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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA


INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

OSMAR DEBATIN

“CRISTO: A VERDADE QUE LIBERTA” (JO 8,32)


Releitura das Cristologias dos Evangelhos Sinóticos na
História da Comunidade Joanina.

São Leopoldo
2009
2

ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA


INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

OSMAR DEBATIN

“CRISTO: A VERDADE QUE LIBERTA” (JO 8,32)


Releitura das Cristologias dos Evangelhos Sinóticos na
História da Comunidade Joanina.

Trabalho de conclusão de Curso de


Especialização em Bíblia
Para obtenção do grau de
Especialista em Teologia
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação.

Orientador: Luiz José Dietrich

São Leopoldo
2009
3

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................04
CAPÍTULO PRIMEIRO
1 O QUARTO EVANGELHO NO SEU CONTEXTO HISTÓRICO.............................06
1.1 Aspectos literários do Quarto Evangelho.........................................................06
1.1.1 O autor do Quarto Evangelho...................................................................09
1.1.2 A tradição do Discípulo Amado.................................................................11
1.1.3 A composição dos escritos.......................................................................13
1.2 A comunidade do Quarto Evangelho...............................................................19
1.2.1 Características econômicas e sociais.......................................................19
1.2.2 Características políticas............................................................................21
1.2.3 Características religiosas..........................................................................24
1.2.4 Características culturais............................................................................27
CAPÍTULO SEGUNDO
2 A ÍNDOLE PRÓPRIA DO QUARTO EVANGELHO................................................30
2.1 Propostas de estrutura do evangelho..............................................................30
2.2 Algumas idéias mestras do Quarto Evangelho................................................34
2.2.1 Uso de simbolismos..................................................................................34
2.2.2 A Vida Eterna............................................................................................37
2.2.3 A verdade..................................................................................................38
2.2.4 O Filho de Deus........................................................................................40
CAPÍTULO TERCEIRO
3 RELEITURA JOANINA DAS CRISTOLOGIAS DOS EVANGELHOS SINÓTICOS..... 44
3.1 Algumas premissas hermenêuticas.................................................................44
3.1.1 Um evangelho contemporâneo.................................................................44
3.1.2 Algumas chaves hermenêuticas à imagem joanina de Cristo..................47
3.2 Características da cristologia joanina..............................................................54
3.2.1 A identificação de Jesus...........................................................................55
3.2.2 Descrição que Jesus faz de si mesmo.....................................................60
3.3 A transição à alta cristologia............................................................................62
4

3.3.1 Passagem para uma Cristologia mais elevada e suas conseqüências...62


CONCLUSÃO.............................................................................................................66
REFERÊNCIAS..........................................................................................................68
5

INTRODUÇÃO

O Evangelho segundo João é um texto para se ler e reler, pelo qual se


apaixonar, provocante e agressivo. Importa para o leitor inteirar-se de seus
mecanismos, desde a linguagem, estrutura, simbolismos e conhecer o contexto
histórico, social, político e religioso, para mediante estes, mergulhar em seu
conteúdo teológico. Naturalmente, o leitor desejará também chegar à atualidade, ao
desafio para hoje, mas a atualidade deste evangelho passa através do texto, e a
história que ele narra não passa ao lado do texto, nem o toma por simples pretexto,
mas faz parte de um contexto.
De qualquer forma, diante do evangelho do Discípulo Amado não se deve ter
pressa. Ele exige lealdade. Muitas vezes tem-se a impressão de que nossas
técnicas de leituras são muito inadequadas para captar a riqueza do próprio texto.
Tentaremos por nossa parte, não ter pressa, nem sermos impacientes ou desleais
ante algumas partes que continuam obscuras, ou talvez sejam tão inspiradoras que
aparentemente nos deslumbram. Não iremos simplificar as tensões e dificuldades
presentes na história do Quarto Evangelho, no sentido de dar respostas acabadas
ou achar que agora temos a solução para os problemas. Tentaremos aceitar este
fato. Isso é também uma lição de humildade que se requer numa pesquisa.
Quando se passa dos evangelhos Sinóticos para o evangelho segundo
João, ficamos impressionados com a diferença na pessoa de Jesus de Nazaré (o
Cristo) que aqui vem ao nosso encontro: pessoa descrita não somente nos gestos e
palavras, mas no profundo mistério humano e divino que eles implicam. É um
evangelho meditado, aprofundado, e contudo sóbrio, continuamente reconduzido ao
essencial, que Mesters tentou traduzir em “fazer um raio X de Jesus”1. É certamente
fruto de longa contemplação! Isso é verdade, mas exige atenção, pois pode
esconder um risco: o de querer ver aqui uma apresentação de Jesus de Nazaré bem
rica e profunda, porém, abstraída dos fatos; representação tranqüila, estranha aos
problemas que agitavam o tempo de Jesus, do contexto do Quarto Evangelho e do

1
Cf. MESTERS, Carlos. Raio X da vida. Círculos bíblicos do Evangelho de João. São Leopoldo,
Cebi, 2000, p.11.
6

nosso de hoje. O contrário é verdade também: o Jesus de Nazaré no evangelho do


Discípulo Amado está profundamente envolvido na história; é vivo, polêmico; sua
palavra vai até o fundo e faz sangrar! Resgatar isso é um dos objetivos deste
estudo, por isso, ele tem como tema: “Cristo: a verdade que liberta” (Jo 8,32):
proposta de uma leitura não exclusivista, a partir da cristologia do evangelho
segundo João.
Como qualquer texto bíblico está inserido num contexto histórico e a partir
dele precisa ser compreendido, na primeira parte deste estudo descreveremos os
aspectos literários, a autoria, o contexto histórico, político, social e religioso que
permeiam o texto do Quarto Evangelho. Trata-se de buscar o “chão do texto”.
Mergulhando no texto final do evangelho segundo João, percebemos que
ele tem seu jeito de ser, sua forma de se apresentar. Suas idéias próprias.
Características que o tornam único dentro do Novo Testamento. Por isso, na
segunda parte apresentarem algumas dessas “índoles” próprias deste evangelho.
Emergirão idéias-chaves como: simbolismo e referências a verdade, Vida Eterna e
Filho de Deus.
Finalmente, na terceira parte deste estudo, queremos nos voltar à cristologia
joanina e a partir dela adentrar em seu centro que é a afirmação da realidade da
encarnação (Jo 1,14). Todavia, pretendemos também fazer um movimento deste
centro à nossa realidade de hoje – que chamamos de releitura de João a partir da
cristologia. Traduzimos isso no conceito de hermenêutica em nossa pesquisa.
Pretende-se com esta pesquisa, a partir da cristologia joanina fundamentar
melhor nossas práticas relacionais, pastorais e sociais, a partir de um mergulho no
contexto histórico do Quarto Evangelho (o passado), de sua atualização ao
momento atual (o presente) e na busca de novas “luzes” para o contexto próximo (o
futuro).
7

CAPÍTULO PRIMEIRO

O QUARTO EVANGELHO NO SEU CONTEXTO HISTÓRICO

1.1- ASPECTOS LITERÁRIOS DO QUARTO EVANGELHO:

Sabemos que por volta do ano 30 aconteceu a morte de Jesus de Nazaré 2.


Depois da morte deste, seus seguidores voltaram a se encontrar 3, pois foram
animados pelas aparições do Ressuscitado 4 e viviam na expectativa de sua volta ao
mundo como Senhor e Juiz, para realizar definitiva e universalmente o Reino de
Deus5.
A prática daquilo que Jesus tinha ensinado, principalmente com seu modo
de viver fez a comunidade cristã crescer e se espalhar, como podemos ler nos Atos
dos Apóstolos6. Durante vários decênios, os seguidores de Jesus Cristo formaram
comunidades que se alastraram na Galiléia e em Jerusalém, na Samaria e entre os
judeus espalhados pelo Próximo e Médio Oriente (a diáspora) 7, e graças ao
apostolado de Paulo, também os gentios, inclusive na Europa. O encontro dos
apóstolos em Jerusalém, por volta dos anos 48/49 dC, é um marco na consolidação
das diferenças entre Paulo e Atos dos Apóstolos na Igreja, composta de
comunidades culturalmente diversificadas de judeu-cristãos e de pagãos
convertidos8; as cartas de Paulo de um lado, e a de Tiago por outro, contam estas
duas grandes correntes teológicas no início do cristianismo 9. Esta pluralidade das

2
Cf. THEISSEN, Gerd e MERZ, Annette. O Jesus Histórico: um manual. São Paulo, Loyola, 2002,
p. 179. Trad. Milton Camargo Mota e Paulo Nogueira.
3
Cf. Lc 24,33.
4
Cf. Jo 20,14.19.26.
5
Cf. Este tema é amplamente desenvolvido na 1Ts 5,1-11, sendo que esta carta é “o mais antigo
escrito do Novo Testamento (...), uma comunidade fundada por Paulo, acompanhado por Timóteo, na
sua segunda viagem missionária, por volta do ano 50 dC”. BÍBLIA SAGRADA, Edição CNBB, 2002,
pag. 1384.
6
Cf. At 2,42--47; 4,32-35; 5,12-16.
7
Cf. “Essa palavra tornou-se o termo técnico para indicar as comunidades judaicas estabelecidas fora
da Palestina entre o último século AC e o século I dC (...). Nos primórdios da era cristã, é certo que
havia hebreus na Síria, na Ásia Menor, na Pérsia, na Grécia e na Itália: na primeira metade do século
I dC, sabemos da existência de grupos judaicos em cerca de cento e cinqüenta cidades, tanto dentro
como fora dos limites do Império Romano”. Em At 2,9-11, temos uma lista de cidades e regiões
comprovando onde as comunidades judaicas e judaico-cristãs estavam situadas. Cf. MCKENZIE,
John L. DICIONÁRIO BÍBLICO. São Paulo, Paulus, 9.ed. 2005, p. 236.
8
Cf. At 15.
8

comunidades do cristianismo nascente corresponde os diversos pequenos escritos


da pregação apostólica a respeito de Jesus, inclusive, do Quarto Evangelho.
A convivência da Igreja em Jerusalém com os outros judeus tornou-se
conflitiva certamente a partir do ano 62 dC, quando seu chefe, Tiago Menor é morto
por instigação das autoridades do Templo 10. Naquela época, a comunidade se muda
para Péla, cidade da Transjordânia. No ano 66 dC inicia “a guerra judaica”: os
zelotes11 declaram guerra aos romanos e ocupam o Templo. Outros, inclusive
saduceus12, aderem à revolta. Em 70 dC, os romanos destroem o Templo. Em 73, os
Zelotes acabam num suicídio coletivo em Massada, no deserto de Judá. Neste
momento histórico, muitos cristãos viam nesses acontecimentos um indício da volta
próxima do Senhor Jesus13.
Depois da destruição do Templo de Jerusalém, que acarretou o fim dos
sacrifícios e do sacerdócio, os rabinos de tendência farisaica de Hillel 14 reconstituem
a comunidade judaica em torno do estudo da Torá, em Jâmnia 15. A relação entre a
9
Cf. Gl 2,1-10, onde se trata da assembléia de Jerusalém. Também a Carta aos Romanos apresenta
aspectos semelhantes quanto ao ingresso dos pagãos na comunidade cristã primitiva e os conflitos
decorrentes disso para as comunidades judaicas e as próprias cristãs. Na Carta de Tiago, segundo
nota da Bíblia de Jerusalém, “este escrito é dirigido às doze tribos da Diáspora (1,1), que certamente
são os cristãos de origem judaica, dispersos pelo mundo greco-romano, sobretudo nas regiões
próximas à Palestina, como a Síria ou o Egito” BÍBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo, Paulus, 7.ed.
1995, p. 2260. Outro comentário a respeito diz: “nas deliberações sobre a situação dos cristãos
provenientes da gentilidade e sobre a sua obrigação da prática do judaísmo, Tiago apresentou a
defesa da liberdade dos gentios, propondo que a eles só fossem impostas quatro obrigações
judaicas; a proposta de Tiago foi aceita (At 15,13-23). Cf. MCKENZIE, 2005, p. 931. Contudo, houve
distorção quanto à compreensão da evangelização dos gentios, ocasionando um conflito entre Tiago
e Paulo, mas este se deu devido aos emissários de Tiago, que se opunham aos métodos de Paulo,
que liberava os seus convertidos das prescrições judaicas (Gl 2,12).
10
Cf.Tiago Menor aparece nos escritos como: filho de Alfeu, outro membro dos Doze (MT 10,3; Mc
3,18; Lc 6,15; At 1,13). Foi o chefe da primeira comunidade de Jerusalém ((At 12,17) e é este Tiago
ao qual se atribui a Carta de Tiago. MCKENZIE, 2005, p. 931.
11
Cf. Os Zelotes “são homens ardentes, “cheios de zelo”, desejosos de cumprir a Lei, sobretudo, o
primeiro mandamento: “somente Deus reina em Israel”. E para isso estão dispostos a sacrificar até a
própria vida”. MORACHO, Félix. Como ler os evangelhos: para entender o que Jesus fazia e
dizia. São Paulo, Paulus, 2.ed. 1994, p.109. Neste capítulo o autor apresenta uma boa explicitação
sobre quem eram os Zelotes e sua filosofia nos primórdios do cristianismo.
12
Cf. Os Saduceus eram outro grupo religioso que surgiu na época dos Macabeus (cerca de 200 AC).
Compunha-se de uma classe sacerdotal que administrava o templo. Eram muito conservadores,
procuravam ser fiéis ao AT, mas tinham uma abertura a influencia da cultura grega helenista. Não
aceitavam a doutrina farisaica da ressurreição dos mortos e os prêmios da vida futura (Mc 12,18). Cf.
SCHALAEPFER, Carlos Frederico (et al). A Bíblia: introdução historiográfica e literária. Petrópolis,
Vozes, 2004, p. 122.
13
Cf. Mc 13,1-37. O evangelho segundo Marcos foi escrito por volta de 65 a 70 dC.
14
Cf. SCHALAEPFER, 2004, p.119, onde o autor afirma: “dentro do farisaísmo existiam diversos
grupos, diferentes escolas, sendo que na época de Jesus se destacavam duas de grande
importância: escolas de Hillel e Shamai”.
15
Cf. Embora que segundo o autor Jacob Neusner, conhecido por ter cunhado o termo “judaismo
formativo”, afirma que “os Fariseus estavam bem posicionados para os eventos de 70 dC, pois, seu
programa havia sido elaborado bem antes de 70, colocando-os em uma boa posição para ganhar
influencia depois da destruição de Jerusalém e do Templo. (...) Os Fariseus já possuíam um programa
9

sinagoga judaica e a comunidade cristã é agora acentuada, pois se instaura um


conflito aberto. O Quarto Evangelho conheceu em momentos de sua redação este
clima tenso com esse novo judaísmo, chamado de “judaismo formativo” 16, depois
dos anos 80, embora que a redação final deste fique por volta dos anos 90 a 100
dC. Talvez às alusões à exclusão da sinagoga em Jo 9,22; 12,42 retratem uma
decisão deste grupo de Jâmnia, embora, a perseguição dos cristãos pela sinagoga
pode ser bem mais antiga, como mostram os textos de Marcos e da fonte Q usada
por Mateus17 e Lucas.
Todavia, este conflito com o judaísmo formativo não nos permite afirmar que
o Quarto Evangelho foi escrito na Palestina. A restauração do judaísmo pelos
rabinos não se limitou ao território da Palestina, mas ele repartia o conflito com o
cristianismo, usando carona da mobilidade deste movimento. Seguia ainda o influxo
da diáspora judaica e o confronto com o helenismo. Uma situação semelhante, como
dizíamos acima, é o caso do evangelho segundo Mateus, cuja origem se situa
provavelmente na Síria18. Os estudos recentes tendem a confirmar a opinião
tradicional de que as comunidades às quais se destina o Quarto Evangelho
provavelmente viviam na região de Éfeso, no fim do século I dC 19.

1.1.1- O autor do Quarto Evangelho

Quando falamos da autoria dos evangelhos sempre entramos numa


discussão conflituosa, pois afirmar: evangelho “segundo” Mateus, Marcos, Lucas e

abrangente de identidade social e religiosa que não exigia a presença do Templo. A atividade
farisaica, que foi sintetizada com a recriação do Templo em casa ou na comunhão à mesa, ainda que
utilizasse imagens relativas ao Templo, não exigia a existência de um Templo como tal. NEUSNER,
Jacob. The formation os Rabbinic judaism: Yavneh fron A.D. 70 – 100. IN ANRW II. 19.2, 3-42. IN:
OVERMAN, J Andrew. O Evangelho de Mateus e o Judaismo formativo. O mundo social da
comunidade de Mateus. São Paulo, Loyola, 1997, p. 45.
16
Cf. OVERMAN, 1997, p. 45.
17
Cf. O Evangelho segundo Mateus, escrito por volta de 80 dC retrata explicitamente o conflito com o
Judaísmo Formativo. Veja a obra de STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Mateus: o
caminho da justiça. São Paulo, Paulus, 1991, p. 7-15.
18
Cf. BARROS, Marcelo. Conversando com Mateus. São Leopoldo, Cebi, 1999, p. 15.
19
Cf. Quase todos escritos referentes a este assunto situam a composição do evangelho de João,
embora sendo complexa, na cidade de Éfeso. Veja: BORTOLINI, João. Como ler o evangelho de
João. São Paulo, Paulus, 1994, p. 07. Ainda: BROWN, Raymond. E. A comunidade do discípulo
amado. São Paulo, Paulus, 1984, pp. 25ss. Talvez esta inclinação a Éfeso possa ter vindo da
Tradição segundo santo Irineu, que diz: “João, o discípulo do Senhor, que tinha repousado a cabeça
sobre o peito de Jesus, publicou seu próprio evangelho, enquanto vivia em Éfeso”. ADVERSUS
HAERESES, III, IN: FONSATTI, José Carlos. Introdução aos evangelhos. Petrópolis, Vozes, 2004,
p. 39.
10

João diz respeito a nomes que não faziam parte do texto original, mas foram
acrescentados no século II dC.20.
O nome de João e de sua família não é mencionado nenhuma vez no
Quarto Evangelho. Uma única vez cita-se: “os filhos de Zebedeu” (Jo 21,2). Mas
parecem com freqüência: “o outro discípulo” (1,37-39; 18,15-16; 20,2-8) e “o
discípulo que Jesus amava” (13,23-26; 19,25-27; 20,2-10; 21, 20-23). Do confronto
de todos esses textos resulta que essas duas expressões podem se referir a um dos
doze apóstolos, associado a Pedro e íntimo de Jesus.
Outros autores procuram identificar o “discípulo que Jesus amava” com
Lázaro de Betânia, que é dito “amado por Jesus” (Jo 11, 3.5.11.36) e, também,
porque essa expressão só ocorre no evangelho após a sua ressurreição. Todavia, a
Tradição da Igreja sempre identificou “o outro discípulo” e “o discípulo que Jesus
amava” com João, filho de Zebedeu. E, desde o segundo século, a Tradição Cristã é
unânime ao atribuir o Quarto Evangelho a João, o discípulo amado 21.
Contudo, escreve ainda Konings que:
ao lado destes (o autor fala dos testemunhos acerca da autoria do
evangelho de João) deve-se referir a citação de Pápias, testemunha mais
antiga, porem conhecida apenas através de Eusébio de Cesaréia (século
IV), que o interpreta mal. Depois, de ter mencionado alguns apóstolos e
evangelistas – André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João, Mateus-, Pápias se
refere “ao que dizem Aristião e o ancião João, discípulos do Senhor”. E
continua: (...) Na realidade, o testemunho de Pápias aponta em outra
direção: o autor das Cartas joaninas intimamente relacionadas com o
Evangelho, se intitula “Ancião” (2 Jo 1; 3 Jo 1), enquanto o do Apocalipse se
identifica como João (Ap 1, 1.4.9; 22,8), mas não como ancião e sim, como
irmão (Ap 1, 9), exercendo o profetismo eclesial (Ap 22, 6.9). Por isso, o
ancião João pode antes te sido o autor do Evangelho e das Cartas. Assim, é
provável que a mais antiga tradição tenha apontado para o Discípulo Amado
João, o ancião, e que posteriormente este tenha sido confundido com o
apóstolo João, filho de Zebedeu. É mais provável que a atribuição ao ancião
se tenha transformado em atribuição ao apóstolo do que o contrário- pois
um apóstolo vale mais...22.

20
Cf. KONINGS, Johan. Evangelho segundo João. Petrópolis, Vozes, 2000, p. 31.
21
Cf. “Escreve Irineu de Lião, em 180 dC: “Depois João, o discípulo do Senhor, aquele que se reclinou
sobre seu peito, também ele editou o evangelho, enquanto residia em Éfeso da Ásia (Adversus
Haereses, III). O documento chamado Cânon de Muratori (em 200 dC) diz que: reunidos com João,
os outros discípulos decidem que ele deve ‘escrever tudo sob seu nome’. Clemente de Alexandria
escreve: ‘João, o último de todos, vendo que nos evangelhos se mostra o corporal, incentivado pelos
amigos, divinamente levado pelo Espírito, compôs o evangelho espiritual’ (das Hipotiposes, cit. por
Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica). Os antigos Prólogos latinos dos evangelhos (antes de
200 dC) ensinam que ‘esse evangelho foi dado às igrejas enquanto João ainda vivia, como narra
Pápias de Hierápolis (...) que o escreveu diretamente por ditado de João’”. Cf. KONINGS, 2000, p. 31.
22
Cf. KONINGS, 2000, p. 31-23.
11

Escrevendo também acerca da autoria do Quarto Evangelho e, mostrando


semelhança com a Tradição da Igreja, no tocante numa atribuição errônea do Quarto
Evangelho ao Apóstolo João, afirma Gorgulho:
O Quarto Evangelho é atribuído a João, filho de Zebedeu, um dos Doze. Tal
visão vem de santo Irineu desde o século II de nossa era. A crítica moderna,
no entanto, indica a origem e a autoridade deste evangelho como
testemunho do Discípulo Amado e de sua escola. O evangelho e as três
cartas pertencem a essa tradição vivida durante quase cem anos. O
Discípulo Amado é a testemunha que leva à maturidade a fé em Jesus de
Nazaré, o Messias, Filho de Deus e Palavra encarnada (Jo 1,12-14; 20,30-
31)23.

Pablo Richard também comenta: “o discípulo amado não é o apóstolo João,


irmão de Tiago, filhos de Zebedeu. A identidade do discípulo amado é ser discípulo;
sua honra ou título é ser discípulo, não apóstolo”. E continua: “o discípulo amado,
como autor do evangelho, conservou cuidadosamente seu nome no anonimato, para
fazer ressaltar ainda mais sua condição de discípulo” 24.
Acompanhando esta Tradição percebe-se que o raciocínio para identificar o
Discípulo Amado com o apóstolo João, vai à maioria das vezes, em hipóteses
extraídas do próprio texto bíblico, como: na narrativa da vocação em 1,36-41 está
presente um discípulo anônimo, ao lado de André, que chama Pedro, e ao lado de
Filipe, que chama Natanael. E a partir do capítulo 13 aparece na narrativa o
Discípulo Amado que se inclinou na ceia sobre o peito de Jesus, também designado
como “o outro discípulo” (13,23; 18,15; 20,2.3.8; 21,7.20.23.24). Se olharmos nos
sinóticos, menciona-se que André e Pedro, e Tiago e João, como filhos de Zebedeu.
Logo, tratar-se-ia na citação acima de Jo 1,36-41, também deste mesmo João, do
grupo dos Doze, ainda irmão de Tiago e ainda idêntico ao Discípulo Amado, que
entra em cena em Jo 13-20, em Jerusalém. Sendo íntimo de Jesus, ele deve ter
presenciado a transfiguração e a agonia (Mc 9,2 e 14,33), mas tudo isso não está
em João, e sim, nos sinóticos. Mas o Quarto Evangelho só menciona os Doze em
6,67.70.71 e 20,24 texto bastante influenciado pelos sinóticos, sem aludir ao
apóstolo João. Aqui se abre a hipótese de que no Quarto Evangelho temos uma
postura “desconfiada” em relação ao grupo dos Doze, uma vez que estes
representam a comunidade cristã formada em sua grande maioria, de pessoas
vindas do Judaísmo oficial, (os chamados judeu-cristãos) e como os primeiros
cristãos vindos do paganismo tiveram conflitos com este grupo do Judaísmo
23
Cf. GORGULHO, 2005, p. 75. Oc.
24
Cf. RICHARD, Pablo. A tradição do discípulo amado. Quarto Evangelho e Cartas de João. REVISTA
DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA LATINO AMERICANA, N˚ 17, Petrópolis, 1994, p. 20.
12

Formativo e com os Judeu-cristãos25, a menção aos Doze não é muito prestigiada


neste evangelho. Logo, parece pouco provável que os demais textos se refiram ao
João da lista dos Doze. Assim, seguimos a hipótese da autoria do Quarto Evangelho
através da comunidade do Discípulo Amado, pois temos a impressão de que a
tradição ulterior a respeito do autor do Quarto Evangelho reuniu em torno dos filhos
de Zebedeu dados que nos evangelhos se referem a diferentes personagens.
Contudo, esta questão quanto à autoria do Quarto Evangelho ainda está bastante
aberta e constantemente saem pesquisas a respeito, mas em grande parte, elas
inclinam-se para a hipótese da identificação de João com o discípulo predileto 26.

1.1.2- A tradição do Discípulo Amado27

O Quarto Evangelho nos chama a atenção para uma testemunha ocular aos
pés da cruz de Jesus (Jo 19,35). Afirma ainda que esta testemunha era “o discípulo
28
que Jesus amava” . Em Jo 21, 20.24, menciona-se que este Discípulo Amado dá
um testemunho e que “escreveu essas coisas”. Como vimos acima, ao longo da
história acerca do autor deste evangelho, o discípulo amado foi identificado com
João – filho de Zebedeu, com Lázaro de Betânia, com João Marcos e com Tomé.
Mas a presença do Discípulo Amado aos pés da cruz, momento em que todos os
discípulos fugiram29 nos sugere que ele não era do número dos Doze e, portanto,
trata-se de outra pessoa30.
Provavelmente, o Discípulo Amado era um judeu da Palestina, “um dos
discípulos de João (Batista) que chega a ser discípulo de Jesus, que forma junto
com André, Simão, Filipe e Natanael uma primeira comunidade (Jo 1,19-51)” 31.

25
Cf. OVERMAN, 1997, p. 68. “O Evangelho segundo Mateus reflete esse desenvolvimento
institucional pequeno e inicialmente simples, mas assim mesmo crucial, do judaísmo formativo que
está ocorrendo em seu ambiente. Entre os escritores dos Evangelhos, Mateus é o que indica mais
claramente o estabelecimento de locais de reunião para a comunidade judaica, um grupo com o qual
a comunidade de Mateus está claramente em disputa”.
26
Cf. RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré. São Paulo, Planeta, 2007, pp. 197- 200. Trad. José
Jacinto Ferreira de Farias, onde o autor apresenta as recentes pesquisas em torno da autoria do
Quarto Evangelho.
27
Cf. RICHARD, 1994, pp. 7-26. O autor faz uma boa descrição deste Discípulo Amado.
28
Cf. Jo 19,26.
29
Cf. Jo 19,25-26.
30
Para este estudo da Tradição do Discípulo Amado seguimos como referência as obras de: BROWN,
Raymond. E. A comunidade do discípulo amado. São Paulo, Paulus, 1984. GORGULHO, Fr.
Gilberto. O Evangelho e a Tradição Joanina. pp. 75-87 IN: ANDERSON, Ana Flora (et al). A
História da palavra II. São Paulo, Paulinas, 2005.
31
Cf. RICHARD, 1994, p. 24.
13

Durante o ministério público de Jesus, esse discípulo é uma figura discreta, mas
muito próximo e amigo do Mestre da Galiléia. Ele aparece, provavelmente em Jo
1,35-40, como anônimo. Na narrativa da Paixão, aparece com freqüência 32. Ele está
também na última ceia (Jo 13,23-25), está no pátio do sumo sacerdote como o
“outro discípulo” e tem ligações nesse ambiente 33. Está ainda ao pé da cruz quando
os demais fugiram (Jo 19,25). Aparece como figura importante ao lado de Pedro,
embora que neste evangelho temos um conflito explícito entre estas duas figuras,
que na realidade vivencial da composição dos textos representa um conflito
eclesiológico entre a comunidade dos Judeu-cristãos e a comunidade do Discípulo
Amado34. Isto transparece na própria legitimação de quem é o Discípulo Amado: é
alguém que ficou desde o início até o fim ao lado do Mestre (Jo 19,25), representa a
dimensão do serviço e da caridade (Jo 13,14). É testemunha do túmulo vazio. Ele é
o primeiro a chegar ao sepulcro de Jesus (Jo 20,4). O Discípulo Amado está
presente na cena da pesca que simboliza a missão das comunidades cristãs (Jo
7,20). Logo ele representa a eclesiologia das comunidades joaninas: amor, acolhida
e serviço. Já a eclesiologia mais institucionalizada está representada na figura de
Pedro, por isso, ele não aceita que o Mestre lave seus pés (Jo 13,6-8). É o primeiro
a entrar no local do sepulcro vazio e comanda a missão das comunidades cristãs no
mundo (Jo 21,15-17). Tudo isso faz com que Pedro, no Quarto Evangelho apareça
como representante de uma eclesiologia mais hierárquica, institucionalizada, cujas
características mais fortes são o poder, a exclusão e a separação entre hierarquia e
leigos. Esta é mais exclusivista, enquanto aquela é mais inclusiva 35.
Logo, este retrato do Discípulo Amado que a tradição criou, sustentou e
animou, explica em parte a origem e as etapas da formação do evangelho que lhe é
atribuído, pois “é de grande utilidade para esta compreensão do evangelho e das
cartas reconstruírem a história da comunidade onde esteve sempre vivo o
testemunho do discípulo amado e onde este testemunho foi sucessivamente sendo
36
relido e escrito nas novas situações históricas que a comunidade teve de viver” .O
Discípulo Amado é colocado em paralelo imediato com Pedro, especialmente nesse
momento da união entre a comunidade do Discípulo Amado e a comunidade dos

32
Cf. Jo 18,15; 20,2.3.
33
Cf. Em Jo 18,15-16.
34
Cf. GASS, Ildo Bohn. Uma introdução à Bíblia. As comunidades cristãs da primeira geração.
São Paulo, Cebi/Paulus, 2005, p. 48. Vol 7. O autor trabalha como um dos conflitos da comunidade
Joanina sua relação com as igrejas de Jerusalém, que foram fundadas por apóstolos e familiares de
Jesus, sendo Pedro o principal representante dos apóstolos fundadores dessas igrejas.
35
Cf. GASS, Ildo Bohn. Uma introdução à Bíblia. As comunidades cristãs da segunda geração.
São Paulo, Cebi/Paulus, 2005, p. 47. Vol 8. Sobre o projeto das comunidades joaninas, o autor
afirma: “reunidos nas comunidades joaninas, os grupos mais marginalizados pelas instituições
judaicas experimentam o amor de Deus que se revelou em Jesus de Nazaré. Ele veio realizar a
definitiva aliança (Jo 2,1-12). Sentiam sua presença viva no Espírito enviado pelo Pai. Era ele a
autoridade das igrejas. Por isso, não permitiram que suas comunidades se hierarquizassem. O poder
serviço era a forma de exercer a autoridade (Jo 13,1-17). O amor era a única lei. Era o critério que
orientava as novas relações nessas comunidades de iguais Jo 13,34-35)”.
36
Cf. RICHARD, 1994, p. 24.
14

Doze, liderada por Pedro37. Temos aqui um conflito interno da comunidade cristã,
bem como, outros conflitos externos, que ainda serão aprofundados neste estudo.
O conflito interno, representado pelas figuras de Pedro e o Discípulo Amado
aparece mais explicitamente no Quarto Evangelho quando Pedro interroga Jesus
por meio do Discípulo Amado (Jo 13,21-24), e quando ele tem a primazia como
testemunha que constata o túmulo vazio (Jo 20,4-6). Logo, “o Discípulo Amado é
apresentado como a testemunha principal dos acontecimentos fundamentais para a
fé em Jesus de Nazaré, o qual fez muitos sinais no meio do povo, desde a Galiléia
até Jerusalém, onde foi crucificado e sepultado, e apareceu vivo aos seus discípulos
e discípulas (Jo 20,8.30-31)”.38

1.1.3- A composição dos escritos

Analisando atentamente o Quarto Evangelho percebemos que em sua


redação final, escondem-se camadas mais antigas 39, que deixaram seu traço no
texto atual. Todavia, a formação do texto final do Quarto Evangelho sempre foi
permeada por conflitos em relação à sua interpretação 40. Um artigo afirma:
(...) o evangelho segundo João é fruto de um longo processo de redação e
que esta se desenvolveu em meio à (e muito em função de) agudos
conflitos em torno de sua interpretação. Mas há um ponto de partida para
tudo isso: o de que a chamada ‘tradição do discípulo amado’ se
desenvolveu por caminhos muito próprios e originais em face da história
muito peculiar da comunidade em que se desenvolveu, e isso ao mesmo
tempo foi motivo de distanciamento frente a outros grupos seguidores de
Jesus e causa do seu posterior esfacelamento41.
Mas, basicamente grande parte dos livros que apresentam estudos acerca
deste evangelho, é unânime em colocar cinco fases no processo da composição dos
textos42. Embora, o Quarto Evangelho levou muito tempo para ser escrito, seu

37
Cf. RICHARD, 1994, p. 20. Tratando-se dos conflitos da comunidade do Discípulo Amado, em
relação com as igrejas apostólicas, o autor afirma: “o quarto evangelho não menciona os apóstolos. O
termo ‘apóstolo’ aparece só em 13,16 com o sentido comum (não técnico) do ‘enviado’. A figura mais
destacada no Evangelho é a do discípulo, sobretudo na expressão ‘o discípulo amado’. O autor faz
um contraste, pois, tendo em vista o contexto histórico posterior ao ano 70, entre o discípulo amado,
como tipo da Igreja do quarto evangelho, e Pedro, como tipo das igrejas apostólicas”.
38
Cf. GORGULHO, 2005, p. 76.
39
Cf. THEISSEN, 2002, p. 55.
40
Cf. LOCKMANN, Paulo. O Evangelho de João e o testemunho criativo do povo. Estudos Bíblicos,
n˚ 42, Petrópolis, Vozes, p. 82.
41
Cf. VASCONCELOS, Pedro Lima. O caminho é estreito: idas e vindas na incorporação (de parte) da
tradição joanina ao cânon do Novo Testamento. Ribla, n˚ 42/43, Petrópolis, 2002, p 124.
42
Cf. KONINGS, 2000, p. 35-36; GORGULHO, 2005, p.76-78. MESTERS, 2000, p. 11-12. RICHARD,
1994, p. 24-26.
15

processo começa por volta do ano 27 dC, com a vida pública de Jesus 43, que se
insere no contexto dos movimentos de renovação intrajudaicos do século I dC. 44,
onde acredita-se que Ele tenha sido parte e depois se separado do movimento de
João Batista45, pois, “Jesus apareceu publicamente pela primeira vez como discípulo
de João Batista”46. Esta afirmação fundamenta-se no Quarto Evangelho porque
acontece uma assimilação cristã de João Batista de uma maneira mais intensa,
onde este é testemunha de Jesus, o Filho de Deus (Jo 1,7.15.29-34). No Evangelho
do Discípulo Amado, ao contrário dos Sinóticos, João Batista rejeita todos os títulos,
mesmo o de profeta (1,19) e para sua identificação como o que batiza com o Espírito
(1,31). João é várias vezes contraposto a Jesus (1,7; 3,30; 10,41), por isso, “discute-
se se no fundo há uma situação de concorrência atual entre a comunidade cristã e
os discípulos de João que o consideravam messias” 47.
Após a morte de Jesus, provavelmente o grupo que o seguia desde a
Galiléia se dispersou por algum tempo. A morte violenta de Jesus na cruz gerou uma
crise interna neste grupo, pois, eles tinham colocado em Jesus suas esperanças. A
execução do Mestre foi um golpe violento para os seguidores que se formaram ao
seu redor (Lc 24,13-35). O poder da morte que eliminou Jesus também apagou a
esperança em quem o seguia (Jo 20,19). Os onze apóstolos haviam perdido a fé a
tal ponto que, nem mesmo quando as mulheres já haviam feito a experiência com
Jesus ressuscitado, acreditaram nelas (Jo 20,1-10; Lc 24,11; Mc 16,11). Logo, a fé
na ressurreição foi um longo processo de amadurecimento 48.
43
Cf. Segundo Theissen a primeira aparição pública de Jesus ocorreu entre 26 e 29 dC. Esta
constatação é confirmada a partir do sincronismo de Lc 3,1 “no décimo quinto ano do governo de
Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia...”. Ainda em Lc 3,23 se afirma que Jesus
tinha cerca de 30 anos quando começou sua atividade pública. Finalmente, na estrutura da
purificação do Templo, que em Jo ocorre no início da atividade de Jesus, os judeus declaram que o
templo completava então 46 anos (Jo 2, 20). Herodes iniciou a construção do templo em seu oitavo
ano, 20/19 aC. A mencionada Páscoa dos judeus (Jo 2,13), caiu na primavera do ano 27 ou 28 dC.
THEISSEN, 2002, p. 177. Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. Jesus Cristo nos quatro evangelhos.
São Leopoldo, Unisinos, 2001, p. 238.
44
Cf. THEISSEN, 2002, p. 162. Dentre os movimentos o autor cita: João Batista, Jesus de Nazaré, o
profeta samaritano, Teudas, um profeta anônimo, o “egípcio”, Jesus, filho de Ananias e os profetas do
cerco de Jerusalém.
45
Cf. JEREMIAS Joachim. Teologia do Novo Testamento, Trad. João Resende Costa. São Paulo,
2004, Paulus, 2004, p. 94. Este autor afirma que “houve diversos vínculos que ligavam Jesus ao
Batista. Segundo João 1,35-39, Jesus tomou os seus primeiros discípulos do grupo de João. Ainda
que a descrição joanina da vocação dos primeiros discípulos se distancie totalmente da dos Sinóticos
(Mc 1,16-20), a notícia de que os primeiros discípulos de Jesus haviam sido seguidores do Batista
tem uma grande probabilidade interna a seu favor, ainda mais que, ao mesmo tempo, algo
correspondente é pré pressuposto pelos Atos na narrativa sobre a reconstituição do círculo dos doze
(At 1,21s)”.
46
Cf. THEISSEN, 2002, p. 260.
47
Cf. THEISSEN, 2002, p. 228.
48
Cf. GASS, 2005, p. 16. V. 7.
16

A partir dessa experiência da ressurreição, a segunda etapa de composição


dos textos do Quarto Evangelho começa por volta dos anos 35 a 50 dC, onde se dá
o nascimento da comunidade, a qual se compõe de discípulos e discípulas oriundos
da Galiléia até Jerusalém. Provavelmente, as comunidades do Discípulo Amado “se
organizaram inicialmente a partir de judeus, especialmente da Galiléia, onde Maria
Madalena certamente teve um papel destacado” 49. Nesta etapa, “é possível que a
comunidade tivesse uma tradição oral ou um escrito semelhante aos sinóticos,
50
escrito que continha os sete sinais e o relato da paixão de Jesus em Jerusalém” .
Essas comunidades “ligadas ao Discípulo Amado viviam na Palestina,
provavelmente na Galiléia. Reuniam judeus, galileus, samaritanos e helenistas.
Eram comunidades abertas e acolhedoras, que recebiam qualquer pessoa sem
perguntar de onde vinha. Muitos deles, por exemplo, foram discípulos de João
Batista” 51. O evangelho estruturava-se em uma narrativa da paixão: desde Jo 2 vem
o sinal do Templo, a decisão de matar Jesus é colocada em Jo 11,47-53, a unção em
Betânia é colocada antes da entrada em Jerusalém (Jo 12,1-8); a agonia no jardim
do Getsêmani está em 12,27-28, antes da última ceia. A pergunta se Jesus é o
Messias está em Jo 10,24-33, com a condenação por blasfêmia. Nessa época, a
comunidade em fidelidade à memória de Jesus assume uma atitude profética, crítica
da Lei e do Templo. Mas entra em contato com judeus, com discípulos de João
Batista e com samaritanos52. Aqui nasce uma cristologia, expressão da fé no
crucificado53. A comunidade vive o batismo e a eucaristia (esta ainda compreendida
como “Ceia do Senhor” 1 Cor 11,20), sinal de sua identidade e fidelidade ao
Crucificado54. Todavia, este rito da Ceia do Senhor, instaurado por Jesus se distancia
do rito da “Páscoa” dos judeus (Jo 11,55) pelo fato de não comportar mais a
imolação ritual de um cordeiro. Mas este rito complementa “a Páscoa judaica de
modo incomparável, ao se manter como sacrifício, ou seja, uma oferenda e uma
refeição, e ao conservar os três elementos da Páscoa: o pão ázimo, o cordeiro

49
Cf. GASS, 2005, p. 120, V 8.
50
Cf. RICHARD, 1994, p. 24
51
Cf. MESTERS, 2000, p. 11.
52
Cf. O capítulo: Na Peleja, de JAUBERT, Annie. Leitura do Evangelho Segundo João. São Paulo,
Paulinas, 1985, pp. 7-13, onde a autora faz um estudo exaustivo sobre os conflitos na comunidade
Joanina com os discípulos de João Batista, com os judeus e com a ofensiva gnóstica.
53
Cf. SCHNACKNBURG, 2001, p. 259.
54
Cf. GORGULHO, 2005, p. 76.
17

imolado e o sangue que salva”55. Aqui poderíamos afirmar que Jesus tem presente o
projeto do Êxodo cap. 12.
Uma terceira etapa de composição dos textos dá-se entre os anos 50 e 70
dC, onde a comunidade cristã cresce em sua fidelidade ao Mestre, Morto e
Ressuscitado. Acentuam-se as críticas ao Templo, às instituições do Templo e às
exigências da Lei começaram a se intensificar. Há uma aproximação com o grupo
dos helenistas (Estevão, Filipe e companheiros). A cristologia progride, dando
origem à alta cristologia56. Cresce também o conflito com os discípulos de João
Batista, com os cristãos judeus e com os crentes temerosos de represália. Esta alta
cristologia leva a um aprofundamento do Mestre, como aquele que substitui a
Aliança (Jo 2,1-12); o Templo (Jo 2,13-23); a Lei (Jo 2,23-3,21); as Mediações (Jo
3,22-4,3) e o Culto Discriminatório (Jo 4,4-44). Ainda Jesus é visto como o novo
realizador das festas e instituições mosaicas (Sábado Jo 5,9; Páscoa 2,13; Tendas
7,2; Dedicação 10,22), e da promessa feita à descendência de Abraão (Jo 8,37-
41.56-59).
A quarta etapa de composição dos textos começa com o conflito com a
autoridade dos judeus, por volta dos anos 70 dC, com a destruição do Templo de
Jerusalém e, por conseguinte, a afirmação das comunidades judaicas em torno das
Sinagogas. “Nasce o judaísmo rabínico, que tem o Sinédrio e a Academia de Jâmnia
57
como centro” . Do judaísmo sobraram apenas dois grupos mais organizados: os
fariseus e os cristãos. Os fariseus tomaram a iniciativa de reorganizar a religião
judaica a partir do culto nas sinagogas. Esta organização gerava conflitos com as
comunidades cristãs, sobretudo, com as comunidades do Discípulo Amado. Pois,
estas eram abertas, tolerantes e ecumênicas. Reuniam gente como galileus,
samaritanos, judeus de origem helenista e até pagãos, todos congregados em nome
de Jesus Ressuscitado. Eles não queriam e nem podiam assumir a proposta
exclusivista adotada pelos fariseus, que buscava separar novamente o povo judeu
das outras nações. Logo, cresciam as rivalidades entre cristãos e judeus, chegando
ao ponto de eles se excomungarem mutuamente 58. Para enfrentar essa situação de

55
Cf. DROLET Gilles. Compreender o Antigo Testamento. Um projeto que se tornou promessa.
Trad. Tiago José Risi Leme., São Paulo, Paulus, 2008, p. 221.
56
Cf. RATZINGER, 2007, p. 194. Na terceira parte deste estudo aprofundaremos as conseqüências
da Cristologia para a comunidade do Discípulo Amado.
57
Cf. RICHARD, 1994, p. 25.
58
Cf. Jo 6,41-51; 8,13-30; 8,48-59; 10,31-39.
18

perseguição, a comunidade do Discípulo Amado começa a intensificar seus


escritos59, que servem para confirmar e animar a identidade cristã dos seus
discípulos. Ou seja,
para ajudar as comunidades a se situar dentro do conflito, o Discípulo
Amado ou alguém muito ligado a ele colocou por escrito o conjunto das
tradições sobre Jesus que eram transmitidas na catequese. Com este
conteúdo ele fez o esboço de dois livros: o Livro dos Sinais (Jo 1,19-11,54)
e o Livro da Glorificação (Jo 13,1-20,31). Esta foi a primeira redação do
Quarto Evangelho, cuja conclusão ainda se encontra no final do capítulo 20
(Jo 20, 30-31) 60.

Mas esta escrita do evangelho fortaleceu a comunidade cristã e fez surgir


também conflitos e até aproximações da comunidade do Discípulo Amado com as
Igrejas reunidas em torno dos Doze 61. Neste período histórico, a comunidade se
desloca para o Norte da Palestina, para a Síria e também para o Ocidente, na região
de Éfeso, onde já havia comunidades dos discípulos de João Batista e dos apóstolos
cristãos62.
Em Éfeso, se desenvolveu o aspecto universalista da pregação 63. Houve
aprofundamento e um desenvolvimento da alta cristologia 64 (a divindade de Jesus,
igualmente e união com o Pai, a preexistência da Palavra, ou a Sofia de Deus
encarnada no Homem de Nazaré65).
Finalmente, a quinta etapa tem seus inícios por volta dos anos 90 se
estende a 120 dC. É um momento em que a comunidade do Discípulo Amado é
marcada por uma crise no interior da própria comunidade cristã em vista de uma
união mais intensa com a comunidade dos Doze. Surgem os escritos das três cartas
(1, 2 e 3 João) que “definiram um rumo para a compreensão do evangelho joanino”
66
. Nasce também no meio desta comunidade, segundo alguns autores, uma
corrente helenizante e gnóstica 67 que espiritualiza em demasia o evangelho do

59
Cf. BULTMANN, Rudolf. The gospel of John: a commentary. Oxford, Brasil Blackwell, 1971, p. 6-
6. Cf. IN: VASCONCELLOS, 2002, p. 125. A tese de Bultmann é a de que o evangelho segundo João
tem como fontes um relato dos sinais, uma narrativa da paixão e uma coletânea de palavras de
Jesus.
60
Cf. MESTERS, 2000, p. 12.
61
Cf. RICHARD, 1994, p. 25.
62
Cf. Jo 7,35.
63
Cf GASS, 2005, p 122, V 8.
64
Cf. THEISSEN, 2002, p. 56.
65
Cf. Jo 1,1-18; Cl 1,15-20; 1 Jo 1,1-4.
66
Cf. VASCONCELLOS, 2002, p. 127.
67
Cf. KOSTER, Helmut. Ancient Christian Gospels. Londres, 1990, pp. 173-196. IN:
VASCONCELLOS, 2002, p. 125. O autor trabalha a questão do gnosticismo relacionado ao evangelho
segundo João afirmando que: “o ‘gnosticismo de João provém não de uma ‘gnose’ já formada em sua
época (...), mas de um acúmulo de influências do mundo religioso palestino e do Oriente no século I:
antes de tudo idéias veterotestamentárias, especialmente do âmbito sapiencial...; o ambiente religioso
19

Discípulo Amado68. As cartas de João, escritas por um ancião 69, que também provém
do ambiente Joanino, permitem perceber suas tensões internas 70 e, ao mesmo
tempo, estas cartas são um resgate da Tradição e visam dar diretrizes para a
compreensão do evangelho como foi desde o princípio. Surgiram anticristos na
comunidade: negavam Jesus Cristo, isto é, dissociavam o homem histórico Jesus de
Nazaré e o Cristo Celeste, o Filho enviado pelo Pai 71.
Além disso, nesta etapa da comunidade do Discípulo Amado, vive-se um
modelo eclesial mais igualitário e comunitário 72, movido pela unção do Espírito
Santo, que santifica e ilumina os seus membros 73. Esta eclesiologia é marcada nos
textos do Quarto Evangelho no discurso de despedida (Jo 13–17), sendo que na
primeira parte (13-14) corresponde à união íntima com Jesus, o qual vem morar com
seus seguidores no ato de amor que tornam presentes o Pai, o Filho e o Espírito.
Depois, na segunda parte (Jo 15-17) acentua-se a realização da escatologia na vida
da comunidade que enfrenta o mundo, mas é fortificada pela presença e atuação
constante do Espírito da Verdade 74. Na Primeira Carta de João, este tema aparece
sob o ensinamento de que Deus é luz e andar na luz como filhos de Deus é viver o
amor fraterno, pois “Deus é amor” 75.
Em fim, nesta quinta etapa da formação dos textos bíblicos podemos dizer
que se trata da redação final do evangelho. O contexto de expulsão das sinagogas
ainda é muito forte (Jo 9,22.34-36; 16,1-2). É a hora em que “acontece a
76
organização do material produzido e vivido na tradição do Discípulo Amado” .
Provavelmente, trata-se de alguém muito próximo do Discípulo Amado que faz a
junção dos dois livros principais: O Livro dos Sinais (1,19-11,54) e o Livro da
Glorificação (13,1-20,31), sendo que na primeira parte, como no relato da Paixão,
prevalecem o conflito com “os judeus” (= autoridades judaicas), que depois são
ligadas entre si através das reflexões contidas no capítulo 12 (Jo 11,55-12,50).
de Qumran, sobretudo no que tange ao dualismo luz/trevas, etc.; a religiosidade helenística em geral
no seu afã por estabelecer certo parentesco entre a divindade e o ser humano... o gnosticismo cristão
posterior foi influenciado precisamente pelas idéias do evangelho de João, utilizado com muita
freqüência, e não o contrário”.
68
Cf. ROTEIROS PARA REFLEXÃO. Evangelho de João e Apocalipse, São Paulo, Cebi/Paulus,
2000, n˚ IX, p. 11.
69
Cf. GASS, 2005 p.133, V 8.
70
Cf. GASS, 2005, p. 132, V 8.
71
Cf. 1 Jo 2,18-23.
72
Cf. RICHARD, 1994, p. 26.
73
Cf. 1 Jo 2,27-29.
74
Cf. Jo 17,17-19.
75
Cf. 1 Jo 4,7-10.
76
Cf. GORGULHO, 2005, p. 78.
20

Depois, acrescentou o Prólogo (Jo 1,1-18), compôs o Apêndice (Jo 21,1-23) e fez
uma nova conclusão (Jo 21,24-25), sendo que estas partes foram redigidas após a
expulsão dos cristãos das sinagogas judaicas e aqui prevalece o conflito com “o
mundo” (Jo 16,2) (= autoridades judaicas e Greco-romanas). Esta edição final,
segundo alguns estudiosos77 foi realizada por volta do ano 100 dC na cidade de
Éfeso, Ásia Menor, onde hoje é a Turquia.

1.2- A COMUNIDADE DO QUARTO EVANGELHO

1.2.1- Características econômicas e sociais

Talvez uma das primeiras constatações que podemos perceber ao estudar o


texto do Quarto Evangelho é a sua linguagem mais urbana, em detrimento dos
Sinóticos que apresentam um ambiente preponderantemente rural 78.
Outra característica marcante é a de que o Quarto Evangelho não realça de
modo especial o mundo dos pobres79. Em vez de colocar camponeses sofridos,
como aparece nos Sinóticos80, encontramos João Batista, de família sacerdotal 81 (Jo
1,29); temos ainda uma família oferecendo uma festa de bodas em Caná (Jo 2,1-11);
um fariseu e chefe dos judeus, Nicodemos (Jo 3,1); um funcionário real em
Cafarnaum, que se converte com “toda a sua casa” (Jo 4,53), isto é, família,
servos...; a família de Lázaro, que oferece um banquete a Jesus e recebe visita dos
judeus influentes de Jerusalém (Jo 11,45) e um discípulo predileto familiarizado com
a casa do sumo sacerdote (Jo 18,15). Talvez o Quarto Evangelho, com isso, reflita

77
Cf. THEISSEN, 2002, p. 56. Sobre o local da autoria do Quarto Evangelho, este estudioso afirma: “a
data de redação pode ser posta na virada do século. (...), informações seguras sobre o local de
redação não existem. Os primeiros testemunhos e recepção apontam para o Egito, mas os estudos
de Hengel demonstram que também houve uma antiga e importante recepção de João na parte
ocidental da Ásia Menor, onde a tradição localiza o evangelho (Éfeso). Relações estreitas com o
movimento do Batista, a proximidade histórico-religiosa com as Odes de Salomão, Inácio de Antioquia
e com os escritos mandeus, assim como a rude oposição aos “judeus” numa pré-história sinagogal da
comunidade sugerem a Síria como local de redação”.
78
Cf. MESTERS, 2000, p. 15. O autor faz uma comparação interessante entre o evangelho segundo
João e os outros três sinóticos.
79
Cf. RICHARD, 1994, p. 8.
80
Cf. Lc 2,1-20.
81
Cf. DOD, Charles Harold. A interpretação do quarto evangelho. São Paulo, Paulus, 2003, p. 315.
Usamos esta expressão devido à afirmação de João Batista: “eis o cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo”. Este gênero vicário pode nos colocar num contexto de linguagem sacerdotal ou
sacrifical.
21

até certo ponto a sociedade urbana helenista, com sua estrutura clientilista, na qual
cabia aos cidadãos influentes o cuidado com os pobres a eles ligados. A participação
desses cidadãos na comunidade 82 era por um lado edificante, mas por outro,
problemática, pois facilmente se tornavam os donos do campo 83 e essas pessoas de
prestígio eram as mais visadas pela concorrência da Sinagoga 84.
Mas, mesmo tendo uma linguagem mais urbana, as comunidades do Quarto
Evangelho eram fortemente comunitárias, pois garantiam certa previdência social
aos pobres85. A insistência no amor fraterno e comunitário (Jo 13, 14.34-35), que
incluía naturalmente os pobres e o dever de partilhar os bens com os necessitados é
acentuado em 1 Jo 3,17; 4,20.
Por fim, o destaque às classes mais pobres da comunidade joanina se faz
presente nos relatos onde aparecem pessoas que estão longe do grupo dominante
e, portanto, a margem da sociedade: o aleijado de Betzaida (cap. 5) e, sobretudo, o
cego de nascença, implicado num interrogatório sobre a observância do sábado,
enquanto testemunha que Jesus é profeta (cap. 9). Também a samaritana é
apresentada como alguém à margem da sociedade: mulher e samaritana, uma vez
86
que, no tempo de Jesus, a mulher era “em tudo inferior ao homem” , mas “no
evangelho de João, ao contrário, o papel desempenhado pelas mulheres é notável”
87
. Contudo, a todas essas pessoas é oferecido o dom de Deus em Jesus e,
logicamente, a acolhida em sua comunidade 88.

1.2.2- Características políticas

82
Cf. Tg 2,1ss; 4,13-5,11.
83
Cf. Como por exemplo, Diótrefes, na 3Jo 9-11.
84
Cf. Jo 12,42-43.
85
Cf. Jo 12,5-6; 13,29, onde aparece que a prática da esmola é pressuposta.
86
Cf. MORACHO, Félix. Como ler os evangelhos: para entender o que Jesus fazia e dizia. São
Paulo, Paulus, 1994, p. 23.
87
Cf. KONINGS, 2000, p. 43.
88
Cf. Jo 8,11.
22

O Quarto Evangelho não apresenta com entusiasmo o messianismo


político89, por isso, Jesus não concorda com o messianismo nacionalista 90 e nem
anuncia o Reino de Deus, que os judeus entendiam nesse sentido, mas dizendo
“meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36), coloca o ‘reino’ para lá de sua vitória
sobre o “chefe deste mundo”, que se dá na sua glorificação 91. Aliás, no evangelho
segundo João, o título “rei dos judeus” é tratado com certa “ironia joanina” 92.
Ainda dentro do aspecto político, o Quarto Evangelho também não mostra
interesse especial pelo Império Romano (como é nos evangelhos Sinóticos).
Contudo, a maneira como é tratado o processo de Jesus perante Pilatos (18,28-
19,22) mostra tanta ironia a respeito do governador romano e sua autoridade que
podemos inferir que, no mínimo, João não busca a simpatia dos romanos. Este
desprezo pelo Império Romano se justifica uma vez que a situação difícil da
comunidade joanina, principalmente por volta dos anos 90 dC, dominada, explorada
e perseguida pelo Império Romano (Jo 16,2), levou até as comunidades do
Discípulo Amado a valorizar, aprofundar e defender a vida. Isto transparece em todo
o evangelho, onde a palavra vida aparece 36 vezes e o próprio Jesus se define
como Vida: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Ou seja, quando se repete
muito uma idéia, no caso, a valorização da vida, porque a mesma se encontra
ameaçada!
Todavia, o relacionamento da comunidade Joanina com o Império Romano
precisa ser entendido dentro do conflito desta comunidade com o Judaísmo Oficial,
onde “as comunidades joaninas sofreram forte perseguição por parte das
autoridades judaicas das sinagogas” 93. Mesmo que esse conflito descrito no
evangelho segundo João reflete a perseguição dos anos 80 dC, quando os cristãos
foram expulsos das sinagogas, ele já havia começado bem antes e se agravado
décadas mais tarde.
Praticamente, sabemos que houve por parte de um grupo do Judaísmo
Oficial uma estreita relação com o Império Romano, e este era o grupo dos
89
Cf. DOD, 2003, pp. 303-318. Nestas páginas, o autor falando do Messias no evangelho segundo
João, apresenta a tese de que “este termo está intimamente relacionado com a expressão “Cordeiro
de Deus”, onde na sua primeira intenção é provavelmente um título messiânico, virtualmente equivale
a “Reino de Israel”, tomado pelo evangelista de uma tradição que também está subjacente ao
Apocalipse de João”. Oc, p. 315.
90
Cf. Jo 6,14-15.
91
Cf. KONINGS, Johan. “Meu reino não é deste mundo”: de que reino se trata? Ribla, n˚ 17,
Petrópolis, 1994, pp. 54- 64.
92
Cf. Jo 19,19-22.
93
Cf. GASS, 2005, p. 50, V 7.
23

Saduceus, pois eles “politicamente praticavam colaboração com o poder dominante,


que os protegia”94. Pouco depois da Páscoa do ano 70 dC, a cidade de Jerusalém,
ainda cheia de peregrinos, foi atacada por Tito com quatro legiões dentro de um
cerco que durou quatro meses. O Templo foi arrasado e no local em que antes eram
oferecidos os sacrifícios a Javé, Tito mandou oferecer sacrifícios em honra de
Júpiter, o Deus dos romanos 95. Dois anos mais tarde, a última resistência judaica
caiu com o suicídio coletivo dos lutadores refugiados na fortaleza de Massada, sob o
comando de Eleazar96. Esta destruição de Jerusalém foi também um abalo para os
cristãos.
Depois da destruição de Jerusalém, os fariseus se reagrupam em Jebneel
ou Jâmnia em hebraico, ou ainda conhecida como Jabne em grego, uma cidade
portuária que fica na fronteira sul da Judéia, próxima a região dos filisteus (2Cor
26,6) e começam a reorganização de judaísmo, sendo ali reconhecidos como
interlocutores oficiais de Roma com o judaísmo. Estabelecem normas para definir
quem é judeu e quem não é; quem pode ser rabino e quem não pode. Os cristãos
da Judéia também se reorganizam em Pela, na Decápole nesse mesmo período.
Quando, sob o imperador Trajano (98–117), a perseguição foi deflagrada tanto
contra judeus como contra cristãos, o perigo comum não levou a uma defesa
comum. Pelo contrário, denúncias, acusações e perseguições mútuas levaram-nos a
separar-se cada vez mais (Ap 2,9; 3,9). O conflito entre judeus e cristãos repercutiu
no conflito entre os cristãos e o império 97, seja pela influência dos judeus às
autoridades romanas, seja pelo fato de os cristãos serem excluídos da sinagoga que
representava para os cristãos uma mudança brusca de vida.
Esta mudança radical de vida, quando um cristão era expulso da sinagoga
acontecia principalmente em relação à identidade deste, pois, pertencer a uma
sinagoga judaica era garantia de identidade em qualquer lugar onde havia sinagoga,
mesmo num território da Diáspora. Significativa também direito à escola e um lugar
no cemitério, no sentido de ser enterrado na Terra Prometida, junto com seus
antepassados (Gn 25,9-10). Os judeus “tinham o privilégio de ter sua religião

94
Cf. ALLMEN, Jean Jacques Von. Vocabulário Bíblico, São Paulo, 2001, p. 286.
95
Cf. GUNNEWEG, Antonius H J. Geschichte Israel Von den Anfangen bis Bar Kochba und Von
Theodor Herzl bis zur Gegenwart. 6.ed. Stutgart, Kohlammer, 1989. Trad. Monika Ottermann, 2005,
p. 299.
96
Cf. SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus. Jesus e outros
messias, São Paulo, Paulus, 1998, p. 158.
97
Cf. ROTEIROS PARA REFLEXÃO, 2000, p.11.
24

reconhecida como ‘lícita’ e, com isso eram dispensados de praticar certos gestos de
culto ao imperador. Os judeus cristãos, ao serem expulsos ou separarem-se do
judaísmo, perdiam esse privilégio. Por isso, a sua recusa de cultuar o imperador era
um ato contra a lei e se tornava motivo de perseguição” 98. Além do mais, no Império
Romano, todas as pessoas eram obrigadas a servir de soldado no exército romano.
Os judeus, por privilégio, participavam num grupo separado, evitando a
contaminação por parte de estrangeiros e dos alimentos. Também no exército havia
ainda horários especiais para os judeus poderem fazer suas orações. Em suma, ser
expulso da sinagoga significava uma tragédia na vida das pessoas, perdiam a
identidade, cidadania, estavam mais expostos a exploração romana e tudo isso
acontecia provavelmente por meio de um ato público: o chefe da sinagoga rasgava
da lista o nome das pessoas excluídas.
Por isso, no evangelho do Discípulo Amado cerca de 70 vezes aparece a
expressão “os judeus” para falar deste conflito acima descrito, especialmente com os
fariseus (Jo 1,19; 2,28; 5,10.15-18; 8,48; 10,31 dentre outras). A expressão “os
judeus” revela o conflito com as autoridades judaicas, ao passo que o conflito com “o
mundo” traduz no Quarto Evangelho o conflito dos cristãos com as autoridades
romanas. É forte também neste evangelho a crítica a toda a estrutura social e
religiosa excludente do judaísmo e dos romanos (Jo 8,23; 11,48; 14,27; 15, 18-16,4ª;
17,6.14.16; 18,36 e outras). Seu ápice está em Jo 16,2: “sereis excluídos das
sinagogas. Mais ainda, virá a hora em que aqueles que vos fizer morrer julgará estar
oferecendo um sacrifício a Deus”. Como contrapartida, a comunidade do Discípulo
Amado acolhia esses grupos mais marginalizados pelas instituições judaicas e fazia
com que experimentassem o amor de Deus que se revelou em Jesus de Nazaré (Jo
2,1-12; 10,10; 13,1-17.34-35).

1.2.3- Características religiosas

98
Cf. ROTEIROS PARA REFLEXÃO, 2000, p. 13.
25

Quando mencionamos os aspectos religiosos da comunidade do Discípulo


Amado, precisamos nos reportar ao contexto religioso da Palestina na época de
Jesus, e no período das comunidades nascentes, denominadas também como ‘o
movimento de Jesus’99. Assim, a Palestina, sob hegemonia do Império Romano e
influenciada pelo judaísmo se caracterizava por uma pluralidade de partidos,
movimentos e grupos religiosos100. Essa diversidade religiosa tinha como
pressuposto a vivência da Aliança, que de certa forma, se apresentava de duas
maneiras ligadas entre si: a observância e a promessa 101 ou o Templo e a Lei.
Mesmo tendo uma raiz comum, havia constantes tensões entre estas duas
maneiras de viver a Aliança, provocando uma divisão de grupos religiosos. Pelo lado
da observância da Lei como garantia da Aliança existia os grupos de cunho
separatista, exclusivista, voltados à questão da pureza ritual e eram representados
pelos judeus sacerdotais que retornaram do exílio da Babilônia e demais habitantes
de Judá: pessoas ligadas ao Templo, caracterizadas pelo grupos dos chefes dos
sacerdotes, de famílias do Sumo Sacerdote e os Saduceus, tendo como expressões
de maior conduta, as figuras de Esdras e Neemias. Sua teologia era marcada pelo
sacrifício e a pessoa estava mais próxima de Deus, quanto mais ela conseguia
observar os ritos e cumpri-los. Nesta corrente teológica, os pobres, pagãos, doentes,
analfabetos, mulheres, crianças e outras categorias de pessoas que não podiam
cumprir esses ritos, eram consideradas impuras e, portanto, excluídas da salvação.
Representavam este grupo: Os hassidim e suas derivações: fariseus e essênios.
Pelo lado da Promessa, a teologia era caracterizada pela garantia da
promessa de Deus aos pais, desde a origem do povo e vamos encontrar a idéia da
vivência da Aliança através do sinal da inserção no meio dos povos. Esta teologia se
faz presente em livros como Isaías 40-66, Jonas, Jó, Rute, onde já há uma abertura
maior para a diáspora. Todavia, como esta corrente estava mais inserida no mundo
helênico, sua mentalidade foi se formando em torno da valorização da riqueza, do
poder, do templo, influenciando a formação de outros grupos religiosos com uma
visão diferente daqueles formados pela observância da Lei. Embora sob influência
do poder e da riqueza, prevaleceu em alguns grupos os valores do profetismo,
através do movimento apocalíptico, ressaltando a solidariedade, a justiça e os

99
Cf. TUA PALAVRA É VIDA. Seguir Jesus: os evangelhos. São Paulo, Loyola, 1994, p. 43.
100
Cf. SCARDELAI, 1998, p. 99.
101
Cf. SCHLAEPFER, 2004, p. 116.
26

pobres102. Representam este grupo: os hasmoneus, e suas derivações: Saduceus,


Doutores da Lei, Escribas...
A partir desta perspectiva religiosa na Palestina no século I dC, a
comunidade do Discípulo Amado vive estas tensões e isto se reflete nos escritos do
Quarto Evangelho. Uma primeira característica diz respeito no significado de
Jerusalém para esta comunidade, pois,
João escreve na perspectiva de Jerusalém, 80 % de sua narrativa se situa
em Jerusalém (nos sinóticos: 25%), e os restantes 20% se dividem entre a
Galiléia e a Samaria. Além disso, o significado de Jerusalém, em João, é
bem diferente do que se percebe em Lucas, que faz do Templo a moldura
de seu evangelho e de Jerusalém, nos Atos, o ponto de partida da missão
cristã. Em João, como em Marcos, Jerusalém é o lugar do conflito, é “o
mundo103.

Por isso, podemos entender o lugar da purificação do Templo logo no início


do Quarto Evangelho (Jo 2,13-21), onde tendo-se presente a perspectiva de Joás,
que visava a substituição do Templo (Jo 2,18-21), pela comunidade que vive no
amor (Jo 20-21), enquanto que nos Sinóticos se situa no contexto da ida de Jesus à
Jerusalém, por ocasião da Páscoa, portanto, no relato da Paixão de Jesus.
Outra marca religiosa nos textos do Quarto Evangelho, e que aparece com
certa insistência, é o retrato de uma comunidade perseguida pelo judaísmo oficial.
Este “conflito da comunidade do discípulo amado com a sinagoga, que em muitos
casos levou à expulsão dela, se deu no contexto posterior a 70, quando a sinagoga
104
estava sob a hegemonia do judaísmo farisaico do Sinédrio de Jâmnia” . Logo, as
comunidades joaninas são ao mesmo tempo missionárias e perseguidas 105, ou seja,
ameaçadas pelo ‘mundo’ dão testemunho de Jesus. Esse ‘mundo’, como foi dito
acima, é caracterizado em dois círculos concêntricos: o amplo – que é a sociedade
do Império Romano (a cultura helenista), e o restrito – que é a comunidade ‘dos
judeus’106.
Um indício nos textos do Quarto Evangelho que nos leva a afirmar isso é o
uso freqüente da expressão “expulso da sinagoga” (Jo 9,22; 12,42; 16,2), onde é
claro que no nível da história contemporânea de Jesus, esse tema é certamente um
anacronismo, pois, os outros evangelhos não deixam transparecer decisão alguma
neste sentido da parte das autoridades durante a vida pública de Jesus. Mas
102
Cf. SCHLAEPFER, 2004, p. 117, onde o autor apresenta um gráfico mostrando estas duas
correntes teológicas, bem como, os grupos dissidentes.
103
Cf. KONINGS, 2000, p. 45.
104
Cf. RICHARD, 1994, p. 15.
105
Cf. TUA PALAVRA É VIDA, 1994, p. 209.
106
Cf. KONINGS, 2000, p. 40.
27

provavelmente, a expressão nos textos bíblicos se refere a situação das


comunidades joaninas na época das perseguições, seja das sinagogas judaicas,
como mostram as narrativas sobre Estevão e Saulo (Estevão e Saulo (At 6-7;9).
Contudo, é interessante notar que existe uma diferenciação entre a
excomunhão e a expulsão dos cristãos das sinagogas, ou seja:
A expulsão da sinagoga é uma pena superior à excomunhão. A excomunhão
tinha um caráter temporal e a expulsão era definitiva. O expulso era
considerado um renegado. Não era só uma medida religiosa, mas também
uma condenação social. Era proibido todo relacionamento pessoal e social
com os renegados. Seus filhos não podiam receber educação nem aprender
um ofício. Era proibido vender aos renegados ou comprar deles. Eram
considerados piores que um pagão. O renegado ou herege era condenado
severamente na oração das 18 bênçãos, que era uma das orações mais
importantes dos judeus. (...) A comunidade teve de pagar um preço muito
grande por confessar sua fé em Jesus. Os cristãos desta comunidade
certamente eram muito pobres ou foram empobrecidos pela própria
exclusão e perseguição da parte das autoridades judias da sinagoga e do
Sinédrio de Jâmnia (no quarto evangelho chamado “os judeus”) 107.

Além do conflito em torno da expulsão da sinagoga e das suas


conseqüências, a comunidade do Discípulo Amado enfrentou também desafios
quanto aos “judeus”, mas estes, segundo Pablo Richard108 se refere a um grupo de
fariseus que se consolidaram após 70 dC, com a destruição do Templo e a
estruturação do judaísmo em torno das Sinagogas. Ou em outros termos: a
expressão “os judeus” designa no evangelho segundo João o judaísmo rabínico e a
hegemonia farisaica posterior ao ano 70 dC.
No aspecto religioso, a partir do contexto histórico da comunidade do
Discípulo Amado, aparecem ainda nos textos bíblicos outros grupos religiosos,
como: os judeus que crêem em Jesus 109, mas Ele não tinha confiança neles, porque
conhecia todos eles; os crentes inconseqüentes, que são aqueles que aderem ao
cristianismo (no evangelho, a pessoa de Jesus), mas tem medo de confessar isso
publicamente. Nicodemos é uma expressão nítida deste grupo religioso (Jo 3,1); os
discípulos de João Batista 110, “onde existe um conflito desde o início da tradição do
discípulo amado até a redação final do quarto evangelho” 111. A quantidade e
densidade de textos sobre João Batista mostram a importância do conflito com o
próprio Jesus e a comunidade posterior 112. Conflitos também com a comunidade

107
Cf. RICHARD, 1994, p.15.
108
Cf. RICHARD, 1994, p. 14.
109
Cf. Jo 2,23-23.
110
Cf. THEISSEN, 2002, p. 56.
111
Cf. RICHARD, 1994, p 17.
112
Cf. Jo 1,8.15. 19-34; 3,22-26; 5,33-36; 10,40-42.
28

apostólica, representados pela figura de Pedro, contrapondo-a ao Discípulo


Amado113. E, finalmente, conflitos ou diferentes interpretações com grupos de
tendência helenizante e pré-gnóstica e que provocavam uma interpretação
espiritualista do evangelho114.

1.2.4- Características culturais

Situar a comunidade do Discípulo Amado num contexto cultural significa


afirmar que ela fazia parte da cultura helenística que permeava o Império Romano.
O helenismo começa sua influência na comunidade judaica com a expansão do
Império Grego, por volta de 333 aC e se alastrava também no período da dominação
romana que iniciou em 63 aC. Basicamente, o helenismo
designava a difusão da civilização grega através do Leste da bacia do
Mediterrâneo e do Oeste da Ásia, após as conquistas de Alexandre Magno.
Os centros dessa difusão eram as colônias militares fundadas pelos
macedônios e as cidades gregas construídas em grande número na Ásia
Oriental, cada uma seguindo o modelo padrão de cidade grega com sua
praça (agorá), avenidas colunadas, templos, teatros e ginásio.
Intelectualmente o helenismo trouxe o estudo da literatura e da filosofia
grega e o cultivo das formas gregas nas artes plásticas115.

Devido a esta influência grega, até pouco tempo atrás, muitos ficaram
deslumbrados pelo Prólogo do evangelho segundo João (1,1-18), pois
consideravam-no como escrito filosófico, devido ao uso do termo “logos” presente
nesta perícope, mas que na realidade, pouco tem a ver com a especulação
filosófica. Ele é antes a “Palavra” dos profetas que o “Verbo” dos filósofos e teólogos
gregos116.
Neste sentido, o Quarto Evangelho não se dirige a uma elite filosófica, nem
apresenta termos simbólicos que sejam de difícil compreensão, mas “são acessíveis
117
a qualquer pessoa que tenha sensibilidade” . Os pressupostos culturais presentes
no Quarto Evangelho são: a familiaridade com os grandes temas da Escritura (as
raízes judaicas) e a sensibilidade pelos grandes símbolos da humanidade, como: luz

113
Cf. BORTOLINI, 1994, p. 11. Também em Jo 13,23-26; 18,12-17; 19,25-27; 20,1-10; 21,24.
114
Cf. RICHARD, 1994, p. 22.
115
Cf. MCKENZIE, 2005, p. 410.
116
Cf. DOD, 2003, p. 351. Este autor faz uma descrição detalhada do significado do termo “Logos” no
evangelho segundo João, nas pag. 345-375.
117
Cf. KONINGS, 2000, p. 53.
29

e trevas, verdade e mentira, vida e morte..., de modo que este “uso explícito do
118
simbolismo é uma característica óbvia deste evangelho” .
Nas raízes judaicas, quando se fala em cultura, se diz “sabedoria”, por isso,
as lideranças judaicas, sobretudo os escribas e fariseus, davam muito valor ao
conhecimento, especialmente ao empenho de “perscrutar as Escrituras” 119. Por outro
lado, estes grupos também desprezavam o povo mais simples porque eles “não
conheciam a Lei” (Jo 7,49). O Jesus apresentado pela comunidade do Discípulo
Amado mostra que o que essas lideranças consideravam conhecimento para nada
serve se não acreditarem nele (Jo 3,10; 5,39). Em compensação, os cristãos
“conhecem” Deus em Jesus e para isso, não precisam se entregar à sabedoria dos
sistemas judaicos ou helenistas, mas basta crer em Jesus que se chega ao
verdadeiro conhecimento salutar120.
Este conhecer que é tanto preconizado no Quarto Evangelho também não
tem nada de elitista, pois o próprio Jesus é considerado como alguém que não teve
instrução (Jo 7,15) e por isso, o “conhecer” no Quarto Evangelho distingui-se da
sabedoria dos escribas judaicos. O mesmo acontece com o movimento chamado de
121
“gnose” que se espalhou no Império Romano por volta do século II dC e tinha
uma postura exclusivista semelhante à sabedoria dos escribas judaicos: era para um
grupo de seletos e iniciados. A comunidade Joanina, por vez, diferencia-se destas
concepções, pois para ela crer em Jesus, conhecer a Jesus ou a Deus é antes de
tudo viver praticando o amor.
Em síntese, o Quarto Evangelho se ambienta numa comunidade de tipo
judeu-cristão helenista, comparável em certos aspectos às comunidades de Tiago e
de Mateus, porém, vivendo um conflito mais aberto com o judaísmo dominante do
último quartel do século I dC e em crescente distanciamento de outras esferas do
“mundo” (o Império Romano e a cultura helenista). Não obstante, ela assume
concretamente sua missão “no mundo”, no testemunho da fé e da caridade a partir
da experiência de Jesus de Nazaré122.

118
Cf. DOD, 2003, p. 182.
119
Cf. Jo 5,39.
120
Cf. 1Jo, onde isto se encontra mais elaborado.
121
Cf. DOD, 2003, p 138. O autor define o gnosticismo como: “é considerado como um movimento
religioso, mais antigo que o cristianismo, e originariamente independente dele, o qual, sendo desde o
início, de caráter sincretista, prontamente adotou as idéias cristãs dentro de seus sistemas, quando
tais crenças se tornaram conhecidas do grande público”. Ou seja, Dod também insinua que este
movimento teve, ou tem um caráter mais exclusivista e se dirige aos iniciados.
122
Cf. BORTOLINI, 1994, p 11.
30

CAPÍTULO SEGUNDO
31

A ÍNDOLE PRÓPRIA DO QUARTO EVANGELHO

2.1- PROPOSTAS DE ESTRUTURA DO EVANGELHO

Quando vamos fazer uma pesquisa referente à estrutura do Quarto


Evangelho nos deparamos com muitas propostas de organização. Estas propostas
são apresentadas sob diferentes matizes e revelam a riqueza da complexidade
desta obra, bem como, dos diferentes olhares e perspectivas que foram sendo
sistematizadas ao longo da história. Basicamente, numa organização mais geral, a
maioria dos autores é unânime nesta organização, mas quando entramos nos
pormenores de cada parte, há pontos de convergência e de divergência.
O autor Johan Konings, ao tratar deste tema fala de uma estrutura estática e
uma estrutura dinâmica, sendo que para a primeira, “seria como o mapa da cidade,
mostrando ruas, praças, edifícios..., enquanto, a estrutura dinâmica, a menos
123
demonstrável, são os processos que geram a vida da cidade” .
Neste sentido, a estrutura estática do Quarto Evangelho se apresenta como
num quadro com dois painéis articulados por uma dobradiça. No primeiro painel,
continua Konings, enquadra-se Jo 1,19 – 12,50, onde encontramos cenas da vida
pública de Jesus, principalmente, os grandes milagres, que no evangelho segundo
João, são chamados de “sinais”. Normalmente, esta parte do evangelho é chamada
de “Livro dos Sinais”124. O segundo painel desta obra compreende os capítulos 13,1-
20,31, e representa Jesus na sua “hora”, onde Ele revela seu mistério para os seus
discípulos, ao passo que o mundo o rejeita. Esta parte é chamada de “Livro da
Glória”. Este conjunto é precedido por um Prólogo (Jo 1,1-18) e completado por um
Epílogo (Jo 21,1-25).
Em relação à estrutura dinâmica, nosso autor se refere à mesma divisão,
mas agora diz respeito ao como acontece “o vaivém entre as diversas partes do
livro, sobretudo entre as duas partes maiores: a segunda parte determina a
perspectiva da primeira, enquanto a primeira constitui a memória que é aprofundada

123
Cf. KONINGS, 2000, p. 17.
124
Cf. KONINGS, 2000, p. 17.
32

125
na segunda, de modo que o sentido da primeira parte se revela na segunda” . Em
síntese, mostrando isso num quadro teríamos126:

1,1-18 1,19 – 12,50 13 -20 21


Prólogo 1ª parte- obra e sinais perante 2ª parte – “chegou a hora”: a Epílogo
“ O Mundo: “ainda não a hora” “exaltação”
A Palavra 1,19 - 4,54 5 – 12 13 – 17 18 – 20 O
do Pai inícios dos sinais, Conflito crescente despedida ressuscitado
ao mundo a obra ea
apresentação do e opção de fé dos “seus”
dom consumada comunidade

Todavia, olhando para o evangelho segundo João percebemos que estas


duas grandes partes não são fortemente demarcadas, mas a primeira parte inicia
simplesmente com “e este é o testemunho...” (Jo 1,19 remetendo a 1,6-8.15), e tanto
a primeira, como a segunda parte tem uma conclusão: (Jo 12,37-50 e 20,30-31), que
de certa forma “fecha” o prólogo”. Isto está representado nas flechas do gráfico
acima.
Outro autor José Bortolini, usa um esquema semelhante, mas ele acentua
esta estrutura a partir das duas semanas, que o próprio evangelho apresenta 127:
Prólogo: 1,1-18
I Parte: O livro dos Sinais (1,19-12,50)
Primeira semana (1,19,11,57)
1° dia: (1,19-28)
2° dia (1,29-34)
3° dia (1,35-42)
4° dia (1,43-51)
6° dia (2,1-11) = com início dos sinais da vida, sendo:
1° sinal (2,1-12) – Casamento em Caná.
2° sinal (4,46-54) – Cura do filho do funcionário real.
3° sinal (5,1-9) – a cura do paralítico.
4° sinal (6,1-15) – A partilha dos pães.
5° sinal (6,16-21) – Jesus caminho sobre as águas.
6° sinal (9,1-41)- A cura do cego de nascença.
7° sinal (11,1-44)- A ressurreição de Lázaro.
125
Cf. KONINGS, 2000, p. 18.
126
Cf. KONINGS, 2000, p. 19.
127
Cf. BORTOLINI, 1994, pp. 12-13.
33

Segunda semana (12,1-19,42)


II parte: O grande sinal (13,1-20,29)
O lava pés (13,1-30)
Discurso de despedida (13,31-17,26)
Paixão, morte e ressurreição de Jesus (18,1-20,29)
Epílogo (20,30-31)
Apêndice (21,1-23) o dia que não termina
Segundo epílogo (21,24-25).
Como vimos, este autor dá mais destaque às duas semanas, sendo que as
duas partes centrais se identificam com a estrutura proposta pelo nosso primeiro
autor. Na primeira semana, a ênfase recai no sexto dia, com a realização dos sete
sinais e partir desse “sexto dia” Jesus não descansa, porque, de acordo com Gn 2,2-
3, Deus descansou no sétimo dia e Jesus só descansará quando tiver consumado
toda sua obra, ou seja, os sinais em favor da vida. Isto acontece quando ele está na
cruz e diz: “tudo está realizado”128.
A segunda semana inicia com a expressão “seis dias antes da páscoa” (Jo
12,1) dos judeus, onde Jesus é agora o grão de trigo que morre para dar fruto: “eu
garanto a vocês: se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas
se morre, produz muito fruto”129. A segunda semana do evangelho segundo João é a
semana que antecede a páscoa dos judeus. Porém, para este evangelista essa
páscoa não acontece, pois na hora em que no Templo de Jerusalém começa a
matança dos cordeiros pascais, Jesus morre na cruz. Ele morre no dia da
preparação para a páscoa judaica (Jo 19,31), ou seja, é a hora de Jesus, a páscoa
do “cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Finalmente, neste esquema das
semanas, Jesus ressuscita no primeiro dia da semana (Jo 20,1), que na verdade, é
um dia que não termina e tudo o que segue à ressurreição de Jesus no evangelho
segundo João acontece no “primeiro dia da semana”, sendo como sinal de que a
vitória da vida sobre a morte não tem fim.
Um terceiro autor, Gilberto Gorgulho, também afirma em relação à estrutura
do Quarto Evangelho: “o evangelho do Discípulo Amado se estrutura em três partes:
130
o Livro dos Sinais (Jo 1-12), o Livro da Glória (Jo 13-20) e o Epílogo (Jo 21)” .
Continua explicitando ainda que “os Sinais são a manifestação de Jesus de Nazaré
128
Cf. Jo 19,30.
129
Cf. Jo 12,24.
130
Cf. GORGULHO, 2005, p. 78.
34

como o Revelador do Pai e realizador do julgamento messiânico e o Livro da Glória


é a narrativa da glorificação do Messias, Filho de Deus, em sua volta para o Pai e
em sua vinda escatológica que se consuma na presença da Trindade na vida da
131
comunidade dos amigos de Jesus” . Este autor destaca os capítulos 5 a 12 do
Quarto Evangelho como sendo a parte que apresenta o paradoxo da missão
messiânica de Jesus, onde Ele realiza o julgamento, que não é um julgamento
segundo as aparências, feito pela Lei (Jo 5,18.30; 7,19.24). Esta missão messiânica
de Jesus visa também na substituição das festas 132 e das instituições da Lei
Mosaica, como o Sábado, a Páscoa, a festa das Tendas e a festa da Dedicação 133.
Olhando para um quarto autor, Carlos Mesters, ele faz a divisão do
evangelho do Discípulo Amado em cinco partes, sendo que as duas centrais são
também o Livro dos Sinais (Jo 1,19-11,54), onde “a hora de Jesus ainda não
chegou” (Jo 2,4), e o Livro da Glorificação (Jo 13,1-20,31), que afirma: “chegou a
hora de Jesus” (Jo 13,1). Todavia, entre estas duas divisões, o autor coloca a
chamada “dobradiça” ou transição (Jo 11,55-12,50), onde Jesus anuncia que “sua
hora está chegando” (Jo 12,23). Junto a tudo isso, a obra tem ainda um Prólogo
(1,1-18) e um Epílogo (21,1-25) que foram acrescentados mais tarde como
introdução e conclusão134.
Um dos maiores estudiosos do Quarto Evangelho, Charles Harold Dod,
quando se refere à estrutura deste evangelho, afirma:
O próprio livro apresenta sua divisão no fim do capítulo 12. A divisão
corresponde à que é feita em todos os evangelhos antes do começo da
narrativa da Paixão. Mas aqui ela é feita de modo mais formal. O evangelho,
neste ponto, é dividido virtualmente em dois livros. O que vem depois, nos
capítulos 13 -20 ou até 21 se incluiu o apêndice – pode ser chamado
propriamente o Livro da Paixão. Os capítulos anteriores correspondem à
narração do Ministério nos outros evangelhos. O modo como João o
considera, pode ser deduzido das palavras com que começa o epílogo, que
ele acrescentou em 12, 37-50. Podemos com razão chamá-lo de Livro dos
Sinais. Este livro começa no capítulo 2. O primeiro capítulo constitui um
proêmio135.

Com todas essas descrições apresentadas podemos perceber como em


grande parte, a maioria delas conflui para uma mesma estrutura. Há pequenas
diferenças, mas estas dizem respeito à estrutura dinâmica ou a temas propostos

131
Cf. GORGULHO, 2005, p. 78.
132
Cf. DREHER, Carlos A (et al). Festas Bíblicas. Páscoa, Expiação, Tendas, Pentecostes,
Sábado. São Leopoldo, Cebi, 2005. Coleção A Palavra da Vida, n˚ 215.
133
Cf. GORGULHO, 2005, p. 80.
134
Cf. MESTERS, 2000, p. 14.
135
Cf. DOD, 2003, p. 379.
35

pelo evangelista. O consenso na divisão em duas grandes partes: Livro dos Sinais e
Livro da Glorificação é unânime entre os estudiosos do Quarto Evangelho. Isto de
certa forma facilita um “mergulho” mais aprofundado neste evangelho, a partir de
algumas idéias mestras.

2.2- ALGUMAS IDÉIAS MESTRAS DO QUARTO EVANGELHO

2.2.1- Uso de Simbolismos

O uso explícito do simbolismo é uma característica obvia do Quarto


Evangelho (água viva, pão da vida, a verdadeira videira, o bom pastor...) 136. Já há
muito tempo se reconhece que o emprego de tais símbolos é diferente do uso de
parábolas nos Evangelhos Sinóticos, pois a parábola é uma descrição ou uma
estória da vida real, apresentando uma situação que os ouvintes reconhecerão. São
convidados a dar seu parecer sobre a situação, quer por dedução, quer
explicitamente. O juízo assim emitido deve ser aplicado a uma situação diferente
que está presente ao pensamento do narrador e do ouvinte da parábola 137.
A diferença entre as parábolas sinóticas e as assim chamadas alegorias do
Quarto Evangelho pode ser ilustrada mediante uma comparação da parábola da
138
ovelha perdida (Lc 15,4-7; Mt 18,12-14) com a perícope do Bom Pastor em Jo
10,1-18. A imagem traça um quadro que apresenta a solicitude de um pastor diante
da perda de uma única ovelha, que desapareceu no meio de cem. Os detalhes, que
diferem um tanto em Mt e Lc, claramente não possuem significado independente.
Pede-se a opinião do auditório: “que vos parece? Se um homem tem cem
ovelhas...”. A resposta é óbvia: se um pastor é competente para ser pastor, tal deve
ser sua atitude. Basta termos aqui presente a imagem do pastor descrita em
Ezequiel 34, Jeremias 23 e o Salmo 23 para percebermos que João ao fazer
referência e esta figura tem também diante de si a tradição da comunidade de Israel
no tocante a experiência que teve, seja para com os bons líderes, como, em relação
aos maus governantes. Mas a alegoria joanina do Bom Pastor se apresenta
136
Cf. ROTEIROS PARA REFLEXÃO, 2000, p. 23.
137
Cf. JEREMIAS, Joaquim. Die Gleichnisse Jesu. Gottingen, 1956, IN: RATZINGER, 2007, p. 165.
138
Cf. Embora as duas parábolas sejam idênticas nos dois evangelhos, ela tem sentidos diferentes:
em Lc revela um enfoque misericordioso, enquanto que em MT está inserida num discurso sobre a
comunidade cristã.
36

diferente, onde cada aspecto, como o tempo, o lugar, tem um sentido específico.
Muito antes de terminar a alegoria, a figura do pastor une-se à do próprio Jesus 139.
O mesmo caráter simbólico joanino pode-se descobrir na alegoria da videira
em Jo 15,1ss. Certas atividades que pertencem à viticultura são explicitadas: o
agricultor cuida da vinha, corta os ramos estéreis, purifica outros. Mas desde o
começo e por toda a perícope fica claro que se trata de metáforas, onde: Cristo é a
videira, seu Pai é o agricultor, seus discípulos são os ramos. Ademais, falar dos
ramos como “permanecendo na videira” certamente o evangelista quer se referir a
uma característica da relação entre o crente e Cristo, ou no caso do contexto
histórico do evangelho, do cristão com sua comunidade cristã. Bem como, poderia
ter presente também toda tradição profética de Isaías 5,1-7, dentre outros 140,
mostrando as implicâncias para uma comunidade cristã quando esta não
corresponde ao projeto do Amor de Deus e por conseguinte, não produz frutos de
caridade em seu meio.
As imagens do pão e da água escondem-se também por detrás das
realidades que representam e tiram seu significado de um patrimônio de
pensamento no qual elas já tinham servido de símbolos para as concepções
religiosas141. Assim o pão era tido como símbolo das palavras da Torá, ou da
Sabedoria142. O Maná, o pão do céu, “não é apenas na apocalíptica judaica uma das
143
bênçãos da idade messiânica, mas em Fílon é um símbolo do Logos” . Todavia, no
Quarto Evangelho, o Maná tem ainda um caráter profético, pois ele representa a Lei
e se contrapõe a Jesus e ao seu projeto que é o “pão da vida” (Jo 6,49-51). A água,
símbolo religioso muito antigo e difundido é um símbolo natural da purificação, e
assim ela aparece na história de Siloé (Jo 9,7) e no lava-pés (13,5-10). Ainda é
mencionada em: 2,1-11; 3,5; 4,10-15; 7,2.37; 19,34. Também em João a água
carrega uma denúncia profética, pois todas as vezes em que ela aparece se insere
num contexto de discussão acerca das tradições judaicas, que oprimem excluem as
pessoas.
139
Cf. MESTERS, 2000, p. 90.
140
Cf. A imagem da Vinha aplicada ao povo encontra-se várias vezes na Bíblia: Is 3,14; 27,2-5; Jr
2,21; 12,10; Ez 17,6; Os 10,1; Sl 80,9-17; Mt 20,1; 21,33. Ela exprime bem a aliança de Deus com
seu povo, aliança aparentada à união conjugal (Os 1-3), já que a vinha é também o símbolo do amor
(Ct 1,6-14; 2,15; 8,12). Em relação ao poema de Is 5,1-7, se diz que “este poema é na sua origem um
canto de amor, transformado pelo poeta em parábola de julgamento”. TRADUÇÃO ECUMÊNICA TEB,
São Paulo, Loyola, 1995, nota 5,1.
141
Cf. DOD, 2003, p. 187.
142
Cf. Eclo 24.
143
Cf. DOD, 2003, p. 187.
37

Ao pensarmos nesta origem simbólica do uso da água, do pão e do vinho


(também em Jo 2,1-11), há autores que afirmam que estes símbolos podem
representar os sacramentos dos cristãos primitivos (batismo e a Ceia do Senhor) 144.
Além do mais, o próprio evangelista faz uma junção destes símbolos em 19,34: “mas
um dos soldados transpassou-lhe o lado com a lança e imediatamente saiu sangue
145
e água” . É claro que este evangelista não quis falar diretamente sobre os
sacramentos, mas para os leitores cristãos as alusões são inevitáveis. Tem aqui sua
origem não apenas o simbolismo da água e do pão da vida, mas também o
simbolismo da videira. Nas narrativas sinóticas da última ceia, o vinho é chamado de
“fruto da videira” (Mc 14,25), e na liturgia primitiva, ou muito antiga, da Didaqué, este
é ligado com o simbolismo veterotestamentário da videira, na ação de graças pela
146
“Santa Videira de Davi, teu servo, que nos revelaste através de Jesus teu servo” .
Em suma, o simbolismo do Quarto Evangelho se comunica às próprias
narrativas, que se tornam símbolos, em forma de narrativa, daquilo que Jesus em
pessoa vem trazer, pois Jesus é aquilo que ele providencia: o vinho novo, o pão da
vida, a luz do mundo, a ressurreição... O doador e o dom coincidem. Todavia, este
simbolismo apresenta também um caráter de dualismo ou simbolismo bipolar:
cima/embaixo, carne/espírito, luz/trevas, verdade/mentira, vida/morte..., onde o autor
insiste na necessidade de uma opção entre os dois âmbitos ou atitudes evocados
por estes termos. Por detrás disso não está o dualismo cósmico (a explicação do
universo por um princípio do bem e outro, do mal), como na mitologia persa e na
gnose helenística, mas sim, a provocação profética para “descer do muro” e fazer
uma opção. O simbolismo joanino reflete mais uma vez os conflitos da comunidade

144
Cf. RICHARD, 1994, p.19. Este autor apresenta o batismo e a eucaristia como sinais da
diferenciação pública da comunidade cristã com os cristãos inconseqüentes e os discípulos de João,
no sentido de que “numa perspectiva sócio-teológica, o batismo e a confissão pública tem o mesmo
significado: comprometiam publicamente os discípulos com Jesus e a comunidade, coisa que os
cristãos inconseqüentes (Nicodemos e semelhantes) evitaram por medo dos judeus e para não serem
expulsos da sinagoga”. Continua o autor: “algo semelhantes poderíamos dizer da eucaristia, pois do
ponto de vista sócio-teológico era a eucaristia que identificava a comunidade do Discípulo Amado e a
diferenciava da sinagoga. (...) A comunidade vivia a eucaristia permanecendo em Jesus, guardando
suas palavras, amando-se uns aos outros, por isso eram odiados e perseguidos”
145
Cf. BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1985, nota “e”, onde diz: “o sentido desse acontecimento será
elucidado por dois textos da Escritura (v 36s). O sangue (Lv 1,5; Ex 24,8) testemunha a realidade do
sacrifício do cordeiro imolado para a salvação do mundo (Jo 6,51), e a água, símbolo do Espírito
Santo, sua fecundidade espiritual. Numerosos Padres, com fundamento, viram na água o símbolo do
batismo; no sangue, o da eucaristia e, nesses dois sacramentos, o sinal da Igreja, nova Eva, que
nasce do novo Adão (cf. Ef 5,23-32)”.
146
Cf. DIDAQUÉ: o catecismo dos primeiros cristãos para as comunidades de hoje. 9.ed. São
Paulo, Paulus, 1989, p. 21.
38

do Discípulo Amado, principalmente com o judaísmo formativo e o Império Romano


e a conseqüente opção que estes cristãos eram convidados a consolidar 147.

2.2.2- A vida Eterna

Parece que um dos pontos de partida do próprio evangelista sobre a


finalidade de seu livro é: “esses, porém, foram escritos para crerdes que Jesus é o
Cristo, o filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida eterna” (Jo 20,31). Este é
certamente o objetivo com o qual Cristo veio ao mundo. Por isso, a “vida” é um tema
importante do livro e cabe a nós descobrir que entende o evangelista por “vida”.
Talvez uma primeira observação interessante seja perceber que o termo
“vida” vem acompanhado do adjetivo “eterna” e esta expressão pertence ao
vocabulário comum do cristianismo primitivo, mas com exceção do Quarto
Evangelho e da 1João, prefere-se usar a simples expressão “vida”, sendo que a
forma “vida eterna” não aparece em Hebreus, nem nas Cartas Pastorais de Tiago,
Pedro, Judas e nem no Apocalipse, escritos esses que são contemporâneos à época
do Quarto Evangelho. Tanto a expressão “vida” e “vida eterna” têm precedentes
judaicos, pois “vida” no Antigo Testamento, onde ainda não se tem uma idéia de
148
imortalidade, significa a “vida terrena e o bem estar” .
Assim, dando preferência pela forma de “vida eterna” o Quarto Evangelho
manifesta a filiação judaica no uso deste termo. Isto aparece, por exemplo, em 5,39;
“vós perscrutais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna”. Se olharmos
nos escritos rabínicos da Pirque Avot149 encontramos: “grande é a Torá, pois ela dá
aos que a praticam a vida eterna nesta era e na era vindoura”. Daí que “vida eterna”
é usada no Quarto Evangelho com referência à idéia judaica da vida da Era
Vindoura.
Se tomarmos outra citação, Jo 12,25, onde diz: “quem ama sua vida a perde
e quem odeia a sua vida neste mundo guardá-la-á para a vida eterna”, veremos que
esta passagem é mais significativa porque é a versão joanina de um adágio que
aparece nos Sinóticos sob várias formas 150, mas apenas o Quarto Evangelho deu-lhe

147
Cf. KONINGS, 2000, p. 22.
148
Cf. DOD, 2003, p 196.
149
Cf. PIRQUE AVOT 6,7. IN DOD, 2003, p. 198.
150
Cf. Mc 8,35; Mt 10, 39; 16, 25; Lc 9,24; 17,33.
39

uma forma que obviamente alude à antítese judaica das duas eras: quem ama sua
vida a perde e quem odeia sua vida, a guarda para a vida eterna. O mesmo pode-se
supor para outras citações em João, como: 4,14 e 6,27.
Sabemos que a comunidade do Discípulo Amado enfrentou sérios conflitos
internos (com os judeus) e externos (o Império Romano), que desembocaram em
sofrimentos, perseguições e mortes. No Quarto Evangelho, a presença dos romanos
é maior que nos Sinóticos 151, pois eles estão presentes na prisão de Jesus no horto
(Jo 18,3); estão na coorte romana com os guardas do templo (18,12). Também não
há julgamento diante do sinédrio – tudo fica nas mãos de Pilatos. O enfrentamento
de Jesus com Pilatos é modelo do conflito dos discípulos com os oficiais romanos.
Tudo isto então nos leva a supor que o uso constante do termo “vida eterna” neste
evangelho revela as ameaças à vida que a comunidade estava sofrendo por parte
do Império Romano e ao mesmo tempo, este conceito se diferencia do uso judeu,
pois estes também perseguiam estas comunidades. Para os judeus, “vida eterna”
equivalia à Era Vindoura (expectativa messiânica), mas para os cristãos, significava
uma vida vivida no eterno hoje de Deus. Não se trata de uma vida vivida de forma
quantitativa, mas qualitativamente diferente 152, sobretudo diante da ameaça à
dignidade da vida humana.

2.2.3- A Verdade

Uma das palavras que freqüentemente aparece no Quarto Evangelho é


“verdade”, do grego “αλήθεια” e por isso, necessitamos estudar o sentido deste
termo no contexto do evangelho segundo João, bem como, suas implicações à
comunidade que deu origem ao texto bíblico.
O adjetivo “αληθής” é aplicado no seu uso mais original e constante no
Quarto Evangelho, à afirmações que correspondem aos fatos. Seria aquilo que
designamos como “verdadeiro, verídico” e seu antônimo é “ψευδής”, como mentiroso
e falso153. Este uso, normal e fundamental é mais comum no Quarto Evangelho
como também na literatura grega: por exemplo: “(...) João não fez sinal algum, mas

151
Cf. RICHARD, 1994, p. 14.
152
Cf. DOD, 2003, p. 201.
153
Cf. RUSCONI, Carlo. Dicionário do grego do Novo Testamento, São Paulo, Paulus, 2.ed. 2005,
p.500.
40

tudo o que João disse sobre ele era verdade” (Jo 10,41); e “pois tiveste cinco
maridos e o que tens agora não é teu marido; nisso falaste a verdade” (Jo 4,18).
Numa aplicação mais posterior do sentido, o adjetivo “αληθής” é usado
também para objetos de experiência, tanto para pessoas, como às coisas, que são
154
de fato o que elas parecem ou pretendem ser. O sentido então é “genuíno, real” .
O evangelho segundo João usa “αληθής” neste sentido em 6,55: “pois a minha carne
é verdadeiramente uma comida....”, ou ainda em 4,37: “aqui, pois, se verifica o
provérbio...”, mas geralmente ele reserva “αληθινός” para seu sentido mais comum
de “real”, p. ex: “... e é agora em que os verdadeiros adoradores...” (Jo 4,23), ou
seja, “adoradores reais”, isto é, “aqueles cujos exercícios religiosos são de fato e na
realidade uma aproximação de Deus, e não um vago ritual que ou dissimula ou
155
quando muito apenas simboliza a aproximação de Deus” .
Todavia, quando nos remetemos ao uso mais posterior do termo “verdade”
no Quarto Evangelho, precisamos retroceder na história para entender seu sentido
profundo. Assim, o uso do termo “αλήθεια” é uma tradução da palavra hebraica
“emet” e na sua raiz, que deriva de “aman” significa a idéia de “fixar, confirmar,
estabelecer”156. Ou seja, “emet” é primeiramente a qualidade de firmeza ou
estabilidade, como qualidade de pessoas significa “constância, fidedignidade,
confiabilidade” e é especialmente um atributo de Deus, como o Único absolutamente
fidedigno157.
A partir desta origem hebraica e sua tradução e aplicação nos textos gregos
do Novo Testamento vamos percebendo que o sentido das palavras hebraicas e
gregas se sobrepõe, enquanto seu radical é bastante diverso. “αλήθεια” é
fundamentalmente uma categoria intelectual, enquanto que “emet” uma categoria
moral158. Ou seja, quando “emet” significa fidelidade ou validade de afirmações, seu
sentido se aproxima do de “αλήθεια” como “verdade”. Quando se refere a pessoas
que são constantes, fiéis ou fidedignas, sugere o sentido de “αληθής”, como
154
Cf. MCKENZIE, 2005, p 957.
155
Cf. BORTOLINI, 1994, p.50.
156
Cf. LATOURELLE René. Dicionário de Teologia Fundamental, Petrópolis, Vozes / Santuário,
1994. (trad.: Luiz J. Baraúna), p. 1050.
157
Cf. Dt 7,9; 2 Sm 7,28; Sl 31,6; 132,11; Os 2,22, com a nota “l”: “em Oséias o ‘conhecimento de
Iahweh’ acompanha o hesed. Não se trata, pois, de um simples conhecimento intelectual. Do mesmo
modo como Deus ´se fez conhecer’ ao homem unindo-se a ele por uma aliança, manifestando-lhe por
seus benefícios seu amor (hesed), assim, o homem ‘conhece a Deus’ por uma atitude que implica a
fidelidade à sua aliança, o reconhecimento de seus benefícios, o amor” BÍBLIA DE JERUSALÉM,
1995, p. 1719.
158
Cf. ARENS, Eduardo. A Bíblia sem mitos. Uma introdução crítica. São Paulo, Paulus, 3.ed.
2007, p. 122.
41

“sincero”. Quando se aplica a coisas que são “genuínas”, sugere o sentido de


“αληθινός” como “real” 159.
Em suma, o uso do termo “αλήθεια” no Quarto Evangelho, embora também
carregado com elementos gregos, quer traduzir a expressão “emet” do Antigo
Testamento e é neste contexto que ele deve ser compreendido. Significa a realidade
eterna enquanto revelada aos seres humanos, seja a realidade em si, seja a
revelação dela. Ou em outras palavras: esta realidade eterna é manifestada em
Cristo, que, como Logos é portador, não só da graça divina, mas também da divina
“αλήθεια”, e por ele esta “αλήθεια” é revelada aos seres humanos. Para exprimir de
modo mais vigoroso esta idéia, Jesus é não apenas o revelador da “αλήθεια”, mas
ele próprio é a “αλήθεια” 160.

2.2.4- O Filho de Deus

A idéia de ser filiado a uma divindade era extremamente difundida no mundo


antigo161. Na mitologia grega havia laços de família entre os deuses, e com o
crescimento da tendência para o monoteísmo, estas relações míticas deram
oportunidade para exprimir a subordinação de divindades menores ao único
supremo Deus. No Egito, como também em Roma, o monarca reinante era divino 162.
No período helenístico os colonizadores e conquistadores gregos aceitaram estas
idéias, assim, Alexandre foi saudado por Amon como seu filho e mais tarde foi
dotado de um nascimento milagroso163.
Nesta atmosfera de pensamento que devemos entender a atribuição da
divindade a profetas e taumaturgos do mundo helênico. O Filho de Deus é uma
figura da época, contudo, esta expressão reflete certa confusão de divindade e
humanidade. Por um lado ela representa uma diminuição da idéia de Deus, e por

159
Cf. DOD, 2003, p. 234.
160
Cf. Jo 14,10.
161
Cf. MCKENZIE, 2005, p. 350.
162
Cf. SCHLAEPFER, 2004, p.109. Sob o ponto de vista político de Roma, o tempo de vida de Jesus
coincide com o governo de dois imperadores: Otaviano Augusto (27 – 14 dC) e Tibério (14 – 37 dC).
Augusto, pondo fim às guerras civis, iniciou o tempo da “Pax Romana Augustana”. Desta forma foi
cultuado no Oriente como deus, ao lado da deusa Roma, tendo inclusive um templo dedicado ao seu
culto em Ancira, hoje Ancara, na Turquia, onde se encontra a inscrição em seus muros: “Res gestea
divi Augusti” – “os feitos gloriosos do divino Augusto”.
163
Cf. TARN, Alexander. The Great, vol I, p. 42-44. IN: DOD, 2003, p.331.
42

outro, um acento da humanidade, personificada na figura do homem forte, inteligente


e tem sido usado como modelo de certos líderes contemporâneos 164.
Nos escritos judaicos a idéia de filho de Deus aparece em sentido
metafórico, onde Israel é o filho de Deus 165; como um representante do povo de Javé
diante de seu Deus: “tu és meu filho, eu hoje te gerei” (Sl 2,7) 166. No pré-exílio, isto é
aplicado a cada um dos reis davídicos que sobem ao trono, talvez desde Salomão.
No pós-exílio esta concepção de filho de Deus passa a ser entendida como
referência ao Messias esperado.
Nos evangelhos sinóticos, o título Filho de Deus tem caráter messiânico,
como se deduz da pergunta do Sumo Sacerdote: “és tu o Messias, o filho do
Bendito?” (Mc 14,61) e na forma do evangelho segundo Mateus, na confissão de
Pedro: “tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). No Quarto Evangelho 167
este título messiânico é introduzido semelhantemente na sua primeira Cristologia,
pois numa evolução da compreensão da comunidade cristã acerca de Jesus Cristo
(a segunda Cristologia, possivelmente posterior a expulsão da sinagoga), Jesus é
Deus (Jo 14,11), a ponto que esta “cristologia joanina é um dos frutos mais maduros
da reflexão sobre Jesus Cristo no cristianismo primitivo” 168. Possivelmente, esta
releitura cristológica vem da tradição do norte de Israel, que era mais democrático e
viam o próprio Israel-povo como Filho Eleito de Deus.
A partir dessa perspectiva podemos notar que a idéia de “Filho de Deus” é
apresentada no Quarto Evangelho como alguém que é mandado pelo Pai. Ou seja,
a partir dos verbos “vim em nome de” (Jo 5,43), “aquele que me enviou” (13,20) e na
qualidade de representante de Deus aos seres humanos que o recebem ou rejeitam
(15,23), expressões que aparecem repetidamente no Quarto Evangelho 169, podemos
admitir que é uma idéia básica de que este “Filho de Deus” é aquele que é investido
por Deus para a humanidade, como também, de que este homem não é

164
Cf. Jz 13,6-7; 1 Sm 3.
165
Cf. Ex 4,22; Dt 14,1; 32,19; Is 1,2; 43,6; Jr 31,9.20; Os 2,1; 11,1 e outros.
166
Cf. STALDELMANN, Luis I. J. Os Salmos. Comentário e oração. Petrópolis, Vozes, 2000, p.90.
Quando o autor comenta este versículo, afirma: “pela investidura no poder, o rei é a autoridade
legítima para exercer a realeza, como representante de Deus, e tem jurisdição para governar
segundo as leis do direito divino; sua adoção como filho confere-lhe caráter sacral e estreita os laços
de relação íntima com Deus. O domínio universal e a campanha contra os inimigos são funções do rei
a serem exercidas em favor dos súditos, quando estiverem espalhados nos territórios fora da terra
pátria”.
167
Cf. O termo “Filho de Deus” aparece 23 vezes, sendo que em todo o Novo Testamento aparece
ainda 31 vezes nos sinóticos, 42 nas Cartas, 3 nos At e uma vez no Apocalipse.
168
Cf. SCNACKENBURG, 2001, p.235.
169
Cf. Segundo Dod, “mais de quarenta vezes em todas as partes do evangelho”, p. 336.
43

simplesmente um mero mortal, ou que tem aparência divina, mas realmente é o


próprio Deus Encarnado170. Como delegado do Pai, o Filho, na visão do Quarto
Evangelho, fala as palavras de Deus, faz as obras Dele, mas sempre em estreita
relação com o Pai: “não falo por mim mesmo, mas como o Pai me ensinou, assim
falo (...). Faço sempre o que é de seu agrado” (Jo 8,28). Também, a inteira
obediência ao Pai é uma das condições inseparáveis da missão do Filho: “meu
alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (4,34).
Contudo, segundo o Quarto Evangelho, ao mostrar esta unidade profunda
entre o Pai e o Filho e, ao mesmo tempo, equilibrar as dimensões divina e humana
de Jesus, o evangelista apresenta a obra do Filho de Deus como tendo dois
aspectos inseparáveis: o Filho como aquele que dá a vida e como aquele que faz o
julgamento (Jo 5,17.22.27.30). Assim, ser Filho de Deus é exercer estas funções em
dependência contínua para com o Pai, mas é também uma maneira muito sutil do
Quarto Evangelho de descrever as atividades divinas de Jesus de uma forma
distintiva (criador e dominador)171.
Esta maneira de apresentar as prerrogativas do Filho de Deus no Evangelho
do Discípulo Amado, todavia, precisa ser entendida nos termos da missão histórica
de Jesus de Nazaré, onde, como aquele homem, cura os doentes, dá vista aos
cegos, dá alimento aos que tem fome, dá vida aos mortos e finalmente sacrifica-se
pelo mundo. Tudo isso são os “sinais” da obra de Deus que se apresentam na
qualidade do mestre enviado por Deus que diz as palavras que são espírito e vida 172.
O que existe desde toda a eternidade é a unidade do Pai e do Filho, num
conhecimento mútuo, cujo verdadeiro caráter é o amor e este é o mistério supremo
da divindade que Jesus de Nazaré revelou ao mundo e que a comunidade do
Discípulo Amado quis apresentar nos escritos: “eu lhes dei a conhecer o teu nome e

170
Cf. RICHARD, 1994, p. 23. O autor falando a respeito da tendência espiritualizante do Quarto
Evangelho e do conflito com as correntes helenizantes e pré-gnósticas, dentro da comunidade onde
surgiu o Evangelho e, entre os que pretendiam ser fiéis à tradição do Discípulo Amado (que é a
posição do autor da Primeira Carta de João), diz: “os dissidentes acentuavam a divindade de Jesus e
davam pouco valor a sua humanidade. [...] Esta posição espiritualista e helenizante dos dissidentes
encontrava em certo sentido um fundamento no próprio evangelho, pois este apresenta um Jesus
transfigurado, revelador da glória do Pai. Sua própria morte é apresentada como uma glorificação,
como uma idéia ao Pai. O problema é que, quando é escrito o evangelho, a humanidade de Jesus era
o óbvio, o que todos aceitavam. O que era preciso provar era sua divindade. Por isso o evangelho
acentua a divindade. Na época posterior, quando ocorre o problema com os dissidentes e se escreve
a carta, a acentuação da divindade de Jesus leva à subvalorização de sua humanidade. Por isso a
Primeira Carta de João acentua tanto a humanidade de Jesus. A preocupação central do evangelho é
mostrar que Jesus homem era Filho de Deus”.
171
Cf. Jo 8,28-29; 10,28.30.38.
172
Cf. Jo 7,27; 8,14.
44

lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu
neles” (Jo 17,26)173.
Logo, a expressão Filho de Deus no Quarto Evangelho pode ser uma forma
de explicitar à comunidade cristã que deu origem a estes escritos que assim como a
relação do Pai para com o Filho é uma relação eterna e pautada no amor, também a
comunidade do Discípulo Amado a partir do exemplo do lava-pés “nos convida a
considerar o gesto capital de Jesus: amou até o extremo, dando sua vida para que
todos possam se tornar filhos e filhas de Deus. Agiu assim ele que é Senhor e
Mestre”174. Ou seja, pela dinâmica do amor, pois, “Deus é amor” (1Jo 4,8) provoca
uma nova prática “entre os membros da mesma comunidade: todos eles são irmãos-
amigos, como Jesus também se tornou amigo dos seus discípulos, revelando a eles
o mais íntimo do seu ser que é sua relação com o Pai (Jo 15,15) (...)” 175.

CAPÍTULO TERCEIRO

RELEITURA JOANINA DAS CRISTOLOGIAS DOS EVANGELHOS SINÓTICOS

173
Cf. MCKENZIE, 2005, p. 351.
174
Cf. RUBEAUX, Francisco. O livro da comunidade (Jo 13-17). Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americana, N۫ 17, Petrópolis, 1994, p.44.
175
Cf. RUBEAUX, 1994, p. 50.
45

3.1- ALGUMAS PREMISSAS HERMENÊUTICAS

3.1.1- Um evangelho contemporâneo

No início de sua introdução ao evangelho segundo João, um autor escreve


que o Quarto Evangelho é “sem dúvida o maior enigma literário e teológico do Novo
Testamento”176. Acredito que muitos comentadores pensam da mesma forma. Mas
poderíamos nos perguntar: quais aspectos são enigmáticos? A índole literária, a
origem histórica, a fisionomia teológica....?
O ponto de partida é a constatação de que no Quarto Evangelho notam-se
diversos elementos de desordem: aporias, incongruências, repetições... Talvez por
isso tem-se levantado o problema da natureza do atual evangelho, ou seja, de sua
possível não-correspondência à intenção do autor 177. A impressão que o livro
desperta é dupla: por um lado, encontra-se um projeto bem meditado de
composição, tanto do livro em seu conjunto como de suas diversas partes; por outro,
este livro apresenta numerosas dificuldades, que dão a impressão de desordem,
para não dizer, confusão. Aqui põe-se o problema literário do Quarto Evangelho 178,
que de certa forma aprofundamos na primeira parte deste estudo.
Avançando para um nível mais profundo do evangelho segundo João, a
partir do texto final a nós apresentado emergem perguntas intrigantes: que Cristo
apresenta este evangelho? Que visão cristã? Que teologia? Também aqui as
opiniões são diversificadas, e todas elas estão baseadas em elementos que estão
presentes no evangelho como também, em opções feitas a partir da relação ao
ambiente cultural e ao projeto teológico do evangelho do Discípulo Amado. A
proposta deste estudo é seguir tal intento, mas tentar mostrar também outros
enfoques de leitura possíveis, numa perspectiva de releitura de alguns aspectos da
cristologia joanina.
Assim, talvez uma primeira luz à releitura do Quarto Evangelho acontece no
momento em que este usa a segunda pessoa do plural, qualquer que seja seu
significado preciso: judeus, gentios ou já cristãos; tem indubitavelmente a intenção
de envolver e provocar o leitor. Não é um caso único, por exemplo, em 19,35 “aquele
que viu dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que diz a
176
Cf. RICCA, P. Evangelo secondo Giovanni, Milão, Paoline, 1973, p. 11.
177
Cf. FABRIS, Reginaldo e MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos II, São Paulo, Loyola, 1992, p. 252.
178
Cf. STRATHMANN, H. II Vangelo secondo Giovanni, Brescia, Paole, 1973, p. 18-19.
46

verdade, para que também vós creais”. Ou seja, mesmo que esta afirmação se insira
num contexto mais posterior da redação do evangelho, dá para entrever o desejo do
evangelista de fazer com que a história que está narrando se torne contemporânea
do leitor. É uma dimensão que precisamos ter presente e perceber como uma chave
hermenêutica179.
o uso do “nós” em oposição ao “eles”, “os judeus”, ou “o mundo” no
momento da redação do evangelho revela também o contexto de perseguição das
comunidade joaninas, seja por parte das comunidades do judaísmo oficial, como do
Império Romano. Por isso, o evangelista participa em certas situações de seu
tempo, manifestando seu desejo de se tornar contemporâneo e para isso,
desenvolve um discurso em dois níveis: o do tempo de Jesus e o do tempo no qual
vivia a comunidade do Discípulo Amado 180. Isso aparece, por exemplo, nos textos
em que descreve conflitos entre Jesus e os judeus (Jo 2,18; 5,10.15-18; 8,48;
10,31...), onde dá para entrever aí a polêmica entre a comunidade joanina e a
sinagoga dos anos 80 a 90 dC. Mas, depois da expulsão definitiva dos cristãos da
sinagoga usa-se mais a expressão “nós” para referir-se à comunidade cristã e o
termo “eles” designa os líderes judaicos. O evangelista faz isto conscientemente,
juntando uma leitura pós pascal e pré pascal, inserindo-os numa atmosfera em que
o Ressuscitado continua presente na vida da comunidade 181.
Também os personagens descritos neste evangelho são reduzidos a tipos de
fé ou de incredulidade (p. ex, Jo 3,1; 4,7; 4,49; 5,5; 9,1; 11,1), onde o leitor é forçado
ao confronto: além de outros aspectos, ele pode também ver como se progride na fé
e como se progride na incredulidade. Um caso concreto de crescimento na fé é o
cego de nascença do cap. 9,1-39, onde se percebe uma verdadeira catequese
batismal e o progresso na fé deste jovem: ele vê Jesus como: Rabi (v.2); enviado (v.
7); um homem (v. 11.16); um profeta (v. 17); o messias (v. 22); Filho do Homem (v.
35) e como Senhor, pois prostra-se em adoração (v. 36). Esta visão do cego de
nascença, após ser expulso da sinagoga se completa, pois agora ele adora Jesus
como Deus. Outro caso semelhante acontece com a samaritana no cap. 4. Em
suma, quase todos os relatos de personagens presentes no Quarto Evangelho têm

179
Cf. XAVIER, Léon Dufour. O Evangelho de João, São Paulo, Loyola, 1996, p. 67.
180
Cf. FABRIS, 1992, p. 254.
181
Cf. Jo 20,19-23. Aqui Jo descreve a aparição do ressuscitado, como de sua ascensão no mesmo
dia. Algo diferente acontece nos Sinóticos.
47

perspectivas semelhantes, bem como, poderíamos descrever o processo inverso -


da incredulidade - a partir dos confrontos de Jesus com os judeus 182.
A relevância da atualidade do Quarto Evangelho ainda se faz presente na
proposta que ele destaca em torno do itinerário que conduz à vida, onde o escopo
declarado é a fé e mais concretamente, a fé em Jesus, Messias e Filho de Deus. E
isto aparece no epílogo do “Livro dos Sinais” (Jo 20,30-31), que é a parte mais
antiga do evangelho segundo João. Isto nos indica que este evangelho está voltado
para a pessoa de Jesus de Nazaré, representada pelos títulos de Messias e Filho e
este último, correlacionado com a vida 183. O sentido poderia ser este: ter a vida por
intermédio de Cristo. Esta freqüente relação à vida se compreende também por
causa da ameaça à vida que as comunidades cristãs vinham sofrendo, um processo
mais acentuado com a expulsão dos cristãos das sinagogas e da crescente
perseguição por parte do imperador romano em 97 dC 184, época da redação final do
Quarto Evangelho.
O evangelho do Discípulo Amado é também um escrito que se abre em
muitas direções, onde os leitores se sentem interpelados por sua mensagem. Ele é
aberto principalmente por causa dos símbolos e de seus vocábulos que permitem
múltiplas ressonâncias: assim, por exemplo, o termo “logos” tem ressonâncias no
mundo platônico, estóico, gnóstico, filoniano e judaico 185. Mas o aspecto mais rico
dessa multiplicidade é que ele não permite que se possa ler este evangelho cada um
de seu modo, interpretando-o conforme seus conceitos, mas pelo contrário, cada
leitor se sente envolvido e julgado e os textos direcionam para um centro: Jesus
Cristo.
Talvez uma das melhores colocações feitas em relação a
contemporaneidade do Quarto Evangelho e sua pertinência à realidade atual foi
descrita por Mussner, quando ele examinou o vocabulário do conhecimento, no
Quarto Evangelho (ver, ouvir, conhecer, saber, testemunhar, recordar...), e conclui:
182
Cf. GASS, 2005, p. 50, V 7. O autor apresenta que em Jo este conflito aparece mais de 70 vezes.
Normalmente está relacionado quando o texto “se refere aos judeus”.
183
Cf. Jo11,25 “Eu sou a ressurreição e a vida”; 14,6 “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Também
em Jo temos mais outras 5 auto-proclamações de Jesus: “O pão da vida” 6,35; “A luz do mundo” 8,12;
“A porta” 10,7; “O bom pastor” 10,10 e “A Videira verdadeira” 15,1.
184
Cf. Esta perseguição inicia por volta do ano 66, quando da explosão da Revolta judaica que só
termina no ano 73 dC. Durante esta guerra muitos grupos judeus irão desaparecer e ocorrerá a fuga
dos cristãos da Judéia. Em 70 dC o general Tito, filho de Vespasiano destrói Jerusalém e o Templo.
De 85 a 90 dC acontece o sínodo de Jâmnia e a exclusão definitiva dos judeus cristãos das
sinagogas. Entre 98 a 117 dC o imperador Trajano persegue violentamente os cristãos. Nesta época
dá-se a redação final do Quarto Evangelho. Cf. GASS, 2005, p. 21-22, V 8.
185
Cf. FABRIS, 1992, p. 264.
48

O verdadeiro sentido do Cristo pré-pascal (o Jesus Histórico) se desvela à


comunidade [do Discípulo Amado] somente depois da ressurreição, à luz
que lhe vem das escrituras, da experiência eclesial e do Espírito; todavia,
trata-se de um sentido que se realimenta constantemente na história, no
Cristo terreno, e de jeito nenhum pode prescindir dele; ele é um sentido que
não se sobrepõe à história, mas brota da história e se desvela dentro
dela186.

3.1.2- Algumas chaves hermenêuticas à imagem joanina de Cristo

Se uma verdadeira tarefa hermenêutica é esclarecer os textos a partir de


seu tempo de origem, das circunstâncias contemporâneas e dos seus objetivos e, ao
mesmo tempo, traduzi-los para o horizonte de hoje 187 de tal modo que tenham algo a
dizer para as pessoas de hoje, com certeza, isso é também aplicado ao evangelho
segundo João. Quando estudávamos, na primeira parte deste estudo, a
reconstrução da história deste evangelho, já nos defrontávamos com algumas
questões pertinentes; mais difícil ainda será tornar acessível às pessoas a elevada
cristologia joanina. Como o horizonte histórico da primeira parte deste estudo nos
impede de termos uma visão clara de quem escreveu essa obra, para quem, com
que objetivos e em que circunstâncias, vamos tentar buscar algumas categorias de
aproximação que nos permitam adentrar melhor nos textos do Quarto Evangelho.
Assim, um primeiro princípio de hermenêutica para entrarmos nos textos
bíblicos do evangelho segundo João é a de que não existem julgamentos sem
pressupostos, ou como diz um ditado “sempre existem decisões e compreensões
anteriores ao jogo”188. Ou seja, aquele que quer entender o texto sempre está
executando um esboço189. Ele projeta um significado para o todo, tão logo apareça
um significado inicial no texto. Tal significado, por sua vez, mostra-se somente
porque se lê o texto com certa expectativa em direção a um determinado significado.
Talvez este princípio se aplique logo no início do Quarto Evangelho, no seu
Prólogo (Jo 1,1-18), onde muitas das categorias que ali aparecem são aprofundadas
ou, melhor, compreendidas quando voltam em textos posteriores deste evangelho.
186
Cf. MUSSNER, F. II vangelo di Giovanni e il problema del Gesú storico. IN: FABRIS, 1992, p.
17.
187
Cf. SCHOLZ, Vilson. Princípios de interpretação bíblica. Introdução à hermenêutica com
ênfase em gêneros literários. Canoas, Ulbra, 2006, p. 98.
188
Cf. SCHNACKENBURG, 2001, p.260.
189
Cf. Um texto é criado através de um ato dinâmico de compreensão, por parte do autor do mesmo,
mas se apresenta ao leitor ou ouvinte numa forma estática. No entanto, o texto traz em si um
potencial dinâmico, que é atualizado pelo leitor ou intérprete num processo dinâmico de
compreensão. LATEGAN, 1998, p. 33-34, IN: SCHOLZ, 2006, p. 98.
49

Ou seja, quando o redator final junta o Prólogo com o “Livro dos Sinais” (Jo 2-12), se
faz uma confusão entre duas camadas distintas e com Cristologias diferentes, onde
no “Livro dos Sinais” Jesus é o Messias, Filho de Deus, enquanto no “Prólogo” ele é
“Deus pré-existente” (Jo 1,1-3), que se revela, fazendo a “exegese” de Deus (Jo
1,18). Aliás, esta é uma das peculiaridades do Prólogo: os termos que ali aparecem
são aprofundados pelo evangelista posteriormente 190. Exemplos: a luz - onde no
conflito com os judeus na festa das Tendas, Jesus se apresenta como “a luz do
mundo” (Jo 8,12). O contexto de discussão se insere nos capítulos 7 e 8, onde ali se
acentua a luta de Jesus com as autoridades judaicas de seu tempo. Elas se
deixaram determinar pela corrupção destruidora que afeta o poder. Em Jo 10
mostrará que se trata de mercenários e de maus pastores 191. Ainda em nível
histórico trata-se do julgamento de Jesus pelo Sinédrio judaico, antes de sua morte
na cruz.
Esta festa das Tendas, como contexto de conflito, dá os indícios de
desenvolvimento da revelação, onde nos capítulos 7 a 8 aparece o núcleo central da
teologia dos sinais e do julgamento. Trata-se da manifestação da mentira e da
verdade e Jesus aparece como o revelador da verdade (Jo 8,32). Deste modo,
quando Jesus se apresenta como “luz”, em contraposição às trevas, que é a recusa
formal dos fariseus, o evangelista quer mostrar que
“o ato de incredulidade é resistência positiva à revelação. É a fixação na
certeza controlada e medida para razão e pelo interesse social da pessoa
ou do grupo. É a recusa de ir para além do controlável e do visível. Contudo,
esta recusa é sinal de uma escravidão maior determinada pela mentira
radical, manifestada de uma origem contra o próprio Deus. Essa recusa dos
chefes fariseus mostra que são filhos do pai da mentira, e não da
descendência de Abraão (Jo 8,44). Optam pelas trevas contra a luz!” 192.

O testemunho de João Batista em Jo 1,7 é outra categoria interpretativa que


volta posteriormente em Jo 1,19-51 na missão de João em dar testemunho de Jesus
diante das autoridades do povo judeu, diante do povo e diante dos seus próprios
discípulos (Jo 1,35). O próprio João Batista (que no Quarto Evangelho nunca é
chamado de “Batista”) apresenta os atributos que caracterizam a pessoa e a missão
de Jesus: “aquele que vem depois de mim” (1,27); “o cordeiro de Deus” (1,36); “vem
um homem” (1,30); “aquele sobre quem desce e permanece o Espírito...” (1,33); “o

190
Cf. RUBEAUX, Francisco. “Mostra-nos o Pai”. Uma leitura do Quarto Evangelho. A Palavra na
Vida, n˚ 20, São Leopoldo, Cebi, 1989, p. 43.
191
Cf. ANDERSON, Ana flora. A verdade da justiça. Estudos Bíblicos, n˚ 14, Petrópolis, Vozes, 1987,
p. 54.
192
Cf. ANDERSON, 1997, p. 59.
50

Filho de Deus” (1,34); “o Rabi...” (1,38); “O Messias, que quer dizer Cristo” (1,41);
“aquele de quem escreveram Moisés na Lei e os Profetas” (1,45); “o Rei de Israel”
(1,49) e “verás coisas maiores” (1,50). Todos esses atributos aplicados a Jesus são
aprofundados posteriormente nos textos joaninos.
Este conhecimento posterior das categorias que voltam nos textos do Quarto
Evangelho, mas que já são apontadas no Prólogo provoca um movimento de
compreensão que vai continuamente do todo para as partes e destas ao todo. Nossa
tarefa, como leitores consiste em ampliar, em círculos concêntricos, a unidade do
significado compreendido. A concordância com o todo é o critério da correta
interpretação e evita leituras fundamentalistas 193. A falta dessa consciência significa
fracasso na compreensão e essa pode ter sido uma das grandes falhas das
autoridades judaicas em relação a pessoa e missão de Jesus no Quarto
Evangelho194. Ou seja, quando falamos da pessoa de Jesus em Jo, precisamos ter
presente a sua preexistência, com a frase “e o Verbo se fez carne” e o principal: sua
encarnação “e habitou entre nós” (1,14).
Um segundo princípio de hermenêutica para podermos compreender melhor
a imagem joanina de Cristo diz respeito em iniciarmos na unidade da cristologia
joanina e procurarmos integrar nela as várias categorias de expressão. Isso poderá
ser feito de diferentes formas. Pode-se, por exemplo, começar com uma
compreensão de Jesus como “enviado do Pai”, (Jo 9,7) onde este é enviado ao
mundo pelo Pai e é o revelador e portador da vida. Esta foi com certeza, a causa
dos muitos conflitos de Jesus com as autoridades judaicas, pois, estas eram
promotoras da exclusão e, por conseguinte, matavam aos poucos muitas pessoas
(Jo 8,5), enquanto que Jesus de Nazaré se apresenta como “eu sou a ressurreição e
a vida” (Jo 11,25); “...o caminho, a verdade e a vida...” (14,6) e todos os encontros
de Jesus com as pessoas no Quarto Evangelho estão relacionados em oportunizar
mais vida às elas195. Pode-se também tomar como decisiva a categoria interpretativa
do “Filho do Homem” “que desceu do céu e a ele retorna para reconduzir as pessoas
a Deus” (1,51). Ou pode-se partir da confissão: “Jesus é o Messias e o Filho de
193
Cf. BOFF, Leonardo. Fundamentalismo. A globalização e o futuro da humanidade. Rio de
janeiro, Sextante, 2002, p. 17.
194
Cf. MESTERS, 2000, p. 72, onde o autor apresenta uma discussão sobre a Pessoa de Jesus, sob
um título interessante: “quem despreza o povo não encontra Jesus” (Jo 7,32-52).
195
Cf. MESTERS, 2000, p. 26. Nesta página o autor destaca os encontros de Jesus no Evangelho
segundo João. Seriam eles: o encontro com os primeiros discípulos (1,35-51); Nicodemos (3,1-13);
João Batista (3,22-36); a samaritana (4,1-42); o paralítico (5,1-18); a mulher que ia ser apedrejada
(8,1-11); o cego de nascença (9,1-41); Marta e Maria (11,17-37) dentre outros.
51

Deus” (1,17.19), originalmente proveniente do âmbito judaico; ou desdobrar-se numa


asserção universal acerca do portador da salvação. Contudo, apesar dos diferentes
títulos dados a Jesus196, não se pode perder de vista à unidade da cristologia joanina
apontada acima. Ou seja, no centro dos escritos joaninos encontra-se a figura de
Jesus Cristo197, que garante a significância deste evangelho 198.
O terceiro princípio hermenêutico em relação à busca de uma imagem
joanina de Cristo consiste na confluência entre compreender o evangelho segundo
João cristologicamente ou apenas teologicamente 199. Ou seja, será que nosso
evangelho está concentrado de tal maneia na cristologia (Jo 14,6) que se deva olhar
a partir desta para Deus, o criador e a força movente da história humana, ou se deve
iniciar a reflexão com Deus e o seu amor para com o mundo (Jo 3,16), que pelo
envio do Filho, trouxe algo de novo ao mundo?
Como sabemos, Cristologia e Teologia estão tão intimamente unidas e
mutuamente relacionadas que ficaria difícil responder à questão acima. Contudo,
parece que o evangelho segundo João aponta para um centro da fé cristã que é a
união com Deus, o Pai, por meio de Jesus Cristo, através da prática do amor
(ágape–caridade) (Jo 13,34-35). Esta “prática do amor como a única lei, juntamente
com o poder-serviço que orientava as novas relações nessas comunidades de
iguais”200 eram os fundamentos da comunidade joanina, como também, causa de
conflitos com as autoridades judaicas e com as comunidades cristãs de
Jerusalém201. Isto transparece no texto joanino pela prática de Jesus que: acolhe os
Galileus (Jo 1,46); os samaritanos (Jo 4,39) (ao contrário apresentado nos Sinóticos,
ver Lc 9,52-55); convive com os gregos (12,20); com paralíticos (Jo 5,6); com os
cegos (Jo 9,1), sendo que neste capítulo de Jo já temos uma evolução da
cristologia202. Esta prática de Jesus, por outro lado, provoca reações conflituosas
196
Cf. MESTERS, 2000, p. 27. O autor apresenta uma lista dos títulos de Jesus no Quarto Evangelho.
197
Cf. MORRIS, Leon de. Teologia do Novo Testamento. Trad. Hans Udo Fuchs, São Paulo, Vida
Nova, 2003, p. 269. Comentando sobre o ponto de partida do evangelho, o autor diz: “ é um livro
sobre Jesus. Isso é reforçado pelo fato de que João usa o nome ‘Jesus’ 237 vezes, muito mais do
que qualquer outro livro do Novo Testamento (Mt 150; Lc 89; Mc 81; o total de Paulo 213)”.
198
Cf. ROTEIROS PARA REFLEXÃO, 2000, p. 29-30.
199
Cf.BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Trad. Ilson Kayser, São Paulo, Teológica,
2004, p. 463.
200
Cf. GASS, 2005, p.47, V7.
201
Cf GASS, 2005, p. 48, V 7.
202
Cf. O. Cullmann, por sua vez chama a atenção para a correspondência entre o milagre do cego e o
do paralítico (Jo 5). Em ambos, a cura acontece na proximidade de uma piscina, em dia de sábado, e
provoca uma discussão com os judeus. No primeiro relato, Jesus aparece como vida, no segundo,
como luz. (...) No milagre do cego, como já no do paralítico, temos uma prefiguração do batismo. Já
52

com a comunidade do judaísmo oficial, porque ela está ainda presa numa
concepção legalista de Deus e da religião, cooptada com o Império Romano,
enquanto que Jesus opta pela sacralidade da vida, tornando-se “um reformador da
fé de Israel e busca resgatar os princípios e as práticas que deram origem ao povo
de Israel”203.
No fundo, o grande conflito presente na comunidade joanina diz respeito a
compreensão de Deus, onde os judeus, como exarcebados monoteístas fazem uma
leitura fundamentalista, hierárquica e exclusivista da salvação, matando até em
nome desse “deus”; “sereis excluídos das Sinagogas. Mais ainda, virá a hora em
que aquele que vos fizer morrer julgará estar oferecendo um sacrifício a Deus” (Jo
16,2). Esta visão religiosa estava tão arraigada nas pessoas que infiltrou-se também
nas comunidades cristãs de Jerusalém, por isso, que quando Jesus pretendeu lavar
os pés de Pedro (ele representa a comunidade cristã de Jerusalém) este se espanta!
(Jo 13,6), porque numa visão hierárquica é o servo que deve servir ao senhor e
nunca o contrário (Jo 13,14).
Então, esta desconstrução das imagens de Deus, e da forma de como
vamos nos relacionar com a divindade, passa também por meio de seu Filho e Ele
no evangelho segundo João aponta para algumas saídas interessantes. Primeiro, a
construção dos textos em sua primeira parte – o livro dos Sinais 2-12, e dentro dela,
a mais antiga os cap. 2-5 mostra uma série de mediações que são superadas com a
vinda de Jesus de Nazaré: a Aliança (Jo 2,1-12); o Templo (Jo 2,13-23); a Lei (Jo
2,23-3,21); as Mediações (Jo 3,22-4,3) e o Culto Discriminatório (Jo 4,4-44).
Também, Jesus é visto como o novo realizador das festas e instituições mosaicas
(Sábado Jo 5,9; Páscoa 2,13; Tendas 7,2; Dedicação 10,22), e da promessa feita à
descendência de Abraão (Jo 8,37-41.56-59). Segundo, a prática da caridade, que é
a marca “eucarística” da comunidade joanina204, é um dos critérios chaves de
relacionamento com Deus, pois “Deus é amor: quem permanece no amor
permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4,16). Esta dinâmica está

os antigos Padres pensavam assim. (...) Uma importante diferença em relação à cura do paralítico,
em Jo 9, é o seguinte acento: quem pensa estar vendo não chega à luz, mas quem é consciente da
própria cegueira, esta alcança a luz. IN: FABRIS, 1992, p. 378. A evolução na cristologia também
aparece na forma como o cego vai reconhecendo Jesus: Rabi (v.2), Enviado (v.7), Homem (v.11.16),
Profeta (v.17), Messias (v.22), Filho do Homem (v.35) e Senhor (v.36).
203
Cf DIETRICH, Luiz José. Raízes da leitura popular da Bíblia, Estudos Bíblicos, n˚ 96, Petrópolis,
Vozes, 2007, p. 21.
204
Cf. Aqui sabemos que em Jo não temos um relato da Ceia como nos Sinóticos. Em seu lugar o
evangelista colocou a cena do lava-pés e fez uma “homilia-catequese” sobre a eucaristia no cap. 6.
53

expressa no próprio relato do lava-pés (ícone da caridade) quando Judas Iscariotes


não permanece na Ceia. Ou seja, sem amor, nos afastamos do próximo e, por
conseguinte, de Deus, ao passo, que quanto mais amamos, mais nos tornamos
próximos do nosso próximo (Lc 10,27). Uma terceira saída apontada pelo Quarto
Evangelho está relacionada com a própria maneira de prestar culto a divindade,
sempre muito emblemática na história de Israel 205. Aqui o evangelista João
apresenta um relato de discurso de Jesus com uma samaritana que vem trabalhar
exatamente esta questão (Jo 4,21-24) oferecendo uma saída muito perspicaz: “mas
vem a hora em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e
verdade; tais são, com efeito, os adoradores que o Pai procura”. Ou seja, suprime-
se todas as mediações, sejam humanas ou materiais e o crente faz a “ligação” direta
com a divindade. Mas alguém poderia questionar: como fica a problemática do
Cristo como ‘a mediação’, ou ainda, como “o único caminho” (14,6) para acesso ao
Pai? O próprio evangelista responde quando afirma que Jesus é Deus (a famosa
expressão EU SOU206), por isso, também há tantos conflitos com os judeus em torno
dessa questão e se acentuava mais quando Jesus fazia tal afirmação (Jo 10,33) e,
por conseguinte, o mataram.
Feita esta consideração e tendo presente a pergunta levantada acima: qual
o ponto de confluência entre a cristologia e a teologia no evangelho segundo João?
Diria que ela está sintetizada na resposta: “Jesus é Deus”. O paradigma
hermenêutico consiste então de termos presente que o Quarto Evangelho trabalha
com “dualismos” que encontra seu limite na própria compreensão de Deus. Ou seja,
a vinda do Filho de Deus ao mundo pode significar salvação ou desgraça, salvação
pelo amor de Deus nele revelado ou perdido na descrença (Jo 3,17-19). O envio do
Filho de Deus à história humana foi colocado diante de uma decisão: fé ou
descrença determinam sua sorte! Por outro lado, a descrença aqui não é tanto uma
questão de crer ou não crer, mas é fundamentalmente viver ou não na prática do
amor. Em outros termos, se trata de uma opção de fé que provoca no leitor um
itinerário que conduz à vida (Jo 20,31).
Finalmente, um quarto princípio hermenêutico da compreensão da imagem
joanina de Cristo precisa ser construída através da comparação com a primeira

205
Cf. DIETRICH, 2007, p.19.
206
Cf. BÍBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo, Paulus, 1995, 8,24 com nota ‘e’: “Eu Sou é o nome divino
revelado a Moisés (Ex 3,14) e significa que o Deus de Israel é o único e verdadeiro Deus (Dt 32,39).
Com esta frase dedicada a Jesus, a comunidade joanina confessa sua fé na divindade de Jesus.
54

Carta de João, na qual são rejeitadas concepções divergentes de Cristo, que veio na
carne e passou pela água e pelo sangue (1Jo 4,2s; 5,6-8) 207, como também ali se
ressalta a experiência do amor de Deus (1Jo 4,7-21) como critério de
relacionamento, seja para com as pessoas da comunidade joanina e em relação ao
próprio Deus. Talvez a afinidade mais próxima entre a Carta de João e o Quarto
Evangelho, segundo alguns estudiosos, esteja sobre a cristologia desenvolvida no
Prólogo do evangelho (Jo 1,1-18)208 e os conflitos internos das duas comunidades,
embora diferentes em alguns aspectos. Ali podemos evidenciar alguns pontos
comuns desses escritos, pois, ambos convergem para uma visão unificada da
cristologia e a partir desta, pode-se buscar uma hermenêutica concordante.

3.2- CARACTERÍSTICAS DA CRISTOLOGIA JOANINA

Semelhantemente como os Sinóticos, o evangelho do Discípulo Amado


transmite sua cristologia contanto uma história de Jesus, embora, bem mais
elaborada, a ponto de Mesters afirmar que “enquanto os sinóticos tiram uma
fotografia de Jesus, o quarto evangelho tira um raio X, revelando seu sentido mais
profundo e divino”209. Conseqüentemente, que lê e ouve esta narrativa é guiado pela
habilidade do narrador que lhes apresenta um retrato de Jesus e faz com que o leitor
tome uma decisão: cresça na fé ou na incredulidade (Jo 20,31). Contudo, para
ambos os casos, a medida será a prática do amor (Jo 14,21; 15,9).
Interessante também que no final do processo da narração do evangelho,
tanto os leitores, como os ouvintes inevitavelmente refletirão sobre o que ouviram e
207
Cf. Inserida numa certa proximidade histórica de composição (110 dC), a “Primeira Carta de João
também tem como contexto situacional a perseguição promovida por autoridades judaicas e romanas,
bem como o perigo da institucionalização de suas comunidades, ameaçadas pela hierarquização das
igrejas de herança petrina e paulina. Contudo, o contexto teológico difere do evangelho segundo
João, porque os adversários não são somente externos às comunidades, mas são de dentro mesmo
das Igrejas do Discípulo Amado, que estão profundamente divididas (1Jo 2,18-26; 4,1-6). A divisão é
tão séria que os autores das Cartas chegam a chamar os companheiros, que desencaminham seus
irmãos (1Jo 2,26; 3,7) de anticristos (1Jo 2,18.22), de falsos profetas (1Jo 4,1), de mentirosos (1Jo
2,22), de filhos do demônio (1Jo 3,8.10.12) e de sedutores (2Jo 7). Se o Quarto Evangelho
confrontava a fé com a incredulidade do “mundo” e dos “judeus”, as Cartas confrontavam a fé
verdadeira com a fé incorreta dos dissidentes dentro das próprias comunidades”. GASS, 2005, p.132,
V 8.
208
Cf. SCHNACKENBURG, 2001, p. 263.
209
Cf. MESTERS, 2000, p. 16.
55

leram e tomarão suas decisões a favor ou contra o Mestre, e talvez por isso, mesmo
em se tratando de camadas redacionais diferentes 210, o Quarto Evangelho apresenta
duas conclusões distintas: Jo 20,30-31 e 21,24-25, mas que tem algo em comum.
Da primeira conclusão, a Bíblia Pastoral comenta: “o autor concluiu o relato da vida
de Jesus, chamando a atenção para o conteúdo e a finalidade do seu evangelho,
que contém apenas alguns dos muitos sinais realizados por Jesus. E estes aqui
foram narrados para despertar o compromisso da fé que leva a experimentar a vida
trazida por Jesus”211. Em relação à segunda conclusão, a mesma edição da bíblia
destaca:
“a segunda conclusão do evangelho salienta novamente o tema do
testemunho. O evangelho não é ensinamento de doutrina, nem exposição
de verdades ou sistemas, nem conjunto de fórmulas jurídicas, às quais
todos deveriam se ajustar. Evangelho é o testemunho de uma comunidade
que se transforma cada vez mais ao seguir Jesus na experiência do
amor”212.

Ou seja, aparece claramente nas duas explicitações a intenção do


evangelista em não apresentar apenas mais um escrito sobre Jesus, mas ao fazê-lo,
quer que os leitores se sintam envolvidos efetiva e afetivamente com o personagem
principal a ponto de traduzir isto na vida concreta. Creio que este é um dos principais
aspectos da cristologia joanina que a tornam diferente dos Sinóticos e serve como
opção metodológica e hermenêutica na busca de um itinerário integrador das
relações ecológicas, pessoais, sociais e com o Transcendente.
A partir dessa premissa hermenêutica ligada à cristologia joanina,
apontaremos algumas características em torno da imagem e das práticas de Jesus
presentes no Quarto Evangelho.

3.2.1- A identificação de Jesus

O Evangelho do Discípulo Amado apresenta Jesus a partir de uma série de


imagens, ou segundo Mesters, com títulos213. Dentre os principais, destacam-se : a
Palavra (1,1); Filho único (1,14); Messias ou Cristo (1,17); Cordeiro de Deus (1,29);
Rabi ou Mestre (1,38); Filho de Deus (1,49); Filho do Homem (1,51); Templo (2,21);
210
Cf. Veja o capítulo primeiro no item 1.1.3 – a composição dos escritos, onde trabalhamos esta
questão.
211
Cf BIBLIA PASTORAL, São Paulo, Paulus, 4˚ ed. 1990, ref. Jo 20,30-31 e nota.
212
Cf. BIBLIA PASTORAL, São Paulo, Paulus, 4˚ ed. 1990, ref. Jo 21,24-25 e nota.
213
Cf. MESTERS, 2000, p.27-28.
56

Salvador do Mundo (4,42); Pão da vida (6,34); Filho de José (6,42); Santo de Deus
(6,69); Eu sou (8,28.58); Samaritano (8,48); Luz do mundo (9,5); Homem Jesus
(9,11); Profeta (9,17); Senhor (9,38); Porta das ovelhas (10,7); bom pastor (10,11);
Ressurreição (11,25); Rei de Israel (12,13); Caminho, verdade e vida (14,6); videira
(15,1); Nazareno (18,5); homem (19,5); Senhor e Deus (20,28), dentre outras.
Todavia, parece que em dois pontos é evidente que os títulos de “Filho de Deus” e
“Messias” são os principais títulos confessionais da narrativa joanina 214. Isto porque,
segundo Matera, quando “Jesus pergunta a Marta se ela crê que ele é a
ressurreição e a vida, ela responde ‘sim Senhor, creio que és o Cristo, o Filho de
Deus, que devia vir a este mundo’ (Jo 11,27)”. Depois, continua nosso autor, “no final
do evangelho, o narrador joanino faz eco à confissão de Marta quando explica:
‘estes, porém, foram escritos para que creias que Jesus é o Messias, o Filho de
Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome’ (Jo 20,31)” 215.
Trata-se então de uma continuidade e descontinuidade entre as cristologias
que encontramos presentes nos evangelhos sinóticos e no Quarto Evangelho na
medida em que os títulos de “Messias” e “Filho de Deus” são apresentados, embora,
este último “completa a extensão regressiva da cristologia do Novo Testamento” 216,
por isso, a descontinuidade e, como mencionávamos acima, num enfoque bem mais
profundo, seja em relação à descrição da pessoa de Jesus, como em relação a
vivência da fé na comunidade cristã 217. Ou poderíamos dizer em outras palavras, no
Quarto Evangelho há crescimento e desenvolvimento da reflexão acerca da pessoa
de Jesus Cristo.
O título aplicado a Jesus de Messias (ho Christós) aparece muitas vezes no
Quarto Evangelho218. Logo no início, por exemplo, João nega que é o Messias,
confirmando assim que Jesus é o Messias (1,20; 3,28). Em seguida, André diz que
encontrou o Messias em Jesus (1,41), e depois, novamente Jesus afirma
explicitamente que ele é o Messias (4,26) e a mulher samaritana pergunta se Jesus
é verdadeiramente o Messias (4,29). A multidão também em Jerusalém se pergunta
214
Cf. MATERA, Frank J. Cristologia narrativa do Novo Testamento. Petrópolis, Vozes, 2003, p.
341.
215
Cf. MATERA, 2003, p. 341.
216
Cf. LOEWE, William P. Introdução à Cristologia. Trad. Edwino A Royer, São Paulo, Paulus, 2000,
p. 240.
217
Cf. Aludimos aqui novamente a imagem descrita por Mesters, da comparação entre a fotografia e o
Raio X acerca da descrição de Jesus nos quatro evangelhos. MESTERS, 2000, p. 16.
218
Cf. Christós, com o artigo aparece em 1,20.25; 3,28; 4,25.29; 7,26.27.31.41.42; 10,24; 11,27;
12,34; 20,31. Sem o artigo em 1,17; 9,22; 17,3. Em 1,41 o ton messian transcreve o hebraico para ‘o
messias’.
57

se Jesus é o Messias, mas questiona a sua qualificação, pois sabem que vem da
Galiléia (7,26.27.41.42). Acirrando mais o conflito, na medida em que a
compreensão sobre Jesus se aprofunda no evangelho, os judeus decidem expulsar
da sinagoga qualquer pessoa que confessasse que Jesus é o Messias (9,22) e
pedem que Jesus diga com clareza se é o Messias (10,24). Finalmente, caminhando
para uma cristologia mais aprofundada, Marta 219 confessa corretamente que Jesus é
o Messias (11,27).
Embora quando falamos da figura do Messias precisamos ter presente a
expectativa messiânica do primeiro século de nossa era e como isso influenciou as
comunidades cristãs, principalmente aquelas de origem judaica 220, e como isso pode
estar acentuado nos textos dos evangelhos. Neste sentido, pode haver pouca dúvida
que o redator final do Quarto Evangelho quisesse acentuar que Jesus era o Messias
esperado. Provavelmente, o Quarto Evangelho redefiniu completamente o que
significa chamar Jesus de Messias. Neste evangelho, o Messias é aquele que vem
de cima, aquele que Deus enviou ao mundo 221. Logo, ainda que a multidão faça a
pergunta correta quando debate a origem de Jesus não entende o pleno significado
de sua própria pergunta, porque a origem do Messias não é uma questão de
linhagem davídica, mas de descendência de cima. E esta compreensão messiânica
defronta-se com a incompreensão das lideranças judaicas onde o relato da cura do
cego de nascença no cap. 9 é a expressão mais clara dessa questão: “os pais do
cego disseram isso porque tinham medo das autoridades dos judeus, que haviam
combinado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Messias”. O
cego curado está preparado para isso por meio de sua reflexão sobre a pessoa de
Jesus (9,38). Todavia, este cego chega a esta conclusão somente após ser expulso
da sinagoga, pois em Jo 9 temos uma espécie de autobiografia da comunidade
joanina.
Contudo, as autoridades dos judeus tomam posição contra Jesus na
discussão sobre a elevação do Filho do Homem (Jo 12,34) e por isso, o evangelista
quer prevenir essa compreensão errônea do Messias e, ao mesmo tempo,
fundamentar a verdadeira messianidade de Jesus 222. Para o Quarto Evangelho

219
Cf. Para alguns estudiosos Marta é uma das mulheres que está na origem das comunidades do
Discípulo Amado.
220
Cf. Para um estudo mais aprofundado sobre os Movimentos Messiânicos do tempo de Jesus,
recomendamos a obra de Donizete Scardelai, com o mesmo título acima.
221
Cf. SCHNACKENBURG, 2001, p. 279.
222
Cf. RUBEAUX, 1989, p. 26.
58

existe uma conexão do Messias com o Filho do Homem que deve ser erguido na
cruz. Este Filho do Homem que vem do céu, que trilha seu caminho através da
elevação na cruz, é para as autoridades judaicas, um estranho, um enviado de outro
mundo. Ele não é compreendido, porque a expectativa messiânica dos judeus está
fixada no aparecimento de um descendente de Davi (7,41) e libertador político
(6,15)223. Ou seja, os judeus não compreendem seu segredo messiânico, sua origem
em Deus (7,28s). Por isso, não entenderam as palavras sobre o Filho do Homem e a
messianidade de Jesus permanece oculta, ao passo que para as comunidades do
Discípulo Amado isso era mais claro (Jo 11,24-27).
Uma segunda identificação de Jesus que aparece no Quarto Evangelho é
“Filho de Deus”. Joachim Jeremias também comenta: “no evangelho de João Jesus
fala continuamente de si mesmo como o Filho de Deus” 224. Embora haja menos
referências a Jesus com este título225, ele desempenha também um papel importante
na narrativa joanina. Por exemplo, no início do evangelho, João testemunha que
Jesus é o Filho de Deus, e Natanael confessa: “Rabi, tu és o Filho de Deus, és o Rei
de Israel” (1,49). Embora Natanael use a expressão “Filho de Deus” como sendo a
mesma coisa que o Rei de Israel, sua confissão é mais profunda do que ele mesmo
imagina, como o resto dos relatos do Quarto Evangelho mostrarão.
Mesmo que muitas das referências ao “Filho” e “o Filho de Deus”
provavelmente representem diferentes estratos de tradição e redação, o texto final
do Quarto Evangelho agora os lê um à luz do outro 226. Por isso, que enquanto
Natanael identifica o Filho de Deus como Rei de Israel (o Messias), o redator
identifica o “Filho de Deus” como o Filho a quem o Pai enviou ao mundo. Segundo o
Prólogo, já ficou claro que o “Filho de Deus” é o Filho preexistente (Jo 1,14). Não
surpreende que Natanael não esteja consciente desse sentido profundo, pois, o
Prólogo foi redigido e acrescentado posteriormente ao Livro dos Sinais (Jo 1,19
-11,54)227.
Em Jo 5,25, a expressão “Filho de Deus” aparece numa seção que, aliás, se
refere a Jesus como “o Filho” (5,19.20.21.22.23.26) e ao falar do poder que o Pai
deu ao Filho, Jesus diz: “na verdade eu vos digo: vem a hora, e já chegou, em que

223
Cf. SCARDELAI, 1998, p. 236.
224
Cf. JEREMIAS, 2004, p. 372.
225
Cf. A referencia “Filho de Deus” aparece em 1,49; 3,1.8; 5,25; 10,36; 11,4.27; 19,7; 20,31.
226
Cf. Por exemplo: as referencias a “o Filho” em Jo são: 3,16.17.35.36; 5,19.20.21.22.23.26; 6,40;
8,36; 14,13; 17,1.
227
Cf. RUBEAUX, 1989, p.43.
59

os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão” (Jo 5,25).
Estas palavras encontram um cumprimento imediato na ressurreição de Lázaro
(11,43), no fato em que Marta confessa que Jesus é o Messias, o Filho de Deus que
vem ao mundo (Jo 11,27). Ou seja, o redator do evangelho faz uma associação de
Jesus com uma linha mais escatológica. Que também pode ter seu eco aqui, uma
vez que o contexto histórico no final do primeiro século, época da redação final do
Quarto Evangelho era de perseguição por parte do Império Romano e do Judaísmo
Oficial. Isso provocava uma reflexão também de cunho mais escatológico, pois,
“quando o presente é contraído, o futuro é expandido” 228.
Mas parece que o contexto de maior conflito em relação ao título “Filho de
Deus” no evangelho segundo João se insere na festa da Dedicação (10,22), onde há
uma cena de conflito com os judeus, na qual o julgamento chega a um ponto
culminante. Embora que, no Quarto Evangelho, o “julgamento” de Jesus ocorra
durante todo o ministério público e cresce à medida que Jesus revela sua identidade
ao mundo. A cena começa quando os judeus perguntam se Jesus é o Messias
(10,24). Mas quando Jesus diz que ele e o Pai são um, as autoridades judaicas
ameaçam apedrejá-lo por ele se fazer Deus (10,30-33). Ai, Jesus responde: “como
podeis dizer que blasfema aquele que o Pai santificou e enviou ao mundo só porque
eu disse: ‘sou Filho de Deus?’” (10,36). Em seguida, Jesus diz que o Pai está nele e
ele no Pai (10,38). Em resumo: Jesus se apresenta como Deus.
Por isso, a idéia de “Filho de Deus” está novamente ligada com a cristologia
joanina do Filho que o Pai enviou ao mundo e na medida em que o discurso
progride, mesmo que os conflitos aumentem e a incredulidade dos judeus se
acentue, a confissão inicial de Natanael ganha um significado novo e mais profundo.
Mesmo que o julgamento de Jesus gire em torno da questão de sua filiação, isso fica
apenas mais claro para os judeus no momento em que Pilatos não está convencido
da culpa de Jesus e eles respondem: “nós temos uma lei e, segundo a lei, ele deve
morrer, porque se fez Filho de Deus” (19,7). Embora Pilatos não compreenda o
significado desta declaração, faz a Jesus a pergunta correta: “donde és tu?” (19,9). A
resposta é óbvia: Jesus vem de Deus e volta para Deus.
Enfim, na primeira conclusão da obra joanina (Jo 20,30-31) os leitores e
ouvintes chegam ao comentário do redator final que explica por que escreveu: “para

228
Cf. SANTOS, Boaventura Sousa. A Gramática do tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo, Cortez, 2006, p. 95.
60

que creiais que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, vocês
tenham a vida em seu nome” (20,31). Isto significa que agora leitores e ouvintes
receberam uma nova compreensão do que significa chamar Jesus de Messias, o
Filho de Deus. Ou seja, “Jesus é Messias e Filho de Deus assim como os sinóticos
proclamam, mas de uma maneira como nenhum desses autores ousou imaginar” 229.
Poderíamos aqui aprofundar mais alguns títulos acerca de Jesus que
aparecem no Quarto Evangelho relacionado à cristologia. Contudo, podemos
perceber que entre todas essas tensões e conflitos em torno da humanidade e da
divindade de Jesus encontram sua última explicação na encarnação “e o Verbo se
fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14) e por isso, o Quarto Evangelho é audaz em
falar do Filho como preexistente 230. Logo de início, o redator do Quarto Evangelho
elaborou a sua imagem de Jesus Cristo, conduzindo-a logicamente de modo a fazer
com que o leitor se aprofunde na opção por Jesus de Nazaré. O evangelista não
parte do homem Jesus, mas do “Verbo divino”, que, porém, se encarnou num ser
humano de carne e sangue, e este viveu numa história concreta. Dessa maneira
este evangelista faz justiça tanto à humanidade quanto à divindade de Jesus Cristo.
Com isso, o Quarto Evangelho nos conduz para dentro do ministério de Deus e ao
fazermos isso, mais humanos e para os humanos nos tornamos.

3.2.2- Descrição que Jesus faz de si mesmo

O estudioso O. Cullmann comentando a respeito da presença significativa de


Jesus de Nazaré no Quarto Evangelho, sobretudo em relação à encarnação deste
na história humana afirma que “a história da salvação inteira, a passada e a futura, é
resumida neste evento vertical, mas de tal modo que se ordena em linha
horizontal”231. Continua ainda comentando que a vida histórica de Jesus “é o centro
de todo o processo histórico mediante qual Deus põe em obra sua redenção” 232. A
partir desse pressuposto é interessante descrever algumas das afirmações que
Jesus faz de si mesmo no Quarto Evangelho, ou que os redatores finais do texto,
mediante a experiência oral das comunidades cristãs colocam na boca de Jesus.

229
Cf. MATERA, 2003, p. 344.
230
Cf. SCHNACKENBURG, 2001, p. 308.
231
Cf. CULMANN, O. L’evangelo di Giovani e la storia della salvezza, IN: FABRIS, 1992, p. 266.
232
Cf. FABRIS, 1992, p. 266.
61

Assim quando mergulhamos no texto bíblico em estudo, percebemos que


neste Quarto Evangelho, as afirmações que Jesus faz de si mesmo constitui em
uma das características próprias do Novo Testamento. Pois, ao mesmo tempo em
que Jesus aponta para o Reino iminente de Deus ele aponta também para si
mesmo. Entre algumas afirmações colocadas na boca de Jesus, encontramos: “Eu
sou o pão da vida. Quem vem a mim já não terá fome...” (6,35.41); “eu sou a luz do
mundo. Quem me segue não andará nas trevas mas terá a luz da vida” (8,12); “eu
sou a porta das ovelhas...” (10,7); “eu sou a ressurreição e a vida” (11,25) e tantas
outras.
Estas afirmações extraordinárias de Jesus podem também nos dizer um
pouco mais sobre Jesus do que os títulos acima que examinamos. Até porque, não é
tão difícil captar o sentido imediato dessas afirmações, pois o narrador joanino nos
oferece sinais e discursos para explicar o que pretende dizer com essas afirmações.
Por exemplo, quando Jesus afirma que ele é o pão da vida após ter
alimentado a multidão no deserto no tempo da Páscoa (Jo 6,1-15), há um sinal que
leva o povo a identificá-lo como “profeta” que há de vir ao mundo (6,14). Embora
Jesus também perceba que o povo não compreendeu corretamente o sinal, pois
queria fazê-lo rei (6,15) o que significava dominação, poder, concentração de bens
numa pessoa. Jesus resgata o projeto tribal das comunidades de Israel, onde a
partilha é o critério para implantação da justiça, e a figura do profeta expressava “um
claro sentido messiânico, pois, ao dar de comer a uma multidão, renovava os sinais
do Êxodo, em particular a do maná. Repetir esses sinais e realizar a libertação
definitiva, como um segundo Moisés, era missão do Messias” 233.
Depois Jesus afirma que é a luz do mundo (8,12), restaura a vista dum
homem cego de nascimento (9,7). Também depois de afirmar que ele é a
ressurreição e a vida (11,25), reanima Lázaro dos mortos. Todavia aqui também
cada um desses sinais aponta para uma realidade mais profunda que simplesmente
a restauração da vista ou mesmo, da vida. No primeiro caso, estamos no contexto
da festa das Tendas, onde no primeiro dia das festividades, acendiam-se grandes
candelabros no pátio das mulheres por onde passava a procissão da água. A luz
desses candelabros podia-se ver em toda a cidade. O rito se refere a Zc 14,6, em
que falando do “dia do Senhor”, se afirma: “aquele dia não se dividirá em luz, frio e

233
Cf MATEOS, Juan. O Evangelho de São João. Grande comentário bíblico. São Paulo, Paulus,
1999, p. 308.
62

gelo; será um dia único, escolhido pelo Senhor, sem distinção de noite e dia, porque
ao entardecer continuará havendo luz”. Logo, a luz da festa tinha sentido
messiânico. Neste ambiente carregado de simbolismo, Jesus pronuncia sua
declaração: “eu sou a luz do mundo” (8,12). E ao proclamar-se como a luz do
mundo, Jesus associa ao texto de Zacarias, dois textos de Isaías, ambos referentes
ao Servo de Javé (42,6s e 49,6.9). Com isso, a partir dos “dois textos que
expressam a missão do Servo como a realização de um novo Êxodo, que liberta da
opressão, [...] Jesus convida os fiéis a empreender essa missão” 234.
No sinal da cura do cego de nascimento (9,1s), já comentado em outras
ocasiões deste estudo, volta-se novamente ao tema da luz, numa catequese
batismal, onde em síntese, Jesus é a luz do mundo porque revela Deus ao mundo “a
fim de que os cegos vejam”, enquanto que os incrédulos (no caso os fariseus) não
vejam, tornando-se cegos” (9,39).
O sinal da ressurreição e da vida (11,25) associa-se ao tema da vida, que se
encontra em tantas outras afirmações de Jesus presentes no Quarto Evangelho. Por
exemplo: Jesus é a porta, e aqueles que entrarem por ele serão salvos porque virão
ao Pai. Ele é o bom pastor que dá sua vida pela vida das ovelhas (10,11). Ele é o
caminho e a verdade que leva à vida porque vai para o Pai. Muito mais que
apresentar-se como vida, Jesus com estas afirmações denuncia as situações em
que a vida é ameaçada no contexto das comunidades do Discípulo Amado: expulsão
das sinagogas (16,2), perseguição do Império Romano, fome e pobreza, doenças,
injustiças que causam a morte (8,5), exclusão das mulheres (4,9)... No âmbito da
morte, Jesus se apresenta como a ressurreição e a vida, mostrando que o projeto
criador e libertador de Deus não é fazer um ser humano destinado à morte, mas à
vida plena e definitiva, comunicando-lhe a sua própria vida.
Em suma, as afirmações de Jesus presentes no Quarto Evangelho
ressaltam novamente a centralidade da pessoa de Jesus, que é Deus, e este
mistério enquanto encarnado na realidade humana. Mesmo que isso vai sendo
revelado, compreendido e reconhecido aos poucos pela comunidade do Discípulo
Amado, implica numa abertura, disponibilidade, amor e seguimento: não um
acolhimento passivo, mas ativo. E eram estas as características que diferenciavam a
comunidade do Discípulo Amado das comunidades judaicas, das comunidades

234
Cf. MATEOS, 1999, p. 383.
63

cristãs de Jerusalém, das comunidades dos samaritanos e gregos e de qualquer


outro grupo social que convivia com esta comunidade cristã 235.

3.3- A TRANSIÇÃO À ALTA CRISTOLOGIA

3.3.1- Passagem para uma Cristologia mais elevada e suas conseqüências

Segundo Brown, a passagem de uma cristologia mais simples para uma


mais elevada ou complexa (que significa: compreender Jesus mais profundamente)
na comunidade do Discípulo Amado aconteceu no momento da entrada dos
samaritanos nesta comunidade. Isto pode ser deduzido nos capítulos segundo e
terceiro, onde é necessário olhar, além das aparências, as ações de Jesus 236. Essa
visão não superficial desses capítulos mostra que o material ainda é muito
semelhante com os sinóticos. Por exemplo, “a mudança da água em vinho não é um
tipo diferente do milagre da multiplicação dos pães, e o diálogo da intervenção da
mãe de Jesus (2,3-4) parece com a atitude de Jesus em Lucas (2,48-49) e em
Marcos (3,31-35)237. Para Brown, o que começa a ser significativamente diferente é a
purificação do Templo que, para os Sinóticos, representa o ponto alto do conflito, no
final do ministério, enquanto, o Quarto Evangelho o coloca no começo, sendo que a
hostilidade está apenas começando: “nos títulos de Jesus, no capítulo primeiro,
parece que João começa onde os outros terminam, de modo que todo o corpo do
evangelho, depois dos capítulos iniciais, nos dará a autobiografia da comunidade
quando ela começa a ser diferente”238. Para ele, é no capítulo quarto que João se
afasta consideravelmente do ministério de Jesus, quando ele passa pela Samaria e
conquista toda uma aldeia de samaritanos para a fé de que Ele é o salvador do
mundo.
Por isso, Brown acentua que a alta cristologia é um termo que ele acentua
para criticar a reconstrução de Martyn, o qual, entre o primeiro e o segundo período,
235
Cf. GASS, 2005, p. 47, V 7.
236
Cf. “Em 2,1-11, há um desafio para que se veja a glória por trás dos sinais; em 2,13-22, uma
sentença sobre a substituição do Templo pode ser compreendida cristologicamente somente depois
da ressurreição; em 2,23-25 e na narrativa de Nicodemos do cap. 3, está claro que os que foram
atraídos por Jesus não o entendem plenamente”. BROWN, Raymond Edward. A comunidade do
discípulo amado. São Paulo, Paulus, 1999, p. 35.
237
Cf. BROWN, 1999, p. 36.
238
Cf. BROWN, 1999, p. 36.
64

não explica porque os judeus cristãos do primeiro período tinham uma cristologia
que lhes valeu a expulsão da sinagoga.
Para ele, a grande luta da comunidade joanina com os “judeus” acontece
devido esta alta cristologia. Ou seja, se olharmos em 5,18, veremos que os judeus
não queriam mais tolerar a pretensão cristã, a qual apresentava Jesus como igual a
Deus239. A alta cristologia começa quando há a entrada de um grupo de judeus
contrários ao Templo e de seus convertidos samaritanos, servindo como um
catalisador para essa cristologia mais elevada. Brown usa este termo, pois em Jo
4,4-42 revela entre os samaritanos uma cristologia diferente da articulada pelos
primeiros seguidores de Jesus em Jo 1,35-51. Nesse texto, aparece o termo
Messias, na afirmação samaritana, e que este Messias estava para vir (4,25-26). No
Quarto Evangelho, o termo Messias (ungido) não tem um único significado. André,
em Jo 1,41, não compreende devidamente sua identidade. O mesmo acontece com
Marta em Jo 11,40, quando ela também não conseguiu entendê-lo, pois a intenção
de João é escrever seu evangelho para que os leitores possam crer que Jesus é o
Cristo (20,31), e assim, o termo pode ser uma descrição adequada de Jesus.
“Aparentemente ele é verdadeiro, mas inadequado, se Jesus é considerado o rei
ungido da linhagem de Davi, que é a significação mais comum do Messias; ele
torna-se adequado quando inclui a noção de que ele é o que desceu de Deus para
revelá-lo aos homens”240. Então poderíamos nos perguntar: qual desses títulos
corresponde a Jo 4,25-26, se é que há um deles?
Para os samaritanos é improvável que o Messias seja da linhagem de Davi,
pois sua orientação era contra a dinastia davídica e o templo de Jerusalém. Os
samaritanos esperavam um Messias Taheb (aquele que volta, o restaurador), um
mestre e um revelador; “e pode ter sido neste sentido que os samaritanos aceitaram
Jesus como ‘o Messias’ – note-se que a samaritana diz em 4,25: “sei que o Messias
(que se chama Cristo) está para vir. Quando ele vier, nos anunciará tudo”” 241. Outro
fator muito relevante é a teologia samaritana que dá uma forte ênfase à figura de
Moisés, de tal modo que, às vezes, o Taheb era visto como a figura de um Moisés
que tinha voltado.

239
Cf. Aqui precisamos ter presente que esta questão de Jesus ser igual a Deus, não é
exclusivamente uma problemática joanina, porque ela é “debatida pelos cristãos durante séculos mais
depois que ela foi levantada formalmente no quarto evangelho”. BROWN, 1999, p. 49.
240
Cf. BROWN, 1999, p. 45.
241
Cf. BROWN, 1999, p. 46.
65

Pensava-se que Moisés tinha visto Deus e depois Jesus foi interpretado
segundo esta maneira de ver, então a pregação joanina teria haurido de tal
forma Moisés que o material depois corrigiria: não foi Moisés, mas Jesus
que viu Deus e depois desceu à terra para falar do que ouvira (3,13 e 31;
5,20; 6,46; 7,16- cf também 6,32-35; 7,23)242.

Brown vê nisso uma cristologia mais elevada, uma cristologia única que
aparece nas páginas do Quarto Evangelho, refletindo o tipo de fé em Jesus, que
veio a ser aceita no cristianismo joanino. A palavra estava na presença de Deus
antes da criação e depois se tornou carne em Jesus (1,1-14). Por isso, Jesus é
aquele que vem de Deus, porque desceu do céu, viu a face de Deus e ouviu a sua
voz (3,13; 5,37). Ele é um com o Pai (10,30), de modo que vê-lo é ver o Pai (14,9).
Na verdade, ele pode falar como o divino “Eu sou” (8,24.28.58; 13,19). Brown afirma
ser estranho que esta linguagem não apareça nos Sinóticos. No evangelho segundo
João, sem sombra de dúvida, é a cristologia mais elevada do Novo Testamento, pois
fala de Jesus na preexistência243.
Todavia, a preexistência também é mencionada nos escritos paulinos de
1Cor 8,6; Fl 2,6-7 e Cl 1,15-16, mas segundo Brown, não dá para fazer uma
comparação com os escritos joaninos, pois o texto de Coríntios afirma que todas as
coisas são “por Jesus”, mas o texto não é realmente claro sobre sua preexistência
pessoal. O hino em Filipenses é mais claro em sua referência e Colossenses
apresenta uma margem mais ampla para uma leitura sobre a preexistência.
No Quarto Evangelho, Jesus, em seu ministério afirma “antes que Abraão
nascesse, Eu sou” (Jo 8,58), fala da glória que tinha com Deus antes que o mundo
existisse (17,5). “Somente em João, o termo Deus é aplicado a todas as fases da
carreira do Verbo: o Verbo preexistente (1,1), o Verbo encarnado (1,18) e o Jesus
ressuscitado (20,28)”244. Essas comparações podem explicar a luta dos “judeus”
sobre a blasfêmia, que foi tão intensa na comunidade joanina. “Atos (5,33-42) indica
que as autoridades judaicas mostravam com relutância certa tolerância com seus
irmãos judeus que proclamavam que Jesus era o Messias ressuscitado dos mortos,
contanto que eles não atacassem o Templo como faziam os helenistas” 245. Na
afirmação de Jo 5,18, os judeus não toleram a pretensão cristã de apresentar Jesus
igual a Deus. Aparentemente, é a pretensão de Lúcifer igualar-se com o Altíssimo (Is
14,14). Como também podem ser pretensões humanas. “eu sou deus, ocupo um
242
Cf. BROWN, 1999, p. 46.
243
Cf. FABRIS, 1992, p. 275.
244
Cf. BROWN, 1999, p. 48.
245
Cf. BROWN, 1999, p.48.
66

trono divino no coração do mar. Apesar de seres homem e não Deus, alimentas, em
teu coração, pretensões divinas” (Ez 28,2). Aos olhos “dos judeus”, os cristãos
joaninos estavam atribuindo esse poder a Jesus (5,21.25-29) e proclamando-o um
segundo Deus, violando assim um princípio básico da religião israelita: “Ouve, ó
Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6,4). Por isso, não é de se
espantar que as autoridades judaicas pensassem que tais pessoas deveriam ser
expulsas das sinagogas e até exterminadas por causa de blasfêmia.

CONCLUSÃO

Nossa pesquisa a partir do evangelho segundo João foi orientada pela


convergência de dois interesses: o interesse pelo texto e, portanto pela situação
histórico-social-eclesial que o texto supõe, e daí pelo seu pensamento teológico; e a
convicção de que aqui encontramos algumas experiências religiosas que ainda hoje
podem ser expressas e oferecer luzes à realidade atual.
A partir disso podemos perceber que sempre mais se concorda em aceitar
que o evangelho segundo João, como os demais livros bíblicos, é fruto de uma
longa elaboração e colaboração de muitas pessoas. São experiências de homens e
mulheres, que viveram em determinado contexto histórico, fizeram sua experiência
religiosa e a traduziram num texto escrito. Mesmo sabendo que estes textos bíblicos
se situam num ambiente cultural e eclesial multifacetado, como é a nossa realidade
atual também, uma pista não podemos negligenciar: como responde o Quarto
Evangelho às interrogações de seu mundo? E qual o alcance de sua resposta?
Pudemos perceber que no contexto histórico do Quarto Evangelho existiam
conflitos em torno do sagrado e a pretensão se acirrava na medida em um grupo
específico (o judaísmo oficial) queria se apropriar desse sagrado e por meio dele,
justificar algumas práticas religiosas excludentes. Usavam até o nome de Deus para
matar (Jo 16,2).
67

Por outro lado, havia a comunidade joanina que também tinha sua
experiência religiosa, onde esta era pautada sobre a dinâmica do amor a Deus que
se traduz no amor-serviço ao próximo. Também tinham um “Deus”, todavia esse
“Deus” dava vida e dignidade às pessoas. Ou seja, a experiência religiosa traduz
uma tensão que existe no ser humano: a vida e a morte; o ser e o ter; serviço e
poder.
No âmbito da cristologia joanina esta tensão continua presente seja na
própria pessoa de Jesus de Nazaré, seja naquilo que se traduziu nos textos bíblicos
que falam dele, seja nos seus seguidores de ontem e de hoje. O capítulo do estudo
que trabalhou a cristologia mostrou essas tensões e como o redator final do Quarto
Evangelho soube costurá-las a partir de um fundamento: “e o Verbo se fez carne e
habitou entre nós” (Jo 1,14).
Então a partir da pergunta acima: como o evangelho segundo João
responde as interrogações de seu mundo, diria que a resposta está na prática de
Jesus, mas para chegarmos mais próximos dela, precisar saber “desconstruir”
muitos conceitos impregnados em nós, alguns deles fruto do contexto em que nos
encontramos, outros porque talvez, ainda não aprendemos a ler os textos bíblicos a
partir dessas tensões humanas.
Como desafio pessoal para o futuro ficaram ainda muitas perguntas sem
respostas a partir da cristologia joanina. Mostramos que a cristologia joanina passou
por algumas etapas de compreensão a qual designamos a passagem de uma baixa
cristologia à alta cristologia. O mistério está exatamente nessas passagens, pois na
cristologia baixa se deu o maior conflito entre as comunidades cristãs e o judaísmo
oficial. Na lógica humana deveria ser o contrário, pois quanto maior a complexidade,
maiores são os desafios de compreensão, como também, de colocar isso em
prática. Talvez aqui esteja novamente presente a sutileza do evangelho segundo
João, a que tanto acenamos, e isso talvez o torne tão “profundo”. O desejo de
continuar esta pesquisa na busca de novas perguntas e respostas é minha meta
para o futuro.
Finalmente, ficou ainda uma pergunta no ar: Qual o alcance da resposta
dada pelo Quarto Evangelho no seu contexto histórico? Busquei uma resposta num
autor que traduz o que sinto ao terminar este estudo:
68

o Quarto Evangelho é um enérgico e poderoso apelo a viver o presente, a


permanecer fiel ao hoje, porque a plenitude da graça, [da vida] e da
verdade, aparecida em Jesus de Nazaré, é tão disponível hoje quanto
ontem, e mais do que ontem, porque a perfeição dos bens futuros é dada à
fé hoje, como será amanhã246

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246
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