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Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

Autopoiese, Acoplamento Estrutural e Cognição:


Uma história dessas e de outras noções na biologia da cognição.

Humberto Maturana Romesín (1)

(1) Instituto Matríztico, Las urbinas 87, Apartamento 16, Providencia, Santiago, Chile

Resumo: Minha intenção neste ensaio é refletir sobre a história de algumas noções biológicas
tais como autopoiese, acoplamento estrutural e cognição, que desenvolvi, desde o começo dos
anos de 1960, como um resultado de meu trabalho sobre a percepção visual e a organização do
vivo. Sem dúvida, deverei repetir coisas que disse em outras publicações (Maturana e Varela
1980 e 1988) e deverei apresentar noções que, uma vez que sejam ditas, aparecem como
truísmos óbvios. Acima de tudo, deverei refinar ou expandir o significado de tais noções,
ou mesmo modificá-los. Todavia, em qualquer caso, o leitor não é convidado a atentar aos
truísmos, ou ao que parece ser óbvio, em vez disso, ela ou ele é convidado a atentar às
conseqüências que essas noções envolvem para o entendimento da cognição como um processo
biológico. Afinal, explicações ou demonstrações sempre se tornam auto-evidentes uma vez que
sejam entendidas e aceitas, e o propósito desse ensaio é a expansão do entendimento em
todas as dimensões da existência humana.

Palavras-chave: Autopoiese, acoplamento estrutural, cognição, explicações, autoconsciência

0. Mudanças conceituais

Em 1960, perguntei-me: ”o que deveria ocorrer na maneira de constituição de um sistema para


que eu visse, como resultado de seu operar, um sistema vivo”? Essa era uma pergunta estranha
em uma época na qual todo cientista sabia que, para conhecer algo sobre algo, deveria olhar o
que já estava lá sem interferir com ele. Eu não estava fazendo uma hipótese sobre como o
sistema era. Estava propondo que a relação entre a dinâmica interna do sistema e o resultado
dessa dinâmica interna no domínio no qual eu a observava diria o que era o sistema. Eu
precisava criar o sistema para conhecê-lo.

Em 1965, quando estava estudando visão em cores em pombos, dei-me conta de que não mais
poderia simular que víamos as cores como características de um mundo externo, e que deveria
abandonar a pergunta “como vejo essa cor” e perguntar, em vez disso, “o que ocorre em mim
quando digo que vejo tal cor”. Fazer essa mudança significava abandonar a noção de que existe
um mundo independente externo a ser conhecido pelo observador. E que eu precisava aceitar
que conhecer tem a ver com as interações congruentes de entidades que eram sistemas
determinados estruturalmente, nos quais tudo que acontecia com eles e a eles era
determinado, a todo instante, pelo modo como eles eram feitos (sua estrutura) nesse instante.

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Adotar o fundamento epistemológico implicado nessas mudanças significava que, de agora em


diante, eu não perguntaria o que é, mas me perguntaria por quê critérios uso para validar minha
alegação de que algo é o que digo que é. Além disso, fazer isso implica uma mudança ontológica
fundamental, a saber, a questão fundamental não era mais “o que é, qual a essência daquilo
que observo”? Mas “como faço o que faço como observador no observar”?

Tudo que segue vem dessa mudança epistemológica e ontológica básica em meu pensamento.

1. Autopoiese

1.1 Origem da noção de autopoiese

Em novembro de 1960, um estudante de medicina de primeiro ano me fez a pergunta “o que


começou três mil e oitocentos milhões de anos atrás para que possamos dizer agora que
sistemas vivos então começaram a existir”? Como me dei conta de que, naquele momento, não
poderia responder adequadamente essa pergunta, disse “não posso responder essa pergunta
agora, mas, se você voltar no próximo ano, deverei propor uma resposta”. Portanto aceitei a
pergunta do estudante a ser respondida mais tarde, e, ao mesmo tempo, aceitei a pergunta
para mim mesmo. Fazendo isso, dei-me conta de que, na medida em que não sabia a resposta,
porque não sabia o que fazia dos sistemas vivos sistemas vivos, teria de criar um sistema vivo,
conceitualmente ou praticamente no laboratório. E isso era assim, porque agora tinha de ser
capaz de dizer que tipo de sistemas eram sistemas vivos, para ser capaz de dizer o que
começou quando eles começaram a existir cerca de quatro mil milhões de anos atrás.

Na tentativa de responder essas perguntas, tornou-se óbvio, para mim, que precisava
satisfazer duas condições: uma era a de que tinha de propor uma caracterização da rede de
processos que constituíam sistemas vivos como entidades singulares, rede de processos que
não conhecia; e outra era a de que tinha de propor alguma característica de sistemas vivos que
então conhecia como uma referência para decidir que a rede de processos que iria propor era,
de fato, necessária e suficiente para constituir e realizar um sistema discreto particular como
um sistema vivo.

Cerca de dez anos antes, em 1949, quando eu era um estudante de Medicina, mas estava
doente de tuberculose pulmonar em um sanatório nos Andes, dei-me conta de que o que era
peculiar a sistemas vivos era que eles eram entidades autônomas discretas, tais que viviam
todos os processos que viviam em referência a eles mesmos. De acordo, pensei então que, se
um cachorro me morde, ele não me morde, faz algo que tem a ver com ele mesmo. Então, pensei
que, para entender os sistemas vivos e explicar o que acontece a eles e com eles em seu viver,
tinha que considerar como condição fundamental de seu ser como sistemas vivos que eles
existiam como entidades autônomas na forma de dinâmicas moleculares fechadas auto-contidas
de auto-produção abertas ao fluxo de moléculas através deles. E dei-me conta de que, seguindo
esse entendimento, poderíamos dizer que um sistema vivo surgiu na história da Terra no
momento em que uma certa rede de produções moleculares tornou-se fechada sobre si mesma,

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constituindo uma entidade discreta na qual as moléculas produzidas realizavam a mesma rede
de produções moleculares que as produziu enquanto realizava, ao mesmo tempo, suas fronteiras
como uma totalidade autônoma em um meio molecular com o qual estava em intercâmbio
molecular.

Através desse entendimento, minha alegação tornou-se que um sistema vivo era uma entidade
molecular dinâmica, realizada, enquanto unidade, como uma rede fechada de produções
moleculares nas quais as moléculas produzidas por suas interações: a) recursivamente
constituíam a mesma rede de produções moleculares que as produziu; e b) especificavam a
extensão da rede e constituíam fronteiras operacionais que a separavam como uma unidade
discreta em um espaço molecular. Disse tudo isso no entendimento adicional de que, como um
sistema molecular discreto fechado como uma rede de produções moleculares, um sistema vivo
era um sistema molecular aberto ao fluxo de moléculas através dele, na medida em que
moléculas poderiam entrar neles e tornarem-se participantes de sua dinâmica fechada de
produções moleculares, e moléculas poderiam deixar de participar de tal dinâmica molecular,
deixando-a para tornarem-se parte do meio molecular no qual ela existia.

Meu primeiro entendimento completo de como sistemas vivos eram redes moleculares auto-
produtoras discretas fechadas na dinâmica de produções moleculares, mas abertas ao fluxo de
moléculas através delas, aconteceu subitamente no final de 1963. Em uma conversação com
meu amigo, Dr. Guillermo Contreras, eu estava ressaltando um fato que, é claro, ambos
sabíamos, a saber, que ácidos nucléicos participam com proteínas na síntese de proteínas, e que
proteínas participam, como enzimas, com ácidos nucléicos na síntese de ácidos nucléicos, todos
juntos constituindo uma dinâmica circular discreta, apoiada pelo fluxo contínuo de moléculas
que normalmente chamamos metabólitos. Enquanto eu estava desenhando um diagrama dessa
circularidade, exclamei: “É isso! Essa é a expressão mínima da dinâmica fechada circular de
produções moleculares que faz dos sistemas vivos sistemas moleculares autônomos discretos”.

Depois desse evento, passei a ver que os gráficos metabólicos que normalmente estão
pendurados nas paredes de um laboratório de bioquímica, mostrando casos de dinâmicas
moleculares fechadas dinâmicas, não mostram as moléculas envolvidas no processo metabólico
cíclico fechado participando na realização de uma fronteira que faria daquela rede molecular
circular uma entidade discreta no espaço molecular. Penso que esses gráficos metabólicos não
revelaram a noção de autopoiese, ou a possibilidade de conceber-se a autopoiese, porque não
havia o entendimento conceitual de sistemas vivos como sistemas fechados de produções
moleculares, devido à crença de que sistemas vivos tinham de ser caracterizados como
sistemas abertos, em termos do fluxo de energia através deles.

Eu não tinha a palavra autopoiese então. De acordo, no começo do ano de 1964, comecei a dizer
que sistemas vivos eram constituídos como unidades ou entidades discretas como dinâmicas
fechadas circulares de produções moleculares abertas ao fluxo de moléculas através delas, nas
quais tudo poderia mudar, exceto sua dinâmica circular fechada de produções moleculares.
Então falei de sistemas vivos como entidades autônomas discretas organizadas como redes
fechadas de produções moleculares abertas ao fluxo de matérias através delas, enfatizando
sua condição de serem entidades fechadas circulares discretas em sua dinâmica de estados.
Foi apenas em 1970 que escolhi a palavra autopoiese como o nome da organização de sistemas

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vivos como entidades autônomas discretas que existiam como redes fechadas de produções
moleculares, alegando que autopoiese era a condição necessária e suficiente para a
constituição de sistemas vivos, e que eles existiam apenas enquanto sua organização
autopoiética era conservada. Não concebi meu entendimento de sistemas vivos como redes
fechadas autônomas discretas de produções moleculares em um vácuo experimental em 1963,
porque o propus como uma abstração de meu entendimento biológico consciente do
conhecimento biológico da época.

1.2 Sistemas moleculares

Nós, sistemas vivos, somos sistemas moleculares que existimos no domínio molecular
espontaneamente, sem processos externos dirigentes. Na medida em que digo isso, também
alego que a autopoiese ocorre apenas no domínio molecular.

Uma rede fechada de produções moleculares que recursivamente produz a mesma rede de
produções moleculares que a produziu, e que especifica suas fronteiras permanecendo aberta
ao fluxo de matéria através dela, é um sistema autopoiético, e um sistema autopoiético
molecular é um sistema vivo. Como tal, um sistema autopoiético (um sistema vivo) existe
apenas no meio molecular no qual pode operar como uma totalidade na conservação de sua
dinâmica autopoiética através da mudança contínua de sua arquitetura molecular através da
dinâmica molecular térmica espontânea. Portanto um sistema vivo surgirá e será conservado em
qualquer parte do cosmos onde as condições moleculares que o tornam possível aconteçam: um
sistema vivo, enquanto um sistema molecular, ocorre como uma arquitetura molecular
dinâmica fechada que, em sua transformação contínua através da agitação térmica,
continuamente dá origem a si mesma.

Há mais, contudo. O domínio molecular é o único domínio de entidades que, através de suas
interações, dá origem a uma diversidade sem fim de entidades (com arquiteturas
dinâmicas diferentes) do mesmo tipo, em uma dinâmica que pode dar origem a uma
diversidade sem fim de processos recursivos que, por sua vez, dão origem à composição
de uma diversidade sem fim de entidades dinâmicas singulares: moléculas, através de
suas interações, dão origem a moléculas e sistemas dinâmicos de produções moleculares,
em processos difusos e localizados que constituem entidades discretas. Penso que, devido
a essa peculiaridade do domínio molecular, esse é o único domínio no qual sistemas
autopoiéticos podem existir como sistemas singulares discretos que operam através da
agitação térmica e de sua arquitetura dinâmica.

Sistemas moleculares existem apenas na satisfação das condições estruturais de existência


molecular. Portanto a satisfação de tudo que é requerido para processos moleculares
ocorrerem está implícita no entendimento de que sistemas vivos são sistemas autopoiéticos
moleculares. A coisa fundamental que acontece na constituição de um sistema vivo, enquanto
um sistema autopoiético molecular, é sua contínua realização como uma entidade autônoma que
tem uma existência singular discreta que é conservada no contínuo fluxo de moléculas através
dela. Fenômenos biológicos ocorrem exatamente na realização e na conservação de sistemas
vivos como unidades singulares, não na natureza particular de qualquer dos processos que o

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realizam. Qualquer fenômeno que ocorre exatamente através da realização do viver de


pelo menos um sistema vivo é um fenômeno biológico.

Fenômenos biológicos acontecem numa dinâmica que ocorre no presente, sem qualquer relação
operacional ao que chamamos de o passado, ou o futuro. Passado e futuro são noções
explicativas introduzidas pelo observador. O reconhecimento de que sistemas vivos são
sistemas autopoiéticos moleculares tem sido minimizado por alguns biólogos sob a alegação de
que a noção de autopoiese já foi usada por Kant, na medida em que ele pensou em organismos
como totalidades nas quais cada parte existe tanto para quanto por meio do todo, enquanto o
todo existe para e por meio das partes (Kant reimpresso 1952, Kauffman 1995). Todavia o que
digo tem uma precisão além do que Kant jamais poderia ter dito ou imaginado. Estou falando
sobre como um sistema vivo é operacionalmente constituído como um sistema molecular
singular discreto que surge, enquanto uma arquitetura dinâmica, como um resultado não
decidido espontâneo das interações de moléculas que operam em relação a sua localidade
imediata, sem qualquer referência à totalidade que elas compõem. Não estou dizendo, como
Kant e outros disseram, que as partes existem para o todo, e que o todo existe para as partes.
Esse é um comentário de um observador em relação ao que ela ou ele pensa, que não revela o
que acontece na dinâmica molecular de uma célula, ou de um organismo. Moléculas interagem
com outras moléculas de uma maneira na qual o resultado de suas interações não participa, em
qualquer momento, na gênese de suas interações. A noção de autopoiese como uma
caracterização da organização que faz de um sistema molecular um sistema vivo é uma
abstração do que um observador vê como um resultado contínuo espontâneo do operar
espontâneo da arquitetura dinâmica molecular que constitui o sistema vivo através de
processos que são estruturalmente congruentes, bem como cegos às conseqüências daquilo que
fazem surgir. Os componentes de qualquer sistema existem como entidades locais apenas em
relação de contigüidade com outros componentes, e qualquer relação das partes para com o
todo proposta pelo observador pode ser apenas uma metáfora para seu desentendimento e não
tem presença operacional. É apenas no colapso de domínios que nós, seres humanos, criamos em
nossas reflexões que o resultado de um processo pode parecer como participando em sua
gênese. Não há nada em um sistema molecular que poderia ser adequadamente pensado como
um princípio organizador ou orientador.

Autopoiese não é algo que possa ser chamado de uma propriedade dos sistemas vivos, porque é
efetivamente sua maneira de ser enquanto a organização que os constitui como entidades
singulares no espaço molecular. Enquanto um sistema autopoiético molecular, um sistema vivo
existe no contínuo fluxo de moléculas através dele na sua realização como uma rede fechada
de processos moleculares que especificam dinamicamente suas fronteiras como uma entidade
móvel singular, flutuante e deslizante em um espaço molecular. De acordo, e repito, sistemas
vivos não são as moléculas que os compõem e realizam-nos momento a momento, eles são redes
fechadas de produções moleculares que existem como singularidades em um contínuo fluxo de
moléculas através deles. De fato, é sua condição de serem dinâmicas moleculares fechadas que
os constitui como entidades separáveis que flutuam no domínio molecular no qual eles existem.
É essa maneira de constituição dos sistemas vivos, enquanto sistemas moleculares, aquilo que
denoto quando digo que não são as moléculas que os compõem como sistemas vivos (quaisquer
que sejam elas) que fazem deles sistemas vivos.

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É claro, sistemas vivos não são únicos em serem sistemas dinâmicos em que não são os
componentes que os realizam em qualquer instante particular. Mencionarei dois casos nos quais
é evidente que o que constitui um sistema dinâmico é sua maneira de composição dinâmica, não
os elementos que o compõem. Um é um tornado, que é um sistema que existe como a maneira na
qual as moléculas de ar que o realizam como uma entidade singular fluem através dele
continuamente, não as moléculas particulares que o compõem a qualquer instante. Um tornado
congelado não seria um tornado. Outro é um clube, que existe como uma rede discreta de
conversações realizada por pessoas que mudam no curso dos anos, mas o qual permanece o
mesmo clube enquanto a rede de conversações que o define é realizada e conservada através
de interações das pessoas que são seus membros, a qualquer momento. Os elementos que
compõem um sistema não são seus componentes por si mesmos, são seus componentes apenas
enquanto participam em sua composição e apenas enquanto assim o fazem. Então uma molécula
particular é um componente de um sistema autopoiético apenas enquanto participa na dinâmica
molecular autopoiética que o constitui, e deixa de ser um componente dele na medida em que
deixa de participar em tal dinâmica.

1.3 Conservação e processos históricos

A noção de conservação é uma noção fundamental, de que estava consciente desde que era um
estudante de Medicina no início dos anos cinqüenta, mas a qual não comecei a usar com total
entendimento até o começo dos anos sessenta. Na verdade, foi quando comecei a pensar sobre
a resposta para a questão sobre a origem de sistemas vivos que se tornou claro, para mim, que
aquilo que normalmente chamamos de relações de conservação não são aspectos dos processos
nos quais os vemos, mas abstrações das coerências estruturais sob as quais o processo
histórico realiza-se. Como tal, a noção de conservação tem um valor heurístico, porque revela
coerências operacionais na matriz estrutural (relacional) da arquitetura dinâmica do domínio no
qual um processo se realiza. Portanto, em 1978, comecei a falar de duas relações (ou leis) de
conservação no domínio da biologia que definiam o curso que processos biológicos diferentes
necessariamente tinham de seguir para sequer acontecerem. São elas a lei de conservação da
organização (autopoiese, no caso de sistemas vivos) e a lei de conservação da adaptação, ou da
congruência operacional com o meio no qual o sistema (um sistema vivo, em nosso caso) existe.
Essas duas leis de conservação são ambas condições relacionais da realização de sistemas vivos
no meio que devem ser satisfeitas para que eles sequer ocorram. Isto é, a conservação da
autopoiese e a conservação da adaptação são condições constitutivas para a realização de um
sistema vivo como tal.

Processos históricos ocorrem, momento a momento, seguindo um caminho constituído, a todo


instante, na conservação de algo que conecta os momentos sucessivos e em torno do qual tudo
mais está aberto a mudanças. Portanto dizer que sistemas vivos são sistemas históricos é dizer
precisamente que existem como entidades singulares em um fluxo contínuo de mudança
estrutural em torno da conservação da autopoiese e da adaptação.

De acordo, não é a mudança que faz da evolução biológica um processo histórico, mas é a
conservação contínua, filogênica e ontogênica, da autopoiese e da adaptação, em torno das
quais tudo mais está aberto a mudanças. Nestas circunstâncias, o que é primariamente

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conservado na história de sistemas vivos é o viver (autopoiese e adaptação). E o que é


secundariamente conservado são as diferentes formas de realização do viver através da
conservação reprodutiva de diferentes maneiras de realização da autopoiese na conservação
da adaptação. Entender a participação dos processos de conservação torna possível o
entendimento tanto do tipo de sistemas que sistemas vivos são quanto da biosfera como um
resultado espontâneo da história de conservação de uma relação organismo/meio na qual os
organismos e seus domínios de existência mudaram juntos congruentemente como um simples
resultado da conservação reprodutiva da realização do viver que começou milhões de anos
atrás. Nesse sentido, a biosfera, como comecei a descrever em minhas palestras desde 1990, é
uma frente de onda histórica de sistemas vivos co-evoluindo na conservação reprodutiva
sistêmica tanto da autopoiese quanto da adaptação (Maturana e Mpodozis 1992 e 1999).

1.4 O viver

Minha afirmação de que sistemas vivos são sistemas autopoiéticos moleculares não é uma
definição nem uma proposição explicativa, é uma abstração das coerências operacionais
evidentes no viver efetivo de sistemas vivos como sistemas moleculares. Portanto minha
afirmação de que sistemas vivos são sistemas autopoiéticos moleculares (e de que podem
existir sistemas autopoiéticos apenas no espaço molecular) é uma alegação sobre o que
constitui sistemas vivos, uma alegação sobre como eles surgiram e uma alegação sobre como
operam na práxis de seu viver. Acima de tudo, como já disse, na medida em que alego que
sistemas vivos são sistemas autopoiéticos moleculares, não faço uma alegação sobre uma
estrutura molecular particular neles, mas faço uma alegação sobre o tipo de rede molecular que
os constitui e o domínio no qual eles existem sem qualquer processo, ou centro de controle
organizador dos processos que o constituem. Nessa visão, ácidos nucléicos (moléculas de ADN)
não são controladores do que acontece nas células, mas elementos que participam na
arquitetura molecular dinâmica que as constitui. Nessas circunstâncias, a alegação de que
sistemas vivos existem como unidades autopoiéticas moleculares autônomas através de
interações em um meio com o qual estão em um intercâmbio molecular contínuo é uma alegação
sobre como eles existem em sua composição interna, bem como sobre como eles existem como
totalidades.

Sistemas, enquanto entidades compostas, têm uma existência dual, a saber, existem como
singularidades que operam como unidades simples no domínio no qual emergem como
totalidades, e, ao mesmo tempo, existem como unidades compostas no domínio da operação de
seus componentes. A relação entre esses dois domínios não é causal; esses dois domínios não se
intersectam, e os fenômenos que pertencem a um não ocorrem no outro. A relação gerativa que
um observador pode ver entre esses dois domínios é uma relação histórica que o observador
faz na medida em que ela ou ele correlaciona a dinâmica do domínio de composição do sistema
com o que acontece com ele enquanto uma totalidade resultante no domínio no qual ele existe.

Consideremos algumas das implicações e das conseqüências do fato de que sistemas vivos são
sistemas autopoiéticos moleculares:

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1) Sistemas vivos existem como entidades singulares que operam como totalidades em
interações no meio onde cada um conserva sua identidade individual sob a forma de um
organismo unicelular ou multicelular. Isto é, sistemas vivos existem como organismos na
realização de seu viver.

2) Um sistema vivo, enquanto um sistema molecular, é um sistema determinado


estruturalmente, e tudo que acontece nele, ou a ele acontece, em cada momento, determinado
por sua estrutura nesse momento. Isto é, nada externo a um sistema vivo pode especificar o
que acontece nele; tudo que um observador vê como externo a um sistema vivo pode apenas
desencadear nele mudanças estruturais determinadas nele.

3) Cada sistema vivo, enquanto um sistema autopoiético molecular, é constituído como uma rede
fechada de produções moleculares na qual as moléculas produzidas através de suas interações
recursivas constituem a mesma rede fechada de produções moleculares que as produziu,
dinamicamente realizando suas fronteiras operacionais como uma entidade singular que opera
como uma totalidade em interações em um domínio molecular. Isto é, as fronteiras de um
sistema vivo não são fixadas pelas moléculas que a realizam, mas emergem na dinâmica
molecular de participação na autopoiese do organismo.

4) Sistemas vivos, enquanto sistemas moleculares, são constitutivamente abertos ao fluxo de


moléculas na realização contínua da dinâmica autoprodutiva fechada recursiva que os constitui
como entidades singulares. Isto é, enquanto sistemas moleculares, sistemas vivos
necessariamente existem no fluxo de matéria e energia.

5) Tudo que acontece na história de sistemas vivos ocorre através de sua realização como
entidades singulares que existem como organismos enquanto em interações com o meio no qual
operam como totalidades. Isto é, fenômenos biológicos acontecem na e através da realização
do viver de sistemas vivos.

6) Sistemas vivos existem em dois domínios: um, o domínio no qual existem como totalidades ou
organismos, que é o domínio no qual realizam e conservam sua identidade como seres singulares
multicelulares ou unicelulares; e dois, o domínio no qual operam como sistemas autopoiéticos
moleculares, o qual é o domínio de sua realização como entidades moleculares compostas. Essa
condição vincula que a dinâmica interna de um sistema vivo (sua autopoiese) ocorra subordinada
à conservação de seu viver como um organismo, e que a conservação do viver do organismo
ocorra subordinada à conservação de sua autopoiese.

Freqüentemente a existência dual de sistemas vivos, em particular, e de sistemas, em geral, é


obscurecida pela noção de propriedades emergentes. Tratando os aspectos que um observador
distingue em um sistema como se fossem intrínsecos a ele, a noção de propriedades
emergentes obscurece a natureza relacional desses aspectos. Todas as características que
nós, como observadores, distinguimos em um sistema pertencem ao espaço relacional no qual
elas emergem na medida em que as distinguimos, e são dimensões de sua existência nesse
espaço. Então, falar de propriedades emergentes na constituição de um sistema é tanto um
erro quanto um engano. Na medida em que um sistema é constituído como uma totalidade, um
novo domínio surge, o domínio no qual o sistema existe como essa totalidade. Portanto dizer

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que a autopoiese é uma propriedade emergente seria um erro. Dizer que a constituição de um
organismo faz surgir uma conduta emergente também seria um erro; a conduta que um
observador vê aparecendo no espaço relacional no qual ela ou ele a distingue não é um traço do
organismo, mas uma dinâmica relacional que surge com a participação do meio enquanto o
organismo interage nele como uma totalidade: a conduta, como uma dinâmica relacional, envolve
tanto o organismo quanto o meio no qual ele existe como uma totalidade.

1.5 Não um princípio explicativo

Uma das dificuldades conceituais básicas no entendimento de sistemas vivos como sistemas
autopoiéticos autônomos surge de nossa atitude cultural que nos leva a pensar em termos de
causas externas para explicar a ocorrência de qualquer fenômeno. Essa atitude nos cega à
natureza espontânea de todos os processos no domínio molecular no qual existimos. Todos os
processos moleculares ocorrem espontaneamente, seguindo um caminho que surge, momento a
momento, de acordo com a dinâmica estrutural das diferentes moléculas envolvidas e com suas
relações particulares de vizinhança a qualquer momento. Isto é, nada ocorre no domínio
molecular através da ação de um agente (causa) externo às coerências estruturais das
circunstâncias nas quais ocorre. Assim, em nossa cultura, ficamos surpresos quando vemos o
que chamamos de ordem aparecendo espontaneamente onde não esperávamos e não vemos uma
causa externa para ela. Quando isso acontece, encontramos-nos em uma dificuldade conceitual
que freqüentemente tentamos evitar ou negar valendo-nos de algum princípio explicativo, que
usamos sem consciência plena, como se fosse a causa externa dessa ordem inesperada.

Isso é, penso, o que tem acontecido com o uso da noção de autopoiese, na medida em que ela
tem sido freqüentemente tratada como um princípio explicativo. Mas a noção de autopoiese
como indiquei acima não é um princípio explicativo, é um mecanismo gerativo que, quando em
operação, resulta no que distinguimos como um sistema vivo. A autopoiese acontece
espontaneamente quando as condições dinâmicas moleculares que podem fazê-la surgir ocorrem
em um processo que se realiza sem orientação externa ou interna. Acima de tudo, como disse
acima, alego que sistemas autopoiéticos existem apenas no domínio molecular, porque o domínio
molecular é o único domínio no qual as interações entre os elementos que o compõem produzem
elementos do mesmo tipo como um resultado espontâneo de sua dinâmica estrutural. Além do
mais, aleguei desde 1971, em minhas palestras, que a autopoiese (molecular, é claro) era a
condição tanto necessária quanto suficiente para a constituição e a realização de sistemas
vivos. Mais tarde, enquanto respondendo às questões sobre se existiriam outros sistemas
autopoiéticos em outros domínios, e se eles seriam sistemas vivos ou não, pensei que talvez
fosse possível que sistemas autopoiéticos pudessem existir em outros domínios diferentes do
molecular. Todavia, na medida em que me tornei mais consciente das singularidades do domínio
molecular, dei-me conta de que é apenas no domínio molecular que sistemas como sistemas
vivos podem existir, porque é apenas nesse domínio em que a autopoiese pode realizar-se.
Deixe-me ser explícito.

O espaço molecular é peculiar em que:

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a) É constituído por entidades compostas dinâmicas (as moléculas) que, como um resultado de
suas interações, produzem, através de composição e decomposição, elementos de seu mesmo
tipo (isto é, novas moléculas).

b) A composição e a decomposição dos elementos desse espaço (as moléculas) ocorre enquanto
esses elementos existem como entidades compostas em agitação térmica, que
operacionalmente constitui a energia de sua composição e sua decomposição.

c) O curso das composições e das decomposições que os elementos desse espaço fazem surgir
em suas interações é determinado, a todo instante, pela arquitetura dinâmica da composição (a
estrutura) dos elementos inter-atuantes (as moléculas).

Nestas circunstâncias, o espaço molecular é um espaço no qual todas as estruturas compostas,


ou os sistemas que surgem através das interações das moléculas nele surgem em uma
arquitetura molecular dinâmica espontânea sem a orientação de qualquer força, princípio plano,
ou informação organizadora. Não há outro domínio como esse, no qual as interações dos
elementos que o constituem geram, através de sua composição, outros elementos do mesmo
tipo através de agitação térmica e sem apoio externo. Então, alego que os elementos dos
domínios sub-molecular e supramolecular não podem, por si mesmos, fazer surgir sistemas
autopoiéticos como entidades singulares constituídas como redes fechadas de produções de
componentes que não precisam de apoio externo para operarem como tais.

De acordo, um sistema vivo existe como um sistema autopoiético no espaço molecular. Mas, ao
mesmo tempo, um sistema vivo existe também como um organismo em um espaço
supramolecular, onde ele surge como uma totalidade através de suas interações como um todo
enquanto é constituído e conservado como um sistema autopoiético molecular. (...) singularidade
supramolecular dinâmica através da autopoiese de seus componentes celulares. Isto é, um
organismo é um sistema autopoiético através de sua composição molecular, não através de sua
existência supramolecular. A autopoiese descreve a constituição de sistemas vivos como
sistemas moleculares discretos.

1.6 Domínios de existência

A autopoiese descreve a dinâmica interna que constitui um sistema vivo como um sistema vivo
no domínio molecular, mas um sistema vivo também existe como uma totalidade em um espaço
relacional em que opera como um organismo. A constituição de sistemas vivos como sistemas
autopoiéticos envolve sua constituição como organismos como um resultado da constituição de
suas fronteiras operacionais, que separam as moléculas que dinamicamente participam de sua
autopoiese daquelas que não participam. Então, sistemas vivos existem em dois domínios não-
intersectantes, no domínio de seus componentes, como sistemas autopoiéticos moleculares, e
no domínio no qual operam como organismos (totalidades) no meio que os torna possíveis. Esses
dois domínios não intersectam, os processos que acontecem em um não podem ser reduzidos
aos processos que acontecem no outro. Todavia esses dois domínios fenomenológicos modulam
um ao outro através das mudanças estruturais que acontecem no sistema autopoiético, através

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da dinâmica interna do sistema vivo e através das mudanças estruturais desencadeadas nele
através de sua operação como um organismo no meio que o torna possível.

Um sistema vivo opera, a cada momento, de uma maneira determinada por sua estrutura nesse
momento, todavia, uma vez que a estrutura do sistema vivo está continuamente mudando, a
operação de um sistema vivo em seus dois domínios de existência também está mudando
continuamente ao redor da conservação simultânea de sua autopoiese e de seu acoplamento
estrutural em seu meio cambiante. Nessa mudança contínua entrelaçada da maneira de
realização da autopoiese molecular do sistema vivo e da maneira de relacionar-se do organismo
como uma totalidade, a conservação da congruência operacional do organismo e do meio no qual
ele existe é o que orienta o caminho de mudanças do sistema vivo como uma totalidade.

O entendimento da existência simultânea de um sistema vivo nesses dois domínios é possível


apenas se entendemos que sistemas autopoiéticos moleculares não têm inputs nem outputs no
sentido informacional, e que esses dois domínios se inter-relacionam apenas através das
diferentes mudanças estruturais desencadeadas na corporalidade única dos sistemas vivos por
suas dinâmicas relacionais não-intersectantes correspondentes através de um dos resultados
fundamentais do entendimento de sistemas vivos como sistemas autopoiéticos moleculares.
Como um resultado, a evolução e a ontogenia seguem o caminho da conservação das diferentes
maneiras de viver que surgem no espaço relacional em que o sistema vivo vive como um
organismo.

2. Acoplamento estrutural

2.1 Estrutura e organização

Um sistema determinado estruturalmente é um sistema tal que tudo que acontece nele, ou a
ele, a qualquer instante, é determinado por sua estrutura nesse instante. A noção de
determinismo estrutural não é um princípio explicativo nem uma admissão ontológica, é uma
abstração que fazemos, como observadores, das coerências operacionais nas quais existimos
como sistemas vivos. Nós, sistemas vivos, como sistemas moleculares, somos sistemas
determinados estruturalmente. Existem dois aspectos da constituição de sistemas
determinados estruturalmente que distingo com as palavras organização e estrutura. Estas
duas palavras correspondem a distinções que fazemos na vida cotidiana enquanto manipulamos
qualquer sistema, ou unidade composta ainda que freqüentemente não sejamos consistentes em
usá-las. Agora deverei usar consistentemente a palavra organização para conotar a
configuração de relações entre os componentes, que define a identidade de classe de uma
unidade composta, ou um sistema como uma totalidade, ou uma entidade singular. Também, no
que segue, deverei usar consistentemente a palavra estrutura para me referir aos
componentes e às relações entre eles, que realizam um sistema, ou uma unidade composta como
um caso particular de uma classe particular.

A organização de um sistema é apenas um aspecto das relações realizadas em sua estrutura e


não existe independentemente da estrutura na qual é realizada. Nestas circunstâncias, um

Humberto Maturana Romesín. 11


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

sistema conserva sua identidade de classe e permanece o mesmo enquanto sua estrutura muda
apenas enquanto sua organização é conservada através dessas mudanças estruturais. A
conservação da organização de um sistema é uma condição de existência nele; se a organização
de um sistema muda, o sistema se desintegra, e algo diferente aparece em seu lugar. Esse não
é o caso para a estrutura de um sistema. A estrutura de um sistema é aberta a mudanças e
pode mudar de duas maneiras:

1) A estrutura de um sistema pode passar por mudanças através das quais a organização do
sistema cambiante (sua identidade de classe) é conservada. Deverei chamá-las de mudanças de
estado.

2) A estrutura de um sistema pode passar por mudanças através das quais a organização do
sistema cambiante (sua identidade de classe) é perdida, não é conservada. Deverei chamar
essas mudanças de mudanças desintegrativas.

Nas mudanças de estado, as características operacionais particulares do sistema mudam


enquanto conserva sua identidade de classe. Nas mudanças desintegrativas, na medida em que
o sistema original desaparece, algo diferente surge em seu lugar.

2.2 Organismo e meio

A estrutura de um sistema determinado estruturalmente muda tanto como um resultado de sua


dinâmica estrutural interna quanto como um resultado de suas interações. As mudanças
estruturais surgindo como parte da dinâmica interna de um sistema determinado
estruturalmente seguem um curso que surge determinado, a qualquer momento, pela estrutura
do sistema nesse momento. As mudanças estruturais desencadeadas nas interações de um
sistema determinado estruturalmente surgem, momento a momento, determinadas também por
sua estrutura, mas elas seguem um curso que é gerado, momento a momento, pela sucessão de
encontros com o meio do qual o sistema participa. O mesmo se aplica ao meio enquanto um
sistema determinado estruturalmente, que muda seguindo um curso que surge na interação de
sua própria dinâmica interna com as mudanças estruturais desencadeadas nele pelos sistemas
que interagem com ele. Como uma conseqüência, neste processo, a estrutura do sistema vivo e a
estrutura do meio mudam juntas congruentemente, e o resultado geral é que a história de
interações entre dois ou mais sistemas determinados estruturalmente torna-se uma história
de mudanças estruturais recursivas espontâneas, na qual todos os sistemas participantes
mudam juntos congruentemente até que se separem, ou desintegrem-se. Chamei a dinâmica de
mudanças estruturais congruentes que acontece espontaneamente entre sistemas em
interações recorrentes (de fato, recursivas), bem como a dinâmica estrutural coerente que
resulta, de acoplamento estrutural.

Os sistemas vivos, bem como o meio não-vivo com o qual interagem recursivamente, são
sistemas determinados estruturalmente com estruturas plásticas que mudam seguindo um
curso de mudanças que surge modulado pelo fluxo de suas interações. Como um resultado,
sistemas vivos e seu meio não-vivo mudam juntos congruentemente, formando uma biosfera
como uma rede multidimensional de acoplamento estrutural recíproco, que surge

Humberto Maturana Romesín. 12


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

espontaneamente como um resultado da conservação da autopoiese dos sistemas vivos. Nestas


circunstâncias, um sistema vivo vive apenas enquanto suas mudanças estruturais geradas
internamente ocorrerem com conservação da autopoiese, e seus encontros no meio não
desencadearem nele sua desintegração. Isto é, a desintegração não acontece no sistema vivo
enquanto ele permanece na congruência operacional dinâmica ininterrupta com o meio (vivo ou
não-vivo) através da qual seu viver é conservado. Chamo a coerência operacional entre o
sistema vivo e o meio no qual ele existe de adaptação. Em outras palavras, a história de vida de
um sistema vivo segue como um fluxo espontâneo de contínuas mudanças estruturais que
seguem o caminho, ou o curso no qual o sistema vivo conserva a autopoiese e a adaptação em
seu domínio de existência: um sistema vivo vive apenas enquanto sua organização e sua relação
de adaptação ao meio são conservadas. Chamo este processo de deriva estrutural ontogênica.
Nós, biólogos, não vemos facilmente que a conservação da adaptação é uma relação invariante
que constitui uma condição de existência para os sistemas vivos (e, de fato, para todos os
sistemas), e isso é assim, porque normalmente a tratamos como uma variável no discurso
evolutivo.

O resultado mais fundamental da dinâmica de acoplamento estrutural é que um sistema vivo


nunca está fora de lugar enquanto vive. Chamo o lugar que um sistema vivo ocupa na realização
de seu viver de seu nicho. Como uma conseqüência de viver na conservação da adaptação em seu
nicho, um sistema vivo sempre vai aparecer sabendo como viver nas circunstâncias nas quais ele
vive até que morra: sistemas vivos nunca estão fora de lugar, ou mais ou menos adaptados
enquanto vivem. Na medida em que um sistema vivo vive em seu nicho na conservação
espontânea da adaptação e da autopoiese, o nicho é também seu domínio cognitivo, no domínio
do viver, enquanto vivo. Acima de tudo, é precisamente porque um sistema vivo existe como
uma totalidade como uma arquitetura molecular dinâmica, que é realizada, momento a momento,
de acordo com a operação das coerências estruturais locais de seus componentes moleculares,
que não há um princípio, ou uma força organizacional geral orientando a operação das moléculas
que o compõem na integração de um todo. O sistema vivo como um todo é um resultado da
operação local de suas moléculas componentes, não da realização de um plano. Além disso,
um organismo particular não é um tipo particular de todo por si mesmo, antes resulta como um
todo particular, no espaço relacional no qual é conservado, como um sistema autopoiético
através de suas interações em seu nicho. E é precisamente porque um sistema vivo existe
desse modo que aquilo que constitui a identidade de um sistema vivo como um organismo
particular é a maneira de viver conservada nele através de sua conservação da autopoiese e da
adaptação em acoplamento estrutural.

2.3 Conservação da organização

Um sistema emerge no momento em que a organização que o define, bem como a relação de
adaptação ao meio que torna possível a realização e a conservação dessa organização, começa a
conservar-se. Sistemas surgem, existem e são conservados espontaneamente quando uma
organização particular começa a conservar-se com as circunstâncias relacionais que tornam
essa organização possível. Além disso, o meio no qual o sistema existe também surge
espontaneamente quando o sistema surge, tornando-se, nesse momento, o domínio
fenomenológico definido pelo sistema que o constitui através de sua existência nele. De fato,

Humberto Maturana Romesín. 13


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

todos os sistemas emergem dessa forma, a partir de um ‘background’ que parece caótico ou
desordenado da perspectiva das coerências de sua existência. Isto é, um sistema emerge e
existe na constituição das dinâmicas de interações entre o sistema e o meio que realiza e
conserva ambos, o sistema e seu domínio de existência, através de suas interações recursivas.

Atualmente há muita preocupação quanto ao desenvolvimento de noções como complexidade e


caos, noções que são freqüentemente usadas como princípios explicativos. Penso que noções
como complexidade e caos são metáforas evocativas para as reflexões de um observador que
não revelam os processos envolvidos na constituição de um sistema. Também penso que
formalismos associados a eles permitem computações em domínios que são operacionalmente
isomórficos com esses formalismos. Um formalismo matemático é um sistema conceitual e
operacional que revela as coerências relacionais do espaço que ele define. É por causa disso que
podemos usar formalismos matemáticos para computar mudanças de estado em sistemas cujas
coerências operacionais parecem isomórficas às coerências relacionais que eles especificam.
Mas formalismos matemáticos não fornecem ou criam, por eles mesmos, um entendimento do
fenômeno que o observador explica para ela ou ele mesmo através deles. No mesmo contexto,
podemos dizer que fenômenos biológicos ocorrem na margem do caos, porque podemos usar
alguns formalismos matemáticos como metáforas evocativas. Todavia dizer isso não diz que
tipos de sistemas são sistemas vivos nem mostra como eles existem nos novos domínios que
emergem enquanto sua operação como totalidades começa a conservar-se no fluxo de seu
acoplamento estrutural com o meio (nicho) que emerge com eles. Sistemas vivos, como sistemas
em geral, existem em seu presente como entidades singulares discretas, não nos formalismos
que um observador pode usar para pensar sobre eles.

2.4 Constituição de linhagens

Sistemas vivos emergem espontaneamente, com o emergir espontâneo da autopoiese, quando as


condições relacionais no espaço molecular acontecem. A seguir, a história dos sistemas vivos
começa, com a reprodução, quando condições relacionais acontecem nos sistemas autopoiéticos
e no espaço molecular, de modo que o sistema autopoiético passa por uma divisão espontânea
que resulta na conservação da autopoiese nos fragmentos resultantes ao mesmo tempo em que
na conservação da relação com o meio no qual sua autopoiese pode ser conservada. Chamo esse
processo de reprodução no qual a divisão de um sistema autopoiético resulta na conservação
simultânea da autopoiese e das condições do meio que o faz possível de reprodução sistêmica
(ver Maturana e Mpodozis 1992 e 1999). Se a reprodução sistêmica começa a ser repetida em
uma sucessão de gerações, uma linhagem surge como uma sucessão reprodutiva de sistemas
vivos definidos pela conservação reprodutiva da autopoiese e das condições do meio no qual a
autopoiese pode ser realizada, enquanto a forma de realização da autopoiese e das condições
do meio está aberta a mudanças. Uma linhagem dura enquanto essas condições são
conservadas, e muitos tipos diferentes de sistemas vivos surgirão espontaneamente como
diferentes linhagens definidas pela reprodução sistêmica de diferentes maneiras de viver. O
resultado dessa dinâmica de constituição de linhagens tem sido a diversificação espontânea
das maneiras de viver, em um processo no qual os sistemas vivos e o meio mudaram juntos
congruentemente, fazendo surgir a biosfera como sistemas coerentes de entidades vivas e
não-vivas em um presente cambiante contínuo.

Humberto Maturana Romesín. 14


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

A diversidade de sistemas vivos, portanto, não surge em uma história de competição, mas em
uma história de diversificação que surge na conservação daquilo que vive em um domínio aberto
a variações em torno da conservação da autopoiese e da adaptação (acoplamento estrutural)
(ver Maturana e Mpodozis 1999).

2.5 Percepção

O entendimento de que sistemas vivos são sistemas moleculares autopoiéticos fechados em sua
dinâmica de estados e determinados estruturalmente em sua constituição molecular
esclareceu, para mim, a possibilidade de, em 1965, mudar a pergunta pela percepção de como
vejo o que está lá, para o que acontece para que diga, como um sistema estruturalmente
determinado, que há algo lá? Essa mudança de pergunta foi apoiada em minhas reflexões pelo
meu achado em minhas pesquisas sobre visão em cores, durante os anos de 1963 a 1967
(Maturana, Uribe e Frenk, 1968), de que o sistema nervoso era constituído como uma rede
neuronal fechada que operava gerando uma dinâmica contínua fechada de relações cambiantes
de atividade entre seus componentes neuronais. Embora o sistema nervoso esteja em
interseção estrutural com as superfícies sensoriais e efetoras do organismo, como um sistema
estruturalmente determinado, ele não pode operar como um sistema que faz representações
do meio para computar a conduta adequada do organismo. O que nós, como observadores, vemos
como conduta adequada de um organismo em um meio cambiante é a operação do organismo em
seu domínio de acoplamento estrutural. De acordo, o que nós, observadores, fazemos, pois, é
chamar de percepção o que vemos como conduta adequada de um organismo em uma
circunstância particular, na medida em que comparamos a conduta do organismo com a nossa
própria, enquanto ambos, organismo e nós mesmos, operamos em nossos respectivos domínios
de acoplamento estrutural.

2.6 Explicações

O desenvolvimento do “insight” que conduziu à minha abstração da noção de autopoiese da


dinâmica molecular biológica, conhecida por mim durante os anos de 1960 a 1966, forçou-me a
gerar um quadro conceitual que me permitiria dizer o que queria dizer.

A noção de determinismo estrutural é uma abstração que o observador faz das coerências de
suas experiências. A noção de determinismo estrutural, portanto, não surge como uma
admissão ontológica sobre um domínio de realidades transcendentes, emerge como uma
abstração que compreende as coerências operacionais do nosso viver como seres humanos na
medida em que usamos as coerências de nossas experiências para explicar nossas experiências.
Assim, a noção de determinismo estrutural é, ao mesmo tempo, o fundamento conceitual e
operacional de todas as explicações. De acordo, vivemos em tantos domínios diferentes de
determinismo estrutural quanto vivemos diferentes domínios de coerências operacionais como
seres humanos. E mais, vivemos tantos domínios diferentes de explicações quanto vivemos
diferentes domínios de coerências experienciais que usamos para explicar nossas experiências.

Humberto Maturana Romesín. 15


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

De fato, explicamos nossas experiências (as quais distinguimos como acontecendo conosco)
com as coerências de nossas experiências.

Uma explicação vincula duas condições que devem ser satisfeitas juntas:

1) A proposição de um processo, ou um mecanismo cujo resultado, se permitido operar no


domínio estrutural no qual é proposto, seria que o observador viveria aquela experiência que ela
ou ele quer explicar. Chamo essa condição de proposição de um mecanismo gerativo.

2) A aceitação, pelo observador, de que tal proposição faz o que alega fazer, porque satisfaz
certas condições que ela ou ele põe em seu escutar. Chamo essa condição de escuta para a
satisfação de um critério de validação.

Chamo a primeira dessas duas condições de condição formal e chamo a segunda de condição
informal. A condição formal tem uma forma fixa, a saber, a forma da proposição de um
mecanismo gerativo, que é o que formalmente define uma explicação como tal. A condição
informal pode ser qualquer uma que o observador escolha para usar em seu escutar, de maneira
explícita ou implícita, consciente ou inconscientemente de seu fazer, como uma condição que
deve ser satisfeita pelo mecanismo gerativo proposto por ela ou ele para aceitá-lo como uma
explicação. A condição informal é arbitrária, ainda que seja sua satisfação no escutar do
observador o que faz ela ou ele aceitar alguns mecanismos gerativos particulares como
explicações. A condição informal em uma explicação é o que dá a ela a característica de um tipo
particular de explicação. Sempre pomos alguma condição informal arbitrária em nosso escutar
para aceitar ou rejeitar o que alguém diz, de modo que não é o que é dito que determina a
validez do que aceitamos, mas aceitamos a partir da perspectiva do nosso escutar. É por isso
que chamo de critério de validação a condição informal que o ouvinte põe para aceitar, ou não
aceitar uma explicação.

Em qualquer caso, a condição formal em uma explicação tem um caráter inteiramente


diferente. De fato, que a condição formal em uma explicação vincule a proposição de um
mecanismo gerativo tem duas conseqüências necessárias, a saber:

a) O fenômeno explicado e o mecanismo que dá origem a ele ocorrem em domínios operacionais


(fenomenológicos) diferentes, que não se intersectam.
b) Como conseqüência direta do que é dito acima, explicações não constituem nem podem
constituir reduções fenomenológicas.

Em acréscimo, que a condição informal em uma explicação seja arbitrária, no sentido de que é
aceita em preferências pessoais, também tem duas conseqüências principais, a saber:

a) Há tantos diferentes tipos de explicações quanto há diferentes condições informais que um


observador pode pôr em seu escutar.
b) Se a condição informal que o observador põe em seu escutar não é explicitada, não sabemos
o que observador aceita quando ela ou ele aceita um mecanismo gerativo particular como uma
explicação.

Humberto Maturana Romesín. 16


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

Além disso, tudo o que eu disse é válido para as explicações científicas. Todavia o que é
peculiar à ciência como um domínio explicativo é a condição informal que os cientistas põem em
seu escutar, como uma condição que deve ser satisfeita por um mecanismo gerativo particular
para ser aceita como uma explicação científica. Devo, daqui por diante, chamar essa condição
informal, a qual é, de fato, o que define a ciência como o domínio explicativo que ela é, de
critério de validação das explicações científicas. Esse critério de validação pode ser
totalmente explicitado como um conjunto de quatro operações que um observador deve
realizar em seu viver para poder alegar que ela ou ele está propondo uma explicação científica.
O que é notável é que essas quatro operações são feitas sem nenhuma suposição sobre a
existência de uma realidade independente E isso é assim, porque o que é explicado é sempre a
experiência do observador com elementos de suas coerências experienciais. As quatro
operações são:

1) A descrição de o que um observador deve fazer, para ter a experiência a ser explicada.

2) A proposição de um mecanismo gerativo tal que, se é permitido operar, o resultado seria que
o observador tem a experiência que ela ou ele quer explicar, apresentada no ponto 1.

3) A dedução, a partir de todas as coerências operacionais implícitas no ponto 2, de outras


experiências possíveis para o observador, bem como de o que ela ou ele deve fazer para vivê-
las.

4) A realização do que foi deduzido no ponto 3, e, se acontece como deduzido, o ponto 2 se


torna uma explicação científica.

O critério de validação das explicações científicas apresentado acima não é uma reformulação
idiossincrática do que cientistas e filósofos normalmente chamam de o método científico
experimental, como alguns filósofos e cientistas sugeriram. Os fundamentos epistemológicos
implícitos no critério de validação das explicações científicas e o que é chamado de método
científico experimental são bastante diferentes, apesar de eles parecerem conduzir ao que
parece ser o mesmo resultado, a saber, algo que é aceito como uma explicação. Portanto, na
aplicação do critério de validação das explicações científicas, o observador está totalmente
consciente de que a explicação científica é a proposição de um mecanismo gerativo, enquanto,
no método científico, o observador fala como se ela ou ele estivessem fazendo um modelo, ou
uma hipótese de realidade como algo independente de seus fazeres. Essas diferenças podem
ser apresentadas como segue: o critério de validação das explicações científicas não requer a
suposição implícita ou explícita de uma realidade como algo independente do que o observador
faz enquanto só envolve as coerências operacionais do observador em seu viver. Como
resultado, para ela ou ele, uma explicação científica revela e faz emergir uma expansão
daquelas coerências experienciais apenas. Contrariamente a isso, no uso do método científico
experimental, o observador opera sobre a suposição implícita ou explícita de que há uma
realidade independente do que ela ou ele faz, e espera que suas explicações revelarão essa
realidade, mesmo que, ao menos, indiretamente. Alego que nós, cientistas, dizemos que
aplicamos o método científico experimental, mas o que fazemos, de fato, é aplicar o critério de
validação das explicações científicas sem sabermos que estamos fazendo tal.

Humberto Maturana Romesín. 17


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

Alego que explicações científicas não explicam o fenômeno de um domínio de realidade


independente do que o observador (um cientista, em nosso caso) faz. Um observador se torna
um cientista quando ela ou ele usa o critério de validação das explicações científicas para
explicar suas experiências com as coerências de suas experiências. Também alego que o
observador, por si, não existe como uma entidade transcendental, mas emerge na distinção de
um outro observador e é explicado como um processo biológico por um observador que usa suas
distinções de processos biológicos no curso de seu viver para propor processos biológicos que
fariam emergir o observar (Maturana, em Maturana e Varela, 1980).

2.7 Bases para a alegação

A principal dificuldade que encontramos na tentativa de responder a uma questão é saber, de


fato, quando a respondemos. O poder das explicações científicas apóia-se no fato de que ela
constitui, ao mesmo tempo, ambos, o procedimento que gera a explicação e o critério que diz
quando a explicação foi satisfeita. Alguns autores criticaram a noção de que sistemas vivos são
sistemas moleculares autopoiéticos como não-científica fundamentando-se em que alego que a
condição de autopoiese não pode ser observada diretamente como um aspecto dos sistemas
vivos, porque ela ocorre no fluxo de seu presente cambiante como um processo histórico. Eles
dizem que uma teoria científica deve ter apoio empírico. Sim, de fato! Mas o que constitui o
apoio empírico, ou a validação de uma explicação científica é a verdadeira observação de que o
critério de validação das explicações científicas foi satisfeito no domínio no qual ele é alegado.
Na alegação de que a autopoiese, no espaço molecular, é a organização dos sistemas vivos, duas
coisas são ditas:

1) Como um sistema autopoiético molecular emerge no espaço molecular, um sistema vivo


emerge nele; e

2) Quando um sistema autopoiético molecular emerge, todos os fenômenos biológicos emergem,


ou tornam-se possíveis como uma conseqüência histórica direta ou indireta de sua operação
como sistemas autopoiéticos moleculares.

De acordo, a demonstração científica da alegação de que sistemas vivos são, de fato, sistemas
moleculares autopoiéticos seria mostrar uma de duas coisas: uma seria mostrar que todos os
processos moleculares em sistemas vivos cursam de uma maneira que eles constituem uma rede
fechada de produções moleculares que realiza a organização autopoiética; a outra seria
mostrar que todos os fenômenos biológicos deveriam ocorrer como uma conseqüência direta ou
indireta da operação de um sistema autopoiético molecular, mas que não ocorreriam se a
autopoiese molecular fosse interrompida. Francisco Varela e eu mostramos que esse é o caso
em um livro que chamamos “De Máquinas Y Seres Vivos”, que primeiro publicamos, em 1973, em
espanhol e depois em inglês como parte de um livro, publicado em 1980, com o título
“Autopoiesis ad Cognition”.

Portanto alego que sistemas vivos são sistemas autopoiéticos moleculares, e que tal alegação é
uma explicação científica enquanto alego que autopoiese é a explicação científica do que
constitui o viver.

Humberto Maturana Romesín. 18


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

2.8 Implicações da alegação: autopoiese molecular constitui o viver

Aquilo que nós, cientistas, distinguimos como fenômenos do mundo natural ocorre
espontaneamente. De modo que o mundo natural é, em sua presença espontânea, a prova de sua
própria existência. Isto é, fenômenos naturais ocorrem enquanto ocorrem, e nós, seres
humanos, como observadores, distinguimo-los enquanto distinguimos o que fazemos quando
distinguimos o que acontece em nós ou conosco. Um observador tenta explicar apenas aquelas
de suas experiências (fenômenos) que não parecem óbvias para ela ou ele. E, para fazer isso,
ela ou ele se vale, como disse acima, das coerências de suas experiências e usa-as para propor
um mecanismo gerativo sob a operação do qual aquilo que ela ou ele quer explicar vai aparecer
ou resultar espontaneamente. De acordo, a teoria da autopoiese diz que, quando quer que as
condições estruturais dinâmicas adequadas ocorram no domínio molecular para que entidades
autopoiéticas moleculares surjam, elas surgirão espontaneamente, e um sistema vivo surgirá
como se surgisse do nada. Se ainda as condições para a reprodução sistêmica (divisão de um
sistema com conservação de sua organização nos fragmentos resultantes, juntamente com as
condições do meio que tornam tal conservação possível) do sistema autopoiético molecular
ocorram, o resultado será a formação espontânea de uma linhagem de sistemas autopoiéticos
moleculares. Nessas circunstâncias, qual é a prova de que sistemas vivos são sistemas
autopoiéticos moleculares? Alego que a prova é a própria dinâmica fechada da rede de
produções e transformações moleculares que se torna aparente quando observamos os
processos metabólicos celulares como constituintes de uma dinâmica fechada de produções
moleculares que constitui as próprias fronteiras enquanto é aberta ao fluxo de moléculas
através dela. Muitos cientistas e filósofos não estão conscientes de que explicações são
proposições de mecanismos gerativos ou processos que fazem surgir, no viver do observador, a
experiência (fenômeno) a ser explicada, consideram que explicações devem ser proposições
reducionistas nas quais o que é explicado é apresentado em termos mais fundamentais. Mas
explicações, como proposições de mecanismos gerativos, são constitutivamente proposições não
reducionistas, porque o mecanismo gerativo e seu resultado acontecem em domínios
fenomenológicos não intersectantes (ver Maturana 1990).

Mas há ainda outras dificuldades para o entendimento integral de todas as implicações das
alegações de que sistemas vivos são sistemas autopoiéticos moleculares e de que podem ser
vistos como tais enquanto observamos o metabolismo celular como um todo sistêmico. Essas
outras dificuldades têm a ver, penso, com duas outras alegações que fiz, a saber: que um
sistema vivo não tem entradas (inputs) ou saídas (outputs), e que o observador não pode ver a
organização de um sistema diretamente, porque a organização de um sistema é a configuração
de relações que constituem e definem um sistema como uma totalidade singular através da
conservação no fluxo histórico de sua dinâmica estrutural.

Consideremos primeiro a alegação sobre a ausência de entradas e saídas. Como sistemas vivos
são sistemas determinados estruturalmente, tudo que ocorre neles, ou com eles acontece
determinado em sua estrutura. O mesmo acontece com o meio que os contém, na medida em
que o meio também é um sistema determinado estruturalmente. De acordo, um agente externo
atuando sobre um sistema vivo não especifica nem pode especificar o que acontece nele como

Humberto Maturana Romesín. 19


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

resultado de sua ação. Tal agente externo só pode provocar no sistema vivo uma mudança
estrutural determinada nele. Um agente externo, portanto, não deve nem pode ser tido como
constituindo um “input” para o sistema vivo, porque ele não ”diz” nada ao sistema vivo sobre si,
ou sobre o meio do qual ele provém. O mesmo acontece quando o sistema vivo encontra-se com
o meio: o sistema vivo só pode provocar no meio uma mudança estrutural determinada pela
dinâmica estrutural do meio e não pode ser adequadamente entendido como uma saída do
organismo, porque não “diz” nada sobre si ao meio. É nesse sentido que alego que o sistema vivo
não tem entradas nem saídas, e que sua relação com o meio não pode ser descrita em termos
informacionais. A relação entre um sistema vivo e o meio no qual existe é estrutural, na qual
sistema vivo e meio mudam juntos congruentemente enquanto permanecem em interações
recorrentes. Chamei essa relação de acoplamento estrutural e mostrei que um sistema vivo flui
em seu viver no caminho da conservação do acoplamento estrutural com o meio que o torna
possível até que ele morra: o viver ocorre no caminho de mudanças estruturais que
continuamente resultam na conservação da autopoiese e da adaptação, ou do acoplamento
estrutural (Maturana 1998).

Se não vemos que sistemas vivos não têm entradas ou saídas, não é possível entender a
cognição como um fenômeno natural, e não vemos que aquilo que chamamos de cognição em um
sistema vivo é aquilo que vemos ou consideramos como operação, ou conduta adequada no
domínio no qual nós a observamos. Além disso, se não vemos que um sistema vivo não tem
entradas ou saídas, não podemos ver que o operar efetivo de um sistema vivo em seu viver, que
nos leva a dizer que o sistema vivo sabe o que fazer em seu domínio de existência, resulta de
seu operar enquanto vive em um domínio de acoplamento estrutural que surgiu com ele no curso
de sua epigênese. Acima de tudo, se não entendemos que sistemas vivos não têm entradas ou
saídas, não podemos entender como o domínio de acoplamento estrutural de um sistema vivo,
como o domínio no qual ele realiza seu viver (autopoiese), é, de fato, seu domínio cognitivo
(Maturana 1980, e Maturana e Varela 1988).

A segunda alegação, a saber, que um observador não pode ver a organização de um sistema
diretamente, é relacionada ao fato de que a organização de um sistema é a configuração de
relações que define sua identidade de classe, como aquilo que é conservado e permanece
invariante através das mudanças estruturais de um sistema ao longo de sua história individual.
No caso de sistemas vivos, a autopoiese molecular é a organização que realiza seu viver em um
processo histórico que não pode ser parado e que é aparente só no resultado de seu operar,
não nos componentes que a realizam. Então a organização de sistemas vivos, como a organização
de qualquer sistema, não pode ser diretamente observada, pode apenas ser inferida: tudo que
pode ser diretamente observado em um sistema são componentes e relações entre
componentes.

Que o observador não possa ver diretamente a organização de um sistema, então, não invalida a
noção de organização, ou o fato de que a organização deve ser inferida da história de
interações do sistema e de sua dinâmica estrutural. De acordo, então, só os resultados do
operar de um sistema autopoiético como tal podem dizer a um observador que aquele é um
sistema autopoiético. Acima de tudo, é apenas a participação de um elemento nas relações de
composição que constituem um sistema o que diz ao observador se o elemento é, ou não é um
componente daquele sistema. É por isso que nem tudo que um observador vê como “parte” de

Humberto Maturana Romesín. 20


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

um sistema que ela ou ele pensa ser um sistema autopoiético é um componente do sistema como
sistema autopoiético. Como disse acima, algo é um componente de um sistema apenas se
participa em sua composição.

A situação toda é circular, no sentido de que, embora um sistema defina a si mesmo por sua
presença e seu operar, um observador só pode saber isso através de seu operar enquanto
define a si mesmo.

3. Cognição

3.1 Quê é “conhecer”?

O entendimento do determinismo estrutural trouxe consigo, para mim, a questão da cognição


como me perguntei: “se o caso é de determinismo estrutural, quê, então, é conhecer? Se
sistemas vivos são sistemas determinados estruturalmente, e se tudo que ocorre a eles e neles
surge neles, a todo instante, determinado por sua estrutura nesse instante, e se tudo o que os
agentes externos que incidem neles podem fazer é provocar neles mudanças estruturais
determinadas neles por sua estrutura no momento de suas interações, quê é conhecer?” Aquilo
que nós, seres humanos, chamamos de cognição é a capacidade que um sistema vivo exibe de
operar em congruência estrutural dinâmica com o meio no qual ele existe. Não importa se o
sistema vivo observado é um inseto, ou um ser humano. Podemos perguntar-nos se o
conhecimento que o sistema vivo exibe é aprendido ou instintivo, mas nossa avaliação é a
mesma: a saber, se vemos um sistema vivo comportando-se de acordo com o que consideramos
ser conduta adequada nas circunstâncias nas quais as observamos, dizemos que ele conhece. O
que vemos em tais circunstâncias implicitamente na conduta adequada do sistema vivo é: a) o
sistema vivo sob nossa atenção mostra ou exibe uma dinâmica estrutural que flui em
congruência com a dinâmica estrutural do meio no qual o vemos; e b) é através da congruência
estrutural dinâmica que o sistema vivo conserva seu viver. Podemos perguntar como o sistema
vivo chegou a ter a estrutura dinâmica que o permite operar em congruência estrutural
dinâmica, no meio, ou nas circunstâncias nas quais ele acontece, para viver. Se chegarmos à
conclusão de que o sistema vivo chegou àquela congruência estrutural dinâmica com o meio, ou
as circunstâncias nas quais o vemos viver como um resultado do seu desenvolvimento como o
tipo de sistema vivo que ele é, independentemente de sua história de vida individual, dizemos
que o conhecimento que vemos nele é instintivo. Todavia, se, ao contrário, depois de nossa
pesquisa, chegarmos à conclusão de que a estrutura dinâmica com a qual vemos que o sistema
vivo opera em congruência estrutural dinâmica com o meio surgiu no curso de sua história
individual como o resultado de suas interações no meio, dizemos que o conhecimento que vemos
em tal congruência operacional foi aprendido. Conhecimentos instintivo e aprendido, desse
modo, diferem somente no que alegamos sobre sua origem histórica. A origem do conhecimento
instintivo é filogênica, é uma característica da história evolutiva à qual o sistema vivo
pertence, e a origem do conhecimento aprendido é ontogênica, é uma característica da
epigênese individual do sistema vivo, sob outros aspectos, conhecimentos instintivo e aprendido
são indistinguíveis.

Humberto Maturana Romesín. 21


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

Porque o que quer que ocorra a ou em um sistema vivo, a qualquer momento, ocorre
determinado por sua estrutura nesse momento, nada externo a um sistema vivo pode
determinar o que acontece nele, ou com ele. Portanto, devido à noção de determinismo
estrutural de sistemas vivos, a noção de recepção de informação, ou a noção de computação
por processamento da informação obtida pelos sensores não pode ser usada para explicar a
cognição como conduta adequada nos sistemas vivos. Nestas circunstâncias, alego que o
processo que faz surgir a congruência operacional entre um organismo e seu nicho, o processo
que distinguimos na vida cotidiana como conhecimento, seja aprendido ou instintivo, é o
acoplamento estrutural. Em outras palavras, alego que qualquer tentativa de explicar a
conduta adequada dos seres humanos e de outros sistemas vivos, que, na vida cotidiana,
chamamos de cognição, como se fosse o resultado de alguma computação pelo sistema nervoso
de dados ou informações que os sensores obtêm de um mundo objetivo externo, está destinada
a falhar. Conhecimento é algo que um observador atribui a um ser humano, ou a um sistema vivo
quando ela ou ele vê tal organismo se comportando adequadamente (em coerência operacional)
com um meio cambiante. Normalmente não estamos atentos a que atribuímos (concedemos)
conhecimento a qualquer ser vivo, humano ou não, quando o vemos operar de uma maneira que
consideramos adequada para o domínio no qual o contemplamos, ainda que façamos isso
comumente, na vida cotidiana, quando operamos como professores quando damos notas a
exames. De fato, isso é o que você está fazendo agora enquanto lê o que escrevi, e você vai
aceitar ou rejeitar o que eu disse como um conhecimento revelador de acordo com o que eu
diga concorde ou não com o que você considera conduta adequada no domínio no qual você está
se ocupando do que está lendo o que eu escrevi. O professor concede ou não conhecimento ao
aluno de acordo com que o aluno faça ou não o que ela ou ele considera conduta adequada no
domínio especificado por seu escutar. Similarmente, você me concede ou nega conhecimento,
de acordo com o que escrevi satisfaça ou não o que você considera um dito adequado no domínio
no qual você ouve o que escrevo.

3.2 Linguagem

Na medida em que me vi frente o assunto do conhecimento, tornei-me consciente de que


precisava considerar a linguagem como um fenômeno biológico que se realizava no viver e
através do viver do organismo, e que qualquer tentativa de entender a linguagem através de
reflexões filosóficas seria inadequada, porque não haveria como levar em consideração o modo
como sistemas vivos operam como sistemas determinados estruturalmente.

Nós, seres humanos, existimos como observadores na linguagem enquanto operamos no domínio
de acoplamento estrutural ao qual pertencemos. Isto é, nós, seres humanos, vivemos em
acoplamento estrutural com outras entidades vivas e não-vivas que compõem a biosfera nas
dimensões nas quais somos componentes da biosfera, e operamos na linguagem como nossa
maneira de ser enquanto vivemos no presente, no fluxo de nossas interações em nossos
domínios de acoplamento estrutural. Viver na linguagem fazendo todas as coisas que fazemos
na linguagem, por mais abstrato que possa parecer, não viola nosso determinismo estrutural em
geral nem nossa condição de sistemas determinados estruturalmente. Na medida em que
observei nosso comportamento linguageante e o comportamento de outros animais, percebi que
o aspecto central do linguagear era o fluxo em vivermos juntos em coordenações recursivas de

Humberto Maturana Romesín. 22


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

condutas ou fazeres, e noções como comunicação ou simbolização são secundárias ao viver na


linguagem. Digo isso de uma maneira sintética: linguagem é uma maneira de vivermos juntos
em um fluxo de coordenações de coordenações de condutas ou fazeres consensuais que
surge em uma história de vivermos na cooperação de fazermos coisas juntos (Maturana
1988).

Nós, seres humanos, existimos e operamos como seres humanos quando operamos na linguagem:
linguagear é nossa maneira de vivermos como seres humanos. A linguagem ocorre no fluxo
efetivo de coordenações de coordenações de condutas, não em qualquer gesto, som ou atitude
particular extraída desse fluxo. É como o movimento visto em um filme que existe como tal
somente enquanto o filme dura. Nós, seres humanos, linguageamos enquanto operamos no
domínio de acoplamento estrutural no qual coexistimos como seres linguageantes com outros
seres linguageantes. Enquanto linguageamos, objetos emergem como aspectos de nosso
linguagear com outros, eles não existem por si mesmos. Isto é, objetos emergem na linguagem
como operações em coordenações de coordenações de fazeres que se encontram como
coordenações de fazeres sobre as quais nós recursivamente co-ordenamos nossos fazeres
como seres linguageantes. Chamarei o domínio de objetos que emergem em nossas co-
ordenações de coordenações de condutas de um domínio de entidades ou objetos
compartilhados. Em outras palavras, objetos ou quaisquer entidades que emergem no
linguagear pertencem a um domínio de inter-objetividade que vivemos com os outros seres
linguageantes com quem geramos (linguageamos) os objetos e outras entidades que
constituem esse domínio. Segue que nós, humanos, podemos gerar e, portanto, existir como
seres linguageantes em tantos domínios de objetos diferentes (ou domínios de diferentes tipos
de entidades) quantos domínios de coordenações de coordenações de conduta podemos gerar
em nosso viver em acoplamento estrutural na biosfera e, através disso, no cosmos. De acordo,
nós, seres humanos, podemos, de fato, viver com os outros em tantos domínios de entidades
compartilhadas, ou domínios de inter-objetividade quantas dimensões de acoplamento
estrutural houver nas quais possamos viver em coordenações de coordenações de fazeres com
outros seres. Viver no linguagear é viver um domínio de objetos compartilhados em inter-
objetividade.

3.3 Conversações

No curso da expansão de nosso entendimento de nossa operação como sistemas autopoiéticos


determinados estruturalmente, também se tornou aparente que, como nós, seres humanos,
existimos na linguagem, existimos também nas emoções. Quando distinguimos emoções,
distinguimos diferentes domínios de condutas relacionais que, a todo momento, constituem o
fundamento relacional no qual nós, seres humanos, fazemos tudo o que fazemos como seres
linguageantes. De fato, nós, seres humanos, existimos no contínuo entrelaçamento de nossas
coordenações de coordenações de fazeres e de emoções, que chamo de conversação, e, tudo o
que fazemos, fazemos em redes de conversações. Diferentes redes de conversações
constituem diferentes domínios de existência, ou domínios de realidade nos quais diferentes
tipos de entidades existem suscitadas pelas coordenações recursivas de coordenações de
fazeres que os constituem. Então, o entendimento da linguagem conduz ao entendimento da
existência. Existência é uma palavra que conota aquilo sobre o que um observador pode falar,

Humberto Maturana Romesín. 23


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

de modo que aquilo sobre o que um observador não pode falar não existe, mas o observador só
pode falar sobre aquilo que emerge dentro da rede de conversações na qual ela ou ele o
distingue em sua operação na linguagem.

3.4 Autoconsciência

O outro problema central que mudou seu caráter pelas noções que eu estava desenvolvendo
enquanto seguia as implicações de tornar-me consciente de que nós, sistemas vivos, somos
sistemas autopoiéticos moleculares foi aquele da autoconsciência. A dificuldade em entender a
autoconsciência apóia-se em descobrir o processo através do qual distinguimos nós mesmos
como se fôssemos entidades independentes de nosso operar, de modo que possamos nos ver
como tais, e em descobrir o domínio no qual existimos como “selves”. Descobri a resposta pelo
entendimento da linguagem e do emergir dos objetos e de nosso viver em inter-objetividade.

Como mostrei acima, objetos emergem no linguagear no fluxo de coordenações recursivas de


fazeres, no fluxo de vivermos juntos. Os objetos que emergem são vividos como se fossem
entidades independentes que podem ser distinguidas como tais e manipuladas nas coordenações
de fazeres. Portanto, quando um observador vê duas pessoas em um fluxo de coordenações de
coordenações de fazeres pelas coordenações de fazeres em seu corpo, ela ou ele pode alegar
que essas pessoas estão operando em um domínio de consciência de aspectos de seus fazeres
que são vistos como partes de seu próprio corpo. Além disso, o observador pode ver que essas
pessoas tratam seu corpo e as partes que emergem de seu corpo como se fossem entidades
independentes, ao mesmo tempo em que, através de suas sensações, eles são essas partes e
esses fazeres. O corpo e suas partes e o “self”, como distinções de suas próprias distinções,
emergem na linguagem da mesma maneira que qualquer outra entidade emerge no fluxo do
linguagear como uma maneira de fazermos coisas juntos. O observador vê que a operação da
autoconsciência é a distinção reflexiva de um “self” na linguagem que se realiza como uma
operação que constitui nosso corpo e nosso ser como um objeto em inter-objetividade, todavia
a pessoa no fluxo de seu viver no linguagear vive a auto-distinção no paradoxo de distinguir
uma entidade independente, que sente como se fosse quem faz a distinção. A Dra. Gerda
Verden-Zöller mostrou que a autoconsciência emerge em bebês humanos em suas relações de
brincadeiras com sua mãe (ver Verden-Zöller em Maturana e Verden-Zöller, 1993). Eu mesmo
mostrei, em um estudo do emergir do linguagear em bebês com Nolfa Ibanez (Maturana e
Ibanez, 2002), que a consciência do próprio corpo começa com a mãe brincando com o bebê,
por exemplo, quando ela diz “nariz”, enquanto toca o nariz do bebê, ou “pé”, enquanto toca o pé
do bebê, da mesma maneira que ela faz quando diz “bola” enquanto entrega uma bola ao bebê.
De acordo, a autoconsciência emerge como uma operação de coordenações de fazeres no
linguagear e, como tal, ocorre como um processo inter-pessoal no espaço relacional. De fato,
podemos observar como a autoconsciência começa a emergir na criança em desenvolvimento na
relação mãe/criança de tocar o nariz, a qual constitui o auto-apercebimento, enquanto o nariz
emerge como um objeto em inter-objetividade nas coordenações recursivas de conduta do
bebê com a mãe, em uma brincadeira que chama a atenção sensorial da criança para o nariz.
Não é fácil vermos a natureza da autoconsciência como uma operação no viver na linguagem
quando pensamos que a linguagem se realiza como uma operação simbólica que se refere a
entidades que podem ser distinguidas por sua existência independente. Se ser consciente

Humberto Maturana Romesín. 24


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

significa estar atento a alguma coisa enquanto ela existe independentemente do ser que está
atento, como poderia um ser humano tornar-se consciente de si mesmo se ela ou ele não é uma
entidade que existe independentemente de si? É por causa dessa dificuldade que falamos,
quando nos referimos a nós mesmos, como se tivéssemos uma existência dual (e.g. quando
dizemos “eu estou falando de mim”, ou “eu, em meu verdadeiro eu”). O problema conceitual
gerado nessa aparente dualidade existencial dissolve-se quando entendemos que a linguagem
consiste em vivermos juntos em um fluxo de coordenações de coordenações de condutas
consensuais que surge no prazer do fluxo de fazermos coisas juntos em interações recursivas.

Não sentimos dúvida em um ato de auto-distinção, semelhante ao que sentimos quando


distinguimos algo que, para um observador externo, tem a qualidade de ser uma entidade
independente de nós, distinguidores. Sentimos como sentimos com qualquer objeto no domínio
de objetos compartilhados que vivemos com outros. E isso é assim precisamente porque o “self”
emerge como qualquer outra entidade independente em inter-objetividade. Sentimentos
acontecem como um aspecto de nossa auto-distinção na linguagem, na medida em que, nas
coordenações recursivas de fazeres, a distinção de relações entre as distinções do corpo
expande o domínio de inter-objetividade a um meta-domínio de auto-distinções: sentimentos,
como todas as entidades em inter-objetividade são secundárias à linguagem.

Na origem da humanidade, o “self” deve ter emergido da mesma maneira que emerge em bebês
humanos modernos, a saber, no fluxo das coordenações de coordenações de condutas que
suscita o corpo e suas partes como objetos compartilhados em inter-objetividade, através da
relação mãe/criança que chama a atenção às sensações proprioceptivas que surgem no
fazermos coisas juntos em coordenações de coordenações de fazeres. É por causa disso que
digo que a autoconsciência é uma operação recursiva no linguagear que constitui uma
possibilidade ilimitada para o contínuo emergir de novos mundos que podemos viver enquanto
vivemos recursivamente como seres linguageantes autoconscientes. De fato, podemos gerar
muitos mundos novos, mas não temos de fazer isso: onde quer que estejamos, conceitualmente
ou manipulativamente, há sempre outro domínio que podemos suscitar através de nosso
linguagear.

Estamos vivendo em uma cultura que age como se devêssemos fazer tudo que imaginamos como
possível. Não vemos que, fazendo isso, não estamos apenas deixando que as coisas sejam,
estamos fazendo uma escolha e não vemos que devemos ser responsáveis por isso. De fato,
como o linguagear ocorre como uma maneira de fluir em vivermos juntos em coordenações de
coordenações de condutas consensuais, podemos gerar qualquer mundo novo que possamos
linguagear à existência. Mas não temos de fazer isso. Não importa em que domínio operacional
possamos estar, há sempre outro domínio de existência que podemos suscitar nas recursões de
nosso linguagear conservando a configuração de relações dinâmicas que definem aquele
domínio. Podemos realizar tudo que imaginamos se respeitarmos as coerências estruturais do
domínio no qual imaginamos. Mas não precisamos fazer tudo que podemos fazer, ou que
podemos conceber ser possível. Não temos de nos empenhar em todas as reflexões, no
desenvolvimento de todos os conceitos, ou na construção de todas as tecnologias que possamos
imaginar. É precisamente por causa disso que temos de escolher. É em nosso viver como seres
humanos autoconscientes reflexivos que podemos estar conscientes das possíveis
conseqüências do que fazemos, da natureza dos domínios de existência que suscitamos e das

Humberto Maturana Romesín. 25


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

implicações do que fazemos nos diferentes mundos que podemos viver para nosso viver. E é
porque estamos conscientes do que podemos fazer como seres linguageantes autoconscientes
que podemos escolher e temos de escolher o que fazer.

Presentemente vivemos uma cultura que nos pressiona a fazer o que quer que imaginemos, sob o
argumento da criatividade. Mas temos de fazer assim? O fato de que, como conseqüência de
nosso sermos seres autoconscientes, podemos sempre nos tornar conscientes das possíveis
implicações do que quer que façamos faz de todo ato humano uma escolha explícita ou implícita
de um domínio de existência. Dessa maneira podemos conservar ou destruir nossa própria
existência como o tipo de seres vivos que somos. Podemos viver na conservação, ou na
destruição de nós mesmos como Homo sapiens amans, ou na conservação, ou na destruição de
Homo sapiens arrogans. Nós, seres humanos modernos, somos o presente de uma história de
expansão neotência à idade adulta de nossa infância amorosa. A autoconsciência emergiu como
um resultado da expansão neotênica da relação mãe/criança de mútuo respeito na brincadeira.
A autoconsciência, como a possibilidade de vermos a nós mesmos em nossas reflexões e nossos
fazeres, é uma dádiva da biologia do amor que pode nos permitir escapar de qualquer armadilha
em que possamos cair: a autoconsciência é a abertura para a autonomia reflexiva e a liberdade.
Ainda, se, de fato, entendemos nossa existência como seres linguageantes autoconscientes que
continuamente levam adiante o mundo e os mundos que vivemos, porque essa é a natureza de
linguagear vivendo em coordenações de coordenações de fazeres consensuais, então, se
queremos gerar bem-estar no mundo humano e animal no qual vivemos, devemos continuamente
criar tal mundo com a rede de linguagear e emocionar que nós, como adultos, vivemos, de modo
que nossas crianças cresçam gerando a mesma rede de linguagear e emocionar na qual elas
cresceram em bem-estar.

A linguagem não pode ser entendida como um fenômeno biológico se não levarmos a sério nosso
operar como sistemas determinados estruturalmente. Se não fizermos assim, permaneceremos
presos à crença de que a linguagem é um sistema de comunicação e pensamentos com
representações (simbolizações) de uma realidade independente que nos contém como sua
característica constitutiva primária. E, se não entendermos a linguagem como um fenômeno
biológico, permaneceremos no mistério da autoconsciência, acreditando que revela, de algum
modo, uma dualidade cósmica intrínseca, e não poderemos ser capazes de entendermos nós
mesmos como os seres transitórios autoconscientes que somos.

4. Epistemologia e conclusões

Quando comecei, como um resultado da minha pesquisa sobre percepção em 1965, a perguntar-
me sobre como fazemos o que fazemos como observadores, fiz uma mudança epistemológica
fundamental que constituiu uma mudança ontológica. A saber, deixei a questão que pergunta
sobre o ser, pela questão que pergunta pelo nosso fazer. Afastei-me de uma pergunta que não
tem resposta no domínio do ser, para uma pergunta que pode ser respondida no domínio do
fazer. Fiz uma mudança conceitual fundamental no domínio filosófico, afastei-me de uma
questão básica que nos nega a possibilidade de entendermos a percepção como um processo
biológico, para uma questão que nos leva a entender e explicar a percepção como um operar do
organismo em um meio com o qual ele está em acoplamento estrutural como um resultado de

Humberto Maturana Romesín. 26


Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

uma história de mudanças estruturais na qual o organismo e o meio (nicho) mudaram juntos
congruentemente naturalmente. Como um resultado dessa mudança conceitual fundamental,
meu tema central como um biólogo (e um filósofo) tornou-se o tema da explicação da
experiência da cognição, não da realidade, porque realidade é uma noção explicativa inventada
para explicar a experiência da cognição (ver Maturana e Maturana e Varela 1980).

No processo de explicar a cognição, fiz uma mudança epistemológica fundamental no domínio


de entendimento de explicações e explicações científicas. Dei-me conta de que, enquanto
operamos como observadores, explicamos nossas experiências com as coerências das
experiências, e de que isso não poderia ser de outra maneira enquanto nós, como seres
linguageantes, existimos em um domínio de coordenações de coordenações de fazeres, o qual é,
de fato, o de operarmos imersos nas coerências de nossas experiências. Isto é, dizer que
qualquer entidade particular tem existência somente na medida em que ela emerge quando um
observador a suscita em sua distinção na linguagem especificando sua condição de constituição
é dizer que tal entidade particular ocorre no mesmo domínio de existência no qual o
observador opera como um sistema vivo.

Alegar isso é alegar que as entidades que um observador distingue em seu operar na linguagem
têm a concretude das operações com as quais o observador as distingue através de seu operar
em coordenações de coordenações de fazeres enquanto ela ou ele opera como um ser humano
vivente. É nesse sentido que sistemas vivos são sistemas vivos, e moléculas são moléculas como
entidades reais ou objetivas em seus respectivos domínios de existência enquanto o
observador as suscita através das redes de coordenações de fazeres nas quais ela ou ele os
distingue. É nesse sentido que nós, como observadores, podemos alegar que moléculas emergem
na medida em que as condições de sua constituição se aplicam, e é nesse sentido que digo que
moléculas existem em um domínio de existência que o observador suscita com suas operações
de distinções no domínio de conversações que constituem seu domínio de realidade. Parte da
dificuldade em entender a relação entre linguagem e existência apóia-se na visão da linguagem
como um domínio de representações e abstrações de entidades que pertencem a um domínio
concreto diferente. Ainda que a linguagem não seja isso, o linguagear ocorre na concretude dos
fazeres do observador em seu viver atual na práxis do vivê-lo. A realização da autopoiese, o
viver do organismo, bem como os observadores mesmos emergem nas conversações de
observadores, de modo que tudo que há é linguagear como coordenações de coordenações de
fazeres consensuais de observadores que operam na linguagem. Sem dúvida, por motivos
epistemológicos, parecemos precisar de um substrato no qual tudo ocorre para explicarmos,
mas, tão logo suscitamos tal substrato, não é aquilo a que queríamos nos referir, mas mais da
mesma coisa, algo em inter-objetividade, que não pode operar como um substrato por si mesmo.
Nada existe fora das redes de conversações através das quais suscitamos tudo que existe, de
nós mesmos ao cosmos que nos faz possível, não em um operar criativo arbitrário, mas como um
resultado de nossas coordenações de coordenações de fazeres em nosso viver, incluindo nosso
viver. E essa declaração não é arbitrária ou vazia, porque ela diz que, quando quer que a
condição que constitui um sistema, uma entidade, ou um processo é requerida, o resultado será
o sistema, a entidade, ou o processo no domínio operacional especificado pelas condições que os
tornam possíveis.

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Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

Seguir as implicações conceituais, operacionais e epistemológicas da noção de autopoiese leva-


nos, não ao conhecimento de tudo, porque nos encontramos em um viver cambiante contínuo
surgido de lugar nenhum e apoiado em nada, mas a ver que, como seres linguageantes, operamos
no domínio de entendimento mais básico possível: a saber, o domínio no qual entendemos nosso
viver.

O que segue é dito sob o entendimento de tudo que foi dito até agora.

Parece, para mim, que a principal dificuldade que biólogos têm em aceitar que a noção de
autopoiese descreve a organização do viver é nossa recusa cultural de aceitar que coisas,
sistemas, relações e entidades em geral surgem à existência no instante no qual surgem as
condições de sua constituição. Nós, como observadores, podemos alegar que um sistema vivo
surge no momento no qual a autopoiese começa a realizar-se, e dura enquanto sua autopoiese é
conservada. E isso, como uma alegação cognitiva, tem validez operacional no domínio
operacional (o domínio molecular) no qual acontece o que alega. Em nossa cultura, gostamos de
explicar com causas e princípios que são externos àquilo que é explicado. É por isso que dizer
que um sistema vivo existe por si mesmo e que explicar sistemas vivos consiste em propor o
mecanismo gerativo que faz emergir um sistema vivo como conseqüência de seu operar em um
domínio diferente do domínio de seus componentes parecem epistemologicamente inaceitáveis.
Mas tal declaração é válida e soa epistemológica no domínio no qual estamos conscientes de que
explicações constituem a proposição de mecanismos gerativos. Nessas circunstâncias, a
alegação de que sistemas vivos são sistemas autopoiéticos moleculares só pode ser rejeitada
mostrando-se que existem fenômenos biológicos que não implicam, direta ou indiretamente, a
autopoiese molecular. A alegação de que sistemas vivos são sistemas autopoiéticos moleculares
não pode ser rejeitada por motivos epistemológicos. Biólogos têm freqüentemente alegado que
ignoraram a noção de autopoiese e a teoria da cognição que ela apóia (Maturana 1970 e 1980),
porque ela não parece ser pragmática o suficiente. Alguns filósofos têm objetado contra ela,
porque ela relaciona abstrações e pragmatismos (Scheper e Scheper 1998). Penso que, algumas
vezes, cientistas e filósofos não vêem que explicações não substituem aquilo que explicam. Eles
esquecem ou ignoram que o que explicações fazem, de fato, é propor mecanismos gerativos tais
que, se fossem permitidos operar, gerariam, como conseqüência de seu operar, aquilo que
pretendem explicar, e não vêem que, fazendo isso, relacionam abstrações e pragmatismos.
Finalmente penso que o que é comumente apresentado como uma dificuldade epistemológica é o
erro freqüente de usar a autopoiese como um princípio explicativo. Para concluir, gostaria de
insistir em que a mudança epistemológica que fiz com a noção de autopoiese e a biologia do
conhecer, que desenvolvi junto com ela, repousa em que abandonam a questão da realidade pela
questão da cognição, enquanto se voltam para explicar a experiência do observador com a
experiência do observador. Esse é um movimento fundamental de um domínio de ontologias
transcendentes para um domínio de ontologias constitutivas.

Se pudermos substituir a questão sobre a realidade, que nos leva em direção a uma cegueira
epistemológica e conceitual, pela questão sobre como fazemos o que fazemos como sistemas
vivos quando afirmamos cognição, tudo o que disse se tornará evidente sem esforço.

A noção de autopoiese nega a necessidade de ter-se qualquer noção transcendental para


explicar ou entender qualquer fenômeno biológico, qualquer que seja ele em qualquer tipo de

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Autopoiese, acoplamento estrutural e cognição.

sistema vivo. O que ela não nega é qualquer experiência humana, qualquer que seja, nem diz o
que deveríamos, ou não deveríamos fazer com nossas experiências. Nosso viver humano é um
viver biológico, mas, como vivemos como seres humanos, é um empenho humano no domínio
biológico.

Revisado por Humberto Maturana Romesín, 19 de Agosto de 2002

Referências

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