uma
como outra” 276. Vejamos os detalhes desse segundo ponto.

Ainda, como esclarece Lebrun, se essa definição cartesiana


reconheceu apenas o caráter objetivo do correlato do ato de representar,
então, no que concernia às ideias consideradas em si mesmas, “[...] elas não

273
Idem, Ibidem.
274
Idem, Ibidem.
275
Idem, René. Meditações, p. 109.
276
Idem, Ibidem.

146
poderiam, propriamente falando, ser falsas”277, uma vez que a atribuição de
verdade ou falsidade cabe ao juízo. Para Brentano, esse foi outro ponto
fundamental da análise cartesiana, pois a restrição da verdade e falsidade à
esfera de atividade psíquicas do juízo era outro modo de estabelecer a não
existência de relação entre os elementos que compõem a ideae e algo exterior
à consciência. Desse modo, tal como sustentou Descartes, “[...] se eu
considerasse as idéias apenas como certos modos ou formas de meu
pensamento, sem querer relacioná-las a algo de exterior, mal poderiam elas
dar-me ocasião de falhar”278. Assim, portanto, restrita à atividade do cogito, a
ideae possuía, como afirma Lebrun, uma “realidade objetiva” ou valor objetivo.
Foi justamente essa objetividade que Brentano concebeu como existência não
real do objeto imanente, abandonando definitivamente a terminologia
aristotélico-tomista.

O exposto é suficiente para apresentar a descrição da primeira


classe de atividade psíquica. Passemos às demais.

3.6 A descrição cartesiana das atividades psíquicas baseadas em


representações: os judicia e as Voluntattes sive affectus

Para compreendermos os detalhes da análise brentaniana acerca da


descrição das atividades psíquicas apresentada por Descartes, devemos
considerar os seguintes pontos. Tal como apresentamos no capítulo II, a
descrição brentaniana de 1874 explicitou uma característica comum entre os
atos psíquicos de juízos e os atos psíquicos de sentimentos. A saber, ambas
as classes estavam baseadas em representações. Além disso, a filosofia do
psíquico de 1874 descrevia cada tipo de ato psíquico como um modo
específico de referência ao objeto intencional in-existente. Dessa maneira, os
atos psíquicos de juízos e de sentimentos se referiam ao objeto da
representação.

277
Idem, Ibidem.
278
Idem, Ibidem.

147
Já indicamos que esse modo de referência específico de ambas as
atividades, juízos e sentimentos, foi redefinido pelos critérios de descrição das
relações entre as partes e o todo da consciência norteadores da Psicologia
descritiva de 1889. Por quê? Porque a nova descrição dos juízos e dos
sentimentos apresentou outro critério para distingui-los das representações.
Em 1889, foi a descrição da relação psíquica primária e secundária
(Diploseenergie) que definiu os fenômenos psíquicos de juízo e de sentimento.
Assim, Brentano afirmou ter encontrado nas definições cartesianas a
possibilidade de explicitar, ao menos parcialmente, o tipo de relação que
definia essas classes de atividades psíquicas. Vejamos os passos da
argumentação brentaniana.

A segunda classe de atividades psíquicas, tal como expôs Brentano


na citação abaixo, retirada de seu texto de 1889, são os judicia de Descartes:

A segunda classe é a dos juízos (os judicia de Descartes). Antes de


Descartes, estes juízos e as representações eram concebidos em
uma única classe. Mesmo depois de Descartes, se reincidiu no
mesmo erro. De fato, acreditava-se que o juízo consistia
essencialmente em uma composição ou referência de uma
representação à outra. Isto é era desconhecer largamente a
279
verdadeira natureza do juízo.

A terceira classe de atividades psíquicas, enunciada também em


1889 no argumento brentaniano que se segue, são as Voluntattes sive afffectus
de Descartes:

A terceira é a classe das emoções, no sentido mais amplo da palavra,


desde a simples atração ou repulsão, quando ocorre um pensamento,
até a alegria e a tristeza baseada em convicções, bem como os mais
complicados fenômenos de eleição de fim e de meios. Aristóteles já
havia reunido todas essas coisas sob o nome desejo ( ).
Descartes disse que esta classe compreendia as Voluntattes sive
affectus. Se na segunda classe fundamental a referência intencional
foi um admitir ou um rechaçar, na terceira classe é um amor ou um
ódio, ou (como também poderia dizer exatamente) um agrado ou um
desagrado. Amor, agrado, ódio, desagrado, existem na mais simples
atração e repulsão, na alegria vitoriosa e na tristeza desesperada, na

279
„Die zweite Grundklasse ist die der Urteile (Descartes' judicia). Diese hatte man vor Descartes mit
den Vorstellungen in einer Grundklasse geeinigt gedacht; ja nach ihm verfiel man zum andern Male in
diesen Fehler. Man meinte nämlich, das Urteil bestehe wesentlich in einem Zusammensetzen oder
Beziehen von Vorstellungen aufeinander. Das war eine gröbliche Verkennung seiner wahren Natur“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 17.

148
esperança e no temor, como também em toda a manifestação da
280
vontade.

Como propusemos, as redefinições dessas duas classes de


atividades psíquicas, apresentadas acima, inauguraram uma nova concepção
das atividades psíquicas de juízos e de sentimentos de amor e ódio. Devemos,
no entanto, considerar que os pressupostos que fundamentaram tais definições
não estão explícitos. Para solucionar esse problema, nossa estratégia
argumentativa consistirá em apresentar, ainda que sistematicamente, os três
pontos seguintes:

(a) Apresentaremos o ponto convergente entre as definições


brentanianas e cartesianas de juízos e representações. Isso exigirá uma
apresentação do critério usado por Descartes para distinguir entre ideae e
judicia, tal como expôs a análise brentaniana.

(b) Apresentaremos o critério utilizado por Brentano para definir a


evidência do ato psíquico de juízo. Isso exigirá uma apresentação do ponto
refutado por Brentano nas definições cartesianas de ideae e judicia;

(c) Apresentaremos o critério utilizado por Brentano para


fundamentar a teoria da verdade como evidência.

A apresentação desses três critérios servirá de pedra de toque para


as análises do último capítulo desta tese, pois apresentaremos a descrição da
justeza dos sentimentos de amor e ódio a partir de uma analogia para com a
definição da evidência do juízo.

280
„Die dritte Grundklasse ist die der Gemütsbewegungen im weitesten Sinn des Wortes, von dem
einfachsten Angemutet - oder Abgestoßenwerden beim bloßen Gedanken bis zu der in Überzeugungen
gründenden Freude und Traurigkeit und den verwickeltsten Phänomenen der Wahl von Zweck und
Mitteln. Aristoteles schon hatte alles das als (όρεξις)- zusammengefaßt. Descartes sagte, die Klasse
begreife in sich die voluntates sive affectus. Wenn in der zweiten Grundklasse die intentionale
Beziehung ein Anerkennen oder Verwerfen war, so ist sie in der dritten ein Lieben oder Hassen oder
(wie man sich ebenso richtig ausdrücken könnte) ein Gefallen oder Mißfallen. Ein Lieben, ein
Gefallen, ein Hassen, ein Mißfallen haben wir in dem einfachsten Angemutet- und
Abgestoßenwerden, in der siegreichen Freude und verzweifelnden Traurigkeit, in der Hoffnung und
Furcht und ebenso in jeder Betätigung des Willens vor uns“. Brentano, Franz. Vom Ursprung
Sittlicher Erkenntnis, p. 18.

149
3.7 O critério brentaniano e a distinção cartesiana entre ideae e
judicia

Nosso primeiro ponto trata daquilo que Brentano chamou de correta


separação entre a classe das representações (ideae) e a classe dos juízos
(judicia), tal como foi apresentada por Descartes à história da filosofia. Com
base nos critérios da descrição da relação entre as partes e o todo da
consciência utilizados por Brentano em 1889, Descartes distinguiu
corretamente a representação e o juízo como partes unilateralmente
separáveis, pois, como esclareceu Brentano nos exemplos já citados, mesmo
que todo juízo pressupusesse uma representação, a representação poderia
existir ou continuar existindo quando o juízo deixasse de existir ou não
existisse.

Segundo a análise brentaniana, a correta separação cartesiana


entre a classe das representações (ideae) e a classe dos juízos (judicia)
resultou da seguinte descrição. O juízo foi descrito como um ato de afirmação
ou rechaço da representação (e não mais como um ato de afirmação ou
rechaço do conteúdo representado, como em 1874). Isso significava que a
descrição do juízo continuava orientada pela estrutura de predicação
encontrada em Aristóteles, ou seja, [(A)é] ou [(A é b)é], mas, além disso,
Brentano reconhecia na teoria cartesiana uma especificidade desse mesmo
ato. Tratava-se da afirmação ou do rechaço da relação intencional que constitui
o ato de representar, ou seja, da representação (e não do representado), pois a
análise brentaniana descreveu a ideae como uma função assimétrica para
redefinir a noção de representação.281

281
É interessante anteciparmos uma parte do comentário de Twardowski que desenvolveremos adiante.
O próprio Twardowski fez referência ao modo como Brentano concebeu essa noção de representação
e, também, deixou indicada a recepção cartesiana, pois Twardowski afirmou que a noção brentaniana
de objeto secundário era o ato e o conteúdo tomado em conjunto. Além disso, como veremos adiante,
essa representação consistia no objeto ao qual o juízo se referia intencionalmente. “Embora Brentano
designe como objeto primário o objeto da representação, tal como é feito aqui (na obra de
Twardowski), ele entende por objeto secundário de uma representação o ato e o conteúdo tomados
em conjunto, na medida em que ambos, durante a atividade de representar um objeto, são
apreendidos pela consciência interna, e aí a representação torna-se assim consciente”. Twardowski,
Kasimir. Para a doutrina do conteúdo e do objeto das representações, Uma investigação psicológica,
p. 62-63, nota 2.

150
Existe um contraponto dessa posição epistemológica que é
fundamental relembramos. Brentano não reconheceu a noção moderna de
juízo (relação entre ideias) no âmbito da teoria do conhecimento cartesiana. A
análise brentaniana esclareceu que a noção cartesiana de juízo não poderia
ser descrita como uma atribuição de um sujeito a um predicado [A é B]. Tal
como descreve a citação a seguir, Brentano nos fez lembrar, também em 1889,
que uma composição de “idéias” ou uma “idéia composta”, por si só, nada mais
seria que uma parte (ou o correlato) da representação (ou do ato). Do mesmo
modo, uma “idéia” simples seria também uma parte (ou o correlato) da
representação (ou do ato). Isso significava que a representação, como um ato
intencional, estava referida a um objeto imanente, portanto, tendo uma
representação como base, um juízo seria uma referência intencional a essa
representação, fosse ela um ato que se referisse a um correlato simples ou
composto:

Sempre que se queira, é possível juntar e referir várias


representações umas às outras. Por exemplo, quando dizemos: uma
árvore verde; uma montanha de ouro; um pai de cem filhos; um
amante da ciência. No entanto, se nada for feito além disso, não se
expressa juízo algum. Também é certo que o julgar, como o desejar,
implica sempre um representar. Mas, não é certo que várias
representações se refiram umas às outras como sujeito e predicado.
Isto acontece quando digo: Deus é justo. Mas, não quando digo:
282
Deus existe.

Esse era o ponto convergente entre Descartes e Brentano. Ora, se


Brentano estabeleceu que não haveria como conceber a noção de ideia
hobbeseana e lockeana em sua filosofia do psíquico, então não haveria
também como conceber juízo ou conhecimento como relação entre ideias,
segundo a formula S é P.

Estabelecida a convergência entre Descartes e Brentano, passemos


para o ponto que trata da divergência entre suas definições de juízos:

282
„Man mag Vorstellungen zusammensetzen und aufeinander beziehen wie man will, wie wenn man
sagt, ein grüner Baum, ein goldener Berg, ein Vater von 100 Kindern, ein Freund der Wissenschaft:
solange und sofern man nichts weiteres tut, fällt man kein Urteil. Auch ist es zwar richtig, daß dem
Urteilen sowie auch dem Begehren immer ein Vorstellen zugrunde liegt; nicht aber, daß man dabei
immer mehrere Vorstellungen wie Subjekt und Prädikat aufeinander beziehe. Solches geschieht wohl,
wenn ich sage: Gott ist gerecht; nicht aber, wenn ich sage: es gibt einen Gott“. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 17.

151
3.8 O critério brentaniano para a definição da evidência do juízo

Nossa análise tomará por base os critérios de descrição das


relações entre as partes e o todo da consciência, de 1889, e apresentará o
modo como Brentano descreveu o erro de Descartes. Como método de
exposição desse erro cartesiano, seguiremos a análise de Chisholm e
apresentaremos os detalhes que sustentam a seguinte consideração. Os
principais aspectos nos quais “[...] o sistema brentaniana de 1889 difere do
cartesiano são estes: (a) Brentano substitui a noção cartesiana de verdade pela
noção de corretude; (b) acrescenta que os fenômenos da terceira classe são
corretos ou incorretos, assim como os juízos; (c) os fenômenos da segunda e
terceira classe são positivos e negativos”.283

A análise brentaniana considerou que Descartes não analisou


corretamente as características de uma das partes meramente distincionais. De
modo específico, Brentano considerou que o erro cartesiano estava na
descrição das partes constituintes das atividades psíquicas de representação e
de juízo, pois Descartes tomou algumas especificidades da relação psíquica
primária e secundária [Diploseenergie], que seriam próprias do juízo, como
especificidades da representação. Segundo a análise brentaniana, essa
confusão cartesiana resultou na atribuição equivocada da evidência à atividade
psíquica de representação (ideae). Esse seria o erro de Descartes, pois a
evidência deveria ser atribuída apenas à atividade psíquica de juízo (judicia),
uma vez que ela seria a única que poderia ser denominada conhecimento no
sentido próprio. Para apresentar os detalhes desse erro cartesiano encontrado
por Brentano, analisaremos uma citação ambígua presente em A origem do
conhecimento moral.

283
"The principal respects in which Brentano's system of 1889 differs from that of Descartes are these:
(1) He replaces Descartes's concept of truth by what he believes is the more basic concept of
correctness; (2) he adds that phenomena of the third sort - emotions and volitions - are like judgments
in being either correct or incorrect; and (3) he holds that phenomena of the second and third sorts are
alike in being either positive or negative. He refers to phenomena of the second sort as phenomena of
acceptance and rejection (compare "believing" and "disbelieving"); and he refers to phenomena of the
third sort as the "phenomena of love and hate." Chisholm, Roderick M. Brentano and intrinsic value,
p. 2-3.

152
Em linhas gerais, tal como descreve o argumento a seguir, a
definição de juízo apresentada em 1889 parece idêntica àquela apresentada
em 1874:

Assim, qual é a distinção entre os casos em que me limito a


representar e os casos em que julgo? Além de representar algo,
existe aqui uma segunda referência intencional ao objeto
representado, a que consiste em admiti-lo ou rechaçá-lo. Quem
nomeia a Deus, dá expressão da representação de Deus. Mas, dá
284
expressão à sua crença em Deus aquele que diz: existe um Deus.

A identidade entre as definições de juízo de 1874 e 1889 é mera


aparência, por isso será preciso explicitar os detalhes que evidenciam a
diferença. Para eliminar essa aparente identidade, aplicaremos os critérios
norteadores da Psicologia descritiva apresentados no início do capítulo. Assim,
poderemos apontar o distanciamento teórico entre as propostas da filosofia do
psíquico brentaniana de 1874 e 1889.

Brentano tomou como base seus próprios critérios de 1889,


estabelecidos pela descrição da relação entre as partes e o todo da
consciência, e sustentou que Descartes separou acertadamente representação
e juízo como partes unilateralmente separáveis. Essa distinção explicitou o fato
de que todo juízo pressupunha uma representação, embora a representação
pudesse existir ou continuar existindo quando o juízo deixasse de existir ou não
existe. Ocorre, no entanto, que Brentano também pretendeu sustentar que
escapou a Descartes o ponto fundamental, pois a aplicação dos mesmos
critérios de análise explicitava que as atividades psíquicas dos juízos seriam
constituídas de outras relações psíquicas primárias e secundárias
(Diploseenergie). Ora, sendo distinguidos em partes unilateralmente
separáveis, tal como em 1874, todos os juízos pressupunham representações
(caracterizadas pela relação intencional ao objeto imanente), no entanto, como
decorrência exclusiva da análise de 1889, a distinção encontrada na relação
psíquica primária e secundária da atividade da consciência (Diploseenergie)
explicitava que o objeto do juízo seria o próprio ato de representar, ou a relação

284
„Was unterscheidet also die Fälle, wo ich nicht bloß vorstelle, sondern auch urteile? - Es kommt hier
zu dem Vorstellen eine zweite intentionale Beziehung zum vor gestellten Gegenstande hinzu, die des
Anerkennens oder Verwerfens. Wer Gott nennt, gibt der Vorstellung Gottes, wer sagt: es gibt einen
Gott, dem Glauben an ihn Ausdruck“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 17.

153
psíquica primária, pois esse seria tomado como correlato do ato constituinte da
segunda relação intencional.

Ao considerarmos, então, os critérios de 1889, a ambiguidade


acerca do correlato do ato intencional de julgar se dissolve e a maneira de
descrição das atividades psíquicas proposta pela Psicologia descritiva se
evidencia. Em outras palavras, a “segunda referência intencional ao objeto
representado” foi caracterizada por uma relação psíquica secundária, ou seja,
pela admissão ou rechaço da representação que se caracterizou como relação
psíquica primária, pois tal representação consistiu no objeto da segunda
relação intencional.

Esse modo brentaniano de descrever as atividades psíquicas, a


partir de 1889, nos permitiu apresentar outro ponto fundamental da sua análise.
A saber: a razão pela qual a distinção cartesiana confundiu as especificidades
da relação psíquica primária e secundária [Diploseenergie], que são próprias
do juízo, como especificidades da representação, pois, segundo Brentano,
essa confusão cartesiana resultou na atribuição equivocada da evidência à
atividade psíquica de representação (ideae). A evidência podia ser descrita
apenas como atividade psíquica de juízo (judicia), pois só os juízos possuíam
as especificidades para ser descrita como conhecimento no sentido próprio.

Os argumentos usados por Brentano para refutar a noção cartesiana


de evidência impuseram a seguinte pergunta: Como a filosofia brentaniana
do psíquico apresentou a teoria da verdade como evidência? Em outras
palavras: Como a descrição da atividade da consciência caracterizada como
relação psíquica primária e secundária [Diploseenergie] explicitou o juízo
evidente? Antes de apresentarmos a resposta brentaniana, devemos relembrar
que a formulação dessas perguntas só foi possível no contexto da Psicologia
descritiva anunciado na obra A origem do conhecimento moral. Assim,
portanto, somente a partir de 1889 foi possível perguntar pela evidência dos
juízos que Brentano definiu como juízos justos. Do mesmo modo, somente
depois dessa data coube perguntar pela analogia entre os juízos justos e a
justeza dos sentimentos. Assim, somente no contexto da Psicologia descritiva a
análise brentaniana descreveu os juízos e os sentimentos como relações
psíquicas primárias e secundárias [Diploseenergie], pois juízos e sentimentos

154
(enquanto relações psíquicas secundárias) tinham as representações
(enquanto relações psíquicas primárias) como objetos correlatos.

3.9 O critério brentaniano para a fundamentação da teoria da


verdade como evidência

Faremos uma exposição sistemática da análise brentaniana da


verdade como evidência. Tomaremos como base textual a comunicação de
Brentano apresentada à comunidade filosófica de Viena em março de 1889 285.
Essa comunicação recebeu o título “Sobre o conceito de Verdade” (Über den
Begriff der Wahrheit).

Primeiramente, a análise brentaniana apresentou uma retomada da


clássica definição aristotélica de verdade compreendida como adaequatio rei et
intelectus. Em princípio, essa análise orientou-se ou, ao menos, acordou com
as definições, distinções e classificações aristotélicas apresentadas pelo
próprio Brentano desde sua tese doutoral. Assim, Brentano permaneceu
sustentando em 1889, tal qual fizera em 1874 com base em pressupostos
aristotélicos, que a verdade e a falsidade tomadas no sentido próprio se
encontravam no juízo286. Isso significava que o juízo, tomado em seu sentido
próprio, possuía uma estrutura. Essa estrutura dos juízos, encontrada por
Brentano nos textos aristotélicos, consistia na predicação existencial da
representação, fosse ela simples [(A)é] ou composta [(A é B)é]. Em função
dessas orientações, Brentano considerou que a definição correta de verdade
poderia ser estabelecida por meio da análise da resposta aristotélica para a
seguinte questão: “Quando um juízo é falso e quando é verdadeiro?”287 Tal

285
O texto “Sobre o conceito de Verdade” (Über den Begriff der Wahrheit), editado por Oskar Kraus,
foi publicado como parte 1 do primeiro capítulo do livro “Verdade e Evidência” (Wahrheit und
Evidenz: Erkenntnistheoretische Abhandlugen und Briefe) em 1930, 1958 e 1974.
286
A verdade e a falsidade tomadas no sentido próprio se encontram no juízo. Assim, todo juízo é
verdadeiro ou falso. [„die Wahrheit und Falschheit im eigentlichen Sinne findet sich im Urteil. Und
zwar ist jedes Urteil entweder wahr oder falsch“]. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 6.
287
Quando, segundo ele (Aristóteles), um juízo é falso e quando é verdadeiro? [„Wann ist nun aber nach
ihm ein Urteil wahr?, wann falsch?]. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 7.

155
como descreve a citação a seguir, a resposta para essa pergunta colocou o
ponto de partida da análise brentaniana:

Aristóteles responde que o juízo é verdadeiro quando aquele que


julga o faz em correspondência com as coisas, no caso contrário é
falso. “Quando alguém toma por separado o que é separado, unido o
que é unido, seu juízo é verdadeiro. E ele erra quando toma as coisas
de modo contrário ao que são” (Metafísica, IX, 10, 1051b 3). Com
isso, se esclareceria a verdade da concordância de um juízo com as
288
coisas efetivas (wirklichen Dingen).

Ao apresentar a definição aristotélica acima, a análise brentaniana


reconheceu a necessidade de dissolver os problemas que envolviam a noção
de „correspondência‟. Vejamos o primeiro deles.

Brentano reconheceu que seria preciso esclarecer o modo


aristotélico de conceber a ligação daquilo que está ligado e a separação
daquilo que está separado. Tratava-se, disse ele, das seguintes afirmações de
Aristóteles:

Em seu De Interpretatione, Aristóteles escreve que juízo consiste em


uma interligação do pensamento    e que
ele é uma composição (). Isto consiste no fato de que,
quando se julga, toma-se uma coisa real como ligada (unida) ou
como separada (distinta) a alguma outra coisa que é igualmente
real. Se considerar-se ligadas as coisas que são efetivamente, e
distintas as coisas que são efetivamente, então o juízo é verdadeiro.
Ele é falso, no caso contrário, quando se procede contrariamente
289
para com a coisa.

Segundo a análise brentaniana, essa definição de verdade incorria


em ambiguidades, pois ela sustentava a interpretação proposta por “[...]
aqueles que, por verdade, imaginam dada certa relação de identidade ou
similitude, ou mesmo semelhança, entre um pensamento e uma realidade

288
ARISTOTELES antwortet darauf, wahr sei es, wenn der Urteilende sich den Dingen entsprechend,
falsch, wenn er sich ihnen entgegengesetzt verhalte. „Wenn Einer, was geschieden ist, für geschieden,
was verbunden ist, für verbunden hält, urteilt er wahr, und er irrt, wenn er sich entgegengesetzt
verhält, wie die Sachen (Metaph. IX, 10, 1051b 3)“. Damit war eine Wahrheit für die
Übereinstimmung des Urteils mit den wirklichen Dingen erklärt. Brentano, Franz. Wahrheit und
Evidenz. p. 7.
289
„ARISTOTELES sagt in seinem Buch De Interpretatione, das Urteil bestehe in einer Verflechtung
von Gedanken (  ), es sei eine Zusammensetzung (). Und
diese bestehe darin, daß man, wenn man urteile, etwas Reales mit etwas Realem für verbunden, für
eins oder etwas Reales von etwas Realem für getrennt, geschieden halte. Halte man für verbunden
Dinge, die wirklich verbunden, für getrennt Dinge, die wirklich getrennt seien, so urteile man wahr;
falsch dagegen, wenn man sich entgegengesetzt wie die Dinge verhalte“. Brentano, Franz. Wahrheit
und Evidenz. p. 18-19.

156
(Realität)”290. Orientado pela teoria do juízo fundada na filosofia do psíquico,
Brentano considerou que “[...] a proposição segundo a qual a verdade seria a
concordância do juízo com a coisa (ou toda formulação similar) ou é
necessariamente falsa ou deve ser compreendida de uma maneira inteiramente
diferente”291. De fato, Brentano pretendeu afirmar a segunda hipótese dessa
bifurcação. Assim, por meio de um silogismo disjuntivo, ele apresentou as
clássicas contradições que envolviam a possibilidade de concordância entre
alguns juízos e as coisas. Tais contradições envolviam tanto os casos de
alguns juízos negativos292, como os casos de alguns juízos afirmativos293. A

290
„Welche bei der Wahrheit eine gewisse Relation der Identität oder Gleichheit oder Ähnlichkeit von
einem Denken und einer Realität gegeben glauben“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 23.
291
„Wir sehen: der Satz, die Wahrheit sei die Übereinstimmung des Urteils mit der Sache (oder wie man
sich ähnlich ausdrücken mag), muß entweder grundfalsch oder ganz anders zu verstehen sein“.
Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 23.
292
As contradições que envolvem a possibilidade de correspondência (entre os juízos negativos e as
coisas) são exemplificadas por Brentano, como descreve a citação a seguir, a partir do fato de que
aquilo que deveria ser o correspondente do juízo negativo verdadeiro não existe como coisa real. Ou,
nos termos brentanianos, é um existente não-real. “A dúvida aparece de maneira particularmente
simples em uma simples negação. Se a verdade „não existe dragão‟ consistisse em uma concordância
de meu juízo com uma coisa, qual deveria ser então esta coisa? O dragão, certamente, não, pois ele
absolutamente não é dado (nicht vorhanden ist), mas tampouco qualquer coisa real que pudesse ser
considerada (como concordante)” [„Besonders im Falle der einfachen Leugnung tritt das Bedenkliche
klar hervor. Wenn die Wahrheit: ‚es gibt keinen Drachen„ in einer Übereinstimmung zwischen
meinem Urteil und einem Dinge bestände, welches sollte dann dieses Ding sein? Der Drachen doch
nicht, der ja dann gar nicht vorhanden ist. Aber ebensowenig ist irgendwelches Reale da, das (als
übereinstimmend) in Betracht kommen könnte“]. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 22. O
argumento exposto, como sustenta Brentano, propõe a refutação da clássica interpretação da noção de
correspondência baseando-se no fato de que os juízos negativos verdadeiros, assim o são,
independentemente da realidade do que está sendo afirmado. Isto significa que Brentano já está
analisado a correspondência dos juízos negativos baseado nos critérios de outra noção de verdade. O
mesmo ocorre, como destacamos na citação que se segue, com o juízo existência negativo. “Ora, o
seguinte caso também comporta algo completamente similar. Onde eu não nego simplesmente uma
coisa, mas eu nego a tal coisa uma tal determinação real. Quando eu digo: algum homem não é negro,
então, para a verdade da sentença, como já dissemos, um negro não está separado do homem, mas a
falta de negro no homem, falta que existe efetivamente. Esta falta, este não-negro é como tal coisa
alguma (kein Ding), logo é por sua vez coisa alguma (kein Ding) dada efetivamente que concorde
com meu juízo. Assim, como dissemos, todos os juízos negativos verdadeiros são os primeiros a
apontar (e da maneira mais inegável uma vez que estes juízos são simples negações) que esta relação
de concordância entre juízo e realidade, que seria pretensamente própria de todo juízo verdadeiro, não
existe”. [„Ganz ähnlich aber verhält es sich auch in den Fällen, wo ich ein Ding nicht schlechtweg
leugne, sondern nur etwas einem anderen als reale Bestimmung abspreche. Wenn ich sage: irgendein
Mensch sei nicht schwarz, so ist -- wir sagten es bereits - zur Wahrheit des Satzes nicht ein Schwarz
getrennt von Mensch, sondern der Mangel eines Schwarz an dem Menschen, der in Wirklichkeit ist,
erforderlich. Dieser Mangel, dieses NichtSchwarze aber ist als solches kein Ding; also ist wieder kein
Ding als das, was mit diesem meinem Urteile übereinstimmte, in Wirklichkeit gegeben. - So zeigt sich
denn, wie gesagt, zunächst bei allen wahren, negativen Urteilen (und am unverkennbarsten freilich bei
den einfachen negativen), daß jene Relation der Übereinstimmung zwischen Urteil und Realität, die
angeblich zu jedem wahren Urteil gehören würde, nicht vorhanden ist“]. Brentano, Franz. Wahrheit
und Evidenz. p. 22.

157
partir de tais contradições, a análise brentaniana inferiu a necessidade de uma
nova interpretação para aquilo que seria a concepção aristotélica de
concordância entre o juízo e a “coisa”. A análise Brentaniana avançou por meio
dos seguintes passos.

Em primeiro lugar, a argumentação brentaniana tomou como boneco


de palha a clássica problematização apresentada pelo sofista Górgias, pois, ao
analisar as teses pré-socráticas e sofísticas, Górgias havia apontado as
consequências problemáticas decorrentes da noção de verdade como
correspondência.294 Ainda que não tenha obtido sucesso, o propósito de

293
Ainda segundo Brentano, também as contradições que envolvem a possibilidade de correspondência
entre os juízos afirmativos e as coisas são exemplificadas, como descreve a citação a seguir, a partir
do fato de que aquilo que deveria ser o correspondente desses juízos verdadeiros não existe como
coisa real. Ou, nos termos brentanianos, é um existente não-real. “A outra classe de casos, onde
parecer ocorrer a mesma coisa, é encontrada quando examinamos de modo claro todo o domínio onde
se exerce a função afirmativa. Nós descobrimos que o juízo afirmativo se refere sempre, como efeito,
às coisas. Mas, como eu clarificarei rapidamente a partir de alguns exemplos, eles também tratam de
objetos que não se pode qualificar de modo algum como coisa. Uma vez que um juízo afirmativo se
refira à coisa, seja ela uma coisa específica que reconhecemos, seja ela atribuição de uma outra
determinação real a uma realidade, nós certamente poderíamos reconhecer uma concordância da coisa
com o juízo nos casos onde o juízo é verdadeiro. Mas, onde não fosse o caso, como deveríamos ser
capazes de dar conta de semelhante concordância? De fato, nossos juízos afirmativos, verdadeiros, às
vezes dizem respeito a uma coisa, a uma coleção de coisas, às vezes a uma parte, um limite de tal
coisa, etc. – numerosos objetos que não são eles mesmos coisas. Ou, se alguém no entanto arriscasse a
afirmá-los, indubitavelmente seria ele conduzido a supor que um ser, que ocorreu há muito tempo ou
que se situa no futuro distante, se encontra fora de mim como uma coisa? E ainda, o que acontece
quando eu reconheço a falta ou a ausência de uma coisa? Se diria que a falta do que está ausente em
uma coisa é também uma coisa? Ou ainda, quando digo que existe uma impossibilidade, ou que existe
certas verdades eternas – por exemplo as leis matemáticas – se acreditará então que, de modo
semelhante às idéias platônicas, existiriam os seres eternos concordantes com meu juízo em qualquer
parte no mundo ou fora do mundo? Certamente não. Parece que a concepção de l'adaequatio rei et
intellectus foi aqui completamente abatida”. [„Der andere Fall, wo sich dasselbe zu zeigen scheint,
begegnet uns sofort, wenn wir den Umfang des Gebietes, in welchem die affirmative Funktion geübt
wird, klar überblicken. Wir finden dann, daß sich das affirmative Urteil zwar oft auf Dinge bezieht;
aber auch - ich werde dies sogleich an Beispielen verdeutlichen - daß es oft auf Gegenstände geht, die
keineswegs mit dem Namen "Dinge" zu benennen sind. Wo sich nun ein affirmatives Urteilen auf
Dinge bezieht, sei es daß man einfach ein Ding anerkennt, sei es daß man einer Rea1ität eine weitere
reale Bestimmung zuspricht, da werden wir allerdings im Falle der Wahrheit eine Übereinstimmung
der Dinge mit dem Urteil aufweisen können. Wo aber nicht, wie sollten wir da noch ebenso dasselbe
zu tun vermögen? Und tatsächlich geht unser wahres, affirmatives Urteilen, wie manchmal auf ein
Ding, so ein anderes Mal auf ein Kollektiv von Dingen; dann wieder einmal auf einen Teil, auf eine
Grenze von einem Ding und dergleichen - lauter Gegenstände, die selber keine Dinge sind. Oder,
wenn einer dies doch noch zu behaupten wagte, wird er vielleicht ebenso noch behaupten wollen, ein
Wesen, das ich als längst vergangen oder als fern zukünftig erkenne, sei außer mir als Ding zu finden?
Und weiter noch! Wie ist es, wenn ich den Mangel, wenn ich das Fehlen eines Dinges anerkenne?
wird er sagen, dieser Mangel, dieses Fehlen eines Dinges sei auch ein Ding? Und wieder, wenn ich
sage, es bestehe eine Unmöglichkeit oder es gebe gewisse ewige Wahrheiten, wie z. B. die
mathematischen Gesetze; wird er da vielleicht glauben, daß, ähnlich etwa den platonischen Ideen, mit
einem Urteile übereinstimmende ewige Wesen irgend wo in oder außer der Welt beständen? Gewiß
nicht. - Der Begriff der adaequatio rei et intellectus scheint hier ganz und. gar in Brüche zu gehen“].
Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 22-23.
294
Brentano sintetiza a crítica de Górgias à noção de verdade como correspondência do seguinte modo.

158
Brentano era descrever o modo como o problema colocado por Górgias
poderia ser dissolvido. De que modo? Por meio da aplicação dos critérios de
análise encontrados na descrição das relações entre as partes e o todo da
consciência, norteadores de sua Psicologia descritiva.

A análise brentaniana explicitou que o problema levantado pelo


sofista Górgias “[...] estava baseado na confusão acerca de uma diferença que
Descartes classificou como distinção entre realidade formal e realidade
objetiva”295. Ressaltou, no entanto, Brentano, acerca dessa solução cartesiana,
“[...] bem antes dele, Aristóteles já havia elucidado inteiramente, o que lhe
permitiu superar as absurdidades e os sofismas de Parmênides, Empédocles,
Górgias, Protágoras, entre outros”296. Tal como comenta a citação a seguir, a
solução do problema consistia em distinguir, em um ato psíquico de crença, os
elementos constituintes da realidade formal e os elementos constituintes da
realidade objetiva:

Quando eu creio em alguma coisa, esta crença existe “formalmente”


em mim. Quando mais tarde eu recordo dessa crença, segundo
Descartes, ela existe impressa “objetivamente” em mim. Trata-se do
mesmo ato individual de crença (Glaubensakt), mas no primeiro caso
eu o exerço e no outro caso ele é apenas o objeto imanente
(immanente Gegenstand) da rememoração da crença que eu
297
exerço.

“Górgias nega que alguma coisa seja realmente conhecida e, ainda que fosse o caso, que o
conhecimento possa ser comunicado entre um e outro. A não ser consigo mesmo, nada corresponde
completamente a qualquer outra coisa. O que está fora de mim, não está em mim. O que esta em mim
e permanece, não passa para outra coisa. Assim não há verdade e não há possibilidade de
comunicação verdadeira. Se alguma coisa por nós pensada fosse tomada como verdadeira, dizia
Górgias, então tudo o que nós pensamos seria tomado como verdadeiro, pois cada pensamento é um
em si mesmo e diferente de todos os outros. Mas o fato de que cada pensamento fosse tomado como
verdadeiro, também seria quando eu pensasse em uma batalha de carroças sobre o mar, o que é uma
contradição”. [„GORGIAS leugnet daraufhin, daß irgend etwas Wirkliches erkennbar, und daß, wenn
dies sogar der Fall wäre, die Kenntnis von einem dem anderen mitteilbar sei. Vollkommen stimmt
nichts mit etwas überein außer mit sich selbst. Was außer mir ist, ist nicht in mir, was in mir ist und
bleibt, geht nicht in einen anderen über. Also ist keine Wahrheit und keine Mitteilung von Wahrheit
möglich. Wenn etwas, was wir denken, wahr zu nennen wäre, meinte GORGIAS, so wäre alles, was
wir denken, wahr zu nennen; denn jeder Gedanke ist mit sich eins und jeder von allen anderen
verschieden. Daß aber jeder Gedanke wahr zu nennen wäre, auch wenn ich einen Wagenkampf auf
dem Meere denke, sei ein Widersinn“]. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 7-8.
295
„Es beruht auf der Verkennung eines Unterschiedes, den DESCARTES als den Unterschied von
formaler und objektiver Realität bezeichnet“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 17.
296
„den aber lange zuvor schon ARISTOTELES ins volle Licht setzte und dadurch die Absurditäten und
die Sophistereien des PARMENIDES, EMPEDOKLES, GORGIAS, PROTAGORAS u.a.
Überwand“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 17.
297
„Wenn ich etwas glaube, so ist dieser Glaube "formal" in mir. Wenn ich mich später dieses Glaubens

159
No contexto da realidade formal, o ato psíquico de crer consistiria
formalmente na crença. Nesse caso, a crença seria o ato psíquico em seu
pleno exercício (ou, nos termos brentanianos, um juízo). No contexto da
realidade objetiva, o ato psíquico de lembrar consistiria objetivamente na
crença. Neste caso, a crença seria o objeto imanente ao ato psíquico de
lembrar. Assim, para Brentano, aquilo que era um ato de 2º tipo (juízo como
crença) passava a ser concebido como uma parte distinguível de um ato de 1º
tipo (lembrança como representação). Vejamos os detalhes dessa distinção
quando aplicada aos critérios de análise encontrados na descrição das
relações entre as partes e o todo da consciência, norteadores da Psicologia
descritiva.

No caso da realidade formal da crença, o ato de julgar positivamente


(crer) seria distinguível em objeto primário e objeto secundário. O objeto
primário teria, por um lado, o ato de representar dirigido ao objeto imanente. E,
este último, por outro lado, constituiria o correlato representado. O objeto
secundário teria, por um lado, o ato de julgar afirmativo (crer) atribuindo
realidade (o ser-real) ao objeto primário (ato de representar o objeto imanente),
mas, no caso da realidade objetiva da crença, o ato de lembrar algo consistiria
num ato de representar e, portanto, estaria dirigido a um objeto representado. A
crença seria, assim, esse objeto imanente representado.

Se aplicarmos as distinções propostas pelos critérios brentanianos


de análise, podemos afirmar que, enquanto realidade formal, a crença
consistiria na atividade objetiva secundária do ato de julgar; enquanto realidade
objetiva, a crença consistiria no correlato do ato de lembrar, ou seja, no objeto
imanente dado nessa relação intencional.

Ao tomar por base seus critérios de descrição da relação entre as


partes e o todo da consciência, e descrever distintamente esses dois modos
cartesianos de atividade psíquica (realidade formal e realidade objetiva),
Brentano encontrou a sua tese sobre a verdade como evidência. Essa tese
considerava que apenas a descrição da realidade formal poderia explicitar a

erinnere, so ist er nach DESCARTES Ausdruck "objektiv" in mir; es handelt sich um denselben
individuellen Glaubensakt; aber das einemal übe ich ihn aus, das andere Mal ist er nur der immanente
Gegenstand der Erinnerungstätigkeit, die ich übe“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 18.

160
evidência que seria própria da atividade de conhecimento. Seriam os juízos, na
medida em que estavam estruturados pelas relações psíquicas primárias e
secundárias (Diploseenergie), e não as representações constituídas por
realidades objetivas, que explicitariam a noção de verdade como evidência na
teoria brentaniana do conhecimento. Esse era, para Brentano, o argumento
fundamental para a rejeição da atribuição de evidência à classe das
representações. Por isso não havia como conceber as representações como
conhecimento.

É importante notar que essa distinção, estruturada pelas relações


psíquicas primárias e secundárias (Diploseenergie), constituiu não apenas as
atividades psíquicas de segunda classe (juízos), mas também as atividades
psíquicas de terceira classe (sentimento de amor ou ódio). Tal como Brentano
ressalta na citação seguinte, esse deveria ser o locus de toda teoria do
conhecimento e, inclusive, da teoria do conhecimento moral:

Algo análogo ocorre com todas as outras funções psíquicas como


vontade, desejo, rejeição, etc. Com os atos psíquicos dados
formalmente, algo é dado como objeto imanente dos atos psíquicos.
Dado objetivamente, para falar como Descartes, ou dado
intencionalmente, como nós consideramos melhor expressar a fim de
evitar equívocos. Evidentemente, não há qualquer contradição em
que algo individual seja intencional em mim e não seja formal, ou o
contrário, o que poderíamos explicitar por meio do exemplo da
memória e outros mil. O desconhecimento deste fato manifesta-se
298
como um retorno à pré-história da teoria do conhecimento.

O exposto é suficiente para apresentar a estrutura psíquica utilizada


por Brentano para interpretar a noção aristotélica de verdade como
correspondência e atribuir-lhe o caráter da evidência.

Passemos, então, à interpretação brentaniana propriamente dita,


tomada à luz dos critérios de análise da Psicologia descritiva. Vejamos o que
ele disse:

298
“Ähnlich ist bei jeder anderen psychischen Funktion, Wollen, Begehren, Fliehen usw. Mit dem
psychischen Akt, der formal gegeben ist, etwas als immanenter Gegenstand des psychischen Aktes,
also mit DESCARTES zu reden objektiv, oder wie wir, um Mißverständnisse zu vermeiden, uns
besser ausdrücken werden, intentional gegeben. Und es enthält offenbar gar keinen Widerspruch, daß
individuell dasselbe intentional in mir und formal nicht in mir sei oder umgekehrt, was wie durch das
Beispiel der Erinnerung durch tausend andere anschaulich gemacht werden könnte. Die Verkennung
dieser Tatsache erscheint wie ein Rückfall in die rohesten Zeiten der Erkenntnistheorie“. Brentano,
Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 18.

161
Como Aristóteles, uma vez que ele declara que o juízo verdadeiro
tem por reunido o que é reunido, e assim por diante, nós podemos de
todo modo dizer daqui em diante: é verdadeiro o juízo que afirma de
alguma coisa que é o que ela é. E, nega que alguma coisa que não é
que ela seja (de modo contrário, falso, uma vez que, em vista disto
299
que é e disto que não, o juízo adotaria uma posição contrária).

A citação acima nos coloca diante da relação entre verdade e ser.


Antes de abordarmos esse ponto, é interessante ressaltar os pressupostos da
análise brentaniana. Brentano sustentou a tese aristotélica de que a verdade e
a falsidade, tomadas no sentido próprio, se encontravam no juízo300, mas,
segundo sua análise, isso significava que o juízo consistia na predicação
existencial da representação, fosse ela simples [(A)é] ou composta [(A é B)é].
Por isso, a análise brentaniana precisou definir o estatuto epistemológico desse
modo de ser caracterizado pela predicação existencial.

Brentano movimentou-se dentro dos limites da sua própria tese


doutoral e valeu-se da teoria dos múltiplos sentidos do ser para distinguir entre
realidade e existência. Assim, 1889, as partes constituintes de um ato psíquico
de juízo foram distinguidas também em função dos múltiplos sentidos do ser
que caracterizam os componentes distinguíveis mais elementares. Por um
lado, os correlatos dos atos constituintes das relações psíquicas primárias
seriam existentes ou não existentes. Nesse caso, enquanto relações
intencionais básicas, as representações referiam-se aos correlatos que seriam
“coisas” existentes, mas também seriam “não coisas” ou não existentes. Por
outro lado, os atos constituintes das relações psíquicas secundárias seriam
modos de atribuição de realidade ou negação de realidade. Nesse caso,
enquanto atividades psíquicas, os juízos seriam reais em sentido positivo e
negativo. Essa realidade (wirklischkeit) consistiria na própria atividade da
consciência. Enquanto relações intencionais complexas (Diploseenergie), os
juízos se dirigiriam (valorariam) positivamente ou negativamente as

299
„Und so können wir denn, ähnlich wie ARISTOTELES, wenn er erklärt, wahr sei ein Urteil, wenn es
für zusammen geeinigt halte, was zusammen geeinigt sei, und wie er sich des weiteren ausdrückte,
allerdings nunmehr sagen: wahr sei ein Urteil dann, wenn es von etwas, was ist, behaupte, daß es sei;
und von etwas, was nicht ist, leugne, daß es sei (falsch aber, wenn es mit dem, was sei und nicht sei,
sich im Widerspruch finde)“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 24.
300
“A verdade e a falsidade tomadas no sentido próprio se encontram no juízo. Assim, todo juízo é
verdadeiro ou falso“. [„Die Wahrheit und Falschheit im eigentlichen Sinne findet sich im Urteil. Und
zwar ist jedes Urteil entweder wahr oder falsch“]. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 6.

162
representações de “coisas” e “não-coisas” correlatas. Embora fosse uma
reorientação relativamente simples, o próprio Brentano reconheceu que a
tradição filosófica não se apercebeu das vantagens dessa distinção:

Enfim, nós não sucumbiremos mais à tentação recorrente de


confundir o conceito de real com o conceito de existente. Já faz
milhares de anos que Aristóteles analisou os múltiplos sentidos do
ser. É lamentável, mas verdadeiro, que ainda hoje a maior parte não
301
tire nenhum proveito de suas investigações.

Essa reorientação epistemológica assumida por Brentano no interior


do pensamento aristotélico e cartesiano teve outra implicação. Ela estabeleceu
o critério que sustentava as quatro consequências fundamentais da definição
de verdade como evidência. Vejamos como isso ocorreu.

Em primeiro lugar, tal como estabelece a citação a seguir, esse


critério permitiu que Brentano reconhecesse o campo coberto pelo juízo como
ilimitado. Em outras palavras, ao ser caracterizado como uma relação psíquica
secundária, todo juízo tinha por base uma representação que se caracterizava
como relação psíquica primária. Assim, qualquer representação poderia fazer
parte do campo de atividade do juízo. Ora, isso significava que poderiam ser
julgadas como verdadeiras ou falsas as representações que supunham “coisas”
(existentes), como correlatos dos atos de representar, mas também poderiam
ser julgadas verdadeiras ou falsas as representações que supunham “não-
coisas” (não existentes) como correlatos dos atos de representar. E, por que
isso foi possível a partir de 1889? Porque o fenômeno psíquico do juízo foi
descrito como uma atribuição de realidade (ser-real ou não-ser-real) à atividade
psíquica de representar. Desse modo, disse Brentano:

O campo coberto (pelo juízo) é totalmente sem limite. O material do


juízo pode ser escolhido de maneira totalmente arbitrária: de fato,
„qualquer coisa‟ será sempre julgável. Mas o que significa „qualquer
coisa‟? É um termo que pode ser aplicado a Deus, ao mundo, a toda
302
coisa e não-coisa .

301
”Wir werden endlich nicht, wie es immer und immer wieder geschieht, den Begriff des Realen und
den des Existierenden zu verwechseln versucht sein. Ein paar tausend Jahre ist es her, seitdem
ARISTOTELES die mannigfachen Bedeutungen des Seienden untersuchte; und es ist traurig, aber
wahr, daß noch heute die meisten aus seinen Forschungen keine Frucht gezogen haben“. Brentano,
Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 27.
302
„Was den Umfang des Gebietes betrifft, so ist es schlechterdings unbegrenzt. Die Materie kann ganz
beliebig gewählt werden. ‚Irgend etwas„ wird freilich immer beurteilt. Aber was bedeutet dieses

163
Em segundo lugar, o modo de referência intencional do juízo à
representação explicitou uma estrutura bipolarizada em afirmativa e negativa.
Isso significava, tal como afirmou Brentano, que “[...] este domínio totalmente
ilimitado se divide de imediato em dois”303: o juízo afirmativo e juízo negativo.
Além disso, essa “[...] oposição entre juízo afirmativo e juízo negativo implica
que, em cada caso, de fato, uma única das duas modalidades será apropriada,
enquanto a outra não será”304. Ainda segundo Brentano, tratava-se aqui “[...]
disto que nós exprimimos ordinariamente quando dizemos que, de dois juízos
contrários, um é sempre verdadeiro e outro é falso”305. Por isso, tratava-se, em
terceiro lugar, da descrição do domínio afirmativo do juízo como atribuição de
ser-real à representação e o domínio negativo como atribuição de ser-não-real
à representação. Como partes do todo psíquico, o ser-real constituinte da
atividade de julgar estaria relacionado de alguma maneira com o existente, ou
seja, com o constituinte do correlato do ato de representar. Essa relação, como
ressalta Brentano a seguir, é o primeiro indicativo da harmonia ou
correspondência entre as partes do ato psíquico:

O domínio no seio do qual o juízo afirmativo é apropriado, nós o


chamamos domínio do existente. Conceito que deve, certamente, ser
distinguido de conceitos tais como coisal, efetivo de ser e real. O
domínio onde o juízo negativo é apropriado, nós o chamamos
306
domínio do não existente.

Brentano tomou, então, o que se explicitou a partir desses três


pontos para definir a noção de verdade como correspondência ou
concordância. Sua análise considerou que a clássica definição aristotélica
deveria reconhecer que a verdade é a justa atribuição de realidade (ser-real) e

‚Irgend etwas„? Es ist ein Terminus, der auf Gott und die Welt, auf jedes Ding und Unding
angewendet werden könnte“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 24.
303
“Dieses völlig grenzenlose Gebiet scheidet sich nun aber sofort in zwei Teile“. Brentano, Franz.
Wahrheit und Evidenz. p. 24.
304
“Der Gegensatz des bejahenden und verneinenden Urteils bringt es nämlich mit sich, daß in jedem
Falle die eine und aber auch nur die eine von den beiden Beurteilungsweisen passend und die andere
unpassend ist“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 24.
305
“Was wir gemeiniglich so ausdrücken, daß wir sagen, von zwei kontradiktorischen Urteilen sei
immer das eine wahr und das andere falsch“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 24.
306
“Das Gebiet, für welches die bejahende Beurteilungsweise die passende ist, nennen wir nun das
Gebiet des Existierenden, ein Begriff, der also wohl zu unterscheiden ist von dem Begriffe des
Dinglichen,Wesenhaften, Realen; das Gebiet, für welches die verneinende Beurteilungsweise die
passende ist, nennen wir das des Nichtexistierenden“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 24.

164
irrealidade (ser-não-real). Nesse caso, a contribuição da filosofia do psíquico
está na possibilidade de descrever a justeza desse ato de julgar.

A verdade é um juízo, relembrava Brentano constantemente em


suas referências aos argumentos aristotélicos. Essa tese deveria ser
concebida, no entanto, no seguinte sentido. A atividade psíquica do juízo
consistiria na relação intencional estruturada como relações psíquicas
primárias e secundárias (Diploseenergie). Assim, o ato psíquico de julgar seria
a atividade secundária que atribuiria realidade (ser-real) ou irrealidade (ser-
não-real) à relação psíquica primária chamada ato de representar um objeto
imanente (existente ou não-existente), ou seja, a representação. Por isso, esse
ato explicitaria o ponto fundamental da teoria do conhecimento, a saber, o fato
de que a correspondência ou concordância não poderia ser uma identidade ou
semelhança, mas deveria ser concebida como a harmonia, a pertinência ou a
correspondência. Essa harmonia ocorreria entre a atividade de atribuição de
realidade ou irrealidade (relação psíquica secundária dirigida à relação psíquica
primária) e a atividade de representação de existentes ou não existentes
(relação psíquica primária chamada ato de representar um objeto imanente
(“coisa” ou “não-coisa”). Vejamos, então, essas duas características
fundamentais que explicitam a noção de verdade pressupostas no que
acabamos de estabelecer.

Primeiramente, a harmonia ou correspondência de um juízo


verdadeiro, descrita por Brentano como justeza, explicitava-se a partir de
ambos os domínios afirmativos e negativos do juízo. Em outras palavras, toda
descrição do domínio afirmativo do juízo (onde ocorreria a valoração da
verdade) mostraria que o verdadeiro se explicitava em dois domínios. Por um
lado, o verdadeiro explicitava-se na justa atribuição de realidade (ser-real) à
representação (quando ela era uma referência à “coisa” – ao existente). Por
outro lado, o verdadeiro explicitava-se na justa atribuição de irrealidade (ser-
não-real) à representação (quando ela era uma referência à “não coisa” – ao
não existente). Além disso, e de modo contrário, toda descrição do domínio
negativo do juízo (onde ocorreria a valoração da falsidade) mostraria que o
falso também se explicitava em dois domínios. Por um lado, o falso explicitava-
se na injusta atribuição de realidade (ser-real) à representação (quando ela era

165
uma referência à “não coisa” – ao não existente). Por outro lado, o falso
explicitava-se na injusta atribuição de irrealidade (ser-não-real) à representação
(quando ela era uma referência à “coisa” – ao existente). Desse modo, tornava-
se compreensível o esforço teórico de Brentano anunciado a seguir, ao
redefinir a noção de correspondência como harmonia ou concordância:

Em nenhum dos outros tantos modos dito, além do que eu disse aqui,
se estabelece a concordância do juízo verdadeiro com o objeto.
Concordar não significa aqui ser idêntico ou parecido, mas
corresponder, ser apropriado, ser pertinente, se harmonizar com, ou
307
outra expressão equivalente que se possa aplicar aqui.

Nesses termos, portanto, Brentano definiu a noção de verdade como


aquela noção que se originava da justa atribuição psíquica de realidade (ser-
real) e irrealidade (ser-não-real). Tratava-se da justeza entre um elemento
psíquico (a atividade de juízo) e outro elemento também psíquico (a atividade
de representação). Trataremos da tautologia envolvida nessa definição
brentaniana de verdade como evidência no próximo capítulo, pois sua análise é
a chave da elucidação da noção de preferência. O exposto até o momento foi
suficiente para apresentar a estrutura psíquica como fonte originária do
conhecimento do verdadeiro e do falso.

Podemos retornar ao ponto central da nossa tese. Para isso,


tomaremos como estratégia de análise a exposição da analogia estabelecida
por Brentano entre essa fonte do conhecimento do verdadeiro e do falso e a
fonte originária do conhecimento do moral e do imoral.

307
„In nichts anderem als dem, was ich hier sage, besteht die Übereinstimmung des wahren Urteils mit
dem Gegenstande, von der soviel gesprochen wurde. Übereinstimmen heißt hier nicht gleich oder
ähnlich sein; sondern übereinstimmen heißt hier entsprechend sein, passend sein, dazu stimmen, damit
harmonieren, oder was für andere äquivalente Ausdrücke man hier noch anwenden könnte“. Brentano,
Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 25.

166
CAPÍTULO IV

A TEORIA ÉTICA DO CONHECIMENTO MORAL COMO


DESCRIÇÃO DO FENÔMENO PSÍQUICO DE PREFERÊNCIA NAS
FORMULAÇÕES TEÓRICAS DE 1889

4.1 Introdução

A argumentação desta tese, desenvolvida até este momento, tem


como objetivo sustentar a seguinte hipótese: A teoria apresentada por Brentano
na obra A origem do conhecimento moral (1889) consistiu num conjunto de
correções para as teorias apresentadas na Psicologia do ponto de vista
empírico (1874). Por isso, no primeiro capítulo desta tese, nós apresentamos
as afirmações textuais de Brentano (1889) que apontaram o caminho
equivocado percorrido pela teoria brentaniana do sentimento moral (1874). De
modo mais específico, sustentamos que a noção aristotélica de in-existência do
objeto intencional foi a fonte do equívoco encontrado na fundamentação da
psicologia de 1874. Como afirmamos anteriormente, a base textual para a
apresentação desse problema foi a própria confissão tardia de Brentano acerca
da incorporação do erro aristotélico à formulação das teses sustentadas nas
suas primeiras obras.

Nossa análise apresentada no segundo capítulo desta tese


apresentou os detalhes da recepção brentaniana do erro aristotélico. Essa
análise explicitou que a filosofia do psíquico brentaniana de 1874
fundamentava a teoria do sentimento moral da seguinte maneira. A base para a
formulação da teoria ética do sentimento moral estava na noção de in-
existência do objeto intencional. Por quê? Por três motivos: (a) porque a noção
de in-existência do objeto intencional era o critério fundamental para a definição
positiva do fenômeno psíquico de amor e ódio; (b) porque a noção de in-
existência do objeto intencional fundamentava a descrição do fenômeno

167
psíquico do amor e ódio como consequência do conhecimento (de que o amor
a um objeto-causa tem outro objeto como efeito); (c) porque, com base na
regra que se inferia dessa relação, descrevia a ética como a retidão do amor
que se encontrava em conformidade com essa sua regra308. Assim, em função
da relação de dependência da ética para com a psicologia, sustentamos que os
equívocos encontrados na teoria do sentimento moral seriam decorrentes dos
princípios aristotélicos que fundamentavam a filosofia brentaniana do psíquico
de 1874.

No primeiro capítulo, também apresentamos a hipótese de solução


desse problema. Essa proposta de solução tomou como norte as
considerações textuais de Brentano acerca da necessidade de correção da
teoria do sentimento moral. Para Brentano, era preciso apresentar uma
descrição da atividade psíquica capaz de fundamentar “[...] o fato de que
juntamente com a experiência da atividade sentimental está unido
concomitantemente o conhecimento da bondade do objeto”309.

No terceiro capítulo desta tese, nossa análise apresentou os critérios


brentanianos utilizados na descrição da atividade psíquica apresentada na
Psicologia descritiva. Essa nova filosofia do psíquico viabilizou o explícito
propósito brentaniano de levar a cabo a tarefa de reformulação da ética. Por
quê? Porque o novo modo de descrição das atividades psíquicas apresentava
uma mudança radical na filosofia brentaniana do psíquico. Essa nova descrição
substituía o fundamento ontológico da noção de intencionalidade, encontrado
na in-existência intencional do objeto, por um fundamento epistemológico,
encontrado no ato intencional da consciência.

Com base no exposto acima, podemos retomar a hipótese que a


nossa tese pretende corroborar neste último capítulo, a saber: A ética
brentaniana seria uma teoria do conhecimento moral e, por isso, Brentano
apresentou-a na medida em que a atividade psíquica de sentimento (amor e
ódio) passou a ser descrita como um ato intencional em si mesmo evidente.

308
Cf. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79, nota 28.
309
„Daß mit der Erfahrung der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit auch die Erkenntnis der Güte
des Objekts immer zugleich gegeben ist“ Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79,
nota 28.

168
Para sustentarmos nossa hipótese, deveremos apresentar o critério
brentaniano de descrição da justeza dos sentimentos de amor. Isso exigirá uma
análise da relação entre a definição de justeza dos juízos verdadeiros e a
definição de justeza dos sentimentos de amor.

4.2 A indicação da fonte originária do conhecimento moral a partir


da descrição da justeza dos sentimentos de amor e ódio,
estabelecido por meio de uma analogia para com a definição de
justeza dos juízos

A indicação da fonte originária do conhecimento moral a partir da


descrição da justeza dos sentimentos de amor e ódio, estabelecido por meio de
uma analogia para com a definição de justeza dos juízos, é a pedra de toque
da nossa tese. Por isso mesmo, é interessante observar que a analogia foi o
procedimento didático adotado por Brentano para apresentar a justeza do ato
psíquico. Em outras palavras, no intuito de apresentar ao grande público sua
concepção de verdade, fundamentada na atividade psíquica do juízo, Brentano
estabeleceu uma analogia entre essa atividade e a atividade psíquica do
sentimento de amor e ódio, pois ele considerava que se tratava de um paralelo
evidente. Vejamos.

Brentano tomou novamente por base os critérios norteadores da


Psicologia descritiva. Por isso ele relembrou as reformulações da sua teoria
dos juízos e afirmou que também existiam quatro reformulações no campo do
sentimento de amor e ódio. Segundo Brentano, essas reformulações também
decorriam do novo critério epistemológico que fundamentava a descrição das
relações psíquicas primárias e secundárias (diploseenergie). Pontuaremos
cada um delas a partir de uma analogia para com os juízos e, em seguida,
apresentaremos a análise brentaniana.

De modo análogo ao juízo, (a) o sentimento de amor e ódio cobriria


a totalidade do universo dos existentes e dos não existentes. De modo análogo
ao juízo, (b) o modo de referência intencional do sentimento de amor e ódio à

169
representação comportaria uma estrutura bipolarizada entre amor ou ódio. De
modo análogo ao juízo, (c) o domínio positivo do sentimento de amor e ódio
consistiria na justa atribuição de amor ou ódio à representação e o domínio
negativo consistiria na injusta atribuição de amor ou ódio à representação.
Finalmente, (d) de modo análogo ao juízo, a justa atribuição de amor ou ódio à
representação seria definida como experiência originária do conceito de bem e
a injusta atribuição de amor ou ódio à representação seria definida como
experiência originária do conceito de mal.

Vejamos como Brentano apresentou as especificidades de cada


uma dessas quatro implicações:

(a) Em primeiro lugar, a teoria brentaniana estabeleceu o seguinte.


Em decorrência do modo como se dava a relação intencional entre o objeto
primário e o objeto secundário, a descrição de todo ato de sentimento de amor
e ódio também cobriria um campo ilimitado. Isso significava que, assim como
na descrição da atividade psíquica de juízo, todo sentimento de amor e ódio
seria caracterizado como uma relação psíquica secundária. Por isso, todo
sentimento de amor e ódio teria por base uma representação que se
caracterizava como relação psíquica primária. Como consequência desse
modo de descrever a relação, qualquer representação também poderia fazer
parte do campo de atividade do sentimento de amor e ódio. Por isso, de modo
análogo aos juízos, as representações que supunham “coisas” (existentes),
como correlatos dos atos de representar, poderiam ser amadas ou odiadas
como boas ou más. Além disso, as representações que supunham “não-coisas”
(não existentes) como correlatos dos atos de representar poderiam ser amadas
ou odiadas como boas ou más. Por quê? Porque a justa atribuição de amor ou
ódio seria descrita como uma relação (diploseenergie) entre a atividade
psíquica de sentir e a atividade psíquica de representar. Essa analogia entre a
atividade psíquica do sentimento de amor e ódio e a atividade psíquica do juízo
resolveu, como insistiu Brentano na citação a seguir, o problema da existência
ou não existência do correlato do objeto primário de todo ato de sentimento de
amor e ódio:

Nós chegamos a um análogo exato do que representa a


concordância do juízo verdadeiro com seu objeto ou com a existência
e não existência de seu objeto. Mas, no caso, não se trata

170
absolutamente de alguma coisa que existe no sentido em que alguma
310
coisa é real, coisal, efetiva de ser.

(b) Em segundo lugar, disse Brentano, “[...] também se encontra


uma oposição no domínio do sentimento de amor e ódio, a saber, aquela
oposição entre o amor e o ódio. E qualquer que seja a coisa tomada em conta,
em cada caso uma das duas modalidades do sentimento será apropriada e a
outra inapropriada”311. De modo análogo ao juízo, o modo de referência
intencional do sentimento de amor e ódio à representação explicitaria uma
estrutura bipolarizada em justo de ser amado e justo de ser odiado. Tal como
Brentano especificou textualmente na citação a seguir, essa oposição entre
sentimento de amor ou sentimento de ódio também remetia à relação
intencional que caracterizava a atividade psíquica primária e secundária.
Assim, em terceiro lugar, (c) tratava-se da descrição do domínio positivo do
sentimento como atribuição justa de amor ou ódio à representação e o domínio
negativo como atribuição injusta de amor ou ódio à representação. Como
partes do todo psíquico, também o amor constituinte da atividade de sentir
deveria estar relacionado de alguma maneira com o existente, enquanto ele
fosse constituinte do correlato do ato de representar, pois, tal como no juízo,
essa relação seria o primeiro indicativo da harmonia ou correspondência entre
as partes dessa classe de ato psíquico.

Seguindo ainda os mesmos procedimentos adotados na análise


acerca do juízo, Brentano tomou o que foi estabelecido nos três pontos
anteriores para definir (d) a noção de sentimento de amor e ódio justo como
justa atribuição de bem ou mal. Deste modo, disse ele:

Conseqüentemente, tudo o que é da ordem do pensável decompõe-


se em duas classes das quais a primeira contém tudo para o qual é
justo o amor; e a outra contém tudo para o qual é justo o ódio. O que

310
„Da hätten wir also das genaue Analogon dessen, was die übereinstimmung des wahren Urteilens mit
seinem Gegenstande oder mit der Existenz und Nichtexistenz seines Gegenstandes bedeutet. Von
einem Seienden im Sinne des Realen, Dinglichen,Wesenhaften ist dabei zunächst gar nicht die Rede“.
Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 25.
311
“ Auch auf dem Gebiete des Gemüts findet sich ein Gegensatz, nämlich der von Lieben und Hassen:
und für jegliches, was in Frage kommen mag, ist in jedem Fall eine der beiden 'Weisen dieses
Verhaltens passend, die andere unpassend“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 25.

171
pertence à primeira classe, nós o denominamos bem, e mal o que é
312
compreendido na outra classe.

Assim, chegamos ao ponto da fundamentação do conhecimento


moral. A atividade psíquica de sentimento de amor e ódio consistiria na relação
intencional estruturada como relações psíquicas primárias e secundárias
(diploseenergie), pois o sentimento seria a atividade secundária que atribuiria
amor ou ódio à relação psíquica primária chamada ato de representar um
objeto imanente (existente ou não-existente), ou seja, a representação. Dado
desse modo, esse ato explicitaria o ponto fundamental da teoria do
conhecimento moral, a saber, o fato de que a correspondência ou a
concordância não poderia ser uma identidade ou semelhança, mas ela deveria
ser concebida como a harmonia, a pertinência ou a correspondência entre a
atividade secundária que atribui amor ou ódio à relação psíquica primária
chamada ato de representar um objeto imanente (existente ou não-existente).
Aqui também emanam duas características fundamentais.

Primeiramente, a harmonia ou correspondência de um sentimento,


descrita por Brentano como justeza, explicitava-se a partir de ambos os
domínios afirmativos e negativos do sentimento de amor e ódio. Em outras
palavras, toda descrição do domínio afirmativo do sentimento (onde ocorresse
a valoração de algo como bom) mostrava que o bom se explicitava em dois
domínios. Por um lado, o bom explicitava-se na justa atribuição de amor à
representação (quando ela fosse uma referência à coisa – ao existente). Por
outro lado, o bom explicitava-se na justa atribuição de ódio à representação
(quando ela fosse uma referência à “não coisa” – ao não existente)313. Além
disso, e de modo contrário, toda descrição do domínio negativo do sentimento
(onde ocorresse a valoração de algo como mau) mostra que o mau também se
explicitava em dois domínios. Por um lado, o mau explicitava-se na injusta
atribuição de amor à representação (quando ela fosse uma referência à “não
coisa” – ao não existente). Por outro lado, o mau explicitava-se na injusta

312
“Und demgemäß zerfällt alles Denkbare in zwei Klassen, von welchen die eine alles, wofür die Liebe,
die andere alles, wofür der Haß passend ist, enthält. Das der ersten Klasse Zugehörige nennen wir gut,
das in der anderen Klasse Begriffene schlecht“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 25.
313
Especificaremos no próximo ponto que, no primeiro caso, a justa atribuição do amor à representação
do existente explicita a valoração do puro bem e, no segundo caso, a justa atribuição do ódio à
representação do não existente explicita a valoração do bem impuro (mesclado com o mau).

172
atribuição de ódio à representação (quando ela fosse uma referência à “coisa”
– ao existente)314. Assim, por meio de uma analogia direta para com a atividade
psíquica do juízo, também se tornou compreensível o esforço teórico de
Brentano anunciado a seguir, ao redefinir a noção de correspondência como
harmonia ou concordância do sentimento de amor e ódio:

Assim, uma vez que nós amemos o bem ou odiamos o mal, ou, ao
contrário, se nós odiamos o bem ou amamos o mal, nós podemos
declarar justo ou injusto um amor ou um ódio. Além disso, (nós
podemos dizer) que no caso de um ato justo nossa atividade
sentimental corresponde ao objeto, está de acordo com seu valor. E,
por outro lado, ela o objeta no caso do ato contrário, está em
315
desarmonia para com seu valor.

Essa foi, enfim, a enunciação da teoria moral brentaniana de 1889.


Nesses termos, Brentano definiu a noção de conhecimento do bem (valor
moral) como aquela noção que se originava da justa atribuição psíquica de
amor e ódio, por parte de um elemento psíquico (a atividade de sentimento de
amor e ódio), a outro elemento também psíquico (a atividade de
representação). Do mesmo modo, ele definiu também a noção de
conhecimento do mal (valor imoral) como aquela noção que se originava da
injusta atribuição psíquica de amor e ódio, por parte de um elemento psíquico
(a atividade de sentimento de amor e ódio), a outro elemento também psíquico
(a atividade de representação). No que se refere ao primeiro objetivo deste
capítulo, o exposto foi suficiente para apresentar a estrutura psíquica como
fonte originária do conhecimento do bem e do mal, pois a descrição das
atividades psíquicas de 1889 estabeleceu a analogia entre a fonte originária do
conhecimento do bem e do mal e a fonte originária do conhecimento do
verdadeiro e do falso. Esse, no entanto, foi apenas o primeiro passo. Temos
ainda um segundo passo: analisar a tautologia que envolve a definição de amor
ou ódio justo.

314
Também especificaremos, no próximo ponto, que atribuição injusta de ódio à representação do
existente explicita a valoração do puro mau e, no segundo caso, a injusta atribuição de ódio à
representação do não existente explicita a valoração do mau impuro (mesclado com o bem).
315
„So können wir sagen, richtig oder unrichtig sei ein Lieben und Hassen, je nachdem wir darin Gutes
lieben oder Schlechtes hassen oder umgekehrt Schlechtes lieben und Gutes hassen; ferner, daß in den
Fällen richtigen Verhaltens unsere Gemütsbewegung dem Gegenstande entspreche, mit seinem Werte
im Einklang sei, in den Fällen verkehrten Verhaltens dagegen ihm widerspreche, mit seinem Werte
disharmoniere“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 25.

173
A tautologia envolvida nessa definição brentaniana do bom, tal qual
aquela que envolve a definição de verdade como evidência, não consistiu em
um complicador para a teoria do conhecimento moral. Pelo contrário, ela
consistiu em outra etapa fundamental da análise, pois, nos detalhes específicos
da argumentação de Brentano, o esclarecimento acerca da utilidade de uma
definição tautológica tinha uma função específica. Ao esclarecer a função de
uma definição tautológica, a análise brentaniana estabeleceu duas distinções
fundamentais. A primeira delas era a distinção entre o juízo cego e o juízo
evidente. A segunda era a distinção entre sentimento inferior de amor e ódio e
o sentimento superior de amor. Essas distinções nos levarão ao ponto central
da teoria brentaniana do conhecimento moral, pois a definição de sentimento
superior de amor foi o ponto de partida para a descrição do fenômeno psíquico
da preferência.

4.3 A análise da definição tautológica de verdade como juízo justo e


a distinção entre fenômenos psíquicos de ordem superior e
ordem inferior

Os argumentos apresentados até aqui tornam plausível a hipótese


de que a teoria brentaniana do conhecimento moral resultou imediatamente da
reformulação da filosofia do psíquico de 1874, mas, como já antes anunciado,
havia algo mais. Brentano encontrou outra implicação para a ética nessa nova
maneira de descrever os fenômenos psíquicos. Tratava-se da possibilidade de
distinção daqueles fenômenos psíquicos caracterizados pela diploseenergie
(ou seja, descritos a partir das relações psíquicas primárias e secundárias) em
duas novas ordens: uma superior e outra inferior. Em outras palavras, a
utilização dos novos critérios de análise apresentados em 1889 indicava outra
distinção possível entre as partes que constituíam um ato psíquico de juízo ou
de sentimento de amor e ódio. Em função das relações entre suas partes, cada
um desses dois tipos fenômeno foi distinguido em fenômeno psíquico de ordem

174
superior e fenômeno psíquico de ordem inferior. Retomaremos essa proposta a
partir de outro ângulo.

Segundo a teoria brentaniana de 1889, a evidência seria o traço


característico do fenômeno psíquico de ordem superior, quando esse
fenômeno fosse um juízo. Esse tipo de juízo explicitaria sua evidência por meio
da descrição da justa relação encontrada na harmonia entre suas partes
componentes, pois se tratava da descrição das relações psíquicas primárias e
secundárias (diploseenergie). Ainda segundo a teoria brentaniana de 1889, a
experiência análoga à evidência seria o traço característico do fenômeno
psíquico de ordem superior, quando esse fenômeno fosse um sentimento. Esse
tipo de sentimento explicitava sua experiência análoga à evidencia por meio da
descrição da justa relação encontrada na harmonia entre suas partes
componentes, pois também se tratava das relações psíquicas primárias e
secundárias (diploseenergie). Isso significava que, sendo evidente, um juízo
justo seria necessariamente verdadeiro. Sendo experienciado de modo análogo
ao evidente, um sentimento de amor justo seria necessariamente bom. Deve
ser ressaltado, no entanto, que, para Brentano, nem todo juízo verdadeiro seria
um juízo conhecido como evidente. Do mesmo modo, nem todo sentimento
bom seria experienciado de modo análogo ao conhecimento evidente. Assim,
as definições de juízo justo e de sentimento de amor justo nos levaram a um
tipo de círculo que precisou ser rompido, para que não se tornasse um círculo
vicioso.

Como estratégia de análise, é preciso que nos detenhamos um


pouco mais nesse ponto e que abordemos essas implicações em dois
momentos.

Primeiramente, (a) analisaremos a tautologia envolvida na definição


aristotélica de verdade, tal como concebida por Brentano a partir da sua
descrição da atividade psíquica de juízo, apresentada em 1889. Como base
nesta análise, apresentaremos o caráter tautológico da definição de bem.
Nossa análise apresentará os argumentos brentanianos que sustentaram a
analogia entre essa descrição da estrutura psíquica do juízo e do sentimento
de amor ou ódio.

175
Em seguida, (b) enfatizaremos o modo como a teoria brentaniana de
1889 se valeu da tautologia envolvida na definição de verdade para indicar os
avanços epistemológicos almejados pela sua filosofia do psíquico. Em outras
palavras, analisada a partir dos pressupostos da Psicologia descritiva, a
tautologia envolvida na definição de verdade consistiu num avanço
epistemológico pelo seguinte motivo: ela explicitava de tal modo a relação entre
os elementos distinguíveis do ato psíquico de julgar com justeza (ou seja, as
partes elementares constituintes das relações psíquicas primárias e
secundárias) e, ao descrever esse ato psíquico, caracteriza o juízo como
evidente, distinguindo-o do juízo cego.

Retomemos, então, o que disse Brentano a partir do conceito


aristotélico de verdade:

Como Aristóteles, uma vez que ele declara que um juízo é verdadeiro
quando tem por reunido o que é reunido, e assim por diante, nós
podemos de todo modo dizer daqui em diante: é verdadeiro o juízo
que afirma de alguma coisa que é, que ela é. E, nega que alguma
coisa que não é, que ela seja (de modo contrário, falso, uma vez que,
em vista disto que é, e disto que não, o juízo adotaria uma posição
316
contrária) (grifo nosso).

As considerações de Brentano acerca do sentido preciso da


definição de verdade, esta concebida a partir de Aristóteles, enfatizaram o
seguinte: Essa “[...] definição parece dizer muito pouco e nada além disso: um
juízo é verdadeiro se ele julga um objeto de maneira pertinente, ou seja,
quando ele é, diz que ele é, ou quando ele não é, diz que ele não é” 317. Em
outras palavras, Brentano reconheceu que “[...] julgar verdade e julgar de
maneira pertinente parece consistir em uma simples tautologia e o restante
318
parece ser apenas uma explicação que se vale de expressões correlatas” .
Acerca dessa consideração brentaniana, é importante ressaltar que a
tautologia apontada não resultava da brevidade da enunciação da definição.
316
„Und so können wir denn, ähnlich wie ARISTOTELES, wenn er erklärt, wahr sei ein Urteil, wenn es
für zusammen geeinigt halte, was zusammen geeinigt sei, und wie er sich des weiteren ausdrückte,
allerdings nunmehr sagen: wahr sei ein Urteil dann, wenn es von etwas, was ist, behaupte, daß es sei;
und von etwas, was nicht ist, leugne, daß es sei (falsch aber, wenn es mit dem, was sei und nicht sei,
sich im Widerspruch finde)“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 24.
317
„Denn in der Tat scheint jetzt gar wenig mit der Definition gesagt; nicht mehr, als wenn man sagt, ein
Urteil sei wahr, wenn es einen Gegenstand zutreffend beurteile, also, wenn er ist, sage, daß er sei, oder
wenn er nicht ist, sage, daß er nicht sei“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 26-27.
318
„Wahr beurteilen und zutreffend beurteilen" scheint einfache Tautologie, das übrige nichts als eine
Erklärung durch korrelate Ausdrücke“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 27.

176
Além disso, o mesmo pode ser dito para a descrição brentaniana de verdade
explicitada a partir dos pressupostos da Psicologia descritiva.

Esse ponto pode ser estabelecido de modo direto. Também era


tautológica aquela descrição brentaniana de verdade apresentada a partir do
domínio afirmativo do juízo (onde ocorre a valoração da verdade) que mostrou
o juízo verdadeiro constituído de dois domínios. Por um lado, na justa
atribuição de realidade (ser-real) à representação (quando ela fosse uma
referência à “coisa” – ao existente). Por outro lado, na justa atribuição de
irrealidade (ser-não-real) à representação (quando ela fosse uma referência à
“não coisa” – ao não existente). Assim, um juízo (enquanto ato psíquico
caracterizado como relação intencional secundária) seria verdadeiro se ele
julgasse um objeto (ato psíquico caracterizado como relação intencional
primária) de maneira pertinente. Ou seja, se diria que ele é (real) quando o
objeto é (ou seja, é caracterizado por uma relação intencional primária que se
refere a um correlato existente). Ou, ainda, se diria que ele não é (real) quando
o objeto não é (ou seja, é caracterizado por uma relação intencional primária
que se refere a um correlato não existente). Como apontamos anteriormente e
destacamos novamente na citação a seguir, consideramos que havia uma
analogia direta entre a estrutura do juízo e a estrutura do sentimento, pois a
definição de bom como o amor justo e o amor de maneira pertinente também
consistia em uma tautologia análoga:

Assim, uma vez que nós amamos o bem ou odiamos o mal, ou, ao
contrário, se nós odiamos o bem ou amamos o mal, nós podemos
declarar justo ou injusto um amor ou um ódio. Além disso, (nós
podemos dizer) que no caso de um ato justo, nossa atividade
sentimental corresponde ao objeto, está de acordo com seu valor. E,
por outro lado, ela o objeta no caso do ato contrário, está em
319
desarmonia para com seu valor.

Brentano considerou que o modo de relação intencional específica


dos juízos e dos sentimentos, descrito a partir das relações psíquicas primárias
e secundárias (diploseenergie), constitui o ponto convergente entre as

319
„So können wir sagen, richtig oder unrichtig sei ein Lieben und Hassen, je nachdem wir darin Gutes
lieben oder Schlechtes hassen oder umgekehrt Schlechtes lieben und Gutes hassen; ferner, daß in den
Fällen richtigen Verhaltens unsere Gemütsbewegung dem Gegenstande entspreche, mit seinem Werte
im Einklang sei, in den Fällen verkehrten Verhaltens dagegen ihm widerspreche, mit seinem Werte
disharmoniere“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 25.

177
tautologias envolvidas nas definições de verdade e de bem. Além disso, a
diploseenergie, enquanto ponto convergente entre atos psíquicos de julgar e de
sentir, não consistia apenas no pressuposto da análise brentaniana acerca das
definições tautológicas de verdade e de bem. Ela consistia no ponto
arquimediano utilizado por Brentano para explicitar a objetividade do juízo e do
sentimento. Em função desses pressupostos, Brentano iniciou sua análise
ressaltando o fato de que a desconsideração desse tipo específico de relação
intencional fez com que a questão toda parecesse análoga ao procedimento de
definição do efeito pela causa. Por isso, Brentano resumiu o problema da
seguinte maneira:

Quando nós explicamos o conceito de verdade do juízo afirmativo por


meio do termo correlato „existência do objeto‟ e o conceito de verdade
do juízo negativo por meio do termo correlato de „não-existência do
objeto‟, nós procedemos da mesma maneira que aqueles que
definem o conceito de efeito pela sua relação ao conceito de causa
320
ou o conceito de grande pela sua relação ao pequeno.

A dissolução brentaniana desse problema considerou que o ponto


de partida estava em indagar se, com essa definição tautológica de verdade ou
de bem, nós “[...] conquistamos assim alguma coisa relevante? Pois, esta
formulação é tão conhecida e usual como as outras” 321. A resposta positiva
apresentada por Brentano para sua própria questão considerou que a
dissolução do problema girava em torno de reconhecer os avanços
epistemológicos que essa definição tautológica podia indicar. Ora, se foi assim,
outra questão se colocava de imediato: Como podemos compreender tais
avanços epistemológicos?

A apresentação de uma consideração de Twardowski, acerca do


problema fundamental que envolvia a análise filosófica do psíquico, será
suficiente para indicar o avanço epistemológico que Brentano considerou
encontrar nas tautologias envolvidas nas definições de verdade e de bem. É

320
„Wenn wir den Begriff der Wahrheit des affirmativen Urteils durch den korrelaten Terminus der
Existenz des Gegenstandes, den Begriff der Wahrheit des negativen Urteils durch den korrelaten
Terminus der Nichtexistenz des Gegenstandes erläutern, so verfahren wir ähnlich, wie wenn einer den
Begriff der Wirkung durch seine Beziehrillg zum Begriff der Ursache oder den Begriff des Größeren
durch seine Beziehung zum Begriff des Kleineren definiert“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz.
p. 27.
321
„Was ist da viel gewonnen? Der eine Ausdruck ist so bekannt und gebräuchlich wie der andere“.
Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 26-27.

178
preciso ressaltar que a referência à analise de Twardowski é, apenas, uma
estratégia322 de exposição que adotamos para enfatizar a singularidade da
teoria brentaniana de 1889, seja frente à posição teórica de seus “discípulos”,
seja frente à sua própria teoria de 1874.

Para Twardowski323, o ponto principal que caracterizava os avanços


epistemológicos da filosofia do final do século XIX (em seu rompimento ou
aprimoramento da filosofia do psíquico) estava diretamente ligado às pesquisas
que investigavam a relação entre conteúdo e objeto das representações e
conteúdo e objeto dos juízos. Tal como destacou Twardowski 324, as análises de

322
Nossa estratégia releva as seguintes considerações que Barry Smith apresenta em seu livro “Austrian
philosophy – the legacy of Franz Brentano” para demarcar a relação entre Twardowski e a tradição
brentaniana psicologista: “From 1885 to 1889 Twardowski studied philosophy at the University of
Vienna, receiving his doctoral degree in 1891 for a dissertation entitled Idea and Perception. An
Epistemological Study of Descartes. While Twardowski studied especially under Franz Brentano, his
official supervisor was in fact Zimmermann, Brentano having been obliged to resign his chair in 1880.
During this time Twardowski made the acquaintance of Meinong, who had been Privatdozent in the
University since 1878, and Twardowski played a not unimportant role in the development of
Meinong‟s thinking in the direction of a general „theory of objects‟. At around this time Twardowski
also helped to found the Vienna Philosophical Society (he would later go on to found the first Polish
Philosophical Society in Lvov in 1904). On completing his studies, he was awarded a one year travel
scholarship, which he used principally as a means of becoming acquainted with new work in
psychology. In 1892, he studied in Munich, attending courses by Stumpf, and visited also Leipzig,
where Wundt had instituted the world‟s first laboratory of experimental psychology in 1879
(Twardowski would himself go on to establish the first laboratory of experimental psychology in
Poland in 1907). Smith, Barry. Austrian Philosophy – The legacy of Franz Brentano. p. 156.
323
Ainda segundo Smith, é interessante ressaltar os seguintes traços da influência brentaniana na
formação de Twardowski: “In 1894 Twardowski received the venia legendi in Vienna for a
monograph, much inspired by Brentanian doctrines, On the Doctrine of the Content and Object of
Presentations, and it is this work, translated into English only in 1977, which established his
credentials as one of the most important promoters and extrapolators of Brentano‟s philosophy. The
principal message of the work may be summarized as follows. Where Brentano had spoken
indiscriminately of the „contents‟ and „objects‟ of mental acts, as though content and object were
identical, Twardowski argued in favour of a strict distinction between the two - a distinction parallel,
in many ways, to Frege„s distinction between sense and referent, though translated into the
psychological mode. Where Brentano had seen content and object as effectively one and the same,
Twardowski regarded the content as a mental „picture‟ or „image„ of the object of the act. Every act,
according to Twardowski, has both a content and an object, though the object of an act need not in
every case exist. Even non-existent objects are seen by Twardowski as enjoying properties of their
own, a doctrine later transmuted by Meinong and Mally into the „principle of the independence of
being from being-so‟”. Smith, Barry. Austrian Philosophy – The legacy of Franz Brentano. p. 156-
157.
324
Segundo Twardowski, “[...] mesmo evitando-se assim a confusão do ato psíquico com seu conteúdo,
resta ainda por ser superada uma ambiguidade sobre a qual Höfler chamou atenção. Após ele
pronunciar-se sobre a relação com um conteúdo, própria dos fenômenos psíquicos, ele continua 1. O
que nós chamamos ‘conteúdo da representação e do juízo’ encontra-se inteiramente no interior
do sujeito, tal como o ato de representação e de juízo. 2. As palavras ‘Gegestand’ e ‘Object’ são
usadas em dois sentidos: por um lado, para aqueles existentes em si (an sich Bestehende), ... para
o qual nosso representar e julgar igualmente se dirigem, por outro lado, pela ‘imagem’ (Bild)
psíquica ‘em’ nós existente mais ou menos aproximada daquela real (Realen), aquela quase-
imagem (mais precisamente: signo) idêntica ao que em (1) denomina-se conteúdo. Em

179
Zimmermann e Höfler apresentaram grandes avanços ao distinguirem entre
conteúdo de uma representação e objeto de uma representação, a partir
daquilo que a teoria brentaniana de 1874 definira como o fenômeno físico dado
como correlato do ato de representar. Acerca desse ponto, nós ressaltamos,
em uma nota do capítulo primeiro, que, segundo a análise de Twardowski,
diferentemente de Höfler, a teoria brentaniana de 1874 tomara indistintamente
as noções de conteúdo e objeto da representação. Em resumo, a análise de
Twardowski considerava que essa indistinção entre conteúdo e objeto (do juízo
e da representação) deixava a teoria brentaniana de 1874 na antessala da
teoria do conhecimento da virada do século XX.

Primeiramente, interessa-nos ressaltar, nesta análise, o fato de que


a distinção entre conteúdo e objeto foi a pedra de toque do debate sobre a
filosofia do psíquico. Assim, Twardowski indicou o ponto central de sua
investigação filosófica e anuncia sua entrada no debate acerca dos fenômenos
psíquicos do seguinte modo:

Esta investigação tratará da separação entre representado no


primeiro sentido, onde isso significa o conteúdo, e o representado no
outro sentido, onde serve para designar o objeto; em suma,
considerará o conteúdo de representação (Vorstellungsinhaltes) e o
objeto de representação (Vorstellungsgegenstande) separadamente e
a relação mútua entre os dois. A suposição é que os juízos (Urteile)
demonstram, relativamente à distinção entre conteúdo e objeto, algo
semelhante às representações. Se tivermos sucesso em descobrir no
domínio do julgar também uma distinção entre conteúdo e objeto do
fenômeno, então isto poderia ser vantajoso para o esclarecimento no
325
caso das representações.

Façamos uma consideração objetiva acerca do que se estabeleceu


a partir da proposta de Twardowski. De fato, o ponto que demarcou o avanço
epistemológico estava na distinção entre conteúdo e objeto da representação e
do juízo. Ao que cabe questionar: Por quê? Porque tal distinção proclamada
por Twardowski indicava o caminho para a elucidação de um problema
filosófico, a saber, o estatuto objetivo do conhecimento. Qual foi esse caminho?

contraposição ao Gegenstand ou objeto, suposto como independente do pensamento, denomina-


se o conteúdo de um representar e julgar (igualmente, sentir e querer) também o objeto o
‘objeto imanente ou intencional’ desse fenômeno psíquico”. Twardowski, Kasimir. Para a
doutrina do conteúdo e do objeto das representações, Uma investigação psicológica, p. 63.
325
Twardowski, Kasimir. Para a doutrina do conteúdo e do objeto das representações, Uma investigação
psicológica, p. 47.

180
Foi a clássica distinção do correlato do ato psíquico em conteúdo representado
e o objeto representado. Considerando, no entanto, que estamos tratando da
teoria brentaniana de 1889, o que nos interessa especificamente na
argumentação de Twardowski não é a plausibilidade das soluções que ele
indicou a partir dos trabalhos de Zimmermann e Höfler, mas o fato de que essa
distinção entre conteúdo e objeto do juízo, caracterizada pelo problema do
estatuto objetivo do conhecimento, anunciou o problema que as análises
epistemológicas ocupadas com os avanços no campo do conhecimento
pretendiam resolver. Em outras palavras, a principal questão que também
envolveu a teoria brentaniana indagava pela indicação do caminho para a
elucidação desse problema filosófico, a saber, o estatuto objetivo do
conhecimento. Para essa questão, a teoria brentaniana de 1889 apresentou
uma resposta baseada na justeza do juízo evidente, ainda que o caminho
tomado desconsiderasse a distinção twardowskeana entre o conteúdo e o
objeto do juízo, tomados a partir da análise do correlato do ato.

Abordemos diretamente a posição brentaniana. Se, de um lado,


Brentano não distinguiu explicitamente conteúdo e objeto da representação, tal
como ressaltou Twardowski, é imprescindível reconhecermos que a análise
brentaniana descreveu uma distinção fundamental. Tratava-se da distinção que
se explicitou a partir da descrição da atividade psíquica (todo) caracterizada
pela diploseenergie (elementos e relações fundamentais entre as partes do
juízo e do sentimento). Em outras palavras, a análise de 1889 descreveu o todo
psíquico (ato de julgar ou de sentir), distinguindo os correlatos do ato em objeto
primário e objeto secundário. Acerca dessa distinção, e tomando por base sua
apresentação na Psicologia do ponto de vista empírico, Twardowski afirmou o
seguinte:

As expressões objeto primário e objeto secundário encontram-se em


Brentano num sentido ligeiramente diferente. Pois embora Brentano
designe como objeto primário o objeto da representação, tal como é
feito aqui (na obra de Twardowski), ele entende por objeto secundário
de uma representação o ato e o conteúdo tomados em conjunto, na
medida em que ambos, durante a atividade de representar um objeto,
são apreendidos pela consciência interna, e aí a representação
326
torna-se assim consciente”.

326
Twardowski, Kasimir. Para a doutrina do conteúdo e do objeto das representações, Uma investigação

181
Essas considerações de Twardowski enfatizaram que, desde sua
Psicologia do ponto de vista empírico, Brentano abordava a questão da
objetividade do conhecimento, no entanto essa questão estava orientada pela
descrição do tipo de relação que se estabelecia entre o ato psíquico de
representar (um objeto) e o ato psíquico de julgar tal representação (embora
orientado pelo objeto). Podemos, então, considerar que a proposta de avanço
epistemológico apresentada por Brentano (em 1889) estava sustentada na
plausibilidade do aprimoramento presente na descrição da diploseenergie, que
caracterizava o ato psíquico de julgar e de sentir. Isso significou, ao menos,
que a busca pela objetividade do conhecimento pôde avançar por um caminho
da filosofia do psíquico que tratou do problema do conteúdo do conhecimento
apenas de modo indireto. Deixemos, porém, isso como sugestão e retornemos
ao modo como Brentano efetivamente apresentou os avanços epistemológicos
de sua teoria de 1889, a partir dos problemas que ela elucidou.

Brentano sistematizou os avanços epistemológicos, propostos pela


Psicologia descritiva, a partir de três aspectos encontrados nas análises das
tautologias que envolviam as definições de verdade e de bem. Sua análise
ressaltou que: (a) essa tautologia tinha a virtude de indicar a restrição do
âmbito cognitivo ao âmbito semântico; (b) essa tautologia tinha a virtude de
indicar a eliminação da distinção entre verdade formal e verdade material; e (c)
essa tautologia tinha a virtude de indicar a eliminação da necessidade de se
identificar uma coisa real a todo juízo verdadeiro.

Tomando por base a sistematização desses três aspectos da


definição tautológica de verdade, Brentano tocou tangencialmente no problema
levantado por Twardowski e apresentou um critério de análise que permitiu
distinguir entre juízos verdadeiros evidentes e juízos verdadeiros cegos. Em
outras palavras, segundo Brentano, a análise da tautologia apresentada na

psicológica, p. 63. Se, no entanto, de um lado Brentano não distingue explicitamente conteúdo e
objeto, cabe aqui antecipar uma distinção entre objeto que se institui a partir da descrição da
percepção interna. A saber: a distinção dos correlatos do ato em objeto primário e objeto secundário.
Acerca dessa distinção, diz Twardowski que “[...] as expressões objeto primário e objeto secundário
encontram em Brentano num sentido ligeiramente diferente (do dele). Pois embora Brentano designe
como objeto primário o objeto da representação, tal como é feito aqui (na obra de Twardowski), ele
entende por objeto secundário de uma representação o ato e o conteúdo tomados em conjunto, na
medida em que ambos, durante a atividade de representar um objeto, são apreendidos pela
consciência interna, e aí a representação torna-se assim consciente”. Twardowski, Kasimir. Para a
doutrina do conteúdo e do objeto das representações, Uma investigação psicológica, p. 62-63, nota 2.

182
definição de verdade, a partir dos critérios da Psicologia descritiva, explicitava o
fundamento da objetividade do conhecimento, pois, de um lado, tal análise
distinguia a objetividade dos juízos (o tipo de relação intencional entre dois
objetos) ao explicitar o caráter evidente de alguns juízos verdadeiros. E, de
outro lado, tal análise distinguia a subjetividade dos juízos (o tipo de relação de
um juízo para com o conteúdo psíquico) ao explicitar o caráter cego de alguns
juízos verdadeiros. O fundamental para nossa tese está no fato de que a
dissolução do problema que envolveu a tautologia acerca da definição de
verdade se aplica, por analogia, à solução para a tautologia acerca da definição
de bem.

Cabe apresentar, então, os pontos centrais da argumentação de


Brentano acerca de cada um desses aspectos, bem como o modo de indicação
da evidência do juízo a partir do caráter tautológico da definição de verdade.

Em primeiro lugar, (a) orientado pelos fundamentos de sua filosofia


do psíquico de 1889, Brentano pôde reconhecer que a tautologia contida na
definição “é verdadeiro o juízo que afirma de alguma coisa que é, que ela é”
tinha a grande virtude de restringir o âmbito cognitivo ao âmbito semântico. Em
outras palavras, essa tautologia indicou o âmbito semântico como campo da
investigação constituído na esfera da atividade psíquica (relação entre as
partes constituintes do todo psíquico no ato de julgar e de sentir). Isso teve
uma implicação imediata, pois a análise brentaniana desconsiderou o âmbito
da realidade (Wircklichkeit) envolvida na atividade psíquica. Nesse sentido,
ponderou Brentano acerca do conhecimento do verdadeiro, tornava-se
relevante que “[...] nós não mais investigássemos para além da definição, tal
como se dá na realidade (Wircklichkeit). E, assim, esta determinação não
aparece de fato sem valor” 327. Nesses termos, disse ele:

As formulações tautológicas, mesmo desprovidas da menor


articulação conceitual, sempre apresentam certas vantagens além da
análise se, de duas expressões equivalentes, uma delas se presta
menos aos maus entendimentos que a outra. [...] Daqui em diante,
nós estamos no abrigo semântico dos conceitos e, também, de

327
”(Dennoch dürften die von uns gepflogenen Untersuchungen in manchen Beziehungen für uns
lehrreich sein. 1. Ist schon dies von Belang,) daß wir fortan hinter der Definition nicht mehr suchen,
als in Wirklichkeit gegeben ist. Auch erscheint die Bestimmung jetzt nicht eigentlich wertlos“.
Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 27.

183
muitos outros mal entendidos, os quais muitos espíritos se deixaram
328
seduzir ao mal compreender a definição.

Em segundo lugar, (b) tomando por base os fundamentos de sua


filosofia do psíquico para a elucidação dessa tautologia, Brentano pôde tomar
como inconcebível uma distinção entre verdade formal e verdade material. Em
outras palavras, uma vez que a verdade era um juízo (tomado com ato psíquico
cuja relação intencional consiste na diploseenergie), decorria dos fundamentos
teóricos brentanianos que a “verdade formal (ou seja, a não-contradição
interna) não seria absolutamente verdade no sentido próprio, mas verdade em
um sentido não rigoroso, uma vez que operações que não são juízos poderiam
ser qualificadas de verdade”329.

Em terceiro lugar, (c) a tautologia da definição de verdade, orientada


pela interpretação de sua filosofia do psíquico, indicou que a necessidade e a
universalidade, própria de alguns juízos evidentes, prescindiam da coisa real
(Realität). Por isso, diz Brentano, “[...] nós não pensaremos que é preciso
identificar uma coisa real a um juízo cada vez que se reconhece uma verdade
o que, de modo absurdo, muitos imaginam que se deva fazer” 330. Brentano
considerou que, tendo sido esse o erro comum da tradição filosófica acerca da
verdade, a própria virtude tautológica da definição de verdade foi interpretada
como um regressio ad infinitum:

Eles não veem que, no juízo, não se trata sempre de coisa real e,
além disso, também não consideram que, ainda quando é esse o
caso, a coisa real já deve ter sido reconhecida como tal por mim, para

328
”Tautologische Ausdrücke, selbst ohne jede begriffliche Gliederung, bieten bei der Erklärung oft
wesentliche Vorteile, wenn von den beiden gleichbedeutenden Terminis der eine nicht ebenso wie der
andere einem Mißverstande unterliegt. (...) So sind wir denn jetzt vor Begriffsverschiebungen und
dadurch vor noch manch anderem, weiterem Mißgriffe bewahrt, zu welchem viele durch Mißverstand
der Definition sich verleiten ließen“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 26-27.
329
„[...] Wir werden z. B. nicht die Wahrheit der Urteile, wie es manche tun, in formale und materiale
scheiden; vielmehr uns darüber klar sein, daß, was manche formale Wahrheit (die innere
Widerspruchslosigkeit) nennen, gar keine Wahrheit im eigentlichen, sondern im ganz uneigentlichen
Sinn sein müsse, ähnlich wie wir ja auch vieles, was gar kein Urteil ist, wahr nennen könnten.“.
Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 27.
330
”Wir werden ebensowenig glauben, wie manche es törichterweise tun, man müsse, wo immer man
eine Wahrheit erkenne, ein reales Ding mit einem Urteil vergleichen“. Brentano, Franz. Wahrheit und
Evidenz. p. 27.

184
que a identificação de uma coisa real e de um juízo seja possível.
331
Esta concepção nos levaria a uma regressio ad infinitum.

Uma vez que se estabeleceu a objetividade dos juízos verdadeiros,


emanou, a partir desse modo de descrição, um critério de análise dos juízos
capaz de distinguir entre juízos evidentes e juízos cegos. Em outras palavras,
os pressupostos da Psicologia descritiva, que orientaram a articulação da
verdade sobre a realidade, permitiram a Brentano explicitar cada um dos dois
modos do juízo verdadeiro a partir de suas especificidades. Vamos direto ao
ponto: Como Brentano apresentou a estrutura dos juízos cegos e dos juízos
evidentes?

Brentano analisou e explicitou a estrutura dos juízos cegos do


seguinte modo:

Para uma parte dos juízos verdadeiros, existe uma articulação, como
dizemos, direta de sua verdade sobre alguma coisa de real. É o caso
daqueles (juízos verdadeiros) que são sustentados por uma
representação na qual o conteúdo é real. É claro que a verdade do
juízo afirmativo e, do modo contrário, a verdade do juízo negativo são
determinadas pela persistência, a aparição ou desaparição da
realidade concernente. Sem que ele mesmo seja modificado,
frequentemente o juízo adquire ou perde sua verdade se, para além
dele, a realidade concernente é produzida ou destruída (grifo
332
nosso).

Salta aos olhos o elemento que caracterizou o juízo cego: uma


representação na qual o conteúdo é real. Embora o ponto fosse o estatuto de
realidade encontrado no conteúdo de consciência, Brentano não se ocupou
dele em sua análise específica acerca do juízo, tal como fez Twardowski ao
descrever a relação entre o conteúdo e o objeto (ou entre o conteúdo e os atos

331
”Sie ahnen nicht, daß es sich beim Urteilen nicht immer um reale Dinge handelt, und bemerken auch
nicht, daß, wo dies selbst der Fall ist, zur Ermöglichung des Vergleiches eines realen Dinges mit
einem Urteil, das reale Ding, wie es ist, bereits von mir erkannt sein müßte So würde diese Theorie ins
unendliche führen. Wir werden endlich nicht, wie es immer und immer wieder geschieht, den Begriff
des Rea.len und den des Existierenden zu verwechseln versucht sein. Ein paar tausend Jahre ist es her,
seitdem ARISTOTELES die mannigfachen Bedeutungen des Seienden untersuchte; und es ist traurig,
aber wahr, daß noch heute die meisten aus seinen Forschungen keine Frucht gezogen haben“.
Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 26-27.
332
„Bei einem Teile der wahren Urteile besteht ein s. z. s. direkter Bezug ihrer Wahrheit zu etwas
Realem; das sind jene, bei denen die dem Urteile zugrunde liegende Vorstellung einen realen Gehalt
hat; es ist klar, daß von dem Bestehen, Entstehen oder Vergehen der betreffenden Realität die
Wahrheit des affirmativen und im umgekehrten Sinn die Wahrheit des negativen Urteils bedingt ist.
Ohne daß das Urteil selbst sich geändert hätte - wenn draußen die betreffende Realität erzeugt oder
zerstört wird, gewinnt oder verliert ein solches Urteil oft seine Wahrheit“. Brentano, Franz. Wahrheit
und Evidenz. p. 25-26.

185
psíquicos de representar e julgar). Ora, se considerarmos que o problema que
ocupou Brentano foi a busca da objetividade do conhecimento, essa omissão
estava coerente com os fundamentos da Psicologia descritiva, ou seja, a
realidade do conteúdo de consciência não era um problema central para a
teoria brentaniana de 1889. Por esse motivo, Brentano apenas se referiu a tal
realidade na medida em que ela tangenciou o problema da objetividade do
conhecimento. Em outras palavras, diretamente irrelevante no contexto da
análise dos tipos de relações intencionais entre as partes do todo psíquico do
juízo, os conteúdos psíquicos reais foram caracterizados para explicitar os
juízos contingentes que pressupunham (modalmente) a objetividade do
conhecimento. Assim, como indicou a análise brentaniana, a especificidade dos
juízos cegos estava no fato de que sua verdade se mantinha em função de
algo dado como conteúdo real, embora a estrutura do próprio juízo
permanecesse a mesma. A metáfora utilizada na caracterização de tais juízos
verdadeiros elucidou muito bem a sua definição, pois seriam juízos cegos
verdadeiros aqueles juízos que permaneceriam verdadeiros em função do
conteúdo real, dado concomitantemente sobre o pressuposto modal da
objetividade psíquica.

A análise brentaniana tomou, então, a descrição dos juízos cegos e,


em oposição a eles, definiu os juízos verdadeiros evidentes como aqueles
juízos onde a representação não possuía conteúdo real. Em outras palavras,
Brentano reconheceu o ponto tangencial entre conteúdo e objeto dos juízos, no
entanto sua análise considerou que o conteúdo real não era um elemento
pressuposto pela definição tautológica de verdade, uma vez que tal definição
explicitava o caráter objetivo dos juízos verdadeiros evidentes. Desse modo,
tratando-se da objetividade dos juízos verdadeiros evidentes, disse Brentano,
temos ainda duas alternativas específicas.333

A primeira alternativa, que a análise da tautologia envolvida na


definição de verdade apresentou, foi a descrição daquele tipo de juízos cuja
evidência manifestava seu caráter universal e necessário. Brentano considerou
que esse tipo de juízo era apodítico, pois dava origem ao princípio de não

333
„Bei den übrigen Urteilen, bei jenen wo die Vorstellung keinen realen Gehalt hat, ist ein zweifaches
denkbar“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 25-26.

186
contradição e aos demais juízos analíticos, onde o objeto seria absolutamente
necessário ou absolutamente impossível. Nesse caso, diz Brentano:

Ou bem sua verdade não depende absolutamente de uma realidade,


o que é o caso de todos os juízos onde o objeto é absolutamente
necessário em si ou absolutamente impossível. Emergem desta
categoria, por exemplo, o princípio de não contradição e todos os
334
juízos analíticos.

O juízo analítico manifestava a evidência do juízo verdadeiro porque


sua descrição explicitava a harmonia entre as partes do ato psíquico. Em
outras palavras, sua descrição explicitava a atribuição absolutamente
necessária, ou absolutamente impossível, de realidade (ser real ou ser irreal),
por parte do ato de julgar, ao ato de representar o objeto correlato (existente ou
não existente).

A segunda alternativa que a análise da tautologia envolvida na


definição de verdade apresentou foi a descrição dos juízos que dependiam
direta ou indiretamente de um conteúdo psíquico real. Em outras palavras,
tratava-se aqui desse caráter tangencial entre o conteúdo e o objeto do juízo,
pois essa seria a descrição da própria atividade da consciência. Nos termos
brentanianos apresentados a seguir, tratava-se dos juízos que, enquanto
relações psíquicas secundárias (objetos secundários) se referem à relação
psíquica primária (referência intencional do ato de representar a existência ou a
não existência do objeto correlato desse ato) por meio do conteúdo psíquico
real. Nesse sentido, esclareceu Brentano:

Ou bem eles são, se não diretamente, ao menos indiretamente


dependentes de uma realidade. Em outras palavras, o fato de que
seu objeto emerge do domínio do existente ou do não-existente é –
ainda que a representação não tenha qualquer conteúdo real - uma
conseqüência de que tais ou tais realidades existem, e não outras
existem, existiram ou existirão. É como existente, aparecendo e
desaparecendo, em ligação com e na dependência das
transformações reais, um espaço vazio e, sobretudo, uma falta, uma
capacidade, um objeto de reflexão e tudo o que possa ser igualmente
335
citado na mesma ordem de idéias .

334
„a) Entweder sie sind in ihrer Wahrheit gar nicht von einer Realität abhängig; dies gilt bei allen jenen,
deren Gegenstand schlechterdings in sich selbst notwendig oder unmöglich ist. Dahin gehört z. B. der
Satz des Widerspruches und mit ihm alle analytischen Urteile“. Brentano, Franz. Wahrheit und
Evidenz. p. 26.
335
b) „Oder sie sind, wenn auch nicht direkt, doch indirekt von einer Realität abhängig, d. h. die Tatsache,
daß ihr Gegenstand zum Existierenden oder Nichtexistierenden gehört, ist, obwohl die Vorstellung

187
O conteúdo real, mencionado aqui novamente de modo tangencial,
exerceu uma função: “indicar” o objeto (ou o ato de representar um correlato
existente ou não existente), constituinte da relação intencional caracterizada
como objeto primeiro. Para voltar ao nosso velho exemplo, o ato de julgar estar
vendo o vermelho consistiria num juízo evidente, no que diz respeito à
evidência do julgar estar vendo algo. Com base no exposto por essa definição
de Brentano, o conteúdo real (o vermelho) tem a função de “indicar” o objeto
primeiro (ato de ver algo, ou seja, o representar referindo-se ao objeto existente
representado) ao qual o objeto segundo se refere atribuindo-lhe realidade. A
objetividade do conhecimento, que se explicitou na evidência do ato de julgar,
encontrava-se nas relações entre as partes do todo psíquico caracterizada
como diploseenergie. Ela, no entanto, tangencia a realidade na medida em que
a objetividade não pode prescindir do caráter modal do conteúdo real.

Assim, foi possível compreender o desinteresse brentaniano pelo


problema do conteúdo real do fenômeno psíquico de julgar, se considerarmos
que, no contexto da diploseenergie, esse fenômeno manteve uma proximidade
apenas tangencial para com o problema da objetividade do conhecimento.
Essa posição epistemológica foi o resultado da herança cartesiana incorporada
a partir de 1889 como o critério de distinção dos fenômenos psíquicos. Ela
consistiu, do mesmo modo, na consolidação da esfera ideológica da Psicologia
descritiva.

Podemos resumir, agora, o propósito geral do projeto brentaniano,


relembrando as seguintes considerações de Barry Smith:

Esta psicologia descritiva é, de fato, vista por Brentano como uma


ciência cartesiana que fornece uma fundação epistemológica segura
para toda a disciplina de filosofia, como também para as outras áreas
de conhecimento científico. Ao mesmo tempo, no entanto, Brentano
concebe a psicologia descritiva como um novo tipo de ciência
empírica, com sua técnica empírica própria, uma técnica que repousa
sobre a nossa capacidade de apreender distinções psicológicas entre
os diferentes tipos psíquicos de atos simples e complexos, entre os
elementos intuitivos e não intuitivos dos fenômenos psíquicos, entre
os vários tipos diferentes de dados fenomenais, qualidades, limites e

keinen realen Gehalt hat, doch eine Folge davon, daß eine gewisse Realität oder gewisse Realitäten
und keine anderen bestehen oder bestanden haben oder bestehen werden. So bestehen, entstehen und
schwinden ein leerer Raum und überhaupt ein Mangel, eine Befähigung, ein Gedankending und was
dergleichen mehr angeführt werden könnte, im Zusammenhang mit und in Abhängigkeit von den
realen Veränderungen“. Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 26.

188
continua, e assim por diante. E, também, na nossa capacidade de
compreender determinadas relações necessárias e inteligíveis entre
336
os elementos, assim, distinguido.

O procedimento brentaniano de descrição da atividade psíquica, tal


como detalhou Smith, complementou as próprias palavras com que Brentano
encerrou sua análise acerca da noção de verdade como evidência:

Se, como eu espero, nós conseguimos esclarecer o conceito que


estava obscuro nesta definição nominal, foi unicamente porque
examinamos melhor os exemplos de juízos verdadeiros. Nesses
juízos, não tardamos a constatar que esta relação de identidade – o
que quer que ela possa ser – não poderia ser uma verdade e não o
seriam em razão do fato de que afirmação e negação não se
relacionam sempre a coisas reais. E mesmo agora, que nós
esclarecemos todo mal-entendido, a definição não teria nenhum
sentido para aquele a que faltasse a intuição. Esta seria nossa
conquista. Ela é certamente suficiente para um problema tão limitado
como o nosso, onde se trata, em resumo, apenas de explicar uma
337
expressão que um uso cotidiano tornou acessível a todo mundo.

A exposição da virtude da definição tautológica de verdade para a


caracterização da evidência do juízo justo constituiu o fundamento da
objetividade do conhecimento. Ela explicitou o fato de que o círculo tautológico
não precisava ser rompido quando uma experiência da evidência do juízo justo
se dava à consciência. Passemos, então, às analogias existentes entre o
âmbito do conhecimento teórico e o âmbito do conhecimento moral,
caracterizando este último a partir das tautologias envolvidas na definição de
bom e preferência.

336
“This descriptive psychology is in fact seen by Brentano as a Cartesian science providing an
epistemologically sure foundation for the entire discipline of philosophy, as also for scientific
knowledge of other sorts. At the same time, however, Brentano conceives descriptive psychology as a
new sort of empirical science, with its own empirical technique, a technique resting on our capacity to
notice psychological distinctions between the different sorts of simple and complex mental acts,
between the intuitive and non-intuitive components in psychic phenomena, between the various
different sorts of phenomenally given qualities, boundaries and continua, and so on, and then also on
our capacity to grasp certain necessary and intelligible relations between the elements thus
distinguished”. Smith, Barry. Austrian philosophy – the legacy of Franz Brentano. p. 27.
337
„Und wenn es uns, wie ich hoffe, gelungen ist, den in ihr getrübten Begriff zu klären, so ist es nur
geschehen, indem wir die Beispiele wahrer Urteile besser ins Auge faßten, wo wir dann alsbald sahen,
wie jene Beziehung einer Gleichheit, oder was es sonst sei, sahen deshalb keine Wahrheit sein könne,
weil Affirmation und Negation sich oft gar nicht mit n!alen Dingen befassen. Auch jetzt, nach
Ausschluß der Mißverständnisse, würde die Definition demjenigen nichts sagen, dem die Anschauung
fehlte. Das also dürfte etwa, unser Lohn und Gewinn sein; gewiß genug bei einer so bescheidenen
Frage, wie die von uns gewählte, bei der es sich ja um nichts als um die Erklärung eines durch
alltäglichen Gebrauch jedem geläufigen Ausdruckes handelt“. Brentano, Franz. Wahrheit und
Evidenz. p. 28.

189
4.4 A analogia entre juízo justo e amor justo como modo de indicar
os fenômenos psíquicos de ordem superior

Chegamos ao penúltimo ponto da nossa tese. Este ponto consiste


em apresentar a descrição do fenômeno psíquico do sentimento por meio de
uma analogia para com os juízos justos evidentes. É, no entanto, fundamental
fazermos uma ressalva acerca dessa estratégia de exposição que se valerá da
descrição das relações psíquicas primárias e secundárias (diploseenergie).
Embora a utilização da analogia seja um recurso utilizado e recomendado pelo
próprio Brentano para a caracterização da justeza do fenômeno psíquico do
sentimento de amor e ódio, a analogia por si só não dá conta de explicitar
algumas especificidades fundamentais da diploseenergie, constituinte do
fenômeno psíquico de preferência.

Esse limite encontrado na estratégia de exposição analógica exige


uma análise complementar quando tratamos exclusivamente da exposição do
fenômeno psíquico de preferência. De modo mais específico, apresentaremos
a descrição do conhecimento do amor justo, análoga à evidência do juízo justo,
mas também apresentaremos a descrição do conhecimento da justa
preferência, fenômeno psíquico para o qual não existe atividade análoga na
esfera dos juízos. Tomaremos a análise do fenômeno psíquico do sentimento
de amor ou ódio em dois momentos. Primeiramente, o fenômeno psíquico do
sentimento será analisado a partir da analogia para com o juízo justo. Isso
permitirá apresentar a descrição do sentimento de amor justo como
conhecimento do Bem, análogo ao conhecimento do verdadeiro. Em seguida,
avançaremos para além dessa estratégia de exposição analógica. Tomaremos
o conhecimento do amor justo, análogo ao juízo justo evidente, como base do
fenômeno de sentimento de amor. Isso permitirá apresentar a descrição do
conhecimento evidente da preferência justa. Retomemos, então, alguns pontos
analisados.

190
A pedra de toque da argumentação brentaniana, na análise da
evidência do sentimento de amor e ódio, foi a tautologia envolvida na definição
de Bem. Brentano tomou o fenômeno psíquico do amor justo ao Bem e do ódio
justo ao Mal e estabeleceu que “[...] uma vez que nós amemos o Bem ou
odiamos o Mal, ou, ao contrário, se nós odiamos o Bem ou amamos o Mal, nós
podemos declarar justo ou injusto um amor ou um ódio”338. O ponto relevante
na análise brentaniana, tal qual se estabeleceu na descrição dos juízos justos,
foi a descrição da experiência constituinte do fenômeno psíquico do amor justo.
O fenômeno psíquico do amor justo foi analisado à luz dos critérios
estabelecidos na Psicologia descritiva e, continuou Brentano, “[...] nós
podemos dizer que, além disso, no caso de um ato justo, nossa atividade
sentimental corresponde ao objeto, está de acordo com seu valor. E, por outro
lado, ela o objeta no caso do ato contrário, está em desarmonia para com seu
valor”339. Voltaremos a esse problema da justeza do amor e do ódio em
seguida, pois é preciso apresentar outro aspecto relacionado à tautologia
envolvida nessa definição.

O modo como a análise brentaniana apresentou a descrição do


conhecimento do Bem e do Mal foi a chave para entendermos a importância da
definição tautológica de Bem. Por quê? Por que os critérios de análise
encontrados na Psicologia descritiva estabeleceram uma analogia entre a
definição de Bem e a definição de Verdade. Em outras palavras, de modo
análogo à descrição do conhecimento do verdadeiro, Brentano descreveu a
noção de conhecimento do Bem (valor moral) como aquela noção que se
originava da justa atribuição psíquica de amor e ódio, por parte de um elemento
psíquico (a atividade de sentimento), a outro elemento também psíquico (a
atividade de representação). Do mesmo modo, ele definiu também a noção de
conhecimento do Mal (valor imoral) como aquela noção que se originava da
injusta atribuição psíquica de amor e ódio, por parte de um elemento psíquico

338
„So können wir sagen, richtig oder unrichtig sei ein Lieben und Hassen, je nachdem wir darin Gutes
lieben oder Schlechtes hassen oder umgekehrt Schlechtes lieben und Gutes hassen“. Brentano, Franz.
Wahrheit und Evidenz. p. 25.
339
„So können wir sagen, (...) ferner, daß in den Fällen richtigen Verhaltens unsere Gemütsbewegung
dem Gegenstande entspreche, mit seinem Werte im Einklang sei, in den Fällen verkehrten Verhaltens
dagegen ihm widerspreche, mit seinem Werte disharmoniere“. Brentano, Franz. Wahrheit und
Evidenz. p. 25.

191
(a atividade de sentimento) a outro elemento também psíquico (a atividade de
representação).

Essas experiências da justeza do amor e do ódio seriam, para


Brentano, suficientes para garantir a objetividade do conhecimento moral, pois
esse caráter justo ou injusto do sentimento foi concebido segundo os critérios
de análise norteadores da Psicologia descritiva. Isso significava que a justeza
do sentimento se encontrava na descrição da harmonia existente entre as
relações psíquicas primárias e secundárias. Desse modo, análoga à
objetividade do conhecimento da verdade, a objetividade do conhecimento
moral se fundava, também, na evidência manifestada na definição tautológica
de Bem. Tornava-se, portanto, compreensível por que ambos os domínios
afirmativos e negativos do sentimento seriam objetivamente conhecidos.

Como explicitamos anteriormente, toda descrição do domínio


afirmativo do sentimento (onde ocorreria a valoração de algo como bom)
mostrou que o bom se explicitava em dois domínios. Por um lado, o bom
explicitava-se na justa atribuição de amor à representação (quando ela fosse
uma referência à “coisa” – ao existente). Por outro lado, o bom explicitava-se
na justa atribuição de ódio à representação (quando ela fosse uma referência à
“não coisa” – ao não existente)340. Além disso, e de modo contrário, toda
descrição do domínio negativo do sentimento (onde ocorreria a valoração de
algo como mau) mostrou que o mau também se explicitava em dois domínios.
Por um lado, o mau explicitava-se na injusta atribuição de amor à
representação (quando ela fosse uma referência à “não coisa” – ao não
existente). Por outro lado, o mau explicitava-se na injusta atribuição de ódio à
representação (quando ela fosse uma referência à “coisa” – ao existente)341.
Assim, por meio dos critérios norteadores da Psicologia descritiva, Brentano
levou a cabo seu compromisso de apresentar a descrição da atividade psíquica
capaz de fundamentar “[...] o fato de que juntamente com a experiência da
atividade sentimental estava unido concomitantemente o conhecimento da
340
Especificaremos no próximo ponto que, no primeiro caso, a justa atribuição do amor à representação
do existente explicita a valoração do puro bem e, no segundo caso, a justa atribuição do ódio à
representação do não existente explicita a valoração do bem impuro (mesclado com o mau).
341
Também especificaremos, no próximo ponto, que atribuição injusta de ódio à representação do
existente explicita a valoração do puro mau e, no segundo caso, a injusta atribuição de ódio à
representação do não existente explicita a valoração do mau impuro (mesclado com o bem).

192
bondade do objeto”342. O ponto central da argumentação brentaniana estava na
ampliação da análise da noção de bom à noção de Bem. Nesses termos,
Brentano uniu a experiência sentimental à sua cognição e definiu o Bem como
o “conhecimento” da origem do sentimento de amor justo ou sentimentos de
ódio justo, pois o ponto fundamental estava na experiência imediata do caráter
justo desse ato psíquico. Do mesmo modo, definiu-se o Mal como o
“conhecimento” da origem do sentimento de amor injusto ou sentimento de ódio
injusto, pois nesse caso estava a experiência imediata da falta do caráter justo
do ato psíquico.

Além de explicitar a experiência do amor caracterizada como justo


como fonte do conhecimento moral, existia, na definição tautológica de Bem,
outro ponto fundamental que a analogia para com os juízos justos nos
apresentou. A definição tautológica de Bem tinha a virtude de permitir a
distinção entre sentimentos de amor superior, análogo aos juízos evidentes, e
sentimentos de amor inferior, análogo aos juízos cegos. Exposta nesses
termos e analisada à luz dos pressupostos da Psicologia descritiva, a definição
tautológica de Bem explicitou o ponto fundamental da teoria do conhecimento
moral. O conhecimento indubitável do Bem (análogo ao conhecimento do juízo
evidente) originava-se na experiência do amor caracterizado como justo.
Assim, disse Brentano:

Aqui, pois, o conhecimento de que algo é verdadeiramente e


indubitavelmente bom origina-se destas experiências de amor
caracterizado como justo, em toda a extensão que tal
343
conhecimento possa ter em nós .

O ponto central desse argumento estava no fato de que, de modo


análogo à análise acerca dos juízos evidentes, a distinção entre sentimento
superior e sentimento inferior caracterizava o avanço epistemológico da
Psicologia descritiva no campo da teoria do conhecimento moral. Vejamos
como Brentano apresentou esse avanço.

342
„Daß mit der Erfahrung der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit auch die Erkenntnis der Güte
des Objekts immer zugleich gegeben ist“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79,
nota 28.
343
„Hier also und aus solchen Erfahrungen einer als richtig charakterisierten Liebe entspringt uns die
Erkenntnis, daß etwas wahrhaft und unzweifelhaft gut ist, in dem ganzen Umfange, in dem wir einer
solchen fähig sind“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 23-24.

193
Brentano sistematizou os avanços epistemológicos a partir de dois
aspectos principais encontrados na análise da tautologia que envolvia a
definição de Bem: (a) essa tautologia tinha a virtude de indicar a restrição do
âmbito cognitivo ao âmbito semântico; (b) essa tautologia também tinha a
virtude de indicar a eliminação da necessidade de se identificar uma coisa real
a todo sentimento de amor. Tomando por base a sistematização desses dois
aspectos da definição tautológica de Bem, Brentano novamente tocou
tangencialmente no problema levantado por Twardowski (acerca da distinção
entre conteúdo e objeto). Para resolver esse problema, ele apresentou o
critério de análise que permitiu distinguir entre sentimentos superiores e
sentimentos inferiores.

A vantagem epistemológica encontrada na distinção entre


sentimentos superiores e sentimentos inferiores estava no fato de que ela
explicitava o caráter evidente do fenômeno psíquico da preferência, pois tal
distinção descreveu a evidência que caracterizava o fenômeno psíquico de
justa preferência. Vejamos.

Segundo Brentano, ao analisar a tautologia apresentada na


definição de Bem a partir dos critérios da Psicologia descritiva, explicitava-se
imediatamente o fundamento da objetividade do conhecimento moral. De um
lado, tal análise distinguia a objetividade do sentimento de amor justo (a partir
da descrição do tipo de relação entre o objeto secundário e o objeto primário)
ao explicitar o caráter evidente dos sentimentos superiores. E, de outro lado, tal
análise distinguia a subjetividade dos sentimentos (a partir da descrição do tipo
de relação de um ato de amor para com o conteúdo psíquico) ao explicitar o
caráter inferior de alguns sentimentos de amor.

Vejamos os detalhes que envolveram esses dois pontos da análise


do conhecimento moral e caracterizaram seu conhecimento como análogo à
evidência.

O primeiro aspecto, que caracterizou o avanço epistemológico da


teoria do conhecimento moral brentaniana, foi a distinção entre o conhecimento
da realidade (Wircklichkeit) do Bem e o conhecimento objetivo do Bem. De
modo análogo à análise do juízo evidente, (a) Brentano pôde reconhecer que a
tautologia contida na definição bem (“o conhecimento de que algo é
194
verdadeiramente e indubitavelmente bom originava-se dessas experiências de
amor caracterizado como justo”) tinha a grande virtude de restringir o âmbito
cognitivo moral ao âmbito semântico. Em outras palavras, essa tautologia
também indicava o âmbito semântico como campo da investigação constituído
na esfera da atividade psíquica (e descrito como a relação intencional
estruturada como relações psíquicas primárias e secundárias –
diploseenergie). Por isso, o conhecimento objetivo do bem desconsiderava o
âmbito da realidade (Wircklichkeit) envolvida na atividade psíquica. Análogo ao
que se estabelecera a partir do conhecimento do verdadeiro, os fundamentos
da Psicologia descritiva também impuseram, à análise acerca dos fenômenos
psíquicos do sentimento, que “[...] nós não mais investiguemos para além da
definição, tal como se dá na realidade (Wircklichkeit). E, assim, essa
344
determinação não aparece de fato sem valor” . Desse modo, e tal como na
análise acerca do juízo evidente, Brentano retirava uma consequência dessa
determinação.

A consequência consistia em desvincular a presença real do amor


da experiência do amor caracterizado como justo (a partir de onde se originava
o Bem e seu conhecimento). As palavras de Brentano são as seguintes:

Assim pois, a presença real do amor (das wirkliche Vorkommen der


Liebe) não é, sem mais nem mais, prova de que o amado seja digno
de amor, como igualmente o admitir realmente (das wirkliche
Anerkennen) uma coisa não é, sem mais nem mais, prova da
345
verdade.

É fundamental observamos que essa consequência retirada por


Brentano da análise da tautologia devia ser tomada como um ponto
fundamental da teoria do conhecimento moral brentaniana. Sustentada nos
princípios adotados da Psicologia descritiva, ela ressaltava os limites da
cognição moral, tal qual a análise acerca do juízo evidente ressaltou, mas havia
algo mais radical. Evidenciava-se, ali, que a objetividade do conhecimento

344
”(Dennoch dürften die von uns gepflogenen Untersuchungen in manchen Beziehungen für uns
lehrreich sein. 1. Ist schon dies von Belang,) daß wir fortan hinter der Definition nicht mehr suchen,
als in Wirklichkeit gegeben ist. Auch erscheint die Bestimmung jetzt nicht eigentlich wertlos“.
Brentano, Franz. Wahrheit und Evidenz. p. 27.
345
“Also das wirkliche Vorkommen der Liebe bezeugt keineswegs ohne weiteres die Liebwürdigkeit, wie
ja auch das wirkliche Anerkennen keineswegs ohne weiteres die Wahrheit beweist“. Brentano, Franz.
Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 20.

195
moral estava explícita na experiência constituinte da atividade psíquica
caracterizada pela diploseenergie (a partir da descrição das relações psíquicas
primárias e secundárias). Assim, análogo ao modo como Brentano tratou o
conteúdo real do juízo enfatizado por Twardowski, a presença real do amor não
consistia em um elemento psíquico relevante para a cognição objetiva do Bem,
pois tal conteúdo não era um elemento constituinte das relações intencionais
objetivas do todo psíquico (em seu ato de amar).

Em segundo lugar estava o aspecto que caracterizava o avanço


epistemológico da teoria do conhecimento moral brentaniana, pela restrição do
conhecimento objetivo do Bem à esfera psíquica. De modo análogo à análise
do juízo evidente, (a) Brentano pôde reconhecer que a tautologia contida na
definição de Bem indicava que a necessidade e a universalidade, próprias do
conhecimento moral, prescindiam da coisa real (Realität). Por isso, analisada à
luz dos critérios apresentados na Psicologia descritiva, a tautologia envolvida
na definição de bem também delimitava o âmbito da experiência moral à
atividade psíquica (pois o “conhecimento de que algo era verdadeiramente e
indubitavelmente bom originava-se dessas experiências de amor caracterizado
como justo”). De modo mais específico, e tal como esclareceu Brentano na
citação a seguir, não existiam garantias epistemológicas de que nossa
atividade psíquica do amor se referisse a algo que pudesse ser considerado
bom e que estivesse para além dela:

Pois existe uma coisa que deve ser explicitada de imediato. Não
possuímos garantia alguma de que tudo aquilo que é bom nos atraia
sempre com um amor caracterizado como justo. Quando isto não
sucede, nosso critério falha como se o bom não tivesse presente para
346
nosso conhecimento e nossa reflexão prática .

De fato esses dois passos epistemológicos da teoria brentaniana


descreveram negativamente o sentimento justo, ao restringi-lo à esfera da
atividade psíquica, no entanto, de modo análogo à análise dos juízos
evidentes, esses dois pontos tomados em conjunto estabeleceram o critério

346
„Denn das allerdings dürfen wir uns nicht verhehlen: wir haben keine Gewähr dafür, daß wir von
allem, was gut ist, mit einer als richtig charakterisierten Liebe angemutet werden. Wo immer dies
nicht der Fall ist, versagt unser Kriterium, und das Gute ist für unsere Erkenntnis und praktische
Berücksichtigung soviel wie nicht vorhanden“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis,
p. 24.

196
positivo para análise dos sentimentos, capaz de distinguir entre sentimento
superior e sentimento inferior. Assim, cabe indagar: Qual é o critério
brentaniano de distinção entre sentimentos superiores e sentimentos
inferiores? A resposta a esta questão explicitou o modo como Brentano
descreveu o fundamento da ética como teoria do conhecimento moral a partir
do fenômeno psíquico de preferência.

4.5 O fenômeno psíquico da preferência como fundamento da teoria


do conhecimento moral

A descrição do fenômeno psíquico de preferência foi o principal


avanço epistemológico da análise brentaniana acerca da tautologia que
envolvia a definição de Bem. Sua posição original na teoria ética explicitava-se
a partir do limite encontrado para apresentar a descrição dos fenômenos de
sentimentos de ordem superior. É precioso ter em mente que, segundo
Brentano, “[...] o conhecimento de que algo é verdadeiramente e
indubitavelmente bom origina-se dessas experiências de amor
caracterizado como justo, em toda a extensão que tal conhecimento possa
ter em nós”347. Isso significava que, orientado pelos fundamentos da Psicologia
descritiva, o ponto de partida para a fundamentação da teoria do conhecimento
moral seria sempre a descrição da experiência psíquica individual. Além disso,
essa experiência deveria consistir necessariamente na experiência do amor
caracterizado como justo. A saída desse círculo vicioso proposta pela análise
brentaniana recorreu à descrição da relação intencional que estruturava o
fenômeno psíquico de sentimento (diploseenergie). Essa análise explicitou que
um ato psíquico de sentimento de amor superior pressupunha a sua imediata
experiência. O exemplo principal desse tipo de fenômeno psíquico foi a
preferência. Vejamos, então, como Brentano desenvolve sua argumentação

347
„Hier also und aus solchen Erfahrungen einer als richtig charakterisierten Liebe entspringt uns die
Erkenntnis, daß etwas wahrhaft und unzweifelhaft gut ist, in dem ganzen Umfange, in dem wir einer
solchen fähig sind“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 23-24.

197
acerca dos fenômenos psíquicos de sentimento superiores e como tal
argumentação estabeleceu a evidência do fenômeno psíquico de preferência.

Brentano apresentou alguns exemplos que, analisados a partir da


descrição da relação intencional estruturada como relações psíquicas primárias
e secundárias (diploseenergie), explicitaram a evidência do fenômeno psíquico
de sentimento de amor caracterizado como justo. Vejamos um deles.

O principal exemplo apresentado por Brentano descreveu o amor


superior como desejo pelo conhecimento. Suas palavras foram as seguintes:

Temos, dizíamos, por natureza agrado em certos sabores e asco em


outros. Ambas as coisas por puro instinto. Mas também por natureza
sentimos um agrado na compreensão clara e um desagrado no erro e
na ignorância. Todo homem, disse Aristóteles nas famosas palavras
preliminares de sua Metafísica, deseja saber por natureza. Este
apetite é um exemplo que nos serve muito bem. É um agrado
superior deste tipo aquilo que constitui o análogo da evidência na
esfera do juízo. Em nossa espécie, esse agrado é universal. Mas, se
houvesse outra espécie que de modo oposto ao nosso, além de
preferir coisa diferente de nós referentes às sensações, amasse o
erro como tal e odiasse a intelecção, não nos limitaríamos a dizer tal
qual se diz acerca das sensações que é questão de gosto e de
gustibus non est disputandum. Mas, resolutamente declararíamos
que semelhante amor e ódio são radicalmente viciosos e dita espécie
odeia o que sem dúvida é bom e ama o que sem dúvida é mal em si
mesmo. Mas, por que diríamos isto neste caso e no caso anterior
diríamos o contrário se o apetite é igualmente forte? Muito simples.
No primeiro, nas sensações, o apetite era uma propensão instintiva,
mas no segundo, no caso do erro e da intelecção, o agrado natural é
um amor superior caracterizado como justo. Assim, ao encontrá-lo em
nós, observamos que seu objeto não apenas é amado e amável e
que sua privação é odiada e odiável, mas também que aquele é digno
de amor e este é digno de ódio, ou seja, aquele é bom e este é
348
mau .

348
„Wir haben, sagten wir eben, von Natur ein Gefallen an gewissen Geschmäcken und einen
Widerwillen gegen andere; beides rein instinktiv. Wir haben aber auch von Natur ein Gefallen an
klarer Einsicht und ein Mißfallen an Irrtum und Unwissenheit. "Alle Menschen", sagt Aristoteles in
den schönen Eingangsworten zu seiner Metaphysik3"), "begehren von Natur nach dem Wissen". Dies
Begehren ist ein Beispiel, das uns dient. Es ist ein Gefallen von jener höheren Form, die das Analogon
ist von der Evidenz auf dem Gebiete des Urteils. In unserer Spezies ist es allgemein; würde es aber
eine andere Spezies geben, welche, wie sie in bezug auf Empfindungen anders als wir bevorzugt, im
Gegensatz zu uns den Irrtum als solchen liebte und die Einsicht haßte, so würden wir gewiß nicht so
wie dort sagen: das ist Geschmackssache, "de gustibus non est disputandum"; nein, wir würden hier
mit Entschiedenheit erklären, solches Lieben und Hassen sei grundverkehrt, die Spezies hasse, was
unzweifelhaft gut, und liebe, was unzweifelhaft schlecht sei in sich selbst. - Warum hier so und anders
dort, wo der Drang gleich mächtig ist? - Sehr einfach! Dort war der Drang ein instinktiver Trieb; hier
ist das natürliche Gefallen eine höhere, als richtig charakterisierte Liebe. Wir bemerken also, indem
wir sie in uns finden, daß ihr Objekt nicht bloß geliebt und liebbar und seine Privation und sein
Gegensatz gehaßt und haßbar sind, sondern auch, daß das eine liebenswert, das andere hassenswert,
also das eine gut, das andere schlecht ist“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p.
22-23.

198
Esse exemplo pode ser analisado da seguinte maneira. Toda
descrição do domínio afirmativo do sentimento (onde ocorre a valoração de
algo como Bom) mostra que ele consiste, por um lado, na justa atribuição de
amor à representação (quando ela é uma referência à “coisa” – ao existente) e,
por outro lado, na justa atribuição de ódio à representação (quando ela é uma
referência à “não coisa” – ao não existente)349. O exemplo citado explicitou que,
tratando-se do domínio afirmativo do sentimento, ocorre a valoração (ato de
amar ou odiar, enquanto objeto segundo) da compreensão (ato de representar
algo ou não algo, enquanto objeto primeiro) como boa ou má. Assim, tal
domínio consiste, por um lado, na justa atribuição de amor à representação
(compreensão de algo) e, por outro lado, como na justa atribuição de ódio à
representação (compreensão de “não algo”, ou seja, a incompreensão de algo).

Não é o caso de analisar cada um dos outros exemplos350. Importa


considerar o propósito de Brentano para com eles. Brentano pretendeu apontar
o fato de que, uma vez reconhecida com justa, a experiência do amor
caracterizado com justo se impunha de modo análogo ao juízo evidente.
Mesmo assim, no entanto, sua argumentação possuía, ainda, outro objetivo.
Brentano pretendeu evidenciar a pluralidade daquilo que pode ser conhecido

349
Especificaremos, no próximo ponto, que, no primeiro caso, a justa atribuição do amor à representação
do existente explicita a valoração do puro bem e, no segundo caso, a justa atribuição do ódio à
representação do não existente explicita a valoração do bem impuro (mesclado com o mau).
350
O segundo exemplo diz o seguinte: “assim como preferimos a compreensão ao amor, em termos gerais
também preferimos a alegria à tristeza, que não seja precisamente alegria de algo mau. Se houvesse
seres que tivessem preferências contrárias, com razão qualificaríamos essa atitude de viciosa. Aqui
também nosso ódio e nosso amor se caracterizam como justos”. [„Ein anderes Beispiel! Wir geben,
wie der Einsicht vor dem Irrtum, so, allgemein gesprochen, der Freude (wenn es nicht gerade eine
Freude am Schlechten ist) vor der Traurigkeit den Vorzug. Wenn es Wesen gäbe, welche hier
umgekehrt bevorzugten, so würden wir dies, und mit Recht, als ein verkehrtes Verhalten bezeichnen.
Es sind eben auch hier unsere Liebe und unser Haß als richtig charakterisiert“]. “Um terceiro caso é
apresentado pela atitude sentimental justa e caracterizada como justa. Assim como a justeza e a
evidência do juízo estão computadas entre o bom, pela mesma razão também estão a justeza e o
caráter superior da própria atividade sentimental. De modo contrário, o amor ao mal também é mau”.
[„Einen dritten Fall bietet die richtige und als richtig charakterisierte Gemütstätigkeit selbst. Wie die
Richtigkeit und Evidenz des Urteils, so zählt darum auch die Richtigkeit und der höhere Charakter der
Gemütstätigkeit selbst zu dem Guten, während die Liebe zum Schlechten selber schlecht ist“].
Finalmente, o quarto exemplo diz: “e, para não deixar intactas as mesmas experiências referentes à
esfera das representações, diremos que nelas se explicitam igualmente que todo representar é algo
bom em si mesmo e toda ampliação da vida de representação também aumenta o bom em nós mesmo,
independentemente de todo bom ou mau que pode estar enlaçado com ela”. [„Und um auch in bezug
auf das Gebiet des Vorstellens die entsprechenden Erfahrungen nicht unberührt zu lassen, so zeigt sich
hier auf dieselbe Weise, daß jedes Vorstellen in sich selbst etwas Gutes ist und daß mit jeder
Erweiterung des Vorstellungslebens - von allem, was sich von Gutem oder Schlechtem daran knüpfen
mag, abgesehen - das Gute in uns vermehrt wird“]. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher
Erkenntnis, p. 23.

199
como Bom, uma vez que a objetividade do conhecimento acerca do amor justo,
circunscrito à esfera psíquica poderia valorar uma infinidade de representações
(de “coisas” e “não coisas”) como boas ou más.

Para solucionar este problema Brentano apresentou a última virtude


da tautologia que envolvia a definição de Bem. Tratava-se da análise da
definição do Bem à luz do fenômeno psíquico de preferir. Em outras palavras,
Brentano tomou a tautologia envolvida na definição de Bem como modo de
expressão da atividade psíquica de escolha justa. Assim, ele mesmo indagou
pela atividade psíquica capaz de reconhecer aquilo que seria melhor. Vejamos
suas palavras:

São muitas, e não apenas uma, as coisa que conhecemos como boa
desta maneira. Assim, permanece em pé a pergunta: o que é melhor
entre o bom e, principalmente, entre o bom exequível? Qual é o bem
prático supremo que, como fim, dará a medida para nossas ações?
Primeiramente, perguntemos: quando uma coisa é melhor que outra e
nós a conhecemos como melhor? O que significa „o melhor‟, de modo
351
geral?

A resposta para essa questão, que indagou pelo que significa


„melhor‟, já estava preparada no âmbito dos pressupostos norteadores da
Psicologia descritiva. Tratava-se, de fato, da descrição de um fenômeno
psíquico de terceira classe, ou seja, a descrição da relação intencional
estruturada como relações psíquicas primárias e secundárias (diploseenergie).
Não se tratava ali, no entanto, do amor justo ou do ódio justo, enquanto
fenômenos que davam origem ao conceito de bem. Tratava-se,
especificamente, da preferência justa, ou seja, daquele fenômeno psíquico de
terceira classe a partir de onde se originava o conceito de melhor. Em outras
palavras, a resposta brentaniana para a questão acerca do que significava
„melhor‟ estabeleceu que „melhor‟ seria aquele fenômeno psíquico mais amado.
Isso, no entanto, não implicava que existisse qualquer tipo de intensidade no
ato de amor, tal como esse pressupunha no contexto da Psicologia do ponto de
vista empírico. Tratava-se, como esclareceu Brentano na citação a seguir, de

351
„Aber nicht eines, vieles ist, was wir so als gut erkennen. Und daher bleiben die Fragen: welches ist
unter dem Guten und insbesondere unter dem erreichbaren Guten das Bessere? und welches das
höchste praktische Gut, damit es als Zweck maßgebend werde für unser Handeln? Fragen wir also
zunächst: wann ist etwas besser als etwas anderes und wird als besser von uns erkannt? und was heißt
das überhaupt: das "Bessere"?“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 23.

200
um fenômeno psíquico complexo, cujo modo de referência intencional seria
universalmente conhecido:

Contudo, ainda em outro sentido muito diferente, devemos dizer que


o melhor é o que, com razão, é mais amado, o que com razão agrada
mais. O „mais‟ não se refere à relação de intensidade entre os atos,
mas a uma espécie particular de fenômenos pertencentes à classe do
agrado e desagrado: os fenômenos de preferência. Estes são atos de
352
referência que todos conhecem em suas particularidades.

A preferência consistia na experiência psíquica a partir de onde se


conhece que uma representação (valorada como boa) é verdadeiramente e
indubitavelmente melhor que outra representação (valorada como boa ou má).
Retomemos a questão por outro ângulo.

A análise brentaniana propôs que, “[...] suposto o conhecimento


simples do bom e mau, parece – a analogia se impõe – que o conhecimento do
melhor brota de certos atos de preferência que se caracterizam como
justos”353. Assim, no entanto, por analogia ao fato de que o conhecimento de
algo verdadeiramente e indubitavelmente bom se originava da experiência de
amor caracterizado como justo, era preciso considerar o seguinte: Só seria
possível conhecer o melhor a partir da experiência da preferência caracterizada
como justa, “pois (relembra Brentano) tal como a atividade simples de agrado,
em parte a preferência também seria de índole inferior, ou seja, instintiva, e em
parte de índole superior e se caracterizaria como justa, analogamente aos
juízos evidentes”.354

A partir do exposto, resultou que: (a) a preferência justa era a


experiência empírica fundante do conhecimento do melhor; (b) o amor justo era

352
„Und doch muß man sagen, das Bessere sei dasjenige, was mit Recht mehr geliebt werde, was mit
Recht mehr gefalle; aber in ganz anderem Sinne. Das "mehr" bezieht sich nicht auf das
Intensitätsverhältnis zweier Akte, sondern auf eine besondere Spezies von Phänomenen, die zur
allgemeinen Klasse des Gefallens und Mißfallens gehört, nämlich auf die Phänomene des Vorziehens.
Es sind dies beziehende Akte, die in ihrer Eigentümlichkeit jedem aus der Erfahrung bekannt sind“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 25.
353
„Die einfache Erkenntnis als gut und schlecht vorausgesetzt, scheinen wir - die Analogie legt es nahe
diese Einsicht aus gewissen Akten des Vorziehens, die als richtig charakterisiert sind, zu schöpfen“.
Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 25.
354
„Denn wie die einfache Betätigung des Gefallens, ist auch das Vorziehen teils niederer Art, d. h.
triebartig, teils höherer Art und, analog dem evidenten Urteil, als richtig ausgezeichnet“. Brentano,
Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 25.

201
experiência empírica fundante do conhecimento do Bem; (c) e o juízo justo era
a experiência empírica fundante do conhecimento da Verdade.

Brentano sustentou a tese de que o fenômeno psíquico da justa


preferência diferia do fenômeno psíquico do amor justo, pois o primeiro daria
origem ao conceito de melhor e este último daria origem ao conceito de bem.
Por isso, sua análise precisou descrever os elementos ou as partes
constituintes do ato psíquico de preferir, ao menos naquilo em que esse ato se
diferenciava do amor justo. Para elucidar o problema que acabamos de
levantar, sigamos a análise brentaniana e “[...] passemos agora à questão:
como conhecemos que algo é realmente melhor?”355

Como fenômeno psíquico, a preferência é por si só a experiência da


escolha do melhor. Analisada, no entanto, a partir dos pressupostos da
Psicologia descritiva, a descrição do fenômeno psíquico de preferência
explicitou um critério de classificação. Esse critério foi elaborado a partir da
descrição da relação intencional estruturada como relações psíquicas primárias
e secundárias (diploseenergie) na valoração de algo como bom ou como mau.
Em outras palavras, enquanto um fenômeno psíquico de sentimento, o
fenômeno psíquico de preferência tinha por base a atividade psíquica de
valoração análoga àquela que dava origem ao conhecimento do bem e do mal,
no entanto existiam duas mudanças específicas que precisavam ser
analisadas. Vejamos como elas se davam a partir de uma comparação.

A descrição do domínio afirmativo do sentimento (onde ocorria a


valoração de algo como bom) mostrava que o bom se explicita em dois
domínios. Por um lado, ele se explicitava na justa atribuição de amor à
representação (quando ela é uma referência à “coisa” – ao existente). Por outro
lado, ele se explicitava na justa atribuição de ódio à representação (quando ela
era uma referência à “não coisa” – ao não existente)356. Aqui encontramos a
primeira diferença, pois, descrita a partir do fenômeno psíquico da preferência,
a justa atribuição do amor à representação do existente explicitava a valoração

355
„Und nun zur Frage: wie erkennen wir, daß etwas wirklich das Bessere sei?“. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 25.
356
Especificaremos no próximo ponto que, no primeiro caso, a justa atribuição do amor à representação
do existente explicita a valoração do puro bem e, no segundo caso, a justa atribuição do ódio à
representação do não existente explicita a valoração do bem impuro (mesclado com o mau).

202
do puro bem, ou seja, do melhor. No segundo caso, no entanto, a justa
atribuição do ódio à representação do não existente explicitava a valoração do
bem impuro (mesclado com o mau). Assim, Brentano pode sustentar que, em
relação ao puro bem, esse bem impuro sempre será pior.

Além disso, e de modo contrário, toda descrição do domínio negativo


do sentimento (onde ocorria a valoração de algo como mau) mostrava que o
mau também se explicitava em dois domínios. Por um lado, ele explicitava-se
na injusta atribuição de amor à representação (quando ela era uma referência à
“não coisa” – ao não existente). Por outro lado, ele explicitava-se e na injusta
atribuição de ódio à representação (quando ela era uma referência à “coisa” –
ao existente)357. Aqui encontramos a terceira diferença, pois, descrita a partir
do fenômeno psíquico da preferência, a atribuição injusta de ódio à
representação do existente explicitava a valoração do puro mal e, no segundo
caso, a injusta atribuição de ódio à representação do não existente explicitava
a valoração do mal impuro (mesclado com o bem).

Brentano sistematizou, então, esse critério de classificação do


melhor e do pior da seguinte maneira:

Para que um ato da atividade sentimental possa ser chamado


puramente bom em si mesmo, é necessário que (1) ele seja justo e
que (2) seja um ato de agrado (amor), e não de desagrado (ódio). Se
falta uma ou outra condição, em certo sentido já é mau em si mesmo.
A alegria no mal alheio é má pelo primeiro motivo e a dor ao
contemplar a injustiça é má pelo segundo motivo. De acordo com o
princípio da adição, se faltam ambas as condições, então é pior
358
ainda.

A partir da argumentação de Brentano, podemos descrever a


seguinte escala de preferência:

1) No nível mais alto estaria a preferência baseada em um ato


psíquico justo e de amor (ou seja, um amor justo valorado como

357
Também especificaremos, no próximo ponto, que atribuição injusta de ódio à representação do
existente explicita a valoração do puro mau e, no segundo caso, a injusta atribuição de ódio à
representação do não existente explicita a valoração do mau impuro (mesclado com o bem).
358
„Damit ein Akt der Gemütstätigkeit in sich selbst rein gut zu nennen sei, dazu gehört: 1. daß er richtig
sei, 2. daß er ein Akt des Gefallens, nicht ein Akt des Mißfallens sei. Fehlt ihm das eine oder andere,
so ist er bereits in gewisser Beziehung in sich selbst schlecht; die Schadenfreude ist schlecht aus dem
ersten, der Schmerz beim Anblick der Ungerechtigkeit aus dem zweiten Grunde. Fehlt ihm beides, so
ist er noch schlechter, entsprechend dem Prinzip der Summierung, von welchem später im Vortrage
die Rede sein wird“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 81.

203
bem). Esse seria o fenômeno psíquico que originaria o conceito
de melhor, uma vez que consistiria no bem em si.

2) No segundo nível estaria a preferência baseada em um ato


psíquico justo e de ódio (ou seja, um ódio justo valorado como
bem).

3) No terceiro nível estaria a preferência baseada em um ato


psíquico injusto de amor (ou seja, um amor injusto valorado como
mal).

4) Finalmente, no último nível estaria a preferência baseada em um


ato psíquico injusto de ódio (ou seja, o ódio injusto valorado
como mal).

Brentano reconheceu, ainda, que sua proposta estava estruturada a


partir do princípio da adição. Assim, disse ele, “[...] segundo tal princípio, no
caso em que a atividade sentimental é boa, a bondade do ato cresce com sua
intensidade. Enquanto que, analogamente, a maldade do ato aumenta com sua
intensidade, nos casos em que o ato é puramente mau ou, ao menos, participa
do mal em alguma relação”359. O mesmo princípio regeria, também, os casos
em que a valoração do mau ou do bem estariam misturadas com a justeza ou
injusteza do ato psíquico. Desse modo, concluiu Brentano, “[...] no caso da
mescla, como é manifesto, a bondade e a maldade aumentam e diminuem
proporcionalmente. Assim, o excesso em uma ou outra parte deveria ser cada
vez maior, na medida em que a intensidade dos atos aumenta, e menor,
quando diminui”.360

Orientada pelo princípio da adição e analisada à luz dos


pressupostos da Psicologia descritiva, norteadores do critério de preferência do

359
„Demselben Prinzip entsprechend wächst in dem Falle, wo die Gemütstätigkeit gut ist, die Güte des
Aktes mit seiner Steigerung, während in analoger Weise in den Fällen, in welchen der Akt rein
schlecht ist oder wenigstens in irgendwelcher Beziehung an dem Schlechten teil hat, die
Schlechtigkeit des Aktes mit seiner Intensität zunimmt“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher
Erkenntnis, p. 81.
360
„Im Falle der Mischung wachsen und schwinden, offenbar einander einfach proportional, Güte und
Schlechtigkeit. Das auf der einen oder anderen Seite sich findende Plus muß so beim Wachsen der
Intensität des Aktes immer größer, bei ihrer Abnahme immer kleiner werden.“. Brentano, Franz. Vom
Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 81.

204
melhor, a seguinte consideração brentaniana sobre a clareza do ato psíquico
de preferir tornava-se coerente:

É claro que aqui se dá, antes de tudo, (1) o preferir algo bom e
conhecido como bom a algo mau e conhecido como mau. Dá-se
também (2) o caso de preferir a existência de algo conhecido como
bom a sua não existência, ou a não existência de algo conhecido
361
como mau a sua existência.

Mesmo que afirmasse a clareza do critério da preferência e o


estabelecesse como ponto fundamental para a instituição de uma teoria do
conhecimento moral, Brentano reconheceu que “[...] este caso compreende
dentro de si uma série de casos importantes. Por exemplo, o caso de preferir
algo puramente bom a esse bem mesclado com mau, ou o contrário, preferir
algo mau mesclado com o bem a esse mesmo mau puramente” 362. Ocorre, no
entanto, que a análise dessas implicações extrapola os propósitos desta tese e
podem ser trabalhadas em outro projeto de pesquisa.

Podemos, finalmente, avançar para as considerações finais deste


trabalho, pois a exposição que fizemos acerca da descrição do fenômeno
psíquico de preferência constituiu os argumentos que sustentaram a hipótese
de nossa tese: a teoria brentaniana do conhecimento moral consistiu em uma
descrição da atividade psíquica capaz de fundamentar “[...] o fato de que
juntamente com a experiência da atividade sentimental estava unido
concomitantemente o conhecimento da bondade do objeto”363.

361
„Hierher gehört offenbar vor allem (1.) der Fall, wo wir etwas Gutes und als gut Erkanntes etwas
Schlechtem und als schlecht Erkanntem vorziehen. Dann aber (2.) ebenso der Fall, wo wir die
Existenz eines als gut Erkannten seiner Nichtexistenz vorziehen oder die Nichtexistenz eines als
schlecht Erkannten seiner Existenz vorziehen“. Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis,
p. 25.
362
„Dieser Fall begreift eine Reihe von wichtigen Fällen unter sich; so den Fall, wo wir ein Gutes rein für
sich dem gleichen Guten mit Beimischung von Schlechtem, dagegen ein Schlechtes mit Beimischung
von Gutem diesem selben Schlechten rein für sich vorziehen“. Brentano, Franz. Vom Ursprung
Sittlicher Erkenntnis, p. 25.
363
„Daß mit der Erfahrung der als richtig charakterisierten Gemütstätigkeit auch die Erkenntnis der Güte
des Objekts immer zugleich gegeben ist“ Brentano, Franz. Vom Ursprung Sittlicher Erkenntnis, p. 79,
nota 28.

205
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises desenvolvidas nesta tese ocuparam-se prioritariamente


da oposição entre os trabalhos brentanianos produzidos por volta de 1874 e os
trabalhos produzidos por volta de 1889. No que se refere ao desenvolvimento
da filosofia brentaniana do psíquico, este critério adotado como estratégia de
análise permitiu sustentar uma tese pontual acerca da fundação da ética como
uma teoria de conhecimento moral. Nessa perspectiva, ainda que resulte
apenas na formalização de um projeto acadêmico de pesquisa, ainda que não
existam parâmetros para comparar a pesquisa realizada nesta tese com os
clássicos trabalhos de Chisholm e McAlister, em um aspecto específico esta
tese tem a singela virtude de ser mais precisa e cuidadosa que esses dois
famosos estudos sobre a ética brentaniana. A precisão da análise que
ressaltamos como virtude da nossa tese decorre de três elementos distintos,
mas que estão inter-relacionados: (a) a preocupação em ser pontual; (b) o
princípio da concessão ao autor; (c) o vínculo a uma tradição específica de
intérpretes das obras brentanianas.

O compromisso de restringir o âmbito da investigação a um


determinado contexto de época permitiu que a sua formulação seguisse as
orientações do próprio Brentano. A primeira orientação brentaniana definiu a
época da formulação da teoria do conhecimento moral. Além disso, a
autoproclamação brentaniana do ano de 1889, como ano da descoberta do
conhecimento acerca da moral, estava corroborada por Moore, um dos
fundadores da metaética. A relevância desse critério de análise estabeleceu-se
por oposição, quando comparamos nosso trabalho com os estudos clássicos,
ou de grande envergadura, acerca da ética brentaniana. Tal como foi apontado
recentemente por Liliana Albertazzi364, fundadora da linha de pesquisa história
do brentanismo, há uma carência de trabalhos específicos sobre o período

364
“Brentano‟s ethical theory, however, did not receive the clarification and the thorough elaboration of
its principles that it deserved. The same consideration applies to his writings on aesthetics, which
Mayer-Hillebrand collected and published in 1959 as Grundzüge der Ästhetik (Fundamentals of
Aestetics)”. Albertazzi, Liliana. Immanent realism: an introduction to Brentano, p. 300-301.

206
definido pelo próprio autor como a época de formulação da teoria
conhecimento moral. A “antiga” tese doutoral de Linda McAlister (The
development of Franz Brentano‟s ethics, 1982.), a “recente” tese doutoral de
Sergio Granados (La ética de Franz Brentano, 1996.) ou a clássica
interpretação de Chisholm (Brentano and intrinsic value, 1986.), todos esses
trabalhos estão ocupados com a interpretação do resultado final da ética
brentaniana. Em outras palavras, trata-se de estudos de grande envergadura
ocupados em analisar o resultado final do desenvolvimento da filosofia do
psíquico, filosofia apresentada por Brentano como uma ética ou teoria do
conhecimento moral.

Orientados pelo critério da delimitação temporal, assumimos como


base da nossa tese as afirmações onde o próprio Brentano declarou ter
apresentado o fundamento para a teoria do conhecimento moral. Assim,
contrariando uma vertente de comentadores, seguimos a orientação de
Brentano e localizamos os conceitos revisados em sua primeira teoria. Essa
orientação permitiu explicitar textualmente que os compromissos éticos da obra
Psicologia do ponto de vista empírico consistiam em elaborar uma teoria do
sentimento moral. A realização dessa etapa justificou, ainda que de modo
negativo, a tese brentaniana que assumimos. Em outras palavras, ao
elucidarmos a teoria do sentimento moral delineada na Psicologia do ponto de
vista empírico, explicitamos com as palavras do próprio Brentano que sua
filosofia do psíquico não aceitava a proposta de uma teoria do conhecimento
moral em 1874. Além disso, pudemos reconhecer como plausível o fato de que
o rompimento do seu silêncio, tal como foi lembrado pelo próprio Brentano em
1889 na sociedade jurídica de Viena, anunciou que a nova filosofia do psíquico
seria chamada de Psicologia descritiva. Tornou-se coerente, também, o fato de
Brentano ter começado sua apresentação pelos resultados, pois a lógica, a
estética e a ética eram ramos, ou consequências, da sua nova filosofia do
psíquico. Em certo sentido, portanto, nós fizemos uso da Navalha de Occam,
ao mostrarmos que os fundamentos da teoria do conhecimento moral estavam
na vindoura Psicologia descritiva, tal como o próprio Brentano afirmou.

Ao seguirmos a tradição de comentadores indicada por Moore e


estabelecida por Chisholm, foi possível distinguir o duplo modo de interpretar

207
os pares de conceitos que formaram a espinha dorsal da nossa tese: (a) objeto
intencional e relação intencional; (b) verdade como correspondência e verdade
como evidência. Além disso, Chisholm ofereceu-nos as ferramentas para
lidarmos temporalmente com esses pares de conceito, pois ele concebeu a
passagem da Psicologia do ponto de vista empírico para a Psicologia descritiva
como um desenvolvimento da filosofia brentaniana do psíquico. Certamente, a
linha de interpretação adotada por Chisholm e sua escola se consolidou com a
publicação do trabalho The Cambridge Companion to Brentano (2004). Mesmo
assim, no entanto, interpretações como a de Sanches Granados insistem em
interpretar o período das conferências de 1889 como uma época de indecisão
entre a filosofia brentaniana do psíquico de 1874 e o reísmo. Indiretamente,
mas contra as teses como a de Granados, nós explicitamos textualmente que a
solução para o problema da apreensão da justeza do sentimento foi
apresentada em 1889, pois suas raízes não se encontravam na teoria ética ou
na teoria do conhecimento, e sim na psicologia brentaniana concebida como
uma filosofia do psíquico. Explicitamos, portanto, como a teoria brentaniana
acerca da origem do conhecimento moral, inspirada na futura Psicologia
descritiva, rompeu com os pressupostos da Psicologia do ponto de vista
empírico norteadores da teoria do sentimento moral.

208
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