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A AUTORIA DE HEBREUS: UMA BREVE INCURSÃO

PELOS VINTE SÉCULOS DE DEBATE1

Fernando R. Silva2
Guilherme B. de Souza
Edivandro de Paula Castro
Euderson Marinho
Pedro Silva de Araújo
Carlos Teixeira Timm
Wilkler de O. Fonseca
Adenilton Tavares de Aguiar3

RESUMO
Este artigo tem como objetivo oferecer uma breve apresentação do debate sobre a autoria
de Hebreus. Tal debate foi instaurado muito cedo na igreja cristã, sofreu uma pausa entre
os séculos V e XV, porém renasceu de maneira acalorada durante a Reforma, provocando
uma efervescência de ideias que perdura na contemporaneidade. Desde os primeiros pais
da igreja até os eruditos modernos, muitos nomes foram sugeridos: Paulo, Lucas, Clemente
de Roma, Barnabé, Priscila, Apolo, Silvano, entre outros. A disputa parece distante ainda
de uma solução; enquanto esta não chega, a polêmica continua desafiando o pensamento
de eruditos e estudiosos do Novo Testamento.
PALAVRAS-CHAVE: Autoria de Hebreus. Debate. História da interpretação.
Autenticidade.

ABSTRACT
This article aims to offer a brief presentation of the debate about the authorship of
Hebrews. The debate was initiated early in the Christian church. It paused between V
and XV centuries, but was reborn in a heated way during the Reform, causing a ferment
of ideas that continues in contemporary times. Since the early church fathers to modern
scholars, many names were suggested: Paul, Luke, Clement of Rome, Barnabas, Priscilla,
Apollos, Silvanus, among others. The dispute still seems far from a solution. While a
solution does not come, the controversy continues to challenge the thinking of scholars
and students of the New Testament.
KEYWORDS: Hebrews authorship. Debate. Story of interpretation. Authenticity.

1
Este artigo é fruto dos trabalhos de pesquisa do Grupo de Estudo Exegese e Hermenêutica do
Novo Testamento, no período letivo 2011.1, sob a orientação do professor Adenilton T. de Aguiar.
2
Discentes do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (SALT) – Cachoeira/BA.
3
Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Católica do Pernambuco; professor de
Línguas Bíblicas no Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia – Cachoeira/BA.
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INTRODUÇÃO
Tão grande era a dúvida sobre a autoria de Hebreus nos primeiros séculos
da era cristã, que Orígenes (c. 185-254) chegou a dizer: “Mas quem escreveu a
epístola, na verdade só Deus sabe.”4 O fato é que o autor não nos informa seu nome
nem o destinatário. O título “Aos Hebreus”, para usar as palavras de Girdwood e
Verkruyse (1997, disponível em Logos Bible Software), “pode ter sido adicionado
posteriormente e reflete as opiniões posteriores sobre seu conteúdo, mas ele
acompanha a carta em todos os manuscritos gregos antigos e não há evidência de
que a carta tenha ostentado qualquer outro título.”
O objetivo deste artigo, no entanto, não diz respeito a uma análise das
evidências (internas ou externas) que possam apontar para um autor em detrimento
de outro. Antes, o propósito é apresentar como a autoria foi interpretada ao longo
dos séculos e como o debate percorreu a linha do tempo até alcançar os estudiosos
contemporâneos, os quais continuam buscando respostas para a pergunta: “Quem
escreveu Hebreus?”. As mais variadas opiniões sobre a autoria deste livro que,
diferentemente da maioria das demais obras do Novo Testamento, traz um grego
elegante e uma linguagem elaborada, demonstram apenas que o dilema está distante
de encontrar uma solução.
Os autores deste artigo aceitam a ideia de que “diferentemente de uma carta,
a qual pode emergir de uma profunda emoção e ser escrita num ritmo febril, um
sermão resulta de um planejamento cuidadoso” (JOHNSSON, 1989, p. 27-28).
Isto parece coadunar com a estrutura e propósito do livro de Hebreus, razão pela
qual nos reportaremos a ele através do termo homilia5 em detrimento do termo
epístola. Outrossim, ressaltamos que, tendo em vista o fato de Hebreus compor um
corpus paulino tradicionalmente reconhecido (ATTRIDGE & KOESTER, 1989), os
comentários serão tecidos a partir de uma autoria paulina.
O artigo está divido em quatro partes. Na primeira, introduzimos o início do
debate com a opinião dos pais da igreja, nos quatro primeiros séculos da era cristã;
na segunda, apresentamos um breve relato da condição do debate entre os séculos
V e XV; na terceira, apontamos a Reforma como lugar de um recrudescimento da
polêmica e, na última parte, a condição atual do debate.

4
Fragmento de Eusébio, Hist. eccl. 6.25.14: τί̋ δὲ ὁ γράψα̋ τὴν ἐπιστολήν, τὸ μὲν ἀληθὲ̋
θεὸ̋ οἶδεν
5
A ideia de que Hebreus trata-se de uma homilia e não de uma epístola parece ser um consenso
entre os eruditos contemporâneos (cf. SACKS, 1995; LANE, 2002; ATTRIDGE & KOESTER,
1989)
ADENILTON AGUIAR, GRUPO DE PESQUISA - A AUTORIA DE HEBREUS ... | 115

OS PAIS DA IGREJA: OS QUATRO PRIMEIROS SÉCULOS

O TESTEMUNHO DA IGREJA OCIDENTAL


Na Itália e na Europa ocidental a homilia não foi considerada como de autoria
paulina, e, ao que parece, não foi vista como canônica, por algum tempo. As duas
listas importantes do segundo século, o Cânon de Marcião (140 d.C) e o fragmento
Muratório (190 d.C) não apresentam o texto de Hebreus, o que acabou se tornando,
para alguns, uma possível evidência contra a canonicidade do livro.
De acordo com Hale (2001), a homilia não aparece no texto ocidental até a
metade do quarto século, o que demonstra a resistência à sua aceitação, por parte do
ocidente. Entretanto, Clemente de Roma6 e Hermas7, autores contemporâneos no
final do primeiro século, fizeram alusões ao texto de Hebreus e o citaram em suas
obras. Isso mostra que embora houvesse uma resistência à homilia, ela era conhecida
pela igreja do ocidente.
Diversos autores rejeitaram a autoria paulina na Igreja do Ocidente. Jones
(2004) informa que Hipólito (200 d. C) negava a autoria de Paulo. Eusébio de Cesaréia
(2002) menciona que o presbítero Gaio (séc. III), por sua vez, ao debater-se com os
montanistas, rejeitou a ideia de que a homilia aos Hebreus pudesse ter sido escrita
pelo apóstolo dos gentios. De Eusébio também chega-nos a informação de que
Caius, um “homem muito eloquente”, menciona somente treze epístolas do Santo
apóstolo, não incluindo Hebreus. Westcott (1920, p. 64) informa que “uma tradução
em latim foi encontrada no Norte da África, mas não como sendo de Paulo”.
Tertuliano8, o primeiro dos pais latinos, por volta de 225 d. C, foi o primeiro
a atribuir Hebreus a Barnabé. Acredita-se que Tertuliano tenha chegado a essa
conclusão a partir do relato de Atos 4: 36 e 37: “José, a quem os apóstolos deram o
sobrenome de Barnabé, que quer dizer filho de exortação, levita, natural de Chipre,
como tivesse um campo, vendendo-o, trouxe o preço e o depositou aos pés dos
apóstolos.” Como levita, “Barnabé conhecia bem o sacerdócio. Ele era natural de
Chipre e estava bem familiarizado com o grego e, possivelmente, com a filosofia
alexandrina” (KISTEMAKER, 2001, p. 6 e 7).
De fato, Barnabé ocupava um lugar de destaque na igreja. Foi mediador entre
Paulo e os Judeus Cristãos (At 9: 26,27). Hale (2001, p. 345) comenta que “ele era
um amigo íntimo de Paulo, e seu companheiro de viagem (At 11-15), e poderia ser
responsável por parte do tempero paulino de Hebreus”.

6
I Clemente 36: 1-5
7
O Pastor de Hermas, Visão II. 3: 2
8
Sobre a Modéstia, p. 20
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Todavia, a teoria de Tertuliano, segundo a qual Barnabé seria o autor da
homilia, precisou enfrentar algumas objeções: 1) somente Tertuliano cita Barnabé
como o autor da homilia; 2) a teoria jamais foi aceita por qualquer escritor patrístico
ou em Chipre, pátria de Barnabé.
Ao que parece, a Igreja Ocidental não estava em condições de discutir a
autoria de Hebreus, visto que ela não estava certa nem mesmo de sua canonicidade.
Somente no quarto século, a homilia seria atribuída a Paulo e tida como canônica em
toda a Igreja ocidental.

O TESTEMUNHO DA IGREJA ORIENTAL


Desde muito cedo na Igreja Oriental, a homilia foi atribuída a Paulo, ou, na
pior das hipóteses, acreditava-se que ele teve alguma parcela de contribuição para a
sua composição.
Pantaeno (c.190 d.C) argumenta que o apóstolo não se identificou por
modéstia. Segundo ele, o termo “apóstolo” seria algo presunçoso, uma vez que
em Hebreus 3:1, ele usa o termo “apóstolo” em referência a Cristo (KOESTER,
2008).
Clemente de Alexandria (150-215 d.C) admitiu a hipótese de Pantaeno, porém
acrescentou que Paulo tinha um propósito ao omitir seu nome; segundo ele, Paulo
agiu prudentemente quando se omitiu, visto que os judeus suspeitavam dele.
Eusébio de Cesareia (2002) acreditava na ideia de uma autoria paulina; no
entanto, defendia que Paulo teria escrito a homilia em hebraico e Lucas a teria
traduzido ao grego.
Orígenes, por sua vez, não concorda com a visão segundo a qual Paulo seria o
autor de Hebreus. Para ele, há uma grande distância entre Paulo e o livro de Hebreus,
dadas as diferenças de estilo e discurso (ATTRIDGE E KOESTER, 1989). Orígenes
(apud EUSÉBIO, 2002, p. 124) acrescenta que
todo aquele que entende como julgar a linguagem reconhece que o caráter da
Epístola aos Hebreus não tem a rudeza do idioma do apóstolo, que reconhecia
que era inculto no discurso. Mas, por outro lado, qualquer que atenta para a
leitura apostólica concorda que os pensamentos da epístola são maravilhosos e de
maneira nenhuma inferiores aos escritos do apóstolo. Se eu fosse expressar a minha
opinião, deveria dizer que os pensamentos são os pensamentos de um apóstolo,
mas a linguagem e a composição são de alguém que se lembrou de memória, e,
como o foi, fez anotações do que foi dito por seu senhor. Se, portanto, qualquer
igreja sustenta que esta carta é de Paulo, que ela seja aprovada por isso também,
pois não foi sem razão que homens dos tempos idos a passaram como se fosse de
Paulo, mas quem escreveu a epístola só Deus sabe certamente.

Clemente de Roma é um dos nomes que aparecem para ocupar o lugar de


Paulo como o autor de Hebreus. Orígenes foi o primeiro a propor tal mudança. Não
há duvida de que Clemente de Roma conhecesse bem a homilia, mas a ideia de que
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ele seja o autor tem sido bastante rejeitada. Hale (2001, p. 344-5) afirma que o que
mais depõe contra a autoria de Clemente é “sua falta de criatividade teológica”.Este
autor acredita que uma análise do texto de Clemente demonstrará apenas que ele é
imitativo e assegura que as semelhanças entre Clemente e Hebreus não vão além das
semelhanças entre Clemente e as cartas de Paulo.
Na Igreja Alexandrina, as referências a Paulo como o escritor da homilia
aparecem apenas através de breves citações: por Dionísio, o bispo que sucedeu
Orígenes; por Teognosto, “Cabeça” da Escola Catequética e provavelmente discípulo
de Orígenes; por Pedro de Alexandria e pelo Sínodo de Antioquia (264 d. C). Além
disso, alusões à autoria paulina podem ser encontradas em São Pinito, bispo de
Cnossos em Creta (EUSÉBIO, 2002, p. 88) e Teófilo de Antioquia. Não obstante,
para Westcott (1920), a compreensão de uma autoria paulina a partir de tais alusões
é alcançada não mais do que por inferências.
Por sua vez, Epifânio (315-403 d.C) afirma que só Marcião de Sínope (85-160
d.C) e os arianos não aceitavam a autoria paulina do livro de Hebreus. Ele reafirma
constantemente o cânon paulino com 14 epístolas. Teodoro de Mopsuéstia (350-428
d.C) segue a mesma linha de raciocínio de Epifânio. Ele chega a afirmar que se a
epístola não fosse de Paulo como as outras, ela não seria proveitosa para os irmãos.
Assim, observa-se que se por um lado a autoria paulina de Hebreus foi
questionada pela igreja do ocidente, a igreja do oriente permaneceu firme quanto à
autenticidade da mesma. Tal convicção também se acha expressa em uma afirmação
feita pelo bispo Apolinário de Laodiceia (cf. MOFAT,1924, p. xix).
A autenticidade de Hebreus foi aceita também pelas igrejas siríaca, asiática e
egípcia. O livro aparece ao lado de Romanos como parte das epístolas paulinas no
cânon siríaco de 400 d.C. Ambrósio não somente diz que Paulo escreveu Hebreus,
como fez citações a este livro, introduzindo-as com a fórmula “está escrito”
(KOESTER, p.23, 2008), o que demonstra que ele reconhecia a sua canonicidade.
A seguinte afirmação de Jerônimo (c.340-420 d.C) está de acordo com o
pensamento de Ambrósio: “Devemos admitir que a epístola escrita aos Hebreus
é considerada como sendo de Paulo, não apenas pelas igrejas do Oriente, mas
por todos os escritores da igreja que escreveram desde o princípio, em grego”9
(KOESTER, p.26, 2008). Schaff (1997) acrescenta que Jerônimo, em seu tratado
contra Joviniano, escrito em 393 d.C, cita Hebreus 6:4-6 e utiliza a expressão: “Paulo
diz em Hebreus”. Além de Jerônimo, podem ser mencionados ainda Alexandre de
Alexandria, Dídimos, Isidoro de Pelusium, Ciro de Alexandria, Ciro de Jerusalém10,
Jacó de Nisibis, Efrem Siro, Gregório de Nissa, Gregório de Naziânzio, Epifânio e
Crisóstomo, como autores que aceitavam a autoria paulina.

9
Tradução Nossa
10
Em Cat. 4:36 to,j Pau,lou dekate,ssara,j Epistola,j (as catorze cartas de Paulo).
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No terceiro Concílio de Cartago (397 d.C), foi divulgada uma lista canônica
contendo treze cartas de Paulo. O mesmo texto dizia que do “mesmo autor” uma
epístola se destinava aos Hebreus (KOESTER, p.26, 2008).
Percebe-se, portanto, que embora um autor ou outro, à semelhança de Cipriano
(c. 258 d.C), o qual não faz menção a Hebreus nos seus principais manuscritos,
demonstrem não aceitar a autenticidade e/ou a canonicidade da homilia aos hebreus,
em geral, tanto a autenticidade quanto a canonicidade são atestadas pela igreja do
oriente.

TESTEMUNHO DOS MANUSCRITOS


Desde muito cedo, a homilia aos Hebreus foi posicionada entre as epístolas
paulinas, em manuscritos importantes. Ela é colocada depois da carta aos Romanos
no Papiro Chester Beatty II, conhecido como o P46, e também no Cânon Siríaco (400
d.C). Aparece depois de 2 Coríntios nos minúsculos 1930 e 1978 e no Códice 2248.
Teofilasto, em seu comentário sobre a autoria paulina, posiciona a homilia também
depois de 2 Coríntios. Ela aparece depois de Gálatas em B, e depois das cartas de
Paulo às igrejas em ‫א‬, A, B, C, H, I, P, 0150 e 0151 e em 60 minúsculos. Ademais,
é colocada depois de Filemom em D, E, K e L e em muitos outros minúsculos
(ELLINGWORTH, 1993).

OS SÉCULOS V-XV: PERÍODO DE SILÊNCIO


Durante os séculos V-XV, as questões acerca da identidade do autor de
Hebreus permaneceram em silêncio. Ao que parece, não há registro de nenhum
teólogo que tenha levantado novamente essa problemática. Tanto assim, que os
teólogos modernos e contemporâneos, em geral, ao analisar a questão da autoria
do livro, apresentam prováveis autores dos quatro primeiros séculos para, logo
em seguida, apresentar a hipótese de Lutero, segundo a qual Apolo seria o autor
(BROWN, 1862; BRUCE, 1991; ELINGWORTH, 1993). Percebe-se, portanto, que
existe um espaço de cerca de mil anos de silêncio. Pergunta-se, então, o que teria
acontecido no quinto século que faria a controvérsia sobre a autoria de Hebreus
silenciar? E por que ela ressurgiria novamente dez séculos depois?
Girdwood e Verkruyse (1997) explicam que o sexto sínodo de Cartago em 419
d.C. “estabeleceu uma tradição de apoio à autoria paulina que durou até a Reforma”.
Embora destoem quanto ao número do Concílio, Jamieson, Fausset e Brown (2002,
p. 607) apoiam a informação acima, declarando que “o quinto Concílio de Cartago
(ano 419 d.C.) formalmente a reconhece [isto é, a epístola aos Hebreus] entre as
catorze Epístolas de Paulo.” Percebe-se, então, que, com a força do Concílio de
Cartago, a posição de Paulo como autor da homilia veio a predominar, embora
houvesse muita dúvida no início. Conforme afirmam MacDonald e Farstad (1997),
esta visão prevaleceu de Atanásio em diante, até que o Ocidente finalmente aderiu
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a ela.
Tem-se, deste modo, o que virtualmente causou o silêncio quanto à autoria de
Hebreus: o sínodo de Cartago, no ano 419 d. C., que declarou Paulo como o autor da
homilia, conteve o debate por séculos. Attridge e Koester (1989, p. 2) acrescentam
que “a suposição da autoria paulina permaneceu intacta até o período da Renascença
e Reforma, quando ela se tornou amplamente questionada”.
Cremos que seja possível alcançar uma resposta à pergunta “por que a questão
da autoria de Hebreus ressurgiria novamente dez séculos depois do Concílio de
Cartago?”, fazendo inferências a partir das proposições da própria Reforma e de seu
contexto teológico. Sabendo-se que (1) a Reforma Protestante foi um movimento
que, entre outras coisas, apelava à autoridade das Escrituras em detrimento das
tradições católicas romanas, (2) consequentemente, a Reforma buscou resgatar tal
autoridade para colocá-la acima da autoridade dos concílios e decretos papais, (3) um
ponto conflitante para a Reforma diz respeito à dicotomia entre livros canônicos e
livros apócrifos. Assim, a questão da autoria de Hebreus surgiria novamente para ser
analisada (CAIRNS, 2008; DANIEL-ROPS & GAMA, 1996). No entanto, a autoria
de Hebreus durante o período da Reforma será tratada mais detidamente no tópico
a seguir.

A REFORMA
Conforme foi visto até o momento, embora a aceitação de Paulo como o
autor de Hebreus não fosse muito difundida na Igreja Ocidental até o século V, a
autenticidade da homilia era amplamente reconhecida na parte oriental do império
romano, de modo que a tradição de que Paulo escreveu Hebreus, sobretudo após o
sínodo de Cartago (419 d.C), permaneceu praticamente incontestada até a Reforma
do século XVI.
Com a Reforma, vários questionamentos se levantaram em relação à
autenticidade da homilia. Erasmo de Roterdã expressou as suas dúvidas a respeito
de sua autoria e canonicidade. Lutero a distingue dos livros cuja autoria, a seu ver,
seguramente pertencia a um apóstolo. Para Lutero, Hebreus também destoava das
principais obras do Novo Testamento. Calvino, por sua vez, embora não aceitasse a
autoria paulina, não questionava a canonicidade do livro (CHAMPLIN, 2002).
Uma vez questionada a autoria paulina, a pergunta inevitável é: “Se Paulo
não escreveu o livro de Hebreus, quem então o escreveu?”. Alguns nomes têm sido
propostos ao longo dos anos, mas durante esse período um nome em especial que
ganhou força foi o de Apolo.
Martinho Lutero foi o primeiro a propor Apolo como o autor de Hebreus, teoria
essa que atraiu alguns apoiadores, conforme se pode apreender na fala de Peterson
(2009, p. 1983): “Como judeu alexandrino de ótima formação acadêmica, Apolo era
eloquente e poderoso nas Escrituras e atuava na mesma esfera missionária de Paulo
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(At 18. 24-28). Ele Poderia muito bem ter escrito uma obra como Hebreus.”
As objeções mais comuns à autoria de Apolo podem ser resumidas da seguinte
forma: o fato de ele ter sido judeu alexandrino, eloquente e poderoso nas palavras
não configura um argumento suficiente para lhe conferir a autoria:
o nome de Apolo está visivelmente ausente no passado, ou seja, nenhum pai da
igreja em algum momento citou Apolo como possível escritor de Hebreus; [..] não
há nenhuma evidência de que Apolo fosse escritor; não há nenhum registro de
que Apolo tivesse qualquer conexão com Roma, o provável destino de Hebreus
(ADAMS, 2009, p. 732).

Os que acreditam na autoria de Apolo defendem-se das objeções acima


dizendo que as mesmas se baseiam no argumento do silêncio: 1) o fato de o nome
de Apolo não ter sido citado por algum pai da igreja não impede que ele seja o
autor; 2) o fato de não haver evidência de que ele fosse escritor, não significa que
ele não seja o escritor de Hebreus – outros apóstolos não eram reconhecidos como
escritores, mas escreveram obras canônicas (e.g., Marcos e Judas); 3) o fato de não
haver registro de que ele tivesse conexão com Roma, não impede que ele não tivesse
passado por lá em algum momento e fizesse amigos.
Em síntese, aqueles que acreditavam ser Apolo o autor de Hebreus, apoiavam
sua crença na compreensão de que ele era o mais qualificado em termos de educação
e de que seus dons, seus antecedentes e experiência requerida justificavam sua autoria.
Este, provavelmente, era o pensamento de Lutero. Tanto assim, que teólogos pós-
reforma, ao defenderem a autoria de Apolo, estribaram-se no pensamento do grande
reformador, como se pode perceber nas citações abaixo:
Lutero estava seguro de que Apolo a tinha escrito. Apolo, de acordo com a menção
do Novo Testamento, era um judeu nascido em Alexandria; homem eloquente e
muito versado nas Escrituras (Atos 18:24 ss.; 1 Coríntios 1:12; 3:4). Aquele que
escreveu a carta conhecia certamente as Escrituras, era muito eloquente, e pensava
e argumentava da maneira que o faria um alexandrino culto. É seguro que aquele
que escreveu Hebreus era no fundo e por seu pensamento da talha de Apolo
(BARCLAY, 2011).
Entretanto, não foi senão no tempo de Jerônimo e de Agostinho que a canonicidade
ficou resolvida no ocidente. A tradição da autoria paulina não foi novamente posta
seriamente em dúvida senão já no tempo da Reforma, quando Erasmo, Lutero e
Calvino disputaram tal autoria. A ideia de Lutero, de que Apolo foi realmente o
seu autor tem sido recomendada por muitos eruditos modernos, embora nenhum
deles a considere mais que uma especulação (HALLEY, 1978, p. 578).
Lutero conjecturou que o autor seria Apolo, sem haver evidências de antiguidade,
mas algum apoio indireto (cf. At 18:24; 1 Co 1:12; 3:4-6.22). Outros autores
possíveis seriam Priscila e Áquila e Clemente de Roma, um dos pais da igreja
primitiva (HALLEY, 1978, p. 679).

As diferentes opiniões dos teólogos da Reforma sobre a autoria da homilia,


e.g., Lutero, Calvino, Erasmo de Roterdã, entre outros, demonstram que o assunto
estava longe de ser resolvido nesse período, e que a disputa permaneceria na era
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seguinte.

AUTORES DO PÓS-REFORMA
A fala de alguns teólogos contemporâneos deixa claro que o dilema
relacionado à autoria de Hebreus é um problema que nos alcança. Desde os pais da
igreja até os nossos dias, parece que o esforço para identificar o autor da homilia não
consegue transcender o limite das inferências, conforme se pode apreender a partir
do comentário de Dattler:
Apesar de se manter estritamente anônimo, o autor está presente em cada página de
sua missiva. Logo no primeiro versículo ele se revela como judeu ao se identificar
como descendente dos “nossos pais”. A maneira de falar é tipicamente judaica e
semítica. Igualmente, a menção respeitosa dos profetas faz sentido somente para
um judeu. (DATTLER, 1980, p. 58-59)

Ao que parece, a única certeza que se tem em relação à autoria de Hebreus é


que, uma vez que o texto não apresenta o nome do autor, todos os nomes sugeridos
não passam de um mero produto da especulação e subjetividade. Grangeão
confirma esta ideia, ao dizer que “a autoria de hebreus tem sido dúvida desde sua
publicação. [...] ninguém, desde os tempos antigos, foi capaz de identificar o autor.”
(GRANGEÃO, 2009, p. 578). Daí, as longas listas de nomes propostos. À guisa de
exemplo, mencione-se a lista de Matthew Henry:
Quanto ao escriba divino ou o autor desta epístola, não estamos tão certos; ela
não traz o nome de ninguém no seu início, como fazem as outras epístolas, e tem
havido discordâncias entre os estudiosos com respeito ao autor a quem ela deve
ser atribuída. Alguns a atribuíram a Clemente de Roma; outros, a Lucas; e muitos,
a Barnabé, achando que o estilo e a forma de expressão estão de acordo com o
temperamento zeloso, afetuoso e marcado pela autoridade que Barnabé parece
possuir no relato que temos dele nos Atos dos Apóstolos; e um dos antigos pais da
igreja cita uma expressão dessa epístola como palavras de Barnabé. Mas em geral
ela é atribuída ao apóstolo Paulo (HENRY, 2008, p. 757).

Tendo em vista que as opiniões dos teólogos pós-reforma continuam


divergentes e que vários nomes são sugeridos para preencher o lugar do autor da
homilia, pretende-se, nesta parte do trabalho, apontar os nomes que mais se repetem,
juntamente com os argumentos utilizados para defender ou rejeitar determinado
autor.

ARGUMENTOS A FAVOR DE UMA AUTORIA PAULINA


Percebe-se que a autoria paulina não é mais admitida hoje, conforme afirmam
Attridge e Koester (1989, p. 2): “como é geralmente reconhecido hoje, quem quer
que escreveu Hebreus, certamente não foi Paulo”. Embora essa ideia seja apoiada por
diversos outros autores (ELINGWORTH, 1993), alguns se esforçam por conservar
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o pensamento de que Paulo tenha sido o escritor da homilia.
Para Grangeão e Libório (2009, v. 02, p. 578), a mensagem de Hebreus não
diverge dos escritos de Paulo. Nichol, por sua vez, reconhece a autenticidade da
homilia com bastante veemência:
Concorda-se de maneira geral, que Hebreus foi escrita antes da queda de Jerusalém.
Ora, o número de líderes na igreja era muito pequeno nos anos anteriores a 70 AD.
Qual desses líderes poderia ter expressado um argumento tão profundo como o
apresentado pelo livro de Hebreus? Sem termos de comparação, a pessoa mais
provável é Paulo. Dizer que o autor foi um cristão desconhecido daquele período
primitivo simplesmente propõe um novo problema. Como foi que um cristão que
possuía a compreensão teológica e as faculdades lógicas necessárias para produzir
uma obra como hebreus seria anônimo num tempo quando os líderes cristãos
eram tão poucos e o registro dos militantes cristãos tão amplo? (NICHOL, 2002,
p. 378)

Henry (2008, p. 757) é outro teólogo que defende a autoria paulina. Ele tenta
justificar por que Paulo teria omitido seu nome na homilia ao dizer que “sendo o
apóstolo aos gentios, que eram odiosos aos judeus, [Paulo] poderia ter imaginado
adequado omitir o seu nome, para que o preconceito deles contra ele não os
impedisse de ler e avaliar a epístola como o deveriam fazer”.
Wiersbe (1997, p. 674) estabelece uma relação entre algumas passagens
bíblicas a fim de argumentar a favor de uma autoria paulina. Para ele, a amizade
entre Timóteo e o apóstolo Paulo é uma evidência que confirma a autenticidade
da homilia. Em Hebreus 13:23, percebe-se a afinidade entre o autor e Timóteo:
“Notifico-vos que o irmão Timóteo foi posto em liberdade; com ele, caso venha
logo, vos verei.” Em Coríntios 4:17, Paulo declara abertamente que Timóteo é seu
filho amado: “Por esta causa, vos mandei Timóteo, que é meu filho amado e fiel no
Senhor, o qual vos lembrará os meus caminhos em Cristo Jesus, como, por toda
parte, ensino em cada igreja.” Outro exemplo utilizado por Wiersbe diz respeito a
uma possível correspondência entre Gl 3:11: “E é evidente que, pela lei, ninguém
é justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé” e Hb 10:38: “todavia,
o meu justo viverá pela fé; e se retroceder, nele não se compraz a minha alma.”
(TENNEY & WHITE, p. 368).
Outro argumento foi utilizado por Walvoord e Zuck (1985), ao afirmarem
que Paulo teria escrito aos Hebreus em hebraico, mas Lucas teria feito a tradução do
hebraico para o grego. Pfeiffer e Harrison (1962), por sua vez, utilizam a informação
encontrada em Hb 13:24: “Saudai todos os vossos guias, bem como todos os santos.
Os da Itália vos saúdam” em conexão com At 28:16: “Uma vez em Roma, foi permitido
a Paulo morar por sua conta, tendo em sua companhia o soldado que o guardava”, a
fim de associar Paulo a Hebreus. Estes autores então argumentam que o escritor de
Hebreus estava em Roma quando escreveu a homilia. Eles acrescentam que, sendo
esse o lugar onde Paulo estava no final de sua vida, as passagens bíblicas acima
mencionadas, portanto, ligam o autor de Hebreus a Paulo.
ADENILTON AGUIAR, GRUPO DE PESQUISA - A AUTORIA DE HEBREUS ... | 123

No entanto, a maioria dos teólogos contemporâneos busca refutar todos os


argumentos acima apresentados, rejeitando a autoria de Paulo, conforme se verá a seguir.

ARGUMENTOS CONTRA UMA AUTORIA PAULINA


A indagação encontrada em Hb 2:3: “como escaparemos nós, se
negligenciarmos tão grande salvação?” é, para Hale (1989), uma indicação de que
o autor de Hebreus recebeu a confirmação do evangelho por meio daqueles que
ouviram as palavras da salvação diretamente da boca de Jesus. Ou seja, o autor teria
recebido o evangelho de maneira indireta, não pelo próprio Cristo. Hale (1989, p.
340) acrescenta que
esta ligeira evidência interna apoia a relutância da igreja ocidental primitiva em
aceitar a carta como paulina. É extremamente duvidoso que Paulo pudesse ter
falado de si mesmo como tendo sido firmado no evangelho por aqueles que haviam
ouvido o senhor (2:3). Os fatos da vida terrena de Jesus realmente chegaram a
Paulo provenientes daqueles que foram testemunhas oculares; mas ele insistiu que
seu próprio evangelho veio diretamente de Cristo (Gl 1:12).

Em Gl 1:12, Paulo declara abertamente que o evangelho lhe foi dado


diretamente do Senhor: “porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem
algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo”. Portanto, conclui Hale (op.
cit.) , o autor de Hebreus e o apóstolo Paulo não podem preencher o mesmo
espaço, se a questão “de quem o autor recebeu o evangelho” for um parâmetro
aceitável. Para Hale (op. cit.), há outros pontos dissonantes que merecem
destaque: 1) o anonimato não coaduna com o estilo paulino, uma vez que ele
sempre se identificou pelo nome; 2) teologicamente, o assunto de Hebreus
sobre o sumo sacerdócio de Jesus é sem precedentes na literatura paulina.
Este pensamento pode ser mais bem vislumbrado na citação abaixo:
Teologicamente, há diferenças a serem encontradas entre esta epístola e as cartas
reconhecidas de Paulo. Nada há em Paulo acerca do sumo sacerdócio de Jesus,
e este é o tema central de hebreus. Os diferentes pontos de vista da lei também
devem ser observados: este escritor olha para a lei em seus aspectos rituais, ao
passo que Paulo a vê em seu uso ético, por mostrar o que o pecado é. [...] Paulo
fala da obra redentora da morte de Cristo, ao passo que a ênfase em Hebreus é
sobre a obra de santificação (purificação e aperfeiçoamento) no crente. (HALE,
1989, p. 342)

Para terminar esse tópico, considere-se ainda a declaração de Adams (2009,


p. 730), segundo a qual
muitos estudiosos conservadores da bíblia, em nossos dias, acreditam que a autoria
de Paulo é improvável, uma vez que o estilo polido da escrita do autor, sua oratória
de origem alexandrina, o uso esclusivo da septuaginta, a maneira de apresentar as
citações do Antigo Testamento, o método de argumentação e ensino, e a relutância
em identificar-se na carta são características distintamente não paulinas.
124 | HERMENÊUTICA, VOLUME 11, N.2, 113-130
Carson (1994) sintetiza as ideias acima, comentando que a falta de referências
ao sacerdócio de Jesus nas cartas paulinas e a forma literária de Hebreus são objeções
à autoria de Paulo.
Percebe-se que, portanto, à semelhança do que aconteceu na Reforma, quando
a autoria paulina foi amplamente questionada, a questão sobre quem teria escrito
o livro de Hebreus, uma vez descartada a hipótese paulina, insiste tenazmente na
contemporaneidade.

OUTROS AUTORES
Nesta parte do artigo, pretende-se fazer uma breve exposição dos principais
nomes apontados para preencher o lugar do autor de Hebreus.

APOLO
Após a Reforma, sobretudo a partir das deduções de Lutero, o nome de
Apolo ganhou força na opinião de diversos eruditos, os quais o reconheceram
como alguém que muito bem atende as condições para ser o autor da homilia. A
eloquência de Apolo, conforme se pode apreender de Atos 18:24: “Nesse meio
tempo, chegou a Éfeso um judeu, natural de Alexandria, chamado Apolo, homem
eloquente e poderoso nas Escrituras”, geralmente é mencionada como argumento.
Keener (1993) ressalta sua escolaridade e formação filosófica, e Robertson (1997)
simplesmente se posiciona em favor da autoria de Apolo sem se preocupar em
detalhar as razões por que segue tal pensamento. A única fundamentação apresentada
é a suposição de Lutero: “para mim, eu devo, como Lutero, propor Apolo como o
mais provável autor deste livro” (1997, disponível em Logos Bible Software). A
esta altura, é pertinente o comentário de Girdwood e Verkruyse (1997, disponível
em Logos Bible Software), quando afirmam que “concluir que ele [Apolo] foi [...] o
autor de Hebreus é, na melhor das hipóteses, conjectura”.

BARNABÉ
O primeiro a propor a ideia de que Barnabé é o autor de Hebreus foi Tertuliano.
Alguns teólogos contemporâneos simpatizam com esta suposição. Grangeão
e Libório (2009) sustentam que como Barnabé era levita e, consequentemente,
conhecia bem o sistema dos rituais do santuário do Antigo Testamento, ele pode ser
identificado como o autor da homilia. Adams (2009, p. 730), por sua vez, apresenta
três argumentos. Ele diz que Barnabé
(1) foi nomeado muito cedo na história da igreja como o provável autor; (2) era
nativo de Chipre, e os cipriotas eram conhecidos por sua excelência no grego; (3)
é chamado em Atos 4:36 de “filho da consolação” ou “filho da exortação”(Hb
13:22).
ADENILTON AGUIAR, GRUPO DE PESQUISA - A AUTORIA DE HEBREUS ... | 125

Adams acrescenta que alguns veem a expressão atribuída a Barnabé: “filho


da consolação” ou “filho da exortação” como um indício de que ele seja o autor de
Hebreus, uma vez que o livro se autodenomina uma “palavra de exortação” (Hb
13:22). Entretanto, Stedman (1992, disponível em Logos Bible Software) rejeita a
autoria de Barnabé, e defende sua posição afirmando que
nem Barnabé nem Silas aparecem no Novo Testamento como capazes de escrever
um tratado como Hebreus. Barnabé vacilou teologicamente em Antioquia sob a
pressão dos judaizantes (Gl 2:13) e é visto em Atos como um incentivador caloroso
e amável, mas não como um orador ou mestre (At 14:12).

Destarte, parece razoável a proposta de Attridge e Koester (1989, p. 3),


segundo a qual a improbabilidade de que Paulo seja o autor de Hebreus também
se aplica a Barnabé: se é verdade que o primeiro não pode ser o autor, é igualmente
verdadeiro o fato de que o segundo também não.

PRISCILA
Outro nome que tem sido relacionado como um dos supostos autores da
homilia em estudo é o de Priscila, que, juntamente com seu marido, Áquila, eram
ligados a Paulo como seus cooperadores (Rm 16:3). Adams (2009, v. 02, p. 731)
resume os argumentos em favor de uma coautoria entre Priscila e Áquila da seguinte
forma:
1. Estavam qualificados como professores cultos;
2. Pertenciam ao círculo paulino;
3. Pertenciam a uma das igrejas que se reuniam nas casas, em Roma (provável
destinatário da homilia);
4. “O enigma do anonimato”. O fato de não aparecer o nome do autor pode
ser explicado pelo fato de que em um mundo dominado pelos homes, era
salutar manter a autoria da homilia em anonimato, sobretudo se ela pertencesse
a uma mulher.
Adams acrescenta que
Priscila e seu marido eram judeus helenísticos cultos. Uma mulher que foi capaz
de instruir Apolo na fé (Atos 18:26) pode ser, sem dúvida, considerada uma
ensinadora talentosa.

Attridge e Koester (1989) rejeitam esta ideia afirmando que o uso de um


particípio masculino singular, na autorreferência do autor em Hb 11:32, impede
que Priscila seja vista como a escritora da homilia. Para Dods (apud ADAMS,
2009), algumas expressões da homilia apontam para uma autoria única indiscutível
(Hb 11:32; 13:19,22,23, etc.). Assim, Dods descarta a ideia de que Priscila e Áquila
pudessem ter escrito o livro em parceria. Ele acrescenta que
126 | HERMENÊUTICA, VOLUME 11, N.2, 113-130
não é possível interpretar essas frases que estão no singular como referindo-se a
mais um escritor; mas é possível interpretar os plurais da epístola como referindo-
se a um escritor único ou ao escritor unindo-se aos seus leitores (apud ADAMS,
2009, p. 731).

Como se vê, a disputa pela autoria de Hebreus parece ser uma constante
em relação a todos os nomes propostos. Não seria diferente em relação a Lucas,
cujo nome foi sugerido como autor da homilia, inicialmente, por Clemente de
Alexandria.

LUCAS
Ellingworth (1993) comenta que a sugestão de que Lucas teria escrito a
homilia tem sido vista por alguns como uma maneira de explicar o excelente estilo
grego que se pode perceber no texto de Hebreus.
Adams (2009) lista alguns argumentos em favor da autoria de Lucas:
1. Ele recebeu o evangelho de testemunhas oculares, o que parece corresponder
com a declaração encontrada em Hb 2:3;
2. O grego de seu evangelho demonstra que ele era capaz de escrever uma
obra com a qualidade literária de Hebreus;
3. Apesar de gentio, tinha afinidades com o estilo hebraico;
Este mesmo autor indica algumas razões por que Lucas não poderia ser o
autor de Hebreus:
1. Ele era gentio;
2. O estilo de Lucas de escrever, conforme se pode perceber no Evangelho
e nos Atos, não é oratório, mas narrativo. A semelhança que existe entre o
vocabulário de Lucas e Hebreus não é maior, por exemplo, que as similaridades
que há entre 1 Pedro e as cartas de Paulo;
3. Parece não haver indícios de que Lucas tenha sido influenciado pela retórica
alexandrina.
Enfim, conforme observou Ellingworth (1993, p. 14), embora haja uma
correspondência lexical entre Lucas e a homilia, “a ausência em Lucas-Atos de
temas como o descanso sabático e o sumo sacerdócio de Cristo, que são centrais
em Hebreus, não podem ser explicados em razão da diferença de propósito ou de
gênero apenas”, de modo que, mais uma vez, a proposta de um novo nome, não
resolve o dilema da autoria de Hebreus.

CONCLUSÃO
Ao longo dos séculos a disputa pela autoria de Hebreus tem oferecido um
dilema que intriga a mente de eruditos do Novo Testamento. Uma lista, em alguns
ADENILTON AGUIAR, GRUPO DE PESQUISA - A AUTORIA DE HEBREUS ... | 127

momentos exaustiva, de nomes que poderiam ocupar o espaço do escritor desta


homilia tem sido proposta por dezenas de teólogos desde os primeiros séculos
da igreja cristã até os autores contemporâneos. A multiplicidade de ideias e de
interpretações é uma demonstração de que se está pisando em um terreno cujos
enigmas transcendem ainda à possibilidade de decifrá-los, e de que, portanto, uma
conclusão definitiva não pode ser vista mais do que por vislumbre.
Apesar do mar tempestuoso de incertezas, este estudo aponta para algumas
ideias as quais parecem ser arvoradas pela maioria dos estudiosos. Esses pensamentos
podem ser resumidos da seguinte forma:
1. Embora a autenticidade da homilia tenha sido disputada por séculos, isto não
se aplica à sua canonicidade e autoridade (GIRDWOOD & VERKRUYSE,
1997);
2. Quanto a quem é o escritor, “de Orígenes a eruditos contemporâneos, os
estudiosos ainda estão desesperados por identificá-lo” (EVANS & OGILVIE,
1985);
3. A única questão quase universalmente livre de controvérsia diz respeito
ao fato de que a homilia não veio da pena do apóstolo Paulo. Isto tem sido
reconhecido pela grande maioria dos teólogos do Novo Testamento (LANGE
et. Al, 2008);
4. O parecer de Orígenes, pronunciado há quase vinte séculos, resume bem
a confusão de opiniões que marcou o debate por todo esse tempo e que
caracteriza, ainda, a perturbação entre os teólogos contemporâneos: “Mas
quem escreveu a epístola, na verdade só Deus sabe.”
À guisa de conclusão, apresente-se o pensamento de Lane (2002, disponível
em Logos Bible Software), ao declarar que “tudo o que se pode dizer com certeza
é que Hebreus foi composta por um teólogo criativo, que estava bem treinado na
exposição das Escrituras Gregas.”

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