Sei sulla pagina 1di 158

DIREITO PENAL II

autor do original
BRUNO GILABERTE FREITAS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  rafael m.iório filho, camille guimarães, roberto paes, gladis
linhares

Autor do original  bruno gilaberte freitas

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  daniela duque estrada

Imagem de capa  lisa s. | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

F866d Freitas, Bruno Gilaberte


Direito penal II – parte geral II / Bruno Gilaberte Freitas.
Rio de Janeiro: SESES, 2016.
160 p: il.

isbn: 978-85-5548-262-5

1. Concurso de pessoas. 2. Concurso de crimes. 3. Regimes prisionais.


4. Execução penal. I SESES. II. Estácio.
cdd 345

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 9

1. Concurso de Pessoas 11
1.1  Primeiras linhas 13
1.2  Requisitos para configuração do concurso de pessoas 14
1.3  Espécies de participação: a autoria 15
1.3.1  Perspectiva unitária 15
1.3.2  Perspectivas diferenciadoras 16
1.3.2.1  Teoria subjetiva 16
1.3.2.2  Teoria formal-objetiva 16
1.3.2.3  Teoria do domínio do fato 16
1.3.2.3.1  Autoria imediata 17
1.3.2.3.2  Autoria mediata 17
1.3.2.3.3  Autoria funcional 18
1.3.2.3.4  Existe um “autor intelectual” na teoria do domínio do fato? 19
1.3.3  Coautoria alternativa, coautoria sucessiva,
autoria colateral e autoria incerta 20
1.4  Espécies de participação: participação em sentido estrito 21
1.4.1  Teorias que fundamentam a participação
(quanto à estrutura do delito) 22
1.4.1.1  Teoria da acessoriedade máxima 22
1.4.1.2  Teoria da acessoriedade mínima 22
1.4.1.3  Teoria da acessoriedade limitada 22
1.4.2  Modalidades de participação 22
1.5  Punibilidade da participação 23
1.6  Coautoria e participação em sentido estrito
nos crimes culposos 24
1.7  Cooperação dolosamente distinta ou
desvio subjetivo de condutas 25
1.8  Comunicabilidade das circunstâncias 26
2. Concurso de Crimes 31

2.1  Primeiras linhas 33


2.2  Concurso de crimes e concurso aparente de normas 33
2.3  Concurso material 33
2.4  Concurso formal 35
2.5  Crime continuado 37
2.5.1  Crimes da mesma espécie 38
2.5.2  Condições semelhantes de tempo, lugar e
maneira de execução 39
2.5.3  Cláusula genérica: outras condições semelhantes 40
2.5.4  No crime continuado deve existir
desígnio único (dolo unitário)? 41
2.5.5  Punibilidade no crime continuado 42
2.5.6  Crime continuado específico 43
2.5.7  Bens jurídicos personalíssimos 43
2.5.8  Crime continuado, crime permanente e crime habitual 44
2.6  Tipo misto alternativo e tipo misto cumulativo 44
2.7  Concurso de crimes no estupro e a Lei n. 12.015 de 2009 45
2.8  Esquematizando o concurso de crimes 48

3. A Pena 51

3.1 Conceito 53
3.2  Teorias da pena 53
3.2.1  Teorias retributivas 54
3.2.2  Teorias preventivas 55
3.2.2.1  Teoria da prevenção geral negativa 56
3.2.2.2  Teoria da prevenção especial 56
3.2.2.3  Teoria da prevenção geral positiva 56
3.2.3  Teorias unificadoras, ou ecléticas, ou mistas 57
3.2.4  Teoria agnóstica da pena 57
3.3  Princípios relativos às penas 58
3.3.1 Legalidade 58
3.3.2  Humanidade das penas 58
3.3.3 Personalidade 59
3.3.4 Inderrogabilidade 59
3.3.5 Proporcionalidade 59
3.4  Espécies de penas 60
3.4.1  4.1. Penas privativas de liberdade 62
3.4.2  Penas restritivas de direitos 63
3.4.2.1  Prestação pecuniária (inciso I) 63
3.4.2.2  Perda de bens e valores (inciso II) 64
3.4.2.3  Prestação de serviços à comunidade ou
a entidades públicas (inciso IV) 64
3.4.2.4  Interdição temporária de direitos (inciso V) 65
3.4.2.5  Limitação de fim de semana (inciso VI) 67
3.4.3  Pena de multa 68

4. Aplicação da Pena 71

4.1  Sistema trifásico de aplicação da pena 73


4.1.1 Pena-base 74
4.1.2  Pena provisória 78
4.1.2.1  Inexorabilidade das agravantes 79
4.1.2.2  Agravantes em espécie 79
4.1.2.3  Agravantes no concurso de pessoas 82
4.1.2.4  Inexorabilidade das atenuantes 83
4.1.2.5  Atenuantes em espécie 83
4.1.2.6  Atenuantes inominadas 85
4.1.2.7  Concurso entre agravantes e atenuantes 85
4.1.3  Pena definitiva 86
4.2  Regimes prisionais 87
4.2.1  Regime fechado 87
4.2.2  Regime semiaberto 87
4.2.3  Regime aberto 88
4.2.4  Regime disciplinar diferenciado 88
4.2.5  Regime inicial de cumprimento da pena 89
4.2.6  Progressão e regressão de regime prisional 90
4.2.6.1  Progressão de regime prisional 90
4.2.6.2  Execução provisória da pena 93
4.2.6.3  Regressão de regime prisional 94
4.3  Detração da pena 94

5. Outras Regras Referentes À Pena 97


5.1  Aplicação das penas restritivas de direitos 99
5.1.1  Requisitos para a substituição 99
5.1.2  Formas de substituição da pena 101
5.1.3  Conversão das penas restritivas de direitos
em privativas de liberdade 101
5.1.4  Penas restritivas de direitos e crimes hediondos 102
5.2  Aplicação da pena de multa 102
5.2.1  Sistema dos dias-multa 103
5.2.2  Execução da pena de multa 104
5.3  Suspensão condicional da pena (sursis) 104
5.3.1  Requisitos para concessão 104
5.3.2  Espécies de sursis 105
5.3.3  Condições do sursis 105
5.3.4  Revogação do sursis 106
5.3.5 Sursis e Lei de Drogas (Lei n. 11.343, de 2006) 107
5.4  Livramento condicional 107
5.4.1  Requisitos do livramento 107
5.4.2  Condições do livramento 109
5.4.3  Revogação do livramento condicional 109
5.5  Efeitos da condenação 110
5.5.1  Efeitos extrapenais genéricos 110
5.5.2  Efeitos extrapenais específicos 112
5.6 Reabilitação 113
5.7  Medidas de segurança 113
5.7.1  Medidas de segurança e sua função 114
5.7.2 Espécies 114
5.7.3  Semi-imputáveis e superveniência de doença mental 114
5.7.4 Prazo 115
5.7.5  Desinternação ou liberação condicional 115
6. Ação Penal 117

6.1 Conceito 119
6.2 Espécies 119
6.3 Princípios 121
6.3.1  Princípio do ne procedat judex ex ofício
ou da iniciativa das partes 121
6.3.2  Princípio do ne bis in idem 122
6.3.3  Princípio da obrigatoriedade ou compulsoriedade 122
6.3.4  Princípio da conveniência ou oportunidade 123
6.3.5  Princípio da indisponibilidade 123
6.3.6  Princípio da disponibilidade 124
6.3.7  Princípio da indivisibilidade 124
6.4  Condições da ação 125
6.4.1  Interesse de agir 125
6.4.2  Possibilidade jurídica do pedido 125
6.4.3  Legitimidade da parte 126
6.4.4  Justa causa 126
6.5  Ação penal nos crimes complexos 127
6.6  Ação penal nos crimes sexuais 128
6.7  Ação penal e Lei n. 11.340, de 2006 130

7. Extinção da Punibilidade 133

7.1  Conceito de punibilidade 135


7.2  Causas de extinção da punibilidade 135
7.2.1 Morte 135
7.2.2  Anistia, graça e indulto 135
7.2.3  Abolitio criminis 137
7.2.4  Decadência e perempção 138
7.2.4.1 Decadência 138
7.2.4.2 Perempção 139
7.2.5  Renúncia ao direito de queixa e perdão do ofendido 140
7.2.6 Retratação 141
7.2.7  Perdão judicial 141
7.3 Prescrição 142
7.3.1  Por que existe a prescrição? 143
7.3.2  Prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato 143
7.3.2.1  Termo inicial 145
7.3.2.2  Causas interruptivas 147
7.3.2.3  Causas impeditivas ou suspensivas 148
7.3.3  Prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto 148
7.3.3.1  Prescrição retroativa 149
7.3.3.2  Prescrição superveniente ou intercorrente 150
7.3.4  Prescrição da pretensão executória 150
7.3.4.1  Prazo prescricional 151
7.3.4.2  Termo inicial 151
7.3.4.3  Causas interruptivas e suspensivas da prescrição 152
7.3.5  Prescrição nas medidas de segurança e
nas penas restritivas de direitos 152
7.3.6  Esquema sucessivo da prescrição 153
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

No presente livro didático daremos sequência ao estudo da Parte Geral


do Código Penal, permeado pelas leis penais especiais, mormente à Lei de
Execução Penal (Lei n. 7.210, de 1984). A matéria concernente à Penal II tem
início no concurso de pessoas, transitando pela teoria da pena até alcançar a
punibilidade. Os tópicos abordados não apenas têm enorme relevância práti-
ca, como também suscitam acaloradas discussões teóricas, razão pela qual são
corriqueiramente cobrados em exames e concursos públicos. Mais do que isso,
fazem parte do dia a dia de magistrados, advogados, defensores e outras carrei-
ras jurídicas.
A obra é estruturada com início no concurso de pessoas, que se encontra
em constante evolução científica, inclusive no direito comparado. Assim, o li-
vro não se limita a abordar de forma rasa as teorias sobre a autoria, imiscuin-
do-se com maior profundidade na teoria do domínio do fato e, inclusive, no
consequente domínio sobre um aparato organizado de poder, buscando deixar
o autor a par das discussões existentes na Europa.
Segue-se a abordagem sobre o concurso de infrações penais, deslocado em
sua posição topológica, mas tratado de forma antecipada para o aproveitamen-
to de alguns conceitos trabalhados no concurso de pessoas. Assim, são esmiu-
çados concurso material, formal e continuidade delitiva.
A teoria da pena vem logo após, com ênfase nas funções da sanção penal
e suas regras de aplicação. Consequentemente, penas privativas de liberdade,
restritivas de direito e a pena de multa serão estudadas.
Os últimos tópicos abordam a ação penal, matéria híbrida, mais bem deta-
lhada no estudo do processo penal, e a punibilidade, com especial atenção à
prescrição, cujo detalhamento é imperativo.
Deseja-se, portanto, ao leitor um bom aprendizado!

Bons estudos!

9
1
Concurso de
Pessoas
O tema concurso de pessoas, além de constituir importante etapa na imputa-
ção de condutas criminosas, é tema recorrente em exames e concursos públi-
cos. É matéria, ainda, corriqueira na prática penal, de modo que magistrados,
promotores de justiça, delegados de polícia, defensores públicos e advogados
devem conhecê-la profundamente.
Nesse capítulo, analisaremos os requisitos de configuração e as modalida-
des do concurso de pessoas, bem como peculiaridades sobre a autoria e a par-
ticipação em sentido estrito, observando detidamente as importantes teorias
que permeiam o assunto. Não obstante, estudaremos os reflexos do tema na
responsabilização penal.

OBJETIVOS
•  Compreender o conceito de concurso de pessoas e sua importância na delimitação da
responsabilidade penal.
•  Distinguir autoria de participação em sentido estrito, observando a evolução das teorias
sobre o tema.
•  Observar a influência das teorias de origem europeia na constituição de um conceito
de autor.
•  Perceber os reflexos da matéria na subsunção do comportamento à norma penal.

12 • capítulo 1
1.1  Primeiras linhas
As infrações penais, em sua maioria, podem ser praticadas por apenas um in-
divíduo, que, em virtude dessa atuação isolada, será considerado seu autor. To-
davia, também podem ser objeto de uma prática plural, naquelas hipóteses em
que duas ou mais pessoas, subjetivamente vinculadas, contribuem para a sua
ocorrência. Nesse último caso, estaremos diante do fenômeno do concurso de
pessoas.

MULTIMÍDIA
SAIBA MAIS
Para perceber a dinâmica de um concurso de pessoas, recomenda-se o filme Assalto
ao Banco Central (2011).

Quando o crime aceita cometimento por uma pessoa, ou por várias, ele é
classificado como delito de concurso eventual, ou monossubjetivo. O homicí-
dio (art. 121, CP), por exemplo, se encaixa nesta classificação, assim como o
roubo (art. 157, CP), o estupro (art. 213, CP), a embriaguez ao volante (art. 306
da Lei n. 9.503/97) e o tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/06), entre outros.
Podemos vislumbrar um homicídio em que haja um único autor? Claro que
sim! Basta pensarmos em uma briga de bar, em que duas pessoas discutem, até
o momento em que uma delas saca uma arma e, tomada pela ira, mata a outra.
E pode ele ser praticado por duas ou mais pessoas? A resposta é igualmente po-
sitiva. Tomemos como exemplo a mesma briga de bar, agora entre três pessoas.
Duas delas investem contra a terceira e passam a agredi-la aos socos e chutes
até a provocação de sua morte. O homicídio, portanto, é monossubjetivo.
No entanto, o concurso de pessoas pode ser obrigatório em alguns tipos pe-
nais, ocasião em que estaremos diante de crimes plurissubjetivos, ou de con-
curso necessário. Como exemplos, podemos citar a associação criminosa (art.
288 do CP), em que se exige vínculo associativo entre três ou mais pessoas; a
associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343, de 2006), que re-
quer a presença de no mínimo dois associados; e a organização criminosa (art.
1º, § 1º, c/c art. 2º, ambos da Lei n. 12.850, de 2013), composta por ao menos
quatro agentes.

capítulo 1 • 13
1.2  Requisitos para configuração do
concurso de pessoas

Para o reconhecimento de um concurso de pessoas, alguns requisitos impõem


sua presença, a saber: (a) pluralidade de condutas; (b) relevância causal e jurí-
dica das condutas praticadas; (c) liame subjetivo entre os concorrentes.
Por pluralidade de condutas (a), entendamos a adoção de comportamentos
pelos diversos agentes, visando à produção de um resultado comum (identi-
dade da infração penal). Exemplificando, se alguém empresta uma chave falsa
para que outrem cometa um furto qualificado, teremos a mencionada plurali-
dade. Todavia, os comportamentos praticados devem, de fato, contribuir para
a produção desse resultado comum (b). Assim, embora em posse da chave, se o
executor opta por não a usar, valendo-se de outro meio, e sequer o empréstimo
serve como estímulo para que o autor decida pelo furto, a cessão da chave não
possui relevância causal no contexto da infração praticada. Portanto, o cedente
não será partícipe do furto. Ainda, é imprescindível que haja adesão à vontade
alheia (c). Aquele que empresta a chave conhecendo o propósito do autor do
furto e sabendo que o instrumento será usado na empreitada criminosa, pro-
duz a referida adesão, denominada liame subjetivo. Esse liame não existirá, por
exemplo, se o autor insinua a um chaveiro que pretende treinar para trabalhar
no mesmo ofício, obtendo com isso, mediante engodo, a posse do instrumen-
to. Mister um parêntese: liame subjetivo não implica necessariamente acordo
de vontades. Por exemplo, será participante de crime alheio o empregado de
um estabelecimento empresarial que, violando seu dever profissional, deixa
conscientemente de trancar um cofre existente na empresa, por saber da inten-
ção de outro empregado em subtrair o seu conteúdo, com o que, mesmo sem a
ciência do executor, facilita o delito. Observação importante: quando falamos
em liame subjetivo, não podemos nos esquecer da homogeneidade do elemen-
to subjetivo. Mas o que é isso? Significa que não pode haver participação culpo-
sa em crime doloso, ou vice-versa. As vontades devem ser homogêneas (dolo +
dolo, v. g.).

14 • capítulo 1
1.3  Espécies de participação: a autoria
O concurso de pessoas pode se dar por atos de autoria ou de participação em
sentido estrito. A divisão entre essas duas categorias de participantes (autores
e partícipes) não é isenta de controvérsias, de modo que é imprescindível uma
imersão nas teorias que buscam precisá-la.
Mas antes de qualquer aprofundamento teórico, impõe-se uma considera-
ção aparentemente simples, mas que fará toda diferença na compreensão do
tema: a distinção entre autoria e participação não se reflete necessariamente
na punição a ser aplicada ao agente. Isto é, a participação em sentido estrito
não implica pena inexoravelmente menor, ou a autoria punição mais severa ao
infrator. Embora o partícipe não seja a figura principal da infração (o autor é
essa figura), fica ele sujeito às mesmas margens penais (penas mínima e máxi-
ma) cominadas abstratamente ao delito praticado pelo autor. A quantidade de
pena que será imposta dentro dessas margens penais é outra conversa. Há atos
de participação em sentido estrito, embora não seja uma regra geral, que rece-
bem o tratamento de agravantes (art. 62, II, do CP, v. g.), ou seja, determinarão
pena mais grave.
Com essa consideração, podemos passar às teorias que sustentam o concei-
to de autor.

1.3.1  Perspectiva unitária

Pela perspectiva unitária não há distinção entre autores ou partícipes. Assim,


todos aqueles que contribuem, em uma mesma linha causal, para a ocorrência
da infração, serão considerados seus autores. Por esse prisma, a pessoa que,
agindo de forma consciente e voluntária, com liame subjetivo, empresta a arma
para que outra pratique um homicídio, será autora desse mesmo homicídio.
Com base na teoria da equivalência dos antecedentes, adotada pelo art. 13
do Código Penal, e verificando que o art. 29 do CP, ao contrário do que faz o
Código Penal alemão, não apresenta de forma clara a dicotomia entre autores
e partícipes, pode-se afirmar que nossa legislação se inclina pela perspectiva
unitária. Frise-se, contudo, nosso Código não adota de forma inequívoca ne-
nhuma das teorias existentes. O que, visto sob outra ótica, permite afirmar que
ele está aberto a todas.

capítulo 1 • 15
1.3.2  Perspectivas diferenciadoras

1.3.2.1  Teoria subjetiva

A teoria subjetiva distingue autor de partícipe com base na vontade do agente:


o autor é aquele que atua com animus auctori, ou seja, com vontade de autor
(em apertada síntese, é a pessoa que deseja a infração penal em nome próprio,
ainda que não a execute); já o partícipe é movido pelo animus socii, ou seja,
atua em nome alheio, em nome de outrem. Um dos casos em que essa teoria
foi aplicada, na Alemanha, se deu no julgamento de um espião russo, que, ao
matar uma pessoa em solo germânico, o fez a mando de seus superiores. Enten-
deu-se que ele seria partícipe naquele crime, pois não desejava o crime para si,
ao contrário, apenas obedecia a ordens.
Importante consignar que, mesmo no direito alemão, onde ainda é utiliza-
da, essa teoria vem sendo temperada, isto é, a jurisprudência exige alguns ele-
mentos objetivos em cotejo com a intenção do autor, ao invés da aplicação pura
da teoria subjetiva.

1.3.2.2  Teoria formal-objetiva

Autor é quem realiza a ação típica, executando o crime. Se a execução é dividida


entre duas ou mais pessoas, ou seja, se cada pessoa exerce uma parcela dos atos
executórios, há coautoria (mais de um autor em um mesmo crime). Em um ho-
micídio, por exemplo, aquele que desfere o tiro fatal contra a vítima é seu autor,
mas não aquele que contrata o pistoleiro; no roubo, aquele que constrange a
vítima e o que arrecada seus bens, subtraindo-os, são seus coautores, ao passo
em que quem planeja o crime é partícipe.

1.3.2.3  Teoria do domínio do fato

Insinuada por LOBE em 1933 e referida por WELZEL em 1939 (com a nomencla-
tura “domínio final do fato”), a teoria do domínio do fato só recebeu seus atuais
contornos a partir dos estudos de ROXIN (1963). Busca estabelecer um crité-
rio mais preciso de distinção entre autoria e participação em sentido estrito. A
teoria tem o autor como a figura central do delito, o que pode ocorrer em três
hipóteses: (a) autoria imediata; (b) autoria mediata; e (c) autoria funcional.

16 • capítulo 1
1.3.2.3.1  Autoria imediata

Consiste no domínio da ação (realização pessoal do fato). Autor é quem execu-


ta o crime, controlando, dessa forma, o acontecimento criminoso. É o que ocor-
re, em uma lesão corporal, com o executor que golpeia a vítima, ou, no furto, em
relação a quem diretamente pratica a subtração, por exemplo.

1.3.2.3.2  Autoria mediata

Definição mais complexa do que a anterior, pois encerra várias possibilidades.


A autoria mediata surge através do domínio da vontade alheia. Isso se dá quan-
do o autor, por exemplo, induz uma pessoa ao erro (erro determinado por ter-
ceiro – art. 20, § 2º, do CP); quando conduz o executor à ação criminosa em si-
tuação de inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, CP); ou quando se vale de
inimputável para a prática criminosa. Em todos esses casos temos a figura do
Hintermann (homem de trás), que domina a vontade do executor (o qual age,
no mais das vezes, acobertado por uma causa de atipicidade – erro de tipo – ou
de exculpação – inimputabilidade, por exemplo).
A autoria mediata não é suficientemente explicada pela teoria formal-obje-
tiva, que tende a posicionar a pessoa dominada na condição de instrumento de
que se utiliza o autor mediato para a execução (realizada por ele, mas através de
outrem) do crime.
Há, ainda, uma hipótese mais polêmica: a autoria mediata pelo domínio de
um aparato organizado de poder (domínio da organização ou “autoria de escri-
tório”). Essa espécie de autoria mediata tem como pressupostos: (a) a existên-
cia de um poder de comando, dentro de uma estrutura verticalizada de poder,
por parte do autor; (b) uma organização desvinculada do direito – como a má-
fia italiana – no âmbito de sua atividade penalmente relevante; e (c) a fungibi-
lidade dos executores individuais que integram a organização, isto é, a inexis-
tência de um “especialista”. Citemos como exemplo o líder de uma organização
dedicada ao tráfico de pessoas (arts. 231 e 231-A do CP) que emita uma ordem
criminosa a ser executada por sua rede de subalternos, sendo certo que, indis-
tintamente, qualquer um pode ser designado a cumprir a tarefa. Aí temos a
autoria pelo domínio do aparato organizado de poder. Sustentando sua teoria,
afirma ROXIN1 que esses pressupostos determinam ao autor direto (executor)

1  ROXIN, Claus. Sobre a mais recente discussão acerca do "domínio da organização" (Organisationsherrschaft). In:
AMBOS, Kai et al. Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 311.

capítulo 1 • 17
uma elevada propensão ao cometimento do crime, enumerando três razões:
“em primeiro lugar, porque no âmbito da organização de poder a ordem exerce
pressão no sentido de seu cumprimento; em segundo lugar, porque a desvin-
culação do sistema em relação ao direito faz com que o executor suponha que
não há razão para temer consequências penais; e, em terceiro lugar, porquanto
a fungibilidade do executor induz à ideia de que o fato não depende da sua con-
duta, uma vez que, mesmo sem ele, outro de todo modo o realizaria.” Esta teo-
ria é especialmente importante na chamada “criminalidade de Estado”, como
no caso do aparato de poder nazista, é vem sendo aplicada pelo Tribunal Penal
Internacional (TPI), como no caso “Katanga” (2008). Todavia, existe polêmica
sobre sua incidência sobre a criminalidade empresarial. Embora alguns sus-
tentem que ali pode existir o domínio de um aparato organizado de poder, no
mais das vezes as ordens não são emitidas em uma organização desvinculada
do direito, falecendo um dos requisitos para seu reconhecimento.

MULTIMÍDIA
SAIBA MAIS
Filmes recomendados sobre o domínio de um aparato organizado de poder: A Queda –
As últimas horas de Hitler (2004) e Os Bons Companheiros (1990).

Tribunal Penal Internacional: Estabelecido e regulamentado pelo Estatuto de Roma


e sediado em Haia (Holanda), é uma corte permanente e independente que julga indi-
víduos (e não Estados) por crimes contra a humanidade, crimes de guerra e outros.

1.3.2.3.3  Autoria funcional

Na autoria funcional, ou coautoria, há pessoas que praticam atividades de es-


pecial relevância durante a execução do crime, em uma atuação coordenada.
Surge, aqui, o fenômeno da imputação recíproca: a atividade de um dos coau-
tores é imputada ao outro de vice-versa. Imaginemos uma extorsão mediante
sequestro, em que um dos autores arrebata a vítima, levando-a consigo e man-
tendo-a em cativeiro, e o outro entra em contato com a família da vítima, exi-

18 • capítulo 1
gindo um preço como valor do resgate. A conduta daquele que mantém a liber-
dade de locomoção da vítima cerceada, isoladamente, caracteriza o crime do
art. 148, CP; já daquele que exige a vantagem, se subsume ao art. 158, CP. Reci-
procamente imputadas, contudo, surge para ambos o crime do art. 159 do CP.
Mesmo a pessoa que dá a ordem para o crime, ou que o planeja, pode res-
ponder em autoria funcional com os executores, desde que participe dos atos
de execução, ainda que organizando-os remotamente (por exemplo, determi-
nando cada tarefa via radiotransmissor durante o curso da empresa crimino-
sa). O simples planejamento ou a simples ordem dissociados das atividades
executórias, contudo, são atos de mera participação, salvo se praticados em
um aparato organizado de poder.
Coloquemos, portanto, a teoria do domínio do fato de forma esquematizada:

Autoria imediata
(domínio da ação)
Erro determinado
por terceiro; executor
inimputável; coação
Teoria do domínio Autoria mediata
do fato (domínio da vontade)
Domínio de um
aparato organizado
de poder
Autoria funcional
(coautoria)

1.3.2.3.4  Existe um “autor intelectual” na teoria do domínio do fato?


O que quer se saber aqui é se aquele que planeja ou organiza o crime pode ser
considerado seu coautor. A questão é tormentosa na doutrina nacional.
Luiz Flávio Gomes e Garcia-Pablos De Molina2 aceitam a possibilidade,
em trecho ora transcrito: “coautor intelectual é o que tem o domínio organi-
zacional ou direcional do fato e, desse modo, organiza ou planeja ou dirige a
atividade dos demais. É também chamado de ‘coautor de escritório’ ou ‘autor
de escritório’. Não se confunde com o ‘autor ou agente ou homem de trás’, que
é o autor mediato. Na autoria mediata a responsabilidade só recai sobre o autor
mediato. Na coautoria todos os coautores respondem pelo delito (como obra

2  GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2007. p. 505.

capítulo 1 • 19
comum).” Como se vê, embora admitindo a autoria intelectual, a lição confun-
de autoria intelectual com autoria por domínio da organização, mesclando esta
última espécie com a autoria funcional.
Contrariamente opinando, Alaor Leite e Luís Greco3 refutam a figura
do autor intelectual: “A ideia de que, segundo a teoria do domínio do fato,
ter-se-ia aqui autoria, de que o ‘mandante’ (termo, diga-se de passagem, colo-
quial e de conteúdo jurídico obscuro) é autor, de que existiria um ‘autor intelec-
tual’, é um grande equívoco cuja origem parece ser o pequeno livro de D. Jesus.
A raiz do equívoco é uma confusão entre domínio do fato, autoria mediata por
domínio da organização e instigação. É verdade que quem aceita a autoria
mediata por domínio da organização transforma algumas hipóteses de insti-
gação em autoria. Mas apenas algumas hipóteses, aquelas em que o comando
é dado a partir de uma organização em que se apresentam os três requisitos
acima mencionados.”

1.3.3  Coautoria alternativa, coautoria sucessiva, autoria colateral e


autoria incerta

Corriqueiramente, a doutrina menciona outros tipos de autoria, alguns de


forma pertinente, outros nem tanto. Passamos então a explicá-los:
a) Coautoria alternativa: duas ou mais pessoas combinam entre si um re-
sultado criminoso e todas se postam em condições de alcançá-lo, embora, de
fato, apenas uma delas, ou um grupo limitado delas, irá realizá-lo. Por exemplo,
para matar uma pessoa, dois coautores entram clandestinamente em sua casa,
um deles pela porta da sala, ou outro pela da cozinha, tentando, assim, reduzir
a possibilidade de fuga da vítima. Aquele que entrou pela porta da sala encon-
tra a vítima dormindo no quarto e a mata antes da chegada do outro autor ao
mesmo cômodo. Teríamos aqui uma espécie de autoria funcional.
b) Coautoria sucessiva: o coautor, ou um dos coautores, ingressa no delito
depois que ele já se iniciou. Em um linchamento, por exemplo, ao ver a vítima
sendo castigada pela multidão delinquente, uma pessoa que não participava
do ato desde o seu início passa igualmente a agredi-la. Também há hipótese de
autoria funcional e o coautor sucessivo não poderá responder pelos resultados
criminosos ocorridos antes de seu ingresso no evento.

3  LEITE, Alaor; GRECO, Luís. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato: sobre a distinção entre autor
e partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do fato: Estudos introdutórios sobre o
concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Martial Pons, 2014. p. 38.

20 • capítulo 1
c) Autoria colateral: caso em que não há coautoria, em virtude da ausên-
cia de liame subjetivo entre os executores. Por exemplo, duas pessoas ingres-
sam em uma mesma loja e, simultaneamente, furtam peças de roupa. Todavia,
cada qual desconhece a conduta da outra, de modo que não se encontram psi-
cologicamente vinculadas. Assim, haverá dois crimes de furto simples (art. 155,
CP), cada um imputado a um dos executores, e não um único crime de furto
qualificado pelo concurso de pessoas (art. 155, § 4º, IV, CP).
d) Autoria incerta: espécie do gênero autoria colateral, na qual é impossí-
vel precisar quem produziu o resultado. Tomemos como exemplo a vítima que,
perseguida por um inimigo, ingressa na viela de uma comunidade dominada
pelo crime organizado. Um dos criminosos locais, percebendo a correria, ati-
ra em direção à vítima ao mesmo tempo em que o inimigo que a perseguia.
Atingida em pontos vitais por ambos os disparos, a vítima falece sem que se
possa precisar qual das condutas efetivamente provocou o resultado. Não exis-
tindo concurso de pessoas e não sendo possível determinar quem consumou o
crime, ambos os atiradores respondem por crime tentado, um para cada autor.
Houvesse concurso de pessoas, a responsabilização seria por crime consuma-
do, imputável a ambos.

1.4  Espécies de participação: participação


em sentido estrito

Partícipes são todos aqueles que, subjetivamente vinculados ao autor ou aos


coautores, praticam uma conduta dotada de relevância jurídica e causal para a
produção do resultado criminoso almejado, embora não possam ser igualmen-
te classificados como autores. Em apertada síntese, todos os participantes de
uma infração penal que, de acordo com uma das teorias existentes, não pude-
rem ser chamados de autores, serão automaticamente denominados partícipes.
A participação em sentido estrito é uma atividade acessória e sua punibili-
dade depende da existência de uma conduta principal – a autoria –, especifica-
mente no que concerne ao grau de progressão do autor no iter criminis (para
que o partícipe seja punido o autor tem que ao menos ingressar nos atos execu-
tórios – art. 31 do CP) e à estrutura analítica do delito (fato típico e antijurídico).

capítulo 1 • 21
1.4.1  Teorias que fundamentam a participação (quanto à estrutura
do delito)

1.4.1.1  Teoria da acessoriedade máxima

Por essa teoria, para a existência da participação em sentido estrito, a conduta


do autor deveria ser típica, antijurídica e culpável. Significa que, caso houvesse
o estímulo ou o auxílio ao ato infracional praticado por um adolescente, por
exemplo, não se poderia falar em participação, em virtude da ausência de cul-
pabilidade do autor. Mais usada à época do causalismo, se encontra superada.

1.4.1.2  Teoria da acessoriedade mínima

A realização de um fato típico pelo autor seria suficiente para fundamentar a


participação em sentido estrito. Assim, em caso de estímulo a uma reação em
legítima defesa por alguém, o instigador seria criminalmente responsabilizado.

1.4.1.3  Teoria da acessoriedade limitada

Apenas quando a conduta principal é típica e antijurídica é possível a punição


do partícipe. Dispensa-se o atributo da culpabilidade, todavia. Essa é a tese al-
bergada no país. Portanto, se há a participação em ato infracional, há responsa-
bilização, ao passo em que, no estímulo à legítima defesa, não há.

1.4.2  Modalidades de participação

No direito brasileiro, há costumeira referência ao induzimento e à instigação


(correspondentes à instigação em sentido amplo, ou participação moral), bem
como ao auxílio (cumplicidade, ou participação material), como modalidades
de participação em sentido estrito. Por induzimento, entenda-se a criação da
ideia criminosa. Já a instigação é o fomento ou reforço a uma ideia preexisten-
te. Em ambos os casos, o partícipe atua psicologicamente sobre o autor, deter-
minando-o ao crime. Auxílio pressupõe uma atividade material, como o forne-
cimento de uma arma, ou o empréstimo de um carro.
É possível que, em um mesmo contexto, o mesmo partícipe induza e auxilie o
autor à prática criminosa. Nesses casos, a instigação absorverá a cumplicidade,

22 • capítulo 1
aplicando-se, no que concerne ao conflito aparente de normas, o princípio
da subsidiariedade.
Não devemos olvidar da participação por omissão, que ocorre nos mesmos
moldes da omissão imprópria, desde que haja vinculação subjetiva entre o
agente garantidor que se omitiu e o autor da conduta criminosa. Podemos citar
como exemplo o caso do segurança particular que, podendo agir, dolosamente
deixa de evitar um furto.

1.5  Punibilidade da participação


Para que a participação em sentido estrito seja punível, é necessário que a con-
duta principal (autoria) também o seja. Isto é, como a conduta do autor só passa
a ser punível após seu ingresso nos atos executórios, disso também dependerá
a participação. É o que consta expressamente no art. 31 do CP.
Contudo, serão autores e partícipes punidos pelo mesmo delito ou por de-
litos diferentes? Em regra, pelo mesmo delito. Isso decorre da adoção da teoria
monista pelo art. 29 do CP. Não que a teoria monista seja a única existente, em-
bora seja aquela adotada em regra pelo CP. Há outras, como a teoria dualista
(autores respondem por um crime e partícipes por outro) e a teoria pluralísti-
ca (há um crime diferente para cada um dos participantes na infração penal).
Nosso ordenamento, inclusive, por vezes estabelece exceções pluralísticas à
teoria monista, como ocorre nos crimes de abortamento: o crime de consenti-
mento para o aborto (art. 124, 2ª parte, CP), consiste em uma autorização que
a gestante dá para que outrem realize a intervenção abortiva em seu corpo. Já a
pessoa que executa as manobras abortivas – contando com o consentimento da
gestante – comete o crime do artigo 126 do CP. Nesse caso, ainda que tenhamos
duas pessoas subjetivamente ligadas intervindo para um mesmo resultado cri-
minoso, cada qual responderá por seu próprio delito.
Atos de participação, no complexo de condutas que culminam no crime, po-
dem ser extremamente relevantes, como a organização das tarefas criminosas,
mas também podem ser de menor importância, como o empréstimo de um pé
de cabra para o rompimento de certa fechadura e consequente violação de do-
micílio. Reconhecida a participação de diminuída relevância, é obrigatória a
redução da pena do partícipe em um sexto a um terço, consoante o disposto no
art. 29, § 1º.

capítulo 1 • 23
1.6  Coautoria e participação em sentido
estrito nos crimes culposos

A admissibilidade do concurso de pessoas nos crimes culposos é tema po-


lêmico, que não encontra resposta unívoca na doutrina nacional. Há quem ad-
mita coautoria e participação em sentido estrito; há quem somente admita a
participação; e, finalmente, aqueles que repudiam o concurso de pessoas, ad-
mitindo apenas hipótese de autoria colateral.
Inicialmente, devemos lembrar que os tipos penais culposos são abertos. E
o que isso significa? Que a violação do dever objetivo de cuidado que caracteriza
um crime culposo é objeto de um juízo de valor, em que se observa o comporta-
mento do sujeito ativo e o comportamento que uma pessoa prudente adotaria
nas mesmas circunstâncias. Se verificado que o sujeito ativo adotou precauções
menores do que seria recomendável, fica caracterizado o descuido. E se esse
descuido causou um resultado típico, estaremos diante do crime culposo.
Paulo Queiroz4, discorrendo sobre o concurso de pessoas nos crimes culpo-
sos, afirma que tanto coautoria, como participação, podem existir. Argumenta
que: (a) o Código Penal, ao adotar a teoria monista em seu art. 29, não refuta o
concurso de pessoas em crimes culposos; (b) deve ser observada a aderência à
ação culposa praticada conjuntamente (ou seja, duas pessoas, atuando com lia-
me subjetivo, compartilham o descumprimento do dever objetivo de cuidado),
não ao resultado indesejado; (c) recusa ao reconhecimento do concurso de pes-
soas poderia determinar impunidade, por exemplo, no caso do partícipe que in-
duz um motorista a conduzir seu veículo descuidadamente, o qual, em caso de
acidente, não poderia ser considerado autor de crime culposo autônomo.
Para Nilo Batista5, não há concurso de pessoas nos crimes culposos.
Consoante o autor: (a) como o art. 18, II, do CP, afirma que comete crime culpo-
so todo aquele que “deu causa” a um resultado, qualquer contribuição causal
para esse resultado seria hipótese de autoria (teríamos um conceito extensivo
de autor); (b) toda causação culposa já representa, por si só, a violação de um
dever objetivo de cuidado; (c) cada qual que viole um dever subjetivo de cuidado
pratica seu próprio crime culposo. Assim, tais violações representariam atua-
ção isolada para um crime autônomo; ou autoria colateral; ou autoria mediata.
Mas nunca um concurso de pessoas.
4  QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal: parte geral. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 341.
5  BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes: uma investigação sobre os problemas da autoria e da participação no
direito penal brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 79-84.

24 • capítulo 1
Todavia, no Brasil, majoritariamente se aceita a coautoria em crime culpo-
so, embora não a participação em sentido estrito. O exemplo mais difundido é
aquele em que dois trabalhadores da construção civil, do alto de um prédio que
por eles é erguido, pegam cada qual uma extremidade de determinada viga e a
lançam descuidadamente em direção à via pública, ato que produz a morte de
um transeunte. Se para Nilo Batista tal conduta representaria autoria colateral,
contrariamente se
argumenta pela adesão subjetiva de vontades, com ambos os trabalhadores
concorrendo para o mesmo crime.

1.7  Cooperação dolosamente distinta ou


desvio subjetivo de condutas

Suponhamos que duas pessoas, atuando em comunhão de esforços e desíg-


nios, ingressem em casa alheia com o objetivo de furtar os bens ali existentes,
acreditando que o proprietário do imóvel naquele momento esteja em viagem.
Suponhamos, ainda, que sejam surpreendidos por este proprietário, o qual re-
tornara para buscar uma mala esquecida, ocasião em que um dos autores saca
uma arma de fogo, cujo porte era desconhecido pelo outro, disparando e ma-
tando a vítima. E, por fim, consideremos que aquele que não estava armado
não desejasse o desfecho trágico. Estamos diante da cooperação dolosamen-
te distinta.
O caso é regido pelo art. 29, § 2º, do CP. Determina o dispositivo que o agen-
te que quis praticar crime menos grave, será punido de acordo com as penas
deste (no nosso exemplo, será a pena do furto), ao passo em que o outro respon-
derá pelo delito efetivamente praticado por ele (no exemplo, latrocínio). Isso
se dá mesmo quando o crime mais grave é previsível, embora, nessa hipótese,
haja um aumento da pena em metade.
Busca-se, com isso, evitar a responsabilidade penal objetiva (sem dolo ou
culpa), repudiada pelo direito penal.

capítulo 1 • 25
1.8  Comunicabilidade das circunstâncias
Tema versado no art. 30 do CP, que possui a seguinte redação: “não se co-
municam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando ele-
mentares do crime”.
A simples leitura do dispositivo já deixa evidente a existência de alguns
conceitos: de um lado, as chamadas circunstâncias e condições, e, de outro,
as elementares. Por sua vez, o art. 30 agrega qualidades a esses conceitos, os
quais podem ostentar natureza pessoal (subjetiva) ou (embora o texto não diga,
é uma conclusão óbvia) impessoal (objetiva).
Circunstâncias e condições são dados acessórios ao tipo penal, ou seja, que
orbitam a previsão típica fundamental, interferindo em sua punibilidade. Em
outras palavras, incidem sobre a pena, quer incrementando-a (qualificadoras,
causas de aumento da pena e agravantes), quer suavizando-a (privilégios, cau-
sas de diminuição da pena e atenuantes).
Elementares, ao seu turno, são os dados essenciais ao tipo penal fundamen-
tal. Isto é, constituem a estrutura básica de um crime, de modo que, se supri-
midas, operam a atipicidade da conduta ou a sua desclassificação. Tomemos
como exemplo a expressão “funcionário público”, elementar dos chamados
crimes funcionais (arts. 312 a 326 do CP). No crime de prevaricação (art. 319,
CP), se suprimida essa expressão, a conduta deixa de constituir uma infração
penal; já no crime de peculato-apropriação (art. 312, 1ª parte, CP), passamos a
ter crime de apropriação indébita (art. 168, CP).
Por circunstâncias ou elementares de caráter pessoal (subjetivo), entenda-
mos aquelas que se referem ao autor do fato (e não ao fato propriamente dito).
Podemos citar, de forma exemplificativa, os motivos do crime (motivo fútil, tor-
pe, nobre, de relevante valor moral etc.), estados alterados de ânimo (estado
puerperal, domínio de violenta emoção), dados qualificativos (profissão, esta-
do civil, relações de parentesco) e outras. Serão elas impessoais (ou objetivas)
quando se coligarem ao fato (por exemplo, meios e modos de execução; carac-
terísticas de objetos, como “arma de uso restrito” etc.).
Feitas tais considerações, impõe-se dizer que o art. 30 é norma atinente ao
concurso de pessoas. O que se quer saber aqui, em suma, é o seguinte: caso
duas ou mais pessoas pratiquem um crime em conjunto e as circunstâncias ou
elementares só se referirem à atuação de uma delas, podem essas circunstân-
cias ou elementares se estenderem aos demais participantes?

26 • capítulo 1
No que concerne às circunstâncias e condições, a resposta dependerá de
sua natureza: se forem pessoais, há incomunicabilidade; se impessoais, co-
municabilidade. Assim, se um casal registra como seu o filho de outrem (crime
do art. 242 do CP), mas apenas um deles está imbuído por motivação nobre,
somente ele poderá ser beneficiado pelo parágrafo único do mesmo artigo. O
outro integrante do casal, não. Por outro lado, se o executor de um homicídio
opta por matar a vítima mediante emboscada, tanto ele, quanto aquele que or-
denou a morte, responderão por homicídio qualificado. No primeiro exemplo,
a circunstância é de caráter pessoal, mas não no segundo.
Já no que tange às elementares, não importa se são elas de caráter pessoal ou
impessoal: sempre haverá comunicabilidade. É o que ocorre, por exemplo, em
relação ao particular que instiga um funcionário público a aceitar a proposta de
corrupção que lhe fora feita por outrem. Embora a qualidade funcional tenha na-
tureza subjetiva, ela se comunicará aos demais participantes do crime, o que leva
à responsabilização de autor e instigador por corrupção passiva (art. 317, CP).
Esquematizando:

Artigo 30 do Código
Penal

Circunstâncias e
Elementares
condições

Caráter pessoal ou Caráter impessoal Qualquer que seja


subjetivas ou objetivas a natureza

INCOMUNICÁVEIS COMUNICÁVEIS COMUNICÁVEIS

capítulo 1 • 27
ATIVIDADE
Para uma melhor compreensão de tudo o que foi estudado até agora, sugere-se a análise do
seguinte exercício de fixação, adaptado de um caso real ocorrido no interior do Estado do Rio
de Janeiro (os nomes usados são fictícios):
Desejando a morte do amante João, Maria inventa um estupro e convence seu filho Pe-
dro a se vingar do suposto estuprador. Pedro, então, manda uma mensagem a João, pedindo
que este vá até sua casa. Enquanto aguarda a chegada da almejada vítima, Pedro recebe
a visita de Antônio, seu amigo, que lá passara para uma conversa informal, ocasião em que
Pedro revela ao amigo o que pretende fazer. Logo depois João chega ao mesmo local. Pedro
pede a João que se sente, ao passo em que Antônio, mesmo sem combinar previamente
qualquer conduta com Pedro, vai até a porta e a tranca, objetivando impedir eventual fuga de
João. Em seguida, Pedro, que sequer percebera a atividade de Antônio, se aproxima da víti-
ma pelas costas e desfere uma machadada em sua cabeça. Com a morte da vítima, Pedro e
Antônio carregam João para o quintal e, revezando-se, escavam uma cova, na qual depositam
o cadáver, com a intenção de ocultá-lo. Refletindo sobre o caso concreto e sobre a participa-
ção de cada uma das pessoas nele citadas, como deve se dar a responsabilização penal dos
envolvidos? Quais são autores e quais são partícipes dos crimes praticados?

RESUMO
Após todo o conteúdo estudado, podemos sintetizar assim os pontos mais importantes
da matéria:
•  O concurso de pessoas consiste na prática de um mesmo delito por uma pluralidade de
pessoas, subjetivamente vinculadas.
•  Podem participar de um crime duas categorias distintas de intervenientes: os autores e os
partícipes. Essa distinção não influencia necessariamente na pena a ser imposta, pois, em
determinadas circunstâncias, podem os partícipes suportar punições mais severas do que as
reservadas aos autores.
•  A definição do conceito de autor passa por perspectivas unificadoras e diferenciadoras.
As diferenciadoras são explicadas por diversas teorias, sendo que as mais difundidas são a
teoria subjetiva, a objetivo-formal e a do domínio do fato.
•  A participação em sentido estrito é uma conduta acessória, consistente em induzimento,
instigação ou auxílio (cumplicidade) ao autor, cuja punibilidade depende do início dos atos
executórios. Também se baseia na teoria da acessoriedade limitada, exigindo-se apenas que

28 • capítulo 1
a conduta do autor seja típica e antijurídica para que o partícipe seja punido. Dispensa-se a
culpabilidade do autor.
•  Em regra, nosso ordenamento jurídico adota a teoria monista. Isso significa que todos
aqueles que participam de um evento criminoso respondem pelo mesmo crime. Há exceções,
contudo, como na cooperação dolosamente distinta (art. 29, § 2º, CP), onde o participante só
responderá por aquilo que ele quis fazer.
•  No concurso de pessoas, deve ser averiguada a comunicabilidade das circunstâncias do
crime aos intervenientes. Aquelas que sejam de caráter pessoal não se comunicarão, ao
contrário das circunstâncias de caráter impessoal. As elementares sempre se comunicam.

capítulo 1 • 29
30 • capítulo 1
2
Concurso de
Crimes
Tema de extrema importância na chamada teoria da pena, uma vez que condi-
ciona concretamente sua dosimetria, o concurso de crimes, por razões didáti-
cas, é estudado logo em sequência ao concurso de pessoas, pois em ambos os
casos tratamos de pluralidades – seja de delitos, seja de agentes. Não que haja
proximidade topológica entre ambos os assuntos: enquanto o concurso de pes-
soas é regulado pelos arts. 29 a 31 do CP, o concurso de crimes será encontrado
nos arts. 69 a 71, também do CP. Igualmente, advirta-se que não há qualquer
identidade substancial.
Encontramos, na jurisprudência, inúmeras referências ao concurso de pes-
soas, o que demonstra sua relevância e imprecisão conceitual, mormente no
que tange aos elementos caracterizadores do crime continuado, como vere-
mos. Contudo, justamente os debates em torno dos institutos tornam o tópico
muito instigante, a ponto de ser objeto constante de artigos científicos, disser-
tações e teses.

OBJETIVOS
•  Distinguir o concurso de crimes, onde haverá pluralidade delitiva, do concurso aparente de
normas, hipótese de unidade delitiva.
•  Reconhecer os elementos constitutivos de cada uma das espécies de concurso de crimes.
•  Estabelecer o sistema de aplicação da pena decorrente em cada uma das espécies
de concurso.

32 • capítulo 2
2.1  Primeiras linhas
Por concurso de crimes devemos entender a prática, mediante uma ou mais
condutas (ação ou omissão), de duas ou mais infrações penais, em um mesmo
contexto jurídico. Significa, pois, que todas essas infrações devem ser anali-
sadas em conjunto, o que refletirá na pena a ser imposta em caso de eventual
condenação. Isso se dá porque as diversas espécies de concurso de crimes – ma-
terial, formal e crime continuado – implicam sistemas distintos de imposição
da sanção penal (sistemas da exasperação e do cúmulo material), os quais serão
estudados oportunamente.

2.2  Concurso de crimes e concurso aparente


de normas

Não há se confundir o concurso de crimes com o concurso (ou conflito) aparen-


te de normas. Neste, existem comportamentos que aparentemente encontram
subsunção em duas ou mais normas. Todavia, como as normas se encontram
em unidade fática, a punição por todas elas acarretaria bis in idem (dupla puni-
ção pela mesma circunstância). Assim, alguns princípios – especialidade, sub-
sidiariedade e consunção – são usados para a escolha da norma que preponde-
rará sobre as demais. Em outras palavras, embora a conduta pareça se amoldar
a dois ou mais tipos penais, apenas um deles será de fato reconhecido, ou seja,
há um único crime.
Já no concurso de crimes, esse bis in idem não ocorre, pois a conduta (ou as
condutas) do sujeito ativo afeta(m) mais de um bem jurídico tutelado, dando-
se o reconhecimento de crimes distintos. Portanto, o sujeito ativo é punido por
dois ou mais delitos (pluralidade delitiva).

2.3  Concurso material


Previsto no art. 69 do Código Penal, o concurso material, também chamado de
concurso real, pressupõe a existência de duas ou mais condutas, acarretando
igualmente dois ou mais crimes, que podem ser idênticos (previstos no mes-
mo tipo penal, admitindo variações entre tipos privilegiados e qualificados –

capítulo 2 • 33
concurso material homogêneo) ou não (previstos em tipos penais distintos –
concurso heterogêneo). Por exemplo: a fim de estuprar uma mulher, o autor do
crime, ao invadir a casa da almejada vítima, primeiramente mata seu marido,
evitando assim que este imponha qualquer resistência; em seguida, mediante
grave ameaça, pratica o ato sexual por ele desejado. Nessa fictícia hipótese, te-
remos estupro (art. 213, CP) e homicídio (art. 121, CP), em concurso material.
Para que haja o reconhecimento do concurso material, é necessário que
haja uma conexão entre os fatos praticados, de modo que entre eles possa
haver julgamento em um único processo. Por esse raciocínio, quando o autor
pratica um roubo (art. 157, CP) e, dias depois, em diferente contexto, um crime
ambiental (Lei n. 9.605 de 1998), entre essas infrações penais não existirá con-
curso material.
No concurso material, as penas dos diversos crimes são aplicadas de acordo
com o sistema do cúmulo material. Isso significa que elas serão somadas na
sentença condenatória.
Aqui se impõe uma importante consideração: essa soma poderá ultrapassar
o limite de 30 anos de pena fixado no art. 75 do CP, embora a execução da pena
deva respeitar esse limite. Isto é, se, aplicado o concurso material, a pena do
agente for fixada em 45 anos de reclusão, o condenado cumprirá 30 anos de
privação da liberdade, mas não os 15 anos restantes. Esse teto de 30 anos de-
verá ser respeitado a cada unificação da pena. Suponhamos que o condenado,
após cumprir 20 anos de uma pena privativa de liberdade fixada em 30 anos
por sentença condenatória (ou seja, restando 10 anos a cumprir), seja condena-
do por novo crime a uma pena de 25 anos de reclusão. Nesse caso, os 10 anos
restantes serão somados à nova condenação (10 + 25), o que gerará uma pena
de 35 anos. Desse novo somatório, o autor cumprirá apenas 30 anos, e não os
5 anos que ultrapassaram esse patamar. No total, se somarmos os 20 anos que
o condenado já havia cumprido de pena com a nova unificação (30 anos), ele
cumprirá 50 anos de sanção penal. Isso é possível? Plenamente. Afinal, o limite
de 30 anos deverá ser respeitado a cada unificação. Dúvida: aqui há concurso
material? Não, pois, como vimos, os crimes devem se dar em um mesmo con-
texto. Unificação de penas e concurso material são coisas diferentes.
Quando as penas privativas de liberdade forem de qualidades diversas (leia-
se, reclusão e detenção), executa-se primeiro a de reclusão, de acordo com o
disposto no art. 69, in fine, CP. Em caso de aplicação conjunta de penas privati-
vas de liberdade e restritivas de direitos, haverá simultaneidade (cumprimento

34 • capítulo 2
simultâneo das penas, caso sejam compatíveis entre si), ou sucessividade
(quando incompatíveis). De toda sorte, a substituição por pena restritiva de di-
reitos não será possível em caso de pena privativa de liberdade não suspensa
(art. 69, §§ 1º e 2º).

2.4  Concurso formal


Surge, o concurso formal (ou ideal), quando, com apenas uma conduta, o su-
jeito ativo comete dois ou mais crimes, consoante disposto no art. 70 do CP.
Se um motorista, v. g., ao dirigir de forma imprudente e perder o controle de
seu veículo automotor, atropela cinco pessoas, matando duas e ferindo três,
teremos uma hipótese de concurso formal, pois, através de um único compor-
tamento (ação descuidada), houve a concretização de dois homicídios culposos
na direção de veículo automotor (art. 302 da Lei n. 9.503/97) e três lesões cor-
porais culposas na direção de veículo automotor (art. 303 da Lei n. 9.503/97).
Tal qual o concurso material, o concurso formal também pode ser homo-
gêneo (crimes idênticos) ou heterogêneo (crimes diferentes). Ele também se
classifica em perfeito (próprio) ou imperfeito (impróprio), o que determinará a
adoção de diferentes sistemas de aplicação da pena.
No concurso formal perfeito (art. 70, 1ª parte, CP), há desígnio único, isto
é, apesar de o agente cometer dois ou mais crimes, a sua intenção não é diri-
gida a essa pluralidade de resultados criminosos, como ocorre no exemplo já
citado dos delitos de trânsito. Podemos ainda cogitar outra hipótese: o autor,
visando a matar uma pessoa, dispara sua arma de fogo contra ela, atingindo
o alvo e produzindo o óbito almejado. Entretanto, o projétil transfixa o corpo
da vítima e atinge igualmente outra pessoa, que casualmente por ali passava, a
qual sofre lesão corporal (culposa). Nesse exemplo, temos o chamado erro na
execução com resultado duplo, que nada mais representa do que um concurso
formal perfeito. Deve ser notado que em ambos os casos, os resultados não são
todos dolosos: no primeiro, ambos são culposos; no segundo, há um resultado
doloso e outro culposo. Sempre que houver culpa, por conseguinte, poderemos
falar em desígnio único.
Falamos em concurso formal imperfeito quando o sujeito ativo atua com
desígnios autônomos, ou seja, ele deseja os crimes praticados. O agente que
coloca uma bomba em um ônibus, por exemplo, detonando-a e matando todos
os seus passageiros, age em concurso formal imperfeito.

capítulo 2 • 35
E qual é a importância dessa classificação para a teoria da pena? Dependendo
da situação, ora teremos a aplicação da pena pelo sistema da exasperação, ora
pelo sistema do cúmulo material.
O sistema da exasperação – que é aquele adotado no concurso formal per-
feito – existe para beneficiar o condenado, evitando que a ele seja aplicada uma
sanção penal exagerada. Por ele, evita-se a mera operação aritmética de soma
das penas aplicadas (que caracteriza o sistema do cúmulo material). Buscando
a suavização da sanção penal, apenas a pena de um dos crimes praticados será
imposta: a do crime mais grave, ou, se houver igual gravidade, a pena de qual-
quer um deles. E o que ocorre com os demais delitos praticados em concur-
so? São simplesmente ignorados? Negativo. Os crimes restantes determinarão
uma fração de aumento, que irá incidir sobre a pena do crime escolhido. Por
exemplo, no acidente de trânsito com cinco vítimas, duas fatais e três não-fa-
tais: a pena de um dos homicídios culposos será a escolhida para aplicação.
O homicídio restante e as três lesões corporais determinarão um aumento, de
um sexto até a metade, da pena eleita, consoante previsão do art. 70 do CP. O
número de crimes sobressalentes pode ser usado como parâmetro para definir
o patamar de aumento, inclusive: se, além do crime que houver determinado
a aplicação da pena, existir apenas um outro delito, a pena será aumentada
no mínimo, ou seja, 1/6. Se restarem dois crimes, será ela elevada em 1/5. No
nosso exemplo, como os crimes que sobraram são quatro, o aumento será de
1/3. Também o número de vítimas pode se prestar a esse cálculo. E o que fazer
com as infrações restantes quando o aumento chega em seu patamar máximo,
qual seja, 1/2? Ensina Paganella Boschi1: “Sendo metade da pena o máximo de
exasperação possível, disso resultará que, nas infrações regidas pelo concurso
formal, o número de crimes ou de vítimas excedente a seis será um indiferen-
te penal”.
Saliente-se, entretanto, que, em casos extraordinários, uma vez aplica-
do o sistema da exasperação, ele pode se mostrar prejudicial ao condenado.
Analisemos o exemplo do disparo de arma de fogo. Ao matar seu alvo, o autor
cometerá homicídio doloso (art. 121 do CP) e, ao atingir sem querer o transeun-
te que por ali passava, lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, CP). Suponhamos
que, pelo homicídio, a ele seja imposta uma pena de doze anos de reclusão,
aumentada em 1/6 em razão da lesão culposa. Isso importaria um acréscimo de
dois anos na sanção penal. Ora, a pena máxima da lesão culposa é de um ano de

1  BOSCHI, José Antônio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2014. p. 262.

36 • capítulo 2
detenção. Portanto, a exasperação está implicando pena superior àquela que
seria possível pelo sistema do cúmulo material. Mas a exasperação não existe
para beneficiar o condenado? Sim, e justamente por isso, quando o sistema da
exasperação se mostrar prejudicial, é ele afastado, com consagração do cúmulo
material (que receberá o nome de cúmulo material benéfico). É o que determi-
na o parágrafo único do art. 70, do CP.
Em caso de concurso formal imperfeito, refuta-se o sistema da exaspera-
ção e aplica-se o cúmulo material, com soma das penas dos diversos crimes
(art. 70, 2ª parte, CP).

2.5  Crime continuado


Disciplinado no art. 71 do CP, o crime continuado (ou continuidade delitiva) é
uma forma de concurso material que, todavia, é tratado como crime único,
em razão de conveniência político-criminal. Busca-se, novamente, evitar as pe-
nas excessivas que poderiam derivar do sistema do cúmulo material. Leciona
Anibal Bruno: “Há na espécie que estudamos uma série de fatos, cada um dos
quais pode ser tido por um crime distinto, acabado e perfeito, mas que se mos-
tram todos unidos por um vínculo de dependência que os transforma em reali-
zações parciais de um só crime em desenvolvimento continuado. De cada vez a
ação se esgota integrando perfeitamente um tipo penal, mas renasce em outra
ação igualmente perfeita em que se reproduz a mesma figura típica2.”
A origem do instituto é creditada, normalmente, aos práticos italianos do
séc. XVI, embora Fonseca Neto3 aponte um embrião do crime continuado nos
comentários do pós-glosador Baldo de Ubaldis (séc. XIV). De qualquer forma,
servia ele para atenuar a regra do “terceiro furto”, que punia com a pena de
morte quem realizasse a terceira subtração. Como o crime recebia o tratamento
de crime único, evitava-se o desfecho letal.
Deve ser frisado, no entanto, que não há, de fato, crime único no crime
continuado, senão por ficção jurídica. Assim, fundamentalmente, segue ele
a mesma estrutura do concurso material, qual seja, duas ou mais condutas
resultando em dois ou mais crimes. A esta construção básica, agregamos al-
guns outros elementos, que distinguirão o crime continuado do concurso ma-
terial, demonstrando que os crimes subsequentes devem ser vistos como uma
2  BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1963. Tomo 2. p. 295.
3  FONSECA NETO, Alcides da. O Crime Continuado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 5-8.

capítulo 2 • 37
continuidade do primeiro. Nesse ponto, cabe uma importante constatação: o
art. 71, embora indique parte desses elementos, não é exaustivo, pois permite
que o julgador, fundamentadamente, incorpore outros requisitos de configura-
ção não especificados na norma. Entre aqueles dados que são relatados no art.
71, temos: (a) os crimes devem ser da mesma espécie; (b) devem eles ser pra-
ticados em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução.

2.5.1  Crimes da mesma espécie

O primeiro passo para se definir se, em um caso concreto, há ou não crime con-
tinuado é estabelecer a pluralidade de condutas resultando em pluralidade de
crimes, o que afasta desde logo o concurso formal, mas não o material. Em se-
guida, há se perquirir se os diversos crimes praticados são da mesma espécie.
E aqui se instala a primeira divergência, existindo, basicamente, duas posições
sobre o tema. Alguns juristas se inclinam pela existência de crimes da mesma
espécie apenas quando estes são contemplados no mesmo tipo penal (disposi-
tivo legal), admitindo apenas variações entre crimes consumados e tentados, e
entre tipos simples, privilegiados e qualificados. Por este raciocínio, furto sim-
ples (art. 155, caput, CP) e furto qualificado (art. 155, § 4º, CP) seriam crimes
da mesma espécie. Mas furto fraudulento (art. 155, § 4º, II, CP) e estelionato
(art. 171, CP), não. Adotando essa posição, podemos citar Damásio de Jesus4. É
também a posição costumeiramente aceita pela jurisprudência, ainda que não
de forma pacífica.
Outra parte da doutrina, no entanto, adota orientação diversa, defendendo
que crimes da mesma espécie são aqueles que ofendem o mesmo bem jurí-
dico e que apresentam elementos constitutivos assemelhados. Destarte, por
essa ótica, furto fraudulento e estelionato poderiam ser considerados crimes
da mesma espécie, assim como o roubo (art. 157, CP) e a extorsão (art. 158, CP);
o furto e a apropriação indébita (art. 168, CP); o estupro (art. 213, CP) e o estu-
pro de vulnerável (art. 217-A, CP), entre outros. Entre os autores que encampam
essa linha de pensamento estão Juarez Cirino5 e Rogério Greco6, entre outros.

4  JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. p. 605-606.
5  SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 6. ed. Curitiba: ICPC Cursos e Edições, 2014. p. 411.
6  GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 17. ed. Niterói: Impetus, 2015. v. 1. p.675.

38 • capítulo 2
2.5.2  Condições semelhantes de tempo, lugar e maneira de
execução

Tais condições servem para estabelecer a existência de um nexo de continuida-


de entre os crimes precedentes e subsequentes. Saliente-se que a norma penal
não especifica parâmetros de aferição dessas condições, deixando a questão
em aberto.
No que concerne às condições de tempo, já decidiu o STF (HC n. 69.896-4,
publicado em 02/04/1993) que o distanciamento superior a 30 dias entre uma
conduta e aquela que imediatamente a sucede impediria o reconhecimento do
crime continuado. Mas a afirmação deve ser tomada com cautela, pois a reali-
dade fática pode desautorizá-la. Suponhamos que, a fim de saldar uma dívida,
o funcionário de uma empresa decida desviar recursos a ele confiados, pouco
a pouco, a fim de não atrair suspeitas sobre si. Todavia, ele só tem disponibili-
dade sobre esses recursos a cada 60 dias, agindo por diversas vezes com perio-
dicidade bimestral. Impossível, nessa hipótese, negar o nexo de continuidade,
embora ultrapassados os 30 dias mencionados pelo STF.
Por condições semelhantes de lugar, novamente há imprecisão. É necessá-
rio que os diversos crimes sejam praticados no mesmo município ou podem
ser intermunicipais? Podem ser interestaduais? Uma coisa é certa: eles não pre-
cisam ocorrer exatamente no mesmo local, pois as circunstâncias devem ser
semelhantes, não idênticas. Há posição do STF defendendo a impossibilida-
de de reconhecimento da continuidade delitiva quando os crimes são pratica-
dos em comarcas diversas (HC 73.209-4, publicado em 26/04/1996). Todavia,
o mesmo STF já decidiu, em recurso extraordinário, que há crime continuado
quando os delitos são praticados em municípios diferentes, desde que inte-
grem uma mesma região metropolitana (no caso, São Paulo, Santo André e São
Bernardo do Campo7). Em verdade, a adoção de um critério fixo é impossível,
sendo mister perquirir, no caso concreto, se os crimes, por suas peculiarida-
des, apresentam-se em aparente continuidade. Imaginemos o caso de um au-
tor de furtos, que pratica os ilícitos penais sempre dentro de um coletivo inter-
municipal, que faz o trajeto Niterói - Rio de Janeiro. A primeira subtração se
dá pouco antes de o coletivo alcançar o viaduto de acesso à Ponte Rio-Niterói,
em direção à Capital do Estado. No dia seguinte, a segunda subtração ocorre
quando o ônibus já se posiciona na descida para a Avenida Brasil, depois de
7  JUTACrimSP 84/162.

capítulo 2 • 39
ultrapassada toda a extensão da ponte. Ainda que ocorrendo as condutas em
municípios diversos, impossível negar a continuidade delitiva. Nesse sentido,
ensina Fonseca Neto8 que “a aferição do fator espacial dependerá do caso sub
examine, dando-se preferência para o entendimento que melhor aproveite ao
agente, especialmente se os outros requisitos legais estiverem à vista (...).”
A maneira de execução, da mesma forma que os demais requisitos de confi-
guração, não precisa ser idêntica, bastando seja assemelhada, o que igualmen-
te será verificado no caso concreto. Rogério Greco9 exemplifica: “Um esteliona-
tário que pratica um mesmo golpe, como o do bilhete premiado, ou aquele que
comumente leva a efeito os delitos de furto valendo-se de sua destreza, utilizam
o mesmo meio de execução.” Em seguida, adverte o autor: “O agente, embora
possa ter um padrão de comportamento, nem sempre o repetirá, o que não po-
derá impedir o reconhecimento da continuidade delitiva, desde que, frisamos
mais uma vez, exista uma relação de contexto, de unicidade entre as diversas
infrações penais.” De toda sorte, não há segurança jurisprudencial acerca do
que devem ser consideradas maneiras de execução semelhantes. Por exemplo,
há julgados que admitem a participação de pessoas diferentes nos crimes em
continuidade (TACrimSP, Rev. 251.876-4; RA 979.943-6) e há outros que não ad-
mitem (STJ, HC 8850, publicado em 08/11/1999).
No contexto das mencionadas condições (tempo, lugar e maneira de execu-
ção) não se pode afirmar que alguma delas seja preponderante sobre a outra,
ou mesmo que a ausência de uma implica inexoravelmente inexistência do cri-
me continuado. Assim, é válida a ressalva de PAULO QUEIROZ, para quem “tais
circunstâncias devem ser apreciadas conjuntamente, já que formam um todo,
não tendo qualquer delas, por si só, valor decisivo, seja para afirmar o concurso,
seja para negá-lo10.”

2.5.3  Cláusula genérica: outras condições semelhantes

O art. 71 do CP, ao elencar algumas condições que podem caracterizar o crime


continuado e, em seguida, estabelecer uma formulação genérica (“outras se-
melhantes”), proclama a interpretação analógica em seu bojo. Por essa técnica
de interpretação, a cláusula genérica deve ser interpretada de acordo com o tre-
cho casuístico (condições de tempo, lugar e maneira de execução) da norma.

8  NETO, Alcides da Fonseca. Op. cit., p. 92.


9  GRECO, Rogério. Op. cit., p. 677.
10  QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p. 407.

40 • capítulo 2
Assim, é possível que circunstâncias objetivas que denotem o nexo de conti-
nuidade – como o aproveitamento da mesma situação ou oportunidade para
a prática delitiva – sejam reconhecidas pelo magistrado, a fim de determinar o
crime continuado.
E por que essas circunstâncias devem ser objetivas? Não poderia existir uma
condição subjetiva, com base na formulação genérica? A existência de dados
subjetivos no crime continuado é matéria controversa, como veremos. No en-
tanto, por força da interpretação analógica, esses dados não podem ser encon-
trados na expressão “outras semelhantes”. Isso porque se deve guardar parida-
de entre a cláusula genérica e os exemplos concebidos (tempo, lugar e modo de
execução), todos eles de natureza objetiva.

2.5.4  No crime continuado deve existir desígnio único (dolo


unitário)?

Como dito anteriormente, a matéria é controversa. Sobre o tema, existem, na


doutrina nacional, duas correntes: a objetiva pura e a subjetivo-objetiva (ou
eclética). Para a primeira corrente, os elementos objetivos são bastantes para a
caracterização da continuidade delitiva. Já para a segunda, a eles deve ser adi-
tado um elemento subjetivo, consistente de “uma atitude psicológica unitária,
um só desígnio, abrangendo e unificando de início todo o processo delituo-
so11.” Em suma, as condutas são vinculadas por um projeto único, dirigido a
um único propósito.
A Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, em seu item 59, ex-
plicita que, entre nós, adota-se a teoria puramente objetiva, ao proclamar que
o critério “não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das ob-
jeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva.” Em favor da
teoria objetiva, pode-se assinalar: (a) a dificuldade em se comprovar o desígnio
único, característica das construções subjetivistas; (b) o delinquente que per-
severa no propósito de delinquir, segundo um plano de ação, demonstra maior
reprovabilidade em sua conduta, o que seria incompatível com o benefício de-
terminado pelo sistema da exasperação; (c) é a teoria claramente adotada pelo
Código Penal.
Objetando a teoria objetiva pura, os adeptos da teoria objetivo-subjetiva
ponderam que: (a) a dificuldade em comprovar o subjetivismo é matéria pro-
cessual e, portanto, não pode desautorizar um instituto de direito material; (b)
11  BRUNO, Aníbal. Op. cit., p. 297.

capítulo 2 • 41
a exigência de uma unidade de ideação, ao contrário de beneficiar quem não
merece o beneplácito legal, impede que o crime continuado seja aplicado aos
criminosos contumazes, ou seja, àqueles que fazem do crime uma espécie de
profissão, pois nesse caso não se vislumbraria o desígnio único; (c) o subjetivis-
mo é próprio do direito penal, ainda que não expresso na lei, como ocorre nas
excludentes de ilicitude (por exemplo, na legítima defesa, a ilicitude só é afas-
tada quando o sujeito ativo age sabendo-se amparado por uma causa de justi-
ficação); (d) a redação do art. 71 do CP é falha, já que se mostra muito aberta,
, não prescindindo da análise do dolo para que se demonstre que “os [crimes]
subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro.”
A jurisprudência brasileira, saliente-se, não é uníssona, ora pendendo para
a objetividade pura (STF, HC 74.183-5), ora para os influxos subjetivos (STJ, HC
10.275, publicado em 08/11/1999).

Esquematizando aquilo que foi até aqui estudado:

Crimes da Unidade de
mesma
espécie + Condições
semelhantes + desígnio
(divergente)
= Crime
continuado

2.5.5  Punibilidade no crime continuado

Assim como o concurso formal perfeito, o crime continuado tem a natureza


jurídica de causa de aumento da pena, uma vez que a sanção penal é imposta
pelo sistema da exasperação. Portanto, escolhe-se a pena de um dos crimes – a
mais grave ou, se forem de igual gravidade, qualquer uma delas – e, sobre ela,
aplica-se uma majorante, que irá variar de 1/6 a 2/3 (aqui há uma diferença em
relação ao crime formal perfeito, pois lá a majoração alcança, no máximo, 1/2).
Os crimes cujas penas são descartadas poderão ser usados para determinar o
patamar do aumento a ser fixado.
Importa consignar que esta é a regra geral, que não será adotada em duas
hipóteses: (a) no crime continuado específico (art. 71, parágrafo único, CP),
que possui uma regulamentação própria, como será visto; (b) na hipótese de
concurso material benéfico, isto é, as penas serão somadas caso o resultado do
cúmulo material fique aquém do resultado da exasperação.

42 • capítulo 2
2.5.6  Crime continuado específico

Quando os diversos crimes praticados em continuidade são dolosos e prati-


cados mediante violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes, surge o
crime continuado específico. A grande diferença entre o parágrafo único, ora
estudado, e o caput do art. 71 é que, no presente dispositivo, a pena, ao invés de
sofrer um acréscimo de 1/6 a 2/3, pode ser aumentada em até o triplo. Não sig-
nifica que ela será triplicada, podendo ser, por exemplo, dobrada. Para tanto, é
necessário que o magistrado faça uma prognose, avaliando se a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias dos crimes, justificam o tratamento excepcional.
De qualquer forma, a pena jamais poderá superar aquela que seria determina-
da pelo cúmulo material.
Deve ser observado, no entanto, que o legislador não estabeleceu uma fra-
ção mínima de aumento, contrariamente ao que ocorre no caput (1/6). Então
qual seria a majoração mínima no crime continuado específico? No silêncio
do legislador, poderíamos interpretar que, igualmente, seria de 1/6. Paganella
Boschi12, entretanto, oferece solução diferente: “Como não há registro de mar-
gem mínima da exasperação nessa modalidade de concurso de crimes, pois o
legislador, no parágrafo único do art. 71, contentou-se em indicar a margem
máxima (até o triplo), parece-nos que, em atenção ao sentido de garantia da
individualização da pena, o juiz pode e deve adotar, como margem mínima, a
fração de 2/3, prevista como teto, no caput do artigo 71.”
O quanto a pena será aumentada seguirá os mesmos critérios previstos para
o concurso formal perfeito e para o crime continuado do caput (número de cri-
mes), mas aqui, no crime continuado específico, também a prognose anterior-
mente mencionada influirá.

2.5.7  Bens jurídicos personalíssimos

Discutia-se antigamente se o crime continuado poderia existir quando os deli-


tos praticados atingissem bens jurídicos personalíssimos, como vida e liberda-
de sexual. Haveria crime continuado, por exemplo, em estupros praticados em
série? O parágrafo único do art. 71, criado quando da reforma da Parte Geral
em 1984, acabou com a discussão. O reconhecimento do crime continuado é
plenamente possível nesses casos.
12  BOSCHI, José Antônio Paganella. Op. cit., p. 265.

capítulo 2 • 43
2.5.8  Crime continuado, crime permanente e crime habitual

Embora semelhantes, os crimes continuado, permanente e habitual não se


confundem. A começar pelo número de delitos existentes: enquanto que, no
crime continuado, há vários delitos em concurso, tomados como crime único
apenas por ficção jurídica, nos demais de fato existe um único crime.
O crime permanente consiste em uma infração penal que permanece no
tempo, ou seja, embora já consumado, sua consumação não se esgota instanta-
neamente. Ao contrário, é temporalmente diferida. Como exemplo, podemos
citar o sequestro ou cárcere privado (art. 148 do CP), que se consuma quando
o autor passa a exercer poder total sobre a vítima. No entanto, o crime se man-
tém em prática até o momento em que a vítima tem sua liberdade restaurada
ou morre.
O crime habitual, da mesma forma, consiste em infração única, todavia
caracterizada pela reiteração de condutas, ou seja, por sua habitualidade.
Vejamos o caso do exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica
(art. 182, CP): para a caracterização do crime não basta que o sujeito ativo se
apresente como médico e clinique em uma única oportunidade, ou mesmo que
o faça eventualmente; é necessário que isso se dê de forma rotineira.

2.6  Tipo misto alternativo e tipo misto


cumulativo

Os tipos penais admitem classificação em tipos simples e mistos. Os simples,


ou uninucleares, são aqueles que contemplam uma única conduta, ao passo
em que os tipos mistos, ou plurinucleares, trazem em seu bojo mais de um
comportamento incriminado. O homicídio (art. 121 do CP), por exemplo, é um
tipo simples, pois apenas prevê a conduta de matar. Já o tráfico de drogas (art.
33 da Lei n. 11.343, de 2006), com seus vários verbos (núcleos), é um tipo misto.
Os tipos mistos, ao seu turno, admitem subdivisão em alternativos e cumu-
lativos. No primeiro caso (alternativos), ainda que o agente pratique, em um
mesmo contexto, vários dos verbos incriminados, haverá delito único. É o que
acontece, por exemplo, com o tráfico de drogas: se o traficante importa uma
carga de cocaína, transporta essa mesma carga para um determinado local,

44 • capítulo 2
onde ele a mantém em depósito, e depois vende a droga, teremos um único
crime de tráfico, a despeito da realização de quatro dos verbos previstos no art.
33 da Lei n. 11.343/06 (importar, transportar, ter em depósito e vender). Já nos
tipos mistos cumulativos, há “autonomia funcional e respondem a distintas
espécies valorativas, com o que o delito se faz plural13”. Em outras palavras,
ocorrendo a prática de mais de um dos comportamentos incriminados, haverá
mais de um crime. É o que ocorre, por exemplo, nos artigos 208 e 244 do Código
Penal. No art. 244, se o pai, injustificadamente, deixa de pagar pensão alimentí-
cia ao filho e ainda não o socorre, estando ele gravemente enfermo, responderá
por dois delitos. Importa afirmar que, nessa hipótese (isto é, quando há tipo
misto cumulativo), estaremos diante de um concurso de crimes, inexistente no
tipo misto alternativo.

2.7  Concurso de crimes no estupro e a Lei


n. 12.015 de 2009

Até o ano de 2009, compelir uma pessoa mediante violência, real ou ficta, ou
grave ameaça à pratica de um ato libidinoso, poderia caracterizar dos crimes
diferentes, a saber: se a vítima fosse mulher e o ato praticado fosse a conjunção
carnal (coito vaginal), dava-se o crime de estupro (art. 213 do CP); se, contu-
do, houvesse a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal (sexo oral,
anal, masturbação etc.), independentemente do gênero da vítima, o crime era
de atentado violento ao pudor (art. 214, CP).
A Lei n. 12.015, todavia, alterou esse panorama. Esse diploma legal efetuou
profundas modificações na disciplina dos crimes sexuais, inclusive no que con-
cerne ao estupro e ao atentado violento ao pudor. Este deixou formalmente de
existir (isto é, o art. 214 foi revogado). No entanto, seu conteúdo normativo foi
transportado para o art. 213. Hoje, o estupro consiste em constranger, median-
te violência ou grave ameaça, qualquer pessoa, independentemente de gênero,
à conjunção carnal ou a ato libidinoso diverso.
Pois bem, quando buscamos compreender como se dá o concurso de crimes
nos delitos sexuais praticados mediante constrangimento, necessariamente

13  DE ASÚA, Jimenez. Tratado de Derecho Penal. Tomo III. Buenos Aires: Editorial Losada, 1963. p. 916.

capítulo 2 • 45
temos que passar pelo período anterior à vigência da Lei n. 12.015 de 2009, para
somente então entendermos a situação atual.
Para atingirmos essa compreensão, partiremos da seguinte construção: o
autor, primeiramente, praticou com a vítima – uma mulher – ato libidinoso
diverso da conjunção carnal e, logo em seguida, no mesmo contexto fático, a
conjunção carnal.
À época em que ainda havia a dicotomia entre estupro e atentado violen-
to ao pudor, impunha-se determinar inicialmente qual ato libidinoso diverso
da conjunção carnal fora praticado. Assim, suponhamos que o autor, antes da
penetração, tivesse acariciado os seios da vítima: nessa hipótese, haveria cri-
me único de estupro, com absorção dos atos libidinosos pela conjunção carnal
praticada mediante coação. Explica-se: há, no exemplo, praeludia coiti, ou seja,
atos que são considerados um prelúdio ao coito vaginal, de modo que existe
natural unidade delitiva.
E se o ato libidinoso fosse autônomo em relação ao coito vaginal, como, por
exemplo, o sexo oral? Surgia, então, o concurso de crimes. Mas em qual de suas
espécies? Descartado, de plano, o concurso formal, uma vez que cada ato li-
bidinoso caracterizaria conduta diferente (e portanto, teríamos mais de uma
conduta), a celeuma se situava entre o concurso material e o crime continuado.
Evidentemente, no caso sobre o qual ora trabalhamos, há circunstâncias seme-
lhantes de tempo, lugar e modo de execução. Quais, então, seriam os entraves
para o reconhecimento da continuidade delitiva? A jurisprudência majoritária
apontava dois: (a) estupro e atentado violento ao pudor não seriam crimes da
mesma espécie, pois previstos em dispositivos diversos14; (b) entre os crimes
inexistiria um nexo de continuidade15. Verifica-se, pois, que para a jurispru-
dência majoritária o caso seria de concurso material. Claro que havia vozes dis-
sonantes, pugnando pelo crime continuado, até porque há divergência no que
toca ao conceito de crimes da mesma espécie, como já vimos. O próprio STF
adotou essa linha de raciocínio em certa ocasião16.
Além de auxiliar no entendimento da atual dinâmica do concurso de cri-
mes nos delitos sexuais, a percepção do estado de coisas anterior à Lei n. 12.015
de 2009 tem relevância atual. Em primeiro lugar, porque ainda hoje há crimes
praticados previamente à sua vigência que continuam sob investigação ou sen-
do julgados, de forma que se faz mister a análise do conflito intertemporal de
14  STF, HC n. 75.451/SP, julg. em 11/11/1997.
15  STF, HC n. 96.959/SP, julg. em 10/03/2009.
16  HC n. 89.827/SP, julg. em 27/02/2007.

46 • capítulo 2
normas. Em segundo lugar, trazemos à colação a advertência de Gilaberte17,
verbis: “Não se pense que a discussão encimada hoje é destituída de relevân-
cia prática: no Código Penal Militar, mais precisamente nos artigos 232 e 233,
mantém-se a dicotomia entre estupro e atentado violento ao pudor.”
E se o caso proposto ocorresse hoje? A partir da unificação de estupro e
atentado violento ao pudor em um mesmo artigo, cai por terra o argumento de
que seriam crimes de espécies diferentes. Doravante, tudo é estupro, seja o ato
libidinoso o sexo oral, seja o vaginal. Assim, o STF já admitiu a continuidade
delitiva na hipótese18, inclusive deixando de lado o argumento que preconizava
a ausência de nexo de continuidade. Deve ser observado que estamos avaliando
condutas praticadas em um mesmo contexto fático. Se em contextos diferentes
(por exemplo, os estupros foram praticados em dias diversos), mas presentes as
circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução, indubitável o
crime continuado. Em havendo vítimas diversas, crime continuado específico.
Mas, exatamente no caso sob análise, a resposta não é tão simples. Isso porque
parte da doutrina e da jurisprudência entendem que os atos sexuais pratica-
dos em um mesmo contexto caracterizam crime único, pois o art. 213 contem-
plaria uma hipótese de tipo misto alternativo. Nesse sentido se posicionam
Regis Prado19 e Gilaberte20, entre outros. Na jurisprudência, algumas decisões
do STJ vão na mesma esteira. Seguindo orientação diversa, por todos, Greco
Filho21. Já Paulo Queiroz22 , embora vislumbrando crime único, não enxerga
no art. 213 um tipo misto, expondo suas razões: “Primeiro, porque já vimos que
a conjunção carnal constitui uma das possíveis formas de ato de libidinagem,
a qual, a rigor, não precisaria constar expressamente do tipo; segundo, porque,
em verdade, se o agente praticar um ou outro ato ou ambos, realizará um só e
mesmo tipo penal; terceiro, porque, ao contrário da legislação revogada, que
tipificava autonomamente, em artigos diversos, o estupro e o atentado violento
ao pudor, a reforma superou a distinção por considerá-la desnecessária; quar-
to, porque a própria classificação (crime misto cumulativo) de que se valem os
precedentes carece de fundamento e não implica forçosamente concurso de
crimes; quinto, porque interpretar cada ato libidinoso como constitutivo de um

17  GILABERTE, Bruno. Crimes contra a Dignidade Sexual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2014. p. 30.
18  HC n. 108.181/RS, julg. em 21/08/2012.
19  PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
v. 2. p. 805.
20  GILABERTE, Bruno. Op. cit., p. 34.
21  GRECO FILHO, Vicente. Uma interpretação de duvidosa dignidade (sobre a nova lei dos crimes contra a
dignidade sexual). Teresina, Jus Navigandi, ano 14, n. 2.270, 18 set. 2009.
22  QUEIROZ, Paulo. Estupro: crime misto cumulativo? In www.pauloqueiroz.net, acesso em 02/10/2015.

capítulo 2 • 47
crime autônomo, relativamente a um só e mesmo tipo penal, importa em viola-
ção ao princípio ne bis in idem. Finalmente, o estupro não é de modo algum um
crime misto (alternativo ou cumulativo), visto que o tipo refere um único verbo
(constranger), sendo que o ter e o praticar ou permitir que se pratique apenas
o complementam.”

2.8  Esquematizando o concurso de crimes

• 2 ou mais condutas
Concurso • 2 ou mais crimes
material • Mesmo contexto fático
• Sistema do cúmulo material

• 1 conduta
• 2 ou mais crimes
Concurso • Desígnio único (perfeito) ou
desígnios autônomos (imperfeito)
formal • Sistema da exasperação (perfeito: 1/6
a 1/2) ou do cúmulo material (imperfeito)

• 2 ou mais condutas
• 2 ou mais crimes da mesma espécie
Crime • Circunstâncias semelhantes de tempo,
lugar, modo de execução e outras
continuado • Específico: dolo + violência ou grave
ameaça + vítimas diferentes
• Sistema da exasperação (1/6 a 2/3 ou até 3X)

ATIVIDADE
Para uma melhor sedimentação do conhecimento adquirido, propomos a resolução do se-
guinte caso concreto: dirigindo embriagado, João, em virtude da alteração de sua capaci-
dade psicomotora, perde o controle do veículo e, sem querer, atropela três pessoas que se
encontram em um ponto de ônibus, ferindo-as. Identifique, no caso concreto, as hipóteses de
concurso de crimes e os sistemas de aplicação da pena.

48 • capítulo 2
Passamos, agora, a responder o caso, sugerindo que haja ponderação sobre ele antes da
leitura da solução: a conduta do autor se subsome aos tipos penais de embriaguez ao volante
(art. 306 da Lei n. 9.503/97) e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor ma-
jorada (três delitos, todos previstos no art. 303, parágrafo único, da mesma lei). As lesões se
encontram em concurso formal de infrações, pois, com um único comportamento (a violação
de um dever de cuidado), o sujeito ativo lesionou três bens jurídicos. Como as lesões são cul-
posas, esse concurso formal é reconhecido como perfeito, impondo a aplicação da pena pelo
sistema da exasperação. Assim, em sendo todos os delitos de igual gravidade, será escolhida
a pena de um deles, aumentada em 1/5 (em razão de existirem dois delitos sobressalentes).
E quanto à embriaguez? Há duas formas de se avaliar a questão: pode-se imaginar que,
em sendo um crime de perigo, a embriaguez restaria absorvida pelas lesões, pois representa
um estágio anterior de proteção aos mesmos bens jurídicos. No caso, teríamos a aplicação
do princípio da subsidiariedade, evitando o bis in idem. Ou seja, concurso aparente de nor-
mas, não concurso de crimes. Por outro lado, pode-se argumentar que o crime de embriaguez
ao volante é classificado como de perigo comum, expondo a coletividade a um risco de lesão,
ao passo em que as lesões são individualizadas. Ademais, o art. 306 da Lei n. 9.503/97
tem a pena mais alta. Assim, ele poderia figurar em concurso de crimes com as lesões, sem
que isso implique bis in idem. Partindo desse raciocínio, a embriaguez estaria em concurso
material com as lesões, impondo-se o sistema do cúmulo material entre ele e o conjunto
das lesões.

RESUMO
•  O concurso de crimes é marcado pela existência de duas ou mais infrações penais em
um mesmo contexto jurídico, sem que haja concurso aparente de normas, o que interfere no
sistema de aplicação das penas.
•  Há dois sistemas de aplicação das penas em nosso ordenamento jurídico: cúmulo material
e exasperação. No cúmulo material, há a soma das penas; na exasperação, sistema benéfico
ao condenado, a aplicação de patamares de majoração sobre a pena de um dos crimes pra-
ticados. Quando o sistema da exasperação, na prática, se torna prejudicial ao condenado, ele
é afastado, em prol do cúmulo material, ora denominado concurso material benéfico.
•  As espécies de concurso de crimes são o concurso material, caracterizado pela prática
de duas ou mais condutas em um mesmo contexto, que configuram dois ou mais crimes;
concurso formal, onde uma conduta dá ensejo a dois ou mais crimes; e o crime continuado,

capítulo 2 • 49
parecido com o concurso material, mas onde, por ficção jurídica determinada por circunstân-
cias especiais, trata-se a hipótese como crime único.
•  O concurso material e o concurso formal imperfeito, em que há desígnios autônomos, exi-
gem o sistema do cúmulo material; o concurso formal perfeito (desígnio único) e o crime
continuado são regidos pela exasperação.
•  O crime continuado impõe que os delitos em continuidade sejam da mesma espécie, além
de praticados em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e ou-
tras, havendo dúvida sobre a exigência de um requisito subjetivo.
•  Se o crime continuado for praticado mediante violência ou grave ameaça contra vítimas
diferentes, temos o crime continuado específico, previsto no parágrafo único do art. 71.
•  O crime continuado não se confunde com os delitos de natureza permanente e com os
habituais, em que, de fato, há crime único.

50 • capítulo 2
3
A Pena
Passaremos a estudar, doravante, a pena, espécie do gênero sanção penal, bem
como as teorias de fundamentam – ou pretendem fundamentar – a necessi-
dade de sua aplicação. Trata-se de tema instigante e indissociável da teoria do
delito. Em outras palavras, sem compreender a pena, impossível um perfeito
entendimento sobre a infração penal.
Estudaremos ainda os princípios que sustentam a matéria, bem como as es-
pécies de penas. Não abordaremos, ainda, a forma de aplicação dessas penas,
sejam elas privativas de liberdade, privativas de direitos ou a pena de multa, o
que será reservado para o próximo capítulo. O objetivo, aqui, é apresentar as
penas ao leitor, contextualizando-as.

OBJETIVOS
•  Compreender a evolução filosófica e jurídica das teorias sobre a pena, para que se reflita
sobre sua adequação ao sistema penal.
•  Estudar as formas de limitação do poder punitivo caracterizadas pelos princípios penais
concernentes às penas.
•  Conhecer cada uma das espécies de penas admitidas pelo ordenamento constitucio-
nal brasileiro.

52 • capítulo 3
3.1  Conceito
A pena é a consequência jurídico-penal da prática de uma infração penal por
pessoa imputável, imposta através de sentença judicial condenatória e consis-
tente em uma restrição estatal a um direito do infrator (liberdade de locomo-
ção, patrimônio etc.).
Trata-se de espécie do gênero sanção, do qual são espécies também as me-
didas de segurança (impostas às pessoas mencionadas no art. 26 do Código
Penal, ou aos chamados semi-imputáveis, ou ainda nos casos de doença men-
tal superveniente, como veremos em outro capítulo), as medidas alternativas
à pena (como as condições impostas em transação penal, instituto previsto no
art. 76 da Lei n. 9.099, de 1995, ainda que não haja consenso sobre a natureza
penal de tais medidas) e as medidas sócioeducativas (sobre as quais mais uma
vez surge divergência acerca de sua natureza de sanção, pois, impostas a ado-
lescentes infratores, teriam caráter diverso).
Em regra, a pena vem prevista no preceito secundário do tipo penal, isto é,
logo após a descrição típica do comportamento (preceito primário). Deve ser
notado que não há crime sem pena. Toda incriminação exige uma sanção penal
correspondente. Contudo, é possível que as espécies penais estejam arroladas
em dispositivos diferentes daquele em que existe a descrição comportamental,
como ocorre, por exemplo, com as penas restritivas de direitos, previstas no art.
43 e definidas nos arts. 45 a 48, todos do Código Penal (isso se dá porque essas
penas têm caráter substitutivo, como veremos).

3.2  Teorias da pena


Para que a pena existe? Qual é sua serventia? Essas indagações estão umbilical-
mente atreladas à concepção do direito penal como ramo da ciência jurídica,
uma vez que crime e pena são realidades indissociáveis. Assim, devemos estu-
dar as teorias que buscam explicar a pena para que entendamos o direito penal
como um todo. Como bem ensina PAGANELLA BOSCHI, “falar em teorias das
penas é destacar os fundamentos racionais que explicam e justificam, isto é,
que apontam científica e empiricamente, os sentidos da imposição pelo Estado
de penas pelos fatos considerados ofensivos ao interesse público1”.

1  BOSCHI, José Antônio Paganella. Op. cit., p. 87.

capítulo 3 • 53
Podemos, para sistematizar e facilitar esse conhecimento, dividir as teorias
sobre a pena em retributivas, preventivas e unificadoras. Deve-se advertir, no
entanto, que as teorias que serão abordadas são muito mais profundas do que a
explicação aqui consignada. A superficialidade é proposital e necessária para a
finalidade didática a que essa obra se propõe. Consequentemente, são também
sugeridas leituras para quem desejar o aprofundamento teórico.

LEITURA
SAIBA MAIS
Indicações de livros:
Dos Delitos e Das Penas (Cesare Beccaria)
Metafísica dos Costumes (Immanuel Kant)
Vigiar e Punir (Michel Foucault)

3.2.1  Teorias retributivas

As teorias sobre a pena começaram a ser formuladas de forma consistente no


início do séc. XVIII. Nessa época, surgem as teorias retributivas, para muitos
denominadas absolutas. Aqui, a pena é concebida unicamente como um ins-
trumento de castigo, ou seja, cuida-se de uma forma de se retribuir ao crimino-
so o mal por ele causado.
A pena, portanto, justifica a si mesma, não possuindo nenhuma outra fina-
lidade que não a de “ser justa”. Temos a consagração da expressão latina puni-
tur, quia peccatum est (punir quem pecou). Não se deve confundir, no entanto,
retribuição com expiação: esta traz um significado moral, ou seja, o apenado
se reconcilia com seus predicados morais através da reflexão, libertando-se
das angústias determinadas pela atividade delitiva; a retribuição, ao seu turno,
não busca interferir na correção moral do apenado, sendo-lhe esse resultado
irrelevante.
Ilustra perfeitamente o tema um exemplo dado por KANT e corriqueira-
mente encontrado nos livros de doutrina: mesmo que, em virtude de um evento
natural, toda população de uma ilha fosse obrigada a abandoná-la, dispensan-
do-se pelo mundo, o último condenado à morte naquela sociedade deveria ser
executado, para pagar pelo que fez.

54 • capítulo 3
Immanuel Kant, aliás, é um dos principais teóricos da Escola ora estudada.
Em sua obra Metafísica dos Costumes, rejeita qualquer finalidade externa na
pena. Como bem explicam Pacelli e Callegari2, “a punição do criminoso resul-
taria de um imperativo categórico, que pode ser entendido como um dever in-
condicional, posto na regra do agir do sujeito de modo objetivo, com pretensão
de validade universal, ou seja, posto para todos os homens que se deparassem
com aquela possibilidade de ação”. Prosseguem os autores afirmando que “a
ação, que, do ponto de vista subjetivo (de cada um) poderia se apresentar como
contingente (situada em tempo e espaço próprios), é convertida em universal
no imperativo categórico”.
Outro partidário do caráter retributivo da pena (embora aqui já se veja a
busca por uma finalidade, que não apenas a de castigar, de modo que não é
pacífica a sua alocação de entre os retribucionistas), Hegel a estabeleceu como
a negação da negação. Resumidamente, quando alguém comete uma infração
penal, estaria negando o direito, ou seja, negando validade à ordem jurídica.
A imposição da pena serviria, pois, para negar essa negação, restabelecendo a
ordem violada, ou a vigência da vontade geral.
Evidentemente, a ideia da pena como retribuição não se bastou em Kant
e Hegel, existindo outros pensadores que se tornaram seus adeptos, como
Mezger, para quem a pena é a imposição de um mal adaptado à gravidade da
violação à ordem jurídica, dicção na qual se percebe a atribuição da pena dosa-
da pelo critério da proporcionalidade.

3.2.2  Teorias preventivas

Não se vislumbra, nas teorias preventivas (ou, para muitos, relativas), a imposi-
ção de uma pena destituída de utilidade. A pena, sempre, almejaria um provei-
to concreto. E que proveito seria este? A prevenção de novos delitos. Uma vez
violada a ordem jurídica pela prática de uma infração penal, a aplicação da san-
ção correspondente ao crime praticado teria o escopo de evitar novas violações
(afinal, não se apagará a lesão anterior): a pena se volta, portanto, para o futuro.
Nesse contexto, a prevenção admite divisões: pode ela ser geral ou especial;
bem como negativa ou positiva.

2  PACELLI, Eugênio; CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 20015. p. 38.

capítulo 3 • 55
3.2.2.1  Teoria da prevenção geral negativa

Defendida, entre outros, por Cesare Bonesana (ou Marquês de Beccaria, no


clássico Dos Delitos e das Penas, de 1764) e Feuerbach (séc. XVIII). Este cria a
ideia da pena como coação psicológica, oposta à coletividade, operando-se em
dois momentos: anteriormente à prática do crime, com a cominação abstrata
da sanção penal, que serviria de aviso à sociedade sobre como o Estado rea-
girá à violação da ordem jurídica; e posteriormente ao crime, com a concreta
aplicação da pena cominada, evidenciando-se a disposição do Estado em fazer
cumprir a ameaça de sanção. Assim, o destinatário da norma penal poderia,
racionalmente, percebendo as possíveis consequências jurídicas de um deter-
minado comportamento, abster-se de praticá-lo.

3.2.2.2  Teoria da prevenção especial

Ao contrário da prevenção geral, a teoria não se volta à sociedade, mas sim ao


indivíduo, isto é, à pessoa do delinquente. Busca-se evitar que determinada
pessoa volte a praticar ilícitos penais. Era defensor dessa linha de pensamento,
por todos, Von Liszt.
Baseia-se, a prevenção especial, na necessidade de reeducação do crimino-
so, para sua reinserção social (ressocialização), ou de torná-lo um ser não pe-
rigoso, porquanto à época do surgimento da teoria era ele considerado “anor-
mal” e, consequentemente, um risco constante para a ordem social. Conforme
leciona Bitencourt3, “essa tese pode ser sintetizada em três palavras: intimida-
ção, correção e inocuização”.

3.2.2.3  Teoria da prevenção geral positiva

Além de dissuadir as pessoas em geral, criando o medo do sancionamento


(prevenção negativa), a pena também é uma forma de reafirmar a confiança
social na autoridade do Estado, bem como na eficiência do ordenamento ju-
rídico-penal. Essa, com algumas variações, é a sustentação teórica desenvol-
vida pelos adeptos da prevenção positiva, entre os quais encontramos Jakobs,
Figueiredo Dias e Hassemer. De se ver que essa nova Escola não se distancia
muito da antiga proposição de Hegel.
3  BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 93.

56 • capítulo 3
3.2.3  Teorias unificadoras, ou ecléticas, ou mistas

É certo que cada uma das teorias até aqui apresentadas têm seus méritos, mas
não são isentas de críticas. E muitas vezes são ilhas que podem ser interligadas
por pontes. Ou seja, são complementares. Exemplificando, as teorias retribu-
tivas têm o mérito de trabalhar com a proporcionalidade, mas são desconecta-
das das finalidades do direito penal; já as preventivas, apesar de atentas a esse
último aspecto, não impõem limites à atuação estatal, pois, ao menos em tese,
quanto mais pena, mais prevenção. Por esse motivo, autores do quilate de RO-
XIN afirmam que há a necessidade de união entre as teorias.
Nosso Código Penal, em seu art. 59, preconiza que o juiz fixará a pena “con-
forme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.
Fica claro que o diploma legal não optou expressamente por qualquer das teo-
rias, deixando a porta aberta para que sejam combinadas.

3.2.4  Teoria agnóstica da pena

Menos badalada, a teoria agnóstica da pena, que tem em Zaffaroni um de seus


defensores, nega validade às teorias anteriores, que existiriam apenas para le-
gitimar o poder punitivo, uma vez que calcadas em pressupostos e resultados
duvidosos. A pena, para a teoria, é a manifestação de um poder político, e não
jurídico, de modo que a ordem jurídico-penal deve existir para sua contenção,
efetivando os direitos e garantias fundamentais. Em outras palavras: a pena
serve para restringir o arbítrio estatal, obrigando o exercício do poder político
nos estritos limites das regras estabelecidas.
Ferrajoli, em concepção que pode ser abraçada pelo agnosticismo, defende
que a pena se presta a impedir a imposição particular da vingança, servindo,
portanto, como uma forma de proteção ao criminoso. Assim, seja em uma for-
mulação ou em outra, temos a sanção penal como instrumento de promoção
de direitos.

capítulo 3 • 57
3.3  Princípios relativos às penas
3.3.1  Legalidade

Previsto no art. 5º, XXXIX, da CF, e no art. 1º do CP, o princípio da legalidade


não é atinente apenas à incriminação de condutas: também as penas exigem
cominação legal, isto é, não há pena sei lei. Impossível, por exemplo, reservar
a sanção penal unicamente à discricionariedade de um magistrado. Ainda que
este, durante a dosimetria da pena, fixe aquela que será aplicada ao caso con-
creto, esse cálculo se faz de acordo com parâmetros legais previamente estabe-
lecidos, inclusive no que concerne aos limites mínimo e máximo de pena.
A legalidade traz consigo todas as suas emanações: reserva legal, anteriori-
dade, taxatividade e vedação à analogia. Assim, penas somente podem ser re-
gidas por leis ordinárias (ou pela CF); exigem previsão prévia ao fato, salvo se
forem menos severas do que o regramento anterior; a normatização deve ser
precisa, evitando-se vagueza ou obscuridades; e não podem ser integradas atra-
vés de colmatação prejudicial ao réu.

3.3.2  Humanidade das penas

Emanação da dignidade humana (art. 1º, III, CF), o princípio da humanidade das
penas impõe o respeito à integridade física e moral do condenado, vedando tra-
tamentos violadores de seus direitos fundamentais. Em seu aspecto legislativo,
remonta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que esta-
belecia a proporcionalidade e a utilidade das penas (art. XV), e à Emenda VIII à
Constituição Americana, ratificada em 1791, a qual proibia a inflição de penas
cruéis e incomuns. Em suma, o Estado não pode se isentar de sua responsabili-
dade social, seja na imposição (cominação abstrata e aplicação), seja na execução
da pena, de modo que, exemplificativamente: (a) são proibidas penas cruéis e de-
gradantes, ainda que abstratamente cominadas (art. 5º, III e XLVII, CF; art. V da
Declaração Universal dos Direitos Humanos); (b) a execução da pena respeitará a
natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII, CF); (c) serão con-
feridas às presidiárias, durante a fase de aleitamento materno, condições para
que permaneçam em companhia de seus filhos (art. 5º, L).

58 • capítulo 3
3.3.3  Personalidade

Também chamado de princípio da intranscendência ou da responsabilidade


penal pessoal, a personalidade das penas encontra leito no art. 5º, XLV, da CF
(“nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei,
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do pa-
trimônio transferido”).
Resumidamente, o princípio impõe que ninguém pode ser penalmente
sancionado pela conduta de outrem. Dessa forma, não existem em direito pe-
nal a culpa in vigilando e a culpa em elegendo, ou seja, a responsabilização pe-
los atos de quem deveria ser vigiado adequadamente e não o foi (culpa dos pais
pela conduta dos filhos, por exemplo), ou pelos atos de quem agia em seu nome
(v. g., responsabilização do dono de um estabelecimento empresarial pela atua-
ção criminosa de um funcionário).
Aqui deve ser ressaltado que a própria Constituição Federal aceita exce-
ções, que encontramos no texto do art. 5º, XLV, in fine (“...podendo a obriga-
ção de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos
da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor
do patrimônio transferido”). A pena de perda de bens e valores será estudada
oportunamente nesta obra.

3.3.4  Inderrogabilidade

Uma vez constatada a prática de uma infração penal, em regra o Estado-juiz


não pode deixar de aplicar a pena. Em outras palavras, não cabe ao juiz da cau-
sa, salvo em casos extraordinários, entender pela desnecessidade de aplicação
da pena a um condenado, furtando-se à sua imposição. Há hipóteses, todavia,
em que existe permissão legal para que a reprimenda não seja determinada,
como no perdão judicial.

3.3.5  Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, de suma importância para o direito penal,


se manifesta através de três aspectos: necessidade, adequação e proporciona-
lidade em sentido estrito. A intervenção penal só se legitima, portanto, quando
for estritamente necessária (de onde extraímos o princípio da subsidiariedade,

capítulo 3 • 59
que informa o direito penal como de ultima ratio); quando se prestar às suas
finalidades (de proteção de bens jurídicos, como forma de prevenção da vin-
gança privada, para assegurar direitos do criminoso etc.); e quando houver pa-
ridade entre a pena e a magnitude da conduta praticada.
Ao falarmos em proporcionalidade em sentido estrito, estabelecemos que a
pena deve se ajustar ao crime, não importando punição excessiva (proibição
de excesso), tampouco sanção banal (vedação à insuficiência). Essa exigên-
cia de proporcionalidade se manifesta em três momentos: legislativo, judicial
e executório.
No momento legislativo, a proporcionalidade orientará o legislador na for-
mulação da norma penal, seja por ocasião da determinação dos limites mínimo
e máximo da pena; da previsão de causas de aumento e de diminuição da pena,
de agravantes e atenuantes; ou das hipóteses de extinção da punibilidade ou de
outra forma de permissividade. A formulação desproporcional de uma norma,
quer de forma excessiva ou insuficiente, implica sua inconstitucionalidade.
A dosimetria da pena, ou seja, sua aplicação ao caso concreto pelo juiz (mo-
mento judicial), igualmente imprescinde da proporcionalidade, o que significa
que a pena será dosada de acordo com a culpabilidade do condenado. Aqui te-
mos o que chamamos de individualização da pena, princípio positivado na CF,
no art. 5º, XLVI.
Por derradeiro, também a execução da pena deve obedecer à proporciona-
lidade, ou seja, à concessão de benefícios, como a progressão de regime prisio-
nal, ou o tratamento mais severo, como no caso da regressão, devem ser pauta-
dos pela necessidade da medida, pela adequação etc.

3.4  Espécies de penas


A Constituição da República, em seu art. 5º, XLVI, enumera penas que de-
vem existir no ordenamento jurídico brasileiro, conferindo à legislação infra-
constitucional sua regulamentação. Importa dizer, no entanto, que essa previ-
são constitucional não é exaustiva, ou seja, podem existir penas além daquelas
expressamente consignadas no texto. Perceba-se que a CF, em alguns momen-
tos, é vaga, como, por exemplo, ao falar em “suspensão ou interdição de direi-
tos” como pena, o que permite ao legislador ordinário uma série de especifi-
cações. Assim, com base na CF e na legislação ordinária (ou seja, atendo-nos

60 • capítulo 3
exclusivamente à classificação ditada pelo Código Penal, sem maiores conside-
rações doutrinárias), podemos agrupar as penas da seguinte forma:
•  Penas privativas de liberdade: aqui se alocam as penas de reclusão, de-
tenção e prisão simples (a prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas e a limitação de fim de semana, de certa forma, também são privativas
de liberdade, ainda que assim não sejam classificadas pelo Código Penal).
•  Penas restritivas de direitos: a saber, prestação pecuniária, prestação ino-
minada, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou enti-
dades públicas, limitação de fim de semana, interdição temporária de direitos
e outras previstas em leis diversas (Leis n. 11.343/06, 9.503/97, 9.605/98, etc.).
•  Pena pecuniária: multa (embora não seja absurdo falarmos que perda de
bens e valores, prestação pecuniária e prestação inominada também têm cará-
ter pecuniário e aqui poderiam estar alocadas).

Também o texto constitucional estabelece as penas absolutamente proscri-


tas (art. 5º, XLVII). São elas as penas de caráter perpétuo, os trabalhos forçados,
o banimento e as penas cruéis. E a pena de morte? Em regra, também é proscri-
ta, mas não de forma absoluta. É excepcionalissimamente admitida em caso de
guerra declarada. Sua regulamentação encontra-se nos arts. 56 e 57 do Código
Penal Militar.

Privativas
de
liberdade

Penas

Restritivas Pecuniária
de direitos (multa)

capítulo 3 • 61
3.4.1  4.1. Penas privativas de liberdade

As penas privativas de liberdade, popularmente conhecidas por pena de prisão,


constituem o ponto central do sistema sancionatório-aflitivo estruturado no
direito penal brasileiro. Essas penas aparecem cominadas a cada crime sepa-
radamente, com a atribuição, pelo legislador, de limites mínimo e máximo de
pena (cominação abstrata). Assim, por exemplo, no roubo (art. 157 do CP), a
pena é de reclusão, de 4 a 10 anos; na lesão corporal (art. 129 do CP), é de 3 me-
ses a 1 ano de detenção; e no jogo do bicho (art. 58 do Decreto-Lei n. 6259, de
1944, de prisão simples, de 6 meses a 1 ano.
Consoante o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei n.
3.914, de 1940), “considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de
reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativa-
mente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comi-
na, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente”.
Reclusão e detenção, portanto, são as espécies de penas privativas de li-
berdade reservadas aos crimes. É correto falar que, ontologicamente, não há
distinção entre ambas, ficando a reclusão, todavia, reservada aos crimes de
maior gravidade e a detenção àqueles menos graves, de acordo com critérios de
política criminal estabelecidos pelo legislador. Verifica-se, pois, que a dicoto-
mia, hoje, é praticamente irrelevante (ainda que não o seja de todo), razão pela
qual deveria ser abolida. No entanto, ainda há algumas repercussões práticas:
(a) na reclusão, é possível que o condenado comece a cumprir a pena em regi-
me fechado, ao passo em que, na detenção, embora seja possível a regressão
para este regime, inicialmente serão fixados apenas o regime semiaberto ou o
aberto, conforme estudaremos; (b) segundo o art. 2º, III, da Lei n. 9,296/96, a
interceptação telefônica somente pode ser usada para a investigação de crimes
punidos com reclusão; e (c) em caso de cúmulo material de penas, executa-se
primeiro a pena de reclusão e, depois, a de detenção.
Prisão simples, ao seu turno, é a pena privativa de liberdade imposta em
caso de condenação por contravenção penal. Difere da reclusão e da detenção
porque, consoante o art. 6º da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n.
3.688/41), “deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento es-
pecial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto ou aberto”. O
§ 1º do mesmo dispositivo determina que “o condenado à pena de prisão sim-
ples fica sempre separado dos condenados à pena de reclusão ou de detenção”.

62 • capítulo 3
A prisão, como pena, não pode ser confundida com a prisão processual, que
é decretada sem que haja condenação, no curso do inquérito policial ou da ação
penal, como medida cautelar (por exemplo, prisão temporária e prisão preven-
tiva). A prisão processual, portanto, não é pena. Contudo, é possível que o tem-
po de prisão processual seja subtraído da condenação final, o que se chama
detração, instituto que será estudado mais adiante.

3.4.2  Penas restritivas de direitos

São penas autônomas que visam a evitar a imposição de uma pena privativa de
liberdade, substituindo-a. Embora, como se vê, a regra geral seja o caráter subs-
titutivo das penas restritivas de direito, eventualmente podem surgir cominadas
de forma independente a um tipo penal, conforme verificamos, por exemplo, no
art. 28 da Lei n. 11.343, de 2006. Passemos, então, às espécies de penas restritivas
de direitos previstas no Código Penal (é possível que haja outras, regulamentadas
em lei especial), seguindo a ordem ditada pelo art. 43 do CP.

3.4.2.1  Prestação pecuniária (inciso I)

Consiste no pagamento de um valor em dinheiro – como regra geral – à vítima, a


seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social (art.
45, § 1º, CP). Eventualmente, a prestação pode não ser em dinheiro, mas de ou-
tra natureza, se houver aceitação do beneficiário (prestação inominada – § 2º).
Percebe-se claramente que a prestação pecuniária tem caráter indenizató-
rio, quando revertida em favor da vítima ou de seus dependentes. Nessa hipóte-
se, o valor pago será deduzido de eventual condenação em ação indenizatória,
na esfera cível, se coincidentes os beneficiários. Explica-se: muitas vezes a prá-
tica criminosa gera o dever de indenizar eventuais lesados. Trata-se de respon-
sabilidade civil, não penal. Assim, quem sofre o dano pode processar aqueles
que participaram do crime, oferecendo a ação na vara cível. Caso o participante
do crime seja condenado, ficará obrigado a reparar o dano causado. Contudo,
se imposta a prestação pecuniária na ação penal condenatória, favorecendo
a mesma pessoa que, na esfera cível, busca reparação, caso seja fixada uma
indenização no processo civil, do valor será subtraída a prestação pecuniária
já determinada.
O valor da prestação pecuniária não pode ser inferior a um salário mínimo,
tampouco superior a 360 salários mínimos (§ 1º).

capítulo 3 • 63
3.4.2.2  Perda de bens e valores (inciso II)

Especificada no § 3º do art. 45, a perda de bens de valores consiste em confisco


de bens do condenado, os quais serão revertidos ao Fundo Penitenciário Na-
cional. Esse confisco, constitucionalmente autorizado, atinge o patrimônio lí-
cito do condenado, ou seja, não aquilo que ele amealhou com a prática delitiva,
mas sim o que conquistou em conformidade com o direito.
Evidentemente, a pena não pode ser aplicada sem qualquer limitação.
Assim, esse confisco deverá respeitar um teto. E qual é o teto? Ou o provento
obtido pelo criminoso ou por terceiros com o crime, ou o montante do prejuízo
por ele causado (o que for maior).
Em que pese o princípio da personalidade das penas, como já vimos, even-
tualmente os sucessores do criminoso poderão ser atingidos pela sanção penal.
Basta que, uma vez falecido o criminoso, seus sucessores tenham o patrimônio
hereditariamente transmitido confiscado. Deve ser lembrado que a pena não
pode ir além dos valores transmitidos em sucessão.

3.4.2.3  Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (inciso IV)

Regulamentada pelo art. 46 do CP, a prestação de serviços à comunidade ou


a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas (sim, porque,
tratando-se de uma pena, não pode ser remunerada) ao condenado (§ 1º), que
deverá cumpri-las à razão de uma hora por dia de condenação. A disposição
tem o objetivo de não prejudicar a jornada normal de trabalho (§ 3º). Em outras
palavras: como o trabalho é considerado uma forma de integração social, não
deve ser ele atrapalhado pela pena; por isso a prestação de serviços se dará em
horário diverso, preservando, ainda, o direito ao repouso. Embora a Lei de Exe-
cução Penal determine que os serviços sejam executados durante 8h semanais,
inclusive durante finais de semana e feriados (art. 149, § 1º, da Lei n. 7.210, de
1984), essa regra foi abrandada Lei n. 9.714, de 1998, que deu nova redação ao
Código Penal.
Dar-se-á a prestação em hospitais, escolas, entidades assistenciais, orfana-
tos e congêneres (clínicas de reabilitação, por exemplo), em programas comu-
nitários ou estatais (§ 2º), ou em qualquer estabelecimento público. Ao aplicar
essa pena substitutiva (independente, no caso do art. 28 da Lei n. 11.343, de
2006), o juiz designará o local de prestação dos serviços, escolhido de acordo

64 • capítulo 3
com as aptidões do condenado. Em seguida, cientificará o condenado sobre a
entidade, dias e horários em que deverá comparecer (art. 149 da Lei n. 7.210,
de 1984). Caso a pena se mostre inadequada, o juiz poderá alterar sua forma
de execução (arts. 148 e 149, III, da Lei n. 7.210, de 1984). Incumbirá à entida-
de beneficiada o controle de cumprimento da pena, encaminhando relatórios
mensais ao juízo da execução penal (art. 150 da Lei n. 7.210, de 1984).
De acordo com o art. 55 do CP, a pena de prestação de serviços terá duração
idêntica à pena privativa de liberdade substituída. Exemplificativamente, se
a pena de 8 meses de reclusão imposta em condenação por furto tentado for
substituída pela prestação, essa deverá ser executada ao longo de 8 meses. O §
4º do art. 46 do CP, todavia, informa que, caso a pena substituída seja superior
a um ano, o condenado pode cumpri-la em menor tempo, não inferior à metade
da pena privativa de liberdade fixada. Por exemplo, se há condenação por furto
consumado a pena de um ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação,
essa poderá ser executada durante 7 meses (metade da pena privativa imposta).
Mas isso não gera desproporcionalidade? Aquele que foi condenado por furto
tentado a uma pena menor cumprirá os serviços em tempo superior àquele que
foi condenado pelo crime consumado a uma pena maior? A proporcionalida-
de não deve ser averiguada pela duração da pena, mas pelas efetivas horas de
trabalho. Quem desejar cumprir a pena em até a metade do tempo deverá au-
mentar as horas diárias de trabalho. Por exemplo, no caso do furto consumado,
o autor poderia dedicar duas horas diárias ao trabalho, ao invés de uma. Assim
alcançaria o cumprimento da pena após 7 meses. Preserva-se, assim, a propor-
cionalidade da norma.

3.4.2.4  Interdição temporária de direitos (inciso V)

A interdição temporária de direitos (art. 47 do CP) não consiste em uma pena,


mas em um conjunto de penas restritivas de direitos, a saber: proibição do
exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eleti-
vo; proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de
habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; suspensão
de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; proibição de frequentar
determinados lugares; e proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou
exame públicos.

capítulo 3 • 65
Ao contrário das demais penas restritivas de direitos especificadas no
art. 43 do CP, a interdição temporária de direitos não é aplicada à generalida-
de de condenações que cumpram os requisitos de substituição estatuídos no
art. 44 do CP. Para que as formas de interdição sejam impostas, é necessária
uma relação de pertinência entre crime praticado e pena. Por exemplo, não
há razão para se impor a pena de proibição de inscrição em exame público ao
proprietário de um mercado condenado porque expôs à venda mercadorias em
condições impróprias ao consumo.
O primeiro inciso do art. 47 cuida da proibição do exercício de cargo, fun-
ção ou atividade pública, bem como de mandato eletivo. Explica PAGANELLA
BOSCHI4: “Cargo é o criado por lei para investidura mediante concurso públi-
co; função ou atividade é o exercício que independe da existência do cargo (p.
ex.: função de chefia no setor onde trabalham diversos titulares de cargos públi-
cos).” Mandato eletivo é aquele conferido ao seu exercente pelo voto popular.
Essa pena só pode ser aplicada quando houver a violação de deveres inerentes
às posições mencionadas no artigo. No caso do cargo, função ou atividade, não
é necessário que o crime praticado seja um delito contra a administração públi-
ca, bastando um nexo entre ele e a ocupação. No que concerne à proibição de
exercício de mandato eletivo, o dispositivo é inaplicável a deputados federais
e senadores, em virtude do preconizado no art. 55, VI, § 2º, da CF (em resumo,
nenhum poder pode decretar a suspensão do mandato nos casos mencionados;
apenas a perda do mandato poderia ser determinada pelo poder legislativo).
O inciso II trata da proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício
que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder pú-
blico. Note-se que não é qualquer ocupação remunerada que estará abrangida
pelo dispositivo, mas apenas aquelas que exigem habilitação especial (advoga-
dos, por exemplo), licença (despachantes) ou autorização (taxistas). Uma vez
mais, é necessário que haja um nexo entre o delito (tergiversação, apropriação
indébita profissional) e o trabalho desempenhado (advocacia, v. g.).
A terceira forma de interdição (inciso III) versa sobre a suspensão de auto-
rização ou de habilitação para dirigir veículos. Consoante o art. 57 do CP, “a
pena de interdição, prevista no inciso III do art. 47 deste Código, aplica-se aos
crimes culposos de trânsito”. Aqui, há se observar o disposto no art. 292 da Lei
n. 9.503, de 1997 (CTB): “A suspensão ou a proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada ou
4  BOSCHI, José Antônio Paganella. Op. cit., p. 317.

66 • capítulo 3
cumulativamente com outras penalidades”. Significa que o inciso III somen-
te pode ser aplicado quando não existir hipótese de incidência da norma ins-
culpida no CTB (por exemplo, em caso de acidente envolvendo veículo de tra-
ção animal).
A proibição de frequentar determinados lugares é a pena prevista no inci-
so IV. Busca-se, aqui, evitar a reincidência e, evidentemente, deve existir uma
relação de pertinência para com o crime praticado. Importa esclarecer que, se
houver norma especial cuidando da mesma sanção, esta prevalecerá sobre a
redação do Código Penal. É o que acontece, por exemplo, nos parágrafos 2º e
4º do art. 41-B da Lei n. 10.671, de 2003 (Estatuto do Torcedor), que contempla
o crime de promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local
restrito aos competidores em eventos esportivos: “§ 2º Na sentença penal con-
denatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de
comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em
que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de
acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter
bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condu-
tas previstas neste artigo. § 4º Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença
deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente perma-
necer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre
as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de
partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada”.
Por derradeiro, no inciso V, temos a proibição de inscrever-se em concurso,
avaliação ou exame públicos, incluída no Código Penal pela Lei n. 12.550, de
2011. Cuida-se de pena que pode ser aplicada, por exemplo, ao crime previsto
no art. 311-A, do CP, embora não exclusivamente a ele, bastando que entre pena
e infração haja a já mencionada relação de pertinência.
Sua duração será também equivalente à pena privativa de liberda-
de substituída.

3.4.2.5  Limitação de fim de semana (inciso VI)

Última das penas restritivas de direitos reguladas pelo Código Penal, a limita-
ção de fim de semana, regida pelo art. 48 do CP, consiste na obrigação impos-
ta ao condenado em permanecer, aos sábados e domingos, durante 5 horas
diárias, em casa de albergado ou estabelecimento adequado, ocasião em que

capítulo 3 • 67
poderão ser ministrados cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas
(parágrafo único). Nos casos de violência doméstica ou familiar contra a mu-
lher, o condenado poderá ser obrigado a frequentar programas de recuperação
e reeducação (art. 152, parágrafo único, da Lei n. 7.210, de 1984, com redação
dada pela Lei n. 11.340, de 2006).
O cumprimento da pena será fiscalizado pelo estabelecimento para o qual
foi encaminhado o condenado (art. 153 da Lei n. 7.210, de 1984) e terá duração
idêntica à pena substituída.

3.4.3  Pena de multa

Os arts. 49 a 52 do CP dispõem sobre a pena de multa, assim como os arts.


164 a 170 da Lei n. 7.210, de 1984 (LEP). Trata-se do pagamento de uma quan-
tia, fixada de acordo com o sistema dos dias-multa, ao Fundo Penitenciário
Nacional. Sobre o cálculo da pena de multa, falaremos mais no momen-
to apropriado.
A pena de multa pode vir prevista juntamente com a pena de prisão, em
cominação cumulativa (prisão + multa) ou alternativa (prisão ou multa), ou
isoladamente, no caso das contravenções penais; ainda, a multa, tal qual as pe-
nas restritivas de direitos, pode ser substitutiva, conforme disposição contida
no art. 43, § 2º, do CP.

ATIVIDADE
Eduardo, possuidor de um revólver devidamente registrado em seu nome, cansado, após lim-
par a arma, deixa-a sobre a mesa e dorme, esquecendo-se de guardar o objeto. Percebendo
o descuido, seu filho Felipe, de 16 anos de idade, se apodera do revólver e usa-o para matar
um colega de escola, que contra ele fizera bullying. Pergunta-se: o pai pode ser punido pela
morte da vítima? Como os princípios constitucionais-penais se compatibilizam com a teoria
agnóstica da pena?

RESUMO
A pena, consequência jurídica primária da infração penal, é um instrumento sancionatório
-aflitivo cuja finalidade depende da teoria legitimadora adotada: simples castigo ao criminoso
(teoria retributiva); instrumento de coação psicológica sobre a sociedade (teoria preventiva

68 • capítulo 3
geral negativa); forma de ressocialização ou inocuização (teoria preventiva especial); ou ins-
trumento de coação coletiva, para reforçar a confiança geral na eficácia do ordenamento
jurídico (teoria preventiva geral positiva). Para alguns doutrinadores, essas teorias podem ser
mescladas em uma ideologia mais eclética. Há, ainda, quem defenda a regulamentação da
pena seja uma forma de contenção do poder político (teoria agnóstica).
Como ocorre em outros momentos do direito penal, a pena é regida por princípios, entre
os quais estão a legalidade, a personalidade, a humanidade, a proporcionalidade (de onde
extraímos a individualização das penas) e a inderrogabilidade.
Assim como é espécie do gênero sanção penal, as penas também são divididas em
subespécies, a saber: as penas privativas de liberdade, que correspondem à prisão do con-
denado; as restritivas de direitos, que em regra substituem a pena de prisão, impondo limita-
ções menos intensas; e a pena de multa, que se cuida do pagamento de um valor fixado em
dias-multa ao Fundo Penitenciário Nacional.

capítulo 3 • 69
70 • capítulo 3
4
Aplicação da Pena
Após aprendermos o que é a pena, suas espécies e os princípios e teorias que
norteiam a matéria, chegou a vez de estudarmos a aplicação concreta das penas.
Iniciaremos a tarefa com a fixação da pena privativa de liberdade, ou seja, estu-
daremos o sistema trifásico. Em seguida, abordaremos os regimes prisionais,
que são consequência da sentença condenatória privativa de liberdade. Finali-
zaremos o estudo com a aplicação das penas restritivas de direitos e de multa.
O tema é recorrente em concursos públicos e de grande relevância prática,
o que se reflete no grande número de controvérsias doutrinárias e jurispruden-
ciais existentes. A dificuldade científica, no entanto, deve ser enfrentada, pois
não há um sistema penal democrático sem a aplicação de uma pena justa.

OBJETIVOS
•  Compreender o sistema trifásico de aplicação da pena e a consequente dosimetria da pena
privativa de liberdade.
•  Descobrir a forma de atribuição do regime inicial de cumprimento da pena privativa
de liberdade.
•  Resolver os problemas referentes à progressão e à regressão de regimes prisionais.
•  Perceber como se dá a detração penal.

72 • capítulo 4
4.1  Sistema trifásico de aplicação da pena
O sistema trifásico, também chamado de sistema Nélson Hungria, é aquele
pelo qual se busca a fixação da pena privativa de liberdade em um caso con-
creto, após a condenação do réu. Tem previsão legal no art. 68 do CP.
Importa assinalar que a sentença condenatória não se basta no sistema tri-
fásico. Ao contrário, ela comporta outras etapas, como a atribuição do regime
inicial de cumprimento da pena, a verificação da possibilidade de substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a suspensão condicio-
nal da pena, a realização da detração etc.
Como o próprio nome assinala, o sistema é composto por três fases suces-
sivas, a saber: pena-base, onde é atribuída a pena inicial e são analisadas as
circunstâncias judiciais; pena provisória, consistente na avaliação de agravan-
tes e atenuantes; e pena definitiva, que é aquela onde há o cálculo final, com
observação das causas de aumento e de diminuição da pena.
Nesse ponto, para uma melhor compreensão da matéria, temos que distin-
guir as diversas circunstâncias, pois esse estudo será imprescindível à correta
aplicação do sistema trifásico.
Falamos em qualificadoras e em privilégios quando, em derivação ao tipo
simples, temos a atribuição de circunstâncias que determinam novos limites
máximo e mínimo de pena (nas qualificadoras, aumentando as margens pe-
nais e, nos privilégios, diminuindo). Assim, vejamos: no tipo simples do homi-
cídio (art. 121, caput, do CP), a pena é abstratamente cominada em 6 a 20 anos
de reclusão (limites mínimo e máximo); no homicídio qualificado, previsto no
§ 2º, onde incidem circunstâncias que o tornam mais reprovável, os limites pe-
nais passam a ser de 12 a 30 anos.
Causas de aumento e de diminuição da pena estipulam frações de incre-
mento ou de suavização da sanção penal prevista em dispositivo diverso. Por
exemplo, no roubo majorado ou circunstanciado (art. 157, § 2º, do CP), a pena
prevista no caput do artigo é aumentada de 1/3 a 1/2.
Já as agravantes e atenuantes, apesar de sua interferência inequívoca na fi-
xação da pena, não determinam, desde logo, qual será essa influência. Isto
é, o legislador não informa o quanto as penas serão agravadas ou atenuadas,
conferindo esse poder ao magistrado.
Assim, passemos a estudar cada uma das fases do sistema trifásico.

capítulo 4 • 73
4.1.1  Pena-base

Todo cálculo de pena deve ser iniciado por um número fixo, sobre o qual inci-
dirão diversas circunstâncias. Ou seja, temos que estabelecer uma pena inicial.
E essa corresponde à pena mínima cominada abstratamente ao tipo penal.
Por exemplo, um ano no furto (art. 155 do CP); 3 meses na lesão corporal (art.
129 do CP); 12 anos no homicídio qualificado (art. 121, § 2º, do CP); um ano
no parto suposto privilegiado (art. 242, p. único, CP). Perceba-se: (a) as quali-
ficadoras e privilégios são observados nessa fase, na estipulação da pena ini-
cial; (b) a eleição da pena mínima é uma decorrência do princípio da presunção
de inocência.
Em seguida ao estabelecimento da pena inicial, são analisadas as circuns-
tâncias judiciais previstas no art. 59 do CP. São chamadas de judiciais porque
quem determinará se serão benéficas ou prejudiciais é o magistrado, ao con-
trário das agravantes e atenuantes, por exemplo, onde há predeterminação da
carga valorativa. São circunstâncias judiciais a culpabilidade, os antecedentes,
a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias, as
consequências do crime e o comportamento da vítima.
A culpabilidade é o grau de reprovabilidade da conduta do autor. Trata-se
de um desdobramento da culpabilidade como substrato do conceito analítico
de crime (juízo de censura), ou seja, uma investigação mais acentuada dessa
censura, com verificação de sua interferência na pena a ser imposta. Embora
a culpabilidade seja situada como circunstância judicial, ao lado de outras,
é verdade que essas outras circunstâncias nada mais são do que expressões
da culpabilidade.
Os antecedentes se referem à vida pregressa do condenado, ou seja, se
este já se viu anteriormente envolvido em questões criminais. Aqui, há ampla
discussão doutrinária e jurisprudencial: (a) a elevação da pena-base com ful-
cro nos antecedentes é constitucional? (b) Inquéritos e ações penais em curso
podem ser considerados maus antecedentes? (c) O período posterior ao de-
puratório (reincidência) pode ser considerado para fins de caracterização dos
maus antecedentes?
Nesse ponto, para melhor compreensão da matéria, impõe-se um breve es-
tudo sobre o instituto da reincidência, para, só após, nos imiscuirmos na seara
dos antecedentes.

74 • capítulo 4
De acordo com o art. 63 do CP, “verifica-se a reincidência quando o agente
comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou
no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Ou seja, há um crime
– culposo ou doloso – e, por este delito, o sujeito ativo é condenado. A conde-
nação transita em julgado. Caso o sujeito ativo venha a cometer novo crime –
culposo ou doloso – após a condenação definitiva, será reincidente. Antes da
sentença condenatória irrecorrível pelo crime anterior, não há reincidência.
Todavia, uma vez transitada em julgado a condenação, a possibilidade
de reincidência não perdura para sempre. Ela é temporalmente limitada.
Consoante o art. 64, I, do CP, “não prevalece a condenação anterior, se entre
a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver de-
corrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de
prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”.
Resumidamente, há um período depuratório para a reincidência, findo o qual a
pessoa novamente se torna primária. Coloquemos a explicação em um gráfico,
para melhor compreensão:

Sentença Cumprimento 5 anos após Período


Crime anterior condenatória ou extinção o cumprimento posterior
irrecorrível da pena ou extinção aos 5 anos

Não há se falar em reincidência, outrossim, quando o crime anterior ou


posterior é um delito militar próprio, ou um crime político (art. 64, II, CP). E
no caso das contravenções penais? Temos que observar o disposto no art. 7º
do Decreto-Lei n. 3.688, de 1941 (Lei das Contravenções Penais): “verifica-se a
reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em
julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por
qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção”. Resumindo: con-
denação irrecorrível por crime no Brasil ou no estrangeiro, seguida de contra-
venção = reincidência; ou condenação irrecorrível por contravenção no Brasil,
seguida de nova contravenção = reincidência. Não há reincidência, portanto,

capítulo 4 • 75
quando o sujeito ativo é condenado anteriormente por contravenção no estran-
geiro, praticando posteriormente nova contravenção, ou quando há condena-
ção por contravenção no Brasil ou no estrangeiro, com posterior crime. Ambas
as hipóteses não são alcançadas pelo art. 7º da LCP.
Tendo em vista o âmbito da reincidência, restaria ao reconhecimento dos
maus antecedentes tudo aquilo que não fosse abrangido pelo instituto congê-
nere: inquéritos e ações penais em curso e o período correspondente aos 5 anos
posteriores à extinção ou cumprimento da pena. Essa ponderação, contudo,
comporta críticas.
De início, saliente-se que, hoje, há séria contestação sobre a constituciona-
lidade dos institutos da reincidência e dos antecedentes. Especialmente no que
concerne à reincidência, muitos defendem que se cuida de bis in idem. Afinal,
se o sujeito já foi condenado pelo delito anterior, considerar novamente essa
condenação para exasperar a pena do delito posterior implicaria dupla punição
pelo mesmo fato.
Quanto aos maus antecedentes, a base para seu reconhecimento poderia
ser a existência de investigações ou ações penais por crimes diversos? A questão
é polêmica. Há forte corrente doutrinária sustentando a impossibilidade. Isso
porque, nos inquéritos ou ações penais, o investigado ou réu pode ser inocente.
Assim, usar esses procedimentos para a avaliação dos antecedentes de alguém
violaria o princípio da presunção de inocência (ou de não culpabilidade). Essa
é a posição do STJ, sumulada no Enunciado n. 444: “É vedada a utilização de
inquéritos policiais e ações penais para agravar a pena-base”. O STF também já
albergou esse entendimento, em decisão com repercussão geral (RE 591.054).
Todavia, o próprio STF, depois de ter sua composição alterada, sinalizou com
possível mudança de orientação. Assim, caso o Supremo efetivamente adote
posição diversa, para o tribunal passaríamos a ter como base para a determina-
ção dos maus antecedentes: (a) inquéritos instaurados; (b) processos criminais
em curso; (c) condenações criminais sem trânsito em julgado; (d) absolvições
judiciais por insuficiência de provas.
E no que concerne às condenações alcançadas pelo período depurador da
reincidência, isto é, o tempo posterior aos 5 anos contados da data da extinção
ou cumprimento da pena? Para o STJ, esse é o período em que se dá a verifica-
ção dos maus antecedentes. Por exemplo, caso João, sete anos depois de extinta
sua pena por furto, cometesse um roubo, não seria reincidente, mas portador

76 • capítulo 4
de maus antecedentes. O STF, contudo, já se manifestou contrariamente: se o
período depurador tem o poder de afastar a reincidência, produziria o mesmo
efeito para os antecedentes, pois senão se perpetuaria a condenação anterior
(HC 126315). Ademais, em se vislumbrando bis in idem na reincidência, com
consequente inconstitucionalidade, o mesmo ocorreria com os maus antece-
dentes (quando calcados em condenação irrecorrível anterior).
Por conduta social, terceira das circunstâncias judiciais previstas no art. 59
do CP, deve-se entender a forma com que o condenado se relaciona com fami-
liares e com a comunidade local (o condenado trabalha? Mantém bom relacio-
namento com vizinhos? Convive em um ambiente familiar estruturado?). Uma
crítica que pode ser feita a essa circunstância se revela na punição ao autor pelo
seu modo de ser, e não pelo que ele fez, incensando-se uma forma velada de
direito penal do autor.
A personalidade do agente também deve ser estudada nessa fase de aplica-
ção da pena. Pune-se com maior severidade o condenado que apresente perso-
nalidade “desviada”, como, por exemplo, a maior propensão para a prática de
crimes. Novamente temos uma circunstância que não é isenta de críticas: além
da complexidade que envolve o tema, não sendo o juiz pessoa apta a tal análise,
a elevação da pena sanciona o autor pelo que ele é, não por sua exteriorização
comportamental, o que viola o princípio da lesividade ou ofensividade, além
de, uma vez mais, pender para o malfadado direito penal do autor.
A motivação para o crime é circunstância que permeia toda a aplicação da
pena, ora figurando – além de sua menção no art. 59 do CP – como qualificadora
ou privilégio (arts. 121, § 2º, I, e 242, p. único, ambos do CP, por exemplo); ora
como causa de aumento ou de diminuição da pena (arts. 149, § 2º, II, e 121, §
1º, ambos do CP); ou como agravante ou atenuante (arts. 61, II, “a”, e 65, III, “a”,
do CP). Tem-se por motivação o propósito que impulsionou o agente à prática
criminosa, que pode se revestir de nobreza, altruísmo ou qualquer característi-
ca que torne o comportamento menos censurável; ou de torpeza, futilidade, ou
outra hipótese que aumente a censurabilidade.
Por circunstâncias do crime temos aqueles dados periféricos, que orbitam
o fato, conferindo-lhe maior ou menor carga de reprovabilidade: audácia des-
medida, traições, aproveitamento de facilidades determinadas por condição
pessoal, risco provocado a terceiros etc.

capítulo 4 • 77
Penúltima das circunstâncias judiciais, as consequências do crime não se
referem, por óbvio, às elementares que integram o tipo penal: a lesão suporta-
da pela vítima no art. 129 do CP, por exemplo, já faz parte do tipo consumado,
não podendo ser reavaliada para elevar a pena-base. Somente aquelas conse-
quências que não se prestam à caracterização do crime, em suas modalidades
simples e derivada, podem ser aferidas. Assim, na extorsão (art. 158 do CP), v.g.,
como a transmissão da vantagem econômica ao sujeito ativo não é condição
para a consumação do delito, pode esse resultado ser apreciado como circuns-
tância judicial.
Por derradeiro, temos o comportamento da vítima. Há certas posturas que
podem criar situações mais favoráveis à prática criminosa, como deixar bens
desprotegidos em locais onde há aglomeração de pessoas, por exemplo. Por
ser estimulada, a conduta do delinquente ofereceria menor carga de reprova-
bilidade. Evidentemente, aqui há se ter o cuidado de não consagrar tendências
preconceituosas como hipóteses de suavização da pena. Nesse diapasão, uma
mulher que usa decote não está estimulando um estupro, e, caso o autor as-
sim pense, verificar-se-á preconceito inerente a uma criação patriarcal, que não
pode ser acolhido como explicação para o delito.
Importa ressaltar que não existe a possibilidade de avaliação plural da mes-
ma circunstância, o que caracterizaria bis in idem. Assim, se a circunstância
judicial já está prevista, por exemplo, como causa de aumento da pena para o
crime em julgamento, não será ela considerada na fase de pena-base.

4.1.2  Pena provisória

Encerrada a fase da pena-base, o quantum encontrado será transportado para


a fase da pena provisória, momento em que, sobre ele, incidirão as circunstân-
cias agravantes e atenuantes. As agravantes estão previstas nos arts. 61 e 62 do
CP, ao passo em que as atenuantes estão no art. 65 e, de forma inominada, no
art. 66, ambos do CP. Não há, todavia, previsão exaustiva das hipóteses. Embora
– especialmente no caso das agravantes – se deva respeitar o princípio da lega-
lidade (reserva legal, taxatividade, inadmissibilidade de analogia etc.), outros
diplomas legais podem prever agravantes e atenuantes não mencionadas no
Código Penal, como ocorre na Lei Ambiental (Lei n. 9.605, de 1998), em seus
arts. 14 e 15.

78 • capítulo 4
4.1.2.1  Inexorabilidade das agravantes

O art. 61, logo em seu caput, diz que as circunstâncias nele previstas sempre
agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime. A dúvida que
surge aqui é a seguinte: será que estas circunstâncias, de fato, sempre incidirão
na dosimetria da pena? A resposta é negativa.
A primeira exceção se encontra no próprio caput, pois a mesma circuns-
tância não pode servir simultaneamente para agravar e constituir o crime, ou
qualificá-lo, ou ainda aumentar sua pena, para que não se verifique indesejado
bis in idem. Assim, por exemplo, o art. 61, II, h, no que concerne ao agravamen-
to da pena quando o crime é cometido contra mulher grávida, não terá apli-
cabilidade aos crimes de aborto, pois a gravidez é pressuposto desses crimes,
constituindo-os. Da mesma forma, a motivação torpe (art. 61, II, a) serve como
agravante genérica, mas também qualifica o homicídio (art. 121, § 2º, I, CP), de
sorte que, neste crime, figurará apenas como qualificadora.
A segunda exceção está no atingimento das margens penais. Suponhamos
que, em sentença condenatória por roubo, ao apreciar uma agravante, o magis-
trado perceba que a pena já atingiu o limite máximo previsto em lei (no exem-
plo, 10 anos). A incidência da agravante poderia levar a pena além desse limite?
Não. Por conseguinte, seria ela descartada da pena provisória.

4.1.2.2  Agravantes em espécie

Passemos, então, à análise das agravantes em espécie, salvo a reincidência, que


já foi estudada no ponto 1.1, ao qual remetemos o leitor.
A primeira alínea do inciso II do art. 61 se refere à motivação fútil ou tor-
pe. Motivo fútil é o motivo banal, bobo. Já motivo torpe é o ignóbil, abjeto, vil.
Roubar para comprar roupas da moda com o produto do crime é exemplo de
motivação fútil, ao passo em que lesionar a integridade corporal de alguém por
preconceito em relação à sua orientação sexual é motivação torpe. Deve ser as-
sinalado que estes motivos constituem qualificadoras do crime de homicídio
(art. 121, § 2º, CP).
Na letra b encontramos o crime praticado para facilitar ou assegurar a exe-
cução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime (delito cometido
por conexão). No primeiro caso, um crime é cometido para garantir ou facilitar
a prática de outro delito, como, por exemplo, o sequestro prévio do segurança

capítulo 4 • 79
de um empresário para facilitar a invasão de domicílio e consequente roubo
dos bens pertencentes a este. Na segunda hipótese, temos o crime praticado
para que outro permaneça desconhecido. Como exemplo, temos a ocultação do
cadáver da vítima de um homicídio, até aquele momento considerada apenas
desaparecida. A situação é diferente da garantia da impunidade, em que o cri-
me é conhecido e a conduta visa a evitar sua imputação aos participantes: por
exemplo, o furto de câmeras de segurança – e respectiva central de gravação de
imagens – que flagraram a execução de um estupro, evitando assim que a ima-
gem captada permita a identificação do autor. A garantia da vantagem se refere
àquilo que é auferido com a atividade criminosa, como no caso em que um dos
autores de um roubo constrange seu comparsa, intimidando-o, a fim de ficar
com a totalidade do produto do crime. Novamente temos agravantes genéricas
que, no crime de homicídio, já constituem circunstâncias qualificadoras (art.
121, § 2º, V, CP).
A pena é agravada, ainda, quando o crime é praticado à traição, de embos-
cada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou im-
possível a defesa do ofendido (art. 61, II, c, CP). Na traição, há a violação de uma
relação especial de confiança. Em virtude desta relação, ao confiar no autor, a
vítima não adota as cautelas necessárias à sua proteção, ou se defende de forma
débil. O autor, assim, aproveitando-se do fato, comete o delito. Na emboscada,
a vítima é surpreendida pelo autor, que, ao criar a tocaia, impede ou dificulta a
reação defensiva. Já na dissimulação, o autor engana a vítima para que esta não
se defenda de forma plena. Aqui o legislador usa a técnica da interpretação ana-
lógica: após enfileirar exemplos (traição, emboscada etc.), conclui a norma com
uma formulação genérica (outro recurso que dificultou ou tornou impossível a
defesa do ofendido). Uma vez mais, a agravante genérica reflete uma qualifica-
dora do crime de homicídio (art. 121, § 2º, IV, CP). Além disso, a dissimulação
é constitutiva do estelionato (art. 171, CP), do furto mediante fraude (art. 155,
§ 4º, II, CP) e de qualquer outro crime que pressuponha conduta fraudulenta.
Igualmente, a traição é qualificadora do furto (art. 155, § 4º, I, CP).
Na alínea d, encontramos a agravante referente ao crime praticado com em-
prego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou
de que podia resultar perigo comum. A par da alínea anterior, usa-se uma vez
mais a técnica da interpretação analógica, em que uma formulação casuística
é seguida de uma cláusula genérica. Assim, veneno é exemplo de meio insidio-
so (sub-reptício, escamoteado); fogo e tortura, de meios cruéis (que causam

80 • capítulo 4
sofrimento físico ou psíquico extraordinários); e explosão, de meio que pode
provocar perigo comum (risco a bens jurídicos de pessoas indeterminadas).
Essa é a última alínea que corresponde a qualificadoras do crime de homicídio
(art. 121, § 2º, III, CP). Os meios que podem causar perigo comum, outrossim,
constituem vários crimes do Código Penal, como o incêndio (art. 250, CP), a ex-
plosão (art. 251, CP), a inundação (art. 254, CP), o perigo de desastre ferroviário
(art. 260, CP), entre outros.
A agravante seguinte – alínea e – cuida do crime praticado contra ascendente
(pais, avós, bisavós etc.), descendente (filho, neto, bisneto etc.), irmão ou côn-
juge (pessoa com quem se mantém vínculo matrimonial). Pergunta-se, aqui,
se a norma pode ser estendida aos casos de união estável, impondo-se respos-
ta negativa. Casamento e união estável são institutos diferentes e o dispositivo
só menciona expressamente a primeira hipótese. Ou seja, a inclusão da união
estável em seu âmbito somente poderia se dar por analogia, que é proibida em
normas que elevam a sanção penal. As agravantes da alínea ora em estudo não
poderão ser utilizadas em crimes como o abandono material e o abandono in-
telectual, entre outros, para que não ocorra bis in idem.
Tem-se, em seguida, as agravantes referentes ao abuso de poder ou violação
de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão (art. 61, II, f, CP). Há,
no caso, a atuação que exorbita os poderes conferidos por lei, ou contrária ao
regramento legal. Cargo (público) é aquele regido por um estatuto, com deno-
minação própria, atribuições específicas e provimento em regra efetivo. Se o
servidor público pratica crime de abuso de autoridade (Lei n. 4.898, de 1965),
não incidirá a referida agravante, uma vez que a abusividade já integra o tipo
penal. Ofício é a arte laboral executada de forma mecânica, como no caso de
um marceneiro. Ministério corresponde a uma função religiosa. E profissão é
a atividade que exige especialização, sendo certo que, para que seja aplicável a
presente agravante, é necessário que ela esteja regulamentada por lei, pois só
assim poderá haver violação de deveres.
Segue-se a agravante referente ao crime cometido contra criança (pessoa
com idade inferior a 12 anos), maior de 60 anos (ou seja, idoso), enfermo (por-
tador de doença física ou mental) ou mulher grávida, prevista no art. 61, II, g,
do CP. Essas agravantes se justificam na medida em que a peculiar condição
da vítima reduz sua capacidade defensiva. Evidentemente, o sujeito ativo deve
saber dessa condição: se o crime é praticado contra mulher cuja gravidez ainda
não é aparente, por exemplo, e o autor sequer tinha condições de conhecê-la,
incidirá em erro, o que afasta a aplicabilidade da circunstância. Igualmente, há

capítulo 4 • 81
se evitar o bis in idem (por exemplo, a agravante não será aplicada aos crimes
contra idosos previstos na Lei n. 10.741, de 2003).
Segue-se circunstância concernente à maior audácia do criminoso, que res-
vala no desrespeito à autoridade pública, a saber: crime cometido contra ofen-
dido que estava sob imediata proteção da autoridade (art. 61, II, h). Saliente-se
que a vítima imediata não é a autoridade, mas a pessoa sob sua proteção, tam-
pouco a autoridade é autora do delito.
A penúltima agravante do art. 61, II, se refere ao delito praticado por oca-
sião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de
desgraça particular do ofendido (alínea i). O sujeito ativo se aproveita da situa-
ção calamitosa para a prática criminosa, obtendo, com isso, maior facilidade
em conquistar os resultados almejados. Outrossim, demonstra insensibilida-
de ímpar.
Por derradeiro, temos o crime praticado em estado de embriaguez preorde-
nada (art. 61, II, j, CP). Cuida-se, aqui, de espécie de embriaguez voluntária por
álcool ou substância de efeitos análogos. O sujeito ativo se embriaga para pra-
ticar o crime, seja para perder seus freios inibitórios, seja para fingir um estado
de inimputabilidade no momento do delito.

4.1.2.3  Agravantes no concurso de pessoas

As agravantes mencionadas no art. 62 pressupõem a existência de um concurso


de pessoas e, logo no primeiro inciso, temos o agente que “promove, ou organi-
za a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”. Como res-
tou claro no primeiro capítulo desta obra, há divergência na doutrina brasileira
sobre a existência de um “autor intelectual”. Caso ele exista, terá seu compor-
tamento agravado pelo dispositivo em estudo. Se, no entanto, nos voltarmos às
lições de ROXIN, que refuta a figura do autor intelectual, a agravante poderá ser
aplicada tanto a autores, quanto a partícipes, uma vez que nem sempre quem
promove, organiza ou dirige o crime será considerado seu autor.
O inciso II traz aquele que coage ou induz outrem à execução material do
crime. A coação, promovida pelo autor mediato (de sorte que não temos, juri-
dicamente falando, um necessário concurso de pessoas na hipótese) pode ser
física ou moral, resistível ou irresistível. O induzimento é figura já estudada no
primeiro capítulo deste livro.

82 • capítulo 4
No inciso III, temos quem instiga ou determina a cometer o crime alguém
sujeito à sua autoridade (o que representa maior eficácia no convencimento ou
determinação) ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal.
A última agravante (inciso IV) se refere àquele que executa o crime, ou nele
participa, mediante paga ou promessa de recompensa. Tem-se, aqui, a figura
do crime mercenário, em que o autor ou partícipe pratica o crime em virtude da
percepção de uma vantagem anterior (paga), ou pela expectativa da vantagem
(promessa de recompensa). Tratando-se de qualificadora do homicídio (art.
121, § 2º, I, CP), a circunstância agravante não será aplicada a este delito.

4.1.2.4  Inexorabilidade das atenuantes

Assim como ocorre com as agravantes, o art. 65 do CP, que trata das atenuantes
genéricas, afirma que as circunstâncias nele especificadas “sempre atenuam
a pena”. No entanto, ao contrário do que o art. 61 do CP faz, não ressalva as
circunstâncias que constituem ou tornam privilegiado o crime. Portanto, seria
possível interpretar a norma de modo a permitir a incidência plural de uma
mesma circunstância. Por exemplo, o valor moral (art. 65, III, a, CP), poderia
simultaneamente diminuir a pena do homicídio (art. 121, § 1º, CP) e atenuá-la.
Contrariamente opina Damásio de Jesus1: “É possível que a atenuante do art.
65 na Parte Especial do CP como causa de diminuição da pena. Neste caso, a
atenuação genérica não tem aplicação”.
E se a pena, ao chegar no momento de avaliação das atenuantes, já estiver
fixada em seu patamar mínimo. Poderia ela ficar aquém do mínimo legal?
Consoante a Súmula 231 do STJ, a “incidência da circunstância atenuante não
pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Contra, Rogério
Greco2, por todos.

4.1.2.5  Atenuantes em espécie

A primeira atenuante (art. 65, I, CP) é etária: ser o agente menor de 21 anos à
época do fato, ou maior de 70, na data da sentença. Aqui, o legislador não en-
dossou a maioridade senil prevista na Lei 10.741, de 2003. Ou seja, não se ate-
nua a pena porque o autor é idoso. No que concerne à menoridade, sua prova é
feita com a certidão de nascimento (Súmula 74 do STJ).

1  JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. p. 576.
2  GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 17. ed. Niterói: Impetus, 2015. v. 1, p. 654.

capítulo 4 • 83
O inciso II traz o desconhecimento da lei, que, de acordo com o art. 21 do
CP, não isenta o agente de pena. Contudo, pode atenuá-la. Não se trata, aqui, do
erro, que é a falsa representação da realidade, mas sim da alegação consistente
em não saber da existência do diploma legal.
A divisão das atenuantes em alíneas começa no inciso III do art. 65. Na letra
a, figuram o relevante valor moral e o relevante valor social. Valor moral é aque-
le íntimo, como, por exemplo, no caso do pai que pratica um furto de brinque-
do para não deixar o filho criança sem presente em seu aniversário. Valor social
é aquele que traz um bem-estar comunitário, como no furto praticado contra
instituições financeiras para distribuição da quantia entre pessoas em estado
de pobreza.
A pena é atenuada, ainda, quando o sujeito ativo procura, por sua espon-
tânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe
as consequências, ou repara o dano causado antes do julgamento (alínea b). A
atenuante não se confunde com a causa de diminuição da pena prevista no art.
16 do CP (arrependimento posterior), pois a reparação do dano pode se dar até
o momento do julgamento (e não até o recebimento da denúncia ou da queixa),
bem como mantém sua aplicabilidade mesmo aos crimes praticados mediante
violência ou grave ameaça; tampouco se confunde com o arrependimento efi-
caz (art. 15, CP), pois a evitação ou minoração de consequências ocorrem após
a consumação do delito.
Em seguida, temos a atenuante referente ao cometido o crime sob coação
a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou
sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima (alínea
c). A coação irresistível, se física, conduz à atipicidade da conduta por ausência
de voluntariedade. Se moral, isenta de pena por inexigibilidade de conduta di-
versa (art. 22, CP). Portanto, a atenuação refere-se unicamente à coação resistí-
vel. O cumprimento de ordem pressupõe que esta seja manifestamente ilegal,
pois, caso não o seja, há igualmente isenção de pena por inexigibilidade de con-
duta diversa (art. 22). Já a influência de violenta emoção (que também engloba
a paixão), determinada pelo ato injusto da própria vítima, não se confunde com
o domínio de violenta emoção, que diminui a pena no homicídio (art. 121, § 1º,
CP). O agente não é dominado, o que obscurece seu pensamento e dificulta a
capacidade de reflexão. A influência é mais sutil, apenas tornando-o mais pro-
penso à prática criminosa.

84 • capítulo 4
A confissão espontânea da autoria, perante a autoridade, igualmente ate-
nua a pena (alínea d). Não importa se a autoria era conhecida, incerta ou igno-
rada, uma vez que, em qualquer caso, o agente mostra disposição em colaborar
para com a aplicação da lei. É espontânea a confissão que não é provocada. E se
o condenado, em sede policial, confessou, mas posteriormente se retratou em
juízo? Há quem rejeite a atenuante1 e há quem a aceite, desde que a condena-
ção tenha se baseado nela2. E quanto à chamada “confissão qualificada” (con-
fissão com teses defensivas agregadas, como a legítima defesa)? Novamente,
há quem não admita a atenuação3 e há quem a admita, se servir para embasar
a condenação.
A última agravante nominada (alínea e), se refere ao crime praticado sob
influência de multidão em tumulto (crime multitudinário), caso o agente não
seja o responsável pela confusão, ocasião em que se sentirá, o agente, mais pro-
penso à prática criminosa4.

4.1.2.6  Atenuantes inominadas

O art. 66 do CP permite o reconhecimento pelo magistrado de outras atenuan-


tes não previstas em lei, baseadas em circunstâncias relevantes, anteriores ou
posteriores ao crime. Todavia, o dispositivo não permite sejam alteradas as ate-
nuantes especificadas no art. 65.

4.1.2.7  Concurso entre agravantes e atenuantes

O tema é tratado pelo art. 67 do CP, o qual conta com a seguinte redação: “No
concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite in-
dicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que
resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e
da reincidência". Em suma, existem circunstâncias agravantes ou atenuantes
que preponderam sobre as demais, provocando alterações mais intensas so-
bre a sanção penal. Por exemplo, a reincidência (agravante do art. 61, I, CP) pre-
pondera sobre a reparação do dano (atenuante do art. 65, III, b, CP); a atenuan-

3  Idem, ibidem, p. 657.


5  STJ, HC n. 88636/SP.
6  STJ, RESP 999.783.
7  STJ, AgRg no Ag 1242578/SP.

capítulo 4 • 85
te do relevante valor moral (art. 65, III, a, CP), prepondera sobre a agravante do
crime praticado mediante veneno (art. 61, II, d, CP).
Em regra, doutrina e jurisprudência entendem que as circunstâncias ate-
nuantes e agravantes alteram a pena em 1/6. Em se cuidando de circunstâncias
preponderantes, a valoração destas deve ser mais intensa. De qualquer forma,
a compensação de uma agravante por uma atenuante somente pode ocorrer se
elas forem igualmente preponderantes.

4.1.3  Pena definitiva

Após a segunda fase do sistema trifásico, o resultado da pena provisória, já per-


meado pelas agravantes e atenuantes, é transportado para a fase da pena defi-
nitiva, onde incidirão sobre ela causas de aumento e de diminuição da pena.
Estas causas estão espalhadas por toda a legislação penal. No CP, elas podem
ser encontradas tanto na Parte Geral (art. 14, II; art. 16; art. 71 etc.), quanto na
Parte Especial (art. 121, § 1º; art. 157, § 2º etc.). Dada essa difusão, não faremos
um estudo específico sobre elas.
A incidência das causas de aumento e diminuição se dá em cascata: sobre o
resultado da pena provisória, por exemplo, incidirá a primeira causa de dimi-
nuição; existindo outra causa, esta produzirá seus efeitos sobre a pena já dimi-
nuída pela primeira causa.
Nada impede que haja concurso entre duas ou mais causas de diminuição,
duas ou mais causas de aumento, ou entre causas de aumento e de diminuição.
No entanto, consoante dispõe o art. 68, p. único, do CP, se houver concurso en-
tre causas de aumento ou de diminuição previstas na Parte Especial, o magis-
trado poderá limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecen-
do a causa que mais aumente ou diminua.
Nessa fase do sistema trifásico, admitir-se-á a ultrapassagem das margens
penais mínima – pela incidência de causas de diminuição – e máxima – em
virtude das causas de aumento – abstratamente cominadas pelo legislador.
Assim, por exemplo, em um roubo tentado, caso terminada a fase da pena pro-
visória com a sanção ajustada no mínimo legal (4 anos) e inexistindo causas
de aumento a considerar, a pena será reduzida de um 1/3 a 2/3, em razão do
disposto no art. 14, II, CP. Assim, supondo que a diminuição da pena referente
à tentativa, em nosso hipotético roubo, seja de 1/2, a sanção penal para o crime
restará fixada em 2 anos de reclusão.

86 • capítulo 4
Terminada a fase da pena definitiva, estará esgotado o cálculo de seu quan-
titativo, que somente poderá ser modificado em eventual recurso. Deve ser
lembrado que a sentença condenatória não se esgota nesse momento. Ainda
devem ser observados os regimes prisionais, a substituição da pena de prisão
por pena restritiva de direitos, a possibilidade de sursis etc. Apenas se conclui a
determinação do tamanho da pena privativa de liberdade a cumprir.

4.2  Regimes prisionais


Os regimes prisionais correspondem à forma pela qual a pena privativa de li-
berdade será executada, implicando maior ou menor restrição, dependendo de
sua espécie. Ademais, o estabelecimento penal adequado ao cumprimento da
pena dependerá do regime fixado. São regimes prisionais: (a) fechado; (b) se-
miaberto; e (c) aberto. Estudemos cada um deles.

4.2.1  Regime fechado

Consoante o art. 33, § 1º, a, do Código Penal, considera-se regime fechado a


execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média, deno-
minado penitenciária. Os arts. 87 e seguintes da Lei de Execução Penal, ao seu
turno, regem as características da execução da pena em penitenciárias, deter-
minando o recolhimento do condenado em cela individual, com área mínima
de 6m² e ambiente salubre, entre outros requisitos.
O trabalho interno é obrigatório ao condenado (art. 31 da Lei de Execução
Penal), e possível o externo, desde que em serviço ou obras públicas realizadas
por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde
que tomadas as devidas cautelas contra fuga e em favor da disciplina (art. 36
da LEP).

4.2.2  Regime semiaberto

O regime semiaberto é executado em colônia agrícola, industrial ou similar


(art. 33, § 1º, b, do CP e art. 91 da LEP), sendo que os presos poderão ficar em
celas coletivas. São admissíveis tanto o trabalho interno, quanto o externo, bem
como como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução
de segundo grau ou superior (art. 35, § 2º, CP).

capítulo 4 • 87
4.2.3  Regime aberto

As casas de albergado destinam-se aos condenados que cumprirão pena em


regime aberto (art. 33, § 1º, c, do CP, e art. 93 e seguintes da LEP). A principal
característica deste estabelecimento é a ausência de obstáculos físicos contra
a fuga, pois o regime aberto se baseia na autodisciplina e senso de responsabi-
lidade do condenado.
O trabalho é exigência do regime, sempre fora do estabelecimento e sem
vigilância. O condenado pode optar, todavia, por frequentar curso ou exercer
outra atividade autorizada. Permanecerá recolhido em casa de albergado ape-
nas no período noturno e nos dias de folga (art. 36, § 1º, CP), ocasião em que
poderá assistir a cursos ou palestras (art. 95 da LEP).

4.2.4  Regime disciplinar diferenciado

Criado pela Lei n. 10.792, de 2003, o regime disciplinar diferenciado tem inci-
dência quando (art. 52 da LEP): (a) o condenado, ou o preso provisório, pratica
de fato previsto como crime doloso ocasione subversão da ordem ou disciplina
internas; (b) o preso provisório ou condenado, nacionais ou estrangeiros, apre-
senta alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da so-
ciedade; (c) há fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer
título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando por parte do preso pro-
visório ou o condenado.
As hipóteses são excessivamente abertas, o que faz com que se sustente a
inconstitucionalidade da previsão normativa por ausência de taxatividade.
São características do regime disciplinar diferenciado: I- duração máxima
de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta
grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II- recolhi-
mento em cela individual; III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as
crianças, com duração de duas horas; IV- o preso terá direito à saída da cela por
2 horas diárias para banho de sol.
Também aqui percebemos veementes protestos pela inconstitucionalida-
de do dispositivo, sob a alegação de que ele violaria o princípio da humanidade
das penas.

88 • capítulo 4
4.2.5  Regime inicial de cumprimento da pena

Na sentença condenatória deve o magistrado, desde logo, estabelecer o regime


inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. Para tanto, ele seguirá
as regras estabelecidas no art. 33, § 2º, a seguir sistematizadas:

RECLUSÃO DETENÇÃO
Pena superior a oito anos
O regime inicial fechado não é
REGIME FECHADO Pena superior a quatro, até oito
cabível na detenção
anos + reincidência
Pena superior a quatro anos, até
oito anos
REGIME SEMIABERTO Pena superior a quatro anos
Pena de até quatro anos +
reincidência
REGIME ABERTO Pena de até quatro anos Pena de até quatro anos

Há, portanto, dois fatores que interferem na fixação do regime inicial de


cumprimento da pena: a sua quantidade e a reincidência, sendo certo que o
regime inicial fechado só é possível nos crimes punidos com reclusão. Deve
ser observado, no entanto, que as regras do art. 33, § 2º, comportam exceções,
a saber:

a) o magistrado pode fixar regime mais gravoso que o previsto se os crité-


rios do art. 59 do CP assim recomendarem. De toda sorte, o magistrado deverá
fundamentar sua opção com base no caso concreto. Sobre o tema, interessa a
leitura da Súmula n. 440 do STJ: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado
o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão
da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”. Ora, se
a pena-base foi fixada no mínimo, isso significa que as circunstâncias judiciais
não eram desfavoráveis ao condenado, o que impede o regime de maior seve-
ridade. No mesmo sentido, as Súmulas n. 718 e 719 do STF: “a opinião do jul-
gador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea
para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena
aplicada” (Súmula 718); “a imposição do regime de cumprimento mais severo
do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea” (Súmula 719). Sobre
o tema, ver, ainda, a Súmula n. 269, do STJ: “É admissível a adoção do regime
prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a
quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicial”.

capítulo 4 • 89
b) Em caso de crimes hediondos e equiparados, o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072,
de 1990, estabelece regime inicial fechado obrigatório. No entanto, a constitucio-
nalidade dessa regra vem sendo questionada, pois a obrigatoriedade fere o princí-
pio da individualização executória das penas (nesse sentido já decidiu o STF5).

4.2.6  Progressão e regressão de regime prisional

4.2.6.1  Progressão de regime prisional

A pena privativa de liberdade, no Brasil, é executada de forma progressiva,


com ingresso do apenado em um regime mais restritivo, passando por um
regime intermediário e chegando até um com restrição mínima da liberdade
(sistema progressivo irlandês). Em outras palavras, o condenado, pouco a pou-
co e de acordo com seu mérito, vai conquistando a suavização das restrições a
ele impostas.
O art. 33, § 2º, do CP, menciona brevemente o sistema progressivo, mas sem
tecer maiores considerações. Será na Lei de Execução Penal que encontrare-
mos a sistematização da matéria.
Segundo o art. 112 da Lei n. 7.210, de 1984 (LEP), são requisitos para a pro-
gressão de regime:

a) cumprimento de parte da pena privativa de liberdade no regime ime-


diatamente anterior. A quantidade de pena a ser cumprida depende da nature-
za do crime. Em regra, exige-se 1/6 do tempo total de pena. Assim, se o agente
foi condenado a uma pena de 12 anos de reclusão, deve cumprir 2 anos para
passar do regime fechado para o semiaberto. No entanto, nos crimes hedion-
dos e equiparados, a regra é diferente: de acordo com o art. 2º, § 2º, da Lei n.
8.072, de 1990, a progressão de regime em tais delitos pressupõe cumprimento
de 2/5 da pena, caso o condenado seja primário, ou 3/5, em caso de reincidên-
cia. Mas nem sempre foi desta forma, pois, em sua redação original, a Lei dos
Crimes Hediondos estabelecia o regime integralmente fechado. Isto é, o con-
denado começava a cumprir sua pena em regime fechado e não tinha direito à
progressão. A regra começou a ser flexibilizada a partir da Lei n. 9.455, de 1997,
que define o crime de tortura. A tortura é um delito equiparado a hediondo,
tal qual o tráfico de drogas e o terrorismo, e, na referida lei, a ela foi abolido o
7  HC n. 111840.

90 • capítulo 4
regime integralmente fechado, passando a valer o regime inicialmente fecha-
do (art. 1º, § 7º). Na época, houve protestos pela extensão da regra aos demais
crimes hediondos e equiparados, sob o argumento da isonomia. Entretanto,
o STF abraçou entendimento diverso na Súmula n. 698: “Não se estende aos
demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de exe-
cução da pena aplicada ao crime de tortura”. Em 2006, no entanto, no julga-
mento do habeas corpus n. 82.959/SP, o STF julgou inconstitucional, em um
caso concreto (incidenter tantum), o regime integralmente fechado, sob o ar-
gumento da violação ao princípio da individualização da pena (o mesmo usado
hoje para contestar o regime inicialmente fechado). Verificando que o regime
integral seria de fato abolido, o Congresso Nacional aprovou a Lei n. 11.464, de
28 de março de 2007 (com vigência na data da publicação), em que, através da
alteração do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072, se passou a admitir a progressão de
regimes nos crimes hediondos e equiparados (todavia após o cumprimento de
parcela maior da pena do que aquela prevista no art. 112 da LEP, isto é, 2/5 ou
3/5). Com a mudança na legislação, surgiu a dúvida: a nova regra seria aplicável
aos delitos anteriores à vigência da Lei n. 11.464? Prevaleceu a opinião segundo
a qual, nos crimes hediondos e equiparados praticados anteriormente a ela,
em virtude da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, valeria
a regra geral da Lei de Execução Penal, com progressão após o cumprimento
de 1/6 da pena. Como a lei nova, nesse ponto, impõe uma regra mais severa
de progressão (2/5 ou 3/5), ela seria irretroativa. Esse entendimento acabou su-
mulado pelo STJ (Súmula 471: “Os condenados por crimes hediondos ou as-
semelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao
disposto no artigo 112 da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a pro-
gressão de regime prisional”), bem como foi objeto de súmula vinculante edita-
da pelo STF (Súmula Vinculante n. 26: “Para efeito de progressão de regime no
cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução
observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de
1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos
objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo
fundamentado, a realização de exame criminológico”). Resumidamente: João,
primário, cometeu crime de estupro em 2005, razão pela qual, se condenado,
estaria sujeito ao regime integralmente fechado, o qual, contudo, foi declarado
inconstitucional pelo STF; assim, João pode progredir de regime após cumprir
1/6 da pena que lhe foi imposta, e não 2/5 ou 3/5, que importariam tratamento

capítulo 4 • 91
mais severo e, portanto, irretroativo; no entanto, se praticasse o crime após a
vigência da Lei n. 11.464/2007, precisaria cumprir 2/5 da pena.
OBS.: de acordo com a Súmula 715 do STF, para fins de progressão de regi-
me não se considera a pena unificada – para atender ao limite de 30 anos – mas
sim a pena total.

b) Apresentação de bom comportamento carcerário, comprovado pelo


diretor do estabelecimento prisional. Para a progressão de regime, o cum-
primento de parcela da pena não é suficiente. Mister se verifique o mérito do
condenado. Mesmo com a certificação, em caso de dúvida, pode o juiz exigir
um exame criminológico para embasar sua decisão? O exame criminológico é
mencionado no art. 8º da LEP e consiste em uma avaliação realizada por psicó-
logos, psiquiatras e assistentes sociais. Antigamente, o parágrafo único do art.
112 da LEP estabelecia que, quando necessário, a progressão de regime deve-
ria ser precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame.
Entretanto, a norma foi revogada pela Lei n. 10.792, de 2003, que, ainda, trouxe
à baila a certificação pelo diretor do estabelecimento prisional. Isso não signi-
fica, contudo, que o exame criminológico não possa acontecer, embora o tema
não seja pacífico. Basta que o magistrado fundamente sua exigência. A Súmula
Vinculante n. 26, acima transcrita, já deixa clara a posição do STF sobre o tema.
Nesse sentido também é a orientação do STJ, sintetizada na Súmula n. 439:
“Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em
decisão motivada”.

c) Em caso de condenado por crime contra a administração pública, fica


a progressão de regime condicionada à reparação do dano que causou, ou à
devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais. Embora
a norma não ressalve o dano de impossível reparação, também nesse caso o
agente pode progredir de regime. Para tanto, faz-se uma analogia com os arts.
78, § 2º e 83, IV, ambos do CP.
A progressão sempre se dará do regime imediatamente anterior para o sub-
sequente, o que impede a progressão per saltum (ou seja, do regime fechado
para o aberto, sem passagem pelo semiaberto). Esse é o teor da Súmula n. 491
do STJ: “É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional”.
Nesse ponto, uma pergunta se faz pertinente: o que é a prisão albergue do-
miciliar? Consiste na imposição de prisão domiciliar àquele que deveria estar

92 • capítulo 4
em casa de albergado, cumprindo regime aberto, seja porque este foi o regime
inicial fixado na sentença condenatória, seja porque o condenado já faz jus à
progressão de regime, mas no Estado inexiste casa de albergado, ou nesta não
há vagas. O condenado não pode sofrer uma privação de liberdade mais intensa
do que a necessária, por ineficiência do poder público, invocando-se, destarte,
os princípios da humanidade e da individualização das penas. Ainda que o art.
117 da LEP, que trata da prisão domiciliar, não contemple a hipótese de inefi-
ciência estatal6, este dispositivo é aplicado de forma analógica, em benefício
do apenado.

4.2.6.2  Execução provisória da pena

Consoante entendimento sumulado pelo STF (Enunciados de n. 716 e 717), é


cabível a execução provisória da pena privativa de liberdade, com progressão
de regime prisional antes mesmo da sentença condenatória transitada em jul-
gado. Para tanto, basta que: (a) o réu esteja preso cautelarmente; e (b) haja trân-
sito em julgado da sentença condenatória para a acusação (ausência de recurso
desta) ou, ainda que pendente recurso, este não tenha o condão de alterar a
progressão de regime.
Suponhamos que determinada pessoa, presa preventivamente há um ano
(prisão cautelar, que não se confunde com a pena), seja condenada a seis anos
de reclusão, em regime inicial semiaberto. Considerando que a prisão preven-
tiva se assemelha ao regime fechado, a execução imediata da sentença traria
situação mais favorável ao réu. No entanto, se a acusação recorre, visando a au-
mentar a pena, deve ser aguardado o resultado do recurso, que permanecerá
preso caso persistam os motivos ensejadores da prisão cautelar. E se a acusação
não recorre? Ou então, e se o recurso não tem por objetivo aumentar a pena?
Nessas hipóteses, a situação do réu não pode ser piorada em grau recursal, sen-
do vedada a reformatio in pejus.
Ao réu surge uma escolha de Sofia: ele pode tentar, através de recurso de-
fensivo, a absolvição, mas em tese permaneceria preso; ou pode se conformar
com a sentença condenatória, para gozar do regime prisional menos restritivo
mais cedo, transformando sua prisão cautelar em prisão-pena. Evidentemente
que, caso faça a segunda opção, o réu será prejudicado em seus direitos à ampla

8  Consoante o art. 117, em caso de cumprimento da pena em regime aberto, é possível o recolhimento domiciliar
nas seguintes hipóteses: condenado maior de 70 (setenta) anos; condenado acometido de doença grave; condenada
com filho menor ou deficiente físico ou mental; e condenada gestante.

capítulo 4 • 93
defesa e ao duplo grau de jurisdição. Justamente por isso se invoca a possibili-
dade de execução antecipada da pena, permitindo a inserção do réu em regime
menos severo de custódia ainda que pendente recurso. E, segundo a Súmula
n. 717 do STF, nem mesmo o fato de o réu estar em prisão especial afasta
a possibilidade.
Deve ser ressaltado, no entanto, que caso o réu esteja em liberdade, o que
é a regra nas ações penais, não se pode antecipar a execução da pena, pois tal
procedimento feriria o princípio da presunção de inocência.
Em resumo, a execução provisória da pena somente pode ser admitida
quando em favor do réu, nunca em seu desfavor.

4.2.6.3  Regressão de regime prisional

Da mesma forma que o condenado pode progredir de regime prisional, a pena


também poderá ser executada na forma regressiva, com transferência a regime
mais restritivo. Essa é a inteligência do art. 118 da LEP. Isso ocorrerá quando
o condenado praticar fato definido como crime doloso ou falta grave (art. 50
da LEP), de acordo com o inciso I do art. 118; ou sofrer condenação, por crime
anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível
o regime (artigo 111 da LEP), consoante o inciso II. O condenado, ainda, será
transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos, frus-
trar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente im-
posta, segundo redação do § 1º do art. 118. Nas hipóteses do inciso I e do § 1º,
o condenado terá direito à ampla defesa anterior à regressão.
No que concerne à regressão de regime pelo inadimplemento da pena de
multa, cremos ela impossível. Isso porque desde 1996, mais especificamente
com a edição da Lei n. 9.268, a multa não pode mais ser convertida em prisão,
se não for paga. Portanto, pelo mesmo raciocínio, não pode determinar a re-
gressão de regime prisional.

4.3  Detração da pena


Detração é o cômputo na pena ou na medida de segurança a ser executada do
período em que o condenado ficou preso – seja a prisão processual ou adminis-

94 • capítulo 4
trativa –, internado em hospital de custódia e tratamento ou estabelecimento
congênere, ou teve sua liberdade restringida por qualquer outro modo (art. 42
do CP). Ou seja, abate-se da pena ou da medida de segurança fixadas aquele
tempo em que a pessoa, antes mesmo da condenação definitiva ou da senten-
ça absolutória imprópria, teve a sua liberdade restringida. Simplificando, ao
menos por ora, pois o tema comporta discussões doutrinárias, podemos ex-
por o seguinte exemplo: se uma pessoa foi condenada a uma pena privativa de
liberdade de 6 anos de reclusão, mas ficou presa temporariamente 30 dias, e
preventivamente outros 90 dias, esse período de custódia cautelar – 120 dias –
será deduzido do montante da sanção penal, restando 5 anos e 8 meses de pena
a cumprir.
Uma leitura rápida do art. 42 do CP pode levar à (falsa) conclusão de que a
detração somente é aplicável às penas privativas de liberdade. Todavia, ela se
aplica igualmente às penas restritivas de direitos. Por exemplo, se a pena pri-
vativa de liberdade de 8 meses é substituída por prestação de serviços à comu-
nidade, deverá a pena substitutiva ser cumprida no mesmo tempo. Entretanto,
se, durante o processo, o então réu ficou preso preventivamente por um mês, a
prestação de serviços se dará ao longo de sete meses, em virtude da detração.
O art. 42, ainda, menciona que apenas a prisão provisória (temporária e pre-
ventiva) e a prisão administrativa (por exemplo, aquela que ocorre em âmbito
militar) determinam a detração. Mas e a prisão por dívida referente a alimen-
tos, de natureza civil? A situação enseja discussão doutrinária e jurispruden-
cial, existindo quem admita a detração (pois há efetiva restrição da liberdade,
que pode ser vinculada a um crime, como no caso do art. 244 do CP7) e quem
a refute (porque a medida não é uma sanção, mas uma medida de coerção ao
devedor de alimentos).8 Medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art.
319 do CPP, como, por exemplo, a prisão domiciliar, se prestam à detração?
Sim, pois também impõem restrições ao réu anteriores à prolação da senten-
ça condenatória.
Questiona-se, ainda, se a prisão, ou qualquer outra medida restritiva, de-
cretada no curso de uma investigação ou processo, pode ser aproveitada para a
detração em sentença prolatada em processo distinto. O art. 111 da Lei n. 7.210
de 1984 (Lei de Execução Penal) responde parcialmente a pergunta, ao estabe-
lecer a detração seja no mesmo processo, ou em processo distinto. Mas isso se

9  DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 606.
10  TJDF, AI 37141620118070000 DF 0003714-16.2011.807.0000, 6ª Turma Cível, julg. em 04/05/2011.

capítulo 4 • 95
dá mesmo em face de delitos posteriores à prisão? Um exemplo, para esclarecer
melhor: João foi preso preventivamente em um processo em que figura como
réu por crime de roubo e, depois de 60 dias de cárcere, é descoberto promo-
vendo a entrada em estabelecimento prisional de um telefone celular, o que,
em tese, caracteriza o crime do art. 349-A do CP. Dias depois, o crime de roubo
prescreve, extinguindo-se a punibilidade do autor, que é posto em liberdade.
Caso, no entanto, venha a ser condenado pelo delito praticado enquanto estava
preso, poderá aproveitar esse tempo de privação da liberdade para atenuar o
rigor da sanção penal? O STJ já decidiu que a detração só se opera para crimes
cometidos antes da segregação cautelar, para que não se crie uma espécie de
crédito de pena (HC 178.894, julgado em 13/11/2012). A posição, contudo, não
é pacífica, até porque o art. 111 não estabelece expressamente a restrição.
Hoje, a detração já deve ser averiguada na própria sentença condenatória,
pois ela influirá na determinação do regime inicial de cumprimento da pena
(art. 387, § 2º, CPP, alterado pela Lei n. 12.736 de 2012).
*

ATIVIDADE
Paulo, primário, após cometer um crime de roubo com emprego de arma fogo, é condenado a
uma pena de seis anos de reclusão. Na sentença, o magistrado fixa como fechado o regime
inicial de cumprimento da pena. Para tanto, justifica sua opção dizendo que o roubo é um
crime grave e que a população não tolera mais a atividade de tais tipos de criminosos. Per-
gunta-se: (a) em que fase do sistema trifásico será valorado o emprego de arma? (b) Procede
a argumentação do magistrado para fixar um regime inicial mais severo do que aquele que
seria cabível pelo disposto no art. 33, § 2º, do CP?

96 • capítulo 4
5
Outras Regras
Referentes À Pena
A aplicação da pena vai além do sistema trifásico, que somente importa às pe-
nas privativas de liberdade. As penas restritivas de direitos e a pena de multa
também têm regras para sua correta aplicação. Além disso, outros institutos
interferem diretamente na execução da pena, como o sursis e o livramen-
to condicional.
Nesse capítulo aprenderemos a manejar corretamente estes institutos, con-
cluindo o estudo da sanção penal.

OBJETIVOS
•  Aprender a fixar as penas restritivas de direitos e de multa.
•  Conhecer os institutos que interferem na execução da pena privativa de liberdade, como o
sursis e o livramento condicional.
•  Compreender a inutilidade prática da reabilitação.
•  Observar a dinâmica das medidas de segurança, última espécie do gênero sanção penal
a ser estudada.

98 • capítulo 5
5.1  Aplicação das penas restritivas de
direitos

Uma vez determinada a pena de prisão através do sistema trifásico, devemos


verificar a possibilidade de sua substituição por penas restritivas de direitos. O
art. 44 do CP estabelece os requisitos para que esta substituição possa ocorrer.

5.1.1  Requisitos para a substituição

A primeira regra a ser observada se encontra no caput do art. 44, quando, após
anunciar a autonomia das penas restritivas de direitos, o legislador menciona
que elas substituem as penas privativas de liberdade. Apenas estas compor-
tam a substituição. A pena de multa, por exemplo, não pode ser cambiada por
penas restritivas. Alerte-se, contudo, que em casos esporádicos as penas res-
tritivas de direitos poderão ser cominadas diretamente ao tipo penal, ocasião
em que perderão o caráter substitutivo, como se dá no art. 28 da Lei n. 11.343,
de 2006.
Prossegue o art. 44 do CP, agora em seu inciso I, afirmando que as penas
restritivas de direitos substituem as sanções iguais ou inferiores a 4 anos con-
cretamente aplicadas (e não abstratamente cominadas), ou, qualquer que seja
o tamanho da pena, quando o crime for culposo. Isso significa que a substitui-
ção não ocorre nos crimes dolosos mais graves, em que a pena supera esse pa-
tamar. Devemos aqui considerar a pena resultante do sistema da exasperação,
no concurso de crimes? Sim. O acréscimo determinado pelo sistema deverá ser
respeitado. E no caso de cúmulo material, se uma das penas for superior a 4
anos e a outra, não? Nessa hipótese, não se aplicam as penas restritivas, segun-
do o disposto no art. 69, § 1º, do CP.
Ainda no inciso I, fica estabelecido que, nos crimes dolosos, só há a aplica-
ção das penas restritivas quando o delito é cometido sem violência (física) ou
grave ameaça. Assim, crimes como a extorsão (art. 158 do CP), que pressupõe
violência ou grave ameaça como meios executórios, não admitem a substitui-
ção. Mas aqui devemos expender uma consideração: e se a infração, embora
cometida mediante violência ou grave ameaça, é de menor potencial ofensivo,
como a lesão corporal leve (art. 129 do CP) e o constrangimento ilegal (art. 146
do CP)? Para estas também seria vedada a substituição? A resposta é negativa.

capítulo 5 • 99
Entendamos: para evitar o encarceramento de criminosos, sobretudo nos cri-
mes de menor gravidade, além das penas restritivas de direitos, temos as me-
didas alternativas à pena, entre as quais encontramos a transação penal, por
exemplo (art. 76 da Lei n. 9.099, de 1995). Essas medidas, em regra, são aplica-
das às chamadas infrações de menor potencial ofensivo, que são aquelas cuja
pena máxima não ultrapassa 2 anos – como na lesão corporal e no constran-
gimento ilegal –, ainda que praticadas mediante violência ou grave ameaça.
Na transação penal, tomada novamente como exemplo, o autor da infração,
para evitar a ação penal contra si, poderá, desde logo, aceitar uma proposta do
Ministério Público, se obrigando ao cumprimento de certas condições, que po-
derão ser análogas às penas restritivas de direitos. Ora, se o autor, sequer de-
nunciado, pode aceitar restrições a direitos para não se ver processado, por que
ao ser eventualmente condenado não poderia ser beneficiado por uma pena
restritiva? Por uma questão de proporcionalidade, portanto, nas infrações de
menor potencial ofensivo também é cabível a substituição.
O inciso II estabelece que as penas restritivas de direitos só são cabíveis
quando o condenado não é reincidente em crime doloso. Ou seja, pouco im-
porta a reincidência entre crimes apenas culposos ou entre um crime doloso e
outro culposo. Apenas aquela que ocorre entre delitos dolosos veda o benefício.
No entanto, essa regra não pode ser tida como absoluta, pois o próprio art. 44,
em seu § 3º, a flexibiliza (“§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá
aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida
seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em vir-
tude da prática do mesmo crime”). Em suma, a proibição somente é absoluta
em caso de reincidência específica em crime doloso. A regra, anote-se, não é ra-
zoável, pois se o sujeito ativo for reincidente quando da condenação por crime
de furto, já que cometera um homicídio em épocas passadas, poderá ser bene-
ficiado; se a reincidência se deu em virtude de dois furtos, não. Qual é a lógica?
O terceiro inciso estabelece uma prognose de suficiência da substituição
(“III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade
do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente”). Não se exige que esta prognose seja favorável
ao condenado, mas apenas que demonstre a eficiência da pena restritiva a ser
imposta. Importante frisar que, caso o magistrado negue a substituição com
fulcro neste dispositivo, deverá ele fundamentar a decisão com base no caso
concreto, sendo vedadas argumentações do tipo “nego a substituição porque o
crime é grave”.

100 • capítulo 5
5.1.2  Formas de substituição da pena

As formas de substituição da pena de prisão por pena restritiva de direitos de-


pendem da quantidade de pena a ser substituída: se a pena de prisão for igual
ou inferior a 1 ano, pode ela ser substituída por uma pena restritiva de direitos,
ou por pena de multa; se superior a 1 ano, por duas penas restritivas de direitos,
ou por uma pena restritiva e multa (art. 44, § 2º, CP).

5.1.3  Conversão das penas restritivas de direitos em privativas de


liberdade

O descumprimento injustificado das restrições impostas na sentença importa


conversão, pelo juízo da Vara de Execução Penal, da pena restritiva em prisão,
ou seja, a pena privativa de liberdade anteriormente substituída volta a valer
(art. 44, § 4º, CP). No entanto, aquele período de efetivo cumprimento da pena
deverá ser subtraído. Por exemplo: Pedro foi condenado a 8 meses de detenção,
pena esta que foi substituída por prestação de serviços à comunidade. Depois
de cumprir 2 meses de pena, o condenado passou a descumpri-la, não ofere-
cendo qualquer justificativa para sua conduta. Assim, a pena de detenção será
restabelecida, só que agora com um saldo de 6 meses a cumprir.
O § 4º estabelece, ainda, que deverá ser respeitado o saldo mínimo de 30
dias de prisão a cumprir. Voltando ao nosso exemplo: Pedro, do total de sua
pena, cumpriu 7 meses e 15 dias de prestação de serviços à comunidade, dei-
xando de cumprir os dias restantes. A conversão em pena privativa de liberda-
de ocorrerá, todavia, ao invés de ser estabelecida em 15 dias, será imposta no
patamar de 30 dias. Essa regra é inconstitucional, pois acarreta aumento da
sanção fixada pelo juízo da condenação, sem ação penal correspondente. Pena
cumprida é pena extinta, razão pela qual não poderão ser impostos dias extras
de apenação.
O § 5º determina que, sobrevindo à pena restritiva de direitos ainda não
integralmente cumprida, nova condenação a pena privativa de liberdade por
outro crime, o magistrado da Vara de Execução Penal decidirá pela conversão
da primeira pena em prisão, sendo-lhe facultado manter a restrição de direitos,
caso não haja conflito entre as sanções penais. Por exemplo, a prisão em regime
aberto não é incompatível com a prestação de serviços; a prestação pecuniária
pode ser cumprida mesmo em face de nova condenação a pena de prisão em
regime fechado etc.

capítulo 5 • 101
5.1.4  Penas restritivas de direitos e crimes hediondos

Embora seja raro, não há óbice para que crimes hediondos e equiparados te-
nham sua pena fixada em quatro anos ou menos. E nem sempre são eles pra-
ticados mediante violência ou grave ameaça (embora muitas vezes o sejam).
No estupro de vulnerável, v. g., nem sempre há violência física ou intimidação,
como no caso em que a vítima é convencida ao ato sexual. E, na forma tentada,
sua pena pode ficar dentro dos limites exigidos para a substituição. Por exem-
plo, se ao autor for determinada a pena mínima (8 anos) e esta for reduzida
pela metade em virtude da tentativa, a pena definitiva será de 4 anos. Em tese,
restam cumpridos os requisitos para a imposição de penas restritivas.
Todavia, o regime inicialmente fechado imposto aos crimes hediondos e
equiparados é, aparentemente, incompatível para com a disciplina das penas
restritivas de direitos: se o legislador opta pelo regime mais gravoso para esses
crimes, decerto eles não se coadunam com a substituição da pena de prisão,
por uma questão de proporcionalidade.
No caso da Lei de Drogas, ainda há, no art. 44, vedação expressa à substi-
tuição, para os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º; assim como para os
crimes dos arts. 34 a 37. O STF, todavia, já reputou essa regra inconstitucional1,
assim como definiu a inconstitucionalidade do trecho do art. 33, § 4º, que ti-
nha igual teor2.
*

5.2  Aplicação da pena de multa


A pena de multa pode ser substitutiva (consoante o disposto no art. 44, §
2º, CP), ou pode vir prevista no preceito secundário de cada delito, de forma
cumulativa ou alternativa à pena privativa de liberdade. Em qualquer caso, ela
é fixada de acordo com o sistema dos dias-multa.

1  HC n. 110114/MG, julg. em 25/09/2012.


2  HC n. 97256/RS, sendo que a expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” teve sua
execução suspensa pela Resolução n. 5, de 2012, do Senado Federal.

102 • capítulo 5
5.2.1  Sistema dos dias-multa

A aplicação da pena pelo sistema dos dias-multa está regulada pelo art. 49 do
CP e pressupõe as seguintes etapas: (a) determinação do número de dias-multa
aplicável à hipótese; (b) estipulação do valor de cada dia-multa; (c) multiplica-
ção entre o número de dias-multa e o respectivo valor de cada um deles.
Antes de iniciarmos o estudo, deve ser registrado que, hoje, a pena de multa
perdeu o atributo da conversibilidade: quando inadimplida, não mais pode
ser convertida em pena de prisão. Essa modificação, essencial para compreen-
dermos o sistema dos dias-multa, ocorreu através da Lei n. 9.268, de 1996,
como já vimos.
O primeiro passo, portanto, é determinar o número de dias-multa corres-
pondente ao crime praticado. Esse número variará entre 10 e 360 dias-multa
(art. 49, caput, do CP). Nada impede, todavia, que lei especial estabeleça regra
diferente. Nos crimes eleitorais, por exemplo, a pena de multa é fixada entre 10
e 300 dias-multa (art. 286 da Lei n. 4.737, de 1965); no tráfico de drogas, entre
500 e 1.500 dias-multa (art. 33 da Lei n. 11.343/06). Mas qual é o parâmetro para
a determinação do número de dias-multa? Como, até 1996, a pena de multa
podia ser convertida em pena de prisão, em caso de inadimplemento, estabele-
ceu-se uma paridade entre a privação de liberdade (ou seja, o sistema trifásico)
e a determinação dos dias multa: quanto maior a reprovabilidade da conduta,
mais elevada a sanção pecuniária. Caso a pena de multa fosse convertida em
prisão, o número de dias-multa determinaria o tamanho da pena a ser cum-
prida. Deve ser salientado, todavia, que o critério não é especificado no Código
Penal, o qual deixa a questão em aberto.
Em seguida, mensura-se o valor de cada dia-multa entre 1/30 e o quíntuplo
do maior salário-mínimo mensal vigente à época do fato (art. 49, § 1º, CP).
Aqui deve ser observada a capacidade econômica do condenado, isto é, em se
tratando de pessoa pobre, valor baixo; se abastada, valor alto. O art. 60 do CP,
aliás, incensa a situação econômica como um dos parâmetros de fixação da
pena. Ele deve ser lido em conjunto com o disposto no art. 50, que permite o
pagamento em parcelas, e seu § 2º, segundo o qual pagamento não pode inci-
dir sobre recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família.
Uma vez realizados os dois passos anteriores, a multiplicação dos números
permitirá se vislumbre a multa fixada em salários-mínimos. Esse valor poderá
ser triplicado se, embora em seu patamar máximo, a pena de multa se mostre
ineficaz, em virtude da saúde financeira do condenado (art. 60, § 1º, CP).

capítulo 5 • 103
5.2.2  Execução da pena de multa

Uma vez transitada em julgado a sentença condenatória, a pena de multa passa


a ser considerada dívida de valor. A ela, portanto, são aplicadas as regras con-
cernentes à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que tange às causas
suspensivas e interruptivas da prescrição (art. 51, CP).
Segundo entendimento sumulado pelo STJ (Enunciado n. 521), “a legitimi-
dade para execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sen-
tença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública”. Por esta
compreensão, a ação de execução do valor devido será promovida não junto à
Vara de Execução Penal, mas sim na Vara de Fazenda Pública. A VEP se limi-
ta a intimar o condenado para realizar o pagamento e, caso este não o faça, a
Procuradoria da Fazenda Pública passa a atuar (e não o Ministério Público).

5.3  Suspensão condicional da pena (sursis)


A suspensão condicional da pena, também chamada de sursis, consiste no
sobrestamento, por certo período, de pena privativa de liberdade fixada em
sentença condenatória, durante o qual o condenado ficará obrigado a cumprir
certas condições para alcançar a extinção da sanção penal. O objetivo da medi-
da é evitar a prisão. Assim, a medida não poderá ser aplicada a penas restritivas
de direitos ou à pena de multa.
O sursis é regulado pelos arts. 77 e seguintes do Código Penal e diferencia-
se do livramento condicional porque este pressupõe cumprimento de parte da
pena, requisito inexistente no livramento condicional. A medida, ainda, é distin-
ta da suspensão condicional do processo, que se encontra prevista no art. 89 da
Lei n. 9.099, de 1995. A suspensão do processo é um instituto despenalizador que
impõe o sobrestamento da própria ação penal. Ou seja, diferentemente do que
ocorre no sursis, não há sentença condenatória e, consequentemente, pena.

5.3.1  Requisitos para concessão

Cuida-se, a suspensão condicional da pena, de um direito subjetivo do conde-


nado. Isso significa que, se o condenado fizer jus a ele, o benefício não poderá
ser negado. Para sua concessão, alguns requisitos devem estar presentes, os

104 • capítulo 5
quais se encontram arrolados no art. 77 do CP. São eles: (a) pena privativa de
liberdade igual ou inferior a 2 anos; (b) não reincidência em crime doloso; (c)
análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social e da personali-
dade do agente, bem como dos motivos e circunstâncias do crime, de modo a
averiguar a viabilidade da concessão (valoração positiva); (d) impossibilidade
de substituição da pena de prisão por pena restritiva de direitos (caráter subsi-
diário do sursis).
Quanto ao requisito da reincidência, já observamos que há quem considere
o instituto inconstitucional. Além disso, somente a reincidência específica em
crimes dolosos é proibitiva do sursis. Se a condenação anterior for apenas a
pena de multa, ainda que haja reincidência em crimes dolosos, nada obsta o
benefício (art. 77, § 1º).

5.3.2  Espécies de sursis

Os requisitos enumerados são aplicáveis ao chamado sursis comum. No entan-


to, há outras espécies de suspensão condicional da pena, que admitirão peque-
nas alterações.
Nesse diapasão, encontramos o sursis etário, que exige tenha o condenado,
na data da sentença, idade superior a 70 anos (art. 77, § 2º, CP). Para sua con-
cessão, a pena, ao invés de igual ou inferior a 2 anos, será igual ou inferior a 4
anos.
É o que acontece também com o sursis humanitário, também previsto no
art. 77, § 2º. Todavia, aqui não se observa a idade do condenado, pois o benefí-
cio é justificado em virtude de razões de saúde.
A quarta espécie de sursis é o especial. Praticamente idêntico ao sursis co-
mum, exige, além dos requisitos formulados para este, reparação do dano –
salvo impossibilidade de fazê-lo – e circunstâncias judiciais inteiramente fa-
voráveis. A diferença entre sursis simples e especial é que neste as condições a
cumprir durante o período de prova serão menos severas.

5.3.3  Condições do sursis

Quais são as condições que o condenado deve cumprir durante o período de pro-
va do sursis? Sim, porque estamos falando de um instituto condicional, ou seja,
sua concessão, a par de conferir bônus, também impõe ônus ao condenado.

capítulo 5 • 105
O art. 78 do CP é vago ao tratar do tema. Diz apenas que o condenado “ficará
sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz”.
Em seguida, em seu § 1º, afirma que, no primeiro ano do período de prova, o
condenado deverá prestar serviços à comunidade ou sujeitar-se à limitação de
fim de semana. Em seguida, o art. 79 informa que outras condições poderão
ser especificadas na sentença condenatória, “desde que adequadas ao fato e à
situação pessoal do condenado”. Em caso de sursis especial, a prestação de ser-
viços à comunidade e a limitação de final de semana são substituídas, cumula-
tivamente, por proibição de frequentar determinados lugares, proibição de au-
sentar-se da comarca onde reside sem autorização do juiz, e comparecimento
mensal e obrigatório a juízo para informar e justificar suas atividades.
Período de prova é aquele espaço de tempo durante o qual deverão ser cum-
pridas as condições do sursis. No simples e no especial, vai de 2 a 4 anos; e no
etário e no humanitário, de 4 a 6 anos. Em regra, o período é fixado no mínimo,
devendo ser motivada, com base na culpabilidade do condenado, a sentença
que exasperá-lo.

5.3.4  Revogação do sursis

Uma vez estabelecido, nada impede que o sursis seja revogado. Essa revogação
poderá ser obrigatória ou facultativa.
Nos termos do art. 81 do CP, será obrigatória quando o beneficiário for con-
denado irrecorrivelmente por outro crime doloso (I); quando frustrar, embora
solvente, a execução da pena de multa, ou quando não efetuar, sem motivo jus-
to, a reparação do dano (II); ou quando descumprir a prestação de serviços à
comunidade ou a limitação de fim de semana (III). A cláusula que trata da pena
de multa é duvidosa, pois impõe à sanção pecuniária uma conversibilidade in-
direta em pena de prisão, característica nela vedada.
Já a revogação facultativa existe quando o condenado descumprir qualquer
outra condição ou for condenado por crime culposo ou contravenção penal a
pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (art. 81, § 1º). Importa assi-
nalar que, caso o juiz não opte pela revogação facultativa, ele poderá prorrogar
o período de prova até o máximo (art. 81, § 3º).
Caso o condenado seja processado, em ação penal diversa, por outro crime
ou contravenção (art. 81, § 2º), o período de prova poderá ser prorrogado até o
julgamento definitivo.

106 • capítulo 5
Seja a revogação obrigatória ou facultativa, ela deverá ser precedida de
procedimento judicial, garantido ao condenado o direito à ampla defesa.
Considerando que sursis não é pena, uma vez revogado o benefício e restabe-
lecida a pena privativa de liberdade, o tempo decorrido durante o período de
prova não será descontado da sanção penal a cumprir.
Caso cumpridas regularmente as condições estabelecidas até o fim do pe-
ríodo de prova, sem que haja revogação do sursis, considera-se extinta a pena.

5.3.5  Sursis e Lei de Drogas (Lei n. 11.343, de 2006)

O art. 44 da Lei n. 11.343, de 2006, estabelece a vedação do sursis aos crimes


previstos nos arts. 33, caput e § 1º; e 34 a 37, todos do mesmo diploma. Há ques-
tionamento sobre a constitucionalidade da norma, pois restrições ao direito à
liberdade são reservadas ao texto constitucional e a CF não se pronuncia sobre
o tema. Instado a se manifestar sobre o tema, o STJ confirmou a vedação ao
sursis3. No mesmo sentido vem se pronunciando o STF4.

5.4  Livramento condicional


O livramento condicional consiste na colocação do condenado em liberdade
após cumprimento de parcela da pena privativa de liberdade. Não se trata de
extinção da pena, mas sim de um período em que é testada a reintegração do
condenado à sociedade e durante o qual fica ele obrigado ao cumprimento de
certas condições. Trata-se, portanto, de um incidente na execução da pena, não
sendo absurdo se falar em uma etapa da progressão de regimes.

5.4.1  Requisitos do livramento

São requisitos do livramento condicional, de acordo com o art. 83 do Código


Penal:

a) Pena privativa de liberdade, fixada em sentença transitada em julga-


do, igual ou superior a 2 anos. Se a pena for igual ou inferior a 2 anos, o instituto

3  RESP 1264745/RJ, julg. em 25/03/2014.


4  HC 101919, julg. em 06/09/2011.

capítulo 5 • 107
cabível é o sursis. E a pena fixada em exatos 2 anos? Admite os dois institutos,
devendo-se privilegiar o sursis, aplicando-se o livramento condicional apenas
subsidiariamente. Penas relativas a vários crimes podem ser unificadas para a
finalidade do livramento condicional (art. 84 do CP).

b) Cumprimento de parcela da pena. Em regra, o livramento condicio-


nal exige o cumprimento de 1/3 da pena, se o condenado não for reincidente
em crime doloso e tiver bons antecedentes (inciso I do Art. 83); ou 1/2 da pena,
caso seja reincidente em crime doloso (inciso II), em que pesem as contesta-
ções sobre a constitucionalidade dos institutos da reincidência e dos maus an-
tecedentes. E se o condenado não for reincidente em crime doloso, mas pos-
suir maus antecedentes? Essa hipótese não foi contemplada em nenhum dos
incisos. Assim, surgem duas orientações: b.1. o condenado deve cumprir 1/3
da pena, pois, na ausência de previsão legal, não pode o indivíduo ser preju-
dicado, impondo-se uma interpretação da norma que mais o favoreça; b. 2. o
condenado deverá cumprir o meio termo entre 1/3 e a 1/2 da pena. Em caso
de crime hediondo ou equiparado, o condenado deverá cumprir 2/3 da pena,
salvo se for reincidente específico em crimes desta natureza, hipótese em que
o livramento será vedado (inciso V). Deve ser ressaltado que a Súmula n. 715 do
STF (“A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento,
determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão
de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável
de execução”) estabelece que o cálculo para o benefício terá por base o total da
pena imposta, pouco importando o limite máximo de 30 anos de cumprimento
da sanção penal.

OBS.: Em caso de falta grave (art. 50 da LEP), o condenado pode regredir


de regime prisional, o que determina o reinício da contagem do prazo para
nova progressão de regime. Se ele já estiver em regime fechado, embora não
possa regredir para um regime mais severo, ainda assim a falta grave deter-
minará o reinício da contagem do prazo, além da perda de parte dos dias de
pena remidos pelo trabalho ou estudo. Isso não acontece em relação ao prazo
para o livramento condicional. É o que diz o entendimento sumulado do STJ
no Enunciado n. 441: “A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de
livramento condicional”.

108 • capítulo 5
c) Comprovação de comportamento satisfatório durante a execução da
pena, de bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e de aptidão para
prover à própria subsistência mediante trabalho honesto (inciso III). A prova
se dá através de atestado fornecido pelo estabelecimento prisional.

d) Reparação do dano causado pela infração penal, salvo efetiva im-


possibilidade de fazê-lo (inciso IV). Trata-se de requisito comum a vários ins-
titutos, razão pela qual não serão tecidos maiores comentários, para evitar
a redundância.

5.4.2  Condições do livramento

Durante o período de livramento condicional, o condenado deverá cumprir al-


gumas condições estabelecidas na decisão que concedeu o direito. O art. 85 do
Código Penal, excessivamente genérico, afirma apenas que a sentença determi-
nará as condições a que ficará sujeito o condenado, sem especificar nenhuma
delas. Entretanto, o dispositivo não pode ser lido dissociado da Lei de Execução
Penal, que, em seus arts. 131 e seguintes, trata do procedimento relativo ao li-
vramento condicional. No art. 132, encontramos a especificação de condições
obrigatórias e facultativas, cabíveis em caso de livramento condicional. As obri-
gatórias estão no § 1º,5 e as facultativas, no § 2º.6 O § 2º, frise-se, não é exaus-
tivo, sendo possível que o magistrado fixe outras condições nele não previstas.
As condições deverão ser cumpridas durante um período de prova, que, ao
contrário do sursis, não é estabelecido em lei, mas equivalente ao resíduo de
pena a ser cumprido por ocasião do livramento. Assim, se o condenado cumpre
pena de 6 anos e alcançou o livramento após 2 anos de privação da liberdade,
cumprirá as condições estabelecidas na sentença pelos 4 anos restantes.

5.4.3  Revogação do livramento condicional

A revogação do livramento condicional se divide em obrigatória e facultativa.


Tem-se a revogação obrigatória quando o liberado vem a ser novamente con-
denado, em sentença irrecorrível, a pena privativa de liberdade: (a) por crime

5  Obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho; comunicar periodicamente ao Juiz
sua ocupação; não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização deste.
6  Não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de
proteção; recolher-se à habitação em hora fixada; não frequentar determinados lugares.

capítulo 5 • 109
cometido durante a vigência do benefício (art. 86, I, CP); ou (b) por crime co-
metido anteriormente ao benefício (art. 86, II, CP). Essas hipóteses produzirão
diferentes efeitos na privação de liberdade restabelecida, pois, no caso do inci-
so I, o tempo em que o liberado gozou do benefício é desconsiderado, voltando
ele a cumprir o resíduo de pena existente antes da concessão do livramento, ao
passo em que, no caso do inciso II, esse tempo será descontado (art. 88 do CP).
A revogação é facultativa quando o liberado deixa de cumprir qualquer das
obrigações constantes da sentença, ou é irrecorrivelmente condenado, por cri-
me ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade (art. 87 do CP).
Antes de o magistrado decidir pela revogação ou manutenção do livramento, ao
liberado deverá ser oferecida a possibilidade de defesa.
O período de prova poderá ser prorrogado enquanto não transitar em jul-
gado a sentença em processo a que o liberado responde por crime praticado
durante o livramento (art. 89, CP).
Caso ultrapassado o período de prova sem que haja revogação do livramen-
to, considerar-se-á extinta a pena (art. 90, CP).

5.5  Efeitos da condenação


O principal efeito da sentença penal condenatória transitada em julgado é a im-
posição da pena. Trata-se de um efeito de natureza penal. Outros efeitos, embo-
ra secundários, terão a mesma natureza, como a possibilidade de reincidência
e a inscrição do nome do condenado no rol dos culpados.
A sentença condenatória, contudo, também produz efeitos de caráter ex-
trapenal. Por exemplo, de natureza civil ou administrativa. Esses efeitos estão
arrolados nos arts. 91 e 92 do CP e se dividem em genéricos e específicos.

5.5.1  Efeitos extrapenais genéricos

O art. 91 do CP traz os efeitos genéricos da condenação. São assim chamados


porque se produzem qualquer que seja o crime praticado, prescindindo, ain-
da, de expressa manifestação na sentença condenatória. Ou seja, ainda que o
magistrado não se refira a eles, eles se produzirão.

110 • capítulo 5
São efeitos genéricos da condenação:

a) Tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (in-


ciso I). Em regra, a prática de um crime provoca danos indenizáveis, sejam ma-
teriais ou morais, o que somente não ocorrerá quando inexistir uma vítima in-
dividualizada (por exemplo, embriaguez ao volante, prevista no art. 306 do CP).
E o ressarcimento por esses danos deve ser buscado na esfera cível. A sentença
penal condenatória, no entanto, por evidenciar a existência dos danos e sua au-
toria, em que pese a independência entre as esferas cível e penal, serve como
título executivo judicial. Resumidamente, não se discutirá mais se o criminoso
deve indenizar os danos, mas sim o quanto é devido.

b) a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de ter-


ceiro de boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas
cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito (inciso
II, a). Instrumentos do crime são as coisas usadas para a execução do delito,
como armas, veículos, documentos falsificados etc. Somente serão perdidos
em favor da União quando houver ilicitude em sua fabricação, alienação, uso,
porte ou detenção. Por exemplo, a arma de fogo ilegal usada em um roubo,
ou a gazua que o autor do furto usa para abrir uma fechadura. Se a coisa não
for ilícita, como o carro usado em homicídio praticado mediante consciente
atropelamento, não há a perda. Não se pode confundir, ainda, instrumento de
um crime com seu objeto material. A arma de fogo, em um roubo ou em um
homicídio, é instrumento, mas no crime de porte de arma de fogo é seu obje-
to material.

c) a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de ter-


ceiro de boa-fé, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que cons-
titua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (inciso II,
b). Produto do crime é tudo aquilo que se arrecada diretamente com a prática
criminosa (joia furtada, por exemplo), ou com sua especificação (derretimento
da joia para a criação de outra), bem como as coisas conseguidas mediante alie-
nação do bem (dinheiro obtido com a venda da joia) e aquelas criadas no crime
(DVD falsificado, por exemplo). Proveito do crime é aquilo que se arrecada in-
diretamente através da prática criminosa, como a remuneração ao agente, no
caso do homicídio mercenário.

capítulo 5 • 111
OBS.: O § 1º, inserido no Código Penal pela Lei n. 12.694, de 2012, estabe-
leceu que poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao pro-
duto ou proveito do crime, quando estes não forem encontrados ou estiverem
no exterior.

5.5.2  Efeitos extrapenais específicos

Os efeitos extrapenais específicos, previstos no art. 92 do CP, não se aplicam


a todos os crimes, mas apenas a certos delitos. Outrossim, exigem motivação
expressa na sentença condenatória, ou não se produzirão. São eles:

a) Perda do cargo, função pública ou mandato eletivo (inciso I). Esse efei-
to só existirá quando aplicada pena privativa de liberdade igual ou superior a 1
ano, quando o crime for praticado com abuso ou violação de dever para com a
administração pública; ou, em qualquer outro caso, quando a pena privativa de
liberdade for superior a 4 anos. O termo cargo público já foi conceituado an-
teriormente, quando da análise das agravantes, razão pela qual não o faremos
novamente, para evitar redundâncias. Função pública é a atividade de interes-
se da administração, mas não necessariamente cumprida por servidor público,
como no caso dos mesários, em uma eleição. Mandato eletivo, por sua vez, é
aquele exercido por tempo determinado, após voto popular. Para a imposição
desses efeitos não é necessário que seja praticado um crime funcional (arts.
312 a 326 do CP), bastando que haja liame entre o delito e a atividade desempe-
nhada. Não ocorrerão esses efeitos quando a pena aplicada não for privativa de
liberdade ou quando, embora privativa, seja ela inferior a um ano.

b) Incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos


crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutela-
do ou curatelado (inciso II). A expressão “pátrio poder” contida na norma caiu
em desuso, sendo substituída por “poder familiar”. A norma tem o escopo de
proteger com maior intensidade filhos, tutelados e curatelados. O efeito não se
aplica se o crime for culposo (lesão no trânsito – art. 303 do CTB –, por exemplo)
ou punido com detenção (por exemplo, ameaça – art. 147 do CP).

c) Inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para


a prática de crime doloso (inciso III). Não se confunde com a medida de

112 • capítulo 5
suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir
veículo automotor, prevista no art. 292 da Lei n. 9.503, de 1997 (CTB). O efeito
específico do art. 92 só se aplica aos delitos dolosos, ainda que não sejam cri-
mes de trânsito (por exemplo, homicídio doloso praticado na direção de veícu-
lo, que encontra subsunção no art. 121 do CP).

5.6  Reabilitação
A reabilitação, instituto previsto nos arts. 93 a 95 do CP, hoje tem escassa rele-
vância prática. O objetivo da reabilitação é desconstituir alguns dos efeitos da
sentença condenatória, após o cumprimento ou a extinção da pena. Mas não se
presta aos fins colimados.
O art. 93 do CP fala que a reabilitação alcança quaisquer das penas aplica-
das em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros
sobre seu processo e condenação. O sigilo, no entanto, já é assegurado, e de
modo muito mais eficaz, pelo art. 202 da Lei n. 7.210, de 1984, a partir da extin-
ção ou do cumprimento da pena. A reabilitação somente poderia ser requerida
depois de dois anos, a contar desta data (art. 94).
Igualmente, os efeitos previstos nos incisos I e II do art. 92 não são alcan-
çados pela reabilitação, pois o condenado não recuperará o cargo, função ou
mandato anteriormente ocupados (nada impedindo que preste novo concurso
público, por exemplo), tampouco voltarão a valer o poder familiar, a tutela ou a
curatela, irrecuperáveis. Assim, a reabilitação apenas tem eficácia na inabilita-
ção, o que é muito pouco para justificar sua existência.

5.7  Medidas de segurança


As medidas de segurança são espécie do gênero sanção penal, em regra aplicá-
veis aos inimputáveis por doença mental, desenvolvimento mental incompleto
ou retardado (art. 26 do CP). Essas pessoas não cometem conduta culpável e,
consequentemente, por não sofrerem um juízo de reprovabilidade, não podem
receber uma pena como contrapartida. Em suma, são isentas de pena. No en-
tanto, como praticam fato típico e antijurídico, demonstram certo grau de pe-
riculosidade, o que determinará a aplicação de uma medida de segurança, com
escopo curativo.

capítulo 5 • 113
Importa salientar que a sentença que aplica a medida de segurança aos
inimputáveis é absolutória (justamente por faltar a culpabilidade). Cuida-se,
todavia, de absolvição imprópria, pois há a imposição de uma sanção penal.
O Brasil, depois da reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984, pas-
sou a adotar o sistema vicariante, em matéria de medidas de segurança. Isso
significa que, caso uma medida de segurança seja implementada, não há a
possibilidade de execução de pena, ao contrário do que ocorria anteriormente,
quando era adotado o sistema do duplo binário.

5.7.1  Medidas de segurança e sua função

Ao contrário do que ocorre com a pena, as medidas de segurança têm unica-


mente a função de prevenção especial, pois visam a curar, ou ao menos inocui-
zar, o sentenciado. São totalmente incompatíveis com ela as funções preventiva
geral e retributiva.

5.7.2  Espécies

Previstas no art. 96 do CP, as medidas de segurança consistem em internação


em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou estabelecimento asse-
melhado, impondo-se privação da liberdade de locomoção; ou tratamento am-
bulatorial, permitindo seu manejo sem restrição intensa.
O Código Penal determina que o tratamento ambulatorial seja subsidiário,
ou seja, que se dê um tratamento preferencial à internação. Assim, o tratamen-
to ambulatorial somente será possível se o fato praticado for punível com pena
de detenção. O art. 97 do CP determina a internação caso haja pena de reclu-
são abstratamente cominada. Contudo, como as medidas de segurança tem
caráter curativo, e como os avanços da medicina já demonstraram ser o trata-
mento ambulatorial mais eficaz, o art. 97 deve ser superado, privilegiando-se
o tratamento.

5.7.3  Semi-imputáveis e superveniência de doença mental

Os semi-imputáveis (pessoas que têm capacidade de entendimento e autode-


terminação, embora não de forma plena – art. 26, p. único, do CP) são culpáveis
e, consequentemente, cometem crime. Assim, podem ser condenados e supor-

114 • capítulo 5
tar uma pena, que será reduzida em virtude de sua peculiar condição. Contudo,
se o magistrado considerar razoável, essa pena poderá ser substituída por uma
medida de segurança (art. 98, CP).
A situação é a mesma em caso de superveniência de doença mental, ou seja,
quando o autor era, à época do crime, perfeitamente imputável, mas depois
passa a padecer de enfermidade que lhe retira a capacidade de entendimento
ou de autodeterminação.

5.7.4  Prazo

As medidas de segurança têm duração mínima de 1 a 3 anos, a ser fixada pelo


magistrado em sua decisão (art. 97, § 1º, in fine, CP). Esse é o prazo da primeira
perícia médica, destinada a constatar a cessação da periculosidade do agente.
A partir daí, a perícia se torna anual, podendo ser realizada em tempo menor,
se assim determinar o magistrado (art. 97, § 2º, CP).
O problema maior surge quanto ao prazo máximo de duração da medida de
segurança imposta. O art. 97, § 1º, fala que a medida durará por tempo indeter-
minado, ou seja, perdurará enquanto não cessada a periculosidade do agente.
Todavia, esse dispositivo viola a proibição constitucional de sanções de caráter
perpétuo. Assim, há se estabelecer um limite para cumprimento das medidas
de segurança.
Prevalece a opinião segundo a qual as medidas de segurança terão duração
máxima idêntica à pena máxima cominada abstratamente ao delito. Isso no
caso de inimputáveis. Em se tratando de semi-imputáveis, o prazo máximo
será equivalente à pena substituída.

5.7.5  Desinternação ou liberação condicional

Constatada a cessação da periculosidade do agente por perícia médica, será


ele desinternado ou liberado. Durante o prazo de um ano, verificar-se-á se, de
fato, ele deixou de ser perigoso. Caso pratique qualquer ato indicativo de pe-
riculosidade, a medida de segurança é restabelecida. Ao cabo do prazo, caso
não haja qualquer comportamento indicativa do retorno dessa periculosidade,
a medida de segurança é extinta.

capítulo 5 • 115
ATIVIDADE
Adriano, condenado por estelionato, tem sua pena fixada em 1 ano e meio de reclusão, em
regime inicial aberto. Na sentença, o magistrado suspende a pena, aplicando sursis simples.
Questiona-se: (a) está correta a decisão? (b) Qual é a principal diferença entre o sursis e o
livramento condicional?

116 • capítulo 5
6
Ação Penal
Tema da maior relevância, a ação penal encerra considerações sobre direito
material e processual penal. Todavia, esse conteúdo híbrido impõe não seja o
tema esgotado em Penal II, reservando-se suas minúcias ao estudo do direito
processual. Por conseguinte, aqui abordaremos apenas aqueles pontos onde
haja relevância penal, tais como as espécies de ação, uma vez que a definição do
tipo de ação concernente a cada delito é expressa na legislação penal; os prin-
cípios, que produzem efeitos na seara da extinção da punibilidade; e as condi-
ções da ação.

OBJETIVOS
•  Descobrir o conceito de ação penal.
•  Compreender que o tema é híbrido, ou seja, pertence tanto à seara do processo penal,
quanto ao direito penal.
•  Conhecer os diversos tipos de ação penal.
•  Especificar os princípios atinentes a cada espécie de ação, pois serão relevantes no estudo
da punibilidade.
•  Aprender quais são as condições da ação.
•  Estabelecer peculiaridades sobre o tema determinadas por leis especiais e alterações le-
gislativas recentes.

118 • capítulo 6
6.1  Conceito
Leciona Nucci1 que “o monopólio de distribuição de justiça e o direito de pu-
nir cabem, como regra, ao Estado, vedada a autodefesa e a autocomposição”.
Evidentemente que não se trata de uma verdade absoluta, pois há, em nossa
legislação, hipóteses de autodefesa (legítima defesa, por exemplo) e de auto-
composição (medidas da Lei n. 9.099, de 1995) admitidas. O poder-dever de pu-
nir (jus puniendi), no entanto, é indelegável. E não pode ser satisfeito sem um
pronunciamento judicial, dada a garantia do devido processo legal. Portanto,
o Estado tem uma pretensão punitiva, a ser deduzida em juízo, através de uma
ação penal. A ação penal, portanto, é o direito que o Estado – ou, eventualmen-
te, o ofendido – tem de ir a juízo para obtenção um provimento jurisdicional.

6.2  Espécies
Como vimos, embora o poder-dever de punir pertença ao Estado, a legitimação
para a propositura da ação penal, eventualmente, pode ser conferida ao ofen-
dido ou ao seu representante legal. A depender da legitimação para sua pro-
positura, a ação se divide em pública e privada. Na ação pública, o legitimado
para a propositura é o Ministério Público, que o fará através do oferecimento
de uma peça processual denominada denúncia. Na privada, a legitimação per-
tence ao ofendido, ou ao seu representante legal, que a promoverá através da
queixa-crime.
A ação pública, ao seu turno, se divide em incondicionada e condicionada.
Ela é incondicionada quando, existindo indícios de autoria e prova da mate-
rialidade, o Ministério Público pode desde logo agir, oferecendo a denúncia. É
condicionada, obviamente, quando a atuação do Ministério Público fica jungi-
da ao implemento de uma condição, que pode ser a representação do ofendido
ou de seu representante legal, ou a requisição do Ministro da Justiça. Essa clas-
sificação é encontrada no art. 24 do Código de Processo Penal.
Representação do ofendido e requisição do Ministro da Justiça são condi-
ções de procedibilidade para o oferecimento da ação penal. Não há formali-
dades na representação, bastando que o ofendido – ou seu representante legal

1  NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011. p. 186.

capítulo 6 • 119
– reduza a termo seu desejo de representar contra o autor, ou, de outra forma,
deixe esse propósito evidente.
A regra é que os crimes sejam processados mediante ação pública incon-
dicionada. É o que encontramos no art. 100 do CP. Para que haja ação condicio-
nada, impõe-se expressa previsão legal (arts. 24 do CPP e 100, § 1º, do CP). Por
exemplo, art. 147, p. único, do CP (crime de ameaça).
Na ação privada é o próprio ofendido quem promove a ação penal, ou, caso
este seja incapaz, falecido ou declarado ausente (art. 100, § 4º), por quem tenha
qualidade para representá-lo (art. 100, § 2º).
Em casos excepcionalíssimos, apenas o ofendido poderá promover a ação
privada, sem que o mesmo direito seja conferido ao seu representante legal.
Nessa hipótese, há a chamada ação penal personalíssima, cujo único exemplo
encontrado no Código Penal está no art. 236, p. único.
Além da ação privada propriamente dita, existe ainda a ação privada subsi-
diária, encontrada no art. 100, § 3º, do CP. Em verdade, aqui temos uma ação
pública em essência, formalmente travestida de ação privada. Explica-se:
Em um crime de ação pública, quando o Ministério Público tem em suas
mãos as peças de uma investigação, há algumas alternativas que podem ser
adotadas: caso a investigação esteja incompleta, ela pode retornar à origem,
para que novas providências investigativas sejam adotadas; esgotadas as dili-
gências sem arrecadação de indícios de autoria ou prova da materialidade do
crime, o MP pode pedir em juízo o arquivamento dos autos; ou então, existindo
prova da materialidade e indícios de autoria, o MP deve oferecer denúncia. E
se o Ministério Público nada faz durante o prazo para sua manifestação? Ou
seja, e se o órgão se mantém inerte? Nesse caso, esgotado o prazo para o MP
se manifestar, existindo prova da materialidade e indícios de autoria, pode o
ofendido, ou quem tenha a qualidade para representá-lo, oferecer queixa. Se
esta for recebida pelo magistrado, origina-se a ação privada subsidiária. Deve
ser ressaltado, contudo, que essa ação só é privada no nome, pois mantém as
características de uma ação pública, como veremos adiante.

120 • capítulo 6
Esquematizando aquilo que foi estudado:

PÚBLICA INCONDICIONADA PÚBLICA CONDICIONADA


Legitimado: Ministério Público Legitimado: Ministério Público
Propositura: através de denúncia Propositura: através de denúncia
Condicionamento: não há Condicionamento: representação
ou requisição

Ação Penal
PRIVADA
PRIVADA SUBSIDIÁRIA
Legitimado: ofendido ou Legitimado: ofendido ou
seu representante seu representante
Propositura: através de Propositura: através de
queixa-crime queixa-crime
Subespécie: personalíssima Em essência: é uma ação pública

6.3  Princípios
Para um correto estudo dos princípios atinentes à ação penal, devemos obser-
var a dicotomia ação pública/privada, pois, dependendo da espécie, as conside-
rações tecidas são diferentes. Em outras palavras, há princípios que se referem
apenas à ação pública, outros, unicamente à ação privada, e ainda há aqueles
que encampam ambas as espécies. Vamos a eles.

6.3.1  Princípio do ne procedat judex ex ofício ou da iniciativa das


partes

Como decorrência do sistema acusatório, que, para garantir um julgamento


justo, determina sejam separados os órgãos de acusação e julgador, o magis-
trado não pode iniciar um processo criminal de ofício, tarefa que incumbe, via
de regra, ao MP e, excepcionalmente, ao ofendido ou seu representante legal. O
juiz só pode atuar depois de provocado pelas partes. Esse princípio é atinente a
todas as espécies de ação penal, públicas ou privadas.

capítulo 6 • 121
6.3.2  Princípio do ne bis in idem

Não é possível que alguém venha a ser processado duas ou mais vezes pelo mes-
mo crime. Em outras palavras, não é possível que seja imputado o mesmo fato
criminoso à mesma pessoa em dois ou mais processos. Assim, se, em uma de-
terminada ação, o réu for absolvido por sentença transitada em julgado, nova
ação penal não poderá ser oferecida, ainda que surjam novas provas. O princí-
pio em comento é aplicável tanto à ação pública, como à privada.

6.3.3  Princípio da obrigatoriedade ou compulsoriedade

Aplicável à ação penal pública, seja ela incondicionada ou condicionada. Pela


obrigatoriedade, a Polícia Judiciária não pode deixar de investigar crimes que
pressuponham ação desta natureza, assim como o Ministério Público não pode
deixar de oferecer denúncia em virtude dos mesmos crimes, caso haja prova de
fato que, em tese, constitua crime, e indícios de autoria (art. 24 do CPP). Em
suma, não há discricionariedade quanto à investigação ou quanto à conveniên-
cia da denúncia.
Isso significa que Polícia Judiciária e Ministério Público devem agir mes-
mo na ausência de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da
Justiça, nos crimes de ação condicionada? Não. Imprescindível a condição de
procedibilidade. Todavia, uma vez satisfeita esta condição, ficam os órgãos pú-
blicos obrigados a agir.
Há exceções ao princípio em apreço: transação penal, termo de ajustamen-
to de conduta (TAC), acordo de leniência e colaboração premiada. A transação
penal, prevista do art. 76 da Lei n. 9.099, de 1995, aplicável às infrações de me-
nor potencial ofensivo, autoriza o MP a propor medidas alternativas (análogas
às penas restritivas) e multa ao suspeito, contra o qual recaiam indícios de au-
toria, dispensando a denúncia (embora esta possa ser oferecida em caso de
descumprimento da transação), no que a doutrina chama de obrigatoriedade
mitigada. Já o termo de ajustamento de conduta é a celebração de um com-
promisso em que o infrator ajusta seu proceder às exigências legais, mediante
cominações. Esse termo tem caráter de título executivo extrajudicial e é encon-
trado nos arts. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347, de 1985, e 79-A da Lei n. 9.605, de 19982.

2  Entendendo que o TAC não obsta o prosseguimento da ação penal, STJ (HC n. 187.043/RS, julg. em
22/03/2011).

122 • capítulo 6
O acordo de leniência, previsto nos arts. 86 e 87 da Lei n. 12.529, de 2011, é ce-
lebrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e consiste
em uma espécie de delação premiada, sendo aplicável aos crimes previstos nas
leis 8.137, de 1990, e 8.666, de 1993, bem como ao crime do art. 288 do CP. No
caso da colaboração premiada, aquela que afeta o princípio da obrigatoriedade
é a prevista no art. 4º, § 4º, da Lei n. 12.850, de 2013 (Organizações Criminosas).

6.3.4  Princípio da conveniência ou oportunidade

Temos aqui a contraparte do princípio da obrigatoriedade. O princípio da con-


veniência ou oportunidade existe na ação penal de iniciativa privada, não na pú-
blica. A queixa-crime não é de oferecimento obrigatório, mesmo que eventual
investigação tenha carreado aos autos prova da materialidade criminosa e indí-
cios de autoria. Ao ofendido ou ao seu representante legal se confere discricio-
nariedade. Ou seja, o oferecimento da exordial implica juízo de conveniência.
A representação do ofendido e a requisição do Ministro da Justiça, na ação
pública condicionada, também são regidas pela conveniência ou oportunida-
de. Contudo, uma vez implementada a condição de procedibilidade, passa a
valer o princípio da obrigatoriedade.

6.3.5  Princípio da indisponibilidade

Decorrência óbvia do princípio da obrigatoriedade, o princípio da indisponi-


bilidade, aplicável exclusivamente à ação pública, diz que, uma vez iniciada a
ação penal, o Ministério Público dela não pode dispor, abandonando-a ou dela
desistindo (art. 42, CPP). Ainda que se convença da inocência do réu ou da ine-
xistência do crime, deverá o órgão ministerial prosseguir na ação até o fim, opi-
nando, se for o caso, pela absolvição em alegações finais. O princípio também é
aplicado a recursos eventualmente interpostos pelo MP (art. 576, CPP), embora
não seja ele obrigado a recorrer (art. 574, CPP).
O princípio é excepcionado pelo instituto da suspensão condicional do pro-
cesso, previsto no art. 89 da Lei n. 9.099, de 1995, e aplicável aos crimes com
pena mínima de até 1 ano. Na suspensão condicional, após instaurada a ação
penal, o MP propõe ao réu seu sobrestamento, pelo prazo de 2 a 4 anos, exigin-
do o cumprimento de certas condições como contrapartida.

capítulo 6 • 123
Mesmo na ação privada subsidiária reconhecemos a incidência do princí-
pio da indisponibilidade. Isso porque a ação, como dito, é em essência pública.
Assim, se o ofendido abandona a ação subsidiária, fica o MP obrigado a assumi
-la, dela não podendo desistir.

6.3.6  Princípio da disponibilidade

Da mesma forma que o princípio da indisponibilidade é uma decorrência da


obrigatoriedade, a disponibilidade é uma extensão da conveniência ou oportu-
nidade. Por conseguinte, só incidente sobre a ação privada. Se o ofendido – ou
representante – pode decidir pela conveniência no oferecimento da queixa-cri-
me, igualmente pode desistir da ação já instaurada, ou abandoná-la a qual-
quer tempo.

6.3.7  Princípio da indivisibilidade

Existindo coparticipação em um evento delitivo (coautoria ou participação em


sentido estrito), o processo penal promovido contra um deles obriga ao proces-
so contra todos. Não se pode selecionar quem será processado e quem ver--se-á
livre da imputação.
Não há dúvidas quanto à incidência deste princípio na ação privada: uma
vez decidindo pela conveniência da queixa-crime, o ofendido – ou seu re-
presentante – deverá oferecê-la contra todos os participantes identificados.
Evidentemente que, caso não haja a identificação de todos os envolvidos, ou
exista sobre um deles mera suspeita, não respaldada por indícios de autoria, o
ofendido não ficará tolhido em seu direito de queixa, podendo exercê-lo apenas
em face daquele contra o qual exista justa causa para a ação. Se futuramente
forem descobertos indícios de autoria contra os demais, o ofendido deverá ser
intimado para aditar a queixa-crime.
Quanto à presença do princípio da indivisibilidade na ação pública, a maté-
ria é controversa. Parte da doutrina entende que a indivisibilidade é corolário
da obrigatoriedade. Se o Ministério Público é obrigado a oferecer denúncia em
face de prova do crime e indícios de materialidade, deve fazê-lo em relação a
todos contra quem existam indícios. Outra corrente, no entanto, defende que
o MP pode denunciar apenas alguns envolvidos e determinar ao delegado de
polícia o prosseguimento das investigações em face de outros, a fim de robus-
tecer os indícios.

124 • capítulo 6
PRINCÍPIOS RELATIVOS ÀS AÇÕES PRINCÍPIOS RELATIVOS À AÇÃO PRINCÍPIOS RELATIVOS À AÇÃO
EM GERAL PÚBLICA PRIVADA

•  Ne procedat judex ex officio •  Obrigatoriedade •  Conveniência ou oportuni


•  Ne bis in idem •  Indisponibilidade dade
•  Indivisibilidade (discutível) •  Disponibilidade
•  Indivisibilidade

6.4  Condições da ação


Dizemos condições gerais da ação aquelas ligadas ao regular exercício do direi-
to de agir e que devem estar presentes em todos os tipos de ação penal, sem que
se confundam com o direito material a ser discutido.
Além das condições gerais, cujo estudo iniciaremos adiante, alguns tipos
de ação penal pressupõem condições específicas. Estas somente são exigidas
por lei em determinados casos: por exemplo, na ação penal pública condicio-
nada, que requer representação do ofendido (condição de procedibilidade),
entre outras.

6.4.1  Interesse de agir

Interesse de agir, primeira das condições genéricas da ação, é necessidade, ade-


quação e utilidade para a ação penal. Como só é possível a imposição de uma
pena através do devido processo legal, a necessidade sempre se fará presente.
Quanto à adequação, a obediência às normas processuais a indica. No que con-
cerne à utilidade, para o reconhecimento do interesse de agir é necessário que
existam indícios de autoria e materialidade para ensejar a propositura da ação
penal, e que não esteja extinta a punibilidade do fato pela prescrição ou outra
causa. Ou seja, só há interesse de agir, no processo penal, quando existe o fu-
mus boni iuris, a convencer o juiz de que há elementos para acusação, e quando
há punibilidade, pois somente assim é possível a aplicação da sanção penal.

6.4.2  Possibilidade jurídica do pedido

Segunda das condições gerais da ação. Para que haja possibilidade jurídica do
pedido, é necessário que o direito material reclamado no pedido de presta-

capítulo 6 • 125
ção jurisdicional penal seja admissível, em tese (possibilidade teórica de obter
uma condenação). Por exemplo, se o fato narrado na denúncia evidentemente
não constitui crime, não se pode pedir que se imponha uma pena para tal. Para
a ação ser regularmente exercida, o fato descrito na denúncia ou queixa-crime
deve ser típico, descrito em norma penal incriminadora (ou, para alguns, típi-
co, antijurídico e culpável, excetuando a inimputabilidade por doença mental,
desenvolvimento mental incompleto ou desenvolvimento mental retardado,
pois a aplicação de medida de segurança exige ação penal). Não se trata aqui
de analisar se existe ou não o jus puniendi, pois isso é matéria de mérito e será
decidido na sentença, mas de saber se os fatos enunciados no pedido são típi-
cos ou não.
A possibilidade jurídica do pedido tem estreita ligação com o princípio da
legalidade, previsto no art. 5º, inciso XXXIX, da CRFB, pois se não há fato típico,
inexiste a condição.

6.4.3  Legitimidade da parte

Diz respeito à pertinência subjetiva do direito de agir, ou seja, as partes devem


ser legitimadas pela lei para pleitearem em juízo aquilo que lhes é devido. Exis-
te no Código Penal, uma divisão dos crimes sob o aspecto da legitimidade: caso
seja de ação penal pública, o legitimado para propor a ação penal é o Ministério
Público, que luta pelo restabelecimento da ordem jurídica violada. Caso seja
de ação penal privada, o legitimado é o particular, ou seja, o ofendido ou seu
representante legal.
No processo penal, há o entendimento majoritário de que pessoa jurídica
não pode figurar no polo passivo da relação jurídico-processual. Ou seja, em
relação à legitimidade passiva, somente pessoa física pode ser réu em processo
criminal. Porém, com a Constituição Federal, passou-se a admitir a responsabi-
lidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais e delitos contra a or-
dem econômica, ou seja, excepcionalmente as pessoas jurídicas podem figurar
no polo passivo da relação jurídico-processual.

6.4.4  Justa causa

A quarta condição da ação diz respeito ao suporte probatório mínimo que deve
ter a ação penal, com lastros probatórios mínimos de autoria, existência ma-

126 • capítulo 6
terial de uma conduta típica e sua antijuridicidade e culpabilidade. Caso uma
ação penal sem justa causa seja proposta, caberá habeas corpus, conforme art.
648, I do CPP.
Desta forma, a verificação da configuração, ou não, de justa causa na per-
secução penal se dá de forma rasa, a ser constatada em primeiro plano e por
prova pré-constituída. Ou seja, se há fundada suspeita de crime e elementos
de informação idôneos que permitam uma investigação criminal do episódio
delituoso, faz-se legítima a instauração da ação penal.
Esta condição da ação penal decorre da reforma processual penal ocorrida
no ano de 2008, pela Lei nº 11.719, que deu nova redação ao art. 395 do CPP e
introduziu a justa causa como uma das condições para o não recebimento da
denúncia pelo juiz, ou seja, a possibilidade de rejeição da denúncia pelo juiz
por conta da ausência de justa causa.

6.5  Ação penal nos crimes complexos


O art. 101 do CP trata da ação penal nos crimes complexos, com uma redação
um tanto hermética: “Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias
do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública
em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder
por iniciativa do Ministério Público”.
Inicialmente, há se compreender o que é um crime complexo: é aquele re-
sultante da fusão entre dois ou mais tipos penais. Por exemplo, o roubo (art.
157), é um furto praticado mediante constrangimento ilegal (art. 155 + art. 146),
portanto, um crime complexo.
Há ainda quem defenda que os crimes complexos podem ser considerados
em sentido estrito (exemplo acima) ou em sentido amplo (crime + elemento
especializante = novo crime). Isso se daria, por exemplo, no peculato (art. 168 +
condição de funcionário público e objeto material específico = art. 312), classi-
ficado como crime complexo em sentido amplo. Em breve estudaremos enun-
ciado do STF defendendo essa posição, embora ela não seja encampada pela
doutrina majoritária.
Pois bem, consoante o art. 101, se entre os crimes que, fundidos, formam
o crime complexo há algum que seja de ação pública, o crime complexo tam-
bém o será. Vejamos o caso da injúria real (art. 140, § 2º, CP). O crime nada
mais é do que a fusão entre a injúria (art. 140, CP) e, em alguns casos, o crime

capítulo 6 • 127
de lesão corporal (art. 129, CP). A injúria é crime de ação privada (art. 145, CP).
A lesão corporal é de iniciativa pública. Assim, a injúria real será processada
mediante ação penal de iniciativa pública (art. 140 + art. 129 = art. 140, § 2º / art.
129 = ação pública / art. 140, § 2º = ação pública).

6.6  Ação penal nos crimes sexuais


O art. 225 do Código Penal estabelece as hipóteses de ação penal reservadas aos
crimes contra a liberdade sexual e contra vulneráveis (arts. 213 a 218-B do Códi-
go Penal). A regra é a ação pública condicionada à representação do ofendido ou
de seu representante legal. O condicionamento da ação visa a evitar o chamado
strepitus judicii, isto é, o alarde processual sobre fatos que envolvem a intimi-
dade das vítimas de crimes sexuais. Argumenta-se que a exposição suportada
pela vítima pode lhe causar constrangimento mais severo que o próprio crime,
o que é uma assertiva de difícil aceitação, ainda mais quando confrontada com
a reprovabilidade de certos crimes, como o estupro. Excepcionalmente, como
veremos, a ação será pública incondicionada (sempre que a vítima do crime for
pessoa menor de dezoito anos ou vulnerável).
Anteriormente à Lei nº 12.015/09, a regra era a ação privada, pelo mesmo
motivo atualmente defendido para o condicionamento da ação. O art. 225, en-
tretanto, admitia expressamente ação pública condicionada ou incondiciona-
da: (a) aquela, quando a vítima ou seus pais não podiam prover às despesas do
processo sem privação de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da
família; e (b) esta, em caso de crime cometido mediante abuso do poder fami-
liar, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador da vítima. Ainda havia duas
hipóteses em que os crimes sexuais eram processados mediante ação pública
incondicionada: delito qualificado pelos resultados lesão corporal grave ou
morte (art. 223 do Código Penal, hoje revogado); e estupro praticado mediante
violência real (Súmula nº 608 do STF). Importa o estudo dessas exceções para
perfeita compreensão das regras atuais sobre a ação penal.
Nos crimes qualificados, como o estupro com resultado lesão corporal gra-
ve ou o atentado violento ao pudor com resultado morte, o art. 223 do Código
Penal estava inserido no Capítulo IV (Disposições Gerais) do Título IV (Crimes
Contra os Costumes) da Parte Especial, mesma posição topológica do art. 225,
que tratava (e ainda trata) da ação penal. Este, ao seu turno, falava que “nos

128 • capítulo 6
crimes definidos nos capítulos anteriores” a ação era privada. Ou seja, sua
abrangência não alcançava o art. 223 do CP. Além disso, os delitos sexuais qua-
lificados pelo resultado constituem crimes complexos, impondo-se a aplicação
do artigo 101 do Código Penal, cujo teor já foi estudado. Se os resultados quali-
ficadores (morte e lesão), se autônomos, são crimes de ação pública (homicídio
e lesão corporal), quando parcelas de um crime complexo determinam a mes-
ma natureza da ação para este delito.
O art. 101 também serviu de justificativa para a edição da Súmula 608 do
STF. Diz o enunciado, verbis: “No crime de estupro, praticado mediante violên-
cia real, a ação penal é pública incondicionada”. O texto defende a dicotomia
entre crimes complexos em sentido estrito e em sentido amplo, igualmente já
estudada. O estupro, para o STF, seria um crime complexo em sentido amplo
(ato sexual + constrangimento ilegal). A posição adotada pelo STF sempre foi
duramente criticada pela doutrina, por se prender mais a razões de política cri-
minal do que à boa técnica jurídica.
Na atual redação do art. 225, a primeira hipótese de ação incondicionada
trata do ofendido menor de dezoito anos. A segunda hipótese trata dos de-
mais casos de vulnerabilidade, excetuada a hipótese da menoridade da vítima.
Percebe-se que o legislador, ao cuidar da questão etária no artigo em apreço,
fixando-a em dezoito anos, pretendeu dar à expressão “vulnerável” acepção
ampla, abrangendo todas as situações legalmente previstas, ou seja, aquelas
situações em que o ofendido é portador de enfermidade ou deficiência men-
tal, sem capacidade de discernimento, ou de pessoa que, qualquer que seja o
motivo, não pode oferecer resistência. Mas é justamente este último ponto do
dispositivo que merece ressalvas. Consoante GILABERTE, “deve ser vislumbra-
do que a impossibilidade de resistência pode ser prolongada (como na hipó-
tese de uma pessoa em estado comatoso profundo) ou breve (por exemplo, na
embriaguez completa, que causa desfalecimento temporário). Em sendo breve,
parece-nos razoável a manutenção da regra geral, ou seja, ação pública condi-
cionada. Afinal, ainda que se critique a opção legislativa pela supervalorização
do strepitus judicii, qual seria a razão para se negar proteção semelhante à in-
timidade da vítima? Ainda que esta tenha por um período tênue sua capacida-
de cognitiva obnubilada, em curto espaço de tempo já se torna apta a avaliar a
conveniência de suprir a condição de procedibilidade. Portanto, fica claro que
a exceção legal somente tem aplicação aos casos de incapacidade prolongada”.
Essa foi a posição também adotada pelo STJ.

capítulo 6 • 129
Mas e o caso dos crimes qualificados pelo resultado e da Súmula 608 do
STF? Como ficaram na legislação atual?
No estupro qualificado pelos resultados lesão corporal grave ou morte, o
delito continua complexo, de modo que a regra do art. 101 do Código Penal se
mantém aplicável, determinando a natureza pública incondicionada da ação
penal.
No tocante à Súmula 608 do STF, embora se possa discutir a técnica que
levou à edição (ela é equivocada), sua motivação também permanece íntegra, já
que igualmente calcada no art. 101 do CP. Ainda que se vislumbre que as razões
político-criminais que levaram ao enunciado do STF cessaram quando a Lei nº
12.015/09 expressamente passou a determinar ação pública para o crime de es-
tupro, ainda que condicionada, a argumentação esposada à época, concorde-
se ou não, se mantém. É nesse sentido a orientação que exsurge de julgados
recentes do STJ3.

6.7  Ação penal e Lei n. 11.340, de 2006


Em regra, a Lei 11.340, de 2006 (Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher), não interfere na natureza da ação penal concernente aos crimes nela
especificados. Isso muda apenas quando tratamos da lesão corporal de natu-
reza leve.
Para os crimes de lesão corporal leve ou culposa, normalmente, a ação é pú-
blica condicionada. É o que dispõe o art. 88 da Lei n. 9.099, de 1995. Aliás, na
lesão corporal, o legislador adotou uma postura diferente daquela que é usual
na maioria dos crimes: exigência de representação ou queixa no próprio artigo
de lei que traz a descrição do comportamento ou logo depois deste. Na ameaça,
por exemplo, a representação é exigida pelo próprio art. 147 (p. único); para a
calúnia, prevista do art. 138, a queixa-crime vem prevista no art. 145. Já na lesão
corporal, que originalmente era um crime de ação pública incondicionada em
todas as suas modalidades, a exigência de representação está em lei especial. E
isso fará toda a diferença naquilo que iremos estudar.
A Lei 11.340, em seu art. 41, estabelece que, às hipóteses nela previstas, in-
dependentemente da quantidade de pena aplicada, não se aplica a Lei 9.099.

3  STJ, HC 232.064/TO, rel. Ministro Marco Aurelio Bellizze, julg. em 21/03/2013; STJ, RHC 26.455/BA, rel.
Ministro Felix Fischer, julg. em 16/03/2010.

130 • capítulo 6
Suponhamos, então, que a esposa ameace o marido: ela responderá pelo
crime do art. 147 do CP, e a ação será condicionada à representação. E se o ma-
rido ameaça a mulher? Dá no mesmo. Nesse caso, incide a Lei n. 11.340, com
todas as suas medidas protetivas. Todavia, como dito anteriormente, a lei qua-
se não produz interferências sobre a natureza da ação penal. Assim, continua
ela sendo pública condicionada.
Agora, e se a esposa agride fisicamente o marido? Temos o crime de violên-
cia doméstica (art. 129, § 9º, CP). A lesão corporal, na violência doméstica, é
sempre de natureza leve. Consequentemente, consoante o disposto no art. 88
da Lei n. 9.099, a ação é pública condicionada. E se o marido é o agressor? Aí
temos a Lei 11.340, que, em seu art. 41, refuta a aplicação da Lei 9.099; como a
exigência de representação na lesão leve está no art. 88 da Lei 9.099, o dispositi-
vo se torna inaplicável. Não há, portanto, qualquer artigo indicando a natureza
da ação penal. E, quando a lei é omissa, a ação é pública incondicionada.

ATIVIDADE
Em uma festa, Carlos, ao ver Natália completamente bêbada e inconsciente, a leva para o
carro, local em que mantém com a vítima conjunção carnal. Pratica, assim, o crime do art.
217-A, do Código Penal (estupro de vulnerável). No dia seguinte, Natália, já recuperada,
procura uma delegacia de polícia, narrando o ocorrido e pedindo providências. O inquérito po-
licial consegue arrecadar provas da materialidade e indícios de autoria contra Carlos. Nessa
hipótese, qual será a natureza da ação penal? O que deve acontecer para que Natália ofereça
ação privada subsidiária? Uma vez oferecida a ação privada subsidiária, Natália poderá dela
desistir, extinguindo a ação penal?

capítulo 6 • 131
132 • capítulo 6
7
Extinção da
Punibilidade
Punibilidade é o assunto que fecha a Parte Geral do Código Penal. Dotado de
relativa complexidade em seu conceito e posicionamento na teoria do crime, a
punibilidade tem sua expressão máxima em exames e concursos públicos nas
causas de extinção. São elas – e principalmente a prescrição, que impõe um es-
tudo mais cauteloso – que dominam as questões elaboradas sobre o tópico.
A atenção ao estudo que se seguirá, portanto, deve ser máxima, impondo-se
a compreensão das regras que norteiam o tema.

OBJETIVOS
•  Compreender o conceito de punibilidade e as causas de seu afastamento.
•  Entender as causas de extinção da punibilidade.
•  Determinar as consequências da extinção da punibilidade sobre os efeitos da senten-
ça condenatória.
•  Conhecer a dinâmica da prescrição em todas as suas modalidades.

134 • capítulo 7
7.1  Conceito de punibilidade
Punibilidade é a possibilidade de imposição de uma pena ao infrator de uma
norma penal, isto é, a consequência da prática de um fato típico, antijurídico
e culpável. Consoante a doutrina majoritária, não integra o conceito analítico
de crime.
São várias as causas que podem afetar a punibilidade de uma conduta: con-
dições objetivas de punibilidade não satisfeitas (como no preceito secundário
do art. 122 do CP); escusas absolutórias (por exemplo, art. 181 do CP); e as hi-
póteses de extinção da punibilidade. Essas últimas, previstas genericamente
– mas de forma não exaustiva – no art. 107 do CP, serão objeto de nosso estudo.

7.2  Causas de extinção da punibilidade


7.2.1  Morte

A morte, diz o ditado, tudo resolve. E isso se aplica também à punibilidade. Afi-
nal, se a pena é intranscendente, como punir o morto? Assim, e com esteio nos
arts. 107, I, do CP, e 62 do CPP, com a morte, comprovada através da certidão de
óbito, dá-se a extinção da punibilidade.
E se a certidão de óbito juntada aos autos, que embasa a decisão transitada
em julgado, é falsa? Isto é, e se o réu ou condenado não morreu? Há duas orien-
tações: (a) ele não poderá mais ser julgado pelo crime em que se deu a extinção
de sua punibilidade, pois não há possibilidade de revisão criminal pro socie-
tate, de modo que apenas poderá ser punido por falsidade documental; e (b)
como a decisão judicial é baseada em fato juridicamente inexistente, e sendo
certo que ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza, ela não faz coisa
julgada (STF, C 31234/MG).

7.2.2  Anistia, graça e indulto

Anistia, graça e indulto são formas de clemência estatal, que se diferenciam


em alguns aspectos, como a abrangência, a competência para decretação e
seus efeitos.

capítulo 7 • 135
A anistia é ato do Congresso Nacional, que a concede através de uma lei, a
qual deve ser sancionada pelo Presidente da República. Tratando-se de lei pe-
nal benéfica, é retroativa. Pode abranger crimes políticos (para alguns, os cri-
mes da Lei de Segurança Nacional – Lei n. 7.17º, de 1983) ou demais crimes, in-
clusive militares e eleitorais. Apenas não poderá versar sobre crimes hediondos
e equiparados (art. 5º, XLIII, CF).
Todos os efeitos penais da sentença condenatória são extintos pela anis-
tia, mantendo-se os efeitos civis. Isso não significa que ela dependa de uma
sentença condenatória transitada em julgado: a anistia própria é anterior a
ela; apenas a imprópria é posterior. Aliás, a anistia ainda pode ser parcial (não
abrange a totalidade das pessoas em uma mesma situação jurídica) ou geral
(alcança a todos); condicional (seus efeitos dependem do implemento de uma
condição, como a deposição de armas, por exemplo) ou incondicional (não se
exige qualquer condição, ocasião em que a anistia será unilateral, produzindo
seus efeitos independentemente de aceitação do beneficiário, ao passo em que
a condicional é ato bilateral); restrita (exclui crimes conexos) ou irrestrita (não
os exclui).
Indulto e graça, ao contrário da anistia, não são atos do Congresso Nacional,
mas do Presidente da República, por meio de decreto. Mas há diferença entre
ambos, no que tange à formalização: a graça deve ser requerida, ao passo em
que o indulto pode ser concedido de ofício; a graça tramita perante o Ministério
da Justiça, aguardando decreto presidencial, ao passo em que o indulto pode
ser conferido por pessoa delegada (Ministro de Estado, Procurador-geral da
República ou Advogado-geral da União).
Indulto e graça, ainda, se diferem em relação à abrangência. Ao passo em
que o indulto é coletivo, a graça é individual (razão pela qual também é de-
nominada indulto individual). Qualquer que seja a hipótese, impõe-se a exis-
tência de uma sentença condenatória irrecorrível (ao contrário do que ocorre
na anistia). Ambos, ainda, podem ser totais (plenos), extinguindo a pena por
completo; ou parciais, apenas comutando a sanção penal (substituição de uma
pena por outra).
Quanto aos efeitos, afetam apenas a execução da pena. Permanecem ín-
tegros os demais efeitos da sentença condenatória, como a possibilidade
de reincidência.
Cabe, por fim, indagar quais são os crimes atingidos pelo indulto e pela
graça. Decerto, os crimes comuns são afetados. E os crimes hediondos e

136 • capítulo 7
equiparados? Acerca destes, há vedação constitucional para a incidência da
graça (art. 5º, XLIII, CF). Mas a Constituição Federal não proíbe o indulto, em-
bora o art. 2º da Lei n. 8.072 estabeleça a proibição. Essa vedação é constitucio-
nal? Há duas orientações: (a) a liberdade é um direito fundamental e eventuais
restrições a ela devem ser constitucionalmente previstas, razão pela qual a proi-
bição de indulto, se inserida apenas em lei ordinária, é inconstitucional; (b)
embora a CF não tenha vedado expressamente o indulto, também não proibiu
que lei ordinária o faça; além disso a graça nada mais é do que uma espécie de
indulto (individual), de modo que, quando a CF fala em graça, está igualmente
tratando do indulto.

ANISTIA GRAÇA INDULTO


•  Crimes políticos e de- •  Crimes comuns •  Crimes comuns
mais delitos •  Quem concede? Presiden- •  Quem concede? Presiden-
•  Quem concede? Congres- te da República te da República (delegável)
so Nacional •  Meio: por decreto •  Meio: por decreto
•  Meio: por lei

7.2.3  Abolitio criminis

Quando uma lei nova deixa de considerar crime (infração penal) uma condu-
ta anteriormente criminalizada, ocorre a abolitio criminis. Por exemplo, a Lei
n. 11.106, em 2005, revogou o art. 240 do CP, que previa o crime de adultério,
em virtude do que ocorreu a extinção da punibilidade de quem respondia por
este delito.
Não se pode confundir a abolitio criminis com a revogação meramente for-
mal de um artigo de lei. A extinção da punibilidade só acontece quando revo-
gado também o conteúdo normativo, consoante o princípio da continuidade
típico-normativa. Foi o que ocorreu no antigo crime de atentado violento ao pu-
dor, por exemplo. Embora o art. 214 do CP tenha sido revogado, seu conteúdo
normativo foi transportado para o art. 213 do CP (estupro). Assim, não houve
abolitio criminis.
Aqui, há a extinção de todos os efeitos criminais da sentença condenatória,
persistindo apenas os efeitos civis (quando aos efeitos do art. 92 do CP, ocorre

capítulo 7 • 137
algo semelhante à reabilitação, vedada a reintegração na situação anterior). É
bom lembrar que, sendo a lei descriminalizante uma lei nova mais benéfica, ela
terá efeitos retroativos, inclusive alcançando penas em execução.

7.2.4  Decadência e perempção

Embora o inciso IV, além da decadência e da perempção, traga também a pres-


crição em seu bojo, optamos por estudar a matéria ao final deste capítulo, em
virtude do nível de detalhamento necessário à sua compreensão. Portanto, por
ora, ficaremos apenas na decadência e na perempção.

7.2.4.1  Decadência

Em que pese o direito à queixa, na ação privada, e o direito de representação ou


requisição, na ação pública condicionada, serem regidos pela conveniência ou
oportunidade, eles não são vitalícios. Ao contrário, devem ser exercidos dentro
de certo prazo, sob pena de perda do direito. Esse prazo é denominado deca-
dencial. A decadência atinge o direito de ação e, por via reflexa, a pretensão
punitiva. Todavia, ela não produz efeitos sobre a ação pública incondicionada
(ou sobre a ação condicionada, se já satisfeita a condição de procedibilida-
de), pois o princípio da obrigatoriedade impõe a atuação do Ministério Público
mesmo após expirado o prazo para oferecimento da denúncia.
O prazo decadencial é de 6 meses (nada impede, contudo, que lei especial
disponha de forma diversa). Essa é a redação do art. 103 do CP, reproduzida
no art. 38 do CPP, que, ainda estipulam o temo inicial para a contagem do pra-
zo: o dia em que o ofendido teve ciência da autoria do crime, ou, no caso de
ação privada subsidiária, o dia em que se esgota o prazo para oferecimento
da denúncia.
Aliás, a ação privada subsidiária é um caso à parte. Como dito anteriormen-
te, embora privada na forma, ela é pública em essência. Assim, imaginemos o
seguinte cenário: ao receber os autos de um inquérito policial, em que há prova
do crime de ação pública e indícios de autoria, o membro do Ministério Público
nada faz, quedando-se inerte. Expirado o prazo para a denúncia, surge a possi-
bilidade de o ofendido oferecer queixa-crime, com vistas à instauração de ação
subsidiária. Nesse mesmo momento, contudo, começa a correr o prazo deca-
dencial. Caso o ofendido – ou seu representante legal – não ofereça a queixa

138 • capítulo 7
dentro do prazo de seis meses, esse direito decairá. Isso, contudo, não opera
a extinção da punibilidade do autor. E qual é a razão? Porque o fato de o MP
não ter oferecido a denúncia no prazo não o desobriga de oferecê-la, ainda que
expirado. Vamos lembrar que a decadência não afeta a denúncia, mas somente
os direitos de queixa e representação/requisição. Destarte, o único prazo que
afetará a ação pública (desde que respeitadas as condições de procedibilidade)
é o prescricional.
O prazo decadencial, ainda, não pode ser interrompido ou suspenso. Ele
flui sem intercorrências do início ao fim.

7.2.4.2  Perempção

A perempção pressupõe uma ação privada em curso (ou seja, ela não resva-
la no direito de queixa, já exercitado), todavia abandonada ou negligenciada
pelo querelante. Como, na ação penal privada, vigora o princípio da disponibi-
lidade, a perempção implica a morte do direito. Ela não tem incidência sobre
a ação pública – condicionada ou incondicionada – porque aqui o que vale é o
princípio da indisponibilidade. Portanto, o Ministério Público não pode ficar
inerte ou ser negligente em sua condução.
As hipóteses de perempção estão previstas no art. 60 do CPP. São elas: (a)
quando, iniciada da ação penal, o querelante deixar de promover seu andamen-
to por 30 dias seguidos; (b) quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua
incapacidade, não comparecer em juízo para sucedê-lo na ação, no prazo de 60
dias, cônjuge ou companheiro, ascendente, descendente ou irmão (nesta or-
dem); (c) quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado,
a qualquer ato do processo a que deva estar presente (por exemplo, oitiva do
querelante); (d) quando o querelante deixa de formular pedido de condenação
em suas alegações finais; (e) quando o querelante é pessoa jurídica que se ex-
tingue, sem deixar sucessor; (f) quando ocorre a morte do querelante, na ação
penal privada personalíssima (esta hipótese não está no art. 60 do CPP, mas
sim no art. 236 do CP).

capítulo 7 • 139
7.2.5  Renúncia ao direito de queixa e perdão do ofendido

O inciso V do art. 107 traz duas causas de extinção da punibilidade. A primeira


delas é a renúncia ao direito de queixa. Pode-se perceber, sem dificuldades, que
esta causa de extinção da punibilidade só existe (em regra) nos crimes de ação
privada, pressupondo o não oferecimento da queixa-crime. Isto é, renuncia-se
ao direito que ainda não foi exercitado, operando-se a extinção da punibili-
dade do suspeito. A renúncia, outrossim, é nítida decorrência do princípio da
conveniência ou oportunidade. Mas e o direito de representação (ação pública
condicionada), que é regido pelo mesmo princípio? Não admite a renúncia?
Nos crimes de menor potencial ofensivo, a renúncia é possível, mas com esteio
no art. 74, p. único, da Lei n. 9.099 de 1995, que trata da homologação do acordo
de composição civil.
A renúncia é ato unilateral, independendo de aceitação por parte do bene-
ficiado. Pode, ainda, ser expressa (formalmente declarada) ou tácita (conduta
incompatível com a vontade de ver o autor processado). No entanto, nas hipó-
teses de violência doméstica ou familiar contra a mulher (por exemplo, a repre-
sentação do crime de ameaça, que é hipótese de violência psicológica previs-
ta na Lei n. 11.340, de 2006), a renúncia somente pode se dar perante um juiz
(art. 16).
A segunda causa é o perdão do ofendido, que, ao contrário da renúncia,
pressupõe ação privada em curso. Ele é posterior à instauração do processo,
podendo ser exercitado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, e
não existe na ação pública.
Da mesma forma que ocorre com a renúncia, o perdão pode ser expresso ou
tácito. Todavia, é bilateral, ou seja, depende de aceitação (que também poderá
ser expressa ou tácita, inclusive quando não se manifesta sobre ela no prazo de
3 dias, a contar da ciência) por parte do beneficiário. Não abrangerá, necessa-
riamente, todos os crimes. Por exemplo, se o autor for processado por injúria
(art. 140, CP) e dano (art. 163 do CP), ambos crimes de ação privada, o perdão
poderá recair somente sobre a injúria, mantendo-se o processo acerca do dano.
Em virtude do princípio da indisponibilidade, a renúncia ou o perdão ofere-
cido a um dos participantes do delito, aproveita a todos. Caso haja pluralidade
de vítimas, a renúncia ou perdão exercitado por uma delas não afeta o direito
das demais, que mantêm o direito à queixa ou poderão prosseguir no processo.

140 • capítulo 7
7.2.6  Retratação

Retratação é o ato de se desdizer, ou seja, de reformular uma manifestação an-


terior. Por exemplo, no crime de calúnia (art. 138, CP), se o autor se retrata, des-
mentindo a imputação ofensiva por ele realizada, sua punibilidade é extinta.
Somente existe a retratação quando a lei expressamente permite o ato,
seja o crime de ação pública ou privada. Em outras palavras: apenas quando
o tipo penal aceita a retratação é que esta produzirá seus efeitos. Temos a re-
tratação, por exemplo, nos crimes de calúnia e difamação (art. 143 do CP), de
falso testemunho ou falsa perícia (art. 342, § 2º, CP) etc. Por outro lado, o crime
de denunciação caluniosa (art. 339 do CP), embora se assemelhe à calúnia em
alguns aspectos, não admite retratação, por ausência de previsão legal.
A retratação realizada por um dos participantes do crime não aproveita os
demais. Apenas aquele que se retratou tem a punibilidade extinta. O ato precisa
de aceitação por parte do ofendido? Não, ele é unilateral.

7.2.7  Perdão judicial

Baseado no princípio da necessidade concreta da pena, que enuncia ser a pena


dispensável quando desnecessária, o perdão judicial é o poder conferido ao
magistrado de impedir, no caso concreto, a incidência da sanção penal, isen-
tando o réu. Todavia, não se trata de uma discricionariedade judicial: para que
o perdão judicial seja regularmente aplicado, deve existir autorização legal. Em
outras palavras, tal qual ocorre com a retratação, o perdão judicial exige pre-
visão expressa para cada tipo penal. Por exemplo, há perdão judicial para o
homicídio culposo (art. 121, § 5º, do CP), mas não para o abandono de incapaz
com resultado morte culposo (art. 133, § 2º, CP).
A expressa autorização para reconhecimento da causa extintiva da punibili-
dade trará os requisitos para sua aplicabilidade. Ou seja, se o art. 121, § 5º, pre-
vê o perdão judicial para o homicídio culposo, isso não significa que todos os
homicídios culposos serão perdoados. Apenas aqueles em que as consequên-
cias do crime atingem o próprio agente de forma grave, tornando desnecessária
a pena, é que terão sua punibilidade extinta, pois o § 5º restringe o perdão a
essa hipótese. No entanto, uma vez que o autor do delito se insira na situação
descrita em lei, o perdão passa a ser um direito subjetivo seu, fazendo com que
o magistrado não possa negá-lo.

capítulo 7 • 141
Considerando que o perdão judicial exige expressa previsão legal, um ques-
tionamento se impõe: ele é possível nos arts. 302 e 303 da Lei n. 9.503, de 1997
(respectivamente homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de
veículo automotor)? Explica-se o foco do problema: existe o perdão tanto no
caso do homicídio culposo (como já visto), quanto na lesão corporal culposa
(art. 129, § 8º, CP) do Código Penal; todavia, essas previsões expressas não fo-
ram repetidas no Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503), embora os crimes
aqui existentes sejam praticamente idênticos aos seus correspondentes no CP.
Aliás, os motivos que ensejam o perdão no CP poderiam tranquilamente ser re-
conhecidos nos crimes do CTB. Se um pai, ao transportar seu filho de bicicleta,
deixa-o cair, provocando sua morte e intensa dor emocional ao próprio autor,
pode ele ser perdoado (art. 121, § 5º, CP). Por que a solução seria diferente para
o pai que deixa cair o filho ao transportá-lo em uma motocicleta, provocando
sua morte (art. 302 do CTB)? Nesse ponto, doutrina e jurisprudência pratica-
mente uníssonas também admitem o perdão judicial, ainda que sem previsão
expressa, mas por analogia in bonam partem.
Discute-se qual é a natureza da sentença concessiva do perdão judicial.
Ela é condenatória ou absolutória. Aqueles que sustentam a natureza conde-
natória, partem do seguinte raciocínio: só pode ser perdoado quem faz algu-
ma coisa, ou seja, quem é culpado; portanto, o réu deve ser condenado para
depois lhe ser aplicado o perdão judicial. Mas esta não é a posição que preva-
lece. Majoritariamente, entende-se que a sentença é declaratória de extinção
da punibilidade (absolutória), inclusive com entendimento sumulado do STJ
a respeito do tema (Enunciado n. 18). Isso implica que a concessão do perdão
judicial impede a produção dos efeitos criminais da sentença, inclusive no que
concerne à possibilidade de reincidência (art. 120 do CP).

7.3  Prescrição
Com a criação da norma penal incriminadora e o início de sua vigência, esta
passa a ser oponível a todos os cidadãos. Ou seja, todos devem respeitá-la. Uma
vez alguém a viole, surge, para o Estado, o jus puniendi, que é o poder-dever de
punir. A satisfação deste poder deve ser buscada em juízo, pois ninguém pode
ser penalmente sancionado sem o devido processo legal. Com a sentença pena
condenatória irrecorrível, o jus puniendi é satisfeito e, simultaneamente, surge

142 • capítulo 7
para o Estado um segundo poder-dever: o de executar a sanção penal, chamado
de jus executionis.
Nenhum desses poderes é temporalmente ilimitado – ou normalmente não
o são –, o que faz com que o Estado deva exercitá-los em certo prazo. Esse pra-
zo é denominado prescricional, razão pela qual podemos falar em extinção da
punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, ou pela prescrição da pre-
tensão executória, caso haja o decurso do lapso temporal sem o seu exercício.

7.3.1  Por que existe a prescrição?

A prescrição, como causa de extinção da punibilidade, se justifica por vários


motivos. Primeiramente, devemos conjugar o instituto com as finalidades da
pena: uma punição temporalmente distanciada do evento que a determinou
não tem eficácia preventiva, seja geral ou específica, positiva ou negativa; e
mesmo a função retributiva perde grande parte de sua força. Também serve a
prescrição como uma forma de punição ao Estado por sua ineficiência. Ainda,
a prescrição tem um lado humanitário, porque ninguém pode viver eternamen-
te tolhido em sua liberdade individual, sob ameaça de uma punição. Por fim,
podemos elencar uma justificativa processual: o tempo torna mais difícil a co-
lheita de provas sobre o crime, o que atrapalha, senão impede, a instrução da
ação penal.

7.3.2  Prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato

O prazo prescricional é determinado pela gravidade da infração penal: quanto


mais grave o crime, maior o prazo. E a gravidade do crime é revelada pela pena a
ele cominada. Portanto, há nítida relação entre o tamanho da pena e a extensão
do prazo prescricional. Todavia, logo depois o cometimento da infração – ou
mesmo durante a investigação ou a ação penal –, ainda não se sabe qual será
a pena fixada para aquele delito, ou seja, não há uma pena concretizada para
balizar o prazo prescricional. Assim, o prazo prescricional, que em regra come-
ça a correr desde o momento em que se consuma a infração, precisa de outro
parâmetro para sua determinação. Esse parâmetro será a pena em abstrato.
Todavia, a pena em abstrato é estabelecida através de margens penais: li-
mites mínimo e máximo de pena (1 a 4 anos no furto; 4 a 10 anos no roubo;
12 a 30 anos no homicídio qualificado). Assim, qual desses limites servirá para

capítulo 7 • 143
determinar o prazo prescricional? Em tema de prescrição pela pena em abs-
trato, adotamos a técnica da pior situação possível para o autor do crime, isto
é, sempre consideraremos a pena mais elevada, que corresponde ao limi-
te máximo.
Mas não se pense que o prazo prescricional será idêntico à pena. Se a pena
máxima do roubo é de 10 anos, isso não significa que o prazo será de iguais 10
anos. A sanção penal máxima é a base para a verificação do tempo da prescri-
ção, que será ditado pelo art. 109 do CP. De acordo com o dispositivo, penas
superiores a 12 anos prescrevem em 20 anos; penas superiores a 8 anos, mas
que não excedam 12, prescrevem em 16 anos; penas superiores a 4, que não
excedam 8, em 12; penas superiores a 2, que não excedam 4, em 8; penas iguais
ou superiores a 1, que não excedam 2, em 4; e penas inferiores a 1 ano prescre-
vem em 3 anos. Portanto, voltando ao exemplo do roubo, se a pena máxima
cominada abstratamente ao crime é de 10 anos, isso significa que seu prazo
prescricional será de 16 anos.
É evidente que a coisa não é tão simples assim: há fatores que alterarão o
quadro acima explicitado. E o primeiro deles se refere à incidência das causas
de aumento e de diminuição da pena. Estas devem ser consideradas no mo-
mento da seleção da pena que ditará o prazo prescricional. Voltemos ao roubo
e suponhamos que este crime seja tentado: incidirá sobre a pena uma causa
de diminuição de 1/3 a 2/3, consoante art. 14, II, do CP. Mas que redução de-
verá ser aplicada? 1/3, 1/2, 2/3? Considerando que sempre adotaremos a pior
situação possível para o agente, a causa de diminuição deverá ser aplicada no
mínimo. No exemplo dado, 1/3. Assim, a pena em abstrato do roubo fica em 7
anos e 8 meses, o que, consoante o art. 109 do CP, imporá prazo prescricional
de 12 anos.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado às causas de aumento da pena, que,
para traduzirem a pior situação possível ao agente, serão consideradas em seu
máximo. Assim, no roubo majorado, em que a pena é aumentada de 1/3 até 1/2,
tomemos 1/2 como acréscimo. A pena, que era de 10 anos, passará a ser de 15.
De acordo com o art. 109 do CP, prazo prescricional de 20 anos.
Nesse ponto, importa consignar que as causas de aumento da pena refe-
rentes ao concurso de crimes não serão aplicadas para fim de prescrição. Isso
porque cada crime prescreve isoladamente, não havendo se falar em concurso.
Suponhamos que haja concurso formal perfeito entre um homicídio culposo
(art. 121, § 3º, CP) e uma lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, CP). Ao invés de

144 • capítulo 7
tomarmos apenas a pena do homicídio culposo, com aumento decorrente do
concurso, a prescrição incidirá separadamente sobre ambos os delitos.
E as agravantes e atenuantes? Interferem no prazo prescricional? Não, pois
o legislador não atribui a elas um patamar certo de incremente ou suavização
da pena.
Outro fator que altera o prazo prescricional é a idade do agente. Se ele for
menor de 21 anos à época do fato, ou maior de 70 à data da sentença, o prazo
prescricional é contado pela metade. Assim, um prazo de 16 anos, por exemplo,
passa a ser de 8 anos. Isso é determinado pelo disposto no art. 115 do CP.
A reincidência também altera o prazo prescricional, de acordo com o dis-
posto no art. 110 do CP. Nesse caso, a pena é aumentada em 1/3. Mas cabe um
alerta: esse acrescimento somente se dará sobre o prazo de prescrição da pre-
tensão executória, não interferindo na pretensão punitiva (Súmula 220 do STJ).
Nesse ponto do estudo, cabe o questionamento: os atos infracionais pres-
crevem? Se sim, qual é seu prazo prescricional? Apenas para relembrarmos,
atos infracionais são as condutas típicas e antijurídicas praticadas por adoles-
centes-infratores. E eles prescrevem. Teremos, nessas hipóteses, que tomar por
base o tempo máximo em abstrato de internação a eles aplicável, qual seja, 3
anos. Pelo art. 109 do CP, o prazo prescricional seria de 8 anos. No entanto,
como invariavelmente os adolescentes-infratores são menores de 21 anos à
época do fato, o prazo passa a ser de 4 anos.
Caso a pena seja de multa, cominada ou aplicada de forma isolada, o prazo
prescricional é de dois anos (art. 114, I, CP). Se a pena de multa for aplicada em
conjunto com outra pena, prescreverá no mesmo tempo desta (art. 114, II, CP).
No caso do art. 28 da Lei 11.343, de 2006, o diploma especial indica prazo
prescricional de 2 anos. Por ser norma especial, tal especificação prevalece so-
bre a regra geral do CP (art. 30 da Lei n. 11.343, de 2006).

7.3.2.1  Termo inicial

Se estamos falando em prazo, este deverá ter um termo inicial, ou seja, um dia
em que começará a ser computado. E, em tema de prescrição, o termo inicial do
prazo é determinado pelo art. 111 do CP. A regra geral é: o prazo prescricional
da pretensão punitiva pela pena em abstrato tem início com a consumação do
crime (inciso I). Assim, se, em um homicídio, a vítima é atingida pelo disparo
de arma de fogo no dia 2 de fevereiro, mas só vem a falecer no dia 9 do mesmo

capítulo 7 • 145
mês, depois de passar uma semana internada no hospital, apenas no dia nove
terá início a contagem do prazo.
Evidentemente que, em caso de crime tentado, a consumação não poderá
ser usada, pois ela inexiste. Destarte, o termo inicial será a data em que cessou
a atividade criminosa (inciso II).
O art. 111 do CP ainda prevê três exceções. A primeira delas diz respeito aos
crimes permanentes. Nestes, o prazo só tem início quando cessada a perma-
nência (inciso III). Tomemos como exemplo o crime de ter em depósito drogas
para finalidade de tráfico (art. 33 da Lei n. 11.343, de 2006), que é conduta per-
manente: se o sujeito ativo constituiu o depósito no dia 19 de março, o crime
já está consumado; todavia, se a manutenção da droga em depósito perdurou
até o dia 31 de março, ocasião em que a substância foi apreendida pela polícia,
apenas nesta data teremos o início do prazo prescricional. Há quem defenda,
outrossim, a aplicação da mesma regra aos crimes habituais.
A próxima exceção (inciso IV) versa sobre o crime de bigamia (art. 235 do
CP), bem como sobre a falsificação ou alteração de assentamento do registro
civil (por exemplo, arts. 241 e 242 do CP). Nesses casos, o prazo prescricional só
começa a correr quando o fato se torna conhecido. Por exemplo, na bigamia, se
o sujeito ativo contraiu o segundo vínculo matrimonial em abril de 2003, mas
apenas em outubro de 2015 o fato foi descoberto por uma autoridade policial,
pois até então era mantido em segredo, somente nessa segunda data o prazo
se iniciará.
A última hipótese, prevista no inciso V, não constava na redação original da
reforma da Parte Geral, sendo incluída no art. 111 pela Lei n. 12.650, de 2012.
Diz o dispositivo que o prazo começa a fluir, nos crimes contra a dignidade se-
xual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação espe-
cial, da data em que a vítima completar 18 anos, salvo se a esse tempo já houver
sido proposta a ação penal. Aqui, temos duas regras: (a) o prazo começa a correr
quando a vítima completa 18 anos (dia de seu aniversário); (b) se proposta ação
penal antes desse momento (18 anos da vítima), o termo inicial passa a ser ou-
tro, surgindo três posições distintas na doutrina: b.1. o termo inicial é a data da
consumação do crime, com esteio no inciso I; b.2. é a data da propositura da
ação; b.3. é a data do recebimento da denúncia, em analogia ao disposto no art.
117, I, do CP.

146 • capítulo 7
7.3.2.2  Causas interruptivas

Uma vez iniciado o fluxo do prazo prescricional, pode ele ser interrompido.
Quando isso ocorre, ele é “zerado”, reiniciando-se a sua contagem. O art. 117
do CP traz as causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva em seus
incisos I a IV. São elas:

a) Recebimento da denúncia ou da queixa. Apenas a decisão judicial so-


bre o recebimento da denúncia ou da queixa tem o condão de interromper o
prazo prescricional. O simples oferecimento não o interrompe.
b) Decisão de pronúncia. Causa interruptiva que existe apenas nos proce-
dimentos do Tribunal do Júri.
c) Decisão confirmatória de pronúncia. Refere-se à decisão tomada em
segundo grau de jurisdição, existente apenas nos procedimentos do Tribunal
do Júri.
d) Pela publicação de sentença ou acórdão condenatórios recorríveis. A
publicação se dá com a entrega dos autos em cartório. Apenas a sentença e o
acórdão condenatórios, ou seja, aqueles que condenam pela primeira vez, ou
que majoram a pena, interrompem a prescrição. Decisões absolutórias ou me-
ramente confirmatórias não produzem esse efeito.

Deve ser lembrado que o art. 117 contempla outras duas causas interrup-
tivas da prescrição (incisos V e VI), mas estas somente se aplicam à pretensão
executória, como veremos.
Como as causas interruptivas determinam o reinício do prazo prescricio-
nal, a verificação da causa extintiva da punibilidade se dará “por trechos”.
Imaginemos um crime de autoaborto (art. 124 do CP), cujo prazo prescricional
pela pena em abstrato é de 8 anos: primeiramente, verifica-se o decurso desse
prazo entre a data da consumação do crime e o recebimento da denúncia; não
ocorrendo a prescrição, da data do recebimento da denúncia até a sentença de
pronúncia, e assim por diante. Em suma, o tempo não é contado da consuma-
ção até a sentença condenatória, mas sim separando o lapso temporal em tre-
chos, determinados pelos marcos interruptivos.
À pena de multa se aplicam as causas interruptivas da prescrição concer-
nentes à legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública (art. 51 do CP).

capítulo 7 • 147
7.3.2.3  Causas impeditivas ou suspensivas

Além das causas interruptivas da prescrição, também existem causas suspen-


sivas ou impeditivas do prazo. Estas causas determinam o seu sobrestamento
por certo período. Cessando a causa que ensejou a suspensão, o prazo volta a
correr normalmente.
O art. 116 do CP traz algumas das causas suspensivas da prescrição. Não po-
demos falar em enumeração taxativa porque há várias causas suspensivas fora
do âmbito do mencionado dispositivo. Por exemplo, o art. 366 do CPP (acusado
citado por edital que não comparece, nem constitui advogado, o que acarreta a
suspensão processual), é uma causa suspensiva da prescrição. Também é causa
suspensiva da prescrição a suspensão condicional do processo (art. 89, § 6º, Lei
n. 9.099, de 1995).
As causas previstas no art. 116 são: (a) pendência de questão prejudicial
(arts. 92 a 94 do CPP) de que dependa o reconhecimento da existência do cri-
me, não resolvida em outro processo; (b) o cumprimento de pena pelo agente
no estrangeiro.
À pena de multa se aplicam as causas suspensivas da prescrição concernen-
tes à legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública (art. 51 do CP).

7.3.3  Prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto

Como dito anteriormente, o prazo prescricional tem como parâmetro a gravi-


dade do crime, que é ditada pela pena. Em um primeiro momento, como não
há pena fixada, toma-se a pena máxima abstratamente cominada para a verifi-
cação do prazo, observando o disposto no art. 109 do CP.
Suponhamos, todavia, a seguinte situação: julgado por crime de roubo, o
autor é condenado a uma pena de 4 anos de reclusão, em primeira instância,
decisão da qual cabe recurso; todavia, o Ministério Público se dá por satisfeito
com a decisão, não recorrendo para aumentar a sanção imposta, ou, ainda, in-
terpõe recurso que não visa a aumentar a pena privativa de liberdade (contesta-
se, por exemplo, o valor da pena de multa aplicada), ao passo em que a defesa
recorre, buscando a absolvição do réu.
Reparemos que a ação penal não se encerrou, pois ela ainda se encontra em
grau de recurso. Contudo, como não houve recurso da acusação (ou este não
tem o objetivo de incrementar a pena privativa de liberdade aplicada), a pena

148 • capítulo 7
não pode ser aumentada em segundo grau de jurisdição. Isso se deve à garantia
de proibição da reformatio in pejus (a pena somente pode ser elevada caso a
acusação recorra, para que não sejam tolhidos os direitos à ampla defesa e ao
duplo grau de jurisdição). Qual é a consequência? A sentença prolatada em pri-
meiro grau de jurisdição fixa um novo teto para a pena privativa de liberdade,
que não mais poderá ser ultrapassado (no nosso exemplo, 4 anos, pois o tribu-
nal ad quem não poderá fixá-la em patamar superior).
Como o cálculo do prazo prescricional tem a pena como parâmetro, sempre
em seu limite máximo, e esta, agora concretizada, foi reduzida a um novo pa-
tamar, ela deve doravante ser considerada para fins de prescrição. Assim, se
no roubo, pela pena em abstrato, o prazo prescricional era de 16 anos (pena de
10 anos = prazo de 16 anos), agora, de acordo com os arts. 109 e 110 do CP, ele
passará a ser de 8 anos (pena de 4 anos = prazo de 8 anos). Para que este cálculo
seja possível, obrigatoriamente deve ter ocorrido o trânsito em julgado da sen-
tença condenatória para a acusação (ou, ao menos, ainda que na pendência de
recurso acusatório, a pena não mais possa ser elevada), não para a defesa.
A prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto, portanto, sucede
a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato, mas com uma impor-
tante advertência: somente será analisada a prescrição pela pena em concreto
(subsidiária) se não ocorreu a prescrição pela pena em abstrato! Passemos, en-
tão, às modalidades de prescrição pela pena em concreto.

7.3.3.1  Prescrição retroativa

Ocorrendo a fixação da pena em um novo patamar, caso esta pena concretizada


altere o prazo prescricional, deve-se retroagir no tempo para que seja verificado
se, anteriormente à sentença, ocorreu a prescrição.
Tomemos como exemplo um crime de homicídio, cujo prazo prescricional,
pela pena em abstrato, é de 20 anos. Da consumação do delito até a data do rece-
bimento da denúncia, esse prazo não foi ultrapassado. Igualmente, não houve
o decurso dos 20 anos entre o recebimento da denúncia e a decisão de pronún-
cia; entre esta e a decisão confirmatória da pronúncia; e, por fim, da decisão
confirmatória até a sentença condenatória recorrível. Assim, podemos afirmar
que não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato.
Após o julgamento pelo Tribunal do Júri, com trânsito em julgado da sen-
tença para a acusação, a pena resta fixada em 6 anos. Por conseguinte, o prazo
prescricional é modificado (de acordo com o art. 109 do CP, passa a ser de 12

capítulo 7 • 149
anos) e, agora, teremos que retroagir no tempo. Primeiramente, da sentença
condenatória recorrível até a decisão confirmatória de pronúncia; depois, da
decisão confirmatória até a decisão de pronúncia; e, por fim, desta até o rece-
bimento da denúncia. Se em algum desses trechos o prazo de 12 anos foi ultra-
passado, ocorreu a prescrição retroativa.
Novamente fazemos um alerta: na prescrição retroativa, não se considera
o tempo transcorrido entre o recebimento da denúncia ou da queixa e o termo
inicial da prescrição. Ou seja, a prescrição retroativa se basta no recebimento
da denúncia ou da queixa, de acordo com o art. 110, § 1º, do CP, com reda-
ção determinada pela Lei n. 12.234, de 2010. Antes dessa alteração legislativa,
a retroação até o termo inicial, isto é, além do recebimento da denúncia ou da
queixa, isso era possível. Como a lei nova é prejudicial ao réu, ela somente será
aplicada aos casos ocorridos posteriormente à sua vigência (irretroatividade da
lei penal prejudicial).

7.3.3.2  Prescrição superveniente ou intercorrente

Caso não tenha ocorrido a prescrição retroativa, analisa-se a prescrição super-


veniente ou intercorrente. Esta é analisada da sentença condenatória recorrível
em diante (não retroativamente), desde que a pena fixada nesta decisão não
possa mais ser elevada, com alteração do prazo prescricional. Em nosso já ba-
tido exemplo do roubo, após fixada a pena em 4 anos, aferiu-se a inocorrência
da prescrição retroativa. Portanto, ainda não se deu a extinção da punibilidade.
Mas a ação penal continua em curso. Consequentemente, se entre a publicação
da sentença condenatória recorrível e o julgamento do recurso defensivo pen-
dente passaram mais de 8 anos, ocorreu a prescrição superveniente.

7.3.4  Prescrição da pretensão executória

Caso não tenha ocorrido a prescrição da pretensão punitiva até a publicação


da decisão condenatória transitada em julgado para ambas as partes (irrecor-
rível), tem-se a satisfação da pretensão punitiva, sem extinção da punibilidade.
Nesse momento, nasce a pretensão executória, ou seja, o Estado deverá efetivar
a pena. Enquanto a sanção não se encontra em execução, flui o prazo prescri-
cional para o exercício desse poder-dever, tal qual ocorre na prescrição da pre-
tensão punitiva.

150 • capítulo 7
7.3.4.1  Prazo prescricional

O prazo prescricional da pretensão executória é sempre calculado com base


na pena em concreto, que pode ser alterado pela reincidência, como já visto
(acréscimo de 1/3 no prazo). Pega-se a pena fixada na decisão definitiva e obser-
va-se o prazo, de acordo com as regras do art. 109 do CP.
Entretanto, há um outro fator que altera o prazo prescricional. Imaginemos
a seguinte cena: o réu, preso preventivamente, já tinha sua liberdade de loco-
moção restringida por ocasião da sentença definitiva, em que foi imposta pena
de 4 anos. Como ele já estava preso, a execução da sentença começou de forma
imediata. Considerando o tempo de detração e aquele tempo em que o con-
denado permaneceu preso após o início da execução da pena, passaram-se 3
anos. Isso significa que falta 1 ano da pena a cumprir. Nisso, ocorre a fuga do
condenado. Como houve a interrupção da execução da pena, inicia-se o prazo
prescricional para que o condenado seja recapturado. Esse prazo, no entanto,
não será determinado pela pena fixada na sentença condenatória (pena de 4
anos = prazo de 8 anos), mas pelo resíduo da pena a cumprir (pena de 1 ano =
prazo de 4 anos). Isso é o que determina o art. 113 do CP.

7.3.4.2  Termo inicial

Consoante o art. 112 do CP, o prazo prescricional da pretensão executória co-


meça a fluir: (a) do dia em que transita em julgado a sentença condenatória,
para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livra-
mento condicional (inciso I); e (b) do dia em que se interrompe a execução, sal-
vo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena (inciso II).
No que tange ao inciso I, impõe-se uma colocação: o trânsito em julgado
para a acusação, de que trata a norma, não é apenas a preclusão em um dos
graus de jurisdição, mas em todos. Como a pretensão executória só nasce com
a sentença irrecorrível, seu prazo não poderia ser iniciado antes desse momen-
to. Portanto, ainda que, em primeiro grau de jurisdição, a acusação não tenha
recorrido, apenas com a sentença definitiva poderemos considerar o início do
prazo prescricional.

capítulo 7 • 151
7.3.4.3  Causas interruptivas e suspensivas da prescrição

O art. 117 do CP, em seus incisos V e VI, traz as causas interruptivas da pres-
crição da pretensão executória, que produzem os mesmos efeitos daquelas re-
ferentes à pretensão punitiva. São elas o início ou a continuidade do cumpri-
mento da pena e a reincidência. Por exemplo, condenado a uma pena de 6 anos
de prisão, Tiago está foragido, sendo certo que, neste período, flui o prazo de
prescrição da pretensão executória (12 anos). Todavia, o condenado é captura-
do antes que a prescrição ocorra. Nesse momento, inicia-se o cumprimento da
pena e o prazo prescricional é interrompido. Após cumprir 3 anos de sua pena,
Tiago foge. Como o prazo anterior fora interrompido, com a fuga ele novamen-
te começa a fluir, todavia “zerado” (no entanto, o tempo de cumprimento da
pena deverá ser observado, ou seja, é a pena residual que determinará o prazo
prescricional; portanto, 8 anos para que ocorra a prescrição).

7.3.5  Prescrição nas medidas de segurança e nas penas restritivas


de direitos

Majoritariamente, em caso de medidas de segurança aplicáveis a inimputáveis,


como não há a possibilidade de concretização de uma pena que sirva de parâ-
metro (já que o inimputável é absolvido por sentença absolutória imprópria),
usa-se a pena máxima cominada abstratamente ao fato típico praticado para a
determinação do prazo prescricional, embora tal posição não seja pacífica (há
quem defenda o uso da pena mínima).
Nas penas restritivas de direitos há regra expressa (art. 109, p. único). Ou
seja, o prazo prescricional é igual ao reservado às penas privativas de liberda-
de substituídas.
No que tange às causas suspensivas, a prescrição não corre enquanto o con-
denado está preso por outro motivo.

152 • capítulo 7
7.3.6  Esquema sucessivo da prescrição

Prescrição da
pretensão punitiva
• Usa-se a pena máxima (pena em concreto • Pressupõe sentença
em abstrato (não há pena • Usa-se a pena fixada condenatória irrecorrível
em concreto) em sentença, se não • Baseia-se na pena
• Verificar causas de pode ser aumentada estabelecida na sentença
aumento e diminuição, • Pode ser retroativa ou • Verificar possível
bem como a idade do superveniente, sempre reincidência.
autor Prescrição da nesta ordem.
Prescrição da
pretensão punitiva
Pretensão executória
(pena em abstrato)

ATIVIDADE
Rafael, nascido em 02/05/1990, ao dirigir imprudentemente, atropelou e feriu Marcos, co-
metendo, assim, o crime do art. 303 da Lei 9.503/97 (pena de 6 meses a dois anos de
detenção). O fato se deu no dia 15/01/2011, sendo certo que a vítima compareceu à De-
legacia de Polícia para representar contra o autor do fato em 09/04/2011. Encerrada a
investigação, os autos foram remetidos ao Ministério Público, que, após ver frustradas as ten-
tativas de composição civil ou transação penal, denunciou o autor do fato em 10/01/2013,
dando-se a decisão de recebimento em 12/01/2013. Enfrentada a instrução processual,
em 20/04/2014 o réu foi condenado a uma pena de oito meses de detenção, substituída
por prestação de serviços à comunidade, decisão esta publicada no mesmo dia. Não houve
recurso da acusação. Pergunta-se: ocorreu a extinção da punibilidade do réu?

capítulo 7 • 153
GABARITO
Capítulo 1

01. A resposta, primeiramente, passa por identificar quais foram os crimes praticados por
Pedro. Este, ao desferir uma machadada na cabeça da vítima pelas costas, cometeu homi-
cídio qualificado pelo recurso que impossibilita a defesa da vítima. Contudo, como pensava
eliminar o estuprador da própria mãe, incide sobre o caso uma causa de diminuição da pena,
a saber, o relevante valor moral (art. 121, § 1º e § 2º, IV, CP). Além disso, Pedro cometeu
ocultação de cadáver, crime previsto no artigo 211 do CP.
Agora, analisemos a conduta de Maria: ao convencer Pedro sobre o estupro fictício, ou
seja, ao enganá-lo, a mulher o induziu à prática homicida. Deve ela responder igualmente pelo
homicídio? Sim. Há concurso de pessoas no caso concreto. Mas seria ela autora, coautora
ou partícipe do delito? Depende da teoria adotada. Em uma perspectiva unificadora, como
não há diferenciação entre autores e partícipes, é óbvio que Maria e Pedro seriam coautores.
Vejamos, então, as concepções diferenciadoras: (a) teoria subjetiva – Maria desejava o crime
para si (animus auctori), então seria ele autora do delito; (b) teoria objetivo-formal – como
não executou o homicídio, Maria é partícipe do crime; (c) teoria do domínio do fato – Maria
não executou diretamente o crime (não é autora imediata); não usou Pedro (que não é inim-
putável ou não agia em erro determinado por terceiro, senão quanto a existência do estupro)
como instrumento de sua conduta, sequer existindo o domínio de um aparato organizado de
poder (não há autoria mediata); e não exerceu conduta importante na fase executória do
delito (não é autora funcional), de modo que Maria aparece como partícipe do homicídio. Um
outro ponto deve ser verificado aqui: a causa de diminuição da pena concernente ao rele-
vante valor moral e a qualificadora referente ao recurso que impossibilitou a defesa da vítima
devem ser aplicados a Maria? Resposta: não e sim. Em ambos os casos temos circunstâncias
(não elementares), sendo que, na primeira hipótese, são pessoais (motivação) e, na segunda,
impessoais (modo do crime). Apenas as impessoais se comunicarão. E quanto à ocultação de
cadáver? Dela Maria nem mesmo tomou ciência, não podendo ser responsabilizada.
Passemos à conduta de Antônio: sabendo que Pedro iria matar a vítima e buscando
ajudá-lo, Antônio aderiu subjetivamente à conduta do amigo. Contudo, sua conduta não teve
qualquer relevância causal, de modo que ele não responde pelo homicídio. E no tocante à
ocultação do cadáver? Pelas teorias objetivo-formal (praticou atos de execução) e do domí-
nio do fato (houve divisão de tarefas relevantes, com imputação recíproca), atuou em coauto-
ria com Pedro (para a teoria do domínio do fato, é autor funcional). Pela teoria subjetiva, quis
apenas ajudar o amigo, ou seja, agiu com animus socii, sendo apenas partícipe.

154 • capítulo 7
Capítulo 2

01. Passamos, agora, a responder o caso, sugerindo que haja ponderação sobre ele antes
da leitura da solução: a conduta do autor se subsome aos tipos penais de embriaguez ao
volante (art. 306 da Lei n. 9.503/97) e lesão corporal culposa na direção de veículo auto-
motor majorada (três delitos, todos previstos no art. 303, parágrafo único, da mesma lei). As
lesões se encontram em concurso formal de infrações, pois, com um único comportamento
(a violação de um dever de cuidado), o sujeito ativo lesionou três bens jurídicos. Como as le-
sões são culposas, esse concurso formal é reconhecido como perfeito, impondo a aplicação
da pena pelo sistema da exasperação. Assim, em sendo todos os delitos de igual gravidade,
será escolhida a pena de um deles, aumentada em 1/5 (em razão de existirem dois deli-
tos sobressalentes).
E quanto à embriaguez? Há duas formas de se avaliar a questão: pode-se imaginar que,
em sendo um crime de perigo, a embriaguez restaria absorvida pelas lesões, pois representa
um estágio anterior de proteção aos mesmos bens jurídicos. No caso, teríamos a aplicação
do princípio da subsidiariedade, evitando o bis in idem. Ou seja, concurso aparente de nor-
mas, não concurso de crimes. Por outro lado, pode-se argumentar que o crime de embriaguez
ao volante é classificado como de perigo comum, expondo a coletividade a um risco de lesão,
ao passo em que as lesões são individualizadas. Ademais, o art. 306 da Lei n. 9.503/97
tem a pena mais alta. Assim, ele poderia figurar em concurso de crimes com as lesões, sem
que isso implique bis in idem. Partindo desse raciocínio, a embriaguez estaria em concurso
material com as lesões, impondo-se o sistema do cúmulo material entre ele e o conjunto
das lesões.

Capítulo 3

01. Passemos a consignar a resposta: em virtude do princípio da personalidade, o pai não


poderá ser responsabilizado pela conduta de seu filho, embora possa o ser pelo crime pre-
visto no art. 13 da Lei n. 10.826, de 2003. A personalidade, assim como outros princípios,
serve à limitação do poder estatal, o que se coaduna com a teoria agnóstica, que vê na pena
a expressão de um ato político.

Capítulo 4

01. Respondendo: (a) O emprego de arma, no roubo (art. 157, § 2º, I, CP) é causa de au-
mento da pena, sendo valorada na fase da pena definitiva (terceira fase). (b) Para que seja
imposto um regime mais gravoso, o magistrado deve se valer do disposto no § 3º, mas, para

capítulo 7 • 155
tanto, deve esposar uma fundamentação baseada no caso concreto. Argumentações vagas,
principalmente as baseadas na gravidade em abstrato do crime, não são válidas.

Capítulo 5

01. Resposta: (a) A decisão está incorreta. Isso porque, na hipótese, seria cabível a subs-
tituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O sursis só tem vez quando
inaplicáveis as penas restritivas. (b) Enquanto o sursis suspende a pena, antes mesmo do
início de sua execução, o livramento condicional pressupõe o cumprimento de parcela da
sanção penal.

Capítulo 6

01. Resposta: como a vulnerabilidade é transitória, a ação penal se mantém pública con-
dicionada à representação do ofendido, não havendo se falar em ação incondicionada. A
vítima poderá oferecer ação privada subsidiária desde que o Ministério Público se mante-
nha inerte, deixando transcorrer o prazo para denúncia. Depois de oferecida a ação privada,
Natália poderá dela desistir, mas a ação não será extinta. Ao contrário, o MP nela prosse-
guirá. Isso porque a ação continua substancialmente pública, aplicando-se a ela o princípio
da indisponibilidade.

Capítulo 7

01. Resposta: Não. Inicialmente, temos que observar se ocorreu a decadência do direito de
representação, pois o crime em tela é de ação pública condicionada. Como esse foi exercita-
do em menos de seis meses, a contar da ciência da autoria pela vítima, o direito não decaiu.
Deve-se, então, passar à análise da prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato.
Como o crime tem pena máxima de 2 anos, o prazo, pelo art. 109 do CP, é de 4 anos. Todavia,
à época do crime, o réu tinha menos de 21 anos. Portanto, o prazo é reduzido para 2 anos.
Da data de consumação do crime até o recebimento da denúncia, não houve o decurso de
tal prazo. Igualmente, entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença conde-
natória, não restou expirado o prazo prescricional. Com a sentença condenatória e o trânsito
em julgado para a acusação, passa a valer, para cálculo do prazo prescricional, a pena fixada
na sentença (pena em concreto). E esta foi fixada em 8 meses, o que, consoante o art. 109,
determina um prazo prescricional de 3 anos. Como o réu era menor de 21 anos quando do
fato, 1 ano e 6 meses. Ainda que a pena privativa de liberdade tenha sido substituída por

156 • capítulo 7
uma restritiva de direitos, esta prescreve no mesmo prazo. Então, há se fazer o cálculo da
prescrição retroativa. Entre a publicação da sentença condenatória e o recebimento da de-
núncia, o tempo decorrido foi inferior a 1 ano e 6 meses. Esse tempo, todavia, foi superado
entre o recebimento da denúncia e a data da consumação do fato. Contudo tal período não
pode ser utilizado para fins de prescrição retroativa. Por conseguinte, não ocorreu a extinção
da punibilidade.

capítulo 7 • 157

Potrebbero piacerti anche