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Colóquio Internacional: “Descentralização e Divisão

Administrativa: “Que Modelo para um Pequeno Estado


Arquipelágico como Cabo Verde”

Poder Local e Divisão Administrativa


em Cabo Verde no Pós-Independente
(1975-1990)

Eurico Pinto Monteiro

Praia
Abril de 2007

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Poder Local e Divisão Administrativa em Cabo Verde no
Pós-Independente (1975- 1990)

1. Cabo Verde é um Estado unitário. Todas as competências governamentais estão


concentradas na capital, Cidade da Praia. È igualmente na capital que se
encontram todas as administrações centrais.

As administrações locais devem a sua existência tanto a um movimento de


desconcentração quanto a um movimento de descentralização, noções essas que
têm, no direito administrativo, significação nitidamente diferenciada, não se
podendo obviamente tomar uma pela outra.

Nestes apontamentos, vai-se ocupar apenas da administração local autárquica ou


administração municipal ou Poder Local ou Poder Municipal1 no período pós-
independência compreendido entre 1975 e 1991.

O Poder Local então instituído reflectia a legislação vigente na época a qual, por
sua vez, era resultante das concepções politico-ideológicas dominantes sobre o
Estado e o direito, ou seja, próprias de regime de partido único ou, então, de
democracia nacional revolucionária que preconizava forte participação das
populações na resolução dos seus problemas

No pensamento que vem prevalecendo desde 1991, era um Poder Local não
democrático, o que é irrelevante para análise que se pretende fazer.

Não haverá seriedade se se tratar do Poder Local instituído naquele período, à luz
de concepções, princípios e regras de um regime de democracia pluralista
instituído em Setembro de 19902.

Tendo em conta que o conceito público do Poder Local e das autarquias locais se
alterou consideravelmente ao longo da sua evolução desde 1975, é preciso
contextualizá-lo no ambiente político-ideológico e jurídico da época (1975/1990),
a fim de que a análise a fazer possa ser credível.

1
O termo Poder Local foi utilizado pela primeira vez na legislação cabo-verdiana, em 1979, no
Decreto-Lei nº 19/79, de 24 de Março, que instituiu Comissões de Moradores. Mais tarde, a
Constituição de 1980 referenciou-o na epígrafe do Capítulo V do Título IV que só abrangia o
artigo 88º. Os textos partidários falavam mais em órgãos locais de Poder do Estado.
2
Regime já então preconizado na revisão da Constituição da República de Setembro de 1990 e
materializada em 1991 com as primeiras eleições livres e democráticas de 13 de Janeiro de 1991, e
retomada na Constituição de 1992.

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Poder Local no período de transição para a Independência

2. Com vista à adaptação do regime de governo prevalecente à fase entretanto aberta


do processo de descolonização, em 1974, Cabo Verde, colónia com estatuto de
região autónoma, passou, já nos finais daquele ano, a ter a qualificação honorífica
de Estado e a reger-se pelo respectivo Estatuto Orgânico3.

O Estado de Cabo Verde era uma pessoa colectiva de direito público interno
português, dotado de autonomia politica, administrativa e financeira, nos termos
das leis constitucionais da República Portuguesa. Não era evidentemente um
Estado soberano.

3. O Governo de Transição, que iniciou funções já no primeiro dia do ano de 19754,


com a missão indeclinável de preparar o Território para a Independência, estava
ciente da imperiosa necessidade de se substituir as estruturas administrativas
coloniais por outras à altura dos novos tempos que se despontavam. Sendo assim,
legislou-se no sentido de dissolução de todos os corpos administrativos,
independentemente de quaisquer formalidades, e nomeação, em sua substituição,
de comissões administrativas, tendo ficado incumbido o Ministro da
Administração Interna de materializar, mediante portaria, essa decisão5.

3
O Estatuto Orgânico do Estado de Cabo Verde foi aprovado pela Lei nº 13/74, de 17 de
Dezembro, dimanada do Conselho de Estado de Portugal e vigorou até 5 de Julho de 1975.Até
então, Cabo Verde era, segundo a Constituição, a Lei Orgânica do Ultramar (Lei nº 5/72, de 23 de
Junho, e o seu Estatuto Politíco-Administrativo, aprovado pelo Decreto nº 541/72, de 22 de
Dezembro, uma região autónoma da República Portuguesa.
A designação como Estado tinha cobertura no Título VII da Parte Segunda da Constituição de
1933.
A soberania portuguesa no Estado de Cabo Verde competia ao Alto Comissário, nomeado e
exonerado pelo Presidente da República Portuguesa.
As funções legislativas e executivas estavam a cargo do Governo de Transição constituída pelo
Alto Comissário e por cinco Ministros, nomeados e exonerados pelo Presidente da República.
O Estatuto Orgânico não concebeu um novo regime para administração municipal cabo-verdiana,
por razões óbvias, tendo-se limitado a incumbir o Governo de Transição de estabelecer:
a) A divisão administrativa do território;
b) O regime jurídico da administração municipal;
c) O regime jurídico das relações entre os órgãos da administração central e os da
administração municipal.
A importante tarefa legislativa assim atribuída ao Governo de Transição justificava-se pelo facto
de o legislador ter tido exacta noção de que o ordenamento jurídico da administração municipal
constante da Reforma Administrativa Ultramarina (aprovada pelo Decreto-Lei nº 23.229, de 15 de
Novembro de 1933), que foi um verdadeiro Código Administrativo com 801 artigos e vigorou,
ainda que parcialmente, até Julho de 1990), estava completamente ultrapassado em todos os
aspectos. Infelizmente, o curto mandato do Governo de Transição e a falta de quadros
especializados em direito e não só não permitiram que a tarefa legislativa fosse sequer iniciada.
4
O Governo de Transição era constituído de sete Ministérios (Administração Interna, Justiça,
Coordenação Económica, Educação e Cultura, Equipamento Social e do Ambiente, Trabalho; e
Assuntos Sociais, a cargo de quatro Ministros (Justiça e Assuntos Sociais, Educação e Cultura,
Coordenação Económica e Trabalho, Administração Interna, e Equipamento Social e Ambiente,
sendo os três primeiros indicados pelo PAIGC). Verificava-se assim a experiência de ministros
coordenadores incumbidos da gerência de mais do que um ministério, o que não teve
posteriormente continuidade como regra.
5
O Decreto-Lei nº 5/75, de 22 de Janeiro, definiu o regime jurídico das comissões administrativas,
sendo posteriormente completado pelo Decreto nº 6/75, de 2 de Fevereiro. A dissolução dos corpos

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Já no mês de Fevereiro de 1975, com a dissolução dos corpos administrativos de
todas as câmaras municipais e nomeação das comissões administrativas em todos
os concelhos, iniciou-se o processo de destruição das estruturas administrativas
locais que tão bem executaram a política de dominação colonial.

4. As comissões administrativas eram compostas por cidadãos escolhidos de acordo


com a auscultação junto das populações6 e tinham competência anteriormente
atribuídas às câmaras municipais, às juntas de freguesias, aos presidentes de
câmaras e aos administradores de concelho, passando, portanto, a ser uma
estrutura unicéfala que centralizava os serviços camarários e administrativos, num
só.7

Foi positiva a actuação das comissões administrativas no desmantelamento das


estruturas administrativas coloniais, e mais não era possível esperar delas em
virtude de constrangimentos existentes ditados pela situação financeira muito
difícil da então colónia, pelas vicissitudes por que passava a governação em
Lisboa e pelo ambiente de euforia de liberdade que se vivia...

Poder Local na Primeira República (1975-1990)

5. A assembleia representativa do povo de Cabo Verde, eleita, por sufrágio directo e


universal, a 30 de Junho de 1975, proclamou a Independência de Cabo Verde e
aprovou uma orgânica jurídico-politica do novo Estado (Lei sobre a Organização
Política do Estado) a vigorar até à adopção da primeira Constituição da República
de Cabo Verde, tudo isso no dia 5 de Julho de 1975.

A Lei sobre a Organização Política do Estado8, aprovada por unanimidade pelos


então Deputados, atribuiu, no nº 2 do artigo 15º, ao Conselho de Ministros a

administrativos foi efectivada através das Portarias nº 4/75, de 22 de Fevereiro, e 19/75, de 28 de


Março.
6
A auscultação das populações foi feita de acordo com o Decreto nº 2/75, de 9 de Janeiro, que
criou comissões de representantes do Governo de Transição, com a missão de colher, junto das
populações concelhias informações que habilitassem o citado Governo a promover a
democratização do Estado de Cabo Verde, bem como de elaborar um relatório circunstanciado,
para apreciação do Conselho de Ministros, do qual constassem propostas e sugestões
nomeadamente nos aspectos da constituição e composição das comissões administrativas a formar
e da indicação nominativa os elementos mais representativos de cada concelho.
7
Os serviços de justiça e registo civil que estavam a cargo da administração local passaram para os
respectivos representantes locais. A polícia local passou a depender do Comando Geral. Desta
forma, a função das comissões administrativas ficou centrada na satisfação das necessidades das
populações que vinham fazendo face aos efeitos de maus anos agrícolas sucessivos.
8
A Lei sobre a Organização Política do Estado foi aprovada a 5 de Julho de 1975 e tinha apenas 23
artigos. Com a consagração, no seu artigo 1º, de que a “Soberania do Povo de Cabo Verde é
exercida no interesse das massas populares, as quais estão estreitamente ligadas ao Partido
Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que é a força política dirigente na
nossa Sociedade”, ficou instituída o regime de partido único que vigorou durante 15 anos e deu-se

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direcção, coordenação e controlo da actividade dos diversos departamentos
governamentais, dos outros serviços centrais e dos órgãos da administração local.
Institui-se, assim, um sistema administrativo claramente centralizado, na esteira da
herança da administração colonial e que seria rompido, em termos teóricos, só
com a Constituição de 19929.

O legislador ao conceder ao Conselho de Ministros o poder de dirigir os órgãos da


administração local, manteve a autonomia tradicional das autarquias locais cabo-
verdianas que continuaram a ser meros instrumentos da administração indirecta ou
mediata do Estado ou agências locais do poder central10. Não era de estranhar tal

assim força legal ao slogan dos comícios, dos textos partidários e do próprio texto da Proclamação
da Independência de Cabo Verde” “PAIGC, força luz e guia do nosso povo”.
O texto da Proclamação da Independência de Cabo Verde, aprovado por unanimidade e por
aclamação pela Assembleia Nacional, dizia que o “Partido Africano da Independência da Guine e
Cabo Verde foi e continuará a ser a força luz e guia do nosso povo. Como na República irmã da
Guiné-Bissau o Partido de Amilcar Cabral, o PAIGC, expressão suprema da vontade soberana do
nosso povo na Guiné e em Cabo Verde, continuará a ser a força política dirigente da nossa
Sociedade hoje totalmente livre ”. Com tal posição, ficou previamente determinada a missão dos
deputados em sede de aprovação da Lei sobre a Organização Política do Estado.
A citada Lei contrariou o Acordo assinado entre a República Portuguesa e o PAICV, em Dezembro
de 1974, bem como a Lei Eleitoral para a Assembleia Nacional. Na verdade, tinha ficado
consagrado nas leis aprovadas pelo Governo Português que o povo de Cabo Verde elegeria a 30 de
Junho de 1975 uma Assembleia Nacional que teria por finalidade proclamar a Independência de
Cabo Verde e dotar o País de uma Constituição, pelo que aquela Assembleia era constituinte.
A estruturação do novo Estado poderia ser feito no âmbito da citada Lei. Mas a mesma não era a
sede própria para se instituir o regime de partido único e alterar a natureza constituinte da
Assembleia Nacional eleita a 30 de Junho de 1975.
A violação quer do Acordo quer da Lei Eleitoral não suscitou qualquer oposição generalizada no
Pais ou reacção na comunidade internacional, nomeadamente em Portugal. O que se justificava já
que nos anos da descolonização em África, a comunidade intelectual mundial entendia que a
emergência de partidos únicos nos jovens países independentes de África era uma necessidade para
o seu desenvolvimento, para unidade de acção, de organização e de objectivos. Cabo Verde
poderia ser diferente, já que a Nação precedeu o nascimento do Estado.
Para o primeiro quinquénio da Independência Nacional havia toda a compreensão para o regime de
partido único, face aos esforços da Reconstrução Nacional que eram necessários empreender. Mas
a partir de 1981, dever-se-ia dar passos mais decisivos rumo á democracia representativa.
Concretamente, no Congresso Constitutivo do PAICV, ocorrido em Janeiro de 1981, dever-se-ia
encarar essa realidade já que a questão da Unidade Guiné e Cabo Verde deixou em definitivo de
constar da agenda política.
No país, os opositores declarados, notórios e coerentes do Regime do Partido Único não chegavam
a uma trintena, sendo que alguns deles tiveram que emigrar para outros países, aonde adquiriram o
estatuto de asilado político. Outros, ficando no País, distanciaram-se dos cargos políticos e das
mordomias concedidas pela nomenclatura, e não se coibiram de criticar publicamente o regime
mesmo em órgãos de comunicação social do Estado. Todavia, apesar do reduzido número de tais
opositores, uma maioria silenciosa aspirava pela instauração da democracia e pelo fim de partido
único, num clima de paz e concórdia. Muitos quadros mantinham relações com a Administração
Pública, mesmo em cargo de confiança politica, colaborando deste modo para o desenvolvimento
económico e social de Cabo Verde.
9
A Constituição de 1992 pôde fazer destrinça entre a Administração Directa do Estado (sujeita à
direcção do Governo), a Administração Indirecta do Estado (sujeita à superintendência do
Governo) e a Administração Autónoma (sujeita à tutela do Governo), fazendo ressaltar o princípio
de descentralização e a configuração pluralista da administração Pública.
Ao se prever a administração autónoma, não se faz do Estado de Cabo Verde um “Estado de
autonomias” como em Espanha.
10
A subalternização da administração local face ao Governo justificou, por exemplo, a requisição,
em Julho de 1975, do Paço do Concelho da Praia para albergar a Chefia do Governo, durante toda
a I República. Apesar de inexistência de edifícios condignos na altura poder-se-ia encontrar uma

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posição, por essa altura. A generalidade da doutrina portuguesa concordava com o
enquadramento das autarquias locais na Administração Indirecta do Estado,
ocupando, contudo, um lugar de menor subordinação face à organização
administrativa central do Estado. Na época não havia a administração autónoma
que só veio a emergir em 1992.

Nessa perspectiva, a intervenção tutelar do Governo sobre as autarquias locais era


de natureza politica, e, além disso, mais assídua e extensa do que a que constava
da Reforma Administrativa Ultramarina.

Manteve-se, contudo, a observância do quadro legal colonial sobre a tutela (de


natureza correctiva apriori, traduzida na aprovação governamental de deliberações
sobre um conjunto muito vasto de assuntos), conservando os municípios o grau de
autonomia anterior em que a sua subordinação ao poder central sempre fugia ao
quadro rigoroso do poder hierárquico.

Porque o Partido foi erigido pela Lei sobre a Organização Politica do Estado como
“força politica dirigente na nossa Sociedade” implantou-se não um regime de
democracia representativa, mas o regime de democracia de nacional
revolucionária11, o qual preconizava ampla participação popular na definição dos
problemas a resolver e na sua própria resolução.

Nesse quadro, não havia lugar para outros partidos políticos12. Era o regime de
partido único que, entre nós, felizmente, não fez nascer o sistema de
Partido/Estado13, não tendo, assim, a filiação partidária sido jamais valorada como
critério de selecção dos funcionários e agentes públicos14.

Face ao regime instituído, o de democracia nacional revolucionária, e à concepção


da unicidade do poder15, a vontade própria e autónoma das autarquias locais era
aquela de que gozavam os seus órgãos, nada tendo a ver com o processo de
designação das pessoas que os integravam. O processo de afirmação dos referidos
órgãos era do foro político, enquanto que o conceito de autarquia municipal era do
domínio jurídico, concretamente do direito administrativo. Por essa razão, o grau
de autonomia resultava da maior ou menor independência reconhecida aos

outra alternativa que preservasse o elevado significado do Poder Local, bem como a imagem do
Município da Praia.
11
A continuação da política de democracia nacional revolucionária foi incentivada no II Congresso
do PAIGC (e também o último, enquanto força única da Guiné e de Cabo Verde), reunido em
Bissau, de 15 a 20 de Novembro de 1977, que ao assunto dedicou o nº 5 do II da Resolução Geral.
A referida Resolução Geral chegou a ser publicada no Boletim Oficial da República de Cabo
Verde (BO nº 52, de 24 de Dezembro de 1977), o que não deixou de ter um significado para a
época. Igual procedimento não teve lugar relativamente aos demais Congressos.
12
Não existia na Lei da Organização Política do Estado ou em qualquer outro diploma qualquer
disposição que proibisse formalmente a constituição, existência e funcionamento de partidos
políticos.
13
O Estado subsidiava o Partido e suas organizações de massas, o que era natural tendo em conta
o papel do Partido na sociedade.
14
No acto de posse, os servidores públicos juravam cumprir com lealdade os deveres da função
para eram nomeados, com fidelidade total aos objectivos do Partido (Cfr artigo 7º nº 2 do Decreto
nº 4/76, de 10 de Janeiro. Era um exagero que só veio a ser corrigido em 1990.!
15
Segundo o PAICV, o poder do Estado era único e unitário, sendo exercido através dos seus
diversos órgãos, de forma global, não havendo, consequentemente, divisão do poder.

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titulares dos órgãos, não constituindo a reserva do direito de nomear os órgãos
uma limitação à autonomia. Era esse o pensamento político da época sobre a
autonomia local traduzido em legislação, ou sobre a autarquia local, já que as duas
expressões se equivalem, eram expressões sinónimas.

Porque o município não era um instrumento quer da acção local do Partido, quer
de domínio político sobre os dirigentes municipais, e porque a presença do Partido
na administração municipal não podia ser ignorada, colocou-se na agenda política
da época a questão complexa de relacionamento entre os responsáveis da
administração municipal e das estruturas locais do Partido16. Por falta de
compreensão da forma correcta daquele relacionamento, houve, em alguns
concelhos, alguma tensão entre as duas estruturas locais que sempre foi resolvida
ao mais alto nível do poder.17

6. O primeiro Governo da República não se dotou de um Programa de Governo, ou


de um plano de acção governativa, devidamente aprovado pela Assembleia
Nacional Popular18.

Apesar de tal omissão resultante da falta de experiência governativa, pôde o


primeiro Governo da República iniciar o processo de reforma da administração
municipal que servira de suporte à exploração colonial, em ordem à adequação do
sistema herdado à nova realidade politíco-administrativa e à institucionalização da
efectiva participação das populações na gestão dos seus interesses. Assim, no final
do ano de 1975, configurou-se, transitoriamente, a nova administração municipal,

16
A nível do Poder Local, o relacionamento Partido-Estado processou-se através dos membros do
Partido ou de pessoas da sua absoluta confiança, inseridos nos órgãos desse nível . Além disso, o
Partido deveria seguir a acção dos órgãos do poder municipal, propondo com oportunidade
medidas que considerasse necessárias e convenientes; manter reuniões com tais órgãos, com vista à
analise da situação nas respectivas áreas e à discussão dos problemas que afectassem a vida
municipal e à busca conjunta e coordenada de soluções. (Cfr Documentos para o II Congresso “O
Estado”, páginas 21 e 22, Edições do DIP do PAICV, Maio de 1983)
17
Graças à intervenção pessoal, oportuna e pedagógica do então Primeiro-Ministro que, desde
sempre, foi amigo e pessoa de extrema confiança dos responsáveis pela administração municipal,
as tensões não chegaram a ser do domínio público, não pondo assim em causa a imagem do
regime.
18
Era tido como Programa de Governo o discurso feito pelo então Primeiro Ministro num comício
popular feito na cidade do Mindelo no dia 7 de Julho de 1975, aquando da apresentação da nova
Direcção do País. No discurso, o Primeiro Ministro abordou a questão de poder, já que tal questão
se punha em todas as revoluções.
Transcreve-se uma pequena passagem de tal discurso: “ A nível do Poder (Administração) é
necessário criar um poder novo e eficaz. A estrutura administrativa que serviu os interesses
coloniais não pode servir os interesses dum Cabo Verde livre e democrático.
Torna-se necessário implantar um Poder (uma Administração) que seja capaz de praticar uma
política revolucionária e defender os interesses do Povo. Além de defender os interesses do povo,
esse novo Poder dever permitir a participação das massas populares na solução dos seus próprios
problemas, que é a única maneira de não entravar a capacidade criadora do povo.......A
Administração deve estar ao serviço do Povo.
O novo poder deve ser eficaz para poder solucionar rapidamente os graves problemas que vamos
enfrentar.”
Uma trintena de dias após a Independência, o então Primeiro Ministro, numa entrevista concedida
aos de comunicação social e publicada no número do Jornal Voz di Povo de 28 de Agosto de 1975,
abordava de novo a problemática do poder.

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em consonância com as concepções políticas e filosóficas de um regime de partido
único.

A descentralização administrativa foi, contudo, preservada na nova legislação


transitória, já que, para além de ser considerada um pressuposto para a boa
administração, era o quadro institucional capaz de garantir a participação popular
nos órgãos de poder a nível intermédio e de base.

Há que, contudo, realçar que o princípio da descentralização administrativa, que


constituía uma opção do regime, foi muito condicionado na sua concepção pela
conjuntura sócio económica específica do momento. Na verdade, deve-se ter
sempre presente que, como resultado de crises agrícolas consecutivas, Cabo Verde
teve durante alguns anos uma administração económica baseada em planos de
emergência para responder a uma situação de emergência nacional. Por essa razão,
impunha-se a necessidade de uma forte intervenção do Governo cujas estruturas
administrativas estavam melhor dotados de meios técnicos, humanos e materiais
para uma actuação e eficaz no processo de Reconstrução Nacional.

Não se optou pela descentralização em sentido político19, pelas razões acabadas de


enunciar, Não se instituiu a auto-administração, optando-se assim claramente pela
forma de heterodesignação dos órgãos da administração local.

Em relação à administração colonial não se verificou, contudo, a diminuição do


grau de autonomia de que gozavam as autarquias locais, havendo até reforço da
mesma.

A configuração não pôs em causa a legislação anterior sobre a administração


municipal em tudo quanto estivesse de acordo com a Lei sobre a Organização
Politica do Estado, as restantes Leis da República e os princípios e objectivos do
Partido.

Sendo assim, muitos dos artigos da já ultrapassada Reforma Administrativa


Ultramarina tiveram efectiva aplicação. Por essa razão, os concelhos continuaram
a ser as únicas autarquias locais em Cabo Verde, uma vez que jamais foram
instituídas juntas de freguesias,20. As freguesias estavam, assim, destituídas da
condição autárquica, sendo, portanto, meras circunscrições dependentes do
concelho em que se localizavam. A situação ainda prevalece na actualidade.

A subordinação dos concelhos ao poder central operava-se no quadro da tutela


administrativa a qual era exercida nos limites estabelecidos pela lei, tanto no que
respeitava à designação dos titulares dos órgãos como à sua administração
administrativa, financeira e patrimonial, por meio jurídico apropriado, isto é por
autorização.
19
Durante a administração colonial, não houve descentralização em sentido político, já que as
autarquias locais eram dirigidas por presidentes de câmaras nomeados pelo Governador, e não por
magistrados eleitos pelo povo. Os vereadores eram, contudo, eleitos em eleições que não eram
democráticas na medida em que não eram possíveis listas organizadas fora do aparelho oficial do
regime.
20
As freguesias podiam ser autarquias locais, conforme a Base LI da Lei Orgânica do Ultramar.
Para essa concretização, tornava-se necessário, segundo o nº 2 do artigo 55º do Estatuto Politico-
Administrativo da Província, instituir-se juntas de freguesias nas freguesias, o que jamais foi feito.

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É de notar que, durante a administração colonial, e mesmo depois, concretamente
até 1989, o concelho era usado quer como mera circunscrição territorial, quer
como autarquia municipal. E era sinónimo de município21.

A legislação colonial sobre a administração municipal, seguindo a tradição


portuguesa prevalecente até á aprovação da Constituição da República de 1976,
não se referia ao termo “município22.

Já nos meados de 1980, a legislação, ainda que timidamente, começou a referir-se


a “municípios”23, o que indiciava uma vontade ainda que tímida para a
implantação do municipalismo, com as limitações inerentes a um regime de
partido único.

7. As atribuições dos concelhos foram reformulados, passando a abranger tudo o


que, nos mais diversos aspectos, fosse de interesse das populações. As
competências das câmaras municipais e dos presidentes das câmaras municipais
constantes da Reforma Administrativa Ultramarina transitaram-se para os novos
órgãos criados: o Delegado da Administração Interna, o Conselho Deliberativo e o
Secretariado Administrativo24.

O Delegado da Administração Interna era o elemento de representação do


Conselho Deliberativo e do Governo, de ligação entre o Conselho Deliberativo e
as estruturas locais do Partido, entre o Conselho Deliberativo e o Secretariado
Administrativo e entre a Administração Municipal e a Administração Central,
além de dinamizador e coordenador de toda a Administração Municipal. Era
possuidor de total confiança do Partido, sendo nomeado pelo Primeiro Ministro25.

O Delegado da Administração Interna, que passou a denominar-se Delegado do


Governo, em 1978, e a ter um estatuto adequado, possuía simultaneamente
funções de órgão da administração municipal, representante do Governo no
concelho e autoridade policial no concelho26, sendo, portanto, órgão de duas
pessoas colectivas distintas: o Estado e o concelho ou município.

O Conselho Deliberativo, órgão colegial, foi consagrado como órgão máximo do


Poder do Estado no concelho, cabendo-lhe definir as linhas de acção

21
Dispunha o artigo 410º da Reforma Administrativa Ultramarina, que os “concelhos, com o seu
corpo administrativo, constituem autarquias locais, dotadas de personalidade jurídica e de
autonomia, nos termos da presente Reforma”. Os concelhos eram também circunscrições
territoriais.
22
Em Portugal, a substituição da designação da autarquia local concelho por município foi feita
sem discussão na Assembleia Nacional Constituinte, segundo Vital Moreira e Gomes Canotilho, na
anotação ao artigo 249º da Constituição, in Constituição da República Portuguesa, 1978.
23
O Decreto-Lei nº 41/80, de 14 de Junho, que procedeu à primeira Reforma das Finanças Locais já
se referia aos Municípios, em vez de concelhos. Igual referência é feita nos Decretos-Leis nº 31/80,
de 10 de Maio, e nº 38/80, de 24 de Maio.
24
Poderiam ter sido mantidas as denominações anteriores de Câmara Municipal e Presidente da
Câmara Municipal, já que não havia razões para uma mudança tão radical de denominação. Tais
denominações foram ressuscitadas em 1991.
25
Podia não ser militante do Partido.
26
Cfr o Decreto-Lei nº 24/78, de 15 de Abril.

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administrativa, podendo anular ou modificar os actos dos restantes órgãos
municipais.

O Conselho Deliberativo tinha a ver com tudo quanto se passava no concelho,


resultando daí que podia e devia controlar, coordenar e supervisar sobre toda a
actividade pública ou de reflexos públicos da sua área de jurisdição.

O Conselho Deliberativo era composto de cidadãos residentes na área do concelho


nomeados pelo Primeiro Ministro, sob proposta das estruturas locais do Partido,
sendo presidido pelo Delegado da Administração Interna que não possuía,
contudo, voto de qualidade.

O Conselho Deliberativo era, na expressão muito corrente no direito


administrativo da época, corpo administrativo do concelho, ou seja, o órgão
colegial de gestão permanente do concelho, enquanto autarquia municipal.

O Secretariado Administrativo era o executivo municipal, quer do Conselho


Deliberativo quer do Governo, sendo dirigido por um funcionário administrativo
experiente, nomeado pelo Primeiro Ministro em comissão de serviço.

Passaram pelos Conselhos Deliberativos algumas dezenas de homens e mulheres


de diferentes estratos sociais que assim, de forma cívica, puderam contribuir, de
forma consciente e responsável, para o desenvolvimento dos respectivos
concelhos27.

7. Em ordem a incrementar a participação popular na gestão dos assuntos públicos,


que era mais directa, concreta e eficaz quanto menor fosse a sua área de jurisdição,
e a integrar o grave vazio administrativo que emergiu com a supressão, em 1975,
dos cargos de regedor e de cabo-chefes, foram instituídas, em 1979, como órgãos
de base de poder local, as Comissões de Moradores, com actuação nos povoados e
bairros.

Os membros das Comissões de Moradores eram designados pelo respectivo


Conselho Deliberativo, mediante prévia auscultação à população, às estruturas
concelhias do Partido e às organizações massas.

Às Comissões de Moradores incumbiam a realização de tarefas nos domínios


relevantes para as populações locais: melhoramentos locais, saúde pública e acção
social; abastecimento e controle de preços, conservação de bens públicos e
equipamento social; emprego; cultura, desporto e animação social, coordenação e
polícia geral e dinamização municipal. Tinham competência para estatuir sanções
administrativas para a violação das suas deliberações de carácter geral.

As Comissões de Moradores, a breve trecho, e devido à falta de apoio material,


técnico e financeiro do Governo, ficaram aquém das suas atribuições, sendo mais
referenciadas pelas populações como estruturas policiais e ou partidárias do que de
desenvolvimento comunitário.

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Passaram pelas comissões de moradores centenas de homens e mulheres de
estratos sociais mais humildes que assim puderam contribuir, de forma cívica, na
gestão dos assuntos respeitantes aos seus povoados e bairros.

8. Os constrangimentos que se punham à administração municipal originados, quer


da aplicação da Reforma Administrativa Ultramarina, quer do aparelho
administrativo inadequado à solução dos problemas locais, colocaram, já em 1977,
a questão da reforma em profundidade da administração local.28. Sucessivas
representações nesse sentido dos responsáveis da administração municipal
chegaram às instâncias competente.

Assim, o departamento governamental de tutela dos municípios, apresentou nos


finais do ano de 1979, ao Conselho de Ministros um importante pacote legislativo
que passava pelo reforço da autonomia institucional e financeira dos municípios.
Apenas foram aprovadas pelo Conselho de Ministros, em 1980 a Lei das Finanças
Locais e a Lei da Reforma da Contabilidade Municipal.

O projecto da almejada Lei da Administração Municipal, embora agendado, não


chegou a ser analisado no Conselho de Ministros.

9. Com a aprovação da primeira Constituição da República em 198029, conquanto


não tivesse sido alterado o regime político já que ficou estabelecido no célebre
artigo 4º que o Partido era a força política dirigente da sociedade e do Estado,
abriram-se, apesar de tudo, novas perspectivas à administração municipal,
porquanto o Poder Local foi objecto de tratamento no artigo 88º e os seus órgãos
foram elevados à categoria de órgãos do poder do Estado. Tal elevação não era
feliz por sugerir um enquadramento das autarquias locais no Estado, sendo que as
mesmas não eram Estado e sendo deste distintas, não obstante terem poderes
públicos. Mas o que interessava era registar que as autarquias locais eram órgãos
do poder político.

A Constituição que estabeleceu que o Poder Local se organizava essencialmente


através das autarquias locais remeteu a regulação da sua organização e atribuições,
bem como da competência dos seus órgãos para uma Lei da Assembleia Nacional
Popular.

28
Já no ano de 1977, na II Conferência dos Delegados da Administração Interna, realizada na
cidade do Mindelo, de 20 a 24 de Fevereiro, foi analisado um ante-projecto de Lei da Organização
do Poder Local. O citado projecto foi reformulado totalmente em 1978, dando origem ao ante-
projecto de Lei da Administração Municipal que foi submetido à III Conferência dos Delegados do
Governo, realizada em S. Vicente, em 1979 e posteriormente enviado ao Conselho de Ministros
para aprovação, a qual não teve lugar.

No decurso da II Conferência dos Delegados da Administração Interna, o então Director Nacional


da Administração Interna, Dr Carlos Veiga, que viria a ser Primeiro Ministro, em 1991, apresentou
um notável relatório sobre o estado da administração local autárquica, o qual constitui um
documento de leitura obrigatória para conhecimento do poder local nos dois primeiros da sua
instalação.
29
A primeira Constituição da República de Cabo Verde foi aprovada na IX Sessão Legislativa da I
Legislatura em 5 de Setembro de 1980 e foi revista na I Sessão Legislativa da II Legislatura em 12
de Fevereiro de 1981.

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O Programa de Governo da II Legislatura (1981 a 1985) era, por tal razão, muito
ambicioso. Para sua concretização, o Governo engajara-se, além do mais, a
promover estudos necessários para “nova organização das autarquias locais, de
harmonia com a opção descentralizadora do nosso Estado e com o princípio de
eleições dos respectivos órgãos colegiais”. Nesse sentido, foi elaborado o
competente ante-projecto de diploma legal que reproduzira o anterior projecto de
198030, mas que não avançou, já que continuava não haver consenso no seio do
Partido sobre a problemática da descentralização e do poder local.

O Programa de Governo da III da Legislatura (1986 a 1990) referia-se à


necessidade de estabelecimento progressivo de um poder local autêntico, dotado
de meios técnicos e financeiros adequados e amplas atribuições e servido por
órgãos eleitos que respondessem efectivamente perante as populações.

A eleição era, portanto, a forma preconizada nos Programas de Governo, para a


escolha dos membros dos órgãos da administração municipal, o que, de forma
alguma punha em causa, o artigo 4º da Constituição e mesmo a essência do
regime. Nessa altura, pensava-se que os grupos de cidadãos poderiam apresentar
candidaturas aos órgãos autárquicos.

No Relatório do Governo do ano de 1987, apresentado á Assembleia Nacional


Popular, o então Primeiro Ministro declarou que o sector do poder local “tem-se
atrasado devido a condicionalismos vários”31, o que já era um facto notório. A
confissão feita era prenúncio de novos tempos que se aproximavam lentamente
das ilhas…

10. Efectivamente, já nos finais da década de oitenta, uma nova concepção do sistema
político estava sendo arquitectada nos bastidores do poder. Sentiu-se isso já nos
actos preparatórios do III Congresso do Partido. Este Congresso, realizado em
Novembro de 1988, poderia ter declarado a abertura democrática, o que traria
ganhos acrescidos ao Partido, já que o Muro de Berlim ainda mantinha-se de pé…
E Cabo Verde seria um dos pioneiros na abertura à democracia representativa em
África, após anos de regime de partido único.

Como corolário dessa situação, pôde, finalmente, a Assembleia Nacional Popular,


em 1989, sob proposta do Governo, aprovar a almejada a Lei de Bases das
Autarquias Locais32. A transitoriedade da lei que institui uma nova administração
municipal durou catorze anos, sem qualquer justificação aceitável.

30
De entre os documentos para o II Congresso do PAICV, destacava-se “ A Participação Popular”,
Edições do DIP do PAICV, Maio de 1983) ” onde a páginas 17 se lia o seguinte: “Embora as
instituições locais de poder sejam designadas após uma ampla consulta realizada através do
Partido, da Administração e das organizações sociais, à medida que essas instituições se vão
afirmando, é necessário proceder à sua eleição especialmente no que respeita aos Conselhos
Deliberativos e às Comissões de Moradores”. Parece que essa tese de eleição dos órgãos
municipais não foi sufragada pelos congressistas, razão por que nada figurou a esse respeito nas
conclusões do Congresso.
31
Mais afirmou que acreditava que o III Congresso irá emitir orientações mais concretas sobre o
assunto, possibilitando a aceleração do processo.
32
Tratava-se da Lei nº 47/III/89, de 13 de Julho. Já nessa altura estava em crise aguda o sistema de
partido único no leste europeu e todos sabiam que isso teria reflexos no regime político implantado
no arquipélago.

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Com a citada Lei, institucionalizou-se legalmente o município como autarquia
municipal; alargou-se o leque das atribuições municipais; reforçou-se sua
autonomia institucional, estabelecendo-se uma tutela basicamente inspectiva; e
consagrou-se o princípio de eleição dos órgãos autárquicos.

O sistema de governo municipal entretanto adoptado aproximava-se do vigente,


nos países da Europa Ocidental, exceptuando Portugal: eleição directa da
Assembleia Municipal e formação, dentro desta, de um executivo singular
(Presidente do Conselho Municipal) ou colegial maioritário (Conselho Municipal).
Na verdade, os membros da Assembleia Municipal eram eleitos por sufrágio livre,
universal, igual directo e secreto. O Presidente do Conselho Municipal e os demais
membros eram eleitos pela Assembleia Municipal de entre os seus membros. Há
que realçar que a lista de candidatos para a eleição dos demais membros para o
Conselho Municipal era apresentada pelo grupo proponente da lista vencedora da
eleição do Presidente do Conselho Municipal. Ficou assim instituído o sistema
parlamentar municipal que infelizmente não teve aplicação, já que foi substituído
por um outro logo em 1991.

Ainda, no mesmo ano, a Assembleia Nacional Popular aprovou a Lei Eleitoral


Municipal, através da qual se conferiu também a grupos de cidadãos
correspondente 50 vezes o número de mandato atribuídos ao respectivo círculo
eleitoral o poder de apresentar candidaturas a eleições municipais33.

Tinha-se iniciado a reforma Administração Municipal34!

11. Com a evolução do sistema político rumo a uma democracia pluralista, consentida
pelo Partido, então partido único no poder desde 197535, que atingiu o seu apogeu
com a histórica Revisão da Constituição em Setembro de 1990, o então Governo

33
Tratava-se da Lei nº 48/III/89, de 13 de Julho. Segundo o artigo 21º da citada Lei, podiam
apresentar listas de candidatos às eleições da Assembleia Municipal:
a) Os órgãos correspondentes do PAICV;
b) A JAACV, a OMCV e a UNTC_CS, através dos respectivos órgãos; e
c) Grupos de cidadãos correspondentes a 50 vezes o número de mandatos atribuídos
ao respectivos circulo eleitoral.
Creio que não se podia avançar mais em termos de apresentação de candidaturas, já que estava de
pé o artigo 4º da Constituição e a reforma política deveria ser feita no respeito pela Constituição.

Mesmo com o quadro jurídico-legal sobre tais eleições publicado no Boletim Oficial, jamais foi
marcada a data das mesmas, por razões que se desconhecem.
34
Reconhece-se que as reformas feitas em 1989, poderiam ter tido lugar no decurso da II
Legislatura, já que nessa altura o sistema de escolha dos membros dos órgãos da administração
começava a dar sinais fortes de esgotamento. A população estava mais culta e mais consciente dos
seus direitos. Enfim, a sociedade civil já reclamava mais em termos de participação política. A
inclusão, por vontade popular, de nomes de pessoas não afectas ao Partido nas listas para
candidatos a deputados à Assembleia Nacional Popular nas eleições legislativas de 1985, era prova
desse desejo e um aviso à navegação do PAICV que não foi tido em devida conta.
Nessas eleições dos 98.692 votantes, 5. 038 (5,10%) votaram contra as listas apresentadas pelo
PAICV.
35
Pode-se dizer que Cabo Verde começou, na prática, a viver em democracia, a partir do dia 19 de
Fevereiro, data em que o Presidente do Conselho Nacional do PAICV, Comandante Pedro Pires,
anunciou, nas instalações da Assembleia Nacional Popular, à Nação a abertura política, o que foi
muito bem recebido.

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adoptou, em pouco tempo, um conjunto importante de medidas legislativas com o
objectivo de obviar a construção da democracia representativa e a sua efectividade
e a instituição de um poder local autêntico.

Assim, em 1990, no quadro do desenvolvimento e regulamentação da Lei de


Bases das Autarquias Locais foi aprovado o diploma sobre a organização e
atribuições, bem como competência dos respectivos órgãos, passando doravante as
autarquias locais cabo-verdianas a regerem-se por legislação nacional, já que ficou
solene e expressamente revogada, após 57 anos de vigência, a Reforma
Administrativa Ultramarina36.

No último trimestre do mesmo ano, registou-se uma intensa actividade legislativa


sobre o poder local, tendo sido aprovados importantes diplomas legais sobre:
finanças locais; associativismo intermunicipal; serviços autónomos municipais;
incentivos para a fixação na periferia aos funcionários em serviço nos municípios
da periferia; destacamento de pessoal com funções policiais para prestar serviços
aos municípios, a pedido destes, no âmbito das atribuições municipais de polícia; e
gabinetes técnicos municipais. Jamais se legislou tanto e em tão pouco tempo
sobre o poder local!

O Poder Local não poderia dignificar-se, desenvolver-se, e contribuir seriamente


para a melhoria das condições de vida das populações, sem grandes alterações ao
regime das finanças locais herdado da administração colonial.

Em 1976, foi criado o imposto de desenvolvimento local consignado ao


financiamento do desenvolvimento local, tendo o mesmo sido abolido “de facto”
por mera decisão administrativa , a partir de 199637.

Em 1980, procedeu-se à reforma das finanças locais38, a qual trouxe como grandes
novidades, nomeadamente, a participação dos municípios nas receitas directas e
indirectas do Estado em percentagem não inferior a 5 por cento, e a bonificação de
crédito aos municípios.

No mesmo ano, operou-se a reforma do orçamento e da contabilidade municipais,


aperfeiçoando-se os instrumentos de gestão financeira municipal, reforçando-se os
sistemas de fiscalização administrativa e responsabilizando os titulares dos órgãos
e agentes da administração municipal pelos actos geradores de despesas á revelia
da lei.

36
A Reforma Administrativa Ultramarina teve revogação faseada da seguinte forma: Em 1975,
deixara de ter aplicação aos funcionários e agentes municipais; em 1980, ao orçamento e
contabilidade municipal; 1983, ao contencioso administrativo; em 1990, à organização e
atribuições das autarquias locais e competência dos respectivos órgãos.
37
O Imposto de Desenvolvimento Local foi criado pelo Decreto-Lei nº 2076, de 6 de Março, e
regulamentado pelo Decreto nº 61/76, de 9 de Junho. Em 1981, foi totalmente remodelado pelo
Decreto-Lei nº 1/81, de 10 de Janeiro. Deixou-se de ser cobrado a partir de 1996, com fundamento
de ser inconstitucional, não tendo contudo sido editado nenhum diploma legal revogatório.
38
Cfr o Decreto-Lei nº 41/80, de 14 de Junho que vigorou durante 10 anos, tendo sido substituído
pela II Reforma das Finanças Locais, operada pelo Decreto

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Já em 1978, foi aprovada a nova tabela de emolumentos e taxas municipais que
veio a substituir a aprovada na década de cinquenta, conferindo-se aos municípios
maior capacidade de obtenção de rendimentos pela prestação de serviços,
utilização de bens semi-públicos estabelecidos por via administrativa e autorização
para o exercício de uma actividade proibida ou condicionada, tendo em vista as
margens máximas e mínimas estabelecidas para os emolumentos e taxas
municipais39.

Em 1990, procedeu-se à nova reforma das finanças locais40. Desta feita, a grande
novidade foi a municipalização dos seguintes impostos: contribuição predial
rústica e urbana, sisa, imposto de circulação de veículos automóveis e imposto de
produção de cana sacarina e a institucionalização de juízos municipais de
execuções fiscais. Além disso, ficou estabelecido que a participação dos
municípios no produto da cobrança dos impostos directos e indirectos do Estado
não podia ser inferior a 6 por cento.

As medidas ora enunciadas bem atestam o esforço governamental para o reforço


gradual da autonomia financeira municipal que é condição da descentralização
administrativa.

11. A carência de quadros para a Administração Pública fazia-se sentir agudamente no


período posterior à Independência. Nesse sentido, na II Conferência dos
Delegados da Administração Interna, realizada em Mindelo, de 20 a 24 de Abril
de 1977, recomendou-se a criação de um curso de formação de quadros da
Administração Pública.

A recomendação foi efectivada, já em 1978, com o funcionamento, em regime


experimental, do Centro de Formação e Aperfeiçoamento Administrativo
(CENFA) que veio a ser criada legalmente em 1980 e a ser dotado de um Estatuto
em 1984.

O CENFA pôde formar muitos quadros de nível técnico-profissional para a


administração municipal. Nos finais da década de oitenta do Século XX o projecto
de transformação do CENFA num instituto público de administração e gestão
estava em fase adiantada de estudo, o que só veio a concretizar-se quase dez anos
depois.

12. Nos anos oitenta, foi valorado o interesse de estabelecimento de acordos de


cooperação e de geminação com municípios estrangeiros em ordem à criação de
premissas conducentes a um maior desenvolvimento económico e social dos
municípios: Nesse sentido, foi possível celebrar tais acordos com alguns
municípios portugueses (Lisboa com Praia, Amadora com Tarrafal, Seixal com
Boa Vista e Vila Franca de Xira com Santa Catarina, Oeiras com Mindelo) e de
outros países41.

39
Cfr o Decreto-Lei nº 119/78, de 5 de Março, que aprovou a tabela de emolumentos municipais, a
qual foi actualizada pelo Decreto-Lei nº 11/83, de 5 de Março.,
40
Tratava-se do Decreto-Lei nº 101-O/90, de 23 de Novembro, que vigorou até 1998.
41
A história regista que os primeiros acordos de geminação e de cooperação foram celebrados
entre os Municípios da Praia e Lisboa, em 1983.

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13. O poder local não esteve indiferente ao processo de abertura politica feita
voluntariamente pelo PAICV, em 1990.

Tendo em conta que os órgãos e os serviços da Administração Local, pela sua


proximidade das populações e grande envolvimento em tarefas e situações
correlacionadas com a execução prática do processo político em curso,
designadamente as de natureza eleitoral, tinham responsabilidade especiais para o
êxito do processo de transição política que se vivia, o Governo, através do
Ministro da Administração Interna, adoptou, em Outubro de 199042, um conjunto
de determinações sobre a isenção política daqueles órgãos e serviços. Chegou-se
ao ponto de apelar a tais órgãos e serviços de, no exercício das suas funções, de se
coibirem de quaisquer decisões ou condutas que levassem, legitimamente, a pôr
em dúvida essa isenção. Recomendou-se, também, aos Delegados do Governo que
se abstivessem de participar em actos públicos de propaganda partidária, na área
da sua jurisdição, dentro ou fora dos períodos de campanha eleitoral.

Com vista à regularização da situação dos Conselhos Deliberativos, se desfalcados


pela indisponibilidade permanente de algum dos seus membros ou com mandatos
formalmente não prorrogados, foram emitidas em outro despacho ministerial
instruções concretas sobre o assunto43, as quais determinavam consulta junto das
organizações politicas, personalidades e forças vivas locais.

14. Quando o PAICV deixou a governação, em Janeiro de 1991, por vontade


inequívoca do povo, estavam criadas as condições juridico-institucionais para a
emergência de um poder local autêntico; para a aquisição por parte das autarquias
locais do estatuto de maioridade cívica; para a devolução aos municípios do poder
político para a escolha livre dos seus órgãos; para o reconhecimento da faculdade
de auto-administração, sempre no respeito pela unidade e interesse nacionais e
pelo instituto de tutela administrativa; e para o reforço dos meios financeiros
municipais.

Foi essa a herança que o PAICV deixou, em Janeiro de 1991, ao Movimento para
a Democracia, na área da administração municipal44. È bom que isso fique aqui
registado, pois houve no passado tentativa para olvidar e deturpar grosseiramente
o Poder Local prevalecente na I República.

42
Cfr o Despacho do Ministro da Administração Interna Engenheiro João Pereira Silva, de 9 de
Outubro de 1990, publicado no Boletim Oficial nº 43. Idênticas medidas não foram tomadas, a
quando das eleições municipais de Dezembro de 1991.
43
Cfr o Despacho do Ministro da Administração Interna, Engenheiro João Pereira Silva, de 9 de
Outubro de 1990, publicado no Boletim Oficial nº 43.
44
O Programa do I Governo Constitucional da II República referiu-se, no proémio do nº 2 da Parte
I que o “poder local em Cabo Verde foi reduzido nos últimos anos a mera figura de retórica. A
autonomia das autarquias locais foi praticamente eliminada”. Em 1991, depois de toda a reforma
legislativa empreendida nos anos anteriores, tal afirmação não podia ser levada a sério. Ainda no
mesmo Programa lia-se “....e recusou-se a articulação, no âmbito municipal, dos serviços
desconcentrados da Administração Central, cada qual dependendo directamente de um ministério,
na capital, o que inviabilizou a sua racionalização com vista à resolução dos problemas reais da
população do município ou da região em que se situam.”. Tal articulação só veio a ser instituída
sete anos depois, com a criação do cargo de Governador Civil, pela Lei nº 82/V/98, de 21 de
Dezembro. Com a cessação automática da comissão de serviço dos Governadores Civis, em
Fevereiro de 2001, não foram nomeados mais Governadores Civis.

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15. Com as eleições realizadas a 13 de Janeiro de 1991, na sequência obviamente do
processo de abertura politica operada em sede constitucional, o PAICV cedeu o
poder ao MPD, fechando-se um ciclo que se deve considerar histórico na vida do
povo cabo-verdiano, o ciclo da edificação das instituições republicanas e da
administração municipal e da criação da base material do desenvolvimento
nacional, e nascendo a chamada II República por via das mais puras regras
democráticas.

Dando cumprimento ao seu Programa, o novo Governo começou por exonerar os


Delegados do Governo e os Conselhos Deliberativos designados pelo anterior
Governo, e para os mesmos órgãos foram nomeou pessoas de confiança do novo
Governo e partido vencedor. O que era normal! No campo legislativo, reviu o
Decreto-Lei nº 52-A/90, de 4 de Julho45, alterando a designação dos órgãos e a
forma de eleição dos mesmos, em véspera de eleições municipais, bem como a
legislação eleitoral municipal.

Em vez do Conselho Municipal e Presidente do Conselho Municipal passaram a


existir a Câmara Municipal e o Presidente da Câmara Municipal, recuperando
assim as denominações das instituições municipais coloniais.

A Assembleia Municipal e a Câmara Municipal passaram a ser eleitos por sufrágio


universal, livre, igual, directo e secreto, sendo eleito presidente da Câmara
Municipal o candidato que encabeçar a lista vitoriosa para a Câmara Municipal46.
Adoptou-se o sistema de governo local vigente em Portugal que, no entender do
Professor Freitas do Amaral47, não é nem sistema de tipo convencional, nem de
tipo parlamentar, nem de tipo presidencialista.

As Comissões de Moradores foram extintas, em Dezembro de 199148, sem


justificação forte, já que poderiam ser reformadas profundamente, transformando-
as numa estrutura de participação na gestão da coisa pública local e eleita
democraticamente.

As primeiras eleições autárquicas tiveram lugar em Dezembro de 1991 e foram


ganhas pelo MPD, iniciando-se plenamente um novo período na história da
administração municipal cabo-verdiana, ou seja, o de implantação do Poder Local
Democrático.

45
Cfr o Decreto-Lei nº 123/91, de 20 de Setembro.
46
Segundo o nº 2 do artigo 11º da Lei nº 48/III/89, de 13 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-
Lei nº 122/91, de 20 de Setembro, é eleito Presidente da Câmara o primeiro candidato da lista mais
votada para a câmara municipal.
47
In Curso de Direito Administrativo, Volume I, 2ª Edição, página 489.
48
A extinção das Comissões de Moradores foi levada a cabo pelo Decreto-Lei nº 174/91, de 7 de
Dezembro, ficando os municípios incumbidos de organizar a gestão dos assuntos autárquicos nas
circunscrições territoriais correspondentes aos povoados e bairros situados nos concelhos.

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Divisão administrativa do Pais

16. Segundo o último Estatuto Orgânico da Província de Cabo Verde, o território


provincial dividia-se em concelhos, que se formavam de freguesias, podendo as
sedes dos concelhos da Praia e S. Vicente dividir-se em bairros.

Ainda segundo aquele diploma, os concelhos agrupavam-se em dois distritos


denominados de Sotavento e Barlavento, com sedes respectivamente na cidade da
Praia e na cidade de Mindelo, respectivamente, tendo cada um deles à frente um
governador de distrito. No Distrito de Sotavento, o cargo de governador era
exercido, por inerência, pelo Secretário Geral do Governo da Colónia49.

Havia portanto três níveis de circunscrição administrativa, e mais um nas cidades


da Praia e Mindelo. Com excepção dos concelhos, as demais circunscrições
administrativas não eram autarquias locais, sendo produto de uma
desconcentração da acção do Estado.

A divisão administrativa de um território deve acompanhar sempre as


necessidades do seu progresso económico e social e facilitar a vida das
populações, proporcionando a todos os meios que garantam o seu bem-estar. Mas
a divisão prevalecente trouxe sempre problemas às populações, devido à sua
inadequação.

Já em 1974, as autoridades coloniais em Cabo Verde anunciaram para breve uma


completa revisão da divisão do território, de forma a preencher todas lacunas que
se mostravam mais evidentes. Nesse sentido, foi criado, o concelho dos
Mosteiros50, através do Decreto Provincial nº 10/74, de 11 de Julho, diploma esse
que jamais entrou em vigor51.

17. Existia por altura da Independência Nacional 13 municípios e 31 freguesias,


situação que se manteve inalterada até o mês de Dezembro de 1991, altura em que
foi criado o Concelho e Município dos Mosteiros.

A coordenação das actividades administrativas e a representação do Governo nas


ilhas de S. Vicente e Santo Antão mereceu do Governo alguma atenção, tendo
sido adoptadas algumas soluções52 quer se julgavam adequadas para a época.

49
O Governador do Distrito de Barlavento estava já empossado, em Portugal, quando se deu o 25
de Abril, e por aí ficou.
50
Dezassete anos depois, e já em 1991, através da Lei nº 23/IV/92, de 30 de Dezembro, foi criado
o Concelho dos Mosteiros, e nele o Município dos Mosteiros, passando o então Concelho e
Município do Fogo a designar-se Concelho e Município de S. Filipe.
51
Segundo o artigo 7º do Decreto Provincial nº 10/74, de 11 de Julho, o diploma entraria em
vigor na data em que vier a ser estabelecida pelo Governo, o que jamais se verificou.
52
Porque não foram preenchidos os cargos de governador de distrito, o Governo, confrontado com
os problemas de coordenação, de representação e controlo nas ilhas de S. Vicente e Santo Antão,
criou a figura de Delegado Regional de Governo (Cfr o Decreto-Lei nº 23/78, de 15 de Abril). O
Delegado Regional do Governo não chefiava nem dirigia os serviços regionais e os serviços
personalizados do Estado sediados nas ilhas sob sua jurisdição. Além disso, não tinha poderes de
tutela sobre a administração local.
Mais tarde, concretamente, em 1981, foi extinto tal cargo, passando a coordenação a ser feita por
um membro de Governo residente em Mindelo, com a designação de Ministro-Adjunto do

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18. Já na II Legislatura, falava-se da necessidade de uma nova divisão administrativa.
Nesse sentido o Programa de Governo para essa Legislatura propunha a realização
de estudos para uma nova divisão administrativa, em ordem a facilitar a
implantação dos órgãos do poder local.

Dando cumprimento a esse ponto do seu Programa, o Governo editou o Decreto-


Lei nº 93/82, de 6 de Novembro, que estabelece, no seu artigo 1º, que, para efeitos
administrativos, o território da República divide-se em concelhos que se
subdividem em freguesias e estas em povoados ou bairros53, prevendo-se assim
três escalões de circunscrições, continuando o concelho a ser base de uma
autarquia local, já que os outros são meras circunscrições administrativas para
efeitos de administração local do Estado ou para efeitos de desconcentração de
serviços municipais.

Entende-se que o citado diploma trata da divisão do território para efeitos de


administração local do Estado, e não da divisão do território para efeitos de
administração autárquica, sendo que esta última tem por base o concelho com
nível de autarquia local ou município, até 1989, e, a partir desta data, o município.

Como o concelho é a base da divisão administrativa básica, sempre que se crie um


município está-se a criar implicitamente o respectivo concelho, não sendo possível
que um concelho abarque mais de um município.

Com excepção da ilha de Santa Luzia, todo o território nacional se encontra


distribuído por concelhos e coberto de municípios.

Primeiro Ministro (Cfr os Decretos-Leis nºs 117/82, de 24 de Dezembro, e 60/83, de 16 de Julho.)


O cargo deixou de ser preenchido a partir de 1991.
A ilha de Santo Antão, tal como a ilha de Santiago, albergava mais de um concelho, pondo-se
assim, desde logo, problema de coordenação dos seus três concelhos relativamente a problemas e
objectivos comuns.
Enquanto que na ilha de Santiago, a coordenação podia ser, em termos teóricos, levada a cabo
pelos órgãos e serviços centrais instalados na Capital, na ilha de Santo Antão, dada a distância e as
dificuldades de comunicações, ela tornava-se mais difícil, a partir da Praia. Assim, em ordem a
desconcentrar a coordenação dos concelhos da ilha de Santo Antão, foi criado o Comité
Coordenador de Santo Antão que era composto pelos Delegados do Governo nos concelhos da ilha
e por um presidente52. A referida estrutura coordenava, dinamizava e fiscalizava os órgãos da
administração municipal da ilha, vetando as que contrariassem ou ofendessem o interesse comum,
as orientações do Governo e princípios e os objectivos do Partido, além de outras atribuições.
Ainda na referida Ilha, em ordem à coordenação perfeita entre os vários serviços estatais nela
sediados e à necessidade de realização de estudos técnicos e de planos e propostas de
desenvolvimento que tivessem em consideração a realidade global da ilha foi criada a Comissão
Técnica de Desenvolvimento de Santo Antão ( Cfr Decreto-Lei nº 9/76, de 31 de Janeiro). Tinham
assento na Comissão Técnica de Desenvolvimento de Santo Antão os membros do Comité
Coordenador e os responsáveis locais de agricultura, educação, obras públicas, saúde e assuntos
sociais e de outros departamentos estatais designados pelos respectivos ministros.
53
Ficou prejudicada a ideia de agrupamento de concelhos em dois distritos denominados de
Sotavento e Barlavento, com sedes, respectivamente, na cidade da Praia e na cidade do Mindelo,
respectivamente, conforme o nº 3 do artigo 53º do Estatuto Político-Administrativo da Província de
Cabo Verde.

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1990)

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Além da divisão básica do território, existia divisão administrativa especial
(militar, agrícola, marítimo, registos, judicias, etc), segundo critérios muito
variados.

Outras divisões especiais tomavam como base agrupamento de ilhas que


anteriormente integravam os distritos de Barlavento e Sotavento. Era o que
passava com as direcções regionais de obras públicas, saúde, assuntos sociais, com
as conservatórias dos registos, com as delegações marítimas, etc.

Assente que a divisão administrativa se fundava na vontade do Estado,


manifestada através do Governo, não pôde este, no decurso da I República,
proceder à nova divisão administrativa, não obstante terem sido criadas comissões
“ad-hoc”54, ficando assim por resolver graves problemas há muito identificados e
representados em várias oportunidades.

54
Já nos finais do ano de 1985, as autoridades reconhecendo a existência de unidades territoriais
portadoras de traços que lhes conferiam uma certa especificidade no cômputo dos concelhos em que se
inseriam, como era o caso dos Mosteiros (no concelho do Fogo), Tarrafal (no concelho de S. Nicolau) e
Calheta (no concelho do Tarrafal), e não obstante a inconveniência da adopção de autarquia infra-
municipal como regra, encararam a hipótese de, naqueles casos concretos, se proceder a experiências
conducentes à instituição de órgãos autárquicos próprios (Cfr Relatório de Execução do Programa do
Governo (1981-1985, parte II, pág. 6). Em concreto, nada foi feito.

Bibliografia

Marcelo Caetano: Manual do Direito Administrativo, Tomo I;


António Pedro Pires de Lima, A tutela administrativa nas autarquias locais, 2ª
edição; Diogo Freitas do Amaral: Uma solução para Portugal, Publicações Europa
América, 7ª Edição, 1985; Curso de Direito Administrativo, volume I; A evolução
do direito administrativo português nos últimos dez anos, in Contencioso
Administrativo, 1986;
José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa, 3ª edição revista.
José Casalta Novais, A autonomia local, Coimbra 1993.

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1990)

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1990)

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