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INTRODUÇÃO
O Texto Constitucional brasileiro prescreve que toda decisão deve ser fundamentada.2 A
fundamentação na qual se refere a Carta Magna é aquela pautada sob os auspícios do Direito
Democrático, que para ser legítima, deve guardar conformidade com os institutos jurídicos,3
prescritos na Constituição.
A fundamentação do Direito não é algo pronto e acabado. Sob uma perspectiva histórica,
vislumbra-se que a decisão judicial assume enfoques diferentes, procurando adequar-se às
necessidades da sociedade e ao sistema vigente.
Nesse ínterim, infere-se que a interpretação do Direito adquire conotações distintas, tendo
em vista sua consonância com o paradigma de Estado eleito pela Constituição.
Em uma análise histórica, apresentam-se três paradigmas clássicos constitucionais de
Estado: Estado Liberal de Direito, Estado Social de Direito e Estado Democrático de Direito.
Cada Estado, com suas particularidades (características essenciais e específicas), possui
uma forma de encarar e interpretar o Direito, sendo a Constituição o referente lógico lingüístico
hermenêutico.
O paradigma de Estado, estampado no preâmbulo do Texto Constitucional, exerce
funções de limites para interpretar. Os princípios estatuídos pelo Estado (que fora eleito pela
Constituição) são considerados fundamentos norteadores do provimento final.
A fundamentação das decisões judiciais, sob a óptica do paradigma constitucional do
Estado Democrático de Direito, tema central do presente trabalho, passa por uma reconstrução e
uma releitura do Direito. Amparado por contribuições dos Estados que antecederam o
democrático (Liberal e Social), pugna a construção da norma patrocinada pelos institutos
jurídicos constitucionais.
Neste contexto, a fundamentação das decisões judiciais, no Estado Democrático de
Direito, legitima-se por ser construída, pelos partícipes da procedimentalidade instaurada,
realizada em um espaço discursivo, tendo como referente lógico-jurídico os princípios
institutivos do processo estampados no Texto Constitucional.
A presente pesquisa, portanto, desenvolver-se-á sob a análise dos seguintes aspectos: a
influência principiológica da Constituição no modelo decisional-processual e a sua correlação
1
O artigo é fruto de monografia de conclusão de curso, apresentada e defendida em 28 de junho de 2006, perante
banca do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais – Unidade Contagem, sob orientação do professor Ms. Dhenis Cruz Madeira.
2
Artigo 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil.
3
De acordo com os ensinamentos do professor Rosemiro Pereira Leal, institutos jurídicos são um conjunto de
princípios (contraditório, ampla defesa, isonomia, do direito ao advogado e do livre acesso à jurisdicionalidade).
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 100.
2
com a fundamentação das decisões proferidas sob a óptica do paradigma do Estado Democrático
de Direito.
Isto porque, hodiernamente, o Direito passa por uma democratização, em que o cidadão se
auto-insere no sistema, sendo co4-responsável pela construção da decisão final.
Desta forma, o estudo, que ora se apresenta, pretende demonstrar que a decisão judicial,
construída sob o panorama constitucional democrático, rompe com as bases tradicionais que
estão arraigadas em compreensões de que o provimento final é um ato solipsista e/ou um senso
inato de justiça advindo da inteligência do julgador.
4
De acordo com a elucidativa lição do professor Dhenis Cruz Madeira: “‘Co’ enquanto prefixo latino (cum) que
designa correlação, companhia, contigüidade, concomitância, a par de, ao lado um do outro; junto; de par.”
MADEIRA, Dhenis Cruz. A cognição no direito democrático. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito Processual
Civil) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 19.
5
Menelick de Carvalho Netto assevera que paradigmas são “pré-compreensões e visões-de-mundo,
consubstanciados no pano-de-fundo (...) das práticas sociais (...) por certos períodos de tempo e em contextos
determinados”.CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o
paradigma do Estado Democrático de Direito. In: Revista de Direito Comparado, v. 3 (1999), maio 1999, semestral,
Belo Horizonte: Mandamentos, 1998, p. 475/476.
6
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2003.
3
(...) O valor liberdade e o valor igualdade não têm o mesmo significado nos Estados
socialistas e nos liberais, nem coincidem as fórmulas do equilíbrio entre eles, cá e lá:
cada Estado concretamente considerado (sempre observadas as variações espaço-
temporais) modela em sua carta política e segundo sua própria tradição o modo de ser
de suas relações com as pessoas que o compõem. Em outras palavras, a intensidade do
poder exerce sobre elas (“magnitude” do poder), expressa no grau de influência sobre a
vida da população e áreas de intervenção estatal define o modo-de-ser político de cada
Estado. E por isso ocupa também lugar de relevância na determinação dos escopos da
jurisdição, uma vez que, como se compreende, esta não visa nem poderia visar aos
mesmos objetivos num Estado socialista e num ocidental de tipo capitalista-liberal; nem
nas democracias européias contemporâneas se vê a jurisdição exercida com os mesmos
fins que nos regimes totalitários que se impuseram em alguns desses mesmos países
ainda neste século.8
Toda interpretação, assim como toda atividade humana, dá-se num contexto histórico,
pressupõem paradigmas e, para usar uma expressão de Habermas, um pano de fundo de
mundo da vida compartilhados, que simplesmente não podem ser, em sua totalidade,
colocados entre parênteses, através de uma atividade de distanciamento ou de
abstração, porque o ser humano não pode abstrair-se de si mesmo, não pode fugir à sua
condição de ser de linguagem; ‘paradigmas’, ‘mundos da vida’ compartilhados são
condições para a interpretação, são condições para a linguagem.9
7
LEAL, Rosemiro Pereira Leal. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 37.
8
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 191.
9
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Tutela jurisdicional e Estado Democrático de Direito: por uma
compreensão constitucionalmente adequada do Mandado de Injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 132.
10
MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. 3 ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p.113.
4
com a realidade econômica e social de cada Estado, conforme será demonstrado nos tópicos
seguintes. Merece destaque a elucidativa lição de Habermas:
11
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a faticidade e validade. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, volume II, p. 181.
12
MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. 3 ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 37.
5
Ao Estado liberal burguês interessa o dogma da completude da lei como forma de o juiz
garantir, em qualquer eventualidade, as liberdades negativas da intervenção do Estado
na órbita indevassável dos direitos individuais (...).13
(...) no Estado Liberal o juiz deveria se portar como um autônomo aplicador da lei (até
porque o Direito a ela se reduzia), lançando a mão de um raciocínio lógico-dedutivo
para aplicar a norma (rectius: texto) ao caso concreto. Essa operação estritamente
subsuntiva, tão típica do silogismo, não permitia incursões interpretativas de nenhuma
natureza, tendo em vista que se reputava o texto normativo como infenso a expressões
vagas ou indeterminadas.14
Destarte, conclui-se que o provimento final, neste caso, não possui amparo material para a
concretização da norma ao caso concreto, vez que a interpretação restringe-se na mera subsunção
da norma à realidade fática. A atividade hermenêutica do julgador não se preocupava em
observar as peculiaridades do caso concreto, pois a decisão judicial se alicerça em elementos
puramente formais e abstratos, qual seja: a universalidade das leis, que se aplicavam a todos os
casos, como se todos fossem iguais (igualdade formal).
Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho, neste Estado é assegurado ao cidadão uma
igualdade de direitos e não de fato, por isso verifica-se a ocorrência desenfreada da desigualdade,
in verbis:
A igualdade dos indivíduos é apenas teórica, de direito, bem como a igualdade política.
A concorrência favorece os fortes, criando desigualdades. Aparece uma sociedade
desequilibrada.15
Neste ínterim, os princípios fundamentais, sob a óptica liberal, visavam a garantir tão
somente às liberdades negativas, que “constituíam-se em direitos de defesa ante o Estado e não
como direitos de participação política na comunidade”.16
Os direitos e garantias fundamentais do Estado Liberal reduziam-se em: garantia dos
direitos individuais, a livre concorrência e a não intervenção estatal nas atividades privadas, ou
seja, preconiza-se a igualdade, a liberdade individual, e a propriedade.
Neste contexto, o indivíduo, na busca de interesses próprios (liberdade de mercado),
procura encontrar sua felicidade17, por isso o Estado tem por propósito garantir as liberdades
13
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p.99.
14
MACIEL, Omar Serva. Princípio de subsidiariedade e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2004, p. 90.
15
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias
constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995, p.02.
16
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e novos paradigmas como pré-
compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 273.
17
MADEIRA, Dhenis Cruz. Paradigmas de Estado e Modelos de Processo. Palestra ministrada na Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade Contagem. Seminário com o tema: Estado Democrático de
Direito. Palestra realizada em 10/11/2005.
6
18
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 26.
19
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6 ed. Coimbra: Almedina,
2002, p. 97.
20
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 26.
21
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, v 1, p. 44.
22
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e novos paradigmas como pré-
compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 273.
7
conduziram às desigualdades gritantes, surge o Estado Social de Direito para tentar corrigir os
erros do Estado Liberal, empenhando-se em realizar uma releitura dos conceitos de liberdade,
igualdade e propriedade. À vista disto, André Del Negri dispõe que:
Com o início de uma nova era social, o Estado intervencionista toma corpo e em nome
da solidariedade substitui-se a individualidade. O interesse coletivo passou a ter maior
importância que o individual e a sociedade se fortalece surgindo os primeiros
delineamentos de um Estado mais presente e atuante, se comparado ao Liberal.23
Diante das profundas desigualdades sociais, oriundas do Estado Liberal, surge, como
segundo paradigma constitucional, o Estado Social de Direito. Nesta conjuntura histórica,
aparece um Estado interventor que, na busca de um bem-estar-coletivo, utiliza-se do processo
judicial como instrumento de realização da justiça e da paz social. Nos ensinamentos de Mário
Lúcio Quintão Soares:
Assim é que os deveres do Estado, antes negativos, assumem também caráter positivo,
no sentido de que o Estado deve agir efetivamente para garantir os direitos sociais
mínimos à população, tais como educação e saúde.26
23
DEL NEGRI, André L. Controle de Constitucionalidade no processo legislativo: teoria da legitimidade
democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 23.
24
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e novos paradigmas como pré-
compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 294.
25
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e novos paradigmas como pré-
compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 289.
26
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 27.
8
Nesse sentido, observa-se que, o Estado amplia suas funções, vez que intervém nas
esferas privadas para garantir a efetividade dos direitos sociais. Tem-se, portanto, uma idéia de
tutela do Estado ao cidadão, pois aquele passa a estar presente em todos os setores da vida
humana, transformando-se no centro da vida política, jurídica, social e econômica.28
A preocupação do Estado em materializar os direitos enseja novos métodos de interpretar
o texto normativo, nos quais permite ao juiz uma maior liberdade quando construir uma decisão.
Assim, não mais se admite uma interpretação na qual fica o julgador adstrito à literalidade da
norma, faz-se necessário, por conseguinte, uma interpretação que atualize o texto da lei.
A atividade hermenêutica do julgador não é mais concebida como mera subsunção da
norma ao caso concreto (interpretação mecânica). O julgador, neste novo contexto, realiza a
interpretação atualizando o texto normativo à realidade fática, ou seja, estuda-se a mens legis29 –
momento de aplicação da lei. Rosemiro Pereira Leal, ao fazer menção ao Estado Social, dispõe
que:
(...) o juiz deve manejar o Processo a serviço do interesse público, do bem-estar do povo
e da paz social em critérios metajurídicos em que só ele estaria apto a dizer onde
prevaleceriam o interesse social, a celeridade dos litígios, a conveniência das
antecipações de tutela, das liminares e das cautelas em geral. Vê-se que o chamado
instituto da discricionariedade (...)30
Assim sendo, compreende-se que caberia ao juiz analisar o caso concreto à luz da justiça,
isto é, em prol da coletividade e dos interesses sociais, a decisão judicial encontrava-se
plenamente válida, ainda que não observasse os textos legais31. Neste mesmo sentido, salienta
Rosemiro Pereira Leal:
(...) ao Estado social de direito (Welfare State) interessam as lacunas da lei para o juiz
livremente decidir habilidosamente em parâmetros de conveniência (Common Law) os
27
MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. 3 ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 58.
28
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 362.
29
Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “a mens legis corresponde, assim, ao juízo axiológico que razoavelmente se
pode considerar como instalado no texto legal. Ao juiz cabe esse trabalho de descoberta” – A instrumentalidade do
processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 360. Portanto, analisar a mens legis significa interpretar a
norma atualizando-a ao momento de sua aplicação.
30
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.46.
31
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 28.
9
conflitos que possam colocar em desequilíbrio o sistema social a ser mantido em suas
bases de tradição e autoridade. 32
Assim sendo, o cidadão “entrega toda sua sorte à autoridade”35, vez que o processo é
definido como atividade jurisdicional exercida pela figura solipsista do julgador que, de acordo
com suas convicções, procura levar a paz e a felicidade a todos os indivíduos da sociedade.
Destarte, conclui-se que, sob a óptica do paradigma social, os conflitos, sociais e
econômicos, devem ser pacificados a qualquer custo pelo Estado-juiz, ainda que não observe os
preceitos fundamentais dispostos na Constituição.
Neste aspecto, as decisões judiciais não têm amparo constitucional, vez que são
fundamentadas em “fins metajurídicos de justiça ou clamor social”36. Assim sendo, o direito não
contempla com os requisitos de legitimidade e validade, qual seja, positivação e fundamentação
(observância aos princípios constitucionais).
Vislumbra-se, aqui, a “mitificação da autoridade”37, pois segundo um critério de justiça, o
julgador escolhe entre valores e ideologias os argumentos para fundamentar suas decisões. O
cidadão, portanto, fica a mercê do decididor, entregando-lhe toda sua sorte, pois acredita,
fielmente, que a decisão proferida tem por finalidade o bem estar coletivo e a justiça social.
Com a busca incessante de realização da justiça, as decisões judiciais, sob a óptica do
paradigma constitucional do Estado Social, são proferidas sem a preocupação com as garantias
constitucionais. Nesse limiar, surgem vários questionamentos acerca da legitimidade e
fundamentação do direito, conforme dispõe André Cordeiro Leal:
32
LEAL, Rosemiro Pereira Leal. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p.99.
33
HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Trad. Anderson Fortes Almeida e Acir Pimenta
Madeira. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, n. 3, jan./jun./1995, p. 113.
34
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p.
360.
35
MADEIRA, Dhenis Cruz. Paradigmas de Estado e Modelos de Processo. Palestra ministrada na Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade Contagem. Seminário com o tema: Estado Democrático de
Direito. Palestra realizada em 10/11/2005.
36
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 135.
37
MADEIRA, Dhenis Cruz. Paradigmas de Estado e Modelos de Processo. Palestra ministrada na Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade Contagem. Seminário com o tema: Estado Democrático de
Direito. Palestra realizada em 10/11/2005.
10
38
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 28.
39
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Tutela jurisdicional e Estado Democrático de Direito: por uma
compreensão constitucionalmente adequada do Mandado de Injunção. Belo Horizonte: Del Rey. 1998, p. 43.
40
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 31.
11
41
CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do
Estado Democrático de Direito. In: Revista de Direito Comparado, v. 3 (1999), maio 1999, semestral, Belo
Horizonte: Mandamentos, 1998, p. 481.
42
A inafastabilidade dos princípios é vista no sentido de que, diante de um caso concreto ou de uma situação
específica, um princípio poderá ser preterido em relação a outro, mas isso não significa que será retirado do
ordenamento jurídico. Ao contrário, quer dizer que, diante daquela situação jurídica, um princípio será afastado para
dar lugar a outro somente para solucionar o caso concreto, assim, será analisada a preponderância de um princípio
em face de outro, o que não significa invalidar qualquer um deles. Por isso que se fala que princípios colidem, e este
problema é solucionado verificando qual princípio é mais adequado (adequação no sentido de aplicação: aplicável ou
não aplicável à situação concreta) para incidir na resolução do caso específico. Menelick de Carvalho Netto explica
que: “Os princípios, ao contrário das regras, como demonstra Dworkin, podem ser contrários sem ser
contraditórios, sem se eliminarem reciprocamente. E, assim, subsistem no ordenamento princípios contrários que
estão sempre em concorrência entre si para reger uma determinada situação”. CARVALHO NETTO, Menelick de.
Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. In: Revista de
Direito Comparado, v. 3 (1999), maio 1999, semestral, Belo Horizonte: Mandamentos, 1998, p. 482/483.
Ao contrário dos princípios, as regras sim, conflitam, e quando isto ocorrer, uma será invalidada em face da outra,
havendo sua retirada do ordenamento jurídico, pois o problema do conflito de regras é solucionado a partir da
validade.
43
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p.31.
44
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 96.
12
Decidir, portanto, não pode ser mais conseqüência de um ato solipsista do julgador ou da
mera subsunção da norma ao fato. Este novo paradigma de Estado, o democrático, “requer um
modelo de sociedade aberta com uma teoria discursiva do Direito”46. Neste sentido, os partícipes
da procedimentalidade instaurada são responsáveis pela construção da decisão. No Estado
Democrático de Direito, os cidadãos participam discursivamente na elaboração da decisão, são,
pois, ao mesmo tempo, autores e destinatários do provimento final, conforme assegura Marcelo
Andrade Cattoni de Oliveira:
45
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.100.
46
DEL NEGRI, André L. Controle de Constitucionalidade no processo legislativo: teoria da legitimidade
democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 23.
47
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: “Uma justificação democrática do
controle jurisdicional de constitucionalidade de leis e do processo legislativo”. Belo Horizonte: Mandamentos,
2000, p. 93.
13
entendimento do que venha a ser justo, injusto, certo ou errado deve ser compartilhado,
e não imposto.
Somente assim, a expressão “povo” deixa de ser um fetiche.48
O Estado Democrático de Direito por ser, em sua base um sistema aberto, proporciona um
espaço para a discursividade no processo pelos destinatários da norma, o que possibilita a auto-
inserção do indivíduo no sistema. O cidadão é, portanto, considerado um intérprete autêntico da
Constituição. Em sua obra, Peter Häberle afirma:
Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto
é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da
norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, o
processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição
que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição.50
A título de esclarecimento, cabe repetir, mais uma vez que, a interpretação da norma e a
construção do provimento final devem limitar-se à Constituição democrática, que é o referente
lógico-jurídico do sistema.
Neste contexto, tendo em vista os princípios fundamentais estampados no Texto
Constitucional brasileiro de 1988, vislumbra-se que cidadania e democracia não estão vinculadas
somente ao voto. O direito de votar é apenas uma parcela mínima da democracia e do exercício
de ser cidadão.51 A inserção do indivíduo no sistema e o exercício pleno da cidadania lhe permite
48
MADEIRA, Dhenis Cruz. A cognição no direito democrático. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito Processual
Civil) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 16.
49
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a faticidade e validade. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, volume I, p. 145/146.
50
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 1997, p. 15.
51
MADEIRA, Dhenis Cruz. Paradigmas de Estado e Modelos de Processo. Palestra ministrada na Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade Contagem. Seminário com o tema: Estado Democrático de
Direito. Palestra realizada em 10/11/2005.
14
Cidadania se legitima pela construção da norma pelos destinatários dela, o que torna
efetivo o princípio da democracia, vez que sob o paradigma constitucional do Estado
Democrático de Direito, não se pode conceber mais uma decisão como ato solitário e subjetivo
do julgador e/ou do silogismo norma e fato.
Insta salientar que, esta auto-inclusão do indivíduo no sistema e sua efetiva participação
nos atos procedimentais devem ser alicerçados pela garantia do princípio constitucional do
contraditório, que vai assegurar um procedimento em isonômica paridade entre as partes, sendo,
portanto, condição sine qua non para instauração do processo e para o estabelecimento da
democracia.
Segundo a Teoria do processo como procedimento em contraditório, de Elio Fazzalari, a
exigência do contraditório se confirma pelo fato de que se o procedimento não estiver revestido
pelo princípio fundamental do contraditório, não há processo. Aroldo Plínio Gonçalves, precursor
desta teoria no Brasil nos ensina que:
De acordo com esta teoria, não se admite mais uma decisão judicial como um ato
solipsista do julgador. O provimento final é conseqüência dos atos construídos pelos destinatários
dele, em argumentos discursivos dispostos no procedimento, realizado em contraditório,
isonomia e em simétrica paridade entre as partes.
Cumpre ressaltar que, não obstante ao magnânimo passo realizado por Fazzalari, quando
procedeu à distinção de processo e procedimento, não o fez elevando o princípio do contraditório
ao status constitucional de direito fundamental. Nestes termos, confirma Rosemiro Pereira Leal:
52
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 150/151.
53
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2001, p.
115.
15
Com o advento das sociedades pós-metafísicas, vislumbra-se que o Direito não pode mais
assentar seus fundamentos em questões éticas, divinas e/ou morais, arraigadas no jusnaturalismo.
O positivismo exige, para a fundamentação do Direito, leis escritas, criadas por autoridade
competente para tanto.
Neste contexto, o indivíduo não obedece mais um Soberano, àquele no qual as leis divinas
lhe outorgavam poderes para governar seus súditos. A vida em sociedade, agora, passa a ser
regida pelas regras escritas, criadas por autoridade legitimada. Os indivíduos são governados por
leis escritas, o que na sociedade pós-tradicional é chamado de dominação legal, assim explicado
por Max Weber:
A sociedade positivista, regida por leis escritas, visava a garantir, como objetivo precípuo,
a segurança jurídica. Nesse sentido, os positivistas buscavam organizar o Direito em um sistema
fechado, hierarquizado, em que as regras são consideradas suficientes ao ordenamento jurídico e
à organização do Estado. O Direito é concebido como um sistema regrado, não atribuindo grande
54
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.97.
55
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.109.
56
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução: Regis Barbosa e
Karen Elsabe Barbosa. 3 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000, p. 141.
16
importância aos princípios. Isto porque, diante do considerável valor conferido às regras, os
princípios somente poderiam ser aplicados de forma subsidiária, ou seja, para suprir as lacunas da
lei. André Cordeiro Leal, em esclarecida exposição, dispõe que:
Se a sistematização era dada pela hierarquia legal, pouca importância se atribuía aos
princípios. Nessa concepção, somente serviriam ao suprimento de eventuais lacunas
legais, e, por conseqüência, à reafirmação da quase absoluta suficiência das regras
jurídicas e de seu alto grau de previsibilidade quanto aos fatos sociais. A tese se
afirmava pela vedação legal ao juízo do non liquet (negativa de pronunciamento
jurisdicional apoiada no argumento de inexistência de normas).57
A pretensa busca pela segurança jurídica não foi atingida pelos positivistas, visto que,
muitas das vezes, as regras jurídicas não se adequavam ao caso concreto. Assim, perante a lacuna
da lei, ao julgador era permitido proceder a uma livre investigação, utilizando-se de analogias,
costumes e Princípios Gerais do Direito. Diante disto, verifica-se o rompimento com a legalidade,
pois além da decisão ser concebida como um ato subjetivo do julgador, a fundamentação do
provimento final é baseada em disposições extra-sistêmicas. A legitimidade do Direito passa a
ser questionada, pois, nestes casos, o juiz cria normas, apoderando-se de um papel que é do
legislador.
A título de esclarecimento, cabe aqui proceder a uma ressalva: para os positivistas, uma
norma é legítima se criada por uma autoridade competente e se observados os procedimentos
formais legislativos. Sob a óptica do paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito,
como se verá mais adiante, isso somente não é o suficiente para a legitimação do procedimento.
Para que o provimento final seja legítimo, é necessário que seja construído em conformidade com
os princípios constitucionais, devendo o procedimento realizar-se de forma discursiva e
democrática, pelos destinatários da norma de decisão.
Como no positivismo a aplicação dos princípios é meramente subsidiária, verifica-se que
não possuíam caráter normativo, pois conservavam a função de apenas colmatar lacunas ou de
informar de regras, o que é inconcebível na atual conjuntura paradigmática do Estado
Democrático de Direito.
É somente no pós-positivismo que os princípios são elevados ao status constitucional,
neste sentido, são concebidos como referente lingüístico hermenêutico, consistindo em âncora e
unidade para o sistema. Sob esta perspectiva, aos princípios são atribuídos força normativa, uma
vez que fundamentam todo o sistema posto. “Nesse contexto, regras e princípios passam a ser
considerados como espécies do gênero normas, e a ambos se atribui força vinculativa no plano
decisório”.58
Assim sendo, os princípios não podem ser considerados como meros valores que têm
apenas a função de informar o sistema, como afirma Walter Claudius Rothenburg, in verbis:
“constituem eles expressão primeira dos valores fundamentais expressos pelo ordenamento
jurídico, informando materialmente as demais normas (fornecendo-lhes a inspiração para o
recheio)”.59
57
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 36.
58
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 38.
59
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999,
p. 16.
17
60
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado Democrático
de Direito: um ensaio de teoria da interpretação enquanto teoria discursiva da argumentação jurídica de aplicação.
In CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Jurisdição e hermenêutica constitucional do Estado Democrático
de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 67.
61
ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 44.
62
O caráter deontológico conferido aos princípios significa que, assim como as regras, informam um dever ser. Os
princípios carregam conteúdos mandamentais (permissivo/proibitivo), por isso que, quanto à natureza, afirma-se que
não há distinção entre princípios e regras, pois a ambos são conferidos o conteúdo deôntico (normativo).
63
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey,
1994, p. 25.
18
Sob esta perspectiva, entende-se que o caráter deontológico e vinculativo dos princípios
fazem com que sejam normativos e informadores de regras. Normativos porque são aplicados
diretamente ao caso concreto; informativos porque quando as regras são aplicadas, concretizam
os princípios, realizando uma aplicação integral dos mesmos. Por isso que se afirma que as regras
devem guardar conformidade, em sua plenitude com os princípios, pois eles informam a
essencialidade do sistema. Portanto, infere-se que a validade/legitimidade das regras e do
provimento final estão vinculados à perfeita adequação aos princípios constitucionais. Nas
palavras de Maurício Delgado Godinho:
É neste sentido que a integridade do Direito é trabalhada por Ronald Dworkin65. Para o
referido autor, uma comunidade baseada em um sistema de princípios concede legitimidade ao
Direito e vinculam os juízes quando na prolatação das decisões. A sociedade, portanto, é baseada
em um sistema jurídico coerente, no qual os princípios são fontes normativas e vinculativas do
Direito. Lúcio Antônio Chamon Júnior, ao discorrer sobre integridade do Direito, esclarece que:
(...) A validade do Direito, melhor diríamos, sua legitimidade decorre do fato de ser
uma ordem em que o princípio da integridade – em uma noção de comunidade de
princípios – permite que os cidadãos respirem um sistema coerente, assentado em uma
comunidade associativa. O Direito vale não em função de uma norma fundamental, mas
em razão de um sistema de princípios que, como diria Dworkin, está na base e confere
legitimidade às decisões das instituições políticas. E, justamente por ser força legítima,
vincula os juízes em suas decisões particulares perante o caso concreto. Encontramos,
então, razão pela qual os princípios compõem a noção de Direito, vinculando os juízes,
e ficando, assim, rechaçada a discricionariedade do juiz em moldes positivistas. (...) A
integridade, portanto, leva a uma vinculação e nega, justamente, a noção de
“liberdade” do juiz por uma questão de legitimidade. Disto conclui-se que os princípios
têm força normativa.66
64
DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito – Clássicos e novos papéis. In: Revista da Faculdade
Mineira de Direito. Belo Horizonte, v. 4. n.° 7-8, 1.° e 2.° sem. 2001, p. 160.
65
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
66
CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio. Tertium non datur: pretensões de coercibilidade e validade em face de uma
teoria da argumentação jurídica no marco de uma compreensão procedimental do Estado Democrático de Direito.
In CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Jurisdição e hermenêutica constitucional do Estado Democrático
de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 97.
67
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999,
p. 258.
19
Diante disto, infere-se que Dworkin entende ser a decisão um ato solipsista do juiz, esta é
a crítica ao qual reporta-se ao autor, vez que o mesmo pauta toda sua teoria a partir da perspectiva
do julgador, entendendo que a interpretação e construção da decisão são um ato solitário e de
responsabilidade deste. Compreende, portanto, que somente os magistrados/julgadores têm
legitimidade para interpretar e construir o provimento final. Eles são, para o autor, intérpretes
autênticos e construtores únicos da norma de decisão.
Conceber a responsabilidade do provimento final como um ato solitário do julgador,
significa afirmar que as decisões são fundamentadas em juízos de conveniência e eqüidade,
advindos da inteligência do juiz. Ao julgador, segundo seus critérios de justiça, sua posição
ideológica e os princípios que orientam a comunidade, compete construir a norma de decisão.
Neste sentido, percebe-se que se cria um espaço que não é fiscalizável70 pelos integrantes
da comunidade, pois apesar da criação da norma ser orientada por um sistema de princípios, o
julgador constrói a norma jurídica para aplicar ao caso concreto a partir de sua compreensão do
Direito positivado e do desenvolvimento do que entenda ser o melhor possível do sistema de
direitos fundamentais.71 Cumpre reafirmar que Dworkin entende que a norma de decisão,
construída pelo juiz, deve ser embasada pelos princípios que orientam e norteiam a
sociedade/ordenamento jurídico.
Para o aludido autor, o ordenamento jurídico, fundamentado por um sistema de princípios
e a interpretação compreendida “como o melhor possível do ponto de vista da moral política
68
De acordo com Marcelo Cunha de Araújo: “No intuito de expor a estrutura da interpretação jurídica, o autor se
utiliza do juiz Hércules (de capacidade e paciência sobre-humanas), que aceita o direito como integridade”.
ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O Império do Direito de Ronald Dworkin. In: Revista da Faculdade Mineira de
Direito. Belo Horizonte, v. 4. n.° 7-8, 1.° e 2.° sem. 2001, p. 133.
69
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito processual democrático.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 23.
70
O professor Dhenis Cruz Madeira, em sua Dissertação de Mestrado afirma que: “No modelo jurídico-democrático,
não se pode conceber um espaço soberano em que esse, sem oportunizar ao destinatário os fundamentos de suas
decisões, veda a fiscalidade popular, olvidando-se, por conseguinte, que ‘a teoria da soberania popular absoluta se
afirmou na titularidade indelegável do povo de construir, modificar ou até destruir o Estado e a ordem jurídica,
porque é o povo que decide suas estruturas’”. MADEIRA, Dhenis Cruz. A cognição no direito democrático. 2006.
Dissertação (Mestrado em Direito Processual Civil) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, p. 16.
71
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado Democrático
de Direito: um ensaio de teoria da interpretação enquanto teoria discursiva da argumentação jurídica de aplicação.
In CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Jurisdição e hermenêutica constitucional do Estado Democrático
de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 68.
20
substantiva,”72 concebe um provimento final que torne efetivo a garantia os direitos fundamentais
dos cidadãos. Desta forma, conclui-se que a decisão não é algo que se possa construir a partir do
que seja preferível (no sentido do que seja melhor (ponderação de valores)). Conforme a teoria do
mencionado autor, a decisão jurídica, ato solitário do julgador, deve ser construída objetivando
garantir a efetivação dos direitos e garantias fundamentais (positivados) dos destinatários da
norma de decisão73.
Tendo como referência o paradigma do Estado Democrático de Direito, não se pode
conceber que o provimento final seja um ato solitário do julgador. Sob a óptica democrática,
infere-se que a norma de decisão deve ser construída por todos os participantes da
procedimentalidade instaurada. O provimento final, neste Estado, é construído em um espaço
discursivo e fiscalizável pelos destinatários da norma, efetivando, portanto, a democracia. Nas
lições do professor Rosemiro Pereira Leal:
72
ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O Império do Direito de Ronald Dworkin. In: Revista da Faculdade Mineira de
Direito. Belo Horizonte, v. 4. n.° 7-8, 1.° e 2.° sem. 2001, p. 133.
73
André Cordeiro Leal, ao discorrer sobre a integridade do Direito, obra de Dworkin, afirma que “(...) o juiz deverá,
ainda, dar sua contribuição para o melhor futuro dessa sociedade, a partir de uma leitura adequada da realidade
social presente, mediante uma reconstrução do Direito com vistas ao futuro institucional – o que torna ainda mais
irrealizável sua tarefa”. LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões: No direito
processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.23.
74
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 32.
75
DEL NEGRI, André L. Controle de Constitucionalidade no processo legislativo: teoria da legitimidade
democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 23.
76
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: “Uma justificação democrática do
controle jurisdicional de constitucionalidade de leis e do processo legislativo”. Belo Horizonte: Mandamentos,
2000, p. 105.
77
MADEIRA, Dhenis Cruz. A cognição no direito democrático. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito Processual
Civil) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 36.
21
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O Império do Direito de Ronald Dworkin. In: Revista da
Faculdade Mineira de Direito. Belo Horizonte, v. 4. n.° 7-8, 1.° e 2.° sem. 2001.
ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos
2003.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito – Clássicos e novos papéis. In: Revista
da Faculdade Mineira de Direito. Belo Horizonte, v. 4. n.° 7-8, 1.° e 2.° sem. 2001.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
GONÇALVES. Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE
Editora, 2001.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação do direito. 4. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2003.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2000, v 1.
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e novos paradigmas
como pré-compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.