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Psicologia
Setor de Ciências Humanas
Departamento de Psicologia
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Disciplina: Docência no Ensino Superior
ATIVIDADE III
1
Destacamos, ainda que brevemente, a opção por utilizar “atividade de estudo” por se referir majoritariamente na
literatura utilizada – principalmente em Asbahr (2011) – à atividade de aprendizagem que ocorre por promoção
ou dentro da instituição de ensino, mas a compreensão de que estudo e aprendizagem são fenômenos
complementares para nós é essencial nesse texto.
De acordo com Martins (2013) a unidade teórico-metodológica entre Psicologia
Histórico-Cultural e Pedagogia Histórico-Crítica se verifica partir da categoria fundante da
concepção marxista de ser humano, o trabalho como atividade vital humana. Partindo da
concepção de que o ato de educar consiste em produzir a humanidade histórico-social no
indivíduo singular,. Para isso é necessário tanto a identificação dos elementos culturais a serem
transmitidos, como a descoberta da melhor forma para realizá-lo. Nesse sentido, educar vai
além de transmitir conhecimentos. A educação, pode ser entendida então como trabalho
humano intencional não-material, no qual sua produção e consumo ocorrem de forma
simultânea (SAVIANI, 2003, p. 2).
Para compreendermos a atividade de estudo e o sentido que os indivíduos dão a ela, se
faz necessário, entendermos quem são esses sujeitos e de que formas eles aprendem? A
Psicologia-Histórico-Cultural parte dos conteúdos elaborados por Marx e Engels de que os
seres-humanos se relacionam com a natureza, por meio do trabalho, para a satisfação de suas
necessidades e de que essa é a condição fundamental do salto de transformação dos seres
humanos, ou seja, a humanização: passagem do homem ao gênero humano.
Vigotski inaugura o campo do conhecimento acerca dos processos de aprendizagem ao
afirmar que, diferentemente dos postulados anteriores na psicologia, a aprendizagem contribui
para impulsionar o desenvolvimento psíquico dos indivíduos. Esse desenvolvimento não se dá
de forma natural, nem isolada, mas é produto das relações inter-psíquicas que os sujeitos
desenvolvem por meio da atividade. Portanto, de acordo com o autor não é por meio da
maturação biológica, nem dos conceitos espontâneos cotidianos que se desenvolve o psiquismo
humano, mas por via da aprendizagem dos conceitos científicos.
O local onde esses dois aspectos, o ato educativo e a possibilidade de desenvolvimento
das funções psicológicas superiores dos indivíduos, se encontram é na instituição de ensino.
Considerando que as crianças desenvolvem diversas atividades anteriormente a entrada no
período escolar, e que, por sua vez, aprendem diversas explicações sobre a realidade. Alguns
autores se dedicaram à investigação da atividade de estudo, propriamente dita por entender que
existem especificidades nessa atividade, Flávia Asbahr (2011) sistematiza e elabora algumas
dessas reflexões com base nessas formulações.
Conforme aponta Asbahr (2011, p. 62), atividade de estudo é aquela que corresponde à
atividade humana encarnada nas formas avançadas de consciência social. Além disso, o uso do
termo “atividade de estudo” é também uma posição teórico-político, diante de concepções que
não diferenciam a aprendizagem cotidiana da aprendizagem escolar e desconsideram o papel
do professor como elemento mediador fundamental no processo de organização do ensino
(abordaremos esse aspecto adiante no trabalho). A autora aponta ainda que é por meio do jogo
que aparecem os primeiros traços da atividade de estudo, neles a criança entra em contato com
conhecimentos e desperta interesses cognitivos que o próprio jogo não é capaz de resolver
(ASBAHR, 2011 p. 65).
Um dos principais autores da psicologia soviética, Alexis Leontiév elaborou alguns
estudos acerca das particularidades da atividade vital humana. De acordo com o autor (1978) a
atividade humana passou por diversas transformações na passagem da consciência primitiva à
superior, relacionadas à divisão do trabalho. Ao se deter ao estudo do trabalho humano, o autor
postula acerca da estrutura fundamental dessa atividade, afirmando que existe no processo de
trabalho, a cisão em sistemas de ações conscientes e orientadas (estrutura da atividade), que
juntas constituem uma determinada operação (conteúdo da atividade). Por sua vez, nas ações
verifica-se a existência de dois elementos separados, mas que se relacionam: motivo e objeto,
que corresponde ao fim da ação propriamente dito.
Já os motivos podem ser identificados como aquilo que, refletindo-se no cérebro
humano, excita a atuar e dirige esta atuação a satisfazer uma necessidade determinada, que no
caso dos seres humanos, são necessidades de ordem superior que superam e incorporam suas
necessidades de caráter biológico e imediato. Os motivos de uma atividade podem ser motivos
de uma ação específica, podendo coincidir-se, ou ainda podem exigir diversas ações diferentes
dentro de uma mesma atividade (LEONTIEV, 1978).
Segundo Leontiev (1978), é na relação objetiva entre o motivo da atividade e a
finalidade da ação (seu resultado imediato) que é possível objetivar o sentido pessoal
empregado na ação; como a atividade é a possibilidade da relação dialética entre sujeito e
sociedade, é por meio desta que torna-se possível o estabelecimento de vínculo entre
necessidade e objeto e sua atribuição de sentido à ação, e consequentemente, à atividade de
maneira consciente. O motivo relacionado à ação pode ou não ser responsável de gerar novas
necessidades, e potencializar o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Dessa forma,
afirma Leontiev (1978) há uma distinção entre motivos estímulos e motivos eficazes, ou
geradores de sentido.
Assim sendo, segundo Asbahr (2011), é vital a diferenciação entre a ação realizada pelo
aluno durante o processo de aprendizagem e atividade de estudo. Pois, a ação, mesmo que
podendo se configurar em pareamento com a atividade quando tendo seus fins condizentes com
os motivos da atividade – no caso formação do pensamento teórico –, ela pode se tornar mero
ato operacional, que pouco ou nada contribuem para a formação da criança. Ao passo que a
atividade, só se configura enquanto tal, quando em vista de sua possibilidade de articulação
entre sujeito e sociedade em concomitância com o motivo pessoal atribuído (ASBAHR, 2011).
Com as transformações na consciência humana, o reflexo psíquico salta de qualidade
modificando também a relação dos seres humanos com a natureza. Dessa forma, na relação
entre sujeito e objeto, destacamos a presença da significação, ou seja, o fato de um objeto se
descobrir objetivado num sistema de ligações. Portanto, o reflexo consciente é caracterizado
pela presença de uma relação interna entre um sentido subjetivo e uma significação, a “(...)
generalização da realidade que é cristalizada e fixada em um vetor sensível” (Leontiev, 1978,
p. 94).
Ao falarmos de sentido pessoal e significação pessoal um cuidado é necessário para não
cairmos em explicações de caráter metafísico, que separam o sentido da existência concreta do
ser humano. Asbahr (2011) resgata a discussão vigostikiana acerca do sentido e significado
atrelado a linguagem e à palavra propriamente dita. Trazendo também a contribuição de
Leontiev, como um aprofundamento dessa discussão iniciada por Visgotski.
Diferentemente do que é veiculado constantemente pelos meios de comunicação, e
reforçado enquanto elemento ideológico do neoliberalismo, a autonomia não consiste em uma
ação individual, isolada e deslocada das relações sociais. Mas somente em relação a elas,
conforme afirma Vigotski, na sociedade capitalista a grande maioria da população (que vende
sua força de trabalho) se encontra na situação descrita abaixo:
Isso porque a autonomia está relacionada à capacidade que os sujeitos têm de criar novos
ordenamentos, novas normas para a sua vida. Ou como, no caso abordado, a autonomia estaria
atrelada a uma maior capacidade de autodomínio da conduta, de desenvolvimento do
pensamento complexo, e sobretudo numa reorganização dos motivos dos estudantes com
relação à atividade de estudo.
Tendo compreendido basicamente a importância do desenvolvimento da autonomia
dentro da hierarquia de motivos que permeia a atividade do estudo, situaremos nesse ponto o
autodomínio da conduta como aspecto intrínseco ao desenvolvimento dessa atividade de
maneira eficaz para o aluno. O autodomínio da conduta exemplificado aqui representa uma
dualidade no processo de aprendizado, posto que se insere na totalidade da atividade como
condição e consequência, de acordo com os preceitos da Psicologia Histórico-Cultural, como a
unidade entre a atividade e consciência, conforme situa Martins (2013): “(...) afirmar unidade
entre atividade e consciência implica conceber o psiquismo humano como uma formação na
qual a atividade condiciona a consciência – e esta, por seu turno, a regula” (p. 131).
O autodomínio da conduta consiste em uma função psíquica superior, sendo assim
compreendida como propriedade psíquica socialmente engendrada, que supera – na acepção
dialética do termo – as funções psíquicas integralmente biológicas (funções psíquicas
elementares), imediatas do ser humano, e resulta das transformações condicionadas pela
atividade do indivíduo com seu entorno físico e social (MARTINS, 2016). Tal concepção torna-
se bastante cara ao nosso trabalho, considerando que um dos elementos fundamentais da
Pedagogia Histórico-Crítica, também extensivamente subsidiado pelas pesquisas de Vigotski,
consiste na prevalência da aprendizagem sobre o desenvolvimento. Ao abordar a temática do
desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos na criança, Vigotski (2001) explicita-
nos a tese de que o desenvolvimento maturacional biológico, bem como a imediaticidade dos
conceitos espontâneos não são as forças motoras para o desenvolvimento processual e
complexo do pensamento humano e, sim, a aprendizagem dos conceitos científicos que
possibilita esse movimento.
Tal afirmação torna-se mais clara ao abordarmos a função do signo, como instrumento
psíquico, na mediação do pensamento humano e a função da educação nesse sentido. Para
Martins (2013) – retomando os fundamentos do pensamento vigotskiano –, o ato mediado por
signos é um ato instrumental, operando como um estímulo de segunda ordem capaz de retroagir
sobre as funções psíquicas, permitindo-as deixarem seu caráter espontâneo e adquirir expressão
volitiva. Esse conceito revela-se extremamente pertinente à compreensão do autodomínio da
conduta como função psíquica superior, todavia é necessário o destaque de que todas as funções
superiores carregam em si esse traço da mediação instrumental, conforme Almeida (2008): “No
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, todos os processos são processos de
domínio das próprias reações com ajuda de diversos meios” (p. 58).
A mediação instrumental necessária às funções psicológicas especificamente humanas,
portanto, aborda fundamentalmente a caracterização do ser humano, a passagem das funções
psíquicas elementares às funções psíquicas superiores, requalificando todo o psiquismo do
homem. O aspecto social da utilização de signos socialmente disponíveis é uma das bases de
enorme importância para a Psicologia Histórico-Cultural e a humanização – crescente
apropriação do ser singular pela produção genérica humana – já está presente desde os textos
iniciais de Marx - pensador do método que nos fundamenta, conforme o autor: “Não só o
material da minha atividade – como a própria língua na qual o pensador é ativo – me é dado
como produto social, a minha existência própria é atividade social; por isso, o que eu faço de
mim, faço de mim para a sociedade e com a consciência de mim como um ser social. (MARX,
2015, p. 347).
Marx (2015) irá, subsequentemente a essa passagem, explicitar como a apropriação da
produção humana pelo indivíduo confere um caráter social aos mecanismos sensoriais mais
básicos componentes do ser. A mesma tese é defendida – e expandida – pelos autores da
Psicologia Histórico-Cultural. De todo esse quadro, o domínio da conduta é parte elementar,
como defendemos no presente trabalho. Vigotski (2000) demonstra por meio dos resultados de
uma série de experimentos realizados com crianças e adultos de diversas faixas etárias como,
no processo de escolha, o pensamento humano mediado pelos signos consegue tomar decisões
mais complexas, pois sua escolha consiste não em um conflito entre estímulos – limitados a
processos biológicos –, mas, sim, em um conflito entre os motivos de sua ação – processo social
de atividade – superando a imediaticidade dos reflexos em um plano psicológico. Segundo o
autor:
Tal vez lo más interesante que pueda decir ahora un psicólogo sobre la voluntad sea
lo que sigue: la voluntad se desarrolla, es un producto del desarrollo cultural del niño.
El autodominio, los principios y medios de este dominio no se diferencian, en o
fundamental, del dominio sobre la naturaleza circundante. (VYGOSTSKI, 2000, p.
300)
Essencialmente, estratégias são os meios que o professor utiliza em sala de aula para
facilitar a aprendizagem dos alunos, ou seja, para conduzi-los em direção aos
objetivos daquela aula, daquele conjunto de aulas ou daquele curso. Procurando
conceituar de maneira mais formal, podemos dizer que as estratégias para
aprendizagem constituem-se numa arte de decidir sobre um conjunto de disposições,
de modo a favorecer o alcance dos objetivos educacionais pelo aprendiz. (p. 50)
As estratégias de ensino adotadas pelo professor, então, devem considerar sua prática
social em encontro com a prática social do aprendiz, sendo o alcance dos objetivos exigidos e
propostos a síntese da prática dos dois polos do aprendizado, conforme supracitado por Martins
(2016), reconhecendo a importância da intencionalidade do professor ao ensinar e do aluno ao
aprender. Não concordamos, porém, que essa proposta seja similar ao estilo de ensino centrado
no aluno, como exposto por Abreu e Masetto (1997). Acreditamos direcionar-se mais a uma
síntese das duas proposições expostas pelos autores, mantendo a responsabilidade e
organização ao professor, enquanto possui o aluno necessariamente como parte dessa
organização.
Vale o destaque também que a compreensão do desenvolvimento e manutenção da
qualidade da atividade de estudo, dotada de intencionalidade e autonomia, exigirá – de diversas
maneiras – um critério de avaliação contínua, como explicitado por Gil (2012). O conhecimento
dos motivos da atividade por parte do aprendiz e o feedback sobre esse processo, além dos
diversos momentos do ensino citados anteriormente, ocorre de maneira mais eficaz se o
professor consegue estabelecer um método de avaliação que, assim como seus objetivos de
ensino, consiga auxiliar o aprendiz a conhecer seus próprios processos de aprendizagem, ver de
que maneira não está adequados e quais são os instrumentos estão disponíveis para sua
“correção”.
Destarte, objetivamos com essa breve exposição demonstrar como o conteúdo teórico
disponível pela Psicologia Histórico-Cultural pode não somente dialogar com as concepções
abordadas na disciplina Docência em Ensino Superior, mas também contribuir para o seu
desenvolvimento, buscando uma compreensão mais adequada do fenômeno da educação e
possibilitando uma práxis educativa cada vez mais adequada. A autonomia dos aprendizes não
estaria, assim, situada como oposição à intencionalidade e diretividade do professor, ao
contrário, está – conforme abordado – diretamente relacionada com a intencionalidade do
ensino que compreenda sua atividade de estudo como parte integrante desse processo.
REFERÊNCIAS
Abreu, M. C., & Masetto, M. T. (Orgs.). O professor universitário na sala de aula. 11ª. edição.
São Paulo: MG editores associados, 1997
TOASSA, G. Conceito de liberdade em Vigotski. In: Psicol. cienc. prof. [online]. 2004, vol.24,
n.3, pp.2-11.