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TÍTULO: MODELANDO CORPOS: A VESTIMENTA ESCOLAR NA CULTURA

DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL-RN (1914-1945)


AUTORA: ANDRÉA GABRIEL FRANCELINO RODRIGUES – IFRN
Andrea.gabriel@ifrn.edu.br
Palavras-chave: Vestimenta escolar. Cultura escolar. Escola Doméstica.

Ao elegermos o estudo da vestimenta escolar, estamos refletindo sobre o papel


simbólico desenhado pela instituição de ensino no seu tempo, sendo a vestimenta, no
universo das práticas da Escola, apontanda como objeto dotado de valores culturais,
sociais e de representações. Questionamos inicialmente se o uniforme escolar usado
pelas discentes correspondia ao modelo de aluna a formar e seguia alguns costumes da
época delineados nos modismos da Europa e nos valores virtuosos de como uma
senhorita de família tradicional deveria vestir o seu corpo nos inícios do século XX.
Esse questionamento foi importante na medida em que conduziu a pensar a
escola enquanto lócus cultural que é composto de inúmeros códigos que se entrelaçam
com o mundo exterior, proporcionando representações e compreensões diversas de
tempos e espaços vividos. A escola como lugar que fala, que comunica, que não
silencia, que envolve sujeitos e espaços que carregam configurações de território e
lugar, signos, símbolos e vestígios das relações sociais. Essa discussão tornou-se
relevante para a nossa análise na medida em que consideramos fulcral no estudo sobre
instituição escolar, a cultura entendida como construção humana, portanto não estável
no tempo e espaço e dotada de significados que refletem as transformações da
sociedade. Pensar sobre a escola, nesse sentido, é pensar nas relações antropológicas
que a escola estabelece com entre o seu tempo e lugar.
Os suportes materiais existentes que auxiliaram na pesquisa, clareando o objeto
de estudo foi composto de correspondências, livros, ofícios, relatórios, fotografias,
jornais, revistas, considerando que as fontes retratam uma época, práticas, momentos,
imaginários; são, portanto, prenúncios que permitem a leitura de novas investigações
sobre a Escola Doméstica de Natal.
O conceito de modelo escolar foi usado para delinear a organização pedagógica
da Escola Doméstica de Natal, percebida como criação de um grupo de intelectuais
norte-rio-grandenses preocupados em criar um padrão de instituição voltada
especificamente para a formação de uma mulher culta e civilizada que a República
almejava; isso acontecia numa conjuntura histórica, sinalizada por um período de
remodelação da educação no Brasil e também no Rio Grande do Norte, quando
intelectuais lançavam tentativas reformistas priorizando o campo educacional como
modalidade cultural relevante para a modernização do Estado e do país.
A vestimenta, no universo das práticas da Escola, está sendo apontada como
objeto dotado de valores culturais, sociais e valores de representações. Por ser dotada de
valores sociais, históricos e culturais as roupas refletiam os costumes de cada época,
simbolizando hierarquias, lugares a freqüentar, comportamentos a seguir. Neste sentido,
o uniforme escolar usado pelas discentes correspondia ao modelo de aluna a formar e
seguia alguns costumes da época delineados nos modismos da Europa e nos valores
virtuosos de como uma senhorita de família tradicional deveria vestir o seu corpo. Por
isso, os decotes longos, o uso de adereços que serviriam de enfeites às roupas era
descartado no uso diário da aluna, ganhando espaço a roupa simples, sutil, de cor
discreta, sem muitos detalhes que ajudaria a compor o quadro de formação educacional
esboçada no currículo. Essas medidas conformavam a jovem formanda a um perfil
traçado no início do século XX: formação de uma boa esposa, com qualidades e
condutas de rigorosa moralidade. Sobre esse perfil, a justificativa abaixo:

O perfil traçado para a esposa conveniente contava ainda com


indefiníveis qualidades, tais como simplicidade, justiça,
modéstia e humor. Seu antípoda ameaçador era a moça dos
tempos modernos, “esbagachada”, cheia de liberdades, “de saia
curta e colante, de braços e aos beijos com os homens, com os
decotes a baixarem de nível e as saias a subirem de audácia”,
exposta à análise dos sentidos masculinos, perfumadas com
exagero, pintadas como palhetas, estucadas a gessso e postas na
vida como a figura disparate de uma paisagem cubista.
(MALUF; MOTTA, 1998, p. 390).

As mudanças advindas do mundo moderno no Brasil eram expressas nos


modismos, no surgimento de novos costumes, no uso de aparelhos importados
eletrodomésticos, artigos higiênicos, acessórios de uso pessoal enfim, uma
multiplicidade de objetos que mudaram substancialmente o cotidiano e o ritmo de vida
das pessoas, configurando um novo viver e novas formas de se vestir e se comportar.
Essas transformações que surgiram no Brasil em patamares iniciais de urbanização e
desenvolvimento das cidades convivem com costumes tradicionais ainda arraigados,
mantendo o ritmo de relações tradicionais e modernas, novos costumes passam a ser
apropriados em detrimento do tradicional, do ainda existente. Nessa conjuntura de
mudanças, conter os excessos da mulher, tanto no consumo desses novos bens
materiais, como nos seus usos, era um discurso que perpassava a mentalidade masculina
e tradicional da época, como forma de apaziguar a libertinagem, a desonra e possíveis
condutas desviadas da normalidade dos preceitos morais apregoados nesse tempo.
Os modos de se vestir da mulher deveriam se identificar com os princípios
higienistas, procurando assegurar o limite entre a vaidade e a libertinagem de algumas
mulheres tidas como de conduta duvidosa por freqüentarem, sozinhas, lugares públicos
como o teatro, o cinema, o café da cidade, dentre outros. Expunha-se, dessa forma, a
mulher aos rigores das tradições dos costumes na sua forma de viver, de se comportar e
vestir.
A influência da higiene nas escolas brasileiras no início do século XX é
apontada por vários pesquisadores. É reconhecida a penetração das normas disciplinares
nas diversas instituições de ensino públicas e privadas, tendo a escola um lugar
reservado para a agenda médica e sendo esse tema um dos pilares que irá sustentar os
discursos em prol de uma educação nova e moderna, encontrando respaldo também na
legislação de ensino em vigor desse período.
Quanto aos costumes e modos de se vestir nas primeiras décadas do século XX
na cidade do Natal, predominavam ainda o uso dos espartilhos, das meias de seda, dos
calçados fechados, botas de cano e saias longas, modismos presentes no século anterior,
mas que se mantém como tradição e costume. Em relação ao uso dos chapéus, só eram
usados eventualmente, em ocasiões especiais como solenidades sociais, cívicas,
matrimoniais (com exceção das missas), dando lugar ao chale ou mantilha de renda com
cores que variavam segundo os critérios da idade: clara para as mais jovens e escuras
para as de idade mais avançada.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a vestimenta sofreu algumas
modificações em decorrência das transformações na economia. As vestes mais usadas
passaram a ser as mais práticas e econômicas, respeitando a recessão econômica que era
uma realidade em diversos países do mundo. Simplicidade e praticidade passaram a ser
uma exigência nas roupas usadas pelas alunas da Escola Doméstica de Natal e isso era
garantido no cotidiano, porque durante as aulas de costura, as discentes, sob a
orientação de professora, tinham também a praticidade de confeccionar o seu próprio
traje. Observamos um detalhe interessante nas vestimentas das alunas da ED: o uso
corriqueiro das meias acompanhadas de sandálias abertas, costume assumido na vida
diária. Questionamos se seria esse uso resultante da higiene dos pés ou seria por causa
do calor provocado pelo uso de meias e sapatos fechados.

FOTO – Alunas internas da Escola Doméstica de Natal, 1945.


Acervo partícula da ex-aluna da escola, Sra. Neide Galvão.

No Brasil do início do século XX perdurou, na moda feminina, o uso de rendas,


bordados, ênfase a roupas com abas, saias em camadas e drapeados. Uso de chapéu com
abas, de pequeno e médio porte, empoleirados nos penteados que prevaleciam na época.
Os decotes dos vestidos continuavam discretos, pequenos, geralmente em formato de V,
em favor da modéstia, prática que se manteve durante algumas décadas. “A moda é uma
indicação de identidade individual, grupal e sexual. Além disso, sua fluidez reflete as
mudanças da matriz social. Assim, no início do século XX, a moda revelava a
estratificação e o protocolo social rigidamente definidos [...] ”. (MENDES, DE LA
HAYE, 2003, p. 19).
Considerada uma indicação de identidade, a roupa usada pelo corpo discente e
docente da Escola Doméstica de Natal incorporava a filosofia da escola nos seus
aspectos morais, intelectuais e acadêmicos, pois deveria imprimir uma certa ordem
estabelecida que primava por banir atos tidos como impróprios ao ambiente escolar
(roupas decotadas e curtas, modelos extravagantes, uso de adereços e jóias caras, etc.).
Nessa compreensão do contexto cultural do início do século XX, situamos o
fardamento escolar como elemento cultural que refletia os valores da época e tomando-o
para além dos modismos, passava a seguir particularmente a singularidade prescrita no
modelo escolar da instituição de ensino. Vejamos também que essas particularidades
nas formas de se vestir estavam prescritas no Regimento Interno Escolar, que ditava as
normas que iam além da indumentária para cobrir os corpos, mas também os
movimentos desses corpos. A seguir, registramos o modelo do fardamento escolar
usado pelas discentes durante as aulas diárias, tendo em cada ocasião de apresentação,
uma vestimenta específica.

FOTO – Imagem do Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, ao centro


destaque para o professor Clodoaldo de Góes, secretário da LERN e professor
das disciplinas História Universal e do Brasil, 1928.
Acervo particular da Escola Doméstica de Natal

Na foto apresentada, observa-se o uso de sapato fechado, denotando que


algumas ocasiões, principalmente naquelas solenidades em que as docentes se
apresentariam, exigia um tipo de roupa e calçado específicos. O registro fotográfico
também é característico de um período anterior a II Guerra Mundial, o que também
pode ser considerado um dos indícios de que, nesse tempo, ainda não havia a excessiva
preocupação com a recessão econômica, fato evidenciado na década de 40.
A roupa diária usada pelas discentes da Escola Doméstica de Natal era
constituída de um vestido longo, de comprimento no joelho, de cor branca. Como a
escola optou por não uniformizar um modelo de fardamento escolar com o logotipo da
instituição, mantinha algumas regras gerais que especificavam a cor e os detalhes das
roupas a serem usadas pela alunas, como demonstra a imagem anterior, onde as alunas
parecem estar vestidas com um mesmo modelo de vestido. Como modelo constitutivo
de referência à filosofia da instituição, a vestimenta nesse contexto, tinha o poder de
sintetizar a escola, representá-la na sua sutileza, elegância e discrição e as regras para
vestir-se deveriam seguir as orientações abaixo:

Attendendo a que essa ou aquela moda não se adapta bem a


todas as moças, a directoria resolveu que estas, de accordo com
a professora de costura, escolham o modelo conveniente,
devendo, porém, usarem sempre a côr branca. Há uniformes
especiaies para os diversos exercícios de educação physica, os
quaes, bem como os de uso commum, são confeccionados pelas
alumnas, sob a fiscalisação da professora. A confecção obedece
invariavelmente ás regras da economia e da simplicidade, que
não excluem a elegância. Quer nas festas da Escola, que nos
passeios, ás alumnas trajarão invariavelmente uniformes de côr
branca. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 9).

É possível que a cor e o modelo do uniforme escolar da Escola


Doméstica de Natal tenham sido encolhidos conforme a justificativa acima mencionada,
tendo em vista, no momento da confecção, os critérios de economia e simplicidade.
Mas, também acreditamos que a opção pelo fardamento escolar considerou a idéia de
Henrique Castriciano de Souza por uma indumentária que transmitisse ares de higiene,
sutileza, limpeza, serenidade.
Um artigo de revista publicado pela ED no ano de 1925 e reeditado em
1998 convida o (a) leitor (a) a refletir sobre as cores da moda e os tipos de roupas mais
convenientes a serem usadas, conforme as condições regionais e pessoais. Dá
informações importantes sobre a opção da cor branca no uniforme das alunas da Escola
Doméstica de Natal ao citar que:

Devemos, antes de seguir uma moda, ver se ella realmente nos


convem, tomando em consideração clima, hygiene, idade,
physico, etc. Nessa época de verão, que atravessamos, é
aconselhável, o uso de cores claras. O preto, o roxo, o azul
marinho, em geral as cores escuras absorvem o calor duas vezes
mais que aquellas. Mesmo a mocidade risonha e folgazã como é,
não se adapta bem sob a austeridade de uma veste escura. O
roseo, o azul, o branco são as cores que devem acompanhar os
sorrisos da juventude. Eis porque o branco foi escolhido para cor
de uniforme da nossa Escola. Uniforme simples e hygienico. Os
vestidos de passeio, claros, de cambraia, de linho, bordado com
rendas estão muito em voga. Para mocinhas ficam bem, melhor
que as sedas. Estas deveriam figurar, somente, nas jovens em
occasião de festas a noite. (GEORGET, 1925, p. 5).

Outro fato noticiado pela autora é que no início do século XX, em Paris e
Londres, o fascínio pela cor roxa era latente na moda local, sendo viável na cidade do
Natal a adaptação desta cor nas vestimentas femininas, como por exemplo, os tons rosa
e lilás, que eram mais aprazíveis ao clima local.
Como podemos perceber Henrique Castriciano, ao optar por uma
vestimenta escolar de tom claro, não a escolheu por acaso; vários motivos podem ter
influenciado diretamente nessa escolha. No momento em que a discente realizasse a sua
matrícula na escola, teria que trazer consigo alguns objetos pessoais e dentre esses,
peças de roupas brancas que iriam compor as suas vestes diárias.
Segundo as observações de Mendes e De la Haye (2003, p 44) “[...] um dos
desenvolvimentos mais notáveis em 1914 foi a mudança das estreitas saias-funil para
modelos largos, em forma de sino, alguns com camadas sobrepostas, plissados ou
pregas”. Essa nova silhueta tornava as anáguas elaboradas novamente essenciais e as
lojas ofereciam uma série de modelos, cheios de babados, alguns divididos, com pernas
largas. Em 1916, as bainhas haviam subido duas ou três polegadas acima do tornozelo,
elevando a altura dos calçados. Ainda segundo as autoras, no período pós-guerra, no
mundo, novas exigências surgiram em relação aos modos de vestir das pessoas,
afetando também os grupos mais favorecidos economicamente, pois com a escassez de
empregados, as vestimentas que exigiam procedimentos elaborados para lavar, passar e
vestir logo deixaram de ser usadas e os modelos começaram a sofrer algumas
modificações com o intuito de se acomodar à nova ordem econômica, adaptando-se à
escassez de recursos provenientes da guerra e a estilos de vida mais modestos.
As roupas consideradas fáceis de usar também passaram a ser as mais
procuradas geralmente a blusa sem abotoamento era prática e estava na moda para ser
usada com uma saia ou um conjunto. Era uma peça de vestuário muito procurada pelas
mulheres, pelo fato de ser colocada pela cabeça e não ter nenhum tipo de fecho,
facilitando as ações do cotidiano. A blusa usada antes, fora da saia, ao invés de enfiada
nela, chegava pouco abaixo dos quadris e, às vezes, tinha gola de marinheiro, um cinto
ou uma faixa. A blusa sem abotoamento era geralmente feita de algodão ou seda e
tornou-se um elemento importante na moda da década de 1920, assim como o uso de
cardigãs de tricô, casacos e xales. (MENDES, DE LA HAYE, 2003).
A Escola Doméstica não seguia todas essas regras de modismos, mais aderia a
roupas leves e práticas, como era o caso das vestes de uma peça só. A instituição
deixava a aluna à vontade para optar por esse tipo de vestimenta em algumas ocasiões
de uso diário.
A Escola Doméstica de Natal, ao optar pelas vestes com roupas práticas e de cor
branca para as alunas, aconselhava através do Plano de Curso que as alunas ao se
matricularem na ED adquirissem obrigatoriamente um enxoval pessoal composto de
lençóis, toucas, aventais, vestidos brancos para uso diário, meias brancas, dentre outras
peças. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL: 1927. p. 9)
Na nossa compreensão, isso se configurava numa das formas de disciplinar o
tipo e o modelo de roupa a ser usada por cada aluna. No que se referia especificamente
às alunas internas sobre a opção do enxoval, estas deveriam obedecer a algumas regras
específicas para a sua seleção como por exemplo, não escolher roupas finas e objetos de
valor, tendo em vista a escola não se responsabilizar pelas perdas desses. Havia também
uma recomendação particular que dizia que toda a roupa deveria ser marcada com uma
numeração cedida pela escola. Essa era uma das formas, a nosso ver, de a Escola
controlar a circulação e a organização da vestimenta que era usada diariamente pelas
estudantes internas, bem como evitar a propagação de modismos nas cores e nos estilos
a serem usados. Sob o prisma da influência do movimento higienista e de preceitos
moralizantes, Nestor Lima, na época, indicava algumas orientações a seguir na escolha
da vestimenta diária da mulher:

[...] é norma sediça da hygiene, e, pois, de educação physica, a


necessidade de preservar o organismo das intempéries por meio
do vestuário; em segundo lugar, porque um preceito da
educação moral exige o resguardo ao pudor individual através
do traje. Partindo destas duas verdades ao alcance de qualquer
espírito, não seria muito difficil admitir que toda vestimenta que
não proteger sufficientemente o corpo das irregularidades do
meio athmospherico ou não o resguardar contra a curiosidade
malsã dos olhares alheios não preenche o seu duplo fim
hygienico e moral. (LIMA, 1921, p. 15).

A Escola Doméstica de Natal aconselhava, por exemplo, que nas roupas usadas
pelas alunas, tanto nas recepções, como no viver diário da escola, não houvesse
extravagância nos detalhes e nos acessórios, não sendo permitido às aluna, o uso de
jóias e vestidos caros. Propõe, pois, através da vestimenta da aluna, a racionalização da
roupa, a higiene no seu uso, a simplicidade no modo de se vestir e para além do uso
interno da escola, ao cruzar os portões do estabelecimento de ensino “As alumnas
devem trajar com simplicidade, sendo obrigatório o uso do uniforme fora da Escola.”
(ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 29).
Os códigos do universo escolar transpareciam na organização das vestimentas
específicas, fossem as usadas durante a prática esportiva ou em ocasiões de eventos
internos da Escola, ou ainda a utilizada no dia-a-dia da sala de aula, como nos lembra
Nunes (2003, p. 17) “Nas escolas, as vestimentas específicas funcionam para seus
usuários como exigências de construção de novos papéis.” E o papel a ser
desempenhado pelas discentes na Escola Doméstica de Natal era a de mulheres
disciplinadas, bem comportadas, vestidas com simplicidade e elegância, mantendo-se
sempre limpas e organizadas. Esses valores apregoados constantemente na rotina
escolar deveriam transpor os muros da instituição, funcionando como habitus a serem
apropriados, com base em uma pedagogia que primava pelas normas higiênicas e
disciplinares que deveriam ser praticadas socialmente.

A questão do corpo, do movimento, dos exercícios ou da


ginástica é uma preocupação que ocupa lugar privilegiado na
agenda médica fazendo com que, ao tratar da educação escolar,
também inclua esse tema como um dos aspectos a ser observado
no rol de recomendações por eles estabelecidas, de modo a
produzir um colégio, alunos, alunas, professores e mestras
higienizados. (GONDRA, 2001, p. 534).

O livro intitulado „Os quatro livros da mulher: o livro da dona de casa‟ (escrito
por Paulo Combes, publicado no ano de 1917 e utilizado como fonte de consulta na
biblioteca da Escola Doméstica de Natal) muito enfatizava, no seu conteúdo, algumas
recomendações quanto ao uso de determinadas vestimentas específicas para as
mulheres. Nele, o autor sugeria à mulher reconhecer que era preciso dar ao vestuário
ares de higiene e de elegância e não de aspecto luxuoso, ou seja, o vestuário além de
cumprir o papel de adorno, era preciso ter higiene na conservação e uso das roupas.
Nesse sentido citava:

[...] os meus princípios que ofereço às meditações das donas-de-


casa: a higiene nos vestuários é indispensável; a galanteria nos
vestuários é útil ou agradável; o luxo nos vestuários é inútil e
prejudicial. Prefiram, pois, em todas as peças do vestuário, às
grandes aparências a qualidade, a utilidade, a comodidade, e a
verdadeira estética. Olhem de preferência para a solidez, a
duração, a facilidade de conservar, de lavar, de concertar. Não
comprem nada que prejudique qualquer dos dois fins justos: a
higiene e o adorno estético e, acima de tudo, nunca sacrifiquem
vestuários cômodos e de bom gosto e tornados excêntricos é
ridículo, só com o pretexto de andar à moda. (COMBES, 1917,
p. 164-165).

Nas palavras do autor, percebemos que foram feitas algumas observações


precisas para os critérios de compra e uso do vestuário feminino, destacando-se entre
esses pré-requisitos a estética, a limpeza, o zelo, a modéstia e a praticidade. Em outro
momento do livro, importante indicação sobre o vestuário é novamente retomada, dessa
vez, a preocupação do autor recai incisivamente no caráter higiênico das peças de roupa,
proporcionando bem-estar e saúde às mulheres que as vestem.

Mantendo esse caracter higiênico, poderá a dona-de-casa evitar


aos seus e a si própria grandes e pequenas doenças,
indisposições, um simples mal-estar a que todos estão sujeitos,
mais ou menos, quando se não respeita a higiene. Nunca se deve
sacrificar a higiene e a comodidade ao luxo e ao enfeite. Deve
saber zelar o cumprimento de todas as regras higiênicas que
tiver dado, explicando a razão delas – e mantendo-as com todo o
rigor. Se assim proceder, póde estar certa de que os seus hão de
ter sempre saúde, vigor, bom humor, e portanto, felicidade.
(COMBES, 1917, p. 167-168).

Nesse contexto, as indicações sobre o uso da vestimenta escolar ajudaram


a forjar hábitos, uma vez que tomamos o uniforme escolar como objeto revestido de
poder diferenciador, fascínio e forma modeladora de condutas; funcionando como
distintivo que qualificava quem o usava, na mesma perspectiva que confirma que os
“Lugares, roupas e objetos só ganham plenamente sentidos a partir das relações sociais
que se travam no cotidiano, o que pressupõe levar em conta o enquadramento social
(político e histórico) do comportamento humano e de seus valores.” (NUNES, 2003, p.
9). No sentido de qualificar quem o usava, o professor figurado no universo da cultura
escolar da Escola Doméstica não se vestia de acordo com sua vontade e gosto. Na
verdade, vestiam-se de acordo com os costumes da época que eram bem mais
disciplinadores e rígidos.
Em geral, apresentava-se para lecionar, no caso da figura masculina, geralmente
bem trajada, de terno e gravata, o que era um dos costumes da época como forma de
representar uma moralidade que deveria estar visível na sua aparência física, como
também na sua mobilidade do corpo. Essa também era uma exigência legal para o
provimento de algumas disciplinas de ensino quando efetivada a seleção de professores
para lecionar nas escolas públicas e particulares do Estado do Rio Grande do Norte,
exigindo-se do professor a moralidade em seus atos que poderia ser expressa nas formas
de se comportar e acreditamos, de se vestir. A Lei n. 405 de 29 de novembro de 1916,
que organizou o ensino primário, secundário e profissional no Estado do RN, em seu
Artigo primeiro do Capítulo V, Título 7, especificava dentre os vários direitos e deveres
do professor o de “dar exemplo de cortezia e moralidade em seus actos, tanto na escola
como fora della.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 91).
No caso específico das docentes e diretora da Escola Doméstica, essas
geralmente mantinham os critérios elencados na legislação local, bem como seguiam os
costumes do período quanto ao uso de decotes comportados, cumprimento da roupa
abaixo do joelho, uso de chapéu, poucos adereços, o não uso de maquiagens ou o não
excesso delas enfim, abolindo quaisquer objetos que pudessem mascarar exemplos de
moralidade e abrisse espaço para questionar a conduta pessoal, como evidencia a
fotografia a seguir, do primeiro corpo docente da Escola Doméstica de Natal:
FOTO - Registro fotográfico da primeira turma de docentes da Escola
Doméstica de Natal, 1919.
Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Observemos os detalhes especificados nas vestes dos professores e professoras,


evidenciando que para lecionar na Escola Doméstica o (a) docente não poderia se vestir
com qualquer peça do seu vestuário, tendo em vista que era esperado dele ou dela uma
apresentação física que refletisse uma personalidade forte, moral e intelectual. A
imagem em destaque, rica em detalhes, revela, a nosso ver, os costumes da época
expressos, por exemplo, nas formas de se vestir, calçar, de sentar, nos reportando a um
tempo em que ser professor significava muito mais do que possuir o domínio do saber
pedagógico e específico, vagando para outras simbologias e representações expressas
nas condutas pessoais e nas relações estabelecidas entre indivíduo e sociedade.
Hobsbawm (2001), ao analisar o papel da mulher inglesa no início do século
XX, destaca em relação às modas femininas que:

[...] ainda que a moda feminina não expressasse dramaticamente


a emancipação até uma época posterior à Primeira Guerra
Mundial, o desaparecimento das armaduras de tecidos e
barbatanas que encerravam o corpo feminino em público já era
antecipado pelas roupas soltas e flutuantes, popularizadas no
final do período, pelas vogas do esteticismo intelectual da
década de 1880, do art-nouveau e da alta costura pré-1914.
(HOBSBAWM, 2001, p. 288).

Tecendo uma breve comparação com os dados apontados pelo autor e os


costumes apropriados e aflorados particularmente no Brasil no período pós Primeira
Guerra Mundial, veremos que muito dos modismos do estrangeiro penetraram na nossa
cultura, refletindo na nossa cultura do corpo. Como a Escola Doméstica foi espelhada
num modelo de educação Suíça, em muito o seu quadro pedagógico refletiu esse estilo,
como também as primeiras docentes a lecionar trazendo, na sua bagagem cultural, a
influência do seu estilo de vida, seja da Alemanha, da Bélgica, dos Estados Unidos, da
França, da Inglaterra.
Entendemos, portanto, que a vestimenta historicamente serviu como objeto
cultural e hierarquizador, classificando quem o usava, distinguindo a diretora, o
professor e a aluna no universo da cultura escolar da Escola Doméstica de Natal. Neste
sentido, o uniforme escolar usado pelas discentes da Escola Doméstica de Natal
correspondia ao modelo de aluna a formar e seguia alguns costumes da época
delineados nos modismos da Europa e nos valores virtuosos de como uma senhorita de
família tradicional deveria vestir o seu corpo. As práticas que funcionam no interior
escolar, especificadas na rotina da escola, nas ações curriculares, no tempo escolar, e
também nas formas de vestir e disciplinar o corpo favorecia diversas aprendizagens a
partir do uso desses objetos.
Destacamos também que a vestimenta escolar, seja a das (os) professoras (es)
ou das alunas, estava inserida num quadro esboçado do currículo escolar expresso nas
finalidades da Escola, por isso, fazer parte, por exemplo, do quadro docente não era
realidade de qualquer professora que acabara de se formar na Escola Normal de Natal;
alguns critérios eram esboçados para além da formação pedagógica específica; com
também compor o universo do alunado não era realidade de qualquer mulher que se
dispusesse a estudar na Escola Doméstica.
Esse referencial apontado demarcava, portanto, quem estudava, quem lecionava
e como deveria se mover e se vestir esses sujeitos nos espaços da Escola, disciplinando
o corpo, na perspectiva apontada por Foucault (1997), de submeter o indivíduo a uma
modelagem silenciosa, minuciosa que age como se fosse uma mão invisível, tornando
cada vez mais contornos definidos do que se quer formar, modelando comportamentos,
formando sujeitos delineados por uma cultura própria. No caso específico do
fardamento escolar da Escola Doméstica de Natal, ele funcionou como símbolo da
instituição e requereu de Henrique Castriciano de Souza algumas definições sobre o seu
modelo que diferiu do clássico fardamento escolar nas cores azul e branco.

Henrique bateu-se contra o fardamento, o uniforme escolar,


enfeitadinho e vistoso. Decidiu-se pelo avental ou traje externo
todo branco, com linha simples de botões, meias, sapatos,
gorros, brancos. Houve resistência, mas a Escola Doméstica,
quando passeava com as suas alunas ou comparecia às
festividades, causava impressão nova, uma graça visual distinta,
movimentada e sugestiva, tão diversa dos indumentos
ordinários, escuros e convencionais. A farda da Escola
Doméstica, por não ser tipicamente farda, é a mais original e
atraente. Graças a Deus, tem sido mantida. (CASCUDO, 1965,
p. 137).

Originalidade e singularidade seriam uma das marcas representativas do


currículo da Escola, que se esboçariam, por exemplo, no modelo do fardamento escolar.
Este era feito de tecido de linho branco, mudando para fustão e posteriormente para o
terbrim, evidenciando nessas mudanças as adaptações ao clima, à vida moderna, que
passou a exigir um tipo de roupa que não demandasse muito tempo para ser organizada
(o linho branco, ao contrário, tecido escolhido inicialmente exigia da mulher o uso do
ferro e goma, mais cuidados e trabalho).
Percebemos, portanto, que a vestimenta escolar, tanto a do docente
quanto da discente, trazia espelhada, no seu modelo, diversas simbologias expressas na
rotina escolar, em cada momento específico da aluna se apresentar, seja na atividade de
Educação física, na sala de aula, nas festividades, quanto no momento do professor dar
aula e/ou participar das solenidades de formatura. A vestimenta, nessas situações
diversas, era um dispositivo de distinção que ia se firmando no interior da Escola
enquanto um distensor de saberes e poderes com base na cultura escolar construída. O
uniforme escolar pode ser considerado, portanto, naquele contexto em que foi usado,
como símbolo de disciplinarização, sutileza e tradição na Escola Doméstica de Natal.

REFERÊNCIAS
AS MODAS E A EDUCAÇÃO. Revista pedagogium. Natal: Typografia Natalense,
1921.
CASCUDO, Luís da Câmara. Nosso amigo Castriciano. Natal: Imprensa
Universistária, 1965.

COMBES, Paulo. Os quatro livros da mulher: o livro da dona de casa.2.ed. Porto


Companhia Portugueza Editora, 1917. Acervo da Biblioteca Auta de Souza).

ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL. Plano geral de ensino. Natal, Typ. e Pap. A.


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