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autor do original
BRUNO GILABERTE FREITAS
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2016
Conselho editorial rafael m.iório filho, camille guimarães, roberto paes, gladis
linhares
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.
isbn: 978-85-5548-262-5
Prefácio 9
1. Concurso de Pessoas 11
1.1 Primeiras linhas 13
1.2 Requisitos para configuração do concurso de pessoas 14
1.3 Espécies de participação: a autoria 15
1.3.1 Perspectiva unitária 15
1.3.2 Perspectivas diferenciadoras 16
1.3.2.1 Teoria subjetiva 16
1.3.2.2 Teoria formal-objetiva 16
1.3.2.3 Teoria do domínio do fato 16
1.3.2.3.1 Autoria imediata 17
1.3.2.3.2 Autoria mediata 17
1.3.2.3.3 Autoria funcional 18
1.3.2.3.4 Existe um “autor intelectual” na teoria do domínio do fato? 19
1.3.3 Coautoria alternativa, coautoria sucessiva,
autoria colateral e autoria incerta 20
1.4 Espécies de participação: participação em sentido estrito 21
1.4.1 Teorias que fundamentam a participação
(quanto à estrutura do delito) 22
1.4.1.1 Teoria da acessoriedade máxima 22
1.4.1.2 Teoria da acessoriedade mínima 22
1.4.1.3 Teoria da acessoriedade limitada 22
1.4.2 Modalidades de participação 22
1.5 Punibilidade da participação 23
1.6 Coautoria e participação em sentido estrito
nos crimes culposos 24
1.7 Cooperação dolosamente distinta ou
desvio subjetivo de condutas 25
1.8 Comunicabilidade das circunstâncias 26
2. Concurso de Crimes 31
3. A Pena 51
3.1 Conceito 53
3.2 Teorias da pena 53
3.2.1 Teorias retributivas 54
3.2.2 Teorias preventivas 55
3.2.2.1 Teoria da prevenção geral negativa 56
3.2.2.2 Teoria da prevenção especial 56
3.2.2.3 Teoria da prevenção geral positiva 56
3.2.3 Teorias unificadoras, ou ecléticas, ou mistas 57
3.2.4 Teoria agnóstica da pena 57
3.3 Princípios relativos às penas 58
3.3.1 Legalidade 58
3.3.2 Humanidade das penas 58
3.3.3 Personalidade 59
3.3.4 Inderrogabilidade 59
3.3.5 Proporcionalidade 59
3.4 Espécies de penas 60
3.4.1 4.1. Penas privativas de liberdade 62
3.4.2 Penas restritivas de direitos 63
3.4.2.1 Prestação pecuniária (inciso I) 63
3.4.2.2 Perda de bens e valores (inciso II) 64
3.4.2.3 Prestação de serviços à comunidade ou
a entidades públicas (inciso IV) 64
3.4.2.4 Interdição temporária de direitos (inciso V) 65
3.4.2.5 Limitação de fim de semana (inciso VI) 67
3.4.3 Pena de multa 68
4. Aplicação da Pena 71
6.1 Conceito 119
6.2 Espécies 119
6.3 Princípios 121
6.3.1 Princípio do ne procedat judex ex ofício
ou da iniciativa das partes 121
6.3.2 Princípio do ne bis in idem 122
6.3.3 Princípio da obrigatoriedade ou compulsoriedade 122
6.3.4 Princípio da conveniência ou oportunidade 123
6.3.5 Princípio da indisponibilidade 123
6.3.6 Princípio da disponibilidade 124
6.3.7 Princípio da indivisibilidade 124
6.4 Condições da ação 125
6.4.1 Interesse de agir 125
6.4.2 Possibilidade jurídica do pedido 125
6.4.3 Legitimidade da parte 126
6.4.4 Justa causa 126
6.5 Ação penal nos crimes complexos 127
6.6 Ação penal nos crimes sexuais 128
6.7 Ação penal e Lei n. 11.340, de 2006 130
Bons estudos!
9
1
Concurso de
Pessoas
O tema concurso de pessoas, além de constituir importante etapa na imputa-
ção de condutas criminosas, é tema recorrente em exames e concursos públi-
cos. É matéria, ainda, corriqueira na prática penal, de modo que magistrados,
promotores de justiça, delegados de polícia, defensores públicos e advogados
devem conhecê-la profundamente.
Nesse capítulo, analisaremos os requisitos de configuração e as modalida-
des do concurso de pessoas, bem como peculiaridades sobre a autoria e a par-
ticipação em sentido estrito, observando detidamente as importantes teorias
que permeiam o assunto. Não obstante, estudaremos os reflexos do tema na
responsabilização penal.
OBJETIVOS
• Compreender o conceito de concurso de pessoas e sua importância na delimitação da
responsabilidade penal.
• Distinguir autoria de participação em sentido estrito, observando a evolução das teorias
sobre o tema.
• Observar a influência das teorias de origem europeia na constituição de um conceito
de autor.
• Perceber os reflexos da matéria na subsunção do comportamento à norma penal.
12 • capítulo 1
1.1 Primeiras linhas
As infrações penais, em sua maioria, podem ser praticadas por apenas um in-
divíduo, que, em virtude dessa atuação isolada, será considerado seu autor. To-
davia, também podem ser objeto de uma prática plural, naquelas hipóteses em
que duas ou mais pessoas, subjetivamente vinculadas, contribuem para a sua
ocorrência. Nesse último caso, estaremos diante do fenômeno do concurso de
pessoas.
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SAIBA MAIS
Para perceber a dinâmica de um concurso de pessoas, recomenda-se o filme Assalto
ao Banco Central (2011).
Quando o crime aceita cometimento por uma pessoa, ou por várias, ele é
classificado como delito de concurso eventual, ou monossubjetivo. O homicí-
dio (art. 121, CP), por exemplo, se encaixa nesta classificação, assim como o
roubo (art. 157, CP), o estupro (art. 213, CP), a embriaguez ao volante (art. 306
da Lei n. 9.503/97) e o tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/06), entre outros.
Podemos vislumbrar um homicídio em que haja um único autor? Claro que
sim! Basta pensarmos em uma briga de bar, em que duas pessoas discutem, até
o momento em que uma delas saca uma arma e, tomada pela ira, mata a outra.
E pode ele ser praticado por duas ou mais pessoas? A resposta é igualmente po-
sitiva. Tomemos como exemplo a mesma briga de bar, agora entre três pessoas.
Duas delas investem contra a terceira e passam a agredi-la aos socos e chutes
até a provocação de sua morte. O homicídio, portanto, é monossubjetivo.
No entanto, o concurso de pessoas pode ser obrigatório em alguns tipos pe-
nais, ocasião em que estaremos diante de crimes plurissubjetivos, ou de con-
curso necessário. Como exemplos, podemos citar a associação criminosa (art.
288 do CP), em que se exige vínculo associativo entre três ou mais pessoas; a
associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343, de 2006), que re-
quer a presença de no mínimo dois associados; e a organização criminosa (art.
1º, § 1º, c/c art. 2º, ambos da Lei n. 12.850, de 2013), composta por ao menos
quatro agentes.
capítulo 1 • 13
1.2 Requisitos para configuração do
concurso de pessoas
14 • capítulo 1
1.3 Espécies de participação: a autoria
O concurso de pessoas pode se dar por atos de autoria ou de participação em
sentido estrito. A divisão entre essas duas categorias de participantes (autores
e partícipes) não é isenta de controvérsias, de modo que é imprescindível uma
imersão nas teorias que buscam precisá-la.
Mas antes de qualquer aprofundamento teórico, impõe-se uma considera-
ção aparentemente simples, mas que fará toda diferença na compreensão do
tema: a distinção entre autoria e participação não se reflete necessariamente
na punição a ser aplicada ao agente. Isto é, a participação em sentido estrito
não implica pena inexoravelmente menor, ou a autoria punição mais severa ao
infrator. Embora o partícipe não seja a figura principal da infração (o autor é
essa figura), fica ele sujeito às mesmas margens penais (penas mínima e máxi-
ma) cominadas abstratamente ao delito praticado pelo autor. A quantidade de
pena que será imposta dentro dessas margens penais é outra conversa. Há atos
de participação em sentido estrito, embora não seja uma regra geral, que rece-
bem o tratamento de agravantes (art. 62, II, do CP, v. g.), ou seja, determinarão
pena mais grave.
Com essa consideração, podemos passar às teorias que sustentam o concei-
to de autor.
capítulo 1 • 15
1.3.2 Perspectivas diferenciadoras
Insinuada por LOBE em 1933 e referida por WELZEL em 1939 (com a nomencla-
tura “domínio final do fato”), a teoria do domínio do fato só recebeu seus atuais
contornos a partir dos estudos de ROXIN (1963). Busca estabelecer um crité-
rio mais preciso de distinção entre autoria e participação em sentido estrito. A
teoria tem o autor como a figura central do delito, o que pode ocorrer em três
hipóteses: (a) autoria imediata; (b) autoria mediata; e (c) autoria funcional.
16 • capítulo 1
1.3.2.3.1 Autoria imediata
1 ROXIN, Claus. Sobre a mais recente discussão acerca do "domínio da organização" (Organisationsherrschaft). In:
AMBOS, Kai et al. Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 311.
capítulo 1 • 17
uma elevada propensão ao cometimento do crime, enumerando três razões:
“em primeiro lugar, porque no âmbito da organização de poder a ordem exerce
pressão no sentido de seu cumprimento; em segundo lugar, porque a desvin-
culação do sistema em relação ao direito faz com que o executor suponha que
não há razão para temer consequências penais; e, em terceiro lugar, porquanto
a fungibilidade do executor induz à ideia de que o fato não depende da sua con-
duta, uma vez que, mesmo sem ele, outro de todo modo o realizaria.” Esta teo-
ria é especialmente importante na chamada “criminalidade de Estado”, como
no caso do aparato de poder nazista, é vem sendo aplicada pelo Tribunal Penal
Internacional (TPI), como no caso “Katanga” (2008). Todavia, existe polêmica
sobre sua incidência sobre a criminalidade empresarial. Embora alguns sus-
tentem que ali pode existir o domínio de um aparato organizado de poder, no
mais das vezes as ordens não são emitidas em uma organização desvinculada
do direito, falecendo um dos requisitos para seu reconhecimento.
MULTIMÍDIA
SAIBA MAIS
Filmes recomendados sobre o domínio de um aparato organizado de poder: A Queda –
As últimas horas de Hitler (2004) e Os Bons Companheiros (1990).
18 • capítulo 1
gindo um preço como valor do resgate. A conduta daquele que mantém a liber-
dade de locomoção da vítima cerceada, isoladamente, caracteriza o crime do
art. 148, CP; já daquele que exige a vantagem, se subsume ao art. 158, CP. Reci-
procamente imputadas, contudo, surge para ambos o crime do art. 159 do CP.
Mesmo a pessoa que dá a ordem para o crime, ou que o planeja, pode res-
ponder em autoria funcional com os executores, desde que participe dos atos
de execução, ainda que organizando-os remotamente (por exemplo, determi-
nando cada tarefa via radiotransmissor durante o curso da empresa crimino-
sa). O simples planejamento ou a simples ordem dissociados das atividades
executórias, contudo, são atos de mera participação, salvo se praticados em
um aparato organizado de poder.
Coloquemos, portanto, a teoria do domínio do fato de forma esquematizada:
Autoria imediata
(domínio da ação)
Erro determinado
por terceiro; executor
inimputável; coação
Teoria do domínio Autoria mediata
do fato (domínio da vontade)
Domínio de um
aparato organizado
de poder
Autoria funcional
(coautoria)
2 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2007. p. 505.
capítulo 1 • 19
comum).” Como se vê, embora admitindo a autoria intelectual, a lição confun-
de autoria intelectual com autoria por domínio da organização, mesclando esta
última espécie com a autoria funcional.
Contrariamente opinando, Alaor Leite e Luís Greco3 refutam a figura
do autor intelectual: “A ideia de que, segundo a teoria do domínio do fato,
ter-se-ia aqui autoria, de que o ‘mandante’ (termo, diga-se de passagem, colo-
quial e de conteúdo jurídico obscuro) é autor, de que existiria um ‘autor intelec-
tual’, é um grande equívoco cuja origem parece ser o pequeno livro de D. Jesus.
A raiz do equívoco é uma confusão entre domínio do fato, autoria mediata por
domínio da organização e instigação. É verdade que quem aceita a autoria
mediata por domínio da organização transforma algumas hipóteses de insti-
gação em autoria. Mas apenas algumas hipóteses, aquelas em que o comando
é dado a partir de uma organização em que se apresentam os três requisitos
acima mencionados.”
3 LEITE, Alaor; GRECO, Luís. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato: sobre a distinção entre autor
e partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do fato: Estudos introdutórios sobre o
concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Martial Pons, 2014. p. 38.
20 • capítulo 1
c) Autoria colateral: caso em que não há coautoria, em virtude da ausên-
cia de liame subjetivo entre os executores. Por exemplo, duas pessoas ingres-
sam em uma mesma loja e, simultaneamente, furtam peças de roupa. Todavia,
cada qual desconhece a conduta da outra, de modo que não se encontram psi-
cologicamente vinculadas. Assim, haverá dois crimes de furto simples (art. 155,
CP), cada um imputado a um dos executores, e não um único crime de furto
qualificado pelo concurso de pessoas (art. 155, § 4º, IV, CP).
d) Autoria incerta: espécie do gênero autoria colateral, na qual é impossí-
vel precisar quem produziu o resultado. Tomemos como exemplo a vítima que,
perseguida por um inimigo, ingressa na viela de uma comunidade dominada
pelo crime organizado. Um dos criminosos locais, percebendo a correria, ati-
ra em direção à vítima ao mesmo tempo em que o inimigo que a perseguia.
Atingida em pontos vitais por ambos os disparos, a vítima falece sem que se
possa precisar qual das condutas efetivamente provocou o resultado. Não exis-
tindo concurso de pessoas e não sendo possível determinar quem consumou o
crime, ambos os atiradores respondem por crime tentado, um para cada autor.
Houvesse concurso de pessoas, a responsabilização seria por crime consuma-
do, imputável a ambos.
capítulo 1 • 21
1.4.1 Teorias que fundamentam a participação (quanto à estrutura
do delito)
22 • capítulo 1
aplicando-se, no que concerne ao conflito aparente de normas, o princípio
da subsidiariedade.
Não devemos olvidar da participação por omissão, que ocorre nos mesmos
moldes da omissão imprópria, desde que haja vinculação subjetiva entre o
agente garantidor que se omitiu e o autor da conduta criminosa. Podemos citar
como exemplo o caso do segurança particular que, podendo agir, dolosamente
deixa de evitar um furto.
capítulo 1 • 23
1.6 Coautoria e participação em sentido
estrito nos crimes culposos
24 • capítulo 1
Todavia, no Brasil, majoritariamente se aceita a coautoria em crime culpo-
so, embora não a participação em sentido estrito. O exemplo mais difundido é
aquele em que dois trabalhadores da construção civil, do alto de um prédio que
por eles é erguido, pegam cada qual uma extremidade de determinada viga e a
lançam descuidadamente em direção à via pública, ato que produz a morte de
um transeunte. Se para Nilo Batista tal conduta representaria autoria colateral,
contrariamente se
argumenta pela adesão subjetiva de vontades, com ambos os trabalhadores
concorrendo para o mesmo crime.
capítulo 1 • 25
1.8 Comunicabilidade das circunstâncias
Tema versado no art. 30 do CP, que possui a seguinte redação: “não se co-
municam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando ele-
mentares do crime”.
A simples leitura do dispositivo já deixa evidente a existência de alguns
conceitos: de um lado, as chamadas circunstâncias e condições, e, de outro,
as elementares. Por sua vez, o art. 30 agrega qualidades a esses conceitos, os
quais podem ostentar natureza pessoal (subjetiva) ou (embora o texto não diga,
é uma conclusão óbvia) impessoal (objetiva).
Circunstâncias e condições são dados acessórios ao tipo penal, ou seja, que
orbitam a previsão típica fundamental, interferindo em sua punibilidade. Em
outras palavras, incidem sobre a pena, quer incrementando-a (qualificadoras,
causas de aumento da pena e agravantes), quer suavizando-a (privilégios, cau-
sas de diminuição da pena e atenuantes).
Elementares, ao seu turno, são os dados essenciais ao tipo penal fundamen-
tal. Isto é, constituem a estrutura básica de um crime, de modo que, se supri-
midas, operam a atipicidade da conduta ou a sua desclassificação. Tomemos
como exemplo a expressão “funcionário público”, elementar dos chamados
crimes funcionais (arts. 312 a 326 do CP). No crime de prevaricação (art. 319,
CP), se suprimida essa expressão, a conduta deixa de constituir uma infração
penal; já no crime de peculato-apropriação (art. 312, 1ª parte, CP), passamos a
ter crime de apropriação indébita (art. 168, CP).
Por circunstâncias ou elementares de caráter pessoal (subjetivo), entenda-
mos aquelas que se referem ao autor do fato (e não ao fato propriamente dito).
Podemos citar, de forma exemplificativa, os motivos do crime (motivo fútil, tor-
pe, nobre, de relevante valor moral etc.), estados alterados de ânimo (estado
puerperal, domínio de violenta emoção), dados qualificativos (profissão, esta-
do civil, relações de parentesco) e outras. Serão elas impessoais (ou objetivas)
quando se coligarem ao fato (por exemplo, meios e modos de execução; carac-
terísticas de objetos, como “arma de uso restrito” etc.).
Feitas tais considerações, impõe-se dizer que o art. 30 é norma atinente ao
concurso de pessoas. O que se quer saber aqui, em suma, é o seguinte: caso
duas ou mais pessoas pratiquem um crime em conjunto e as circunstâncias ou
elementares só se referirem à atuação de uma delas, podem essas circunstân-
cias ou elementares se estenderem aos demais participantes?
26 • capítulo 1
No que concerne às circunstâncias e condições, a resposta dependerá de
sua natureza: se forem pessoais, há incomunicabilidade; se impessoais, co-
municabilidade. Assim, se um casal registra como seu o filho de outrem (crime
do art. 242 do CP), mas apenas um deles está imbuído por motivação nobre,
somente ele poderá ser beneficiado pelo parágrafo único do mesmo artigo. O
outro integrante do casal, não. Por outro lado, se o executor de um homicídio
opta por matar a vítima mediante emboscada, tanto ele, quanto aquele que or-
denou a morte, responderão por homicídio qualificado. No primeiro exemplo,
a circunstância é de caráter pessoal, mas não no segundo.
Já no que tange às elementares, não importa se são elas de caráter pessoal ou
impessoal: sempre haverá comunicabilidade. É o que ocorre, por exemplo, em
relação ao particular que instiga um funcionário público a aceitar a proposta de
corrupção que lhe fora feita por outrem. Embora a qualidade funcional tenha na-
tureza subjetiva, ela se comunicará aos demais participantes do crime, o que leva
à responsabilização de autor e instigador por corrupção passiva (art. 317, CP).
Esquematizando:
Artigo 30 do Código
Penal
Circunstâncias e
Elementares
condições
capítulo 1 • 27
ATIVIDADE
Para uma melhor compreensão de tudo o que foi estudado até agora, sugere-se a análise do
seguinte exercício de fixação, adaptado de um caso real ocorrido no interior do Estado do Rio
de Janeiro (os nomes usados são fictícios):
Desejando a morte do amante João, Maria inventa um estupro e convence seu filho Pe-
dro a se vingar do suposto estuprador. Pedro, então, manda uma mensagem a João, pedindo
que este vá até sua casa. Enquanto aguarda a chegada da almejada vítima, Pedro recebe
a visita de Antônio, seu amigo, que lá passara para uma conversa informal, ocasião em que
Pedro revela ao amigo o que pretende fazer. Logo depois João chega ao mesmo local. Pedro
pede a João que se sente, ao passo em que Antônio, mesmo sem combinar previamente
qualquer conduta com Pedro, vai até a porta e a tranca, objetivando impedir eventual fuga de
João. Em seguida, Pedro, que sequer percebera a atividade de Antônio, se aproxima da víti-
ma pelas costas e desfere uma machadada em sua cabeça. Com a morte da vítima, Pedro e
Antônio carregam João para o quintal e, revezando-se, escavam uma cova, na qual depositam
o cadáver, com a intenção de ocultá-lo. Refletindo sobre o caso concreto e sobre a participa-
ção de cada uma das pessoas nele citadas, como deve se dar a responsabilização penal dos
envolvidos? Quais são autores e quais são partícipes dos crimes praticados?
RESUMO
Após todo o conteúdo estudado, podemos sintetizar assim os pontos mais importantes
da matéria:
• O concurso de pessoas consiste na prática de um mesmo delito por uma pluralidade de
pessoas, subjetivamente vinculadas.
• Podem participar de um crime duas categorias distintas de intervenientes: os autores e os
partícipes. Essa distinção não influencia necessariamente na pena a ser imposta, pois, em
determinadas circunstâncias, podem os partícipes suportar punições mais severas do que as
reservadas aos autores.
• A definição do conceito de autor passa por perspectivas unificadoras e diferenciadoras.
As diferenciadoras são explicadas por diversas teorias, sendo que as mais difundidas são a
teoria subjetiva, a objetivo-formal e a do domínio do fato.
• A participação em sentido estrito é uma conduta acessória, consistente em induzimento,
instigação ou auxílio (cumplicidade) ao autor, cuja punibilidade depende do início dos atos
executórios. Também se baseia na teoria da acessoriedade limitada, exigindo-se apenas que
28 • capítulo 1
a conduta do autor seja típica e antijurídica para que o partícipe seja punido. Dispensa-se a
culpabilidade do autor.
• Em regra, nosso ordenamento jurídico adota a teoria monista. Isso significa que todos
aqueles que participam de um evento criminoso respondem pelo mesmo crime. Há exceções,
contudo, como na cooperação dolosamente distinta (art. 29, § 2º, CP), onde o participante só
responderá por aquilo que ele quis fazer.
• No concurso de pessoas, deve ser averiguada a comunicabilidade das circunstâncias do
crime aos intervenientes. Aquelas que sejam de caráter pessoal não se comunicarão, ao
contrário das circunstâncias de caráter impessoal. As elementares sempre se comunicam.
capítulo 1 • 29
30 • capítulo 1
2
Concurso de
Crimes
Tema de extrema importância na chamada teoria da pena, uma vez que condi-
ciona concretamente sua dosimetria, o concurso de crimes, por razões didáti-
cas, é estudado logo em sequência ao concurso de pessoas, pois em ambos os
casos tratamos de pluralidades – seja de delitos, seja de agentes. Não que haja
proximidade topológica entre ambos os assuntos: enquanto o concurso de pes-
soas é regulado pelos arts. 29 a 31 do CP, o concurso de crimes será encontrado
nos arts. 69 a 71, também do CP. Igualmente, advirta-se que não há qualquer
identidade substancial.
Encontramos, na jurisprudência, inúmeras referências ao concurso de pes-
soas, o que demonstra sua relevância e imprecisão conceitual, mormente no
que tange aos elementos caracterizadores do crime continuado, como vere-
mos. Contudo, justamente os debates em torno dos institutos tornam o tópico
muito instigante, a ponto de ser objeto constante de artigos científicos, disser-
tações e teses.
OBJETIVOS
• Distinguir o concurso de crimes, onde haverá pluralidade delitiva, do concurso aparente de
normas, hipótese de unidade delitiva.
• Reconhecer os elementos constitutivos de cada uma das espécies de concurso de crimes.
• Estabelecer o sistema de aplicação da pena decorrente em cada uma das espécies
de concurso.
32 • capítulo 2
2.1 Primeiras linhas
Por concurso de crimes devemos entender a prática, mediante uma ou mais
condutas (ação ou omissão), de duas ou mais infrações penais, em um mesmo
contexto jurídico. Significa, pois, que todas essas infrações devem ser anali-
sadas em conjunto, o que refletirá na pena a ser imposta em caso de eventual
condenação. Isso se dá porque as diversas espécies de concurso de crimes – ma-
terial, formal e crime continuado – implicam sistemas distintos de imposição
da sanção penal (sistemas da exasperação e do cúmulo material), os quais serão
estudados oportunamente.
capítulo 2 • 33
concurso material homogêneo) ou não (previstos em tipos penais distintos –
concurso heterogêneo). Por exemplo: a fim de estuprar uma mulher, o autor do
crime, ao invadir a casa da almejada vítima, primeiramente mata seu marido,
evitando assim que este imponha qualquer resistência; em seguida, mediante
grave ameaça, pratica o ato sexual por ele desejado. Nessa fictícia hipótese, te-
remos estupro (art. 213, CP) e homicídio (art. 121, CP), em concurso material.
Para que haja o reconhecimento do concurso material, é necessário que
haja uma conexão entre os fatos praticados, de modo que entre eles possa
haver julgamento em um único processo. Por esse raciocínio, quando o autor
pratica um roubo (art. 157, CP) e, dias depois, em diferente contexto, um crime
ambiental (Lei n. 9.605 de 1998), entre essas infrações penais não existirá con-
curso material.
No concurso material, as penas dos diversos crimes são aplicadas de acordo
com o sistema do cúmulo material. Isso significa que elas serão somadas na
sentença condenatória.
Aqui se impõe uma importante consideração: essa soma poderá ultrapassar
o limite de 30 anos de pena fixado no art. 75 do CP, embora a execução da pena
deva respeitar esse limite. Isto é, se, aplicado o concurso material, a pena do
agente for fixada em 45 anos de reclusão, o condenado cumprirá 30 anos de
privação da liberdade, mas não os 15 anos restantes. Esse teto de 30 anos de-
verá ser respeitado a cada unificação da pena. Suponhamos que o condenado,
após cumprir 20 anos de uma pena privativa de liberdade fixada em 30 anos
por sentença condenatória (ou seja, restando 10 anos a cumprir), seja condena-
do por novo crime a uma pena de 25 anos de reclusão. Nesse caso, os 10 anos
restantes serão somados à nova condenação (10 + 25), o que gerará uma pena
de 35 anos. Desse novo somatório, o autor cumprirá apenas 30 anos, e não os
5 anos que ultrapassaram esse patamar. No total, se somarmos os 20 anos que
o condenado já havia cumprido de pena com a nova unificação (30 anos), ele
cumprirá 50 anos de sanção penal. Isso é possível? Plenamente. Afinal, o limite
de 30 anos deverá ser respeitado a cada unificação. Dúvida: aqui há concurso
material? Não, pois, como vimos, os crimes devem se dar em um mesmo con-
texto. Unificação de penas e concurso material são coisas diferentes.
Quando as penas privativas de liberdade forem de qualidades diversas (leia-
se, reclusão e detenção), executa-se primeiro a de reclusão, de acordo com o
disposto no art. 69, in fine, CP. Em caso de aplicação conjunta de penas privati-
vas de liberdade e restritivas de direitos, haverá simultaneidade (cumprimento
34 • capítulo 2
simultâneo das penas, caso sejam compatíveis entre si), ou sucessividade
(quando incompatíveis). De toda sorte, a substituição por pena restritiva de di-
reitos não será possível em caso de pena privativa de liberdade não suspensa
(art. 69, §§ 1º e 2º).
capítulo 2 • 35
E qual é a importância dessa classificação para a teoria da pena? Dependendo
da situação, ora teremos a aplicação da pena pelo sistema da exasperação, ora
pelo sistema do cúmulo material.
O sistema da exasperação – que é aquele adotado no concurso formal per-
feito – existe para beneficiar o condenado, evitando que a ele seja aplicada uma
sanção penal exagerada. Por ele, evita-se a mera operação aritmética de soma
das penas aplicadas (que caracteriza o sistema do cúmulo material). Buscando
a suavização da sanção penal, apenas a pena de um dos crimes praticados será
imposta: a do crime mais grave, ou, se houver igual gravidade, a pena de qual-
quer um deles. E o que ocorre com os demais delitos praticados em concur-
so? São simplesmente ignorados? Negativo. Os crimes restantes determinarão
uma fração de aumento, que irá incidir sobre a pena do crime escolhido. Por
exemplo, no acidente de trânsito com cinco vítimas, duas fatais e três não-fa-
tais: a pena de um dos homicídios culposos será a escolhida para aplicação.
O homicídio restante e as três lesões corporais determinarão um aumento, de
um sexto até a metade, da pena eleita, consoante previsão do art. 70 do CP. O
número de crimes sobressalentes pode ser usado como parâmetro para definir
o patamar de aumento, inclusive: se, além do crime que houver determinado
a aplicação da pena, existir apenas um outro delito, a pena será aumentada
no mínimo, ou seja, 1/6. Se restarem dois crimes, será ela elevada em 1/5. No
nosso exemplo, como os crimes que sobraram são quatro, o aumento será de
1/3. Também o número de vítimas pode se prestar a esse cálculo. E o que fazer
com as infrações restantes quando o aumento chega em seu patamar máximo,
qual seja, 1/2? Ensina Paganella Boschi1: “Sendo metade da pena o máximo de
exasperação possível, disso resultará que, nas infrações regidas pelo concurso
formal, o número de crimes ou de vítimas excedente a seis será um indiferen-
te penal”.
Saliente-se, entretanto, que, em casos extraordinários, uma vez aplica-
do o sistema da exasperação, ele pode se mostrar prejudicial ao condenado.
Analisemos o exemplo do disparo de arma de fogo. Ao matar seu alvo, o autor
cometerá homicídio doloso (art. 121 do CP) e, ao atingir sem querer o transeun-
te que por ali passava, lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, CP). Suponhamos
que, pelo homicídio, a ele seja imposta uma pena de doze anos de reclusão,
aumentada em 1/6 em razão da lesão culposa. Isso importaria um acréscimo de
dois anos na sanção penal. Ora, a pena máxima da lesão culposa é de um ano de
1 BOSCHI, José Antônio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2014. p. 262.
36 • capítulo 2
detenção. Portanto, a exasperação está implicando pena superior àquela que
seria possível pelo sistema do cúmulo material. Mas a exasperação não existe
para beneficiar o condenado? Sim, e justamente por isso, quando o sistema da
exasperação se mostrar prejudicial, é ele afastado, com consagração do cúmulo
material (que receberá o nome de cúmulo material benéfico). É o que determi-
na o parágrafo único do art. 70, do CP.
Em caso de concurso formal imperfeito, refuta-se o sistema da exaspera-
ção e aplica-se o cúmulo material, com soma das penas dos diversos crimes
(art. 70, 2ª parte, CP).
capítulo 2 • 37
continuidade do primeiro. Nesse ponto, cabe uma importante constatação: o
art. 71, embora indique parte desses elementos, não é exaustivo, pois permite
que o julgador, fundamentadamente, incorpore outros requisitos de configura-
ção não especificados na norma. Entre aqueles dados que são relatados no art.
71, temos: (a) os crimes devem ser da mesma espécie; (b) devem eles ser pra-
ticados em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução.
O primeiro passo para se definir se, em um caso concreto, há ou não crime con-
tinuado é estabelecer a pluralidade de condutas resultando em pluralidade de
crimes, o que afasta desde logo o concurso formal, mas não o material. Em se-
guida, há se perquirir se os diversos crimes praticados são da mesma espécie.
E aqui se instala a primeira divergência, existindo, basicamente, duas posições
sobre o tema. Alguns juristas se inclinam pela existência de crimes da mesma
espécie apenas quando estes são contemplados no mesmo tipo penal (disposi-
tivo legal), admitindo apenas variações entre crimes consumados e tentados, e
entre tipos simples, privilegiados e qualificados. Por este raciocínio, furto sim-
ples (art. 155, caput, CP) e furto qualificado (art. 155, § 4º, CP) seriam crimes
da mesma espécie. Mas furto fraudulento (art. 155, § 4º, II, CP) e estelionato
(art. 171, CP), não. Adotando essa posição, podemos citar Damásio de Jesus4. É
também a posição costumeiramente aceita pela jurisprudência, ainda que não
de forma pacífica.
Outra parte da doutrina, no entanto, adota orientação diversa, defendendo
que crimes da mesma espécie são aqueles que ofendem o mesmo bem jurí-
dico e que apresentam elementos constitutivos assemelhados. Destarte, por
essa ótica, furto fraudulento e estelionato poderiam ser considerados crimes
da mesma espécie, assim como o roubo (art. 157, CP) e a extorsão (art. 158, CP);
o furto e a apropriação indébita (art. 168, CP); o estupro (art. 213, CP) e o estu-
pro de vulnerável (art. 217-A, CP), entre outros. Entre os autores que encampam
essa linha de pensamento estão Juarez Cirino5 e Rogério Greco6, entre outros.
4 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. p. 605-606.
5 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 6. ed. Curitiba: ICPC Cursos e Edições, 2014. p. 411.
6 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 17. ed. Niterói: Impetus, 2015. v. 1. p.675.
38 • capítulo 2
2.5.2 Condições semelhantes de tempo, lugar e maneira de
execução
capítulo 2 • 39
ultrapassada toda a extensão da ponte. Ainda que ocorrendo as condutas em
municípios diversos, impossível negar a continuidade delitiva. Nesse sentido,
ensina Fonseca Neto8 que “a aferição do fator espacial dependerá do caso sub
examine, dando-se preferência para o entendimento que melhor aproveite ao
agente, especialmente se os outros requisitos legais estiverem à vista (...).”
A maneira de execução, da mesma forma que os demais requisitos de confi-
guração, não precisa ser idêntica, bastando seja assemelhada, o que igualmen-
te será verificado no caso concreto. Rogério Greco9 exemplifica: “Um esteliona-
tário que pratica um mesmo golpe, como o do bilhete premiado, ou aquele que
comumente leva a efeito os delitos de furto valendo-se de sua destreza, utilizam
o mesmo meio de execução.” Em seguida, adverte o autor: “O agente, embora
possa ter um padrão de comportamento, nem sempre o repetirá, o que não po-
derá impedir o reconhecimento da continuidade delitiva, desde que, frisamos
mais uma vez, exista uma relação de contexto, de unicidade entre as diversas
infrações penais.” De toda sorte, não há segurança jurisprudencial acerca do
que devem ser consideradas maneiras de execução semelhantes. Por exemplo,
há julgados que admitem a participação de pessoas diferentes nos crimes em
continuidade (TACrimSP, Rev. 251.876-4; RA 979.943-6) e há outros que não ad-
mitem (STJ, HC 8850, publicado em 08/11/1999).
No contexto das mencionadas condições (tempo, lugar e maneira de execu-
ção) não se pode afirmar que alguma delas seja preponderante sobre a outra,
ou mesmo que a ausência de uma implica inexoravelmente inexistência do cri-
me continuado. Assim, é válida a ressalva de PAULO QUEIROZ, para quem “tais
circunstâncias devem ser apreciadas conjuntamente, já que formam um todo,
não tendo qualquer delas, por si só, valor decisivo, seja para afirmar o concurso,
seja para negá-lo10.”
40 • capítulo 2
Assim, é possível que circunstâncias objetivas que denotem o nexo de conti-
nuidade – como o aproveitamento da mesma situação ou oportunidade para
a prática delitiva – sejam reconhecidas pelo magistrado, a fim de determinar o
crime continuado.
E por que essas circunstâncias devem ser objetivas? Não poderia existir uma
condição subjetiva, com base na formulação genérica? A existência de dados
subjetivos no crime continuado é matéria controversa, como veremos. No en-
tanto, por força da interpretação analógica, esses dados não podem ser encon-
trados na expressão “outras semelhantes”. Isso porque se deve guardar parida-
de entre a cláusula genérica e os exemplos concebidos (tempo, lugar e modo de
execução), todos eles de natureza objetiva.
capítulo 2 • 41
a exigência de uma unidade de ideação, ao contrário de beneficiar quem não
merece o beneplácito legal, impede que o crime continuado seja aplicado aos
criminosos contumazes, ou seja, àqueles que fazem do crime uma espécie de
profissão, pois nesse caso não se vislumbraria o desígnio único; (c) o subjetivis-
mo é próprio do direito penal, ainda que não expresso na lei, como ocorre nas
excludentes de ilicitude (por exemplo, na legítima defesa, a ilicitude só é afas-
tada quando o sujeito ativo age sabendo-se amparado por uma causa de justi-
ficação); (d) a redação do art. 71 do CP é falha, já que se mostra muito aberta,
, não prescindindo da análise do dolo para que se demonstre que “os [crimes]
subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro.”
A jurisprudência brasileira, saliente-se, não é uníssona, ora pendendo para
a objetividade pura (STF, HC 74.183-5), ora para os influxos subjetivos (STJ, HC
10.275, publicado em 08/11/1999).
Crimes da Unidade de
mesma
espécie + Condições
semelhantes + desígnio
(divergente)
= Crime
continuado
42 • capítulo 2
2.5.6 Crime continuado específico
capítulo 2 • 43
2.5.8 Crime continuado, crime permanente e crime habitual
44 • capítulo 2
onde ele a mantém em depósito, e depois vende a droga, teremos um único
crime de tráfico, a despeito da realização de quatro dos verbos previstos no art.
33 da Lei n. 11.343/06 (importar, transportar, ter em depósito e vender). Já nos
tipos mistos cumulativos, há “autonomia funcional e respondem a distintas
espécies valorativas, com o que o delito se faz plural13”. Em outras palavras,
ocorrendo a prática de mais de um dos comportamentos incriminados, haverá
mais de um crime. É o que ocorre, por exemplo, nos artigos 208 e 244 do Código
Penal. No art. 244, se o pai, injustificadamente, deixa de pagar pensão alimentí-
cia ao filho e ainda não o socorre, estando ele gravemente enfermo, responderá
por dois delitos. Importa afirmar que, nessa hipótese (isto é, quando há tipo
misto cumulativo), estaremos diante de um concurso de crimes, inexistente no
tipo misto alternativo.
Até o ano de 2009, compelir uma pessoa mediante violência, real ou ficta, ou
grave ameaça à pratica de um ato libidinoso, poderia caracterizar dos crimes
diferentes, a saber: se a vítima fosse mulher e o ato praticado fosse a conjunção
carnal (coito vaginal), dava-se o crime de estupro (art. 213 do CP); se, contu-
do, houvesse a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal (sexo oral,
anal, masturbação etc.), independentemente do gênero da vítima, o crime era
de atentado violento ao pudor (art. 214, CP).
A Lei n. 12.015, todavia, alterou esse panorama. Esse diploma legal efetuou
profundas modificações na disciplina dos crimes sexuais, inclusive no que con-
cerne ao estupro e ao atentado violento ao pudor. Este deixou formalmente de
existir (isto é, o art. 214 foi revogado). No entanto, seu conteúdo normativo foi
transportado para o art. 213. Hoje, o estupro consiste em constranger, median-
te violência ou grave ameaça, qualquer pessoa, independentemente de gênero,
à conjunção carnal ou a ato libidinoso diverso.
Pois bem, quando buscamos compreender como se dá o concurso de crimes
nos delitos sexuais praticados mediante constrangimento, necessariamente
13 DE ASÚA, Jimenez. Tratado de Derecho Penal. Tomo III. Buenos Aires: Editorial Losada, 1963. p. 916.
capítulo 2 • 45
temos que passar pelo período anterior à vigência da Lei n. 12.015 de 2009, para
somente então entendermos a situação atual.
Para atingirmos essa compreensão, partiremos da seguinte construção: o
autor, primeiramente, praticou com a vítima – uma mulher – ato libidinoso
diverso da conjunção carnal e, logo em seguida, no mesmo contexto fático, a
conjunção carnal.
À época em que ainda havia a dicotomia entre estupro e atentado violen-
to ao pudor, impunha-se determinar inicialmente qual ato libidinoso diverso
da conjunção carnal fora praticado. Assim, suponhamos que o autor, antes da
penetração, tivesse acariciado os seios da vítima: nessa hipótese, haveria cri-
me único de estupro, com absorção dos atos libidinosos pela conjunção carnal
praticada mediante coação. Explica-se: há, no exemplo, praeludia coiti, ou seja,
atos que são considerados um prelúdio ao coito vaginal, de modo que existe
natural unidade delitiva.
E se o ato libidinoso fosse autônomo em relação ao coito vaginal, como, por
exemplo, o sexo oral? Surgia, então, o concurso de crimes. Mas em qual de suas
espécies? Descartado, de plano, o concurso formal, uma vez que cada ato li-
bidinoso caracterizaria conduta diferente (e portanto, teríamos mais de uma
conduta), a celeuma se situava entre o concurso material e o crime continuado.
Evidentemente, no caso sobre o qual ora trabalhamos, há circunstâncias seme-
lhantes de tempo, lugar e modo de execução. Quais, então, seriam os entraves
para o reconhecimento da continuidade delitiva? A jurisprudência majoritária
apontava dois: (a) estupro e atentado violento ao pudor não seriam crimes da
mesma espécie, pois previstos em dispositivos diversos14; (b) entre os crimes
inexistiria um nexo de continuidade15. Verifica-se, pois, que para a jurispru-
dência majoritária o caso seria de concurso material. Claro que havia vozes dis-
sonantes, pugnando pelo crime continuado, até porque há divergência no que
toca ao conceito de crimes da mesma espécie, como já vimos. O próprio STF
adotou essa linha de raciocínio em certa ocasião16.
Além de auxiliar no entendimento da atual dinâmica do concurso de cri-
mes nos delitos sexuais, a percepção do estado de coisas anterior à Lei n. 12.015
de 2009 tem relevância atual. Em primeiro lugar, porque ainda hoje há crimes
praticados previamente à sua vigência que continuam sob investigação ou sen-
do julgados, de forma que se faz mister a análise do conflito intertemporal de
14 STF, HC n. 75.451/SP, julg. em 11/11/1997.
15 STF, HC n. 96.959/SP, julg. em 10/03/2009.
16 HC n. 89.827/SP, julg. em 27/02/2007.
46 • capítulo 2
normas. Em segundo lugar, trazemos à colação a advertência de Gilaberte17,
verbis: “Não se pense que a discussão encimada hoje é destituída de relevân-
cia prática: no Código Penal Militar, mais precisamente nos artigos 232 e 233,
mantém-se a dicotomia entre estupro e atentado violento ao pudor.”
E se o caso proposto ocorresse hoje? A partir da unificação de estupro e
atentado violento ao pudor em um mesmo artigo, cai por terra o argumento de
que seriam crimes de espécies diferentes. Doravante, tudo é estupro, seja o ato
libidinoso o sexo oral, seja o vaginal. Assim, o STF já admitiu a continuidade
delitiva na hipótese18, inclusive deixando de lado o argumento que preconizava
a ausência de nexo de continuidade. Deve ser observado que estamos avaliando
condutas praticadas em um mesmo contexto fático. Se em contextos diferentes
(por exemplo, os estupros foram praticados em dias diversos), mas presentes as
circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução, indubitável o
crime continuado. Em havendo vítimas diversas, crime continuado específico.
Mas, exatamente no caso sob análise, a resposta não é tão simples. Isso porque
parte da doutrina e da jurisprudência entendem que os atos sexuais pratica-
dos em um mesmo contexto caracterizam crime único, pois o art. 213 contem-
plaria uma hipótese de tipo misto alternativo. Nesse sentido se posicionam
Regis Prado19 e Gilaberte20, entre outros. Na jurisprudência, algumas decisões
do STJ vão na mesma esteira. Seguindo orientação diversa, por todos, Greco
Filho21. Já Paulo Queiroz22 , embora vislumbrando crime único, não enxerga
no art. 213 um tipo misto, expondo suas razões: “Primeiro, porque já vimos que
a conjunção carnal constitui uma das possíveis formas de ato de libidinagem,
a qual, a rigor, não precisaria constar expressamente do tipo; segundo, porque,
em verdade, se o agente praticar um ou outro ato ou ambos, realizará um só e
mesmo tipo penal; terceiro, porque, ao contrário da legislação revogada, que
tipificava autonomamente, em artigos diversos, o estupro e o atentado violento
ao pudor, a reforma superou a distinção por considerá-la desnecessária; quar-
to, porque a própria classificação (crime misto cumulativo) de que se valem os
precedentes carece de fundamento e não implica forçosamente concurso de
crimes; quinto, porque interpretar cada ato libidinoso como constitutivo de um
17 GILABERTE, Bruno. Crimes contra a Dignidade Sexual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2014. p. 30.
18 HC n. 108.181/RS, julg. em 21/08/2012.
19 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
v. 2. p. 805.
20 GILABERTE, Bruno. Op. cit., p. 34.
21 GRECO FILHO, Vicente. Uma interpretação de duvidosa dignidade (sobre a nova lei dos crimes contra a
dignidade sexual). Teresina, Jus Navigandi, ano 14, n. 2.270, 18 set. 2009.
22 QUEIROZ, Paulo. Estupro: crime misto cumulativo? In www.pauloqueiroz.net, acesso em 02/10/2015.
capítulo 2 • 47
crime autônomo, relativamente a um só e mesmo tipo penal, importa em viola-
ção ao princípio ne bis in idem. Finalmente, o estupro não é de modo algum um
crime misto (alternativo ou cumulativo), visto que o tipo refere um único verbo
(constranger), sendo que o ter e o praticar ou permitir que se pratique apenas
o complementam.”
• 2 ou mais condutas
Concurso • 2 ou mais crimes
material • Mesmo contexto fático
• Sistema do cúmulo material
• 1 conduta
• 2 ou mais crimes
Concurso • Desígnio único (perfeito) ou
desígnios autônomos (imperfeito)
formal • Sistema da exasperação (perfeito: 1/6
a 1/2) ou do cúmulo material (imperfeito)
• 2 ou mais condutas
• 2 ou mais crimes da mesma espécie
Crime • Circunstâncias semelhantes de tempo,
lugar, modo de execução e outras
continuado • Específico: dolo + violência ou grave
ameaça + vítimas diferentes
• Sistema da exasperação (1/6 a 2/3 ou até 3X)
ATIVIDADE
Para uma melhor sedimentação do conhecimento adquirido, propomos a resolução do se-
guinte caso concreto: dirigindo embriagado, João, em virtude da alteração de sua capaci-
dade psicomotora, perde o controle do veículo e, sem querer, atropela três pessoas que se
encontram em um ponto de ônibus, ferindo-as. Identifique, no caso concreto, as hipóteses de
concurso de crimes e os sistemas de aplicação da pena.
48 • capítulo 2
Passamos, agora, a responder o caso, sugerindo que haja ponderação sobre ele antes da
leitura da solução: a conduta do autor se subsome aos tipos penais de embriaguez ao volante
(art. 306 da Lei n. 9.503/97) e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor ma-
jorada (três delitos, todos previstos no art. 303, parágrafo único, da mesma lei). As lesões se
encontram em concurso formal de infrações, pois, com um único comportamento (a violação
de um dever de cuidado), o sujeito ativo lesionou três bens jurídicos. Como as lesões são cul-
posas, esse concurso formal é reconhecido como perfeito, impondo a aplicação da pena pelo
sistema da exasperação. Assim, em sendo todos os delitos de igual gravidade, será escolhida
a pena de um deles, aumentada em 1/5 (em razão de existirem dois delitos sobressalentes).
E quanto à embriaguez? Há duas formas de se avaliar a questão: pode-se imaginar que,
em sendo um crime de perigo, a embriaguez restaria absorvida pelas lesões, pois representa
um estágio anterior de proteção aos mesmos bens jurídicos. No caso, teríamos a aplicação
do princípio da subsidiariedade, evitando o bis in idem. Ou seja, concurso aparente de nor-
mas, não concurso de crimes. Por outro lado, pode-se argumentar que o crime de embriaguez
ao volante é classificado como de perigo comum, expondo a coletividade a um risco de lesão,
ao passo em que as lesões são individualizadas. Ademais, o art. 306 da Lei n. 9.503/97
tem a pena mais alta. Assim, ele poderia figurar em concurso de crimes com as lesões, sem
que isso implique bis in idem. Partindo desse raciocínio, a embriaguez estaria em concurso
material com as lesões, impondo-se o sistema do cúmulo material entre ele e o conjunto
das lesões.
RESUMO
• O concurso de crimes é marcado pela existência de duas ou mais infrações penais em
um mesmo contexto jurídico, sem que haja concurso aparente de normas, o que interfere no
sistema de aplicação das penas.
• Há dois sistemas de aplicação das penas em nosso ordenamento jurídico: cúmulo material
e exasperação. No cúmulo material, há a soma das penas; na exasperação, sistema benéfico
ao condenado, a aplicação de patamares de majoração sobre a pena de um dos crimes pra-
ticados. Quando o sistema da exasperação, na prática, se torna prejudicial ao condenado, ele
é afastado, em prol do cúmulo material, ora denominado concurso material benéfico.
• As espécies de concurso de crimes são o concurso material, caracterizado pela prática
de duas ou mais condutas em um mesmo contexto, que configuram dois ou mais crimes;
concurso formal, onde uma conduta dá ensejo a dois ou mais crimes; e o crime continuado,
capítulo 2 • 49
parecido com o concurso material, mas onde, por ficção jurídica determinada por circunstân-
cias especiais, trata-se a hipótese como crime único.
• O concurso material e o concurso formal imperfeito, em que há desígnios autônomos, exi-
gem o sistema do cúmulo material; o concurso formal perfeito (desígnio único) e o crime
continuado são regidos pela exasperação.
• O crime continuado impõe que os delitos em continuidade sejam da mesma espécie, além
de praticados em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e ou-
tras, havendo dúvida sobre a exigência de um requisito subjetivo.
• Se o crime continuado for praticado mediante violência ou grave ameaça contra vítimas
diferentes, temos o crime continuado específico, previsto no parágrafo único do art. 71.
• O crime continuado não se confunde com os delitos de natureza permanente e com os
habituais, em que, de fato, há crime único.
50 • capítulo 2
3
A Pena
Passaremos a estudar, doravante, a pena, espécie do gênero sanção penal, bem
como as teorias de fundamentam – ou pretendem fundamentar – a necessi-
dade de sua aplicação. Trata-se de tema instigante e indissociável da teoria do
delito. Em outras palavras, sem compreender a pena, impossível um perfeito
entendimento sobre a infração penal.
Estudaremos ainda os princípios que sustentam a matéria, bem como as es-
pécies de penas. Não abordaremos, ainda, a forma de aplicação dessas penas,
sejam elas privativas de liberdade, privativas de direitos ou a pena de multa, o
que será reservado para o próximo capítulo. O objetivo, aqui, é apresentar as
penas ao leitor, contextualizando-as.
OBJETIVOS
• Compreender a evolução filosófica e jurídica das teorias sobre a pena, para que se reflita
sobre sua adequação ao sistema penal.
• Estudar as formas de limitação do poder punitivo caracterizadas pelos princípios penais
concernentes às penas.
• Conhecer cada uma das espécies de penas admitidas pelo ordenamento constitucio-
nal brasileiro.
52 • capítulo 3
3.1 Conceito
A pena é a consequência jurídico-penal da prática de uma infração penal por
pessoa imputável, imposta através de sentença judicial condenatória e consis-
tente em uma restrição estatal a um direito do infrator (liberdade de locomo-
ção, patrimônio etc.).
Trata-se de espécie do gênero sanção, do qual são espécies também as me-
didas de segurança (impostas às pessoas mencionadas no art. 26 do Código
Penal, ou aos chamados semi-imputáveis, ou ainda nos casos de doença men-
tal superveniente, como veremos em outro capítulo), as medidas alternativas
à pena (como as condições impostas em transação penal, instituto previsto no
art. 76 da Lei n. 9.099, de 1995, ainda que não haja consenso sobre a natureza
penal de tais medidas) e as medidas sócioeducativas (sobre as quais mais uma
vez surge divergência acerca de sua natureza de sanção, pois, impostas a ado-
lescentes infratores, teriam caráter diverso).
Em regra, a pena vem prevista no preceito secundário do tipo penal, isto é,
logo após a descrição típica do comportamento (preceito primário). Deve ser
notado que não há crime sem pena. Toda incriminação exige uma sanção penal
correspondente. Contudo, é possível que as espécies penais estejam arroladas
em dispositivos diferentes daquele em que existe a descrição comportamental,
como ocorre, por exemplo, com as penas restritivas de direitos, previstas no art.
43 e definidas nos arts. 45 a 48, todos do Código Penal (isso se dá porque essas
penas têm caráter substitutivo, como veremos).
capítulo 3 • 53
Podemos, para sistematizar e facilitar esse conhecimento, dividir as teorias
sobre a pena em retributivas, preventivas e unificadoras. Deve-se advertir, no
entanto, que as teorias que serão abordadas são muito mais profundas do que a
explicação aqui consignada. A superficialidade é proposital e necessária para a
finalidade didática a que essa obra se propõe. Consequentemente, são também
sugeridas leituras para quem desejar o aprofundamento teórico.
LEITURA
SAIBA MAIS
Indicações de livros:
Dos Delitos e Das Penas (Cesare Beccaria)
Metafísica dos Costumes (Immanuel Kant)
Vigiar e Punir (Michel Foucault)
54 • capítulo 3
Immanuel Kant, aliás, é um dos principais teóricos da Escola ora estudada.
Em sua obra Metafísica dos Costumes, rejeita qualquer finalidade externa na
pena. Como bem explicam Pacelli e Callegari2, “a punição do criminoso resul-
taria de um imperativo categórico, que pode ser entendido como um dever in-
condicional, posto na regra do agir do sujeito de modo objetivo, com pretensão
de validade universal, ou seja, posto para todos os homens que se deparassem
com aquela possibilidade de ação”. Prosseguem os autores afirmando que “a
ação, que, do ponto de vista subjetivo (de cada um) poderia se apresentar como
contingente (situada em tempo e espaço próprios), é convertida em universal
no imperativo categórico”.
Outro partidário do caráter retributivo da pena (embora aqui já se veja a
busca por uma finalidade, que não apenas a de castigar, de modo que não é
pacífica a sua alocação de entre os retribucionistas), Hegel a estabeleceu como
a negação da negação. Resumidamente, quando alguém comete uma infração
penal, estaria negando o direito, ou seja, negando validade à ordem jurídica.
A imposição da pena serviria, pois, para negar essa negação, restabelecendo a
ordem violada, ou a vigência da vontade geral.
Evidentemente, a ideia da pena como retribuição não se bastou em Kant
e Hegel, existindo outros pensadores que se tornaram seus adeptos, como
Mezger, para quem a pena é a imposição de um mal adaptado à gravidade da
violação à ordem jurídica, dicção na qual se percebe a atribuição da pena dosa-
da pelo critério da proporcionalidade.
Não se vislumbra, nas teorias preventivas (ou, para muitos, relativas), a imposi-
ção de uma pena destituída de utilidade. A pena, sempre, almejaria um provei-
to concreto. E que proveito seria este? A prevenção de novos delitos. Uma vez
violada a ordem jurídica pela prática de uma infração penal, a aplicação da san-
ção correspondente ao crime praticado teria o escopo de evitar novas violações
(afinal, não se apagará a lesão anterior): a pena se volta, portanto, para o futuro.
Nesse contexto, a prevenção admite divisões: pode ela ser geral ou especial;
bem como negativa ou positiva.
2 PACELLI, Eugênio; CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 20015. p. 38.
capítulo 3 • 55
3.2.2.1 Teoria da prevenção geral negativa
56 • capítulo 3
3.2.3 Teorias unificadoras, ou ecléticas, ou mistas
É certo que cada uma das teorias até aqui apresentadas têm seus méritos, mas
não são isentas de críticas. E muitas vezes são ilhas que podem ser interligadas
por pontes. Ou seja, são complementares. Exemplificando, as teorias retribu-
tivas têm o mérito de trabalhar com a proporcionalidade, mas são desconecta-
das das finalidades do direito penal; já as preventivas, apesar de atentas a esse
último aspecto, não impõem limites à atuação estatal, pois, ao menos em tese,
quanto mais pena, mais prevenção. Por esse motivo, autores do quilate de RO-
XIN afirmam que há a necessidade de união entre as teorias.
Nosso Código Penal, em seu art. 59, preconiza que o juiz fixará a pena “con-
forme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.
Fica claro que o diploma legal não optou expressamente por qualquer das teo-
rias, deixando a porta aberta para que sejam combinadas.
capítulo 3 • 57
3.3 Princípios relativos às penas
3.3.1 Legalidade
Emanação da dignidade humana (art. 1º, III, CF), o princípio da humanidade das
penas impõe o respeito à integridade física e moral do condenado, vedando tra-
tamentos violadores de seus direitos fundamentais. Em seu aspecto legislativo,
remonta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que esta-
belecia a proporcionalidade e a utilidade das penas (art. XV), e à Emenda VIII à
Constituição Americana, ratificada em 1791, a qual proibia a inflição de penas
cruéis e incomuns. Em suma, o Estado não pode se isentar de sua responsabili-
dade social, seja na imposição (cominação abstrata e aplicação), seja na execução
da pena, de modo que, exemplificativamente: (a) são proibidas penas cruéis e de-
gradantes, ainda que abstratamente cominadas (art. 5º, III e XLVII, CF; art. V da
Declaração Universal dos Direitos Humanos); (b) a execução da pena respeitará a
natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII, CF); (c) serão con-
feridas às presidiárias, durante a fase de aleitamento materno, condições para
que permaneçam em companhia de seus filhos (art. 5º, L).
58 • capítulo 3
3.3.3 Personalidade
3.3.4 Inderrogabilidade
3.3.5 Proporcionalidade
capítulo 3 • 59
que informa o direito penal como de ultima ratio); quando se prestar às suas
finalidades (de proteção de bens jurídicos, como forma de prevenção da vin-
gança privada, para assegurar direitos do criminoso etc.); e quando houver pa-
ridade entre a pena e a magnitude da conduta praticada.
Ao falarmos em proporcionalidade em sentido estrito, estabelecemos que a
pena deve se ajustar ao crime, não importando punição excessiva (proibição
de excesso), tampouco sanção banal (vedação à insuficiência). Essa exigên-
cia de proporcionalidade se manifesta em três momentos: legislativo, judicial
e executório.
No momento legislativo, a proporcionalidade orientará o legislador na for-
mulação da norma penal, seja por ocasião da determinação dos limites mínimo
e máximo da pena; da previsão de causas de aumento e de diminuição da pena,
de agravantes e atenuantes; ou das hipóteses de extinção da punibilidade ou de
outra forma de permissividade. A formulação desproporcional de uma norma,
quer de forma excessiva ou insuficiente, implica sua inconstitucionalidade.
A dosimetria da pena, ou seja, sua aplicação ao caso concreto pelo juiz (mo-
mento judicial), igualmente imprescinde da proporcionalidade, o que significa
que a pena será dosada de acordo com a culpabilidade do condenado. Aqui te-
mos o que chamamos de individualização da pena, princípio positivado na CF,
no art. 5º, XLVI.
Por derradeiro, também a execução da pena deve obedecer à proporciona-
lidade, ou seja, à concessão de benefícios, como a progressão de regime prisio-
nal, ou o tratamento mais severo, como no caso da regressão, devem ser pauta-
dos pela necessidade da medida, pela adequação etc.
60 • capítulo 3
exclusivamente à classificação ditada pelo Código Penal, sem maiores conside-
rações doutrinárias), podemos agrupar as penas da seguinte forma:
• Penas privativas de liberdade: aqui se alocam as penas de reclusão, de-
tenção e prisão simples (a prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas e a limitação de fim de semana, de certa forma, também são privativas
de liberdade, ainda que assim não sejam classificadas pelo Código Penal).
• Penas restritivas de direitos: a saber, prestação pecuniária, prestação ino-
minada, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou enti-
dades públicas, limitação de fim de semana, interdição temporária de direitos
e outras previstas em leis diversas (Leis n. 11.343/06, 9.503/97, 9.605/98, etc.).
• Pena pecuniária: multa (embora não seja absurdo falarmos que perda de
bens e valores, prestação pecuniária e prestação inominada também têm cará-
ter pecuniário e aqui poderiam estar alocadas).
Privativas
de
liberdade
Penas
Restritivas Pecuniária
de direitos (multa)
capítulo 3 • 61
3.4.1 4.1. Penas privativas de liberdade
62 • capítulo 3
A prisão, como pena, não pode ser confundida com a prisão processual, que
é decretada sem que haja condenação, no curso do inquérito policial ou da ação
penal, como medida cautelar (por exemplo, prisão temporária e prisão preven-
tiva). A prisão processual, portanto, não é pena. Contudo, é possível que o tem-
po de prisão processual seja subtraído da condenação final, o que se chama
detração, instituto que será estudado mais adiante.
São penas autônomas que visam a evitar a imposição de uma pena privativa de
liberdade, substituindo-a. Embora, como se vê, a regra geral seja o caráter subs-
titutivo das penas restritivas de direito, eventualmente podem surgir cominadas
de forma independente a um tipo penal, conforme verificamos, por exemplo, no
art. 28 da Lei n. 11.343, de 2006. Passemos, então, às espécies de penas restritivas
de direitos previstas no Código Penal (é possível que haja outras, regulamentadas
em lei especial), seguindo a ordem ditada pelo art. 43 do CP.
capítulo 3 • 63
3.4.2.2 Perda de bens e valores (inciso II)
64 • capítulo 3
com as aptidões do condenado. Em seguida, cientificará o condenado sobre a
entidade, dias e horários em que deverá comparecer (art. 149 da Lei n. 7.210,
de 1984). Caso a pena se mostre inadequada, o juiz poderá alterar sua forma
de execução (arts. 148 e 149, III, da Lei n. 7.210, de 1984). Incumbirá à entida-
de beneficiada o controle de cumprimento da pena, encaminhando relatórios
mensais ao juízo da execução penal (art. 150 da Lei n. 7.210, de 1984).
De acordo com o art. 55 do CP, a pena de prestação de serviços terá duração
idêntica à pena privativa de liberdade substituída. Exemplificativamente, se
a pena de 8 meses de reclusão imposta em condenação por furto tentado for
substituída pela prestação, essa deverá ser executada ao longo de 8 meses. O §
4º do art. 46 do CP, todavia, informa que, caso a pena substituída seja superior
a um ano, o condenado pode cumpri-la em menor tempo, não inferior à metade
da pena privativa de liberdade fixada. Por exemplo, se há condenação por furto
consumado a pena de um ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação,
essa poderá ser executada durante 7 meses (metade da pena privativa imposta).
Mas isso não gera desproporcionalidade? Aquele que foi condenado por furto
tentado a uma pena menor cumprirá os serviços em tempo superior àquele que
foi condenado pelo crime consumado a uma pena maior? A proporcionalida-
de não deve ser averiguada pela duração da pena, mas pelas efetivas horas de
trabalho. Quem desejar cumprir a pena em até a metade do tempo deverá au-
mentar as horas diárias de trabalho. Por exemplo, no caso do furto consumado,
o autor poderia dedicar duas horas diárias ao trabalho, ao invés de uma. Assim
alcançaria o cumprimento da pena após 7 meses. Preserva-se, assim, a propor-
cionalidade da norma.
capítulo 3 • 65
Ao contrário das demais penas restritivas de direitos especificadas no
art. 43 do CP, a interdição temporária de direitos não é aplicada à generalida-
de de condenações que cumpram os requisitos de substituição estatuídos no
art. 44 do CP. Para que as formas de interdição sejam impostas, é necessária
uma relação de pertinência entre crime praticado e pena. Por exemplo, não
há razão para se impor a pena de proibição de inscrição em exame público ao
proprietário de um mercado condenado porque expôs à venda mercadorias em
condições impróprias ao consumo.
O primeiro inciso do art. 47 cuida da proibição do exercício de cargo, fun-
ção ou atividade pública, bem como de mandato eletivo. Explica PAGANELLA
BOSCHI4: “Cargo é o criado por lei para investidura mediante concurso públi-
co; função ou atividade é o exercício que independe da existência do cargo (p.
ex.: função de chefia no setor onde trabalham diversos titulares de cargos públi-
cos).” Mandato eletivo é aquele conferido ao seu exercente pelo voto popular.
Essa pena só pode ser aplicada quando houver a violação de deveres inerentes
às posições mencionadas no artigo. No caso do cargo, função ou atividade, não
é necessário que o crime praticado seja um delito contra a administração públi-
ca, bastando um nexo entre ele e a ocupação. No que concerne à proibição de
exercício de mandato eletivo, o dispositivo é inaplicável a deputados federais
e senadores, em virtude do preconizado no art. 55, VI, § 2º, da CF (em resumo,
nenhum poder pode decretar a suspensão do mandato nos casos mencionados;
apenas a perda do mandato poderia ser determinada pelo poder legislativo).
O inciso II trata da proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício
que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder pú-
blico. Note-se que não é qualquer ocupação remunerada que estará abrangida
pelo dispositivo, mas apenas aquelas que exigem habilitação especial (advoga-
dos, por exemplo), licença (despachantes) ou autorização (taxistas). Uma vez
mais, é necessário que haja um nexo entre o delito (tergiversação, apropriação
indébita profissional) e o trabalho desempenhado (advocacia, v. g.).
A terceira forma de interdição (inciso III) versa sobre a suspensão de auto-
rização ou de habilitação para dirigir veículos. Consoante o art. 57 do CP, “a
pena de interdição, prevista no inciso III do art. 47 deste Código, aplica-se aos
crimes culposos de trânsito”. Aqui, há se observar o disposto no art. 292 da Lei
n. 9.503, de 1997 (CTB): “A suspensão ou a proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada ou
4 BOSCHI, José Antônio Paganella. Op. cit., p. 317.
66 • capítulo 3
cumulativamente com outras penalidades”. Significa que o inciso III somen-
te pode ser aplicado quando não existir hipótese de incidência da norma ins-
culpida no CTB (por exemplo, em caso de acidente envolvendo veículo de tra-
ção animal).
A proibição de frequentar determinados lugares é a pena prevista no inci-
so IV. Busca-se, aqui, evitar a reincidência e, evidentemente, deve existir uma
relação de pertinência para com o crime praticado. Importa esclarecer que, se
houver norma especial cuidando da mesma sanção, esta prevalecerá sobre a
redação do Código Penal. É o que acontece, por exemplo, nos parágrafos 2º e
4º do art. 41-B da Lei n. 10.671, de 2003 (Estatuto do Torcedor), que contempla
o crime de promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local
restrito aos competidores em eventos esportivos: “§ 2º Na sentença penal con-
denatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de
comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em
que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de
acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter
bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condu-
tas previstas neste artigo. § 4º Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença
deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente perma-
necer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre
as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de
partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada”.
Por derradeiro, no inciso V, temos a proibição de inscrever-se em concurso,
avaliação ou exame públicos, incluída no Código Penal pela Lei n. 12.550, de
2011. Cuida-se de pena que pode ser aplicada, por exemplo, ao crime previsto
no art. 311-A, do CP, embora não exclusivamente a ele, bastando que entre pena
e infração haja a já mencionada relação de pertinência.
Sua duração será também equivalente à pena privativa de liberda-
de substituída.
Última das penas restritivas de direitos reguladas pelo Código Penal, a limita-
ção de fim de semana, regida pelo art. 48 do CP, consiste na obrigação impos-
ta ao condenado em permanecer, aos sábados e domingos, durante 5 horas
diárias, em casa de albergado ou estabelecimento adequado, ocasião em que
capítulo 3 • 67
poderão ser ministrados cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas
(parágrafo único). Nos casos de violência doméstica ou familiar contra a mu-
lher, o condenado poderá ser obrigado a frequentar programas de recuperação
e reeducação (art. 152, parágrafo único, da Lei n. 7.210, de 1984, com redação
dada pela Lei n. 11.340, de 2006).
O cumprimento da pena será fiscalizado pelo estabelecimento para o qual
foi encaminhado o condenado (art. 153 da Lei n. 7.210, de 1984) e terá duração
idêntica à pena substituída.
ATIVIDADE
Eduardo, possuidor de um revólver devidamente registrado em seu nome, cansado, após lim-
par a arma, deixa-a sobre a mesa e dorme, esquecendo-se de guardar o objeto. Percebendo
o descuido, seu filho Felipe, de 16 anos de idade, se apodera do revólver e usa-o para matar
um colega de escola, que contra ele fizera bullying. Pergunta-se: o pai pode ser punido pela
morte da vítima? Como os princípios constitucionais-penais se compatibilizam com a teoria
agnóstica da pena?
RESUMO
A pena, consequência jurídica primária da infração penal, é um instrumento sancionatório
-aflitivo cuja finalidade depende da teoria legitimadora adotada: simples castigo ao criminoso
(teoria retributiva); instrumento de coação psicológica sobre a sociedade (teoria preventiva
68 • capítulo 3
geral negativa); forma de ressocialização ou inocuização (teoria preventiva especial); ou ins-
trumento de coação coletiva, para reforçar a confiança geral na eficácia do ordenamento
jurídico (teoria preventiva geral positiva). Para alguns doutrinadores, essas teorias podem ser
mescladas em uma ideologia mais eclética. Há, ainda, quem defenda a regulamentação da
pena seja uma forma de contenção do poder político (teoria agnóstica).
Como ocorre em outros momentos do direito penal, a pena é regida por princípios, entre
os quais estão a legalidade, a personalidade, a humanidade, a proporcionalidade (de onde
extraímos a individualização das penas) e a inderrogabilidade.
Assim como é espécie do gênero sanção penal, as penas também são divididas em
subespécies, a saber: as penas privativas de liberdade, que correspondem à prisão do con-
denado; as restritivas de direitos, que em regra substituem a pena de prisão, impondo limita-
ções menos intensas; e a pena de multa, que se cuida do pagamento de um valor fixado em
dias-multa ao Fundo Penitenciário Nacional.
capítulo 3 • 69
70 • capítulo 3
4
Aplicação da Pena
Após aprendermos o que é a pena, suas espécies e os princípios e teorias que
norteiam a matéria, chegou a vez de estudarmos a aplicação concreta das penas.
Iniciaremos a tarefa com a fixação da pena privativa de liberdade, ou seja, estu-
daremos o sistema trifásico. Em seguida, abordaremos os regimes prisionais,
que são consequência da sentença condenatória privativa de liberdade. Finali-
zaremos o estudo com a aplicação das penas restritivas de direitos e de multa.
O tema é recorrente em concursos públicos e de grande relevância prática,
o que se reflete no grande número de controvérsias doutrinárias e jurispruden-
ciais existentes. A dificuldade científica, no entanto, deve ser enfrentada, pois
não há um sistema penal democrático sem a aplicação de uma pena justa.
OBJETIVOS
• Compreender o sistema trifásico de aplicação da pena e a consequente dosimetria da pena
privativa de liberdade.
• Descobrir a forma de atribuição do regime inicial de cumprimento da pena privativa
de liberdade.
• Resolver os problemas referentes à progressão e à regressão de regimes prisionais.
• Perceber como se dá a detração penal.
72 • capítulo 4
4.1 Sistema trifásico de aplicação da pena
O sistema trifásico, também chamado de sistema Nélson Hungria, é aquele
pelo qual se busca a fixação da pena privativa de liberdade em um caso con-
creto, após a condenação do réu. Tem previsão legal no art. 68 do CP.
Importa assinalar que a sentença condenatória não se basta no sistema tri-
fásico. Ao contrário, ela comporta outras etapas, como a atribuição do regime
inicial de cumprimento da pena, a verificação da possibilidade de substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a suspensão condicio-
nal da pena, a realização da detração etc.
Como o próprio nome assinala, o sistema é composto por três fases suces-
sivas, a saber: pena-base, onde é atribuída a pena inicial e são analisadas as
circunstâncias judiciais; pena provisória, consistente na avaliação de agravan-
tes e atenuantes; e pena definitiva, que é aquela onde há o cálculo final, com
observação das causas de aumento e de diminuição da pena.
Nesse ponto, para uma melhor compreensão da matéria, temos que distin-
guir as diversas circunstâncias, pois esse estudo será imprescindível à correta
aplicação do sistema trifásico.
Falamos em qualificadoras e em privilégios quando, em derivação ao tipo
simples, temos a atribuição de circunstâncias que determinam novos limites
máximo e mínimo de pena (nas qualificadoras, aumentando as margens pe-
nais e, nos privilégios, diminuindo). Assim, vejamos: no tipo simples do homi-
cídio (art. 121, caput, do CP), a pena é abstratamente cominada em 6 a 20 anos
de reclusão (limites mínimo e máximo); no homicídio qualificado, previsto no
§ 2º, onde incidem circunstâncias que o tornam mais reprovável, os limites pe-
nais passam a ser de 12 a 30 anos.
Causas de aumento e de diminuição da pena estipulam frações de incre-
mento ou de suavização da sanção penal prevista em dispositivo diverso. Por
exemplo, no roubo majorado ou circunstanciado (art. 157, § 2º, do CP), a pena
prevista no caput do artigo é aumentada de 1/3 a 1/2.
Já as agravantes e atenuantes, apesar de sua interferência inequívoca na fi-
xação da pena, não determinam, desde logo, qual será essa influência. Isto
é, o legislador não informa o quanto as penas serão agravadas ou atenuadas,
conferindo esse poder ao magistrado.
Assim, passemos a estudar cada uma das fases do sistema trifásico.
capítulo 4 • 73
4.1.1 Pena-base
Todo cálculo de pena deve ser iniciado por um número fixo, sobre o qual inci-
dirão diversas circunstâncias. Ou seja, temos que estabelecer uma pena inicial.
E essa corresponde à pena mínima cominada abstratamente ao tipo penal.
Por exemplo, um ano no furto (art. 155 do CP); 3 meses na lesão corporal (art.
129 do CP); 12 anos no homicídio qualificado (art. 121, § 2º, do CP); um ano
no parto suposto privilegiado (art. 242, p. único, CP). Perceba-se: (a) as quali-
ficadoras e privilégios são observados nessa fase, na estipulação da pena ini-
cial; (b) a eleição da pena mínima é uma decorrência do princípio da presunção
de inocência.
Em seguida ao estabelecimento da pena inicial, são analisadas as circuns-
tâncias judiciais previstas no art. 59 do CP. São chamadas de judiciais porque
quem determinará se serão benéficas ou prejudiciais é o magistrado, ao con-
trário das agravantes e atenuantes, por exemplo, onde há predeterminação da
carga valorativa. São circunstâncias judiciais a culpabilidade, os antecedentes,
a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias, as
consequências do crime e o comportamento da vítima.
A culpabilidade é o grau de reprovabilidade da conduta do autor. Trata-se
de um desdobramento da culpabilidade como substrato do conceito analítico
de crime (juízo de censura), ou seja, uma investigação mais acentuada dessa
censura, com verificação de sua interferência na pena a ser imposta. Embora
a culpabilidade seja situada como circunstância judicial, ao lado de outras,
é verdade que essas outras circunstâncias nada mais são do que expressões
da culpabilidade.
Os antecedentes se referem à vida pregressa do condenado, ou seja, se
este já se viu anteriormente envolvido em questões criminais. Aqui, há ampla
discussão doutrinária e jurisprudencial: (a) a elevação da pena-base com ful-
cro nos antecedentes é constitucional? (b) Inquéritos e ações penais em curso
podem ser considerados maus antecedentes? (c) O período posterior ao de-
puratório (reincidência) pode ser considerado para fins de caracterização dos
maus antecedentes?
Nesse ponto, para melhor compreensão da matéria, impõe-se um breve es-
tudo sobre o instituto da reincidência, para, só após, nos imiscuirmos na seara
dos antecedentes.
74 • capítulo 4
De acordo com o art. 63 do CP, “verifica-se a reincidência quando o agente
comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou
no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Ou seja, há um crime
– culposo ou doloso – e, por este delito, o sujeito ativo é condenado. A conde-
nação transita em julgado. Caso o sujeito ativo venha a cometer novo crime –
culposo ou doloso – após a condenação definitiva, será reincidente. Antes da
sentença condenatória irrecorrível pelo crime anterior, não há reincidência.
Todavia, uma vez transitada em julgado a condenação, a possibilidade
de reincidência não perdura para sempre. Ela é temporalmente limitada.
Consoante o art. 64, I, do CP, “não prevalece a condenação anterior, se entre
a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver de-
corrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de
prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”.
Resumidamente, há um período depuratório para a reincidência, findo o qual a
pessoa novamente se torna primária. Coloquemos a explicação em um gráfico,
para melhor compreensão:
capítulo 4 • 75
quando o sujeito ativo é condenado anteriormente por contravenção no estran-
geiro, praticando posteriormente nova contravenção, ou quando há condena-
ção por contravenção no Brasil ou no estrangeiro, com posterior crime. Ambas
as hipóteses não são alcançadas pelo art. 7º da LCP.
Tendo em vista o âmbito da reincidência, restaria ao reconhecimento dos
maus antecedentes tudo aquilo que não fosse abrangido pelo instituto congê-
nere: inquéritos e ações penais em curso e o período correspondente aos 5 anos
posteriores à extinção ou cumprimento da pena. Essa ponderação, contudo,
comporta críticas.
De início, saliente-se que, hoje, há séria contestação sobre a constituciona-
lidade dos institutos da reincidência e dos antecedentes. Especialmente no que
concerne à reincidência, muitos defendem que se cuida de bis in idem. Afinal,
se o sujeito já foi condenado pelo delito anterior, considerar novamente essa
condenação para exasperar a pena do delito posterior implicaria dupla punição
pelo mesmo fato.
Quanto aos maus antecedentes, a base para seu reconhecimento poderia
ser a existência de investigações ou ações penais por crimes diversos? A questão
é polêmica. Há forte corrente doutrinária sustentando a impossibilidade. Isso
porque, nos inquéritos ou ações penais, o investigado ou réu pode ser inocente.
Assim, usar esses procedimentos para a avaliação dos antecedentes de alguém
violaria o princípio da presunção de inocência (ou de não culpabilidade). Essa
é a posição do STJ, sumulada no Enunciado n. 444: “É vedada a utilização de
inquéritos policiais e ações penais para agravar a pena-base”. O STF também já
albergou esse entendimento, em decisão com repercussão geral (RE 591.054).
Todavia, o próprio STF, depois de ter sua composição alterada, sinalizou com
possível mudança de orientação. Assim, caso o Supremo efetivamente adote
posição diversa, para o tribunal passaríamos a ter como base para a determina-
ção dos maus antecedentes: (a) inquéritos instaurados; (b) processos criminais
em curso; (c) condenações criminais sem trânsito em julgado; (d) absolvições
judiciais por insuficiência de provas.
E no que concerne às condenações alcançadas pelo período depurador da
reincidência, isto é, o tempo posterior aos 5 anos contados da data da extinção
ou cumprimento da pena? Para o STJ, esse é o período em que se dá a verifica-
ção dos maus antecedentes. Por exemplo, caso João, sete anos depois de extinta
sua pena por furto, cometesse um roubo, não seria reincidente, mas portador
76 • capítulo 4
de maus antecedentes. O STF, contudo, já se manifestou contrariamente: se o
período depurador tem o poder de afastar a reincidência, produziria o mesmo
efeito para os antecedentes, pois senão se perpetuaria a condenação anterior
(HC 126315). Ademais, em se vislumbrando bis in idem na reincidência, com
consequente inconstitucionalidade, o mesmo ocorreria com os maus antece-
dentes (quando calcados em condenação irrecorrível anterior).
Por conduta social, terceira das circunstâncias judiciais previstas no art. 59
do CP, deve-se entender a forma com que o condenado se relaciona com fami-
liares e com a comunidade local (o condenado trabalha? Mantém bom relacio-
namento com vizinhos? Convive em um ambiente familiar estruturado?). Uma
crítica que pode ser feita a essa circunstância se revela na punição ao autor pelo
seu modo de ser, e não pelo que ele fez, incensando-se uma forma velada de
direito penal do autor.
A personalidade do agente também deve ser estudada nessa fase de aplica-
ção da pena. Pune-se com maior severidade o condenado que apresente perso-
nalidade “desviada”, como, por exemplo, a maior propensão para a prática de
crimes. Novamente temos uma circunstância que não é isenta de críticas: além
da complexidade que envolve o tema, não sendo o juiz pessoa apta a tal análise,
a elevação da pena sanciona o autor pelo que ele é, não por sua exteriorização
comportamental, o que viola o princípio da lesividade ou ofensividade, além
de, uma vez mais, pender para o malfadado direito penal do autor.
A motivação para o crime é circunstância que permeia toda a aplicação da
pena, ora figurando – além de sua menção no art. 59 do CP – como qualificadora
ou privilégio (arts. 121, § 2º, I, e 242, p. único, ambos do CP, por exemplo); ora
como causa de aumento ou de diminuição da pena (arts. 149, § 2º, II, e 121, §
1º, ambos do CP); ou como agravante ou atenuante (arts. 61, II, “a”, e 65, III, “a”,
do CP). Tem-se por motivação o propósito que impulsionou o agente à prática
criminosa, que pode se revestir de nobreza, altruísmo ou qualquer característi-
ca que torne o comportamento menos censurável; ou de torpeza, futilidade, ou
outra hipótese que aumente a censurabilidade.
Por circunstâncias do crime temos aqueles dados periféricos, que orbitam
o fato, conferindo-lhe maior ou menor carga de reprovabilidade: audácia des-
medida, traições, aproveitamento de facilidades determinadas por condição
pessoal, risco provocado a terceiros etc.
capítulo 4 • 77
Penúltima das circunstâncias judiciais, as consequências do crime não se
referem, por óbvio, às elementares que integram o tipo penal: a lesão suporta-
da pela vítima no art. 129 do CP, por exemplo, já faz parte do tipo consumado,
não podendo ser reavaliada para elevar a pena-base. Somente aquelas conse-
quências que não se prestam à caracterização do crime, em suas modalidades
simples e derivada, podem ser aferidas. Assim, na extorsão (art. 158 do CP), v.g.,
como a transmissão da vantagem econômica ao sujeito ativo não é condição
para a consumação do delito, pode esse resultado ser apreciado como circuns-
tância judicial.
Por derradeiro, temos o comportamento da vítima. Há certas posturas que
podem criar situações mais favoráveis à prática criminosa, como deixar bens
desprotegidos em locais onde há aglomeração de pessoas, por exemplo. Por
ser estimulada, a conduta do delinquente ofereceria menor carga de reprova-
bilidade. Evidentemente, aqui há se ter o cuidado de não consagrar tendências
preconceituosas como hipóteses de suavização da pena. Nesse diapasão, uma
mulher que usa decote não está estimulando um estupro, e, caso o autor as-
sim pense, verificar-se-á preconceito inerente a uma criação patriarcal, que não
pode ser acolhido como explicação para o delito.
Importa ressaltar que não existe a possibilidade de avaliação plural da mes-
ma circunstância, o que caracterizaria bis in idem. Assim, se a circunstância
judicial já está prevista, por exemplo, como causa de aumento da pena para o
crime em julgamento, não será ela considerada na fase de pena-base.
78 • capítulo 4
4.1.2.1 Inexorabilidade das agravantes
O art. 61, logo em seu caput, diz que as circunstâncias nele previstas sempre
agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime. A dúvida que
surge aqui é a seguinte: será que estas circunstâncias, de fato, sempre incidirão
na dosimetria da pena? A resposta é negativa.
A primeira exceção se encontra no próprio caput, pois a mesma circuns-
tância não pode servir simultaneamente para agravar e constituir o crime, ou
qualificá-lo, ou ainda aumentar sua pena, para que não se verifique indesejado
bis in idem. Assim, por exemplo, o art. 61, II, h, no que concerne ao agravamen-
to da pena quando o crime é cometido contra mulher grávida, não terá apli-
cabilidade aos crimes de aborto, pois a gravidez é pressuposto desses crimes,
constituindo-os. Da mesma forma, a motivação torpe (art. 61, II, a) serve como
agravante genérica, mas também qualifica o homicídio (art. 121, § 2º, I, CP), de
sorte que, neste crime, figurará apenas como qualificadora.
A segunda exceção está no atingimento das margens penais. Suponhamos
que, em sentença condenatória por roubo, ao apreciar uma agravante, o magis-
trado perceba que a pena já atingiu o limite máximo previsto em lei (no exem-
plo, 10 anos). A incidência da agravante poderia levar a pena além desse limite?
Não. Por conseguinte, seria ela descartada da pena provisória.
capítulo 4 • 79
de um empresário para facilitar a invasão de domicílio e consequente roubo
dos bens pertencentes a este. Na segunda hipótese, temos o crime praticado
para que outro permaneça desconhecido. Como exemplo, temos a ocultação do
cadáver da vítima de um homicídio, até aquele momento considerada apenas
desaparecida. A situação é diferente da garantia da impunidade, em que o cri-
me é conhecido e a conduta visa a evitar sua imputação aos participantes: por
exemplo, o furto de câmeras de segurança – e respectiva central de gravação de
imagens – que flagraram a execução de um estupro, evitando assim que a ima-
gem captada permita a identificação do autor. A garantia da vantagem se refere
àquilo que é auferido com a atividade criminosa, como no caso em que um dos
autores de um roubo constrange seu comparsa, intimidando-o, a fim de ficar
com a totalidade do produto do crime. Novamente temos agravantes genéricas
que, no crime de homicídio, já constituem circunstâncias qualificadoras (art.
121, § 2º, V, CP).
A pena é agravada, ainda, quando o crime é praticado à traição, de embos-
cada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou im-
possível a defesa do ofendido (art. 61, II, c, CP). Na traição, há a violação de uma
relação especial de confiança. Em virtude desta relação, ao confiar no autor, a
vítima não adota as cautelas necessárias à sua proteção, ou se defende de forma
débil. O autor, assim, aproveitando-se do fato, comete o delito. Na emboscada,
a vítima é surpreendida pelo autor, que, ao criar a tocaia, impede ou dificulta a
reação defensiva. Já na dissimulação, o autor engana a vítima para que esta não
se defenda de forma plena. Aqui o legislador usa a técnica da interpretação ana-
lógica: após enfileirar exemplos (traição, emboscada etc.), conclui a norma com
uma formulação genérica (outro recurso que dificultou ou tornou impossível a
defesa do ofendido). Uma vez mais, a agravante genérica reflete uma qualifica-
dora do crime de homicídio (art. 121, § 2º, IV, CP). Além disso, a dissimulação
é constitutiva do estelionato (art. 171, CP), do furto mediante fraude (art. 155,
§ 4º, II, CP) e de qualquer outro crime que pressuponha conduta fraudulenta.
Igualmente, a traição é qualificadora do furto (art. 155, § 4º, I, CP).
Na alínea d, encontramos a agravante referente ao crime praticado com em-
prego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou
de que podia resultar perigo comum. A par da alínea anterior, usa-se uma vez
mais a técnica da interpretação analógica, em que uma formulação casuística
é seguida de uma cláusula genérica. Assim, veneno é exemplo de meio insidio-
so (sub-reptício, escamoteado); fogo e tortura, de meios cruéis (que causam
80 • capítulo 4
sofrimento físico ou psíquico extraordinários); e explosão, de meio que pode
provocar perigo comum (risco a bens jurídicos de pessoas indeterminadas).
Essa é a última alínea que corresponde a qualificadoras do crime de homicídio
(art. 121, § 2º, III, CP). Os meios que podem causar perigo comum, outrossim,
constituem vários crimes do Código Penal, como o incêndio (art. 250, CP), a ex-
plosão (art. 251, CP), a inundação (art. 254, CP), o perigo de desastre ferroviário
(art. 260, CP), entre outros.
A agravante seguinte – alínea e – cuida do crime praticado contra ascendente
(pais, avós, bisavós etc.), descendente (filho, neto, bisneto etc.), irmão ou côn-
juge (pessoa com quem se mantém vínculo matrimonial). Pergunta-se, aqui,
se a norma pode ser estendida aos casos de união estável, impondo-se respos-
ta negativa. Casamento e união estável são institutos diferentes e o dispositivo
só menciona expressamente a primeira hipótese. Ou seja, a inclusão da união
estável em seu âmbito somente poderia se dar por analogia, que é proibida em
normas que elevam a sanção penal. As agravantes da alínea ora em estudo não
poderão ser utilizadas em crimes como o abandono material e o abandono in-
telectual, entre outros, para que não ocorra bis in idem.
Tem-se, em seguida, as agravantes referentes ao abuso de poder ou violação
de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão (art. 61, II, f, CP). Há,
no caso, a atuação que exorbita os poderes conferidos por lei, ou contrária ao
regramento legal. Cargo (público) é aquele regido por um estatuto, com deno-
minação própria, atribuições específicas e provimento em regra efetivo. Se o
servidor público pratica crime de abuso de autoridade (Lei n. 4.898, de 1965),
não incidirá a referida agravante, uma vez que a abusividade já integra o tipo
penal. Ofício é a arte laboral executada de forma mecânica, como no caso de
um marceneiro. Ministério corresponde a uma função religiosa. E profissão é
a atividade que exige especialização, sendo certo que, para que seja aplicável a
presente agravante, é necessário que ela esteja regulamentada por lei, pois só
assim poderá haver violação de deveres.
Segue-se a agravante referente ao crime cometido contra criança (pessoa
com idade inferior a 12 anos), maior de 60 anos (ou seja, idoso), enfermo (por-
tador de doença física ou mental) ou mulher grávida, prevista no art. 61, II, g,
do CP. Essas agravantes se justificam na medida em que a peculiar condição
da vítima reduz sua capacidade defensiva. Evidentemente, o sujeito ativo deve
saber dessa condição: se o crime é praticado contra mulher cuja gravidez ainda
não é aparente, por exemplo, e o autor sequer tinha condições de conhecê-la,
incidirá em erro, o que afasta a aplicabilidade da circunstância. Igualmente, há
capítulo 4 • 81
se evitar o bis in idem (por exemplo, a agravante não será aplicada aos crimes
contra idosos previstos na Lei n. 10.741, de 2003).
Segue-se circunstância concernente à maior audácia do criminoso, que res-
vala no desrespeito à autoridade pública, a saber: crime cometido contra ofen-
dido que estava sob imediata proteção da autoridade (art. 61, II, h). Saliente-se
que a vítima imediata não é a autoridade, mas a pessoa sob sua proteção, tam-
pouco a autoridade é autora do delito.
A penúltima agravante do art. 61, II, se refere ao delito praticado por oca-
sião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de
desgraça particular do ofendido (alínea i). O sujeito ativo se aproveita da situa-
ção calamitosa para a prática criminosa, obtendo, com isso, maior facilidade
em conquistar os resultados almejados. Outrossim, demonstra insensibilida-
de ímpar.
Por derradeiro, temos o crime praticado em estado de embriaguez preorde-
nada (art. 61, II, j, CP). Cuida-se, aqui, de espécie de embriaguez voluntária por
álcool ou substância de efeitos análogos. O sujeito ativo se embriaga para pra-
ticar o crime, seja para perder seus freios inibitórios, seja para fingir um estado
de inimputabilidade no momento do delito.
82 • capítulo 4
No inciso III, temos quem instiga ou determina a cometer o crime alguém
sujeito à sua autoridade (o que representa maior eficácia no convencimento ou
determinação) ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal.
A última agravante (inciso IV) se refere àquele que executa o crime, ou nele
participa, mediante paga ou promessa de recompensa. Tem-se, aqui, a figura
do crime mercenário, em que o autor ou partícipe pratica o crime em virtude da
percepção de uma vantagem anterior (paga), ou pela expectativa da vantagem
(promessa de recompensa). Tratando-se de qualificadora do homicídio (art.
121, § 2º, I, CP), a circunstância agravante não será aplicada a este delito.
Assim como ocorre com as agravantes, o art. 65 do CP, que trata das atenuantes
genéricas, afirma que as circunstâncias nele especificadas “sempre atenuam
a pena”. No entanto, ao contrário do que o art. 61 do CP faz, não ressalva as
circunstâncias que constituem ou tornam privilegiado o crime. Portanto, seria
possível interpretar a norma de modo a permitir a incidência plural de uma
mesma circunstância. Por exemplo, o valor moral (art. 65, III, a, CP), poderia
simultaneamente diminuir a pena do homicídio (art. 121, § 1º, CP) e atenuá-la.
Contrariamente opina Damásio de Jesus1: “É possível que a atenuante do art.
65 na Parte Especial do CP como causa de diminuição da pena. Neste caso, a
atenuação genérica não tem aplicação”.
E se a pena, ao chegar no momento de avaliação das atenuantes, já estiver
fixada em seu patamar mínimo. Poderia ela ficar aquém do mínimo legal?
Consoante a Súmula 231 do STJ, a “incidência da circunstância atenuante não
pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Contra, Rogério
Greco2, por todos.
A primeira atenuante (art. 65, I, CP) é etária: ser o agente menor de 21 anos à
época do fato, ou maior de 70, na data da sentença. Aqui, o legislador não en-
dossou a maioridade senil prevista na Lei 10.741, de 2003. Ou seja, não se ate-
nua a pena porque o autor é idoso. No que concerne à menoridade, sua prova é
feita com a certidão de nascimento (Súmula 74 do STJ).
1 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. p. 576.
2 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 17. ed. Niterói: Impetus, 2015. v. 1, p. 654.
capítulo 4 • 83
O inciso II traz o desconhecimento da lei, que, de acordo com o art. 21 do
CP, não isenta o agente de pena. Contudo, pode atenuá-la. Não se trata, aqui, do
erro, que é a falsa representação da realidade, mas sim da alegação consistente
em não saber da existência do diploma legal.
A divisão das atenuantes em alíneas começa no inciso III do art. 65. Na letra
a, figuram o relevante valor moral e o relevante valor social. Valor moral é aque-
le íntimo, como, por exemplo, no caso do pai que pratica um furto de brinque-
do para não deixar o filho criança sem presente em seu aniversário. Valor social
é aquele que traz um bem-estar comunitário, como no furto praticado contra
instituições financeiras para distribuição da quantia entre pessoas em estado
de pobreza.
A pena é atenuada, ainda, quando o sujeito ativo procura, por sua espon-
tânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe
as consequências, ou repara o dano causado antes do julgamento (alínea b). A
atenuante não se confunde com a causa de diminuição da pena prevista no art.
16 do CP (arrependimento posterior), pois a reparação do dano pode se dar até
o momento do julgamento (e não até o recebimento da denúncia ou da queixa),
bem como mantém sua aplicabilidade mesmo aos crimes praticados mediante
violência ou grave ameaça; tampouco se confunde com o arrependimento efi-
caz (art. 15, CP), pois a evitação ou minoração de consequências ocorrem após
a consumação do delito.
Em seguida, temos a atenuante referente ao cometido o crime sob coação
a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou
sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima (alínea
c). A coação irresistível, se física, conduz à atipicidade da conduta por ausência
de voluntariedade. Se moral, isenta de pena por inexigibilidade de conduta di-
versa (art. 22, CP). Portanto, a atenuação refere-se unicamente à coação resistí-
vel. O cumprimento de ordem pressupõe que esta seja manifestamente ilegal,
pois, caso não o seja, há igualmente isenção de pena por inexigibilidade de con-
duta diversa (art. 22). Já a influência de violenta emoção (que também engloba
a paixão), determinada pelo ato injusto da própria vítima, não se confunde com
o domínio de violenta emoção, que diminui a pena no homicídio (art. 121, § 1º,
CP). O agente não é dominado, o que obscurece seu pensamento e dificulta a
capacidade de reflexão. A influência é mais sutil, apenas tornando-o mais pro-
penso à prática criminosa.
84 • capítulo 4
A confissão espontânea da autoria, perante a autoridade, igualmente ate-
nua a pena (alínea d). Não importa se a autoria era conhecida, incerta ou igno-
rada, uma vez que, em qualquer caso, o agente mostra disposição em colaborar
para com a aplicação da lei. É espontânea a confissão que não é provocada. E se
o condenado, em sede policial, confessou, mas posteriormente se retratou em
juízo? Há quem rejeite a atenuante1 e há quem a aceite, desde que a condena-
ção tenha se baseado nela2. E quanto à chamada “confissão qualificada” (con-
fissão com teses defensivas agregadas, como a legítima defesa)? Novamente,
há quem não admita a atenuação3 e há quem a admita, se servir para embasar
a condenação.
A última agravante nominada (alínea e), se refere ao crime praticado sob
influência de multidão em tumulto (crime multitudinário), caso o agente não
seja o responsável pela confusão, ocasião em que se sentirá, o agente, mais pro-
penso à prática criminosa4.
O tema é tratado pelo art. 67 do CP, o qual conta com a seguinte redação: “No
concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite in-
dicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que
resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e
da reincidência". Em suma, existem circunstâncias agravantes ou atenuantes
que preponderam sobre as demais, provocando alterações mais intensas so-
bre a sanção penal. Por exemplo, a reincidência (agravante do art. 61, I, CP) pre-
pondera sobre a reparação do dano (atenuante do art. 65, III, b, CP); a atenuan-
capítulo 4 • 85
te do relevante valor moral (art. 65, III, a, CP), prepondera sobre a agravante do
crime praticado mediante veneno (art. 61, II, d, CP).
Em regra, doutrina e jurisprudência entendem que as circunstâncias ate-
nuantes e agravantes alteram a pena em 1/6. Em se cuidando de circunstâncias
preponderantes, a valoração destas deve ser mais intensa. De qualquer forma,
a compensação de uma agravante por uma atenuante somente pode ocorrer se
elas forem igualmente preponderantes.
86 • capítulo 4
Terminada a fase da pena definitiva, estará esgotado o cálculo de seu quan-
titativo, que somente poderá ser modificado em eventual recurso. Deve ser
lembrado que a sentença condenatória não se esgota nesse momento. Ainda
devem ser observados os regimes prisionais, a substituição da pena de prisão
por pena restritiva de direitos, a possibilidade de sursis etc. Apenas se conclui a
determinação do tamanho da pena privativa de liberdade a cumprir.
capítulo 4 • 87
4.2.3 Regime aberto
Criado pela Lei n. 10.792, de 2003, o regime disciplinar diferenciado tem inci-
dência quando (art. 52 da LEP): (a) o condenado, ou o preso provisório, pratica
de fato previsto como crime doloso ocasione subversão da ordem ou disciplina
internas; (b) o preso provisório ou condenado, nacionais ou estrangeiros, apre-
senta alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da so-
ciedade; (c) há fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer
título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando por parte do preso pro-
visório ou o condenado.
As hipóteses são excessivamente abertas, o que faz com que se sustente a
inconstitucionalidade da previsão normativa por ausência de taxatividade.
São características do regime disciplinar diferenciado: I- duração máxima
de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta
grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II- recolhi-
mento em cela individual; III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as
crianças, com duração de duas horas; IV- o preso terá direito à saída da cela por
2 horas diárias para banho de sol.
Também aqui percebemos veementes protestos pela inconstitucionalida-
de do dispositivo, sob a alegação de que ele violaria o princípio da humanidade
das penas.
88 • capítulo 4
4.2.5 Regime inicial de cumprimento da pena
RECLUSÃO DETENÇÃO
Pena superior a oito anos
O regime inicial fechado não é
REGIME FECHADO Pena superior a quatro, até oito
cabível na detenção
anos + reincidência
Pena superior a quatro anos, até
oito anos
REGIME SEMIABERTO Pena superior a quatro anos
Pena de até quatro anos +
reincidência
REGIME ABERTO Pena de até quatro anos Pena de até quatro anos
capítulo 4 • 89
b) Em caso de crimes hediondos e equiparados, o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072,
de 1990, estabelece regime inicial fechado obrigatório. No entanto, a constitucio-
nalidade dessa regra vem sendo questionada, pois a obrigatoriedade fere o princí-
pio da individualização executória das penas (nesse sentido já decidiu o STF5).
90 • capítulo 4
regime integralmente fechado, passando a valer o regime inicialmente fecha-
do (art. 1º, § 7º). Na época, houve protestos pela extensão da regra aos demais
crimes hediondos e equiparados, sob o argumento da isonomia. Entretanto,
o STF abraçou entendimento diverso na Súmula n. 698: “Não se estende aos
demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de exe-
cução da pena aplicada ao crime de tortura”. Em 2006, no entanto, no julga-
mento do habeas corpus n. 82.959/SP, o STF julgou inconstitucional, em um
caso concreto (incidenter tantum), o regime integralmente fechado, sob o ar-
gumento da violação ao princípio da individualização da pena (o mesmo usado
hoje para contestar o regime inicialmente fechado). Verificando que o regime
integral seria de fato abolido, o Congresso Nacional aprovou a Lei n. 11.464, de
28 de março de 2007 (com vigência na data da publicação), em que, através da
alteração do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072, se passou a admitir a progressão de
regimes nos crimes hediondos e equiparados (todavia após o cumprimento de
parcela maior da pena do que aquela prevista no art. 112 da LEP, isto é, 2/5 ou
3/5). Com a mudança na legislação, surgiu a dúvida: a nova regra seria aplicável
aos delitos anteriores à vigência da Lei n. 11.464? Prevaleceu a opinião segundo
a qual, nos crimes hediondos e equiparados praticados anteriormente a ela,
em virtude da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, valeria
a regra geral da Lei de Execução Penal, com progressão após o cumprimento
de 1/6 da pena. Como a lei nova, nesse ponto, impõe uma regra mais severa
de progressão (2/5 ou 3/5), ela seria irretroativa. Esse entendimento acabou su-
mulado pelo STJ (Súmula 471: “Os condenados por crimes hediondos ou as-
semelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao
disposto no artigo 112 da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a pro-
gressão de regime prisional”), bem como foi objeto de súmula vinculante edita-
da pelo STF (Súmula Vinculante n. 26: “Para efeito de progressão de regime no
cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução
observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de
1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos
objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo
fundamentado, a realização de exame criminológico”). Resumidamente: João,
primário, cometeu crime de estupro em 2005, razão pela qual, se condenado,
estaria sujeito ao regime integralmente fechado, o qual, contudo, foi declarado
inconstitucional pelo STF; assim, João pode progredir de regime após cumprir
1/6 da pena que lhe foi imposta, e não 2/5 ou 3/5, que importariam tratamento
capítulo 4 • 91
mais severo e, portanto, irretroativo; no entanto, se praticasse o crime após a
vigência da Lei n. 11.464/2007, precisaria cumprir 2/5 da pena.
OBS.: de acordo com a Súmula 715 do STF, para fins de progressão de regi-
me não se considera a pena unificada – para atender ao limite de 30 anos – mas
sim a pena total.
92 • capítulo 4
em casa de albergado, cumprindo regime aberto, seja porque este foi o regime
inicial fixado na sentença condenatória, seja porque o condenado já faz jus à
progressão de regime, mas no Estado inexiste casa de albergado, ou nesta não
há vagas. O condenado não pode sofrer uma privação de liberdade mais intensa
do que a necessária, por ineficiência do poder público, invocando-se, destarte,
os princípios da humanidade e da individualização das penas. Ainda que o art.
117 da LEP, que trata da prisão domiciliar, não contemple a hipótese de inefi-
ciência estatal6, este dispositivo é aplicado de forma analógica, em benefício
do apenado.
8 Consoante o art. 117, em caso de cumprimento da pena em regime aberto, é possível o recolhimento domiciliar
nas seguintes hipóteses: condenado maior de 70 (setenta) anos; condenado acometido de doença grave; condenada
com filho menor ou deficiente físico ou mental; e condenada gestante.
capítulo 4 • 93
defesa e ao duplo grau de jurisdição. Justamente por isso se invoca a possibili-
dade de execução antecipada da pena, permitindo a inserção do réu em regime
menos severo de custódia ainda que pendente recurso. E, segundo a Súmula
n. 717 do STF, nem mesmo o fato de o réu estar em prisão especial afasta
a possibilidade.
Deve ser ressaltado, no entanto, que caso o réu esteja em liberdade, o que
é a regra nas ações penais, não se pode antecipar a execução da pena, pois tal
procedimento feriria o princípio da presunção de inocência.
Em resumo, a execução provisória da pena somente pode ser admitida
quando em favor do réu, nunca em seu desfavor.
94 • capítulo 4
trativa –, internado em hospital de custódia e tratamento ou estabelecimento
congênere, ou teve sua liberdade restringida por qualquer outro modo (art. 42
do CP). Ou seja, abate-se da pena ou da medida de segurança fixadas aquele
tempo em que a pessoa, antes mesmo da condenação definitiva ou da senten-
ça absolutória imprópria, teve a sua liberdade restringida. Simplificando, ao
menos por ora, pois o tema comporta discussões doutrinárias, podemos ex-
por o seguinte exemplo: se uma pessoa foi condenada a uma pena privativa de
liberdade de 6 anos de reclusão, mas ficou presa temporariamente 30 dias, e
preventivamente outros 90 dias, esse período de custódia cautelar – 120 dias –
será deduzido do montante da sanção penal, restando 5 anos e 8 meses de pena
a cumprir.
Uma leitura rápida do art. 42 do CP pode levar à (falsa) conclusão de que a
detração somente é aplicável às penas privativas de liberdade. Todavia, ela se
aplica igualmente às penas restritivas de direitos. Por exemplo, se a pena pri-
vativa de liberdade de 8 meses é substituída por prestação de serviços à comu-
nidade, deverá a pena substitutiva ser cumprida no mesmo tempo. Entretanto,
se, durante o processo, o então réu ficou preso preventivamente por um mês, a
prestação de serviços se dará ao longo de sete meses, em virtude da detração.
O art. 42, ainda, menciona que apenas a prisão provisória (temporária e pre-
ventiva) e a prisão administrativa (por exemplo, aquela que ocorre em âmbito
militar) determinam a detração. Mas e a prisão por dívida referente a alimen-
tos, de natureza civil? A situação enseja discussão doutrinária e jurispruden-
cial, existindo quem admita a detração (pois há efetiva restrição da liberdade,
que pode ser vinculada a um crime, como no caso do art. 244 do CP7) e quem
a refute (porque a medida não é uma sanção, mas uma medida de coerção ao
devedor de alimentos).8 Medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art.
319 do CPP, como, por exemplo, a prisão domiciliar, se prestam à detração?
Sim, pois também impõem restrições ao réu anteriores à prolação da senten-
ça condenatória.
Questiona-se, ainda, se a prisão, ou qualquer outra medida restritiva, de-
cretada no curso de uma investigação ou processo, pode ser aproveitada para a
detração em sentença prolatada em processo distinto. O art. 111 da Lei n. 7.210
de 1984 (Lei de Execução Penal) responde parcialmente a pergunta, ao estabe-
lecer a detração seja no mesmo processo, ou em processo distinto. Mas isso se
9 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 606.
10 TJDF, AI 37141620118070000 DF 0003714-16.2011.807.0000, 6ª Turma Cível, julg. em 04/05/2011.
capítulo 4 • 95
dá mesmo em face de delitos posteriores à prisão? Um exemplo, para esclarecer
melhor: João foi preso preventivamente em um processo em que figura como
réu por crime de roubo e, depois de 60 dias de cárcere, é descoberto promo-
vendo a entrada em estabelecimento prisional de um telefone celular, o que,
em tese, caracteriza o crime do art. 349-A do CP. Dias depois, o crime de roubo
prescreve, extinguindo-se a punibilidade do autor, que é posto em liberdade.
Caso, no entanto, venha a ser condenado pelo delito praticado enquanto estava
preso, poderá aproveitar esse tempo de privação da liberdade para atenuar o
rigor da sanção penal? O STJ já decidiu que a detração só se opera para crimes
cometidos antes da segregação cautelar, para que não se crie uma espécie de
crédito de pena (HC 178.894, julgado em 13/11/2012). A posição, contudo, não
é pacífica, até porque o art. 111 não estabelece expressamente a restrição.
Hoje, a detração já deve ser averiguada na própria sentença condenatória,
pois ela influirá na determinação do regime inicial de cumprimento da pena
(art. 387, § 2º, CPP, alterado pela Lei n. 12.736 de 2012).
*
ATIVIDADE
Paulo, primário, após cometer um crime de roubo com emprego de arma fogo, é condenado a
uma pena de seis anos de reclusão. Na sentença, o magistrado fixa como fechado o regime
inicial de cumprimento da pena. Para tanto, justifica sua opção dizendo que o roubo é um
crime grave e que a população não tolera mais a atividade de tais tipos de criminosos. Per-
gunta-se: (a) em que fase do sistema trifásico será valorado o emprego de arma? (b) Procede
a argumentação do magistrado para fixar um regime inicial mais severo do que aquele que
seria cabível pelo disposto no art. 33, § 2º, do CP?
96 • capítulo 4
5
Outras Regras
Referentes À Pena
A aplicação da pena vai além do sistema trifásico, que somente importa às pe-
nas privativas de liberdade. As penas restritivas de direitos e a pena de multa
também têm regras para sua correta aplicação. Além disso, outros institutos
interferem diretamente na execução da pena, como o sursis e o livramen-
to condicional.
Nesse capítulo aprenderemos a manejar corretamente estes institutos, con-
cluindo o estudo da sanção penal.
OBJETIVOS
• Aprender a fixar as penas restritivas de direitos e de multa.
• Conhecer os institutos que interferem na execução da pena privativa de liberdade, como o
sursis e o livramento condicional.
• Compreender a inutilidade prática da reabilitação.
• Observar a dinâmica das medidas de segurança, última espécie do gênero sanção penal
a ser estudada.
98 • capítulo 5
5.1 Aplicação das penas restritivas de
direitos
A primeira regra a ser observada se encontra no caput do art. 44, quando, após
anunciar a autonomia das penas restritivas de direitos, o legislador menciona
que elas substituem as penas privativas de liberdade. Apenas estas compor-
tam a substituição. A pena de multa, por exemplo, não pode ser cambiada por
penas restritivas. Alerte-se, contudo, que em casos esporádicos as penas res-
tritivas de direitos poderão ser cominadas diretamente ao tipo penal, ocasião
em que perderão o caráter substitutivo, como se dá no art. 28 da Lei n. 11.343,
de 2006.
Prossegue o art. 44 do CP, agora em seu inciso I, afirmando que as penas
restritivas de direitos substituem as sanções iguais ou inferiores a 4 anos con-
cretamente aplicadas (e não abstratamente cominadas), ou, qualquer que seja
o tamanho da pena, quando o crime for culposo. Isso significa que a substitui-
ção não ocorre nos crimes dolosos mais graves, em que a pena supera esse pa-
tamar. Devemos aqui considerar a pena resultante do sistema da exasperação,
no concurso de crimes? Sim. O acréscimo determinado pelo sistema deverá ser
respeitado. E no caso de cúmulo material, se uma das penas for superior a 4
anos e a outra, não? Nessa hipótese, não se aplicam as penas restritivas, segun-
do o disposto no art. 69, § 1º, do CP.
Ainda no inciso I, fica estabelecido que, nos crimes dolosos, só há a aplica-
ção das penas restritivas quando o delito é cometido sem violência (física) ou
grave ameaça. Assim, crimes como a extorsão (art. 158 do CP), que pressupõe
violência ou grave ameaça como meios executórios, não admitem a substitui-
ção. Mas aqui devemos expender uma consideração: e se a infração, embora
cometida mediante violência ou grave ameaça, é de menor potencial ofensivo,
como a lesão corporal leve (art. 129 do CP) e o constrangimento ilegal (art. 146
do CP)? Para estas também seria vedada a substituição? A resposta é negativa.
capítulo 5 • 99
Entendamos: para evitar o encarceramento de criminosos, sobretudo nos cri-
mes de menor gravidade, além das penas restritivas de direitos, temos as me-
didas alternativas à pena, entre as quais encontramos a transação penal, por
exemplo (art. 76 da Lei n. 9.099, de 1995). Essas medidas, em regra, são aplica-
das às chamadas infrações de menor potencial ofensivo, que são aquelas cuja
pena máxima não ultrapassa 2 anos – como na lesão corporal e no constran-
gimento ilegal –, ainda que praticadas mediante violência ou grave ameaça.
Na transação penal, tomada novamente como exemplo, o autor da infração,
para evitar a ação penal contra si, poderá, desde logo, aceitar uma proposta do
Ministério Público, se obrigando ao cumprimento de certas condições, que po-
derão ser análogas às penas restritivas de direitos. Ora, se o autor, sequer de-
nunciado, pode aceitar restrições a direitos para não se ver processado, por que
ao ser eventualmente condenado não poderia ser beneficiado por uma pena
restritiva? Por uma questão de proporcionalidade, portanto, nas infrações de
menor potencial ofensivo também é cabível a substituição.
O inciso II estabelece que as penas restritivas de direitos só são cabíveis
quando o condenado não é reincidente em crime doloso. Ou seja, pouco im-
porta a reincidência entre crimes apenas culposos ou entre um crime doloso e
outro culposo. Apenas aquela que ocorre entre delitos dolosos veda o benefício.
No entanto, essa regra não pode ser tida como absoluta, pois o próprio art. 44,
em seu § 3º, a flexibiliza (“§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá
aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida
seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em vir-
tude da prática do mesmo crime”). Em suma, a proibição somente é absoluta
em caso de reincidência específica em crime doloso. A regra, anote-se, não é ra-
zoável, pois se o sujeito ativo for reincidente quando da condenação por crime
de furto, já que cometera um homicídio em épocas passadas, poderá ser bene-
ficiado; se a reincidência se deu em virtude de dois furtos, não. Qual é a lógica?
O terceiro inciso estabelece uma prognose de suficiência da substituição
(“III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade
do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente”). Não se exige que esta prognose seja favorável
ao condenado, mas apenas que demonstre a eficiência da pena restritiva a ser
imposta. Importante frisar que, caso o magistrado negue a substituição com
fulcro neste dispositivo, deverá ele fundamentar a decisão com base no caso
concreto, sendo vedadas argumentações do tipo “nego a substituição porque o
crime é grave”.
100 • capítulo 5
5.1.2 Formas de substituição da pena
capítulo 5 • 101
5.1.4 Penas restritivas de direitos e crimes hediondos
Embora seja raro, não há óbice para que crimes hediondos e equiparados te-
nham sua pena fixada em quatro anos ou menos. E nem sempre são eles pra-
ticados mediante violência ou grave ameaça (embora muitas vezes o sejam).
No estupro de vulnerável, v. g., nem sempre há violência física ou intimidação,
como no caso em que a vítima é convencida ao ato sexual. E, na forma tentada,
sua pena pode ficar dentro dos limites exigidos para a substituição. Por exem-
plo, se ao autor for determinada a pena mínima (8 anos) e esta for reduzida
pela metade em virtude da tentativa, a pena definitiva será de 4 anos. Em tese,
restam cumpridos os requisitos para a imposição de penas restritivas.
Todavia, o regime inicialmente fechado imposto aos crimes hediondos e
equiparados é, aparentemente, incompatível para com a disciplina das penas
restritivas de direitos: se o legislador opta pelo regime mais gravoso para esses
crimes, decerto eles não se coadunam com a substituição da pena de prisão,
por uma questão de proporcionalidade.
No caso da Lei de Drogas, ainda há, no art. 44, vedação expressa à substi-
tuição, para os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º; assim como para os
crimes dos arts. 34 a 37. O STF, todavia, já reputou essa regra inconstitucional1,
assim como definiu a inconstitucionalidade do trecho do art. 33, § 4º, que ti-
nha igual teor2.
*
102 • capítulo 5
5.2.1 Sistema dos dias-multa
A aplicação da pena pelo sistema dos dias-multa está regulada pelo art. 49 do
CP e pressupõe as seguintes etapas: (a) determinação do número de dias-multa
aplicável à hipótese; (b) estipulação do valor de cada dia-multa; (c) multiplica-
ção entre o número de dias-multa e o respectivo valor de cada um deles.
Antes de iniciarmos o estudo, deve ser registrado que, hoje, a pena de multa
perdeu o atributo da conversibilidade: quando inadimplida, não mais pode
ser convertida em pena de prisão. Essa modificação, essencial para compreen-
dermos o sistema dos dias-multa, ocorreu através da Lei n. 9.268, de 1996,
como já vimos.
O primeiro passo, portanto, é determinar o número de dias-multa corres-
pondente ao crime praticado. Esse número variará entre 10 e 360 dias-multa
(art. 49, caput, do CP). Nada impede, todavia, que lei especial estabeleça regra
diferente. Nos crimes eleitorais, por exemplo, a pena de multa é fixada entre 10
e 300 dias-multa (art. 286 da Lei n. 4.737, de 1965); no tráfico de drogas, entre
500 e 1.500 dias-multa (art. 33 da Lei n. 11.343/06). Mas qual é o parâmetro para
a determinação do número de dias-multa? Como, até 1996, a pena de multa
podia ser convertida em pena de prisão, em caso de inadimplemento, estabele-
ceu-se uma paridade entre a privação de liberdade (ou seja, o sistema trifásico)
e a determinação dos dias multa: quanto maior a reprovabilidade da conduta,
mais elevada a sanção pecuniária. Caso a pena de multa fosse convertida em
prisão, o número de dias-multa determinaria o tamanho da pena a ser cum-
prida. Deve ser salientado, todavia, que o critério não é especificado no Código
Penal, o qual deixa a questão em aberto.
Em seguida, mensura-se o valor de cada dia-multa entre 1/30 e o quíntuplo
do maior salário-mínimo mensal vigente à época do fato (art. 49, § 1º, CP).
Aqui deve ser observada a capacidade econômica do condenado, isto é, em se
tratando de pessoa pobre, valor baixo; se abastada, valor alto. O art. 60 do CP,
aliás, incensa a situação econômica como um dos parâmetros de fixação da
pena. Ele deve ser lido em conjunto com o disposto no art. 50, que permite o
pagamento em parcelas, e seu § 2º, segundo o qual pagamento não pode inci-
dir sobre recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família.
Uma vez realizados os dois passos anteriores, a multiplicação dos números
permitirá se vislumbre a multa fixada em salários-mínimos. Esse valor poderá
ser triplicado se, embora em seu patamar máximo, a pena de multa se mostre
ineficaz, em virtude da saúde financeira do condenado (art. 60, § 1º, CP).
capítulo 5 • 103
5.2.2 Execução da pena de multa
104 • capítulo 5
quais se encontram arrolados no art. 77 do CP. São eles: (a) pena privativa de
liberdade igual ou inferior a 2 anos; (b) não reincidência em crime doloso; (c)
análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social e da personali-
dade do agente, bem como dos motivos e circunstâncias do crime, de modo a
averiguar a viabilidade da concessão (valoração positiva); (d) impossibilidade
de substituição da pena de prisão por pena restritiva de direitos (caráter subsi-
diário do sursis).
Quanto ao requisito da reincidência, já observamos que há quem considere
o instituto inconstitucional. Além disso, somente a reincidência específica em
crimes dolosos é proibitiva do sursis. Se a condenação anterior for apenas a
pena de multa, ainda que haja reincidência em crimes dolosos, nada obsta o
benefício (art. 77, § 1º).
Quais são as condições que o condenado deve cumprir durante o período de pro-
va do sursis? Sim, porque estamos falando de um instituto condicional, ou seja,
sua concessão, a par de conferir bônus, também impõe ônus ao condenado.
capítulo 5 • 105
O art. 78 do CP é vago ao tratar do tema. Diz apenas que o condenado “ficará
sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz”.
Em seguida, em seu § 1º, afirma que, no primeiro ano do período de prova, o
condenado deverá prestar serviços à comunidade ou sujeitar-se à limitação de
fim de semana. Em seguida, o art. 79 informa que outras condições poderão
ser especificadas na sentença condenatória, “desde que adequadas ao fato e à
situação pessoal do condenado”. Em caso de sursis especial, a prestação de ser-
viços à comunidade e a limitação de final de semana são substituídas, cumula-
tivamente, por proibição de frequentar determinados lugares, proibição de au-
sentar-se da comarca onde reside sem autorização do juiz, e comparecimento
mensal e obrigatório a juízo para informar e justificar suas atividades.
Período de prova é aquele espaço de tempo durante o qual deverão ser cum-
pridas as condições do sursis. No simples e no especial, vai de 2 a 4 anos; e no
etário e no humanitário, de 4 a 6 anos. Em regra, o período é fixado no mínimo,
devendo ser motivada, com base na culpabilidade do condenado, a sentença
que exasperá-lo.
Uma vez estabelecido, nada impede que o sursis seja revogado. Essa revogação
poderá ser obrigatória ou facultativa.
Nos termos do art. 81 do CP, será obrigatória quando o beneficiário for con-
denado irrecorrivelmente por outro crime doloso (I); quando frustrar, embora
solvente, a execução da pena de multa, ou quando não efetuar, sem motivo jus-
to, a reparação do dano (II); ou quando descumprir a prestação de serviços à
comunidade ou a limitação de fim de semana (III). A cláusula que trata da pena
de multa é duvidosa, pois impõe à sanção pecuniária uma conversibilidade in-
direta em pena de prisão, característica nela vedada.
Já a revogação facultativa existe quando o condenado descumprir qualquer
outra condição ou for condenado por crime culposo ou contravenção penal a
pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (art. 81, § 1º). Importa assi-
nalar que, caso o juiz não opte pela revogação facultativa, ele poderá prorrogar
o período de prova até o máximo (art. 81, § 3º).
Caso o condenado seja processado, em ação penal diversa, por outro crime
ou contravenção (art. 81, § 2º), o período de prova poderá ser prorrogado até o
julgamento definitivo.
106 • capítulo 5
Seja a revogação obrigatória ou facultativa, ela deverá ser precedida de
procedimento judicial, garantido ao condenado o direito à ampla defesa.
Considerando que sursis não é pena, uma vez revogado o benefício e restabe-
lecida a pena privativa de liberdade, o tempo decorrido durante o período de
prova não será descontado da sanção penal a cumprir.
Caso cumpridas regularmente as condições estabelecidas até o fim do pe-
ríodo de prova, sem que haja revogação do sursis, considera-se extinta a pena.
capítulo 5 • 107
cabível é o sursis. E a pena fixada em exatos 2 anos? Admite os dois institutos,
devendo-se privilegiar o sursis, aplicando-se o livramento condicional apenas
subsidiariamente. Penas relativas a vários crimes podem ser unificadas para a
finalidade do livramento condicional (art. 84 do CP).
108 • capítulo 5
c) Comprovação de comportamento satisfatório durante a execução da
pena, de bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e de aptidão para
prover à própria subsistência mediante trabalho honesto (inciso III). A prova
se dá através de atestado fornecido pelo estabelecimento prisional.
5 Obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho; comunicar periodicamente ao Juiz
sua ocupação; não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização deste.
6 Não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de
proteção; recolher-se à habitação em hora fixada; não frequentar determinados lugares.
capítulo 5 • 109
cometido durante a vigência do benefício (art. 86, I, CP); ou (b) por crime co-
metido anteriormente ao benefício (art. 86, II, CP). Essas hipóteses produzirão
diferentes efeitos na privação de liberdade restabelecida, pois, no caso do inci-
so I, o tempo em que o liberado gozou do benefício é desconsiderado, voltando
ele a cumprir o resíduo de pena existente antes da concessão do livramento, ao
passo em que, no caso do inciso II, esse tempo será descontado (art. 88 do CP).
A revogação é facultativa quando o liberado deixa de cumprir qualquer das
obrigações constantes da sentença, ou é irrecorrivelmente condenado, por cri-
me ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade (art. 87 do CP).
Antes de o magistrado decidir pela revogação ou manutenção do livramento, ao
liberado deverá ser oferecida a possibilidade de defesa.
O período de prova poderá ser prorrogado enquanto não transitar em jul-
gado a sentença em processo a que o liberado responde por crime praticado
durante o livramento (art. 89, CP).
Caso ultrapassado o período de prova sem que haja revogação do livramen-
to, considerar-se-á extinta a pena (art. 90, CP).
110 • capítulo 5
São efeitos genéricos da condenação:
capítulo 5 • 111
OBS.: O § 1º, inserido no Código Penal pela Lei n. 12.694, de 2012, estabe-
leceu que poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao pro-
duto ou proveito do crime, quando estes não forem encontrados ou estiverem
no exterior.
a) Perda do cargo, função pública ou mandato eletivo (inciso I). Esse efei-
to só existirá quando aplicada pena privativa de liberdade igual ou superior a 1
ano, quando o crime for praticado com abuso ou violação de dever para com a
administração pública; ou, em qualquer outro caso, quando a pena privativa de
liberdade for superior a 4 anos. O termo cargo público já foi conceituado an-
teriormente, quando da análise das agravantes, razão pela qual não o faremos
novamente, para evitar redundâncias. Função pública é a atividade de interes-
se da administração, mas não necessariamente cumprida por servidor público,
como no caso dos mesários, em uma eleição. Mandato eletivo, por sua vez, é
aquele exercido por tempo determinado, após voto popular. Para a imposição
desses efeitos não é necessário que seja praticado um crime funcional (arts.
312 a 326 do CP), bastando que haja liame entre o delito e a atividade desempe-
nhada. Não ocorrerão esses efeitos quando a pena aplicada não for privativa de
liberdade ou quando, embora privativa, seja ela inferior a um ano.
112 • capítulo 5
suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir
veículo automotor, prevista no art. 292 da Lei n. 9.503, de 1997 (CTB). O efeito
específico do art. 92 só se aplica aos delitos dolosos, ainda que não sejam cri-
mes de trânsito (por exemplo, homicídio doloso praticado na direção de veícu-
lo, que encontra subsunção no art. 121 do CP).
5.6 Reabilitação
A reabilitação, instituto previsto nos arts. 93 a 95 do CP, hoje tem escassa rele-
vância prática. O objetivo da reabilitação é desconstituir alguns dos efeitos da
sentença condenatória, após o cumprimento ou a extinção da pena. Mas não se
presta aos fins colimados.
O art. 93 do CP fala que a reabilitação alcança quaisquer das penas aplica-
das em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros
sobre seu processo e condenação. O sigilo, no entanto, já é assegurado, e de
modo muito mais eficaz, pelo art. 202 da Lei n. 7.210, de 1984, a partir da extin-
ção ou do cumprimento da pena. A reabilitação somente poderia ser requerida
depois de dois anos, a contar desta data (art. 94).
Igualmente, os efeitos previstos nos incisos I e II do art. 92 não são alcan-
çados pela reabilitação, pois o condenado não recuperará o cargo, função ou
mandato anteriormente ocupados (nada impedindo que preste novo concurso
público, por exemplo), tampouco voltarão a valer o poder familiar, a tutela ou a
curatela, irrecuperáveis. Assim, a reabilitação apenas tem eficácia na inabilita-
ção, o que é muito pouco para justificar sua existência.
capítulo 5 • 113
Importa salientar que a sentença que aplica a medida de segurança aos
inimputáveis é absolutória (justamente por faltar a culpabilidade). Cuida-se,
todavia, de absolvição imprópria, pois há a imposição de uma sanção penal.
O Brasil, depois da reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984, pas-
sou a adotar o sistema vicariante, em matéria de medidas de segurança. Isso
significa que, caso uma medida de segurança seja implementada, não há a
possibilidade de execução de pena, ao contrário do que ocorria anteriormente,
quando era adotado o sistema do duplo binário.
5.7.2 Espécies
114 • capítulo 5
tar uma pena, que será reduzida em virtude de sua peculiar condição. Contudo,
se o magistrado considerar razoável, essa pena poderá ser substituída por uma
medida de segurança (art. 98, CP).
A situação é a mesma em caso de superveniência de doença mental, ou seja,
quando o autor era, à época do crime, perfeitamente imputável, mas depois
passa a padecer de enfermidade que lhe retira a capacidade de entendimento
ou de autodeterminação.
5.7.4 Prazo
capítulo 5 • 115
ATIVIDADE
Adriano, condenado por estelionato, tem sua pena fixada em 1 ano e meio de reclusão, em
regime inicial aberto. Na sentença, o magistrado suspende a pena, aplicando sursis simples.
Questiona-se: (a) está correta a decisão? (b) Qual é a principal diferença entre o sursis e o
livramento condicional?
116 • capítulo 5
6
Ação Penal
Tema da maior relevância, a ação penal encerra considerações sobre direito
material e processual penal. Todavia, esse conteúdo híbrido impõe não seja o
tema esgotado em Penal II, reservando-se suas minúcias ao estudo do direito
processual. Por conseguinte, aqui abordaremos apenas aqueles pontos onde
haja relevância penal, tais como as espécies de ação, uma vez que a definição do
tipo de ação concernente a cada delito é expressa na legislação penal; os prin-
cípios, que produzem efeitos na seara da extinção da punibilidade; e as condi-
ções da ação.
OBJETIVOS
• Descobrir o conceito de ação penal.
• Compreender que o tema é híbrido, ou seja, pertence tanto à seara do processo penal,
quanto ao direito penal.
• Conhecer os diversos tipos de ação penal.
• Especificar os princípios atinentes a cada espécie de ação, pois serão relevantes no estudo
da punibilidade.
• Aprender quais são as condições da ação.
• Estabelecer peculiaridades sobre o tema determinadas por leis especiais e alterações le-
gislativas recentes.
118 • capítulo 6
6.1 Conceito
Leciona Nucci1 que “o monopólio de distribuição de justiça e o direito de pu-
nir cabem, como regra, ao Estado, vedada a autodefesa e a autocomposição”.
Evidentemente que não se trata de uma verdade absoluta, pois há, em nossa
legislação, hipóteses de autodefesa (legítima defesa, por exemplo) e de auto-
composição (medidas da Lei n. 9.099, de 1995) admitidas. O poder-dever de pu-
nir (jus puniendi), no entanto, é indelegável. E não pode ser satisfeito sem um
pronunciamento judicial, dada a garantia do devido processo legal. Portanto,
o Estado tem uma pretensão punitiva, a ser deduzida em juízo, através de uma
ação penal. A ação penal, portanto, é o direito que o Estado – ou, eventualmen-
te, o ofendido – tem de ir a juízo para obtenção um provimento jurisdicional.
6.2 Espécies
Como vimos, embora o poder-dever de punir pertença ao Estado, a legitimação
para a propositura da ação penal, eventualmente, pode ser conferida ao ofen-
dido ou ao seu representante legal. A depender da legitimação para sua pro-
positura, a ação se divide em pública e privada. Na ação pública, o legitimado
para a propositura é o Ministério Público, que o fará através do oferecimento
de uma peça processual denominada denúncia. Na privada, a legitimação per-
tence ao ofendido, ou ao seu representante legal, que a promoverá através da
queixa-crime.
A ação pública, ao seu turno, se divide em incondicionada e condicionada.
Ela é incondicionada quando, existindo indícios de autoria e prova da mate-
rialidade, o Ministério Público pode desde logo agir, oferecendo a denúncia. É
condicionada, obviamente, quando a atuação do Ministério Público fica jungi-
da ao implemento de uma condição, que pode ser a representação do ofendido
ou de seu representante legal, ou a requisição do Ministro da Justiça. Essa clas-
sificação é encontrada no art. 24 do Código de Processo Penal.
Representação do ofendido e requisição do Ministro da Justiça são condi-
ções de procedibilidade para o oferecimento da ação penal. Não há formali-
dades na representação, bastando que o ofendido – ou seu representante legal
1 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011. p. 186.
capítulo 6 • 119
– reduza a termo seu desejo de representar contra o autor, ou, de outra forma,
deixe esse propósito evidente.
A regra é que os crimes sejam processados mediante ação pública incon-
dicionada. É o que encontramos no art. 100 do CP. Para que haja ação condicio-
nada, impõe-se expressa previsão legal (arts. 24 do CPP e 100, § 1º, do CP). Por
exemplo, art. 147, p. único, do CP (crime de ameaça).
Na ação privada é o próprio ofendido quem promove a ação penal, ou, caso
este seja incapaz, falecido ou declarado ausente (art. 100, § 4º), por quem tenha
qualidade para representá-lo (art. 100, § 2º).
Em casos excepcionalíssimos, apenas o ofendido poderá promover a ação
privada, sem que o mesmo direito seja conferido ao seu representante legal.
Nessa hipótese, há a chamada ação penal personalíssima, cujo único exemplo
encontrado no Código Penal está no art. 236, p. único.
Além da ação privada propriamente dita, existe ainda a ação privada subsi-
diária, encontrada no art. 100, § 3º, do CP. Em verdade, aqui temos uma ação
pública em essência, formalmente travestida de ação privada. Explica-se:
Em um crime de ação pública, quando o Ministério Público tem em suas
mãos as peças de uma investigação, há algumas alternativas que podem ser
adotadas: caso a investigação esteja incompleta, ela pode retornar à origem,
para que novas providências investigativas sejam adotadas; esgotadas as dili-
gências sem arrecadação de indícios de autoria ou prova da materialidade do
crime, o MP pode pedir em juízo o arquivamento dos autos; ou então, existindo
prova da materialidade e indícios de autoria, o MP deve oferecer denúncia. E
se o Ministério Público nada faz durante o prazo para sua manifestação? Ou
seja, e se o órgão se mantém inerte? Nesse caso, esgotado o prazo para o MP
se manifestar, existindo prova da materialidade e indícios de autoria, pode o
ofendido, ou quem tenha a qualidade para representá-lo, oferecer queixa. Se
esta for recebida pelo magistrado, origina-se a ação privada subsidiária. Deve
ser ressaltado, contudo, que essa ação só é privada no nome, pois mantém as
características de uma ação pública, como veremos adiante.
120 • capítulo 6
Esquematizando aquilo que foi estudado:
Ação Penal
PRIVADA
PRIVADA SUBSIDIÁRIA
Legitimado: ofendido ou Legitimado: ofendido ou
seu representante seu representante
Propositura: através de Propositura: através de
queixa-crime queixa-crime
Subespécie: personalíssima Em essência: é uma ação pública
6.3 Princípios
Para um correto estudo dos princípios atinentes à ação penal, devemos obser-
var a dicotomia ação pública/privada, pois, dependendo da espécie, as conside-
rações tecidas são diferentes. Em outras palavras, há princípios que se referem
apenas à ação pública, outros, unicamente à ação privada, e ainda há aqueles
que encampam ambas as espécies. Vamos a eles.
capítulo 6 • 121
6.3.2 Princípio do ne bis in idem
Não é possível que alguém venha a ser processado duas ou mais vezes pelo mes-
mo crime. Em outras palavras, não é possível que seja imputado o mesmo fato
criminoso à mesma pessoa em dois ou mais processos. Assim, se, em uma de-
terminada ação, o réu for absolvido por sentença transitada em julgado, nova
ação penal não poderá ser oferecida, ainda que surjam novas provas. O princí-
pio em comento é aplicável tanto à ação pública, como à privada.
2 Entendendo que o TAC não obsta o prosseguimento da ação penal, STJ (HC n. 187.043/RS, julg. em
22/03/2011).
122 • capítulo 6
O acordo de leniência, previsto nos arts. 86 e 87 da Lei n. 12.529, de 2011, é ce-
lebrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e consiste
em uma espécie de delação premiada, sendo aplicável aos crimes previstos nas
leis 8.137, de 1990, e 8.666, de 1993, bem como ao crime do art. 288 do CP. No
caso da colaboração premiada, aquela que afeta o princípio da obrigatoriedade
é a prevista no art. 4º, § 4º, da Lei n. 12.850, de 2013 (Organizações Criminosas).
capítulo 6 • 123
Mesmo na ação privada subsidiária reconhecemos a incidência do princí-
pio da indisponibilidade. Isso porque a ação, como dito, é em essência pública.
Assim, se o ofendido abandona a ação subsidiária, fica o MP obrigado a assumi
-la, dela não podendo desistir.
124 • capítulo 6
PRINCÍPIOS RELATIVOS ÀS AÇÕES PRINCÍPIOS RELATIVOS À AÇÃO PRINCÍPIOS RELATIVOS À AÇÃO
EM GERAL PÚBLICA PRIVADA
Segunda das condições gerais da ação. Para que haja possibilidade jurídica do
pedido, é necessário que o direito material reclamado no pedido de presta-
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ção jurisdicional penal seja admissível, em tese (possibilidade teórica de obter
uma condenação). Por exemplo, se o fato narrado na denúncia evidentemente
não constitui crime, não se pode pedir que se imponha uma pena para tal. Para
a ação ser regularmente exercida, o fato descrito na denúncia ou queixa-crime
deve ser típico, descrito em norma penal incriminadora (ou, para alguns, típi-
co, antijurídico e culpável, excetuando a inimputabilidade por doença mental,
desenvolvimento mental incompleto ou desenvolvimento mental retardado,
pois a aplicação de medida de segurança exige ação penal). Não se trata aqui
de analisar se existe ou não o jus puniendi, pois isso é matéria de mérito e será
decidido na sentença, mas de saber se os fatos enunciados no pedido são típi-
cos ou não.
A possibilidade jurídica do pedido tem estreita ligação com o princípio da
legalidade, previsto no art. 5º, inciso XXXIX, da CRFB, pois se não há fato típico,
inexiste a condição.
A quarta condição da ação diz respeito ao suporte probatório mínimo que deve
ter a ação penal, com lastros probatórios mínimos de autoria, existência ma-
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terial de uma conduta típica e sua antijuridicidade e culpabilidade. Caso uma
ação penal sem justa causa seja proposta, caberá habeas corpus, conforme art.
648, I do CPP.
Desta forma, a verificação da configuração, ou não, de justa causa na per-
secução penal se dá de forma rasa, a ser constatada em primeiro plano e por
prova pré-constituída. Ou seja, se há fundada suspeita de crime e elementos
de informação idôneos que permitam uma investigação criminal do episódio
delituoso, faz-se legítima a instauração da ação penal.
Esta condição da ação penal decorre da reforma processual penal ocorrida
no ano de 2008, pela Lei nº 11.719, que deu nova redação ao art. 395 do CPP e
introduziu a justa causa como uma das condições para o não recebimento da
denúncia pelo juiz, ou seja, a possibilidade de rejeição da denúncia pelo juiz
por conta da ausência de justa causa.
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de lesão corporal (art. 129, CP). A injúria é crime de ação privada (art. 145, CP).
A lesão corporal é de iniciativa pública. Assim, a injúria real será processada
mediante ação penal de iniciativa pública (art. 140 + art. 129 = art. 140, § 2º / art.
129 = ação pública / art. 140, § 2º = ação pública).
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crimes definidos nos capítulos anteriores” a ação era privada. Ou seja, sua
abrangência não alcançava o art. 223 do CP. Além disso, os delitos sexuais qua-
lificados pelo resultado constituem crimes complexos, impondo-se a aplicação
do artigo 101 do Código Penal, cujo teor já foi estudado. Se os resultados quali-
ficadores (morte e lesão), se autônomos, são crimes de ação pública (homicídio
e lesão corporal), quando parcelas de um crime complexo determinam a mes-
ma natureza da ação para este delito.
O art. 101 também serviu de justificativa para a edição da Súmula 608 do
STF. Diz o enunciado, verbis: “No crime de estupro, praticado mediante violên-
cia real, a ação penal é pública incondicionada”. O texto defende a dicotomia
entre crimes complexos em sentido estrito e em sentido amplo, igualmente já
estudada. O estupro, para o STF, seria um crime complexo em sentido amplo
(ato sexual + constrangimento ilegal). A posição adotada pelo STF sempre foi
duramente criticada pela doutrina, por se prender mais a razões de política cri-
minal do que à boa técnica jurídica.
Na atual redação do art. 225, a primeira hipótese de ação incondicionada
trata do ofendido menor de dezoito anos. A segunda hipótese trata dos de-
mais casos de vulnerabilidade, excetuada a hipótese da menoridade da vítima.
Percebe-se que o legislador, ao cuidar da questão etária no artigo em apreço,
fixando-a em dezoito anos, pretendeu dar à expressão “vulnerável” acepção
ampla, abrangendo todas as situações legalmente previstas, ou seja, aquelas
situações em que o ofendido é portador de enfermidade ou deficiência men-
tal, sem capacidade de discernimento, ou de pessoa que, qualquer que seja o
motivo, não pode oferecer resistência. Mas é justamente este último ponto do
dispositivo que merece ressalvas. Consoante GILABERTE, “deve ser vislumbra-
do que a impossibilidade de resistência pode ser prolongada (como na hipó-
tese de uma pessoa em estado comatoso profundo) ou breve (por exemplo, na
embriaguez completa, que causa desfalecimento temporário). Em sendo breve,
parece-nos razoável a manutenção da regra geral, ou seja, ação pública condi-
cionada. Afinal, ainda que se critique a opção legislativa pela supervalorização
do strepitus judicii, qual seria a razão para se negar proteção semelhante à in-
timidade da vítima? Ainda que esta tenha por um período tênue sua capacida-
de cognitiva obnubilada, em curto espaço de tempo já se torna apta a avaliar a
conveniência de suprir a condição de procedibilidade. Portanto, fica claro que
a exceção legal somente tem aplicação aos casos de incapacidade prolongada”.
Essa foi a posição também adotada pelo STJ.
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Mas e o caso dos crimes qualificados pelo resultado e da Súmula 608 do
STF? Como ficaram na legislação atual?
No estupro qualificado pelos resultados lesão corporal grave ou morte, o
delito continua complexo, de modo que a regra do art. 101 do Código Penal se
mantém aplicável, determinando a natureza pública incondicionada da ação
penal.
No tocante à Súmula 608 do STF, embora se possa discutir a técnica que
levou à edição (ela é equivocada), sua motivação também permanece íntegra, já
que igualmente calcada no art. 101 do CP. Ainda que se vislumbre que as razões
político-criminais que levaram ao enunciado do STF cessaram quando a Lei nº
12.015/09 expressamente passou a determinar ação pública para o crime de es-
tupro, ainda que condicionada, a argumentação esposada à época, concorde-
se ou não, se mantém. É nesse sentido a orientação que exsurge de julgados
recentes do STJ3.
3 STJ, HC 232.064/TO, rel. Ministro Marco Aurelio Bellizze, julg. em 21/03/2013; STJ, RHC 26.455/BA, rel.
Ministro Felix Fischer, julg. em 16/03/2010.
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Suponhamos, então, que a esposa ameace o marido: ela responderá pelo
crime do art. 147 do CP, e a ação será condicionada à representação. E se o ma-
rido ameaça a mulher? Dá no mesmo. Nesse caso, incide a Lei n. 11.340, com
todas as suas medidas protetivas. Todavia, como dito anteriormente, a lei qua-
se não produz interferências sobre a natureza da ação penal. Assim, continua
ela sendo pública condicionada.
Agora, e se a esposa agride fisicamente o marido? Temos o crime de violên-
cia doméstica (art. 129, § 9º, CP). A lesão corporal, na violência doméstica, é
sempre de natureza leve. Consequentemente, consoante o disposto no art. 88
da Lei n. 9.099, a ação é pública condicionada. E se o marido é o agressor? Aí
temos a Lei 11.340, que, em seu art. 41, refuta a aplicação da Lei 9.099; como a
exigência de representação na lesão leve está no art. 88 da Lei 9.099, o dispositi-
vo se torna inaplicável. Não há, portanto, qualquer artigo indicando a natureza
da ação penal. E, quando a lei é omissa, a ação é pública incondicionada.
ATIVIDADE
Em uma festa, Carlos, ao ver Natália completamente bêbada e inconsciente, a leva para o
carro, local em que mantém com a vítima conjunção carnal. Pratica, assim, o crime do art.
217-A, do Código Penal (estupro de vulnerável). No dia seguinte, Natália, já recuperada,
procura uma delegacia de polícia, narrando o ocorrido e pedindo providências. O inquérito po-
licial consegue arrecadar provas da materialidade e indícios de autoria contra Carlos. Nessa
hipótese, qual será a natureza da ação penal? O que deve acontecer para que Natália ofereça
ação privada subsidiária? Uma vez oferecida a ação privada subsidiária, Natália poderá dela
desistir, extinguindo a ação penal?
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132 • capítulo 6
7
Extinção da
Punibilidade
Punibilidade é o assunto que fecha a Parte Geral do Código Penal. Dotado de
relativa complexidade em seu conceito e posicionamento na teoria do crime, a
punibilidade tem sua expressão máxima em exames e concursos públicos nas
causas de extinção. São elas – e principalmente a prescrição, que impõe um es-
tudo mais cauteloso – que dominam as questões elaboradas sobre o tópico.
A atenção ao estudo que se seguirá, portanto, deve ser máxima, impondo-se
a compreensão das regras que norteiam o tema.
OBJETIVOS
• Compreender o conceito de punibilidade e as causas de seu afastamento.
• Entender as causas de extinção da punibilidade.
• Determinar as consequências da extinção da punibilidade sobre os efeitos da senten-
ça condenatória.
• Conhecer a dinâmica da prescrição em todas as suas modalidades.
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7.1 Conceito de punibilidade
Punibilidade é a possibilidade de imposição de uma pena ao infrator de uma
norma penal, isto é, a consequência da prática de um fato típico, antijurídico
e culpável. Consoante a doutrina majoritária, não integra o conceito analítico
de crime.
São várias as causas que podem afetar a punibilidade de uma conduta: con-
dições objetivas de punibilidade não satisfeitas (como no preceito secundário
do art. 122 do CP); escusas absolutórias (por exemplo, art. 181 do CP); e as hi-
póteses de extinção da punibilidade. Essas últimas, previstas genericamente
– mas de forma não exaustiva – no art. 107 do CP, serão objeto de nosso estudo.
A morte, diz o ditado, tudo resolve. E isso se aplica também à punibilidade. Afi-
nal, se a pena é intranscendente, como punir o morto? Assim, e com esteio nos
arts. 107, I, do CP, e 62 do CPP, com a morte, comprovada através da certidão de
óbito, dá-se a extinção da punibilidade.
E se a certidão de óbito juntada aos autos, que embasa a decisão transitada
em julgado, é falsa? Isto é, e se o réu ou condenado não morreu? Há duas orien-
tações: (a) ele não poderá mais ser julgado pelo crime em que se deu a extinção
de sua punibilidade, pois não há possibilidade de revisão criminal pro socie-
tate, de modo que apenas poderá ser punido por falsidade documental; e (b)
como a decisão judicial é baseada em fato juridicamente inexistente, e sendo
certo que ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza, ela não faz coisa
julgada (STF, C 31234/MG).
capítulo 7 • 135
A anistia é ato do Congresso Nacional, que a concede através de uma lei, a
qual deve ser sancionada pelo Presidente da República. Tratando-se de lei pe-
nal benéfica, é retroativa. Pode abranger crimes políticos (para alguns, os cri-
mes da Lei de Segurança Nacional – Lei n. 7.17º, de 1983) ou demais crimes, in-
clusive militares e eleitorais. Apenas não poderá versar sobre crimes hediondos
e equiparados (art. 5º, XLIII, CF).
Todos os efeitos penais da sentença condenatória são extintos pela anis-
tia, mantendo-se os efeitos civis. Isso não significa que ela dependa de uma
sentença condenatória transitada em julgado: a anistia própria é anterior a
ela; apenas a imprópria é posterior. Aliás, a anistia ainda pode ser parcial (não
abrange a totalidade das pessoas em uma mesma situação jurídica) ou geral
(alcança a todos); condicional (seus efeitos dependem do implemento de uma
condição, como a deposição de armas, por exemplo) ou incondicional (não se
exige qualquer condição, ocasião em que a anistia será unilateral, produzindo
seus efeitos independentemente de aceitação do beneficiário, ao passo em que
a condicional é ato bilateral); restrita (exclui crimes conexos) ou irrestrita (não
os exclui).
Indulto e graça, ao contrário da anistia, não são atos do Congresso Nacional,
mas do Presidente da República, por meio de decreto. Mas há diferença entre
ambos, no que tange à formalização: a graça deve ser requerida, ao passo em
que o indulto pode ser concedido de ofício; a graça tramita perante o Ministério
da Justiça, aguardando decreto presidencial, ao passo em que o indulto pode
ser conferido por pessoa delegada (Ministro de Estado, Procurador-geral da
República ou Advogado-geral da União).
Indulto e graça, ainda, se diferem em relação à abrangência. Ao passo em
que o indulto é coletivo, a graça é individual (razão pela qual também é de-
nominada indulto individual). Qualquer que seja a hipótese, impõe-se a exis-
tência de uma sentença condenatória irrecorrível (ao contrário do que ocorre
na anistia). Ambos, ainda, podem ser totais (plenos), extinguindo a pena por
completo; ou parciais, apenas comutando a sanção penal (substituição de uma
pena por outra).
Quanto aos efeitos, afetam apenas a execução da pena. Permanecem ín-
tegros os demais efeitos da sentença condenatória, como a possibilidade
de reincidência.
Cabe, por fim, indagar quais são os crimes atingidos pelo indulto e pela
graça. Decerto, os crimes comuns são afetados. E os crimes hediondos e
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equiparados? Acerca destes, há vedação constitucional para a incidência da
graça (art. 5º, XLIII, CF). Mas a Constituição Federal não proíbe o indulto, em-
bora o art. 2º da Lei n. 8.072 estabeleça a proibição. Essa vedação é constitucio-
nal? Há duas orientações: (a) a liberdade é um direito fundamental e eventuais
restrições a ela devem ser constitucionalmente previstas, razão pela qual a proi-
bição de indulto, se inserida apenas em lei ordinária, é inconstitucional; (b)
embora a CF não tenha vedado expressamente o indulto, também não proibiu
que lei ordinária o faça; além disso a graça nada mais é do que uma espécie de
indulto (individual), de modo que, quando a CF fala em graça, está igualmente
tratando do indulto.
Quando uma lei nova deixa de considerar crime (infração penal) uma condu-
ta anteriormente criminalizada, ocorre a abolitio criminis. Por exemplo, a Lei
n. 11.106, em 2005, revogou o art. 240 do CP, que previa o crime de adultério,
em virtude do que ocorreu a extinção da punibilidade de quem respondia por
este delito.
Não se pode confundir a abolitio criminis com a revogação meramente for-
mal de um artigo de lei. A extinção da punibilidade só acontece quando revo-
gado também o conteúdo normativo, consoante o princípio da continuidade
típico-normativa. Foi o que ocorreu no antigo crime de atentado violento ao pu-
dor, por exemplo. Embora o art. 214 do CP tenha sido revogado, seu conteúdo
normativo foi transportado para o art. 213 do CP (estupro). Assim, não houve
abolitio criminis.
Aqui, há a extinção de todos os efeitos criminais da sentença condenatória,
persistindo apenas os efeitos civis (quando aos efeitos do art. 92 do CP, ocorre
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algo semelhante à reabilitação, vedada a reintegração na situação anterior). É
bom lembrar que, sendo a lei descriminalizante uma lei nova mais benéfica, ela
terá efeitos retroativos, inclusive alcançando penas em execução.
7.2.4.1 Decadência
138 • capítulo 7
dentro do prazo de seis meses, esse direito decairá. Isso, contudo, não opera
a extinção da punibilidade do autor. E qual é a razão? Porque o fato de o MP
não ter oferecido a denúncia no prazo não o desobriga de oferecê-la, ainda que
expirado. Vamos lembrar que a decadência não afeta a denúncia, mas somente
os direitos de queixa e representação/requisição. Destarte, o único prazo que
afetará a ação pública (desde que respeitadas as condições de procedibilidade)
é o prescricional.
O prazo decadencial, ainda, não pode ser interrompido ou suspenso. Ele
flui sem intercorrências do início ao fim.
7.2.4.2 Perempção
A perempção pressupõe uma ação privada em curso (ou seja, ela não resva-
la no direito de queixa, já exercitado), todavia abandonada ou negligenciada
pelo querelante. Como, na ação penal privada, vigora o princípio da disponibi-
lidade, a perempção implica a morte do direito. Ela não tem incidência sobre
a ação pública – condicionada ou incondicionada – porque aqui o que vale é o
princípio da indisponibilidade. Portanto, o Ministério Público não pode ficar
inerte ou ser negligente em sua condução.
As hipóteses de perempção estão previstas no art. 60 do CPP. São elas: (a)
quando, iniciada da ação penal, o querelante deixar de promover seu andamen-
to por 30 dias seguidos; (b) quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua
incapacidade, não comparecer em juízo para sucedê-lo na ação, no prazo de 60
dias, cônjuge ou companheiro, ascendente, descendente ou irmão (nesta or-
dem); (c) quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado,
a qualquer ato do processo a que deva estar presente (por exemplo, oitiva do
querelante); (d) quando o querelante deixa de formular pedido de condenação
em suas alegações finais; (e) quando o querelante é pessoa jurídica que se ex-
tingue, sem deixar sucessor; (f) quando ocorre a morte do querelante, na ação
penal privada personalíssima (esta hipótese não está no art. 60 do CPP, mas
sim no art. 236 do CP).
capítulo 7 • 139
7.2.5 Renúncia ao direito de queixa e perdão do ofendido
140 • capítulo 7
7.2.6 Retratação
capítulo 7 • 141
Considerando que o perdão judicial exige expressa previsão legal, um ques-
tionamento se impõe: ele é possível nos arts. 302 e 303 da Lei n. 9.503, de 1997
(respectivamente homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de
veículo automotor)? Explica-se o foco do problema: existe o perdão tanto no
caso do homicídio culposo (como já visto), quanto na lesão corporal culposa
(art. 129, § 8º, CP) do Código Penal; todavia, essas previsões expressas não fo-
ram repetidas no Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503), embora os crimes
aqui existentes sejam praticamente idênticos aos seus correspondentes no CP.
Aliás, os motivos que ensejam o perdão no CP poderiam tranquilamente ser re-
conhecidos nos crimes do CTB. Se um pai, ao transportar seu filho de bicicleta,
deixa-o cair, provocando sua morte e intensa dor emocional ao próprio autor,
pode ele ser perdoado (art. 121, § 5º, CP). Por que a solução seria diferente para
o pai que deixa cair o filho ao transportá-lo em uma motocicleta, provocando
sua morte (art. 302 do CTB)? Nesse ponto, doutrina e jurisprudência pratica-
mente uníssonas também admitem o perdão judicial, ainda que sem previsão
expressa, mas por analogia in bonam partem.
Discute-se qual é a natureza da sentença concessiva do perdão judicial.
Ela é condenatória ou absolutória. Aqueles que sustentam a natureza conde-
natória, partem do seguinte raciocínio: só pode ser perdoado quem faz algu-
ma coisa, ou seja, quem é culpado; portanto, o réu deve ser condenado para
depois lhe ser aplicado o perdão judicial. Mas esta não é a posição que preva-
lece. Majoritariamente, entende-se que a sentença é declaratória de extinção
da punibilidade (absolutória), inclusive com entendimento sumulado do STJ
a respeito do tema (Enunciado n. 18). Isso implica que a concessão do perdão
judicial impede a produção dos efeitos criminais da sentença, inclusive no que
concerne à possibilidade de reincidência (art. 120 do CP).
7.3 Prescrição
Com a criação da norma penal incriminadora e o início de sua vigência, esta
passa a ser oponível a todos os cidadãos. Ou seja, todos devem respeitá-la. Uma
vez alguém a viole, surge, para o Estado, o jus puniendi, que é o poder-dever de
punir. A satisfação deste poder deve ser buscada em juízo, pois ninguém pode
ser penalmente sancionado sem o devido processo legal. Com a sentença pena
condenatória irrecorrível, o jus puniendi é satisfeito e, simultaneamente, surge
142 • capítulo 7
para o Estado um segundo poder-dever: o de executar a sanção penal, chamado
de jus executionis.
Nenhum desses poderes é temporalmente ilimitado – ou normalmente não
o são –, o que faz com que o Estado deva exercitá-los em certo prazo. Esse pra-
zo é denominado prescricional, razão pela qual podemos falar em extinção da
punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, ou pela prescrição da pre-
tensão executória, caso haja o decurso do lapso temporal sem o seu exercício.
capítulo 7 • 143
determinar o prazo prescricional? Em tema de prescrição pela pena em abs-
trato, adotamos a técnica da pior situação possível para o autor do crime, isto
é, sempre consideraremos a pena mais elevada, que corresponde ao limi-
te máximo.
Mas não se pense que o prazo prescricional será idêntico à pena. Se a pena
máxima do roubo é de 10 anos, isso não significa que o prazo será de iguais 10
anos. A sanção penal máxima é a base para a verificação do tempo da prescri-
ção, que será ditado pelo art. 109 do CP. De acordo com o dispositivo, penas
superiores a 12 anos prescrevem em 20 anos; penas superiores a 8 anos, mas
que não excedam 12, prescrevem em 16 anos; penas superiores a 4, que não
excedam 8, em 12; penas superiores a 2, que não excedam 4, em 8; penas iguais
ou superiores a 1, que não excedam 2, em 4; e penas inferiores a 1 ano prescre-
vem em 3 anos. Portanto, voltando ao exemplo do roubo, se a pena máxima
cominada abstratamente ao crime é de 10 anos, isso significa que seu prazo
prescricional será de 16 anos.
É evidente que a coisa não é tão simples assim: há fatores que alterarão o
quadro acima explicitado. E o primeiro deles se refere à incidência das causas
de aumento e de diminuição da pena. Estas devem ser consideradas no mo-
mento da seleção da pena que ditará o prazo prescricional. Voltemos ao roubo
e suponhamos que este crime seja tentado: incidirá sobre a pena uma causa
de diminuição de 1/3 a 2/3, consoante art. 14, II, do CP. Mas que redução de-
verá ser aplicada? 1/3, 1/2, 2/3? Considerando que sempre adotaremos a pior
situação possível para o agente, a causa de diminuição deverá ser aplicada no
mínimo. No exemplo dado, 1/3. Assim, a pena em abstrato do roubo fica em 7
anos e 8 meses, o que, consoante o art. 109 do CP, imporá prazo prescricional
de 12 anos.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado às causas de aumento da pena, que,
para traduzirem a pior situação possível ao agente, serão consideradas em seu
máximo. Assim, no roubo majorado, em que a pena é aumentada de 1/3 até 1/2,
tomemos 1/2 como acréscimo. A pena, que era de 10 anos, passará a ser de 15.
De acordo com o art. 109 do CP, prazo prescricional de 20 anos.
Nesse ponto, importa consignar que as causas de aumento da pena refe-
rentes ao concurso de crimes não serão aplicadas para fim de prescrição. Isso
porque cada crime prescreve isoladamente, não havendo se falar em concurso.
Suponhamos que haja concurso formal perfeito entre um homicídio culposo
(art. 121, § 3º, CP) e uma lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, CP). Ao invés de
144 • capítulo 7
tomarmos apenas a pena do homicídio culposo, com aumento decorrente do
concurso, a prescrição incidirá separadamente sobre ambos os delitos.
E as agravantes e atenuantes? Interferem no prazo prescricional? Não, pois
o legislador não atribui a elas um patamar certo de incremente ou suavização
da pena.
Outro fator que altera o prazo prescricional é a idade do agente. Se ele for
menor de 21 anos à época do fato, ou maior de 70 à data da sentença, o prazo
prescricional é contado pela metade. Assim, um prazo de 16 anos, por exemplo,
passa a ser de 8 anos. Isso é determinado pelo disposto no art. 115 do CP.
A reincidência também altera o prazo prescricional, de acordo com o dis-
posto no art. 110 do CP. Nesse caso, a pena é aumentada em 1/3. Mas cabe um
alerta: esse acrescimento somente se dará sobre o prazo de prescrição da pre-
tensão executória, não interferindo na pretensão punitiva (Súmula 220 do STJ).
Nesse ponto do estudo, cabe o questionamento: os atos infracionais pres-
crevem? Se sim, qual é seu prazo prescricional? Apenas para relembrarmos,
atos infracionais são as condutas típicas e antijurídicas praticadas por adoles-
centes-infratores. E eles prescrevem. Teremos, nessas hipóteses, que tomar por
base o tempo máximo em abstrato de internação a eles aplicável, qual seja, 3
anos. Pelo art. 109 do CP, o prazo prescricional seria de 8 anos. No entanto,
como invariavelmente os adolescentes-infratores são menores de 21 anos à
época do fato, o prazo passa a ser de 4 anos.
Caso a pena seja de multa, cominada ou aplicada de forma isolada, o prazo
prescricional é de dois anos (art. 114, I, CP). Se a pena de multa for aplicada em
conjunto com outra pena, prescreverá no mesmo tempo desta (art. 114, II, CP).
No caso do art. 28 da Lei 11.343, de 2006, o diploma especial indica prazo
prescricional de 2 anos. Por ser norma especial, tal especificação prevalece so-
bre a regra geral do CP (art. 30 da Lei n. 11.343, de 2006).
Se estamos falando em prazo, este deverá ter um termo inicial, ou seja, um dia
em que começará a ser computado. E, em tema de prescrição, o termo inicial do
prazo é determinado pelo art. 111 do CP. A regra geral é: o prazo prescricional
da pretensão punitiva pela pena em abstrato tem início com a consumação do
crime (inciso I). Assim, se, em um homicídio, a vítima é atingida pelo disparo
de arma de fogo no dia 2 de fevereiro, mas só vem a falecer no dia 9 do mesmo
capítulo 7 • 145
mês, depois de passar uma semana internada no hospital, apenas no dia nove
terá início a contagem do prazo.
Evidentemente que, em caso de crime tentado, a consumação não poderá
ser usada, pois ela inexiste. Destarte, o termo inicial será a data em que cessou
a atividade criminosa (inciso II).
O art. 111 do CP ainda prevê três exceções. A primeira delas diz respeito aos
crimes permanentes. Nestes, o prazo só tem início quando cessada a perma-
nência (inciso III). Tomemos como exemplo o crime de ter em depósito drogas
para finalidade de tráfico (art. 33 da Lei n. 11.343, de 2006), que é conduta per-
manente: se o sujeito ativo constituiu o depósito no dia 19 de março, o crime
já está consumado; todavia, se a manutenção da droga em depósito perdurou
até o dia 31 de março, ocasião em que a substância foi apreendida pela polícia,
apenas nesta data teremos o início do prazo prescricional. Há quem defenda,
outrossim, a aplicação da mesma regra aos crimes habituais.
A próxima exceção (inciso IV) versa sobre o crime de bigamia (art. 235 do
CP), bem como sobre a falsificação ou alteração de assentamento do registro
civil (por exemplo, arts. 241 e 242 do CP). Nesses casos, o prazo prescricional só
começa a correr quando o fato se torna conhecido. Por exemplo, na bigamia, se
o sujeito ativo contraiu o segundo vínculo matrimonial em abril de 2003, mas
apenas em outubro de 2015 o fato foi descoberto por uma autoridade policial,
pois até então era mantido em segredo, somente nessa segunda data o prazo
se iniciará.
A última hipótese, prevista no inciso V, não constava na redação original da
reforma da Parte Geral, sendo incluída no art. 111 pela Lei n. 12.650, de 2012.
Diz o dispositivo que o prazo começa a fluir, nos crimes contra a dignidade se-
xual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação espe-
cial, da data em que a vítima completar 18 anos, salvo se a esse tempo já houver
sido proposta a ação penal. Aqui, temos duas regras: (a) o prazo começa a correr
quando a vítima completa 18 anos (dia de seu aniversário); (b) se proposta ação
penal antes desse momento (18 anos da vítima), o termo inicial passa a ser ou-
tro, surgindo três posições distintas na doutrina: b.1. o termo inicial é a data da
consumação do crime, com esteio no inciso I; b.2. é a data da propositura da
ação; b.3. é a data do recebimento da denúncia, em analogia ao disposto no art.
117, I, do CP.
146 • capítulo 7
7.3.2.2 Causas interruptivas
Uma vez iniciado o fluxo do prazo prescricional, pode ele ser interrompido.
Quando isso ocorre, ele é “zerado”, reiniciando-se a sua contagem. O art. 117
do CP traz as causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva em seus
incisos I a IV. São elas:
Deve ser lembrado que o art. 117 contempla outras duas causas interrup-
tivas da prescrição (incisos V e VI), mas estas somente se aplicam à pretensão
executória, como veremos.
Como as causas interruptivas determinam o reinício do prazo prescricio-
nal, a verificação da causa extintiva da punibilidade se dará “por trechos”.
Imaginemos um crime de autoaborto (art. 124 do CP), cujo prazo prescricional
pela pena em abstrato é de 8 anos: primeiramente, verifica-se o decurso desse
prazo entre a data da consumação do crime e o recebimento da denúncia; não
ocorrendo a prescrição, da data do recebimento da denúncia até a sentença de
pronúncia, e assim por diante. Em suma, o tempo não é contado da consuma-
ção até a sentença condenatória, mas sim separando o lapso temporal em tre-
chos, determinados pelos marcos interruptivos.
À pena de multa se aplicam as causas interruptivas da prescrição concer-
nentes à legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública (art. 51 do CP).
capítulo 7 • 147
7.3.2.3 Causas impeditivas ou suspensivas
148 • capítulo 7
não pode ser aumentada em segundo grau de jurisdição. Isso se deve à garantia
de proibição da reformatio in pejus (a pena somente pode ser elevada caso a
acusação recorra, para que não sejam tolhidos os direitos à ampla defesa e ao
duplo grau de jurisdição). Qual é a consequência? A sentença prolatada em pri-
meiro grau de jurisdição fixa um novo teto para a pena privativa de liberdade,
que não mais poderá ser ultrapassado (no nosso exemplo, 4 anos, pois o tribu-
nal ad quem não poderá fixá-la em patamar superior).
Como o cálculo do prazo prescricional tem a pena como parâmetro, sempre
em seu limite máximo, e esta, agora concretizada, foi reduzida a um novo pa-
tamar, ela deve doravante ser considerada para fins de prescrição. Assim, se
no roubo, pela pena em abstrato, o prazo prescricional era de 16 anos (pena de
10 anos = prazo de 16 anos), agora, de acordo com os arts. 109 e 110 do CP, ele
passará a ser de 8 anos (pena de 4 anos = prazo de 8 anos). Para que este cálculo
seja possível, obrigatoriamente deve ter ocorrido o trânsito em julgado da sen-
tença condenatória para a acusação (ou, ao menos, ainda que na pendência de
recurso acusatório, a pena não mais possa ser elevada), não para a defesa.
A prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto, portanto, sucede
a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato, mas com uma impor-
tante advertência: somente será analisada a prescrição pela pena em concreto
(subsidiária) se não ocorreu a prescrição pela pena em abstrato! Passemos, en-
tão, às modalidades de prescrição pela pena em concreto.
capítulo 7 • 149
anos) e, agora, teremos que retroagir no tempo. Primeiramente, da sentença
condenatória recorrível até a decisão confirmatória de pronúncia; depois, da
decisão confirmatória até a decisão de pronúncia; e, por fim, desta até o rece-
bimento da denúncia. Se em algum desses trechos o prazo de 12 anos foi ultra-
passado, ocorreu a prescrição retroativa.
Novamente fazemos um alerta: na prescrição retroativa, não se considera
o tempo transcorrido entre o recebimento da denúncia ou da queixa e o termo
inicial da prescrição. Ou seja, a prescrição retroativa se basta no recebimento
da denúncia ou da queixa, de acordo com o art. 110, § 1º, do CP, com reda-
ção determinada pela Lei n. 12.234, de 2010. Antes dessa alteração legislativa,
a retroação até o termo inicial, isto é, além do recebimento da denúncia ou da
queixa, isso era possível. Como a lei nova é prejudicial ao réu, ela somente será
aplicada aos casos ocorridos posteriormente à sua vigência (irretroatividade da
lei penal prejudicial).
150 • capítulo 7
7.3.4.1 Prazo prescricional
capítulo 7 • 151
7.3.4.3 Causas interruptivas e suspensivas da prescrição
O art. 117 do CP, em seus incisos V e VI, traz as causas interruptivas da pres-
crição da pretensão executória, que produzem os mesmos efeitos daquelas re-
ferentes à pretensão punitiva. São elas o início ou a continuidade do cumpri-
mento da pena e a reincidência. Por exemplo, condenado a uma pena de 6 anos
de prisão, Tiago está foragido, sendo certo que, neste período, flui o prazo de
prescrição da pretensão executória (12 anos). Todavia, o condenado é captura-
do antes que a prescrição ocorra. Nesse momento, inicia-se o cumprimento da
pena e o prazo prescricional é interrompido. Após cumprir 3 anos de sua pena,
Tiago foge. Como o prazo anterior fora interrompido, com a fuga ele novamen-
te começa a fluir, todavia “zerado” (no entanto, o tempo de cumprimento da
pena deverá ser observado, ou seja, é a pena residual que determinará o prazo
prescricional; portanto, 8 anos para que ocorra a prescrição).
152 • capítulo 7
7.3.6 Esquema sucessivo da prescrição
Prescrição da
pretensão punitiva
• Usa-se a pena máxima (pena em concreto • Pressupõe sentença
em abstrato (não há pena • Usa-se a pena fixada condenatória irrecorrível
em concreto) em sentença, se não • Baseia-se na pena
• Verificar causas de pode ser aumentada estabelecida na sentença
aumento e diminuição, • Pode ser retroativa ou • Verificar possível
bem como a idade do superveniente, sempre reincidência.
autor Prescrição da nesta ordem.
Prescrição da
pretensão punitiva
Pretensão executória
(pena em abstrato)
ATIVIDADE
Rafael, nascido em 02/05/1990, ao dirigir imprudentemente, atropelou e feriu Marcos, co-
metendo, assim, o crime do art. 303 da Lei 9.503/97 (pena de 6 meses a dois anos de
detenção). O fato se deu no dia 15/01/2011, sendo certo que a vítima compareceu à De-
legacia de Polícia para representar contra o autor do fato em 09/04/2011. Encerrada a
investigação, os autos foram remetidos ao Ministério Público, que, após ver frustradas as ten-
tativas de composição civil ou transação penal, denunciou o autor do fato em 10/01/2013,
dando-se a decisão de recebimento em 12/01/2013. Enfrentada a instrução processual,
em 20/04/2014 o réu foi condenado a uma pena de oito meses de detenção, substituída
por prestação de serviços à comunidade, decisão esta publicada no mesmo dia. Não houve
recurso da acusação. Pergunta-se: ocorreu a extinção da punibilidade do réu?
capítulo 7 • 153
GABARITO
Capítulo 1
01. A resposta, primeiramente, passa por identificar quais foram os crimes praticados por
Pedro. Este, ao desferir uma machadada na cabeça da vítima pelas costas, cometeu homi-
cídio qualificado pelo recurso que impossibilita a defesa da vítima. Contudo, como pensava
eliminar o estuprador da própria mãe, incide sobre o caso uma causa de diminuição da pena,
a saber, o relevante valor moral (art. 121, § 1º e § 2º, IV, CP). Além disso, Pedro cometeu
ocultação de cadáver, crime previsto no artigo 211 do CP.
Agora, analisemos a conduta de Maria: ao convencer Pedro sobre o estupro fictício, ou
seja, ao enganá-lo, a mulher o induziu à prática homicida. Deve ela responder igualmente pelo
homicídio? Sim. Há concurso de pessoas no caso concreto. Mas seria ela autora, coautora
ou partícipe do delito? Depende da teoria adotada. Em uma perspectiva unificadora, como
não há diferenciação entre autores e partícipes, é óbvio que Maria e Pedro seriam coautores.
Vejamos, então, as concepções diferenciadoras: (a) teoria subjetiva – Maria desejava o crime
para si (animus auctori), então seria ele autora do delito; (b) teoria objetivo-formal – como
não executou o homicídio, Maria é partícipe do crime; (c) teoria do domínio do fato – Maria
não executou diretamente o crime (não é autora imediata); não usou Pedro (que não é inim-
putável ou não agia em erro determinado por terceiro, senão quanto a existência do estupro)
como instrumento de sua conduta, sequer existindo o domínio de um aparato organizado de
poder (não há autoria mediata); e não exerceu conduta importante na fase executória do
delito (não é autora funcional), de modo que Maria aparece como partícipe do homicídio. Um
outro ponto deve ser verificado aqui: a causa de diminuição da pena concernente ao rele-
vante valor moral e a qualificadora referente ao recurso que impossibilitou a defesa da vítima
devem ser aplicados a Maria? Resposta: não e sim. Em ambos os casos temos circunstâncias
(não elementares), sendo que, na primeira hipótese, são pessoais (motivação) e, na segunda,
impessoais (modo do crime). Apenas as impessoais se comunicarão. E quanto à ocultação de
cadáver? Dela Maria nem mesmo tomou ciência, não podendo ser responsabilizada.
Passemos à conduta de Antônio: sabendo que Pedro iria matar a vítima e buscando
ajudá-lo, Antônio aderiu subjetivamente à conduta do amigo. Contudo, sua conduta não teve
qualquer relevância causal, de modo que ele não responde pelo homicídio. E no tocante à
ocultação do cadáver? Pelas teorias objetivo-formal (praticou atos de execução) e do domí-
nio do fato (houve divisão de tarefas relevantes, com imputação recíproca), atuou em coauto-
ria com Pedro (para a teoria do domínio do fato, é autor funcional). Pela teoria subjetiva, quis
apenas ajudar o amigo, ou seja, agiu com animus socii, sendo apenas partícipe.
154 • capítulo 7
Capítulo 2
01. Passamos, agora, a responder o caso, sugerindo que haja ponderação sobre ele antes
da leitura da solução: a conduta do autor se subsome aos tipos penais de embriaguez ao
volante (art. 306 da Lei n. 9.503/97) e lesão corporal culposa na direção de veículo auto-
motor majorada (três delitos, todos previstos no art. 303, parágrafo único, da mesma lei). As
lesões se encontram em concurso formal de infrações, pois, com um único comportamento
(a violação de um dever de cuidado), o sujeito ativo lesionou três bens jurídicos. Como as le-
sões são culposas, esse concurso formal é reconhecido como perfeito, impondo a aplicação
da pena pelo sistema da exasperação. Assim, em sendo todos os delitos de igual gravidade,
será escolhida a pena de um deles, aumentada em 1/5 (em razão de existirem dois deli-
tos sobressalentes).
E quanto à embriaguez? Há duas formas de se avaliar a questão: pode-se imaginar que,
em sendo um crime de perigo, a embriaguez restaria absorvida pelas lesões, pois representa
um estágio anterior de proteção aos mesmos bens jurídicos. No caso, teríamos a aplicação
do princípio da subsidiariedade, evitando o bis in idem. Ou seja, concurso aparente de nor-
mas, não concurso de crimes. Por outro lado, pode-se argumentar que o crime de embriaguez
ao volante é classificado como de perigo comum, expondo a coletividade a um risco de lesão,
ao passo em que as lesões são individualizadas. Ademais, o art. 306 da Lei n. 9.503/97
tem a pena mais alta. Assim, ele poderia figurar em concurso de crimes com as lesões, sem
que isso implique bis in idem. Partindo desse raciocínio, a embriaguez estaria em concurso
material com as lesões, impondo-se o sistema do cúmulo material entre ele e o conjunto
das lesões.
Capítulo 3
Capítulo 4
01. Respondendo: (a) O emprego de arma, no roubo (art. 157, § 2º, I, CP) é causa de au-
mento da pena, sendo valorada na fase da pena definitiva (terceira fase). (b) Para que seja
imposto um regime mais gravoso, o magistrado deve se valer do disposto no § 3º, mas, para
capítulo 7 • 155
tanto, deve esposar uma fundamentação baseada no caso concreto. Argumentações vagas,
principalmente as baseadas na gravidade em abstrato do crime, não são válidas.
Capítulo 5
01. Resposta: (a) A decisão está incorreta. Isso porque, na hipótese, seria cabível a subs-
tituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O sursis só tem vez quando
inaplicáveis as penas restritivas. (b) Enquanto o sursis suspende a pena, antes mesmo do
início de sua execução, o livramento condicional pressupõe o cumprimento de parcela da
sanção penal.
Capítulo 6
01. Resposta: como a vulnerabilidade é transitória, a ação penal se mantém pública con-
dicionada à representação do ofendido, não havendo se falar em ação incondicionada. A
vítima poderá oferecer ação privada subsidiária desde que o Ministério Público se mante-
nha inerte, deixando transcorrer o prazo para denúncia. Depois de oferecida a ação privada,
Natália poderá dela desistir, mas a ação não será extinta. Ao contrário, o MP nela prosse-
guirá. Isso porque a ação continua substancialmente pública, aplicando-se a ela o princípio
da indisponibilidade.
Capítulo 7
01. Resposta: Não. Inicialmente, temos que observar se ocorreu a decadência do direito de
representação, pois o crime em tela é de ação pública condicionada. Como esse foi exercita-
do em menos de seis meses, a contar da ciência da autoria pela vítima, o direito não decaiu.
Deve-se, então, passar à análise da prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato.
Como o crime tem pena máxima de 2 anos, o prazo, pelo art. 109 do CP, é de 4 anos. Todavia,
à época do crime, o réu tinha menos de 21 anos. Portanto, o prazo é reduzido para 2 anos.
Da data de consumação do crime até o recebimento da denúncia, não houve o decurso de
tal prazo. Igualmente, entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença conde-
natória, não restou expirado o prazo prescricional. Com a sentença condenatória e o trânsito
em julgado para a acusação, passa a valer, para cálculo do prazo prescricional, a pena fixada
na sentença (pena em concreto). E esta foi fixada em 8 meses, o que, consoante o art. 109,
determina um prazo prescricional de 3 anos. Como o réu era menor de 21 anos quando do
fato, 1 ano e 6 meses. Ainda que a pena privativa de liberdade tenha sido substituída por
156 • capítulo 7
uma restritiva de direitos, esta prescreve no mesmo prazo. Então, há se fazer o cálculo da
prescrição retroativa. Entre a publicação da sentença condenatória e o recebimento da de-
núncia, o tempo decorrido foi inferior a 1 ano e 6 meses. Esse tempo, todavia, foi superado
entre o recebimento da denúncia e a data da consumação do fato. Contudo tal período não
pode ser utilizado para fins de prescrição retroativa. Por conseguinte, não ocorreu a extinção
da punibilidade.
capítulo 7 • 157