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CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Fortaleza
2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Dissertação apresentada
como exigência parcial
para obtenção do grau de
Mestre em História Social
à Comissão Julgadora da
Universidade Federal do
Ceará, sob a orientação do
Prof. Dr. Almir Leal de
Oliveira.
Fortaleza
Junho de 2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
_______________________________________
Prof. Dr. Almir Leal de Oliveira
Orientador
_______________________________________
Profa. Dra. Maria Emília Monteiro Porto
_______________________________________
Profa. Dra. Marilda Santana da Silva
Fortaleza
Junho de 2007
Dedico este trabalho à minha
irmã Stella, filha do coração, que
com sua batalha contra as
tribulações e doença, mostrou-
me que mesmo com seqüelas,
viver plenamente nossos
sonhos é possível. Basta ter fé!
AGRADECIMENTOS
A Guerra dos Bárbaros foi uma série de conflitos entre colonos e indígenas nos
sertões do Estado do Brasil, desde a segunda metade do século XVII até o início
do século XVIII, especialmente, na capitania do Rio Grande, e são examinados
neste trabalho pela ótica da relação entre economia e cultura. A partir da análise
dos elementos estruturais e conjunturais do Império Atlântico Português e as
relações deste com a ocupação e exploração efetiva dos sertões das capitanias
do Estado do Brasil no século XVII são discutidos e analisados os processos de
resistência desses grupos indígenas, denominados de Tapuias, bem como as
modificações na maneira de se fazer a guerra de ambos os lados. A Guerra dos
Bárbaros, do ponto de vista do colonizador, enfatizou os Tapuia como uma
espécie de barreira, obstáculo, isto é, uma muralha demoníaca que impedia a
efetivação do projeto de colonização.
The “Guerra dos Bárbaros” was a great numbers of conflict surrounding settlers
against indians in the State of Brazil at the second half of 17o century to beggining
from 18o century, specially in the Capitania of Rio Grande. In this research these
facts were analyzed from the view of relations between economy and culture.
According to analisys of the aspects from estructure and historical conditions of the
Portuguese Atlantic Empire and his relations with the hinterland´s exploration and
ocuppation in the State of Brazil northern capitanias, were examined here the
“Tapuia” native indian resistence, and the variated forms of to realize the war from
both the component parts. The “Guerra dos Bárbaros”, at the colonialist view,
emphasized the Tapuia indians how a bound, obstacle, a “devil wall” that bounded
the effective colonization of the northern brazilian hinterland region .
INTRODUÇÃO 10
1
WEBER, MAX. Apud. CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: mito, história,
etnicidade. São Paulo: Brasiliense / Edusp, 1986.
2
SCOTT, James C. Formas cotidianas da resistência camponesa. Raízes, Campina Grande:
Edufcg, vol 09, 2000.
situação. As ações cotidianas de resistência dos indígenas neste contexto,
denominados de Tapuias pelos cronistas, durante muito tempo foram vistas
apenas como atitudes de incompetência, incapacidade e desleixo. As formas
silenciosas e anônimas de resistência desses indígenas quando vistas
isoladamente passam despercebidas e muitas vezes, como diz Scott, contribui
para a “estereotipação” deles. Somente quando analisamos o conjunto dessas
ações é que visualizamos a resistência contida neles.
Outro referencial utilizado em nosso trabalho foi o entendimento sobre o
que diz Edward P. Thompson3 quando trata a respeito da noção de diferença
(utilizada pela antropologia), e de como esta veio ajudar o historiador na medida
em que fornece a concepção de que os povos são diferentes, não pensam da
mesma forma. A circularidade cultural está presente no cotidiano, nas ações
diárias daqueles povos que estão interagindo em um mesmo espaço e tempo. O
próprio Thompson afirma que a noção de classe social só pode ser compreendida
quando levamos em conta que ela é uma formação social e cultural. A idéia de
circularidade cultural nos ajudou, portanto, no momento em que elementos
mesmo fragmentados, quando submetidos a uma análise, nos permitiram
construir um todo, dando-nos uma visão de conjunto, uma noção de sistema
necessária para a interpretação dos fatos.
A nossa intenção foi então demonstrar que a Guerra dos Bárbaros não foi
apenas um conjunto de conflitos e enfrentamentos militares, mas uma questão de
luta pelo controle desses domínios territoriais, e que para isso, foi necessário
desenvolver um controle sobre a economia e ao mesmo tempo, desenvolver
formas de controle cultural. Assim, nos defrontamos com o problema de saber
como, aos poucos, a administração portuguesa construiu a imagem dos Tapuia
como “muro do demônio”, ou seja, de que forma se constituíram esses grupos
como impedimentos ativos e reais, verdadeiras “muralhas” de contenção ao
desenvolvimento pleno da colonização. Procuramos também saber quem foram
esses Tapuia, no sentido de que a denominação genérica a eles determinada,
agregava, na verdade, uma variedade de grupos indígenas.
3
THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1997.
A pesquisa foi realizada seguindo alguns procedimentos em relação ao
corpus documental dos séculos XVII e XVIII, constituído de: Relatos e Crônicas
portuguesas e holandesas do século XVII; a sistematização e análise das fontes
documentais constituídas de documentos referentes à administração, tanto das
capitanias quanto dos Estados do Brasil e do Maranhão, no período relativo à
segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XVIII;
confrontados com a historiografia recente sobre o tema da chamada Guerra dos
Bárbaros, incluindo autores e suas pesquisas em âmbito apenas regional e em
âmbito mais geral.
No primeiro capítulo, procuramos fazer um levantamento bibliográfico sobre
a temática indígena na historiografia brasileira, a partir de crônicas, relatos de
viagem até às abordagens históricas da atualidade. Tratamos especificamente
das produções que versaram sobre a integração do indígena à sociedade
brasileira por entendermos que o fazer historiográfico é em grande parte reflexo
da conjuntura política, social e cultural em que foi elaborada e que fugir da
historiografia não é necessariamente garantia de evitar seus equívocos e
estereótipos, sendo necessário muito mais relê-la do que apenas contrapô-la.
No segundo capítulo, tratamos dos aspectos internos, portanto, factuais, da
Guerra dos Bárbaros, bem como suas relações com a Guerra Brasílica ou a
guerra da restauração portuguesa no Brasil, e a vinculação desses conflitos com
o espaço que foi palco desses embates, os chamados “sertões”. Além disto,
enfocamos também a dimensão do conflito enquanto embates culturais, incluindo
as disputas, negociações e o próprio extermínio dos grupos indígenas como
elemento de análise.
No terceiro e último capítulo, analisamos os aspectos de ordem externa, ou
melhor dizendo, a respeito do Império Atlântico Português e seu projeto de
expansão, bem como as dificuldades em relação á ocupação das terras do Brasil.
Procuramos mostrar assim, os impedimentos reais e concretos a essas intenções
e como se configurou a denominação de “muro do demônio” para os Tapuia, e os
resultados decorrentes desse processo de aculturação.
CAPÍTULO I
4
THOMAS, Georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil: 1500-1640. Tradução do Pe.
Jesus Hortal. São Paulo: Loyola, 1981, p. 50-52.
5
DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no
Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para
comemoração dos descobrimentos portugueses, 2000, p. 27.
Fernão Cardim, jesuíta, professor de latim, copista e Provedor da Fazenda;
“História da Província de Santa Cruz” (1576) de Pero de Magalhães Gândavo; e o
“Tratado Descritivo do Brasil” (1587) de Gabriel Soares de Sousa, como as
principais referências caracterizadoras do gentio no século XVI. Cada um destes
cronistas portugueses destacou a defesa da incorporação da nova terra ao Reino
de Portugal, com descrições da vida e dos costumes dos gentios. Estas visões
nos auxiliam no entendimento do imaginário sobre o indígena àquela época.
O Pe Fernão Cardim, ao final do século XVI, por exemplo, mostrou a
grande diversidade existente entre os índios chamados genericamente de tapuias
pelos portugueses. Fez uma extensa caracterização destes índios tapuias e citou
os nomes pelos quais esses grupos eram chamados e ainda informou sobre as
suas formas de habitação, de alimentação, tipos de instrumentos, língua e suas
formas de guerrear. Sobre as nações tapuias ele afirmou que: “Há outras nações
contrárias e inimigas destas, de diferentes línguas que em nome geral se chamam
Tapuia, e também entre si são contrárias” 6. Ressaltou que:
“Todas estas setenta e seis nações de Tapuias, que tem as mais delas
diferentes línguas, são gente brava, silvestre e indômita, são contrárias
quase todas do gentio que vive na costa do mar, vizinhos dos
7
portugueses”.
“Estes índios tem feito muito dano aos moradores depois que vieram a esta
costa e mortos alguns portugueses e escravos, porque são inimigos de
toda gente. Não pelejam em campo nem tem ânimo para isso, põe-se entre
o mato junto dalgum caminho e tanto que passa alguém atiram-lhe ao
coração ou a parte onde o matem e não despedem frecha que não na
empreguem.”8
6
CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp,
1980, p. 103.
7
Id. Ibid., p. 106.
8
GANDAVO, Pero Magalhães. História da província de Santa Cruz. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp,1980, p. 34.
O mesmo cronista chama ainda a atenção para o fato desses índios causarem
sérias dificuldades em relação à ocupação efetiva da terra e o prejuízo decorrente
disto, quando afirmou que:
“Muitas terras viçosas estão perdidas junto desta Capitania as quais não
são possuídas dos portugueses por causa destes índios. Não se pode
achar remédio pela os destruírem porque não tem morada certa, nem
saem nunca dentre o mato: e assim quando cuidamos que vão fugindo
ante quem os persegue, então ficam atrás escondidos e atiram aos que
passam descuidados.”9
“Finalmente que são estes índios mui desumanos e cruéis, não se movem
a nenhuma piedade: vivem como brutos e animais, sem ordem nem
conserto de homens, são mui desonestos e dados à sensualidade e
entregam-se aos vícios como se neles não houvera razão de humanos...”.
11
9
Id.Ibidem, p.34
10
Id. Ibid., p.52.
11
Id.Ibid. p.57.
alguns de seus contemporâneos, quando criticou determinadas ações
administrativas e atitudes dos colonos, atitudes as quais considerou nocivas ao
avanço da colonização. O comentário mais conhecido e mais usado como
exemplo pela historiografia é o que compara a colonização portuguesa no Brasil
aos caranguejos que apenas “arranhavam” o litoral.
Vicente do Salvador foi um dos cronistas que também assinalou em seu
texto a diversidade de grupos existentes dentro do universo genérico denominado
de Tapuias, ressaltando inclusive a maior ferocidade destes em relação aos outros
gentios, quando escreveu que “os mais bárbaros se chamam in genere Tapuias,
dos quais há muitas castas de diversos nomes, diversas línguas e inimigos uns
dos outros”.12 Ele ainda reforçava a braveza desses tapuias, quando diz que: “...
este gentio naturalmente tão belicoso que todo seu cuidado é como farão guerra a
seus contrários”.13
Vicente do Salvador reconheceu também a capacidade de organização dos
Tapuia em ataques aos inimigos, e o grande conhecimento que esses índios
detinham da região, fato que possibilitava a estes um melhor resultado nos
ataques que empreendiam a qualquer inimigo. Assim, Vicente do Salvador
descreveu que os Tapuias:
“Tem grande conhecimento da terra, e não só o caminho por onde uma vez
foram atinam por mais cerrado que já esteja, mais ainda por onde nunca
foram”. Tanto que saem fora de seus limites e entram pela terra dos
contrários, levam suas espias diante, que são mancebos mui ligeiros, e há
alguns de tão bom faro que há meia légua cheiram fogo, ainda que não
apareça o fumo... E ordenam-se de maneira que possam maneira entrar de
madrugada e tomá-los descuidados e despercebidos...” 14
12
SALVADOR, Vicente do. História do Brasil: 1500-1627. 7ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Edusp, 1982, p.77.
13
Id. Ibidem., p. 84.
14
Id. Ibid., p. 85.
relação aos cronistas portugueses, os holandeses foram muito mais detalhistas no
que se refere à descrição desses índios Tapuia, além de terem os holandeses
produzido um maior número de crônicas e relatos durante o século XVII,
possivelmente, em razão de um contato mais próximo que tiveram com esses
grupos indígenas que habitavam o sertão da colônia.
Dentre os muitos que escreveram no contexto do Brasil holandês, citamos
Johannes de Laet em: “História ou Anais dos Feitos da Companhia Privilegiada
das Índias Ocidentais desde o seu começo até o ano de 1636”; Elias Herckmann,
com a “Descrição Geral da Capitania da Parahyba”, de 1639; Gaspar Barléus, com
a “História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil”, de
1643; Pierre Moreau com sua “Histoire des derniers troubles du Brésil” de 1651, e
finalmente, Joan Nieuhof, com o relato “Memorável Viagem Marítima e Terrestre
ao Brasil”, de 1682.
A extensa produção etnográfica holandesa sobre o Brasil situa-se num
plano de destaque, principalmente, por ter sido feita em geral por naturalistas,
matemáticos, e cartógrafos formados em academias de artes e ciências, além de
serem trabalhos que descrevem com riquezas de detalhes e minúcias, as
características dos grupos indígenas do chamado “sertão”. Em especial, esses
autores deram ênfase nas suas narrativas aos costumes e a espacialização da
distribuição geográfica dos grupos indígenas tapuias que habitavam as terras
distantes do litoral. Merece destaque também, o fato de que estes relatos aqui
citados, todos foram fruto de uma proximidade de observação na convivência
desses holandeses e de seu interesse nos índios Tapuia.
O diretor da Companhia das Índias Ocidentais, Johannes de Laet, assim
descreve acerca dos índios tapuias em seu relato:
“Os Tapuias dos quais Jandovi é o chefe, são um povo nômade, mudando
de tempos em tempos as suas habitações, carregando as mulheres nessa
ocasião as choças e as redes dos maridos.”... Consideravam como sua
uma extensão de terras entre cinco rios. O primeiro, a partir do Rio Grande
em direção para o interior. O segundo chamam Quoaouguh e está situado
situado um dia de viagem mais adiante... o terceiro – Ocioro, distando do
último mais dois dias de viagem... o quarto – Upanema, mais dois dias de
viagem. O quinto- Woroiguh, meio dia de viagem acima do último.” 15
“É célebre no Brasil holandês o nome dos tapuias, por causa do seu ódio
aos portugueses, da guerra com seus vizinhos e dos auxílios mais de uma
vez prestados a nós. Habitam o sertão brasileiro, bastante longe do litoral,
onde dominam os lusitanos ou os batavos. Distingüem-se por suas
designações, línguas, costumes e territórios. São-nos mais conhecidos os
que moram nas vizinhanças do Rio Grande e do Ceará e no Maranhão,
onde impera Janduí ou João Wy. Difundem-se por grandes espaços,
abrangidos por cinco rios: O Grande, o Quoauguho, o Ocioro, o Upanema
e o Woirogu. Estes rios penetram diversas léguas pelo sertão adentro.”18
15
LAET, Johannes de. História ou Anais dos feitos da Companhia privilegiada das índias
ocidentais. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, vol 2, 1925, p. 461.
16
HERCKMANN, Elias. Descripção Geral da Capitania da Paraíba. In: Revista do Instituto
Arqueológico e Geográfico Pernambucano,Tomo V, 1886, p. 279.
17
Id. Ibidem., p. 281.
18
BARLÉUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil, sob
o governo de João Maurício de Nassau. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1940, p. 260.
Barléus, ainda ressaltou a esperteza dos índios Tapuia:
“Fazem eles por astúcia o que não podem por força, e preferem enganar o
inimigo, a experimentá-lo em guerra aberta; mas, compelidos pela
necessidade, não recuam da luta. Pelejam com arcos e flechas, dardos de
pedra e clavas de pau.”19
19
Id.Ibidem., p. 261.
20
MOREAU, Pierre e BARO, Roulox. História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e
portugueses e Relação da viagem ao País dos Tapuias. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp,
1979, p. 26.
21
NIEUHOF, Joan. Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil. 2ª ed. São Paulo: Livraria
Martins Editora, 1915, p. 321.
informativa usando diferentes fontes, pois, sua obra foi o primeiro compêndio
impresso de história escrito por um brasileiro. Nascido em Salvador, em 1660,
Rocha Pitta era filho de dono de engenho e foi filiado à Academia Real da História
Portuguesa, tendo ainda fundado em 1724, na Bahia a Academia Brasílica dos
Esquecidos. A obra “História da América Portuguesa” é uma produção
historiográfica composta de dez livros que tratam da geografia, produção natural,
localidades, e as gentes da terra, realizando assim uma crônica da vida político -
administrativa da Colônia.
As revoltas indígenas relatadas no texto de Rocha Pitta aparecem sempre
por ordem cronológica e por regiões, dependendo da importância de cada uma. O
autor deu mais atenção aos ataques indígenas sucedidos na Bahia, destacando
os nomes dos heróis brancos que fizeram parte destes conflitos. Já aquelas outras
que tiveram como palco os “sertões de dentro”, ou seja, Piauí, Ceará e parte do
Rio Grande, não mereceram tanto destaque. Rocha Pitta salientou no seu trabalho
a idéia de que o colono luso-brasileiro foi o herói em toda sua capacidade
realizadora, o centro da história através da sua ação civilizatória.
No século XVIII, outro autor que destacamos é João Antonio Andreoni, ou
como se apresentava: André João Antonil. A sua obra: “Cultura e Opulência do
Brasil por suas drogas e minas” foi publicado em 1711, e constitui-se num trabalho
em que o jesuíta Antonil informa sobre os recursos econômicos do Brasil dos
séculos XVII e XVIII. O texto de Antonil fugia, de certo modo, aos cânones
estabelecidos pelo formato de crônica à época, na qual se fazia alusão somente
aos feitos dos administradores notáveis e dos reis de Portugal. Antonil, na
verdade, elaborou um tipo de texto dedicado a construir uma informação mais
próxima da realidade, com dados estatísticos de produção, comércio e
exportação. As demais estruturas sociais geradas por outros sistemas de
produção surgem como acessórias à produção açucareira, isto é, aquela que foi
considerada como a grande atividade econômica, a que poderia enriquecer e
enobrecer o Brasil.
Quanto aos índios, Antonil falou neles apenas quando precisou descrever
algum tipo de trabalho específico no qual se poderia utilizá-los, como no caso em
que comenta o sistema de distribuição das áreas para exploração do ouro. Nas
palavras de Antonil, “... dando duas braças em quadra por cada escravo ou índio,
de que se servem nas catas...”.22 E ao se referir aos roubos nas catas, Antonil
afirmava que: “Porque, como os negros e os índios escondem bastantes oitavas
quando catam nos ribeiros...”.23
Outra atividade relatada por Antonil, na qual os índios foram utilizados como
trabalhadores foi a criação de gado. Antonil assim relata sobre a participação dos
indígenas nesta atividade:
“... cada dia chegam boiadas. Os que as trazem, são brancos, mulatos,
pretos, e também índios, que com este trabalho procuram ter algum
lucro...Aos índios que das Jacobinas vêm para Capoame se dão quatro até
cinco mil réis...”.24
22
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Belo Horizonte:
Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1982, p.169.
23
Id. Ibidem., p.173
24
Id. Ibid., p. 202.
ciências, bem como de sua afirmação, tais como: a paleografia, a cartografia, a
epigrafia, a heráldica e outras. Com estas ciências, a erudição tomava conta das
academias e institutos, dando impulso ao nascimento de publicações
especializadas. A construção do trabalho científico em História tinha como base o
uso das fontes e as provas documentais, as quais permitiriam construir uma
explanação objetiva.
A historiografia brasileira também seguiu o rastro destas referências para
organizar uma renovação nos trabalhos científicos. O século XIX representou
assim, uma transformação do conhecimento, a criação de um novo conceito de
verdade, que se apoiava nos dispositivos da Ciência para ordenar as novas
perspectivas do pensamento. Emerge destas narrativas um olhar “nativista” sobre
o indígena brasileiro.
Uma abertura cultural, por sua vez, permitiu um maior contato com a
ideologia liberal que se implantava naquelas nações tidas como referência para o
Império brasileiro, tais como a Inglaterra e a França, onde o Romantismo literário
também era formado. Era a cultura das elites para as elites.
Durante a Regência, em 1835, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, que de início seguiu uma linha nativista, mas que aos poucos começou
a se distinguir pelo pragmatismo da História e o gosto pela pesquisa. A História
era vista como uma ciência de utilidade pedagógica, que possuía o instrumental
necessário para guiar as novas e futuras gerações, orientando-as com base no
modelo dos antepassados. Daí o gosto “institutiano” por biografias de
personagens tidos como exemplos. Como afirma o historiógrafo Francisco
Iglesias, é a idéia da História como mestra da vida que se cultua.25 O mais
importante é que com o IHGB o Brasil iniciava a pesquisa fundamentada nos
documentos, e na utilização das fontes para a corroboração da verdade.
De acordo com os modelos europeus, o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) apresentou à sociedade brasileira, em 1839, a publicação da
primeira edição de sua Revista. Essa revista foi de fundamental importância para a
preservação e construção de uma História do Brasil, num momento em que se
25
IGLESIAS, Francisco. Os historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira; Belo Horizonte: UFMG, 2000.
privilegiou a publicação dos textos fundamentais produzidos no período colonial.
Eram documentos do governo português, cartas, memórias e escritos de toda uma
gama de interesses. Imperou neste primeiro momento, uma preocupação e
valorização da edição de documentos básicos. A divulgação desses documentos
permitiu dar mais significância ao passado e aos valores tradicionais, o que
declarava bem o pensamento da época, pois os trabalhos anteriores à criação do
IHGB, em sua maioria eram individuais, episódicos e sem continuidade.
Merece destaque neste contexto de renovação empreendida pelo IHGB a
obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, a “História Geral do Brasil”26, publicada
entre 1854-57. Francisco A. Varnhagen é tido como iniciador da pesquisa
metódica em arquivos documentais, inclusive na pesquisa em arquivos
estrangeiros. Foi ele um dos que, durante os períodos em que residiu fora do país,
compilou inúmeros documentos relativos ao Brasil.
Alinhado com o pensamento do IHGB, produziu uma história geral com
ênfase na unidade do país (o país como uma só nação, um todo), com detalhes
dos acontecimentos, nomes e datas, aonde tentou narrar os fatos tais como
segundo ele, se passaram. Varnhagen representa o pensamento brasileiro
dominante no século XIX, pois seus escritos traduziam a idéia de se oferecer um
passado para abrir-se um futuro.27 Com isto, a ênfase de Varnhagen recaiu no
conhecimento da geografia e da história, e também na eternização dos fatos, de
forma que pudessem construir o país em bases sólidas, pois para Varnhagen a
colonização portuguesa teria sido um feito enorme. Fora a colonização portuguesa
quem construiu o futuro e o sucesso da Nação, e foram os portugueses, os
representantes do progresso e a razão da civilização. O Brasil na visão de autores
como Varnhagen, não queria ser índio, muito menos, negro.
Assim, Varnhagen destacou o valor do colono cristão civilizador luso-
brasileiro, pois segundo ele foram estes que “ensinaram” os indígenas a adotar
“hábitos civilizados”. Na esteira das idéias de José Bonifácio, Varnhagen apontou
26
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil. 8ª ed. São Paulo: Melhoramentos /
INL / MEC, Tomos I a V, 1975.
27
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV,
1999.
o trabalho como o meio pelo qual se levaria os indígenas à civilização. Na
verdade, Varnhagen não nutria muita simpatia pelos índios, fato verificado na
acusação presente em seu texto de serem os índios “ferozes assassinos” do
primeiro bispo do Brasil, episódio assim narrado em lembrança à morte do Bispo
Pero Fernandes Sardinha, em 1556, quando do naufrágio do navio em que
viajava. Nesta situação, o bispo e mais alguns sobreviventes foram devorados
pelos índios Caeté na Capitania de Itamaracá.
Varnhagen procurou delinear as origens do Brasil, destacando que a base
da nossa evolução foram os elementos portugueses, europeus e cristãos, os quais
introduziram a superioridade e “os encantos da civilização sobre a barbárie”.
Quando priorizou em seu texto as ações dos heróis (os portugueses e os
brasileiros brancos), deixou claro que estes tiveram todo o direito de impor a sua
superioridade étnica, cultural e religiosa. A justificativa de Varnhagen, então, se
apoiava na seguinte premissa: se os portugueses e os brasileiros brancos
venceram militarmente, e, se foi através dessa força que conquistaram e
ocuparam os territórios; se escravizou, se subjugou e exterminou, foi porque a
própria vitória justificou e confirmou a superioridade branca.
Varnhagen não só influenciou o pensamento e a política de seu tempo a
partir de sua produção escrita, mas também influenciou fortemente a historiografia
brasileira por um longo período. Por quase cem anos foi com base na “História
Geral do Brasil” que muitos livros didáticos em uso no país, foram elaborados.
Os indígenas na obra de Varnhagen são apresentados como exóticos
habitantes da natureza exuberante. Mesmo assim, escreveu denotando um certo
interesse nos habitantes nativos do Brasil, pois elaborou um amplo estudo sobre
os indígenas, onde versou sobre vários assuntos, tais como: a língua, os usos e
costumes, os rituais, a sociedade, o trabalho, a guerra e a medicina. Ao tentar ser
o mais fiel possível na descrição desses aspectos relativos aos indígenas, fez uma
verdadeira etnografia. Para ele, os índios não possuíam sentimentos como: afeto,
gratidão ou amizade; e o juízo de valor dos atos e ações dos indígenas
demonstrava, geralmente, a inclinação destes em serem falsos ou infiéis,
inconstantes, ingratos e brutais. Salientou ainda, o hábito da antropofagia de
algumas tribos sem, no entanto, vinculá-la a um ritual mágico, pois esses índios
comiam carne humana porque eram de natureza “vingativa e selvagem”.
Ainda quanto ao indígena, Varnhagen sustentou a tese que o mesmo era
incapaz de concorrer para uma melhoria da situação dos homens, e que a
situação degradante em que viviam esses habitantes naturais ter-se-ia perpetuado
se não fosse a presença do Cristianismo, trazido pelos colonos. Ressaltava a ação
da Igreja e da educação como uma atitude filantrópica, pois era dever do cristão
humanizar as raças desamparadas, e no caso do Brasil, referia-se aos índios e
aos negros.
Varnhagen era da opinião que a escravidão indígena teria sido a mais
adequada ao Brasil, pois tanto teríamos braços mais baratos para mover a
colônia, quanto seria o trabalho o melhor modo de contatá-los, não os deixando à
mercê da barbárie, numa declarada crítica aos jesuítas e um elogio aos
bandeirantes. Varnhagen defendeu o colonizador, pois todas as ações
empreendidas se justificavam, e, era urgente tirar o indígena do seu estado de
barbárie, degeneração e atraso social. Para ele, de um modo geral, os colonos
agiram de maneira acertada, pois estes apenas tentaram tutelar e cristianizar os
índios, e a força só foi usada quando se achou necessário, ou seja, aplicada
somente sobre os mais ferozes, ou melhor, com aqueles que recusavam o
contato. Assim, Varnhagen afirmou que o índio não desapareceu pelo extermínio e
sim muito mais com a miscigenação e com os cruzamentos sucessivos. Explicou
ainda que esses casamentos aconteceram tanto porque as índias buscavam os
brancos para fugir da miséria e do jugo em que viviam com seus “maridos índios”,
como também pelo sexo melhor que tinham com os brancos.
Na obra de Varnhagen, as notícias sobre os levantes indígenas são poucas,
e dentre essas notícias fez uma clara distinção entre os índios bons, que
incorporaram os valores cristãos, por isso mesmo lutaram ao lado dos
portugueses contra os índios ferozes e os estrangeiros que intentavam invadir o
Brasil; e do outro lado ficaram os índios bárbaros, que não aceitaram a catequese,
que hostilizaram os portugueses, e que estreitaram laços com os protestantes
franceses e holandeses.
Mais especificamente, sobre a Guerra dos Bárbaros, apresenta cerca de
duas a três páginas apenas, fazendo um relato construído a partir da
documentação. Não teve preocupação em analisar quais os motivos que
pudessem ter levado os índios à insurreição, pois Varnhagen transcreveu no seu
texto a mesma descrição que encontrou nos documentos oficiais e o que já havia
sido descrito em outras obras que versaram sobre o período colonial no Brasil.
Durante quase todo o século XIX, pouco ou quase nada se modificou com
relação ao ponto de vista sobre a temática indígena. O consenso geral era ainda
que os índios seriam incapazes e que somente com a ajuda dos cristãos brancos
é que conseguiriam integrar-se à sociedade brasileira. O indígena era assim,
considerado na melhor das hipóteses, como uma ameaça e um entrave ao
desenvolvimento econômico e o progresso social.28
Destacamos os trabalhos de João Capistrano de Abreu, como um dos
representantes da historiografia brasileira mais significativos do período de
implantação e consolidação da República.
João Capistrano de Abreu concluiu “Capítulos de História Colonial” em
1906, mas só foi publicado em 1927. Uma nova geração se formava no Brasil,
com uma preocupação cientificista, na tentativa de reinterpretar o país. A obra de
Capistrano se insere neste movimento de renovação, a partir de um estudo
rigoroso dos documentos, aonde muitos destes eram inéditos, e com um esforço
de pesquisa apoiada em um estudo das relações do homem com o meio
geográfico, sendo então um dos pioneiros no estudo de uma geografia humana.
As obras de Capistrano não se resumiram apenas em tratar da história
política, administrativa ou biográfica, mas buscou assimilar a vida humana na
diversidade de seus aspectos fundamentais, pensando em um Brasil sertanejo, do
interior, valorizando a presença indígena na composição da nação. Em “Capítulos
de História Colonial”, Capistrano buscou construir a unidade brasileira em suas
diferenças regionais, pois o grande tema por ele estudado foi o de expor a
construção do território nacional.
28
GAGLIARDI, José Mauro. O indígena e a República. São Paulo: Hucitec / USP/ Secretaria de
Estado e da Cultura, 1989.
Quanto à temática indígena, Capistrano procurou descrever os indígenas
como os originais habitantes do Brasil, situação em que escreveu a história do
Brasil distinguindo que o invasor, o estrangeiro foi o europeu. No primeiro capítulo
de “Capítulos de História Colonial” estas duas naturezas são descritas como
encaixadas e ajustadas de tal maneira que apesar de tudo, o indígena vive bem,
não há depreciação do modo de vida, há sim a crença de que essas
características foram legadas pelos indígenas aos seus sucessores. Pois, “a
mesma ausência de cooperação, a mesma incapacidade de ação incorporada e
inteligente, limitada apenas pela divisão do trabalho e suas conseqüências, parece
terem os indígenas legado aos seus sucessores”.29
Capistrano retratou a nação brasileira como mestiça, uma mestiçagem de
índio com o branco, o mameluco. Foi o mameluco que ocupou o sertão, terra de
ninguém, e dessa forma construiu a identidade brasileira. Sobre a mestiçagem
assim afirmou que: “Da parte das índias a mestiçagem se explica pela ambição de
terem filhos pertencentes à raça superior, pois segundo as idéias entre elas
ocorrentes só valia o parentesco pelo lado paterno”.30
Capistrano não se deteve em detalhar os levantes indígenas, mas
demonstrou claramente que não concordava com a maneira dos colonizadores de
contactar o indígena. Descreveu a ação dos bandeirantes e explicou como estes
viviam pelo sertão:
29
ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de história colonial. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Briguiet /
Sociedade Capistrano de Abreu, 1954, p. 57.
30
Id. Ibidem., p.80.
31
Id. Ibid., p.179.
“nunca se há de conquistar o gentio bravo que se tem levantado no Ceará, Rio
Grande, no sertão da Paraíba e no sertão pernambucano”.32
Em “Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil”, Capistrano comentou que
no avanço para o sertão os donos se confrontavam com os índios, principalmente
nos rios: São Francisco, Piranhas, Jaguaribe e no Parnaíba. Salientou ainda que
nos primeiros decênios do século XVIII a pacificação já estava mais ou menos
completa. Quando se referiu aos índios que habitavam o sertão, chamou-os de
“tapuias irredutíveis”. Fez um breve relato sobre os índios da capitania do Ceará,
mais especificamente os da Serra da Ibiapaba e o levante indígena que lá ocorreu
em 1607. Capistrano encarou tais acontecimentos como naturais ao processo de
ocupação das terras habitadas por índios, quase como uma reação inevitável ao
prosseguimento da colonização. Talvez por isso mesmo, não se ateve Capistrano
em descrever os conflitos, mas, apenas em comentá-los brevemente e mostrar o
resultado após seu término, ou seja, invariavelmente, a fixação do colono na
região.
Uma das importâncias de Capistrano, que destacamos aqui foi a influência
que exerceu em historiadores como Alfredo d`Escragnole Taunay, incentivando o
mesmo a escrever sobre uma parte da história do Brasil, e que segundo ele
merecia ser dada a devida importância. Taunay fora aluno de Capistrano de Abreu
quando morou com a sua família em Petrópolis, Rio de Janeiro, porém, de aluno
passou a amigo, mantendo sempre contato com seu professor. Capistrano, em
carta a Taunay, datada provavelmente de 1904, incita-o a escrever sobre o papel
na história da Capitania de São Vicente e seus moradores, afirmando que: “... a
grande época dos paulistas é o século XVII... reserve você para si o melhor naco,
deixe os miúdos para quem deles gostar...”.33 Deste modo, Taunay, seguindo os
conselhos do mestre, iniciou uma vasta produção sobre as bandeiras e os
bandeirantes, e por todos os territórios em que estes estiveram.
32
Id. Ibid., p. 192.
33
GUIMARÃES, Lucia Mª P. IV Congresso de História Nacional: tendências e perspectivas da
história do Brasil colonial (Rio de Janeiro 1949). Revista Brasileira de História, São Paulo, vol.24,
nº 48, p.145-170, 2004.
Segundo o historiógrafo Francisco Iglesias, Taunay foi um autor de
mentalidade mais esforçada do que lúcida.34 Sua produção se multiplicou em
estudos sobre: a história do começo da Vila de São Paulo; os bandeirantes e
sertanistas, e as descrições sobre as bandeiras. Segundo Iglesias, a Taunay faltou
a síntese que possuía Capistrano, pois seguia preenchendo páginas e mais
páginas com tudo que encontrava nos documentos, em que não há seleção ou
interpretação. Tanto que, em muitos momentos o leitor não consegue distinguir se
o que está escrito é o pensamento do autor ou se são apenas transcrições dos
documentos por ele estudados. Parafraseando Iglesias: “quase não citava as
fontes, ou o fazia de modo impreciso”. Ainda sim, a obra de Taunay tem sua
importância por nos fornecer informações preciosas para o entendimento dos
temas em questão.
O trabalho que mais propiciou a compreensão dos conflitos entre colonos e
índios, é a monografia apresentada por Taunay para o concurso de História do
Departamento Municipal de Cultura de São Paulo em 1935, intitulada: “A Guerra
dos Bárbaros”35. A obra contempla toda a movimentação que foi empreendida
pelos colonos durante a ocupação do nordeste colonial.
Taunay não pretendeu fazer uma história sobre a resistência indígena, mas
destacar a atuação do colono, principalmente dos sertanistas ou bandeirantes.
Procurou abarcar as áreas que iam da capitania de Pernambuco até o Maranhão.
O autor é claro quando afirmou que a revolta trouxera “uma dezena de anos onde
as operações de guerra se realizaram”, e que essa era uma: “atitude defensiva e
contra-atacante” por parte dos indígenas. No capítulo que denominou de
Preâmbulos, Taunay fez uma descrição dos índios que habitavam a região
nordeste da colônia, buscando não só informações em documentos, mas também
nos cronistas e viajantes, informações as quais estariam mais próximas possíveis
da realidade sobre os Tapuia. Aproveitou as informações obtidas em outros
pesquisadores regionais, tais como: Guilherme (Barão de) Studart, Borges de
Barros, Vicente Lemos e Tavares de Lira, entre outros, em que todos estes
34
IGLESIAS, Francisco. Op. Cit.
35
TAUNAY, Affonso D´Escragnole. A Guerra dos Bárbaros. Ed. Fac-similar. Mossoró: FVR /
ETFRN/ SEC – RN, Coleção Mossoroense, Série C, Volume 863, julho de 1995.
escreveram pequenos estudos publicados nas revistas dos Institutos Históricos
locais.
Taunay foi o primeiro autor que escreveu uma obra abrangendo todas as
regiões que foram palco da Guerra dos Bárbaros. Até então, a produção era de
cunho regional, aonde cada pesquisador escrevia sobre sua própria região de
origem. Além da preocupação com a descrição etnográfica dos índios, bem como
sua distribuição geográfica, Taunay fez uma pequena biografia dos mais
destacados chefes militares que tomaram parte nas pelejas contra os índios
durante o final do século XVII e início do século XVIII. Pesquisou informações em
documentos oficiais que pudessem assim ajudar na construção da imagem do
herói bandeirante. Não há em sua obra, crítica aos índios ou aos sertanistas e
chefes militares, pois assim como Capistrano, parecia entender que a guerra
contra o indígena era uma conseqüência natural do desenvolvimento econômico
na área. Durante muito tempo a “Guerra dos Bárbaros” de Taunay foi a obra de
referência, tanto para os estudos relativos à ocupação e colonização do nordeste
colonial quanto para os estudos sobre os indígenas que habitaram a região. A
visão de Taunay consolidou uma representação do indígena Tapuia vinda desde
as crônicas coloniais, e firmou o mito dos paulistas como consolidadores da
unidade territorial do Brasil. Seu projeto historiográfico marcou profundamente a
leitura sobre as guerras do sertão, encobrindo, em muito o caráter das lutas
culturais desencadeadas pelo processo de conquista e colonização, que não se
encerraram com a guerra, como veremos adiante.
36
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. São Paulo: Círculo do Livro, 1987, p.131.
37
Id. Ibidem., p.189.
Como acreditava em um contato cordial e fraterno, Freyre não se
preocupou em estudar os confrontos entre colonos e indígenas. A miscigenação
explicava que a formação do povo brasileiro, excetuando-se os confrontos iniciais
e necessários ocorreu com certo ajuste e sem grandes desavenças.
Já Caio Prado Júnior que teve sua formação em direito e geografia, era um
intelectual de origem burguesa assim como Freyre, mas que se afastou da
tradição, de um passado colonial e saltou para a revolução socialista. Com isto,
ele conseguiu dar a história social brasileira uma nova perspectiva, aonde
examinou as relações entre o passado e o presente e as possibilidades de
mudança no futuro. Foi outro autor que se inseriu na linha da “redescoberta do
Brasil”, mas que preferiu usar o materialismo histórico para entender o Brasil e
seus contrastes. A intelectualidade até então não cria na capacidade dos
“vencidos” de construir um futuro de sucesso, isto é, por parte das massas sociais
de oprimidos e excluídos, compostas invariavelmente de mestiços.
Caio Prado esclareceu que apesar de vencedoras, as elites não
construíram sozinhas o Brasil, pois ao seu lado esteve presente a população
brasileira. Não glorificou os heróis que sufocaram os movimentos sociais e com
sua originalidade e independência influenciou a corrente de interpretação marxista
do Brasil, de forma crítica e produtiva. Em “História Econômica do Brasil”,
discorreu sobre o processo da formação econômica do país dos seus primeiros
dias como colônia até meados do século XX tendo contribuído definitivamente
para uma melhor compreensão do Brasil.
Em relação ao indígena, Caio Prado se refere a eles quando se fez
necessário explicar quem trabalhou nos primórdios da colônia, e que esses índios
ajudaram, tanto comerciantes quanto piratas na extração do pau-brasil. Nos
primórdios da implantação da lavoura da cana-de-açúcar os índios estiveram
presentes, como escravos e que também os indígenas se defenderam da
escravidão, pois “eram guerreiros e não temiam a luta”.38 Ao fugirem, na tentativa
de se livrar da escravidão, os brancos os perseguiram e não sobrou alternativa ao
índio senão revidar. Ainda assim, o colono luso saiu ganhando, pois aprendeu a
38
PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 31ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.
35.
fomentar guerras entre as várias etnias e assim, os capturou em guerra justa e os
escravizou novamente.
Caio Prado, discorreu também sobre a legislação metropolitana que tentou
ordenar a utilização da mão-de-obra indígena. Percebemos em seus textos, que
mesmo apesar de explicações sócio-históricas, a sua abordagem estava
impregnada da idéia do “índio imprestável”, pois chegou a afirmar que o índio:
“...se mostrou mal trabalhador, de pouca resistência física e eficiência mínima”39;
ou mesmo quando justifica que o índio não era bom para o trabalho porque:
“...saindo de uma civilização muito primitiva, não podia adaptar-se com necessária
rapidez ao sistema de padrões de uma cultura tão superior a sua como era aquela
que lhe traziam os brancos”.40
Quando tratou acerca da ocupação do sertão pela criação do gado, Caio
Prado nada relatou sobre os indígenas, principalmente, na seção que fala sobre a
ocupação do Norte da colônia em que comenta sobre como os padres efetuaram o
contato e a catequese dos indígenas. Após tratar do período colonial, o indígena
desaparece das páginas da obra de Caio Prado, e é como se simplesmente, não
houvesse mais motivos para deles falar. Em relação aos levantes indígenas não
há referências. Para ele, o indígena foi visto como mão-de-obra acessória, para
atividades acessórias em áreas periféricas, de modo que quase nada influenciou
na estrutura predominante. Como a preocupação maior de Caio Prado foi a
análise da extração do excedente colonial pelo poder metropolitano, por mais que
compreendesse a conquista dos territórios indígenas ele não historicizou, nem
teórica, nem empiricamente, os passos dessa conquista. Talvez essa ausência
tenha firmado mais ainda os dados factuais “organizados” no projeto
historiográfico do século XIX. A “Guerra dos Bárbaros” não se configurou assim
um objeto da interpretação materialista nos seus trabalhos.
Outro historiador de destaque foi Sérgio Buarque de Holanda, o autor de
“Raízes do Brasil”, de 1956. Para ele, o país precisava ser conhecido em suas
particularidades e idiossincrasias, desigualdades regionais, a mistura étnica, a
herança do escravismo e a questão dos imigrantes. O pensamento intelectual
39
Id. Ibidem., p. 36.
40
Id.Ibid., p. 36.
brasileiro defendia a participação das minorias na formação do Brasil, onde
negros, índios, mulheres e todos os marginalizados precisavam ser integrados ao
povo brasileiro.
Em “Raízes do Brasil”, o povo brasileiro é o ator principal, pois para Sérgio
B. de Holanda, a implantação da cultura européia não vingou no Brasil porque não
se adaptou aos trópicos. Segundo ele, não houve uma adequação do pensamento
à realidade e que só seria remediada esta situação quando houvesse um
reencontro com a nossa história.41
Na obra de Sérgio B. de Holanda encontramos uma visão ponderada do
indígena, pois nela não há julgamentos de valor. A visão do índio preguiçoso e
incapaz não permeou sua obra, e quando comentou sobre a inadaptabilidade do
índio ao sistema de trabalho que os colonos implantaram no Brasil, mostrou que
não foi por incapacidade moral ou física. Ainda esclarece que a incompreensão de
ambos os lados gerava nos indígenas: “quase sempre a forma de uma resistência
obstinada, ainda que silenciosa e passiva, às imposições da raça dominante”.42
Não há em Sérgio Buarque de Holanda comentários ou explicações sobre
revoltas indígenas, o que há em seu livro é o entendimento de como a colonização
européia, mesclada com a situação natural da terra influenciou na formação do
Brasil. O autor afirmou a grande adaptabilidade dos portugueses em se
adequarem às novas situações, que segundo ele se traduzia em um domínio
“mole e brando”. Tanto que, para ele, os portugueses “herdaram” dos indígenas
suas inimizades e idiossincrasias, ocupando até que de forma relativamente fácil a
área já ocupada pelos Tupi durante a colonização inicial. Segundo Sérgio B. de
Holanda: “Onde a expansão dos Tupi sofria um hiato, interrompia-se também a
colonização branca, salvo em casos excepcionais...”43
Talvez, por isso mesmo, segundo Sérgio B. de Holanda o sertão nordeste
da Colônia, ocupado justamente pelos grupos anteriormente expulsos do litoral
pelos grupos Tupi, foram tão difíceis de serem ocupados e foi palco, nos séculos
41
REIS, José Carlos. Op. Cit., p. 23.
42
BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1989,
p. 18.
43
Id. Ibidem., p. 72.
XVII e XVIII, de um dos conflitos mais duradouros entre indígenas e colonos: a
Guerra dos Bárbaros. Embora Sérgio B. de Holanda tenha destacado a conquista
da Paraíba e da Costa Leste-Oeste na sua obra “História Geral da Civilização
Brasileira” (Tomo I), seus estudos não enfocaram o período do final do século
XVII, mas sim as expedições anteriores ao período holandês e a ocupação até
1654. Mais uma vez firmava-se a interpretação factual realizada por Taunay sobre
o objeto em questão.
Dos anos de 1950 a 1970 os estudos sobre História do Brasil versaram
muito mais sobre a história econômica, deixando um pouco à parte as questões
político - administrativas, com uma preocupação em tentar entender as estruturas
básicas econômicas e sociais, enquadrando a colonização do Brasil em esquemas
mais amplos, que nos ligassem ao mundo europeu e seus projetos de expansão.
A ligação invariavelmente era feita através de estudos sobre o comércio de
produtos elaborados pelos escravos que buscava atingir um mercado
internacional.
O objeto principal dos estudos históricos nesse período foi analisar a
economia mercantil, as matérias primas e produtos para exportação, como o
açúcar, o tabaco e o café. Como a mão-de-obra utilizada para tais atividades era a
dos escravos negros, vimos surgir no Brasil, um volume considerável de textos
que versavam sobre esses temas. Desta forma, as relações sociais e econômicas
entre colonos e índios ficou relegada ao segundo plano. Os estudos marxistas,
que imperaram neste período, primaram pela análise da dinâmica econômica, em
especial, o trabalho compulsório dos escravos negros.
Com a aproximação das comemorações do centenário da abolição da
escravidão no Brasil, e uma luta crescente pela valorização da cultura negra, até
então marginalizada, os historiadores brasileiros se dedicaram à compreensão da
inserção do negro e sua participação na formação do Brasil contemporâneo. Isto
sem contar a proficuidade de documentos que versavam sobre a escravidão, pois
muito havia para ser estudado, analisado e reinterpretado, visando sempre à
valorização da participação dos negros na formação do país. Quando muito,
nessas interpretações econômicas, o indígena foi interpretado como partícipe,
junto com os escravos negros, da conformação territorial da pecuária, no período
posterior a Guerra dos Bárbaros.
Com tudo isso, os indígenas permaneceram por muitos anos, objeto apenas
de estudos antropológicos ou arqueológicos. Os primeiros, com uma preocupação
em produzir uma análise sincrônica das populações indígenas ainda existentes e
reconhecidas como tal, bem como aquelas consideradas remanescentes; e os
segundos, no estudo da cultura material recuperada arqueologicamente nas áreas
de ocupação pré-histórica ou da época do contato.
No entanto, a partir do início da década de 1980, vários historiadores
brasileiros dedicaram-se à pesquisa histórica de temática indígena no Brasil,
desenvolvendo assim, trabalhos que não só buscavam preencher as lacunas de
conhecimento histórico existentes, mas, também em compreender a extensa e
complexa formulação historiográfica sobre os grupos indígenas brasileiros vistos
através dos dados documentais e bibliográficos.
Teoricamente era preciso aprofundar esta dimensão diacrônica nos estudos
antropológicos realizados até então sobre os povos indígenas, porque durante um
certo tempo a Antropologia esteve muito mais centrada em uma perspectiva
sincrônica. Como dizem Agostinho e Carvalho: “... tais estudos desprezavam uma
dimensão social que, em boa parte, pode ser reconstruída graças a toda uma
documentação escassamente compulsada por antropólogos”.44
Os anos de 1980, aliás, marcaram distintivamente a historiografia sobre o
indígena no Brasil. Com uma mudança nítida na maneira de pensar a História,
saindo das generalizações e partindo rumo às especificidades, a produção
histórica neste momento, buscou primar pelo entendimento dos elementos sociais,
culturais e mentais, e não apenas dos aspectos econômicos e políticos. Tudo isto
dada à influência das abordagens provenientes das discussões feitas a partir da
Escola dos Annales, da escola de Frankfurt e dos pesquisadores que inovaram a
produção histórica com suas metodologias e abordagens, tais como Michel
44
AGOSTINHO, Pedro e CARVALHO, Maria Rosário. Antropologia e história: bases documentais
para a abordagem das sociedades indígenas do Norte e Nordeste do Brasil. In: Índios do Nordeste:
temas e problemas. ALMEIDA, Luiz Sávio; GALINDO, Marcos e SILVA, Edson. Maceió, 1999, p.
119.
Foucault e Edward Thompson. Estas influências trouxeram aos historiadores
brasileiros uma mudança de perspectiva, valorizando assim, a busca de novos
objetos de estudo, a aplicação de novos métodos e o uso de novas abordagens.
Foram valorizadas então, as especificidades existentes na formação social
e histórica de cada região e de diferentes épocas, pois se deslocava o olhar dos
historiadores de um ponto de vista macro para um mais pontual, micro, voltando-
se para as coisas do dia-a-dia, para os homens comuns, para a dimensão do
cotidiano, evidenciando aqueles atores sociais que por muito tempo a História os
fez calar.
No âmbito acadêmico, refletiu-se sobre a importância dos estudos sobre os
povos indígenas que agora se tornavam então, objetos de estudo de uma grande
quantidade de pesquisas acadêmicas de historiadores, mesmo que tal objeto já
estivesse presente entre sociólogos e antropólogos. Dentre as pesquisas
históricas, destacamos os trabalhos de Manuela Carneiro da Cunha, John Manuel
Monteiro, Nadia Farage, Ronaldo Vainfas, Luiz Mott, Beatriz Góis Dantas e Mª
Sylvia Porto Alegre.
O interesse sobre a temática indígena na História do Brasil produziu uma
extensa bibliografia, porém recortada, isto é, voltada às próprias especificidades
regionais, não só em termos de recorte temporal como também em termos de
delimitação espacial. Esses estudos de questões e episódios exclusivos limitaram
o interesse da pesquisa a determinado período ou a determinada parte do
território nacional.
Nesta perspectiva, José Oscar Beozzo que publicou em 1983: “Leis e
Regimentos das Missões”45, foi uma obra em que o pesquisador teve o cuidado de
não apenas compilar e transcrever as leis e os regimentos que orientaram as
relações entre colonos e indígenas desde o início do período colonial, mas
também, analisar essas leis em busca da compreensão dessas relações, em
especial aquelas que diziam respeito ao uso da mão-de-obra indígena e a perda
de sua identidade. A conclusão do autor é que as leis foram formuladas, mas não
necessariamente, cumpridas, o que demonstrava a existência de situações de
45
BEOZZO, José Oscar. Leis e regimentos das Missões: política indigenista no Brasil. São Paulo:
Ed. Paulinas, 1983.
confronto e era necessário ao historiador saber: como e de onde es mesmas leis
surgiram. Anos mais tarde, a mesma temática foi retomada pela pesquisadora
Manuela Carneiro da Cunha com o livro: “Legislação Indígena no século XIX”46, no
qual demonstrava que neste período, teoricamente, havia proibição quanto à
escravidão indígena, mas concretamente, esta prática continuava a existir em
diversas partes do país.
Em 1988, o historiador Mércio Pereira Gomes publicou: “Os índios e o
47
Brasil” , uma obra que procurava analisar através de uma perspectiva histórico-
antropológica as diversas circunstâncias pelas quais se chegou à hegemonia da
civilização branca no Brasil. Mércio P. Gomes elaborou um ensaio que
demonstrava a forma como ocorreu a dizimação das populações indígenas no
Brasil e apresentou uma proposta política do nosso tempo que oferecesse
autonomia às populações remanescentes. O autor construiu uma história indígena
do Brasil de forma sintética, destacando as derrotas, mas também, destacando as
pequenas, porém significativas vitórias, nas quais enfocava os dois lados dessa
complexa história: o lado dos brancos e o lado dos indígenas. Tentou mostrar
assim, o indígena brasileiro como parte de um todo, e não apenas ressaltar
aspectos exóticos e românticos, ou mesmo aqueles aspectos de interesse
somente da pesquisa etnográfica à época.
Mércio P. Gomes apresentou e discutiu em seu trabalho como ao longo de
um processo histórico de quase cinco séculos, todo um conjunto de medidas
oficiais elaboradas e praticadas, estiveram sempre submetidas às decisões e às
ações militares, políticas, sociais e jurídicas. Fez uma severa crítica ao tratamento
que o Estado brasileiro ao longo de sua existência, dispensou aos índios,
indicando que o “paternalismo” com o qual se tratavam às questões indígenas,
passava por uma crise, e desta forma argumentava que tanto a sociedade civil,
quanto os indigenistas e também os antropólogos, apesar de reconhecer o poder
limitado destes grupos, deveriam tentar direcionar os rumos de uma nova política
indigenista.
46
CUNHA, Manuela Carneiro da. Legislação indigenista no século XIX: uma compilação (1808-
1889). São Paulo: Edusp / Comissão Pró-Índio, 1992.
47
GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988.
Um ano depois da obra de Mércio P. Gomes, foi publicado um trabalho que
continuava na vertente dos estudos históricos sobre os índios do Brasil. José
Mauro Gagliardi em: “O indígena e a República”48, procurou estudar as condições
históricas que levaram à criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e que a
luta armada posta em prática contra o indígena em algumas áreas do território
brasileiro tornou-se acirrada devido ao crescimento da economia capitalista no
Brasil, em especial no último quartel do século XIX.
Para isso, em “O indígena e a República”, Gagliardi fez uma articulação
com o passado, estudando as condições históricas que permearam a relação do
branco com o indígena, desde o início da colonização do Brasil até o advento da
República, com a crescente intervenção do Estado e com a criação do SPI.
Gagliardi deu ênfase à política de demarcação de terras e também fez severas
críticas ao afirmar que enquanto a política indigenista estiver submetida a órgãos e
instituições que atendam muito mais à classe dominante do que aos indígenas.
Alguns trabalhos buscaram modificar a maneira de se encarar a temática
indígena, principalmente, dentro da pesquisa histórica. São os trabalhos dos (as)
pesquisadores (as) Manuela Carneiro da Cunha, com “História dos Índios no
Brasil”49, de 1995; John Manuel Monteiro, em “Negros da Terra”50, de 1994; e
Aracy Silva e Luiz Grupioni, com “A Temática Indígena na Escola”51, de 1995.
Estas propostas de trabalho direcionaram novos estudos históricos sobre os
indígenas no Brasil. A preocupação com o entendimento dos elementos sociais,
culturais e mentais seguia as novas discussões políticas e sociais, que então
experimentava o país, e deste modo, essa nova produção encampou o
ressurgimento da identidade dos povos indígenas e sua luta pelos direitos políticos
e sociais, e em especial, a luta pelo direito às diferenças étnico-culturais.
Com o trabalho “História dos Índios no Brasil”, em 1992, Manuela Carneiro
da Cunha organizou e agregou textos de diversos pesquisadores, e deu condições
48
GAGLIARDI, José Mauro. Op. Cit.
49
CUNHA, Manuela Carneiro da. (org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia das Letras:
Fapesp: SMC, 1992.
50
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo.
São Paulo: Cia das Letras, 1994.
51
SILVA, Aracy Lopes; GRUPIONI, Luiz Donizete Benzi. A temática indígena na escola. Brasília:
MEC / MARI: Unesco, 1995.
para que as especificidades e as diferenças espaciais e temporais pudessem ser
apresentadas, sem que se perdesse assim, a ligação existente entre todos os
textos com o foco principal do trabalho: o índio inserido no contexto colonial. Desta
forma, tal obra contribuiu enormemente para que o Brasil tomasse conhecimento
de quais eram as pesquisas que estavam em andamento e quais os resultados
obtidos por elas, no que se referia às questões indígenas no Brasil, desde antes
do advento da República.
Discutindo a participação indígena na história e na economia paulista nos
séculos XVI ao XVIII, John Monteiro, em 1994, com “Negros da Terra”, tratou o
trabalho indígena voltado ao estudo da economia e do mercado interno da colônia.
Foi um trabalho de significativa relevância quanto à questão do estudo sobre a
participação indígena na História do Brasil. Na historiografia brasileira, até então,
se havia minimizado ou dado pouca importância ao papel desempenhado pelo
índio na economia da colônia. O esforço do historiador John Monteiro em inserir o
índio dentro da dinâmica da economia e sociedade colonial, elevou este mesmo
indígena, em todas as suas particularidades, à categoria de “agente histórico”.
Outro trabalho que introduziu novas discussões sobre a temática indígena,
ao tratar da problemática didático-pedagógica nas escolas de ensino fundamental
e médio, foi “A Temática Indígena na Escola”, organizado por Aracy Silva e Luiz
Grupioni. O texto procurava enfocar as novas perspectivas à época, já no âmbito
da escola primária ou do ensino fundamental, em tentar desmistificar aquela velha
visão do “bom selvagem” ou do “índio preguiçoso”, dando ênfase à valorização do
indígena, dos seus usos e costumes e da efetiva participação destes na
construção do país, principalmente, através do trabalho.
Estes trabalhos acadêmicos foram de grande relevância na construção da
pesquisa histórica crítica sobre o indígena brasileiro. Foi uma construção lenta,
mas que solidificou o direcionamento das pesquisas, a qual demonstrou a
viabilidade de se pesquisar temas até então considerados difíceis ou que não
eram pertinentes ao campo da pesquisa histórica.
Surgiriam assim, algumas pesquisas bem específicas às necessidades de
cada região, atendendo a demanda pela construção de uma historiografia que
formulasse um diálogo entre a história e a antropologia, articuladas, demonstrando
que existe um campo a ser permanentemente discutido. Essa nova historiografia
demonstrava a relevância da temática indígena, em especial sobre o período do
Brasil Colônia, tendo em vista uma melhor compreensão do papel exercido pelos
indígenas neste processo histórico.
Apesar de profícua, a produção histórica sobre a temática indígena da e na
região nordeste do Brasil está vinculada a questões específicas, pois no que se
refere a regiões, temas e períodos, no Brasil há uma produção voltada ainda para
estudos de episódios e eventos exclusivos de cada parte do território brasileiro.
Dentre estes trabalhos, particularmente, um é objeto de nosso estudo: os conflitos
entre colonos e índios e as formas de resistência indígena na região nordeste da
Colônia, a denominada: “Guerra dos Bárbaros”. No âmbito dessas pesquisas
sobre a Guerra dos Bárbaros, enquanto uma série de conflitos armados gerados
por diversas situações de disputa pelo espaço, no contexto dos séculos XVII e
XVIII, esta já foi alvo de análise por parte de vários pesquisadores que tentaram
inserir tais conflitos dentro da dinâmica da ocupação e aproveitamento do espaço
colonial, num projeto de inserção do nordeste colonial nos quadros da expansão
dos domínios da Coroa portuguesa.
Os trabalhos de Olavo de Medeiros Filho podem ser considerados como
pioneiros nos estudos sobre os grupos indígenas que habitavam o nordeste do
Brasil no período colonial, principalmente, sobre a inserção da capitania do Rio
Grande. Em “Índios do Açu e Seridó”52, obra publicada em 1984, o historiador fez
além de um levantamento e descrição dos aspectos geográficos da capitania do
Rio Grande, uma pequena etnografia dos índios Tapuia, tal como se generalizou
denominar as diversas nações que ocupavam a região. Preocupou-se Olavo de
Medeiros em buscar nos textos dos cronistas seiscentistas os diversos relatos
elaborados sobre os tapuias, elencando desde os aspectos pitorescos como as
descrições sobre o modo de vida, a linguagem e a religião dos mesmos.
Medeiros Filho fez um levantamento sobre os aldeamentos indígenas,
sobre a colonização nas ribeiras dos rios Açu e Acauã, bem como a distribuição
52
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Brasília: Senado Federal, 1984.
de datas e sesmarias na região. Olavo de Medeiros na obra traz um capítulo
inteiro sobre o que ele chamou de “levante dos tapuias” na região do rio Açu, onde
descreve o desenvolvimento dos conflitos tomando como base os relatos dos
cronistas e os documentos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte.
No ano de 1989, o mesmo autor publicou “No Rastro dos Flamengos”53,
trabalho em que reconstruiu algumas incursões que, durante o período da
ocupação flamenga, ocorreram pelo interior das capitanias do Rio Grande e
Paraíba, onde os holandeses adentraram movidos pelo interesse em descobrir
minas de ouro e prata. Nestas expedições, segundo Olavo Medeiros, estes
holandeses terminaram por entrar em contato com os índios Tapuia, que muitas
vezes foram convidados pelos holandeses a participarem de tais expedições. O
autor procurou identificar os locais percorridos pelos holandeses e tentar entender
qual a conseqüência dessas incursões para a região.
Em outro trabalho, “Aconteceu na capitania do Rio Grande” 54, publicado em
1987, Olavo de Medeiros reuniu em um só volume diversos textos sobre os
primeiros três séculos da história do Rio Grande do Norte. Os temas são todos
ligados por um referencial: a capitania do Rio Grande. Muitos desses textos
referem-se à temática indígena e outros, mais precisamente, à Guerra dos
Bárbaros. São descrições sobre aldeamentos indígenas e sobre o Terço dos
Paulistas que atuou no combate aos índios na capitania, durante o período dos
levantes indígenas.
Maria Idalina da Cruz Pires publicou em 1990, um trabalho específico sobre
os conflitos indígenas dos séculos XVII e XVIII no Nordeste: “Guerra dos
Bárbaros” - resistência indígena e conflitos no Nordeste Colonial”55. Visando
atender a demanda da chamada História Regional sobre a conquista e o
povoamento do sertão nordestino, Pires inseriu a problemática dos levantes
indígenas dentro da questão da expansão da pecuária e a fixação do colono
53
MEDEIROS FILHO, Olavo de. No Rastro dos Flamengos. Natal: Fundação José Augusto, 1989.
54
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aconteceu na Capitania do Rio Grande. Natal: Departamento
Estadual de Imprensa, 1997.
55
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflito no Nordeste
Colonial. Recife: FUNDAP/CEP, 1990.
branco nos chamados sertões, e qual teria sido a reação dos povos indígenas que
ali habitavam. Explicou em seu trabalho como a fixação dos chamados currais
levaram a ocupação cada vez mais acentuada dos territórios indígenas, o que
pouco a pouco foi transformando pequenos e esparsos conflitos em uma
verdadeira guerra de extermínio destes mesmos indígenas.
Dedicou um capítulo completo sobre a nova sociedade que se gerou nesse
momento específico da história colonial. Os conflitos internos e os antagonismos
que surgiam devido aos novos padrões culturais os quais também são destacados
pela autora, mostrando então, que surgia na região uma nova relação entre os
indivíduos, permeada pelos conceitos e pré-conceitos que se construíram com a
Guerra dos Bárbaros.
Ainda para a capitania do Rio Grande e sobre a temática indígena, temos o
trabalho da historiadora Fátima Martins Lopes, com “Índios, Colonos e
Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte”56, trabalho de
dissertação de mestrado de 1999, mas publicado em 2003, o qual procurou
desvendar os mecanismos da conquista e colonização da Capitania do Rio
Grande, a partir da atuação dos missionários junto aos indígenas. O destaque foi
dado aos missionários como parte integrante da máquina de colonização
portuguesa, pois através da catequese e conversão conseguiram criar uma ponte
de ligação entre dois mundos culturalmente diferentes, onde a subordinação e a
dominação eram peças importantes dessa engrenagem. Lopes contribuiu com seu
trabalho para um redirecionamento da importância do papel e da participação do
indígena na construção histórica da sociedade do Rio Grande do Norte.
Demonstra ainda a relevância das Missões para a colonização da capitania,
quando comprova em sua pesquisa que foi a partir das cinco missões coloniais
(Missões de Aldeamento) que se originaram as primeiras vilas do Rio Grande do
Norte e que mais tarde tornar-se-iam os primeiros municípios na organização
geopolítica da Capitania.
Podemos afirmar que o trabalho que fundiu as pesquisas de Medeiros,
Pires e Lopes, tanto sobre a temática indígena quanto sobre a Guerra dos
56
LOPES, Fátima Martins. Missões religiosas: índios, colonos e missionários na colonização da
Capitania do Rio Grande. Mossoró: FVR / IHGRN, 2003.
Bárbaros é o livro, resultante de tese de doutorado, do historiador Pedro Puntoni.
Partindo da premissa que, a área denominada de sertão, no nordeste colonial, foi
palco para conflitos e tensões resultantes da expansão da colonização,
principalmente, após as guerras holandesas, Puntoni em “A Guerra dos Bárbaros -
povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720”57, nos
mostra que esses conflitos entre colonos luso-brasileiros e os indígenas
colaboraram para a construção de uma perspectiva irreversível sobre os índios no
Brasil. Os indígenas foram chamados de “bárbaros” porque a visão da
administração colonial e da própria colônia era que estes estavam invadindo uma
área que fazia parte do Império Atlântico português.
Puntoni também demonstra que a necessidade de se “limpar” a região dos
“invasores”, criou uma política administrativa que muitas vezes visava o
extermínio. O cuidado do autor tem o cuidado em destacar que o estudo deste
acontecimento deve levar em conta as diversas situações e contextos peculiares,
e não considerá-lo como um levante único, como uma confederação, até mesmo
porque este foi um dos conflitos mais longos no Brasil Colônia. Frisa ainda Puntoni
também, a importância de se perceber os conflitos como uma tentativa de
sobrevivência da cultura secular dos indígenas.
Puntoni dividiu a Guerra dos Bárbaros em dois momentos e em duas
regiões distintas: as guerras do Recôncavo Baiano (1651-1679), e as guerras do
Açu (1687-1705) nas capitanias do Rio Grande e Ceará. Concluiu afirmando que,
ao final, a administração portuguesa atingiu seu intento, controlando as novas
vilas criadas no nordeste colonial, através de seus administradores,
representantes das elites da região, como por exemplo, os grandes sesmeiros. E
as populações indígenas foram paulatinamente marginalizadas, suas terras
expropriadas, o que muitas vezes levou o indígena a negar sua identidade como
tal, para talvez dessa forma continuar a “resistir” e a existir.
Desta forma, o século XVII se constituiu para nós, não apenas como um
simples recorte temporal, mas em ser visto ao mesmo tempo como um período
importante para desenvolver o estudo sobre a temática indígena dentro destas
57
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão Nordeste
do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec / Edusp / Fapesp, 2000.
novas perspectivas historiográficas, e perceber esses grupos indígenas como
atores sociais participantes no processo histórico, bem como, buscar a
compreensão do processo de exploração do território colonial e da expansão
deste mesmo território.
Contudo, foi também o século XVII, um momento histórico em que diante de
uma situação específica que exigiu novas bases na relação entre colonos e índios,
portanto adaptações mais que urgentes, conseqüentemente, foi mais importante
ainda diante de um conflito no qual se opunham colonos, cristãos e súditos do Rei
a índios gentios, “bárbaros” e “rebelados”. Foi necessário então, por diversas
formas e através de diversos agentes: controlar, resolver e debelar toda e
qualquer forma de perturbação que se constituísse em impedimento da
continuidade da efetivação da posse e da exploração definitiva do território
colonial.
CAPÍTULO II
58
WEHLING, Arno e WEHLING, Maria José C. D. de. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1994.
59
Para elaboração da síntese da conjuntura do século XVII nos baseamos nas seguintes obras e
autores: BOXER, Charles R. O Império marítimo português: 1415 – 1825. São Paulo: Cia das
Letras, 2002; BOXER, Charles R. Salvador de Sá e a Luta pelo Brasil e Angola: 1602-1686. São
Paulo: Cia Editora Nacional / Edusp, 1973; BOXER, Charles R. A Igreja e a expansão ibérica
(1470-1770). Lisboa: Ed. 70, 1981. ; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação
do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2000.; BICALHO, Ma. Fernanda e FERLINI,
Vera Lúcia Amaral. Modos de governar: idéias e práticas políticas no império português. Séculos
XVI ao XIX. São Paulo: Alameda, 2005.; MAURO, Frédéric. Portugal, o Brasil e o Atlântico (1570-
1670). Lisboa: Estampa, 1989.(2 volumes).
60
SANTOS, Paulo P. dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte (século XVI ao XXI). Natal:
DIE, 2002, p.44.
havia criação de pequenos animais como cabras, porcos, galinhas e perus.61 Mas,
a vocação da terra para a criação de gado já era evidente nas descrições de
muitos cronistas, como Diogo de Campos Moreno, em 1609, quando afirmou que
na capitania do Rio Grande: “... se dão mui proveitosamente toda as sortes de
gado...”62. Outro cronista a relatar a vocação da capitania do Rio Grande para a
criação de gado foi o Frei Vicente do Salvador, que em 1627 ao descrever esta
capitania ressaltava que:
“Cria-se na terra muito gado vacum e de todas as sortes, por serem pera isto
as terras melhores que pera engenhos de açúcar...nele se dão muitas criações
e outras granjearias...”63
61
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aconteceu na Capitania do Rio Grande. Natal: DEI, 1997, p.45.
62
Id.Ibidem., p. 45.
63
SALVADOR, Vicente do. História do Brasil. 1500-1627. 7ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Edusp, 1982, p. 298-299.
64
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os holandeses na Capitania do Rio Grande. Natal: IHGRN, 1998,
p. 02.
65
POMBO, Rocha apud. SANTOS, Paulo P. dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte
(século XVI ao XXI). Natal: DEI, 2002.
Paulo Pereira dos Santos, ao analisar a história econômica do Rio Grande
do Norte afirmou que em 1630 desenvolvia-se a produção açucareira e a pecuária
crescia, onde a pecuária representava a atividade econômica mais importante. E o
dízimo sobre esta produção era a base da receita desta capitania. Mas, segundo
Santos, durante o período da Guerra dos Bárbaros a receita baixou 50% do seu
total em decorrência da violência dos conflitos. Para confirmar isso, ele informa
que em 1680 a cobrança do dízimo, em relação à pecuária, atingia o valor de 900$
e que em 1689 a receita dos dízimos mal chegava a 340$.66
No final do século XVIII, para se ter uma idéia da amplitude deste comércio
interno da atividade de criação do gado, segundo Paulo P. dos Santos, a capitania
do Rio Grande enviava para Pernambuco de 15 a 16 mil cabeças de gado de
corte, tendo a criação de gado se tornado a ocupação produtiva que mais cresceu
na capitania do Rio Grande. Podemos atribuir essa tendência não só a já referida
“qualidade” da terra para pastos, mas também às necessidades da própria
economia colonial. O gado era necessário em vilas e povoações para servir de
alimento, principalmente àquelas que se dedicavam ao plantio da cana-de-açúcar,
uma vez que boa parte de suas terras estava ocupada com a lavoura de cana e
pouco destas ficava reservada à produção de alimentos. Havia, no máximo, uma
cultura agrícola de subsistência, com plantio de mandioca, milho e feijão. No dizer
de Caio Prado Júnior: “... as terras aproveitáveis, tanto pela qualidade como
localização, são avidamente ocupadas, não sobrando espaço para outras
industrias.” 67
Os engenhos também tinham a necessidade do gado para tração, Schwartz
informa que: “... num engenho de tração animal necessitava-se de 12 a 14 juntas
de seis a oito bois para a limpeza, cultivo e colheita, e 3 a 4 juntas de seis a oito
bois para fazer o engenho funcionar”68. É fácil compreender que o gado fosse tão
necessário às atividades que exigiam trabalho pesado e que as capitanias
66
SANTOS, Paulo P. dos. Op. Cit., p. 61.
67
PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 31ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985,
p.182.
68
SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: a suprema corte da Bahia e
seus juízes. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 90.
vizinhas da Paraíba e de Pernambuco estavam fortemente envolvidas com a
atividade açucareira, iniciando-se aí uma relação de complementaridade entre o
Rio Grande (a criação de gado) e as capitanias vizinhas.
Mas além dos engenhos, outras atividades faziam uso da tração animal,
principalmente, o transporte de mercadorias e nas atividades agrárias em geral, ou
mesmo na coleta da lenha para os fornos. Ou ainda, em atividades que usavam o
couro do boi para a conservação de um produto, tal como o uso do couro na
conservação do tabaco, em que os rolos de fumo eram envoltos em couro de boi
para depois serem armazenados ou transportados.
André João Antonil também ressaltou em “Cultura e Opulência do Brasil”, a
relevância da exportação de couro para Portugal nas oficinas de sapateiros no
Reino, dando como exemplo a capitania de Pernambuco. Como boa parte da
produção da capitania do Rio Grande era exportada via Pernambuco, não seria
impossível se boa parte desse couro não ser advindo da mesma.69
“... se pagasse dízimos das lavouras, pescarias e alguns gados... e que nas
terras do sertão e praias pertencentes àquela capitania estavam situados
alguns currais de gado e outros que de pouco se iam pondo e no sítio das
salinas carregam todos os anos muitos barcos de sal de que se proviam todas
aquelas capitanias levando neles muitas redes com que se faziam importantes
pescarias...70”.
70
Carta do príncipe D. Pedro II ao provedor da Fazenda João do Rego Barros. DPH / Ufpe, AHU,
Códice 256, f. 44 V.
gado. O Conselho Ultramarino deu conta ao rei, em 1697 que os “gentios”
estavam em paz e que: “... nos distritos desse presídio chegaram moradores e
cresceram novos currais, e se vai povoando como antes do levantamento do
gentio que se acha sossegado”.71
As frentes de conquista nos sertões da Colônia tiveram então de enfrentar e
derrotar os indígenas, pois esses embates pela ocupação da terra geraram vários
conflitos, independentes entre si, pois à medida que se dava a interiorização,
também se efetuava um contato maior entre brancos colonos e indígenas nativos.
Esses contatos criariam uma série de guerras e de acordos de paz, tudo isso
acentuado por idéias já formuladas, de um lado e de outro, após a expulsão dos
holandeses, pois muitas tribos Tapuia haviam se associado aos holandeses,
criando nos portugueses uma aversão a esses grupos indígenas. A interiorização
e a penetração nos sertões também criaram sérias dificuldades para a obtenção
de alimentos por parte dos Tapuia, já que a sua subsistência se baseava na caça,
pesca e coleta de mel e frutos silvestres, principalmente, nas ribeiras já ocupadas
pelos colonos. Desta forma, tem início o que Hilda Baqueiro chamou de “círculo de
ação-reação-repressão”, onde cada nova ação gerava uma nova reação.
A exploração das terras dos sertões, à medida em que se tomava posse e
se ocupavam tais terras com o gado e com lavouras, e ao se tomar os índios
como escravos, fez com que alguns desses grupos indígenas respondessem na
forma de resistência armada à colonização e aos colonos, o que por sua vez,
estimulou a pronta investida dos colonos contra os indígenas.
Esta investida dos colonos contou com a ajuda de sertanistas mercenários,
denominados à época como “os paulistas”, e desta forma, os colonos expulsaram,
escravizaram e mataram muitos indígenas. Uma confirmação disto pode ser vista
numa carta enviada ao rei de Portugal pelo capitão-mor da capitania do Rio
Grande, datada de 19 de julho de 1687, em que este informou sobre a “... rebelião
do gentio tapuio da nação jandoim”, acontecida após a expulsão dos holandeses
de quem eram confederados, e que se: “... senhoraram do sertão onde sempre
viveram com ódio aos portugueses”.
71
Resposta do Conselho Ultramarino a uma consulta do rei. DPH / Ufpe, AHU, Códice Nº 265, f.
117/ 117 V.
Nessa rebelião, os Tapuia mataram cerca de quarenta vaqueiros que
estavam há aproximadamente sessenta léguas da Fortaleza dos Reis Magos, de
onde o capitão-mor escrevera a carta. Os ditos Tapuia haviam atacado também as
fazendas dos moradores. Assim, “... frente a essas insolências mandou marchar
tropas em seu alcance que pelejando com eles por duas vezes mataram muitos”.72
Esses levantes assumiram proporções tais que obrigaram as autoridades
coloniais a tomarem atitudes mais violentas contra os indígenas. Conforme
avançava a colonização, mais acirrados se tornavam os levantes dos indígenas na
tentativa de se defender da ocupação do seu território, e por estar em maior
número e por ter maior conhecimento da região, inicialmente, a guerra deu certa
vantagem a esses grupos indígenas.
A ocorrência desses conflitos e a existência desta vantagem indígena nos
embates criaram uma situação tal que exigiu uma solução urgente, pois esta
situação criara um clima de pânico geral nos colonos que ameaçavam deixar a
capitania. Tal fato ameaçava os planos da Coroa para o desenvolvimento da
capitania do Rio Grande, mas também abriria uma brecha na defesa dos territórios
das capitanias vizinhas. Em uma carta enviada pelo rei de Portugal ao governador
da capitania de Pernambuco, Antonio Félix Machado, datada de 26 de dezembro
de 1691, o rei afirmava sobre a necessidade de se manter a defesa do território:
72
Carta do capitão-mor do Rio Grande ao rei de Portugal. DPH / Ufpe, AHU, Microfilme Caixa RN1.
73
Carta do rei ao governador da capitania de Pernambuco. DPH / Ufpe, AHU, Códice Nº 256, f.
129.
Percebemos também esta preocupação em um documento, no qual Matias
da Cunha escreveu para o governador de Pernambuco, João da Cunha Sotto
Maior, sobre a viabilidade de se mandar duas Companhias do Terço do Camarão
e Henrique Dias à capitania do Rio Grande, que se achava em prejuízo com a
Guerra dos Bárbaros. Diz assim o governador geral no documento: “Vossa
Senhoria me deu conta do aperto que se achava a Capitania do Rio Grande com
a guerra dos Bárbaros”, e acrescentava ainda a importância de se ter à disposição
estes Terços de Pernambuco, com os quais se poderiam ajudar os colonos a
debelarem os conflitos, pois “... não podendo eles sós resistir ao poder de um
inimigo que tanto os aflige, e lhes destrói as fazendas”.74 (grifo nosso)
Os estragos decorrentes dos levantes indígenas prejudicavam a exploração
efetiva das terras, não só as da capitania do Rio Grande como também das
demais capitanias do Norte, e isto pode ser observado em carta datada de 03 de
dezembro de 1694, em que o rei dá seu parecer sobre os prejuízos causados por
esses conflitos, deixando ao governador geral do Estado do Brasil, D. João de
Lencastro, a atribuição de controlar e ordenar tal situação:
74
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 247-248.
75
Carta do rei ao governador de Pernambuco. DPH / Ufpe, AHU, Códice Nº 256, f. 186 V.
“... ordeno a Vossas Mercês o faça, e com grande zelo com que sempre esse
Senado costumou servir à Sua Majestade ajudem ao dito Governador pela
parte que lhes toca na expedição desse socorro de maneira que não se
detenha (se possível for) um instante, pois qualquer dilação pode ser mais
grave e mais irremediável o perigo daquela Capitania de que tanta
dependência tem estas do Norte...”.76
“Por alguns moradores desta cidade serem também interessados nas terras e
currais desta Capitania ordenei a Câmara dela que concorresse também para
esta guerra com 300$000 em dinheiro dos quais se mandou cento a um
Governador das Armas Paulista ... e os 200$000 para se empregarem em
farinhas que Vossa Mercê irá remetendo à ordem do Coronel Antonio de
Albuquerque pelos avisos que ele lhe fizer”.79
79
Idem., p. 273-274.
80
Idem., p. 275.
81
Idem., p. 277.
contribuição dos Povos das ditas Três Capitanias excetuando-se essa. E para
a ajuda de se sustentar a gente que Vossa Mercê tem à sua ordem, ordenei a
Câmara desta cidade que concorresse também com 200$000 que aqui há de
pagar, e o Provedor da Fazenda Real dessa Capitania saca letra à vista sobre
ela, empregá-los aí em farinhas que há de ir remetendo à ordem de Vossa
Mercê pelos avisos que Vossa Mercê lhe fizer, como lhe ordeno por carta
minha”.82
82
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 278.
83
Idem., p. 301-302.
escreveu ao governador de Pernambuco, falando sobre as despesas da Fazenda
Real e do socorro que deveria ser enviado à capitania do Rio Grande:
“Esta guerra se bem é verdade que está muito dilatada pelo pouco que tem
obrado os Cabos dela; contudo, já está mui remissa pela parte dos tapuias,
que andam tímidos, e afugentados; mas basta sua dilação, e a despesa que
estão fazendo os nossos em diversas partes para ser muito prejudicial”.86
86
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 375.
Furtado mandou fazer no sertão da Bahia sendo diferentes as nações porque
tinham aldeias certas, dentro das quais foram presos, passou a despesa de
trinta mil cruzados o que sei porque servia naquele tempo meu pai Antonio
Lopes Ulhoa de Provedor Mor da Bahia, na Capitania do Rio Grande não tem
Fazenda de Vossa Majestade rendimento para muito menor despesa, e ainda
que a houvera não parece justo que se despenda podendo haver caminho
mais suave para a aquietação”.87
“... por não ter com que sustentar a pouca gente que lhe assiste, andarem os
soldados nus, e quase em desesperação acrescentada no desengano de Sua
Majestade os não mandar socorrer mais que com cento e cinqüenta mil réis
que Vossa Mercê trabalhou muito com todos para os aceitarem”.88
90
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume XXXVIII, 1937, p. 311.
O conde Miranda Andrada, em resposta à petição do Cabo das Tropas dos
Índios de Pernambuco, Antonio Mendes, em 28 de novembro de 1659, escreveu à
S. Majestade a respeito de problemas com os índios Tapuia, ou seja, da
possibilidade destes virem a se assenhorearem dos sertões das capitanias de
Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande. Foi ele um dos primeiros agentes
da colonização do Rio Grande a chamar a atenção para a resistência dos tapuias.
Esses tapuias, segundo Antonio Mendes informou, habitavam a Serra da Copaoba
na capitania do Ceará e:
“... de nação Cariris infiéis, que facilmente receberam nossa santa fé, e
sagrado batismo, distantes destes há outros tapuias, da casta dos Janduís,
que também receberam nossa amizade, e a mesma fé, se houver quem os
reduza, porque são soberbos, e mal intencionados, e fizeram muitas tiranias
entre os nossos a respeito de seguirem a parcialidade de um capitão holandês,
e hoje se vão fazendo poderosos, por terem muita criação de éguas, e com
qualquer disciplina nos poderão fazer muito dano...”. 91
“... por ser mui perito em sua língua e respeitado entre os índios, como se viu
na redução dos que se rebelaram, com os holandeses, os quais com grande
facilidade os fez recolher para as suas aldeias...”. 92
91
Documentos para a História do Brasil. Coleção Studart. Revista Trimensal do Instituto do Ceará.
Tomo 34, 1920, p. 327.
92
Documentos para a História do Brasil. Coleção Studart. Revista Trimensal do Instituto do Ceará.
Tomo 34, 1920, p. 328.
O padre Pedro de Lara então, levaria consigo a instrução de reduzir e
conduzir os índios que foram transferidos para o Ceará e Camocim às suas
aldeias originais. Levaria também: “o perdão das culpas que estes índios tiverem
cometido em se lançar com os holandeses, no tempo que ocuparam aquelas
capitanias...”. 93
Além desses motivos relacionados à ocupação da terra e à redução dos
indígenas, devemos considerar que na necessidade de braços para o trabalho no
Rio Grande e com a falta de recursos para a compra de escravos negros, isto
levou alguns colonos a se utilizar largamente da mão-de-obra indígena. A exemplo
disso, podemos citar uma carta de 23 de janeiro de 1685, em que o rei de Portugal
pede mais informações ao Governador de Pernambuco acerca do pedido dos
colonos da capitania do Ceará que justificavam a necessidade de: “... conceder-se
aos ditos moradores índios e índias para os servirem por não terem escravos da
Guiné”.94
A prática de se cativar os prisioneiros das guerras de conquista era um
procedimento legal e normal nas colônias, o que permitia assim, que a utilização
do trabalho forçado escravo ou semi-escravo indígena fosse a principal forma de
trabalho até o século XVIII, em capitanias como a do Rio Grande e a do Ceará.
Em 1672, O governador geral do Estado do Brasil Afonso Furtado de Castro
do Rio de Mendonça, em carta ao governador de Pernambuco Fernão de Sousa
Coutinho, informou que sobre a liberdade dos indígenas havia muitos documentos,
mas que em função das “... hostilidades que os desta capitania tem feito a seus
moradores...”, se tinham feito: “... em junta de todos os Prelados, e Ministros que
fossem cativos os prisioneiros em guerra viva”.95 Desta forma, a indicação para se
cativar índios deveria ser analisada pelas máximas autoridades coloniais, e esta
indicação só seria dada se a guerra fosse considerada justa, isto é, se houvesse a
prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses e a recusa à
conversão ou o impedimento à propagação da fé cristã.
93
Documentos para a História do Brasil. Coleção Studart. Revista Trimensal do Instituto do Ceará.
Tomo 34, 1920, p. 329.
94
Carta do rei ao governador de Pernambuco. DPH / Ufpe, AHU, Códice Nº 256, f. 54 V.
95
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 55-56.
Em uma carta do rei de Portugal, D. Pedro II, endereçada ao governador da
capitania de Pernambuco D. Fernando Martins de Mascarenhas de Lencastro, de
11 de janeiro de 1701, o monarca afirma sobre a questão da compra e venda de
índios cativos:
“... que os índios que se venderem e comprarem nas vilas e seus termos se
não possam comprar nem vender senão em praça pública, porém os que se
venderem nos sertões onde não há justiças mais que os juízes que tenho
ordenado se façam que estas vendas sejam com autoridade do juiz do seu
distrito...”96
A guerra foi vista como uma forma justa de se cativar, até mesmo os
indígenas dos sertões que estivessem em paz com os colonos, o que criou uma
forte tensão entre eles. O governador geral do Estado do Brasil Antonio Luis de
Sousa Teles de Menezes (Marquês das Minas), em 03 de novembro de 1684, se
remeteu a Câmara do Rio Grande sobre a notícia que teve sobre alguns oficiais
intentarem em perturbar as aldeias dos índios existentes no Rio Grande que
estavam em paz sob os cuidados dos Jesuítas, quando alguns oficiais retiraram
esses índios das aldeias dos padres para os utilizarem no trabalho nas suas casas
e fazendas. Teles de Menezes em sua carta dava o seguinte aviso:
“Vossas Mercês se não intrometam com fazerem semelhante excesso que por
nenhum caminho lhes pertence, porque constando-me o contrário os hei de
mandar vir presos a esta cidade dar a razão de sua desobediência: porém
espero que Vossas Mercês obrem em tudo de maneira que Sua Majestade se
dê por bem servido e eu tenha que agradecer a Vossas Mercês o zelo com
que o servem”.97
96
Carta do rei ao governador de Pernambuco, Fernando M. M. de Lencastro. DPH / Ufpe, AHU,
Códice Nº 257, f. 64 V.
97
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 206-207.
“... se não poder considerar com o cativeiro que fez nos que ficaram vivos
tomando-os para si, e repartindo-os pelos seus soldados, assim porque os que
estavam batizados ainda em caso de guerra justamente podiam ser cativos
para efeito de perderem a liberdade como porque os que não estavam também
o não deviam ser por estarem em paz e ainda que se verifique que pretexto
com que o dito Mestre de Campo diz lhe fizera a tal guerra nunca se podia
considerar bom o tal cativeiro por serem chamados debaixo do seguro da
paz”.98
98
Carta ao ouvidor geral da Paraíba, Cristóvão Soares Reymão. DPH / Ufpe, AHU, Códice Nº 257,
f. 74.
CAPÍTULO III
99
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
dada sociedade, tanto sobre a sociedade de uma forma mais ampla quanto sobre
seus historiadores. Desta maneira, podemos compreender a relação entre os
estudos históricos e a historiografia militar. Para tanto, Keegan cunhou a
expressão: “história vista de baixo”, para designar a visão não oficial de um
episódio ou campanha militar, pois o mesmo historiador tem uma percepção da
história militar não apenas como o estudo das ações de determinados
personagens, mas o estudo das instituições. Para Keegan, o fenômeno da guerra
envolve muito mais do que a política e o direito, pois a guerra é também uma
expressão da cultura em um sentido amplo. Ela é, tanto um determinante quanto
um resultado dos meios culturais e técnicos, sendo, pois, assim um fenômeno
altamente complexo, que muda com o tempo, não só nas suas formas, mas
também os sentidos.
Assim, a guerra amolda-se e delineia-se conforme suas necessidades e
particularidades, e não se encontra isolada da sociedade que a abrange, não
sendo assim inerente e distinta de uma história mais ampla dessa sociedade.
Assim, para melhor compreendermos as formas culturais da Guerra dos Bárbaros,
devemos retomar aqui as crônicas coloniais e os estudos historiográficos que nos
ajudam a definir os Tapuia diante de sua multiplicidade histórica e cultural.
Também é objetivo do capítulo, discutir como a imagem dos sertões da capitania
do Rio Grande, associada aos Tapuia, imprimiu um novo conceito à Guerra
Brasílica.
100
ANDRADE, Pedro Carrilho de. Memória sobre os índios no Brasil. In: Revista do IHGRN, vol.07,
1909.
101
MARCGRAVE, Jorge. História natural do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1942, p.
269.
causaram à colonização, pois segundo ele, em nenhum outro lugar uma
resistência demorou tanto para ser dominada. Afirmou ainda Taunay que:
102
TAUNAY, Affonso D´Escragnole. A Guerra dos Bárbaros. 2ª ed. Mossoró: FVR, 1995, p. 09.
103
MONTEIRO, John M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 20.
104
HERCKMANN, Elias. Apud. POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Tapuias no Nordeste: a
monografia de Elias Herckmann. Revista do Instituto Histórico do Ceará, n. 48, 1934, p. 15.
O historiador Olavo de Medeiros Filho, em “Índios do Assu e Seridó”, por
sua vez, fez uma confrontação a partir das informações de Herckmann com a de
outros cronistas holandeses: Gaspar Barléus, Guilhermo Piso, Zacharias Wagner,
Jorge Marcgrave e Joan Nieuhof, Hessel Gerritz e Johannes de Laet, concluindo
que de acordo com os dados etnográficos disponíveis, os Tapuia formavam um
grupo étnico-cultural diverso e que estes possuíam inclusive muitas diferenças
lingüísticas. Ainda mais, acrescentou Pompeu Sobrinho, os Tarairiú seriam uma
família que agruparia diversas tribos: Janduí, Ariú ou Pega, Canindé, Paiacu e
Jenipapo, todas aparentadas lingüisticamente e localizadas geograficamente num
perímetro específico.
Em seu “Mapa Etno-Histórico” o etnólogo Curt Nimuendaju não associou as
tribos citadas por Pompeu Sobrinho a uma família lingüística, mas nomeou a todas
como “tribos de língua desconhecida”, por julgar que se têm “poucas e duvidosas
informações” as quais pudessem determinar, precisamente, uma relação de
parentesco entre elas. Assim, os Tarairiú (ou Otshikayaynoe), para Nimuendaju,
comporiam apenas uma tribo, tal como os Pega, Canindé, etc. Esta informação foi
confirmada por Greg Urban, no trabalho intitulado “A história da cultura brasileira
segundo as línguas nativas” de 1992, aonde classificou os Tarairiú como grupo de
língua isolada, isto é, sem ligação aparente com um tronco comum, e por não
possuir uma “ligação genética” conhecida. Concluiu então Nimuendaju que essa
língua seria parte de focos de dispersão muito antigos, porém de difícil estudo já
que se encontra extinta.
O que percebemos, apesar das discordâncias quanto ao universo
lingüístico, tais grupos indígenas genericamente denominados Tapuia, na verdade
eram compostos de diversas tribos diferenciadas em língua e costumes e
dispersas numa imensa área que abrangia grande parte do território de, no
mínimo, seis capitanias.
Muitos pesquisadores, em especial os antropólogos, chamam a atenção
para o fato de entendermos que os nomes dessas etnias são designativos de uma
coletividade única, de uma sociedade, de um povo, e não apenas um somatório de
pessoas. Devemos compreender também que muitos nomes indígenas não são
autodenominações tais como etnônimos, pois à um grande número desses grupos
indígenas as designações dadas a eles foram atribuídas por outros povos,
também indígenas, mas freqüentemente, inimigos, por isso carregam conotações
na maioria das vezes, inadequadas. Esse é o caso dos grupos Tapuia, pois este
era o nome pelo qual os índios do litoral os chamavam, isto é, era o nome em
língua Tupi que era dado aos povos do sertão. Outro cuidado que deve ser
tomado é que devemos lembrar que alguns povos foram denominados pelo nome
de alguns dos seus indivíduos ou de frações de seu grupo étnico, e isto está
ligado historicamente às práticas de controle social que foram empregadas pelos
colonos ao tratarem das questões relativas aos indígenas no Brasil.
Com base nos documentos e em relatos de cronistas do século XVII,
podemos esboçar como estavam distribuídas as diversas tribos Tapuia, as quais
tomaram parte dos conflitos da Guerra dos Bárbaros. Dentre as mais citadas estão
os Paiacu, da nação Tarairiú (Janduí) e os Cariri, da nação Cariri. Somando as
informações sobre os limites e indicações espaciais encontradas nos textos, e a
partir de uma distribuição geográfica desses grupos no contexto específico dos
séculos XVII e XVIII, sobrepomos esta distribuição à uma configuração geográfica
atual e obtivemos as seguintes indicações:
Os Paiacu, que habitavam o baixo Jaguaribe no atual estado do Ceará até
a Serra do Apodi e o Rio Açu, no atual estado do Rio Grande do Norte. Os Cariri,
que se localizavam nas cercanias da atual cidade de Campina Grande, no estado
da Paraíba, e o platô da Serra da Borborema, também no mesmo estado. Os
Jenipapo, situados do Ceará até o Rio Grande do Norte, na região onde hoje se
localizam os limites do município de Assu. Os Canindé, na região que compreende
os estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará, entre os rios
Jaguaribe e Piancó.
Os Sucuru, em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, entre os rios
Pajeú e Paraíba. Os Ariú ou Pega, do Rio Piranhas, na Paraíba e na Serra da
Salamandra, no Rio Grande do Norte. Os Panati, onde hoje se localiza a cidade
de Piancó na Paraíba, e finalmente os Caratiú, onde hoje encontramos o vale do
Catolé do Rocha até o rio Piranhas, no atual estado da Paraíba. Todas estas
tribos foram classificadas como pertencentes á nação Tarairiú ou Janduí.
As tribos restantes que participaram da Guerra dos Bárbaros foram
classificadas como pertencentes à nação Cariri: Os Corema na ribeira do rio
Piranhas, na Paraíba; os Icó nos sertões dos estados da Paraíba, Rio Grande do
Norte e Ceará, entre os rios Piranhas e Jaguaribe e a Serra do Cumbe no Rio
Grande do Norte.
Por essa distribuição espacial geográfica percebemos que a região de
maior conflito e confronto foram então a área geográfica de confluência dos atuais
quatro estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Uma
área, portanto, onde no período colonial já se começava a delinear uma nova
atividade comercial de grande valor não só para a colônia, mas também para as
autoridades metropolitanas: a criação de gado. Esses indígenas, portanto,
representavam um entrave para o desenvolvimento pleno da região, pois eram as
verdadeiras “muralhas do sertão”, impedindo o avanço da ocupação, a posse e a
utilização das terras.
As fazendas de criação de gado representaram um dos fatores de
expansão da economia e ocupação das terras, sem contar na possibilidade que
estas terras apresentavam àqueles que estavam em busca de obter riquezas. A
criação de gado não representava uma mera atividade predatória nas terras, mas
a ocupação ordenada e a obtenção de lucros.
Utilizamos aqui o termo sertão não na forma em que ele é apresentado,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como sendo uma
das sub-áreas nordestinas, árida e pobre, mas na forma em que Janaina Amado
expôs a noção de sertão, como sendo uma categoria de entendimento vivido
como experiência histórica.105 Segundo Amado, os portugueses já utilizavam a
palavra sertão desde o século XIV, grafado com “s” ou com “c”, para referirem-se
às áreas dentro de Portugal, mas que, no entanto, estavam distantes de Lisboa. A
partir do século XV a palavra ganhou novos significados, sendo utilizada para
nomear os espaços vastos, interiores, os quais estavam localizados dentro das
105
AMADO, Janaína e FIGUEIREDO, Luiz Carlos. O Brasil no Império português. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.(Coleção Descobrindo o Brasil).
possessões recém conquistadas e que pouco ou nada se sabia sobre elas. No
século XVI, o vocábulo ganhou destaque nos relatos dos cronistas e viajantes
portugueses que estiveram na África, Ásia e América, sendo utilizado até o século
XVIII pela Coroa portuguesa e autoridades lusas nas colônias. Sendo assim, no
início do século XIX a palavra já estava totalmente integrada à língua usada no
Brasil, tanto que os viajantes naturalistas europeus que visitaram o Brasil também
a usaram em seus relatos.
Chamamos atenção, entretanto, para a construção do imaginário que a
palavra sertão carregava durante o período colonial no Brasil, pois como uma
categoria designativa construída pelos portugueses no processo de colonização,
estava carregada de sentidos negativos e ultrapassou assim o sentido original (de
espaços vastos), e se lhe acrescentaram outros significados bem mais específicos
e adequados a uma situação histórica particular e única: a da conquista e
consolidação da colônia brasileira.
Mas a verdade é que o termo sertão foi construído e pensado na relação de
alteridade em oposição ao litoral. O litoral, portanto, já estava dominado e
conhecido pelo branco colonizador, cristão e representante na colônia da cultura e
da civilização. Essa dicotomia foi construída uma no inverso da outra, pois desta
forma, o sertão representava: o desconhecido; o desolado; o perigoso; o lugar
dominado pela natureza bruta; um lugar povoado de homens bárbaros, hereges e
infiéis. Do ponto de vista do colonizador, sertão era o espaço do outro, ao mesmo
tempo atraente e misterioso, e que despertava o ímpeto de desbravamento e o
sonho do enriquecimento rápido e fácil. Assim, facilmente associou-se sertão e
Tapuia.
Sobre o conceito de espaço, segundo Michel de Certau,106 espaço se
entende como um lugar praticado, vivenciado pelo conjunto de movimentos que
nele se desdobram, e assim, pensamos em sertão como um espaço físico que aos
poucos foi sendo transformado pelos próprios relatos coloniais. Para Cristina
Pompa: “As narrativas constroem este lugar cultural cristalizando o sertão
enquanto conceito, ao mesmo tempo em que ele se dilui enquanto espaço
106
CERTEAU, Michel de. Apud. POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e
Tapuia no Brasil Colonial. Bauru: Edusc, 2003.
geográfico”.107 Foi assim que concomitante à formulação do conceito e da imagem
de sertão, o conceito e a imagem do Tapuia também foi sendo construída.
Sobre a imagem do sertão podemos citar uma carta de um missionário da
Companhia de Jesus da Missão de Gramació, escrita em 1704, em que descreve
o que era o sertão da capitania do Rio Grande: “... sertões intratáveis, caminhos
ásperos e desabrigos”.108
O litoral era o espaço ocupado, no sentido dos territórios conquistados, pois
eram os locais onde a ordem foi estabelecida pelas duas instâncias de poder à
época: a Igreja e o Estado. Em contrapartida a este litoral havia o sertão, um
espaço vazio e desconhecido, onde grassavam a barbárie e a selvageria. Tanto é
que as primeiras informações sobre as populações indígenas que habitavam o
sertão brasílico foram recebidas através dos índios tupis, que chamavam esses
outros habitantes então de “tapuias”. Desta maneira, a construção da figura do
tapuia foi elaborada a partir da oposição ao mundo Tupi, e construída por esses
Tupi e pelos colonos brasílicos.
A noção de alteridade entre tapuias e tupis foi primeiramente apresentada
pelo viajante Gabriel Soares de Souza, em seu “Tratado Descritivo do Brasil”, de
1587, em que aponta os Tapuia como os primitivos povoadores do litoral
brasileiro, os quais foram obrigados pelos Tupinaé a se refugiarem no sertão após
por eles serem derrotados.109 A partir daí, os Tapuia serão vistos como os inimigos
dos demais, e “não se acomodando uns com os outros, antes tem cada dia
110
diferenças e brigas, e se matam muitas vezes em campo”. Este relato foi
coletado, segundo Gabriel Soares, “dos índios muito antigos”, ou seja, os índios
Tupinambá e Tupinaé.
Deste modo, percebemos que mesmo no primeiro século de colonização, o
termo Tapuia já passara a designar um “todo” composto por uma diversidade de
línguas, de usos e costumes desses grupos indígenas que habitavam os sertões,
107
POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil Colonial. Bauru:
Edusc, 2003, p.199.
108
Carta de missionário jesuíta. DPH / Ufpe, AHU, Caixa RN 1.
109
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Cia Editora
Nacional / Edusp, 1971, p. 299.
110
Id. Ibidem., p. 338.
tudo sempre em contraste com os Tupis da costa. A noção e o conceito de Tapuia,
como sendo de um povo bárbaro, adversário e inimigo comum foi então construída
historicamente, isto é, criada no próprio contexto colonial, tanto a partir do texto
das crônicas e relatos dos viajantes, como também nos documentos oficiais. E foi
reforçada ainda mais durante o período de ocupação holandesa, uma vez que
esses grupos indígenas mantiveram não só alianças militares com os holandeses,
como também tiveram participação ativa no serviço da empresa colonial
holandesa no Brasil e na manutenção do território ocupado por estes.
Com a saída dos holandeses do nordeste colonial, a área dos sertões seria
palco de conflitos e tensões resultantes da expansão da colonização, enquanto
incorporação territorial do Império Atlântico Português. Para tanto, era imperativo
para a Coroa Portuguesa que se controlassem os Tapuia que ocupavam essa
região, pois o crescimento econômico dependia da ocupação produtiva,
especialmente com a criação de gado. O sertão e sua abundância de terras e a
certa facilidade em adquiri-las através do sistema de doações de sesmarias levou
a uma ocupação territorial de maneira intensiva, de forma mais ativa e mais
sistemática.
Portanto, ocupar e explorar efetivamente essas abundantes terras
significava manter o controle e a defesa dos novos territórios incorporados, sendo
necessário para isto afastar as possibilidades de invasão destes, e, por outro lado,
redefinir estratégias bélicas historicamente conhecidas como Guerra Brasílica.
111
AZEVEDO, Pedro Cordolino F. de. História Militar. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1998,
p.130.(Coleção Marechal Trompowsky, 12).
ataque, as medidas de segurança e o empenho na redução do inimigo através da
fome das forças sitiadas.112
O objetivo dos exércitos, como se pode ver então, não era o exército
inimigo e sim obter a posse de pontos geográficos ou posições-chave, e o objetivo
era assim a conquista de uma cidade, e não a destruição completa do adversário.
Neste processo, percebemos então que, a Nova Guerra seguia um modelo que
privilegiava a arte do sítio, pois nas palavras de Daniel Beaver: “a guerra se havia
tornado científica e era governada por um conjunto de regras”.
Neste período, a crença de alguns pensadores era na existência de um
mundo governado por leis (as leis universais) e sua autoconfiança intelectual
trouxe o sentido de comunidade. Houve uma revitalização no quadro dos oficiais,
composto agora por membros da velha nobreza, a serviço do Rei e que em sua
maioria, tinham uma formação em escolas de cadetes que surgiram,
principalmente, na França e na Prússia antes mesmo de se chegar ao século
XVIII.113 Podemos assim definir que o espírito da época sobre a guerra estava
baseado na disciplina rigorosa e no elaborado treinamento e, além disso, os
governos fabricavam, armazenavam e forneciam materiais padronizados às tropas
tais como: armas, rações, fardamentos e material de acampamento.
Além dos dois aspectos já citados anteriormente, é necessário acrescentar
uma explicação sobre dois conceitos que são de suma importância na
compreensão das mudanças efetuadas nos modos de guerrear e a transformação
da Nova Guerra, ou seja, aquele tipo de guerra empreendida na Europa nos
séculos XVI e XVII em relação às Guerras Brasílicas, típicas do Brasil, durante o
domínio holandês, que segundo Evaldo Cabral de Mello, consistia “...
fundamentalmente numa mistura ou combinação da arte militar européia e das
técnicas de guerrilha”.114
112
Id. Ibidem., p. 135.
113
BEAVER, Daniel R. A evolução cultural, o desenvolvimento tecnológico e a condução da guerra
no século XVII. In: WEIGLEY, Russell F. Novas dimensões da historia militar. 1981, p.104.
114
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. Rio de
Janeiro: Forense Universitária / Edusp, 1975, p.217.
A arte de como se empregar as forças dos exércitos na luta e a forma de
conduzir as operações militares pode ser explicada através de dois conceitos ou
noções: o da tática e o da estratégia.
A tática refere-se à ordem ou o arranjo na disposição dos exércitos, é a
maneira de se travar a batalha ou de como conduzir uma tropa em um
determinado terreno. A tática diz respeito à forma como se deve pôr em ação as
tropas na batalha, e o modo de emprego dessas tropas nas batalhas, em suma, é
o que se refere a como se deve combater.
A estratégia, por sua vez, subordina a tática e possui maior amplitude, que
visa à direção geral das forças em campanha, tendo em vista o conjunto de
manobras idealizadas e assentadas com antecedência pelo alto comando para a
obtenção da vitória. Assim, a estratégia refere-se a como traçar os planos e
comandar os exércitos, e deste modo, define quando e onde se deve combater.
Segundo o historiador militar, Pedro Cordolino:
“É difícil estabelecer um limite preciso e claro para cada uma, porque ambas
tem por objeto a combinação de todos os recursos bélicos no tempo e no
espaço para a obtenção rápida da vitória”.115
115
AZEVEDO, Pedro Cordolino F. de. Op. Cit., p. 45.
Na Idade Moderna surgiram mudanças no universo das táticas, devido à
relevância que a infantaria foi adquirindo com o passar do tempo e a formação de
exércitos permanentes, que eram mais bem adestrados e disciplinados, além do
uso das armas de fogo, também influenciaram estas mudanças exigindo
adaptações nas táticas de guerra. Na Espanha, em 1534, surgira uma nova
formação com inspiração na falange suíça, o Tércio Espanhol.
Na sua composição, o Terço era formado por três mil homens divididos em
doze companhias de duzentos e cinqüenta soldados cada um116. Essa informação
diverge da fornecida por Puntoni117, que afirma ser formada a companhia por
quinhentos homens cada uma. No mais, as informações coincidem, pois os Terços
eram comandados por um capitão, e a cada cem homens havia um cabo de
batalhão, e a cada dez homens um cabo de esquadra. O capitão também era
auxiliado por um sargento e um alferes.
A situação na Colônia portuguesa, o Brasil, no que se refere à defesa
bélica, expressava as condições da metrópole, que se voltava neste momento
para as áreas mais lucrativas, localizadas no Oriente. Desta maneira a
organização da defesa do Brasil ficou a cargo da sociedade da colônia que se
baseou na cooptação dos habitantes da colônia, liberando a metrópole de
envolver largas forças militares na defesa das novas terras. Aqueles que se
transferiram para o Brasil tinham amplos poderes no que se referia a defesa das
terras novas, inclusive o de arcar com os custos da defesa. Tinham como
parâmetro de ordem os Regimentos, tais como os do Governador Tomé de Souza
de 1548, e o do Governador Francisco Giraldes de 1588. Em ambos os
Regimentos, havia instruções para a organização militar no que dizia respeito às
forças terrestres. Basicamente, ficava assim definida a questão da organização
das tropas no Brasil:
1- Tropas regulares - advindas do reino, equipadas com armas, recebiam
soldo, fardamento e farinha, e as acompanhavam os governadores gerais
116
SANTOS, Francisco Ruas. A Arte da Guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1998.
(Coleção Marechal Trompowsky, 13).
117
PUNTONI, Pedro. A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militares na expansão da
fronteira na América portuguesa (1550-1700) In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor e KRAAY,
Hendrick. Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
(autoridade colonial) como também os próprios donatários ou aqueles que
pretendiam montar engenho ou fundar lavoura. Em geral passavam por
treinamento militar.
2- Tropas semi-regulares - compostas por moradores, povoadores,
sesmeiros, que deixavam os seus trabalhos para acudir às necessidades militares
quando fosse preciso. Eram denominadas semi-regulares, pois eram
institucionalizadas pela legislação e constituíam-se pelas forças dos Serviços de
Ordenanças. As Ordenanças não possuíam treinamento militar sistemático, pois
permaneciam em seus trabalhos particulares e apenas em caso de grave
perturbação eram solicitados. Deveriam possuir armas e equipamentos por sua
própria conta e não recebiam soldo.
3- Tropas irregulares - Eram organizadas a partir da iniciativa dos colonos,
moradores ou colonizadores, ficando à margem da legislação, isto é, à margem da
vontade das autoridades metropolitanas, e suas necessidades eram atendidas
segundo a vontade das autoridades locais.118
Além da cooptação de colonos como soldados, outra característica das
campanhas militares no Brasil foi o aproveitamento dos indígenas. Frente às
ameaças externas ou estrangeiras, se aplicou na colônia uma política de alianças
com os grupos indígenas locais, pois era um método já utilizado com sucesso na
África.119 No Brasil, o processo de colonização do território e de defesa deste
contra ameaças externas e internas, contou com a participação de grupos
indígenas, que tiveram grande relevância neste processo. Indispensáveis, já no
Regimento de Tomé de Souza (1549), se sabe que existiam normas estabelecidas
para o recrutamento de guerreiros junto às tribos amigas, e foi esta marcante
presença do indígena nas campanhas e estruturas militares da colônia, que
imprimiu sua forma característica de guerrear, e juntamente com os colonos,
gestou e amalgamou elementos europeus aos elementos indígenas, o que deu
118
WERNECK SODRÉ, Nelson. A História Militar do Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1979.
119
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São
Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 97.
origem a uma forma de expedição militar, e de luta que melhor se adaptava à
realidade do meio brasílico.
Esta maneira especifica de luta armada empreendida no Brasil ficou
conhecida como Guerra Brasílica, a qual durante a invasão holandesa, se
fortaleceu e destacou a importância do elemento indígena na manutenção da
colônia. Para Evaldo Cabral de Mello essa guerra foi:
120
MELLO, Evaldo Cabral de. Op. Cit., p. 219.
Na formação normal da chamada Nova Guerra, empreendida na Europa,
também conhecida como Guerra de Flandres, levava-se em conta o terreno livre,
de amplos espaços para o desenvolvimento dos combates e da evolução das
brigadas, pois tinham como base a formação de duas linhas, integrando armas de
fogo e armas brancas, que em marcha desdobravam-se em vanguarda, batalha e
retaguarda.
No entanto, nas guerras brasílicas, essa formação tinha pouca valia, face
às características bem próprias da guerra de emboscadas e com a utilização do
elemento surpresa. Os conhecimentos táticos e estratégicos cederam lugar à
malícia e ao elemento surpresa, desenvolvidos e praticados pelos índios, e pela
improvisação dos brasílicos, obedecendo sempre à topografia e à vegetação do
terreno, aliado à ousadia e a coragem dos combatentes. Além disso, sabiam
melhor que os europeus como se submeter às provações, tais como a falta de
víveres, enquanto os soldados europeus tinham de carregar sempre alforjes,
armas, chumbo, pólvora, farinha e demais apetrechos.
A participação indígena nos empreendimentos militares atendia tanto às
necessidades dos colonos quanto às dos próprios indígenas. Os motivos das
autoridades em aceitar esta integração consistiam na escassez de homens para
incorporação no contingente militar, sendo então a participação militar indígena
não somente necessária, mas a única maneira dos agrupamentos militares
coloniais conseguirem um equilíbrio no número de homens em combate. Além
disso, os indígenas eram peças estratégicas, uma vez que estavam bem
acostumados com as características físicas dos sertões e das condições de
sobrevivência nestes, além de transportarem consigo muito pouco peso, pois tudo
que necessitavam retiravam do meio que os circundavam.
Os propósitos dos grupos indígenas nessa participação estavam no fato de
que aqueles que porventura se submeteram à ordem colonial tinham em vistas
garantir a paz, bem como sua própria sobrevivência. Outra razão residia na
tentativa de que ao se aliarem aos luso-brasileiros teriam a possibilidade de
combater seus inimigos, pois assim garantiriam uma superioridade bélica frente
aos seus contrários.
Além disso, devemos levar em conta a coerção a que muitas vezes esses
indígenas foram submetidos, quando foram forçados a se engajar nos
contingentes militares. A possibilidade de garantir concessão de terras para si na
forma de sesmarias, também levou alguns grupos indígenas a se alistarem nas
linhas militares, pois ao fim dos conflitos era comum a distribuição de mercês em
forma de sesmarias, tornando-os assim, vassalos da Coroa portuguesa.
“... são muito diferentes dos outros porque não tem aldeas nem parte serta em
que vivão e sempre andão volantes sustentandosse alguas vezes dos frutos da
terra e cassa que matão e outras de algum gado que lhes dão os vaqueiros o
eles lhe roubão.”121
121
Carta de Joseph Lopes de Ulhoa ao rei de Portugal. DPH / Ufpe, AHU, Caixa RN 1.
Em outra parte da carta informa ainda o mesmo Lopes de Ulhoa, sobre se querer
castigar os índios por força das armas, para ele isto era:
“... quasi impossível porque logo que tiverem notícia que os vão buscar para
castigar se hão de por em fugida, e com muitos cuidadosos e diligentes que
sejão os que forem em seu seguimento os não poderão alcansar pela ligeireza
com que este gentio marcha e pouco pezo das armas que levão sem lhes ser
necessário carregar os mantimentos com que se hão de sustentar...”122
“... as grandes extorsões e hostilidades que tem feito nas terras delas os índios
de corso nossos inimigos destruindo não só as fazendas de seus moradores,
mas tirando inumanamente a vida, sofrendo a sua crueldade a não perdoar
até alguns religiosos missionários e com tal excesso ao padre Amaro
Barbosa que depois da morte abrirão e lhe tirarão o coração fazendo
muitos desafetos as imagens de uma igreja em que entrarão pondo as
por terra quebrando lhe apenas e doutros ignominiosamente...”(grifo
nosso)124
122
Idem., DPH / Ufpe, AHU, Caixa RN 1.
123
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume XCVIII, 1952, p. 206, 207.
124
Carta do governador e capitão-geral da capitania de Pernambuco. DPH / Ufpe, AHU, Códice
258, f. 107 V, 108.
Notamos que para justificar a guerra contra os indígenas as autoridades
coloniais relacionavam a maneira dos indígenas de fazer a guerra com a
ignomínia, a crueldade e a falta de humanidade, como atitudes que revelavam
uma associação com o demônio e uma distância daquilo que era considerado
cristão.
Também são diversos os relatos de administradores ou militares que
comentavam sobre como os indígenas comportavam-se quando empreendiam a
guerra. Nestes relatos frisavam a inconstância, a falsidade e a barbaridade dos
indígenas quando estes estavam numa situação de guerra, principalmente,
quando esta guerra era contra os colonos brancos. O historiador pernambucano,
José Antonio Gonsalves de Mello, em artigo na revista do Instituto Arqueológico
Histórico e Geográfico Pernambucano reproduz o relato de Gregório Varela de
Berredo Pereira, nos anos de 1689 a 1690 sobre a administração do governador
de Pernambuco, Luís da Câmara Coutinho, referindo-se sobre a maneira dos
tapuias fazerem a guerra:
“... na guerra não dão quartel a ninguém, nem apresentam batalha a cara
descoberta, senão com súbitas avançadas e depois por detrás das árvores
fazem os seus tiros; usam muito de gritarias para meterem terror”.125
“... que, se este inimigo fizera forma de batalha, depressa fora desbaratado,
mas são nações estas fora de todo o uso militar, porque as suas avançadas
são de súbito, dando urros que fazem tremer a terra para meterem terror e
espanto e logo se espalham e se metem detrás das árvores, fazendo momos
como bugios, que sucede as vezes meterem-lhe duas e três armas e rara vez
se acerta o tiro pelo jeito que fazem com o corpo”.126
“Mas como a guerra dos Bárbaros é tão desordenada, e elles tem tão
innumerável gente, que ao mesmo tempo invadem a nossa em diversas partes
sempre repentinamente e não é possível que dahi, estando uns, e outros
cabos tão distantes possam dirigir as operações... ”. 128
“... a guerra destes Bárbaros é irregular e diversa das das mais nações porque
não formam exércitos nem apresentam batalhas na campanha, antes são de
salto as suas investidas, ora em uma, ora em outra parte, já juntos, já
divididos.”129
“... bem sabe, vossa mercê (e bem o teem eles sentido) que estes brutos a não
guardam, senão enquanto lhes convém, e que debaixo dela, teem feito
também repetidas vezes, na fazenda, e vidas dos mesmos moradores as
mortes, e estragos que os obrigaram a pedir a Sua Majestade, e a este
governo por várias cartas, se acudisse prontamente ao perigo a que se viam
expostos, assim pela pouca constância que estes bárbaros tinham...”131
131
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume XXXIX, 1938, p. 35.
132
Carta de Manoel Álvares de Morais Navarro ao rei. DPH / Ufpe, AHU, Caixa RN 1.
133
Carta de Manoel Álvares de Morais Navarro ao rei. DPH / Ufpe, AHU, Caixa RN 1.
geralmente, havia escassez de água e de alimentos. Manuel Álvares de Morais
Navarro deixou claro a dificuldade de se perseguir os Tapuia pelos sertões ao
descrever um embate contra os janduís que atacaram a aldeia do Apodi em 1700.
Morais Navarro havia enviado o sargento-mor Joseph de Morais Navarro para
punir os revoltosos. Este, juntamente com alguns índios armados da aldeia de
Apodi saíram em perseguição:
“... e foram contra o inimigo e tiveram peleja por duas horas e vendo o inimigo
as mortes que tinham assim como os feridos, fugiram, sendo seguidos por seis
dias quando os alcançaram numa serra “mui fragosa de pedrarias e espinhos,
onde mataram um soldado e feriram outro, mas fugiram não podendo ser
seguidos”...”134
“... que para a conquista dos rebeldes hera necessário meter lhes inimigo de
dentro ao qual não faltasse o conhecimento das serras em que se costumão
ocultar, como o das ágoas para sustento dos soldados...”136
134
Carta de Manoel Álvares de Morais Navarro ao rei. DPH / Ufpe, AHU, Caixa Rn 1.
135
Carta de Manoel Álvares de Morais Navarro ao rei. DPH / Ufpe, AHU, Caixa Rn 1.
136
Carta do sargento-mor Joseph de Morais Navarro para o Conselho Ultramarino. DPH / Ufpe,
AHU, Códice 265, f. 235, 235 V e 236.
137
Carta do capitão-mor da Paraíba Teodósio de Oliveira Ledo. DPH / Ufpe, AHU, Códice 257, f.
287.
Ainda no compêndio transcrito por Gonçalves de Mello, encontramos
referência a esta astuta forma de resistir dos indígenas, aos ataques dos Terços.
No documento está o relato de como o capitão Afonso de Albertim teve que
desistir da perseguição aos bárbaros, pois: “... não foi possível alcançá-los por se
espalharem por um monte de penedia com que se perdeu a trilha e por muitos
dias não houve notícia deles”.138 E mais adiante, no mesmo relato, Gregório
Varela de Berredo Pereira fala também das dificuldades sobre se conseguir
dominar os tapuias, afinal:
“... por serem guerra contra todo o direito de milícia, por serem por sertões e
montanhas de ásperos montes e dilatadas jornadas e o mantimento ser
carregado às costas dos soldados, e nações que não fazem cara nem forma
de batalha...”139
Então para os soldados dos terços era quase que impossível compreender
esta nova forma de empreender a guerra, uma guerra que contrariava as normas
ditadas pela Nova Guerra. Além disso, os Tapuia ainda dominaram muito da
cultura de guerra dos brancos colonizadores. Aprenderam a criar e usar cavalos
para a guerra e usar armas de fogo, dentre outras coisas.
Em relação a este aspecto de adaptação dos indígenas na questão da
guerra, no texto de uma carta datada já de novembro de 1659, escrita pelo conde
Miranda Andrada para a rainha de Portugal, encontramos um relato da adaptação
indígena ao uso de cavalos, quando este informa que:
“... e hoje se vão fazendo poderosos, por terem muita creação de égoas, e co
qualquer disciplina nos poderão fazer muito dano como fazem os araveanos
em Índias, que dão grande opressão aos naturais, com quem sempre tem
guerra contínua, e isto por se lhe não atalhar no princípio o orgulho que
mostravão”.140
138
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Pernambuco ao tempo de Câmara Coutinho (1689-90). In:
Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano. Volume 51, 1979, p. 267.
139
Id. Ibidem., p. 284.
140
Carta do conde Miranda de Andrada. Documentos para a História do Brasil. Coleção Studart.
Revista Trimensal do IHC, tomo 34, 1920, p.327.
Outra informação sobre a utilização de cavalos pelos indígenas está em
uma carta da rainha ao governador de Pernambuco sobre informações que tivera
de Francisco Barreto e Matias de Albuquerque Maranhão a respeito dos Janduís,
onde informa que os tapuias estão soberbos: “... por terem já muita quantia de
cavalos em que se exercitam como doutrinação que lhes deixaram os
holandeses”.141
A utilização das armas de fogo também foi uma importante adaptação do
indígena, que tiraram proveito dos mecanismos militares coloniais em benefício
próprio. Valendo-se dos contatos com piratas estrangeiros, muitas nações
indígenas conseguiram, assim, obter armas de fogo. Em julho de 1694, Morais
Navarro em carta ao rei, afirmou que os tapuias:
“... fazião pazes com qualquer navio estrangeiro que viera aquela costa, pois
tanto suspirão pellos olandeses, e he serto ser qualquer inimigo lhe desse
armas de fogo, só elles bastavão para nos conquistarem por terra pois são
tantos como as folhas, e no valor não lhes excedemos mais que na
desigualdade das armas”.142
141
Carta da rainha ao governador de Pernambuco. DPH / Ufpe, AHU, Códice 275, f. 315 V.
142
Carta de Manoel Álvares de Morais Navarro. Annaes do Archivo Público e do Museu do Estado
da Bahia. Ano III, Volume IV e V, 1919, p.142.
143
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 326.
O então governador geral, frei Manuel da Ressurrreição também se
preocupou com esta questão dos tapuias obterem armas de fogo. Em carta para o
capitão-mor da capitania do Rio Grande, Manoel de Abreu Soares, em dezembro
de 1688, ele comentou:
“Cinco annos há que essa guerra se começou, e um que é tão áspera, e viva
como Vossa Mercê vê, e dá muito que cuidar trazerem os Bárbaros armas de
fogo, e não lhe faltar pólvora, quando elles a não fabricam”.144
“... grandíssimo risco que avia, por ser necessário passar pella terra dos
Maroduzes, por outro nome Jandoims nação fera e bárbara que não somente
se tinhão gabado de me aver de me matar a mim mas em effeito depois me
acometerão na minha Missão atirando me com muitas espingardas, matando e
cativando muita gente desta minha missão”.145
144
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 346.
145
Carta do jesuíta Phelippe Bourel. DPH / Ufpe, AHU, Caixa RN 1.
tomarem as armas”. E ainda que, os Janduís: “... recentemente trouxeram alguns
tapuias contrários cativos com ânimo de os vender a troco de armas de fogo”.146
Em 1703, O rei de Portugal D. Pedro II baixou a resolução para que o
Ouvidor Geral da Paraíba fosse:
“... todos os anos em correição a Capitania do Rio Grande tirar devassa das
pessoas que introduzirem armas de fogo aos índios nossos inimigos pelo
grande dano que disso resulta... ordena que tendo notícia que há pessoas que
cometem este crime de venderem armas e munições aos índios que os
denunciem ao Juiz Ordinário para que se possa inquirir e devassar este caso e
proceder conforme o direito que se guarda nestes delitos”.147
“... dará Vossa Mercê ao Mestre de Campo todos os que lhe pedir para a dita
conquista, em que Vossa Mercê há de por todas as forças, para que aqueles
Bárbaros fiquem extintos de todo ...”149
146
Carta de Manoel Álvares de Morais Navarro. DPH / Ufpe, AHU, Caixa n. 10, Documento n. 04.
147
Resolução do rei de Portugal. DPH / Ufpe, AHU, Códice 257, f. 135v e 136.
148
Carta do rei de Portugal ao governador de Pernambuco. DPH / Ufpe, AHU, Códice 257, f. 198v
e 199.
149
Documentos da Biblioteca Nacional. Volume XXXIX, 1938, p. 20.
assunto escreve para o capitão Domingos Jorge Velho para que este partisse com
o contingente que tivesse para lutar contra os bárbaros no Rio Grande:
“... e o mais prompto é marchar Vossa Mercê dahi com todas as forças que
tiver sobre aquele bárbaro, e fazer-lhe todo o damno que puder... Espero que
não só terão todas as glórias de degollarem os bárbaros, mas a utilidade dos
que prisionarem, porque por a guerra ser justa resolvi em Conselho de Estado,
que para isso se fez, que fossem captivos todos os Bárbaros que nella ser
prisionassem na forma do Regimento de Sua Majestade de 611”.150
“... muito importante o reparo que Vossa Mercê deve fazer em não consentir
que deixem de degolar os Bárbaros grandes só por os captivarem, o que
principalmente aos pequenos, e as mulheres de quem não pode haver perigo,
que ou fujam, ou se levantem”.151
“... que há de fazer por novo estylo a esses Bárbaros: e a reformar para este
effeito o Mestre de Campo, Antonio de Albuquerque da Câmara, Capitão-Mor
Manoel de Abreu Soares, e todos os postos que a princípio se criaram, e a
mandar retirar para os seus presídios, e casas toda a Infantaria paga, miliciana
e preta do Terço de Henrique Dias, e exceptuados todos os Índios do Camarão
e os mais das Aldeias dessas Capitanias, que ordeno o acompanhe, e as mais
150
Documentos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 262.
151
Documentos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 276.
pessoas brancas, mamlucos, e pardos que voluntariamente o quiserem
seguir...”152
152
Documentos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 383.
153
Documentos da Biblioteca Nacional. Volume X, 1929, p. 385.
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Data: _____/_____/______.
Local: _________________________.
Origem: _______________________________________________________.
Destino: _______________________________________________________.
Assunto:
7-Resumo: ________________________________________________________
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ANEXO II