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ENTREVISTA

O imaginário é
uma realidade A PALAVRA IMAGINÁRIO virou moda. Ain da
mais: entrou na linguagem cotidiana. Todo
RESUMO mundo a utiliza. Mas poucos têm uma
Nesta entrevista Michel Maffesoli, pensador francês do idéia clara do que significa imaginário
cotidiano e do presente, herdeiro intelectual de Gilbert Durand, no campo das ciências humanas. Michel
faz uma cartografia da noção de imaginário, definido como a Maf-fesoli, sociólogo francês, professor
relação entre as intimações objetivas e a subjetividade. na Universidade René Descartes, Paris V,
Sorbonne, e diretor do Centro de Estudos
ABSTRACT do Atual e do Quotidiano (CEAQ), é um
In this interview, Michel Maffesoli, French thinker of the dos prin ci pais especialistas mundiais
contemporary and of the daily life, as well as intelectual heir to desse as sun to. Au tor de vários livros
Gilbert Durand, presents his cartographic view of the notion of sobre a sociologia do presente, entre os
the imaginary, defining it as the relationship between objective quais A Violência totalitária, A Conquista
intimations and subjectivity. do presente, A Transfiguração do político:
a tribalização do mundo, A Contemplação
PALAVRAS-CHAVE/KEY-WORDS do mundo e O Instante eterno, Maf-fesoli
- Imaginário (Imaginary) recuperou a tradição de Gaston Bachelard
- Tecnologias do imaginário (Technologies of the imaginary) e de Gilbert Durand quanto à importância
- Sociologia do presente (Sociology of the contemporary) do imaginário na construção da realidade.
Nesta entrevista, concedida em Paris,
na sua biblioteca, à sombra dos livros dos
grandes mestres, Michel Maffesoli enfrenta
todas as questões delicadas e trata de
apresentar semelhanças e diferenças entre
imaginário e cultura, imaginário e ideologia,
imaginário e apropriação individual de um
patrimônio social. Além disso, Maffesoli
ocu pa-se de fazer uma cartografia do
termo imaginário, distinguindo a linhagem
Bachelard/Durand da variante lacaniana
des sa categoria. Uma entrevista para
quem sempre quis entender o que significa,
realmente, imaginário.

Revista Famecos – O que é o imaginário?

Michel Maffesoli – Parece-me uma noção


que deve muito à maneira francesa de
pen sar. Quero dizer que, tratando de
ima gi ná rio em outros países, mesmo
europeus, sem pre observei que havia
certa am bi güi da de. Em geral, opõe-se
o imaginário ao real, ao verdadeiro. O
imaginário seria uma ficção, algo sem
consistência ou realidade, algo diferente
da realidade econômica, política ou social,

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que seria, digamos, palpável, tan gí vel. an tro po ló gi co dessa palavra, contém
Essa noção de imaginário vem de longe, uma parte de imaginário. Mas ela não se
de séculos atrás. A velha tradição é a reduz ao imaginário. É mais ampla. Da
romântica, em luta contra a fi lo so fia e mesma forma, agora pensando em termos
o pensamento então hegemônicos na filosóficos, o imaginário não se reduz à
França. Tratava-se de demonstrar como cultura. Tem certa autonomia. Mas, claro,
as construções dos espíritos podiam ter no imaginário entram partes de cultura.
um tipo de realidade na construção da A cultura é um conjunto de elementos e
realidade individual. Durante muitos séculos de fenômenos passíveis de descrição.
tudo isso foi abandonado em função da O imaginário tem, além disso, algo de
dominação da filosofia racionalista. imponderável. É o estado de espírito que
Nos 1930s e 1940s, aparece a obra caracteriza um povo. Não se trata de algo
de Gaston Bachelard, que se divide em simplesmente racional, sociológico ou
duas partes: a do Bachelard conhecido e psicológico, pois carrega também algo de
reconhecido, o intelectual voltado para a imponderável, um certo mistério da criação
epistemologia; e, num segundo momento, ou da transfiguração.
o Bachelard da “psicanálise do fogo”, dos A cultura pode ser identificada de
sonhos, das fantasias, das construções forma precisa, seja por meio das grandes
do espírito. Ele mesmo considerava esta obras da cultura, no sentido restrito do
segunda parte como em ruptura com a termo, teatro, literatura, música, ou, no
primeira. Na verdade, Bachelard pegou sentido amplo, antropológico, os fatos da
o bastão dos ro mân ti cos e repôs na vida cotidiano, as formas de organização
cena intelectual pro ce di men tos que se de uma sociedade, os costumes, as
encontravam esquecidos. Assim, mostrou maneiras de vestir-se, de produzir, etc.
que as construções mentais podiam ser O imaginário permanece uma dimensão
eficazes em relação ao concreto. ambiental, uma matriz, uma atmosfera,
Na esteira de Bachelard, surge Gilbert aquilo que Walter Benjamin chama de aura.
Durand. Bachelard teve dois discípulos O imaginário é uma força social de ordem
diretos: François Dagonnier e Durand. Cada espiritual, uma construção mental, que se
um explorou um caminho. Gilbert Durand mantém ambígua, perceptível, mas não
trabalhou na confluência da tradição quantificável.
literária romântica e da antropologia, tendo Na aura de obra — estátua, pintura
es cri to uma obra-prima: As Estruturas –, há a materialidade da obra (a cultura)
an tro po ló gi cas do imaginário. A sua e, em algumas obras, algo que as envolve,
reflexão recuperou o que tinha sido deixado a aura. Não vemos a aura, mas podemos
de lado pela modernidade e indicou como o senti-la. O imaginário, para mim, é essa
real é acionado pela eficácia do imaginário, aura, é da ordem da aura: uma atmosfera.
das construções do espírito. Algo que envolve e ultrapassa a obra. Esta
é a idéia fundamental de Durand: nada se
RF – O senhor não trabalha com conceitos. pode compreender da cultura caso não
Mas, ao menos, alguma definições são se aceite que existe uma espécie de “algo
possíveis. O imaginário parece, às vezes, a mais”, uma ultrapassagem, uma superação
fonte que banha a existência individual ou da cultura. Esse algo mais é o que se tenta
social, ou o líquido onde estão mergulhados captar por meio da noção de imaginário.
os indivíduos ou grupos sociais e que lhes
serviria de alimento. Qual a diferença entre RF – A palavra imaginário está na moda.
imaginário e cultura? Pode-se ouvir, a cada instante, alguém
falar do “meu imaginário” ou do imaginário
Maffesoli – A cultura, no sentido de certo grupo. O imaginário é uma

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apropriação individual da cultura? a todo tipo de imagens: cinematográficas,
pictóricas, esculturais, tecnológicas e por
Maffesoli – Para mim, sem tentar precisar aí afora. Há um imaginário parisiense que
a posição de Gilbert Durand, só existe gera uma forma particular de pensar a
imaginário coletivo. Por isso, falei na idéia arquitetura, os jardins públicos, a decoração
de aura, de Walter Benjamin. O imaginário das casas, a arrumação dos restaurantes,
é algo que ultrapassa o indivíduo, que etc. O imaginário de Paris faz Paris ser o
impregna o coletivo ou, ao menos, parte que é. Isso é uma construção histórica,
do coletivo. O imaginário pós-moderno, mas também o resultado de uma atmosfera
por exemplo, reflete o que chamo de e, por isso mesmo, uma aura que continua
tribalismo. Sei que a crítica moderna vê na a produzir novas imagens.
atualidade a expressão mais acabada do
individualismo. RF – O imaginário não pode ser
Mas não é esta a minha posição. considerado como a ideologia, inconsciente,
Pode-se falar em “meu” ou “teu” imaginário, de um grupo social?
mas, quando se examina a situação
de quem fala assim, vê-se que o “seu” Maffesoli – O termo ideologia não me
imaginário corresponde ao imaginário de as sus ta, embora me pareça um tanto
um grupo no qual se encontra inserido. datado. Quando se tem uma sensibilidade
O imaginário é o estado de espírito política aguçada, ao menos era assim
de um grupo, de um país, de um Estado- durante a minha juventude, ideologia é
na ção, de uma comunidade, etc. O sempre a postura do outro, do adversário.
imaginário estabelece vínculo. É cimento Mas se retomamos o que era ideologia para
social. Logo, se o imaginário liga, une numa Destutt de Tracy, ainda no início do século
mesma atmosfera, não pode ser individual. XIX, trata-se de um conjunto orgânico de
idéias. Nesse sentido, Destutt de Tracy
RF – Também nesse caso não se pode foi um pioneiro. Existem muitos conceitos
reduzir o imaginário à cultura de um grupo? de ideologia. Pode ser, por exemplo, o
que está por trás de um discurso político
Maffesoli – Insisto que há proximidade explícito. Enfim, ide o lo gia, conforme
entre cultura e imaginário. Nesse sentido, pensava Destutt de Tracy, não está longe
pode-se dizer que o imaginário é a cultura da idéia de imaginário.
de um grupo. Contudo, se voltamos ao que A ideologia, contudo, guarda
foi dito, veremos que o imaginário é, ao sempre um viés bastante racional. Não
mesmo tempo, mais do que essa cultura: é há quase lugar para o não-racional no
a aura que a ultrapassa e alimenta. olhar ideológico. No fundo do ideológico
há sempre uma in ter pre ta ção, uma
RF – Quando se fala em imaginário, pensa- explicação, uma elucidação, uma tentativa
se, de imediato, em imagem. O imaginário de argumentação capaz de explicitar. Há
é um conjunto de imagens, armazenadas algo, racional, que derivará da aplicação
pelos indivíduos e grupos, capaz de da noção de ideologia. A ideologia é uma
fomentar a ação ou há algo mais, outra premissa que deve levar, necessariamente,
ordem de elementos em sua constituição? a um des ven da men to. A ideologia,
portanto, é sempre pensada, passível de
Maffesoli – Não é a imagem que produz o racionalização.
imaginário, mas o contrário. A existência Já o imaginário, mesmo que seja difícil
de um imaginário determina a existência defini-lo, apresenta, claro, um elemento
de conjuntos de imagens. A imagem não racional, ou razoável, mas também outros
é o suporte, mas o resultado. Refiro-me parâmetros, como o onírico, o lúdico, a

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fantasia, o imaginativo, o afetivo, o não- imaginário seria uma espécie de retorno a
racional, o irracional, os sonhos, enfim, uma ideologia romântica, ou mística, com
as construções mentais potencializadoras forte apego ao telúrico. Essa observação
das chamadas práticas. De algum modo, parece-lhe aceitável?
o homem age porque sonha agir. O que
chamo de “emocional” e de “afetual” são Maffesoli – Não me incomoda que a noção
dimensões orgânicas do agir a partir do de imaginário seja vista assim. Afinal de
espírito. Evi den te men te que a prática contas, não é desabonador nem infamante
condiciona as construções do espírito, mas ser romântico. Por que não? Resta,
estas também influenciam as práticas. quem sabe, questionar a idéia de retorno.
O imaginário é também a aura de Nela, há uma acepção de reversão, de
uma ideologia, pois, além do racional que regressão, de engano. Penso que certos
a compõe, envolve uma sensibilidade, elementos colocados de lado pela razão
o sentimento, o afetivo. Em geral, quem retornam, não no sentido do idêntico ou da
ade re a uma ideologia imagina fazê-lo regressão, mas da ocupação de um novo
por razões necessárias e suficientes, não lugar de destaque. Em outras palavras,
percebendo o quanto entra na sua adesão nunca desapareceram. Estavam apenas
outro componente, que chamarei de não- em posição secundária. Ou latente.
racional: o desejo de estar junto, o lúdico, Há sempre algo de romântico no
o afetivo, o laço social, etc. O imaginário é, político, na defesa das utopias, no sonho
ao mesmo tempo, impalpável e real. de uma sociedade perfeita, na esperança
Quando faço uma palestra me de um mundo redimido de suas falhas,
acontece, às vezes, de perceber algo que na pers pec ti va de uma sociedade
ul tra pas sa o que estou dizendo. Numa perfeitamente igualitária, etc. Creio que
conferência, há sempre uma construção, há, de fato, reaparecimento de uma
algo que é ar gu men ta do. Mas, muitas sensibilidade romântica. Na ecologia, por
vezes, na relação com o público, surge exemplo, com a revalorização da natureza.
uma forma de intensidade, de partilha, de No desejo de in te ra ção, colocando o
sintonia, de vibração. Há, nisso, alguma holismo acima das perspectivas binárias
coisa que encontra eco não somente ou do individualismo. Na convicção de que
na razão, mas também nos sentimentos o homem deve negociar com a natureza,
dos ouvintes. O imaginário, certamente, não dominá-la. Aquilo que o romantismo
funciona pela interação. Por isso, a palavra centrava na literatura, na poesia, torna-
interatividade faz tanto sentido na ordem se, agora, mais abrangente, englobando o
imaginária. Há processos in te ra ci o nais cotidiano. Trazer a poesia para a vida, eis a
que criam aura. No caso, meu discurso é síntese desse novo romantismo.
ultrapassado por uma vibração que supera
o argumento e instaura uma sensibilidade RF – Existem certos esquemas do tipo:
comum. imaginário = romantismo = pensamento
Há sempre uma parte de razão, despolitizado = ideologia de direita. Do
de ideologia, de conteúdo, no processo ou tro lado: racionalidade = ideologia =
des cri to, mas também uma alquimia pensamento de esquerda. Isso funciona?
um tanto mis te ri o sa que detona, em
certas situações, uma interação. Esse Maffesoli – Conheço esses esquemas. São
momento de vibração comum, essa equações de ataque. Eu não tenho nada a
sensação partilhada, eis o que constitui um defender. Os defensores de tais esquemas
imaginário. continuam a pensar de acordo com uma
di nâ mi ca binária, dicotômica. De toda
RF – Para certos críticos dessa noção, o maneira, há uma esquerda e uma direita

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que se baseiam, modernas que são, nesse
tipo de oposição. Temo que essas pessoas Maffesoli – Não há paradoxo. Trata-se do
tenham sido ultrapassadas pelo concreto, reconhecimento do aspecto impalpável
pelo vivido. des sa aura que é o imaginário. Este
Como muitas dessas pessoas, entre encarna uma complexidade transversal.
as quais figuram os intelectuais modernos, Atravessa todos os domínios da vida
têm o poder de escrever, logo de ditar a e concilia o que aparentemente é
realidade, esses esquemas permanecem, inconciliável. Mesmo os campos mais
falando de um real que talvez não exista racionais, como as esferas po lí ti ca,
mais, a não ser em suas imaginações. Dito ideológica e econômica, são recortados por
de outra forma, tudo isso corresponde ao imaginários. O imaginário tudo contamina.
imaginário de tais grupos ou comunidades Mostrei em meu livro A Transfiguração do
intelectuais, ao imaginário moderno. Prefiro político como a passagem da convicção à
estar em sintonia com outros universos, sedução implica a metamorfose da política.
que existem fora da escrita politicamente Para além da argumentação,
correta da intelectualidade moderna. persuasiva, impõe-se a sedução, ou seja,
Mesmo uma parte da comunidade a emoção. Em política, cada vez mais a
intelectual dominante começa a perceber persuasão, caso se aceite este oxímoro,
que algo mudou. Então, aquilo que era funciona pela sedução. Convence-se pela
desprezado ressurge, apropriado por quem emoção. O ima gi ná rio político trabalha
o condenava, sem, claro, que muitos dos a argumentação através de um arsenal
pioneiros na percepção desses fenômenos de mecanismos emo ci o nais, como os
sejam citados. Não há do que se queixar. símbolos de um partido, as datas que
Isso faz parte dos procedimentos normais devem ser comemoradas, os heróis e mitos
no mundo intelectual. O modelo moderno que devem ser lembrados, os ritos que
era belo, coerente e eficaz. Mas, por precisam ser atualizados. O marketing, em
per ma ne cer congelado, não consegue política, resume o cruzamento da razão —
mais compreender a realidade. O modelo o planejamento publicitário racional — com
moderno quis reduzir a realidade aos a valorização do emocional. De resto, toda
seus parâmetros, e não se adaptar às a publicidade funciona assim.
transformações do real. O imaginário Mesmo os mais resistentes, os
não é de direita nem de esquerda, pois modernos, são obrigados, com freqüência,
está aquém ou além dessa perspectiva a reconhecer a força do imaginário nos
moderna. campos considerados racionais por
Edgar Morin, que continua a participar excelência. Na pós-modernidade, acontece
do debate político, mas sempre soube ir o re co nhe ci men to dessas dimensões
além dele, compreendeu muito cedo, desde alijadas da esfera do conhecimento.
os anos 50 e principalmente nos anos 70,
os processos de interação próprios da RF – Imaginário é um termo, ou conceito,
lógica imaginal. Morin foi um dos primeiros utilizado por pensadores de origens e
a ver, epistemologicamente, a ruína de re fe ren ci ais muito diferentes. Qual a
alguns dos fundamentos da separação ver da dei ra diferença entre a noção de
entre esquerda e direita. Compreendeu o imaginário de Bachelard e Gilbert Durand e
que havia de não-racional na adesão a uma a de Jacques Lacan?
ideologia dita racional.
Maffesoli – Não é fácil precisar essa
RF – Falar de imaginário político é, diferença, pois até hoje tenho dificuldade
portanto, uma redundância. Ou haveria um para compreender Lacan. Ou, melhor, as
paradoxo escondido nessa expressão? grandes dicotomias que estabeleceu, do

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tipo ima gi ná rio e simbólico. Para mim, de conhecimento que só valem enquanto
são ca te go ri as que tentam conceituar pos su em a complexidade da vida. Em
em excesso. Nos anos 30, Lacan não foi Durand, não existe verdadeira diferença
estagiar em Viena, mas em Zurique. Aí é entre sim bó li co e imaginário. Uma
que tudo se torna muito interessante. Em coisa contamina a outra. Tanto que sua
vez de ir ao encontro de Freud, buscou investigação se dá sobre a imaginação
Jung. Na França, de algum modo, tentou- simbólica.
se esconder essa trajetória, fazendo-se de Durand nunca apresentou conceitos
Lacan um herdeiro direto de Freud. precisos de imaginário e de simbólico,
Ora, no meu entender, Lacan foi pois sempre viu os dois imbricados. Lacan,
contaminado pelo pensamento de Jung. em contrapartida, apresenta categorias
Isso não é pouca coisa. Jung representa es tan ques, na boa e velha tradição
uma abertura, em certos temas, estranha cartesiana. Na linhagem de Bachelard,
ao freu dis mo. Mas, ao mesmo tempo, cabe lembrar, não existem definições
Lacan con se guiu manter-se na boa e rigorosas, mas aproximações. Bachelard e
verdadeira tradição freudiana. Ou seja, uma Durand aliam imaginário ao vivido. Lacan,
tradição que racionaliza o inconsciente. A ao pensado. No fundo, Lacan nunca deixou
minha tese é a seguinte: Lacan racionalizou de ser, apesar do seu lado provocador, um
a noção de imaginário que havia aprendido racionalista.
com Jung. A se pa ra ção em categorias
que fez é o resultado dessa necessidade RF – Outros pensadores ocuparam-se
racionalista de disjunção. da noção de imaginário, entre os quais
Contaminado pelo pensamento de Cornelius Castoriadis. Outra contribuição,
Jung, Lacan o traduziu em termos que lhe outra leitura?
eram próprios, os do freudismo. Racionaliza
Jung e, em conseqüência, a idéia de Maffesoli – A obra de Castoriadis a esse
ima gi ná rio; Lacan teve uma intuição, a respeito não me agrada muito. Castoriadis
da força do imaginário, que se perdeu na sempre foi um intelectual preocupado
medida em que sua tradição intelectual o com a política. Por influência marxista,
obrigou a racionalizá-la. A racionalização, acreditou, primeiro, na separação, pautada
não esqueçamos, significa tornar rígido. Os pelo primado da economia, entre infra e
lacanianos usarão a tripartição imaginário, super-estrutura. Depois, tardiamente, teve
simbólico, real já sem nenhuma referência uma espécie de revelação e inverteu essa
ou relação com a influência que Lacan relação. Com a Instituição imaginária da
sofreu de Jung. Em outras palavras, a sociedade, no fim da sua vida, descobre a
rigidez acentuou-se. Tirou-se do imaginário autonomia do que antes considerava como
a sua essência. uma mera superestrutura.
Após essa revelação, ele desenvolveu,
RF – O imaginário segundo Durand e de maneira interessante, uma reflexão
Bachelard estaria mais próximo da noção sobre a força do imaginário. Ao mesmo
de simbólico em Lacan? tempo, um pouco como Lacan, também
por determinação da sua formação, acabou
Maffesoli – Sim. De certa maneira. Mas por in ves tir numa concepção rígida de
sabendo-se que na obra de Durand existem ima gi ná rio. A tentação do conceito, do
deslizamentos do simbólico ao imaginário. rigor cartesiano, levou vários intelectuais a
Em Durand todos as noções são flexíveis. noções rígidas de imaginário, quando a sua
Há um vaivém entre categorias. Em Lacan, força consiste no oposto, na maleabilidade,
ao contrário, cada coisa tem o seu lugar, numa certa imprecisão. Atribuiu, então, ao
o que rigidifica e desgasta instrumentos imaginário o papel que atribuía antes à

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infra-estrutura. que o imaginário coletivo repercute no
O imaginário, certamente, atua nos indivíduo de maneira particular. Cada
pro ces sos revolucionários, mas não se sujeito está apto a ler o imaginário com
pode dizer que essa seja a sua prioridade, certa au to no mia. Porém, quando se
pois o imaginário opera em qualquer examina o problema com atenção, repito,
situação, contra ou a favor das revoluções. vê-se que o imaginário de um indivíduo
Há imaginário também na contra-revolução. é muito pouco individual, mas sobretudo
Fa zer do imaginário uma instância grupal, comunitário, tribal, partilhado.
necessariamente revolucionária significa Na maior parte do tempo, o imaginário
dar-lhe um estatuto que, por mais nobre, dito individual reflete, no plano sexual,
o limita. Há, mais uma vez, rigidez nessa musical, artístico, esportivo, o imaginário de
apropriação. Desaparece, justamente, a um grupo. O imaginário é determinado pela
autonomia do imaginário. idéia de fazer parte de algo. Partilha-se
O imaginário, caso se queira de fato uma filosofia de vida, uma linguagem, uma
uma definição, presente em As Estruturas atmosfera, uma idéia de mundo, uma visão
antropológicas do imaginário, de Gilbert das coisas, na encruzilhada do racional e
Durand, é a relação entre as intimações do não-racional.
objetivas e a subjetividade. As intimações
objetivas são os limites que as sociedades RF – Como o senhor analisa a idéia da
impõem a cada ser. Relação, portanto, existência de tecnologias do imaginário,
entre as coerções sociais e a subjetividade. como o cinema, a televisão, a literatura.
Nisso entra, ao mesmo tempo, algo sólido, Em outras palavras, o senhor acredita em
a vida com suas diversas modulações, e instrumentos ou tecnologias de criação de
alguma coisa que ultrapassa essa solidez. imaginários?
Há sempre um vaivém entre as intimações
Maffesoli – Claro. Vejo uma valorização
ob je ti vas e a sub je ti vi da de. Uma abre
brechas na outra. da técnica na existência. O imaginário é
Para Castoriadis, no entanto, o alimentado por tecnologias. A técnica é
imaginário tem uma função determinada. um fator de estimulação imaginal. Não
Não por acaso, refere-se à instituição é por acaso que o termo imaginário
imaginária da sociedade. O termo encontra tanta repercussão neste momento
instituição tem um valor de estabilidade. histórico de intenso desenvolvimento
Ora, o imaginário, para bem ou mal, não tecnológico, ainda mais nas tecnologias de
é apenas um fator de cons tru ção ou comunicação, pois o imaginário, enquanto
de fixação de algo. O imaginário é uma comunhão, é sempre comunicação. Internet
sensibilidade, não uma instituição. é uma tecnologia da interatividade que
alimenta e é alimentada por imaginários.
RF – Mesmo que o imaginário seja Existe um aspecto racional, utilitário,
sempre social, o indivíduo participa dessa de Internet, mas isso representa apenas
apropriação imaginal. Em que medida um uma parte desse fenômeno. O mais
ser que diz “meu imaginário” pode recortar importante é a relação, a circulação de
do seu modo o imaginário de um grupo? signos, as relações estabelecidas. Da
mesma forma, a televisão e a publicidade
Maffesoli – Tenho tendência a desvalorizar articulam o emocional e a técnica. Tem
o papel do indivíduo. Mas claro que lógica nisso, pois a lógica da imagem é
o in di ví duo existe. O individualismo é sempre técnica. Na base, só há imagem
uma con cep ção moderna. Todo o meu pela técnica. Uma escultura é um objeto
trabalho tenta mostrar que, de fato, não há técnico. Um totem é o re sul ta do da
predominância do individualismo. Evidente utilização de materiais se gun do uma

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técnica de construção. A técnica é o valorização da forma. Atualmente, a forma
artefato. recebe a poderosa ajuda da tecnologia
A luta religiosa contra a imagem para multiplicar-se.
sempre foi a guerra contra o artefato, contra
o que se considera artificial. Só Deus seria RF – O cinema de Hollywood pode ser
criador. O artificial, portanto, contrariaria vis to como uma eficaz tecnologia do
o poder criador divino. A imagem sempre imaginário. Quantos homens tiveram a sua
in co mo dou por ser artefato, criação idéia do amor ou da mulher ideal forjada,
humana, representação artificial gerada para bem ou mal, por esse universo de
pelo ho mem. A fonte da imagem é imagens. A crítica racionalista chama isso
tecnológica. Quan do há exacerbação de manipulação ou de homogeneização.
tecnológica, há profusão de imagens. Logo, Como o senhor vê a influência dessas
de artefatos. tecnologias na for ma ção do imaginário
Na França, atualmente, os principais social contemporâneo?
críticos da Internet, como Dominique
Maffesoli – A idéia de manipulação
Wolton e Philippe Bréton, são racionalistas,
de esquerda, etc. Nada surpreendente. pertence ao esquema clássico, fortalecido
Eles têm medo porque a Internet multiplicapelo marxismo, que considera o indivíduo
imagens, produz algo que não é racional. indefeso diante da imagem. Isso vale para
A crítica consiste nisso: Internet não é o cinema de Hollywood, mas também para
a televisão e a publicidade. Nesse modelo,
racional e baseia-se na partilha de imagens.
Trata-se da oposição típica moderna ao o fundamental seria passar um conteúdo.
que não pode ser dominado pelo cérebro, Trata-se do primado da ideologia. A forma
pela razão. A crítica à Internet vem de umseria apenas um suporte. Edgar Morin, ao
pensamento politicamente correto que teme contrário, em livros como O Cinema e o
pensar com as tripas. homem imaginário e As Estrelas, mostrou
que existe uma reversibilidade, um vaivém.
RF – O mesmo vale para Paul Virilio? Não apenas a imposição de algo que vem
de cima, um impacto, mas uma relação.
Maffesoli – Sim. Virilio é a mesma coisa. O criador, mesmo na publicidade,
Um pensamento judaico-cristão marcado só é criador na medida em que consegue
pela idéia de redenção. captar o que circula na sociedade. Ele
precisa corresponder a uma atmosfera.
RF – Baudrillard também? O criador dá forma ao que existe nos
espíritos, ao que está aí, ao que existe de
Maffesoli – Também. Embora Baudrillard maneira informal ou disforme. A publicidade
tenha a grande qualidade de um texto e o cinema lidam, por exemplo, com
su pe ri or e de uma reflexão muito arquétipos. Isso significa que o criador deve
mais so fis ti ca da. Mas quando fala do estar em sintonia com o vivido. O arquétipo
bombardeio de imagens, incide no só existe porque se enraíza na existência
mesmo medo do não-racional. Para os social. As sim, uma visão esquemática,
intelectuais modernos, na comunicação manipulatória, não dá conta do real, embora
o que interessa é o cérebro, o conteúdo. tenha uma parte de verdade. A genialidade
Mas não é assim que as coisas funcionam implica a capacidade de estar em sintonia
no vivido. A imagem não é um conteúdo. com o espírito coletivo. Portanto, as
Daí a dificuldade em compreendê-la. Deus, tecnologias do imaginário bebem em fontes
o cérebro e a razão são conteúdos. Ora, imaginárias para alimentar imaginários .
a verdadeira revolução pela imagem é a
indiferença em relação ao con teú do, a

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Nota

Entrevista concedida a Juremir Machado da Silva, em Paris,


em 20/03/2001.

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