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Nelson Rodrigues

INTEGRAR PARA
NÃO ENTREGAR
Imaginem o seguinte: — uma massa de elefantes
em disparada. O seu rumor povoa de medo a solidão. E,
súbito, um deles desgarra dos outros. Está monstruosa-
mente só. E, sempre só e cada vez mais só, tenta cons-
truir o seu destino individual. Vai destruindo tudo e as-
sassinando tudo. E só pára quando morre. No fim, não é
mais o homicida, mas o suicida.
Também sozinho constrói a sua morte. Matou e
agora se mata. Eis o que eu queria dizer: — não sabia
que, assim como um elefante desgarra do seu povo, tam-
bém há rios que se tornam possessos. Quem me disse isso
foi o meu amigo Eucyro Pereira. Acaba de chegar do
Amazonas, como integrante do Projeto Rondon. Ele,
que é cirurgião-dentista, e mais seiscentos estudantes de-
ram um pulo ao “Inferno Verde”.
As intenções nobilíssimas do Projeto Rondon po-
dem ser assim resumidas: — “Integrar para não entre-
gar”. Por aí se vê e por aí se sente o nosso brio nacional.
O sujeito que ali do Antonio’s ou do Castelinho declama
sobre o Amazonas é, na melhor das hipóteses, um cínico.
Temos que ir lá fisicamente, temos que farejar, apalpar
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aquela imensa e florestal Sibéria.
Volto ao elefante que, tocado por uma tara irresis-
tível, parte para a sua tremenda aventura solitária. O que
me diz Eucyro Pereira, de volta daqueles mundos, é que
uma fantástica loucura induz um certo rio a tomar um
itinerário inesperado e absurdo. Que misteriosa tara flu-
vial é essa que desvia águas tranqüilas e as enfurece?
Em certas regiões, não são possíveis as paisagens fi-
xas, imutáveis. De repente, a loucura de um rio pode
mudar tudo. O nosso Eucyro conta que certa vez (passou
lá, se bem me lembro, trinta e tantos dias) estava diante
de um grande rio. Era um afluente do rio Negro. Nós,
que só conhecemos os poentes do Leblon, nem podemos
imaginar o que seja um poente explodindo naquelas soli-
dões.
E conta o Eucyro que, muitas vezes, teve uma sen-
sação paradisíaca. (Vamos entender por paraíso uma pai-
sagem virginalmente analfabeta, sem jornal, sem man-
chete, sem radinho de pilha. Se, naqueles dias, ocorresse
o duplo suicídio atômico dos Estados Unidos e da Rússia,
Eucyro e os outros expedicionários não iam perceber
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nada.) O meu amigo via, lá adiante, no meio do rio, uma
ilha maravilhosa. Era doce, muito doce. E, na margem,
o Eucyro ficava ouvindo o silêncio da ilha.
Até que um dia ele acorda e olha. Não via nada. Põe
a boca no mundo: — “Cadê a ilha? Cadê a ilha?”. Outros
vieram e ninguém viu a ilha. E, além disso, também a
paisagem mudara, também a paisagem era outra, outros
os rumores, outros os silêncios. Era o rio. Como um ele-
fante tarado, o rio destruíra a ilha, ou a enxotara. Ela es-
taria submersa ou fora levada para outras paisagens.
Eis o nosso Eucyro num mundo que parecia ser re-
criado de quinze em quinze minutos. O sujeito fazia a sua
acomodação visual para uma paisagem. Do dia para a
noite, a paisagem podia ser outra, exigindo todo um
novo reajustamento óptico. Era de alucinar.
Mas vejamos. O nosso Eucyro era uma visita no
chamado “Inferno Verde”. E como se comportam os que
lá habitam? Sim, os que nascem, vivem e morrem junto
aos rios que lambem e devoram as ilhas? Perguntei ao
meu amigo: — “E os índios? E os índios?”.

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Preliminarmente, o meu amigo informa que o Ser-
viço de Proteção aos índios é uma lúgubre piada. Eucyro
andou fazendo suas observações sobre a tribo Arapago,
que vive no alto rio Uaupés, afluente do rio Negro. Ora,
nós que passamos as noites no Antonio’s, tomando cer-
veja em lata — não podemos imaginar o que seja a misé-
ria dos índios. Vamos fazer um paralelo entre eles e os
nossos favelados.
O favelado carioca é um Walther Moreira Salles di-
ante dos arapagos. Estes comem farinha com água. Per-
guntará alguém: — “E a pesca?”. Está aqui o Eucyro, a
meu lado, informando: — “Nem todos pescam”. Há os
que morrem de fome e não pescam. Alguns índios são
alfabetizados. Estes formam uma pequena elite, com
maiores possibilidades vitais. Mas a primeira providência
do índio alfabetizado é passar para a Bolívia, não voltando
nunca mais, nem a tiro. O índio que aprende a ler torna-
se cínico como o branco e vira contrabandista como os
brancos.
Mas, o que fazer dos 4500 índios que o meu lírico

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Eucyro Pereira viu nas margens do rio Uaupés? Se lá fi-
carem, estarão condenados ao puro e simples extermí-
nio. Mas, pergunto: — podemos abandonar os nossos ir-
mãos índios? Aqui começa a nossa humilhação nacional:
— não vamos fazer nada, rigorosamente nada. Eles estão
entregues à sua negra sorte. Aquele que se alfabetizar
passará para o outro lado e se tornará boliviano, um cí-
nico boliviano. E os outros vão apodrecendo em vida.
Todavia, há pior, repito, há pior. Não vamos fazer
nada pelos índios, nem pelo próprio Amazonas. Deus me
livre de subestimar a utopia que inspirou o Projeto Ron-
don. O homem precisa de utopias e direi mesmo: — são
umas quatro ou cinco utopias que ainda nos salvam. Mas
não vejo como esse formidável empreendimento possa
ser bem-sucedido. Senão, vejamos.
Os rapazes do maravilhoso Projeto Rondon volta-
ram com a sensação de que o Amazonas tem em seu ven-
tre não um mundo só, mas vários mundos. São várias si-
bérias florestais, fluviais, pedindo pelo amor de Deus: —
“Me ocupem, me ocupem!”. Aquilo é nosso. Eu falei em

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sibérias e já uso outra imagem: — é o maior terreno bal-
dio da Terra. Dirá alguém que não temos dinheiro.
Afirma Eucyro: — “Nem todo o ouro dos Estados Uni-
dos!”. Mas vamos esquecer o dinheiro. Faz de conta que
há o dinheiro.
Não seria o bastante para povoar, asfaltar, edificar
tantos desertos formidáveis. Eis o que eu queria dizer:
— faltaria sempre, como excitante infalível, o ódio aos
Estados Unidos. Presentemente, nada se faz no Brasil
sem o santo ódio aos norte-americanos. É o afrodisíaco
que potencializa o jovem, o velho e os grã-finos. Sem
esse bonito ódio, não há gesto, não há ênfase, não há pa-
tético, não há palavrão, e nem há d. Hélder. Seria insu-
portável uma paisagem brasileira sem o d. Hélder, de
mãos postas, contra os Estados Unidos.
E, por azar, ninguém pode dizer que o imperia-
lismo yankee é o autor do deserto amazônico. Os Estados
Unidos não têm nada com o peixe. Não foram eles que
inventaram os rios malucos, as ilhas suicidas, as solidões
florestais. Por que d. Hélder não se mete no Amazonas?

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Certa vez, um colega meu descobriu na mata um serin-
gueiro que não ouvia a voz humana há um ano. O sujeito
não ouvia nem a própria voz, porque desaprendera a fa-
lar. E quando escutou a voz do meu colega caiu num des-
lumbramento convulsivo. Soluçava como um louco. Por
que d. Hélder não vai rezar três aves-marias e seis padres-
nossos para os seringueiros cegos, surdos e mudos? Ah,
porque sem o ódio ao americano nenhuma miséria é pro-
mocional, e não rende primeira página, nem manchete,
nem entrevista, nem televisão.

[O GLOBO, 25/2/1968]

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