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dezembro 2008

LITERATURA

Bandeira religioso (e
libertino)
A edição cuidadosa da antologia “Poemas religiosos e alguns
libertinos”, de Manuel Bandeira, organizada por Edson Nery da
Fonseca, nos permite observar alguns dos caminhos da
inspiração banderiana pouco percorridos pela crítica

Pablo Simpson

Davi Arrigucci Jr., em seu estudo importante sobre Manuel


Bandeira, propôs como uma de suas chaves interpretativas a
noção de humildade. Virtude que é a consciência das próprias
limitações, para um poeta assumidamente “menor”.
Humildade das palavras simples, de todo o dia. Atentas a um
cotidiano de que se buscava extrair, conforme a herança
baudelairiana, o sublime, em seus instantes efêmeros. E que
Arrigucci desvendou no belo poema “Maçã”, onde palpitava
“a vida prodigiosa/ Infinitamente”.

A humildade é um termo carregado de sentido religioso.


Encontra-se no Tratado dos graus da humildade e do orgulho
(1127), de São Bernardo de Claraval, como um primeiro
momento da união do homem com Deus, através do
conhecimento de si e de seu próprio nada: ser de razão e de
morte. Como fonte literária, segundo Erich Auerbach, está no
discurso humilde (sermo humilis) dos textos medievais que,
por sua vez, retomam a pregação evangélica do Cristo, em
que o mistério divino, o sacramento, pode se revelar nos
objetos mais simples: o pão, o vinho.

Tal elevação, Bandeira chamou-a de “alumbramento”, num de


seus poemas do livro Carnaval (1919). Nesse termo, tradução
talvez da iluminação de Rimbaud, Davi Arrigucci Jr. observou
“o mais alto mistério da poesia, sua irrupção repentina e
inexplicada [...] numa forma profana de todo semelhante ao
estilo da humildade que o Cristianismo forjou para comunicar
os mais altos mistérios de sua fé” [1]. Epifania, manifestação
do sagrado, de caráter, por vezes, menos religioso que
profano. Assim, a nudez feminina que permite ao poeta unir-
se à verticalidade do encontro com Deus no poema
homônimo:

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Eu vi os céus! Eu vi os céus!

Oh, essa angélica brancura

Sem tristes pejos e sem véus!

(...)

Vi a estrela do pastor...

Vi a licorne alvinitente!...

Vi... vi o rastro do Senhor!...

(...)

–- Eu vi-a nua... toda nua!

A mulher torna-se ela mesma visão celeste, tema freqüente


aos poetas românticos e suas divas. Muda-se o olhar
transparente do Renascimento na pureza do corpo alvo,
angélico. A luz que irradia é a mesma de tantos poemas,
como a “Canção das duas Índias” ou “Hiato”. Brilha como as
estrelas que percorrem toda a poesia de Bandeira em “Sob o
céu todo estrelado” ou no poema “Estrela da manhã”:

Pura ou degradada até a última baixeza

Eu quero a estrela da manhã.

Outras epifanias

A Editora Cosac & Naify republicou recentemente a antologia


Poemas religiosos e alguns libertinos de Manuel Bandeira,
organizada por Edson Nery da Fonseca. Nela se reuniram
pela primeira vez, em seis conjuntos distintos, poemas de
temática cristã do autor modernista: sobre Deus, a Virgem
Maria, Jesus Cristo, os anjos, as santas. Edição cuidadosa
que nos permite observar alguns dos caminhos da inspiração
banderiana pouco percorridos pela crítica, a despeito da
intuição de Davi Arrigucci Jr., ao vislumbrar em sua poesia um
movimento análogo ao da Encarnação, “através do qual o
mais elevado – o divino – toma a forma do humano”.

São poemas como “O crucifixo”, em que descreve o objeto de


marfim amarelado, herança das mortes sucessivas da irmã,
da mãe, do pai. Pendurado em seu quarto, como na bela foto
que acompanha a edição, com ele o poeta nos afirma querer
“morrer agarrado”, na tentativa de uma salvação, porém,
incerta: “talvez me salve”. Inquietação precoce com a morte
que lhe rendeu poemas como “Pneumotórax”, mas também
um “Programa para depois de minha morte”, em que
expressou o desejo de encontrar São Francisco de Assis, e
em seguida “a contemplação de Deus e de sua glória”.

Manuel Bandeira parece buscar os signos de uma revelação


terrena, milagrosa – “tudo é milagre” em “Preparação para a
morte”. Também uma esperança, sempre menor, que o
coloca em sintonia com outros poetas e vertentes
modernistas: da revista Festa, por exemplo, onde publicava
Andrade Muricy e Cecília Meireles; das epifanias religiosas de
Henriqueta Lisboa ou do primeiro Vinícius de Moraes, embora
sem jamais adentrar o universo da conversão e do

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apostolado de Murilo Mendes e de Jorge de Lima, desde
Tempo e eternidade (1934).

É esse Bandeira, “São João Batista do modernismo poético”,


segundo Mário de Andrade, e não apenas aquele da
desesperança irônica do tango argentino, que nos restitui a
antologia temática de Edson Nery da Fonseca. Poeta que fala
“tão bem de Deus e das coisas sagradas”, como diriam Gilda
de Mello e Souza e Antonio Candido na introdução a seus
poemas [2]. Tradutor de sor Juana Inés de la Cruz e da
conhecida “Oração da Paz” atribuída a São Francisco de
Assis. Capaz de contar de forma sugestiva a história da
“Santa Maria Egipcíaca” ou de escrever “orações” à Nossa
Senhora da Boa Morte, à santa Clara, à santa Teresa. É,
ainda, o poeta de uma curiosa homenagem ao papa:

Baixem as luzes do divino Texto

Pela boca de Vossa Santidade

Para reconduzir a cristandade

Ao aprisco do Pai, ó Paulo VI!

Erotismos

Aos poemas religiosos se juntaram outros, nesta reedição,


chamados “libertinos”. Manuel Bandeira, autor de
Libertinagem (1930), publicou, de fato, textos em que pregou
um amor de gozo físico. Em “Bacanal”, exortou os prazeres
mundanos da bebida, do carnaval, da poesia e das mulheres.
A lira eterna, a grande lira, nela quis desferir “versos
obscenos”, contrariando as prescrições clássicas para as
quais a obscenidade é tema de sátira, como em Gregório de
Matos.

O erotismo de Bandeira é discreto. O corpo feminino,


sugerido de longe, mostra-se nos púbis “longínquos como
Oceanias” da “Canção das duas Índias”, possível diálogo com
o “Soneto inglês no 1”: nudez distante do abandono ao
outro. Esconde-se no poema “A filha do Rei”. É apenas
celebrado em “Não sei dançar”, “Estrela da manhã” ou no
“Rondó do Palace Hotel”, ao qual comparecem prostitutas
numa espécie de oração paródica. Nos braços da Colombina,
um “Pierrot místico” – poema tão belo, ausente da coletânea
– é aquele a recusar-lhe, dessa vez, a volúpia, apontando
para “rosas simbólicas”:

A volúpia é bruma que esconde

Abismos de melancolia...

Nada, portanto, dos prazeres do Amor natural (1992), de


Carlos Drummond de Andrade, ou do encanto sensual dos
Poemas da negra (1929), de Mário de Andrade, senão nos
belíssimos “O súcubo”, escrito em 1912, e “Cântico dos
cânticos”, de Opus 10 (1952). A eles talvez se pudesse somar
um outro poema, bem menos discreto, “A cópula”,
curiosamente não incluído, mesmo nas reedições da Nova
Aguilar [Agradeço a lembrança a Pedro Marques, autor de
Manuel Bandeira e a música, Ateliê Editorial, 2008. O poema
pode ser consultado na íntegra aqui.]. Erotismo, no entanto
(pornografia, nesse caso), que reinscreve a dimensão da
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morte de tantos poemas: “Eu morro! Ai, não queres que eu
morra?!”. E ao qual o poeta não deixa de acrescentar, no
arremate do soneto:

Grita um rapaz que aceso como um diabo,

arde em ciso e tesão na amorosa gangorra

E titilando-a nos mamilos e no rabo

(que depois irá ter sua ração de porra),

lhe enfia cona a dentro o mangalho até o cabo.

[1 ] Humildade, paixão e morte, a poes ia de Manuel Bandeira, C ompanhia das


L etras , São P aulo, 1 9 9 2 , p. 1 3 1 .

[2 ] Es trela da vida inteira, N ova Fronteira, Rio de Janeiro, 1 9 9 3 .

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