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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS


Programa de Pós-Graduação em Ciência Política – PPGCP

Aluno: Carlos Henrique Barbosa


Buck
Disciplina: Teoria Política Contemporânea II
Professor: José Paulo Bandeira da Silveira

TRABALHO FINAL

A PERSONAGEM-CANDIDATO LULA

NA CAMPANHA-ESPETÁCULO

Á PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA DE 2002


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Março de 2003

A PERSONAGEM-CANDIDATO LULA

NA CAMPANHA-ESPETÁCULO

Á PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA DE 2002


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 INTRODUÇÃO – O STAR SYSTEM


Este trabalho tem como objetivo analisar a campanha política na última eleição presidencial
– 2002 - do hoje presidente, e à época candidato à Presidência da República, Luís Inácio Lula da
Silva.
A análise utilizará, como referência, as concepções expressadas no livro O Estado
Espetáculo de Roger-Gérard Schwartzenberg, cujo subtítulo, Ensaio sobre e contra o star system
em política, já explicita o objetivo do estudo, criticar o processo de espetacularização do mundo da
política.
O star system surge no mundo do teatro. Adquire relevância, neste meio, entre as décadas de
1920 a 1950, mas se estende e tem sua força ampliada através do cinema e da televisão. Tem como
objetivo a criação do espetáculo, e como eixo principal desta criação, a fabricação da estrela.
No star system, a estrela atua duplamente como personagem. Primeiro, quando exerce sua
profissão de ator ou atriz, no palco, no cinema ou na televisão, ao interpretar diferentes
personagens. Em segundo lugar, e aqui aparece a essência do star system, sua vida em todos os
momentos públicos torna-se a vida de uma personagem, de forma que estende seu ofício a
momentos em que não está no palco. Para tanto, o astro, diante da freqüente exposição de sua
imagem frente às câmeras, precisa anular, ao menos quando houver uma câmera por perto, sua
própria personalidade, ficando, assim, escravizado à necessidade de interpretar sua personagem em
sua própria realidade.
Uma enorme estrutura é mobilizada com o objetivo de transformar a estrela no centro do
espetáculo. Todo o resto se torna secundário e, num filme, por exemplo, a vedete se mostra mais
importante que o enredo, o cenário ou a encenação. “A star é tudo, o resto não é nada...”.
O mundo do espetáculo utiliza uma série de profissionais especializados: diretores,
fotógrafos, figurinistas, iluminadores, cameramen, maquiadores... E “ainda esteticistas, massagistas,
cabeleireiros, costureiros, dentistas e até cirurgiões plásticos nesta manufatura que confecciona o
produto-vedete". Estes profissionais estudam detalhadamente a criação da imagem da estrela, pois
“na verdade, essas estrelas são com freqüência falsas estrelas, fabricadas por ilusionistas peritos,
que modelam com extraordinário talento essas argilas”.
Toda esta estrutura objetiva transformar a estrela num mito que exerça fascinação sobre o
público. Sua forma de ser, de se vestir e de falar, todos os detalhes de seu comportamento são
cuidadosamente estudados para agradar, seduzir, em suma: despertar sentimentos de atração junto
aos espectadores. Estes se tornam admiradores, e às vezes, adoradores de uma imagem, mas,
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provavelmente, nunca poderão conhecer seu ídolo na vida real, pois este não mais atenderia às suas
expectativas, e não mais seria um ídolo.
O star system utiliza os mecanismos psicológicos de projeção e de identificação para seduzir
um público ávido de emoções que não pode realizar. Realiza-as, de forma interposta, através dos
astros. Passivamente, em suas poltronas, o público se delicia com as ilusórias realizações de seus
ídolos.
O cinema Hollywoodiano das décadas de 1920 e 1930 fabrica a estrela ídolo ou o herói. É a
primeira fase do star system. As personagens criadas são ídolos inacessíveis, verdadeiros mitos, cuja
construção é favorecida pelo distanciamento mágico do cinema mudo. Valentino é o sedutor, e
Greta Garbo apresenta-se quase como uma divindade. Ao contemplar o ídolo o público se sente
num plano superior...”Ele vive e se valoriza por herói interposto, quando Zorro se impõe ao
adversário... Consuma-se, dessa forma, a alienação. Tal como em Feuerbach, o indivíduo transfere
para fora de si mesmo o que nele existe de melhor, colocando-o num ídolo exterior pela projeção
mítica”.
A segunda fase do star system inicia-se por volta da década de 1930. O ídolo já não é um
mito. O advento do cinema falado transforma o ambiente mágico do cinema mudo, tornando-o mais
realista. Ao mesmo tempo em que o imaginário cinematográfico se aproxima do real, a estrela
também se aproxima do espectador, continuando, entretanto, como referência de modelo ideal.
Por sua proximidade, a estrela modelo facilita a identificação, mas ao mesmo tempo
mantém-se como modelo ideal para a projeção dos desejos dos espectadores. “Combinando o
excepcional e o ordinário, o ideal e o cotidiano, ela oferece à identificação pontos de apoio cada vez
mais realistas”.
“Já não é um deus ou um ídolo, mas um homem (ou mulher) que se pode propor ao público
como modelo; deixa de ser um motivo de fascinação, para se fazer exemplo de comportamento...
tendo deixado de parecer inacessível, a estrela representa aquilo que cada qual gostaria de ser, o
ideal a ser atingido”.
Na terceira fase do star system, a partir da década de 1950, surge a estrela-reflexo, efeito da
banalização da star. “O ator já não é o herói, nem mesmo o ideal do espectador; passa a constituir
seu intérprete fiel, um mero espelho”. A estrela passa a encarnar a pessoa comum. Como exemplos,
Marlon Brando em O selvagem, de 1954, representando a angústia juvenil, James Dean em
Juventude transviada, interpretando os adolescentes de seu tempo, e Brigitte Bardot, como reflexo
das aspirações da juventude e de seu instinto de rebelião.
O estilo e a moda destas novas estrelas são facilmente copiados, dada a sua proximidade
com o público. O fenômeno do distanciamento, antes responsável pelo prestígio do astro, inverteu-
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se, de forma que é graças à familiaridade com o real, à fácil identificação com o público, que o ator
se transforma em mito.
“A estrela, agora, contribui para que cada um se assemelhe a todos. Transformou-se num
anti-herói, num antiídolo; parece-se com todo mundo, sem tirar nem por...”.

II. O STAR SYSTEM NA POLÍTICA


Na política, o star system possibilita a personalização do poder. A personalização distrai o
público da essência da política, dos programas políticos, ao ressaltar e espetacularizar a
personalidade do político, como se esta fosse uma garantia de determinada conduta, e já afirmasse
por si só o conteúdo do programa político.
O político é transformado em uma marca comercial, de forma que o programa político perde
sua consistência, superado por esta imagem de marca que se supõe dizer tudo sobre o político. Mas
na verdade pouco se diz, já que a estratégia é exatamente deixar os discursos incompletos,
apresentando diversas possibilidades a serem complementadas pelo público.
A força deste processo está no fato de que as escolhas políticas dos indivíduos parecem ser
determinadas mais por um processo inconsciente, relacionado a sentimentos de aprovação e repulsa,
do que à análise racional dos programas políticos dos políticos.
O público-eleitor, a partir deste processo inconsciente, complementará os discursos
incompletos e generalizados dos políticos. Esta complementação se dá, normalmente, a partir de
sensações relacionadas à postura, olhar, jeito de se vestir, e diversos outros atributos, devidamente
estudados pelos profissionais de publicidade e propaganda, que acentuam, no candidato-
personagem, as diversas habilidades comportamentais que possam impressionar seus eleitores,
contrariamente ao que deveria ser o objetivo das disputas políticas, oferecer conteúdos
programáticos para a escolha racional da linha política mais adequada ao eleitor.
O mundo da política apropriou-se dos recursos do star system e também espetacularizou-se.
Toda uma gama de profissionais tornou-se necessária para uma possível vitória eleitoral, como:
“peritos em relações públicas, publicitários, advance men, coletores de fundos, especialistas em
mercadologia, demógrafos, estatísticos, psicólogos, psicossociólogos, especialistas em ciência
política – e, sobretudo, em sociologia eleitoral -, informáticos, especialistas em malas-diretas,
redatores de discursos, produtores de rádio e televisão, realizadores de programas e de filmes,
consultores de mídia, maquetistas, desenhistas, técnicos em pesquisas de opinião, etc”. O objetivo
destes profissionais especializados é transformar o candidato em uma personagem que agrade aos
eleitores, mais por sua postura e comportamento, minuciosamente estudados, do que por seu
programa político, que se tornou secundário diante de todo este aparato técnico.
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Já que o programa político se mostra pouco importante para o resultado eleitoral, os


políticos apelam para a composição de papéis, traçados de acordo com o que a conjuntura política e
a psicologia coletiva dizem ser mais efetivo para a conquista do cargo almejado.
Os políticos, alçados então à condição de vedetes, “projetam uma imagem de marca
heterogênea, feita de diferentes traços, e calcada em diversos mitos. Em proporções variáveis. Mas
eles se especializam em alguns grandes papéis do repertório político".
São quatro os principais papéis: o herói; o homem comum; o charmoso; o pai. Abaixo, a
descrição das principais características de cada um deles:

III. OS PAPÉIS
A. O Herói
O herói é, provavelmente, o posto a que todo grande político almeja. Tornar-se o grande
homem, um homem excepcional cujo destino é o triunfo. Equiparar-se aos semideuses da mitologia,
por suas façanhas, entusiasmo e glória, em suma, um ídolo a ser cultuado pelos mortais. “É o
salvador, quase o messias. O chefe providencial, o chefe genial, médium do espírito nacional. É o
profeta de sua raça. Sempre imerso no solene, no sublime, na ênfase”.
Dois modelos básicos do herói são o fundador e o salvador. O primeiro tem a tarefa de
organizar um novo Estado após sua independência. O segundo surge para enfrentar momentos de
crise, o que ocorre mesmo em países desenvolvidos.
Pode-se citar também o herói de Carlyle, figura em que o carisma e a religiosidade são os
aspectos mais fortes, atuando como um “vidente, profeta, chefe inspirado, é o guia infalível”. Seu
poder vem de Deus, é sobrenatural. Caracteriza-se pela ação, mas de forma tranqüila, diferente do
super-homem de Nietzche, que apela à violência e à selvageria, imagem que exercerá influencia
sobre Mussolini e Hitler.
Max Weber também analisa a figura do herói, sendo considerado por Schwartzenberg como
o melhor analista da liderança heróica: “Distingue três tipos de autoridade e de legitimidade. A
autoridade tradicional se fundamenta no uso e no costume: é a do senhor feudal ou o monarca
hereditário. A autoridade legal-racional se esteia em instituições, num estatuto: é a do governante
num Estado moderno; não se presta obediência à sua pessoa, e sim ao papel que lhe é conferido pela
instituição. Finalmente, a autoridade carismática: é a do profeta, do herói, do chefe guerreiro, do
demagogo”.
O carisma é a característica central do herói. Ele se distingue do vulgo, tem uma
ascendência e uma graça que lhe dão um caráter quase sobrenatural, despertando a admiração e a
adesão irresistível à sua pessoa. Parece mesmo ter um dom divino.
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São três as funções do herói: fazer o espetáculo, proporcionar o sonho e conferir a certeza.
 Fazer o espetáculo
Está sempre em representação, tornando se um showman. Estabelece uma relação teatral
com o público. “É o homem-orquestra, o homem-prodígio, o homem-festa”.
 Provedor de sonhos
É o guia da nação, que concebe à mesma uma nobre perspectiva. “Com sua quota de sonho,
de maravilhoso e de irracional. Com isso o herói se faz profeta, se não visionário”.
“Num sistema pouco desenvolvido, essa função profética e poética é decisiva. Todavia,
ela mantém igualmente sua importância na sociedade industrial avançada. Neste
universo de estatísticas, neste mundo mecânico e materialista governado por técnicos, o
povo sonha com novos gurus. Para rasgar o horizonte. Para delinear um porvir coletivo
menos cinzento, menos abstrato. Mais humano".
 A certeza
A confiança de que o herói é o guia que sabe traçar o caminho mais seguro, tranqüiliza o
povo nos momentos difíceis. Acredita-se que o herói não erra, pois “enxerga mais longe, mais claro
e mais certo”.

Dois recursos são utilizados pelo herói para firmar sua própria imagem: a distância e o
orgulho.
 A distância
Manter distância em relação ao vulgo é um meio para se alcançar prestígio. É necessário
também o mistério, de forma que o poder se torne enigmático.
O distanciamento exige que o herói estude cada atitude, cada intervenção e gesto público, de
forma que suas aparições apresentem-se como momentos impressionantes, maravilhosos.
O discurso deve ser sóbrio, compondo uma atitude de altivez, e mantendo o distanciamento.
“Resumindo: a ação do chefe deve ostentar sempre a marca da grandeza e o caráter da elevação. Ele
deve visar alto, Ter uma visão grandiosa, um julgamento amplo, destacando-se assim do vulgo que
se agita dentro de estritos limites".
 O orgulho
O herói acredita em seu próprio gênio e toma atitudes próximas do narcisismo, quando
aceita, e mesmo incentiva e age, a favor da multiplicação de escritos, eventos, monumentos e outros
atos e atividades que glorifiquem sua imagem, sobre a qual ele mesmo corre o risco de cair em
admiração.
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O herói é o tipo de líder que leva ao extremo a personalização do poder. Por conseguinte, há
uma tendência de que esta personalização se transforme em poder pessoal, de forma que o herói
tenda a se comportar como um monarca, quando não, como uma divindade.
E o herói pode tentar ir ainda mais além, na tentativa de ocupar o lugar de Deus, criando seu
próprio culto e substituindo a religião corrente. “O fetichismo e a idolatria deixam neste caso de ser
metáforas para se tornarem realidades. Colocando-se em pé de igualdade com o sagrado, o poder se
atribui uma dimensão religiosa. Como Prometeu, o herói tenta roubar o segredo dos deuses”.
O herói acaba abandonando ou perdendo seu poder, seja pela morte, momento em que se
descobre que ele não é imortal, seja por uma derrota eleitoral ou golpe de Estado. A queda do herói
pode decorrer de quatro causas: o malogro, o êxito, a democracia e o cansaço.
 O malogro - o fato de seu poder ter relação direta com seu carisma, faz com que o herói
necessite sempre do sucesso, e qualquer derrota pode significar a perda do poder;
 O êxito – paradoxalmente, o herói se faz necessário nos momentos de crise e, ao superar as
crises e trazer a tranqüilidade ele passa a não ter razão de ser;
 A democracia – a democracia não aprecia a autoridade heróica. A altivez e o distanciamento,
e mesmo um certo desdém pelos cidadãos, fere o sentimento democrático;
 O cansaço – o povo não suporta o clima de epopéia interminável, que é característico do
herói. Abatido, passa a ansiar por tranqüilidade.
Os cidadãos almejam então ao anti-herói, ao homem-comum, ordinário, figura avessa a
sobressaltos e à glória, encarnação das virtudes comuns, em suma: alguém que lhes garanta a paz.

B. O Homem-comum
O dirigente, no papel de homem comum, representa o cidadão médio parecendo mesmo uma
imagem refletida de seu eleitorado. É comedido, moderado e modesto. Avesso às novidades e
excentricidades, ele encarna o bom senso e a opinião média.
Seu diferencial é exatamente não ser diferente, como o são os outros papéis. O fato de ser
ordinário desperta a identificação dos cidadãos comuns com este homem do povo.
O homem comum é conservador, representando o prazer do conformismo e, portanto,
transmitindo segurança. Defende as convicções de massa e “consolida o grupo ao preservar as
explicações costumeiras e populares...”.
O homem comum desperta ainda o prazer da igualdade, apesar desta ser apenas aparente, ao
personificar a vitória dos pequenos contra os grandes, dando assim, um lugar de honra ao eterno
coadjuvante.
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 homem ordinário atende ao igualitarismo, principalmente quando substitui o herói que, antes
dele, se colocava como superior e insubstituível. Esta substituição é muito comum após
períodos de crise, quando o povo já está fatigado de tormentas, e busca a paz e a calmaria.
Clama-se então pelo oposto do herói, o anti-herói, o homem comum. Exemplos na história não
faltam: “... Depois de Roosevelt, Truman. Depois de Churchill, Attlee. Depois de Stálin,
Kruchov. Depois de De Gaulle, Pompidou".
O common man é um reflexo do cidadão típico, mas não é o mesmo em todo lugar. Teremos
então o francês médio, o alemão médio, o brasileiro médio, de acordo com os traços específicos de
cada nacionalidade.
Entretanto, existe um modelo quase universal. Segundo este modelo:
“O homem ordinário procede de um ambiente modesto que ignora tanto a miséria
quanto a opulência. Seus estudos ficaram ao nível do primário, chegando com
freqüência ao secundário, raramente ao superior. É o oposto do aristocrata e do
intelectual. É igualmente o oposto do mundano. Leva uma vida familiar, tranqüila, e
simples. Porque a simplicidade faz parte de suas virtudes cardeais. Juntamente com o
bom senso, o comedimento e a aplicação”.
O político, que é ou interpreta o papel do homem ordinário, apresenta à mídia situações que
ofereçam a seu público/eleitores a possibilidade de identificação com ele. Aparece junto à família;
vestido de forma comum; fala de forma simples e franca; mostra-se falível, mas trabalhador e
honesto; respeita a moral e é fiel às coisas e às pessoas. É comum ser mostrado em situações
cotidianas, brincando com os filhos ou com um animal de estimação, conversando com o povo,
passeando com a esposa, ou mesmo indo a um cinema ou a uma padaria tomar um café.
Jimmy Carter foi um dos presidentes americanos que melhor encarnou esta personagem. Sua
infância simples, mas não miserável, era retratada para enfatizar os méritos do homem comum
trabalhador que sobe na vida por seus próprios méritos. Nas palavras do próprio Carter:
“Vivíamos numa casa de madeira, à beira da estrada. Durante muitos anos... tiramos
água com uma bomba manual. O pátio vivia cheio de cachorros, galinhas, patos e perus.
Do princípio de abril até fins de outubro, não usávamos sapatos e raramente uma
camisa, a não ser para ir à escola ou à igreja”.
A história da família de Carter mostra um pai trabalhador e empreendedor, e uma mãe que
trabalha doze horas por dia como enfermeira, “obcecada pela paixão de servir”. O jovem Jimmy
segue o mesmo caminho de seus pais e, aos cinco anos de idade já vende amendoins. O dinheiro
que ganha ele investe, até que consegue comprar cinco casas, as quais aluga, gerando-lhe uma renda
mensal. Deixa a família e entra para a Marinha, onde passa onze anos. Torna-se oficial e estuda
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física nuclear. Quando seu pai morre, ele deixa a Marinha para dedicar-se a empresa familiar. Entra
na política e, após exercer diferentes cargos, candidata-se à presidência afirmando:
“... Sou apenas um homem igual aos outros. Que propõe aos americanos a adesão por
identidade. Ele é, ou se afirma, um deles. O cidadão típico, modesto, e cheio de
merecimentos. O porta-voz das pessoas simples. O arauto das bases, projetando uma
imagem comum com um talento extraordinário...”.
Mas ele não é um homem ordinário:
“... esse falso ingênuo é uma verdadeira raposa. Esse coração simples é um Maquiavel
do angelismo. Esse anti-político é um tremendo profissional. Esse campônio é oficial de
Marinha e físico nuclear. Esse diácono que cita a Bíblia é ainda mais capaz de se
mostrar vago quanto às suas opções. Trust me, confiem em mim: eis aí seu programa”:
É importante ressaltar que o político que interpreta bem o papel de homem-comum, na
verdade, não deve ser comum, mas sim um grande artista. O verdadeiro homem-comum comete
muitas falhas e deixa de ser um modelo para identificação, pois ninguém deseja ser um homem-
comum ridículo, mas sim um homem-comum especial, por mais paradoxal que pareça esta
colocação. Ford, ex-presidente americano, é um bom exemplo de um verdadeiro homem-comum:
comete gafes, leva tombos freqüentes, “tropeça nas palavras complicadas”, enfim, é simples
demais. “Com o passar do tempo, sua mediocridade traz mais tédio que segurança, tanta é a
banalidade, a vacuidade que ele destila, tantas as inépcias que vai acumulando”.
Já Carter se mostra mais habilidoso:
“Não sou um de vocês? Não sou igual a vocês? - repete Carter. Com sua inteligência
fora do comum, sua vontade sem par e seus diplomas de engenheiro atômico, que
candidato ideal! Que identificação feliz! O eleitor médio nunca se sentira tão
inteligente, tão encantador. Common Man algum jamais apresentara um show tão
semelhante, uma superprodução dessa ordem, tão multicor, tão cintilante. As virtudes
comuns nunca tinham brilhado tanto. Com Jimmy, todo americano médio tem a
sensação de haver chegado a presidente, a superstar da política”.
Jimmy Carter conseguia uma complexa combinação de mostrar-se comum e ao mesmo
tempo especial, de forma a tornar-se uma personagem com a qual todo cidadão comum se
identificava e se sentia elevado, enaltecido, valorizado.
O líder ordinário que não consegue executar tal tarefa acaba tornando-se enfadonho, como
no exemplo de Ford. A calma tão almejada, quando o homem-comum substituiu o herói,
transforma-se em tédio, monotonia. O homem verdadeiramente comum não serve às projeções e à
identificação das pessoas, que desejam se sentir especiais e não o conseguem, pois ele não os faz
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sonhar. Sua mediocridade, antes um fator positivo e que transmitia segurança, torna-se cansativa,
nauseante. “O eleitor-espectador se volta, então, para outro espetáculo, mais gratificante, mais
divertido: o do líder charmoso”.

C. O Charmoso
O líder charmoso pode representar a imagem a do irmão, do dândi ou do jovem executivo.
Em qualquer uma delas encara a política como uma arte de sedução, e se especializa em
surpreender e cativar o público.
Como irmão, mostra-se solidário, dinâmico e liberal, em contraponto à sociedade
estabelecida que, representada na figura dos pais, apresenta-se castradora, imobilista e
conservadora. Esta imagem fraterna se ajusta melhor nos momentos de grande fluxo demográfico
da juventude, como durante a década de 1960, que recebeu o afluxo da geração proveniente do baby
boom de 1945.
A paz e a fartura também são importantes para o líder charmoso. É necessária uma boa
conjuntura internacional, assim como uma boa situação econômica, pois os momentos de crise
valorizam a imagem paterna e não a do charmoso.
Sua imagem é, fundamentalmente, a imagem da juventude.
“Freqüentemente quadragenário ou mesmo qüinquagenário, o líder charmoso tem,
portanto, em média, cerca de dez anos mais que outra figura moderna da sociedade
industrial adiantada: a do jovem executivo. Em ambos existem, entretanto, vários traços
comuns... são carregados de diplomas, conferidos por universidades famosas... ajustam-
se aos mitos de seu tempo (a velocidade, a ação, o sucesso), à ideologia implícita
veiculada pelos meios de comunicação e pela publicidade. Acima de tudo, possuem
mobilidade. Ativos, dinâmicos, eles personificam uma política do movimento, da ação.
Assim como o cinema americano é um cinema de ação...”.
Há ainda uma outra característica comum ao líder charmoso e ao jovem executivo: ambos
acreditam que se pode “vender ao público tudo, ou quase tudo, usando análises de mercado ou
pesquisas de opinião”. Não se vê diferença, então, entre vender um produto ou um candidato e, para
tal objetivo, o que importa mais é vender o produto, mesmo que se necessite manipular o público
através de métodos de publicidade e propaganda. O que o eleitor, tornado consumidor, realmente
deseja ou poderia naturalmente desejar é praticamente ignorado, pois até mesmo o seu desejo o
charmoso tenta impor.
Em alguns aspectos, o líder charmoso se assemelha ao dândi, pois dá extrema importância
ao estilo, tendo prazer em provocar e surpreender para suscitar reações. O dândi desconcerta com
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sua insolência. Desafia os costumes da sociedade, mas na verdade é inofensivo, pois não subverte as
leis estabelecidas, nem agride o sistema político.
Mas há uma característica que diferencia o líder charmoso do dândi: “Este desafia a
sociedade igualitária, declarando-se pertencente a uma nova aristocracia. O outro poupa, pelo
contrário, o sentimento democrático, mostrando-se ao mesmo tempo diferente e superior”.
O charmoso combina características do herói e do homem-comum. Ora mostra-se altivo e
distante como o herói, ora simples e familiar, como o homem comum, de forma a “humanizar uma
superioridade excessivamente marcante, que o poderia tornar antipático: de modo que esta
simplicidade é, por vezes, simulada”. Atende, assim, ao igualitarismo democrático, atingindo o
duplo ideal da América, um ideal impossível, mas fundamental: a aristocracia e a igualdade.
A personalidade dual do líder charmoso possibilita que, por um lado, ao se mostrar igual a
seu público, ele consiga conquistar a identificação consigo mesmo. Por outro lado, ao se mostrar
superior e distinto, ele consegue tornar-se valorizado como modelo ideal, como referência para os
sonhos e aspirações de seus admiradores.
Ele suscita, portanto, simpatia e admiração.
“Não basta apenas a simpatia para que entrem em ação a valorização por pessoa
interposta e a projeção-identificação. O governado (ou o espectador) apela para o líder
(ou para a estrela) e para ele transfere tudo o que teria desejado fazer, sem o conseguir.
Identifica-se com esse líder charmoso. Por seu intermédio, ele exerce o poder, participa
dos grandes debates e das cúpulas. Tal como vive, por estrela interposta, aventuras que
nunca há de conhecer”.
O líder charmoso normalmente pertence a famílias ricas, poderosas e conservadoras,
ocorrendo, raramente, de ser um self-made man. Costuma se casar com moças da alta sociedade.
Além disso, é comum que este assuma atitudes de playboy, compondo um estilo sedutor e
aventureiro, em suma: uma vida agitada e animada que, ao invés de escandalizar, desperta no
público o prazer de atuar por líder e aventureiro interposto, admirando e gozando das vitórias
políticas e conquistas amorosas deste showman. O público “Sente-se valorizado por estar sendo
representado por esse herói ardoroso e gratificado por assistir a esse espetáculo fora do comum”.
Da mesma forma que estas atitudes de playboy aventureiro favorecem a projeção dos sonhos
dos entusiastas espectadores, o charmoso precisa “obter perdão pelos seus sucessos”, o que faz ao
aparecer em atividades comuns, possibilitando a identificação consigo. É mostrado, por exemplo,
praticando esportes como qualquer um, o que humaniza sua imagem. Entretanto, mantém certa
ambigüidade, pois os esportes que pratica são comumente perigosos ou caros, alimentando seu
prestígio.
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A adoção eventual de um estilo popular, além de propiciar a identificação, atrai a atenção


para si e desperta a curiosidade. Desta forma, os comportamentos insólitos não parecem ser mais do
que uma manobra propagandística.
Comporta-se ainda como um antitribuno, um antitenor, adotando uma atitude leve,
descontraída e espontânea, contrária ao comportamento solene e afetado, típico do herói, pois
acredita, “como Montesquieu, que a gravidade é o escudo dos tolos”.
O líder charmoso pode adotar uma atitude bem próxima de seu público, num estilo mais
popular, multiplicando os contatos com o povo. Isto pode ser visto, por um lado, como um estímulo
a outras atitudes democráticas, atuando como modelo de comportamento e possibilitando a simpatia
e confiança do público de forma a vender sua política. Por outro lado, pode ser visto como uma
manobra de ofuscamento de suas reais intenções, de forma que as ditas mudanças e a imagem
democrática não passariam de “artifícios, sagacidades, aparências: a tão falada mudança não iria
além do campo das palavras e dos símbolos”.
O papel do charmoso depende de sua juventude, e por isso não é um papel permanente. O
avançar da idade obriga a que o mesmo modifique sua imagem, podendo se converter na imagem
do pai.
O líder charmoso também acaba saturando o público. O que antes aparecia como sedutor, ao
se prolongar no tempo, mostra-se inquietante. “Já não se tolera a sua desenvoltura irrefletida, sua
aparente despreocupação, seu desejo obsessivo de seduzir. Sobretudo quando o clima econômico ou
internacional começa a se deteriorar ou vai se delineando no horizonte alguma crise grave”.
O público se afasta então do irmão, com sua aparente fragilidade, e procura a figura
paternal, sexagenária, imagem da autoridade e da sabedoria, enfim, o líder que propicia a calma e a
confiança necessárias para enfrentar os momentos de angústia e adversidades.

D. O PAI
A imagem paternal aparece sob diferentes formas: “pai tranqüilo, pai nobre, pai da pátria ou
da nação, pai fundador, quando não pai eterno”.
No entanto, podem ser distinguidos dois grandes tipos principais:
- pai heróico – é o pai que se aproxima da figura do herói. É o líder de uma revolução ou o
fundador da independência de uma nação;
- pai ordinário – próximo do homem comum. É sábio, experiente e tranqüilo, a autoridade
paternal de rotina.
A idade avançada é um requisito importante para o líder paternal, e indispensável para o pai
ordinário, para o qual o título de pai não é apenas uma metáfora.
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O pai perfeito deve ser um setuagenário ou um octogenário, ou seja, a imagem do velho


sábio, que às vezes vai além da imagem do pai, e torna-se o avô, símbolo ainda maior de
experiência e razão.
O modelo de autoridade paternal é composto pelos seguintes elementos:
- Sabedoria – “O pai é o homem experiente, que conhece a fundo todas as coisas. É informado e
prudente. Capaz de enfrentar todas as circunstâncias com discernimento, prudência e
moderação”.
- Sapiência – “... o saber, a competência, a capacidade de solucionar problemas que nos
ultrapassam, a nós, pobres cidadãos médios. Numa sociedade industrial adiantada, com
mecanismos sutis, esse tema da competência – sobretudo tecnocrática – é essencial.
Corresponde ao papai sabe tudo da criança deslumbrada pelo pai”.
- Autoridade – “Encarna a firmeza, a energia, a capacidade de resolver e impor decisões,
desmantelando resistências e obstáculos. Esse homem de pulso – próximo do macho – gosta de
usar um vocabulário enérgico, com freqüentes referências à primeira pessoa do singular. Eu
decido, em lugar da fórmula ritual: O governo decidiu...”.
A tarefa que cabe ao pai é, antes de tudo, a segurança. Sua sabedoria, sapiência e,
principalmente, sua autoridade, constróem uma figura tutelar e protetora que garante a tranqüilidade
“graças a sua vontade poderosa, a sua enérgica ascendência”.
O pai representa o poder imposto, a defesa da ordem estabelecida, tendo, portanto, um
caráter coercitivo. É o “Estado que domina, rege, subjuga”. Vai de encontro às pulsões, reprimindo-
as, e não dá espaço a oposições agressivas ou mesmo ao espírito crítico. Afirma a importância do
esforço, da resistência às dificuldades, da abnegação e da “superação dos apetites egoístas, em
suma, a sublimação das pulsões não satisfeitas e contidas”.
Esta autoridade repressiva, entretanto, só se afirma em virtude da existência de indivíduos
predispostos a aceitá-la, seja por inclinação pessoal ou por condicionamento social.
Alguns fatores psíquicos ou caracterológicos presentes “no indivíduo passivo, no receptivo
da tipologia de Fromm, ou no tipo complacente, de acordo com a classificação tripartida de K.
Horney” conduzem à aceitação da imagem do pai dominador por este tipo de sujeito.
Diante de um pai que lhes garanta um mínimo de segurança e apoio, o indivíduo passivo se
sujeita, parecendo haver neste uma “necessidade de admirar e de obedecer, tendência à submissão e
ao servilismo, ou mesmo masoquismo, gosto por sentir-se dominado a até maltratado por outrem”.
Este caráter protetor e dominador constituem a força do pai, mas é ao mesmo tempo a sua
fraqueza. Ele gera uma tendência de revolta contra o líder paternal, principalmente onde houver
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uma grande população de jovens, que desejam afirmar-se como adultos, e por isso não aceitam a
dominação infantilizadora do líder paternal.
Nas palavras do psicanalista Gérard Mendel, citado por Shwartzenberg:
“Esse pai político, pelo simples fato de existir os castra: eles, adultos, foram
transformados em crianças, perdendo, portanto, algo de sua potência viril. Por
conseguinte, esse pai ideal se revela obrigatoriamente pai castrador na realidade política
e social, um superego e não um ideal do ego”.
A dinâmica atual do conhecimento e das técnicas contribui para a desvalorização da
imagem do pai, pois este parece não ter competência para se afirmar neste universo em
constante mudança, no qual o seu conhecimento acumulado parece ter perdido toda sua
importância. A relação pai/filho inverte-se então, e é o pai que tenta copiar o filho,
normalmente sem muito êxito.
Em conseqüência, o pai pode perder sua força diante do irmão, e o líder charmoso
aparece, então, como o papel mais apto a dominar uma economia de expansão e inovação,
característica desta nova dinâmica de vida.

IV. CARACTERÍSTICAS DA CAMPANHA DE LULA À PRESIDÊNCIA - Os três aspectos


comunicacionais: produção visual, personalidade e discurso
Tentaremos neste capítulo caracterizar de que forma a postura de Lula na campanha
presidencial de 2002 pode ser relacionada com os diferentes papéis políticos citados anteriormente.
Detalharemos três aspectos que consideramos como principais para tentar entender como o
povo pode ter visto o “novo” candidato Lula, pois não há dúvida de que sua postura foi totalmente
modificada em relação aos três pleitos anteriores em que também se candidatou, mas nos quais não
teve êxito eleitoral. São os seguintes aspectos: a) produção visual; b) personalidade; c) discurso
A produção visual envolve todos os pontos relacionados à aparência. Considerando que o
meio televisivo se tornou o principal veículo de propaganda e debate político, e que as imagens têm
um poder de comunicar mais rápido e muitas vezes mais intenso do que as palavras, o aspecto
visual apresentado pelo candidato assume grande importância.
No aspecto personalidade incluem-se todos os pontos relacionados com as atitudes, é o
comportamento ativo do político, sua jeito de agir, andar, falar, em suma: todas as suas formas de
expressão. Enfatize-se aqui, a forma, e não o conteúdo, item que está ligado ao discurso.
O aspecto visual junto com o aspecto personalidade, enviam mensagens muito mais fortes
do que o próprio discurso. Schwartzenberg, no livro que tomamos como referência, ressalta que
estes dois aspectos falam diretamente ao insconsciente, gerando sentimentos de atração ou repulsa,
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que só mais tarde poderão ser avaliados pelo aspecto racional. “Para além do programa, ouvido
distraidamente – porque o eleitor está olhando -, julgam-se menos os projetos do candidato que sua
maneira de ser e seu suposto temperamento. Como observa Philippe Braud: A imagem se sobrepõe
à verbalização das opções políticas. É o antidiscurso.”
Desta forma, o discurso, enquanto programa político em si, perde sua força, até porque
poucas pessoas do público em geral se detém nos detalhes dos programas políticos. A estratégia dos
políticos, por conseguinte, é realizar discursos com comentários gerais, deixando múltiplas
possibilidades de avaliação/resposta/complementação por seus eleitores/espectadores. Desta forma,
a complementação dos discursos é feita pelos próprios espectadores, e a referência para esta
complementação é dada pelo sentimento despertado pelas imagens, voz, postura, em suma, pelo
comportamento do político.
Temos então duas caracterizações para o discurso. Em uma delas, ele é o próprio programa
político, as idéias e suas respectivas estratégias de implementação. Na outra, aparece como uma
certa habilidade de persuasão, de falar ao insconsciente, de envolver, ludibriar. Esta última
caracterização aproxima-se mais do aspecto personalidade, por ser muito mais uma habilidade de
comportamento do que por explicitar idéias políticas.
O que se conclui é que o político que se portar como o melhor intérprete em um papel que
fale positivamente ao insconsciente do público será aquele que terá a melhor aceitação, e não o
candidato que tiver o melhor programa político. Isto ocorrerá pelo menos enquanto o critério
sentimental se sobrepujar ao critério racional nas escolhas políticas feitas pela maioria do público
eleitor.

A. Lula e a produção visual


A produção visual do candidato Lula em 2002 mostra:
a) Beleza e Limpeza– preocupação com um visual que denote limpeza e, mais do que isso, beleza.
O candidato aparece sempre de barba e cabelo bem tratados, aparados e penteados; também há
uma constante limpeza do suor com um lenço, feita entretanto, com certa discrição.
b) Vestimenta – veste roupa social em quase todas as aparições públicas. Na maioria das vezes está
de terno, como nos discursos no horário eleitoral, nos programas televisionados do partido, ou
nos debates. No uso dos ternos há predomínio de cores escuras. Os ternos são caros e de grife,
indicando seriedade e até uma disfarçada altivez. Aparece algumas vezes sem o terno, mas de
camisa social de manga comprida, quando nas cenas em campanha de rua ou nos momentos de
grande movimentação, compondo um aspecto dinâmico, de homem ativo, saudável, quase
incansável. Entretanto, esta vestimenta sutilmente mais à vontade só aparece nos momentos em
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que ele está próximo ao público, pois, nos palanques está sempre de terno. Alterna, portanto,
dois registros, de altivo e superior, mas também de pessoa comum, igual a qualquer um.

B. A personalidade de Lula
a) Postura corporal – o andar leve, mas firme, realizado em ritmo moderado, nem lento nem
rápido. A postura ereta. Os cumprimentos calorosos, mas firmes, como seu aperto de mão, por
exemplo. Enfim, um conjunto que denota calma e cordialidade, mas também firmeza.
b) Expressão facial – o candidato sorri freqüentemente, mostrando calma e cordialidade. Apresenta
expressões mais sérias, quando quer ressaltar, enfatizar ou defender com veemência algum
ponto de vista, e mesmo ao criticar as colocações dos outros candidatos. Mas não se mostra
sisudo em momento algum. Faz expressões também de superioridade, um certo ar de desdém,
quando quer desvalorizar as críticas ou idéias dos outros candidatos, quando as considera “sem
sentido”, colocando-as num patamar “infantil”.
c) A fala - é calma e ponderada. Não se exalta, nem demostra nervosismo. Só eleva a voz de
forma enfática, mas nunca exaltada, quando quer ressaltar, enfatizar, defender ou criticar com
veemência um ponto-de-vista seu ou de outro candidato. É importante destacar a melhora de seu
português, um antigo e grande problema que dificultava sua aceitação, principalmente pelas
classes média e alta. Apesar de ainda não ter atingido a perfeição pois, entre outros erros
menores mas pouco freqüentes, ainda suprimir os “esses” dos plurais com alguma frequência,
seu português mostrou-se bom, atenuando bastante o estigma de analfabeto, que o fazia e ainda
o faz ser considerado por muitos como burro e despreparado para a presidência da nação.
d) Características da personalidade- a campanha política ressalta as características de Lula
consideradas importantes para que seja escolhido como o presidente ideal para o Brasil. Em
primeiro lugar, sua honestidade, pois não existem relatos em sua longa carreira política de
qualquer atitude política desonesta. Em segundo lugar, sua capacidade de trabalho. Apesar de ter
exercido apenas o cargo de deputado federal ao longo de sua carreira política, e de ser criticado
por alguns sobre o fato de ter deixado de exercer seu ofício de metalúrgico muito cedo,
passando a viver com o dinheiro de seu partido, sem trabalhar, a campanha mostra um Lula
ativo, dinâmico, enfatizando sua posição de líder, e o quanto é trabalhoso dirigir um grande
sindicato, um grande partido, este último não apenas liderado por ele, como também tendo sido
fundado e crescido através de seus esforços, e de outros militantes aguerridos. Terceiro, a
capacidade de negociar e liderar, o que fez durante toda a sua longa vida política, dirigindo o
sindicato dos metalúrgicos, durante a ditadura, e na liderança do Partido dos Trabalhadores,
lutando sempre ao lado das minorias, em situações de difícil negociação, e nas quais um grande
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número de pessoas sempre esteve envolvido, trazendo grande responsabilidade às decisões


tomadas. Nos programas do PT na televisão aparece com destaque uma equipe de primeira linha
– estes sim diplomados – prontos a oferecer ao futuro presidente os dados para que ele tome as
decisões sensatas. O que se mostra é que estes técnicos detém o conhecimento, mas que Lula
tem a sabedoria para liderar.
e) Relação com a família- O candidato aparece muitas vezes junto à esposa, e com menor
freqüência com outros membros de sua família. No programa eleitoral gratuito, quando sua
história de vida é contada, são mostrados seus filhos e netos, o que reforça a imagem de
homem-comum, e também a de pai. Nestas situações ele está brincando com as crianças,
abraçado com a esposa, enfim, o bom pai, marido e avô.
f) Relação com o povo- Lula se coloca muito próximo ao povo, multiplicando os momentos em
que realmente, vê, toca e fala com diversas pessoas, principalmente de origem humilde. Esta
atitude mexe com a auto-estima desta parcela do povo excluída dos benefícios do progresso,
pois Lula mostra, através de sua figura – de alguém que não tem curso superior –, a capacidade
e inteligência dos humildes. O homem do povo se sente importante, ao identificar-se com Lula,
um representante do povo sem estudo, mas que tem a inteligência e as virtudes necessárias a um
Presidente da República.

C. Discurso
a) União nacional – Lula convoca todos os setores da sociedade – trabalhadores, empresariado e os
órgãos do próprio governo - a se unirem em torno de um objetivo comum, o crescimento e
desenvolvimento da nação. Pede apoio a todos, sem exceção, mesmo que este apoio venha de
partidos de direita. Afirma, no entanto, a preponderância de seu programa político, a que os
outros poderiam aderir.
b) Otimista – Junto com o item da união nacional, este talvez seja o outro grande elemento de seu
discurso. Sua mensagem é o tempo todo otimista, seus programas eleitorais são bonitos e
atraentes, alardeando as possibilidades de uma nação retratada como grandiosa e, para a qual,
bastaria somente bons governantes que soubessem articular os diferentes setores da sociedade
num grande “mutirão” para o desenvolvimento da nação. As mazelas sociais são mostradas, mas
com tempo de exposição muito menor do que as possibilidades otimistas de possíveis, ou
melhor, prováveis realizações. O fim do discurso é sempre de otimismo, ressaltando que a
mudança é possível, que o país tem toda a capacidade para o progresso, bastando apenas uma
boa liderança e muito trabalho.
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c) Mudança com segurança – Este item do discurso de Lula parece ter possibilitado o seu
acolhimento por uma parcela da população que antes o via como um grande problema, como um
político de idéias muito “radicais”, enfim, um grande risco para os eleitores mais conservadores,
avessos às mudanças mais radicais.
d) Aberto às discussões e negociações – faz um discurso apaziguador, dizendo que não é o
dono da verdade, e que seu governo teria como característica um contato mais freqüente
e transparente com os diferentes setores da sociedade. Diz que se empenhará em ouvir,
discutir e negociar, buscando soluções possíveis e justas, mas sempre num ambiente de
tranqüilidade e cordialidade, o que, sem dúvida, traria as melhores soluções para todos.
e) Conhecedor do povo – Lula enfatiza que conhece o povo brasileiro melhor do que
qualquer outro político brasileiro. Primeiro, porque conhece sua realidade, tendo
percorrido ao longo de sua carreira política os mais diferentes e distantes rincões da
nação. Metrópoles, interior, sertão, pobreza e miséria, diferentes regiões, sotaques e
comportamentos, diferentes desejos e, principalmente, necessidades, ele diz conhecer ao
vivo, pois viu, conversou e tocou nas pessoas que vivem nos lugares que percorreu. Em
segundo lugar, ele sabe o que é a pobreza, e mesmo a miséria, pois viveu a realidade
cruel do povo excluído, conheceu suas mazelas e, portanto, identifica-se com sua dor.
f) Valoriza as qualidades do povo - Lula valoriza as qualidades do povo brasileiro, que diz
ser trabalhador, inteligente e criativo. Desta forma, o povo sente sua auto-estima elevada,
pois Lula afirma que o país tem tudo para dar certo. Ressalta-se que este discurso feito
pelo candidato contempla também o empresariado, considerado extraordinariamente
criativo. Bastaria, então, um bom governo que soubesse dirigir e articular os indivíduos
entre si e com os diferentes setores produtivos. Seriam estimuladas as pequenas
empresas, a formação de cooperativas, o assentamento de agricultores sem-terra, o
primeiro emprego, a produção de artigos com valor agregado, relações comerciais com
outros países que possibilitassem mais e maiores mercados para exportações e melhores
condições para tal, como a diminuição da taxação dos produtos brasileiros, em suma, o
país já teria o material humano necessário ao desenvolvimento da nação, faltando apenas
bons dirigentes.
g) Garante honrar os compromissos com as agências internacionais- parecido com o item mudança
com segurança, aqui também se transmite a idéia de não radicalização, importante para a
obtenção de apoio ou, pelo menos, para a não rejeição pelos governos dos países estrangeiros, e
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também dos órgãos brasileiros privados do setor financeiro, como bancos e investidores em
títulos, ações e outras aplicações ligadas ao mercado.
h) Articulador de uma união entre os países sul-americanos – Lula valoriza os demais países sul-
americanos, demostrando solidariedade com a Argentina em má situação econômica, e pregando
a união de todos para o desenvolvimento mútuo e o intercâmbio não só econômico como social
e cultural.
i) Defende a paz e critica a guerra- Já eleito, Lula, em discurso no Fórum Social Mundial, coloca-
se frontalmente contra a iminente guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, defendendo a paz
como a única solução benéfica para o futuro da humanidade. Destaca a vocação do Brasil como
um lugar de congraçamento entre os povos, a nobreza de sentimentos do povo brasileiro, que
recebe bem a todos os estrangeiros, tratando-os tão bem quanto qualquer brasileiro, o convívio
amigável de judeus e palestinos, a presença de diferentes raças convivendo em harmonia, enfim,
mexe com a auto-estima do povo quando o coloca, ainda que sem o dizer expressamente, como
o povo que teria a vocação de ser o mensageiro da paz mundial.

V. OS PAPÉIS INTERPRETADOS POR LULA


Após termos destacado os principais aspectos comunicacionais da campanha de Lula à
presidência, podemos analisá-los à luz dos quatro principais papéis que um político pode interpretar.
É importante ressaltar o fato de que os papéis servem como referência de análise, mas que, em
termos reais, o político pode ter, dentro da imagem que compõe ou é composta para si,
características de mais de um dos papéis, ou até mesmo, dos quatro destacados.
Em nossa análise, esta heterogeneidade tem destaque, pois Lula parece mesclar um pouco de
cada papel, como veremos a seguir.

A. Lula herói
Como já citado anteriormente, o herói costuma aparecer nos momentos de crise. O período
da campanha presidencial de 2002 não chega a caracterizar uma grande crise. O governo anterior,
do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), conseguiu superar a inflação, e conquistar uma
relativa estabilidade econômica. No entanto, o desemprego atingiu níveis alarmantes, o crescimento
econômico se estagnou e a distribuição de renda piorou ainda mais. Temos, então, um período que
revela uma crise, apesar de aparentemente sob certo controle.
Lula tem traços do herói mas, assim como o charmoso, este parece não ser o seu papel
preponderante. Em certa medida ele é o herói salvador (lembremos que há dois modelos básicos de
herói, o fundador e o salvador), necessário nos momentos de crise. Para uma boa parcela da
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população que não se sentiu beneficiada pelo progresso do governo FHC, vítimas do desemprego e
da má distribuição de renda, o salvador é a grande solução. Outra parcela do povo desejava
mudanças, mas também queria garantir certas conquistas do governo FHC, e talvez por isso tenha
sido comum, nos discursos dos candidatos, a idéia de mudança com segurança.
Lula diz que vai governar para todos, mas que sua prioridade é o social, a parcela carente da
população, diferente da ênfase do governo anterior sobre o aspecto econômico. Desta forma, ele
consegue se colocar como o salvador do povo carente e, ao mesmo tempo, como a segurança dos
conservadores que desejavam alguma mudança, mas sem radicalismos.
O carisma, característica principal do líder heróico, faz parte da personalidade de Lula. Sua
longa carreira política, a história de luta contra a ditadura, a infância pobre, as mudanças em sua
postura que demonstram ganho de conhecimento e maturidade, todos estes aspectos fizeram dele
uma figura quase mística, como se fosse um homem predestinado que dedicou toda a sua vida a seu
povo, aguardando, ou mais além, buscando o dia em que poderia realizar os seus sonhos.
Transforma-se, ao longo do tempo, de um líder aguerrido, vibrante e febril, na figura calma,
moderada e cordial, no filho rebelde que amadureceu vendo o sofrimento dos seus, e que estaria
finalmente pronto para ser o pai da nação. Em cada gesto, sorriso e cumprimento que Lula dá ao
povo, seu carisma transparece, ele o conquista com o olhar, que parece direcionado para cada
“companheiro”, e então cada um se torna seu amigo, pronto a colaborar com seu projeto que, afinal,
é o projeto de todos.
O herói tem três funções: fazer o espetáculo, proporcionar o sonho, e conferir a certeza. De
certa forma Lula realiza estas funções. Não chega a realizar um espetáculo tal qual os heróis típicos,
com grandiosidade e aparições monumentais, mas suas apresentações são atraentes e interessantes,
proporcionando um certo gozo aos espectadores, que vibram com suas falas e sua performance nos
debates e discursos. No programa eleitoral gratuito, os espectadores acompanham o relato de sua
vida, um drama difícil mas bonito. Assistem o candidato chorar quando fala de sua mulher que
faleceu, e vibram com suas vitórias, de um homem que saiu da miséria e galgou, passo a passo, seu
espaço na sociedade, vêem a família que construiu e sua felicidade reluzente ao lado dos seus. Em
suma: o povo assiste seduzido ao espetáculo em que se transformam suas aparições. Proporciona o
sonho, quando diz que acredita em seu povo, traçando um futuro grandioso, apesar das dificuldades
que terão de ser vencidas. Confere a certeza, quando afirma, várias vezes, que sabe que não pode
errar, que sabe das expectativa do povo, e que ele mesmo esperou e lutou muito por aquele
momento, e por isso, irá fazer todo o possível, trabalhando vinte e quatro horas por dia, para
cumprir suas promessas.
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Apesar de, como mostramos acima, Lula realizar, ainda que não de forma perfeita, as
funções do herói, termina aqui a sua similaridade com este tipo de líder. Ele não se utiliza dos dois
recursos tradicionais do herói para firmar esta imagem: a distância e o orgulho. Neste ponto, Lula se
aproxima mais do homem-comum, pois reafirma a proximidade e a humildade a cada momento,
recursos contrários aos utilizados para construir a imagem do herói.
E talvez seja esta a grande habilidade de sua campanha à presidência. Ele é quase o
salvador, mas lhe cabe melhor a idéia de grande líder, que precisa da ajuda e da união de todos num
projeto comum. Ao mesmo tempo ele é igual a qualquer um de nós, nos conhece de perto, e talvez
por isso pareça previsível, confiável e sincero. Diferente do herói que, por apresentar-se num plano
distante, apesar de também ser confiável, é tempestuoso e imprevisível.

B. Lula homem-comum
Lula parece ser realmente um homem comum, um representante legítimo do povo. Sua
proximidade desperta simpatia e possibilita a identificação do povo com ele. Suas opiniões são
francas e demonstram modéstia, bom-senso e moderação. Para facilitar a identificação, Lula é
mostrado com sua família e em situações cotidianas, estando freqüentemente em contato com o
povo. A história de sua vida, parecida com a de muitos brasileiros de origem humilde, é contada na
televisão de forma romântica, onde novamente ele é visto como um homem ordinário.
Além disso, ele tem carisma, um algo mais, que não o distancia dos seus mas que o coloca
num patamar especial. Ele é igual a cada um de nós, mas passa a representar o que há de melhor em
todos, processo realizado pelo mecanismo de projeção, que funciona quando os indivíduos
direcionam suas características boas para um determinado sujeito.
Lula não se mostra conformista, característica do homem-comum, mas propõe que a
mudança, que a maioria da população reconhece como necessária já que o período é de relativa
crise, seja realizada com segurança. Por conseguinte, consegue agregar diferentes parcelas da
população, ao garantir um novo rumo ao país, realizado, entretanto, com calma e sem radicalismos.
Lula eleva a auto-estima do povo humilde, que se sente elevado a um nível superior. O
cidadão comum torna-se, então, tão importante quanto qualquer pessoa na nação, já que o
representante maior desta é como ele, de origem humilde e sem estudo, mas inteligente, competente
e trabalhador.
Como já citado, o homem-comum pode se tornar enfadonho por causa de sua mediocridade.
Mas Lula não é medíocre. Assim como Jimmy Carter, consegue ser comum e especial ao mesmo
tempo, pois suas virtudes comuns vêm acompanhadas de um carisma que encanta. O eleitor se
admira por esta figura comum, mas que é inteligente, habilidosa, fora-do-comum. Ele se torna
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atraente, interessante, gerando expectativa por suas aparições na televisão, que parecem ter se
tornado um verdadeiro espetáculo para o público. Lula trouxe o espetáculo para a vida medíocre e
entediante do cidadão médio, um espetáculo de sonhos, onde todos podem então se sentir, ainda que
de forma interposta, um superstar da política.

C. Lula charmoso
A preocupação detalhada com a aparência, retratando um candidato limpo, e mais do que
isso, bonito, aliado a uma vestimenta que denota seriedade e altivez, indica a existência de traços
do líder charmoso, que se pode notar na dualidade proximidade/distanciamento do público. Na rua,
anda junto ao público, fala e toca nele. Nestes momentos usa camisa social, mas se porta bem à
vontade. Na televisão e no palanque está de terno, mostrando-se superior e distinto. É igual ao povo,
mas ao mesmo tempo o supera. Desperta o sentimento de simpatia, mas também o de admiração,
propiciando ao povo a projeção de suas virtudes, e a identificação com alguém que os eleva e os faz
se sentirem superiores, importantes.
O comportamento sorridente e brincalhão ressalta seu lado jovial. Sua esposa, também como
ele tendo recebido um “banho de loja”, aparece bonita, ajudando a compor a atmosfera de um
homem que tem uma certa beleza e charme. Não chega a ser o conquistador característico líder
charmoso, mas denota um homem que tem seu espaço entre as mulheres, pois se torna atraente por
mesclar a jovialidade e a masculinidade. O uso da barba ajuda na formação da imagem mais
masculina, cujo trato refinado afirma o papel do charmoso.

D. Lula pai
Existem dois tipos básicos de líder paternal: o pai heróico e o pai ordinário. Lula tem muitas
características do segundo. É sábio, experiente e tranqüilo, próximo do homem-comum.
Ele não tem a idade considerada ideal para o pai, que é o setuagenário ou o octogenário, mas
já tem 56 anos, trabalha desde cedo, e possui grande experiência de vida conseguindo, por
conseguinte, se encaixar no papel.
Lula é o pai que conhece todos os seus filhos, sabe de suas dificuldades, desejos e
necessidades, pois já conversou com eles, os tocou, e viu onde moravam e como viviam. E mais,
viveu na própria pele muitas de suas mazelas.
Ele tem experiência de vida, principalmente por ter enfrentado, corajosamente, momentos
extremamente difíceis. Andou muito, conheceu muitos lugares e pessoas, viu muitos conflitos,
resolveu muitos problemas.
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Ele tem sabedoria. É experiente, prudente e moderado. Além disso, está sempre bem
informado, tendo, ainda, o discernimento necessário para tomar as decisões certas.
É também sapiente. Tem o conhecimento e a competência necessárias para solucionar os
difíceis problemas relacionados ao governo de uma nação, além de uma habilidade incomum para
encontrar soluções. No entanto, Lula não se coloca como o papai sabe tudo, e de certa forma
consegue superar o que seria a fraqueza do líder paternal, a dificuldade de lidar com um mundo de
tecnologias e mudanças constantes, onde o conhecimento acumulado perde seu valor. Lula se
coloca como um líder hábil para articular os diferentes conhecimentos, colocados a sua disposição
por técnicos competentes em suas respectivas áreas. Ele sim, com sua habilidade fora-do-comum,
saberia juntar as informações das diferentes áreas para, com discernimento, tomar as decisões
corretas.
A autoridade, terceira característica do líder paternal já não se encaixa de forma perfeita no
candidato, pois ela ressalta a característica castradora, de quem é firme, enérgico, e que derruba as
resistências e obstáculos ao impor suas decisões. Lula demonstra ser muito mais um negociador, do
que um líder castrador, e sua firmeza e energia se transformam em empenho para discussões e
negociações árduas, mas necessárias. Realça sim sua liderança, mas cita muito o fato de pertencer e
trabalhar em conjunto com seu partido político. Utiliza a primeira pessoa do singular, prática
comum quando se quer enfatizar a própria autoridade, mas não de forma excessiva, e também não
para realçar autoridade, mas para tentar ganhar credibilidade, trazendo para si as responsabilidades.
Lula, portanto, não se encaixa na idéia de representante de um Estado coercitivo, repressor,
pois, ao invés de calar, ele convoca todos ao diálogo e ao trabalho conjunto. Mas podemos detectar
um leve traço coercitivo, na medida em que esta convocação implica na necessidade de que todos
podem ter que fazer concessões e trabalhar muito. Ele demonstra confiança na superação das
dificuldades mas, de certa forma, exige de cada um sua cota de esforço e abnegação para a
realização de um projeto comum onde os apetites egoístas não teriam espaço de atuação.
Desta forma, Lula realiza a principal tarefa do líder paternal, transmitir segurança,
utilizando-se de uma combinação diferente do modelo de autoridade paternal que é fundado na
sabedoria, sapiência e autoridade. Em seu modelo, ele mostra: sabedoria; a sapiência de quem sabe
decidir reunindo informações com auxílio de técnicos; uma autoridade que é negociadora e
agregadora. É um pai diferente, pois é protetor, mas não deseja dominar, e sim orientar seus filhos.
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VI. CONCLUSÃO
Podemos verificar que a campanha de Lula soube construir um papel que se adequou de
forma extraordinária à conjuntura política e à psicologia coletiva do povo brasileiro naquele
momento.
Lula interpreta um complexo papel, ao mesclar componentes dos quatro tipos principais.
Mas é esta habilidade que permite o anulamento das fraquezas de cada papel através da substituição
das mesmas por características dos outros.
Preserva o pai que cuida, mas substitui o lado castrador pela negociação árdua, característica
do homem-comum trabalhador, e habilidosa, inspirada no líder charmoso, dinâmico e inteligente.
É o homem-comum que acentua a identificação com o povo, mas substitui a mediocridade
comum a este papel, por um carisma característico do líder heróico ou charmoso, ressaltando que
existe algo de especial naquele homem modesto.
Tem os cuidados com a beleza do corpo e da vestimenta, como o charmoso, mas não comete
os exageros ou excentricidades deste, traços negativos que costumam conduzir à sua recusa.
Quanto ao herói, sabe que numa democracia sua liderança distante e altiva é agressiva, ao
que contrapõe a proximidade e a humildade. Mas mantém o carisma e a aura de escolhido, que o
colocam quase como um salvador.
Em suma, interpretando habilmente, ou quem sabe, surpreendentemente, sendo ele mesmo,
Lula mostra que é o melhor para seu país. Seu programa político também é apresentado, mas de
forma incompleta e superficial. Não importa, sua personalidade, construída ou não, tornou-se seu
programa político, e é nele que o povo confia; em seu olhar, em seu sorriso, em seu falar. O resto, o
resto não é nada, pois Lula é o centro do espetáculo. Espetáculo que o povo assiste e aplaude...
sentado em suas poltronas....extasiado... esperançoso.

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