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Jacques Dcrrida

Traduç50 de Tornilz Tadeu da Silvil

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POSIÇOES

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CC~.
Autêntica

f3elo Horizonte
,2001
Copyright © 2001 by Jacques DerricJa
SUlllJrio
'Irac/uLido do original fr,lncês /'US;I;OIlS.
Paris: Les Édilions de Minuit, 1'.172.

CAI'A
Jairo Alvarenga Fonseca

EDITORAÇÃO ELETR6NICA
Waldênia Alvarenga Santos Ataidc

REVISÃO
Erick Ramalho

D438p Derrida, jacques


Posições / jacques Derrida ; tradução de Tomaz
Tadeu da Silva. --- lJelo Horizonte: Autêntica,
2001.

128 p.

Título origil)~ll: f'ositions

15lJN /35-752ü-029-4.

1. Filosofia. 2. Silva, Tornaz Tadeu da. I. Título.

CDU 1

Advertência........................ .................. ..... ............... 07


2001
Implicações - Entrevista a Henri Ronse.................. 09
Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja
Semiologia e gramatologia -
por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica,
sem a autorização prévia da editora. Entrevista a Julia Kristeva......................................... 23

Autêntica Editora Posições - Entrevista a Jean-Louis Houdebine e


. 'Rua Januária, 437 - Floresta - 31110-060
Guy Scarpetta........................................................... 45
Belo Horizonte - MG - PABX: 55 01) 3423 3022
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www.autenticaeditora.com.br
c-mai/: autentica@autenticacditora.com.br GlosséÍrio da traduç50 .... .'........................................ 123
AcJvcrlênciél

Essas três entrevistas, as únicas de que participei,


dizem respeito a publicações em curso. Elas constituem,
sem dúvida, tanto da parte dos interlocutores quanto de
minha parte, o gesto de uma interpretação ativa. Deter-
minada, datada, trata-se da leitura de um trabalho no qual
me encontro envolvido: um trabalho, pois, que, na medi-
da em que não se detém aqui, não mais me pertence.
Trata-se de uma situação que também se presta à leitura.
Ela orientou essas trocas em seu fato, em seu conteúdo e
na forma de seus enunciados. Nenhuma modificação de-
veria, pois, ser feita ao que aqui está.
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Irnpl icaçõcs
Entrevista a Henri Ronse

Ronse: Em uma nota de conclusão ao livro A escâ-


lura c a diferença, você declarava: "o que aqui permane-
ce como deslocamento de um problema forma certamente
um sistema". Isso é igualmente verdadeiro para o conjun-
to de seus livros? Como são eles organizados?

Oerrida: Eles, de fato, formam um certo sistema, aber-


to - em algum lugar - a algum recurso indecidível que o
coloca em movimento, mas antes como deslocamento e
como deslocamento de uma questão. A nota à qual você
faz alusão lembrava também a necessidade daqueles "es-
paços em branco", dos quais se sabe, ao menos desde
Mallarmé, que "adquirem importância" em todo texto.

Ronsc: E, entretanto, esses livros não formam um


único Livro ...

Oerrida: Não. Naquilo que você chama de "meus


livros", o que está sobretudo colocado em questão é a
unidade do livro e a unidade "livro", considerada como
uma perfeita totalidade, com todas as implicações de tal
conceito. E você sabe que elas envolvem, de uma manei-
ra ou de outra, toda a nossa cultura. No momento em que
uma tal clausura se delimita, como poderia alguém ousar
continuar afirmando-se como autor de I ivros, qualquer que
seja seu número: um, dois ou três? Trata-se unicamente,
sob esses diferentes títulÓs, de uma "operação" textual, se

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assim se pode dizer, única e difcrenciada, cujo movimento
simplesmente. Em lodo caso, o falo de que dois "volu-
inacabado não se atribui qualquer começo absoluto e que,
mes" se inscrevam um no meio do outro deve-se, corno
inteiramente consumada na leitura ele outros textos, não
você concordará, a urna estranha geometria, da qual es-
remete, entretanto, de certa mill1eira, senão à sua própria
ses textos são, sem dúvida, contemporâneos ...
escrita. É preciso que nos preparemos para pensar esses
dois motivos contraditórios em conjunto. Seria impossível, Ronse: E A voz e o fenômeno?
pois, fornecer uma representação linear, dedutiva, da or- Derrida: Eu me esquecia. É, talvez, o ensaio ao
ganização interna dessas obras, que correspondesse a al- qual tenho mais apego. Sem dúvida, eu poderia tê-lo ane-
guma "ordem de razões". Também essa orelem está posta xado, como uma longa nota, a qualquer elas duas outras
em questão, mesmo que, ;10 que parece, toda uma fase ou obras. A Grama/o/agia faz referência a ele, desenvolven-
toda uma face ele mcus textos se conforme i1 suas prescri- do o seu argumento de forma econômica. Mas em uma
ções, ao mcnos por simulacro c p,Ha inscrevê-Ias, por sua arquitetura filosófica clássica, A voz viria em primeiro lu-
vez, em uma composição que elas não governam mais. De I ,: \.
~~~o,sº_mo v~~a~C:~~J)!ec!~_~,_:_obr:tu~l()c!e.r.c_reler aque e
les autorcs nos rastros cios quais cu cscrevo, aqueles "Ii- ,,\ r
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-
gar: nele se põe, em um ponto que, por razões que não
posso explicar aqui, parece juridicamente decisivo, a ques-
t50 do privilégio da voz e da escrit<l fonólica em suas rela-
vrós"cmcujas mar{i~ns e entrelin~~J1 d~~~ e-.decifro ções com toda a história do Ocidente, tal qual ela se deixa
u rn TcxtoCil~é."]:::::~0--=.rlle.:.s.ll).o_.LeJnp.9~-~nu i to semelhan te c representar na história da metafísica, e em sua forma mais
co~':;pl~t~~entc outro:-~~ que eu inc1usi;efleSiraTid,por ra- moderna, mais crítica, mais atenta: a fenomenologia trans-
zões' cvi el entêS,em'cna mardt;'Lfrcrgmcnl-ári~
... -----._._-- cendental de Husserl. O que é o "querer-dizer", quais são
Ronse: Mas, cle falo, scnão ele direito, por onde suas relações históricas com aquilo que se pensa identifi-
encetar uma tal leitura? car sob o nome de "voz" e como valor da presença, presen-
ça do objeto, presença do sentido il consciência, presença
Derrida: Pode-se lomar a Gramat%gia como um
a si na palavra dita "viva" e na consciência cle si? O ensaio
longo ensaio articulado em duas partes (cuja soldadura é
que põe essas questões pode também ser lido corno a
teórica, sistemática e não empírica), no meio do qual se
outra face (frente ou verso, como você quiser) de um ou-
poderia inserir A escritura e a diferença. A Gramat%gia
tro ensaio, publicado em 1962, como introdução ao A ori-
apela, com freqüência, a esse último. Nesse caso, a interpre-
gem da geometria, de Husserl. A problemática da escrita
tação de Rousseau seria também o duodécimo capítulo da-
como tal já estava aí colocada, e ligada à estrutura irredu-
quela colel5nea IA cscrilura e a difercnçal. Inversamente,
tível do "diferir" em suas relações com a consciência, a
pode-se inserir a Gramat%gia no meio d'A escritura e a
presença, a ciência, a história e a história da ciência, com
diferença, uma vez que seis dos textos dessa obra são anle-
a desaparição ou com o retardamento cla origem etc.
riores, de fato e de direito, à publicação, há dois anos,
em Critique, dos artigos que anunciam a Grama to/agia; os Ronse: Eu perguntava a você por onde começar e
. cinco últimos, a partir de "Freud e a cena da escritura", você me encerrou em um labirinto .
estão envolvidos na abertura gramalológica. Mas as coisas Derrida: Todos esses textos, que são, provavelmen-
não se deixam reconstituir, como você pode imaginar, tão te, o prefácio intermináve1 a um outro texto que eu gostaria

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de ter, um dia, il força de escrever, ou ainda a epígrilfe a fazê-los deslizar, sem os maltratar, até ao ponto de sua
um outro que eu não teria nunca a audácia de escrever, não-pertinência, de seu esgotamento, de sua clausura.
nada milis fazem, na verdilde, do que comentar ilquelil "Dcsconstruir" a filosofia seria, assim, penSilr a genealogiil
frase, sobre um labirinto de inscrições, que está na epí- estrutural de seus conceitos da maneira mais fiel, mais
grafe de ;\ voz e o fenômeno. interior, mas, ao mesmo tempo, a partir de um certo ex-
terior, por ela inqualificável, inominável, determinar aquilo
Ronsc: Isso me leva à questão que não se pode
de que essa história foi capaz - ao se fazer história por
evitar quando se lê um autor como você, quando se lêem
meio dessa repressão, de algum modo, interessada - de
seus "exemplos" privilegiados (Rousseau, Artaud, Bataille,
dissimular ou interditar. Nesse momento, produz-se - por
Jabcs). Trata-se da questão das relações entre filosofia e
meio dessa circulação ão mesmo tempo fiel e violenta en-
não-filosofia. O que impressiona desde o início é a difi-
tre o dentro e o fora da filosofia (quer dizer, do Ocidente)
culdade de situar o estilo de seu comentário. Parece qua-
- um certo trabalho textual que proporciona um grande
se impossível definir o estatuto de seu discurso. Mas é
prazer. Escrita de si interessada que permite também ler
preciso tentar fazê-lo? Essa questão não recai, ela pró-
os filosofemas - e, conseqüentemente, todos os textos
pria, no interior do domínio metafísico?
que pertencem à nossa cultura - corno espécies de sinto-
Dcrrida: Tento me manter no limite do discurso fi- mas (palavra da qual, obviamente, desconfio, como ex-
losófico. Digo "limite" e não "morte", porque não creio, plico em outro local) de alguma coisa que não pôde se
de forma alguma, naquilo que se chama, hoje, facilmente, apresentar na história da filosofia, e que, de resto, não
de "morte da filosofia" (nem, ~liás, na morte do que seja: está presente em lugar algum, pois que se trata, em tudo
o livro, o homem ou deus; tanto ·mais que, como todos isso, de colocar em questão essa determinação primordial
sabem, o morto carrega uma eficácia bastante específica). do sentido do ser como presença, determinação na qual
Limite, pois, a partir do qUill a filosofiil se tornou possí- Heidegger soube reconhecer o destino da filosofia. Ora,
. vel, se defini·u como episteme, funcionando no interior pode-se seguir o tratamento da escrita como um sintoma
de um sistema de constrições fundamentais, de oposi- particularmente revelador, de Platão a Rousseau, Saussu-
ções conceituais fora das quais ela se torna impraticável. re, Husserl, por vezes ao próprio Heidegger, e, a fortiori,
Em minhas leiturils, tento, pois, por meio de um gesto em todos os· discursos modernos, freqüentemente os mais
necessariamente d u pio ... fecundos, que se mantêm aquém das questões husserlia-
nilS e heideggerianas. Um till sintomil é necessariilmente
Ronsc: Você diz, em seu "Freud", que se escreve e estruturalmente dissimulado, por razões e vias que tento
com duas mãos ... ilnalisar. E se ele é hoje descoberto, não é, de forma algu-
Derrida: Sim, por meio desse duplo jogo, marca- ma, por um achado feliz e mais ou menos engenhoso e do
do, em certos lugares decisivos, por uma rasura que per- qual alguém, aqui ou acolá, pudesse ter a iniciativa. Ele é
mite ler aquilo que ela oblitera, inscrevendo violentamente efeito de uma certa transformação total (que não se pode,
no texto aquilo que buscava comandá-lo de fora, eu ten- nem mesmo, chamar mais de "histórica" ou "mundial", uma
to, pois, respeitar o mais rigorosamente possível o jogo vez que ela incide inclusive sobre a segurança dessas sig-
interior e regrado desses filosofemils ou epistememas, ilO nificações), e que se pode também observar em campos

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determinados rforlllédizélçilo lIléltem;ítica e lógica, lingüís- sentido, a différancc n50 é precedidJ pela lInidade origi-
tica, etnologia, psicanálise, economia política, biologia, tec- nária e indivisa de uma possibilidade presente que eu
nologia da informação, da programação etc.). colocaria em reserva, tal qual uma despesa que eu deixa-
Ronse: Em seus ensaios, pode-se distinguir ao me- ria para mais tarde, por cálculo ou por previsão econômi-
nos dois sentidos da palavra "escrita": o sentido corrente, ca. O que difere a presença é, ao contrário, aquilo a partir
élquele que opõe a escrita (fonética) à fala que ela supos- do qual a presençJ é - em seu representante, em seu
tamente representa (mas você mostra que não existe es- signo, em seu rastro - anunciada ou desejada ...
crita puramente fonética) e um sentido mais radical, Ronsc: Desse ponto de vista, a différance é um con-
determinado pela escrita em geral, antes de qualquer li- ceito econômico?
gação com aquilo que a glossemática chama de "substân-
Derrida: Eu diria mesmo que é "o" conceito da eco-
cia de expressão", e que seria a raiz comum da escrita e
nomia, c, uma vez que não existe ecano'mia sem différance,-
da fala. O tratamento da escrita no sentido corr~nte serve
é a estrutura mais geral da economia, desde que se en-
de índice ou de revelador da repressão exercida contra a
lenda, sob essa noção, outra coisa .que não a economia
arqui-escrita. Repressão inevitável, da qual se trata, uni-
clássica da metafísica ou a metafísica clássica da econo-
camente, de questionar sua necessidade, suas formas, suas
mia. Em segundo lugar, o movimento da différancc, na
leis. Essa (arqui)escrit~cstá envolvida em toda uma ca-
medida em que produz os diferentes, na medida em que
deia de outros nomes: arqui-rastro, reserva, articulação,
diferencia, é, pois, a raiz comum de todas as oposições
brisura, suplemento, différancc. [Jergunta-se, muitas ve-
ele conceitos que escandem nossa linguagem, tais como,
zes, sobre o "a" dessa_diI~éral~cc. Que significa esse "a"?
/ _._,."!.., para não tomar mais do que alguns exemplos: sensívçl!
Derrida: Nã.osei se ele signifICa, Ou, talvez, Isignifi- inteligível, intuição/significação, natureza/cultura etc. En-
quel algo como aproduçãodaqLJiló que a metafísica cha- quanto raiz comum, J différancc' é também o elemento L
ma de "signo" (significado/significante). Como se pode do mesmo (que se distingue do idêntico) no qual essas
n.otar, esse "a" se escreve·ou se lê, mas n50 se pode ouvi- oposições se anunciam. Em terceiro lugar, il différance é
lo. Eu insisto, sobretudo, no fato de que o discurso - por também a produção, se ainda se pode dizê-lo, dessas
e~emplo, o nosso, neste momento - sobre essa alteração diferenças, dessa diacriticidade que, tal como nos lem-
ou essa agressão gráfica e gramatical implica uma referên- bram a lingüística advinda de Saussure e todas as ciências
cia irredutível à intervenção muda de um signo escrito. O estruturais que a tomaram por modelo, são a condição de
particípio presente Idifféranll do verbo diferir lem fran- toda significação e de toda estrutura. Essas diferenças - e
cês, dif{érerl. a partir do qual se forma esse substantivo, a ciência taxonômica, por exemplo, que elas podem sus-
reúne uma configuração de conceitos que eu considero _ os efeitos da différance,
citar - são __________ 0.----
elas não estão inscritas
sistemática e irredutível e em que cada um intervém, ou nem no céu, nem no cérebro, o que não quer dizer que
melhor, sé acentua, em um momento decisivo do traba- efãSS'eTãm produzidas pela ati~id~de ele algums-ujeit~fà­
lho. Primeiramente, différancé remete ao movimento (ativo lanle~ -OesscponTüde vistã.-;'Zo~ceitode-diiMrantcnão é
e passivo) que consiste em diferir, por retardo, delegação, neffiSí1'YTp1es m e nfe-estruEUrãnst~msi m p Ie-s melÚege-
adiamento, reenvio, desvio, prorrogação, reserva. Nesse nctICísta -um-a t5GTtc",;:íotiv~';"ó~ciiJ p@"~í:]ií~_,~~-"crcito"

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da différance. ElI c/iria mesmo, milS !;dvez chegllemos .1 IIl;lIH'iril, Il/"('Sil ;'1 ITI('!ilfísic,l. T;llvez sej;l, pois, preciso _.
isso Illais lJrde!, qUe! lIJO Se! lrJla silllplesllle!llle de um de acordo com um gesto que seria mais nielzschiano do
conceito ...
que heideggeriano, ao ir ao extremo desse pensamento
Ronse: Também me admiro de ver como, já em seu da verdade do ser - abrir-se a urna di((érancc que não
ensaio sobre "Força e significação", a différance (mas você ain- esteja ainda determinada, na língua do Ocidente, corno
da não a chamava por esse nome) reconduzia-o a Nietzsche diferença entre o ser e o ente. Um tal gesto não é, prova-
(que liga o conceilo de força à irredutibilidade das dife- velmente, possível hoje, mas se poderia mostrar corno ele
renças). mais tarde a Freud, a respeito do qual você mos- está em preparação. Antes de tudo, em Heidegger. Em
trava que todas as oposições de conceitos são regradas quarto lugar, a différance nomearia, pois, provisoriamen-
pela economia da différance, enfim e sempre, e sobretu- te, esse desdobramento da diferença - em particular, mas
do, a Heidegger. não apenas, nem sobretudo, da diferença ôntico-ontológica.

Oerrida: Sim, sobretudo. Nada do que. eu tento fa- Ronse: O limite do qual você fala não se comunica,
zer teria sido possível sem a abertura das questões hei- em Heidegger, corno você parece às vezes sugerir, com
deggerianas. E, antes de tudo, pois aqui nós devemos um certo "fonologismo"?
dizer as coisas muito rapidamente, sem a atenção àquilo
Oerrida: Não se trata de um limite ou, em todo caso,
que Heidegger chama de diferença entre o ser e o ente, a
como todo limite, ele garante poder, e conquistas, sendo,
diferença ôntico-ontológica tal qual ela permanece, de
aqui, de urna força insubstituível. Mas, há, possivelmente,
urna certa maneira, impensada pela filosofia. Mas, apesar
um certo fonologismo heideggeriano, há, em Heidegger,
dessa dívida para com o pensamento heideggeriano ou,
um privilégio não-crítico concedido, como em todo b Oci-
melhor, em razão dessa dívida, tento reconhecer no texto
dente, à voz, a urna "substância de expressão" determina-
heideggeriano - que, corno qualquer outro, não é homo-
da. Esse privilégio, cujas conseqüências são consideráveis
gêneo, contínuo, igual, em cada urna de suas partes, à
e sistemáticas, deixa-se reconhecer, por exemplo, na pre-
força global e a todas as conseqüências de suas questões
valência significativa de muitas metáforas "fônicas", em urna
. ..:, sinais de pertencimento à metafísica ou àquilo que ele
meditação sobre a arte que reconduz, sempre, por meio
chama de "onto-teologia". Heidegger reconhecia, de res-
de exemplos cuja escolha é bastante marcada, à arte como
to, que ele devia - que nós devemos sempre - tornar
"realização da verdade". Ora, a admirável meditação por
emprestado, de maneira econômica e estratégica, os re- meio da qual Heidegger repete a origem oú a essência da
cursos sintáticos e léxicos da linguagem da metafísica no verdade não coloca jamais em questão a ligação ao logos e
momento mesmo em que a desconstruímos. Nós deve- à phoné. Explica-se, assim, que, de acordo com Heidegger,
mos, pois, nos esforçar por reconhecer essas conquistas todas as artes se desdobram no espaço do poema que é "a
metafísicas e por reorganizar sem cessar a forma e os luga- essência da arte", no espaço da "língua" e da "palavra". "A
res de questionamento. Ora, entre esses empréstimos, a
arquiletura e a escultura", diz ele, "não advêm jamais se-
determinação úllima da diferença como diferença ôntico-
não na abertura do di7.er e do nomear. Elas são por eles
ontológica - por mais necessária e mais decisiva que te-
regidas e guiadas", Explica-se, assim, a excelência reconhe-
nha sido essa fase - parece-me, ainda, de urna estranha
cida de maneira tão clássica à Dicção (Dichtung) e ao canto

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e o desprezo pela literatura. "É preciso", diz Ileidegger, voltil a nos encerrar no interior da metafísica - precisa-
"liberar a Dicção da literatura" etc. mente por ela nos servir de ponto de apoio. Mas, pelo
trabillho que se faz de um lado c outro do limite, o cam-
ROllse: Essa última observação traduz a atenção que
po interior se modifica e produz-se uma transgressão que,
você parece constantemente dar a uma certa irredutibili-
por conseqüência, não está presente em lugar algum como
dade da escrita e do espaçamento "literário", É por isso
um fato consumado. Nós não nos instalamos jamais em,
que seus trabalhos parecem freqüentemente muito liga-
uma transgressão, nós não habitamos jamais outro lugar.
dos aos do grupo TeI Oue/.
A transgressão implica que o limite esteja sempre em mo-
Ocrrida: Posso dizer, em todo caso, que aquilo que vimento. Ora, 0 "pensamento-que-nada- uer-dizer", que
está em jogo nas pesquisas atuais desse grupo, como de excede - interrogando-os - o querer-dizer e o quércr~~
toda pesquisa análoga, parece-me ser de uma importân- ÓUVI r-se-TaTã-Çesse pensã-m-~to--q;~~~-anuncia- fl- ã-g~a­
cia extrema, de uma importância que é dada, aparente- matojugiã~âã:seTu~~'n:;; ~-t~ como o e n~a~~~~9-=-g!:!~~ ão
p
mente, menos na França do que no estrangeiro e, fato está nada ceTto qtlantoà'-ó~pbsiçã~õenúe~o~lora e o dentro. _
significativo, menos no Ocidente que em certos países do Ao cabbôétim--êerfü'trã'bafll'o;õ p~ropriO conceito de ex-
'Oriente. Se tivéssemos tempo, poderíamos analisar as cesso ou de transgressão poderá se tornar suspeito.
razões disso e nos perguntar também por que a irreduti- É por isso que não se tratou ja s de por um
bilidade da escrita e, digamos, a subversão do logocen- grafocentrismo a um logocentrismo, em, em geral, um
trismo, se anunciam~melhor, hoje, em um certo setor e centro qualquer a qualquer outro. A Qc.amatologia n' o é
em uma certa forma determi!lada da prática "literária" do uma defesa e uma ilustração da gramatdl:Qgia. Meno' ain-
que em outros lugares. Mas você pode muito bem com- da uma reabilitação daquilo que sempre ;'8 c la mau de
preender por que eu colocaria essa palavra entre parên- "escrita". Não se trata de restituir seus direitos, sua exce-
teses, e qual equívoco é preciso aqui evitar: Essa nova lência ou sua dignidade à escrita, da qual Platão dizia que
prática supÕe essa ruptura com aquilo que tem ligado a era um órfão ou um bastardo, em oposição à fala, filha
. história das artes literárias à história da metafísica ... legítima e bem-nascida do "pai do lagos". No momento
em que se tenta interrogar essa cena de família e colocar
ROllse: Pode haver um superamento da metafísica?
em questão os investimentos, éticos e outros, de toda
Ao logocentrismo pode-se opor um grafocentrismo? Pode
essa história, nada seria mais ridicularmente mistificador
haver uma transgressão efetiva da clausura e quais seriam,
do que uma tal inversão ética ou aXiológlca, restituindo
então, as condições de um discurso transgressivo?
qualquer prerrogativa ou direito de primogenitura à es-
Derrida: Nãa há uma transgressão se por isso en- crita. Creio que me expliquei claramente sobre esse tema.
. tendemos a instalação pura e simples em um além da A Gramatalagia é o título de uma questão: sobre a ne-
metafísica, em um ponto que seria também, não esque- cessidadéde uma ciência da escrita, sobre suas condições
çamos, e sobretudo, um ponto de linguagem ou de escri- de possibilidade, sobre o trabalho crítico que deveria abrir
ta. Ora, mesmo nas agressões ou nas transgressões, nós nos seu campo e levantar os obstáculos epistemológicos; mas
utilizamos de um código ao qual a metafísica está irreduti- umil questão também sobre os limites dessa ciência. E esses
velmente ligada, de tal sorte que todo gesto transgressivo limites sobre os quais eU não insisti menos são também

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os da noção clássica de ciência, cujos projetos, cujos con- não-queira-nada-dizer. Não que ela seja absurda, desse
ceitos, cujas normas, estão fundamentalmente e sistema- tipo de absurdo que sempre esteve ligado ao querer-
ticamente ligados à metafísica. dizer metafísico. Simplesmente ela se tenta, ela se tende,
ela tenta deter-se no ponto de esgotamento do querer-
Ronse: É nesse sentido que seria necessário ler tam-
bém o motivo do fim do livro e do começo da escrita que dizer. Arriscar-se nada-querer-dizer é entrar no jogo e,
você evocava na Grama/o/agia e que não é uma verifica- sobretudo, no jogo da différance que faz com que nenhu-
ção positiva ou sociológica. ma palavra, nenhum conceito, nenhum enunciado primor-
dial venha sintetizar e comandar, a partir da presença
Oerrida: Talvez seja também isso, muito secundaria- teológica de um centro, o movimento e o espaçamento
mente. Concede-se, nesse ensaio, um espaço, de direito,
textual das diferenças. Daí. por exemplo, a cadeia de su bs-
a uma certa pesquisa positiva sobre as mudanças atuais
tituições de que você falava há pouco (ar:gui-rastro .ar-
nas formas de comunicação, sobre as novas estruturas que,
qui-escrita~serva, br~articulação, suplemento,
em todas as práticas formais, no domínio do arquivo e do
différance; haverá outras) _e que nãosaõ-ãpenas--opeTa~
tratamento da informação, reduzem massiva e sistematica-
çÕes--ITietonlmicas que-déixem intactas as identidades
mente o lugar da fala, da escrita fonética e do livro. Mas
conceituais, as idealidades significadas que elas se con-
. seria um equívoco, na verdade, deduzir, a partir daquilo
tentariam em traduzir, em fazer circular. É nesse sen-
que se intitula "O fim do livro e o começo da escrita", a
tido que me arrisco a náda~qJ.le-r~r~~cii~c:r que possa
morte do livro e o nascimento da escrita. Em uma página
simplesmente se entender,' que seja simplesmente ques-
antes do início do capítuloque-tevÇl esse título, propõe-se
tão de entendimento. Enredar-se em centenas de pági-
uma distinção entre a :ç/ausura e o fi.:ri:-t\quilo que se deixa
nas de lima escrita ao mesmo tempo insistente e elíptica,
prender na clausura de-limitada p"cíde assim continuar, in-
imprimindo, como você pôde observar, até suas rasuras,
definidamente. Desde que não nos contentemos apenas
arrastando cada conceito em uma cadeia inter;;ifii3~et áe
em ler o, títU)Q, ele anuncia precisamente que não há ne-
diferenças, cercando-se ou sobrecarregando-se com uma
nhumfim do livro' e que não há nenhum começo da escrita.
grande quantidade de precauções, de referências, de no-
E2_S.~.':~ítulo mostra lt:::'tamente 3ll.Q.~?çritaoª0_ cOI!l~ça ......./""
las, de citaçõçs, de colagens, de suplementos - esse
É inclusive a partir dela, se assim se pode dizer, que se
~~uerer-dizer-:, não é, você haverá de concordar, um
cdõcaem qü'esTIfü-abusca- p;~~-~a~rq~~,-p~-;:~~~~~eço
absolutõ;-'põit:úna-ô-rigem.-N'a me;;:;;i;-medida em que o exercício tranqüilizante.

(l.l~!ª]"~~~E~~~~?55i1fla~·~a ~~cri~não pode, P~_~~_~i~~:.. (Publicado em LelLres (rançaises, nO 1211, 6-12 de


dezembro de 1967).
Ronse: Esse movimento propriamente infinito sé-
ria um pouco como a metáfora paciente de sua pesquisa.

Oerrida: Tento escrever (n') o espaço onde se co- Nota


loca a questão do dizer e do querer-dizer. Tento escre-
I No original "qui puisse simplement s'cntcndrc:', iogando com o
ver a questão: o que (é) querer-dizer? I(qu'est-ce) que duplo sentido de entendre: ouvir e entender. Ver nota dos traduto-
vou/oir-dire? I É necessário, pois, que em um tal espa- res brasileiros da Gramato/ogia, p. 17. Ver nota do tradutor de Mar-
ço e guiado por uma tal questão, a escrita literalmente gens da filosofia, fl. 3~. (ediç~o da Paflirus) (N. doT).

20 21
Semi%gia e gramat%gia
Entrevista a Ju lia I<risteva

Kristeva: A semiologia, atualmente, constrói-se de


acordo com o modelo do signo e de seus correlatos: a
comunicação e a. estrutura. Quais são os limites "Iogocên-
tricos" e etnocêntricos desses modelos? Por que não po-
dem eles servir de base para uma notação que queira
fugir dil metilfísicil?

Dcrrida: Todos os gestos são, aq ui, necessariamente


equívocos. E supondo, o que eu não creio, que pudésse-
mos algum dia simplesmente fugir da metafísica, o con-
ceito de signo terá assinalado, nesse sentido, um freio e,
ao mesmo tempo, um progresso. Pois se, por sua raiz e
suas implicações, ele é, em toda sua extensão, metafísico,
se ele está sistematicamente ligado às teologias estóicas
e medievais, o trabalho e o deslocamento aos quais ele
tem sido submetido - e dos quais ele também tem sido,
curiosamente, o instrumento - têm tido efeitos de-limi-
tantes: eles têm permitido criticar o pertencimento me-
tafísico do conceito de signo, ao mesmo tempo que marcar
e afrouxar os limites do sistema no qual esse conceito
nasceu e começou a servir, arrancando-o, assim, até um
certo ponto, de seu próprio solo. É preciso levar esse tra-
balho tão longe quanto possível, mas não se pode deixar,
efetivamente, de esbarrar, em um certo momento, nos
"limites logocêntricos e etnocêntricos" de um tal modelo.
É nesse momento que é preciso, talvez, abandonar esse
conceito. Mas esse momento é muito difícil de determi-
nar e não é, nunca, puro. É preciso que todos os recursos
heurísticos e críticos do conceito de signo sejam exauridos
e que sejam exauridos igualmente em todos os domínios e

23
em todos os contextos. Ora, é inevitável que .as desigual- novo e, ao mesmo tempo, completamente convencio-
dades em termos de desenvolvimento (não se pode dei- naI. É-se obrigado a assumir, de maneira não-crítica, ao
xar de tê-Ias) e a necessidade de certos contextos continuem menos uma parte das implicações que estão inscritas em
a tornar estrategicamente indispensável o recurso a um seu sistema. Há ao menos um momento no qual Saussu-
modelo que, por outro lado, como se sabe, funciona, mes- re renuncia a extrair todas as conseqüências do trabalho
mo no grau mais original ela pesquisa, como um obstáculo. crítico que ele empreendeu: trata-se do momento, não
Para não dar mais do que um exemplo, poder-se-ia fortuito, em que ele se resigna a utilizar a palavra "sig-
mostrar que a semiologi<l do tipo saussuriélna tem tido no", na falta de uma melhor. Depois de haver justificado
um duplo papel. Por um lado, um papel crítico absoluta- a introdução das palavras "significado" e "significante",
mente decisivo: Saussure escreve: "Quanto a signo, se nos contentamos
com ele, é porque não sabemos por que substituí-lo, vis-
I) Ela enfatizou, contra a tradição, que o significado
to não nos sugerir a língua usual nenhum o.utro" (SAUSSURr-:,
é inseparável do significante, que o significado e o signifi-
1995, p. 81). E, efetivamente, é difícil ver como se pode
cante são as duas faces de uma única e meSr'(la produção~
eliminar o signo quando se começou por propor a opo-
Saussure inclusive recusou-se expressamente a aproximar
sição significado/significante.
essa oposição ou essa "unidade de duas faces" às relações
Ora, a "língua usual" não é inOCente ou neutra. Ela é
entre a alma e o corpo, como sempre se havia feito. "Com-
a língua da metafísica ocidental e transporta não somente
pélrou-se amiClde essa unidade de c!UélS filces com él uni·
um número considerável de pressupostos de toda ordem,
dade da pessoa hunlana, composta de alma e corpo. 11
mas pressupostos inseparáveis e, por menos que se preste
comparação é pouco satisfat6ria'~ (SAUSSUIIE, 1995, p. 120).
atenção, pressupostos que estão enredados em um siste-
2) Ao sublinhar os caracteres diferencial e formal do ma. Pode-se destacar os efeitos disso sobre o discurso de
funcionamento semiológico, ao mostrar que é "impossí- Saussure. Por outro lado, é por isso que:
vel que o som, elemento material. pertença, ele próprio,
I) 11 manutenção da distinção rigorosa - essencial e
à língua" e que, "em sua essência, ele lo significante lin-
jurídica - entre o signans e o signatum, a equação entre
güísticol não é nada fônico"; ao de-substancializar ao mes-
o signatum e o conceito (p. 81 )1, deixam em aberto, de
mo tempo o conteúdo significado e a "substância de
direito, a p~ssibilidade de pensar um conceito significa-
expressão" - que não é mais, pois, por excelência, nem
do em si mesmo, em sua presença simples ao pensa-
exclusivamente, a fonia -, ao fazer também da lingüística
mento, em sua independência relativamente à língua,
uma simples divisão da semiologia geral. Saussure contri-
isto é, relativamente a um sistema de significantes. Ao
bui, de maneira decisiva, para fazer voltar contra a tradi-
deixar aberta essa possibilidade - e ela está no princí-
ção metafísicél o conceito de signo que ele lhe hélvia tomado
pio mesmo da oposição significante/significado, isto é,
de empréstimo.
do signo -, Saussure contradiz as aquisições críticas de
E, entretanto, na medida em que contifluou a utili- que falávamos há pouco. Ele se rende à exigência clássi-
zar o conceito ele sigilO, Sélllssure n50 pôde deixLlr de con- C<l daquilo que propus chamar de "significado transcen-
firmar essa tradição. Não é possível fazer desse conceito, dental", o qual. em si mesmo, em sua essência, não
nem ele C]uLllqucr olll.ro, um uso que seja completamente remeteria Ll nenhum significante, excederia J cLldeiLl dos

24 2S
signos, e não mais funcionaria, ele próprio, em um certo 2) Embora reconheça a necessidade ele coloGlI· entre
momento, como significante. 1\ partir do momento, ao con- pilrênteses a substância fônica ("o essencial c1il língua,
trário, em que se coloca em questão a possibilidade de corno veremos, é estranho ao caráter fônico do signo lin-
um tal significado transcendental e em que se reconhece güístico" Ip. 14[; "em sua essência, este lo significante
que todo significado está também na posição de signifi- lingüísticol não é de modo algum fônico" Ip. 1381), Saussu-
cante/ a distinção entre significado e significante - o signo re, por razões essenciais e essencialmente metafísicas, teve
- torna-se problemática em sua própria raiz. Obviamente, que privilegiar a fala, tudo aquilo que liga o signo à phoné.
trata-se de uma operação que se deve efetuar com pru- Ele também fala do "liame natural" entre o pensamento e
dência, pois: a) ele deve passar pela difícil desconstrução a voz, o sentido e o som (p. 35). Ele falJ inclusive do "pen-
de toda a história da metafísica que impôs e não deixará samento-som" (p. 131). Tentei mostrar, em outro local. o
jamais de impor a toda ciência semiológica essa exigência que havia de tradicional nesse gesto e a quais necessida-
fundamental de um "significado transcendental" e de um des ele obedecia. De qualquer maneira, ele acaba, em
conceito independente da língua; essa exigêncià não é im- contradição com o motivo crítico mais interessante do
posta a partir do exterior por alguma coisa como "a filoso- Curso, por fazer da lingüística o modelo regulador, o "pa-
fia", mas por tudo aquilo que liga nossa língua, nossa cultura, drão", de uma semiologia geral da qual ela não deveria
nosso "sistema de pensamento" à história e ao sistema da ser, de direito e teoricamente, mais que uma parte. O
. metafísica; b) não se trata tampouco de confundir, em to- tema do arbitrário é, assim, desviado de suas possibili-
dos os níveis e em toda simplicidade, o significante e o dades mais fecundas (a formalização) para uma teleologia
significado. O fato de q-ue essa oposição ou essa diferença hierarquizante: "Pode-se, pois, dizer que os signos intei-
não possa ser radical ou absol~ta não a impede de funcio- ramente arbitrários realizam melhor que os outros o ideal
nar e até mesmo, sob certos limites, bastante amplos, de do procedimento semiológico; eis porque a língua, o mais
ser indispensável. Por exemplo, nenhuma tradução seria completo e o mais difundido sistema de expressão, é tam-
possível sem·ela. E foi, efetivamente, no horizonte de uma bém o mais característico de todos; nesse sentido, a Lin-
traduzibilidade absolut;Jmente pura, transparente e uní- güística pode erigir-se em padrão de toda Semiologia, se
voca, que se constituiu o tema de um significado transcen- bem a língua não seja senão um sistema particular" (p. 82).
dental. Nos limites em que ela é possível, em que ela, ao Encontramos exatamente o mesmo gesto e os mesmos
menos, parece possível, a tradução pratica a diferença en- conceitos em Hegel. 1\ contradição entre esses dois mo-
tre significado e significante. Mas, se essa diferença não é mentos do Curso fica marcada também pelo fato de que
nunca pura, tampouco o é a tradução, e seria necessário Saussure reconhece, em outro local. que "não é a lingua-
substituir a noção de tradução pela de transformação: uma gem falada que é natural ao homem, mas a faculdade de
transformação regulada de uma língua por outra, de um constituir uma língua, isto é, um sistema de signos distin-
texto por outro. Não se tratou, nem, na verdade, nunca se tos ..... , ou seja, a possibilidade do código e da <Jrlicula-
tratou de alguma espécie de "transporte", de uma língua a ção, independentemente da substância, por exemplo, da
outra, ou no interior de uma única e mesma língua, de sig- substância fônica.
nificados puros que o instrumento - ou o "veículo" - signi- 3) O conceito de signo {Significante/significado} carre-
ficante deixaria virgem e intocado. ga em si mesmo a necessidade de privilegiar a substância

26 27
fôniGl e de erigir il liilgiiístiGI elll "p<ldr;lO" cl<! sCllliologia. 1\ "I'odc-se, enUío conccber uma ciênciil que estude a vida
phoné é, efetivamente, il substância significilnte que se dá dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma par-
à consciência como aquilo que está mais intimilmente liga- te da Psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia
do ao penSilmcnto cio conccito significado. 1\ voz é, dcssc geral; chamá-Ia-emos de Scmiologia (do grego semaon,
ponto de vista, a consciência mesma. Quando falo, não ape- "signo"). Ela nos ensinará em que consistem os signos, que
nas tenho consciência de estar presente àquilo que penso, leis os regem. Como tal ciência não existe ainda, não se'
mas também de manter o mais próximo de meu pensa- pode dizer o que será; ela tem direito, porém, à existência;
mento ou do "conceito" um significante que não cai no seu lugar está determinado de antemão. 1\ Lingüística não
mundo, que ouço Uío logo o emito, que parece depender é senão uma parte dessa ciência geral; as leis que a Semio-
de minha pura e livre espontaneidade, que parece não logia descobrir serão aplicáveis à Lingüística e esta se achará
exigir o uso de qualquer instrumento, dc qualqucr acessó- dessarte vinculada a um domínio bem definido no conjun-
rio, de qualquer força extraída do mundo. Não apenas o to dos fatos humanos. Cabe ao psicólogo determinar o lu-
significante e o significado pilrecem se unir, mas, 'nessa con- gar exato da Semiologia" (p. 24).
fusão, o significante parece se apagar ou se tornar transpa- Obviamente, os lingüistas e semióticos modernos não
rente. para deixar o conceito se apresentar ele próprio, estacionaram em Saussure ou, ao menos, nesse "psicolo-
como aquilo que é, não remetendo a nada mais do que à gismo" saussuriano. A Escola de Copenhague e toda a lin-
sua presença. A exterioridade do significante parece re- güística americana criticaram-no de forma explícita. Mas,
duzida. Naturalmente, essa experiência é um engodo, mas se insisti em Saussure, foi não apenas porque mesmo
um engodo em cima de cuja necessidade se organizou aqueles que o criticam reconhecem-no como o fundador
toda uma estrutura ou toda uma época; em cima dos fun- da semiologia geral e tomam-lhe emprestado a maior par-
damentos dessa época constituiu-se uma semiologia cu- te de seus conceitos, mas, sobretudo, porque não se lhe
jos conceitos e pressupostos fundamentais são muito pode criticar apenas o uso "psicologista" do conceito de
precisamente' identificáveis, de Platão a Husserl. passan- signo; o psicologismo não é o mau uso de um conceito,
do por Aristóteles. Rousseau, Hegel etc. ele está inscrito e prescrito no próprio conceito de signo,
tl) Reduzir a exterioridade do significante significa da maneira equívoca de que eu falava no início. Incidindo
excluir tudo aquilo que, na prática semiótica, não é psí- sobre o modelo do signo, esse equívoco marca, pois, o
quico. Ora, apenas o privilégio concedido ao signo fonético~__. projeto "semiológico" mesmo, com a totalidade orgânica
e lingüístico pode autorizar a proposição de Saussure se- de seus conceitos, em particular o de comunicação, o qual,
gundo a qual o "signo lingüístico é, pois, uma entidade efetivamente, implica a transmissão encarregada de fazer
psíquica de duas faces" (p. 80). Supondo que essa propo- passar. de um sujeito a outro, a identidade de um objeto
sição tenha um sentido rigoroso em si mesma, será difícil significado, de um sentido ou de um conceito, separá-
ver corno se poderia estendê-lo a todo signo, seja ele veis, de direito, do processo de passagem e da operação
fonético-lingüístico ou não. É difícil, pois. ver, a menos significante. A comunicação pressupõe sujeitos (cuja iden-
precisamente que se faça do signo fonético o "padrão" de tidade e presença estejam constituídas antes da operação
todos os signos, como se pode inscrever a semiologia ge- significante) e objetos (conceitos significados, um sentido
rai em uma psicologia. É isso, entretanto, que faz Saussure: pensado, que a passagem da comunicação não terá que

23 29
constituir nem, de direito, que transformar). "1\" comuni- fala - como um fenômeno de representação exterior, ao mes-
ca "8" a "C". Pelo signo, o emissor comunica alguma coisa a mo tempo inútil e perigoso: "1 ... 1 o objeto lingüístico não se
um receptor etc. define pela combinação da palavra escrita e da palavra fala-
O caso do conceito de estrutura, que você também da; esta última, por si só, constitui tal objeto" (p. 34). "a es-
evoca, é certamente mais ambíguo. Tudo depende de crita lél 1... 1 estranha ao sistema interno Ida língual" (p. 33).
como é colocado em funcionamento. Tal como o conceito "a escrita obscurece a visão da língua; não é um traje, mas
de signo - e, portanto, de semiologia -, ele pode, ao um disfarce" (p. 40). O liame entre a escrita e a língua é
mesmo tempo, confirmar e abalar as seguranças logocên- "superficial", "factício" (p. 35). É por um "fato patológico"
tricas e etnocêntricas. Nós n50 descartamos esses concei- (p. 011) que a escrita, que não devia ser mais do que uma
tos e não temos, por outro lado, os meios para fazê-lo. É "imagem", "acaba por usurpar-lhe là palavra faladal o pa-
necessário, sem dúvida, no interior da scmiologia, trans- pei principal" (p. 34) e que "inverte-se a relação natural"
formaros conceitos, deslocá-los, voltá-los contra seus pres- (p. 35). 1\ escrita é uma armadilha, sua ação é "viciosa" e
supostos, re-inscrevê-Ios em outras cadeias: modificar "tirânica" (p. 41). suas deformações são "monstruosidades",
pouco a pouco o terreno de trabalho e produzir, assim, "casos teratológicos" (p. 41), "a Lingüística deve pô-Ias em
novas configurações; não na ruptura decisiva, na unicida- observação num compartimento especial" (p. 41) etc. Na-
'de de um "corte epistemológico", como se diz hoje, com turalmente, essa concepção representativista da escrIta
muita freqüência. Os cortes se reinscrevem sempre, fatal- ("Língua e escrita são dois sistemas distintos de signos; a
mente, em um tecido_antigo que é preciso continuar a única razão de ser do segundo é representar o primeiro"
desfazer, interminavelmente . .Essa interminabilidade não I p. 34; ênfase minha I) está ligada à prática da escrita foné-
é um acidente ou uma contingênd~; ela é essencial, siste- tico-alfabética, à qual Saussure reconhecia estar "limitado"
mática e teórica. Isso não elimina, ele form<l <llgum<l, a ne- seu estuelo (p. 36). A escrita alfabética parece, ele fato, re-
cessiel<lde e.a importância relLlliv<l ele certos cortes, d<l presentar a fala e ao mesmo tempo se apagar diante dela.
<lparição ou ela definição de nov<ts estrlltllrilS: .. Na verd<tde, poder-se-ia mostrm, como eu tentei fazê-
lo, que 1\.50 existe escrita puramente lonéticêl e que o
Kristeva: Que é o grama como "nova estrutura da não-
fonologis~;~é menos uma conseqüência da prática do
presença"? Que é a escrita como différànce?Oual é a rup-
alfabeto em uma cultura do que de uma certa represen-
tura que esses conceitos introduzem relativamente aos
tação, de uma certa experiência ética ou axiológica des-
conceitos-chave da semiologia - o signo (fonético) e a fls-
sa prática. A escrita deveria se apagar diante da plenitude
trutura? Como a noção de texto substitui, na gramatolo-
de uma fala viva, perfeitamente representada na trans-
gia, a noção lingüística e semiológica de enunciado?
parência de sua notação, imediatamente presente ao
Derrida: 1\ redução da escrita - como redução da sujeito que a fala e àquele que dela recebe o seu senti-
.exterioridade do significante - ia de mãos dadas com o do, o seu conteúdo, o seu valor.
fonologismo e o logocentrismo. Sabe-se como Saussure, Ora, se deixamos de nos limitar ao modelo da escrita
de acordo com uma operação tradicional. realizada tam- fonética, que não privilegiamos a não ser por etnocentris-
bém por Platão, Aristóteles, Rousseau, Hegel, Husserl etc.,
mo, e se extraímos também as conseqüências do fato ele
excluiu a escrita cio GlfllpO da lingüística - da língua e cla que não existe escrita puramente fonética (em raz50 do

:lO 31
espaçamento necessário dos signos, da pontuação, dos pois, o conceito mais geral da semiologia - que se torna,
intervalos, das diferenças indispensáveis ao funcionamento assim,' gramatologia - e ele é apropriado não apenas ao
dos grafemas etc.). toda a lógica fonologista ou logocên- campo da escrita, no sentido estreito e clássico, mas tam-
trica torna-se problemática. Seu campo de legitimidade bém ao da lingüística. A vantagem desse conceito - desde
. torna-se estreito e superficial. Essa de-limitação é, entre- q'ue ele esteja rodeado por um certo contexto interpretati-
tanto, indispensável se quisermos levar em conta, com vo, pois, tal como qualquer outro elemento conceitual, ele
alguma coerência, o princípio da diferença, tal qual evo- não significa e não é suficiente por si só -, é que ele neutra-
cado pelo próprio Saussure. Esse princípio nos compele liza, no início, a propensão fonologista do "signo" e, de falo,
não apenas a não privilegiar uma substância - aqui, a subs- equilibra-o, ao libertar todo o campo científico da "subs-
tância fônica, dita temporal - pela exclusão de uma outra tância gráfica" (história e sistema das escritas para além do
(por exemplo, a substância gráfica, dita espacial). mas até domínio ocidental). cujo interesse não é pequeno, mas que,
mesmo a considerar todo processo de significação como
até agora, ficou à sombra ou relegado.
jogo fÓj·maldc-difelenças. Isto é, de rastros.
\ O grama como dífférance é,pois,uma estrutura e um
Por que "rastros"? É com que direito se pode re-in-
movimento que não se deixam mais pensar a partir da
troduzir agralffMiL:frlo momento em que parecemos ter-
oposição presença/ausência. A dífférancc ç o jogo siste-
'j

\ lhe neutralizado toda substância, seja ela fônica, gráfica


mático das diferenças, dos rastros de diferenças, do es-
ou outra? Obviamente, não se trata de recorrer ao mesmo
paçamento, pelo qual os elementos se remetem uns aos
conceito de escrita ~_ de inverter simplesmente a dissi-
outros. Esse espaçamento é a produção, ao mesmo tem-
metria que colocamos em qyestão. Trata-se de produzir
p; ativa e passiva (o a da dífférance indica essa indecisão
um novo conceito de escrita. Pode-se chamá-lo grama ou
relativamente à atividade e à passividade, aquilo que não
. dífférance. O jogo das diferenças supõe, de fato, sínteses
se deixa ainda ser comandado e distribuído por essa opo-
e remessas que impedem que, em algum momento, em
s'içãol. dos intervalos sem os quais os termos "plenos" não
algum sentido, um elemento simples esteja presente em
significariam, não funcionariam. É também o devir-espa-
si mesmo e remeta apenas a si mesmo. Seja na ordem do
ço da cadeia falas{a,=-Cll1e tem sido chamada de "tempo-
discurso falado, seja na ordem do discurso escrito, ne-
ràr'e'''Tíiie-a~7~devjr-espiço que, tão-somente ele, torna
nhum elemento pode funcionar como signo sem remeter
a um outro elemento, o qual, ele próprio, não está sim-
possíveis a e~'c'rirae toda correspondência entre a fala e a
escrita, toda passagem de uma à outra.
plesmente presente. Esse encadeamento faz com que
cada "elemento" - fonema ou grafema - constitua-se a /'Ã"~t"vidade ou a produtividade conotadas pelo a da
partir do rastro, que existe nele, dos outros elementos da différanc;d remetem ao movimento gerativo no jogo das
cadeia ou do sistema. Esse encadeamento, esse tecido, é diferenças. Essas últimas não caíram do céu nem estão
o texto que nJo se produz a não ser na transformação ele inscritas de uma vez por todas em um sistema fechado,
um outro texto. Nada, nem nos elementos nem no siste- em uma estrutura estática que uma operação sincrônica e
ma, está, jamais, em qualquer lugar, simplesmente pre- taxonômica pudesse esgotar. As diferenças são os efeitos
sente ou simplesmente ausente. Não existe, em toda de transformações e, desse ponto de vista, o tema da di{fé-
parte, a não ser diferenças e rastros de rastros. O grama é, rance é incompatível com 'O motivo estático, sincrônico,

32 33
taxonômico, iJ-hislórico elc., do conceito de estrutura. Mas
eventualmente e empiricamente. A subjetividade - como
não é evidente que esse motivo não é o único a definir a
a objetividade - é um efeito de différance, um efeito ins-
estrutura e que a produção das diferenças, a différance,
crito em um sistema de différance. É por isso que o a da
não é a-estrutural: ela produz I:ransformiJções sistemáti-
différance lembra também que o espaçamento é lempo-
cas e regradas, que poderão ser capazes, até certo ponto,
rização, desvio, retardo, pelo qual a intuição, él percep-
de dar lugar a urna ciência estrutural. O conceito de diffé-
ção, a consumação, em urna palélvra, a relação com o
rance desenvolve, inclusive, as exigênciiJs de princípio
presente, a referência a urna realidade presente, a um
mais legítimas do "estruturalismo".
ente, são sempre diferidos. Diferidos em razão do princí-
A língua e, em geral, todo código semiótico - que
pio mesmo de diferença que quer que um elemento não
Saussure define como "c1assificações"- são, pois, efei-
funcione e não signifique, não adquira ou forneça seu "sen-
tos, mas eles não têm por causa um sujeito, urna subs-
tido", a não ser remetendo-o a um outro elemento, pas-
tância ou um ente presente em algum lugar e que esca-
sado ou futuro, em urna economia de rastros. Esse aspecto
pe ao movimento da différance. Urna vez que não existe
econômico da diferença, ao fazer com que intervenha um
presença fora e antes da différance semiológica, pode-
certo cálculo - não consciente - em um campo de forças, é
se e.st~nder aos sistemas de signos em geral aquilo que
inseparável do aspecto estreitamente semiótico. Ele con-
Saussure diz da língua: "Alíngua é necessária para que a
firma que o sujeito, e sobretudo o sujeito consciente e
fala seja inteligível e produ-za todos os seus efeitos; mas
falante, depende do sistema de diferenças e do movi-
essa última é necessária para que a língua se estabele-
mento da différance, que ele não está presente - e so-
ça; historicamente, õ fato da língua é sempre anterior".
bretudo não está presente a si - antes da différance, que
Há aqui um círculo, pois se 'distinguimos rigorosamente
ele só se constitui ao se dividir, ao se espaçar, ao "tempo-
a língua e a fala, o código e a mensagem, o esquema e o
riza!''', ao se diferir; e que, corno dizia Saussure, "a língua
uso etc., e se quisermos fazer justiça aos dois postula-
Ique não consiste senão de diferençasl não é urna função
dos assim enunciados, não sabemos por onde começar
do sujeito falante". No ponto em que intervém o conceito
nem corno qualquer coisa pode começar em geral, seja a
de différance, com a cadeia que o acompanha, todas as
'iíngua ou a fala. É preciso, pois, admitir, antes de qual-
oposições conceituais da metafísica, na medida em que
quer dissociação língua/fala, código/mensagem etc., (com
elas têm por referência última a presença de um presen-
tudo aquilo que a acompanha), urna produç,ão sist~máti­
te (sob a forma, por exemplo, da identidade do sujeito,
ca de diferenças, a produção de um sistema de diferen-
presente a todas as suas operações, presente sob todos
ças - urna différance - em cujos efeitos se poderá, even-
os seus acidentes e acontecimentos, presente a si em sua
tualmente, por abstração e de acordo com motivações
"fala viva", em seus enunciados ou em suas enunciações,
determinadas, fazer urna separação entre uma lingii.ísti-
nos objetos e nos atos presentes da língua etc.), todas
ca da língua e urna lingüística da fala etc.
essas oposições metafísicas (significante/significado; sen-
Nada - nenhum ente presente e in-diferante lin-
sível/inteligível; escrita/fala; fala/língua; diacronia/sincro-
différantl- precede, pois, a différance e o espaçamento.
nia; espaço/tempo; passividade/atividade etc.) tornam-se
Não existe qualquer sujeito que seja agente, autor e se-
não-pertinentes. Elas acabam, todas, em um momento
nhor da différance, um sujeito ao qual ela sobreviria,
ou outro, por subordiniJr à movimento diJ différancc à

34
3" ,)
entre a face sensível e, por assim dizer, carnal da ex-
presença de um valor ou de um sentido que seria anterior
pressão, e sua face não sensível, 'espiritual'. Não temos
à diferença, mais originário que ela e que, em última ins-
que nos envolver em uma discussão muito estreita da
tância, a excederia e a comandaria. Trata-se ainda da pre-
primeira, nem da maneira pela qual as duas faces se
sença daquilo que nós chamamos anteriormente de
unem. É evidente que, por isso mesmo, os títulos se
"significado transcendental".
referem a problemas fenomenológicos que não são sem
Kristeva: Há quem diga que o conceito de "sentido", importância. Visaremos exclusivamente ao 'querer-dizer"
em semiótica, difere sensivelmente do conceito fenome- (bedeuten) e à Bedeutung. Na origem, essas palavras não
nológico de "sentido". Quais são, entretanto, suas cumpli- se relacionam a não ser com a esfera lingüística (sprachli-
cidades e em que medida o projeto semiológfco continua che Spharel. à esfera do 'exprimir' (des Ausdrückens). Mas
in trametafísico? não se pode praticamente evitar - e t~ata-se, ao mesmo
Derrida: É verdade que a extensão do conceito fe- tempo, de um passo importante na ordem do conheci-
nomenológico de "sentido" parece, inicialmente, muito mento - de ampliar o significado dessas palavras e de as
mais ampla, muito mais determinada. É inclusive difícil submeter a urna transformação conveniente que permi-
reconhecer seus limites. Toda experiência é experiência ta que elas sejam aplicadas, de uma certa maneira, a
do sentido (Sinn). Tudo aquilo que aparece à consciên- toda a esfera noético-noemática e, portanto, a todos os
cia, tudo aquilo que existe para urna consciência em ge- atos, sejam eles entrelaçados (verfochten) ou não com'

-
raI. é sentido. O sentido é a fenomenalidade do fenômeno
. '
Nas Investigações lógicas, 1-lu.sserI recusava a distinção de
atos de expressão. Assim, nós mesmos ternos falado in-
cessantemente, no caso de todos os vividos intencionais,
Frege entre Sinn e Bedeutung. Mais tarde, essa distinção de "sentido" (Sinnl. palavra que, entretanto, é, em ge-
pareceu-lhe útil, não que ele a entendesse corno Frege a rai, equivalente a Bedeutung. Reservamos, de preferên-
entendia, mas para marcar a linha de divisão entre o sen- cia, no interesse da precisão, a palavra Bedeutung para
tido em sua' extensão mais geral (Sínn) e o sentido corno a antiga noção, em particular na forma complexa de 'Be-
.objeto de um enunciado lógico ou lingüístico, o sentido deutung lógica' ou 'expressiva'. Quanto à palavra 'senti-
corno significação (Bedeutung). É nesse pontq que pode- do', continuamos a empregá-Ia em extensão mais ampla".
rIam aparecer as cumplicidades às quais você acaba de Assim, quer esteja ou não "significado" ou "expresso",
aludir. É assim, por exemplo, que: quer esteja ou não "entrelaçado" a um processo de sig-
I) Husserl tem necessidade, para isolar o sentido nificação, o "sentido" é urna ídealidade, inteligível ou
(Sinn ou Bedeutung) do enunciado ou da intenção de sig- espiritual. que pode, eventualmente, se unir à face sen-
nificação (Bedeutungsintention) que "anima" o enuncia- sível de um significante, mas que, em si, não tem qual-
do, de distinguir rigorosamente entre a face significante quer necessidade dele. Sua presença, seu sentido ou
(sensívelL cuja originalidade ele reconhece, mas que ele sua essência de sentido, é pensável fora desse entrela-
exclui de sua problemática lógico-gramatical, e a face do senti- çamento desde o momento em que o fenomenólogo, tal
.do significado (inteligível. ideal, "espiritual"). Talvez va- corno o semiólogo, pretende se referir a uma unidade
lha a pena citar aqui uma passagem de ldées I: "Adotamos pura, a uma face rigorosamente identificável do sentido
corno ponto de partida a distinção bastante conhecida ou do significado.

36 37
2) Essa camada do sentido ou do significado puro reme- geral raciocinada", da França dos séculos XVII e XVIII, aos
te, explicitamente, em I-Iusserl e, ao menos implicitamente, quais se referem agora certos lingüistas modernos.
na prática semiótica, a uma camada de sentido pré-lingüístico
ou pré-semiótico (pré-expressivo, diz Husserl). cuja presen- Kristeva: Se a língua é sempre uma "expressão", de-
ça seria pensável fora e antes do trabalho da dj{férance, monstrando-se, assim, sua clausura, em que medida e por
fora e antes do processo ou do sistema da significação, qual tipo de prática essa expressividade é superável? Em
Essa última viria apenas trazer o sentido à luz, traduzi-lo, que medida a não-expressividade seria sign'ificante? A gra-
transportá-lo, comunicá-lo, encarná-lo, exprimi-lo etc. Um matologia não seria uma "semiologia" não-expressiva, ten-
tal sentido - que é, portanto, nos dois casos, o sentido do como base notações lógico-matemáticas em vez de
fenomenológico e, em última análise, tudo aquilo que se I i ngü ísticas?
dá originariamente à consciência na intuição perceptiva -
Derrida: Serei tentado, aqui, a re~ponder de forma
não estaria, pois, desde o início do jogo, em posição de
aparentemente contraditória. De um lado, o expressivis-
significante, inscrito no tecido relacional e diferencial que
mo não é, jamais, simplesmente superável, pois que é
faria dele, já, um remeter, um rastro, um grama, um espa-
impossível reduzir esse efeito de différance que é a es-
çamento, A metafísica sempre consistiu, poder-se-ia de-
trutura de oposição simples dentro-fora e esse efeito da
monstrar, em querer arrancar a presença do sentido, sob
linguagem que a impulsiona a se representar a si própria
esse nome ou sob um outro, à différance; e cada vez que
como re-presentação ex-pressiva, como tradução para o
se pretende recortar ou isolar rigorosamente uma região
lado de fora daquilo que foi constituído do lado de den-
ou uma camada de sentido puro ou de significado puro,
tro, A representação da linguagem como "expressão" não
faz-se o mesmo movimento, E como uma semiótica - como
tal - poderia simplesmente dispensar todo recurso à iden- é um preconceito acidental; é uma espécie de engodo
tidade do significado? Faz-se, pois, da relação entre o estrutural, aquilo que Kant teria chamado de uma "ilusão
sentido e o signo, ou entre o significado e o significante, transcendental". Essa modifica-se de acordo com as lín-
uma relação' de exterioridade: ou melhor, o último se tor- guas, as épocas, as culturas. Não há dúvida de que a me-
na, como em Husserl. a exteriorização (Ausserung) ou a tafísica ocidental constitui uma potente sistematização
expressão (Ausdruck) do primeiro. A linguagem é deter- dessa ilusão, mas creio que conceder-lhe a exclusividade
minada como expressão - o colocar para fora da intimida- nesse processo seria arriscar-se demasiado e de forma
de de um dentro - e voltamos a encontrar aqui todas as imprudente. Por outro lado, e inversamente, eu diria que,
dificuldades e pressuposições de que falávamos há pou- se o expressivismó" não é, simplesmente e de uma vez
co a propósito de Saussure. Tentei indicar, em outro lo- por todas, superável. a expressividade está, na verdade,
cai, as conseqüências que ligam toda a fenomenologia a esse já superada, quer se queira ou não, quer se saiba ou não.
privilégio da expressão, à exclusão da "indicação" da esfera Na medida em que aquilo que chamamos de "sentido"
da linguagem pura (da "Iogicidade" da linguagem). ao privi- (algo a ser "exprimido") é, já, em toda a sua extensão, cons-
légio necessariamente concedido à voz etc., e isso desde as tituído de um tecido de diferenças, na medida em que há
Investigações lógicas, desde esse marcante projeto de já um texto, uma rede de remessas textuais a outros
"gramática pura lógica" que é muito mais importante e mais textos, uma transformação textual na qual cada "termo"
rigoroso, entretanto, que todos os projetos de "gramática pretendidamente "simples" é marcado pelo rastro de um

36 39
outro, a interioridade presumida do sentido é, já, traba- não-fonética".) Tudo aquilo que sempre ligou o lagos à phoné
lhada por seu próprio exterior. Ela se dirige, já e sempre, encontrou-se limitado pela matemática, cujo progresso é ab-
para fora de si. Ela já difere (de si) antes de todo ato de solutamente dependente de uma inscrição não-fonética.
expressão. E é apenas sob essa condição que ela pode Sobre essa tarefa e esse princípio "gramatológico", não exis-
constituir um sintagma ou um texto. É apenas sob essa te, creio eu, qualquer dúvida possível. Mas a extensão das
condição que ela pode "significar". Desse ponto de vista, notações matemáticas e, em geral, da formalização da escri-_
não se deveria, talvez, perguntar em que medida a não- ta, deve ser muito lenta e muito prudente, se quisermos, ao
expressividade seria significante. Apenas a não-expressi- menos, que ela se apodere efetjvamente de domínios que
vida de pode, talvez, ser significante, pois, a rigor, não lhe foram, até agora, subtraídos. Um trabalho crítico sobre
existe significação a não ser que haja síntese, sintagma, as línguas "naturais", por meio das linguagens "naturais", toda
dj{{érance e texto. E a noção de texto, pensada em todas uma transformação interna das notações clássicas, uma prá-
as suas implicações, é incompatível com a noção unívoca tica sistemática das trocas entre as línguas e as escritas "na-
de expressão. Certamente, quando se diz qu.e apenas o turais", deveria, parece-me, preparar e acompanhar essa
texto é significante, já se transformou o valor de significa-
formalização. Tarefa infinita, porque será sempre impossí-
ção e de signo. Pois, se entendemos o signo em sua mais
vel, por razões essenciais, reduzir absolutamente as línguas
severa e clássica clausura, é preciso dizer o contrário: a
naturais e as notações não-matemáticas. É preciso descon-
significação é expressão; o texto, que não exprime nada..-
fiar também do lado "ingênuo" do formalismo e do mate-
é insignificante etc. A gramatologia, como ciência da tex- )
matismo, dos quais uma das funções secundárias, na
tualidade, não seria,-_pois, uma "semiologia" não-expres- '
metafísica, tem sido, não esqueçamos, a de completar e con-
siva a não ser sob a condição. de transformar o conceito de
firmar a teologia logocêntrica que, por outro lado, elas po-
signo e de arrancá-lo de seu expressivismo congênito. i
--._~~~/ deriam contestar. É assim que, em Leibniz, o projeto do
A última parte de sua questão é ainda mais difícil. É
característico universal, matemático e não-fonético, é inse-
claro que a. reticência, até mesmo a resistência, relativa-
parável de uma metafísica do simples e, portanto, da exis-
mente à notação lógico-matemática tem sido sempre a
tência do entendimento divino,4 do lagos divino.
·assinatura do logocentrismo e do fonologismo na medida
em que eles têm dominado a metafísica e os projetos O progresso efetivo da notação matemática anda ele
semiológicos e lingüísticos clássicos. A crítica da escrita mãos dadas," pois, com a desconstrução da metafísica, com
matemática não-fonética (por exemplo, do projeto leib- a renovação profunda da própria matemática e do concei-
niziano de "característico") por Rousseau, Hegel etc., en- to de ciência do qual ela sempre foi o modelo.
contra-se, não por acaso, em Saussure, no qual ela vem Krlsteva: Uma vez que o questionamento do signo é
junto com a preferência declarada pelas línguas naturais um questionamento .da cientificidaae; em que medida a
(cf. Curso, p. 57). Uma gramatologia que rompesse com
. gramatologia é ou não uma "ciência"? Você considera que
esse sistema de pressuposições deveria, pois, com efei-
certos trabalhos semióticos se aproximam do projeto gra-
to, liberar a matematização da linguagem, deveria deixar
matológico? Em caso afirmativo, quais?
registrado o fato de que "a prática da ciência não deixou
jamais de contestar o imperialismo do Lagos, ao fazer ape- Derrida: A gramatologia deve desconstruir tudo
lo, por exemplo, desde sempre e cada vez mais, à escrita aquilo que liga o conceitGl e as normas da cientificidade

40 41
à ontoteologia, ao logocentrismo, ao fonologismo. Trata-se proposição ou em todo sistema de pesquisa semiótica -
de um trabalho imenso e interminável que deve, incessan- você pode, melhor que eu, citar exemplos mais atuais -,
temente, evitar que a transgressão do projeto clássico da pressuposições metafísicas coabitam com motivos críticos.
ciência recaia no empirismo pré-científico. Isso supõe uma E isso pelo único fato de que elas habitam, até um certo
espécie de duplo registro na prática gramatológica: é pre- ponto, a mesma linguagem ou, antes, a mesma língua. A
ciso, ao mesmo tempo, ir além do positivismo ou cientifi- gramatologia seria, sem dúvida, menos uma outra ciência,
cismo metafísico e acentuar aquilo que, no trabalho efetivo uma nova disciplina encarregada de um novo conteúdo,
da ciência, contribui para libertá-Ia das hipotecas metafísi- de um novo domínio bem determinado, do que a prática
cas que pesam sobre sua definição e seu movimento des-
vigilante dessa divisão textual.
de sua origem. É preciso prosseguir, consolidando aquilo
que, na prática científica, começou a exceder, sempre e já, (Publicado ~m Information sur les sciences sociales,
a clausura logocêntrica. É por isso que não existe resposta VII, 3 de junho de 1968).
simples à questão de saber se a gramatologia é uma "ciên-
cia". Eu diria, em uma palavra, que ela inscreve ~ de-limita
a ciência; ela deve fazer funcionar, livre e rigorosamente,
em sua própria escrita, as normas da ciência; uma vez mais,
ela marca e, ao mesmo tempo, afrouxa o limite que clausu-
ra o campo da cientificidade clássica.
Notas
Pela mesma razão",- não existe trabalho semiótico cien-
tífico que não sirva à gramatoiogia, E se poderá, sempre, As citações do Curso de lingüística geral, de Saussure, são ex-
fazer voltar contra as pressuposições metafísicas de um traídas da edição brasileira: SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lin-
güfstica geral. São Paulo: Cultrix, 1995.20' ed. (N .T.).
discurso semiótico os motivos gramatológicos que a ciên-
. cia aí produziu. É a partir do motivo formalista e diferen- I Isto é, inteligível. A diferença entre o significante e o significado
sempre reproduziu a diferença entre o sensível e o inteligível. E não
ciai presente no Curso de Saussure que se pode criticar o
o faz menos no século XX que em suas origens estóicas. "O pensa-
psicologismo, o fonologismo, a exclusão da escrita que mento estruturalista moderno estabeleceu-o claramente: a lingua-
não estão aí menos presentes. Da mesma forma, na glos- gem é um sist~ma de signos, a lingüística é parte integrante da ciência
semática de Hjelmslev, a crítica do psicologismo saussau- dos signos, a semíótica (ou, nos termos de Saussure, a semíologia). A
dano, a neutralização das substâncias de expressão - e, definição medieval- aliquíd stat pro alíquo -, que nossa época res"
suscitou, mostrou-se sempre válida e fecunda. É assim que iI marca
portanto, do fonologismo -, o "estruturalismo", o "ima-
constitutiva de todo signo em geral, do signo lingüístico em particu-
nentismo", a crítica cla metafísica, a temática do jogo etc., lar. reside em seu caráter duplo: cada unidade lingüística é bipartida
se lhe extraíssemos toclas as conseqüências, deveriam ex- e comporta dois aspectos: um, sensível e o outro, inteligível- de um
cluir 'toda uma conceptualidadc metafísica ingenuamente lado o signans (o significante de Saussure). de outro o sígnatum (o
utilizada (o par expressão/conteúdo na tradição do par Significado)" (JAK0I3S0N, R.. Essais de linguístique générale, trad. fr.

significante/significado; a oposição forma/substância apli-


cada a cada um dos dois termos precedentes; o "princí-
J Ed. de Minuit, 1963. p. 162).

, Cf. De la grammatologie. pp. 106-108 (N. do E.).


pio empírico" etc.). Pode-se dizer, a priori, que, em toda ) De la grammatologie. p. 12 (N!do E.).

42 43
• "Mas, no presente, basta-me observar que aquilo que é o fundamen-
to de minha característica é também a demonstração da existência de Posições
Deus; porque os pensamentos simples são os elementos da caracte- Entrevista a Jean-Louis Houdebine e Guy Scarpetta
rística, e as formas simples são a fonte das coisas. Ora, sustento que
todas as formas simples são compatíveis entre si. Trata-se de uma
proposição da qual eu não saberia dar perfeitamente a demonstração
sem explicardetalhadamente os fundamentos da característica. Mas,
caso se concorde com ela, segue-se que a natureza de Deus, que
compreende todas as formas simples consideradas de forma absolu- Na transcrição desta entrevista, que ocorreu em 17 de ju-
ta, é possível. Ora, provamos anteriormente que Deus existe, contan-
nho de 1971, fizeram-se certos acréscimos:
to que ele seja possível. Logo, ele existe. Era o que se pretendia
demonstrar" (Carta à Princesa Elizabeth, 16781. 1. Algumas notas propostas, posteriormente, por jacques
, De la grammatologie, p. 83 e seguintes. (N. do E.I. Derrida. Elas têm o objetivo de p(ecisar certos pontos
que o improviso possa ter deixado escapar.

2. Notas da redação lassinaladas como "NR",. Elas 10cal1-


zam, nos textos de Derrida, certas análises que permi-
tem esclarecer algumas das implicações da entrevista,
que possibilitam evitar desenvolvimentos mais prolon-
gados ou, mais freqüentemente, demonstrar o atraso e a
confusão que caracterizam certas objeções recentes.

3. Os fragmentos de uma troca de cartas que se seguiu à


discussão.

Houdebine: Para começar esta entrevista, podería-


mos talvez partir daquilo que mostra ser um ponto de
insistência nesse texto que não cessou de se escrever e de
se ler aqui ou ali há já alguns anos -, nós poderíamos talvez
partir dessa "palavra" ou desse "conceito" de dífférance
"que não é 1... 1, estritamente, nem uma palavra nem um
conceito"; partir, pois, dessa conferência pronunciada em 27
de janeiro de 1968 e retomada, no mesmo ano, em Théorie
d'ensemble. Ali você falava em reunir em um "feixe" as
diferentes direções que sua pesquisa pôde tomar até então,
você falava do sistema geral de sua economia, anunciando
inclusive a possibilidade, quanto à "eficácia dessa temá-
tica da différan ce", de ser "suprassumida" Irelcvéel. deven-
\
do ela, com efeito, "prestar-se, por si mesma, senão à sua

44
45
substituição, pelo menos à sua inserção em uma cadeia que gr'(~a, de reserva, de encetamento, de rastro, de espaça-
ela não teria, na verdade, jamais comandado", n;ento, de bJanc 2 - sens blanc, sang blanc, sans blanc, cent
blancs, semblant J - , de ~upJemento, de pharmakon, de
Você poderia precisar, ao menos a título de introdu-
margcm-marca-marcha etc.). Por definição, a lista não tem
ção a esta entrevista, o que ocorre atualmente com sua
iicÍlhuma clausura tax~"~'ô~ica; nem - menos ainda - consti-
pesquisa, a qual teve, com efeito, um impacto imediato e
tui ela um léxico, Em primeiro lugar, porque não se trata de
considerável no campo ideológico de nossa época? Você
átomos, mas, antes, de pontos focais Ifoyersl de condensa-
poderia precisar o que ocorre com o desenvolvimento
ção econômica, de locais de passagem obrigatÓrios para u~
dessa economia geral que se manifestou ainda recente-
númer-ü'basÚll1te grande de marcas, de crisóis Icrcuselsl um
mente em três textos, sintomas talvez de uma nova dife-
pouco mais efervescentes,4 Depois, seus efeitos n50 se vol-
renciação do feixe: sua leitura do livro Nombres, de SolIers;
tam apenas sobre si próprios por urna espécie de auto-afec-
"A disseminação"; depois (mas esses dois textos s50 con-
ç50 sem abertura; eles se propagam em cadeia sobre o
temporâneos um do outro) ,"A dupla sess50"'e,. enfim, "A
conjunto prático e teórico de um texto e, cada vez, de urna
mitologia branca"?
maneira diferente. De passagem faço a seguinte observa-
Derrida: O motivo da dif{érance, quando marcado ção: apªlavra "~uprassu[]1t~.t~(lr.(;.'L(õ'~éJ~JL,naJr.ast:!. que você
por um "a" silencioso,' n50 atua, na verdade, nem como citou, não tem~ ~~r~~â; de seu contexto, o sentido nÍ~;~
"conceito" nem simplesmente como "palavra", Eu tentei de- técnico que eu lhe reservo para traduzir e interpretar a
monstrá-lo, Isso n50 o,impede de produzir efeitos concei- Aufhcbung hegeliana. Se houvesse urna definição da djffé-
tuais e concreções verbais ou ~ominais; os quais, de resto, rance, ela seria justamente o limite, a interrupç50, a destrui-
são - embora, de forma alguma, n50 nos apercebamos dis- ção da suprassunção I relevei hegeliana onde quer que ela
so imediatamente - ao mesmo tempo impressos e fratura- opere,l O que está aqui em jogo é enorme. Eu enfatizo "i]
dos pelo ângulo dessa "letra", pelo trabalho incessante de Aufhebung hegeli;:ll1à tal corno interpretada por um certo
sua estranha' "lógica", O "feixe" que você relembra é um discurso hegeliano", pois é evidente que o duplo sentido
ponto de cruzamento histórico e sistemático; é, sobretu- de Aufhebung poderia ser escrito de outra forma. Daí sua
do, a impossibilidade estrutural de enclausurar essa rede, proximidade com todas as operações que são conduzidas
contra a especulação dialética de Hegel.
de deter sua urdidura, de traçar-lhe urna margem que
seja urna nova marca. N50 podendo mais se elevar como O que me interessava naquele momento e que eu
uma palavra-mestra ou como um conceito-mestre, barran- tento perseguir agora, por outras vias, é, ao mesmo tem-
do toda relação com o teológico, a djfférance encontra-se po que urna "economia geral", uma espécie de estratégia
envolvida em um trabalho que ela põe em movimento, geral da desconstrução. Essa estratégia deveria evitar sim-
por meio de urna cadeia de outros "conceitos", de outras plesmente neutralizar as oposições binárias da metafísica
"palavras", de outras configurações textuais; e, talvez, eu e, ao mesmo tempo, simplesmente residir, no campo fe-
tenha, mais adiante, a ocasião de indicar a razão pela qual
I chado dessas oposições e, portanto, confirmá-lo.
essas outras "palavras" ou esses outros "conceitos" se im-
puseram sucessivamente ou simultaneamente; e por que
J É preciso, pois, fazer um gesto duplo, de acordo com
uma unidade ao mesmo tempo sistemática e dela pró-
foi preciso insistir neles (por exemplo, os "conceitos" de pria afastada, urna escrita tlesdobrada, isto é, múltipla

46 47
dela própria, aquilo que chamei,em "La double séance", afastamento entre, de um lado, a inversão que coloca na
de uma dupla ciência:" por um lado, passar por uma fase posição inferior aquilo que estava na posição superior,
de inversão. Insisto muito e incessantemente na necessi- que desconstrói a genealogia sublimante ou idealizante
dade dessa fase de inversão que se pode, talvez, muito da oposição em questão e, de outro, a emergência re-
rapidamente, buscar desacreditar. Fazer justiça a essa ne- pentina de um novo "conceito", um conceito que não se
cessidade significa reconhecer que, em uma oposição filo- deixa mais - que nunca se deixou - compreender no regi-
sófica clássica, nós não estamos lidando com uma me anterior. Se esse afastamento, essa bi-face ou bi-fase,
. cOexistência pacífica de um face a face, mas com uma hie- não pode mais ser inscrito senão em uma/escrita bífida le:
rarquia violenta. Um dos dois termos comanda (axiologica- isso vale, sobretudo, para um novo con~ê,rO dttcséiÜa
mente, logicamente etc.). ocupa o lugar mais alto. que provoca uma-Inversão da hierarquia fala/escrita e de
Desconstruir <l oposição significa, primeiramente, em um todo o sistemi1 i1dji1cente c, ao mesmo tempo, fi1z explodir
momento dado, inverter a hierarquia. Descuidar-se dessa uma escrita no próprio interior da fala, desorganizando,
fase de inversão significa esquecer a estrutura conflitiva e assim, toda a ordem herdada e invadindo todo o campo).
subo~rdinante da oposição. Significa, pois, passar muito ele não pode mais se marcar senão em um campo textual
rapidamente - sem manter qualquer controle sobre a que chamarei de "éJgrupado": no limite, é impossível loca-
oposição anterior - a uma neutralização que, praticamen- lizá-Ia, situá-lo; um texto unilinear, uma posição pontual/
te, deixaria intacto o campo anterior, privando-se de to- uma operação assinada por um único autor são, por defi-
dos os meios de aí intervir efetivamente. Sabe-se quais nição, incapazes de praticar esse afastamento.
têm sido, sempre, os ~feitos práticos (em particular, polí- Nesse momento, para melhor marcar esse afastamento
ticos) de passagens que saltam imediatamente para além (/\ disseminação, o texto que leva csse título, uma vez
das oposições, bem como das contestações feitas sob a que você me coloca uma questão a esse re:;l'~_~t2J~uma
forma simples do "nem isto/nem aquH0:'.,Ouando digo que exploração sistemática e arteira de[iêélrt lafastame~
essa fase é necessária, a palavra, "fase:)não é, talvez, a carré, carrure, carte, charte, quatre 8 ~tc.l. foipr~cjso ;;;él-
. mais rigorosa. Não se trata aqui deUina fase cronológica, Iisar, pôr a trabalhar, no texto da história da filosqfia tanta','
de um momento dado ou de uma página que pudesse quanto no texto dito "literário" (por exemplQ, O de MaIlar-
u'm dia ser passada para podermos ir simplesrTlente cui- mé). c~rtas miJ,Í"cas; digamos (eu assinalei imediatamente
dar de outra coisa. A necessidade dessa fase é estruturar~ certas delas;há muitas oJltrasJ,-,{j.)Je chamei, por analogia
ela é, pois, a necessidade de uma anjlise interminjvel: a ." '"
(cu enfi1lizo isso) dc("indecidíveiff', isto é, unid<ldes de
~'",.':,'-_: -'.' .<,.'

hierarquia da oposição dual sempre se reconstitui. Dife- simulacro, "falsas" propriedades verbais; nominais olLse-
rentemente de certos autores dos quais se sabe que es-
mânticas, que não se deixam mais compreender na opo-
tão mortos em vida, o momento da inversão não é jamais
sição filosófica (binária) e que, entretanto, habitam~na,
um tempo morto. opõe-lhe resistência, desorganizam-na, mas, sem nunça
Dito isso, ater-se, por outro lado, a essa fase significa constituir um terceiro termo, sem nunca dar lugar a l!ma
ainda operar no terreno e no interior do sistema descons- solúção na forma da dialética especulativa (o pharmakon
truído. É preciso também, por essa escrita dupla, justa- não é nem o remédio nem o veneno, nem o bem nem q
mente estratificada, deslocada e deslocante, marcar o mal, nem o dentro nem o fore, nem a fala nem a escrita; o c

43 49
SUplCI]},CIl{d nao é nem um m,Jis nem um menos. nem um um ponto de proximidade quase absoluto com Hegel.
fora nem um complemento de um dentro. nem um aciden- corno enfatizei. creio. nessa exposição e em outros locais:"
te nem urna essência etc; Oi hímen\não é nem a confusão
tudo se joga aqui e. o que é mais decisivo. naquilo que
nem a distinção. nem a identidade nem a diferença. nem a Husserl chamava de "nuances sutis" ou Marx de "microlo-
consumação nem a virgindade. nem o velamenton(;!m o gia") o ponto de ruptura com o sistema da Auf!Jebung e
desvelamento. nem o dentro nem o fora etc.; o (Jrama'não da dialética especulativa. Uma vez que esse caráter con-
é nem um significante nem um significado. nem um signo f1itivo da dífférance'2 - que não se pode chamar de "con-
nem urna coisa. nem urna presença nem urna ausência. nem tradição" senão sob a condição de a demarcar. por meio
urna posição nem urna negação et~:t.,SLi.éspaça~~nto, não é de um árduo trabalho. da "contradição" de Hegel - não se
~em o espaço nem o tempo; o(~ncelat;;enlo não é nem a deixa jamais supr'àssumir totalmente. ele marca seus efei-
integridade lencetadal de um começo ou de um corte sim- tos naquilo que chamo de "texto em geral". em um texto
ples nem a simples s~cundaris,çJasle,,~~~~~/~~~ quer dizer que não se limita ao reduto do livro ou da biblioteca e
ôú' ;'i'tômesmo tempo" ou "01.1 um ou out~" I Ni/ni. c'est à la não se deixa jamais comandar por um referente no senti-
fois ou bien ou bienl;â marca é também o limite marginal. do clássico. por uma coisa ou por um significado transcen-
a marcha etC),9 De fa'to. é contra a reapropriação incessan- dental que regraria todo o seu movimento. Não é. como
t'êdeSsetra'balho do simulacro em uma dialética do tipo você pode·ver. por urna preocupação com um apazigua-
hegeliano (que chega ao ponto de idealizar e "semantizar" mentô ou com uma reconciliação que recorro de prefe-
esse valor de trabalho) que me esforço por realizar a ope- rência à marca "différance" antes que ao sistema da
ração crítica: o idealismo hegeliano consiste justamente em di fe rença-e-da-con tradição.
suprassumir as oposições binárias do idealismo clássico. Sempre seguindo sua questão: então. com efeito.
em resolver sua contradição em um terceiro termo que vem
nessa cadeia aberta da différance. do "suplemento" da
suprassumir. negar. ao suprassumir. ao idealizar. ao subli- ,
"escrita". do "grama". do "pharmakon". do "bJme'R-"E:~c.
mar em uma interioridade an,~mnésica (Erinnerungl. ao in-
inseriu-se o motivo Oll. se você preferir. q .. conccito ... ·o
ternar iI cliferel\r;il CllI UllIiI pn.!Sel\<;il il si. operador de generLllidLldc c1cllominLlclo c/isseminaçzlo, Isso
, É por se tratar Llinda da relaçã~ com Hegel que é se fez notadamente. você o sabe. pelo movimento de uma
preciso elucidar (trabalho difícil que. em grande parte. espécie de I~itura cooperativa do Nombres. de Sollers.
resta ainda por fazer e que continua. de uma certa manei- no texto de Critique que você reLembra. Em última ins-
ra. interminável. ao menos se quisermos conduzi-lo com tância. 'Disseminação não quer nada dizer; não podendo
rigor e cuidado). que eu tentei distinguir a dífférance (na ser reunida em uma definição. Não tentarei fazê-lo aqui e
qual o "a" marca. entre outras aspectos. o caráter produti- prefiro remeter ao trabalho dos textos. Se não se pode
vo e conflitivo) da diferença hegeliana. E isso justamente resumir a disseminação. a différance seminal. em seu teor
no ponto em que Hegel. na grande Lógica. só determina a conceitual. é porque a força e a forma de SULl ação pertur-
diferença como conlradição'o a fim de resolvê-Ia. interiori-
badora fazem explodir o horizonte semântico. A atenção
zá-Ia. de acordo com o processo silogístico da dialética
dada à polissem ia ou ao politematismo constitui. possi-
especulativa. na presença a si de uma síntese onto-teoló-
velmente. um progresso relativamente à linearidade de
gica ou onto-teleológiGl, /\ différance deve assinalar (em
urna escrita ou de uma leitura monossêmica. ansiosa por

50
51
se amarrar ao sentido tutelador, ao significado principal exaustiva, no sentido crítico, é impossível') e "A dupla ses-
do texto, até mesmo ao seu referente primordial. Entre- são" é uma "crítica" desconstrutiva da noção de "críti,ca").
tanto, a polissemia enquanto tal organiza-se no horizonte mas re-escrever, inscrever e relançar seus esquemas. Tra-
implícito de urna retornada unitária do sentido, até mes- ta-se de re-marcar, tanto em "A disseminação" quanto em
. mo de uma dialética - Richard fala de uma dialética em sua "A dupla sessão" (esses dois textos são completamente
leitura temática de Mallarmé; Ricoeur também, em seu inseparáveis). uma nervura, urna dobra, um ângulo que
Essai sur Freud (e a hermenêutica de Ricoeur, sua teoria interrompem a totalização: em um certo ILigar, em um lu-
da polissemia, tem muita afinidade com a crítica temática, gar de uma forma bem determinada, nenhuma série d~
o que é reconhecido por Richard). de urna dialética teleo- valências semânticas pode mais se fechar ou se juntar.
lógica e totalizante que deve permitir a um momento dado, Não que ela se abra para uma riqueza inesgotável do sen-
por mais distanciado que ele seja, de voltar a reunir a tido ou para a transcendência de um excesso semântico.
totalidade dc um tcxto na verdade de scu sC'ntido, cons- Po~ meio desse ângulo, dessa dobra, dessa re-dobra de
tituindo o texto em expressão, em ilustração, e anulando um indecidível, urna marca marca ao mesmo tempo o mar-
o deslocamento aberto e produtiVO da cadeia textual. A càdo e a marca, o lugar re-marcado 'da marca. A escrita
disseminação, ao contrário, por produzir um número não- que, nesse momento, se .te-marca ela própria (uma coisa
finito de efeitos semânticos, nãQ se deixa reçondLJzir a um completamente diferente de uma representação de si),
presente de origem simples ("A disseminação", "A dupla não pode mais ser contada na lista de temas (ela não é
sessão", "A mitologia branca" são re-colocações em cena - um tema e não pode, em nenhum caso, vir a sê-lo): ela
re-colocações práticas - de todas as falsas partidas, de deve ser subtraída (cavidade) dessa lista e a ela anexada
todos os começos, incipits, título~, exergos., pretextos fic- (relevo). A cavidade é o relevo, mas a falta e o excesso
. tícios etc.: decapitações) nem a uma PJ~s.ef)~;:escatQló­ não podem jamais se estabilizar na plenitude de uma for-
gica. Ela marca urna multiplicidade irredutível e gerativa. ma ou de uma equação, na correspondência imobilizada
O suplemento e a turbulência de urna certa falta fraturam ,,"~ 'ÇIe uma simetria ou de uma homologia. Não posso reto-
o limite do texto, interditam sua formalização exaustiva e p-J·P'·mar aqui o trabalho tentado nesses dois textos sobre a
clausurante ou, ao menos, a taxonomia saturante de seus " .;J, '.i dobra, o bran.c. o, o hímen, a margem, o lustre, a coluna, o
}, (J . .
ternas, de seu significado, de seu querer-dizer. \ .1 '.. ... _ _-·~ângulo, o quadrado, o ar, o sobrenúmero etc. Esse traba-

Nós jogamos, aqui, obviamente, com a semelhança for- O'lv ~ -- lho tem, sempre, entre outros, este resultado teórico: uma
tuita, com o parentesco de puro simulacro entre o seme e o crítica do simples conteúdo (crítica temática - seja ela de
sêmen. Não existe entre os dois qualquer comunicação de estilo filosófico, sociológico ou psicanalítico - que tomasse
sentido. E, entretanto, nessa derrapagem e nessa colisão de o tema, manifesto ou oculto, pleno ou vazio, pela subs-
pura exterioridade, o acidenfe produz certamente uma es- tância do texto, por seu objeto ou por sua verdade ilus-
pécie de miragem semântica: o desvio do querer-dizer, seu trada) seria tão incapaz de se medir por certos textos (ou,
efeito-reflexo na escrita, põe a coisa em movimento. antes, pela estrutura de certas cenas textuais) quanto uma
Tentei não formalizar esse regime motriz do excesso crílicil puramente formalist<J que não se interessasse se-
e da falta, da falta em excesso, na neutralidade de um não pelo código, pelo puro jogo do significante, pelo agen-
discurso crítico (eu disse por que razão uma formalização ciamento técnico de um texto-objeto e se descuidasse dos

52 53
efeitos genéticos ou da inscrição ("histórica", se você pre- Suas questões são múltiplas e difíceis. Por onde co-
ferir) do texto lido e do novo texto que ela própria escreve. meçar? Voltar àquilo que me colocou em questão? Vocês
Essas cluas insuficiênciéls siio rigorosélmente complemen- crêem que élindél é preciso félzer isso?
tares. Não se pode defini-Ias sem urna desconstrução da
Houclebine: Isso permitiria, talvez, esclarecer certos
retórica clássica e de sua filosofia implícita: eu a iniciei
mal-entendidos e, como você acaba de dizer, fazer "as
em "A dupla sessão" e tentei sistematizá-Ia em "A mitolo-
coisas avançar" um pouco mais.
gia branca". A crítica do estruturalismo formalista é em-
preendida desde os primeiros textos de A escritura e a Derricla: Vejamos, então. Naturalmente, eu não gos-
diferença. taria de enfatizar aqui aquilo que pode ter tido alguma
relação comigo nó curso de um debate que, felizmente,
Scarpetta: Sempre no intuito de contribuir para a lo-
esteve muito longe de se resumir a isso.e, do qual, vocês
calização histórica desta entrevista, poderíamos igualmen- sabem, eu muito me arrependo de não ter participado
te evocar a reunião que ocorreu em Cluny, em alfril de 1970, diretamente. Se respondo à sua questão é, pois, sobre-
uma vez que, embora ausente, você esteve constantemen- tudo, para fazer uma distinção clara entre as questões ou
te presente (citado ou questionado nas intervenções por objeções que me foram endereçadas. Certas delas, como
vezes contraditórias) no colóquio cujo objeto era a relação as de Christine Glucksmann, são visivelmente destinadas,
entre literatura e ideologias. sem nenhuma agressividade constrangedora e improdu-
Houdebine: Seguindo a linha da questão posta por tiva, a tornar possível a 1~.iJura e a discussão. Eu as res-
Scarpetta, e uma vez que esse ponto foi evocado em ponderei em seguida; eú o i~rei,'de resto, cada vez que
Cluny, eu me permitiria relomar-o problema da confron- um intercâmbio se apresente sob essas condições e que
eu esteja em uma posição de contribuir com alguma coi-
tação de sua reflexão com a n1osofia de Heidegger. No y
texto já citaçlo, "A différance", você fala da "incontornável Q sa. Quanto a outras intervenções, que me pareceram re-
tardatárias ou regressivas, eu relembrarei apenas alguns
meditação heideggeriana": em quê essa meditação, tal
pontos, de resto elementares.'
'qual ela se desdobra no centro de nossa "época", parece-
lhe incontornável? E uma vez que, por outro lado, você Seja dito de passagem que fiquei sabendo, por tê-
só a declarél ".incontorn;:ível" a fim de atravessá-Ia, você lo lido ao menos por duas vezes, que meu "pensamento"
poderia precisar alguns dos motivos que o incitam a não (estou citando, é óbvio) estava "em plena evolução". Não
parar aí, de forma alguma? é motivo para se alegrar?" É verdade que esses enuncia-
dos são necessariamente emitidos a partir de urna posi-
Derrida: Você tem razão em se referir a esse Coló- ção na qual se deve certamente saber quando essa
quio. Acabo de ler seus anais. Trata-se, nesse caso, pare- "evolução" termina ou quando ela sofre uma reviravolta e
ce-me, de um acontecimento muito importante, de um em relação à qual escatologia se deve medi-Ia. Eu me
acontecimento ao mesmo tempo teórico e político. Quan- beneficiaria muito desses encorajamentos, benevolentes
to às relações entre a "literatura" e a "ideologia", existe aí em um caso, sentencioso no outro, se o valor de "evolu-
uma elucidação considerável e numerosas intervenções ção" não me tivesse parecido sempre suspeito em todos
que farão, creio, avançar as coisas. os pressupostos que essa palavra abriga (ela é marxista,

54 55
você me diz?) e sobretudo se eu não tivesse sempre des- sua representação logocêntrica, metafísica, idealista (vol-
confiado do "pensamento". Não, trata-se de des)ocamen- to a essas palavras em um instante) e até mesmo nas mar-
tos textuais cujo curso, cuja forma e cuja necessidade nada cas complexas que ela pode ter deixado no discurso
tem a ver com a "evolução" do "pensamento" ou com a heideggeriano - que tentei sistematizar, desde os primei-
teleologia de um discurso. Já faz aGora bastante tempo, ros textos que publiquei, a crítica desconstrutiva? Quanto
permitam-me relembrar, que arrisquei esta frase, isto é, a isso, não quero mesmo me estender, nem fornecer qual-
que eu a escrevi, uma vez que o trabalho silencioso dos quer referência: o propósito que acabo de formular é le-
itálicos e das aspas não lhe devia sersubtraído, como acon- gível a caela página. Pode-se, pois, advertir-me por ser
tece muito freqüentemente (e em vez de se questionar insistente, até mesmo monótono, mas não vejo como po-
apenas sobre o conteúdo dos pensamentos, seria preciso dem me atribuir'um conceito da história como "história
também analisar a maneira pela qual os textos são feitos): do sentido". Na verdade, a raiz do mal-entendido seja
"De uma certa mancira, 'o pensamento' nada quer dize!". II talvez esta: constitui-se a mim como proprietário daquilo
"O pensamento" (aspas: as palavras "o pensamento" e que eu analiso, a saber, um conceito metafísico da histó-
aquilo que se chama "o pensamento") nada quer dizer: ria como história ideal. teleológica etc. Como esse concei-
ele é o vazio substantivado de uma ideal idade altamen- to é muito mais geralmente difundido do que se crê, e
te derivada, o efeito de uma di[[érance de forças, a au- certamente para muito além das filosofias rotuladas como
tonomia ilusória de um discurso ou de uma consciência "idealistas", desconfio muito do conceito de história; e as
cuja hipóstase deve__ ser descontruída, cuja "causalida- marcas dessa desconfiança, às quais nós teremos, possi-
de" deve ser analisada etc. primeiramente. Em segundo velmente, a ocasião de retornar, podem ter provocado
lugar, a frase se lê assim: se existe o pensamento - e ele mal-entendidos próprios de uma primeira leitura.
existe, e é igualmente suspeito, por razões críticas aná- Quanto ao linearismo, vocês sabem muito bem que
logas, recusar a instância de todo "pensamento" -, aquilo esse não é meu forte. 16 Eu sempre o associei, e muito
que se contlnuará chamando o pensamento e que desig- precisamente, ao logocentrismo, ao fonocentrismo, ao se-
.nará, por exemplo, a c1esconstrução do logocentrismo, mantismo e ao idealismo. Não apenas nunca acreditei
nada quer dizer, não procede mais, em última instância, na autonomia absoluta l ? de uma história considerada como
do "querer-dizer". Em todo lugar em que ele opera, "o história da filosofia, no sentido do hegelianismo conven-
pensamcnto" nada qucr dizcr. cionai, mas tentei regularmente recolocar a filosofia em
Chego agora, pois, à reserva cautelosa de Christine cena, em uma cena que ela não governa e que os histo-
Glucksmann: "história concebida demasiado linearmente riadores clássicos da filosofia, na universidade e em ou-
como história do sentido", "concepção da história laten- tros locais, têm, por vezes, julgado um tanto difícil de
te ... que parece subestimar, para não dizer apagar, a luta aceitar. É por isso que eu não estava acostumado às sus-
entre o materialismo e o idealismo ..... (p. 240). Será preci- peitas que Christine Glucksmann formulou.
so lembrar que foi precisamente contra a autoridade do ..... subestimar, para não dizer apagar, a luta entre
sentido - do sentido como signj{jcado transcendental ou o materialismo e o idealismo"? Não, de forma alguma,
como telas, em outras palavras, da história determinada, pelo contrário, isso me interessa muito e é, desde há
em última instância, como história do sentido, história em muito, de uma importância que não se pode subestimar.

56 57
Interesso-me, até mesmo bastante, por certas formas de expressão "recusLl dLl história" que querem me atribuir
materialismo dito "mecanicista", no qual há, sem dúvida, (p. 230). Não posso tampouco retomar linha por linha to-
ainda muito a extrair. É provável que eu não tenha tido das as proposições cuja confusão, devo dizê-lo, me des-
nada de muito original e de especificamente inédito a pro- concertou (por exemplo, esta: "A gramática derridianLl
por sobre esse tema. Tenho sido pouco loquaz a respeito 'modela-se', em suas grandes linhas, pela metafísica hei-
dessa questão e é isso, possivelmente, o que se lamenta. cIeggeriana, que ela tenta 'desconstruir', ao substituir a
Vejam, o que me parece necessário e urgente, na nossa 'presença do logos' pela anterioridade de um rastro; ela
situação histórica, é uma determinação geral das condições se constitui em onto-teologia a partir do rastro como 'fun-
de emergência e dos limites da filosofia, da metafísica, de do', 'fundamento' ou 'origem'" (p. 225). Como é possível
tudo aquilo que a implica e de tudo aquilo que ela impli- modelar-se por aquilo que se descontrói? Pode-se falar
ca. Trata-se de tudo aquilo que se reúne - não posso dizer tão simplesmente da mctafísica heideggeriana? Mas, so-
mais do que isso aqui - sob o título de /ogoccnlrismo c bretudo (uma vez que essas duas primeiras possibilida-
que eu analisei no Gramat%gia, simultaneamente com o· des não são absurdas em si, mesmo que o sejam nesse
projeto de desconSlrução. Existe aí uma potente unidade caso específico). não repeti eu incansavelmente - eu ou-
histórica e sistcmMica que devemos primeiramente deter- saria dizcr "demonstrei" - que o rastro não é nem um fun-
minar como tal se não quisermos confundir as coisas cada do, nem um fundamento, nem uma origem, e que ele não
vez que pretendermos localizar emergências, rupturas, cor- poderia, em nenhum caso, dar lugar a uma onto-teologia
tes, mutações etc. 1R O logocentrismo é também, fundamen- mLlnifesta ou disfarçada? É verdade que essa confusão -
.. talmente, um idealismo. Ele é a matriz do idealismo. O que consiste em voltar contra os meus textos críticas so-
idealismo é sua representação mais gireta, a força mais cons- bre as quais simplesmente se esquece que elas já esta-
tantemente dominante. E a desmontagem do logocentris- vam aí e foram daí tomadas de empréstimo - já tinha sido
mo é simultaneamente - a fortiori - uma desconstituição ao menos simulada por leitores mais avisados ou talvez
do idealismo ou do espiritualismo em todas as suas varian- mais informados.
tes. Não se trata verdadeiramente aqui de "apagar" a "luta" Eu jamais disse, por outro lado, que o "empreendi-
co·ntra o idealismo. Agora, obviamente, o I~gocentrismo é mento saussuriano" era, em seu princípio ou em seu con-
um conceito mais amplo que o de idealismo, ao qual ele junto, "Iogocêntrico" ou "fonocêntrico".
serve de base transbordante. Mais amplo ainda que o de Meu trabalho de leitura não tem essa·forma (quando
fonocentrismo. Ele constitui um sistema de predicados tento decifrar um texto, não me pergunto constantemen-
dentre os quais alguns continuam a ser encontrados nas I te se terminarei por responder sim ou não de maneira
filosofias que se dizem não-idealistas ou até mesmo anti- indiferenciada, como se faz na França em épocas deter-
idealistas. A utilização do conceito de logocentrismo é, pois, i minadas da história e, em geral, aos domingos). Tal como
delicada e por vezes inquietante. I ocorre com qualquer outro texto, o de Saussure não é
Vocês querem agora que digamos uma palavra sobre homogêneo. Com efeito, eu identifiquei aí um estrato "10-
a outra categoria de objeções apresentadas no Colóquio
de Cluny? Uma vez que já me pronunciei sobre isso e que
J gocêntrico" e "fonocêntrico" (que não tinha sido destacado
e cuja eficácia é considerável). mas para mostrar imedia-
considero a fórmula sobretudo. cômica, não retornarei à tamente que ele constituí.\! uma contradição no projeto

S3 S9
científico de Saussure, tal como ele pode ser lido e tal que se definiu a operação desconstrutiva. E a noção de
como eu o levei em conta. Não posso refazer aqui essa "queda", que é absolutamente complementar da de "ori-
demonstração. 19
gem", será um alvo constante, no Gramatologia e em ou-
Jamais identifiquei, de uma maneira ou de outra, tros locais. Como conseqüência, eu jamais assumi o tema
como se quer faz~r crer, por razões que devem ser anali- de uma e€rrt~.~süprâraps~que teria caído, por não sei
sadas;\~u.:!.!)gJy].cOr11 o rJ.;ito)Enlendo aqui oconceilo de qual pecado original. no campo descaído e degradado da
escrita n::J forma que tentei determinar. De forma inversa, história. Exatamente o contrário. Uma vez que isso é de-
me interessei por vezes pelo gesto pelo qual a filosofia masiadamente evidente para qualquer um que quiser
excluía a escrita de seu campo ou do campo da racionali- começar a ler, não insistirei e passo para a questão da
dade científica para mantê-Ia em um exterior que assu- relação com Heidegger.
mia, por vezes, a forma do ,mito. Foi essa operação que Sustento, g;uIllurocê lembrou em sua questão, que
eu investiguei, em particular em "A félTl11ácia de Plat,ão", o o texto dl('H~idegger
r_r," ,Jl..~,
é'::
para mim, de uma extrema im-
que exigia novos caminhos e que não podia vir nem da portância, que ele constitui um avanço original. irreversí-
mitologia, obviamente, nem do conceito filosófico de ciên- vel, e que estamos ainda muito longe de termos explorado
2o
cia. Trata-se, em particuJar,dedesconstruir praticamen- todos os seus recursos críticos.
te a oposição filosófica entre filosofia e mito, entre lagos
Dito isso - além do fato de que, por toda sorte de
e my/hos. Praticamente, isso não se pode fazer, eu insis-
razões e, creio eu, sob numerosos aspectos, aquilo que
to, textualmente, a não~ ser seguindo os caminhos de uma
eu escrevo, digamos, não se assemelha a um texto de filia-
outra escrita, com os riscos que isso comporta. A incom- ção heideggeriana (não posso analisar isso em detalhes
preensão que mencionamos é'um .deles. Temo que esses
aqui) -, eu marquei, muito explicitamente e, como pode
riscos devem se agravar ainda mais.
ser verificado, em todos os ensaios que publiquei, um
O rebaixamento, o rebaixamento da escrita: não se afastamento em relação à problemática heideggeriana.
tratava, evidentemente - isso seria contraditório com todo Esse afastamento está relacionado, em particular, àque-
o.. contexto - de reerguer a escrita daquilo que eu, sim- les conceitos de origem e de queda sobre os quais acaba-
plesmente eu, consideraria - logo eu! - como seu rebai- mos de falar. E, entre outros textos, eu o analisei a propósito
xamento. O rebaixamento é justamente a representação do tempo, "ho'rizonte transcendental da questão do ser",
da escrita, de sua localização na hierarquia filosófica (alto/ em Sein und Zeit,isto é, em um ponto estrategicamente
baixo). Também nesse caso as pessoas me atribuem aquilo decisivo.2' Esse afastamento intervém também, correlati-
que eu denuncio; como se elas estivessem menos preo- vamente, quanto ao valor de próprio (propriedade, apro-
cupadas em me criticar ou me discutir do que em - antes priado, apropriação, toda a família de Eigentlichkeit,
- se colocarem em meu lugar para fazê-lo. Era precisa- Eigen, Ereignis). que é, talvez, o fio mais contínuo e mais
mente isso - rebaixamento ou queda - que a filosofia (e I difícil do pensamento heideggeriano. (De passagem e
tudo aquilo que faz parte de seu sistema) pensava fazer, i
aproveitando a oportunidade, esclareço que também cri-
entendia fazer, ao operar desde uma instância de vida tiquei explicitamente esse valor de propriedade e de au-
J
presente a si em seu lagos, de uma instância de plenitu- tenticidade original. tendo inclusive, se assim se pode dizer,
de ontológica ou de origem e foi precisamente contra isso começado por aí: pode-se, pbis, estranhar a obstinação ou

60 61
a monolonia, mas n50 se pode, seriamente, fazer-me di- tem reservas relativamenle à psican<'ilise somenle porque
zer o contrário ,"/\ gramatologia, ciênciil geral elo 'arqui- a psican<'ilise é "judia" (o que faria pensar, por contágio
rastro' apresenta-se, pois, como um pensamento atmosférico - um elemento de an<'ilise como qualquer outro
explicativo elo mito elas origens. Busca não elas 'origens - que qualquer um que se demore a ler atentamente Hei-
históriGls', mas do original, do verclildeiro, do· ctymofl-. degger torna-se suspeito a esse respeito). /\ insistência
aUlênticosempre já presente que o oculta", E. Roudinesco, desse procedimento (cf. o J-/umanilé, de 12/9/69 e o du-
. p. 2231. Aqui o contra-senso adquire proporções grandio- plo protesto que se seguiu, publicado oito dias depois,
sas). Sempre que se impunham os valores de proprieda- no Humanité de 19/9/69, republicado em Te! Oue!, na 39,
de, de sentido próprio, de proximidade a si, de etimologia e desenvolvido em todas as suas implicações em Te! Oue!,
etc., a propósito do corpo, da consciência, da linguagem, na 40) terminará por me fazer tomar consciência de um
da escrita etc. eu tentei analisar o desejo e os pressupos- anti-semitismo sem dúvida ainda bastante visc~La.1. Há,
tos metafísicos que aí se encontravam em ação. Isso pode para concluir, uma tendência que se inflama sozinha, uma
ser verificado já em "/\ pali1vra' soprad'â"jI9ô51i mas tam- espécie de projeção encantada, que toma uma direção
bém em todos os out;o; te~t;~. ';Arnitologia 'branca" sis- cada vez mais difamatória. Escuto esse tipo de discurso
tematiza a crítica do etimologismo na fil().~ofia e na há já algum tempo, com uma certa atenção, mais ou mé-
retóricaY Naturalmente, para voltar a Herdegger, o ponto nos flutuante, mas mantendo um certo silêncio. Não é
sem dúvida mais decisivo e mais difícil continua senelo o preciso aproveitar-se disso.
do sentido, do presente e da_PLes~rrÇ<h Propus, muito
Deixemos, pois, se vocês concordarem, esses douto-
esquematicamente, e~ ':Ousi;'e gramm-é;~J uma proble-
res em genealogias científicas ou filiações ideológicas. Os
mática, ou melhor, u ma ~spécie de grade de leitura dos
estudantes aprenderão com eles que, para Heidegger, a
textos de Heidegger desse ponto de vista. Trata-se de
dialética é, em essência, judia (p. 189) ou que Platão é
um trabalho imenso e as coisas aqui não serão nunca sim-
um herdeiro dos estóicos e dos epicuristas ("A ciência das
ples. Como rião posso formular, no contexto de uma en-
letras - elementos simples - ou grammatiké techne, fun-
trevista como esta, senão, digamos, impressões de
dada pelos estóicos e pelos epicuristas,. retomada por
percurso, tenho por vezes o sentimento de que a proble-
Platão, teorizada por Aristóteles ... ". P. 221 ).24 Vejam, o que
mática heideggeriana é a defesa mais "profunda" e mais
me parece fazer falta a tal "prob!emática do narrativo" é
"potente" daquilo que tento colocar em questão sob o
poder refletir aquilo que torna sua própria tese inenarrá-
título de pensamento da presença.
vel. Teria Borges assinado uma narrativa assim tão singu-
Felizme~t~, 'estamos distantes da confus.ão analogis-
lar? Tenham dó ...
ta, toda preocupada em: I) reduzir, sem nenhum outro
procedimento, digamos, para sermos breves, a descons- Scarpetta: Poderíamos, talvez, voltar ao que você
trução gramatológica a um heideggerianismo fabricado do disse sobre a história. Penso nessa passagem da Grama-
qual visivelmente não se compreendeu nada; 2) fazer crer to/agia em que você diz: "a palavra 'história' tem sido,.
que não há nada mais em Heidegger do que a ideologia sem dúvida, sempre associada ao esquema linear do de-:
alemã do período entre as duas guerras: redução sintomá- senrolar da presença". Você concebe a possibilidade de
tica de um certo tipo de leitura; 3) insinuar que Heidegger um conceito de história que pudesse escapar ao "esquema

( 62 63
linear do desenrolar da presenç<J"? H<Jveria, na sua opi- muito freqüentemente da palavra "história" a fim de reins-
nião, a possibilidade daquilo que Sollers chama, por crever-lhe a força 16 e produzir um outro conceito ou uma
exemplo, de "história monumental", isto é, uma história outra cadeia conceitual de "história": história, de fato, "mo-
concebida não mais como "esquema linear", mas como sé- numental, estratificada, contraditória"; história que também
ria prática estratificada, diferenciada, contraditória, ou seja, implique uma nova lógica da repetição e do rastro, uma
uma história que não seja nem monista nem historicista? vez que é difícil ver onde haveria história sem isso.
Derrida: Certamente~J)Q,q~ __~_e deve desconfiar, re- É preciso, entretanto, reconhecer que o conceito de
pito, é do conceito mY'fGfísico de hi~~É do conceito hIstória, por força dos predicados cujo sistema eu acabei
de história como histór1ct'd6 sentido do qual falávamos há de evocar, pode sempre ser reapropriado pela metafísica.
pouco; história do sentido_s~!_oduzindo, se desenvol- Por exemplo: é préciso, primeiramente, distinguir entre a
vendo, se realizando, J,jí1éarmentê';,como você lembrou: história geral e o conceito geral de história. Toda tl crítica
em linha reta ou circular. É por isso, de resto, que a "c1au- tão necessária do conceito "hegeliano" de história e da no-
. sura da metafísica" não pode ter a forma de u'ma linha, ção de totalidade expressiva etc., feita por Althusser, visa
isto é, a form<J que <l filosofi<J lhe reconhece, n<J qU<J1 elil il InOSlrilr que n50 exisle umil históri<J única, uIn<JhistóriJ
se reconhece. A clausura da metatísi'c;a não é, sobretudo, geral, m<Js hist6ri<Js diferentes, em seu tipo, seu ritmo, seu
um círculo que cercá um campo homogêneo - homogê- modo de Inscrição, histórias 'deslocadas, diferenciadas etc.
neo a si - em seu interior, e cujo exterior, pois, também o Isso - assim corno o conceito de história que Sollers chama
seria. O limite tem a forma de falhas sempre diferentes, de "monumental" - eu sempre subscrevL 17
de fissuras, cuja marca~ou cic<Jtriz todos os textos filosófi-
. . Coloco um outro tipo de questão: a partir de qual
cos sempre carregam.
núcleo semântico mínimo se chamariam ainda "histórias"
O caráter metafísico do conceito de história não está esses tipos de histórias heterogêneas, irredutíveis etc.?
ligado apenas à linearidade mas a todo um sistema de Como determinar esse mínimo que eles deveriam ter em
implicações (teleologia, escatologia, acumulação relevan- comum se não é por pura convenção ou por pura confu-
tç·e interiorizante do sentido, um certo tipo de tradicio- são que se lhes deve conferir o nome comum de história?
nalidade, um certo conceito de continuidade, de verdade É aqui que se re-introduz a questão do sistema de predi-
etc.), Não se trata, pois, de um predicado acidental do cados essenciais que eu evocava anteriorlT)enle. Sócrates
qual nos pudéssemos desfazer por uma ablação local, de pergunta o que é a ciência. A resposta que lhe é dada é:
qualquer maneira, sem um deslocamento geral da orga- existe esta ciência e depois aquela e depois aquela outra
. nização, sem pôr a trabalhar o próprio sistema. Acabei mais. Sócrales insiste em ter uma resposta pobre que,
por falar muito rapidamente de "conceito metafísico". Mas interrompendo abruptamente a enumeração empírica, lhe
jamais acreditei que houvesse conceitos metafísicos em diga em que, nessa enumeração, consiste a cientificidade
si mesmos. Aliás, nenhum conceito existe em si mesmo 15 da ciência, e porque se chama de ciências essas diferen-
e, conseqüentemente, não é, em si, isto é, fora de todo o tes ciências. Mais precisamente, ao perguntar em que con-
trabalho textual no qual ele se inscreve, metafísico,. Isso siste, nesses diferentes tipos de história, a historicidade
explica que, embora sempre tenha feito reservas a res- da história, ou seja, aquilo que permite chamar de histó-
peito do conceito "metafísico" de história, eu me utilize rias essas histórias irredutíveis à realidade de uma história

64 65
geral, não se trata de retornar a uma questão de tipo so- pode Il~-introduzir aquilo que se queria "criticar". É por isso
crático. Trata-se, antes, de mostrar que o risco ela re-apro- que o trabalho não pode ser um trabi.1lho puramente "teóri-
priaç50 metafísica é inelutável. que ele aparece muito co" ou "conceitui.1l" ou "discursivo", quero dizer, o de um dis-
rapidamente tão logo se coloque a questão do conceito e curso inteiramente regrado pela essência, pelo sentido, pela
do sentido, ou da essencialidade que necessariamente o verdade, pelo querer-dizer, pela consciência, pela ideali-
regula. Tão logo coloquemos a questão da historicidade dade etc. Aquilo que chamo de texto é também aquilo que
da história - e como evitá-lo se lidamos com um conceito inscreve e desborda "praticamente" os limites de um tal dis-
pluralista ou heterogeneísta da história? -, somos tenta- curso. Há um tal texto geral em todo lugar em que (isto é,
cios a responder por umél definição de essência, de qüidi- em toelo lug,u) esse discurso e sua ordem (essência, senti-
dade, a reconstituir um sistema de predicados essenciais, do, verdade, querer-dizer, consciência, idealidade etc.) são
e somos levados a rearranjar o fundo semântico da tradi- desbordados, isto é, em que sua insistente demanda é co-
ção filosófica. Tradição filosófica que acaba sempre por com-
locada em posição de marca em uma cadeia que ela tem,
preendera historicidade precisamente em mlação a um
estruturalmente, a ilusão de querer e acreditar comandar.
fundo ontológico. É preciso, então, não apenas pergun-
Esse texto geral, obviamente, não se limita, como se poderá
tar-se qual é a "essência" da história, a historicidade da
(poderia) apressadamente compreender, aos escritos sobre
história, mas também a "história" da "essência" em geral.
uma página. Sua escrita não tem, de resto, nenhum outro
E se quisermos marcar uma ruptura entre algum "novo
limite exterior que não seja o de uma certa re-marca. A es-
conceito de história" e a questão da essência da história
crita sobre a página, e portanto a '''Iiteratura'', é um tipo de-
(como conceito que ;;Ia regula). a questão da história da
terminado dessa re-marca. É preciso interrogá-Ias em sua
essência e da história do co'nceLto, enfim, da história do
especificidade e, novamente, se assim se quiser, na especi-
sentido de ser, vocês podem avaliar o trabalho que ainda
ficidade de sua "história", e em sua articulação com os outros
precisa ser feito.
campos "históricos" do texto geral.
Isso dito, não se pode - relativamente ao conceito
Eis por que, em suma, eu me utilizo tão freqüente-
.de história, tanto quanto a qualquer outro - efetuar uma
mente da palavra "história", mas com igual freqüência das
mutação simples e instantânea ou até mesmo riscar um
aspas e das precauções que podem ter levado a me atribuir
nome do vocabulário. É preciso elaborar uma estratégia
(vou abusar dessa fórmula, embora preferisse uma outra: a
do trabalho textual que, a cada instante, tome de em-
"felicidade da expressão") uma "recusa da história".
préstimo uma palavra antiga à filosofia para imediatamente
demarcá-Ia. É a isso que eu fazia alusão há pouco ao falar Houdebine: Esses primeiros desenvolvimentos nos co-
do duplo gesto ou da dupla estratificação. É preciso, por locam imediatamente nos diferentes eixos da extensão de
um lado, inverter o conceito tradicional de história e, ao seu trabalho; eles nos colocam igualmente em posição de
mesmo tempo, marcar a distância, cuidar para que ele precisar o lugar teórico histórico de onde somos levados a
não possa ser - em razão da inversão e pelo simples fato fazer nossas questões, deixando bem claro que seu próprio
de conceptualização - reapropriado. É preciso certamen- trabalho abala nosso próprio lugar de questionamento.
te produzir uma nova conceptualização, mas dando-se Determinemos, muito sumariamente, esse lugar
conta de que a própria conceptualização, e ela sozinha, como sendo o da dialética materialista, da lógica dialética

66 67
materialista, cuja economia geral se articula a partir da recalcado-reprimido pelo discurso logocêntrico (idealis-
série conceitual "matéria (isto é, uma heterogeneidade ta, metafísico, religioso) considerado como discurso de
irredutível relativamente ao sujeito-sentido)/contradição/ uma ideologia dominante sob suas diferentes formas his-
luta dos contrários, unidade-inseparabilidade-convertibi- tóricas. Você concordaria conosco a respeito de assinalar
lidade dos contrários no processo de sua transformação a necessidade desse encontro? E você nos poderia dizer
etc. - para cuja releitura Althusser tanto contribuiu - que por que razão essa necessidade é assinalada, até o mo-
está necessariamente presa em uma economia cujo regis- mento, em seu trabalho, seja de uma maneira marginal. a
tro aparece fundamentalmente nessa unidade dual recen- título de questão regional (penso notadamente em várias
temente assinalada por Sollers: materialismo histórico/ notas de "A dupla sessão", que, de resto, demonstram, ao
materialismo dialético (Tel Duel, 43, "Lénine et le matéria- mesmo tempo, a 'necessidade que você teve naquele
Iisme philosophique"). momento de estabelecer estrategicamente - seria preci-
Primeiro esboço de urna questão: que relação se es- so dizer: até mesmo politicamente - as implicações de
tabelece, na sua opinião, entre essa economfa de uma seu discurso), seja de uma maneira lacunar, como nesta
lógica dialética materialista e a economia que você for- passagem de "A différance", na qual. falando do questio-
mulou a partir de uma problemática da escrita? namento da "consciência em sua certeza assegurada de
Tentemos delimitar um primeiro campo, ainda muito si", você se referia a Nietzsche e a Freud, ao mesmo tem-
vasto, da questão, uma vez que nós teremos possivelmen- po que deixava em suspenso (mas esse suspense é, ele
te ocasião de a ela vottar muitas vezes ao longo desta en- próprio, perfeitamente legível) a referência a Marx e, com
trevista (vários problemas se f!10stram já nessa questão, e Marx, ao texto materialista dialético? Mas é verdade que
o percurso que seguiremos será provavelmente uma espé- não é, propriamente falando, "a partir do motivo da diffé-
cie de percurso em forma de constelação, à base de reco- rance" que se opera, em Marx, assim como em Engels e
brimentos, de cruzamentos das questões e das respostas): Lênin, esse questionamento das certitudes de si da cons-
se é verdade' que parece claramente - e tudo o que você ciência, e que uma outra economia geral entra aqui em
. acaba de dizer confirma-o - que entre esses dois tipos de jogo (começou a entrar em jogo desde há muito tempo),
economia um certo número de pontos de intersecção ou, de acordo com a série conceitual brevemente enuncia-
no mínimo, de convergências estratégicas pode ser deter- da há pouco e à qual seria preciso acrescentar aqui o
minado, notadamente com base na sua desconstrução da conceito marxista de "ideologia".
problemática do signo como dependente ele um logocen-
Dcrrlda: Naturalmente, não posso responder em uma
trismo fundamental, de urna filosofia da consciência ou do
palavra a essas questões. Por onde começar? Há isso que
sujeito originário, talvez fosse necessário, então, colocar hoje
você chama esse "encontro", que me parece, de fato, há
o problema do estatuto desses pontos de intersecção e/ou
muito tempo, absolutamente necessário. Você pode per-
de convergências estratégicas.
feitamente imaginar que eu não estava totalmente incons-
E, por exemplo, no percurso de uma desconstrução ciente a esse respeito. Isso dito, continuo a acreditar que
do discurso logocêntrico, nos parece inevitáyel o encon- não existe qualquer benefício, teórico ou político, em pre-
tro com o texto materialista, o qual é, certamente, de lon- cipitar os contatos ou as articulações enquanto as suas
ga data, em nosso contexto de civilização, o texto histórico condições não forem rigorosãmente elucidadas. No limite,

61l 69
isso só poderá ter efeitos de dogmiJlismo, de confusão, Naquilo que comecei a propor, tento leviJr em canta
de oportunismo. Impor eSSiJ prudênciiJ significiJ leviJr iJ certas aquisições recentes ou determinildas insuficiências,
sério o texto marxistiJ, SUiJ diliculdade, assim como sua na ordem da filosofia, da semiologia, da lingüísliGl, da
heterogeneidade e a importância decisiva de sua aposta psicanálise etc ... Ora, não podemos considerar o texto de
histórica. 'Marx, o de Engels ou de Lênin, como uma elaboração com-
Por onde começar, pois? Se quiséssemos esquemati·· pletamente pronta que deveria ser "aplicada" simples-
zar- mas não passa verdadeiramente de um esquema - o mente à conjuntura atual. Ao dizer isso, não afirmo nada
que eu tentei pode também ser inscrito sob o rótulo da que seja contrário ao "marxismo" - disso estou convenci-
"crítica do idealismo". Não é preciso, pois, dizer que nada, do. Não se tem que ler esses textos de acordo com um
no materialismo dialético, ao menos na medida em que método hermenêutica ou exegético que aí busciJria, sob
ele opera essa crítica, suscita de minha parte a mínima uma superfície textual, um significado acabado. A leitura
reticência e a esse respeito eu jamais a formulei. é transformativa. Acredito que isso seria confirmado por
certas proposições de Althusser. Mas essa transformiJção
As "lacunas" às quais você fez iJlusão, façiJin-me o fiJ-
não se faz de qualquer maneira. Ela exige protocolos de
vor de acreditar, são explicitamente calculadas para mar-
leitura. Por que não dizê-lo brutalmente? Não encontrei
car os lugares de uma elaboração teórica que ainda - de
ainda nenhum que me satisfizesse.
minha parte, em todo caso - está por vir. E são, na verda-
de, lacunas, não objeções; elas têm um estatuto comple- Da mesma forma que eu não tratei o texto de Saus-
tamente específico e deliberado; eu até ousaria dizer: uma sure, o texto de Freud ou qualquer outro texto como um
certa eficácia. Ouando digo de minha parte, quero dizer: volume homogêneo (é. o motivo da homogeneidiJde, mo-
entre o trabalho que eu tento fazer, trabalho limitado mas tivo teológico por excelência, que é preciso decididamente
que tem seu campo e suas arestas, e que não é possível a destruir). não me encontrei diante do texto de Marx, de
não ser em .uma situação histórica, política, teórica etc., Engels, ou de Lênin, como diante de uma crítica homogê-
muito determinada, entre esse trabalho e, digamos, todo nea. Em sua relação com Hegel, por exemplo. E a maneira
edexto, toda a conceptualidade marxista, não pode haver pela qual eles próprios refletiram e formularam a estrutu-
uma conjunção imediatamenle dada. Acreditar nisso se- ra diferenciada ou contraditória de sua relação com Hegel
ria apagar a especificidade dos campos e limitar sua trans- não me parece, com ou sem razão, suficiente. É preciso
formação efetiva. Ora, nos dois casos, trata-se, digamos, que eu aniJlise, pois, aquilo que considero como uma
para sermos breves, de "campos" que inscrevem a possi- heterogeneidade, que eu conceptualize sua necessida-
bilidade e a abertura de sua transformação prática. E quan- de, sua regra de deciframento, levando em conta os pro-
do digo "ainda porvir', penso ainda, sobretudo, na relação gressos decisivos que foram, simultaneamente, realizados
entre Mmx e Hegel, e nas questões das quais falávamos por Althusser e aqueles que o seguiram. Tudo isso coloca
há pouco (dialética, diferença, contradição etc.). Apesar muitas questões, e eu não posso dizer nada hoje que não
do imenso trabalho que já foi feito nesse domínio, não se possa ser lido nas lacunas ou nas notas às quais você fez
chegou ainda a uma elaboração decisiva, por razões his- alusão, ao menos para qualquer pessoa que queira ir atrás
tóricas necessárias que não se poderá analisar, precisa- de suas conseqüências. Elas remetem sobretudo à eco-
mente, senão no decorrer dessiJ elaboração. nomia geral cujos traços eu tentei - a partir de Bataille -
j
.1

70 I
I
71
esboçar. Não é preciso dizer que se, e na medida em que, ceda a essa operação; e se ela o faz por estratégia, é pre-
nessa economia geral, matéria designa, como você disse, ciso que nós primeiramente re-elaboremos - em uma es-
a alteridade radical (preciso: relativamente à oposição filo- crita transformativa - as regras dessa estratégia. Não haveria,
sófica), aquilo que escrevo poderia ser considerado como então, qualquer reserva a ser feita). É por isso que eu não
"materialista". diria, il respeito do conceito de matéria, nem que ele é um
Como você pode i magi nar, as coisas não são assi m conceito em si metafísico nem que ele é um conceito em si
tão simples. Não é sempre, n'o texto materialista (existe não-metafísico. Isso dependerá do trabalho ao qual ele dá
uma tal coisa: o texto materialista?), nem em todo texto lugar, e vocês sabem que eu não tenho parado de insistir,
materialista, que o conceito de matéria é definido como a propósito da exterioridade não-ideal da escrita, do gra-
exterior absoluto ou heterogeneidade radical. Não estou ma, do rastro, do texto etc., na necessidade de jamais se-
mesmo seguro de que possa haver um "conceito" do ex- pará-los do trabalho - esse último constituindo um valor a
teriorabsoluto. Se pouco me utilizei da palavra "matéria" ser, ele próprio, repensado fora de sua filiação hegeliana.
não foi, vocês bem o sabem, por uma desco'nfiança do O que se anuncia aqui, como tentei indicar em "A dupla
tipo idealista ou espiritualista. É que, na lógica ou na fase sessão" (dupla ciência, duplo sentido, dupla cena)28, é ain-
da inversão, temos visto muitas vezes esse conceito rein- da a operação de dupla marca ou de re-marca. O conceito
vestido de valores "Iogocêntricos", associados aos de coi- de matéria deve ser marcado duas vezes (os outros tam-
sa, de realidade, de presença em geral, presença sensível, bém): no campo desconstruíd0 29 - trata-se da fase de in-
por exemplo, de plefl!tude substancial, de conteúdo, de versão - e no texto desconstrutor, fora das oposições nas
referente etc. O realismo ou. o sensualismo, o "empiris- quais ele se tornou preso (matéria/espírito, matéria/idea-
mo", são modificações do logocentrismo (insisti muito no lidade, matéria/forma etc.). Pelo jogo desse afastamento
fato de que tampouco a "escrita" ou o "texto" se reduzem entre as duas marcas, poder-se-á operar, ao mesmo tem-
à presença sensível ou visível do gráfico ou do "literal"). po, uma desconstrução de inversão e uma desconstrução
Em suma, o 'significante "matéria" não me parece proble- de deslocamento positivo, de transgressão.
mático a não ser no momento em que sua reinscrição não Rigorosamente reinscrita na economia geral (Bataille)JO
e.vite que se faça dele um novo princípio fundamental, no e na dupla escrita de que falávamos há pouco, a insistência
momento em que, por uma regressão teórica, ele é re- na matéria como exterior absoluto da oposição, a insis-
constituído em "significado transcendental". O significado tência materialista (em contato com aquilo que o "materia-
transcendental não é tão-somente o recurso do idealismo lismo" tem representado como força de resistência na
no sentido estrito. Ele pode sempre acabar por reafirmar história da filosofia), me parece necessária. Essa necessi-
um materialismo metafísico. Ele se torna, pois, um refe- dade é desigual, variando com os lugares, as situações
rente último, de acordo com a lógica clássica implicada por estratégicas, os pontos de avanço prático e teórico. Em
esse valor de referente, ou uma "realidade objeliva" abso- um campo muito determinado da situação mais atual pa-
lutamente "anterior" a todo trabalho da marca, um conteú- rece-me que ela pode ter por função evitar que a genera-
do semântico ou uma forma de presença que garanta, a lização necessária do conceito de texto, sua extensão sem
partir do exterior, o movimento do texto geral (não estou limite simplesmente exterior (que supõe também essa
seguro de que a anjlisc de Lênin, por exemplo, nunca travessia pela oposição metBfísicaJ, acabe levando - sob

72 73
o efeito de interesses bem conhecidos, de forças reativas
lógica extremamente complexa. A palJvra improvisada c1J
motivadas a fazer o trabalho perder-se na confusão - à de-
entrevista não pode substituir o trabalho textual.
finição de uma nova interioridade a si, de um novo "idea-
lismo", se assim preferirem, do texto. É preciso evitar, com Houdebine: Podemos abordar uma outra questão que
efeito, que a crítica indispensável de uma certa relação in- tínhamos preVisto para mais tarde, mas su.a resposta exi-
gênua com o significado ou com o referente, com o sentido ge que ela seja, de qualquer forma, feita agora. Nessa
ou com a coisa, fique paralisada em uma suspensão ou até regulação estratégica global de seu trabalho, cuja lógica
mesmo em uma supressão pura e simples do sentido e da fundamental você acaba de evocar, notadamente quanto
referência. Creio ter tomado - nas proposições que fiz _ a essa dupla mLlfcação (inversão/transgressão do campo
precauções a esse respeito. Mas é verdade que isso não é, filosófico desconstruído) -, você foi, efetivamente, leva-
nunca, suficiente - não faltam provas disso. O que precisa- do a tomar em c~nsideração um certo tipo de trabalho
mos é determinar diferentemente, de acordo com um sis- textual, em relação ao qual se poderia,' então, colocar o
tema diferencial, os efeitos da ideal idade, da significação, problema do estatuto de seu próprio discurso; quero di-
dei sentido e do referente. (Seria preciso também dedicar zer que é evidente que, trabalhando sobre Mallarmé,
uma análise sistemática a essa palavra, "efeito", de utiliza- sobre Artaud, sobre Bataille, sobre Sollers, há algo de
ção tão freqüente hoje, um fato que tem sua importância, inaudito relativamente àquilo a que a filosofia clássica nos
e ao novo conceito que ela marca de maneira ainda bas- acostumou: não se trata mais, evidentemente, de um pas-
tante indecisa. A freqüência com que ela aparece multipli- satempo estético, de um comentário feito para replicar
ca-se precisamente porcausa dessa indeterminação ativa. uma certa "beleza poética", comportamento cujo exem-
Um conceito em vias de se coristitl!,ir produz, inicialmente, plo tivemos a oportunidade de observar, na França, em
uma espécie de efervescência localizável no trabalho de várias ocasiões. Em função precisamente de tudo que você
nomeação. Esse "novo" conceito de efeito toma de em- acaba de delinear, notadamente quanto à necessidade
préstimo suas· características, ao mesmo tempo, à oposição desse encontro com o texto materialista, você poderia
causa/efeito e à oposição essência/aparência (efeito, refle- definir desde já a relação de seu trabalho com o trabalho
xo) sem, entretanto, reduzir-se a elas. É essa franja de irre- textual dito "literário", que exerce um papel tão impor-
dutibilidade que deveria ser analisada). tante em sua reflexão?
Obviamente, ao reconsiderar o problema do sentido
Scarpctta: Pafél enfalizi.n a quest50 que acaba de ser
e da referência, é preciso dobrar a prudência. A "dialética"
colocada: em um texto como "A disseminação", você des-
do mesmo e do outro, do fora e do dento, do homogêneo
taca perfeitamente em quê consiste a prática de Sollers:
e do heterogêneo estó, corno vocC:s sabem, dentre as mJis
ao mesmo tempo produção e excesso de uma produção,
oblíquas. ll O fora pode sempre tornar-se outra vez um
prática da não-produção, "operação de anulação, de des-
objeto na polaridade sujeit%bjeto, ou a "realidade" tran-
conto e de um certo zero textual"; aquilo que você aí des-
qüilizadora do fora-do-texto; há, por vezes, um "dentro"
taca me parece extremamente importante: o texto de
tão inquietante quanto o fora pode ser apaziguante. É
. necessário não esquecer disso no afã da crítica da interio- J Sollers, a ruptura que ele opera em um campo significante,
"literário", faz-se a partir desse duplo registro de produção
ridade e da subjetividade. H Estamos, nesse caso, em uma
e de não-produção, sem que se possa privilegiar um dos
I
74
75
dois termos relativamente ao outro; eu gostaria de saber serem inscritas nesses textos freqüentemente dissimula-
se um discurso corno o seu lhe parece devedor de uma ram essa textura; e reciprocamente; isso é, de minha par-
tal lógica. te, tão deliberado quanto possível.

Derrida: Sou tentado a responder muito rapidamen- Sim, é incontestável que certos textos classificados
te: sim. É, em todo o caso, o que eu gostaria de fazer. como "literários" parecem produzir, no seu ponto de maior
Tentei descrever e mostrar como a escrita comportava avanço (Artaud, Bataille, Mallarmé, Sollers), brechas ou
estruturalmente (contava-descontava)· em si mesma seu arrombamentos. Por quê? Ao menos por nos induzirem a
processo de apagamento e de anulação, marcando, ao suspeitar da denominação "literatura" e daquilo que su-
bordinava esse conceito às belas-letras, às artes, à poe-
mesmo tempo, o resto desse apagamento, de acordo com
sia, à retórica e à ··filosofia. Esses textos operam, em seu
uma lógica mito difícil de resumir aqui. Eu diria que ten-
próprio movimento, a manifestação e a desconstrução
tei fazer isso cada vez mais, de acordo com uma regra de
prática da representação que se fazia da literatura, dei-
complexidade, de generalização ou de acumulação cres-
xando claro que, bem antes desses textos "modernos",
centes, o que não deixou de provocar, a propósito das
uma certa prática "literária" foi capaz de trabalhar contra
últimas publicações que você evocou, resistências ou re-
esse modelo, contra essa representação. Mas é a partir
jeições sumárias até mesmo da parte dos leitores mais
desses últimos textos, a partir da configuração geral que
bem informados.
neles se observa, que se pode melhor reler, sem teleolo-
Sim, pois, para o "duplo registro". É verdade, entre- gia retrospectiva, a lei das fissuras anteriores.
- tanto, que isso não se deu primeiramenle no campo dito
Certos textos, pois, e dentre eles aqueles aos quais
"literário", mas se apoiou nos texto~ pertencentes, de uma
você acaba de fazer alusão, me parecem marcar e organi-
certa maneira, à "história da filosofia". O que me levou a
zar uma estrutura de resistência à conceptualidade filosó-
esse caminho foi a convicção ele que, se não formulamos
fica que teria pretendido dominá-los, compreendê-los,
uma estratégi·a geral, teórica e sistemática, da descons-
seja diretamente, seja por meio das categorias derivadas
trução filosófica, as irrupções textuais correm sempre o desse fundo filosófico, por meio das categorias da estéti-
risco ele recair, ao longo da rota, no excesso ou na experi- ca, da retórica ou da crítica tradicionais. Por exemplo, os
mentação empiricista e, às vezes, simultaneamente, no valores de sentido ou de conteúdo, de forma ou de signi-
classicismo metafísico; ora, era isso que eu queria evitar. ficante, de metáfora/metonímia, de verdade, de repre-
Mas eu não ignoro que esse "primeiramente" faz correr sentação etc., ao menos sob sua formá clássica, não podem
um risco inverso ou simétrico. Apesar de todos os sinais mais dar conta de certos efeitos muito determinados des-
de "prudência" que tenho multiplicado desde o início de ses textos. Foi o que tentei ressaltar a propósito do Nom-
nossa discussão, eu simplesmente creio que se deve cor- bres (e ele obras de ficção anteriores) de Sollers, do
rer certos riscos. "Mimique:' (e de toda uma rede de outros escritos) de
Não posso "falar" a escrita ou, como se diz, a "composi- Mallarmé; fiz isso assentando a questão mais geral dá "ver-
ção" dos textos em questão: trata-se da última coisa que se dade" na sua relação com a questão, também geral, da
deixa controlar por uma entrevista. Observarei apenas que "Iiteraridade". Um progresso decisivo desse meio-século
os efeitos de teses teóricas que julguei como necessárias de foi, creio eu, o de se haver formulado explicitamente a

7(, 77
questão da literaridade, notadamente a partir dos forma- (e por que chamamos ainda de estralégica uma operação
listas russos (não somente d partir deles: em razão de um que se recusa ser comandada, em última análise, por um
conjunto de necessidades históricas, a mais imediatamente horizonte teleo-escatológico? Até que ponto essa recusa
determinante sendo uma certa transformação da própria é possível e como ela negocia seus efeitos? Por que ela os
prática literária). A emergência dessa questão da literari- deve negociar, incluindo até mesmo o efeito desse pró-
dade permitiu evitar um certo número de reduções e de prio porquê? Por que estratégia remeteria ao jogo do es-
incompreensões que sempre tenderão a ressurgir (tema- tratagema antes que à organização hierárquica dos meios
tismo, sociologismo, historicismo, psicologismo, sob as suas e dos fins? Etc. Não se pode reduzir tão apressadamente
mais disfarçadas formas). Daí a necessidade do trabalho essas questões.), qual é, pois, a necessidade "estratégi-
formal e sintáxico. Entretanto, uma reação ou uma redu- ca" que exige conservar um velho nome para inaugurar
ção simétrica poderia agora se desenhar: ela consistiria um novo conceito? Com todas as reservas impostas por
em isolar, a fim de colocá-Ia a salvo, uma especificidade essa distinção clássica entre nome e conceito, poderíamos
formal ou literária que teria uma essência e uma verdade começar a descrever essa operação: tendo em conta o fato
próprias, não tendo mais nem mesmo que ser articulada de que um nome não nomeia a simplicidade pontual de
. com outros campos, teóricos ou práticos. Daí o movimen- um conceito, mas um sistema de predicados que definem
to que eu esbocei, em "A dupla sessão":)) marcar uma cer- um conceito, uma estrutura conceitual centrada em tal ou
ta desconfiança relativamente ao motivo da "Iiteraridade" qual predicado, procedemos: I. à extração de um traço pre-
no momento mesmo em que se opõe sua obstinada insis- dicativo reduzido, que é mantido em reserva, limitado em
tência ao conjunto daquilo que chamo de mimetologismo uma estrutura conceitual dada (limitado por motivações e
(não a mimesis, mJS uma intcrpr.etJção determinada da por relações de força a serem analisadas). nomeado X; 2. à
mimesis). Tudo passa por esse quiasma, toda escrita está de-limitação, ao enxerto e à extensão regrada desse predi-
nele presa - pratica-o. A forma do quiasma, do X' me in- cado extraído, mantendo-se o nome X a título de alavanca
teressa muito, não como símbolo do desconhecido, mas de intervenção e para manter algum controle sobre a orga-
porque existe nele, como o sublinha "A disseminação", nização anterior, que é a que se trata efetivamente de trans-
uma espécie de forquilha (trata-se da série carre{our, qua- formar. Portanto: extração, enxerto, extensão; vocês sabem
drj{urcum, grilJe, daie, dé etc.).J4 aliás desigual. com uma que é a isso que chamo, de acordo com o processo que
de suas pontas estendendo seu comprimento mais longe acabo de descrever, de escrita.
que a outra: figura do duplo gesto e do cruzamento de Houdebine: Retomemos, pois, de acordo com o esti-
que falávamos há pouco. lo ramificado de nosso percurso, um problema já coloca-
Assim, para responder à sua questão, direi que meus do em uma questão anterior, e que se recoloca sozinho
. textos não pertencem nem ao registro "filosófico" nem ao justamente a propósito do que você acaba de dizer sobre
registro "literário". Eles se comunicam, assim, é ao menos a questão do "velho nome". Naquilo que você formulou há
o que eu espero, com outros textos que, por terem efe- pouco, reterei o fato de que é absolutamente exato que o
tuado uma certa ruptura, não se chamam mais "filosóficos" texto materialista, na história de sua repressão, não ficou
ou "literários" a não ser por uma espécie de paleonímia- imune aos riscos implicados por toda forma de inversão
questão da paleonímia: qual é a necessidade estratégica simples do discurso idealista dominante; esse discurso

7!l 79
materialista pôde adquirir, assim, uma forma metafísica (isto teoria c da prática freudianas, escapa, em seu sentido es-
é, mecanicista, não-dialética). continuando prisioneiro dos trito, à redução metafísica? Não se passa o mesmo com a
pares de oposição do discurso dominante (idealista, meta- contradição? Contradição: "nome metafísico", se pensa-
físico), pares no interior dos quais esse discurso materialis- mos em sua inscrição na dialética hegeliana na medida
ta opera inversões de acordo com uma tática conhecida, em que pode ser considerado como sobredeterminado
isto é, de acordo com um gesto que esse materialismo (me- pelo movimento teleológico da Aufhebung; mas aquilo
canicista) não é capaz de dominar inteiramente. que designa esse conceito, na economia de uma dialética
Mas, como você mesmo indicou, no percurso de uma materialista, não tem nada a ver, em seu sentido estrito,
estratégia, essa inversão não é igual a nada (ela não se com o discurso notadamente metafísico; p-ois seria preci-
esgota em uma pura relação especular). e seu resultado so ainda discutir, talvez, a própria denominação de "nome
(como o resultado de todo processo de uma contradição) metafísico" atribuída ao conceito de contradição, incluin-
"não é igual a zero"; essa inversão "que não é igual a nada", do sua inscrição hegeliana:
está ela própria presa em uma históriLl, a história diferen- a) porque todo um pensamento metafísico (Iogocên-
ciada do materialismo e da dialética, na qual estão impli- trico, na verdade) se deu c continua se dando como re-
cadas, necessariamente, a articulação e a ·eficácia do calque-repressão da contradição, repressão-recalque que,
político sobre o ideológico. em um gesto histórico muito importante, a dialética he-
Por outro lado, é um fato que, sob sua forma dialéti- geliana vai romper e abrir (para aquilo que é recalcado-
_. ca, tal como ela foi el"dborada, notadamente de Marx a reprimido) de acordo com um movimento do qual o
Lênin, tendo Hegel como base, o texto materialista não materialismo dialético constitui historicamente o ponto
pode ser reduzido ao lado inverso· de uma posição (idea- de inversão e de deslocamento para um outro terreno;
lista) no interior de um mesmo e único par metafísico, mas, b) porque a contradição, a reflexão da contradição, é
ao contrário. como assinalava Sollers em "Lénine et le certamente o motivo fundamental de um texto materia-
matérialisme philosophique" (Tel Ouel, n° 43). ele está em lista, recalcado-reprimido (ideológica e politicamente)
. p~sição dissimétrica relativamente ao discurso idealista - durante séculos, e cujas dificuldades de elaboração já
ele excede à correspondência linear com esse último. mencionadas não nos deveriam deixar esquecer que em
Então, para abordar um aspecto da discussão em cur- seu fundo dialético ele excede o discurso metafísico (o
so, e notadamente no terreno da questão dos "velhos texto materialista não é inteiramente capturado por esse
nomes", não pensa você que se passa com o conceito de último). na medida em que aquilo que foi denominado
c?ntradição o que se passa com o de inconsciente quando "espírito" ou "consciência" é concebido, pelo materialis-
você é levado a determinar o inconsciente freudiano como mo, como uma das formas da matéria (desde Lucrécio,
marca de uma "alteridade" "definitivamente subtraída a todo por exemplo, ao falar da "natureza corporal da alma e do
processo de apresentação pelo qual nós a convocaríamos a espírito"). ela própria determinada fundamentalmente,
se mostrar em pessoa" e que, assim, se Freud dá a essa enquanto conceito filosófico, por sua "propriedade 'úni-
"alteridade" "o nome metafísico de inconsciente", o conceito ca"', como diz Lênin, "de ser uma realidade objetiva, de
. designado,
assim . tal como ele funciona na economia da existir fora de nossa consciê,ncia", ou, para retomar um

30 31
enunciado recente, que opera no campo de uma análise marxista, de um texto marxista homogêneo que libertaria
materialista dialética das práticas significantes, como aqui- instantaneamente o conceito de contradição de seu hori-
lo que "não é o sentido", como aquilo que "não existe zonte especulativo, teleológico, escatológico. Se quiser-
sem ele, fora dele e apesar dele" (Kristeva)·, definindo- mos localizar onde se situa aquilo que você denomina "o
se, no mesmo gesto, essa heterogeneidade radical (ma- recalcado" da filosofia, notadamente no que concerne à
téria/sentido) "como campo da contradição". matéria e à contradição, será preciso recuar não apenas a
Marx c, no mínimo, a todo um estrato do texto que ele
Mas seria preciso pedir-lhe, se possível, que preci-
abriu, mas a um ponto muito mais distante, como ele pró-
sasse o que poderia ser o estatuto da "différance" e da
prio o sabia, indo até àqueles que chamamos de "materi-
lógica que ela implica, relativamente à contradição, a qual.
alistas gregos", enfrentando problemas de leitura e de
podemos lembrar, a fim de permitir, desde já, que pas-
"tradução" bastante difíceis, cujos resultados são difíceis
semos para outras questões, Kristeva definia nesse mes-
de antecipar em nosso léxico. De uma cêrta maneira, es-
mo texto ("Matiere, sens, dialectique", Te/ que/, n° 44)
tamos aqui na fase dos balbucios. (Em "A dupla sessão",
como "matriz da significação".
me limitei a remeter, em alguns pontos isolados, ao ryth-
Oerrida: Não posso dar-lhe aqui uma resposta muito mos democritiano (escrita e ritmo ao mesmo tempo), ter-
diferente da que dei a propósito do conceito de "maté- mo importante, parece, de um sistema que Platão quis,
ria". Não creio que haja um "fato" que nos permita dizer: sem dúvida, reduzir ao silêncio ao "ontologizá-lo".35 En-
n'o texto marxista, a contradição, a dialética escapa foge quanto esse trabalho, que supõe um itinerário de leitura
d'a dominação metafísica. Por outro lado, você diz, citan- imenso e minucioso, não for feito, e isso levará muito tem-
do Lênin, "propriedade únicà" d~ "ser uma r«::alidade ob- po, ele permanecerá, nesse campo, uma indeterminação
jetiva, de existir fora de nossa consciência". Cada elemento fundamental. Não que todo processo científico possa fi-
dessa proposição coloca, você eleve reconhecer, sérios car dependente de uma descoberta filológica, mas a es-
problemas. É preciso problematizar aí todos os sedimen- colha estratégica dos significantes (os quais estamos
tos que são herdados da história da metafísica. Se, verda- discutindo aqui) não pode ser inteiramente independente
deiramente, essa proposição governasse, em última dessas leituras históricas.
instância e sob essa única forma, o texto filosófico de Lê- Houdebine: Considero-me em completo acordo com
nin, não seria ela que me convenceria de sua ruptura com você quanto a esse ponto e jamais pretendi que houves-
a metafísica. Agora, por toda parte e na medida em que o se um texto marxista totalmente homogêneo relativamen-
motivo da contradição funcionasse efetivamente, em um te ao conceito de contradição. Eu me perguntava apenas
trabalho textual. fora da dialética especulativa, e tendo se não se pode considerar que há em toda tomada de
em conta uma nova problemática do sentido (pode-se posição materialista, em seu fundo (e é por isso que eu
dizer que ela foi elaborada na obra de Marx e na de evocava o verso de Lucrécio que apontava para a "nature-
Lênin? E seria antimarxista duvidar disso? Não existem za corporal da alma e do espírito"), e inscrito de uma ma-
suficientes necessidades históricas para explicá-Ia, justifi- neira estruturalmente necessária, o duplo motivo da
cá-Ia?), eu concordaria. Como se pode ver, uma vez mais, "matéria" e da "contradição"; o que me levava então a lhe
não creio que se possa falar, mesmo de um ponto de vista colocar novamente, mas sol;> um outro ângulo, a questão

112 113
da relação entre a lógica que deriva desse duplo registro
sumária, é óbvio. (Falo de contradição e de dialética, desse
"matéria/contradição" e a lógica implicada no motivo da "dj- ponto de vista, em um dos textos sobre Artaud).
fférance": relação tornada necessária pelo fato mesmo de
que seu trabalho pode ser concebido, como você o subli- Houdebine: Uma vez que somos levados a falar outra
nhou, como uma crítica do idealismo; e questão, ela pró- vez de Hegel, é talvez o momento de introduzir uma outra
pria necessária, na medida em que os dois tipos de lógica questão, que toca uma questão anteriormente posta quanto
colocados em causa não se sobrepõern ele uma maneira à relação entre seu trabalho e o texto "literário", isto é, um
exata. Por exemplo, você concebe atualmente em seu tra- certo tipo de funcionamento significante. Penso especial-
balho, que você desenvolveu a partir de uma economia na mente em seu estudo "O poço e a pirâmide" (introdução à
qual o conceito de contradição não aparece, a possibilida- semiologia de Hegel)": o que torna o texto de Hegel parti-
de de uma relação com a economia implicada no motivo cularmente fascinante, entre outras coisas, é que nele en-
"matéria/con trad ição "? contramos esse processo de "reapropriação do sentido",
levado a seu grau de complexidade dialética mais elevado
Derrida: O conceito de contradição não ocupa a cena (você foi, assim, levado a escrever na Gramatofogia: "He-
de frente pelas razões que eu indicava há pouco (relação gel, último filósofo do Livro") e, ao mesmo tempo, essa
com Hegel: "Esse senhor precisa de tempo para ser dige-
prática de uma lógica significante, atenta à sua própria
rido", Engels, a propósito de Hegel; carta a C. Schmidt de
inscrição na língua, na cena da língua (e você acrescenta:
1/11/1891). Mas quanto ao núcleo ou, antes, à distância Hegel, "primeiro pensador da escrita"); em relação a Hegel.
- que constitui o conceito e os efeitos de contradição (djffé- pois, o que deve caber, na sua opinião, ao processo da
rance e conflito etc.), o que escrevi me parece completa- dialética hegeliana enquanto tal? Oual é o papel da "escri-
mente explícito. - ta" em Hegel? E se você efetua, relativamente a ele, um
Houdebine: Talvez pudéssemos, então, precisar mais "deslocamento ínfimo e radical", pode-se perguntar, en-
o sentido de nossa questão colocando-a em um campo tão: ao efetuar esse deslocamento, você o faz por meio da
mais preciso. passagem a um terreno inteiramente exterior (mas ele é "o
primeiro pensador da escrita")? Em caso negativo, qual
Scarpetta: Em "A palavra soprada", por exemplo, você
seria, para você, no hegelianismo, o papel daquilo que o
fala da relação de Artaud com a metafísica; você sublinha
texto marxista denominou, por sua vez, de "núcleo racio-
que ao mesmo tempo que I\rtaud apela ao sistema da
nal" da dialética hegeliana?
metafísica, ele o abala, o destrói, o excede, em sua práti-
ca. Essa prática de abalo, de excesso, de destruição, não Derrida: Para responder de uma maneira imedia-
lhe parece derivar de uma lógica da contradição, desem- ta, eu diria: nunca em um terreno completamente ou sim-
baraçada de seus investimentos especulativos? plesmente exterior. Mas sua questão é muito difícil. Não
concluiremos jamais a leitura ou a releitura do texto hege-
Derrida: Sim, por que não? Desde que se determi-
liano e, de uma certa maneira, não tenho feito outra coisa
ne o conceito de contradição com as precauções críticas
do que me explicar sobre essa questão. Creio, na verdade,
necessárias e se elucide sua relação ou sua não-relação com
que o texto de Hegel é necessariamente fissurado; que ele
a Lógica de Hegel. Estou dizendo isso de forma muito
é mais do que a clausura circular de sua representação,

!l4
!lS
que ele é outra coisa que não essa clausura. Ele não se e decapitação, e também desenvolvimento genético ou
reduz necessariamente a um conteúdo de filosofemas; orgânico da "semente" ou do "gérmen"). Tomadas isolada-
além disso, ele produz, necessariamente, uma potente mente elas seriam insuficientes, mas em sua "contradiç50"
operação de escrita, um resto de escrita, cuja estranha ativa elas produzem todo um outro efeito. Existem ainda
relação com o conteúdo filosófico é preciso reexaminar, muitas outras. Jh Nessa profusão escrita de figuras, cada uma
isto é, é preciso reexaminar o movimento pelo qual ele delas, isoladamente, nos remeteria, por vezes, para aquém
excede seu querer-dizer, pelo qual se deixa desviar, re- de Hegel, mas se jogadas umas contra as outras, elas tor-
tornar, pelo qual ele se deixa repetir fora de sua identi- nam possível a tarefa prática e teórica de uma nova defini-
dade consigo mesmo. Pode-se encontrar, a esse propósito, ção da relação entre a lógica do materialismo dialético e a
indicações muito interessantes, embora provavelmente lógica hegeliana. Ela contribui, além disso, para o re-exa-
insuficientes, em Feurbach, o qual ao menos colocou o me geral do espaço histórico que chamarei, por comodida-
problema do Hegel escritor, o problema de uma contra- de, de o após-Hegel, bem como para as novas questões
dição (a palavra é dele) entre a escrita de l-regel e Seu sobre a escrita, sobre a escrita filosófica, sobre a cena da
"sistema". Não posso ocupar-me agora disso, mas o farei escrita e a fi losofia. Isso não pode ser feito a não ser re-
em um texto que deve ser publicado neste inverno. inscrevendo-se esses textos em sua força de escrita e colo-
E tudo isso, toda essa questão do "núcleo racional" cando, para o exemplo que nos preocupa, o problema da
(é nesses termos que essa questão deve ser formuladé.l língua de Lênin, do campo histórico no qual ele escreveu,
hoje? Não estou seguro disso) não pode ser elaborada, da situação muito precisa e da estratégia política que re-
na verdade, a não ser passando em particular pela leitura gram a formação de seus textos etc.
de Hegel por Marx, por Engels, por Lênin, em seu Cader- Houdebine: Eis-nos levados, se possível, a colocar
nos sobre a dialética, entre outros textos seus, que mere- outras questões. Ao longo de sua trajetória, você foi le-
cem uma atenção textual. um tipo muito específico de vado a se apoiar - por exemplo, por meio de uma leitu-
leitura, que não foi possível fazer até há pouco, mas que ra de textos como os de Mallarmé ou de Artaud, mas
'se torna agora mais difundida (é o princípio de seu texto também em toda a Gramatologia - em um conceito como
em Théorie d'ensemble, dos textos de Sollers e de Ch. o de significante, proposto pela lingüística, conceito que
Glucksmann sobre Lênin, em Tel Ouel e, de uma maneira você reinscreve, estrategicamente, em uma outra cadeia
geral, dos trabalhos do grupo Tel Quel - pretexto, para (dj{férance/escrita/rastro). relativamente à qual você o
mim, para evocar aqui uma solidariedade e um apoio situa em posiç50 de dependência. Dependência comple-
regularmente mantidos, como vocês sabem, há mais de xa, entretanto, uma vez que no conceito de significante se
5 ou 6 anos). Que faz Lênin quando escreve, frente a um marca também, em seu próprio texto, uma outra e segun-
enunciado hegeliano, "leiam!" (interpretem? transfor- da cadeia, a qual não se reduz (ao menos em minha opi-
mem? traduzam? compreendam?)? Sigam, além disso, nião) à primeira: exterioridade-heterogeneidade do
todas as "met;)foras" por meio das quais Lênin tenta de- signifiGlllle (você falêl também de corpo, ele uma "escrita
terminar a relação entre o materialismo dialético e a Lógi- do corpo") relalivêlmente a essa aprcens~o direta do sig-
ca hegeliana, metáforas à primeira vista incompatíveis nificado de acordo com o tema clássico da metafísica, na
entre-si ("gênio", "pressentimento" e "sistema", inversão proximidade imediata, de si para si, de uma consciência.

66 37
Desta forma, ao motivo da diffàancc corno "possibilidade b) De onde se segue uma segunda questão: que rela-
da conceptualidade, db processo e do sistema conceitual ção, na sua opinião, pode manter uma problemática da escri-
em geral", junta-se necessariamente um outro motivo por ta, tal como você a definiu, com a problemática do significante,
meio do qual essa "possibilidade" é, ela própria, determi- tal como foi desenvolvida por Lacan, na qual o significante
nada como não remetendo nunca a um ego transcendental "representa o sujeito para um outro significante"?
(a unidade de um "eu penso"). mas como se inscrevendo,
ao contrário, em uma exterioridade radical ao sujeito, o Derrida: Em primeiro lugar, não vejo muito claramen-
qual "não se torna sujeito falante a não ser transacionando te por que a noção de espaçamento, ao menos tal qual eu
com o sistema das diferenças lingüísticas", ou. ainda, "não a pratico, pode ser incompatível com o motivo da hetero-
se toma significante (em geral, por meio da palavra ou de geneidade ...
outro signo) a não ser ao se inscrever no sistema das dife- Houdebine: Não, eu não disse isso; permito-me re-
renças". Ora, essas "diferenças", como você também o diz, tomar a questão: o motivo da heterogeneidade é inteira-
não "caíram do céu", "não estão mais inscritas em um topos mente recoberto pela noção de espaçamento? Com
noetos do que prescritas na cera do cérebro"; elas seriam alteridade e espaçamento, não estamos na presença de
inclusive "desde o início - e inteiramente - históricas", "se dois momentos que não são idênticos entre si?
a palavra 'história' não comportasse em si mesma o motivo
de uma repressão final da diferença". Derrida: Efetivamente, esses dois conceitos não sig-
nificam exatamente a mesma coisa; isso dito, creio que
Temos, então, dE:. colocar várias questões:
eles são absolutamente indissociáveis.
a) Que se passa, então, com essas "diferenças" que,
Houdebine: Completamente de acordo; eu dizia nos
efetivamente, não "caíram do céu"? Que pode designar
considerandos de minha questão que ele-s estavam dia-
esse "movimento de jogo que (as) produz?", em face de
leticamente, isto é, contraditoriamente ligados.
uma "história" recusada em última inst5ncia como "repres-
são final da diferença", se pensarmos que o motivo da Derrida: O espaçamento não designa nada, absolu-
heterogeneidade não pode se deixar pensar sob o tema tamente nada, nenhuma presença a distância; trata-se do
único do espaçamento, na medida em que no motivo da índice de um lado de fora irredutível e, ao mesmo tempo,
heterogeneidade está implicado o duplo momento (trata- de um movimento, de um deslocamento que indica uma
se do movimento de uma contradição) de uma diferença alteridade irredutível. Não vejo como se poderia dissociar
(vazio, espaçamento) e da posição de uma alteridade. Não esses dois conceitos, de espaçamento e de alteridade.
podemos pensar que essas "diferenças", consideradas aqui
Houdebine: Mas permito-me repetir: não se trata, ab-
como diferenças lingüísticas, como tipos de significantes
solutamente, de uma questão de dissociar esses dois con-
lingüísticos, derivam sempre daquilo que Lacan chama "o
ceitos. Se você preferir, vamos fazer o impacto dessa questão
simbólico" e, portanto, que elas se ligam por essência (e
não apenas de uma maneira factual, como deriva fenome- incidir sobre um campo mais preciso, indicado na minha
nal de uma "différance" ou "movimento de jogo que lasl pergunta de há pouco: o do estatuto dessas diferenças que
produz") com a prática social sob o aspecto de seus mo- "não caíram do céu", dessas diferenças lingüísticas ...
dos de produção significantes (de suas linguagens)? Derrida: Não apenas lihgüísticas.

Illl U9
Houdebinc: De fato; mas o espaçamento enquan- não vollnrei a isso. Tenho, pois, regulilrmente clestacado o
to tal, em sua acepção estrita, em minha opinião, não movimento pelo qual a palavra "significante" nos reconduz
pode, por si só, dar conta, por exemplo, do sistema ou nos mantém no círculo 10gocêntrico.'R
das diferenças lingiHsliGls no qlléll um sujeito é chama-
Ouanto aO outro tlspecto ela mesma C]uesti'ío, que di7.
do a se constituir.
respeito a um texto difícil e específico, vou tentar me ex-
Derrida: Está bem. É evidente que o conceito de plicar, ao menos brevemente, de um modo indicativo e
espaçamento, por si só, tal como ocorre com qualquer progrLlInático. I\f também - quer se trate do discurso ela
outro conceito, não pode dar conta de nada. Ele não pode psicanálise em geral ou do discurso de Lacan - nada é
dar conta das diferenças - dos diferentes - enlre os quais clado e nenhum elado é homogêneo.
se abre o espaçamento que, entretanto, os delimita. Mas Sobre a noçã~ de significanle, já disse a vocês como
esperar desse conceito um princípio explicativo de todos eu a entendo. O mesmo vale, pode-se logo dizer, para as
os espaços determinados, de todos os diferent~s, signifi- noções de representação e de sujeito.
caria atribuir-lhe uma função teológica. O espaçamento
Para tornar esse ponto mais preciso, mas sem en-
certamente opera em todos os campos, mas justamente
compridá-Io ("A dupla sessão" trata precisamente Id'l o
enquanto campos diferentes. E sua operação é, aí, cada
ponto, Id'l o comprimento, Id'l a castração e Id'l a disse-
vez, diferente, cada vez, articulada de uma outra forma H
minação). mas sem rodeios diante de uma questão que
Quanto à utilização que faço, por vezes, do conceito não se resume a três átomos conceituais, para tornar esse
de significante, ela também é deliberadamente equívoca. ponto mais preciso, pois, a respeito daquela que poderia
Dupla inscrição, ainda. (O encclamenlo da desconstrução, ser minha "posição" sobre isso, é inútil lembrar, primeira-
que não é uma decisão voluntária O'U um começo absoluto, mente, que desde a Cramatologia (1965) e "Freud e a cena
não ocorre em lugar nenhum nem em algum outro lugar clZI escritura" (1966), lodos os meus textos têm inscrito
absoluto. Sendo, justamente, encetamento, ele se institui aquilo que chamarei sua implicação psicanalítica? Não se
de acordo co~ linhas de força e de forças de ruptura loca- segue disso que nenhum dos anteriores não o tenha feito
lizáveis no discurso a clesconstruir. A determinação tópica ("Força e significação", "Violência e metafísica", "A palavra
. e técnica dos lugares e cios operadores mais necessários soprada" etc.}.A questão é, pois, a cada vez, novamente
Ipontos de entrada, pontos de apoio, alavancas etc.1 em colocada. Explicitamente, expressamente, mas também
um situação dada depende de uma análise histórica. Essa ao lidar, na escrita e no arranjamento textual, com o espa-
se faz no movimento geral do campo; ela nunca é exaurida ço em branco ou o espaço de jogo determinados que eram
pelo cálculo consciente de um "sujeito"). Por um lado, o impostos pela articulação teórica ainda por vir entre a nova
significante é uma alavanca positiva: defino, assim, a escri- questão geral elo grama - e da especificidade de cada tex-
ta como a impossibiliclade que tem urna cacleia de se de- to (questão que se tornava, então, efervescente) - e a ques-
terem um significado que não a põe de novo em movimento tão ela psicantílise. Em cada texto, como se pode verificar,
por se ter, jtí, colocado em posição de substituição signifi- esforço-me, pois, por fazer com que, a propósito dessa ar-
cante. Nessa fase de inversão, opomos, por insistência, o ticulação indispensável, as novas premissas teóricas e prá-
)
pólo do significante à autoridade dominante do significa- ticas tais como eu as considero não cerrem ele antemão a
do. Mas essa inversão, necessária, é também insuficiente: problemática, não sejam pérturbadas por interferências

90 91
prematuras e sem estatuto rigoroso, em suma, que mante- I Erinnerungl, significação, semantização, autonomia, lei etc.).
nham uma forma tal que elas não sejam, sobretudo, des- aquilo que Lacan - respondo agora à sua questão - chama
qualificadas pelos resultados ulteriores (o que continua, de ordem do "simbólico". Escapa-lhe e desorganiza-o, fá-lo
evidentemente, sempre possível: é por isso que eu disse derrapar, marca-o com sua escrita, com todos os riscos que
"esforço-me". E, seja dito de passagem, esse esquema tam- isso possa comportar, sem se deixar, no entanto, conceber
bém vale, mutatis mutandis, para a relação entre a gramato- sob as categorias do "imaginário" ou do "real". Não me con-
logia e o marxismo). Tratava-se, então, ao iniciar, prática e venci nunca da necessidade dessa tripartição conceitual. Ao
teoricamente, esses novos modos de articulação, de fraturar menos sua pertinência permanece interior à própria siste-
uma clausura ainda tão hermética: a clausura que mantém a mática que coloquei em questão. J9 Se você quiser verdadei-
questão da escrita (em geral, mas, especificamente, a escrita ramente questionar, desse ponto de vista particular, a
filosófica e literária) ao abrigo da psicanálise, mas também a disseminação, isso seria não apenas a possibilidade que tem
clausura que torna tão freqüentemente o discurso psicanalí- uma marca de se c1ivar'o (ver o jogo dessa palavra clínica em
tico cego a uma certa estrutura da cena textual. . "A farmácia de Platão", em "A disseminação" e em "A dupla
Vejo hoje, pois, desenhar-se um programél de trabél- sessão"). a força - a força de repetição e, portimto, de auto-
lho, de minha parte e nél meclida em posso antecipá-lo, malicidade c de exportação - que lhe permite romper sua
. no campo d' "A disseminação" (no texto que leva esse ligação com a unidade de um significado que não existiria
título e do qual se poderia dizer precipitadamente que sem ela, de fazer saltar esse ágrafo e de desfazer o edredom
tem por "temas" expl(f:itos a coluna, o corte IcoupureJ, o do "simbólico" (creio que cito, de forma pouco precisa, uma
golpe lcoupl, o hímen, a castr?ção, em sua relação com o passagem de Lautréamont sobre o eider - seria preciso ve-
dois, o quatro, com uma certa trindade edipiana, com a rificá-lo). Mas é também a possibilidade (essa é a abertura
dialética, com a suprassunção, com o "é", com a presença geral da desconstrução prático-teórica, a qual não é simples-
etc., e com conjunto das questões que me preocuparam mente inventada de um dia para o outro) ou, se preferirem,
em outros es'critos). na "Farmácia de Platão" (mesma ob- de descoser (trata-se do "descosê-Ias" de "A farmácia de Pla-
servação) e n' "A dupla sessão" (mais diretamente nas im- tão")" a ordem simbólica em sua estrutura geral e em suas
pl,icações das notas 8, 9, 10,53,55,61 etc., mas praticamente modificações, nas formas gerais e determinadas da sociali-
por toda parte). Da forma como isso aparecia nesses textos dade, da "família" ou da cultura. Violência efetiva da escrita
e em "A mitologia branca", para aqueles que estão dis- disseminante. Arrombamento marcante do "simbólico". Toda
postos a lê-los, o título mais geral do problema seria: cas- possibilidade de desordem e de desorganização do simbó-
tração e mimesis. Só posso, aqui, remeter para essas lico a partir da força de um certo lado de fora, tudo aquilo
análises e suas. conseqüências. que força o simbólico derivaria do especular (do "imaginá-
O conceito de castração é, efetivamente, indissociá- rio"), até mesmo de um "real" determinado como o "impos-
. vel. nessa análise, do de disseminação. Mas esse último sível"? Da esquizofrenia ou da psicose? Nesse caso, quais
situa o mais e menos que resiste indefinidamente ao - conseqüências seria preciso extrair disso?'2 É essa brecha
situando, da mesma forma, aquilo a que ele resiste - efeito que, sob o título de disseminação, me interessa.
),
de subjetividade, de subjetivação, de apropriação (su- Não digo que o "simbólico" (para continuar utilizan-
prassunção, sublimação, idealização, re-interiorização do uma palavra cuja escolha sempre me deixou perpleJ(o)
i

92

I 93
não se constilua de (ato, não constitua a solidez de uma
(não digo "produz" ou "constitui") a substituição sem fim;
ordem (trata-se também da ordem da filosofia) e que ele
ela não detém nem vigia o jogo ("Castração - em jogo, scm-
não seja estruturalmente chamado a se constituir e a se
pre ... '').~s Com todos os riscos mas sem o phalos metafísico
reconstituir sem cessar (linguagem, lei, "tríade intersubje-
ou romântico da negatividade. A disseminação "é" esse ân-
tiva", "dialética intersubjetiva", verdade falante etc.). Mas
gulo de jogo da castração que não se significa, que não se
a disseminação, se designa aquilo que não se dcixa inte-
deixa constituir ncm em significado nem em significante, que
grar ao simbólico, não constitui, entretanto, sua simples
não se apresenta mais do que se reprcsenta, que não se
exterioridade, sob a forma do fracasso ou do impossível
mostra mais do que se esconde. Ele não tem, pois, em si
(imaginário ou real): mesmo que, do interior calafetado do
mesmo, nenhuma verdade (adequação ou desvelamento)
"simbólico", se tenha todo interesse em ·se deixar levar por
nem nenhum véu. Trata-se daquilo que chamei "a gráfica do
sua ardilosa semelhança com essas duas formas. O que fal-
hímen", que não mais se mede pela oposição véu/não véu.'6
ta, pois, não é, talvcz, a ficção (e seria preciso ainda anali-
sar cuidadosamentc essc conccito). mas o simu·lacro: uma Scarpetta: Eu gostaria, então, de perguntar qual é a
estrutura de duplicidade que joga e duplica a rclação dual, relação que você estabelece entre a disseminação e a
intcrrompe mais eficazmcnte, mais "realmentc·" (nós a me- pulsão de morte.
dimos pelos efeitos de reação) tanto o especular (a ser re-
Derrida: A relação mais necessária. A partir de Além
pcnsado, pois) ou o próprio quanto o "simbólico"; uma
do princípio do prazer e de Das Unheimliche (cujo per-
estrutura de duplicidade que já não se deixa controlar por
curso é de uma enorme dificuldade) e de tudo o que se
uma problemática da fala, da mentira e da verdade. Vio-
encontra aí ligado, nos textos anteriores ou posteriores,
lência efetiva e efeitos inconscientes do simulacro.
devemos reconstruir uma lógica que, sob muitos aspec-
Lapidarmente: a disseminação figura aquilo que não tos, parece contradizer ou, de qualquer forma, singular-
retoma ao pai.') Nem na germinação nem na castração. Ten- mente complicar todo o discurso explícito e "regional" que
tem controlar os movimentos dessa proposição e, no per- Freud propôs sobre a "literatura" e sobre a "arte". À "pul-
curso, no caminhar, vocês encontrarão (marca) e perderão são de morte", a um certo dualismo e a um certo conceito
(~argem) o limite entre a polissem ia e a disseminação. de repetição, aos dois textos que acabo de mencionar, me
Escrever - a disseminação - não será levar em conta referi frcqüentemente, em particular em "/\ di{(érance" e
a castração (com todo o seu sistema e de acordo coma em "A dupla sessão". Tudo isso exige (é nisso que trabalho
estranha aritmética que você evocava há pouco). ao colo- no momento) uma elaboração que estabeleça uma relação
car outra vez em jogo sua posição de significado ou de entre um novo conceito de repetição (em ação, mas de
significante transcendental (pois pode haver ~ambém um maneira não contínua, em Freud) e o valor de mimesis (e
significante transcendental: por exemplo, o phallus, como não, evidentemente, de mimetologismo, de representa-
correlato de um significado primeiro, a castração e o dese- ção, de expressão, de imitação, de ilustração etc.).
jo da mãe).~~ recurso último de toda textualidadc, verdade
Scarpetta: Isso poderia, então, nos conduzir a arti-
central ou verdade de última instância, definição semanti-
camcnte plena e n50-substituívcl desse vazio gerador (dis- ,
j cular uma outra questão sobre aquilo que se poderia cha-
mar o "sujeito da escrita": na medida em que você assinala,
seminador) em que o texto se lança? A disseminação afirma
por exemplo, que o "sujeito 'da escrita" não existe, se por

94
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isso entendemos um sujeito-mestre, e que seria preciso Derrida: Há, certamente, uma "relação" entre essas
entender por "sujeito da escrita" o sistema de relações entre duas definições do "sujeito". Para analisá-Ia, seria preci-
as própri<ls c<lmilcl<ls textuais, como poderí<llllos rcloll1<lr so, de qualquer forma, levar em conta aquilo que foi dito,
esse problema do "sujeito da escrita" a partir do conceito há pouco, sobre a disseminação e o "simbólico", o grama
de disseminação, e também a partir do que aí se articula, e o significante etc.
isto é, da dialética entre sublimação e pulsão de morte?
Houdebine: Uma última questão, se você estiver dis-
Derrida: Como você lembra, eu nunca disse que posto, que se articula com o desenvolvimento de conjun-
não havia "sujeito da escrita".H Também nunca disse que to de seu trabalho. Você escreve, em um de seus primeiros
não havia sujeito. Após as perguntas que me foram feitas textos publicados, "Freud e a cena da escrita" (1966) (Te!
quando da conferência sobre "A djf(érallce"~R, fui levado a Oue!, n° 26), embOra recusando as pretensões de uma
lembrar isso a Goldmann que também se preocupava sociologia da literatura - e estamos em completo acordo
muito com o sujeito e com a questão de saber. onde ele com você, que "a social idade da escrita como drama re-
tinha ido. É preciso apenas reconsiderar o problema do quer toda uma outra disciplina".
efeito de subjetividade tal qual ele é produzido pela es- Como você determinaria hoje esta "toda uma outra dis-
trutura do texto, o problema do que eu chamava há pou- ciplina"? Que relação ela manteria com uma semiótica e uma
co como o texto geral - seu "bloco" - e não apenas do semanálise que se desenvolvessem de acordo com uma base
texto lingüístico. Esse efeito é, possivelmente, insepará- lógica que fosse dialética materialista? O que significa ne-
-- vel de uma certa relaç:ão entre sublimação e pulsão de cessariamente colocar, como um último prolongamento da
morte, de um movimento de- interiorização-idealização- pergunta, a questão da relação entre o "conceito" de escrita
suprassunção-sublimação etc., c, ·portanto, de um certo e o conceito marxista de prática e, particularmente, o de
reca/camento. E seria ingenuidade desconhecer a neces- prática significante, tal como, precisamente, ele se consti-
tuiu em objeto de conhecimento de uma semiótica e de
sidade desse. movimento e, mais ainda, levantar qualquer
uma semanálise de base lógica dialética materialista, essa
"condenação" moral ou política contra ela. Sem ele não
última se determinando igualmente a partir de uma inter-
haveria, efetivamente, nem "sujeito", nem "história", nem
venção da psicanálise, absolutamente necessária assim que
"simbólico" etc. Tampouco, aliás, apenas com ele. Seria
abordamos o campo das práticas significantes.
preciso, pois, reexaminar todos esses conceitos naquilo
que aparece, cada vez mais claramente, como sua conca- Mas seria preciso, sem dúvida, falar também da re-
tenação, o que não quer dizer sua sobreposição ou iden- troação do texto moderno sobre os próprios procedimen-
tos de análise, daquilo que está implicado, nessa prática
tidade. Não posso dizer nada mais de improviso, a não
textual contemporânea, de excesso relativamente a uma
ser que você precise mais sua questão.
certa lógica do conhecer, a uma certa lógica científica.
Scarpetta: Por exemplo, deve-se admitir uma c1i- Último aspecto da questão, possível de levar a uma
vagem radical entre "sujeito da escrita" e aquilo que La- espécie de conclusão provisória desta entrevista: como
can chama "sujeito" como "efeito do significante", como você concebe hoje este processo de conjunto (que é certa-
produzido no e pelo significante ou, ao contrário, essas mente difícil de pensar de outra forma que não seja sob a
duas noções podem ou devem se encontrar? de um processo contraditório', dialético) e sua eficácia na

96 97
cena ideológica atual, o que ele é capaz de aí transformar,
a forma das relações entre um conceito transformado da
seus possíveis limites, seu futuro?
"infraestrutura", se preferirem, da qual o lexto geral não
Derrida: Na frase que você menciona, "drama" era seria mais o "efeito" ou o "reflexo"~9 e o conceito transfor-
uma citação, como você o reconheceu; era mesmo uma ci- mado elo "ideológico". Se o que está em questão nesse
tação dupla. trabalho é uma nova definição da relação de um texto de-
Partamos, por exemplo, do conceito de prática. Para terminado ou de uma cadeia significante com seu lado de
definir a escrita, o grama, a différance, o texto etc., eu sem- fora, com seus efeitos de referência etc. (cf. mais acima).
pre insisti nesse valor de prática. Em conseqüência, em to- com a "realidade" (a história, a I uta de classes, as relações
das aquelas ocasiões em que, desse ponto de vista, se ele proelução etc.). não podemos mais nos contentar com
elaborou uma teoria geral, uma prática-teórica geral da "prá- as antigas elelimitações nem mesmo com o antigo conceito
tica significante", eu aprovei sempre a tarefa assim definida. ele delimitação regional.\O O que se produz na agitação atual
Suponho que você se refere aos trabalhos ele lulja Kristeva. é uma re-avaliação da relação entre o texto geral e aquilo
É também evidente que, no campo de uma descons- que acreditávamos ser, sob a forma da realidade (históri-
trução das oposições filosóficas, deve-se primeiramente ca, política, econômica, sexual etc.). o simples lado de fora
analisar a oposição praxis/theoria; além disso, ela não pode referível da linguagem ou da escrita, estivesse esse lado ele
mais simplesmente governar nossa definição do prático. fora quer em simples posição de causa quer em simples
Também por essa razão, a desconstrução sistemática não posição de acidente. Os efeitos, na aparência simplesmente
pode ser uma operação simplesmente teórica nem sim- "regionais" daquela agitação têm, pois, ao mesmo tempo,
plesmente negativa. É preciso cuidar indefinidamente uma abertura não-regional, destruindo seus próprios limi-
para que o valor de "prática" não-seja "reapropriado". tes e tendendo a se articular, de acordo com modos novos,
sem presunção de domínio, com a cena geral.
Agora, qual pode ser a "eficácia" de todo esse traba-
lho, de toda essa prática desconstrutiva na "cena ideológi- (Publicado em Promesse, n° 30-31, outono e inverno
ca atual"? Não posso dar aqui mais do que uma resposta de 1971. Reproduzem-se aqui as notas da' redação).
em termos de princípio e assinalar um ganho. Esse traba-
lho parece tomar seu ponto de partida em campos limita-
dos, definidos como campos da "ideologia" (a filosofia, a
ciência, a literatura etc.). Parece, pois, que não há razão Notas
para se esperar dele uma eficácia história desmesurada,
I "Ela se propõe por uma marca muda, por um monumento tácito, eu
uma eficácia imediatamente geral. A eficácia, por ser certa,
diria mesmo por uma pirâmide, pensando, assim, não apenas na
não deixa de ser - de acordo com redes complexas - me- forma da letra quando se a imprime em tamanho grande ou maiús-
nos limitada, menos revezada, menos articulada, menos culas, mas no texto da Enciclopédia, de Hegel, no qual o corpo do
diferida. Mas, inversamente, o que está, talvez, para ser signo é comparado à Pirâmide egípcia". "La différance", in Théorie
reconsiderado é a forma de clausura a que chamávamos d'ensemble, p. 42. IReproduzido em Marges de la philophie, Éd. de
Minuit, 1972, p. 41. Essa alusão é desenvolvida em um ensaio con-
"ideologia" (sem dúvida, conceito a ser analisado em sua
temporâneo ("Le puits et la pyramide, Introduction à la sémiologie
função, sua história, sua proveniência, suas transformações). de Hegel", janeiro de 1968, in Hégel ef la pensée moderne, P. U. F.

93
99
I Reproduzido em Margcs ... , p. 791 que opõe também o discurso do 'I Outra série de palavras foneticamente próximas: marque (marcaI.
lagos, que extrai a verdade toda-falante do fundo de um poço à marge (em marginal) (margem). marche (marcha) (N.T.).
escrita, mais antiga que a verdade, que se marca na fronte de um ,. "A diferença em geral é já a contradição em si" ("Der lJntcrschicd
monumento (NR). übcrhaupt ist schon der Widerspruch an sich") (11. I. cg. 2 C). Ao não
'As expressões que se seguem são, em francês, homófonas: pronun- se deixar subsumir simplesmente sob a generalidade da contradi-
ção lógica, a différance (processo de diferenciação) permite realizar
ciam-se da mesma forma, mas têm significados diferentes. Tradução
um cálculo diferenciante dos modos heterogêneos da conflltuallda-
literal, pela ordem: sentido brilnco, sangue branco, sem branco, cem
de ou. se preferirmos. das contradições. Se falei mais freqüente-
brancos, aparência. (N.T.)
mente de conflitos de forças que de contradições foi. primeiramente.
) Cf. "La double séance" (Tel Qucl, n° ~O-~I IReproduzido em La por desconfiança crítica relativamente ao conceito hegeliano de con-
dissémination, Éd. du Seuil, 1972/ (NR!. tradição (Widerspruçh). o qual. além disso. como seu nome Indica. é
4 "Foyel" está empregado aqui no sentido de "ponto focal", mas é feito para ser resolvido no interior do discurso dialético. na imanên-
também "lareira". Derrida joga aqui com o fato de que as respectivas cia de um conceito capaz de sua própria exterioridade e de ter seu
etimologias de foyer e creuset têm a ver com luz, luminosidade: fora-ele-si junto-de-si. Reduzir a différance à diferença significa estar
foyervem do latim {o cus, fogo. e creuset. aquI traduzida por "crisol", muito atrasado relativamente a esse debate. A elipse do termo "con-
de uma palavra gálico-romanil que significava "lâmpada" (N.T.). tradição" se marca. por exemplo, nessa fórmula: "Escrlção Iscriptionl
, De la grammatologie, p. 40, "De I'économie restreinte à I'économie contra-dicção a reler" ("La dissémination". 11. Critique. 262. p. 245 e
générale". in L'écriturc ct la différcncc. e passim (NR). em "La pharmacie de Platon" ILa dissémination. p. 182 e 1\031. As-
sim. definido. o "indecidível", que não é a contradição na forma
• Cf. também "La djlférance". p. 58IMarges ...• p. 201. "Les deux écritu-
hegeliana da contradição. situa, em um sentido rigorosamente freu-
res". "L'écriture et I'économie générale". "La transgression du neu-
diano, o inconsciente da oposição filosófica. o inconsciente insensí-
tre e le déplacement de-I'Aufhebung". in L'écriture et la difference" vel à contradição na medida em que ela pertence à lógica da palavra.
(texto sobre Bataille. p. 385 sS.).-"Qusia et gramme: Note sur une do discurso, da consciência. da presença, da verdade etc.
note de Sein und Zeil" I Reproduzido em Marges.... p. 31/ (a propó-
" "La clifférance". p. 59 IMarges ... , p. 211. Cf. também a discussão que
sito das "fissuras" do "texto metafísico": "dois textos. duas mãos.
se seguiu, em 131111eCifl de la Société de philosophie (NR).
dois olhares, duas escutas" ' .. "a relação entre os dois textos ... não
pode, de forma alguma. se dar a ler na forma da presença, supondo- " Sobre o caráter irredutivelmente conflitivo da différance e da alte-
se que alr,uma coisa possa jamais se dar a ler sob umil till formil" (p. ridade que aí se inscreve. cf .• entre muitos outros lugares. "La e1irfé-
2)6-7). QUilnto a esse "duplo registro na pr;',tica grall1<ltológica" e rance", p. 46 IMarr,es .... pp. /l. 211. Quanto ~ rclilç~o com a diillética.
sua relação com a ciência. d. "Sémiologie et grammatologie". (en- d., por exemplo~ L'écriture et la différence, p. 36~.
trevista com lulia Kristeva) in Information sur les sciences sociaks, 11 L'écriture et la différence. passim. "La différance", pp. 50-I. "La
VII (3).1968. especialmente p. 11\8.ICf. supral (NR). mythologie blanche". passim I Marges .... pp. 11 e 2471 (NR).

7 Sobre a posiçãoe a pontualidade. cf. "La parole soufflée". in L'écriture 14 Alegro-me tanto mais que. segundo parece (mas não acredito nis-
et la di{férence, p. 292. Sobre a crítica da pontualidade, cf. La voix et so). já se pensaria o contrário em outro lugar. Não creio nisso por-
le phénomene e "Ousia et grammê" (NR). Eu acrescentaria: a assi- que isso equivaleria a manter uma vigilância sobre as renovações
natura está de si mesma afastada. teóricas. da mesma forma corno se cuida da chuva ou, equivaleria
até mesmo. a desejar instaurar uma estação dos prêmios teóricos (o
• Enquanto a série anteriormente apresentada ("blanc") jogava com a
que. afinal. representaria uma certa idéia do que valeriam a produção
homofonia', esta joga com a semelhança de pronúncia bem como
e o consumo nesse domínio). Isso equivaleria. de fato. a um mal-
com a etimologia de écart (afastamento). do latim quartus. sugerin-
entendido vulgarmente empiricista da sistemática textual, da ne-
do um parentesco etimológico (deliberildamente falso). A tradução
cessidade. das formas e do tempo de Seu desenvolvimento.
literal da série, na ordem: quadrado, estatura (largura de ombros).
cartão (carta, mapa), carta constitucional. quatro (N.T.). " De la grammatologie. p. I ~2 (NR).

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li, Entre vários outros locais, cf, De la grammaColo{:ic, toda a primeira Verfallcn? Por que determinar como queda a passagem de uma
parte, passim (e, por exemplo: "O modelo enigmático da linha é, temporalidade a outra? E por que qualificar a temporalidade de
pois, precisamente aquilo que a filosofia n50 podia ver enquanto autêntica - ou própria (eigentlich) - e de inautêntica - ou imprópria
ela tinha os olhos abertos para o interior de sua própria história, - il partir do momento em que se suspendeu toda preocupação
Essa noite se desfaz um pouco no momento em que a linearidade ética? Poder-se-ia multiplicar essas questões em torno do conceito
- que n50 é a perda ou a ausência mas o recalcamento do pensa- de finitude, desde o ponto de partida na analítica existencial do
mento simbólico pluri-climensional- afrouxa SUil opress50 porC]ue Da,<;ein, justificado pela enigmática proximidade a si ou pela identi-
começa a esterilizar a economia técnica e científica que ela, por dade consigo do questionante (I;> 5) etc, Se optamos por interrogar
muito tempo, favoreceu, Desde há muito, com efeito, sua possibi- a oposição que estrutura o conceito de temporalidade é porque
lidade tem sido estruturalmente ligada à da econom ia, da técnica e toda a analítica existencial reconduz a isso", ("Ousia et grammc",
da ideologia, Essa ligação aparece nos processos de entesoura- pp. 25~-5, IMarges .. , p. 73-41 (NR),
mento, de capitalização, de sedentarilação, de hierarquização, da
li Poétique 5, pp, 2-8 IMarges. " , p, 251-7 ss,l, E toda a clarificação da nota
formação da ideologia pela classe daqueles que escrevem ou, an-
(, em "La c10uble sé,lIlce", I, Tel Oucl, ~ I ILa dis.~él11if)aCionl (NR),
tes, que dispõem de escribas" (p, 121\-9) e "Ousia et grammc", es-
pecialmente in fine ("Uma escrita que exceda tudo àquilo que a " "Ousia et gramme", p. 256, ss, IMarges"" p, 75, ssl (NR).
história da metafísica abarcou na linha, em seu círculo, em seu tem- "Parece-me que, das duas comunicações às quais remeto aqui, aquela
po e em seu espaço") (NR), da qual extraio essa última citação não é, .. pesar de tantos contra-
11 Mas é verdade que me interesso muito pela história da filosofia em sensos e incertezas (que se deve atribuir ao nível de escolaridade),
sua "autonomia reliltivil", Isso me parece indispensiÍvel: a crítica a mais insuficiente das duas, Devo ter a honestidade de reconhe-
teórica é também um "discurso" (ela é sua forma específica) e, se cê-lo e de evitar o amálgama,
ela deve se articular rigQ.fosamente com uma prática mais geral, é "Cf. 'La différance", p, 49, IMarges"" p. 111.
preciso que ela tenha em conta a mais potente formação discursi- " Um exemplo: "Se a palavra 'história' não carregasse com ela o mo-
va, a mais extensa, a mais durá~el, a mais sistemática de nossa tivo de uma repressão final da diferença, poderíamos dizer que tão-
"cultura", É sob essa condição que se evitará a improvisação empi- somente as diferenças podem ser, desde o início e inteiramente,
rista, as falsas descobertas etc., e que se dará um caráter sistemá- 'históricas', Aquilo que se escreve différance será; pois, o movimen-
tico à desconstrução, to de jogo que "produz", por meio daquilo que não é simplesmente
lOQuanto a esse ponto, permito-me remeter a "La mythologie blan- uma atividade, essas diferenças, esses efeitos de diferença, Isso não
'che", Poétique, 5, p, 18 e "Le puits et la pyramide", pp, 28-29, in quer dizer que a différance que produz as diferenças seja anterior a
Hegel et la pensée moderne, p, U, F, I Marges"" pp, 275 e 82-31, elas, em um presente simples e em si imodificado, in-diferente, A
19 Cf. especialmente De la grammatologie, p. 65 ss, e "Sémiologie et c/ifférance é a "origem" não-plena, não-simples, a origem estrutura-
grammatologie". da e diferante Ic/ifférantel das diferenças, O nome de 'origem', por-
tanto, já não lhe convém 1.,,1, Retendo, se não o conteúdo, pelo
10 Permitam-me lembrar aqui que o primeiro texto que publiquei era
menos o esquema da exigência formulada por Saussure, nós desig-
sobre, em particular, o problema da escrita como condição da cientilici-
naremos por c/ifférance o movimento pelo qual a língua, ou qualquer
dade (Introduction à L'origine c/a géolllctric, de Husserl, p, U, F" 1962),
código, qualquer sistema de reenvios em geral, se constitui 'historica-
" Após a citação de uma passagem de Heidegger sobre Fal/en e mente' como tecido de diferenças, 'Constitui-se', 'produz-se', 'cria-se',
Veda 1/: "Ora, não será a oposição entre o originário e o c/erivac/o 'movimento', 'historicamente' etc., devem ser entendidos, com todas
propriamente metafísica? Não será a busca da arquia em geral, quais- as suas implicações, para além da linguagem metafísica, na qual eles
quer que sejam as precauções com que se cerquem esses conceitos, estão presos, Seria preciso mostrar porque o conceito de produção, tal
a operação essencial da metafísica? Supondo-se que se possa sub- como os de constituição e de história, permanece, desse ponto de
traí-Ia, a despeito de fortes indicações em contrário, a qualquer ou- vista, cúmplice daquilo que está aqui posto em questão, mas isso me
tra proveniência, n50 haverá ao menos algum platonismo no levaria hoje muito longe - em direção à teoria da representação do

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'círculo' no qual nós p,Jr(:!cemos encerrados - e eu os utilizo aqui, tal necessária I il faut la veritél. É a lei. Parafrase<lndo Freud, falando
como ocorre com muitos outros conceitos, apenas por comodidade do pênis presente/ausente (mas é a mesma coisa). é preciso reco-
estratégica e para iniciar a desconstrução de seu sistema no ponto nhecer na verdade "o protótipo normal do fetiche". Como se pode
atualmente mais decisivo". Ibidem., pp. 50-1 I Marges ... , pp. 12-31. Cf. passar sem ela?
também, por exemplo, "La double séance", I. Tel Quel, ~ I, pp. 9-10 " No original: "La double séance" (double science, double sens,
ILa dissémination, pp. 235-61. Sobre a dissimetria dessa descontru- double scene), jogando, outra vez, com a aproximação fonética
ção, d, sobretudo, as notas 18 e 19. dessas palavras (N.T.).
17 Em minha resposta improvisada, eu havia esquecido que a questão l'I Para resumir o que o marca no interior do campo desconstruído,
de Scarpetta nomeava também o h istoricisfll o. É evidente que il citarei mais uma vez Nietzsche: "Renunciemos à noção de 'sujeito'
crítica do historicismo, em todas ilS suas formas, me parece indis- e de 'objeto', depois à de 'substância' e em seguida à de suas
pensável. Aquilo que primeiro aprendi dessa crítica em Husserl - diversas modificações como, por exemplo, a 'matéria', o 'espírito' e
(desde a La philosophie como science rigoureuse até L'origine de outros seres hipotéticos, à eternidade e à 'imutabilidade da maté-
la géométrie: essa crítica visa, sobretudo, a Hegel, seja diretamen- ria' ele. Livramo-nos, assim, da materialidade"'. Remeto também às
te, seja por meio de Dilthey), o qual, tanto quanto sei, foi o primei- suas Unzeitgemasse ... , 2.
ro a formulá-Ia sob esse nome e sob esse ponto de 'vista de um lO Permito-me lembrar aqui que os textos aos quais você fez referên-
exigência teórica e científica (matemática, sobretudo) - me parece cia (em particular, "La double séance", "La dissémination", "La
válido em seu esquema argumentativo, mesmo que, em última mythologie blanche", mas também "La pharmacie de Platon" e
análise, se apóie em uma teleologia histórica da verdade a respeito alguns outros) situam-se expressamente em relação a Bataille, pro-
da qual é preciso tornJr a colocar <l questão. Essa última fic<lri~ põem também explicitamente uma leitura de Bataille.
assim: podemos criticar o historicismo em nome de o.utra coisa qUt~
11 Sobre esse tema, e especialmente sobre os paradoxos da dissime-
não a verdade e a ciência (valor de universalidade, onitemporali-
tria e da alteridade, cf., por exemplo, "Violence et métaphysique",
dade, infinidade do v<llor etc.)? .E o que ocorre com a ciência se
in L'Ecriture et la différence.
colocou em questão o valor metafísico de verdade etc.? Como reins-
crever os efeitos de ciência e de verdade? Faço essa evocação 1] Nem constituir a heterogeneidade da "matéria" em transcendên-
sumária p<lra chamar a atenção para o fato de que no decorrer de cia, seja a da Lei, do Grande Objeto Exterior (severidade constituin-
nossa entrevista o nome de Nietzsche não foi pronunciado. Terá te e consoladora da instância paternal) ou a do Elemento
sido por acaso? Ele é, para mim, sobre aquilo que falamos nesse (apaziguador e/ou cruel) da mãe (ver o que Freud diz da relação
. exato momento, como sobre tudo o resto, como você sabe, uma bastante conhecida mãe/matéria em uma passagem em que ele
.referência muito importante. Enfim, não é preciso dizer que não coloca também em evidência aquilo que, para atravessá-Ia, n50 se
se trata, de forma alguma, de ter um discurso contra a verdade ou reduz à variação de significantes lingüfsticos, verbais. Illlroduction à
contra a ciência (isso é impossível e absurdo, tal como toda acusação la psychanalyse, trad. fr., Payot, p. 145, cf. também o fim de "Freud et
inflamada a esse respeito). E quando analisamos sistematicamente la scéne de I'écriture"). Isso não implica que a matéria não tenh<l
o valor de verdade como homoiosis ou adaequatio, como certeza qualquer relação necessária com essas Instâncias, mas, antes, que
do cogito (Descartes, Husserl). ou como certeza oposta à verdade se trata de uma relação de concatenação escrita, um jogo de substi-
no horizonte do saber <lbsoluto (Fcnomenologia do cspírito) ou, tuição de marcas diferenciais que a relaciona também com a escrita,
enfim, como aletheia, desvelamento ou presença (repetição hei- com o resto, com a morte, com o phallus, com o excremento, com o
deggeriana), não é para voltar ingenuamente a um empirismo rela- infante, com a semente, com o sêmen) etc., ao menos com aquilo
tivista ou cético (d. especialmente De la grammatologie, p. 232, "La que, em tudo isso, não se deixa suprassumir. E requer, pois, que não
dirrérance", Théorie d'ensemble, p. ~5 I Marges ... , p .. 71. Repetirei, se faça dela nem uma nova determinação essencial do ser do ente, o
pois, para aqueles que (se) mistificam para tê-Ia facilmente à ). centro de uma nova ontologia, nem um novo exemplo de palavras-
boca ou à mão. deixando a cargo dessa proposição e da forma de mestras, aquelas que Marx, por exemplo, definitivamente criticou em
seu verbo todos os seus poderes disseminadores: a verdade é A ideologia alemã (Ed. Sociales, p. 490, por exemplo).

104 10S
11 Te! Oue!. ~ I. pp. 6 e 35. I La disséminalion. pp. 203-9 e 2531. "Sémiologie et grammatologie". "La double séance". 11. ILa dissé-
minatiofl. p. 2841 (NR).
"Outra das séries mencionadas em notas <lnteriores do tradutor. SU<l
tradução literal. na ordem: crUZ<lmento. quadrifurcum. grade penei- ,., Sua questão sobre "aquilo que Lacan chama de simbólico" me
ra de vime. chave (N.T.). . convida a uma resposta de conjunto. a uma explicação de princípio.
se não. embora este não seja o lugar apropriado. a uma explicação
" Alé~ c~.a leitur~ das análises de l3enveniste que citei em "A dupla
detalhada. Tendo aceitado pela primeira vez a lei da entrevista e
ses~ao • tambem me orientaram nesse terreno os trabalhos e os
do modo declarativo. dela não me esquivarei. Sei. por outro lado.
enslllamentos de H. Wismann e de J. 13011ack. No decorrer de um
que alguns de meus amigos. por razões por vezes contraditórias.
seminário da École Normale. tentei interrogar. desse ponto de vis-
lamentaram minha neutralidade em relação a esse tema. Como
ta. o texto do Timeu e a noção tão problemática da chôra.
conseqüência. eis minha resposta. esquematicamente.
1<. Cr. "La mythologie blanche". especialmente. p. 5 IMarges ...• p. 2551.
Nos textos que publiquei até agora. a ausência de rcferências a
17 Ao reler essa passagem de nossa entrevista. dou-me conta de que ao Lacan é. com efeito, quase total. Isso não se justifica apenas pelas
precisar "não .apenas lingüísticas" (trata-se apenas da evocação de algo agressões que Lacan. na forma de reapropriação ou visando à rea-
sobre o quallllcansavelmente insisti). respondi. em tese. ao conjunto propriação. desde a publicação de De la grammatologie em Criti-
de sua questão. a qual pressupunha explicitamente que as diferenças
que 11965) le mesmo. segundo me dizem. bem antes). tem
eram "diferenças lingüísticas. tipos de significante lingüístico".
multiplicado. direta ou indiretamente. em particular ou em público.
Preciso uma vez mais que o espaçamento é um conceito que com- em seus seminários e. desde aquela data. como eu mesmo verifi-
por:a tamb~~. embora não apenas. uma significação de força pro- quei ao lê-los. em praticamente cada um de seus escritos. Tais
dutiva. positiva. geradora. Como disseminação. como différance. movimentos correspondiam. cada vez. ao csquema argumentativo
ele comporta um motivo genético; não é apenas o intervalo. o precisamente analisado por Freud (Traumdcutung). esquema que
e~paço constituído entrejois lo que quer dizer espaçamento tam- está sempre por trás. como mostrei (Grammatologie. "Pharmacie de " i

bem no sentido corrente). mas o espaçamento. a oper<lção ou. em Platon". "Le puits et la pyramide"). do processo tradicionalmente
todo caso. o movimento do afastàmento. Esse movimento é inse- instaurado contra a escrita. Trata-se do argumento conhecido como
parável da temporizaç50-temporalizaç50 Id. "La différance") e da "caldeirão", no qual se acumulam. para provar uma tese. asserçôes
différance. dos conflitos de força que estão aí em ação. Ele marca incompatíveis 11. Desvalorização c desdém: "isso não vale nada" ou
aquilo que af~sta de si. interrompe sua identidade consigo. todo "não concordo". 2. Valorização e reapropriação: "de resto. isso me
rearranjo pontual sobre si. toda homogeneidade consigo. toda in- pertence e foi o que eu sempre disse"). Essa crispação do discurso-
)~riorid.a?e consigo. (Cr. "A voz e o fenômeno". p. 96). É por isso que que eu lamento - não era insignificante e pedia. aí também. uma
tlllha dificuldade em ver - ainda tenho - por que você insiste em escuta silenciosa. Eu não teria mantido esse silêncio se não me sen-
afastá-lo. para dizê-lo de forma breve. do motivo do eteron. É certo tisse. além disso. autorizado por razões de natureza histórico-teórica
que esses dois motivos não se recobrem absolutamente. mas ne- lé a diferença relativamente ao caso menor de que falávamos antes).
nhum conceito recobre um outro qualquer: é a lei do espaçamen-
to. Evidentemente. se eu não tivesse feito mais do que repetir. Uma breve evocação. pois.
sem fim. unicamente a palavra espaçamento. você teria toda a ra- No momento de minhas primeiras publicações. os Ecrits de Lacan
zão. Mas minha insistência no outro e em alguns outros não foi não haviam sido reunidos e publicados. Na época em que De la
menor. Espaçamento significa também. justamente. a impossibili- grammato!ogie e "Freud et la scéne de I'écriturc" foram publicados.
dade de reduzir a cadeia a um de seus elos ou de aí privilegiar eu não havia lido senão "Fonction et champ de la parole et du
absolutamente um - ou outro. Enfim. devo lembrar que. sobretu- langage en psychanalyse" e "L'instance de la lettre dans I'inconscient
do. a différance não é uma substância. uma essência. uma C<lusa etc. ou la raison depuis Freud"lcitado em "La parole soufflée"). Assegu-
que possa dar lugar a alguma "deriva fenomenal". rado da importância dessa problemática no campo da psicanálise.
também localizei aí um certo número de motivos importantes que a
"Cr.. por exemplo. De la grammatologie. capo I ("Le programme". "Le
retinham aquém das questões críticas que eu estava formulando e
signifiant et la vérité". "L'être écrit"). especialmente. p. 32. n° 9;

106 107
dentro desse campo logocêntrico ou até mesmo fonologista que eu Ora, na minha atividade de ensino e naquilo que eu havia publica-
me esforçava por delimitar e solicitar Isolieiterl. Esses motivos eram, do até então, eu interrogava explicitamente, do ponto de vista
entre outros, os seguintes: crítico que você conhece, a sistemática textual de Hegel, de Hus-
la Um telosda "palavra plena" em sua ligaçiio essencial (e, por ve- serl e de Heidegger. Ao avaliar as sutilezas de seus respectivos
zes, efeitos de identificação encantatória) com a Verdade. Reler, procedimentos, compreendi que não se podia juntá-los dessa for-
aqui, em toda a amplitude de suas ressonâncias o capítulo sobre ma. Tampouco a Freud.
"I'arole vide e parole pleine dans la réalisation psychanalytique 30 Uma referência bem-humorada à autoridade da fonologia e, mais
du sujet": Sejamos categóricos: não se trata, na anamnese psica- precisamente, da lingüística saussuriana. Trata-se do trabalho mais
nalítica, de realidade, mas de verdade, porque o efeito de uma específico de Lacan: a partir do signo saussuriano e com base ne I~.
palavra plena é o de reordenar as contingências passadas ao dar- Com as implicações e as conseqüências que voce conhece, a escn-
lhes o sentido de necessidades futuras, tais como elas são consti- ta é, assim, reconduzida ao sistema do ouvir-se-falar IS'entendre-
tuídas pelo pouco de liberdade por meio da qual o sujeito as par/cri, reconduzida a esse ponto da auto-afecção idealizante em
torna presentes" (p. 256), "o nascimento da verdade na palavra", que ela é interiorizada, suprassumida pela voz, em que ela lhe res-
"a verdade dessa revelação" na "palavra presente" (ibidem) e ponde, em que nela se apresenta, fonetiza-se, sendo "sempre ...
tantas outras proposições desse tipo. Apesar de muitàs variações fonemática e, a rigor, fonética, porquanto é lida" (Ecrits, p. 4701.
elípticas e rapsódicas, não encontrei jamais, desde então, qual- Ora, eu estava envolvido em elaborar uma bateria de questões
quer questionamento rigoroso desse valor de verdade em seu críticas sobre esse tema, inclusive quanto aos efeitos do fonologis-
mais pertinente lugar histórico e arquitetônico. mo no campo pSicanalítico e à compleXidade da ciência freudiana a
Ora, esse questionamento crítico, precisamente no ponto em que esse respeito" ("Freud et la scene de I'écriture").
diz respeito à ligação entre a palavra plena, a verdade e a presen- 40 Certamente uma atenção à letra e à escrita segundo Freud, mas
ça (cf.. entre outros locais, De la grammatologie, p. 18) era o que sem nenhuma interpretação específica quanto ao conceito de es-
então eu praticava explicitamente. crita tal qual eu tentava então extraí-lo e quanto às oposições e
20 Sob o rótulo do retorno a Freud, um recurso elevado à conceptua- aos conflitos que era preciso então decifrar. Retorno, em um mo-
lidade hegeliana (mais precisamente, à conceptualidade da Feno- mento, ao problema decisivo da "literatura".
menologia do espírito, no estilo da época e sem articulação com o Deixo de lado as conotações do discurso e numerosos rndices de
sistema da Lógica ou com a "semiologia" hegeliana) e à conceptu- uma reinstalação do "signilicante" e da pSicanálise em geral em
.alidade heideggeriana (quanto à aletheia, precisamente, sempre uma nova metafísica (qualquer que seja, de resto, o interesse que
definida como "revelação", "velamento/desvelamento"; quanto à ela possa ter enquanto tal) e no espaço que eu I'!ntão estava deli-
presença e ao ser do ente, quanto ao Dasein transformado em mitando sob' {) nome de logocentrismo e, particularmente, de fo-
sujeito! Ip. 31811. Eu seria o último a considerar isso como uma nologismo. Deixo de lado também numerosoS traços que :n,e
regressão em si, mas a ausência de qualquer explicação teórica e pareciam, de maneira certamente complexa e por vezes contradita-
sistemática quanto ao estatuto dessas importações (e de algumas ria, ancorar o empreendimento lacaniano no fundo filosófico do
outras) me parecia, em alguns momentos, advir, digamos, dessas após-guerra (haveria muito a reler desse ponto de vista. Verilique~
facilidades filosóficas condenadas ao final da "L'instance de la lettre também as palavras "ser", "autêntico", "verdadeiro", "pleno"). Sefl.a
dans I'inconscient" e, ecoando Freud, em Seilicet I. Declarar mais absurdo ver aí uma limitação contingente ou pessoal: sua necessI-
tarde que empréstimos tão motores, feitos à Fenomenologia do dade histórica é, uma vez mais, incontestável. Simplesmente, na
espírito, eram "didáticos", ou que o vocabulário, tão freqüente- época de que falo, eu percebia - e, comigo, algumas outras pessoas
mente convocado, da fenomenologia transcendental e do idealis- _ outras urgências. Deixo de lado, enfim, a retórica, o "estilo" de
mo husserliano ("intersubjetividade", por exemplo), devia ser .~ Lacan: seus efeitos, por vezes notáveis, por vezes também (relativa-
recebido com uma "cpochê"; resolver esses problemas em uma mente a um certo avanço e a um certo "programa" da época) anacrô-
frase: me parecia bastante leviano. nicos (não digo "intempestivbs"), me pareciam comandados pelo

1 OI! 109
atraso de uma cena, o que lhe conferia - do que tampouco duvido uma razão suficiente para renunciar a isso - eu posso ter antecipa-
- uma certa necessidade (estou me referindo àquilo que podia cons- do erradamente - mas talvez para preferir responder por um certo
trangê-lo a licl,nde urna certa maneira com a instituiç50 psicanalítica tempo (falo aqui de um lapso bastante curto, três ou quatro anos)
constituída: é o argumento de Lacan). Em relação às dificuldades a solicitações que eu considerava mais urgentes e, de qualquer
teóricas que me interessavam, eu lia aí sobretudo u'ma arte da es- forma, do meu ponto de vista, preferíveis.
quiva. A vivacidade da elipse me parecia servir, muito freqüente- 2° Se eu tinha objeções a formular (mas o debate não tem forçosa-
mente, como forma de evitar ou de encobrir problemas diversos (o mente a forma do desacordo, ele pode dar lugar a um desdobra-
exemplo mais significativo foi-me dado, desde então, pela hábil mento, a um deslocamento mais complexo). eu sabia já que elas
manobra "homonímica" pela qual a dificuldade histórica-teórica quan- não teriam nada de comum com as que estavam em curso nesse
to à determinação da verdade adequatio rei et inle/lectus fica sufo- momento. Eu tinha, aqui. outra vez, que evitar a confusão e o
cada, determinação essa que governa todo o discurso sobre "La nada-fazer para limitar a propagação de um discurso cujos efeitos
chose freudienne" (p. ~20-~3~) e sobre a qual se perguntará, à falta críticos me pareciam', apesar do que acabo ele relembrar, necessá-
de qualquer explicação, segundo qual regime ela coabita com a rios no interior de um campo (é por isso que, confirmo-o de passa-
verdade como revelação - isto é, presença - que, essa sim, organiza gem, eu fiz o que de mim dependia para que a docência de Lacan
todos os Écrits). Reconheço que isso supõe uma boa dose de luci- na École Normale não fosse interrompida). Remeto aqui ao que eu
dez na determinação das dificuldades e dos perigos. Talvez se trate disse em outro local sobre as ênfases, as distâncias e as desigualda-
mesmo de um momento necessário na preparação de uma nova des em termos de desenvolvimento.
problemática: desde que a esquiva não especule demasiado e não 3° Nesse ínterim, julguei que a melhor contribuição ou "explicação"
se deixe captar pela representação faustosa do desfile e da parada. teórica consistia em prosseguir meu trabalho, segundo suas vias e
Mesmo que estejam longe de esgotar o trabalho de Lacan, sobre o suas exigências específicas, quer esse trabalho deva ou não, sob
certos aspectos, se aproximar do de Lacan, até mesmo - não excluo
qual continuo convencido, essas reservas já eram suficientemente
absolutamente essa hipótese - mais que de qualquer outro hoje.
importantes para que eu não buscasse referências (na forma de uma
garantia). sobre esses pontos nodais, el'n um discurso tão diferente E o que ocorreu desde então? Desde então reli esses dois textos
- em seu modo de elocução, em seu lugar, em seus objetivos, em e outros textos de Lacan, quase todos, creio, no interior dos Ecrits.
seus pressupostos - dos textos que eu propunha. Essas referências Especialmente nesses últimos meses. Minha primeira leitura foi,
teriam tido por resultado aumentar a confusão num campo em que no essencial, largamente confirmada. Em particular, para voltar a
. ela n50 faltava. Elas podiam pôr em risco, além disso, a possibilidade um ponto cuja importância capital você reconhecerá, quanto à
. de uma conexão rigorosa que estava, talvez, por ser construída. identificação da verdade (como desvelamentol e da palavra (do
lagos). A verdade - apartada do saber - é constantemente deter-
Era, então, preciso, ao contrário, declarar, desde o início, um desa-
minada como revelação, não-velamento, isto é, necessariamente
cordo e desenvolver um debilte explfcito? Além do fato de que o
como presença, apresentação do presente, "ser do ente" (Amve-
esquema desse debate me parecia estar publicado em suas pre-
senheil) ou, de maneira ainda mais literalmente heideggeriana,
missas (disponível para quem se dispusesse a lê-lo e dele se ocu-
como unidade do velamento e do desvelamento. A referência ao
par), um tal declaração não me parecia oportuna, nessa ocasião,
resultado do procedimento heideggeriano torna-se, freqüente-
por várias razões.
mente, explícita sob essa forma ("a ambigüidade radical que nela
1° O conjunto dos Ecrits tendo sido nesse ínterim publicado, eu tinha indica Heidegger, na medida em que verdade significa revelação",
não apenas que tomar conhecimento deles, mas também que me p. 166, "essa paixão de desvelar que tem um objeto: a verdade",
envolver, tendo em visto o que acabo de dizer sobre a retórica p. 193 etc.). O fato de que o significado último dessa palavra ou
lacaniana, em um trabalho que se anunciava como sendo despro- desse lagos seja colocado como uma falta (não-ente, ausente etc.)
porcional com o que minhas primeiras leituras me permitiam deles não muda nada nesse continuum e se mantém, de resto, estrita-
esperar (eu leio escrevendo: lentamente, extraindo prazer da ativi- mente heideggeriano. E se é necessário, com efeito, lembrar que não
dade de prefaciar longamente cada termo). Essa nãQ é certamente existe meta linguagem (eu diria, antes, que não existe o {ora-da-texto,

110 111
que não existe nadJ lora de um celto ângulo cio comentário, Gram- gClal que resista não 11 psicanálisc em geral ou à qual ela resista
ma/ologie, p. 227 led. bras., Grama/ololiia, p. 19~J. pass'i/llJ, é preciso (bem pelo contrário), mas a uma certa capacidade, uma certa perti-
não esquecer que J metafísica e a onto-teologia mais clássicas podem nência determin<Jda dos conceitos psicanalíticos que aí pode ser
muito bem se acomodar a isso, sobretudo quando essa proposição medida, em uma certa etapa de seu desenvolvimento. Desse pon-
toma a forma de "Eu, a verd<lde, falo" ou "É por isso mesmo que o to de vista, certos textos "literários" têm uma cap'lcidade "analítica"
inconsciente que a diz, o verdadeiro sobre o verdadeiro, é estrutura- e desconstrutiva mais forte que certos discursos psicanalíticos que a
do como uma linguagem ... " (p. 867-81 (ed. bras., Jacques Lacan, Escri- eles aplicam seu aparato teórico ou um determinado estado de seu
tos. Rio: Jorge Zahar, 1998, p. 881, 882). Sobretudo, eu n50 direi que aparato teórico, com suas aberturas mas também com seus pressu-
isso é falso. Repito apenas que as questões que coloquei incidem postos, em um momento dado de sua elaboração. Tal seria a relação
sobre a necessidade e os pressupostos desse con/inuum. entre o aparato teórico que sustenta o "Séminaire sur La lettre
E depois me interessei muito pelo "Séminaire sur La lettre volée" volée" (você conhece o lugar central que lhe confere Lacan no início
Percurso admirável, e digo isso com sinceridade, mas que me P<l~ dos Ecrits). o texto de Poe, e, sem dúvida, alguns outros.
rece, por estar pressionado a aí encontrar a "ilustração" de uma Eis aí o ponto em que nos encontramos. Confio esta nota aos vários
"verdade" (p. 12), desconhecer o mapa Icartel, o funcionamento movimentos cujo programa é, doravante, mais ó~ menos conhecido.
ou o ficcionamento do texto de Poe, desse texto e de sua ligação 40 No original, déliter, "cortar um bloco de pedra longitudinalmente
com outros, digamos, a envergadura I carrurel de uma cena de aos veios". Derrida joga, nesses textos, com o fato de que ambas as
escrita que aí se joga. A essa envergadura, a essa inscrição que não palavras, délitere clinique, estão, etimologiçamente, ligadas à pala-
iguala ou não desvela qualquer verdade falante, o discurso de vra "leito" (lit, em francês) (N.T.1.
Lacan - tanto quanto qualquer outro - não está, de resto,
41 cf. DERRIDA, I. A farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras, 1997,2"
totalmente fechado. Trata-se da heterogeneidade de que eu
ed, p. 7 (N.T.1.
falava no início. A questão não consiste em dar sinais dessa hete-
41 Não indiquei aqui o princípio de uma resposta -.de acordo com
rogeneidade, de estar aberto 0ll fechado a ela, de fa lar pouco ou
aquilo que você chamou há pouco de um certo estilo ramificado-
muito dela, mas de saber como e ató.onde administrar a sua cena
11 sua última questão?
e a cadeia de suas conseqüências. Leitura fundamentalmente
tradicional, pois, do texto de Poe, uma leitura, ao final das contas Observo também, em uma palavra, que,.a não ser que admitamos
hermenêutica (semântica) e formalista (segundo o esquema critica~ o que a disseminação diz sobre o "simbólico", seremos necessa-
do em "A dupla sessão" e que nós resumimos anteriormente): trata- riamente levados a fazer desse conceito e da tripartição imaginá-
. se daquilo que eu tentarei demonstrar, não podendo fazê-lo aqui, rio/simbólico/real o imodiíicável de uma estrutura transcendental
pela análise paciente dos dois textos, o que ocorrerá, quando eu ou ontológica (d., sobre isso, De la grammatologie, p. 90).
tiver tempo para isso, em um trabalho em preparação. Possivelmen- Essas questões relativas à psicanálise são, de fato e de direito,
te produtivo sob outros aspectos, esse desconhecimento me pare- o
indissociáveis - os psicanalistas dizem freqüentemente - da "ex-
ce sistematicamente determinado pelos limites que eu evocava há periência" e da "prática" analíticas e, portanto, tam bém - os psica-
pouco sob a rubrica de logocentrismo (Iogas, palavra plena, "palavra nalistas raramente insistem nisso':'" das condições históricas,
verdadeira", verdade como oposição véu/não-véu etc.L Não se trata, políticas, econõmicas dessa prática. Quanto a algum suposto "nú-
talvez, essencialmente, do desconhecimento do "literário" (embora cleo" da "situação analítica", nenhum protocolo me parece aqui
seja, em minha opinião, como você sabe, um teste fecundo, em par- intangível, adquirido, irreversivelmente dado como garantido pela
ticular no deciframento do discurso lac<lniano) e não se trata aqui, "ciência". E a condenação da psicanálise americana, por mais justi-
uma vez mais, de preservar o literário dos ataques da psicanálise. Eu ficada que possa ser, não pode ser uma distração muito eficaz. Essa
diria mesmo o contriÍrio. O que está em jogo, do que se trata (forma questão é mais complexa, mas ela será submetida, sem dúvida, em
verbal a ser problematii.ad<J) é de uma certa forma da escrita que se seus dados, a uma inelutável transformação histórica.
indica freqüentemente, com efeito, sob o nome de "literatura" ou 4l Em francês: "Ia dissémination figure ce que ne revient pasau pere". De
de "arte", m<lS que só pode se definir <l p<Jrtir de uma clesconstrução acordo com a nota ~7, p. 113, do traclutor (Alan 13ass) da edição brit5niG)

112 113
de Positíons (Londres: Alhlone, 19B7: "Revenirquer dizer 'voltar', 're- Cartas
gressar'; 'pertencer', 'caber' (por herança); e 'equivaler a.. .'. Esses múl-
liplos significados [ ... 1 expressam, de forma lapidar, a crítica a Lacan
em "Le facteur de la verité". Se a germinação ('sêmen') e a castração
('pha/lus') - aproximadamente, o significado e o significante - são ex-
pressões daquilo que o pai deve perder, sem qualquer possibilidade
de retorno, então a idéia de Lacan, de que o phallus-significante-carta
sempre chega a seu destino, volta para onde deveria, que ele repete
Carta de Jean~Louis Houdebine
o gesto metafísico de confinar a "carta" à trajetória governada pelas
leis do retorno a uma verdadeira origem" (N.T.) . a Jacques Derrida (fragmento)
.. Transcrevo, outra vez, a nota (4B, p. 113) do tradutor da edição bri-
la de julho de 1971
tânica de Positions: "Isso antecipa a crítica a Lacan feita, poste-
riormente, em 'Le facteur de la verité'. Derrida finalmente afirma
que no 'Seminário sobre A carta roubada", faz-se o phallus-carta
funcionar como um significante transcendental, isto. é, como um No fundo, a questão subjacente a essa troca é a do
significante de uma ausência verdadeira, original" (N.T.). materialismo, ao mesmo tempo como inversão e como
., "La dissémination, I", ("L<l coupure", Critique, 261, p. 111 ).1 La dissé- deslocamento fora do campo da filosofia clássica; isto é, a
mll/aCion, p. '33(,1. questão da tornada de posição lllaleri<Jlista, e sem dúvi-
.•• "La double séance", especialmente, 11, p. 261 La dissémination, p. 2931. da eu deveria ter lembrado naquele momento a fórmula
""O 'sujeito' da escrita não existe, se por isso se entende alguma de Lênin, clara, provocante (um escândalo, para a filoso-
solidão soberan<l do escritor. O sujeito da escrit<l é um sistema de fia): a questão de uma tomada de partido em filosofia.
relações entre as camadas: da lousa mágica, da psique, da socie- Com efeito, retomando o fio de nossa discussão: tudo
dade, do mundo. No interior dessa cena, a simplicidade pontual
partiu, pois, de minha questão sobre o motivo da hetero-
do sujeito clássica é impossível de ser encontrada". ("Freud et la
scéne de I'écriture", in L'écriture et la différence, p. 335) (NR).
geneidade, motivo, em minha opinião, irredutível ao
motivo único do espaçamento; isso significa que o motivo
4ft Discussão publicada no Bulletin de la société française de philoso-
phie (janeiro de 196B). da heterogeneidade certamente implica, a meu ver, os
'9 "Ora, s<lbemos que essas trocas só passam pela língua e pelo texto, dois momentos, indissociáveis, com efeito, mas também
. no sentido infraestrutural que agora reconhecemos a essa pala- não identificáveis um ao outro, do espaçamento e da al-
vra" (De la grammatologie, p. 234; ed. brasileira, p. 200). teridade, momentos cuja indissociabilidade é a de uma
'0 S,obre a crítica da idéia filosófica de região e a oposição ontológica contradiç50 dialétic(] (rn(]tcri(]list(]). Por quê? Porque se,
do reg/onale do não-regional, d. De la grallllllalolog/e, p. 35 (NR). efetivamente, como você diz, o "espaçamento não desig-
na nada, absolutamente nada, nenhuma presença a dis-
t5nciLl, se ele é o índice de um lado de for(] irredutível e,
ao mesmo tempo, de um movimento, de um deslocamen-
lo que indica uma alteridade absolutamente irredutível" -,
isso não impede, entretanto, que o motivo da heteroge-
neidade não se reduza, não se esgote nesse "índice de
um lado de rora irredutível;': ele é também posição dessa

114 115
. alteridade enquanlo tal, isto é, de um "algo" (um "nada")
linguagens e sob todos seus outros aspectos - prática eco-
que não é nada (e é por isso que o motivo da heteroge-
nômica, prática política - que, embora não estejam ja-
neidade é o motivo de uma Ida?1 contradição dialética
mais confinados a qualquer setor fora-da-Iíngua la língua
materialista de base, "espaçamento/alleridade"), embora
não é uma superestrutura!. não deixam de ser práticas
excedendo, por princípio, toda reapropriação-interiori-
irredutíveis ao registro único da linguagem.
zação-idealização-suprassunção em um devir do Senti-
do (nenhuma Aufhebung aqui) que apagaria, reduziria a O fato de que isso seja espantoso, escandaloso, do
própria heterogeneidade que aí se marca de acordo com ponto de vista de toda filosofia fundada na ilusória rea-
um duplo movimento (espaçamento/alteridadel; o fato propriação dessa alteridade sob as diferentes formas de
de que esse "algo" (esse "nada") "que não é nada" não idealismo (metaf.ísica, espiritualismo, positivismo forma-
seja absolutamente subsumível sob qualquer "presen- lista) é precisamente o que leva Lênin a falar de uma "to-
ça" qualquer que ela seja é o que marca, seguindo o mada de partido": para a filosofia, toda tomada de partido
trajeto inverso do movimento dialético da cQntradição, materialista deriva de um verdadeiro ato de força, o qual
a inscrição do espaçamento; mas, ao mesmo tempo, essa se apóia nesse duplo e irredutível ponto de sustentação,
inscrição do espaçamento não se sustenta a não ser por marcado no motivo da heterogeneidade (espaçamento/
aquilo que ela nega sob a forma de uma "presença" (e alteridadel. E creio que se pode encontrar não apenas
que é, de fato, uma "não-presença"): outro, corpo, ma- em Lênin, mas também em Bataille, não poucos desen-
. téria. O desenvolvimento completo do motivo da hete- volvimentos nesse sentido.
rogeneidade obriga, assim, a paSSilr ~ positividade desse
"nada" designado pelo espaçÇlmento, que é sempre tam- Carta de Jacques Derrida a
bém um "algo" (um "nada") "que não é nada" (posição da Jean~Louis Houdebine (fragmento)
alteridade irredutível).
15 de julho de 1971
Concordo com você que a partir dessa posição-outra
há sempre o risco de ressurgirem os problemas que você
assinalou em outro lugar: é por isso que o momento do Estamos, pois, de acordo sobre a inversão/desloca-
espaçamento (que coloca como fundamental. no campo
mento.
aqui visado, a ordem da linguagem e a inscrição da cons-
tituição do sujeito que aí se opera de acordo com uma I. A tomada de partido em filosofia: nada, obviamen-
clivagem irredutível) é essencial; mas não menos essencial te, poderia me "chocar" menos.
é o outro momento, da alteridade (posição da alterida- Por que se envolver em um trabalho de desconstru-
de). cuja lógica tentei definir muito sumariamente, pois é ção em vez de deixar as coisas como estão? etc. Nada,
a partir daí (indissociabilidade "espaçamento/alteridade", aqui, sem "ato de força", em lugar nenhum. A desconstru-
constitutiva do motivo materialista por excelência da he- ção, eu insisti nisso, não é neutra. Ela intervém. Não es-
terogeneidade) que pode vir a se inscrever o tema das
tou tão seguro de que o imperativo de uma tomada de
"diferenças" que não "caíram do céu" na sua articulação partido em filosofia tenha sido tão regularmente considera-
necessária com o conjunto de uma prática social indífe-
do como "escandaloso" na história da metafísica, quer se
renciada (isto é, ao mesmo tempo sob o aspecto de suas
considere essa tomada de pàrtido como implícita quer como

116
117
declarada. Não estou tampouco seguro - mas aí suponho 2° "Nenhuma Aulhebung aqui", escreve você. Não o
que estejamos de acordo - que a tomada de partido, ao digo para pegá-lo pela palavra, mas para sublinhar a ne-
menos como ato de força ou força de ruptura com as nor- cessidade de reinscrever antes que de denegar: Aufhebung
mas do discurso filosófico tradicional. seja essencial a lodo sempre há (como sempre há recalcamento, idealização,
materialismo, ao malerialismo enquanto lal. Estaremos tam- sublimação etc.).
bém de acordo em admitir que não há tomada de partido
eletiva e eficiente, nenhuma verdadeira força de ruptura, 3° Eu não subscreveria sem reservas o que você diz,
. sem uma análise minuciosa, rigorosa, ampliada, tão dife- ao menos de acordo com essa formulação, na frase: "essa
renciada e tão científica quanto possível? Do maior núme- inscrição do espaçamento não se sustenta a não ser por
ro possível de dados e dos dados mais diversos (economia aquilo que ela nega sob a forma de uma 'presença' (e que
geral)? E que é necessário desligar essa noção de tomada é, de fato, uma 'não-presença'): outro, corpo, matéria".
de partido de qualquer determinação - em última instân- Eu temia precisamente que a categoria de "negação" nos
cia - psicologista, subjetivista, moral e voluntarista? reintroduzisse na lógica hegeliana da Aulhebung. Cheguei
a falar, de fato, em "não-presença", mas eu designava
2. Espaçamento/alteridade: sobre sua indissociabili-
menos uma presença negada que "algo" (nada, na verda-
dade não há, pois, qualquer desacordo entre nós. Na aná-
de, na forma da presença) que se afastava da oposição
lise do espaçamento, como lembrei ao longo de nossa
presença/ausência (presença negada) com tudo aquilo que
entrevista, sempre sublinhei ao menos duas característi-
ela importa. Mas trata-se de um problema muito difícil
cas: I. que o espaçamento é a impossibilidade que tem a
para que nós o abordemos por meio das palavras de uma
identidade de se fechar sobré si f!1esma, sobre o lado de
carta. Na mesma frase, pensa você que corpo e matéria
dentro de sua própria interioridade ou sobre sua coinci-
designam sempre não-presenças no mesmo nível que
dência consigo mesma. A irredutibilidade do espaçamento
outro? Assim como não é uma forma de presença, outro
é a irredutibilidade do outro. 2. que "espaçamento" não
tampouco é um ser (ente, existência, essência etc.).
designa apenas o intervalo, mas um movimento "produti-
. vo", "genético", "prático", uma "operação", se preferirem, 4° Sem querer pegá-lo pela palavra, mas sempre na
inclusive em seu sentido mallarmiano. A irredutibilidade intenção de precisar o que é, para mim, o espaçamento:
do outro aí se marca, pois, em relação com aquilo que eu não sustentaria, por razões evidentes (eu não susten-
você parece ter designado pela noção de "posição": p,He- taria, de qualquer forma, a letra dessa proposição). que o
ce-me que se trata, relativamente à nossa discussão na- espaçamento é um "momento" e um "momento essenci-
quela entrevista, do ponto mais novo e mais importante; al". Trata-se sempre daquilo que está em jogo na relação
voltarei a ele em um instante. com Hegel.
Nesse ínterim, cinco observações: 5° De acordo naquilo que diz respeito a Bataille (cf.
I ° Definir esse sistema do espaçamentolalteridade, L'écriture et la différence, p. 397, nO I).
sobre o qual nós estamos de acordo, como um mecanis- Posição (da alteridade): tendo em conta o ponto 2
mo essencial e indispensável do materialismo dialético (mais acima, em minha carta), não há nenhum desacordo
não é suficientemente novo? entre nós e, como eu dizia' na entrevista, não considero
I.

11 !l
119
sua insistência nesse ponto como uma adição ou uma ob- Por que não deixamos a discussão aberta quanto a
jeção ao que eu escrevi. Por que me parece, agora, que a essa questão da posição, das posições (to'mada de parti-
palavra "posição" deve ser tratada com prudência? do: posição l/negaçãol? posição-afirmação? inversão/des-
locamento? etc.).
I. Se a alteridade do outro é colocada ou até mes-
mo apenas colocada não virá ela a dar 110 mesmo, sob <: Aqui me separo de vocês. Obrigado aos dois.
forma, por exemplo, do "objeto constituído" ou do "pro-
duto in-formado", investido de sentido etc.? Desse pon-
to de vista, eu diria mesmo que a alteridade do outro P.S.: E se déssemos a essa troca o título (germinai) de posi-
inscreve na relação aquilo que não pode, em caso al- ções. palavra cuja. polissem ia se marca, ademais, pela letra s,
gum, ser "colocado". A inscrição, tal como eu a definiria letra "disseminante" por excelência, como dizia Mallarmé? Eu
sob esse aspecto, não é uma simples posição, mas, em acrescentaria, tratando-se de posições: cenas, atos, figuras da
vez disso, aquilo por meio do qual toda posição se des- disseminação.
faz (différance) relativamente a ela mesma: inscrição,
marca, texto e não apenas tese ou tema-inscrição da tese .
. Mas é possível que essa discussão entre nós se deva, no
que diz respeito a esse ponto, a um mal-entendido "ver-
bal", "nominal". E se pode sempre redefinir, utilizando
a mesma palavra (extração, enxerto, extensão). o concei-
to de posição.

2. É verdade que encontraríamos, então, o proble-


ma do conceito de conceito e o problema da relação en-
tre o conceito e o outro.

Como não podemos abordar essa questão aqui, eu


direi apenas isso: se eu peço que se examine mais deti-
damente esse conceito de posição (e alguns outros aos
quais você o liga) é porque, no mínimo, ele carrega o
mesmo nome de um movimento absolutamente essen-
cial. vital ~mesmo que passe, por vezes, desapercebido)
da dialética especulativa hegeliana (Setzung). (A posi-
ção-do-outro aí é sempre, finalmente, o pôr-se a si mes-
. ma da Idéia como outro, como outro Ique não 01 si na
determinação finita, com vistas a se repatriar e a se rea-
propriar, a retornar para junto de si na riqueza infinita
j'
de sua determinação etc.).

Existem, pois, pelo menos dois conceitos da posição.

120 121
Glossário da tradução

agencemen t - agenciamento'

c1õture - c1ausura l

brisure - brisura)

écart - afastamento

écriture - escrita 4

effraction - arrombamento'

entamer - encetar"

entendre - ouvir 7

hors-texte - fora-do-texto

releve - suprassunção 8

relever - suprassumir

renversement - inversão9

lrace - rastro'o

Notas
o termo inventado por Derrida, différance, fica sem
tradução. Entre as várias traduções propostas, temos: dife-
rância (tradução pOItuguesa de Posições), diferência (tra-
duções brasileiras de Gramatologia e A escritura e a
diferença), diferança (tradução portuguesa de As margens
,
/. da filosofia; ver nota 2, p. 33, da edição brasileira, publica-
da pela Editora Papirus) e até mesmo difera=nça (Rios, 2000)
(cf. Nascimento, p. 140). \
I.

123
I Trata-se da mesma palavra amplamente utilizada por de que nem rotura nem juntura [os dois sentidos de
Gilles Deleuze e Félix Guattari em Mi/ p/alõs e que foi brisurel conseguem lsozinhilslelar conta". A epígrafe a
ali traduzida pelo neologismo (em português). "agencia- que eles se referem está colocada ao início da seção in-
titulada precisamente Brisure, à pagina 80 da Grama to-
mento". Conformo-me. na presente tradução. àquela in-
venção. De acordo com o dicionário Pclil Robcrl (eeliç50 /ogia. parte de carta atribuída. por Derrida. a Roger
elelrônica). agcnccmcnl refere-se à ação ele agcncc/: <Jr- Laporle: "Vós sonhastes. suponho, encontrar uma única
palilvril pilril designar il diferença e a ilrliculilção. Folhean-
ranjar. organizar um conjunlo ele elemenlos por meio ele
combinação. Exemplo fornecido por aquele dicionário: do ao acaso o [dicionáriol Robert, quiçá eu a encontrei.
"L'agencement de cet apparlemenl csl remarquab/e". desde que se jogue sobre a palavra. ou' antes, que se
indique o seu duplo sentido. Esta palavra é brisure: '-
1 Sigo. aqui. a tradução sugerida na edição brasileira da Parte fragmentada. quebrada. cf. brecha. fratura, fenda,
Gramat%gia. acolhida em outras traduções de Derrida frilgmento. - Articulação por charneira [qualquer espé-
e ilmplamente utilizada em estudos sobre DelTida em cie ele ilrticulilção entre dUils pilrtes, como umil dobradi-
língua portuguesa (cf. nota, p. 42. trad. bras. Gramat%- ça. por exemplol de duas partes de uma obra de
gia). Observe-se. entretanto. que "c i<lU sp r<l ". em portu- GHpil1laria ou serraria. A brisu/"c ele um<:l vel1eZi<:lIl" .. ·.
guês. tem um senlido m<:lis reslrilo que <J pal;wra frallces<J
4 Excelo nos títulos de livros ou ensaios já traduzidos pé:Jr<J
c/óture (embora ambas derivem da mesma palilvra lati-
o português. Contrariando a tradução comumente adota-
na. claLisura). Em pOltuguês. "clausura" está ilssociada sim-
plesmente com "recinto fechado" e. mais espeCificamente. dil, decidi traduzir "écriture" por "escrita", que me parece
com a vida religiosa na "clausura dos conventos" (Aurélio. mais de acordo com os contextos em que, em francês e
edição elelrôllicil). Em trocil. clólure tem os seguintes português, as duas palavras são respectivamente utiliza-
sentidos: I. ilquilo que serve pma obstruir a passagem. das, como. por exemplo, na expressão "escrita fonética".
para cercar'um espaço; 2. clausura. no sentido religio- A tradução por "escritura" soa estranha. particularmente
so. 3. ação de terminar, de parar definitivamente uma quando vem associada às freqüentes citações que Derri-
coisa ou de declará-Ia terminada (Petit Robert. edição da faz do Curso de lingüística geral, de Saussure, no qual
eletrônica). No primeiro sentido. poderia ser simples- "écriture" é, adequadamente, traduzida por "escrita". Cf.
mente traduzida por "cerca" e. no terceiro. por "fecha- N<Jscimento, 1999, p. 103.
mento". O emprego da palavra c/óture por Derrida \ Os tradutores brasileiros da Gramatologia optaram por
possivelmente reúne esses dois últimos senti cios ou os- criilr o neologismo "efratura" pilra traduzir c{{raction. Na
cila entre eles. verdade. a tradução "arrombamento", aqui adotada. te-
J Os tradutores brasileiros dil Gramal%gia oplaram por ria sido mais direta. mas aqueles tr<Jdutores reservaram
criar o neologismo brisura. sugestão que sigo na presen- "arrombamento" para traduzir percée (Cf. nota trad. bras.
te tradução. A palavr<J brisure. como ressaltilm eles em da Gramat%gia. nota da p. 42).
nota à página 80. reúne os sentidos de quebra, ruptura. 6 Cf. nota à p. 25. da trad. bras. da Gramatologia. p. 25.
e de junção: "como se vê da definição transcrita em epí-
) Mas também, ambiguamente. "entender". em expressões
grafe pelo Autor. est<J pal<Jvra possui um duplo sentido.

125
124
como s'entendre par/cr. Cr. nota à p. 17, da trad. bras. da DERRIDA.lacques. Marges de la philosofJhie. Paris: Minuit, 1972.
Gramar%gia, p. 17.
DERRIDA.lacques. Margens da filosofia. Campinas: Popirus, 1991. Trad.
~~ Relever é a palavra pela qual Derrida propõe traduzir loaquim Torres Costa e António M. Magalhães.

aufhebcn (Hegel), com a correspondente tr<ldução de DEI\RIDA.lacques Margens da filosofia. Campinas: Papirus, 1991. Trad.
Aufhebung por releve. Re/ever, em francês, tem, entre ou- Joaquim Torres Costa e António M. Magalhães. (A edição da Papirus
tros sentidos, o de levant<lr (alçar) e o de substituir (render, é reprodução fiel - incluindo os erros de tradução e os inúmeros
passar o bastão). Adoto aqui, sem maiores comentários, a erros de revisão - da edição portuguesa publicada pela editora Rés).

tradução da edição brasileira da Fenomenologia do espíri- DERRIDA. lacques. Posições. Lisboa: Plátano, 1974. Tradução de Ma-
lo ("Glossário", p. 270). Uma das traduções ,)Ilteriores de ria M. C. C. Barahona.
auflJeben para o francês é a proposta por Jean Hyppolite:
HECKLER. Evaldo. BACK. Sebald e MASSING, Egon R. Estrutura das
sUlprimer, reunindo os sentidos de supprimer e dépasser palavras. São Leopoldo: Unisinos. 1994.
(ver nota do tradutor americano de "La cJifférançe" / Kamuf,
HEGEL. G. W. F. Fenomenologia do espfrilo. Parte I. Petrópolis: Vo-
1991, p. 78/; ver também a nota dos tradutores brasileiros
zes. ) 999. 4' ed. Trad. de Paulo Meneses.
de Gramatologia, p. 31). Derrida explica assim, a opção de
traduzir AuflJeben por relcver. "! ... ! c'est-à-dire à la fois éle- KAMUF. Peggy. A Derrida reader. lJelween lhe blinds. Nova York:
Columbia University Press, 1991.
vée et supprimée, !... 1, au sens ou I'on peut être à la {ois
élevé et relevé de ses fonctions, remplacé dans une sorte NASCIMENTO. Evando. Derrida e a literatura. "Notas" de literatura e
de promotion par ce qui succede et prend la releve" (Mar- filosofia nos textos da desconstruçãa. Rio: Editor" da Universidade
Federal Fluminense, ) 999.
ges, p. 102; cf. edição brasileira, p. 160, ensaio "Fins do
homem", na qual "relever" é simplesmente reduzido a "su- RIOS, André Rangel. "A difer;:ença". In Evando Nascimento e Paula
perar", sem maiores explicações). Glenadel larg.). Em torno de /aeques Derrida. Rio: CNPql7 Letras.
2000. p. 77-96.
9 Mas também: ato de derrubar, de pôr ao chão. Trata-se,
pois, da inversão que ocorre precisamente ao se derru-
bar algo, ao se dei tar algo ao chão.

10 Cf, nota à p. 22 da trad. bras. da Gramatologia. Também


Nascimento, p. 137.

Referências
DELEUZE. Gilles e GUATTARI, Félix. Mil p/acôs. Rio: Editora 34: 1995.5
volumes.

DERRIDA. l<leques. i\ escritura e a diferença. 550 Paulo: I'elspeclivil.


1971. Trad. de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva.

DERRIDA. l<leques. Gramat%gia. São Paulo: Perspeclivil/USP. 1973.


Trad. de Miriam Schnaiderrnan e Renato lanini Ribeiro.

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