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C. S. LEWIS
2 ― As Termópilas tornaram-se conhecidas após a célebre batalha de mesmo nome, que oôs os
defensores da Grécia aos persas invasores, em meados de 480 a. C., no decorrer da Segunda Guerra
Médica, tendo-se tornado sinônimo de resistência heróica ao inimigo. [N. do T.]
Na verdade, não ficaremos sem ler nada, quer na Igreja, quer no fronte: se não
lermos bons livros, leremos livros ruins. Se não continuarmos pensando de forma
racional, continuaremos a pensar de forma irracional. Se rejeitarmos os prazeres
estéticos, cairemos nos prazeres sensuais.
É esta analogia entre as exigências de nossa religião e as exigências da guerra:
para a maior parte de nós, nenhuma das duas vai cancelar ou remover da lista a vida
simplesmente humana que levávamos antes de entrar na guerra ou na fé. Contudo elas
funcionarão desse modo por diferentes motivos. A guerra não conseguirá absorver toda
a nossa atenção porque é um objeto finito e, portanto, intrinsecamente inadequado para
suportar toda a atenção da alma humana. Para evitar mal-entendido, devo fazer aqui
algumas distinções. Acredito que nosso motivo seja, como costumam ser os motivos
humanos, muito justo e por isso creio ser nosso dever participar desta guerra. Todo
dever é um dever religioso, e nossa obrigação de cumprir os deveres é, portanto,
absoluta. Desse modo, temos a responsabilidade de resgatar um homem que se esteja
afogando e, talvez, se moramos num litoral perigoso, aprender as técnicas dos salva-
vidas para estar prontos para qualquer situação em que alguém se esteja afogando.
Talvez seja nosso dever perder a própria vida salvando uma pessoa em risco de morrer
afogada. No entanto, se qualquer um se dedicar à atividade de salva-vidas dando a isso
toda a atenção ― de modo que não pense nem fale em outra coisa e exija a cessação de
todas as outras atividades humanas até que todos tenham aprendido a nadar ―, dará
sinal de ser monomaníaco. O resgate de pessoas que se estão afogando é, portanto, um
dever digno de que por ele se morra, mas não digno de que se viva para ele. A mim
parece que todos os deveres políticos (entre os quais incluo as obrigações militares) são
desse tipo. Um homem pode ter de morrer por nosso país, mas ninguém deve, em
qualquer sentido exclusivo, viver para seu país. Quem se entrega sem reservas às
exigências temporais de uma nação, ou de um partido, ou de uma classe, está dando a
César aquilo que, de todas as coisas mais enfaticamente pertence a Deus: ele próprio.
É por uma razão muito diferente que a religião não pode ocupar a vida inteira
no sentido de excluir todas as nossas atividades naturais. Porque, evidentemente, em
algum sentido, ela deve ocupar a vida inteira. Não há o que questionar a respeito de
conciliação, ou concessão, entre as exigências de Deus e as exigências da cultura ou da
política, ou de qualquer outra coisa. A exigência divina é infinita e inexorável. Podemos
recusá-la ou podemos começar a tentar cumpri-la. Não há meio termo. Contudo, apesar
disso, é claro que o Cristianismo não exclui nenhuma das atividades humanas
ordinárias. O apóstolo Paulo manda que seus leitores continuem cumprindo suas tarefas.
Ele até presume que os cristãos vão a festas e, além do mais, festas pagãs. Nosso Senhor
vai a uma festa de casamento e oferece um vinho miraculoso. Sob os auspícios de Sua
Igreja, e na maior parte dos períodos cristãos, vicejaram as artes e a busca do saber. A
solução desse paradoxo é, evidentemente, bem conhecida: “... quer vocês comam, quer
bebam ou façam qualquer coisa, façam tudo para a glória de Deus”. Todas as nossas
atividades meramente naturais serão aceitas se forem oferecidas a Deus, mesmo as mais
humildes, e todas elas, mesmo as mais nobres, serão pecaminosas se não forem
oferecidas a Deus. O Cristianismo não trata simplesmente de substituir nossa vida
natural por uma nova vida; trata, sim, de uma nova organização que explora, para suas
próprias finalidades sobrenaturais, esses materiais naturais. Sem dúvida, em dada
situação, demanda a rendição de alguma de nossas buscas meramente humanas, ou de
todas elas. É melhor ser salvo com um só olho que, tendo os dois, ser lançado à Geena.
Em certo sentido, porém, isso demanda per accidens ― porque, nessas circunstâncias
especiais, deixou de ser possível praticar esta ou aquela atividade para a glória de Deus.
Não existe nenhum conflito essencial entre a vida espiritual e as atividades humanas
como tais. Desse modo, a onipresença da obediência a Deus na vida cristã é, de certa
forma, análoga à onipresença de Deus no espaço, Deus não preenche o espaço como um
corpo o preenche, no sentido de que partes dele estejam em diferentes partes do espaço,
excluindo outros objetos desse espaço. Contudo, Ele está em toda parte ― de acordo
com os bons teólogos.
Estamos agora em condição de responder à opinião de que a cultura humana é
uma frivolidade inescusável da parte de criaturas carregadas dessas responsabilidades
tão tremendas quanto nós. Rejeito de imediato a idéia que persiste na mente de algumas
pessoas modernas de que as atividades culturais são de direito espirituais e meritórias.
― como se poetas e intelectuais fossem intrinsecamente mais agradáveis a Deus que os
catadores de lixo e os engraxates. Acredito que foi Matthew Arnold quem empregou
pela primeira vez a palavra inglesa spiritual [espiritual] no sentido da palavra alemã
geistlich, e com isso deu início a esse erro mais perigoso e mais anticristão. Vamos
limpá-lo de uma vez de nossa mente. A obra de um Beethoven e o trabalho de uma
faxineira são espirituais, exatamente na mesma condição, a de ser ofertas a Deus, de ser
feitos com humildade “como para o Senhor”. Isso, é claro, não significa que tanto faz
para qualquer pessoa que se limpe casas ou componha sinfonias. Uma toupeira escava
para a glória de Deus assim como o galo canta para a glória de Dele. Somos membros
de um corpo, mas membros diferenciados, cada qual com sua vocação própria. O modo
com que um indivíduo foi criado, seus talentos, suas circunstâncias, normalmente são
todos índices razoáveis de sua vocação. Se nossos pais nos enviaram para Oxford, se
nosso país nos permite permanecer ali, isso é prima facie evidência de que a vida, ou
melhor, a vida que podemos melhor viver para a glória de Deus no presente é a vida
intelectual. Por viver esse tipo de vida para a glória de Deus eu não quero, naturalmente,
referir-me a qualquer tentativa de fazer nossas pesquisas intelectuais funcionarem para
conclusões edificantes. Isso seria, como diz Bacon, oferecer ao autor da verdade o
sacrifício impuro de uma mentira. Em certo sentido, refiro-me à busca do conhecimento
e da beleza por eles mesmos, mas num sentido que não exclui serem também por causa
de Deus. O apetite para essas coisas existe na mente humana, e Deus não cria apetite
nenhum em vão. Podemos, portanto, ir à busca do conhecimento como tal, e da beleza
como tal, na inteira confiança de que, agindo assim, estamos nós mesmos avançando
para a visão de Deus e indiretamente ajudando outros a fazer o mesmo. A humildade,
não menos que o apetite, estimula-nos a concentrar-nos tão-somente no conhecimento
ou no belo, sem nos preocuparmos muito com sua importância suprema para a visão de
Deus. Essa importância talvez não tenha sido pretendida para nós, mas para nossos
sucessores mais sábios que nós ― para homens que vêm depois e encontram a
importância espiritual daquilo que descobrimos na obediência cega e humilde de nossa
vocação profissional. Esse é o argumento teológico de que a existência do impulso e da
faculdade prova que eles devem ter uma função própria no plano de Deus ― o
argumento pelo qual Tomás de Aquino prova que a sexualidade teria existido mesmo
sem a Queda. No que diz respeito à cultura, prova-se a solidez do argumento pela
experiência. A vida intelectual não é o único caminho para Deus, nem o mais seguro,
mas achamos que é um caminho e talvez o caminho indicado para nós. Naturalmente,
isso só será assim enquanto conservarmos o impulso puro e desinteressado. Essa é a
dificuldade maior. Como diz o autor da Theologia Germanica, podemos vir a amar o
conhecimento ― o nosso conhecer ― mais que o objeto conhecido: deleitar-nos não no
exercício de nossos talentos, mas no fato de que eles nos pertencem, ou mesmo na fama
que eles nos proporcionam. A cada sucesso na vida de um intelectual esse perigo
aumenta. Se este permanecer invencível, ele deve desistir de seu trabalho acadêmico. É
chegado o momento de arrancar o olho direito.
É assim que vejo a natureza essencial da vida acadêmica. Hoje, entretanto, ela
tem valores particularmente importantes. Se o mundo todo fosse cristão, não importaria
se o mundo todo não tivesse formação escolar. Como as coisas são, no entanto, a vida
cultura existirá fora da Igreja, quer exista dentro, quer não. Ser ignorantes e simples
agora ― não estar aptos para enfrentar os inimigos em seu próprio campo ― seria abrir
mão de nossas armas e trair nossos irmãos sem formação acadêmica, que, abaixo de
Deus, não têm nenhuma defesa contra os ataques intelectuais dos pagãos, a não ser a
defesa que lhes podemos oferecer. A boa filosofia deve existir. Se não por outra razão,
porque a má filosofia precisa de resposta. O intelecto frio deve trabalhar não só contra o
intelecto frio do outro lado, mas contra os enlameados misticismos pagãos que negam
completamente o intelecto. A maioria de nós talvez necessite de conhecimento íntimo
do passado. Não que o passado tenha alguma mágica, mas porque não podemos estudar
o futuro e ainda precisamos de algo para contrapor ao presente, a fim de nos fazer
lembrar que os pressupostos básicos foram muito diferentes em diferentes períodos e
que muito do que parece certo para os não escolarizados não passa de mero modismo
temporal. Alguém que tenha morado em vários lugares tem menos probabilidade de ser
enganado pelos erros locais da vila onde nasceu. O intelectual viveu em muitas épocas e
por isso, em algum grau, é imune à grande catarata do nonsense, da falta de sentido, que
jorra da imprensa e dos microfones de sua própria época.
A vida acadêmica, portanto, para alguns é um dever. No momento, parece que
é o dever de vocês. Estou bem ciente de que talvez pareça haver uma cômica
discrepância entre as elevadas questões que consideramos aqui e a tarefa imediata que
talvez comecem a empreender, como, por exemplo, as sólidas leis anglo-saxônicas ou
fórmulas químicas. Há, porém, um choque semelhante que nos espera em cada vocação
profissional ― um jovem pastor se vê envolvido em arranjos para o coral e o jovem
empregado da mercearia em prestar conta dos potes de geléia. É bom que assim deva
ser. Isso identifica e elimina as pessoas vãs e frívolas e retém as mais humildes e
determinadas. Não devemos gastar nossos cuidados com esse tipo de dificuldade. Mas a
peculiar dificuldade que se lhes impõe pela guerra é outro assunto, e sobre isso devo
repetir o que venho, de uma forma ou de outra, repetindo desde que comecei: não
deixem que os nervos e as emoções os levem a pensar que sua situação crítica é mais
anormal do que de fato é. Quem sabe seja proveitoso eu falar dos três exercícios mentais
que podem servir de defesa contra os três inimigos que a guerra levanta contra o
intelectual.
O primeiro inimigo é a agitação, a ansiedade ― a tendência para pensar na
guerra e nos preocupar com ela, quando deveríamos pensar em nosso trabalho. A
melhor defesa é reconhecer que nisso, como em tudo mais, a guerra não levantou
nenhum inimigo novo de fato, mas só agravou um velho inimigo. Sempre houve muitos
rivais de nosso trabalho. Estamos sempre nos apaixonando ou querelando, procurando
emprego ou temendo perdê-lo, adoecendo e nos recuperando, acompanhando negócios
públicos. Se nos deixarmos pegar pelo abandono, sempre ficaremos esperando que uma
ou outra distinção termine antes que comecemos de fato nosso trabalho. Os únicos que
alcançam muito são os que desejam tão intensamente o conhecimento que o procuram
enquanto as condições ainda são desfavoráveis. As condições favoráveis jamais
chegam. Há momentos, é claro, em que a pressão da ansiedade é tão grande que
somente um autocontrole sobre-humano pode resistir. Esses momentos ocorrem tanto na
guerra quanto na paz. Devemos fazer o melhor que podemos.
O segundo inimigo é a frustração ― a sensação de que não teremos tempo para
terminar. Se eu lhes disser que ninguém tem tempo para terminar, que a maior
longevidade humana faz de um homem, de qualquer ramo do conhecimento, um
principiante, pareceria que estou lhes dizendo algo muito acadêmico e teórico. Vocês se
surpreenderiam se soubessem quão cedo se começa a sentir a brevidade da existência,
de quantas coisas, mesmo na meia-idade, temos de dizer “Não dá tempo para isso”,
“Agora é muito tarde” e “Não é para mim”. A própria Natureza, porém, os proíbe de
expressar essa experiência. Uma atitude mais cristã, que se pode ter em qualquer idade,
é viver o futuro nas mãos de Deus. Podemos fazer isso, pois Deus certamente nos
sustenta, quer vivamos para Ele, quer não. Nunca, na paz ou na guerra, comprometam
sua virtude nem sua felicidade com o futuro. O trabalho feliz é mais bem realizado pelo
homem que leva seus planos de longo prazo mais ou menos sem preocupação e trabalha
a todo momento “como que para o Senhor”. Somos incentivados a pedir apenas o nosso
pão de cada dia. É no presente que se deve cumprir qualquer dever ou receber qualquer
graça.
O terceiro inimigo é o medo. A guerra ameaça-nos com a morte e o sofrimento.
Ninguém ― e principalmente nenhum cristão que se lembre do Getsêmani ― precisa
tentar alcançar uma indiferença estóica por essas coisas, mas podemos proteger-nos das
ilusões e da imaginação. Pensamos nas ruas de Varsóvia e comparamos as mortes ali
ocorridas com uma abstração chamada Vida. Não existe, contudo, o que questionar
sobre a morte ou sobre a vida para qualquer um de nós; podemos apenas questionar
sobre esse ou aquele tipo de morte ― um projétil de metralhadora agora ou um câncer
quarenta anos mais tarde. O que a guerra faz com a morte? Certamente não a torna mais
freqüente; 100% de nós morrem, e essa porcentagem não tem como ser aumentada. A
guerra traz muitas mortes mais cedo, mas não consigo imaginar que é disso que temos
medo. Sem dúvida, quando o momento chegar, fará pouca diferença o número de anos
que deixamos para trás. Será que a guerra aumenta nossas chances de ter uma morte
sofrida? Duvido. Até onde pude descobrir, o que chamamos de morte natural
normalmente é precedida pelo sofrimento, e o campo de batalha é um dos pouquíssimos
lugares onde se tem probabilidade de morrer sem nenhum sofrimento. Será que a guerra
diminui nossas chances de morrer em paz com Deus? Não acredito. Se o serviço militar
não convence um homem a se preparar para a morte, que encadeamento de
circunstâncias concebíveis convenceria? Contudo, a guerra faz algo em relação à morte.
Ela nos força a lembrar dela. O único motivo por que o câncer aos 60 anos ou a paralisia
aos 75 não nos incomodam é que não pensamos neles. A guerra torna a morte real para
nós, e isso deve ter sido considerado uma de suas bênçãos pela maior parte dos grandes
cristãos do passado. Eles a consideravam útil para nos deixar sempre conscientes de
nossa mortalidade. Inclino-me a pensar que estavam certos. Toda a vida animal em nós,
todos os planos de felicidade centrados neste mundo, sempre foram condenados a uma
frustração final. Em tempos comuns só um sábio pode perceber isso. Agora o mais tolo
de nós sabe. Vemos de forma inequívoca o tipo de universo em que estávamos vivendo
o tempo todo e temos de chegar a um acordo com ele. Se tínhamos tolas esperanças
não-cristãs acerca da cultura humana, agora elas estão arruinadas. Se achávamos que
estávamos construindo o céu na terra, se procurávamos algo que transformaria o mundo
presente de lugar de peregrinação numa cidade permanente para satisfazer a alma
humana, estamos desiludidos, e não é sem tempo. Se, no entanto, pensávamos que, para
algumas almas, e algumas vezes, a vida de busca do conhecimento oferecida
humildemente a Deus era, à sua própria singela maneira, uma das abordagens indicadas
para a realidade Divina e para a Divina beleza que esperamos desfrutar daqui para a
frente, podemos continuar pensando assim.