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Horizontes da

coleção
pesquisa em
história da
educação no
Brasil

O ENSINO DE
HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO

sociedade Brasileira de história da educação


Universidade federal do espírito santo
Editora da Universidade Federal do Espírito Santo
Av.Fernando Ferrari, 514 - CEP 29075-910 - Goiabeiras - Vitória - ES Tel:
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Projeto Gráfico - capa e Miolo | Denise R Pimenta


Revisão | Alina Bonella

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)


(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

E59 O Ensino de história da educação / Marta Maria Chagas de Carvalho,


Décio Gatti Júnior (organização). - Vitória : EDUFES, 2011.
405 p. : il. – (Coleção Horizontes da pesquisa em história da
educação no Brasil ; v. 6)

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7772-078-1

1. Educação - História. 2. Ensino. I. Carvalho, Marta Maria


Chagas de. II. Gatti Júnior, Décio. III. Série.

CDU: 37(091)
Marta Maria Chagas de Carvalho
Décio Gatti Júnior
(Organização)

O ENSINO DE
HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO

Volume 6

Vitória
2011
Autores dos textos

Claudemir de Quadros
Décio Gatti Júnior
José Carlos Souza Araújo
Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro
Sauloéber Társio de Souza
José Roberto Gomes Rodrigues
Justino Magalhães
Luiz Carlos Barreira
Maria Rita de Almeida Toledo
Marta Maria Chagas de Carvalho
Mirian Jorge Warde
Norberto Dallabrida
Thais Nivia de Lima e Fonseca
Zuleide Fernandes de Queiroz
APRESENTAÇÃO

Desde 1999, a Sociedade Brasileira de História da


Educação (SBHE) cumpre o importante papel de congregar
estudantes, professores/as e pesquisadores/as que desenvolvem
atividades de ensino e pesquisa na área, com a finalidade de
estimular a realização de estudos pautados pela crítica e pela
pluralidade teórico-metodológicas, bem como de promover o
intercâmbio com outras entidades de representação nacional
e internacional no campo da história da educação e áreas
afins.
Celebrando o décimo aniversário da SBHE, a coleção
HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
NO BRASIL, fruto de uma parceria realizada entre a
Universidade Federal do Espírito Santo e a SBHE, reúne
resultados de estudos e reflexões produzidos por um grupo
representativo de pesquisadores/as cujos trabalhos, realizados
em diferentes instituições de ensino e pesquisa brasileiras,
têm contribuído para a consolidação e para a ampliação de
conhecimentos na/da área.
Expressando a pluralidade das questões pesquisadas,
os dez volumes da coleção abordam os seguintes temas na
história da educação brasileira: gênero, etnia e movimentos
sociais; práticas escolares e processos educativos; currículo,
disciplinas e instituições escolares; história da profissão
docente; história das culturas escolares; intelectuais e história
da educação no Brasil; Estado e políticas educacionais;
educação e instrução na corte e nas províncias; ensino de
história da educação; fontes e métodos; história da infância.
Em linhas gerais, a iniciativa objetiva realizar uma espécie
de mapeamento do que vem sendo produzido pela área na
última década e, por meio desse mapeamento, criar condições
para pensarmos as direções assumidas pela pesquisa histórica
em educação no Brasil do ponto de vista dos desafios
enfrentados e perspectivas adotadas pela comunidade de
pesquisadores/as.
Dessa forma, trata-se de uma coleção de referência da
produção da historiografia da educação brasileira, compondo
um mosaico expressivo de opções de temáticas, de tendências
teóricas, de grupos de pesquisa, de regiões, etc. que vêm se
consolidando nas últimas décadas. Enfim, atendendo aos fins
da SBHE, a sua publicação visa a suscitar novos debates e
intercâmbios acadêmicos, fundamentais para o aprimoramento
da ciência e para a sua difusão na sociedade como um todo.
Acreditamos que o resultado final desta coleção fala de três
coisas das quais a comunidade de pesquisadores/as reunida em
torno da SBHE pode se orgulhar: a consistência das produções
teóricas apresentadas, a pluralidade teórica, temática e
metodológica expressa no conjunto dos trabalhos produzidos
e, por último, as trocas interinstitucionais e interpares que
tornaram possível a sua realização.

Wenceslau Gonçalves Neto


Regina Helena Silva Simões
organizadores da coleção
PREFÁCIO

Sob o título de O ensino de História da Educação, o pre-


sente volume faz parte da coleção comemorativa dos dez anos
da Sociedade Brasileira de História da Educação, com o tema
geral Horizontes da pesquisa em história da educação no
Brasil. Este volume insere-se no âmbito tanto de uma história
disciplinar da História da Educação quanto das reflexões em
torno de seu ensino nos cursos de graduação vinculados à for-
mação de professores e nos programas de pós-graduação stric-
to sensu destinados à formação de pesquisadores. Em ambos
os casos, alinha-se aos esforços investigativos relativamente
recentes levados a cabo por pesquisadores brasileiros e estran-
geiros afetos a essa temática.
Assim, sob a coordenação de Marta Maria Chagas de Car-
valho e de Décio Gatti Júnior, organizou-se o presente volume
que reúne doze trabalhos, redigidos por quatorze autores, tre-
ze deles com vínculo a dez diferentes instituições de educa-
ção superior estabelecidas em diversas regiões do Brasil e um
autor de Portugal, vinculado a Universidade de Lisboa.
Sob o título Ensino com pesquisa, educação digital e for-
mação de professores: possibilidades de ensinar e aprender
acerca da História da Educação, Claudemir de Quadros, da
Universidade Federal de Santa Maria, apresenta um relato de
experiências de ensino e aprendizagem relacionadas com a
história da Educação, desenvolvidas no Curso de Pedagogia
do Centro Universitário Franciscano (Unifra), em Santa Maria/
RS, entre os anos de 2007 e 2009, com destaque para preocu-
pações com processos de ensino e aprendizagem, promoção
da curiosidade, estímulo à capacidade criadora, educação di-
gital e profissão docente.
Décio Gatti Júnior, da Universidade Federal de Uber-
lândia, redigiu o trabalho intitulado Intelectuais e circulação
internacional de idéias na construção da disciplina História
da Educação no Brasil (1955-2008), no qual analisou a obra
de quatro autores estrangeiros com livros traduzidos para o
português e publicados no Brasil, entre 1955 e 1999, e que
continuavam a constar dos programas de ensino em vigor
em diversos cursos de licenciatura em Pedagogia brasileiros
na década de 2000, a saber: Lorenzo Luzuriaga, História da
educação e da pedagogia, com primeira edição em português
datada de 1955; Francisco Larroyo, História geral da pedago-
gia, com primeira edição em português datada de 1970; Mario
Alighiero Manacorda, História da educação: da antiguidade
aos nossos dias, com primeira edição em português datada
de 1989; Franco Cambi, História da Pedagogia, com primeira
edição em português datada de 1999.
No texto intitulado Haveria uma historiografia educacio-
nal brasileira expressa pelos manuais didáticos publicados entre
1914 e 1972?, os autores José Carlos Souza Araújo, Betânia de
Oliveira Laterza Ribeiro e Sauloéber Társio de Souza, da Uni-
versidade Federal de Uberlândia, explicitam uma análise, ainda
que introdutória e parcial, de caráter historiográfico-educacio-
nal, a respeito dos manuais de História da Educação – publica-
dos, em primeira edição, entre 1914 e 1972 -, que trazem em
seu bojo conteúdos e orientações pedagogizados e didatizados
em torno da explicação e da interpretação da realidade históri-
co-educacional brasileira, discutindo, pela ordem: aspectos re-
lativos à historiografia; problematizações em torno dos manuais
de História da Educação em apreço e pelo seu objeto; caracte-
rizações em torno de uma investigação comparativa entre eles;
uma análise historiográfica dos conteúdos histórico-educacio-
nais dos referidos manuais expressos pela periodização triparti-
te em colonial, imperial e republicana.
Em seguida, José Roberto Gomes Rodrigues, da Univer-
sidade do Estado da Bahia (Campus de Juazeiro), no trabalho
intitulado O ensino de História da Educação: um olhar reflexi-
vo a partir da análise de planos e programas curriculares, ana-
lisa diversos planos e programas de ensino e de depoimentos
gravados a partir de roteiros semiestruturados com professores
de História da Educação em universidades de Belo Horizonte/
MG e da Bahia. Nessa análise, são abordadas questões refe-
rentes ao ensino da disciplina, situando a emergência do tema
ensino de História da Educação no campo da pesquisa e a sua
freqüência, como eixo temático, em congressos, encontros
etc. na última década.
Em O ensino da História da Educação, Justino Magalhães,
da Universidade de Lisboa, analisa o ensino de História da
Educação, partindo das necessidades e possibilidades de co-
nhecimento exigido ao técnico de educação: pedagogo, pro-
fessor, formador, investigador, tendo atenção à multiplicidade
das abordagens que podem ser adotadas no ensino de Histó-
ria. Em alguns passos, a reflexão torna-se extensiva à formação
e ao trabalho do profissional de História na educação básica
(ensino fundamental e médio), relacionando-a com as ativida-
des de ensino e de investigação. Para ele, o ensino da História
debate-se com questões comuns à História da Educação, e a
universidade é o locus principal onde o professor de História
se forma. Apresenta também argumentos para demonstrar e
ilustrar a relevância e a atualidade da História da Educação,
transcrevendo e fundamentando diferentes programas de en-
sino, procurando, enfim, dar um testemunho sobre os atuais
desafios do ensino da História da Educação no ensino uni-
versitário, decorrentes da implementação da Convenção de
Bolonha; da heterogeneidade dos públicos; da pluralidade de
interlocutores; da crescente produção científica e do alarga-
mento do campo historiográfico.
Luiz Carlos Barreira, da Universidade Católica de Santos,
no trabalho intitulado Ensino de História da Educação na Pós-
Graduação em Educação, no Brasil, na década de 1980: uma
experiência revisitada, traz uma leitura crítica e contextuali-
zada de quatro programas da disciplina História da Educação
Brasileira, elaborados no âmbito do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação da Pontifícia Universidade Católi-
ca de São Paulo, na década de 1980. Para a realização dessa
leitura, o autor ateve-se não apenas aos objetivos e conteúdos
desses programas, mas também aos textos e autores neles pro-
postos como bibliografia básica, ou de apoio às discussões em
sala de aula. Como se verá, entendia-se que o percurso forma-
tivo dos alunos não poderia prescindir de leituras formadoras,
de leituras que possibilitassem a compreensão de como a edu-
cação fora pensada e praticada na sociedade brasileira, desde
a época do assim denominado “descobrimento” do país, até
aqueles malfadados anos da ditadura militar (1964-1985).
Em Internacionalização de cânones de leitura: as Atua-
lidades Pedagógicas na Biblioteca Museu do Ensino Primário
e o ensino de História da Educação, Maria Rita de Almeida
Toledo, da Universidade Federal de São Paulo (Campus Gua-
rulhos), apresenta texto que resulta de investigação sobre a
circulação dos livros editados na coleção Atualidades peda-
gógicas, entre 1931 e 1950, na Biblioteca Museu do Ensino
Primário de Lisboa. Essa biblioteca foi dirigida por Adolfo
Lima, um dos expoentes do escolanovismo português, e ma-
terializou suas concepções e representações para a formação
docente. Por sua vez, a coleção foi dirigida por Fernando de
Azevedo, também expoente do escolanovismo brasileiro, na
Companhia Editora Nacional, empresa de renome internacio-
nal na indústria de livros. Constatou-se que, nessa biblioteca,
há forte presença de títulos de autores brasileiros e traduções
brasileiras para o português, mais especificamente, dos livros
editados na coleção em questão.
Marta Maria Chagas de Carvalho, da Universidade de São
Paulo, redigiu o texto intitulado Por entre restos de memória:
um relato sobre o ensino de História da Educação no Curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação da USP (1971-1997),
no qual registra algumas iniciativas no campo do ensino da
História da Educação, no Curso de Pedagogia da Faculdade de
Educação, da Universidade de São Paulo, entre 1971, ano em
que iniciou sua vida profissional naquela instituição, e 1997,
ano em que se aposentou. Segundo a autora, o texto apresenta
um depoimento, construído fragmentariamente com resíduos
de memória ativados a partir da reunião de alguns papéis ve-
lhos, fragmentos de uma já empalidecida militância institu-
cional em favor de uma redefinição do perfil e do estatuto da
disciplina no curso.
No trabalho intitulado “Brincando nos campos do se-
nhor: anotações para uma história da formação dos profes-
sores e do ensino da História da Educação no Brasil, Mirian
Jorge Warde, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho (Campus Araraquara), intenciona contribuir para a
história da formação dos professores e do ensino da História
da Educação no Brasil. Seu texto examina 140 currículos de
professores doutores brasileiros que mantêm trajetórias aca-
dêmicas regulares, exclusiva ou dominantemente dedicadas à
História da Educação, quer em seus aspectos mais gerais quer
em seus temas mais específicos, como infância, alfabetização,
intelectuais, dentre outros. Para a seleção desses currículos,
foram adotados critérios, como: vínculos profissionais está-
veis, acrescidos de relações consolidadas e privilegiadas com
a disciplina, expressas no ensino e na publicação de resulta-
dos de pesquisa.
Norberto Dallabrida, da Universidade do Estado de San-
ta Catarina, contribui com o trabalho intitulado Qual História
da Educação ensinar?, no qual tece considerações acerca da
disciplina História da Educação nos Cursos de Pedagogia bra-
sileiros, procurando refletir sobre três aspectos considerados
centrais dessa disciplina: a perspectiva genealógica, o foco
na escolarização da infância e a questão das apropriações de
culturas escolares. Dessa forma, o texto procura repensar a
disciplina História da Educação para os cursos de licenciatura
em Pedagogia, de modo que ela contribua, de forma criativa e
efetiva, com a inovação pedagógica.
Em O período colonial nos manuais de História da Edu-
cação brasileira, Thais Nivia de Lima e Fonseca, da Universi-
dade Federal de Minas Gerais, apresenta uma análise de um
conjunto de livros usados tanto nos cursos de formação de
professores quanto nas referências de base para a História da
Educação no Brasil nas últimas décadas. Suas características e
os usos que deles podem ser feitos permitem a autora tratá-los
como “manuais” no sentido de serem obras sobre uma Histó-
ria Geral da Educação no Brasil. No recorte aqui definido, a
ênfase recai sobre as temáticas relacionadas com o período
colonial, visivelmente o menos estudado pela historiografia da
educação brasileira, em comparação com os períodos impe-
rial e republicano.
Por fim, no texto Ensinando História da Educação, for-
mando professores-pesquisadores: o ensino da História da
Educação no Curso de Pedagogia da Universidade Regional
do Cariri, Zuleide Fernandes de Queiroz, da Universidade Re-
gional do Cariri, analisa a caminhada da disciplina História
da Educação no Ceará e no Cariri, com oferta obrigatória no
currículo do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universi-
dade Regional do Cariri (URCA), no período de 1998 a 2008,
considerando que, a partir de 2009, seu conteúdo passou a
integrar a disciplina História da Educação Brasileira.
Com este volume, espera-se demonstrar a vitalidade da
pesquisa em História da Educação no Brasil e, particularmen-
te, assinalar a emergência de estudos e pesquisas acerca da
história disciplinar da História da Educação e de reflexões so-
bre os objetivos e as metodologias de ensino mais comumente
empregadas.

Marta Maria Chagas de Carvalho


Décio Gatti Júnior
Organizadores
SUMÁRIO

Ensino com pesquisa, educação digital e formação


de professores: possibilidades de ensinar e aprender
acerca da História da Educação........................................ 17
Claudemir de Quadros

Intelectuais e circulação internacional de ideias na


construção da disciplina História da Educação no
Brasil (1955-2008)............................................................ 47
Décio Gatti Júnior

Haveria uma historiografia educacional brasileira


expressa pelos manuais didáticos publicados entre
1914 e 1972?................................................................... 95
José Carlos Souza Araújo, Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro
e Sauloéber Társio de Souza

O ensino de História da Educação: um olhar reflexivo a


partir da análise de planos e programas curriculares....... 145
José Roberto Gomes Rodrigues

O ensino da História da Educação.................................. 175


Justino Magalhães

Ensino de História da Educação na Pós-Graduação


em Educação, no Brasil, na década de 1980: uma
experiência revisitada..................................................... 211
Luiz Carlos Barreira

Internacionalização de cânones de leitura:


as Atualidades Pedagógicas na Biblioteca Museu do
Ensino Primário e o ensino de História da Educação...... 243
Maria Rita de Almeida Toledo
Por entre restos de memória: um relato sobre o ensino
de História da Educação no Curso de Pedagogia da
Faculdade de Educação da USP (1971-1997)................. 277
Marta Maria Chagas de Carvalho

Brincando nos campos do senhor: anotações para uma


história da formação dos professores e do ensino da
História da Educação no Brasil....................................... 305
Mirian Jorge Warde

Qual História da Educação ensinar?............................... 337


Norberto Dallabrida

O período colonial nos manuais de História da


Educação brasileira........................................................ 363
Thais Nivia de Lima e Fonseca

Ensinando História da Educação, formando


professores-pesquisadores: o ensino da História
da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade
Regional do Cariri.......................................................... 389
Zuleide Fernandes de Queiroz
O ensino de história da educação

Ensino com pesquisa, educação digital e


formação de professores: possibilidades
de ensinar e aprender acerca da História
da Educação

Claudemir de Quadros

Introdução

Neste texto, apresenta-se o relato de experiências de ensino


e aprendizagem em História da Educação e a sistematização
de algumas preocupações que não são recentes no itinerário
desta pesquisa vinculado à docência na educação superior.
Essas preocupações se desenvolveram a partir de vivências
em relação ao ensinar e ao aprender em cursos de formação
de professores. Inicialmente, tomaram forma de perguntas
simples: como posso melhorar ou tornar as aulas mais
interessantes, mais vivas, mais dinâmicas? Como usar textos
de modo mais produtivo? Como mobilizar intelectualmente
estudantes para o aprendizado relacionado com a História
da Educação? De que modo a educação digital ou o uso
de tecnologias da informação e da comunicação podem
contribuir nesse processo? Como produzir possibilidades de
ensinar e aprender acerca da História da Educação em cursos
de formação de professores? Como integrar pesquisa com
ensino e aprendizagem e fazer disso uma dimensão importante
da formação de professores?
Ao longo do tempo, essas questões, de uma forma ou
de outra, pautaram o planejamento de ensino, bem como
suscitaram outras perguntas, outras dúvidas, outras reflexões.
Neste texto, apresentam-se, enfim, experiências de ensino

17
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

e aprendizagem relacionadas com a História da Educação,


desenvolvidas no Curso de Pedagogia do Centro Universitário
Franciscano (Unifra), em Santa Maria/RS, entre os anos de
2007 e 2009. No âmbito dessas experiências, destacaram-
se preocupações com processos de ensino e aprendizagem,
promoção da curiosidade e estímulo à capacidade criadora,
educação digital e profissão docente.

Diagnósticos, recomendações e prescrições


acerca do ensino de História

São antigos e também recentes, inúmeros e fartos os


diagnósticos que apontam para a aprendizagem em relação
à História como algo relacionado com a memorização e a
repetição de datas e fatos. Maria Stephanou (1998, p. 16) faz
uma afirmação pela qual se pode indiciar que essas práticas se
sucedem geração após geração:

Evocar metáforas para expressar lembranças ou marcas


conservadas na memória acerca de nossas experiências em
aulas de História, como alunos de 1º ou 2º graus, frequentemente
tem nos remetido a uma espécie de comunidade de sentido:
decoreba, questionário, datas e fatos, repetição. Por vezes,
distamos mais de uma geração uns dos outros, contudo,
partilhamos sentidos muito próximos: aprender a preencher
questionários, memorizar e esquecer, invariavelmente
caracterizam as evocações acerca do ensino da História.

Em termos gerais, a mesma autora entende que o


conhecimento contemplado para o ensino e aprendizagem
de História se caracteriza por se deter sobre fatos passados
e acentuar personagens especiais, destacar acontecimentos
oficiais, apresentar fatos em sucessão cronológica, periodizar
segundo modelo europeu e privilegiar o mundo ocidental,
tender para uma história assexuada e apresentar uma perspectiva
evolucionista e linear. Em síntese, “[...] o conhecimento obtido

18
O ensino de história da educação

do passado é concebido como conteúdo isento, pronto,


acabado [...]. Os discursos históricos assumem o estatuto de
verdade, traduzindo-se em informações acumuladas, cabendo
à escola transmiti-las” (STEPHANOU, 1998, p. 20).
Parece não ser por falta de recomendações e prescrições
em sentido contrário que esse tipo de ensino e de aprendizagem
permanece reforçado. No âmbito dos parâmetros curriculares
nacionais, por exemplo, aponta-se para a necessidade de
se repensar os sentidos dos aprendizados, das formas e dos
modos de se promover o ensino da História. Mais do que
transmitir informações acumuladas, ensinar e aprender História
podem se relacionar com estudos “[...] sobre problemáticas
contemporâneas, situando-se nas diversas temporalidades,
servindo como arcabouço para a reflexão sobre possibilidades
e/ou necessidades de mudanças e/ou continuidades” (BRASIL,
1999, p. 41). Nesse sentido, recomenda-se que se preste atenção
a temas pouco abordados; considere a pluralidade de sujeitos, de
temporalidades e de espaços; utilize resultados de investigações
realizadas; promova pesquisas orientadas da sala de aula; trate
de memórias sociais sem exclusões; aborde temas variados,
de épocas diversas, de forma comparada a partir de diferentes
documentos e linguagens; preste atenção às problemáticas de
classes, gêneros, grupos sociais, locais, regionais, nacionais;
promova diferentes formas de compreensão e desenvolvam-se
competências de representação e comunicação, investigação,
compreensão e contextualização sociocultural.
As diretrizes curriculares nacionais para os cursos
de graduação (BRASIL, 2004) seguem em direção similar.
Apontam, como objetivos ou metas dos cursos, que os
estudantes precisam desenvolver, ao longo da formação,
certas competências e habilidades, como: conhecer diferentes
concepções metodológicas que referenciam a construção
de categorias para a investigação e a análise das relações
sócio-históricas; problematizar, nas múltiplas dimensões das
experiências dos sujeitos históricos, a constituição de diferentes

19
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

relações de tempo e espaço; conhecer as informações básicas


referentes às diferentes épocas históricas nas várias tradições
civilizatórias assim como sua inter-relação; transitar pelas
fronteiras entre a História e outras áreas do conhecimento;
desenvolver a pesquisa, a produção do conhecimento e
sua difusão não só no âmbito acadêmico, mas também em
instituições de ensino, museus, em órgãos de preservação
de documentos e no desenvolvimento de políticas e projetos
de gestão do patrimônio cultural; desenvolver competências
para a utilização da informática; ter domínio dos conteúdos
básicos que são objeto de ensino-aprendizagem no ensino
fundamental e médio.
Concomitante a esse contexto de reformulação curricular,
também se pode destacar que a investigação histórico-
educacional tem experimentado, nas últimas décadas, um
importante processo de desenvolvimento, no âmbito do
qual se destacou a inclusão de outras problematizações,
terminologias e métodos. Procurou-se caminhar na direção
de abandonar modelos rígidos ou princípios de racionalidade
única e estabelecer uma relação mais próxima com a sociedade
e com os processos históricos que se pretendiam estudar.
Esse processo de desenvolvimento foi marcado, por um
lado, pela perda da validade das metanarrativas como forma
única de explicação histórica e, por outro, pela conquista
de espaço do argumento segundo o qual a História, mais
do que descobrir ou encontrar, produz e propõe uma
inteligibilidade para os fatos. Em síntese, o historiador
reconstrói o passado na forma de uma narrativa
problematizada.
Paul Veyne (1998, p. 18) aborda a relação entre o fazer
História e a narrativa no clássico Como se escreve a história:

A história é uma narrativa de eventos: todo o resto resulta


disso. Já que é, de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses
eventos, assim como tampouco o faz o romance; o vivido,
tal com ressai das mãos do historiador, não é o dos atores; é

20
O ensino de história da educação

uma narração, o que permite evitar alguns falsos problemas.


Como o romance, a História seleciona, simplifica, organiza,
faz com que um século caiba numa página [...]. A História é,
em essência, conhecimento por meio de documentos. Desse
modo, a narração histórica situa-se para além de todos os
documentos, já que nenhum deles pode ser o próprio evento;
ela não é um documentário em fotomontagem e não mostra o
passado ao vivo como se você estivesse lá.1

A produção de uma inteligibilidade para o passado


remete a uma operação historiográfica que, para Michel de
Certeau, articula-se em torno de três dimensões inseparáveis:
ela é produto de um lugar social e institucional; é uma
prática, na medida em que é mediatizada pela relação entre o
documento e a sua construção; e, finalmente, é uma escrita;
uma escrita que abre “[...] para o presente um espaço próprio:
marcar um passado é abrir um lugar para o morto, mas também
redistribuir o espaço dos possíveis” (2002b, p. 118).
Embora não se constitua em novidade o fato de os
historiadores se interrogarem sobre o estatuto de sua disciplina,
em seu tempo, Leopold Von Ranke, e, de outra parte, Marc
Bloch, dentre outros, já o fizeram a seu modo e, de acordo
com o conhecimento disponível e as verdades de suas
épocas, esse processo de desenvolvimento da investigação
histórica provocou mal-estares e inquietudes. Formularam-se
proposições que, de certo modo, estremeceram os referenciais
até então aceitos e que, de uma forma ou de outra, definiam
não somente os modos de fazer ou narrar a História, mas a
própria epistemologia da disciplina. Roger Chartier (1994,
p.100) se refere a esse desconforto nos seguintes termos:

1
Roger Chartier (2009, p. 9) compartilha dessa posição ao anunciar que “[...]
dar a ler textos antigos não é, de acordo com as palavras de Arlette Farge,
recopiar o real. Pelas escolhas que faz e pelas relações que estabelece, o
historiador atribui um sentido inédito às palavras que arranca do silêncio dos
arquivos: a apreensão da palavra responde à preocupação de reintroduzir
existências e singularidades no discurso histórico, de desenhar a golpes de
palavras cenas que são igualmente acontecimentos”.

21
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

[...] tempo de incerteza, crise epistemológica: estes são os


diagnósticos, geralmente inquietos, feitos sobre a História nos
últimos anos [...]. Eles denotam, creio, essa grande mutação
que representa para a História o desaparecimento dos
modelos de compreensão, dos princípios de inteligibilidade
que foram de modo geral aceitos pelos historiadores (ou ao
menos pela maior parte deles) a partir dos anos 1960.

Ainda segundo Chartier, essa inquietude com o regime


de verdade até então preponderante ou, em outros termos,
a crise de inteligibilidade histórica amplamente manifesta,
referida a uma fragmentação e a uma dispersão das referências
teóricas, foi motivada por várias razões, dentre as quais a perda
de confiança nas certezas da quantificação, a renúncia às
definições clássicas dos objetos históricos e a crítica de noções
(mentalidade, cultura popular), de categorias analíticas (classes,
classificação socioprofissional) ou de modelos de compreensão
(marxista, estruturalista, neomaltusiano, etc.). Estabeleceu-
se, então, a fragmentação das tradições historiográficas, no
âmbito do que se “multiplicaram os objetos de investigação, os
métodos, as histórias” (CHARTIER, 2001, p. 116).
Para Thomas S. Popkewitz (1994), não se trata apenas
de um mal-estar. Operou-se, efetivamente, uma “virada
linguística” que projetou a superação do historicismo e da
filosofia da consciência. Esse autor desenvolve o argumento
de que a virada linguística provocou um desconcerto ou
mesmo uma ruptura no âmbito das tradições históricas que
haviam dominado a produção da História no último século.
Tanto o historicismo que, por meio da ordenação
cronológica e progressiva de eventos ou dos pensamentos
singulares dos indivíduos, pretendia objetivar toda a vida social
e explicar a realidade a partir do que efetiva e verdadeiramente
teria acontecido, quanto a filosofia da consciência, que
analisava o mundo com base em estruturas vinculadas que
funcionam em relação umas às outras numa sucessão e que
toma o progresso como o “[...] resultado racional da razão e do
pensamento humanos, aplicados a condições sociais ou como
22
O ensino de história da educação

a identificação de contradições das quais uma nova síntese


pode ser organizada” (POPKEWITZ, 1994, p. 181), viram-se
confrontadas com uma proposta epistemológica que advogava
o fim das metanarrativas educacionais. A virada linguística
representou uma redefinição do olhar do historiador, que
implicou o descentramento do sujeito e a historicização
daquilo que até então era visto como não problemático.
A investigação histórico-educacional apresenta-se,
então, como uma produção constante de significados. De
significados de e para uma História que não é a representação
exata do que existiu2 e que só pode ser descrito parcialmente,
mas que se esforça em propor uma inteligibilidade, em
compreender a forma como o passado chega até o presente
e informa sobre a nossa maneira de pensar e de falar. Aquilo
que o historiador escreve não é aquilo mesmo que se passou
e sim uma produção discursiva. A atenção se desloca para a
construção de significados que consagram certas formas de
atuar, sentir, falar e ver o mundo, em vez de outras.

Deste ponto de vista, é possível dizer que o signo da História


é de agora em diante menos o real do que o inteligível. Mas
não qualquer inteligível. A supressão da narrativa na ciência
histórica atual atesta a prioridade concedida, por esta ciência,
às condições nas quais elabora o pensável. E esta análise, que
versa sobre os métodos, quer dizer, sobre a produção do senti-
do, é indissociável, em História, do seu lugar e de um objeto:
o lugar é, através dos procedimentos, o ato presente desta pro-
dução e a situação que hoje o torna possível, determinando-o;
o objeto, são as condições nas quais tal ou qual sociedade deu
a si mesma um sentido através de um trabalho que é também
ele, determinado (CERTEAU, 2002a, p. 53).

Nesse contexto, passou-se a vincular a produção da


História com o conceito de discurso. O foco de interesse é

2
Walter Benjamin (1987, p. 224) foi brilhante ao afirmar que “[...] articular
historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’.
Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no
momento de um perigo”.

23
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

a produção, difusão e recepção dos discursos educativos no


tempo e no espaço ou, mais especificamente, a problematização
de como os objetos do mundo são construídos historicamente
e como mudam no decorrer do tempo – como são produzidos
e circulam, como são usados e se transformam.
Esses posicionamentos têm decorrências concretas
para possíveis formas de sistematização de ensino e da
aprendizagem. Nesse sentido, é preciso destacar, mais
uma vez, um enunciado de Paulo Freire (2001, p. 25) que,
embora antigo e importante, permanece pouco concretizado:
“[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.
Assim, se o foco de interesse, tal como indicado há
pouco, é com a problematização (essa é uma palavra
importante) de como os objetos do mundo são construídos
historicamente, como mudam no decorrer do tempo e com
o esforço em propor uma inteligibilidade, em compreender
a forma como o passado chega até o presente, o ensino e a
aprendizagem precisam se dirigir no sentido de promover a
curiosidade e estimular a capacidade criadora, ao invés da
repetição. Certamente isso constitui um desafio, uma vez
que depende de inúmeros elementos, dentre os quais as
formas de organização dos espaços e dos tempos escolares,
dos itinerários formativos dos professores, de suas crenças,
preferências, intencionalidades, bem como dos desejos,
interesses e motivações dos estudantes:

É o jovem que se educa, que aprende. Vamos considerar


a vertente da aprendizagem, mas seria a mesma coisa
com a vertente da educação. Se o jovem não se mobiliza
intelectualmente, ele não aprende. O que quer que o
professor faça, ele não pode aprender no lugar do aluno.
Ou, se preferirmos: só o aluno pode fazer aquilo que
produz conhecimento, e o professor só pode fazer alguma
coisa para que o aluno o faça. Evidentemente, sempre com
um coeficiente de incerteza. Nesse sentido, o trabalho do
professor não é ensinar, é fazer algo para que o aluno aprenda.
Com frequência, esse ‘algo’ consistirá em ensinar; outras
vezes, pode tomar uma outra forma (CHARLOT, 2006, p. 9).
24
O ensino de história da educação

Mas o desenvolvimento dessa capacidade criadora, que


pode ser potencializada pelo recurso à pesquisa, necessita,
também, de conhecimentos. António Nóvoa (2007, p. 6),
por exemplo, insiste na ideia de que o trabalho docente deve
centrar-se na aprendizagem e que esta implica professores,
estudantes e conhecimentos, ou seja,

[...] ela não se faz sem pessoas e uma referência às suas


subjetividades, sem referências aos seus contextos sociais,
suas sociabilidades. Mas ela também não se faz sem
conhecimentos e sem a aprendizagem desses conhecimentos,
sem o domínio das ferramentas do saber que são essenciais
para as sociedades do século 21, que todos querem ver
definidas como sociedades do conhecimento.

De certo modo, essa perspectiva nos remete a uma


abordagem sociointeracionista, a qual sugere que o estudante
integra um grupo social e deve ter iniciativa para questionar,
descobrir e compreender o mundo a partir de interações com os
demais elementos do contexto no qual está inserido. Cabe ao
professor favorecer a convivência social e estimular a elaboração
de um conhecimento colaborativo e compartilhado.
É nesse âmbito que a educação digital pode comparecer
de modo importante, na medida em que uma pluralidade
de novos espaços de produção de conhecimentos emergiu
com as tecnologias da informação e da comunicação,
notadamente com o aparecimento das funcionalidades da
WEB 2.0, que permitem ampla facilidade de publicação on-
line e acesso à informação. Com isso, a WEB transformou-se
numa plataforma, na qual tudo está acessível e publicar on-
line deixou de exigir a criação de páginas e de saber alojá-las
num servidor. Permitiu-se, ainda, o desenvolvimento de redes
de sociabilidades ou de interações.

Neste momento, os agentes educativos podem, com toda


facilidade, escrever on-line no blogue, gravar um assunto no
podcast ou disponibilizar um filme no Youtube. O ambiente
de trabalho deixa de estar no computador pessoal do

25
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

professor e passa a estar on-line, sempre acessível, a partir de


qualquer lugar do planeta com acesso à internet. Nunca mais
o professor corre o risco de esquecer de trazer alguma coisa
para a aula, porque a um clique pode aceder aos seus favoritos
no Delicious, aos seus textos, gráficos ou apresentações no
Google Docs, às suas imagens no Flickr ou no Picasa, aos
seus vídeos no YouTube (CARVALHO, 2008, p. 17).

Pode-se afirmar, sem risco de exagero, que cada vez mais


alguns estudantes se motivam para os usos das tecnologias
e se desmotivam para os métodos corriqueiros de ensino.
Nesse sentido, podem ser referidas algumas funcionalidades
da WEB 2.0 que, de diferentes modos, podem concorrer para
o desenvolvimento de competências tecnológicas, educativas
e como meio para aprender, individual e colaborativamente:
blog, YouTube, Flickr, Delicious, Tikatok, Bubll.us, Toondoo,
Dandelife, Wiki, Goowy, Pagecreator, Googledocs, Calendar,
Movie Maker, objetos virtuais de aprendizagem (vejam-se os
objetos produzidos no âmbito do projeto Rived/MEC-Seed),
ambientes virtuais de aprendizagem (um dos mais conhecidos
é o Moodle) e Cmaptools (mapas conceituais).
A partir dessas ponderações, cabem alguns destaques.
Primeiro, a ideia de ensinar como algo que promova, que incite
para a aprendizagem e para o desenvolvimento cognitivo.
Isso implica confrontar a descontextualização de saberes
e de práticas. Nesse sentido, a função de ensinar deve ser
caracterizada como lugar de mediação: como o ser humano
aprende ou desenvolve estratégias cognitivas e procedimentos
para acessar, recusar e usar informação. No âmbito do ensino
da História da Educação, isso parece ser fundamental.
Em segundo lugar, convém entender a formação de
professores como um trabalho que concorra, desde a formação
inicial, para o desenvolvimento de uma profissionalidade
docente que envolve, dentre outros, um conjunto de

[...] informações, aptidões e valores que os professores


possuem, em consequência da sua participação em
processos de formação (inicial e em exercício) e da análise

26
O ensino de história da educação

da sua experiência prática, uma e outras manifestadas no seu


confronto com as exigências da complexidade, incerteza,
singularidade e conflito de valores próprios da sua actividade
profissional; situações que representam, por sua vez,
oportunidades de novos conhecimentos e de crescimento
profissional (ROLDÃO, 2007, p. 99).

Por último, pautar a educação digital como possibilidade


de promoção de experiências formativas. Nesse sentido,
convém perceber o trabalho do professor como importante
não só para a promoção da aprendizagem, mas também para o
desenvolvimento de processos de integração que repercutam
no âmbito da diversidade dos métodos de utilização de
tecnologias digitais.

Disciplina História da Educação: programa, bibliografia e


modos de fazer

No Brasil, a introdução da disciplina História da


Educação deu-se, inicialmente, no currículo da Escola Normal
do Rio de Janeiro em 1928, no âmbito da reorganização do
Curso de Formação Para o Magistério proposta por Fernando
de Azevedo, a partir de 1927. Para Diana Gonçalves Vidal e
Luciano Mendes Faria Filho (2003, p. 46), “[...] a disciplina
surgia no contexto das reformas que, nos anos 1920,
pretendiam modificar a educação nacional, introduzindo
princípios da escola ativa, posteriormente aglutinados em
torno do ideal da escola nova no ensino primário”.3

3
Ver, dentre outros: a) GATTI JÚNIOR, Décio; INÁCIO FILHO, Geraldo (Org.).
História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas
investigações. Campinas: Autores Associados, 2005; b) NUNES, Clarice. O
ensino da história da educação e a produção de sentidos na sala de aula.
Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: SBHE, n. 6, p. 115-
158, 2003. c) FARIA FILHO, Luciano Mendes; RODRIGUES, José Roberto
Gomes. A história da educação programada. Revista Brasileira de História
da Educação. São Paulo: SBHE, n. 6, p. 159-175, 2003; d) NUNES, Clarice.
Ensino e historiografia da educação: problematização de uma hipótese. Revista
Brasileira de Educação, São Paulo: Anped, n. 1, p.67-79 jan./abr. 1996.

27
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

No Centro Universitário Franciscano, a disciplina de


História da Educação, desde a implantação dos cursos de
formação de professores, em 1955, esteve vinculada apenas
ao Curso de Pedagogia, e a sua organização e carga horária
variaram em decorrência das mudanças que ocorreram nos
currículos, no geral, motivadas pela legislação oriunda do
Governo Federal.
Nas décadas de 1950-60, o currículo do curso
correspondia ao “esquema 3+1”, que se constituía como
padrão dos cursos de formação de professores, em que o
estudante, em três anos, obtinha o título de bacharel e, após
mais um ano do Curso de Didática, era habilitado a lecionar.
No currículo do curso, havia a previsão de 150 horas
dedicadas à História da Educação, distribuídas na segunda e
na terceira séries (Quadro 1):

1a série Complementos de Matemática


História da Filosofia
Sociologia
Fundamentos Biológicos da Educação
Psicologia Educacional
Introdução à Teologia
2a série História da Educação
Estatística Educacional
Fundamentos Sociológicos da Educação
Psicologia Escolar
Teologia Dogmática
3ª série História da Educação
Psicologia Educacional
Administração Escolar
Educação Comparada
Teologia Moral
Filosofia da Educação
4ª série Didática Geral
Curso de Didática Didática Especial da Pedagogia
Doutrina Social da Igreja
Quadro 1 - Currículo do Curso de Pedagogia – 1955
Fonte: Delazzana et al., 2005.

28
O ensino de história da educação

Entre 1955 e 1974, o programa da disciplina praticamente


não sofreu alterações. Já entre 1975 e 1994, há um programa
para cada ano. Em termos gerais, em que pese a algumas
diferenças (discriminação mais ou menos detalhada), os
programas que vigoraram entre 1955 e 1994 foram marcados
por três dimensões principais: a) amplitude e generalidade:
abrangiam, numa visão geral, o estudo da História da
Educação desde os povos primitivos até a contemporaneidade;
b) fundamento religioso; c) a História da Educação brasileira
ficava restrita a uma síntese nas penúltimas unidades do
programa (Quadro 2):

Curso: Pedagogia
Disciplina: História da Educação I
Carga horária semestral: 75h

I- Conceito de educação
II - Educação, pedagogia, filosofia
III - Educação nas sociedades primitivas
IV - A educação do tipo oriental: valor do Livro Sagrado
V- O tipo helênico de civilização: a educação helênica nas suas
fases fundamentais
VI - A educação romana durante a Realeza, República e Império
VII - A educação nos primeiros tempos do cristianismo
VIII - A educação da Idade Média
IX - A educação no humanismo e no Renascimento
X- Reforma protestante. Contra-reforma. Educação moderna:
racionalismo e o empirismo
XI - A educação católica do séc. XVII: São J. B. de La Salle

Curso: Pedagogia
Disciplina: História da Educação II
Carga horária semestral: 75h
I- O Iluminismo na Inglaterra e na França
II - J. J. Rousseau
III - A enciclopédia e a Revolução Francesa
IV - As idéias pedagógicas de E. Kant
V- As idéias educacionais de Renascimento. Pestalozzi, Padre
Girard, Froebel
VI - A pedagogia psicológica: Herbart
VII - A educação nos Estados Unidos: de Horace Mann a William
James
VIII - Educadores católicos contemporâneos: São João Bosco
IX - Exame das últimas idéias e práticas educativas: A. Manjon, M.
Montessori. S. Hensen F. G. Foster
X- A educação no Brasil: de Anchieta à República
XI - Leis, educadores, escolas do período republicano
XII - Rumos atuais da educação no Brasil
Quadro 2 - Programa da disciplina História da Educação – 1955-1974
Fonte: Unifra/Derca.
29
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Alguns relatos dão conta que as aulas “eram expositivas”


e que era difícil “[...] conseguir material para pesquisa, pois
havia poucos livros e material didático na biblioteca que
funcionava, nessa época, no Colégio Franciscano Sant’Anna
e que permanecia chaveada; o acesso só era permitido com
autorização” (DELAZZANA et al., 2005, p. 33). As provas
parciais – sabatinas – constavam de uma dissertação sobre um
ponto sorteado no momento e, ainda, do desenvolvimento
de testes e questões relativas ao ponto. As provas finais eram
orais ou práticas e o estudante devia se inscrever e pagar uma
taxa de exame.
São poucos e esparsos os registros sobre o desenvolvimento
da disciplina. As anotações encontradas foram aquelas
feitas, de uma maneira muito genérica, pelos professores
responsáveis num livro de registro. Essas anotações se referem
ao conteúdo programático da disciplina, que confirma os itens
relacionados no Quadro 2. Poucas também são as anotações
sobre a bibliografia usada como referência. Indícios sugerem,
apenas sugerem, que os professores circulavam por uma
bibliografia que envolvia, talvez dentre outros, os seguintes
manuais:

a) Pequena história da educação, das madres Francisca


Peeters e Maria Augusta de Cooman: a primeira edição é de
1936, tinha 151 páginas, das quais nove eram dedicadas à
História da Educação brasileira. A edição registrada no acervo
da biblioteca é de 1965;

b) Esboço da história da educação, de Ruy Ayres Bello: a


primeira edição é de 1945 e dedica 25 das 250 páginas à
História da Educação brasileira. A edição registrada no acervo
da biblioteca é de 1957;

c) Noções de história da educação, de Theobaldo Miranda


Santos: a primeira edição é de 1945 e, das 512 páginas, 37
são dedicadas à História da Educação brasileira. A edição
registrada no acervo da biblioteca é de 1970.

30
O ensino de história da educação

Esses manuais de História da Educação, de uso


generalizado no Brasil, foram produzidos por pessoas que se
vinculavam ao pensamento católico e se constituíam, portanto,
nas leituras autorizadas da disciplina numa instituição em que
a formação religiosa era referência importante no currículo.4

4
Em 1955, José Otão, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, ressaltou a importância da formação religiosa de estudantes
e professores na conferência inaugural da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras Imaculada Conceição (FIC), instituição que precedeu o Centro
Universitário Franciscano. A transcrição é longa, mas esclarecedora:
“Apesar das mazelas assinaladas não padece dúvida que cabe às Faculdades
de Filosofia o preponderante papel de incrementar e difundir a cultura
no sentido autêntico da palavra. Se às demais escolas superiores está
reservada, entre nós, a tarefa de preparar profissionais para as chamadas
profissões liberais, à Faculdade de Filosofia, que invade os amplos setores
da Filosofia, da Pedagogia, das Ciências e das Letras, cabe a formação
cultural das elites. Podíamos, talvez, afirmar que as escolas superiores em
geral e as técnico-profissionais são propulsoras da civilização, pois dão ao
homem os instrumentos de subjugação e domínio do mundo material, dos
seres corpóreos, do nosso exterior; ao passo que as Faculdades de Filosofia
promovem a cultura, pois se ocupam principalmente do homem, do espírito
e do mundo interior. Para estar a verdadeira cultura alicerçada em bases
sólidas, é imprescindível, pois, que contenha noções exatas sobre o que seja
perfeição do homem, quer na alma quer no corpo, os meios a empregar para
obtê-la e os obstáculos a evitar. Ora, é a religião que nos fornece conceitos
positivos sobre o que seja a perfeição no homem e os meios de obtê-la. A
verdadeira cultura, a cultura integral, não pode, pois prescindir da verdadeira
religião. E é por este motivo que as Faculdades Católicas de Filosofia
incluíram, em seu currículo, largo programa de formação religiosa. Sim,
contemplação operante, pois, da visão de Deus, da compreensão da sua lei
de bondade e de amor, nasce a regulação da vontade e a ordenação dos atos
humanos, nasce a verdadeira orientação na vida, a verdadeira cultura que
então chamaremos sabedoria, que a escola superior católica deve fornecer a
quantos a procuram. Nas escolas superiores leigas, porém, onde em virtude da
liberdade religiosa é silenciado o nome de Deus, onde em nome da liberdade
de pensamento são esposadas todas as idéias, onde, por vezes, divergem os
docentes doutrinariamente, religiosa ou filosoficamente, desconcertando os
discentes, não há, não pode haver unidade de formação, não há uma visão
totalizada do universo, uma weltanschaung verdadeiramente orientadora dos
atos da vida. A Faculdade de Filosofia é por si só uma verdadeira universidade
cultural” (SILVA, 1997, p. 43).

31
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

É a partir de 1981 que a bibliografia usada como


referência acompanha o programa da disciplina.5 Até 1989,
os manuais de Ruy Ayres Bello, Theolbaldo Miranda Santos
e das madres Peeters e Cooman continuam citados.6 Depois,
a partir de 1990, esses manuais tendem a ser substituídos e o
número de referências cresce. Aparecem as publicações de
Maria Lúcia de Arruda Aranha, Otaíza de Oliveira Romanelli
e Paulo Guiraldelli Júnior.7

5
Bibliografia citada nos programas de 1981 a 1983: AMADO, Padre Ramón
Ruiz. História de la educacion y la pedagogia. Barcelona – Espanha: Ed.
Librería Religiosa; ANDRADE FILHO, Bento de. História da educação. São
Paulo: Saraiva; AZEVEDO, Fernando. A transmissão da cultura. São Paulo:
Melhoramentos, 1976; BECH, Robert Holmes. História social de la educacion.
México: Editorial Hispano Americano; BELLO, Ruy de Ayres. Pequena história
da educação. São Paulo: Brasil.
6
Bibliografia citada nos programas de 1984 a 1989: BELLO, Ruy de Ayres.
Pequena história da educação. 2. ed. São Paulo: Saraiva; EBY, Frederick.
História da educação moderna. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 1976; FILHO,
Bento de Andrade. História da educação. 2. ed. São Paulo: Saraiva;
LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. 4. ed. São Paulo: Mestre
Jou, 1982; LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. São
Paulo: Nacional, 1955; MARROU, Henri Irinés. História da educação na
antiguidade. São Paulo: EPU, 1975; MONROE, Paul. História da educação.
São Paulo: Nacional, 1969; PEETERS e COOMAN. Pequena história da
educação. São Paulo: Melhoramentos, 1957; SANTOS, Theobaldo M. Noções
de história da educação. 13. ed. São Paulo: Nacional.
7
Bibliografia citada nos programas de 1990 a 1999: AQUINO, Jesus Oscar.
História das sociedades americanas. Livraria Eu e Você; ARANHA, Maria Lúcia
de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1989; BARBEIRO,
Heródoto. Curso de história da América. São Paulo: Harper & Row do
Brasil, 1984; COTRIM, Gilberto; PARISI, Mário. Fundamentos da educação:
história e filosofia. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1986; CUNHA, Luiz Antonio. A
universidade temporã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980; FILHO, A.
Bento. História da educação. 2. ed. São Paulo: Saraiva; LOURENÇO FILHO,
M. B. Educação comparada. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1961; GILES,
R. Thomas. História da educação. São Paulo: EPU, 1987; GUIRALDELLI,
Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1990; LARROYO, Francisco.
História geral da pedagogia. São Paulo: Mestre Jou, 1982; MAIA, Pedro.
Ratio studiorum: método pedagógico dos jesuítas. São Paulo: Loyola, 1987;
MARZ, Fritz. Grandes educadores. São Paulo: EPU, 1987; MONROE, Paul.
História da educação. 16. ed. São Paulo: Nacional, 1984; NISKIER, Arnaldo.
CARVALHO, Marlene. Educação comparada moderna. Porto Alegre: Tabajara,
1973; PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino. História da educação. São Paulo:
Ática, 1990; ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil.
Rio de Janeiro: Vozes, 1988; SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de história
da educação. 12. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
32
O ensino de história da educação

O curso teve várias estruturas curriculares que afetaram


a carga horária da disciplina, que variou entre um máximo de
240 e um mínimo de 60 horas (Quadro 3):

Ano de currículo Carga horária da disciplina


1955 a 1968 150h
1969-1972 120h
1973-1984 150h
1985-1995 240h
1996-1999 120h
2000-2006 60h
2007-... 68h
Quadro 3 - Carga horária da disciplina História da Educação no curso de
Pedagogia da Unifra - 1955-2007
Fonte: Delazzana et al. (2005).

Foi a partir de 1998 que a organização curricular do


Curso de Pedagogia mudou substancialmente em função das
discussões e posterior aprovação, pelo Conselho Nacional
de Educação, das diretrizes curriculares nacionais para os
cursos de formação de professores para a educação básica,
que acarretaram a extinção da habilitação Magistério das
Disciplinas Pedagógicas do Ensino Médio e a implantação
de novas habilitações: Educação Infantil e Anos Iniciais do
Ensino Fundamental. Estas também foram extintas em 2006.
Desde 2007, a disciplina História da Educação é ofertada
no primeiro semestre do curso e tem uma carga horária de 68
horas. O conteúdo programático envolve os temas e períodos
clássicos da historiografia educacional brasileira, tomados
a partir de uma temporalidade da História Política (Brasil
Colônia, Império, República, Era Vargas, governos militares).
Da mesma forma, na bibliografia citada, constam autores
e manuais largamente conhecidos, dentre os quais Paulo
Ghirardelli Júnior, Otaíza Romanelli e Maria Luiza Santos
Ribeiro (Quadro 4):

33
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Curso: Pedagogia
Disciplina: História da Educação
Carga horária semestral: 68h

Ementa
A educação no Brasil Colônia. A educação no Império. A educação na Primeira República. A
educação entre 1945-1964. A educação brasileira após 1964.

Objetivo
Analisar as formas de organização escolar, as visões pedagógicas e as práticas educativas
na sociedade brasileira da colonização até a atualidade; analisar as relações entre Poder
Político e educação, em sua articulação com os processos históricos brasileiros; compreender
aspectos da realidade educacional brasileira em sua dinâmica histórica.

Conteúdo programático
1) História e historiadores
- História e memória
- História e documentos
- História e formação de professores
- Desenvolvimento da História da Educação no Brasil

2) Educação no Brasil colonial


- Expansão europeia no século 15 e a incorporação do Brasil
- Pedagogia jesuítica e reformas pombalinas
- Vinda da família real portuguesa

3) Educação no Brasil imperial

4) Educação no Brasil republicano


- Educação na Primeira República e emergência da sociedade urbano-industrial
- Políticos, intelectuais e reformas educacionais
- Escola Nova
- Educação após 1930: formação e consolidação do sistema estatal de ensino

Bibliografia básica
GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1990.
RIBEIRO, Maria Luiza. História da educação brasileira: a organização da escola. São Paulo:
Cortez e Moraes, 1979.
ROMANELLI, Otaiza. História da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1998.
STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (Org.). Histórias e memórias da
educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005. v. 3.

Bibliografia complementar
BEISIEGEL, Celso Rui. Educação e sociedade no Brasil após 1930. In: FAUSTO, Boris (Org.).
História geral da civilização brasileira: o Brasil republicano. São Paulo: Difel, 1983.
FARIA FILHO, Luciano Mendes. A infância e sua educação: materiais, práticas e representações.
Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
FREITAS, Marcos Cezar de; KUHLMANN JUNIOR, Moysés (Org.). Os intelectuais na história da
infância. São Paulo: Cortez, 2002, p. 345-372.
____. História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003.
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1974.
XAVIER, Maria do Carmo (Org.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional
em debate. Rio de Janeiro: FGV/Fumec, 2004.
XAVIER, Maria Elizabete, et al. História da educação: a escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994.
BUFFA, Ester. Ideologias em conflito: escola pública x escola privada. São Paulo: Cortez e
Moraes, 1979.
CUNHA, Luiz Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1980.
FAZENDA, Ivani Catarina. Educação no Brasil nos anos 60: o pacto do silêncio. São Paulo:
Loyola, 1985.
FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. São Paulo: Moraes, 1980.
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EDU, 1974.
XAVIER, Maria Elisabete. Capitalismo e escola no Brasil. Campinas: Papirus, 1980.
Quadro 4 - Programa de História da Educação vigente a partir do ano de 2007 no
Curso de Pedagogia
Fonte: Unifra/Derca.
34
O ensino de história da educação

Outro formato para a disciplina: narrativas de memórias,


exposição de memórias da educação, cinema e educação
digital

A partir de 2007, decidiu-se transformar esse modo de


fazer o ensino e aprendizagem em História da Educação que
havia se naturalizado. Nesse sentido, pensou-se em outra
possibilidade.8
Primeiramente, partiu-se do pressuposto de que os
estudantes ingressantes no primeiro semestre de um curso de
graduação mantêm, ainda, vínculos com a cultura escolar do
ensino médio, bem como estão envolvidos num período de
transição e adaptação a uma série de elementos comuns à
educação superior: vocabulário, temáticas, prescrições, formas
de fazer, possibilidades conceituais. Entendeu-se, enfim, que
era apropriado conferir ao trabalho o caráter de iniciação à
história da educação. Em outras palavras, optou-se por uma
abordagem de síntese. Essa iniciação privilegiaria certas
temáticas que, ao longo do curso, poderiam, ou não, serem
retomadas e tratadas com algum aprofundamento, conforme
os interesses e possibilidades de estudantes e professores.
Além disso, entendeu-se como pertinente a ideia de que “[...]
el programa oficial no me oprime ni me encorseta. No es una
propuesta inmóvel, sino que lo considero como una guía,
una orientación susceptible de mejora y cambio, más que
una obligación a cumplir” (MIRANDA, 2002, p. 11). Por isso,

8
Há várias possibilidades para se promover o ensino e a aprendizagem em
história da educação. Viñao Frago (2003, p. 10), por exemplo, sugere a
substituição do cânone cronológico tradicional “[...] por la exposición de
procesos histórico-educativos prolongados en el tiempo (alfabetización,
escolarización, profesionalización docente, formación de los sistemas
educativos) o el análisis histórico-genealógico de una serie de temas o
cuestiones relevantes para la formación de los psicopedagogos, pedagogos,
profesores o maestros que desvele lo que en ellas hay de construcción socio-
histórica. Un análisis en el que, si fuera necesario, el orden cronológico sea
roto en el tiempo y asociaciones o relaciones entre fenómenos, hechos e
procesos de diferentes épocas”. Outras propostas podem ser vistas em Miguel
Beas Miranda (2002) e Clarice Nunes (2003).

35
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

embora fosse possível reformular totalmente, manteve-se o


programa da disciplina, que se estrutura, conforme mostrado
no quadro, a partir de marcos políticos e econômicos gerais
da História no Brasil.
Paulatinamente, porém, o programa da disciplina
foi operacionalizado a partir de um projeto denominado
Memórias da educação. Esse projeto se desenvolvia ao longo
do semestre e comportava as seguintes dimensões:
1ª) no primeiro encontro da disciplina, cada estudante
devia escrever uma memória da sua escolarização. Um
pequeno texto no âmbito do qual relatasse um ou mais
aspectos do tempo de estudante. A descrição era livre e não se
prescrevia um roteiro ou questões norteadoras. Na sequência,
as narrativas das memórias eram lidas, organizadas e publicadas
na forma de uma brochura. Depois, eram disponibilizadas em
meio digital. A escrita dessas memórias tinha por finalidade
servir como elemento evocador de temáticas que pudessem
ser relacionadas com a profissão docente, objeto de atenção
privilegiado do curso. Especialmente, esperava-se incitar
reflexões acerca de diferentes significados de ser estudante
e de ser professor ao longo do tempo. O fato de as turmas
serem constituídas por estudantes com idade entre 18 e 40
anos contribuía para a manifestação de perspectivas diversas
acerca desses significados.
Nas narrativas produzidas pelos estudantes, ganham
visibilidade alguns elementos:
a) como toda a narrativa de memória, são seletivas.
Alguns textos são curtos, às vezes bem genéricos; outros, mais
detalhados e se concentram sobre um tema, sobre um período
ou sobre um acontecimento;
b) delas, emergem lembranças dos professores. Pelo
menos três categorias aparecem: aqueles que se destacam
pela competência: conheciam o conteúdo e conseguiam
promover a aprendizagem dos estudantes (“Era uma excelente
professora. Lembro que muitos pais disputavam vagas para a

36
O ensino de história da educação

turma dela”); aqueles que castigavam (“Sempre me colocava


de castigo, no canto da sala virada para a parede”); e os que
logravam estabelecer vínculos afetivos (“as professoras eram
maravilhosas, sempre davam apoio e ajudavam no que fosse
preciso”). Em síntese, as lembranças distribuem os professores
em três categorias: competentes, malvados ou afetuosos;
c) no geral, remetem-se para um tempo considerado bom,
feliz e objeto de boas recordações: “Era muito bom”; “Era
muito bom ir para a aula – eu adorava”; “Um tempo muito bom
vivido nas carteiras dos colégios em que estudei”. Os principais
motivos da saudade da escola ou do tempo de estudante
na educação básica são as amizades, as possibilidades de
socialização e o afeto recebido dos professores: “Fiz muitas
amizades que deixaram saudade”; “Fiz muitas amizades e
também adorava a professora”; “Os professores eram, acima
de tudo, amigos dos seus alunos, alguns deles são amizades
guardadas até hoje”. Enfim, o espaço escolar destaca-se como
lugar de produção de modos de ser, sentir e agir, para o que
concorrem o castigo, o disciplinamento e o afeto.
São inúmeras as possibilidades de estudo suscitadas
pelas pequenas narrativas produzidas. Destacam-se duas que
interessaram mais: a primeira se relaciona com a profissão
docente e preocupa-se com a seguinte questão: como os
professores chegam a ser o que são e como são? A segunda diz
respeito à escola como lugar de produção de subjetividades,
lugar de produção de modos de ser. São questões que
merecem ser historicizadas, principalmente no âmbito de um
curso de formação de professores.
2ª) O segundo momento era voltado a assistir a filmes
e vídeos. Dentre uma variedade expressiva, e a partir de
sugestões de estudantes, selecionaram-se três: A missão;
Carlota Joaquina: a princesa do Brasil; e A glória de meu pai.
Esses filmes suscitam poucas relações diretas com História da
Educação, mas a sua finalidade principal era proporcionar
uma ideia mínima de contextualização espaço-temporal.

37
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

A missão aborda relações dos jesuítas com indígenas


na região Sul do Brasil.9 Esperava-se contextualizar aspectos
da colonização portuguesa e espanhola e da catequização,
experiência educacional importante no período do Brasil
Colônia. Para isso, também se utilizavam textos de lendas ou
do folclore regional.
O segundo filme, Carlota Joaquina: a princesa do
Brasil, tem como objeto de atenção a vinda da Família
Real portuguesa para o Brasil, em 1808. Com ele, buscava-
se contextualizar relações sociais e comportamentos na
transição entre os períodos colonial e imperial.
A glória de meu pai trata da família de um professor na
França no início do século 20. Com ele, buscava-se perceber
e, se possível, problematizar diferentes significados de ser
professor ao longo do tempo.
Após a projeção de cada filme, que era realizada em
espaço diferente do da sala de aula, um grupo de estudantes
da turma ingressante no semestre anterior e que já haviam
assistido encarregava-se de organizar e coordenar uma
atividade de discussão acerca do filme e contextualização
com as temáticas da disciplina. Objetivava-se, com
isso, a integração dos estudantes de turmas diferentes, o
desenvolvimento de habilidades de expressão oral, bem como
de planejamento de atividade de ensino e aprendizagem.
Além desses filmes, foram disponibilizados, no blog
da disciplina, pequenos vídeos da série História do Brasil,
produzidos pela TV Escola, sob a coordenação de Boris Fausto.
São vídeos de curta duração que tratam dos temas Brasil
Colônia, Império e República Velha. Esses vídeos podiam, ou
não, serem assistidos pelos estudantes interessados. Esperava-
se que aqueles que assistissem desenvolvessem um maior
grau de contextualização acerca da História do Brasil.

9
Acerca da educação jesuítica no mundo colonial ibérico, consulte, por
exemplo, Em Aberto, Brasília: Inep, v. 21, n. 78, dez. 2007.

38
O ensino de história da educação

3ª) Se, ao longo do semestre, a opção era pela iniciação,


contextualização e conhecimento de aspectos gerais acerca
da História da Educação no Brasil, ao final havia um
momento de maior especificidade. Cada grupo de estudantes
precisava escolher e fazer algum tipo de apresentação sobre
um detalhe ou uma temática mais específica relacionada
com a História da Educação brasileira. Para isso, dentre uma
grande variedade de possibilidades, escolheram-se dois livros
que eram objeto de atenção alternadamente: cada grupo de
estudantes da turma ingressante em março devia selecionar,
para apresentação, um capítulo do livro 500 anos de
educação no Brasil,10 assim como cada grupo de estudantes
ingressantes em agosto devia selecionar um capítulo do livro
Histórias e memórias da educação no Brasil.11 Os estudantes
podiam pautar as apresentações conforme suas preferências
e possibilidades. Normalmente, usavam apresentações
preparadas em power-point, que eram lidas.
4ª) O último momento da programação semestral era a
Exposição memórias da educação. Para a realização dessa
atividade, os estudantes deveriam se organizar em duplas
ou individualmente. Cabia-lhes buscar, com familiares ou
vizinhos; documentos escritos (livros, cadernos); documentos
iconográficos (fotografias, imagens, postais); objetos (móveis,
utensílios, peças); relatos orais (entrevistas) acerca da
educação do passado. Outra opção podia ser a escolha de uma
instituição escolar e a apresentação de aspectos da trajetória
institucional. Uma vez encontrado e reunido o material,
cada grupo ou estudante recebia orientação, selecionava e
organizava o que seria apresentado, na forma de pôster, na
exposição. No geral, a exposição acontecia no último dia do
semestre letivo. Nessas ocasiões, eram mostradas fotografias,

10
LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA,
Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica,
2003.
STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (Org.). Histórias e
11

memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005. v. 3.

39
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

boletins, livros, cadernos, peças de uniformes, depoimentos


e objetos (classes escolares, palmatórias). Os objetivos da
atividade eram promover iniciação à pesquisa, criar um
espaço de conhecimento acerca da educação regional e
desenvolver habilidades de expressão oral e escrita. Além
disso, e principalmente, esperava-se o desenvolvimento da
percepção de que todos e cada um podemos produzir relações
com a História da Educação. Isso se tornou possível pela
oportunidade de visibilidade de experiência dos estudantes e
de seus familiares, pela contextualização das temáticas e por
um processo de avaliação intenso e diligente.
Essas atividades eram apoiadas por suporte digital, em
especial pela criação e manutenção de um blog (que pode
ser visualizado em <http://hecq.blogspot.com>). A finalidade
desse espaço era, sobretudo, informar os estudantes acerca
de atividades da disciplina; disponibilizar, de forma prática
e acessível, materiais para estudo; e incitar experiências
relacionadas com a educação digital.12
Assim, na organização do trabalho, procurou-se
privilegiar duas dimensões concomitantes: por um lado, a
preocupação com a apresentação, exposição e estudo de
temáticas gerais acerca da História da Educação no Brasil, o
que era feito com o objetivo de iniciação e contextualização;
por outro, a preocupação com o desenvolvimento de atitudes
de reflexão e de busca de informações acerca do passado
educativo, para o que concorriam a produção de narrativas

12
Admite-se que o alvo dessas ações é incitar comportamentos, modos de ser
em relação à educação digital. Assim, entende-se que a educação é parte
do processo por meio do qual se busca produzir subjetividades. Trata-se,
portanto, não somente de adquirir certas aptidões, mas de adquirir certas
atitudes e incorporar valores e disposições historicamente construídos
a respeito de como se deve ver e atuar sobre o mundo. Ensinar sob essas
condições é, necessariamente, efetivar um tipo de educação que busca
produzir os indivíduos. Nesse sentido, Popkewitz (2003) aponta que os
discursos construídos acerca da educação não são, simplesmente, linguagens
sobre a educação, mas processos produtivos da sociedade mediante os quais
se classificam problemas e se mobilizam práticas.

40
O ensino de história da educação

de memórias, a iniciação à pesquisa, o desenvolvimento de


habilidades de acesso a meios digitais, algum conhecimento
de temáticas específicas e o desenvolvimento da criatividade,
da motivação e de habilidades de expressão oral e escrita.
A avaliação das atividades desenvolvidas era rigorosa e
semanal. A cada encontro, os estudantes precisavam produzir
um pequeno texto no âmbito do qual deviam demonstrar
o entendimento alcançado acerca do tema abordado. Esse
texto era lido, recebia apontamentos em relação à redação
e formulação textual para, posteriormente, ser devolvido. Em
alguns casos, devia ser refeito e entregue para reavaliação.
Essa produção devia ser realizada individualmente e servia
como exercício de aprendizagem acerca do conteúdo e,
também, como exercício de redação.
A partir do segundo mês do período letivo, todas as
avaliações passavam a receber conceitos, que podiam variar
de zero a dez. Assim, a avaliação era permanente: acontecia
em todos os encontros e a atribuição de conceitos observava
dois critérios básicos: exposição adequada do tema e correção
da linguagem.
Além da produção textual, havia uma prova semestral,
individual e sem consulta, no âmbito da qual se pautavam
as temáticas abordadas até o terceiro mês do período letivo.
Esperava-se que essa avaliação se constituísse num momento
de sistematização das temáticas focalizadas até então. Por
fim, compunha a sistemática de avaliação da aprendizagem
a elaboração e apresentação do pôster na Exposição
memórias da educação. Com esse processo de avaliação, que
demandava trabalho e planejamento, pretendia-se perceber,
em alguma medida, os níveis de aprendizagem de três
dimensões selecionadas como fundamentais: aprendizagem
de temáticas gerais e mínimas, aprimoramento da produção
textual e desenvolvimento da criatividade.

41
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Considerações finais

Como dito no início, partiu-se de preocupações simples


em relação ao ensino e à aprendizagem em História da
Educação. Preocupações de como torná-los mais instigantes
ou significativos para os estudantes e para o professor, de como
é possível estabelecer relações entre passados e presentes, de
como é possível mobilizar intelectualmente estudantes para
o aprendizado relacionado com a História da Educação, de
como integrar pesquisa com ensino e aprendizagem e fazer
disso uma dimensão importante da formação de professores.
Embora óbvio, cabe reiterar que há várias possibilidades
de organizar, planejar e operacionalizar o ensino e a
aprendizagem em História da Educação. Todas as atividades
desenvolvidas nessa experiência representam apenas uma
opção e são circunscritas por condições locais e institucionais
e pelos conhecimentos, iniciativas, limitações, disposições,
vontades e interesses do professor e dos estudantes.
Os resultados foram animadores: embora em graus
variados,13 os estudantes demonstraram mais motivação,
revelaram-se curiosos e capazes de criar, incitou-se à
pesquisa, produziram-se experiências relacionadas com
a educação digital e promoveram-se reflexões acerca da
profissão docente. Em síntese, foi uma experiência formativa
importante e marcante no âmbito do Curso de Pedagogia do
Centro Universitário Franciscano.
13
Lembre-se de que não há resultados garantidos no âmbito do ensino e da
aprendizagem: “A todo el mundo no le gusta café, así que no debe haber
café para todos. No conozco una metodología útil para todos ni lo suficiente
versátil de manera que se adapte a todo el alumnado y a cualquier tipo de
clase de historia de la educación. Existen alumnos y alumnas que intentan,
consciente o inconscientemente, boicotear y entorpecer, más que colaborar
de forma constructiva en el aula. Por otro lado, es imposible que el profesor e
le caiga bien a cien alumnos. La identificación de la asignatura con el profesor
y sus limitaciones es una cuestión a tener en cuenta. El hecho de una mayor
esfuerzo por nuestra parte el la preparación de la clase, necesariamente no
implica un incremento en la participación y en el estímulo del alumnado,
como el mayor o menor esfuerzo de éste, necesariamente no implica un
incremento en su nota final” (MIRANDA, 2002, p. 12).

42
O ensino de história da educação

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43
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

50 anos dos cursos de formação de professores do Centro


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44
O ensino de história da educação

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45
O ensino de história da educação

Intelectuais e circulação internacional


de ideias na construção da disciplina
História da Educação no Brasil
(1955-2008)1
Décio Gatti Júnior

Introdução

Este trabalho insere-se no âmbito da história disciplinar


da História da Educação, estando alinhado aos esforços
investigativos relativamente recentes levados a cabo por
historiadores da educação no exterior e no Brasil.2 Neste caso,
partimos da constatação dos autores estrangeiros de manuais
afetos à disciplina que foram traduzidos para o português e
que alcançaram o maior número de indicações para leitura
no exame dos programas de ensino da disciplina História da
1
Este estudo está vinculado ao desenvolvimento do projeto de pesquisa
intitulado “Intelectuais, instituições e circulação internacional de idéias
no processo de constituição da disciplina História da Educação no Brasil
(1840-2000)”, sob coordenação do Prof. Dr. Décio Gatti Júnior. O projeto
é desenvolvido mediante apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). O projeto está inserido nas atividades
do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Disciplina História da Educação
(GEPEDHE), liderado por Décio Gatti Júnior, da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) e por Carlos Roberto da Silva Monarcha, da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
2
A título de exemplo, podemos elencar alguns autores e obras que de maneiras
diferenciadas se referem à investigação no recorte temático da história
diciplinar da História da Educação, a saber: LOPES, 1986; WARDE, 1990,
1998a, 1998b; NUNES, 1992, 1996; NÓVOA, 1994; DEPAEPE, 1994;
GHIRALDELLI JR., 1994; CARVALHO, 1998; ASCOLANI, 2000, 2009a, 2009b;
GONDRA, 2001; VEIGA e FARIA FILHO, 2001; VIDAL e FARIA FILHO, 2003;
BONTEMPI, 2003; BASTOS, 2006, 2009; SAVIANI, 2005; GATTI JR., 2007,
2008, 2009; TOLEDO, 2007; MONARCHA, 2007, 2009; COSTA RICO, 2009;
LORENZ, 2009; FERNANDES, 2009; ESCALANTE FERNÁNDEZ, 2009 etc.

47
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Educação em vigor no Brasil, a partir de levantamento realizado


em 55 cursos de graduação em Pedagogia, compreendendo o
período de 2000 a 2008, em instituições de educação superior
do País, conforme resultado de pesquisa apresentado em Gatti
Jr. (2009, p. 119-26).
São eles, pela ordem de frequência: Franco CAMBI,
História da pedagogia, com 25 indicações e primeira edição
em português datada de 1999; Mario Alighiero MANACORDA,
História da educação: da Antiguidade aos nossos dias, com 20
indicações e primeira edição em português datada de 1989;
Lorenzo LUZURIAGA, História da educação e da pedagogia,
com dez indicações e primeira edição em português datada de
1955; Francisco LARROYO, História geral da pedagogia, dois
tomos, com dez indicações e primeira edição em português
datada de 1970.3 Com finalidade didática, no quadro a seguir,
apresentamos informações básicas acerca dessas obras.

3
A próposito dos autores e obras mencionados nos referidos programas de
ensino, é importante indicar ainda que o autor Henri-Irénée Marrou alcançou
19 indicações de sua obra História da educação na antiguidade, que teve
sua primeira edição em português datada de 1966. Porém, para os fins
deste trabalho, a referida obra não foi examinada. É importante destacar a
qualidade do trabalho recentemente publicado sobre a historiografia desse
autor por Lopes (2005). Por outro lado, é importante mencionar também que
obras traduzidas para o português que marcaram época no ensino de História
da Educação brasileiro da segunda metade do século XX não encontraram
menção significativa nos programas examinados na década de 2000, por
exemplo: Monroe (1946), Eby (1962) e Ponce (1963).

48
O ensino de história da educação

Ano da
Ano/
Ano da Cidade/Editora/ 1ª. edição
Número Autor/
1ª. edição Título Número de original/
da edição Nacionalidade
brasileira páginas Cidade/
analisada
Editora
Narciso Eladio
São Paulo:
Lorenzo História da
1963, 2ª. ed Editora Nacional 1951, Buenos
Luzuriaga Educação
1955 (inteiramente (Atualidades Aires: Editorial
y Medina e da
revista) Pedagógicas, v. Losada
(1889-1959)/ Pedagogia
59), 292 p.
Espanhol
Tomo I: Francisco História 1944, Cidade
São Paulo:
1979, 3ª. Larroyo Geral da do México:
1970 Mestre Jou,
ed.; Tomo II: (1908-1981)/ Pedagogia Editorial
947 p.
1974, 2ª. ed. Mexicano (Tomos I e II) Porrúa
História da
Mario
Educação:
Aliguiero São Paulo: 1983, Torino:
2006, 12ª. da
1989 Manacorda Cortez Editora, Nuova Eri
ed. Antiguidade
(1914- )/ 382 p. Edizione
aos nossos
Italiano
dias
São Paulo: 1995, Bari:
Franco Cambi* História da Editora UNESP Casa Editrice
1999 1999, 1ª. ed.
(s/i) / Italiano Pedagogia (Encyclopaidéia), Giuseppe
701 p. Laterza & figli
Quadro 1 - Informações básicas das obras de História da Educação/pedagogia
analisadas
* Na edição brasileira de 1999, consta a informação de que os Capítulos 2 e 3 e os §
2º, 3º e 4º do Capítulo 4 da Terceira Parte (A época moderna) da História da Pedagogia
de Franco Cambi foram escritos por Giuseppe Trebisacce.

Assim, a partir da constatação da prevalência desses


autores e respectivas obras nos programas de ensino de
História da Educação, bem como da percepção do caráter
marcadamente didático que elas assumiram nos processos
de formação de professores ao longo do tempo, procuramos
verificar a forma como esses autores tomam a História da
Educação e da Pedagogia, partindo da hipótese geral de que

49
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

essas obras são portadoras de posicionamentos historiográficos


diferenciados, com recurso a diferentes matrizes de ordem
ontológica, epistêmica e política.

Luzuriaga: história da educação e da Pedagogia como


história da cultura

Narciso Eladio Lorenzo Luzuriaga y Medina, conhecido


como Lorenzo Luzuriaga, nasceu em 1889, no município de
Valdepeñas, província de Ciudad Real, comunidade autônoma
de Castilla-La Mancha, na Espanha. Em 1936, emigrou
como exilado para Buenos Aires, na Argentina, situação
que perdurou por 23 anos, até seu falecimento, em 1959.
Segundo Warde (1998a, p. 77-78), no processo de formação
do autor, destacam-se três pontos. O primeiro refere-se a seu
envolvimento com a Institución Libre de Enseñanza (ILE), bem
como a seu trabalho no Museu Pedagógico. A ILE aglutinava

[...] o que havia de renovador na intelectualidade


espanhola de fins do século XIX e início deste. Era uma
instituição a serviço da reforma pedagógica; mais do que
um estabelecimento de ensino, representava para os seus
membros uma ‘continuidade espiritual’, consagrada ao
cultivo e à propagação da ciência em suas diversas formas.
Os seus estatutos estabeleciam que a ILE era completamente
alheia a todo espírito e interesse de comunhão religiosa,
escola filosófica ou partido político, proclamando somente
o princípio da liberdade e inviolabilidade da ciência e, em
decorrência, da independência de consciência do professor,
único responsável por suas doutrinas.

Um segundo aspecto formativo diz respeito à aproximação


de Luzuriaga a Ortega y Gasset,4 outro exilado espanhol

4
José Ortega y Gasset (1883-1955) foi um importante filósofo espanhol, com
atuação política ativa e que exerceu também o jornalismo. A semelhança
de Luzuriaga, também esteve exilado na Argentina. NAVARRO CORDON
e CALVO MARTINEZ (1990, p. 75) o tomam como membro da corrente
filosófica designada como vitalista, cuja reflexão gira em torno do tema da

50
O ensino de história da educação

radicado na Argentina (entre 1936 e 1945), em especial pela


experiência alemã de ambos, o que significaria o incentivo
à circulação de obras de Herbart e Pestalozzi, por exemplo.
Mas essa vinculação a Ortega y Gasset não se resumiria a esse
fato, dado que Luzuriaga foi também seu aluno; inscreveu-se
na Liga de Educação Política; colaborou em jornais criados
por Ortega y Gasset; compôs o pequeno grupo de jovens que
orbitava em torno do conhecido pensador. Segundo Warde
(1998a, p. 79),

De Ortega, Luzuriaga absorveu o alerta ‘sobre o anacronismo


em que incorre toda pedagogia que se centre no cidadão e se
esquece de tudo o mais que é o indivíduo’. O equilíbrio entre
socialização e individualismo pode-se observar na concepção
filosófica da razão vital de Ortega y Gasset. O humanismo,
que une na educação o vitalismo e o culturalismo, passou a
ser para Luzuriaga a síntese do social, do vital e do cultural,
e o seu modo de explicar as relações entre educação e
sociedade.

Por fim, Warde (1998a, p. 78-79) salienta, como terceiro


fator formativo, a inserção de Luzuriaga na Escola Nova,
vista como instituição e movimento, criada em 1911, por
meio da oferta de “[...] cursos elementares para trabalhadores
sobre desempenho de ofício, sobre questões jurídicas e
políticas, direitos trabalhistas etc.”. A escola tornar-se-ia,
simultaneamente, uma lugar de formação técnica e um locus

vida, do qual fazem parte, não sem ambigüidades, Nietzsche, Dilthey e


Bergson. Para os autores, o “termo vitalismo pode referir-se a dois conceitos
distintos de vida: a vida em sentido biológico e a vida em sentido biográfico,
isto é, como existência humana vivida. Este último conceito de vida está em
relação essencial com o conceito de vivência. Dos quatro filósofos vitalistas
acima citados, W. Dilthey centrou a sua reflexão na vida entendida do
segundo modo. Ortega y Gasset ocupou-se da vida em ambos os sentidos,
embora se possa afirmar que nas primeiras obras [...] se ocupou mais da
vida biologicamente entendida, enquanto na sua produção posterior prestou
preferencialmente atenção à vida humana, num sentido muito próximo do
de Dilthey. [...] Daí que a Historicidade seja traço essencial das realizações
culturais, e estas, portanto, não possam ser compreendidas nem interpretadas
adequadamente a não ser sob a perspectiva história. Dilthey e Ortega, por
consequência, podem ser considerados, em certo sentido, como historicistas”

51
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

de formulação de teoria socialista, tendo Luzuriaga um papel


de destaque nesse processo.
A extensa obra de Luzuriaga emergiu a partir desse
processo de formação, mas também da realidade vivenciada
no exílio na Argentina. Segundo Warde (1998a, p. 73-
74), na década de 1950, textos do autor tomariam lugar
central nas traduções promovidas para o português no
Brasil, o que ocorreu no âmbito da importante série
Atualidades pedagógicas, da Companhia Editora Nacional,5
por meio da publicação de cinco de suas obras, incluindo,
em 1955, a História da educação e da pedagogia.

Figura 1 - Capa da 2ª. edição em português


da obra de Lorenzo Luzuriaga, História da
Educação e da Pedagogia Tradução de Luiz
Damasco Penna e J. B. Damasco Penna.
Esta 2ª. edição (inteiramente revista) data de
1963, tendo sido realizada em São Paulo, pela
Companhia Editora Nacional (Atualidades
Pedagógicas, v. 59.). A 1ª. edição da obra
em português data de 1955. O formato é o
tradicional 14 x 2 cm. A edição examinada
contém 292 páginas. A primeira edição
em espanhol da obra data de 1951, com
publicação pela Editora Losada, de Buenos
Aires, Argentina.

Luzuriaga introduz sua obra ressaltando seu caráter


didático e assinalando a diferenciação entre história da
educação e história da pedagogia. Salienta também seu caráter
pragmático, de estudos de ideias que sobreviveram ao tempo
e que “[...] podem contribuir para resolver os problemas de
nosso tempo” (LUZURIAGA, 1963, p. XV). Para ele,

Na exposição intentamos também estabelecer a mais íntima


conexão entre realidade educacional e idéias pedagógicas,
pois ambas mais não são que partes de um todo indivisível: a

5
Para compreender a importância da série Atualidades Pedagógicos no
contexto luso-brasileiro, consultar, por exemplo, TOLEDO (2007).

52
O ensino de história da educação

própria educação. Antepusemos educação a Pedagogia, não


por crer aquela mais valiosa, mais porque assim se tornava
mais claro o estudo de ambas. Por ora, sem resolver se o ideal
da educação surge da realidade educacional o se, antes, esta
procede daquele. Por ora, devemos apenas advertir que, para
nós, os ideais não são algo de vago e flutuante, distanciado da
realidade, mas precisos e concretos como a própria realidade.
Constituem, com efeito, parte tão intrínseca de nossa vida e
da sociedade humana, quanto nossas ações e as instituições
sociais, geralmente mais caducas e circunstanciais que os
ideais humanos históricos (LUZURIAGA, 1963, p. XV-XVI).

Ao discorrer sobre a compreensão do aspecto ideal e real da


educação, diferenciando-os, Luzuriaga assinala a importância
do conhecimento da histórica geral e, particularmente, da
história da cultura, que permite a compreensão do sentido da
história. Nessa direção, Luzuriaga busca suporte teórico em
Dilthey ao afirmar:

Ao falar do valor humano da história, Dilthey, seu grande


mestre, adverte: ‘Só a história nos diz o que o homem é. É
inútil, como fazem alguns, desprender-se de todo o passado
para recomeçar a vida sem qualquer preconceito. Não é
possível desprender-se do que foi; os deuses do passado se
convertem em fantasmas. A melodia de nossa vida traz o
acompanhamento do passado. O homem se livra do tormento
e da fugacidade de tôda alegria, mediante dedicação aos
grandes pôderes objetivos criados pela história’ (LUZURIAGA,
1963, p. XVI).

A aproximação com a leitura conferida à história da


cultura em Dilthey6 é evidenciada em Luzuriaga quanto
6
Wilhelm Dilthey (1833-1911) , importante filósofo alemão, com estudos de
filosofia e de teologia, tendo ensinado nas universidades da Basiléia, Kiel,
Breslau e Berlim, entre 1866 e 1882. BURGUIÈRE (1993, p. 228-9), informa
que “[...] o essencial de sua reflexão foi consagrado à elaboração de uma
teoria do conhecimento das ‘ciências do espírito’ [...], nesse esforço, a
reflexão sobre a história ocupa lugar central, consciente das fraquezas
teoricas e metodologicas do empirismo positivista praticado pela maioria
dos historiadores de sua época, Dilthey procurou alcançar dois objetivos:
dar novamente à pesquisa histórica bases filosóficas e científicas seguras [...];
ajudar em seguida a compreender as origens e a estrutura (Zuzammenhang) do
espírito europeu. Para Dilthey, a originalidade da ‘compreensão’ (Verstehen)

53
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

afirma que “[...] a história da cultura se refere antes aos


produtos da mente do homem, tais como se manifestam na
arte, na técnica, na ciência, na moral ou na religião e em
suas instituições correspondentes” (LUZURIAGA, 1963, p. 1),
considerando que a educação se enquadra nesse campo de
manifestações culturais, tendo, por decorrência, uma história.
Essa influência é evidenciada ainda quando Luzuriaga discorre
sobre o conceito de educação como,

[...] a influência intencional e sistemática sôbre o ser juvenil,


com o propósito de formá-lo e desenvolvê-lo. Mas significa
também a ação genérica, ampla, de uma sociedade sôbre
as gerações jovens, com o fim de conservar e transmitir a
existência coletiva. A educação é, assim parte integrante,
essencial, da vida do homem e da sociedade, e existe
desde quando há sêres humanos sôbre a terra. Por outro
lado, a educação é componente tão fundamental da cultura
quanto a ciência, arte ou a literatura. Sem a educação não
seria possível aquisição e transmissão da cultura, pois pela
educação é que a cultura sobrevive no espírito humano.
Cultura sem educação seria cultura morta. E esta é também
uma das funções essenciais da educação: fazer sobreviver a
cultura através dos séculos (LUZURIAGA, 1963, p. 1-2).

Diferencia, no entanto, educação de Pedagogia,


qualificando a segunda, a partir de Dilthey, como ciência do
espírito (relacionada com a Filosofia, Psicologia, Sociologia
etc.). Para ele, a Pedagogia é “[...] reflexão sistemática sôbre
educação. Pedagogia é a ciência da educação: por ela é que
a ação educativa adquire unidade e elevação. Educação
sem pedagogia, sem reflexão metódica, seria pura atividade
mecânica, mera rotina” (LUZURIAGA, 1963, p. 2).
na história (como nas outras ‘ciências do espírito’, por contraposição
às ciências da natureza) decorre do fato de que o objeto do saber é ao
mesmo tempo seu sujeito – e de que, em tais condições, as categorias da
compreensão histórica são quase as mesmas da experiência vital (Erleben).
Mas, diferentemente, dos historiadores de seu tempo, Dilthey acentua os
componentes irracionais da natureza humana. Para ele, o pensamento é tanto
uma expressão de funções vitais quanto um processo racional. Em última
instância, o pensamento é subjetivo e pessoalmente determinado (cf. a noção
por ele criada de (Weltanschauung)”.

54
O ensino de história da educação

Assim, a obra dividiu-se didaticamente em exposição


sobre, de um lado, a história da educação e, de outro, a
história da pedagogia, como verso e anverso da realidade
cultural. A educação tem uma história de mudança e
desenvolvimento, mas, simultaneamente, é parte da história
da cultura, em uma relação de mão dupla. A pedagogia, por
seu turno, que trata da face teórica e científica da educação,
também tem uma história. Nesse caso, porém, “[...] estuda o
desenvolvimento das idéias e ideais educacionais, a evolução
das teorias pedagógicas e as personalidades mais influentes
na educação. A história da pedagogia está ìntimamente
relacionada com as ciências do espírito e, tal como a história
delas, é relativamente recente” (LUZURIAGA, 1963, p. 2-3,
grifo do autor). Com essas diferenças estabelecidas, o autor
passou à demonstração dos marcos temporais da gênese de
uma e da outra, pois, para ele, a educação remonta ao início
da vida humana, mas a pedagogia tem início com a reflexão
filosófica de uma personagem da envergadura de Sócrates.
Luzuriaga estabelece os fatores históricos, culturais
e sociais com os quais a educação e a pedagogia estão
relacionados, incluindo: a situação histórica geral de cada
povo e de cada época, o caráter da cultura, a estrutura social e
a vida econômica. Em seguida, expõe os fatores propriamente
educacionais e pedagógicos, a saber: os ideais de educação,
a concepção estritamente pedagógica, a personalidade e a
atuação dos grandes educadores, as reformas das autoridades
oficiais e as modificações das instituições e métodos da
educação (LUZURIAGA, 1963, p. 3-4).
Após esses apontamentos, Luzuriaga, apesar de salientar
as dificuldades, apresenta uma proposta que se refere às fases
principais do desenvolvimento histórico da educação e da
pedagogia que estará presente na obra: a educação primitiva, a
educação oriental, a educação clássica, a educação medieval,
a educação humanista, a educação cristã reformada, a
educação realista, a educação racionalista e naturalista, a

55
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

educação nacional. Por fim, apresenta a educação democrática,


caracterizando-a como a “[...] que faz da livre personalidade
humana o eixo das atividades, independentemente de posição
econômica e social, e proporciona a maior educação possível
ao maio número possível de indivíduos” (LUZURIAGA, 1963,
p. 7). A seguir, no exame dos títulos mais gerais da obra,
podemos perceber sua estrutura geral, bem como a separação
existente entre história da educação e da pedagogia.

Títulos principais do sumário da obra de Lorenzo LUZURIAGA,


História da Educação e da Pedagogia7

Introdução
Capítulo I - História da Educação e da Pedagogia
Capítulo II - A Educação Primitiva
Capítulo III - A Educação Oriental
Capítulo IV - A Educação Grega
Capítulo V - A Pedagogia Grega
Capítulo VI - A Educação Romana
Capítulo VII - A Educação Cristã Primitiva
Capítulo VIII - A Educação Medieval
Capítulo IX - A Educação Humanista
Capítulo X - A Educação Religiosa Reformada (Protestante)
Capítulo XI - A Educação Religiosa Reformada (Católica)
Capítulo XII - A Educação no Século XVII
Capítulo XIII - A Pedagogia no Século XVII
Capítulo XIV - A Educação no Século XVIII
Capítulo XV - A Pedagogia no Século XVIII
Capítulo XVI - A Educação no Século XIX
Capítulo XVII - A Pedagogia no Século XIX
Capítulo XVIII - A Educação no Século XX
Capítulo XIX - A Educação Nova
Capítulo XX - A Pedagogia Contemporânea
Bibliografia
Índice Onomástico

Sobre as variadas fontes consultadas para a produção do


manual, Luzuriaga informa que se serviu de obras religiosas
fundamentais, de obras literárias clássicas, das obras mestras do
pensamento universal, das obras fundamentais da pedagogia,
das biografias e autobiografias, das leis e disposições legais.
Para ele,

7
Conforme apresentado em LUZURIAGA (1963).

56
O ensino de história da educação

Tôdas essas fontes e muitas que poderíamos citar, constituem


os meios ou instrumentos necessários ao estudo da história da
educação, a qual não é algo de vago, abstrato, extraído da ca-
beça dos educadores e pedagogistas, e sim parte viva da rea-
lidade humana presente e passada (LUZURIAGA, 1963, p. 8).

Ao comentar sobre a finalidade do estudo de história


da educação e da pedagogia, Luzuriaga busca referência em
autores de tendências analíticas diferenciadas, apresentando
intelectuais vinculados ao pragmatismo, ao positivismo e
ao historicismo. Por mais ambíguo que possa parecer esse
arranjo, ele faz sentido para os propósitos do autor. Assim,
pela ordem, aparecem referências a Dewey, Jaspers, Dilthey,
Ziegler, Durkheim e Spranger, a saber:

[...] ‘O passado como passado – diz Dewey – não é nosso


objetivo. Se fôsse completamente passado, não haveria mais
que uma atitude razoável: deixar que os mortos enterrassem
os mortos. Mas o conhecimento do passado é a chave para
entender o presente’.

[...] diz o filósofo Karl Jaspers: ‘É a história que nos abre mais
vasto horizonte, que nos transmite os valôres tradicionais
capazes de nos fundamentar a vida. Liberta-nos do estado
de dependência em que nos achamos, inscientes disso em
relação a nossa época e nos ensina a ver as possibilidades
mais elevadas e as criações inesquecíveis do homem... Nossa
experiência atual, melhor a compreendemos no espelho
da história, e o que ela nos transmite adquire vida à luz de
nosso tempo. Nossa vida prossegue, enquanto o passado e o
presente não deixam de iluminar-se recìprocamente’.

[...] ‘O passado com seus intentos felizes e seus malogros –


diz Dilthey – ensina tanto a pedagogista como a políticos’.
[...] ‘A história nos ensina ainda mais, diz Ziegler: a modéstia
com todo o seu saber e poder, com tôdas as suas idéias novas;
o indivíduo mais não é que pequena mola na grande obra do
desenvolvimento histórico’.

[...] ‘Em lugar de não considerar mais que o homem de um


instante – diz Durkheim – o que cumpre é considerá-lo em
função do futuro. Em vez de encerrarmo-nos em nossa época,

57
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

cumpre, ao contrário, sair dela, para que nos subtraiamos


de nós mesmos, de nossas opiniões estreitas, parciais e
partidárias. E é precisamente para isso que deve servir o
estudo histórico do ensino’.

[...] a respeito do valor da história da educação diz Spranger:


‘Não é apenas, em absoluto, trabalho estéril, de antiquário. A
história da educação é antes, quando devidamente cultivada,
quem dá aquela amplitude, aquela clareza e aquela elevação
da consciência cultural sem as quais a educação não passaria
de ofício muito estreito. Não pode reunir ùnicamente opiniões
estranhas e organizações escolares de épocas extintas, senão
que lhe cumpre ser autênticamente história da cultura’
(LUZURIAGA, 1963, p. 9-10).

A propósito desse universo de intelectuais citados por


Luzuriaga, destacam-se, como referência mais marcante em
sua obra, Dilthey e Durkheim, não por coincidência também
dois autores de obras dedicadas à história da educação e da
pedagogia que tiveram grande repercussão internacional.8
Nesse sentido, Ghiraldelli Jr. (1994) vincula a ação de
Dilthey (Alemanha) e de Durkheim (França) ao movimento de
criação e de institucionalização de novos cursos e de novas
disciplinas na Europa. Para ele, Dilthey buscou fundamentos
epistemológicos para as ciências do espírito (por meio do
desenvolvimento de uma psico-história), e Durkheim deu
continuidade à construção da moderna sociologia. Porém, o
que contribui mais diretamente para compreender os autores
referenciados por Luzuriaga é o fato de que

Dilthey e Durkheim vão além de um trabalho geral de de-


limitação e fundamentação das ciências da sociedade e da
cultura. Convencidos da importância da razão histórica, par-
tilham da idéia de que a formação pedagógica correta do pro-
fessor primário e/ou secundário deve se pautar por um sólido

8
A título de exemplo, é possível encontrar em bibliotecas brasileiras mais
tradicionais a tradução para o espanhol intitulada História de la Pedagogia,
de Dilthey (1965) e a versão original em francês da Evolución Pedagogique en
France (1969), de Durkheim, bem como sua tradução para o português, sob o
título A Evolução Pedagógica (1995).

58
O ensino de história da educação

conhecimento das formas educacionais e pedagógicas do


passado. Trabalhando com essa idéia eles se tornam, durante
algum tempo, historiadores da educação. Rediscutindo esse
assunto, colaboram para a fixação de disciplinas com o nome
de ‘história da educação’ e similares, e praticamente deixam
uma marca que se transfere decisivamente à historiografia da
educação produzida posteriormente, principalmente aquela
historiografia típica dos manuais, ligados à formação dos pro-
fessores e educadores. Mais conhecidos como ‘teórico das
ciências do espírito’ e ‘pai da sociologia moderna’, Dilthey e
Durkheim são, também, historiadores da educação, responsá-
veis por determinados tipos de pensamento de gerações sub-
seqüentes de professores e pesquisadores desta área do saber.
E talvez seja possível dizer que eles, enquanto historiadores
da educação, se vincularam ao historicismo e ao positivismo
de maneira bastante peculiares, distintas daquelas descritas
pela maioria dos comentadores e historiadores da filosofia e
das ciências sociais; isto é, talvez o historicismo e o positivis-
mo tenham encontrado suas formas mais típicas em Dilthey
e em Durkheim justamente enquanto historiadores da educa-
ção (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 69-70, grifo do autor).

Larroyo: fatos pedagógicos, política e teorias educacionais


na história da pedagogia

Segundo consta do texto de Escalante Fernández (2009, p.


2), Francisco Larroyo nasceu na cidade do México, em 1912,
tendo falecido na mesma cidade, em 1981. Em 1930, obteve
titulação como professor normalista. Em 1934, foi licenciado
em Filosofia e, no ano seguinte, em 1935, em Pedagogia.
Ambos os cursos na Universidad Nacional Autónoma de
México (UNAM). No início da década de 1930, estudou na
Universidade de Côlonia, na Alemanha, mas não existem
informações sobre a obtenção de algum título em função
desses estudos. Em 1938, obteve seu doutorado com tese
sobre ética social. Com extensa obra filosófica e pedagógica,
Larroyo também traduziu diversas obras de filósofos europeus,
tendo sido, inclusive, presidente da Federación Internacional
de Sociedades de Filosofia.

59
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Sua atividade docente na UNAM, segundo informa


Escalante Fernández (2009, p. 3), marcou-o como um dos
incentivadores da leitura dos textos clássicos, mas também
da pedagogia como uma carreira universitária, tendo sido
fundador do Colégio de Pedagogia em 1955 e diretor da
Faculdade, entre 1958 e 1966. Lecionou História da Pedagogia,
teoria Pedagógica como Ciência da Educação, Filosofia
da Educação, Didática do Ensino Superior e História da
Educação no México. Exerceu a direção do Instituto Nacional
de Pedagogia (1943), a presidência da Comissão Nacional do
Livro Didático (1948) etc. Participou de comissões nacionais
ligadas à questão educacional e, em 1947, criou a Escuela
Nacional de Educadoras. Boa parte da obra de Francisco
Larroyo esteve a cargo da Editorial Porrúa, importante editora
e livraria mexicana, fundada em 1900, com destacada atuação
na publicação e vendagem de livros vinculados à Filosofia, à
Educação, à História e à literatura.

Figura 2 - Capa da 3ª. edição em português do


primeiro tomo da obra de Francisco Larroyo,
História Geral da Pedagogia. Tradução de Luiz
Aparecido Caruso. Esta 3ª. edição do primeiro
tomo data de 1979, tendo sido realizada em
São Paulo, pela Editora Mestre Jou. O formato
é um pouco maior que o usual, com 16 x
23cm. Os dois tomos somam 947 páginas. A
primeira edição em português data de 1970.
A primeira edição em espanhol data de 1944,
com publicação pela Editorial Porrúa, da
Cidade do México, México.

Em História geral da pedagogia, à semelhança de


Luzuriaga, Larroyo promove uma leitura da história da
pedagogia a partir de pressupostos do vitalismo, em especial
de Dilthey. Houve, porém, a menção ao filósofo neokantiano

60
O ensino de história da educação

alemão Wilhelm Windelband, fundador da axiologia, que


ocupa o frontispício do conjunto de nove prólogos que
Larroyo redigiu para as diferentes versões da obra, pelo menos,
conforme pode ser visto na 3ª edição em português publicada
no Brasil, em 1979, , o que denota algum distanciamento da
epistemologia presente no Dilthey das ciências do espírito.9
Porém, não o distancia do historicismo que marca a obra do
mesmo. Nesse sentido, no prólogo da sexta edição, escrito
entre 1958-1959, Larroyo demonstra sua vinculação a Dilthey
e a Windelband simultaneamente, a saber:

Uma vez mais se edita esta HISTÓRIA GERAL DA


PEDAGOGIA, e mais uma vez a obra tem como patrono
Wilhelm Windelband. Explica-se e justifica-se esse patrocínio.
W. Windelband e W. Dilthey foram, no decurso do século
atual, isto é, século XX, os melhores historiadores de idéias.
Do primeiro, o autor recebeu perceptíveis influências quanto
ao método ideográfico das concepções do mundo e da vida;
do segundo, aquilo que se relacionou com o conceito de tipo
histórico. Sem dúvida, o enfoque da Pedagogia universal,
em sua história à luz de tais idéias, deu ao livro um caráter
distinto (LARROYO, 1979, p. 7-8, grifo do autor).

Larroyo toma o objeto da história da pedagogia como


referido, de um lado, ao que de mais profundo e significativo
ocorreu desde o passado mais remoto (profundidade). Por
outro lado, refere-se ao fato pedagógico, à teoria educativa e
à política educacional (extensão), tomando o fato pedagógico
como o modo de realização, no espaço e no tempo, do
acontecimento de assimilação da cultura e dos fatores que o
determinam, sendo um fato que, primeiramente, cabe à história
da pedagogia compreender e narrar; a teoria da educação,
como sendo aquela que descreve o fato educativo, buscando
suas relações com outros fenômenos; ordena-o e o classifica;
procura os fatores que o determinam, as leis em que se acha
submetido e os fins que persegue; a política educativa que é

9
No que se refere à questão da filosofia dos valores, consultar MEES (2008).

61
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

[...] o conjunto de preceitos obrigatórios por força dos quais


se estabelece uma base jurídica, de Direito, para levar a cabo
as tarefas da educação. Na vida contemporânea não se limita,
de forma alguma, a regulamentar a vida escolar (política
escolar); inclui todos os domínios da cultura nos quais se
propaga a educação: na imprensa e no rádio, no teatro e no
cinema etc. [...] (LARROYO, 1979, p. 15-7).

O próprio autor resume suas ideias do seguinte modo:

[...] a História da Pedagogia descreve e explica, em sucessão


cronológica, a vida real da educação (fato pedagógico)
assinalando cuidadosamente, os preceitos jurídicos (política
educativa) que trataram de regulamentá-la, assim, como as
doutrinas e técnicas educativas que buscaram interpretá-la
e realizá-la do melhor modo (teoria e técnica da educação)
(LARROYO, 1979, p. 18).

Em termos metodológicos, Larroyo, novamente inspirado


em Dilthey e no vitalismo do qual é portador, informa que a
história da pedagogia possui um método para reconstruir a
vida educativa das sociedades passadas, baseado na ideia de
unidades culturais ou históricas:

A unidade histórica é um conjunto de ocorrências


organicamente entrelaçadas, um grupo de acontecimentos
unidos de tal forma que dão a impressão de um tecido
compacto de tarefas sociais. Os filósofos da História servem-
se de variados nomes para designar esses fenômenos, mais ou
menos complexos; falam do ‘ambiente’ da época (Jaspers),
das ‘características’ do tempo (Fichte), do ‘estilo’ de cultura
(Spengler). As unidades históricas são complexões de fatos
singulares que, à primeira vista exibem uma íntima travação
genética, silhuetas de acontecimentos no universo do devir
humano. Nelas se fundamenta a divisão orgânica da História
(LARROYO, 1979, p. 20).

Para o autor, três são os fatores que delimitam as unidades


históricas na vida da educação, a saber: o fator pragmático,
entendido como a eficácia e influência do fato pedagógico
na sociedade; o fator histórico-cultural, consubstanciando

62
O ensino de história da educação

o contexto e o ambiente ao qual se vincula o processo


educativo no tempo e no espaço; o fator progressivo, referido
ao avanço didático, ao acerto pedagógico que supera ideias
ou instituições precedentes.
No que diz respeito às fontes acionadas na História geral
da pedagogia, Larroyo ressalta sua variedade, incluindo: os
restos (utensílios de toda classe, edifícios, moedas, costumes,
jogos, línguas, documentos oficiais e privados, códigos etc.), as
memórias, os anais, as crônicas (assim como as obras-primas
do pensamento universal); as obras clássicas da pedagogia
(as mais importantes para o autor); a legislação e política
educativas. Assim, o processo de pesquisa é apresentado
por Larroyo como sendo portador de quatro fases, a saber:
1ª. Fase - Heurística (busca das fontes); 2ª. Fase - Crítica das
fontes (verificação da autenticidade); 3ª. Fase - Hermenêutica
(interpretação das fontes); 4ª. Fase - Exposição histórica (o
quadro histórico, vivo, articulado, selecionando e tipificando
os fatos passados).
No intento de superar as divisões tradicionais da história
e da história da educação, Larroyo propõe uma segmentação
em História geral da pedagogia que tome o passado
pedagógico nos marcos das unidades e tipos históricos da
educação, conforme se pode observar na estrutura geral do
texto apresentada a seguir.

Títulos principais do sumário da obra de Francisco LARROYO,


História Geral da Pedagogia10

TOMO I

Introdução
Objeto, Método, Divisão e Importância da História da Pedagogia
I. Objeto de Estudo da História da Pedagogia
II. O Método da História da Pedagogia
III. Divisão da História da Pedagogia
IV. Importância da História da Pedagogia

10
Conforme apresentado em LARROYO (Tomo I: 1979 e Tomo II: 1974).

63
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Primeira Parte
A Época do Tradicionalismo

I. A Educação dos Povos Primitivos


II. A China e o Tradicionalismo Burocrático
III. A Índia e o Tradicionalismo Filológico
IV. Babilônia, Assur e o Tradicionalismo Mágico
V. Egito e o Tradicionalismo Realista
VI. O Povo Hebreu e o Tradicionalismo Teocrático
VII. Fenícia e o Tradicionalismo Utilitário
VIII. Os Persas e o Tradicionalismo Nacionalista
IX. América Pré-Colombiana e o Tradicionalismo Bélico-Religioso

Segunda Parte
A Pedagogia dos Povos Clássicos

Primeira Seção
A Grécia e a Pedagogia da Personalidade

I. Cronologia e Instituições
II. Educação Grega Mais Antiga
III. Esparta e o Estatismo Pedagógico-Militar
IV. Pitágoras e a Educação Harmônica
V. Atenas e o Estado de Cultura
VI. O Iluminismo Grego Como Fato Pedagógico (450-400). Os Sofistas e
Sócrates
VII. Platão (429-347) e a Pedagogia Política
VIII. Luta das Tendências Pedagógicas no Século IV
IX. Aristóteles (384-322) e o Perfeccionismo Pedagógico
X. A Época a Enkyclios Paidéia: a Pedagogia do Helenismo

Segunda Seção
Roma e a Pedagogia da “Humanitas”

I. Cronologia e Instituições
II. A Educação nos Tempos Primitivos
III. Educação Encíclica em Roma (desde meados do século II a.C.)
IV. Os Teóricos da Educação na Época Republicana e a pedagogia das
‘Humanistas’
V. A Educação Terciária e a Época Imperial
VI. Quintiliano (40-118) e o Ideal do Orador
VII. Outros Pedagogos da Época Imperial

Terceira Parte
A Idade Média e a Educação Cristocêntrica

I. Fatos Políticos e Culturais mais Importantes da Idade Média


II. Importância do Cristianismo na História da Educação
III. Início da Educação Cristã
IV. A Patrística em suas Relações com a Educação
V. Educação para a Virtude
VI. Origem do Ensino Centralizado pelo Estado (Carlos Magno, Alfredo, o
Grande, a Dinastia dos Otãos)
VII. O Ensino no Império do Oriente e no dos Árabes
VIII. Educação para o Êxtase

64
O ensino de história da educação

IX. A Escolástica como Tipo de Formação Intelectual


X. A Educação Secular na Idade Média
XI. A Educação da Mulher na Idade Média
XII. Jogos e Desportes na Idade Média
XIII. As Universidade Medievais

Quarta Parte
A Renovação da Humanitas e a Pedagogia da Reforma e da Contra-Reforma

I. Os Fatos Sobressalentes dos Séculos XIV, XV e XVI em Relação com a Vida


Educativa
II. O Humanismo Pedagógico na Itália
III. O Humanismo Pedagógico na Alemanha
IV. O Humanismo Pedagógica na Inglaterra e na Espanha
V. O Humanismo Pedagógico na França
VI. A Pedagogia da Reforma
VII. A Pedagogia da Contra-Reforma
VIII. A Educação na América

Quinta Parte
Época do Realismo

I. A Filosofia Moderna em suas Relações com a Educação


II. Wolfgang Ratke e o Início do Realismo
III. João Amós Comênio e a Fundamentação da Didática Realista
IV. Educação de Classe e Profissão
V. Os Oratorianos
VI. Os Irmãos das Escolas Cristãs
VII. A Obra Pedagógica de Port-Royal
VIII. A Pedagogia do Pietismo
IX. A Educação na Nova Inglaterra e demais Colônias. O Canadá

TOMO II

Sexta Parte
A Época do Naturalismo

I. Do Tratado de Utrecht à Revolução Francesa (1789)


II. O Movimento do Iluminismo em suas Relações com a Educação
III. Rousseau e o Naturalismo Acentuado
IV. Basedow e a Pedagogia Filantrópica
V. A Escola Popular Européia no Século XVIII
VI. A Modernização dos Estudos na América Latina
VII. Transformação Educacional nos Estados Unidos

Sétima Parte
A Educação Geral Humana na Pedagogia da Revolução e do Neo-
humanismo

I. A Revolução, o Império e os Movimentos Liberais até 1848


II. A Pedagogia da Revolução e o Conceito da Educação Política
III. O Processo do Neo-humanismo
IV. Pestalozzi e o Neo-humanismo Social
V. Educação e Ensino desde os Fins do Século XVIII até meados do Século XIX

65
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

VI. A Pedagogia do Tradicionalismo e a Ideologia


VII. Ordens e Congregações Docentes Nesta Época
VIII. Reconstrução Pedagógica nos Estados Unidos

Oitava Parte
A Pedagogia no Século XIX

I. A Época da Máquina, das Guerras Nacionais e da Vida Internacional


(1848-1914)
II. Herbart e o Sistema da Teoria Educativa
III. Os Pós-Pestalozzianos: O Padre Girard, Froebel, Diesterweg, Rosmini
IV. A Escola de Herbart
V. A Pedagogia Católica Desde a Segunda Metade do Século XIX
VI. A Pedagogia do Positivismo e do Evolucionismo
VII. Educação Feminina no Século XIX e as Origens do Feminismo
VIII. A Pedagogia Experimental até Meumann
IX. Educação Pública nos Finais do Século XIX

Nona Parte
A Pedagogia Contemporânea

I. Da Primeira Guerra Mundial até o Presente


II. Renovação do Naturalismo
III. Pedagogia da Ação
IV. Os Métodos da Educação Física e Higiênica
V. Psicologia Pedagógica. A Pedagogia Experimental de Tipos Psicológicos e
de Anormais
VI. Pedagogia Social
VII. Pedagogia Socialista
VIII. A Pedagogia da Vida e do Tradicionalismo Transcendental
IX. Pedagogia Existencial
X. Pedagogia Cultural dos Valores, Pedagogia da Personalidade
XI. A Pedagogia Analítica e o Reconstrucionismo
XII. Cibernética e Máquinas de Ensino
XIII. Sistemas de Educação Pública no Século XX
XIV. Cooperação internacional
XV. Pedagogia do Futuro

Por fim, Larroyo, destaca os fatores que conferem


utilidade ao estudo da história da pedagogia, assinalando,
primeiramente, sua utilidade geral, relacionada com o fato de
que “[...] a educação mostra como cada um destes produtos
do espírito humano se transmite de geração em geração”
(LARROYO, 1979, p. 33). Para ele:

Até mesmo os manuais escolares aproveitam estas vantagens


para finalidades pedagógicas. Os criadores da ciência
histórica moderna, com Wilhelm Dilthey na vanguarda,
sublinham, com toda razão, tão grande importância.

66
O ensino de história da educação

‘Empreguei estes três meses do curso – comunica Dilthey a


seu amigo Conde de Iorque – de preferência, na história da
educação, na Europa. Raramente, um estudo histórico me
excitou tanto, intimamente, e me abriu perspectivas sobre
a História Universal, em geral, isto é, sobre as condições
causais (psicológicas) do ideal de vida, ideal de educação,
poesia, formação cultural, ciência’ (LARROYO, 1979, p. 34).

Larroyo apresenta ainda uma segunda utilidade para


a história da educação que se refere aos profissionais
da educação, dadas as relações entre história e teorias
pedagógicas, pois, mais do que em outras ciências, a
teoria pedagógica está vinculada à história da educação,
complementando-se. Compreendem-se, de melhor maneira,
os princípios pedagógicos, quando se mostra como se deu
sua gestação na história. Por fim, Larroyo assinala uma
característica evolutiva de suas concepções, a saber:

Por sua vez, a história da Pedagogia toma a teoria sistemática


da educação certas valorizações, certas idéias de progresso,
que oferecem critérios para apreciar o que, na História, tem
importância pedagógica. A mera descrição dos fatos não pode
decidir se há avanço ou retrocesso, decadência ou auge numa
época. Para isso, é preciso elevar-se acima dos acontecimentos
e julgá-los em sua justa significação, mediante juízos de valor
(fator progressivo).

Novamente, com Dilthey, Larroyo expressa que o conhe-


cimento dos erros pedagógicos é proveitoso, pois se percebe a
distância que separa o possível do imaginário: “[...] a história
da educação ensina-nos a ponderar o conflito entre o otimis-
mo pedagógico (tudo pode a educação) e o pessimismo peda-
gógico (a educação nada pode)” (LARROYO, 1979, p. 34-5).

67
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Manacorda: contradições do passado educativo e


possibilidades para o futuro

Nascido em Roma, em 1914, Mario Alighiero Manacorda


lecionou Pedagogia e História da Pedagogia nas universidades
de Cagliari, Viterbo, Florença e Roma. Foi dirigente de
sindicatos e de associações docentes, membro do Comitê
Administrativo da Federação Internacional Sindical dos
Docentes e da Comissão nacional italiana da UNESCO.
Dirigiu publicações didático-pedagógicas, entre as quais
Scuola e costituzione, Voce della scuola, Scuola democratica
e Reforma della scuola. No Brasil, podem-se destacar as obras
publicadas a partir do original italiano, pela ordem: História
da educação: da Antiguidade aos nossos dias, de 1989; O
princípio educativo em Gramsci, de 1991; Marx e a pedagogia
moderna, de 1991. A propósito da obra de Manacorda
publicada em 1989, é interessante conhecer o diálogo que
Paolo Nosella estabeleceu com o autor recentemente, a saber:

[Paolo] Professor Manacorda, o seu livro ‘História da


Educação, da antiguidade aos nossos dias’ já está na 12ª ou
13ª edição. Eu penso que sua difusão seja devida também à
síntese de cultura geral que o livro contém; mas, sobretudo,
ao fato dele falar da Pedagogia não apenas com os discursos
dos pedagogos, mas também com outros documentos e
outros tipos de literatura [...]. O Senhor teria um comentário
a fazer sobre isso?
[Manacorda] Sim, creio que você tenha indicado justamente
aquilo que é, se não o meu resultado, a minha intenção.
Isto é, não fazer um texto corporativo, que fale do interior
da escola. Mas, que se relacione com o crescimento geral
da sociedade, nos aspectos culturais, e também nos aspectos
da vida cotidiana e do trabalho. Sobretudo, porém, eu estou
interessado a encontrar na escola, isto é, na relação educativa
geral, a relação pela qual o homem educa o próprio filhote
para ser (um cidadão) histórico, contemporâneo de sua época.
E, sobre esse problema, que é geral e não somente escolar,
encontrei que freqüentemente os textos literários nos dão
palavras que somente a poesia sabe dizer, porque interpretam
o modo de sentir e a profundidade dos fatos, mais do que

68
O ensino de história da educação

qualquer outra expressão, digamos, cotidiana ou normal.


Portanto, a literatura é a fonte que eu sugeriria, se não para
encontrar documentações (e dessas encontram-se muitas),
pelo menos para interpretar o que era a relação educativa na
escola, no aprendizado para o trabalho e em todos os lugares
onde se educa (MANACORDA, 2007, p. 15-16).

Figura 3 - Capa da 12ª. edição em português


da obra de Mario Alighiero Manacorda,
História da Educação: da Antiguidade
aos nossos dias. Tradução de Gaetano Lo
Monaco, com revisão de Rosa dos Anjos
Oliveira e Paolo Nosella. Esta 12ª. edição
data de 2006, tendo sido realizada em São
Paulo, pela Editora Cortez, o que ocorre
desde a 1ª. edição em português, datada de
1989. O formato é o tradicional 14 x 21cm.
A edição examinada contém 382 páginas.
A edição e a arte da capa estiveram a cargo
de Roberto Yukio Matuo, mediante projeto
e ilustração de Milton José de Almeida. A
primeira edição em italiano da obra data
de 1983, com publicação pela Nuova Eri
Edizione, de Turim, Itália.

De fato, a obra de Manacorda é rica na utilização de


fontes que demonstram as vivências cotidianas da população
em torno das questões de ordem formativa, educacionais, mas
não exclusivamente escolares. Essa riqueza no trato das fontes
alinha-se a uma construção discursiva imersa no marxismo,
sendo possível encontrar na obra de Manacorda tanto a
presença, a partir de Marx e Engels, de uma oposição à escola
histórica e ao idealismo hegeliano, quanto à existência dos
vetores básicos da concepção marxista de história, a saber:

Para o marxismo, a história não é, nem uma ‘colecção de


factos mortos’ como é para os empiristas, nem [...] ‘uma acção
imaginária de sujeitos imaginários’, conforme a interpretou
o idealismo. [...], [sendo indicadas] três teses acerca da
concepção materialista de história: 1º. O fator ou a estrutura
determinante da história é constituída pela relação entre as
forças produtivas e as relações de produção. A história consiste,
em última análise, no processo real da produção material da

69
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

vida. O motor da história é, pois, a contradição entre as forças


produtivas e as relações de produção, ou, o que vem a dar o
mesmo, a luta de classes. ‘a história de toda a sociedade até
hoje existente’, escreve Marx, no Manifesto Comunista, ‘é a
história da luta de classes’. 2º. Na história, e na determinação
e configuração do, seu desenvolvimento e processo, dá-se
uma particular relação entre a ‘infra-estrutura’ (o fundamento
econômico) e a ‘superestrutura’. Contra a tese que viria a
defender de que o fundamento econômico determina sem
mais o processo histórico, bem como a superestrutura (tese
que poderia denominar-se de economicista), na verdade,
para o marxismo dá-se uma relação dialética entre a infra e a
superestrutura, embora o fundamento económico constitua,
em última instância, o princípio de explicação. Portanto,
dizer sem mais que ‘o factor económico é o único factor
determinante’ é ‘uma frase oca, abstracta e vaga’ (Engels,
carta a Bloch, 21-IX-1890). 3º. O vector ou fim a que se dirige
a história é o desaparecimento das classes e a instauração do
comunismo. A sociedade sem classes e comunista, ‘eschaton’
para a qual, ao que parece, tende e marcha a História (marcha
que será acelerada mediante a acção do proletariado), virá
acabar com as alienações e possibilitará a realização total
do homem. Com base nesta tese (e aceite nesta formulação)
não sem fundamento viram alguns autores no marxismo
uma “metafísica da história”, e, em todo caso, uma instância
utópica (NAVARRO CORDON; CALVO MARTINEZ, 1990, p.
67-68, grifo dos autores).

No marxismo, o pensamento humano é um produto


social, consubstanciando uma linguagem da vida real. Na
obra de Manacorda, é perceptível a busca da linguagem da
vida real, com recurso a fontes históricas pouco presentes
nas interpretações marxistas tradicionais, mas que podem ser
vislumbradas especialmente no campo do marxismo cultural.11
A propósito desse tema, parece interessante destacar a opinião
manifestada pelo autor sobre os Annales em entrevista
recentemente concedida para Paolo Nosella:

11
Nessa direção, exemplos importantes dessa historiografia nomeada como
afeta ao marxismo cultural podem ser encontrados nas obras, por exemplo, de
THOMPSON (1987), HILL (1987) e WILLIAMS (1989).

70
O ensino de história da educação

[Paolo] No Brasil, o senhor é conhecido, sobretudo, como


especialista em História da Educação. Na História, há uma
corrente teórica chamada de Nova História, iniciada com
Jacques Le Goff, Philippe Ariès e outros. A respeito disso o
Senhor teria uma opinião a nos dar?
[Manacorda] Foi uma nova historiografia, aquela dos
Annales Franceses, que nos anos 1970 impôs uma virada
na investigação, passando da macro-história política,
econômica, diplomática, militar etc, aos interesses pela
micro-história, isto é, de pequenos núcleos familiares ou
sociais das culturas minoritárias e submersas, isto é, um
interesse pelos costumes da vida privada das pessoas. Parece-
me ser esta uma conquista que já entrou plenamente na
prática de investigação historiográfica. Porém, hoje, sem
renunciar a esta base, se avança porque se tende a ampliar a
micro-história para identidades maiores, como por exemplo,
a identidade européia, a identidade comunitária, ou seja,
a identidade mundial, os grandes encontros de civilização.
Parece-me que hoje existe esse interesse, que já fez grandes
progressos na pesquisa, onde nos acostumamos a um reexame
crítico das fontes, evidenciando sempre, todavia, sua natureza
ideológica. Então, hoje, parece-me que caminhamos nessa
direção, sem renegar a grande descoberta feita pela Escola
dos Annales (MANACORDA, 2007, p. 11-12).

Segundo Manacorda (1989, p. 5-6), a obra História


da educação: da Antiguidade aos nossos dias foi pensada
inicialmente para tomar corpo em um programa da televisão
italiana, em uma proposta de um rápido passeio histórico pela
educação “através de imagens”. No entanto, o projeto revelou-
se inviável e acabou por ser realizado para transmissão via rádio,
consubstanciando-se em um passeio histórico da educação
“através de textos”, com o título de “A escola nos séculos”, o
que ocorreu em 12 transmissões radiofônicas no final de 1980.
Porém, Manacorda pretendeu evitar produzir um novo texto
baseado em uma estratégia discursiva predominantemente
indireta, bem como lidar com os textos de modo fragmentado,
sem um fio condutor analítico. Tematicamente, Manacorda
(1989, p. 6) expressou que

71
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

[...] a hipótese foi perseguir o processo educativo pelo qual


a humanidade elabora a si mesma, em todos os seus vários
aspectos. Pareceu-me poder sintetizá-los na ‘inculturação’ nas
tradições e nos costumes (ou aculturação, no caso de procederem
não do dinamismo interno, mas do externo), na instrução
intelectual em seus dois aspectos, o formal-instrumental (ler,
escrever, contar) e o concreto (conteúdo do conhecimento),
e, finalmente, na aprendizagem do ofício (compreendida aqui
aquela forma específica que é o treinamento para a guerra).
Destas três, neste livro, os riscos de prevalecer a instrução e,
depois, quando esta se institucionaliza, a escola, dependem
quer da objetiva predominância dos documentos a respeito,
quer, talvez, da inclinação subjetiva minha que os explorava
e os utilizava. Estes vários aspectos da educação comportam
um relacionamento permanente com os temas mais gerais da
história da humanidade. Aculturação quer dizer socialização,
inserção de cada adolescente no conjunto vivo da sociedade
adulta; aprendizado que dizer relação com o trabalho e com
todo o desenvolvimento, não somente das forças produtivas
mas também das relações sociais nas quais elas se organizam.
Portanto, o discurso pedagógico é sempre social, no sentido
de que tende, de um lado, a considerar como sujeitos da
educação as várias figuras dos educandos, pelo menos nas dias
determinações opostas de usuários e produtores, e, de outro
lado, a investigar a posição dos agentes da educação nas várias
sociedades da história. Além disso, é também um discurso
político, que reflete as resistências conservadoras e as pressões
inovadoras presentes no fato educativo e, afinal, a relação
dominantes-dominado. Por isso mesmo, também os aspectos
cotidianos, técnicos e materiais dos processos de instrução
(o lugar, os instrumentos, a organização e a própria relação
pedagógica), pelo fato de estarem ligados ao desenvolvimento
produtivo, social e político, assumem maior relevância.

Ao afastar-se das temáticas mais comuns da história da


pedagogia, leia-se, o pensamento pedagógico, Manacorda
(1989, p. 7) afirma que se distancia de indagações sobre os
“sistemas” de idéias em si, buscando ‘[...] nelas o reflexo e o
estímulo do real’, com a finalidade de

[...] compreender como de época em época o objetivo da


educação e a relação educativa foram concebidos em função
do real existente e de suas contradições, indagar a opinião

72
O ensino de história da educação

geral sobre o fenômeno escola, verificar o prestígio concebido


ou negado à figura do profissional da educação e assim por
diante. Neste sentido, a literatura (a saber, a literatura dos
literatos), mais do que a literatura dos pedagogos, pode
fazer reviver as relações reais e as opiniões generalizadas
(MANACORDA, 1989, p. 7).

Os títulos do sumário da obra de Manacorda, História da


educação: da Antiguidade a nossos dias, expressam um opção
por tomar o período compreendido entre o Antigo Egito e a
Idade Média tematicamente, com privilegiamento de Egito,
Grécia, Roma, Alta e Baixa Idade Média. Os dois capítulos
seguintes abordaram, cada qual, duzentos anos e, por fim,
passou-se a abranger, em cada capítulo, um século. Ao final,
de um lado, um capítulo que apontava tendências futuras de
desenvolvimento educativo e, de outro, uma conclusão que
sintetizava as ideias gerais de cada um dos capítulos, conforme
se pode observar a seguir.

Títulos principais do sumário da obra de Mario


Alighiero MANACORDA, História da Educação: da
antiguidade aos nossos dias12

Ao leitor brasileiro [Paolo Nosella]


Ao leitor [Mario Alighiero Manacorda]
1. Sociedade e Educação no Antigo Egito
2. A Educação na Grécia
3. A Educação em Roma
4. A Educação na Alta Idade Média
5. A Educação na Baixa Idade Média
6. A Educação no Trezentos e no Quatrocentos
7. A Educação nos Quinhentos e nos Seiscentos
8. A Educação nos Setecentos
9. A Educação nos Oitocentos
10. O Nosso Século em Direção ao ano 2000
Mais que uma conclusão, uma despedida
A propósito de Bibliografia
Índice dos nomes de autores e personagens

12
Conforme apresentado em MANACORDA (2006).

73
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Manacorda, já no prefácio da obra em análise, lamentava-


se pelas omissões que teve que fazer, seja aquelas de ordem
geográfica e temática (blocos históricos), seja, também,
aquelas afetas aos próprios conteúdos expostos, dada a
limitação editorial a produção de um texto que girasse em
torno de 400 páginas (1989, p. 7-8). Na conclusão, o autor
aponta suas ambições utópicas quanto ao desenvolvimento
educativo futuro, a saber:

Parece-me, contudo, que o caminho do futuro seja aquele


que o passado nunca soube percorrer, mas que nos mostra
em negativo, descortinando suas contradições. E estas foram
e são (é preciso repeti-lo?) entre a essencial importância
humana da formação do homem e o seu acantonamento de
fato como coisa de criança; entre a instrução dos dominantes
para o ‘dizer. intelectual e dos dominados para o ‘fazer’
produtivo; entre a exigência de uma formação geral humana e
a preparação de cada um para competências distintas (como
as do dizer e as do fazer); entre a maxima reverentia que se
deve à criança e o perpétuo recurso ao sadismo pedagógico,
como as inevitáveis conseqüências contestadoras; entre a
hodierna assunção tendencial de todos numa instituição
privilegiada, intelectual, e a sua real exclusão de uma
vida plena e sua separação dos adultos; entre a persistente
predominância de um ensino lógico-verbal e a necessidade
humana, especialmente dos adolescentes, de uma plenitude
de vida instintiva, emotiva e afetiva, através de uma vida
escolar que não exclua, mas corresponda à sua vida real,
quer do corpo quer da mente, com suas atividades artísticas,
produtivas e físicas colocadas no mesmo nível das atividades
(pseudo)intelectuais. Em suma, a exigência de uma escola
que, de lugar de separação e de privações, se transforme num
lugar e numa época de plenitude de vida (MANACORDA,
1989, p. 360).

Franco Cambi: tentativa de novos entendimentos da


educação na sociedade

Conforme consta da página institucional da Universidade


de Florença (Università degli Studi di Firenze), Franco Cambi

74
O ensino de história da educação

é professor regular de Pedagogia Geral naquela universidade,


na qual foi diretor do Departamento de Ciências da Educação
(depois também dos Processos Culturais e Formativos) de 1994
a 2000 e de 2003 a 2006. Foi presidente do Instituto Regional
de Investigação em Educação (IRRE) na seção da Toscana, de
2002 a 2005, depois, comissário extraordinário, sendo reeleito
presidente em 2006. Dirige a revista Studi sulla Formazione
e coletâneas de estudos pedagógicos nas editoras Armando,
Carocci, Cleub, Unicopli. Suas áreas de investigação se
articulam em muitas linhas. Ele possui publicações de quase
sessenta volumes, além de numerosos artigos.
Em relação à temática da Pedagogia Geral, empenhou-
se na defesa e promoção da Filosofia da Educação, como
disciplina “fundante” do estudo pedagógico (Manuale di
filosofia dell’educazione – Laterza); como também cultivou a
análise da estrutura do discurso pedagógico (Il congegno del
discorso pedagógico – Cleub, 1986 e Metateoria pedagógica –
Cleub, 2006), ressaltando sua complexidade, categoria sobre
a qual dedicou diversas intervenções. Além disso, manteve
um estudo constante dos clássicos contemporâneos (Gentile
e Dewey, o “marxismo pedagógico”, o neopragmatismo) e
uma análise de algumas categorias do estudo pedagógico
(a formação, a diferença, a intencionalidade), e ainda uma
constante e cada vez maior atenção aos problemas do sujeito
e de sua formação pessoal (L’autobriografia come metodo
formativo – Laterza, 2002 e Abitare Il disincanto – UTET,
2006).
Sobre o tema histórico-pedagógico e, mais tarde, sobre os
estudos acerca de La pedagogia borghese nell’Italia moderna
1915-1970 (La Nuova Italia, 1974), do antifascismo e pedagogia
(Vallechi, 1980), e La ‘scuola di Firenze’ da Codignola a
Laporta (Liguori, 1982), empenhou-se na reconstrução da
historiografia pedagógica na Itália, depois de 1945, e na
tessitura de uma Storia della pedagogia (Laterza, 1995) e ainda
de muitos escritos sobre vários autores e assuntos. Cultivou,

75
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

também, a literatura infantil e os estudos filosóficos. Os estudos


sobre a primeira estão voltados aos clássicos (começando por
Collodi), aos clássicos contemporâneos (Ridari) e às narrativas
populares e fábulas, analisadas sob vários aspectos. Os
estudos filosóficos dizem respeito ao racionalismo crítico de
Banfi e à sua escola, ao empirismo crítico de Preti e às figuras
e modelos do neo-historicismo.

Figura 4 - Capa da 1ª. edição em português


da obra de Franco Cambi, História da
Pedagogia. Tradução de Alvaro Lorencini.
Esta 1ª. edição data de 1999, tendo sido
realizada em São Paulo, pela Editora
UNESP. O formato é um pouco maior que o
usual, com 16 x 23cm, contendo a edição
examinada 701 páginas. A produção
gráfica esteve a cargo de Edson Francisco
dos Santos (assistente). A primeira edição
em italiano da obra data de 1995, com
publicação pela Casa Editrice Giuseppe
Laterza & Figli, de Bari, Itália.

Conforme mencionado no início deste texto, é interessante


observar que a obra História da pedagogia, de Franco Cambi,
alcançou o mais elevado número de indicações no exame
de programas de ensino da disciplina História da Educação
na década de 2000, com 25 menções. O segundo manual
mais indicado, de autoria de Manacorda, alcançou 20
menções (GATTI JUNIOR., 2009, p. 119-26). Assim, no que
se refere às obras com autores estrangeiros que foram as mais
indicadas nos programas de ensino da disciplina no período
mencionado, Cambi e Manacorda totalizaram 45 menções.
Porém, o texto de Cambi, a semelhança de Manacorda, mas
por caminho relativamente diverso, pretende diferenciar-se
dos manuais de história da pedagogia existentes, a saber:

76
O ensino de história da educação

O presente volume propõe-se como uma reconstrução/


interpretação da história da pedagogia ocidental (da
Antiguidade pré-grega aos nossos dias), segundo – pelo
menos – três perspectivas que vêm delinear a (relativa)
novidade do empreendimento e o desejo de diferenciação
em relação aos outros manuais dessa disciplina. Em primeiro
lugar – e esse talvez seja o aspecto mais previsível, ou pelo
menos não prioritariamente demarcativo em relação às outras
reconstruções -, trata-se de ultrapassar o primado das idéias e
das doutrinas filosóficas, em particular, para conceder amplo
espaço, ao lado das idéias ou teorias e, às vezes (ou melhor,
freqüentemente), antes delas, às instituições, aos processos,
aos costumes educativos, sublinhando o aspecto social da
educação e a centralidade que essa nova abordagem deve
assumir em toda a história da pedagogia [...]. Em segundo
lugar, procurou-se em todo o trabalho focalizar os problemas
metodológicos da história da educação/pedagogia,
relacionando-a como os métodos da história total e como um
‘fazer história’ que se realiza em muitos planos (história da
pedagogia, história da educação, história da infância, história
das mulheres, história da escola etc.) e segue processos
diferenciados, incluindo também – e prioritariamente – os
problemas das fontes, dos arquivos, etc., assim como os da
interpretação de documentos submetidos a uma leitura ora
serial e quantitativa, ora qualitativa, ora evocativo-narrativa
– embora esses problemas sejam tocados aqui apenas de
passagem -, dando vida a uma polifonia metodológica, pela
qual é possível aceder à reconstrução de uma efetiva história
total (ou que tende para tal). Por fim, procurou-se reconstruir
o tempo histórico da educação/pedagogia, sublinhando a
descontinuidade e as rupturas, pondo a nu as escansões e as
estruturas, as autonomias das várias épocas, as quais, embora
se relacionem e se influenciem, acabam por constituir
blocos unitários, dotados de sentido interno e que devem ser
reconstruídos na sua diversidade/autonomia, sem forçá-los
em direção de continuidades metatemporais (que existem,
mas que não marcam realmente o processo histórico, o qual
procede por blocos, por fraturas, por agregações epocais
sistêmicas, por assim dizer), de atualizações ou precedências
etc. O volume se organiza segundo uma ótica, neste nível,
sobretudo foucaultiana: ligada à arqueologia, às estruturas e
às rupturas, como também à genealogia, à pesquisa das raízes
dessas rupturas e a uma visão pluralista da história (CAMBI,
1999, p. 17-18).

77
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

O projeto é ambicioso e de difícil efetivação, sobretudo,


dado o caráter didático da obra, o que significa abordar
não um momento específico ou, como descreve Cambi, um
bloco unitário, mas, em verdade, um largo tempo histórico.
Por outro lado, a referência à construção de uma abordagem
próxima da ótica foucaltiana inaugura, de fato, um caminho
diferenciado em relação aos manuais de história da pedagogia
dados a ler nos Cursos de Pedagogia brasileiros. Porém, a
respeito das ambições do projeto, António Nóvoa, ao ressaltar
a importância da obra no campo da história da educação,
asseverou criticamente:

Há assim alguma ‘dissonância’ entre o ‘Prefácio’ e a


‘Introdução’, textos muito interessantes que explicam a
‘profunda transformação metodológica operada na pesquisa
histórico-educativa nos últimos 25 anos’, e o corpo do livro,
propriamente dito, que acaba por reproduzir muitos dos
cânones historiográficos tradicionais (NÓVOA, 1999, p. 14).

Franco Cambi constata que houve mudanças


historiográficas significativas a partir de da década de 1950,
em desacordo com os modelos narrativos ora teoricistas e
unitaristas, ora vinculados a uma visão demasiadamente
linear do passado, ambas as abordagens marcadamente
ideologizadas. Em lugar disso, assinala a emergência, em
especial nas décadas de 1960 e 1970, de uma investigação
que se abre à maior problematização e amplo pluralismo
teórico e metodológico, bem como considera a educação
como conjunto de práticas sociais ou de saberes. Para ele,

Desde a metade dos anos 70, a passagem da história da


pedagogia para uma mais rica e orgânica história da educação,
tornou-se explícita, insistente e consciente, afirmando-se
como uma virada decidida e decisiva. E não se tratou de
uma simples mudança de rótulo; pelo contrário: tratou-
se de uma verdadeira e legítima revolução historiográfica
que redesenhou todo o domínio histórico da educação e
todo o arsenal de sua pesquisa. Esquematizando, podemos
dizer: passou-se de um modo fechado de fazer história em

78
O ensino de história da educação

educação e pedagogia para um modo aberto, consciente


da riqueza/ complexidade do seu campo de pesquisa e da
variedade/articulação de métodos e instrumentos que devem
ser usados para desenvolver de modo adequado o próprio
trabalho (CAMBI, 1999, p. 24).

As bases dessa virada, segundo Cambi, podem ser


encontradas em diversas frentes. Uma delas é o próprio
marxismo que levou a investigação histórica a considerar o
contexto sócio-histórico em que são plasmadas as relações
sociais e vinculam economia e política de um modo que
não se havia incorporado com a mesma ênfase em outras
teorias sociais e na teoria da história. Conceitos importantes
são gerados nesse campo e garantem uma nova abordagem
para a pesquisa histórica, tais como: contradição, hegemonia
e oposição. Noutra frente, não menos importante para o autor,
está a contribuição dos Annales que enriqueceu e matizou as
lições do marxismo, introduzindo o estudo das estruturas não
apenas econômicas, como a mentalidade, com o propósito da
construção de uma história total. Para Cambi (1999, p. 25) os
“Annales sublinharam [...] o pluralismo da pesquisa histórica
e o jogo complexo das muitas perspectivas que acabam por
constituí-la, relacionando-a com as diversas ciências sociais”.
Além do marxismo e dos Annales, Cambi enfatiza os
ganhos para a pesquisa histórico-educacional oriundos
do que chamou de psico-história. Ainda que não tenha
qualificado de modo mais direto os integrantes dessa
corrente, informou que nela habitam os estudos sobre
“[...] mentalidades coletivas e individuais, legíveis, porém,
de modo crítico, inspirando-se apenas nos mecanismos
que identifiquem o pensamento freudiano (inconsciente,
repressão, conflito do eu etc.)” (CAMBI, 1999, p. 25). Uma
quarta base da virada apontada pelo o autor é legatária das
contribuições advindas do estruturalismo, em especial de
Foucault e da história quantitativa, presente, por exemplo, em
Le Roy Ladurie. Tradição que demonstrou a porção do que é

79
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

impessoal na história, descortinando estruturas que regulam


os comportamentos individuais em profundidade, tomando-
as como variáveis quantitativas, sujeitas a análises sociais e a
reconstruções estatísticas. Para ele,

A história da sexualidade de Foucault ou a história de tempo


de Ladurie, apesar das profundíssimas diferenças, têm alguns
pontos em comum, como o recurso às permanências e à
sua função genética no âmbito da produção dos fenômenos
históricos. E são permanências objetivas, quer pertençam à
história da cultura ou à história social, profundamente ligadas
à natureza ou àquilo que aparece como tal aos olhos dos
homens (CAMBI, 1999, p. 26).

Aos olhos de Cambi, foi a partir dessas bases que ocorreram


as grandes mudanças na investigação histórica desde a década
de 1950. A primeira alteração refere-se à constatação da
incerteza quanto à existência de um método definitivo para
a pesquisa em história, o que gerou uma “intensa dialética
metodológica” (CAMBI, 1999, p. 27). A segunda mudança
refere-se à noção de tempo histórico, tomada pelo autor como
a de maior impacto para a historiografia. Para ele,

Três, diz Braudel, são os tempos da história (e do histórico):


o dos acontecimentos (ou eventos), próximo do vivido e do
cronológico; um tempo fracionado e ligado ao caleidoscópio
daquilo que acontece, variegado e – meio no limite –
medido pelo instante, que é o tempo da história-narração;
depois o da curta duração (ou conjunturas, instituições
etc.) ou das permanências relativas, ligado a estruturas
políticas, sociais ou culturais, que está por debaixo dos
acontecimentos e os coordena e sustenta; nesse tempo,
agem os Estados, as culturas, as sociedades e ele próprio
pertence à história-explicação, à história-ciência; por fim, o
da longa (ou longuíssima) duração, geográfico, econômico
e antropológico, que colhe as permanências profundas, as
estruturas quase invariantes e se ativa na história-interpretação
ou história-genealogia/hermenêutica. São três temporalidades
necessárias para compreender a história, mas que não se
confundem, alternando-se e encaixando-se uma na outra,

80
O ensino de história da educação

com suas diferenças e suas intersecções (CAMBI, 1999, p. 27-


28, grifo do autor).

É evidente que essa noção de tempo longuíssimo é a que


mais se aproxima do empreendimento levado a cabo por Cambi
em sua História da pedagogia, sobretudo, quando remete
à tradição foucaultiana no desenvolvimento de seu esforço
interpretativo. Há, no entanto, um último aspecto no qual,
segundo o autor, está ancorada a virada da historiografia, que
diz respeito às fontes de pesquisa, ou seja, à documentação,
dado que ela passa a ser tomada, com os Annales sobretudo,
não como monumento, mas, sim, como efeito da interpretação,
ao que se soma, a ampliação das fontes passíveis de integrar
o processo investigativo em história, com abertura para
documentos anteriormente ignorados, bem como para a prática
da interpretação como produtora de documentos novos, tal
como acontece na história oral. Assim, para o autor,

Pluralismo e conflitualidade, indecisão e incerteza são


certamente características fundamentais do fazer história hoje,
inclusive em educação; entretanto, não estamos diante de um
resultado anárquico, mas radical e dialeticamente crítico. É
justamente da integração dinâmica e atenta (= crítica) das
diversas perspectivas de leitura que emerge a possibilidade
de ler a história segundo a verdade, deixando sempre espaço
para aprofundamentos ulteriores, para aproximações, para
um objeto complexo e fugidio, como é o histórico, e em
particular o histórico-educativo (CAMBI, 1999, p. 34).

Outro pressuposto sobre o qual Cambi afirma estar


assentada a nova forma da pesquisa histórica e, por
consequência, as finalidades mesmas desses empreendimentos
historiográficos, como sua História da pedagogia, é uma
visão de que a história consiste em um exercício da memória
na direção de compreender o presente, lendo nele as
possibilidades de construção do futuro.
Para ele, a aplicação da memória ao passado histórico leva
a reconhecer a problemática e a pluralidade de formas como os

81
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

sujeitos humanos presentes naquele passado se identificavam,


conduziam suas vidas, expressavam suas contradições etc., o
que permite, simultaneamente, conceitualizar o passado em
sua originalidade e compreender o quanto dele emerge no
presente, retirando, no entanto, o caráter de inexorável do
presente, apontando suas possibilidades e alternativas. Para
Cambi (1999, p. 36):

Através do passado criticamente revisado, o presente (também


criticamente) se abre para o futuro, que se vê carregado dos
impulsos não realizados do passado, mesmo o mais distante
ou o mais marginalizado e sufocado. Em suma, além de
paixão pelas diversas formas de vida (pelo pluralismo do
humano, podemos dizer), a memória está sempre carregada
de escatologia; carga que torna o presente projetado para
o possível, para o enriquecimento do sentido e para a
finalização (mesmo que seja constantemente atualizada),
isto é, aberto sobre si mesmo, problemático e envolvido na
sua transformação, na sua – sempre radical – construção/
reconstrução.

Do exame do conteúdo da História da pedagogia, de


Cambi, depreende-se a tentativa de conferir essa tônica
crítica que se estende dialeticamente do presente ao exame
do passado e, deste, um retorno ao presente que se abre ao
futuro, ainda que se tenha mantido uma divisão aparentemente
tradicional da História, em Antiguidade, Idade Média, Idade
Moderna e Idade Contemporânea.
Sem dúvida, a temática da Modernidade ocupa
centralidade na obra, suas formas, suas práticas e a forma
como a escola assumiu seus fundamentos e limitações.
Porém, temáticas novas aparecerem, contidas, sobretudo,
no capítulo que se refere à segunda metade do século XX,
quando questões ligadas ao multiculturalismo, ao feminismo
e ao meio ambiente são abordadas com espaço relevante. A
seguir, está apresentado o sumário resumido da obra.

82
O ensino de história da educação

Títulos principais do sumário da obra de Franco CAMBI,


História da Pedagogia13

Apresentação [António Novoa]


Prefácio [Franco Cambi]

INTRODUÇÃO
1. Da história da pedagogia à história da educação
2. Três revoluções em historiografia
3. As muitas histórias educativas
4. Descontinuidade na pesquisa e conflito de programas
5. Ativar a memória para compreender o presente
6. A história que está por trás: a Antigüidade e a Idade Média, a
Modernidade e a Contemporaneidade

PRIMEIRA PARTE - O MUNDO ANTIGO


I. Características da educação antiga
II. O oriente e o Mediterrâneo: modelos educativos
III. A educação na Grécia
IV. Roma e a educação
V. O cristianismo como revolução educativa

SEGUNDA PARTE - A ÉPOCA MEDIEVAL


I. Características da educação medieval
II. A Alta Idade Média e a educação feudal
III. A Baixa Idade Média e a educação urbana

TERCEIRA PARTE - A ÉPOCA MODERNA


I. Características da educação moderna
II. O século XV e a renovação educativa
III. O século XVI: o início da pedagogia moderna
IV. O século XVII e a revolução pedagógica burguesa
V. O século XVIII: laicização educativa e racionalismo pedagógico

QUARTA PARTE - A ÉPOCA CONTEMPORÂNEA


I. Características da educação contemporânea
II. O século XIX: o século da pedagogia. Conflitos ideológicos, modelos
formativos, saberes da educação
III. O século XX até os anos 50. “Escolas Novas” e ideologias da educação
IV. A segunda metade do século XX: ciências da educação e empenho
mundial da pedagogia

BIBLIOGRAFIA

ÍNDICE ONOMÁSTICO

13 Conforme apresentado em CAMBI (1999).

83
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Por fim, é importante mencionar que Franco Cambi, à


semelhança dos outros autores analisados, tem clareza da
finalidade didática da obra que redigiu, bem como da sua
vinculação aos processos de formação de professores. Para
ele, no entanto, a obra possui a finalidade de contribuir para
um processo de autorreflexão dos pedagogos em formação e
não de fornecer uma interpretação fechada e definitiva dos
fatos educacionais, a saber:

[...] o texto pretende ser não só a síntese da história de


uma disciplina cientificamente repensada – a pedagogia, a
educação -, mas sobretudo, um instrumento de formação
do intelectual-pedagogo, ao qual oferece uma série de
quadros, problemas, práxis, temas etc. que fazem parte
de sua bagagem técnica, mas que emergem através de um
longo processo histórico, sob o qual devem ser retomados e
focalizados, subtraídos de qualquer uso empírico-dogmático
e desenvolvidos ao uso (auto-reflexivo), para o qual a história
traz uma contribuição das mais significativas. Dessa maneira,
o pedagogo (ou o operador educativo mais pedagogo: tal
deveria ser o especialista em ciências da educação) pode
melhor colher e julgar o background de teorias, práxis,
posições da educação, sua espessura temporal (social,
teórica, científica, prática) e operar assim um controle mais
autêntico e mais capilar do próprio saber e agir. Com essas
finalidades e essas estruturas o volume se qualifica como
um instrumento destinado a produzir, ao mesmo tempo,
competência disciplinar formativa, voltado também a delinear
uma figura de pedagogo e/ou educador que no âmbito da
própria profissionalização não abafe a consciência histórica,
empobrecendo assim os instrumentos que usa e os contextos
em que os usa.

Considerações finais

Os manuais de história da educação e/ou da pedagogia


analisados evidenciaram que são suportes materiais
de concepções de história e de mundo diferenciadas.
Provavelmente, o fato de serem obras utilizadas atualmente

84
O ensino de história da educação

no ensino da disciplina História da Educação no Brasil possa


estar vinculado a uma forma de leitura e de trabalho em sala
de aula com esses manuais que, salvo algumas exceções,
priorizam a apresentação dos fatos educacionais, sem
maiores reflexões sobre as concepções de mundo e de história
contidas nas obras, o que, sem dúvida, poder-se-ia verificar
em investigações futuras.
No entanto, os manuais analisados, escritos por autores
estrangeiros, traduzidos e publicados no Brasil na segunda
metade do século XX, evidenciam diferenças significativas,
por meio de abordagens ricas e vinculadas a matrizes
interpretativas que se fizeram importantes na historiografia do
século XX. Assim, Luzuriaga e Larroyo, ainda que mediante
ambiguidades, procedem a uma interpretação do passado
educacional, por meio do recurso a ideia de unidades culturais
ou de tipos históricos, inspiradas em Dilthey, que expressava
uma reação à redução das ciências humanas à epistemologia
e aos métodos consagrados no âmbito das nomeadas ciências
da natureza.14
Manacorda, por seu turno, constrói sua interpretação
a partir da tradição marxista, em especial daquela que se
estende de Marx a Gramsci, evitando o economicismo que
caracterizou o marxismo vulgar, utilizando-se da noção
gramsciana de bloco histórico. Por fim, Cambi valoriza
o que considera contribuições de diferentes concepções
epistemológicas e metodológicas no âmbito da historiografia,
dentre as quais destacou o marxismo, a historiografia francesa
dos Annales, a psico-história e o estruturalismo (de Foucault
e de Ladurie). Para ele, diferentemente dos demais, existe
dificuldade em trabalhar com um único método, o que se
resolve por meio de uma “[...] intensa dialética metodológica”
(CAMBI, 1999, p. 27).
14
Sobre Dilthey, além daquilo que já foi mencionado anteriormente neste
trabalho, é importante observar sua presença em textos atuais no âmbito da
historiografia da educação afeta aos estudos biográficos, tal como aparece,
por exemplo, em Carino (2000).

85
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Há, no entanto, uma coincidência bastante importante nas


metodologias investigativas apresentadas pelos autores, o que
aparece nos textos introdutórios, mas, também, na exposição
dos conteúdos ao longo das obras analisadas. Trata-se de uma
visão bastante alargada de fonte histórica, seja pela característi-
ca de apreender a vida e o cotidiano presente na tradição aberta
pela historiografia da educação de Dilthey, presente nas obras
de Luzuriaga e Larroyo; seja pelo corte marxista humanista pre-
sente em Manacorda; seja, ainda, pela influência dos Annales
sobre a pesquisa empreendida por Cambi.
Nenhum dos autores, porém, deixa de assinalar finalidades
para o ensino e a aprendizagem da história da educação e/
ou da pedagogia. Se Luzuriaga destaca, com Dilthey, que as
lições do passado, com seus resultados positivos e negativos,
ensinam tanto aos pedagogos quanto aos políticos, Larroyo,
confirma essa assertiva, mas acrescenta a possibilidade de, a
partir do julgamento daquilo que se vivenciou no passado,
progredir. Manacorda, por seu turno, rebela-se com a
possibilidade de enxergar a realidade pelo exame das ideias
e concepções culturais do passado. Para ele, o que interessa
é a construção de um futuro que rompa com um passado
repleto de contradições e de cerceamento da vida humana.
Cambi, enfim, atribui à sua obra a finalidade de formação
do intelectual-pedagogo, na qual os conteúdos trabalhados
não devem ser analisados de modo empírico-dogmático,
no intuito de o pedagogo poder fazer suas escolhas teórico-
metodológicas com maior controle e conhecimento.
Ao concluir este trabalho, é importante salientar as
possibilidades de pesquisa que permanecem em aberto:
seja na direção de conhecer a forma de utilização desses
manuais de história da educação e/ou da pedagogia, por
meio do exame das práticas docentes e discentes dos cursos
de formação de professores (ao menos naqueles que serviram
de amostra para este trabalho); seja na efetivação de uma
análise mais aprofundada sobre os conteúdos apresentados

86
O ensino de história da educação

nas inúmeras páginas das obras examinadas; seja, ainda, em


outras possibilidades que possam encontrar os leitores do
presente texto.

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93
O ensino de história da educação

Haveria uma historiografia


educacional brasileira expressa pelos
manuais didáticos publicados entre
1914 e 1972?

José Carlos Souza Araújo


Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro
Sauloéber Társio de Souza

Toda pesquisa empírica se rege sob coordenadas por nós


orientadas. Ela não pode se orientar além destas coordenadas
[...]. Os dados da pesquisa histórica não são as coisas passadas
(porque essas coisas são do passado), mas o que está ainda
preservado no aqui-e-agora, sejam lembranças do que era e
aconteceu, sejam os vestígios do que foi e chegou de outrora
(p. 37). E no momento em que ela [a ciência da história] tem
consciência de não poder mais responder, ou não oferecer
respostas de forma satisfatória às muitas perguntas de seu
campo, então ela redobrará seus cuidados, a fim de que o
que ela forneça não pareça ter mais valor do que realmente
tem ou pode ter, a saber: uma representação mais próxima o
possível de coisas distantes ou muito remotas que foram um
presente, que agora são parte integrante de nossa realidade
e ainda vivem e convivem no conhecimento dos homens
(DROYSEN [1808-1884], 2009, p. 37 e 85).

95
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Conceituações e explicitação do objeto

Muitas são as possibilidades de acesso ao manual


didático: concretamente, constitui-se ele como tecnologia
educativa, mediadora da relação entre o professor e o aluno,
associada à pedagogia da escrita/leitura,1 esta emergente
desde o aparecimento da imprensa nos meados do século
XV. Porém, o manual didático também é uma expressão do
currículo e de sua história. Está associado à construção da
escolarização desde o nível superior, de origem medieval,
à educação secundária desde o século XV, e à primária e à
infantil desde o século XIX. Por outro lado, o manual didático
constitui-se como uma espécie de gramática do professor
(SILVA, 2007), uma vez que é portador de métodos e de
técnicas de ensino, além de propor e orientar processos de
avaliação. Via de regra, ele apresenta uma seleção sistemática
de conteúdos, os quais não podem ser concebidos como
isentos dos objetivos de ensino, bem como de suas finalidades
sociais Nesse sentido, o manual didático é um dos mediadores
dos processos de ensino e aprendizagem, além de demarcá-
los pedagógica e didaticamente, processos estes constituintes
intrínsecos da cultura. Por outro lado, ainda, é um produto do
paulatino processo de industrialização capitalista, destinado
ao consumo, comercializado, objeto de propaganda, produto
da indústria cultural, componente do mercado editorial etc.
Se muitas são as possibilidades de acesso ao manual
didático, poder-se-ia afirmar, sem dúvida, que os objetos são
muitos. Fenomenicamente, o manual didático não se deixa

1
A pedagogia da escrita/leitura seria distinta da pedagogia da oralidade,
anteriormente à emergência da imprensa, bem como da pedagogia da imagem,
emergente desde os finais do século XIX. Seus projetos referentes ao ensino,
à aprendizagem, ao professor, ao aluno etc. seriam diferenciados, porém não
necessariamente excludentes. Tal perspectiva é comumente representada pelo
campo educacional quando se defende uma educação moderna: a oralidade
teria sido superada pela escrita/leitura, as quais teriam, por sua vez, sido
superadas pela orientação imagética. Na verdade, tais pedagogias convivem
entre si, além de estruturar a escola contemporânea.

96
O ensino de história da educação

revelar facilmente, e sua inteligibilidade não se resolve nele


mesmo, pois, por meio dele e de suas expressões, revelam-se
muitas dimensões, como se ressaltou em parágrafo anterior. E
tais dimensões não são facilmente compartimentáveis, ainda
que se encontrem especialistas mais ou menos associados aos
campos mencionados, bem como abordagens peculiares a
respeito desses campos.
O objeto específico deste texto é explicitar uma análise,
ainda que introdutória e parcial, de caráter historiográfico-
educacional, a respeito dos manuais de história da educação
– publicados, em primeira edição, entre 1914 e 1972 –, que
trazem em seu bojo conteúdos e orientações pedagogizados
e didatizados em torno da explicação e da interpretação da
realidade histórico-educacional brasileira.
Historiografia tem sua etimologia explicada pela junção
de dois termos: história e escrita, ou seja, trata-se da “escrita
da história”. Porém, podem ser distintos dois sentidos básicos:

a) os processos de busca de evidências empíricas, de sua


análise e de sua interpretação são compreendidos como
historiografia, uma vez que envolvem uma teoria e uma
metodologia em vista da própria escrita da história; nesse
sentido, escrever ou reescrever a história implica fazer
historiografia.
b) entretanto, entregar-se à constituição dos estudos históricos
como escrita, cuja construção do passado se renova sem
cessar, conduz a outro sentido de historiografia: trata-se,
nesse aspecto, de uma investigação sobre a história da
escrita da história. Uma vez que ela é sempre reescrita, é
possível localizar seus diversos contornos interpretativos,
suas inspirações, suas temáticas eleitas, suas ideologias
etc. Nesse sentido, seria uma forma de construir uma
história das ideias.

97
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

É o que confirma Julio Aróstegui (2006), para quem o


conceito de historiografia designa duas significações: a) “[...]
a tarefa de investigação e escrita da História, frente ao termo
História, que denominaria a realidade histórica. Historiografia
é, na sua acepção mais simples, ‘escrita da História’” (p. 36);
b) “E historicamente pode aludir às diversas formas de escrita
da História que se sucederam desde a Antiguidade clássica”
(p. 36). Sob tal perspectiva, pode-se falar em historiografia
grega, ou chinesa, ou positivista, ou romântica etc.
Ainda segundo Aróstegui (2006), essa é a tradição
compreensiva que se estruturou na Itália com Benedetto
Croce, em sua obra, Teoria e história da historiografia; na
França, com Pierre Vilar e Georges Lefebvre; na Espanha, com
J. Fontana; no mundo anglo-saxão, com W. H. Walsh. Ainda
em busca das fontes: a historiografia seria uma disciplina
que teria existido somente a partir do século XX. O pioneiro
nesses estudos teria sido o historiador suíço Eduard Fueter
(SILVA; SILVA, 2008, p. 190), com sua obra Geschichte der
neuren historiographie, publicada em 1911 (CROCE, 1953,
p. 137). Entretanto, o termo foi cunhado pelo monge Tomaso
Campanella em 1638 (LOMBARDI, 2004, p. 152).
Entrevê-se, então, que a constituição da historiografia se
dá pelo “[...] exame dos discursos de diferentes historiadores,
também de como estes pensam o método histórico” (SILVA;
SILVA, 2008, p. 189). Ela, por conseguinte, permite “[...]
compreender os elementos comuns aos intelectuais de um
mesmo período. [...] a maior utilidade dessa disciplina é
demonstrar, pela observação dos historiadores passados,
que todo historiador sofre pressões ideológicas, políticas,
institucionais, comete erros e tem preconceitos” (SILVA;
SILVA, 2008, p. 189). Ainda segundo esses pesquisadores, a
historiografia seria “[...] uma forma de analisar os mecanismos
que envolvem a produção do discurso dos historiadores,
percebendo esses discursos em relação ao tempo e à sociedade
em que cada historiador está inserido” (p. 190).

98
O ensino de história da educação

De acordo com um dos pioneiros da discussão sobre


o tema, o italiano Benedetto Croce, em Teoria e história da
historiografia, uma obra vinda a público na Alemanha em 1915
– com o titulo Zur theorie und geschichte der istoriographie –,
mas que reunia textos publicados, em sua maior parte, entre
1912 e 1913, a função própria da história da historiografia
é o desenvolvimento do pensamento historiográfico (CROCE,
1953, p. 137). Propriamente, ela designa a “[...] história da
historiografia e a história do pensamento histórico; e torna-se
impossível distinguir neste a teoria da história e a história” (p.
141). Argumenta ainda que as filosofias da história fundam
estreitas relações com a história da historiografia, bem como
sustenta que as teorias historiográficas são a consciência que
a história adquire de si mesma (p. 142).
Georges Lefebvre, em O nascimento da historiografia
moderna, cuja data de publicação na França é de 1971,
apresenta uma reflexão esclarecedora nessa direção: depois de
considerar que a história não se escreve de uma vez para sempre,
e que, inclusive, será sempre reescrita, sustenta: a história
faz “[...] sentir que a concepção da história, os meios de que
dispõe e o método que consigna estão em relação directa com
a vida que ela reflecte: ela própria é um ser vivo sob o signo da
transformação” (1981, p. 11). Ressalte-se que se encontra aqui
o nicho da historiografia conforme considerações anteriores: as
explicações e interpretações estão a se refazer continuamente.
Aí habita a historiografia como busca da consciência que a
história adquire de si mesma, conforme afirmava B. Croce.
A buscar apoio na reflexão de brasileiros, cabe mencionar
dois. O primeiro é Carlos Guilherme Mota (1977), em Ideologia
da cultura brasileira (1933-1974), cuja primeira edição é de
1974:

Na comunidade dos historiadores de ofício, a história da


Historiografia geralmente é considerada o mais difícil dos
gêneros. Dadas suas características e implicações, pressupõe
que o analista reúna conhecimentos de metodologia, teoria

99
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

da História e teoria das ideologias. E de História, naturalmente


(MOTA, 1977, p. 26).

Sob tal orientação, enveredar pela historiografia educa-


cional dos manuais didáticos é mergulhar pelas várias dimen-
sões que ela implica, como acaba de sustentar Carlos Guilher-
me Mota. A investigação historiográfica, por conseguinte, tem
raízes histórico-sociais, implica análise da importação cultural
de métodos e de modelos, definição de temas predominantes,
traços teórico-metodológicos, demarcações didático-pedagó-
gicas, conteúdos ideológicos. Além disso, trata-se de dialetizar
tais aspectos, entre outros, com a própria empiria, no caso,
revelada pelos livros didáticos, uma peça de uma maquinaria
sócio-histórica. Tal perspectiva é complexa e implica conhe-
cimentos variados.
O segundo brasileiro é José Roberto do Amaral Lapa
(1976), para quem a historiografia de um país espelharia o
amadurecimento da ciência histórica. Para ele, no Brasil,
o termo historiografia é consagrado em relação à sua
significação como história da história: “As demais ciências
humanas não chegaram a tanto, sendo mesmo obrigadas,
por exemplo, a recorrer à palavra História para a mesma
finalidade” (p. 14). Afirmava, ainda, nos meados dos anos de
1970, que o desenvolvimento da ciência histórica de então
propiciava a maturação no pensamento histórico: “[...] não
é possível enriquecer uma Historiografia assentada numa
história pobre” (p. 14). Essa observação certamente é cabível
ao desenvolvimento da pesquisa histórico-educacional de
então, época em que os estudos dessa natureza ainda se
institucionalizavam na da pós-graduação.
Os manuais didáticos em pauta ainda expressavam,
naquela conjuntura, uma história pobre, o que não permitiria,
no dizer de Amaral Lapa, o enriquecimento da historiografia,
em particular, da histórico-educacional. Suas reflexões podem
ser encaminhadas ao campo histórico-educacional a partir da
afirmação:
100
O ensino de história da educação

[...] o conhecimento histórico é o registro inteligente que o


historiador procura fazer para compreender aquela realidade.
A Historiografia, ainda nesse passo, seria justamente a história
crítica dessa memorização e do processo que a determinou. O
processo através do qual se dá o registro da realidade histórica
e ele próprio registro é que são o objeto da Historiografia
(LAPA, 1976, p. 14).

Nesse sentido, esta não pode acontecer sem o


conhecimento histórico-educacional, sem o seu registro
primordial. O processo de criação do conhecimento
histórico-educacional passa necessária e primordialmente
pela descrição, pela análise, pela reconstituição e pela
interpretação. Em diferente ordem, a historiografia implica a
análise crítica desse processo de produção do conhecimento
histórico-educacional, bem como do próprio conhecimento
histórico.
Se a pesquisa histórico-educacional é rarefeita em relação
à periodização-objeto deste capítulo – de 1914 a 1972 –,
pode-se afirmar que “[...] uma obra de Historia em si não
se configura como Historiografia, mas sim como objeto da
Historiografia, enquanto que o estudo dessa obra já se insere
como historiográfico” (LAPA, 1976, p. 16). As obras – manuais
didáticos de historia da educação –, por conseguinte, não se
constituem como historiografia, mas podem ser consideradas
como seu objeto.
O esforço deste capítulo não visa apenas a enumerar
autores e obras de manuais didáticos de história da educação e
descrevê-los, mas disso necessita. Trata-se, como possibilidade,
de apontar para a necessidade de aprofundar, com base neles,
através deles, as orientações historiográficas de concepção
medievalista – influenciada pela perspectiva eclesiológica
fundada na concepção de cristandade, ou assentada na
orientação tridentina (ARAUJO, 1986) – hegemônica na
orientação eclesiástica católica até os anos de 1960. Envolve,
ainda, em termos historiográficos, as orientações inspiradas
no Iluminismo e em sua ideia de progresso que perpassa
101
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

pela educação, a ser distinta das concepções de progresso


e educação sob a inspiração romântica e positivista-
evolucionista.
Trata-se, também como possibilidade, de apontar para a
análise dos conteúdos, da ação dos historiadores da educação,
ao longo de sua vida, que produziram tais manuais; trata-se,
em suma, de buscar o sentido de tais manuais de história da
educação para a formação do professor, da significação da
história da educação em vista do conhecimento da área da
educação, da escola em seus diversos níveis, enfim da própria
cultura que reproduziu e se produziu em solo brasileiro. Cabe
ressaltar que há vários estudos a respeito de tais manuais de
história da educação. Pela ordem cronológica: Ghiraldelli
(1993), Nunes (1996), Warde (1998), Faria Filho e Vidal
(2003), Bastos (2006) e Gatti (2009), dos quais este capítulo
é devedor quanto ao objeto, à problematização e à empiria.

Problematizações

A esta altura, já se delineia que a perspectiva


historiográfica, focalizada na atividade e no produto da
atividade dos historiadores, constrói-se em torno de um foco:
a educação brasileira historicamente considerada em dez
manuais didáticos publicados entre 1914 e 1972. E o problema
a ser respondido se expressa pela seguinte indagação: como a
história da educação brasileira foi estabelecida em diferentes
manuais de história da educação entre 1914 e 1972,
considerados a partir de suas primeiras edições?
Tematicamente, trata-se de assumir uma dezena de
obras didáticas, que também tiveram como objeto a história
da educação brasileira. Em certo sentido, busca-se averiguar
como a referida temática foi posta em circulação por quase
seis décadas, cuja característica comum exercitada foi
compreender a formação brasileira desde o campo educacional

102
O ensino de história da educação

– a partir de uma orientação política que definia o critério de


periodização – no decorrer dos períodos colonial, imperial e
republicano.2 Eis, ilustrativamente, as capas ou contracapas
dos manuais didáticos em história da educação (Figuras de
1 a 10) em ordem cronológica de publicação e em primeira
edição, que são objeto desta pesquisa, excetuando a de Raul
Alves. (Esboço histórico e crítico geral da educação. Rio de
Janeiro: Pongetti, 1929).3

Figura 1 - [René Barreto]. História da


Pedagogia compilada por UM PROFESSOR.
Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves,
1914.

Figura 2 - Afrânio Peixoto. Noções de


história da educação. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1933.

2
Em relação ao conteúdo dos manuais didáticos referidos, o capítulo em
apreço estará restrito ao período conhecido como Primeira República,
comumente demarcado entre 1889 e 1930.
3 Também no atual estágio da pesquisa, a obra de Raul Alves de Souza (1929)
não foi localizada, com a qual somariam 11 os referidos manuais.

103
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Figura 3 - Madres Francisca Peeters &


Maria Augusta de Cooman. Educação:
História da Pedagogia. São Paulo: Comp.
Melhoramentos de São Paulo, 1936.

Figura 4 - Bento de Andrade Filho. História


da educação. São Paulo: Livraria Saraiva,
1941.

Figura 5 - Theobaldo Miranda Santos.


Noções de história da educação. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1945 (Edição
Ilustrada).

104
O ensino de história da educação

Figura 6 - Raul Briquet. História da educação.


Evolução do Pensamento Educacional. São
Paulo: Editora Renascença, 1946.

Figura 7 - Aquiles Archêro Júnior. Lições


de história da educação rigorosamente de
acordo com programa oficial das escolas
normais. São Paulo: Edições e Publicações
Brasil, 1948.

Figura 8 - Abrão Benjamim. Molduras da


filosofia e história da educação. São Paulo:
Livraria Martins Editora, 1954.

105
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Figura 9 - Ruy de Ayres Bello. Pequena


história da educação. São Paulo: Editora do
Brasil, 1957.

Figura 10 - Zaíra de Moura Campos. História


da educação. Ribeirão Preto, SP, s/editora,
[1972].

As indagações que permitem constituir a problematicidade


em torno dos manuais didáticos em apreço são inúmeras.
São elas, dentre outras: como explicar as emergências de tais
manuais no decorrer do período de 1914 a 1972? Haveria
antecedentes que contextualizassem ampla e especificamente
suas emergências? Quem são os seus destinatários ou quais
são os seus públicos-alvo? Quais foram os objetivos e as
finalidades de tais manuais? Quais foram as motivações
conjunturais que levaram seus autores a escrever essas obras?
É possível encontrar uma referência modelar, de caráter
historiográfico, em quase seis décadas, por dez manuais? Se
existe tal modelo, expresso pelos próprios manuais, pode ser
concebido como hegemônico quanto à orientação em vista da

106
O ensino de história da educação

formação propiciada pelos conteúdos histórico-educacionais?


Como explicar sua permanência do ponto de vista editorial,
num dado período histórico, por meio de suas reedições?
Quais são os enquadramentos didático-pedagógicos que
orientaram suas diversas elaborações? Qual é a concepção
de docência implícita em tais enquadramentos? Quais são os
direcionamentos para a organização do trabalho didático do
professor? Quais são as concepções de história da educação
reveladas pelos prefácios, pelas apresentações, pelas
introduções, pelas orelhas das obras? Qual é a concepção
de educação? Como realizam tais manuais a periodização
da historia educacional brasileira? Quais fontes primárias e
secundárias são utilizadas em tais manuais? Quais referências
bibliográficas são comuns a eles, e quais são as específicas?
Haveria fontes comuns, primárias ou secundárias, entre os
diferentes manuais publicados, em primeira edição, entre
1914 e 1972?
Tais indagações lançam a possibilidade de afirmação
de homogeneidades e simetrias, mas também de
heterogeneidades, disparidades, diferenças, diversidades,
divergências, enfim, assimetrias entre os próprios manuais em
apreço. Ressalte-se: as fontes primárias deste capítulo fundem-
se ao próprio objeto.
O que é marcante, numa visão de conjunto, é a perspectiva
subalterna que ocupa a história da educação brasileira
em referência à história geral da educação ou à história da
educação ocidental. Tal subalternidade verifica-se em posições
que chegam a identificar que “[...] educacionalmente, o
Brasil não tem, de fato, história” (ANDRADE FILHO, 1941,
p. 269). Em nota de rodapé, esclarece: “É evidente que, com
esta expressão, queremos significar: fatos peculiares a uma
história particular. [...] os brasileiros encontram seu passado
remoto em todos os capítulos da História da Educação [...]” (p.
269) – o que, no interior da obra, se refere a sua generalidade.
Entretanto, o conteúdo de tais manuais constitui-se em

107
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

uma espécie de acessório à história geral da educação, em


particular da história da educação ocidental. Como acessório
ou apêndice, constitui-se como um capítulo suplementar
ou mesmo um anexo, como parte pertencente a uma outra,
maior, como se verificará no decorrer deste trabalho.
Em vista de tal objeto, estruturalmente este capítulo
focalizará dois aspectos: a) a descrição, a análise e a
sistematização a respeito dos referidos manuais e, em
particular, em vista dos conteúdos histórico-educacionais
referentes ao Brasil; b) nesse sentido, visará a explicitar
preliminarmente um exercício de caráter historiográfico,
levando em conta as orientações assumidas pelos referidos
manuais didáticos, com conteúdos organizados em torno da
hegemônica periodização de caráter político, tripartida em
Colônia, Império e República.

Educação comparada por meio dos manuais didáticos

Descritivamente, trata-se de investigar e constituir


algumas homogeneidades que estruturam tais histórias da
educação brasileira. A identificação de homogeneidades
entre os diversos manuais da história da educação em apreço
acarreta, implicitamente, também assumir que há uma
heterogeneidade entre eles. Em suma, seria possível compor
uma identidade entre os diversos manuais, ou cada um deles
se constitui singular e autonomamente? Essa questão pode ser
elucidada pela abordagem comparativa.
A expressar-se de outra forma: trata-se de um exercício
de comparação, ou mesmo de educação comparada, uma
vez que ela pode ser feita com base em ideias ou teorias
pedagógicas, em métodos de ensino, em modalidades de
ensino (individual, mútuo ou simultâneo), em legislação
educacional federal, estadual e municipal, entre instituições
escolares ou educativas etc.

108
O ensino de história da educação

No caso do objeto deste, trata-se de uma educação


comparada a partir dos manuais didáticos de história da
educação, em particular da história da educação brasileira
inserida em livros didáticos de história da educação em geral.
O argumento de ordem conceitual de José Querino Ribeiro
(1958, p. 7) sustenta esse direcionamento:

[...] a Educação comparada abrange um campo tão vasto,


é óbvio, como o da própria educação; [...] podemos incluir
como objeto da Educação Comparada tanto uma comparação
das técnicas de ensino de taboada, como uma comparação
de ideais supremos de educação; tanto uma comparação de
sistemas escolares locais, nacionais ou internacionais, como
de práticas de ensino da língua materna [...]. Em suma, tudo o
que puder caber dentro da quase infinita compreensão do termo
educação, pode constituir objeto da Educação Comparada e
não só de um ponto de vista limitadamente contemporâneo,
[...] como de um ponto de vista ilimitadamente histórico (por
exemplo, a evolução do ensino popular na China e no Brasil).

Na verdade, a proposta de educação comparada por


meio dos manuais didáticos em apreço “[...] pode ser definida,
simples e totalmente, como um método de abordagem dos
fatos educacionais” (RIBEIRO, 1958, p. 7). Esse mesmo autor,
em artigo publicado na Revista de História, observa:

A Educação Comparada é, de fato, especialmente um


método de apresentação ou de abordagem dos problemas
educacionais em geral e dos escolares em particular, em
função dos dados históricos, sociais ou estatísticos, bem como
dos demais dados que podem, de algum modo, contribuir
para esclarecer as questões tomadas (RIBEIRO, 1952, p. 463).

Nesse nível de argumentação, o autor de Pequena


introdução ao estudo da educação comparada ressalta que a
locução educação comparada é tão somente um método de
abordagem em vista da necessária comparação. Esse seria um
elemento fundamental do método científico –, um componente
de aspecto metodológico –, seja ele vinculado ao ensino ou

109
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

à pesquisa, seja, conforme o enfoque contemporâneo, ao


ensino e à pesquisa.
Esta, como componente de tal direcionamento
metodológico, sobrevém após tais encaminhamentos
anteriores. Certamente, esses aspectos metodológicos não
podem se desenvolver sem levar em conta uma necessária
contextualização histórico-social, uma vez que a produção
desses manuais está vinculada à emergência da disciplina
história da educação e, posteriormente, do campo histórico-
educacional (SAVIANI, 1998; TANURI, 1999; LOMBARDI,
2004; VIDAL; FARIA FILHO, 2005; LOMBARDI, 2006;
MONARCHA, 2007).
Esse aspecto, associado à necessária contextualização
histórica, pode parecer secundário, todavia encaminha a
compreensão do livro didático como uma peça de uma
maquinaria escolar (VARELA; ALVAREZ-URIA, 1992; VINCENT;
LAHIRE; THIN, 2001), institucionalizada e denominada por
escola, hoje uma forma hegemônica de educação. O livro
didático constitui, pelo menos parcialmente, a empiria que
cimenta a natureza de uma escola desde o seu interior.
Porém, a escola não se resolve em si mesma ou apenas por
suas práticas didático-pedagógicas e por seus conteúdos, ou
mesmo por seus manuais. A análise da empiria intraescolar
– e o livro didático dela é um componente, porém sem ser
exclusivo – conduz à explicação e à compreensão de que
ela se baliza por sua exteriorização, exercida pela escola em
relação à própria sociedade.
Esse aspecto é crucial à escola, pois ela se torna escola por
meio de tais mediações, por exemplo, pelos manuais didáticos,
mas ela não existe para isso. A escola, sem a compreensão de
suas finalidades sociais, deixa de ser escola para se tornar uma
ilha. A propósito, a cultura escolar, uma categoria de acesso
à forma escolar, e que permite orientar a análise evidenciada
e destacável contemporaneamente, abrange, no dizer de
Dominique Julia (2001, p. 10-11), “[...] finalidades (religiosas,

110
O ensino de história da educação

sociopolíticas ou simplesmente socialização), modos de


pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas
sociedades, as culturas infantis (no sentido antropológico),
corpo profissional, normas, dispositivos pedagógicos e
práticas”.
Em acordo com o próprio Dominique Julia (2001) e a
ampliar a sua orientação, pode-se deslindar que a cultura da
escola é um fenômeno complexo no âmbito da diversidade
dos níveis de escolaridade (infantil, fundamental, média e
superior), bem como de sua disseminação – no caso brasileiro,
trata-se de compreender isso concretamente e de um ponto
de vista histórico-educacional. Mas, de qualquer forma,
ressaltem-se em Dominique Julia as dimensões, pela mesma
ordem: teleológica (pelas finalidades religiosas/sociopolíticas
ou simplesmente de socialização), concepcional (modos de
pensar, os quais envolvem aspectos epistemológicos, lógicos,
ontológicos, éticos, antropológicos), moral (modos de agir),
o ser profissional docente (que envolve necessariamente
dimensões vinculadas à profissão, à profissionalização e
ao profissionalismo), regulamentos e prescrições (normas),
dispositivos pedagógicos a concorrerem para o funcionamento
e a atividade da estrutura escolar, além das práticas, que
implicam execução do que se planejou, ou simplesmente
efetivação, mesmo não conforme o planejamento, em vista dos
aspectos apontados, neste mesmo parágrafo, além de envolver
experiências, hábitos, costumes e saberes que envolvem a
escola como instituição.
Empiricamente, os manuais didáticos em apreço podem
ser submetidos a vários ângulos de análise: autores, títulos,
subtítulos, capas, contracapas, destinatários, prefácios,
apresentação dos próprios autores, sumários, orelhas,
cronologias componentes dos conteúdos, periodização,
pertença dos manuais a coleções ou séries, estruturas didáticas
das obras, bibliografia utilizada, locais de publicação, editoras;
mas sem secundarizar a necessária contextualização em torno

111
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

de outros aspectos, como os afetos ao período: expansão e


interiorização das escolas normais no decorrer da Primeira
República, emergência das universidades desde os anos de
1920 – a Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920, e a
Universidade de Minas Gerais, criada em 1927 –, estatuto da
universidade brasileira de 1931, emergência das Faculdades
de Filosofia, Ciências e Letras nos anos de 1930, e dos
Cursos de Pedagogia ao final dos anos de 1930, reforma do
ensino normal em 1946, projeto da primeira LDB enviado ao
Congresso Nacional em 1948, expansão da educação superior
desde os meados dos anos de 1940, conflitos ideológicos entre
a escola pública e a particular nos anos de 1950 etc.
Nesse patamar, cabe dar sustentação analítica aos
manuais em pauta – constituintes primordiais dessa empiria
–, o que permite dialetizar ambos: explicitamente, a empiria
e a análise devem se submeter a uma dialetização de ambas.
Diante da fragilidade da segunda, deve-se indagar a respeito
da empiria, uma vez que esta permite fortalecer a segunda. E
é por meio de sua dialetização que se ganha em densidade
(RUSEN, 2007).
Focalizar o conjunto dos escritos sobre história da
educação brasileira de dez obras – o que será apresentado em
quadro sinótico a seguir – implica um conjunto de indagações
que constituem o campo de problematização construído.
Em termos de datação, o ano de 1972 poderia ser
assumido como a data de ruptura com a orientação de que
a história da educação brasileira deveria se constituir em
seus manuais como apêndice ou como complemento de
um manual de história da educação em geral. Desde então,
publicam-se manuais dedicados integralmente à história da
educação brasileira (TOBIAS, 1972; TAFÚRI, 1973; FONZAR,
1989; GHIRALDELLI, 1990; PILETTI, 1996) ou constituídos
de vários capítulos no interior de uma obra de história da
educação: a) seja pela intercalação de capítulos conjugados
à história da educação em geral (ARANHA, 1989); b) seja

112
O ensino de história da educação

pela inserção de vários capítulos ao final (PILETTI; PILETTI


1985; COTRIM, 1987; PILETTI; PILETTI, 1990). Entretanto,
encontram-se, posteriormente a 1972, manuais que mantêm
semelhanças muito próximas com os manuais anteriores,
publicados entre 1914 e 1972 (é o caso de COTRIM; PARISI,
1979 e GILES, 1987).4 Até então, os manuais didáticos de
história da educação, publicados por brasileiros, assumem-
na em suas obras como capítulo último – é o caso das obras
de Barreto (1914), Peixoto (1933), Peeters e Cooman (1936),
Briquet (1946), Benjamim (1954), Bello (1957) e Campos
(1972) –, como apêndice: Andrade Filho (1941) e SANTOS,
(1945) ou como lição: Archêro Júnior, (1948) (Quadro 2,
terceira coluna).

4
Na obra de Cotrim e Parisi (1979), a história da educação brasileira é
desenvolvida em 19 páginas, em periodização tripartite (colonial, imperial
e republicana), em penúltimo capítulo, e é intitulada A educação no Brasil
(p. 260-279); a obra de Giles (1987) desenvolve o conteúdo histórico-
educacional sobre o Brasil, também conforme a periodização tripartite em
colonial, imperial e republicana, com 18 páginas, e se localiza como último
capítulo, intitulado Quadros da história do processo educativo no Brasil (p.
283-300).

113
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Número de
Ano de
Autor Título da obra Edição Cidade Editora páginas da
publicação
obra
História da
[BARRETTO, pedagogia Rio de Editora
1ª. 1914 277 p.
René] compilada por Janeiro Francisco Alves
um professor
Esboço histórico
Rio de Sem
ALVES, Raul e crítico geral 1ª. Pongetti 1929
Janeiro informação
da educação
Noções de
PEIXOTO, São Cia. Editora
história da 1ª. 1933 282 p.
Afrânio Paulo Nacional
educação
PEETERS,
Francisca; Educação: Cia.
São
COOMAN, história da 1ª. Melhoramentos 1936 193 p.
Paulo
Maria Augusta pedagogia de São Paulo
de
ANDRADE
História da São
FILHO, Bento 1ª. Edição Saraiva 1941 272 p.
educação Paulo
de
SANTOS, Noções de
São Cia. Editora
Theobaldo história da 1ª. 1945 586 p.
Paulo Nacional
Miranda educação
História da
educação.
BRIQUET, São Editora
Evolução do 1946 206 p.
Raul 1ª. Paulo Renascença
pensamento
educacional
ARCHÊRO Lições de Edições e
São
JÚNIOR, história da 1ª. Publicações 1948 154 p.
Paulo
Aquiles educação Brasil Editora
Molduras
BENJAMIM, da filosofia São Livraria Martins
1ª. 1954 241 p.
Abrahao e história da Paulo Editora
educação

BELLO, Ruy de Pequena história São Editora do


1ª. 1957 222 p.
Ayres da educação Paulo Brasil

CAMPOS, Ribeirão
História da
Zaira de 1ª. Preto, Sem editora 1972 197 p.
educação
Moura SP
Quadro 1 – Referências sinótico-bibliográficas dos manuais de história da
educação em apreço
Fonte: elaboração dos autores.
114
O ensino de história da educação

Uma observação descritiva quanto às datas de publicação,


referida à heterogeneidade entre os manuais em apreço:
uma nos anos de 1910; uma ao final dos anos de 1920; três
nos anos de 1930; mais três nos anos de 1940; duas nos
anos de 1950; uma nos anos de 1970. Os anos de 1960 não
contam com nenhuma publicação de manual didático de
história da educação. O Quadro 2, a seguir, informa também
sinoticamente os aspectos relativos aos capítulos sobre a
história da educação brasileira:
Lugar da história da Total de Paginação referente
Título da obra e ano educação no Brasil nos à história da
Autor páginas
de publicação manuais em apreço e seus da obra educação no Brasil
respectivos subtítulos e total de páginas
História da
[BARRETTO, pedagogia p. 249-262,
compilada por um Capítulo XIX (último) 277
2
René] 14 p.
professor (1914)
Esboço histórico
ALVES, Raul1 e crítico geral da Sem informação Sem inf. Sem informação
educação (1929)
PEIXOTO, Afrânio Noções de história Capítulos XVII-XVIII-XIX – 282 p. 211-249,
da educação (1933) Brasil (penúltimo)3 39 p.
PEETERS, Madre Educação: história
Francisca e da pedagogia:
COOMAN, Madre problemas Actuaes Capítulo décimo nono – A 193 p. 150-157,
Maria Augusta de (1936)4 educação no Brasil (último) 8 p.
ANDRADE História da Apêndice – A educação na p. 269-272,
272
FILHO, Bento de educação (1941) América e no Brasil 4 p.
SANTOS, Noções de história Apêndice – A educação p. 549-586,
Theobaldo 586
da educação (1945) brasileira 38 p.
Miranda
História da
educação. evolução Capítulo XV – A educação p. 162-183,
BRIQUET, Raul 206
do pensamento no Brasil (ultimo) 23 p.
educacional (1946)
ARCHÊRO Lições de história da Lição VIII – A educação no 154 p. 93-136,
JÚNIOR, Aquiles educação (1948) Brasil (último) 5.. 44 p.
Molduras da A história da educação no
BENJAMIM, p. 231-235,
filosofia e história Brasil e o manifesto dos 241
Abrahão 5 p.
da educação (1954) educadores (último)
BELLO, Ruy de Pequena história da Capítulo XVIII – A educação 222 p. 207-216,
Ayres educação (1957) no Brasil (último) 10 p.
CAMPOS, Zaíra História da p. 180-191,
Educação no Brasil (ultimo) 197
de Moura educação [1972] 12 p
Quadro 2 – Lugar da história da educação no Brasil nos manuais didáticos.
Fonte: elaboração dos autores.
115
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

As evidências empíricas permitem assumir os seguintes


contornos, aqui fundados na comparação, seja em vista da
homogeneidade, seja da heterogeneidade – duas delas já
apontadas. Inicialmente, as homogeneidades, baseadas nos
Quadros 1 e 2:
a) a primeira delas, sobre os títulos das obras (cf. a segunda
coluna do Quadro 2), são alguns termos a expressar conteúdos
didáticos: noções (por duas vezes), lições, molduras,
compilação, esboço, pequena história da educação. Por outro
lado, quanto aos conteúdos, os títulos referem-se à história
da educação (por seis vezes), à historia da pedagogia (por
duas vezes), à filosofia e à história da educação (uma vez); a
obra de Raul Alves deixa implícito o objeto no título esboço
histórico.
b) a segunda delas revela que os manuais escolares de
história da educação, em geral, tornados públicos no
Brasil, apresentam a história da educação brasileira como
complemento, acréscimo, adendo ou apêndice, ou como se
queira (cf. Quadro 2, terceira coluna). Complementarmente,
uma observação quantitativa também de caráter homogêneo:
além de serem denominados por apêndice, apresentam-se,
comumente, como último ou penúltimo capítulo (cf. Quadro
2, coluna terceira);
c) oito, dentre as onze editoras dos manuais didáticos em
apreço, situam-se em São Paulo, além de uma publicação em
Ribeirão Preto, SP (a editora não é referida); e apenas duas
editoras representam o Rio de Janeiro (cf. Quadro 1, quarta
coluna);
d) dentre as dez obras aqui em apreço, os conteúdos histórico-
educacionais sobre o Brasil somam, em média, apenas 7,3%
quanto à extensão de páginas de todas elas reunidas (cf.
Quadro 2, quinta coluna).
e) com relação à periodização: o texto de [René Barreto]
(1914) apresenta referências aos períodos colonial e imperial;
em seguida, trata de São Paulo desde 1835 aos meados dos
anos de 1890; ao final, traz duas leis paulistas de 1890. Os
manuais subsequentes – de Peixoto (1933), Peeters e Cooman
(1936), Santos (1945), Briquet (1946), Archêro Júnior (1948),
Benjamim (1954), Bello (1957) e Campos (1972) – abordam
explicitamente os períodos colonial, imperial e republicano.
Por sua vez, o manual de autoria de Andrade Filho (1941) não
denomina os períodos, mas, em quatro páginas, apresenta
um panorama interpretativo a respeito da educação brasileira
numa perspectiva histórica.

116
O ensino de história da educação

Entretanto, verificam-se também heterogeneidades:


a) Levando-se em conta a extensão em páginas dedicadas
à história educacional brasileira, os manuais didáticos mais
representativos são, pela ordem, o de 1948, o de 1933 e o de
1945, respectivamente, com 42, 39, 38 páginas; os manuais de
1914 e de 1972 destinam, respectivamente, 14 e 12 páginas;
os outros quatro manuais – de 1936, 1941, 1954, 1957 – vão
se ocupar da história da educação brasileira oscilantemente
entre cinco e dez páginas.
b) Cabe também destacar a questão: quem são os autores?
Vários deles são professores associados ora ao magistério
superior, ora às escolas normais, além de um que também é
médico.

Enveredar pelas indagações que buscam identificar o


que constitui o homogêneo e o heterogêneo em tais manuais
conduz à educação comparada em perspectiva histórica,
inclusive para além do próprio manual de história da educação,
uma vez que ele é expressão, a um tempo, teleológica, social,
cultural, tecnológico-educativa, pedagógica e didática entre
outros aspectos, como já se discutiu inicialmente.

Análise historiográfica dos conteúdos histórico-educacionais


dos manuais

Como já se referiu, a periodização dos manuais didáticos


em pauta realiza-se por meio de critérios políticos. Em vista
disso, adotar-se-á a mesma orientação em vista de uma
análise comparativa quanto a tais conteúdos básicos, além dos
aspectos já desenvolvidos na seção anterior.

a) Período colonial
As investigações em torno das questões histórico-
educativas referentes ao período colonial no Brasil assumiram
um caráter, desde longa data, de sinônimo de história da
educação jesuítica. A ação pedagógica hegemônica exercida
pela Companhia de Jesus no Brasil, por mais de dois séculos,

117
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

constituiu a ideia de que nada que não estivesse ligado à


ação dos jesuítas no País merece ser compreendido como
relevante para a história da educação brasileira colonial. É
importante reconhecer que, até 1549, apenas os inacianos
foram autorizados pela Coroa Portuguesa a estabelecerem
colégios ou casas de bê-á-bá; a partir de então, mesmo sendo
minoritários, assumiriam a instrução dos diferentes grupos
sociais da Colônia:

Obviamente, trata-se de um processo eminentemente


cultural, mas com claras vinculações políticas, pois, no caso
dos jesuítas, eles forneceram as bases ideológicas necessárias
para a dominação política dos colonizadores em decorrência
do padroado, isto é, não havia separação entre o Estado e
a Igreja Católica em Portugal (BITTAR; FERREIRA JÚNIOR,
2006, p. 2).

A constatação de tamanha hegemonia sobre a educação


colonial parece ter gerado a percepção de que a história da
educação no Brasil seria um fato dado como acabado, o que
contribuiu para desmobilizar os esforços de pesquisadores da
área em torno de uma investigação histórica, fenômeno este
constatado por Bittar e Ferreira Júnior (2006), em análise sobre
as pesquisas apresentadas em eventos da área, no período de
2000 a 2004.5
Como eles apontaram, é evidente que outras questões são
importantes em relação ao interesse pela educação colonial,
especialmente por se tratar de temática bastante longeva no
tempo, pois envolve distanciamento e obstáculos ao acesso às
fontes do período, além do difícil manuseio de documentos
antigos, entre outros aspectos.

5
“Em 2000, no I Congresso da Sociedade Brasileira de História da Educação
– SBHE (Rio de Janeiro) foram apresentados 215 trabalhos, sendo que destes,
7 sobre a Colônia, 35 sobre o Império e 149 sobre o período republicano.
Já no II Congresso (Natal), em 2002, os anais registram 359 trabalhos, assim
distribuídos: Colônia (11); Império (21), República (161). O III Congresso
(Curitiba), em 2004, contabilizou 394 trabalhos, sendo: Colônia (3); Império
(68); República (226)” (BITTAR ; FERREIRA, 2006, p. 3).

118
O ensino de história da educação

A esses fatores pode-se somar a constituição de uma


matriz analítica muito adensada em relação à ação dos
jesuítas no Brasil, e que pode ser identificada nos manuais de
História da educação aqui analisados já na década de 1910,
estendendo-se por um período de cerca de 60 anos, matriz esta
que apontava a presença dos jesuítas como empreendedores
de grande obra para os interesses do País em oposição à
presença predadora dos portugueses. O manual de [René
Barreto], publicado em 1914, já classificava a “expulsão dos
padres jesuítas, em 1759,” como um ato que diminuíra “os
meios de instrucção”.
Embora Bittar e Ferreira (2006) indiquem Azevedo como
o difusor desse ideário, talvez pela sua projeção e inserção
nos órgãos oficiais, é preciso reconhecer que os manuais
anteriores a essa obra já faziam referências apologéticas à
ação dos jesuítas no período colonial. Em um deles, Peixoto
(1933, p. 214) adotou um discurso apologético, descrevendo
os religiosos como grandes benfeitores:

Com os Jesuítas veiu [sic] a virtude, também a justiça ou a


equidade, entre as duas raças, Brancos e Negros (como eram
chamados os Índios, por oposição), que uma escravizava a
outra, ‘ferrando’ as ‘peças’ como se foram animais, deles usando
e abusando. E ambas as raças, dominadores e dominados,
dominou por fim a moral privada e pública dos Jesuítas.

Esse discurso foi reproduzido também em outros manuais,


como o das Madres Peeters e Cooman (1936, p. 150): “Os vícios
dos colonos sobrepujavam talvez os dos selvícolas. Tudo estava
por fazer. O padre Manoel da Nóbrega, alma de extraordinária
tempera e de zelo ardente pôs sem demora mãos à obra, e
iniciou o gigantesco trabalho que iam operar no Brasil”.
Nesse mesmo manual, mas em perspectiva oposta, os
portugueses são afirmados como algozes, reforçando-se a
dicotomia entre o bem e o mal que também estaria presente na
obra de Azevedo: “O ódio de Pombal conseguiu destruir tudo.

119
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Em 1759, os jesuítas foram expulsos e brutalmente conduzidos


a Portugal onde pagaram com a prisão os benefícios derramados
sobre a colônia” (PEETERS; COOMAN, 1936, p. 152).
Tal dicotomia – jesuítas versus portugueses – vai sendo
reproduzida em todos os outros manuais aqui relacionados.
T. M. Santos (1945, p. 549-550) colocaria os jesuítas como os
primeiros educadores do Brasil:

Pioneiros da Contra-reforma na sua reação vigorosa contra


a revolução protestante, [...] Portugal só se importava em
explorar, avidamente, as riquezas naturais do Brasil, sem se
interessar pelo desenvolvimento da sua civilização e pela
expansão da sua cultura.

Archêro Júnior (1948, p. 94) assim se referiu a Anchieta


em seu Lições de história da educação: “A Anchieta devemos
a primeira gramática da língua tupi [...]”. O tom áspero em
relação aos portugueses persistia nos anos de 1940, porém as
críticas começavam a ganhar um caráter mais técnico: “Em
1759, com a expulsão dos jesuítas pelo Marquez de Pombal,
sofreu o Brasil a primeira e desastrosa, como tantas aliás, de
suas reformas de ensino” (1948, p. 94).
Em Pequena história da educação, R. de A. Bello (1957,
p. 208) seguiu a mesma fórmula: “Apesar das dificuldades
encontradas, o trabalho educativo dos jesuítas produziu os
melhores resultados”. Porém, foi em História da educação
(1972), de Zaíra de Moura Campos, após quase 60 anos dos
escritos de Barreto (1914), que a representação dos jesuítas
surgiria de uma forma doutrinária sem precedentes:

Tal era a vocação para ensinar e tão grande era o amor a Deus,
que, mesmo sob condições tão desfavoráveis, conseguiram os
jesuítas, verdadeiros milagres do ponto de vista educacional.
Os jesuítas foram perfeitos pedagogos: usavam a música e o
teatro na educação [...]. A infiltração de uma moral saída ia se
fazendo sentir [...] (CAMPOS, 1972, p. 180-181).

Observa-se que essa posição interpretativa está orientada


por valores da tradição católica que sempre alimentaram a
120
O ensino de história da educação

nação brasileira. Mas, também, pode ser explicada pelo


amadorismo da produção do conhecimento de então, o qual
reproduzia as matrizes discursivas cristalizadas, especialmente
no que se referia ao período colonial: “Isto porque, até os
anos 1970 aproximadamente predominava a interpretação
apologética, em grande parte não acadêmica” (BITTAR;
FERREIRA JÚNIOR, 2006, p.10).
As pesquisas acadêmicas realizadas a partir da segunda
metade dos anos de 1970 e nos anos de 1980 tenderiam,
com base em uma matriz marxista, a apresentar uma posição
antijesuítica nas análises sobre a educação no Brasil Colônia,
como Otaíza Romanelli (1976), que considera a presença
desses religiosos como elitista, humanista e desvinculada
da realidade colonial. Posição que não seria compartilhada
por José Maria de Paiva, militante da Teologia da Libertação,
considerando anacrônicas as análises marxistas no que se
referia à presença dos jesuítas no País.6
Retornando aos nossos manuais, ou a essas gramáticas
do magistério, é preciso fazer algumas outras observações
sobre o formato da narrativa que se refere à educação
colonial. Em quase todos os manuais, é a chegada dos
jesuítas que inauguraria a história da educação no Brasil, o
que expressa uma concepção etnocêntrica, ou seja, o ponto
de vista do colonizador se estabelecera desde o princípio,
negando-se as formas educacionais dos povos indígenas.
“A história da educação no Brasil começa com o ato de D.
João III determinando a vinda dos padres jesuítas para a
catequese dos primitivos habitantes do país” (BELLO, 1957,
6
Como apontou Castanho (2006, p.01): “E, se José Maria de Paiva não está,
como de fato declara e demonstra não estar, no campo teórico-metodológico
do marxismo, por outro lado não está numa situação de visceral oposição a
seu posicionamento transformador da sociedade nem mesmo a seu enfoque
– digamos o mínimo – que parte da realidade concreta dos homens vivendo
e produzindo a sua existência. Quando Paiva se refere nos seus textos à
cultura, não se trata de uma esfera ideal e desencarnada do homem”. Segundo
Castanho, ainda, sua obra Colonização e catequese (1982) demonstra
vitalidade por entender a cultura como algo em construção ou em permanente
reorganização, observando as formas de viver da sociedade.

121
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

p. 207). Também em Barreto (1914, p. 249): “A mais remota


informação que encontramos sobre instrucção pública nos
tempos coloniaes [...]” está referida a 1739, quando D. Frei
Antonio de Guadalupe fundou o seminário de S. Pedro e o de
S. Jose, ambos destinados a órfãos. E em relação à “obra de
civilização” dos índios, escreveu Peixoto (1933, p. 216):

Em menos de vinte anos, os Índios já não se comem, já têm sua


família, uma mulher, uma casa, uma roça; os filhos aprendem
e por êles já querem escrever à Rainha por mulheres piedosas
que lhes façam, pelas filhas, o que pelos filhos fazem os
Padres, que ensinam com proveito português, solfa, canto,
ofícios, nos Colégios de São Paulo, Rio, Baía, Pernambuco
há lentes que leem gramática, lógica, latim e até uma hora de
poesia, do 2o livro da Eneida.

A maior parte desses textos dedicou cerca de quatro


páginas ao período colonial, o que continua persistindo mesmo
nas obras mais recentes, como revelam Bittar e Ferreira Júnior
(2006, p. 8): “Ao arrolarmos a produção sobre a educação
dos jesuítas, verificamos que os livros de História da Educação
Brasileira dispensam pouco espaço para o tratamento deste
tema, geralmente privilegiando a República”. A escrita
laudatória, enumerando cronologicamente a fundação dos
colégios jesuítas, as biografias das figuras de maior expressão,
como Nóbrega, Navarro, Anchieta, Blasquez, Leonardo
Nunes, Antonio Pires etc., os pioneiros da catequese brasileira,
revelam o caráter factual que fundaria a historiografia em
torno dos manuais de história da educação.7
A expulsão dos jesuítas, por exemplo, foi narrada sem
nenhuma problematização por todos esses autores. Mesmo
aqueles que buscavam apontar as consequências “nefastas”
7
Alguns exemplos desse discurso laudatório nos manuais: Leonardo Nunes é
apontado por Santos (1945, p. 551) como o primeiro professor do Brasil em
São Vicente. Da mesma forma afirmaria que as primeiras escolas teriam sido
fundadas em São Salvador, Espírito Santo e São Vicente. Também trazem
alguns dados, como o número de 20 núcleos de população, com cerca de
100 mil mestiços e índios catequizados e 30 mil europeus, já no final do
século XVI.

122
O ensino de história da educação

desse ato não discutiram argumentos e contextos para a


decisão de Pombal, nem sequer citam os conflitos de interesses
econômicos e políticos que culminaram no ano de 1759,
com a extinção da ação jesuítica nas colônias portuguesas.
Apenas Peixoto (1933) apontaria como motivos a inveja e a
cobiça de outras ordens religiosas ou de leigos, o que parece
ter sido implicitamente apresentado em outros autores: “Com
a decisão do Marquês de Pombal que expulsou os jesuítas
de nossa Pátria, outras escolas foram fundadas por diversas
ordens religiosas” (BENJAMIM, 1954, p. 232).
Talvez a divergência mais expressiva nesses manuais
tenha sido quanto à presença jesuíta na condução da educação
brasileira: teria atuado no ensino de primeiras letras, no
secundário ou na educação superior? Para Benjamim (1954),
os jesuítas teriam atuado somente no ensino secundário, não
entendendo o ensino catequético como educação elementar.
No mesmo sentido, Bello (1957, p. 207) comentaria: “A
finalidade da Companhia de Jesus não era, porém, o ensino
primário, sim o secundário”. Santos (1945, p. 553-554)
classificava a pedagogia jesuíta como completa: “Os jesuítas
foram obrigados a ampliar o raio de ação de suas escolas, em
cujos cursos vamos encontrar, nessa ocasião, matérias não só
do ensino primário, como do ensino secundário e superior”.
Essa afirmação estaria baseada na análise curricular das
classes de seus colégios que compreendiam primeiras letras,
humanidades, filosofia, teologia moral, gramática portuguesa,
latim, retórica e matemática.
A despeito da atuação dos jesuítas, é preciso retomar
a questão inicial de que a história da educação no Brasil
colonial se restringe à presença dessa ordem religiosa no País.
Em nenhum manual é comentada, por exemplo, a ação das
corporações de ofício como parte integrante do sistema de
ensino brasileiro, as quais tinham configurações importantes,
de acordo com a localidade, controlando o mercado de
trabalho, mediante certificação daqueles que estariam aptos

123
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

a exercer algum ofício da época, como pedreiro, carpinteiro,


ladrilheiro, azulejeiro, carpinteiro de móveis, marceneiro,
entalhador, torneiro e violeiro:

As corporações tinham uma hierarquia, que funcionava


também como uma espécie de ‘currículo’ da verdadeira
‘escola de artífices’ em que se constituía: na base dessa
hierarquia estavam os aprendizes; no topo, os mestres; entre
os primeiros, que se formavam sob a orientação dos últimos,
e estes, que detinham os direitos corporativos plenos, estavam
os oficiais, que executavam a maior parte dos serviços
(CASTANHO, 2006, p. 6).

Ressalte-se que o contexto de produção desses manuais


foi marcado pelo esforço de intelectuais e do Estado, no
sentido de se criar e consolidar uma identidade nacional
capaz de integrar a nação. Assim, os “ventos patrióticos”
também estariam refletidos na escrita desses textos, e os
portugueses aparecem como elemento estrangeiro depreciado
– saqueadores e exploradores ávidos por ouro e riquezas
naturais – o que deveria ser repudiado. Tal perspectiva, no
entanto, já está presente na obra de José Veríssimo, A educação
nacional, publicada em 1890. Por outro lado, a ação dos
jesuítas seria enaltecida, reforçando-se a tradição cristã do
povo brasileiro, de maneira que sua obra seria um exemplo
de sacrifício pela nação, já que enfrentaram as condições
precárias e paupérrimas do início da colonização, vivendo na
miséria em “prol da educação brasileira”.

b) Período imperial
No que tange ao período imperial, o que abordavam
os manuais de história da educação nesse período de quase
seis décadas, entre 1914 e 1972? Os dados levantados por
Schelbauer (2005) podem subsidiar a análise historiográfica
que aqui se propõe.

124
O ensino de história da educação

Todas as obras destacaram a gratuidade da educação no


Império, assegurada pela Constituição de 1823, outorgada por
Dom Pedro I. As madres Peeters e Cooman (1936) fazem uma
crítica a essa gratuidade, afirmando que, apesar de o País ser o
primeiro a proclamar tal medida, ela não foi eficaz.
[René Barreto] (1914), ao mencionar a história da
educação no Brasil, criticava as ações oficiais da Colônia à
República, advertindo sobre o descompromisso dos políticos
com relação à educação brasileira no Império, demonstrando
o desprezo da elite dirigente com o progresso:

Infelizmente, e máo-grado a dôr que isto causa a nossos


sentimentos patrióticos, não podemos deixar de confessar
que o nosso paìz se acha em um plano muito inferior,
em questões de instrucção e de educação, aos em que se
encontram as nações americanas aqui atraz nos referimos.
Raros homens de Estado têm ligado importância a esse
problema a que se prendem tão intimamente o progresso e
a civilisação das nacionalidades. Desde os tempos coloniaes,
desde a monarchia, e mesmo na república, na grande maioria
dos estados, a causa da instrução pública é talvez a menor
das preoccupações das classes dirigentes e dos políticos
([BARRETO], 1914, p. 249).

Dos manuais analisados, esse apresenta um contraponto,


na medida em que faz advertência sobre a necessidade de se
organizar a instrução pública. Outra questão a destacar é a
crítica à falta de continuidade de ações no sistema governativo,
ausência de um “conselho superior de instrucção”, o que
revelaria o ínfimo interesse dos políticos e legisladores
brasileiros pela pedagogia. Destaca-se, ainda, em sua obra,
algo que difere das outras, por fazer uma análise não apenas a
respeito dos atos administrativos e legislativos, mas, também,
da visão política dos administradores na Monarquia.
Em relação à precariedade da educação, ao iniciar o texto,
o autor expõe sua percepção realista com relação à instrução
no Brasil, o que também o faz em relação aos períodos
colonial, imperial e republicano, argumentando na direção

125
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

dos esforços fragmentados de ordem político-educacional.


Com relação ao Império, o autor destaca que o ato
de maior importância foi a fundação de ciências sociais e
jurídicas em São Paulo e em Pernambuco pela Lei de 11 de
agosto de 1827. Menciona, também, que os níveis secundário
e superior receberam cuidados por parte da política imperial,
porém insuficientes. Adverte, no entanto, que o ensino
primário “[...] não valia coisa alguma” (1914, p. 251). Analisa
que, em toda parte, os mestres eram ignorantes, e a escola
preliminar um suplício para as crianças, pois a forma como a
escola primária fora implantada causava nas crianças horror
à escola; consequentemente, as faltas eram frequentes, e os
castigos corporais dos pais, bem como os péssimos métodos
de ensino advindos da orientação jesuítica traziam sentimento
de repúdio. Nessa direção, as aulas régias eram vistas com
certa descrença e temor.
Alguns temas perpassaram boa parte do conjunto dos
manuais aqui estudados. O denominado método mútuo de
Lancaster – fundado na oralidade e no uso refinado e constante
da repetição – era creditado como a memorização, e esta era
considerada como inibidora da preguiça e da ociosidade.
Em relação a esse método, há referência nas obras de Santos
(1945), Peeters e Cooman (1936), Bello (1957) e Campos
(1972). A obra das madres Peeters e Cooman destaca que a
instância responsável pela educação não estava mais disposta
a construir escolas fundadas nesse método, o que revela o
descontentamento da população com a educação no período
histórico assinalado.
Os autores T. M. Santos (1945), R. de A. Bello (1957) e Z.
de M. Campos (1972) dividiram a educação no Império em dois
reinados. Essa característica revela uma análise fragmentada e
descontínua do período imperial, o que colocou em segundo
plano os processos, a dinâmica e o movimento da história.
Isso não significa dizer que os demais autores descreveram
processualmente a história da educação.

126
O ensino de história da educação

Outra questão presente em boa parte dos manuais é a


legislação imperial de 15 de outubro de 1827: Peixoto (1933,
p. 293) esclarece:

Foi a única que, em um século, fez, sobre o assunto, o


Parlamento Brasileiro: ato singular em bem do ensino do Povo,
e no qual se encontraram acordes esses dois órgãos nacionais
de governo, sempre depois desencontrados, o Legislativo e o
executivo.

O mesmo autor faria apologia desse decreto por acreditar


que ele constituiria uma ação que beneficiaria o povo. O mesmo
tema surgiria nos manuais das madres Peeters e Cooman (1936),
de T. M. Santos (1945) e de Archêro Júnior (1948).
Outra temática referida nos manuais foi a reforma Couto
Ferraz ou Regimento de 1854, segundo Peixoto (1933, p. 295):

Reformou a instrução primaria e secundaria do municipio:


exigiam-se melhores provas de idoneidade aos professores e
voltava-se à fiscalização oficial; aos professores eram dados
adjuntos (leigos como os outros em materia pedagógica),
o material escolar seria fornecido pelo Estado, como o
expediente e até vestuarios às crianças pobres: uma escola
pelo menos em cada paroquia e asilos-escolas para os
menores abandonados; escolas de 1º e 2º grau, o primeiro
obrigatorio, multados os pais e tutores que não levassem os
filhos e pupilos à escola; boas intenções, que pouco passaram
alem disso.

Como se observa, a precarização da educação pública


era denunciada pelos autores aqui apresentados. Segundo
Peixoto (1933), Couto Ferraz, monarquista e conservador,
propusera, em sua vida pública, uma reforma relevante; no
entanto não passou de letra morta, além de estabelecer a
obrigatoriedade do ensino elementar e a responsabilidade
dos pais com a permanência das crianças na escola. Essa
reforma, pelo preceito legal, embora procurasse avanços para
a educação, não teve uma ação governamental como deveria,
ficando apenas na intenção.

127
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Uma das mais importantes reformas educacionais do


período imperial foi a de Leôncio de Carvalho, de 1879,
que tinha como pressuposto planejar normas para o ensino
primário e secundário do município da Corte, e também do
ensino superior em todo o País. Porém, ela foi citada somente
por Peixoto (1933) e Santos (1945). A ausência de referência
às reformas imperiais, pela maioria dos autores, sinaliza que
eles, ao contextualizar a educação no Império, preocuparam-
se em apresentar fatos sem o procedimento de uma análise
crítica a respeito da execução desses dispositivos legais. Por
conseguinte, como as obras eram dedicadas à formação
de normalistas, não houve preocupação em apresentar o
diagnóstico educacional do período imperial tão pertinente
à formação de normalistas, construindo um tipo de história
factual, descritivo e acrítico.
Isso pode ser constatado pela citação, em todos os
manuais, da ênfase ao notável trabalho de Rui Barbosa e de
seus célebres pareces de 1882 e 1883. No entanto, não fizeram
referência quanto ao sentido educativo que esses pareceres
propagaram em vista dos novos princípios da pedagogia
moderna, baseados na experiência e na ação, como seria
sustentado pelo movimento escolanovista.

c) Período da Primeira República


Hipotetiza-se aqui que os conteúdos histórico-
educacionais dos manuais em apreço sobre a Primeira
República no Brasil podem ser compreendidos como reflexo
das matrizes geradas pelas elites ilustradas, formadas ainda na
tradição iluminista, especialmente por influência da doutrina
positivista, cujo representante maior fora Benjamim Constant,
arquiteto da primeira grande reforma republicana, quando foi
ministro de Estado.
Também não se pode esquecer que os representantes do
ideário liberal, defensores do novo regime político, fizeram-se

128
O ensino de história da educação

presentes no processo de organização das leis educacionais


nos Estados, uma forma de conciliação política e econômica
em função da realidade heterogênea das várias regiões da
então recém-criada República Federativa dos Estados Unidos
do Brasil.
Nesse contexto, porém, a pujança econômica e a
influência política do Estado de São Paulo fariam com que
[Barreto] (1914), em seu manual, apresentasse a história da
educação brasileira, como sendo a história da educação desse
Estado. Entendia Caetano de Campos como grande educador,
exemplo para todos os demais Estados da Federação. O
mesmo autor dedicou boa parte de seu texto à educação
republicana, narrando a morte do venerável mestre: “Não era
temido, era respeitado. Não era adulado, era amado” (p. 256).
Caetano de Campos teria sido o responsável por desencadear
grandes reformas em São Paulo, as quais serviram de modelo
para outros Estados. Ao lado de Rangel Pestana e Prudente
de Moraes, Campos foi responsável pelo chamado “período
áureo na história da instrucção pública paulista”.
Avançando cronologicamente na reflexão sobre a
primeira fase da educação republicana presente nos manuais,
encontra-se Afrânio Peixoto (1933), já nos anos de 1930, que,
distanciando-se da Proclamação da República e, no contexto
do primeiro governo de Vargas, estaria preso aos ideais dos
reformadores, especialmente, no que se referia à crença de
que o fim do analfabetismo representaria o avanço do País a
um patamar próximo ao dos países desenvolvidos, revelando
o que Nagle (1974) classificou na Primeira República como
“entusiasmo pela educação”, um forte movimento de
retomada dos princípios liberais – “força desenclausuradora”
– manifestando-se no contexto da passagem do modelo
econômico agrocomercial para o modelo urbano-industrial,
alterando-se, por conseguinte, a ordem estamental. Nesse
momento, a escolarização teria papel insubstituível, essência
do processo de aceleração histórica.

129
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Isso explica por que Peixoto (1933, p. 238) dedicar-se-ia


a criticar, em seu manual, as estatísticas sobre o analfabetismo
no Brasil: “[...] os números que representam a ignorância
nacional são impressionantes: 66,4% em 1872; 67,2% em
1890, 58,8% em 1900 e 60,1% em 1920”. Sua conclusão
não poderia ser outra: o Brasil republicano não avançara
em termos de “instrucção” e, implicitamente, faria alusão
às benesses do extinto sistema monárquico: “A República
manteve a atribuição da instrução primária aos Estados. O
retrocesso ainda foi maior do que no tempo das Províncias
[...]” (p. 239).
A crítica à “ignorância nacional”, expressa pelos altos
índices de analfabetismo, bem como a ineficiência das
políticas republicanas para a educação, surgiam em outros
manuais também: “Em 1930 o censo da Republica accusava
ainda 70% de analphabetos” (PEETERS e COOMAN, 1936,
p. 155). No texto de T. M. Santos (1945), o problema do
analfabetismo aparece como resultado do ensino livresco
e acadêmico, sem objetividade e distanciado da realidade
do País, não obedecendo “[...] aos preceitos da pedagogia
moderna”, resultando em ensino inferior em qualidade e

[...] quantitativamente incapaz de atender às necessidades


educacionais das novas gerações brasileiras. E as estatísticas
mostravam naquela época, - como ainda hoje -, em seu
realismo frio e implacável, mas eloqüente e significativo, a
massa enorme de analfabetos existentes no território nacional
(p. 571).

Diante desse flagelo, surgiriam, na década de 1920,


segundo T. M. Santos (1945), as primeiras obras de autores
brasileiros inspirados em movimentos de renovação
pedagógica pelo mundo, como Carneiro Leão, Medeiros
de Albuquerque e José Augusto. Além desses, faz também
referências aos reformadores, como Fernando de Azevedo,
no Distrito Federal, e Francisco Campos em Minas Gerais.

130
O ensino de história da educação

Também se reporta à fundação da Associação Brasileira de


Educação em 1924.
Toda essa movimentação tinha um objetivo: que tipo
de educação seria eficiente para atender aos anseios de
construção de um país civilizado e de criação de uma
identidade nacional? Em vários momentos de leitura e análise
dos manuais aqui estudados, os autores revelavam seu ideário
de educação. Peixoto (1933, p. 238) defendia explicitamente
uma padronização nacional do sistema educacional: “[...]
temos melindres de intervir nos Estados, mas deixamos a
Alemanha e a Itália intervirem em nossa nacionalidade,
subvencionando escolas, e fazendo alemães e italianos, dos
naturais do Brasil”.
Acreditava que somente uma profunda mudança na
organização das escolas é que poderia consolidar os ideais
republicanos: “[...] à necessidade da escola democrática,
escola ‘única’, que reúne todas as classes da sociedade,
fundindo-as, fazendo, á-parte dos regionalistas bairristas, a
alma do brasileiro, capaz da amar e servir a grande causa da
Pátria comum [...]” (p. 239). Creditava o fracasso no campo
da educação à falta de continuidade das políticas públicas,
marca da Primeira República, com seu excesso de reformas
do ensino, concluindo que, em termos de educação: “Nada,
nada se fez, efectivamente” (p. 242).
Outra questão a ser ressaltada no discurso de Peixoto
(1933, p. 239) é a ênfase à dicotomia entre instrução e
educação: “Esquecemo-nos, com esses números, que o
principal não é instruir, mas educar”. Tal dicotomia também
estava presente em Peeters e Cooman (1936, p. 155): “Se
ao menos, ao lado de ligeira bagagem de conhecimentos se
dessem ao povo ensinamentos religiosos e moraes, elle seria
talvez um pouco mais ignorante, mas seria educado, o que é o
principal”. Por essas citações, a falsa oposição entre instrução
e educação trazia, nas entrelinhas, a influência da tradição
cristã sobre parte dos autores desses manuais. Um dos

131
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

argumentos dos colégios confessionais era que sua pedagogia


não apenas instruía, mas educava.
Também R. de A. Bello (1957, p. 214), implicitamente,
em seu manual, traria a ideia de oposição entre instrução
e educação, quando se posicionou contrário aos rumos do
ensino oficial após a República que, em sua Constituição,
estabeleceu

[...] a laicidade do ensino oficial, dispositivo que,


indevidamente interpretado, baniu da escola brasileira
qualquer influência religiosa, tornando-a assim incapaz de
atingir sua finalidade, principalmente em relação à formação
das consciências e dos caracteres.

Acredita-se que, a partir desta leitura, cabe destaque entre


os manuais ao de T. M. Santos (1945), pelo menos no que
tange ao período da Primeira República. Em todo o seu texto,
apresenta as modificações educacionais a partir de mudanças
estruturais da sociedade brasileira, contextualizando-as
de forma mais articulada. É somente nele que a educação
republicana surge como elemento fundamental para
construção da nacionalidade do País:

Ao iniciar-se o período republicano, o Brasil atravessa uma


fase de profundas transformações sociais, econômicas e
políticas que já se vinham, aliás, processando desde o fim do
período imperial. A abolição da escravatura, a organização
do trabalho livre, o afluxo das correntes imigratórias, o surto
crescente da indústria, a queda do Império e a conseqüente
instauração do regime republicano criam uma atmosfera
propícia aos grandes movimentos de renovação pedagógica
e cultural (SANTOS, 1945, p. 567).

Também apontou a influência da teoria positivista


de Augusto Comte, a qual teria inspirado as primeiras
reformas da República, conduzida por Benjamim Constant,
o ministro da Instrução. Criticou, porém, os parcos avanços
do primeiro período republicano, que não estabeleceu um

132
O ensino de história da educação

plano nacional orgânico que fosse flexível para atender


às especificidades das diferentes regiões do País, de modo
que as reformas empreendidas não foram capazes de: “[...]
dar unidade espiritual ao ensino em todo o país. Durante
o período republicano, sobretudo em sua etapa inicial, o
desenvolvimento da educação popular foi lento e assinalado
apenas por algumas reformas do ensino secundário e superior”
(SANTOS, 1945, p. 568).
Quando Santos (1945) redigira seu manual, já existia
um debate acalorado entre os sistemas privado e público de
ensino, de forma que o autor identificou tal rivalidade referida
ao início do século com as reformas Rivadávia Correa baseadas
“nos ideais do ensino livre”, liberando os estabelecimentos
particulares de ensino a realizarem seus próprios exames, que
seriam reconhecidos oficialmente. Quatro anos mais tarde, a
reforma Carlos Maximiliano extinguira essa autonomia dos
colégios particulares sob o argumento de que a experiência
teria sido desastrosa para a educação.
O manual de Archêro Júnior (1948) apresenta-se
quase como compilação de outros manuais, adotando uma
linguagem laudatória e ocupando-se, sobretudo, em arrolar as
várias reformas do período republicano. Um dos aspectos que
se pode ressaltar é a oposição que também faz entre as reformas
de Rivadávia Correa (1911) e de Carlos Maximiliano (1915),
quando a primeira teria concedido regalias às instituições
particulares de ensino secundário; e, quatro anos mais tarde,
a segunda poria “[...] cobro aos abusos da lei anterior”
(ARCHÊRO JÚNIOR, 1950, p. 100). Por outro lado, Benjamim
(1953) parece ter ressaltado a importância das reformas na
Primeira República, especialmente, a de Rivadávia Correa, cuja
ação teria dado “[...] caráter oficial à formação secundária”,
permitindo que, em todo o território, o ensino se preconizasse.
Defendia, portanto, a liberdade de ensino tão propalada pelos
representantes do sistema privado de educação, de forma
que sequer citou as demais reformas ocorridas nos momentos

133
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

iniciais da República. O conflito entre interesses públicos e


privados é antigo, desde 1901, com a institucionalização da
igualdade dos diplomas e certificados das escolas públicas e
privadas. Depois a pressão dos privatistas passou a ser pela
implantação do ensino religioso na rede pública. No contexto
de produção desse manual (década de 1950), as discussões
em torno da LDB já haviam colocado em lados opostos os
defensores da educação pública e os privatistas.
Para concluir, Z. de M. Campos (1972), em seu Pequeno
manual de história da educação, parece ter feito uma
compilação das ideias de alguns autores aqui trabalhados, de
forma que seu texto se constitui em um conjunto descritivo de
datas, nomes e fatos, sobre a educação na Primeira República,
exatamente como o que a Ditadura Militar propunha para
o ensino de História e Geografia (fundidos na disciplina
de Estudos Sociais). Os valores espirituais e éticos da
nacionalidade deveriam ser preservados e fortalecidos, assim
como a unidade nacional. A área de ciências humanas, nesse
contexto foi a mais desestruturada: à história só se admitia “[...]
a do culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e
os seus grandes vultos” (SILVA, 1985, p. 73). Nesse contexto,
Zaíra Campos construíra uma história da educação sem vida e
sem movimento, bastante descontextualizada e acrítica.

Conclusivamente, mas com questões em aberto

É preciso compreender que os manuais se constituem em


expressão dos valores de sua época e estão aqui inseridos na
afirmação do republicanismo às voltas com a questão educa-
cional desde a Primeira República – o primeiro é de 1914 – ao
período ditatorial-militar (o último aqui analisado é de 1972): as
interpretações sobre o Brasil que vigoraram no período foram: a
que o afirmava com uma vocação agrária, depois nacional-de-
senvolvimentista e, posteriormente, autoritário-modernizante.

134
O ensino de história da educação

Os manuais revelam um ideal pedagógico que contribuiu


para o reforço ao seu público (normalistas em formação, alunos
de licenciaturas, além dos professores), no qual a docência
é concebida como sacerdócio, mas especialmente com uma
concepção de educação de forte conteúdo doutrinário, seja
do ponto de vista do humanismo tradicional católico, seja
do humanismo moderno disseminado pelo escolanovismo –
herdeiro do hegelianismo, do evolucionismo, do positivismo
e do cientificismo.
Verifica-se, no que toca ao comum, que poucas páginas
foram destinadas ao estudo da história da educação brasileira.
Esse fato pode ser atribuído à compreensão dos autores de que
a história da educação brasileira seria um reflexo da história
da educação europeia. Nesse âmbito, insere-se a posição de
Benjamim (1954), conforme se comentou, de que não há uma
história da educação brasileira.
Em relação à concepção de história da educação, é
fundamental destacar a prevalência de uma visão linear,
cronográfica e, via de regra, factual em todas as obras, as
quais privilegiam uma visão universal da educação, porém de
caráter eurocêntrico.
Embora a inteligibilidade desenvolvida em tornos
dos manuais em apreço tenha insistido na ideia de que o
amadorismo e a falta de cientificidade tenham marcado a
produção desses textos – caracterizados pelo estilo laudatório,
descritivo e acrítico e, por vezes, apologético –, o texto de
Santos (1945), ao menos no que se refere ao período da
Primeira República, já apontava para uma mudança na forma
da escrita da história da educação brasileira nos manuais, pois
se caracterizava por analisar o fenômeno educacional a partir
da dinâmica social em que se inseria, de forma que a educação
surgia como produto de mudanças estruturais maiores, dando-
lhe um caráter de cientificidade mais expressivo.
Pode-se afirmar que os manuais didáticos aqui analisados
compartilham da construção da educação nacional

135
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

que o período republicano empreendeu: manifestações


nacionalistas e patrióticas expressaram-se por eles, bem
como as disseminaram. Manifestaram-se também por eles,
e com evidência, doutrinas e apologias fundadas na tradição
ocidental cristã: moralizar e civilizar um público bastante
específico e estratégico – os futuros educadores – estava entre
os seus objetivos.
As problematizações apresentadas deixam, ao final,
muitas indagações sem resposta, pois, sobre a pesquisa,
pode-se afirmar que é infindável. Não foi o propósito deste
capítulo trazer respostas a todas as problematizações, mas sim
constituir a condição do que é possível por meio da pesquisa
sobre os manuais de história da educação.
Com relação à indagação posta pelo título: não há uma
historiografia educacional brasileira expressa pelos referidos
manuais. Estes representam uma reprodução cronográfica,
linear e factual. A pesquisa histórico-educacional sobre o
Brasil é posterior, para não dizer recente, em vista do projeto
de pós-graduação firmado há quatro décadas. E uma escrita
histórico-educacional depauperada não poderia promover
uma interlocução de caráter historiográfico.
Entretanto, foi possível uma análise comparativa das
direções, das temáticas e das especificidades expressas
pelos manuais didáticos em apreço. A pesquisa em história
da educação brasileira hoje se diferencia largamente em
relação aos conteúdos estabelecidos nos referidos manuais.
Qualitativa e quantitativamente, desde os anos de 1990, o
conhecimento histórico-educacional vem gestando, fundado
em fontes primárias, análises, explicações e interpretações
que sustentam outra identidade do passado educacional em
relação ao presente que o promove pela pesquisa. Está em
construção a possibilidade de uma historiografia educacional
brasileira, certamente também contribuinte à elaboração de
manuais didáticos de outra ordem em vista do ensino de
história da educação, o que já vem ocorrendo.

136
O ensino de história da educação

Seja esta uma ciência da educação, uma subárea da


história ou uma subárea da educação, os manuais em
apreço representam uma expressão nacional do processo
de autoafirmação, particularmente pela proximidade de sua
emergência como parte do cenário da partilha científica
(divisão social do saber) engendrada desde a segunda metade
do século XIX, no campo das Ciências Humanas. Além disso,
no Brasil, primeiramente pela expansão e interiorização das
escolas normais no decorrer da Primeira Repúplica e, depois,
nos anos de 1930, pela emergência dos cursos de licenciatura
e do Curso de Pedagogia, os conteúdos de história da
educação se fizeram necessários à constituição da formação
do professor. Tais manuais são disso uma expressão.

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Autores Associados, 1998. p. 88-97.

142
O ensino de história da educação

Notas dos quadros


1 Não foi localizada tal obra, levando-se em conta o atual
estágio da pesquisa.
2 O capítulo XIX é intitulado Pedagogia americana (p. 231-
262) e envolve referências aos Estados Unidos (p. 231-236), ao
Uruguai (p. 236-240), à República Argentina (p. 240-244), ao
Chile (p. 244-249), ao Brasil (p. 249-251) e, por último, a São
Paulo (p. 251-262), além de conter, sob o título de Appêndice,
duas leis paulistas: o Decreto de 12 de março de 1890 (p.
263-273) e o Decreto de 13 de outubro de 1890 (p. 275-277).
3 Propriamente, apenas o conjunto denominado por XVII-
XVIII-XIX – Brasil refere-se à educação brasileira. O XX – Escola
Nova traz referências pontuais a Anísio Teixeira, Fernando de
Azevedo e Lourenço Filho.
4 Cabe observar que a apresentação das autoras intitulada,
Duas palavras, está datada como Jaboticabal, 8 de dezembro
de 1936, o IMPRIMATUR † Dom Antonio, Arcebispo-Bispo
diocesano Jaboticabal, 14 de dezembro de 1936, e o prefácio
de Lúcio José dos Santos, Bello Horizonte 17 de março de
1937.
5 Após a Lição VIII, há um adendo intitulado “Que
modificações são necessárias em relação aos objetivos, ao
conteúdo do ensino, às normas gerais de didática, à duração
e às instalações da escola primária paulista, a fim de que a
instituição se torne mais vantajosa à criança?”, Conforme
observação do autor, uma “Tese aprovada por unanimidade
pelo Congresso Estadual de Educação de Ribeirão Preto, p.
136-152” (sem datação).

143
O ensino de história da educação

O ensino de História da Educação: um


olhar reflexivo a partir da análise de
planos e programas curriculares

José Roberto Gomes Rodrigues

Las disciplinas académicas no son entidades abstractas.


Tampoco poseem una esencia universal o estática. Nacen y
evolucionan, surgen y desaparecen; se desgajan y se unen,
se rechazan y se absorben. Cambian sus contenidos; también
sus denominaciones. Son espacios de poder, de un poder a
disputar; espacios que agrupan intereses y agentes, acciones y
estrategias. Espacios sociales que se configuran en el seno de
los sistemas educativos y de las instituciones académicas com
un carácter más o menos excluyente, cerrado, respecto de
los aficionados y profesionales de otras materias, y, a la vez,
más o menos hegemónico en relación con otras disciplinas y
campos (FRAGO, 1995. p. 66).

Introdução: uma abordagem da História da Educação a


partir do ensino

Este trabalho foi escrito com base em uma análise


de diversos planos e programas de ensino e de conversas
gravadas a partir de roteiros semiestruturados com professores
da disciplina História da Educação, em universidades de
Belo Horizonte/MG e da Bahia.1 Aborda questões referentes
ao ensino, bem como questões de ordem acadêmica e da
pesquisa em História da Educação. Assim, a disciplina se
constitui como uma matéria do campo acadêmico, curricular

1
Foi desenvolvido um trabalho inicial de análise dos planos e programas de
ensino em História da Educação, resultando na dissertação cujo título foi O
ensino de história da educação brasileira nos cursos de pedagogia de Belo
Horizonte: tendências e perspectivas (RODRIGUES, 2002a).

145
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

e da pesquisa. Como disciplina curricular e universitária, que,


como qualquer outra desse tipo, integra o currículo dos cursos
de graduação, pode ser considerada como uma entidade
concreta, que produz cultura e institui regras e normas.
Faz parte de um ordenamento acadêmico e é instituída por
meio do desenvolvimento histórico do campo acadêmico-
universitário e escolar e pelas ações dos seus agentes em sua
própria existência e constituição.
Em artigo publicado na Revista Brasileira de Educação,
Frago (1995, p. 66) afirma que as “[...]disciplinas son, pues,
fuente de poder y exclusión no sólo profesional sino también
social. Su inclusión o non en los planes de estudio de unas
u otras profesiones constituye el arma a utilizar com vistas
a la adscripción o no de determinadas tareas a uno u outro
grupo profesional”. No tratamento dado neste ensaio, essa
disciplina se caracteriza a partir de uma origem e de um
desenvolvimento no interior dos cursos de formação de
educadores e professores com essa configuração, de entidade
que não é abstrata. Por outro lado, segundo as perspectivas
apontadas por Frago (1995), os planos de ensino, a criação,
a modificação ou a supressão de disciplinas, bem como os
manuais e livros constituem-se como elementos importantes
para se compreender a formação de determinados profissionais
e para o campo de atuação deles. Seria esse o caso da História
da Educação, cuja identidade está diretamente articulada com
a formação dos pedagogos e educadores de maneira geral.
Uma perspectiva de apreensão e compreensão das
disciplinas acadêmicas e curriculares, que parece ser
reveladora da sua configuração nos referidos cursos, pode
ser operada não só por meio da análise do modo como a
História da Educação está instituída nos currículos, mas
também pelos programas de ensino e dos testemunhos dos
respectivos professores. Nessa mesma perspectiva, de cunho
reflexivo, podem ser abordados os aspectos curriculares, as
características institucionais e acadêmicas e as referências

146
O ensino de história da educação

bibliográficas. Também é possível desenvolver estudos acerca


das referências adotadas nesses programas, de modo a
identificar o significado que ela esboça no quadro curricular.
Mais do que tratar dos conteúdos veiculados nos programas,
que têm como objetivo atender aos requisitos do ensino e
da formação de profissionais, inclusive a forma como esses
conteúdos podem ser operacionalizados e desenvolvidos, é
possível identificar, também, as marcas conceptuais, teóricas
e históricas que deles fazem parte.
O presente ensaio foi escrito com essa perspectiva,
em atenção ao interior do campo acadêmico universitário,
compreendendo os termos campo e reflexividade segundo
as noções desenvolvidas por Bourdieu (2005), voltando-se o
olhar, a partir da disciplina, para a compreensão da própria
disciplina. Com essa compreensão, convém mencionar,
recorrendo também a Lepenies (1994), que as mudanças de
orientação de uma disciplina estão relacionadas não apenas
com as questões postas pela sociedade, mas também, na mesma
medida, com as questões demandadas pelas instituições de
ensino, as quais constroem sua própria dinâmica, no campo
ao qual se refere. O objetivo é contribuir para o debate acerca
do processo instrucional da História da Educação e suscitar
questões dessa ordem na pauta de discussões nesse campo
investigativo. É provável que um raciocínio desenvolvido
dessa forma possa contribuir, ainda que modestamente, para
uma abordagem da História da Educação, partindo do ensino.

A emergência e a frequência do tema no campo da pesquisa


e nos eventos da área

Há, aproximadamente, dez anos, não seria fácil, para


quem desejasse investigar questões acerca do ensino de
História da Educação, encontrar publicações sobre o tema.
Apenas alguns trabalhos ocasionais ou menções esparsas

147
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

eram divulgados em artigos de autores como Saviani (1986),


Nunes (1996) e Barros (1998), os quais, nos próprios títulos,
mencionam tratar-se de ensino ou remetem para o tema.
Autoras como Warde (1998), Carvalho (1998) e Warde e
Carvalho (2000), também tratam de questões da historiografia
educacional com pequenos excertos sobre o ensino.
Até a realização do I Congresso de Ensino e Pesquisa em
História da Educação de Minas Gerais, em 2001, não havia
referências nas quais o ensino figurasse como tema importante
nos eventos do campo da pesquisa em História da Educação.
Com efeito, apenas um trabalho foi inscrito e apresentado
na forma de comunicação nesse Congresso (RODRIGUES,
2002b). Além dessa comunicação, trataram especificamente
do tema, em Mesa de Conferência, as pesquisadoras Clarice
Nunes (Universidade Estácio de Sá e UFF), com o trabalho
História da educação: interrogando a prática do ensino e da
pesquisa, e Eliane Marta Teixeira Lopes (UFMG), cujo trabalho
teve como título Ensinar história da educação (LOPES et al.,
2002).
Convém citar os organizadores dos anais desse Congresso,
os quais, no Prefácio, afirmam que,

[...] de forma muito consciente, a Comissão Organizadora


quis trazer a questão do ensino de história da educação para o
centro de nossa discussão, inclusive como forma de incentivar
trabalhos sobre o tema. Parece que a decisão foi acertada,
já que apenas um (01) dentre todos os trabalhos aprovados
refere-se a este tema, o que demonstra o quanto temos ainda
que avançar nas reflexões sobre uma das importantes facetas
de nossa prática acadêmica (LOPES et al., 2002, p. 9).

Atualmente, quase dez anos após a realização desse


evento, se não se pode dizer que existem fartos trabalhos
sobre o tema, também já não se pode afirmar que ele continua
ausente. É importante citar outros exemplos de esforços, como
os de Carvalho (2005), Gatti Jr. (2005, 2006), Morais, Portes e
Arruda (2006), entre outros, a constituírem-se como reflexão

148
O ensino de história da educação

científica, abrindo espaço para a sua promoção e consolidação.


Somente após a realização do referido congresso, alguns
anos depois, é que há reincidência do tema num evento da
Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), no III
Congresso Brasileiro de História da Educação (CBHE), realizado
no Paraná, em 2004. Daí em diante, percebe-se a sua inclusão
como eixo temático em muitos eventos nacionais, como os
seguidos CBHEs, em eventos regionais, como as reedições
dos congressos mineiros, bem como em muitos encontros
das Regiões Norte e Nordeste de História da Educação e até
em eventos internacionais, a exemplo do VI Congresso Luso-
Brasileiro de História da Educação ocorrido em Uberlândia,
em 2006. Grande parte de tudo que se escreveu sobre o tema
encontra-se nas publicações do periódico nacional do campo,
a Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), e nos
anais dos referidos congressos e demais eventos. Não causa
surpresa, porém, o fato de que, nem sempre, há a inclusão
desse eixo temático, pois a frequência ainda é alternada,
tendo havido eventos nos quais o respectivo eixo se manteve
ausente.

Sobre a configuração socioinstitucional e curricular da


disciplina

O entendimento de que as disciplinas acadêmicas


correspondem à mesma disciplina curricular não é pacífico
de assimilação ou questão que seja aceita tranquilamente e
sem problemas (CHERVEL, 1990; GOODSON, 1990, 1995;
VIÑAO, 2006). Entretanto, o movimento atual do campo da
pesquisa em História da Educação, consolidado a partir do
final da década de 90 do século passado, como pode ser
constatado pelas análises desenvolvidas sobre a produção
científica (CARVALHO, 1998; WARDE; CARVALHO, 2000;
CATANI; FARIA FILHO, 2002 e outros), e o movimento do

149
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

campo do ensino relativo a essa área de estudo parecem ter


passado por inflexões e mudanças substanciais (RODRIGUES,
2002a; FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003). A relação entre o
processo pedagógico e seus agentes, os alunos e os professores,
apesar de parecer óbvia, requer que seja examinada,
principalmente, aquela estabelecida entre o conhecimento
que integra a dinâmica escolar e universitária, os agentes e as
instituições.
Nossa tradição educacional sempre teve a tendência
de compreender o conhecimento escolar como sendo o
mesmo conhecimento científico. Somente após a publicação
de vários textos sobre questões dessa natureza, nas áreas da
pesquisa educacional, bem como da Sociologia da Educação
e da própria História da Educação, é que se desnaturaliza a
escolarização dos conhecimentos escolares, a partir dos quais
se observam com mais clareza as diferenciações entre saberes
e conhecimentos escolares e universitários e as referências
da pesquisa, como também o modo de tratá-los (CHERVEL,
1990; SANTOS, 1990; GOODSON, 1990, 1995; VIÑAO,
2006, entre outros). São estudos que insinuam clivagens ou
coesões na relação entre a produção científica e os saberes
escolarizados.
A análise, aqui esboçada, diz respeito à Historiografia da
Educação, à distribuição e à socialização desse conhecimento
científico e histórico, produzido e sistematizado dentro da
universidade por meio dos programas de pesquisa e pós-
graduação. No espaço específico da realização das atividades
de ensino, há um conjunto de aspectos que determinam a
institucionalização de uma disciplina em um curso numa
universidade. São itens de operacionalização que podem ser
mesmo considerados como sua base organizacional: ementa,
objetivos, denominação, carga horária e número de semestres
letivos. Referem-se às características institucionais e acadêmicas
correspondentes aos aspectos convencionais e inerentes
à existência de uma disciplina na instituição universitária/

150
O ensino de história da educação

escolar que, juntamente com os critérios e as concepções


que a definem, formam o seu arcabouço institucional, a partir
do qual se podem identificar as finalidades e as dimensões
de caráter existencial. Como o conjunto dos aspectos é
determinante da configuração institucional da disciplina, ele
forma um agregado de elementos que se inter-relacionam,
tornando-se necessário tratá-lo numa perspectiva reflexiva.
São aspectos que, para o seu entendimento, precisam ser
considerados conjuntamente de modo a evitar uma excessiva
fragmentação.
Por outro lado, a pesquisa educacional (VEIGA et al.,
1997; LEITE, 1999; entre outros) tem apontado uma série de
problemas na organização do conhecimento nos cursos de
graduação, tais como: visão positivista, compartimentada
e fragmentada do conhecimento, feição enciclopedista,
conflito causado pela dicotomia entre os conhecimentos para
uma formação especializada versus formação generalista,
entre outros. Além de apontar para uma desintegração e
desarticulação entre as disciplinas básicas e as disciplinas
profissionalizantes, indica também a necessidade de maior
integração entre os conhecimentos básicos e os conteúdos
profissionalizantes (VEIGA et al., 1997; LEITE, 1999), o
que, de fato, tem sido, nos últimos anos, objeto de reformas
curriculares, inclusive nos cursos de formação de educadores
e de Pedagogia. Ultimamente, os Cursos de Pedagogia têm
passado por reformas e mudanças curriculares, que se
desejam significativas e profundas (Conselho Nacional de
Educação, 2006). Nesse sentido, o que se tenta colocar em
discussão são questões acerca da produção e distribuição
desse conhecimento no campo educacional. Assim, poderiam
ser consideradas três dimensões no âmbito da constituição
específica das disciplinas curriculares e, consequentemente,
no da História da Educação. São as dimensões relativas à
ciência, à escola/universidade e à sociedade (RODRIGUES,
2002a).

151
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Os próprios cursos universitários de graduação não


podem ser compreendidos a partir de uma mesma lógica;
ao contrário, eles se diferenciam e se distinguem conforme
a área acadêmica dentro da estrutura universitária. Essas
diferenças se definem por fatores peculiares ao conhecimento
acadêmico, pedagógico e epistemológico e têm relações com
questões externas ao campo acadêmico, como as questões
sociais, políticas e econômicas da sociedade, no espaço social
mais amplo (RODRIGUES, 2002a). Nesses termos, a estrutura
econômica da sociedade e a divisão social do trabalho são
fatores que implicam essa relação. A forma de conceber,
produzir e distribuir o conhecimento por meio do ensino na
universidade, nos cursos de graduação, não corresponde a
uma epistemologia indiferenciada, e o ensinar e o aprender
nessa instituição não atendem ao arbitrário pedagógico,
mas estão ligados à estrutura mais ampla da sociedade, à
organização social das profissões e ao capital cultural e social
pertinentes a elas (BERNSTEIN, 1986). Atendem à lógica de
distinção entre as profissões, à divisão do trabalho social, ao
status econômico e social imposto pelas relações de poder
na sociedade, que incidem sobre o campo pedagógico do
ensino no interior da universidade e do curso. Os problemas
referentes à prática pedagógica, nesse sentido, estão vinculados
ao campo epistemológico no qual se insere a profissão e a
fatores externos macroestruturais, tal como a divisão social do
trabalho (BERNSTEIN, 1986).
Como o campo da pesquisa histórica em educação
avançou, e tem sido crescente a inserção de estudiosos
na área, muitos desses pesquisadores são absorvidos para
o ensino da disciplina no interior dos cursos de formação
de educadores, sobretudo os de Pedagogia, interferindo
diretamente na sistemática de transmissão dos conhecimentos
a partir dos currículos e dos planos e programas. Tem-se
processado uma dinâmica ao longo dos últimos anos, peculiar
ao campo da investigação em História da Educação, que, em

152
O ensino de história da educação

outros momentos, restringia-se ao ensino, seja na pesquisa


com uma comunidade científica, seja em relação ao ensino
e à comunidade científica juntamente com os professores e,
até mais amplamente, ao campo da instituição como contexto
onde ela está inserida (RODRIGUES, 2002a). O deslocamento
no sentido da consolidação e sedimentação do campo da
produção historiográfica educacional, independente do
ensino, é fator fundamental de deslocamento relativo, sobre
o qual se dá a passagem do estado anterior da disciplina, nas
fases iniciais da sua trajetória de constituição como disciplina
do currículo, para uma situação na qual se encontra hoje, no
espaço do campo do conhecimento científico e da pesquisa,
configurando a fase atual (RODRIGUES, 2002a), o que, para
muitos pesquisadores, parece ter-se constituído como um
momento de crise (GATTI JR., 2007), gerado por esse processo
de interlocução entre o ensino e a pesquisa.
Nos programas de ensino em História da Educação,
podem ser identificadas as concepções e os métodos, que se
expressam segundo suas diferenças relativas às características
institucionais no interior do currículo acadêmico. Em relativos
intervalos de tempo, têm havido mudanças na configuração da
disciplina, de forma que tais transformações necessitariam que
fossem identificadas por meio de um estudo pormenorizado
sobre esses aspectos. Isso poderia abrir possibilidades de
detecção dos caminhos pelos quais se poderia processar a
inserção dos conhecimentos sobre História da Educação,
presentes nas publicações de pesquisas divulgadas mais
recentemente.
De qualquer maneira, é possível observar que muitos
elementos de mudanças, em relação à ampliação dos tempos
e espaços, bem como os relacionados com outros aspectos
considerados importantes na disciplina, do ponto de vista
institucional, poderiam ser incorporados nessa relação da
pesquisa com os processos didático-pedagógicos. Embora
tais elementos possam caracterizar a disciplina quanto aos

153
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

aspectos institucionais e acadêmicos, como uma disciplina


básica no quadro curricular, quase sempre deixada em
segundo plano, onde se encontra institucionalmente situada
em relação a outras disciplinas, talvez isso possa revelar
alguma alteração que vem acontecendo. Efetivamente, o que
se constata é que não há regularidades quanto à definição dos
ementários, visto que muitas ementas se apresentam de modo
bastante diversificado sobre os mais variados ângulos, os quais
podem ser esboçados e observados.
No exame mais detido desses planos e programas,
podem ser constatados que os conteúdos da História da
Educação se diversificam nas formas de apresentação, na
definição espaço-temporal, bem como nas possibilidades
de abordagem dos temas, que lhes são correspondentes. Há
uma relação inversamente proporcional entre a forma como
as ementas apresentam o seu próprio conteúdo e a carga
horária estabelecida para a disciplina. Quanto mais a carga
horária se apresenta reduzida, mais o conteúdo estabelecido
pelo ementário parece ampliar-se, alargando-se nos espaços
e tempos abordados. Os exemplos podem ser ilustrados pelos
programas que contemplam aspectos da História da Educação
geral da sociedade ocidental e do Brasil.
Ao tratar da educação ocidental, muitas vezes, os
conteúdos são especificados nas unidades de ensino,
contemplando a história da civilização humana nos
momentos históricos mais diferenciados, inclusive a própria
história do homem desde os primórdios da civilização até
a contemporaneidade. De forma incidental, a redução e a
terminalidade do ensino dos conhecimentos sobre a História
da Educação, institucionalmente definidas, são objetivamente
registradas ainda no início dos cursos nos quais a disciplina está
inserida, notadamente nos Cursos de Pedagogia. A amplitude e
a abrangência desses ementários contêm muita diversificação
de abordagens em relação ao tempo dedicado, criando certa
complexidade entre relação conteúdo, forma e ensino.

154
O ensino de história da educação

O enfrentamento desses problemas, relativos ao


conhecimento a ser distribuído na universidade e por ela
socializado, implica, necessariamente, questões relacionadas
com a formação dos indivíduos. Se tomarmos como referência
o aluno, sua formação se dirige para uma determinada área do
conhecimento científico, na qual adquirirá uma especialização
ou habilidades e competências a partir de determinadas práticas
e conteúdos, que se processam no ensino. Mas devemos pensar
que, por outro lado, esse aluno depende também de outras
disciplinas, que fornecem subsídios de fundamentação teórica
e humana. Seria o caso de questionar o peso pedagógico e
epistemológico com os quais as disciplinas se configuram no
curso, pois não parece que se dá de modo indiferenciado ou
equivalente. No caso do Curso de Pedagogia, por exemplo,
é notório que ele vive entremeado de contradições que
remontam à sua tradição e história (SILVA, 1999), implicando
a identidade social e profissional ou semiprofissional do
pedagogo (ENGUITA, 1991).
Entretanto, esse curso de graduação sofre as implicações
relacionadas com a organização do trabalho pedagógico,
sendo, diretamente, influenciado também por questões
externas, como a organização social mais ampla (ENGUITA,
1991). São fatores e contradições que ainda se constituem
como dilemas para os Cursos de Pedagogia e a formação
do pedagogo (SILVA, 1999). Contradições presentes nas
dicotomias, formação geral/formação específica; formação
técnica/formação política e social; formação teórica/formação
instrumental, com o agravante de que a conjuntura social e
econômica, hegemônica do capitalismo, também ancorada
no processo de globalização, que apela para a produtividade,
para o lucro máximo e relativo, para a competitividade,
o individualismo e o imediatismo, desloca a atenção
para o sujeito individualista e versátil, que deve adaptar-
se rapidamente às mudanças, por meio de competências,
habilidades e capacidades, cujas exigências estariam

155
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

diretamente voltadas para a sua inserção profissional e social


conforme as condições impostas pelo mercado de trabalho.
Se, segundo a lógica dessas referências externas ao
campo da disciplina, se focaliza o debate educacional
sobre a formação do educador e/ou do professor, registram-
se, nessa perspectiva, habilidades, competências e
conhecimentos voltados para o oferecimento de um preparo
técnico cujo objetivo seria a “integração” e “adaptação”
do “cidadão” a uma sociedade globalizada, competitiva
e dominada pelos recursos tecnológicos, etc. O papel e as
finalidades do ensino e da formação estariam vinculados
a um modelo de desenvolvimento voltado para atender
às demandas de uma sociedade onde os conhecimentos
mais importantes seriam aqueles ligados à produtividade
do trabalho técnico, contradizendo, em âmbito geral, a
formação para o discernimento das condições existenciais e
humanas mais fundamentais, demonstrando o desprestígio da
formação teórica e dos fundamentos educacionais. Esse é o
raciocínio assumido pelos setores competentes das políticas
educacionais, como o tipo de conhecimento que estaria em
segundo plano ou, até mesmo, no nível do esquecimento.
Encontram-se aí as questões relacionadas com as
conhecidas disciplinas do núcleo de fundamentação na
definição do chamado currículo pleno dos cursos de graduação
e na relação com as disciplinas profissionalizantes2 (Conselho
Nacional de Educação, 2006). Consequentemente, insere-se o
problema da História da Educação como disciplina responsável
pelos conhecimentos histórico-educacionais. Haveria uma
tendência, que seria nociva à formação das novas gerações de
educadores, qual seja, a de desaparecimento dessa disciplina
do currículo. A política educacional tenderia a desvalorizar

2
As Diretrizes Curriculares Nacionais (2006) do CNE/MEC que reestruturam o
Curso de Pedagogia preveem três núcleos: “núcleo de estudos básicos”,
“núcleo de aprofundamento e diversificação dos estudos” e “núcleo de
estudos integrados”. A História da Educação estaria prevista para compor as
disciplinas do primeiro núcleo.

156
O ensino de história da educação

os estudos de caráter histórico, porque destacaria os aspectos


técnicos da formação. Nesse sentido, o cultivo dos estudos
da História da Educação tenderia a se concentrar nos cursos
de pós-graduação stricto sensu, mais voltados para o campo
da pesquisa e da produção científica. Diante de tal situação,
caberia levar em consideração a questão mais importante da
formação dos educadores, os quais poderiam privar-se desses
conhecimentos (SAVIANI, 2001).
Quanto ao espaço e à posição da disciplina no fluxograma
dos cursos, bem como em relação ao tempo destinado à
carga horária para o trabalho em sala de aula e ao número de
semestres e, ainda, em relação à sua importância no curso, a
variedade de possibilidades também se manifesta. Por outro
lado, formulações referentes à denominação fazem sentido, na
medida em que suscitam questionamentos acerca do ensino
da disciplina a partir da sua própria designação. Permite a
compreensão do significado e da sua identidade na interlocução
com as demais disciplinas do curso (MOGARRO, 2007). Assim,
a própria denominação é capaz de influir, segundo alguns
professores, na maneira de conduzir as atividades da disciplina,
na medida em que pode abrir ou fechar possibilidades quanto
ao trato das questões histórico-educativas.
Evidentemente, a denominação de História da Educação
poderia ser a nomenclatura já dada pela própria área
acadêmica e de referência nas pesquisas, em sua origem
e definição, visto que se trata da História da Educação.
Quanto a esse aspecto, são identificadas nomenclaturas
com diferentes denominações, que são utilizadas em grande
parte dos cursos, sugerindo, porém, integração entre elas
(FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003). São incidências que
sugerem também relações de identidade no referido campo
de produção acadêmica, podendo, ao mesmo tempo, ser
percebida a fluidez nas respectivas designações (MOGARRO,
2007). Entretanto, há a opção de, já a partir da denominação,
usar uma terminologia que direciona o curso e o ementário,

157
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

por exemplo, quando, em alguns programas, ela é designada


como estudos históricos, na modernidade e na sociedade
brasileira.
Nas definições formuladas pelos professores, o que, de
fato, acontece é que, dependendo das condições institucionais,
pode-se optar pela adaptação dos seus trabalhos com os
alunos por meio de estratégias que ajudam a compensar tais
demandas, mediante procedimentos que se promovem em
sala de aula. Em todos os sentidos, as mudanças continuam
ocorrendo, mesmo quando se referem aos aspectos
institucionais, nos quais as questões burocráticas são mais
rígidas e de difícil transformação. Conforme expressam muitos
professores, há amplas possibilidades de abertura para as
inovações. Outra ocorrência importante se dá em torno da
liberdade de discussão dessas questões em relação à prática e
à definição e organização dos trabalhos pedagógicos por parte
desses agentes com as atividades, expressando situações que
emanam da própria lógica de ensino, percebidas e destacadas
pelos professores.
É de suma importância registrar o fato de o ensino de História
da Educação no Brasil, expresso nos programas por meio das
características institucionais e acadêmicas, definidas a partir
da ótica estritamente formal, encontrar-se, ainda, permeado de
elementos referentes aos conhecimentos histórico-educativos,
que atendem aos requisitos institucionais de manutenção e
funcionalidade escolar/curricular da disciplina nos cursos de
formação de professores e de Pedagogia. Tal situação, muitas
vezes, vai de encontro à prática docente esboçada por muitos
professores, em termos de liberdade da atuação para operar
com os respectivos conteúdos. E, assim, o ensino de História
da Educação, expresso por meio dessas características
institucionais e acadêmicas, tem se mantido com um caráter
que obedece aos requisitos institucionais de permanência e
funcionalidade curricular da referida disciplina no curso de
formação de educadores e professores, o que caracterizaria

158
O ensino de história da educação

os conhecimentos histórico-educacionais em um plano


de trabalho específico para o ensino. Estaria relativamente
justificada a relação segundo a qual, dificilmente, o trabalho
com uma disciplina curricular, portanto, no ensino, a partir
dos planos e programas dos cursos, livrar-se-ia do destino
da rotina e banalização, para usar os termos de Bourdieu
(2004), bem como dos temas de estudos, que estão sendo
requisitados, diferentemente da forma como é tratada no
campo da pesquisa.
Se, do ponto de vista formal, essas questões do ensino de
História da Educação estariam presas aos rígidos esquemas de
configuração da disciplina nos programas, por outro lado, os
professores demonstram flexibilidade e avanço na tentativa de
mudança do referido ensino. Se, no entanto, não se processam,
em relação a esses aspectos, maiores modificações, isso se
deve, provavelmente, muito mais às questões propriamente
institucionais e formais do que aos trabalhos desenvolvidos
pelos professores. Diante de tudo o que está colocado, é
possível afirmar que vem sendo esboçada, no ensino, a
tendência de renovação, que se configura na prática docente
em sala de aula. Essa pode ser a configuração que expressa
uma realidade existencial da disciplina e do seu ensino nos
cursos de formação de educadores, registrada nos programas
e também expressa pelos professores. É aí que se revela o
arcabouço formal e didático-institucional do ensino da História
da Educação, uma disciplina em processo de mudança, em
sua configuração socioinstitucional e curricular.

Sobre a historiografia e as referências presentes no ensino

Atualmente, o volume de obras existentes tem alimentado


e ampliado as opções, com todo o material disponibilizado
na rede mundial de informações, nos diversos sites de grupos
de pesquisa e entidades científicas, bem como na distribuição

159
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

da literatura específica, bibliotecas, livrarias, etc. Avanços têm


acontecido no campo da produção científica em História da
Educação, principalmente os relativos à incidência de novos
temas, novas abordagens e objetos na pesquisa (CARVALHO,
1998; WARDE, 1998; WARDE; CARVALHO, 2000; CATANI;
FARIA FILHO, 2002, entre outros), o que favorece a tendência
de consolidação das novas perspectivas também no ensino, a
despeito do que tem sido feito nas pesquisas, embora seja quase
impossível o ensino absorver tudo o que se tem produzido.
Considerando que os conteúdos escolares se constituem
como os conhecimentos específicos correspondentes às
disciplinas que integram o currículo escolar, esses podem ser
considerados como os conhecimentos socialmente produzidos
e representativos das ciências, ou seja, o conhecimento
científico, especificado pelas áreas do conhecimento ou
pelas denominadas disciplinas científicas, transformado
em conhecimentos escolarizados. A dimensão da relação
entre tais conteúdos, o seu volume, a forma como eles são
interpretados, assim como as concepções e abordagens
evocadas no ensino podem ser identificadas pela bibliografia
indicada nos programas (FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003).
É a partir dos manuais, dos artigos e dos títulos de
referência, que tratam especificamente da disciplina, na análise
historiográfica da educação, seja ela brasileira seja geral, bem
como dos que versam sobre educação, que se devem localizar
os conteúdos. De igual modo, esses aspectos também podem
ser observados em outras disciplinas correspondentes às
demais áreas das ciências humanas e não específicas, porém
fundamentais para o campo da educação, inclusive os que
se referem às áreas da Filosofia da Educação, Sociologia da
Educação e Política Educacional. Essas podem aparecer nas
referências bibliográficas como obras do campo da Filosofia,
Sociologia, Política, História, Antropologia, etc. Não é difícil
encontrar certa recorrência às obras das áreas das ciências
sociais e humanas para enriquecer justificativas de conteúdos

160
O ensino de história da educação

operados no ensino da História da Educação. Isso acontece


mesmo em pequena recorrência e dá-se, muitas vezes, com os
trabalhos específicos sobre a Historiografia Educacional, sobre
a Educação e sobre a História Geral da Educação. Corresponde
à interlocução expressa pelas referências bibliográficas da
História da Educação com outras áreas das ciências sociais e
humanas, como a Filosofia e a Sociologia.
Percebe-se que se utilizam, ainda, em História da
Educação, obras mais antigas de referência do ensino, com
interpretações dos conhecimentos históricos da educação,
voltadas especificamente para o ensino. Talvez seja uma
característica das relações didáticas, peculiares ao ensino.
Os títulos que se vinculam a esses casos variam bastante,
considerando os manuais reconhecidos como obras e títulos
de referência, na historiografia educacional brasileira, mas
que, nem sempre, são obras escritas por historiadores da
educação (FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003). Ao constatar-se
que as obras e os títulos adotados correspondem às referências
mais antigas, utilizadas no ensino em outros momentos da
sua trajetória histórica, como disciplina curricular, é possível
perceber que se trata de uma tendência a esmaecer num
futuro em médio prazo. Porém, é um fato que ainda persiste
apesar do volume imenso de produções que estão disponíveis.
É notório que ainda existem muitos cursos nos quais a História
da Educação é ministrada por professores que não possuem
nenhum vínculo com grupos da comunidade científica.
Por outro lado, parece salutar o registro de que grande
parcela de professores utiliza sua própria produção nas
discussões com os alunos em sala de aula. São situações
ressaltadas pela presente análise e que correspondem à
utilização de referências de produções historiográficas
desenvolvidas pelos próprios professores-autores. Esse é um
dado importante, na medida em que faz emergir essa relação
entre a produção dos conhecimentos histórico-educativos
e o acesso, a transmissão e assimilação desses mesmos

161
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

conhecimentos, em História da Educação como matéria


universitária-escolar.
De qualquer forma, mesmo sendo esse professor um
pesquisador, ele teria que optar pelos conhecimentos
considerados mais significativos. Trata-se de uma condição
acadêmica, pedagógica e epistemológica, que não evitaria
o que Frago (1998) já alertara na “Introdução” de Currículo,
espaço e subjetividade: a arquitetura como programa: o fato
de os programas de ensino em História da Educação, em
geral, estruturarem-se a partir de uma ordem cronológica
dificulta uma integração maior, no que diz respeito a questões
e temáticas mais atuais, favorecendo um círculo vicioso na
disciplina referente ao ensino. Questão também apontada por
Bourdieu (2004) quanto aos problemas relativos à rotinização
e inércia do trabalho docente de modo geral, ou seja, quanto
à relação entre o conhecimento ministrado e o campo da
investigação.
A análise das referências bibliográficas é um aspecto
merecedor de uma atenção cuidadosa, no sentido de relacionar
os conteúdos abordados com as referências nelas citadas, tendo
em vista a correlação e a correspondência entre estas e os
paradigmas, os temas, as concepções, os objetos de ensino, etc.
Seria o caso de se dispensarem maiores atenções às análises
das bibliografias nos programas e planos de cursos, pois se trata
de um aspecto que requer maior aprofundamento. Muitas são
as questões sobre o ensino da História da Educação brasileira,
que podem ser reveladas, não apenas pela constatação da
adoção de certas referências, mas, principalmente, pela ênfase
atribuída às novas bibliografias. Surgem alternativas, inclusive,
para a solução de situações que muitos professores denominam
de saturação da bibliografia, requerendo mudanças, a despeito
das próprias alterações exigidas pelas ementas ou programas,
em algumas universidades.
Há quem reconheça o valor das obras mais antigas, porém
não sem reafirmar a necessidade de atualização das referências

162
O ensino de história da educação

bibliográficas, inclusive pelos resultados de investigações


cujos temas e objetos estão voltados para as questões locais,
regionais e nacionais, caracterizando outro aspecto do ensino,
que suscita novos estudos. É uma perspectiva que está presente
na forma como se manifesta a tendência na qual os novos
conhecimentos históricos da educação têm sido incorporados
ao ensino, obviamente inseridos naqueles cursos em que essa
perspectiva se configura com mais ênfase, por meio da adoção
de novas bibliografias e temas de interesse mais recente
(FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003) ou, por outro lado, de
reconceptualizações do uso de obras e temas consagrados
na historiografia mais antiga. Porém, é uma condição que
se apresenta, apenas relativamente, difícil de ser executada
porque, muitas vezes, “[...]servem para dar uma visão
superficial [desses novos temas e questões], sem pôr em risco
o esquema tradicional”, como afirma Frago (1998).
Com efeito, as referências do conteúdo e da natureza dos
conhecimentos histórico-educativos abordados nos programas
correspondem aos aspectos determinantes e definidores
da dimensão dos conhecimentos nas atividades de ensino,
que envolvem a disciplina em sala de aula. Dizem respeito
ao conjunto dos aspectos que expressam a natureza dos
conhecimentos abordados, o ordenamento e a organização
dos temas, bem como a descrição interna do conteúdo do
programa. São os aspectos que fornecem as condições de
se proceder a uma leitura radiográfica das características
internas e peculiares da disciplina, com o seu conjunto de
conhecimentos (conteúdos programáticos) estabelecidos para
o ensino: objetos de ensino, temas, número de unidades,
critério de disposição das unidades de ensino, temporalidade,
critério de periodização, espaço geográfico, critério de seleção
de conteúdos, conceitos e concepções teóricas. A partir
dessa compreensão da disciplina curricular, as categorias
referidas podem fornecer informações bem peculiares sobre
o modo como os métodos de apropriação e circulação

163
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

dos conhecimentos histórico-educacionais disponíveis


são delineados nos programas e, consequentemente, nos
currículos das instituições de ensino e como eles estão
dispostos nos programas.
Convém recorrer novamente a Frago (1998) para
justificar uma análise desse tipo, pois “esse divórcio entre
ensino e pesquisa”, causador da “inércia” e desatualização
da disciplina, poderia até parecer irrelevante, porém é algo
que pode se configurar apenas relativamente, pois se deve
compreender também que o que está em consideração e em
discussão são principalmente questões e

[...] processos de longa duração – escolarização, formação


dos sistemas educacionais, alfabetização, configuração e
ruptura de estruturas educacionais duais, profissionalização
e feminização docente, etc. – que exigem análises histórico-
comparativas, ou quando se trata daquelas questões – poucas,
mas essenciais – que conformam o ser humano como pessoa-
no-mundo (FRAGO, 1998, p. 15-16).

Os objetos de estudo e temas de ensino que não se


diversificam, considerando o conjunto dos programas,
estariam vinculados aos conhecimentos histórico-educativos
dos padrões de análises referentes a esquemas mais
tradicionais, sobressaindo-se os estudos sobre a organização
escolar, a legislação e o pensamento pedagógico, com viés
político e econômico. São esses que, de alguma forma, ainda
estão bem presentes nos planos e programas de ensino, como
um conjunto de temas já constituído como fundamental, para
o âmbito do ensino ou até mesmo da pesquisa (FARIA FILHO;
RODRIGUES, 2003). De qualquer forma, muitos programas
têm diversificado, ainda que de modo incipiente, os seus
objetos de ensino, por exemplo, o acréscimo da referência às
questões de gênero, aos movimentos sociais e das minorias
e à cultura escolar. São referências diferenciadoras em
muitos programas, que não rompem definitivamente com
a historiografia educacional das fases iniciais na trajetória

164
O ensino de história da educação

histórica da disciplina no Brasil (RODRIGUES, 2002a; FARIA


FILHO; RODRIGUES, 2003).
Considerando os aspectos referentes aos novos objetos
e temas, que estão sendo incorporados aos conteúdos e às
novas abordagens da historiografia educacional atual e que
também podem ser desenvolvidos nos processos de ensino da
disciplina, é possível verificar essa tendência de alteração no
ensino dos conhecimentos histórico-educativos. Com efeito,
são questões que suscitam certa atenção sobre a História da
Educação programada e/ou ensinada, sobretudo na relação
entre os aspectos institucionais analisados. Daí poder
vislumbrar-se a relação entre a configuração institucional da
disciplina no currículo dos cursos de formação de educadores
e os conhecimentos sistematizados e publicados, como área
constituída e dotada de um volume crescente de conteúdos e
saberes histórico-educacionais, prontos para serem utilizados
como matéria de ensino e oferecer enormes contribuições
para a formação dos educadores e pedagogos, assim como
aos setores educacionais, para a compreensão dos processos
educacionais do passado e do presente.
Seria difícil identificar regularidades tendentes a uma
uniformidade ou homogeneidade na disposição e organização
do conteúdo relativo aos programas de ensino e ao trabalho dos
professores em História da Educação. As formas de organização
dos conteúdos, ou seja, o número de unidades de ensino, o
critério de disposição dessas unidades, a temporalidade
adotada, o critério de periodização, o espaço geográfico e o
critério de seleção dos conteúdos diluem-se significativamente.
Cada programa tem a sua forma particular de explicitação,
caracterizando a complexidade quanto à organização e
disposição dos conteúdos de ensino, principalmente, quando,
na análise, se referem à operacionalização, manipulação,
apropriação e circulação dos conhecimentos.
Embora seja factível esboçar uma relação com as
periodizações da historiografia brasileira, a geral e a

165
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

educacional, seria difícil apontar incidências comuns de


temporalidades e periodizações entre os diversos planos
e programas. A forma como cada programa é constituído
depende em grande parte das características ou do estilo
do professor ou do autor desse programa, considerando
que a História da Educação, como disciplina acadêmica
e escolar, demonstra possuir certa maleabilidade, como
característica internamente peculiar à sua constituição de
disciplina curricular, partindo-se da sua própria história, na
medida em que ela produz uma cultura e se desenvolve como
entidade concreta. O poder criativo da dinâmica escolar e
da disciplina como parte integrante dessa dinâmica, segundo
afirma Chervel (1990), parece esboçar-se e explicitar-se. O
papel da disciplina, como elemento do sistema de ensino, de
formação dos indivíduos e de construção de cultura, parece
que se expressa nessa relação pedagógica entre o professor, a
disciplina e a transmissão dos conhecimentos.
Quanto ao elemento periodização, operacionalizado
nos planos e programas, o que se pode observar é que está
obviamente relacionado com a temporalidade, ainda que
se possa ressalvar com a afirmação de que nem todas as
formas de periodização correspondem a uma temporalidade
específica. Há temporalidades de padrões estritamente
convencionados pela historiografia oficial e há, por outro lado,
temporalidades que, apesar de também utilizarem critérios
da historiografia oficial, fogem dessa orientação, adotando
novas formas de especificar os tempos históricos. A esse
respeito, cabe uma observação de Nóvoa (2001), segundo a
qual, apesar da complexidade do debate, é necessária uma
reconceptualização do espaço e do tempo.
Essa é uma questão complexa, que assume um aspecto
central na reflexão historiográfica da educação, pois há
que se repensar uma definição desse “espaço”, bem como
uma noção do “tempo”, no sentido de evitar considerá-
los autonomamente, mas, ao contrário, considerá-los

166
O ensino de história da educação

intercambiáveis “numa mesma realidade” (NÓVOA, 2001).


Uma incidência, que cabe registro, é aquela segundo a qual
os critérios de periodização atendem a duas orientações
especificadas: uma política, em demarcações históricas dos
regimes políticos e sociais (período colonial, Monarquia–
Império, República–República Velha, Estado Novo…) e
outra educacional, utilizando as reformas e as leis como
demarcações significativas, definida por meio da implantação
e consolidação da instituição escolar, e também vinculada
à situação política do momento considerado (RODRIGUES,
2002a; FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003).
Os aspectos da disciplina, expressos pela forma como
os conteúdos se organizam no interior de cada programa e
plano de ensino, fazem ver certa complexidade no que se
refere à operacionalização, à apropriação, à distribuição
e à transmissão dos conhecimentos neles inseridos, pois,
nos programas, são apresentados critérios diferentes de
organização, diluindo a configuração geral da disciplina.
Por outro lado, a expressão da prática demonstrada pelos
professores pode estar em conformidade ou em contrariedade
com a forma como o conteúdo se organiza, expressando o
sentido de abertura, de liberdade ou de maior formalidade na
relação da disciplina com os aspectos do currículo. Sempre
há os que não compreendem que os procedimentos didático-
pedagógicos devem ser fixados conforme as questões formais
do programa, demonstrando certa contrariedade entre o formal
e a necessidade de flexibilidade posta pela prática docente na
organização do trabalho em sala de aula.
O que define os planos e programas é a lógica do ensino e
da transmissão dos conhecimentos histórico-educativos para a
formação do graduando. A forma de organização do conteúdo
colocada nos programas, em uma operação realizada pelo
exercício do ensino e da prática pedagógica, parece que
se constitui como a expressão de uma prática elaborada
conforme as peculiaridades de modos de atuação dos agentes

167
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

e a própria disciplina. Ainda que exista a formalidade na


concepção dos planos e programas, é possível, em História
da Educação, detectarem-se estilos, modos e a relação entre
professores e ensino bastante peculiares.

Considerações finais

Esboça-se, dessa forma, a configuração do ensino da


História da Educação a partir da compreensão da própria
disciplina, considerando, de um lado, o campo da investigação,
produção e sistematização dos conhecimentos históricos
sobre educação, na relação com aspectos pedagógicos e da
transmissão dos referidos conhecimentos, pelas instituições de
ensino, por meio dos programas, além do discurso dos agentes
executores desses programas.
Há programas de ensino cujos conceitos inseridos e
desenvolvidos correspondem aos esquemas mais tradicionais,
mesmo porque seria difícil desvencilhar-se deles, dadas as
condições do fazer didático-pedagógico. Porém, ao lado
disso, há os que expressam novas abordagens e os enfoques
na historiografia educacional brasileira e que, mesmo sem
descartar as possibilidades anteriores, com referências
importantes da historiografia tradicional em História da
Educação, predominam perspectivas pelas quais vicejam
concepções e abordagens metodológicas da historiografia
na atualidade. Seria esse o nexo da articulação e confluência
entre a dimensão da produção do conhecimento e a dimensão
da difusão, circulação e socialização desses mesmos
conhecimentos, como ponto de aproximação da pesquisa
com o ensino.
Seria necessário que a pesquisa histórica em educação
voltasse o seu olhar para a própria História da Educação,
como história da disciplina curricular dos cursos de
formação de educadores, e pudesse processar uma inflexão

168
O ensino de história da educação

no sentido de investigar como se desenvolveu e continua a


desenvolver-se, pois se constituiu e continua a constituir-se,
também em relação aos aspectos programáticos, de forma a
estabelecer a correlação com a configuração do campo da
produção científica na área. Um estudo desse tipo poderia
ser desenvolvido nas instituições de referências educacionais
mais importantes do ponto de vista da história e do surgimento
da disciplina nos cursos do campo educacional, no Brasil,
inclusive a partir dos planos e programas das mais antigas e
já extintas Escolas Normais, nas quais a História da Educação
sempre figurou como disciplina nos currículos, desde a sua
origem. As condições para uma história do ensino da História
da Educação parecem que já estão dadas. Será que uma
história nesses termos não traria resultados importantes e
satisfatórios para o avanço do campo da produção científica
em História da Educação?

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173
O ensino de história da educação

O ensino da História da Educação

Justino Magalhães

Considerações em torno de uma disciplina

Desde a segunda metade do século XX que, por herança


dos Annales e da Nova História, vinculados à historiografia
francesa; por sequência da micro-história de inspiração
italiana; por reacção ao modernismo; por abertura ao linguistic
turn e ao criticismo ou por retorno da narrativa em face da
transdisciplinaridade pós-estrutural, a História incorporou
alternativas de investigação e ensino antes não consideradas.
Emergiram novos objectos (instituições escolares, disciplinas,
questões de género, cultura escolar, imprensa, legislação,
etc.) e foram desenvolvidos métodos e abordagens dos
quais resultou uma diversidade na informação e produção
historiográficas. Não menos radicais, as alterações pedagógicas
daí decorrentes tiveram repercussão nos resultados e nos
perfis dos alunos e dos formandos. Como em as demais áreas
científicas, na profissionalização do docente de História, foi
continuamente relançado o diálogo entre historiar e ensinar. A
essa problemática acresce-se, no entanto, uma interrogação:
em um mundo multicultural e global, o que se deve ensinar
em História da Educação?
No presente trabalho, analiso o ensino de História da
Educação, partindo das necessidades e possibilidades de
conhecimento exigidas ao técnico de educação: pedagogo,
professor, formador, investigador. Tenho em atenção a
multiplicidade das abordagens que podem ser adoptadas

175
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

no ensino de História. Em alguns passos, a minha reflexão


torna-se extensiva à formação e ao trabalho do profissional
de História na educação básica (ensino fundamental e
médio), relacionando-a com as actividades de ensino e de
investigação. O ensino da História debate-se com questões
comuns à História da Educação, e a universidade é o locus
principal onde o professor de História se forma.
São hoje solicitadas novas exigências de conhecimento
aos professores de História, designadamente a necessidade
de transitar por temas e lugares com as mais variadas
possibilidades culturais e profissionais, na sala de aula, nos
arquivos e em museus, nas próprias escolas, explorando
espólios, bibliotecas, sujeitos, culturas. Onde houver espaço
para a produção da pesquisa histórica ou para o estudo e a
preservação da memória, o professor de História deverá estar
habilitado a trabalhar. Nesse quadro, o ensino de História da
Educação forma investigadores e forma professores. Também
se abre para uma consciência histórica, preparando tomadas
de decisão que combinem a inovação com as linhas mais
profundas de societude e humanitude.
Vasto e denso, o domínio científico da História da
Educação tem sido objecto de soluções científicas e
pedagógico-didácticas diversas. Tal pluralidade resulta de
distintas soluções para o binómio ciência-pedagogia e de
alguma indeterminação gerada pela alternativa de privilegiar
a uniformidade científica, contrapondo-lhe uma diversidade
curricular ou, ao contrário, forçando uma normalização
pedagógica como condição para respeitar a diversidade
paradigmática, temática e espácio-temporal.
Na impossibilidade de inventariar as situações críticas
e as soluções que têm sido adoptadas, procuro sistematizar
os motivos e as áreas em que o debate tem sido mais
frequente, bem assim como as linhas de convergência
científico-pedagógicas. Apresento também argumentos para
demonstrar e ilustrar a relevância e a actualidade da História

176
O ensino de história da educação

da Educação, transcrevendo e fundamentando diferentes


programas de ensino. Procuro, entretanto, dar um testemunho
sobre os actuais desafios do Ensino da História da Educação
no ensino universitário, decorrentes da implementação da
Convenção de Bolonha − que veio trazer uma gradação e
uma progressão curriculares (primeiro, segundo e terceiro
ciclos); da heterogeneidade dos públicos; da pluralidade
de interlocutores; da crescente produção científica; e do
alargamento do campo historiográfico.
Após sistematizar as questões e desafios que perpassam
essa disciplina, apresento dois programas da formação inicial.
Desde as décadas de 60-70 do século XX, a História da
Educação tem estado associada à (re)fundação das Ciências da
Educação. Essa (re)fundação incluiu a extensão definitiva das
Ciências da Educação às universidades, sob a modalidade de
disciplinas ligadas à Formação de Professores e, em um plano
mais alargado, disciplinas e módulos da formação inicial e
da formação contínua de outros profissionais da educação.
No que se refere à História da Educação em Portugal, esse
desenvolvimento compreendeu novas matérias curriculares
nos Cursos de História, particularmente nas temáticas da
História da Cultura e da História da Sociedade, na História
das Instituições, na História das Mentalidades e a criação
de uma disciplina autónoma de História da Educação, ou
de História do Ensino, noutras formações académicas. Nuns
casos como noutros, a definição das matérias leccionadas e o
grau de aprofundamento eram mais amplos que nos Cursos de
Formação de Professores das, entretanto, extintas Escolas de
Magistério Primário.
Assim, pois, desde a década de 70 do século XX, há
ensino de História da Educação em cursos de nível médio e
em cursos de nível superior. Essa realidade prolongou-se e
ampliou-se na década de 80, na sequência da implementação
da Lei de Bases do Sistema Educativo e, muito especificamente,
pela aplicação do Estatuto da Carreira Docente, consagrando

177
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

como norma o Modelo Integrado de Formação de Professores,


constituído pela componente de Ciências da Educação, pela
componente pedagógico-didáctica e pela componente da área
científica de referência. Integrado nesse contexto, quando, em
1987, teve lugar o 1º Encontro de História da Educação, o
programa apresentava, como a distância temporal permite ver
com mais propriedade, uma tripla entrada: a) a História da
Educação como memória e património simbólico, discurso
e prática historiográfica; b) a História da Educação como
disciplina de (in)formação, num quadro que, reconhecendo
muito embora o estatuto e a função meta-estruturantes que
o Ensino da Educação e da Pedagogia desempenhara na
formação tradicional de professores e educadores, se voltava,
ao tempo, para um novo rumo, tendo no horizonte próximo
a homogeneização dos cursos ao nível de Licenciatura; c) a
componente epistemológica – a História da Educação como
domínio científico específico.
A partir da década de 80 do século XX, a dimensão
investigativa veio sendo estruturada como reforço e ampliação
das bases de leccionação e como dimensão autónoma,
assumida por um conjunto de personalidades vindas de
distintos campos científicos e técnico-profissionais. Na década
de 90, teve lugar um assinalável investimento na investigação,
tendo sido apresentadas as primeiras Teses de Doutoramento
em História da Educação. O fomento da leccionação da
disciplina de História da Educação e de disciplinas afins
ficou também a dever-se à criação de Cursos de Mestrado
e à proliferação de disciplinas e de módulos de História da
Educação na Formação Inicial de Professores, Educadores e
Licenciados em Educação e em Ciências da Educação, bem
como na Formação Contínua de Professores.
Quando, em 1996, no âmbito do 2º Encontro de
História da Educação, foi realizado novo balanço, a visão
perspectivante era a principal tónica. A disciplina de História
da Educação estava a funcionar na generalidade dos Cursos

178
O ensino de história da educação

de Formação Inicial e da Formação Contínua de Professores,


Educadores e de outros profissionais dentro e fora do sistema
formal de ensino. Havia, de igual modo, disciplinas, módulos
e seminários de História da Educação em Cursos de Mestrado,
na área das Ciências Humanas e Sociais, e estavam já a
funcionar Mestrados específicos de História da Educação, na
Universidade de Lisboa e na Universidade do Minho.
A História da Educação abria-se a um vasto campo de
investigação, constituído pelo inventário de novos temas, pela
construção de novos objectos epistémicos e pela recuperação
de uma vastidão de fontes. A abertura interdisciplinar
correspondia, de forma oportuna e qualificada, aos principais
desafios de internacionalização e de participação activa
na preservação da memória, e do património cultural e
educacional. Estava no horizonte o fim de um ciclo marcado
pela tónica de profissionalização, resultante da formação
de especialistas e da consolidação de uma produção
historiográfica sobre os principais domínios da História da
Educação em Portugal. Essa produção encontrou sedimento
numa base discursiva e bibliográfica de referência obrigatória
dentro e fora do núcleo básico da História da Educação, com
extensão a comunidades científicas estrangeiras. O ciclo
historiográfico que se aproximava do fim tinha correspondido
também a um compromisso didáctico-pedagógico de inclusão
da História da Educação na formação geral de professores e
de educadores.
Oriunda de fóruns nacionais e internacionais ou
gerada em dissertações de natureza académica, redigida
sob a modalidade de ensaio ou de compilação, divulgada
em revistas da especialidade ou sob formato de livro, a
produção científica relativa à evolução historiográfica tem
sido particularmente fértil, no passado recente. Igualmente
notória tem sido a preocupação de demonstrar a relevância e
a actualidade da História da Educação. Dando consequência
a um título particularmente sugestivo (“Do we still need

179
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

history of education: is it central or peripherical?”), Roy Lowe


partiu da própria experiência como historiador da educação,
para documentar as transformações operadas nos últimos 40
anos, particularmente na historiografia britânica, dentro e
fora da universidade. Em seu depoimento, ressaltam as zonas
comuns e a especificidade da História da Educação, mas fica
também assinalada a centralidade do estudo da educação na
investigação histórica. De idêntico modo, chamou a atenção
para que, em termos de excelência e de especialidade, os
historiadores da educação têm muito a dizer aos educadores,
pois que podem influir na elaboração e nas práticas políticas.1
Investigação e leccionação correspondem a operações
cognitivas específicas e a funções distintas, pois determinam
duas tónicas profissionais não inteiramente sobrepostas,
mas que se têm retroalimentado. Os programas gerais e
estruturantes beneficiaram a incorporação de novas temáticas
e a revisão conceptual e informativa, e, correlativamente,
foram várias as circunstâncias em que a leccionação foi
determinada pelo aprofundamento de uma temática ou de um
objecto epistémico. No passado recente, as principais opções
temáticas resultaram da confluência de três tendências distintas:
oportunidade investigativa/pessoal, para obtenção de um grau
académico de mestrado ou de doutoramento; inserção em
grupos de investigação; participação e integração da agenda
dos grandes eventos internacionais (com relevo para o ISCHE
e para os sucessivos Congressos Luso-Brasileiros). A presença

1
Este texto foi publicado em History of Education (2002, v. 31, n. 6, p. 491-
504) e publicado em castelhano, em: FERRAZ LORENZO, Manuel. (ed.).
Repensar la historia de la educación: nuevos desafios, nuevas propuestas.
Madrid: Biblioteca Nueva, 2005, p. 83-104. Como o título indica, essa obra
colectiva contém uma sistematização das mais recentes transformações
da História da Educação, particularmente em Espanha. A produção meta-
historiográfica, cuja vastidão desautoriza qualquer esforço de sistematização
num artigo desta natureza, tem constituído uma referência constante nos
fóruns de História da Educação, organizados por diferentes países, e nos
fóruns internacionais. Para além de publicações em acta, as revistas da
especialidade procedem, com frequência, a revisões e a sistemáticas.

180
O ensino de história da educação

do factor externo, que vinha sendo notória na historiografia


portuguesa, desde a década de 90, e que foi acentuada pela
prática de uma produção científica em rede, favoreceu, pela
própria dinâmica dos processos, o alargamento temático
e menos o aprofundamento e a demarcação de territórios e
paradigmas.
Na constituição dos programas escolares, formativos e
investigativos, o estruturalismo correspondeu à última das
grandes correntes científicas que atravessaram o século XX,
com aplicação ao espectro das ciências sociais e humanas
(entretanto elas próprias cada vez mais próximas da ciência
histórica). A crise do estruturalismo deu origem a grupos,
vias metodológicas e paradigmas que perpassaram diferentes
centros de investigação, fazendo recair sobre a comunidade/
rede de investigadores a principal via de superação da
subjectivação. Ao permitir a reificação multifactorial
e multidimensional do objecto científico, radicou no
estruturalismo a oposição ao positivismo e ao desdobramento
funcionalista. Mas a educação foi frequentemente olhada
como segmento, meio ou processo (tanto ao agrado das
correntes funcionalistas), e menos como objecto epistémico,
particularmente como objecto historiográfico em si mesmo.
A ligação da História à Sociologia, dando origem a uma
história sociológica ou, por outro lado, a uma sócio-história
(socio-historical paradigm), revelou-se fundamental para a
inscrição dos fenómenos educativos e escolares em modelos e
complexos sistémicos de aproximação à realidade, nos planos
sincrónico e diacrónico. Em reacção às aporias estruturalistas
e aproximando da Nova História resultante da evolução dos
Annales, a orientação dos estudos historiográficos, no sentido
da explicação e da causalidade, nem sempre tem facilitado
a tarefa dos historiadores na superação das dimensões de
contextualização e de descrição, pelo ensaio de perspectivas
gerais.

181
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Também nesse aspecto, a aproximação ao linguistic


turn, favorecendo o regresso da narratividade com base
privilegiada em fontes discursivas, não foi suficiente para
repor a complexidade na epistemologia dos fenómenos
educativos, nem mesmo nos fenómenos escolares – em
que a experiência (in)formativa dos aprendizes e as práticas
dos diversos actores ficaram profundamente impregnadas
na disposição dos materiais e dos espaços, na organização
grupal, na valorização de certo tipo de profissionais, nos
silêncios e decisões de pedagogos e de administradores. Na
inserção da escola na História da Educação, não está ainda
suficientemente equacionada a repercussão que os domínios
da etnografia educativa, da arquitectura escolar, do artefacto
educativo, da produção discursiva por parte dos alunos tinha
nos comportamentos e nos modos de pensar. Também o
regresso ao arquivo, a multiplicação de fontes e a multiplicação
de abordagens parcelares não se têm revelado suficientes para
construir o objecto educacional como um todo.
Para repor a vida na historiografia dos fenómenos
escolares e educativos, não basta insistir na recomendação
(de John Toews) da inevitabilidade da experiência; assim
como para avançar teoricamente na História da Educação
já não é suficiente retomar a estratégia de pós (seja uma
pós-modernidade, seja um pos-fact, na acepção de Clifford
Geertz) ou da definição desconstrucionista e pela negativa,
na acepção de LaCapra. Hoje, que os grandes padrões
teóricos e metodológicos caíram, é necessário retomar a via
da construção historiográfica. A nova História Cultural, como
alternativa epistemológica, definida sob o pressuposto e o
desafio teórico e metodológico de que é possível (re)constituir
uma produção discursiva que contenha a experiência e uma
reconstrução ética, social, antropológica, tem procurado
resolver essa complexidade, inclusive com recurso à via da
comparação e da experiência simbólica.

182
O ensino de história da educação

A História da Educação é uma educacionalização ou,


noutro sentido, uma pedagogização, para retomarmos os
conceitos utilizados por Marc Depaepe, em 1998 (na Histoire
de l’Education) e em 2003 (na Paedagogica Historica). Cabe
à produção historiográfica construir o educacional como
objecto epistémico: discernindo-lhe o(s) sentido(s), tempos,
quadros, contextos, processos; conhecendo e dando a
conhecer os seus conteúdos, permanências, transformações,
suas implicações e formas de legitimação material, simbólica,
organizacional, institucional (nomeadamente a relação
entre educação e sociedade, e sua incidência nos sujeitos).
Afirmar e demonstrar historicamente que a escola é factor
de modernidade significa tomar como objecto epistémico
a escolarização como construto que traduz a interacção
entre escola e modernização em suas diversas substâncias,
mutações, cadências, apropriações, repercussões.
Como alertava Roy Lowe, os historiadores da educação
podem bem ser considerados gente do passado, memorialistas
ou saudosistas; todavia, em cada momento histórico, houve
uma educação em projecto, uma conflitualidade e uma
dialéctica convergente ou divergente, uma ponderação
do presente como factor de futuro e como transformação-
(re)memoriação do passado. Tomando em referência os
contextos, testemunhos, expectativas e realizações, é tarefa
do historiador reconstituir o permanente e complexo jogo
de relações e tensões do presente/passado, multifactorial e
probabilístico quanto ao futuro, e compreendido e explicado
em sua própria evolução. A História não é comemoração nem
mestra da vida; o passado não se repete nem se julga, mas
houve erros, injustiças, projectos e sacrifícios vãos. Pensar a
educação com história oferece ao historiador e à (in)formação
historiográfica um lugar e um contributo insubstituíveis na
equação do presente educativo. Em educação o futuro é.
Na História da Educação, as questões de natureza
epistémica assumem particular relevo. O que é um objecto

183
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

histórico-educacional? Como teorizar, documentar, modelar,


explicar e narrar a educação, a educacionalização?
Historicizando a realidade educativa, o historiador reinventa
a identidade e o lugar no quadro interdisciplinar das Ciências
da Educação. Inquérito, crónica, anais, relato temático,
genealógico, investigativo, a narrativa historiográfica, tudo
isso é necessariamente uma composição maior, cujo texto tem
de ser visto na totalidade da sua organização de sentido.
Na operação historiográfica, o particular (o local)
estabelece o limite do pensar e liga-se ao geral e ao global
através de uma racionalidade e de um processo escalar,
definidos no quadro de um mesmo modelo, de uma mesma
regularidade. Da narrativa relato para a narrativa histórica
opera-se uma transformação qualitativa. E se, na base da
História da Educação, está a construção de objectos e
fenómenos educacionais, tal desafio epistémico começa
na equação do problema ou da cadeia de problemas e
na definição de uma matriz teórico-prática, mas tanto a
operação heurística e hermenêutica como a construção da
narrativa final se iluminam por esse desafio maior que é o da
educacionalização como construto. Aqueles são os desígnios
e os principais desafios da historiografia educacional e, por
força de razão, do ensino da História da Educação. Este ensino
tem estado sujeito a duas influências: o nível de formação dos
públicos e a evolução da historiografia. Distintamente das
teorias, ou das introduções (sempre ajustáveis e dependentes
da integração no plano curricular), a História da Educação,
mesmo cumprindo funções de mestra, tem persistido numa
relativa autonomia curricular, não sendo menos relevante
aquilo que dela procuram retirar os aprendizes e os formandos
em face ao que é ministrado.
Em Portugal, por meados do século XX, na formação de
educadores e de professores para o ensino primário, foi frequente
a utilização de compêndios e de súmulas. Difundido a partir
do Brasil, um dos compêndios mais utilizados era a História

184
O ensino de história da educação

da Educação de Paul Monroe.2 Estabelecendo uma diacronia


de longuíssima duração e referenciando as distintas zonas do
globo, essa história continha uma cronologia que cruzava os
aspectos pedagógicos com os aspectos culturais e os aspectos
políticos: acontecimentos políticos; poetas, dramaturgos,
oradores, etc.; filósofos, sofistas; obras de directa significação
educacional; acontecimentos de carácter educacional. Tratava-
se de uma obra que continha diferentes cadências de texto, com
capítulos assumidamente normativos e diacrónicos e capítulos
assentes em conceitos autorais. Cartografava o educacional,
alocando-o a um tempo, a um espaço, a um ideário. Era uma
obra de tese focalizada no progresso e cuja organização dava
curso a uma evolução pedagógica. Portadores desta história −
de que, em regra, havia mais que um exemplar nas bibliotecas
das instituições de formação, professor e alunos refugiavam-
se numa integridade e numa atmosfera de informação que
só indirectamente transversalizava com outras disciplinas.
Sintetizada em obras como essa, a História da Educação era
em si um Curso de Pedagogia. Na formação de professores
para o ensino secundário, a História da Educação tendia a
aproximar-se da História Cultural.

2
Uma das versões mais difundidas em Portugal e que, em regra, fazia parte de
todas as bibliotecas das escolas de Magistério Primário era editada pela
Companhia Editora Nacional, com sede em São Paulo. Fiz uso da 6ª edição,
publicada em 1958. A obra estava organizada de forma diacrónica, havendo
menção do educacional em todos os itens do índice. Até à Reforma e à Contra-
Reforma, o elemento educacional era apresentado como consequência; a
partir de então, até ao século XX, o elemento educacional continha primazia:
Cap. I – Povos primitivos: a educação e sua expressão mais simples; Cap.
II – Educação oriental: a educação como recapitulação: a China como
padrão; Cap. III – Os gregos: a educação liberal; Cap. IV – Os Romanos.
A educação como treino para a vida prática; Cap. V – A Idade Média: a
educação como disciplina; Cap. VI – A Renascença e a educação humanista;
Cap. VII – A Reforma, a Contra-Reforma e o conceito religioso de educação;
Cap. VIII – Educação realista [realismo humanista; realismo social; realismo
sensorial]; Cap. IX – O conceito disciplinar de educação: John Locke; Cap.
X – A tendência naturalista da educação: Rousseau; Cap. XI – A tendência
psicológica na Educação: Pestalozzi, Herbart, Fröebel; Cap. XII – A tendência
científica moderna. Spencer; Cap. XIII – A tendência sociológica na educação;
Cap. XIV – Conclusões: a tendência eclética actual.

185
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Entre as sistemáticas sobre o ensino da História (como


obras de autor ou como organização colectiva), deve referir-
se, pela síntese curricular e pela abrangência geográfica, Why
should we teach History of Education?, editada por Kadriva
Salimova e Erwin V. Johanningmeier. Dividida em duas partes,
a primeira incide sobre o estatuto epistemológico da História
da Educação na actualidade; a segunda sobre o ensino da
História na formação de professores. O apêndice é constituído
por programas de História da Educação.3
Observando as principais questões didácticas, a partir
da bibliografia da especialidade e com base em minha
experiência de mais de vinte anos de docência de História
da Educação, é forçoso admitir uma selecção, pois que é
inviável, em qualquer circunstância didáctico-pedagógica, a
leccionação de uma História da Educação “total”. A definição
curricular não se circunscreve, porém, a opções nos sentidos
diacrónico e sincrónico, ou à centração geográfica no Mundo
Ocidental ou tão só em Portugal. O programa de ensino não
pode deixar de atender aos parâmetros didácticos, aos critérios
de natureza temática, aos requisitos cognoscentes. A História
da Educação cumpre funções de informação, formação,
investigação, e os temas seleccionados deverão constituir
uma totalidade representativa, significativa, evolutiva e
inteligível. Correlativamente à reificação e à inscrição no
local e na realidade educativos, as rubricas abordadas devem
proporcionar uma representação e uma projecção a outros
espaços, outros tempos e outros referentes culturais, simbólicos
e humanos. É esperado que o desenvolvimento curricular

3
Kadriva Salimova e Erwin V. Johanningmeier (Ed.). Why should we teach
History of Education? Moscow: The Library if International Academy of
self-improvement, 1993. [Part I. History of Education today: its subject and
content; Part II. Objectives of the History of Education in Teacher Training].
O apêndice é constituído pelos seguintes programas: Hitotsubashi University
Kunitachi - Tokyo/Japan; Warsaw University - Poland; Barcelona University
- Catalonia/Spain; Damascus University - Syria; Kirovograd pedagogical
Institute – Ukraine; University of Akron – Ohio/USA; Teachers College of
Columbia University – USA.

186
O ensino de história da educação

seja um percurso epistémico, cognoscente e antropológico,


que proporcione ao estudante uma multidimensionalidade
congregada e coerente, num crescendo de abrangência:
teorização, abstracção, simbolização.
A leccionação da História da Educação envolve
uma reflexão teórica aberta à interdisciplinaridade e uma
reconceptualização que emana das circunstâncias e dos
objectos históricos. Há assim um exercício semiótico e
um tirocínio semântico que, a par da contextualização e
da descrição, constituem o principal sentido da operação
didáctico-pedagógica em História da Educação. Na base
desses exercícios estão uma actualização cronológica, uma
inscrição histórico-geográfica, uma informação colhidas
na historiografia de referência e em fontes primárias. O
fortalecimento da vertente formativa sugere que a leccionação
se revista frequentemente de uma orientação regressiva e apele
às componentes etnográfica, cívica e experiencial dos alunos,
reificando de forma coerente e significativa a combinação
entre memória, história vivida, historicidade, história.
Como a educação é uma via de humanitude, essa
complexa meta que as sociedades e os sujeitos vão
construindo, num jogo de probabilidades futuras do seu
próprio presente e num diálogo crítico e esclarecido com o
passado, a História e, particularmente, a História da Educação
têm um papel determinante. Sendo a reflexão historiográfica
uma construção multimodal entre passado/presente/futuro, um
marco, uma via de subjectivação, cidadania, humanização e,
por consequência, uma racionalidade que permite uma visão
equilibrada e equilibradora do quotidiano, a (in)formação
historiográfica deve integrar a tomada de decisões, partindo
de situações-problema actuais. A sensibilidade às práticas
(praxeologias e etnografias) e a abertura interdisciplinar
permitem evitar e superar as abordagens, tendencialmente
ideológicas, justificativas e convergentes que marcaram a
historiografia tradicional, designadamente no domínio da

187
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Pedagogia, cujo desenvolvimento assentava na leitura selectiva


e criterial/valorativa de certos autores ou modelos, bem assim
como a redução a taxonomias ou a conceitos-chave. A equação
da complexidade e a admissão de raciocínios alternativos e
probabilísticos, tomando a educação como constituinte de
cada conjuntura histórica, permite superar uma historiografia
educacional unilinear e subproduto civilizacional ou
sociocultural. A aplicação de um método historiográfico,
problematizador e conceptualizante ao educacional escolar
e não-escolar assegura um sentido evolutivo, uma abertura
interdisciplinar e a reconstituição das distintas conjunturas
históricas.
A implementação da Convenção de Bolonha veio
consagrar o Ensino Superior como Educação Terciária,
justificando e esclarecendo a conveniência de graduar a
formação, ordenando-a ao longo dos três ciclos universitários:
o primeiro ciclo, correspondente ao grau de licenciado,
culmina uma (in)formação metodológica e substantiva
que assegura uma racionalidade consciente e esclarecida,
tendente à compreensão interdisciplinar de um domínio
científico e ao exercício científico-profissional, num quadro
de autonomização e responsabilidade; o segundo ciclo
(mestrado), de especialização científica ou profissional,
consagra a capacidade para produzir e comunicar de forma
correcta e argumentada um determinado conhecimento; o
terceiro ciclo (doutoramento), consignando uma especialidade,
reabre para a transdisciplinaridade e consagra a capacidade
de criar e orientar a produção do conhecimento científico.

Programas de História da Educação

A vocação do 1º ciclo universitário é de abertura e


aprofundamento do conhecimento e das capacidades de
aprender e comunicar com rigor, no âmbito de um domínio

188
O ensino de história da educação

científico, bem assim como de complemento e revisão crítica


da educação secundária.
Apresento aqui dois programas de ensino da História da
Educação, em cursos de licenciatura: o primeiro é de História
da Educação e da Pedagogia (A), que era uma disciplina anual
do primeiro ano da Licenciatura em Educação do Instituto
de Educação da Universidade do Minho; o segundo é de
História da Educação (B). Este último programa é semestral
e integra o 1º ano da Licenciatura em Educação do Instituto
de Educação da Universidade de Lisboa, cujo Plano de Curso
está organizado segundo a Convenção de Bolonha (com as
consequentes repercussões na estrutura curricular adoptada e
na arrumação temática). Uma alteração didáctica de particular
relevo é a organização curricular com base numa estrutura de
competências.

A) História da Educação e da Pedagogia


(Justino Magalhães)

Enquadramento e fundamentação

A disciplina de História da Educação e da Pedagogia integra


o tronco comum da Licenciatura em Educação e procura
satisfazer os seguintes objectivos gerais:

a) alargar o campo de conhecimento e de reflexão


dos alunos, futuros educadores, professores e técnicos
superiores de educação, a partir da problematização e
da integração de quadros conceptuais educacionais e
historiográficos, e pela construção de eixos estruturantes;
b) proporcionar uma visão historiográfica, crítica, teórica
e praxeológica da educação, através da interpretação,
da síntese e da comunicação escrita e oral;
c) estimular a auto-formação, desenvolvendo valências

189
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

pedagógicas e educacionais e apoiando a construção de


visões estratégicas, pela comparação de diferentes pla-
nos educacionais;
d) desenvolver nos alunos um sentido investigativo,
introduzindo-os às problemáticas da conservação e
revalorização do património cultural e educacional,
como factores de formação e de acção junto dos
diversos públicos.

A História da Educação e da Pedagogia proporciona um


campo de diálogo e de relacionamento dos alunos com os
diversos públicos, posto que o domínio histórico é constituído
por uma diversidade de matérias e de argumentos para a
acção educacional e faculta valências metodológicas de
instrumentalização e estruturação dessa acção. Este princípio,
sendo válido para os alunos no decurso da sua formação, é
extensivo aos públicos junto de quem desenvolverão a acção
educacional. Privilegiar a natureza interactiva e construtiva da
História da Educação e da Pedagogia permite superar a tendência
residual e dedutiva a que frequentemente é remetida no seio
das diversas Ciências da Educação. Complementarmente,
assume-se uma valorização dos factores, estruturas e dimensões
educacionais no plano temporal. Cabe à História da Educação
e da Pedagogia reequacionar os planos históricos, de forma a
inquirir, (re)situar e integrar as dimensões educacionais tomadas
numa acepção ampla. A correspondência entre a reinvenção
(construção) historiográfica da educação e a reificação da
acção educativa determina o sentido e o campo da disciplina de
História da Educação e da Pedagogia, alargando-a aos planos
teleológico, axiológico, descritivo, praxeológico, sociológico,
psicológico. Teorias, formas de pensar e racionalizar a educação,
práticas, contextos, actores, públicos e representações são
matéria da História da Educação.

190
O ensino de história da educação

Constituem duas linhas de renovação fundamentais: 1)


a operação historiográfica consignada pela Nova História
(interdisciplinaridade e abertura a novos campos de
investigação; contemplação de novos públicos; revalorização
do sujeito histórico, em face às estruturas e aos vectores
geográfico, económico e político; busca de novas fontes
de informação); 2) a (re)abertura à “história cultural” e a
revalorização do(s) discurso(s) histórico(s) e historiográficos,
interrogados quanto às condições de produção, ao impacto e
às formas de apropriação. O discurso historiográfico ressente-
se das condições de produção e de apropriação, sejam elas de
natureza axiológica, teleológica e de fundamentação, sejam
de natureza práxica e normativa, associadas à capacidade
inventiva do historiador para reconstruir o modelo (a totalidade
organizada) que o explica, contextualiza e lhe confere
sentido, por um lado, e à abertura ao social, ao psicológico,
ao antropológico, por outro.
Esse discurso substantiva-se no(s) sujeito(s) e na
acção educacionais, estruturados em conformidade com
os princípios metodológicos que (en)formam as diversas
Ciências da Educação. São, por consequência, a abertura
metodológica, a reconstituição dos sujeitos, das acções e dos
fenómenos educativos, à luz das problemáticas, métodos e
conceitos de outras Ciências da Educação, como domínios
científicos específicos na área das Ciências Humanas e
Sociais, focalizados a partir de um olhar historiográfico, que
sedimenta as bases para a renovação da História da Educação
– uma história problematizante e conceptualizante.
Em cada momento histórico há uma educação em
projecto, uma conflitualidade e uma dialéctica entre planos de
convergência e de divergência, marginalidade e segmentação
social, que o historiador reconstitui, tomando em referência
os contextos, testemunhos, expectativas e realizações, num

191
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

permanente e complexo jogo de relações e tensões, e de


construção de um presente/passado, em sua complexidade e
na projecção probabilística de hipóteses quanto ao futuro.
A disciplina de História da Educação e da Pedagogia
contempla, de forma mais ou menos explícita, as noções,
conceitos e planos: história, educação, pedagogia. Um
dos primeiros desafios didácticos é a articulação entre
esses elementos, por construir um discurso epistemológico
integrado e coerente. Ensaiando a caracterização sumária dos
três elementos constituintes da disciplina, entende-se que:

a) a História (a abordagem historiográfica) define o


método, problemáticas, categoria de análise, fontes
e dados de informação – contextos, quadros espácio-
temporais e socioculturais;

b) a educação (o educacional) constitui o objecto, o


argumento, o (pre)texto;

c) a pedagogia (o pedagógico) marca a natureza


da abordagem − uma abordagem teórico-prática
e conceptualizante, uma abordagem crítica,
fundamentada, fundamentadora e avaliativa da
realidade.

As categorias de análise são aqui de natureza


historiográfica, mas carecem de uma cultura pedagógica, na
conceptualização (acepções do campo lexical, discursivo,
comunicacional e gramatológico − verbal e não verbal);
na definição das questões prementes e na diferenciação/
comparação de quadros analíticos no tempo e no espaço;
na noção de interdependência e de projecto educativo; na
compreensão da complexidade (totalidades organizadas e/ou
em organização). A representação e compreensão da acção,

192
O ensino de história da educação

das práticas e das racionalidades educativas (actores, meios,


conteúdos, produtos, contextos), envolve, por seu turno, um
apelo à experiência aprendente e sociocultural dos estudantes,
e o reconhecimento da interdisciplinaridade subjacente
às Ciências da Educação. A educação é, nesse contexto, o
conceito mais amplo e abrangente, pois constitui a área do
conhecimento e da acção a construir.
A História da Educação, proporcionando um método para
a construção do saber educacional, constitui em si também
um conhecimento, pelo que as dimensões historiográficas
são uma base para as tomadas de decisão, fundamentação e
normatização da acção educativa. Desse modo, o educacional
e o pedagógico são factores cativos da sua própria história,
e a historiografia reveste-se de uma componente formativa.
A História da Educação é um meio para a acção educativa
das populações adultas e também das populações jovens. É
um meio curricular fundamental nos processos de societude
e humanitude. Como reflexão historiográfica concretizada
numa construção multimodal entre passado/presente/futuro,
a História, quando presente à tomada de decisões, constitui
um marco e uma racionalidade. A didáctica da História da
Educação não pode alhear-se da preservação e da integração
da memória e do património históricos em sua acção de
educadores.
Toma-se como princípio a abertura à complexidade e
ao praxeológico com vista à superação do discurso unilinear,
agregativo e justificativo, que marcou alguma historiografia
de que resultava uma menorização de raciocínios complexos
e alternativos, centrados em conceitos-chave, que permitem
equacionar as conjunturas em cada presente histórico e explicar
a evolução desse mesmo presente. Tais condicionalismos
ficavam a dever-se à ausência das contextualizações, ao
reconhecimento das análises práticas e praxeológicas

193
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

como indicadores das apropriações pedagógicas e das


representações sociológicas. Desse modo, a historiografia
tradicional construiu um discurso pedagógico-educativo, ora
como subproduto da história civilizacional, ora como um
discurso marginal, meta-histórico.
A aplicação do método historiográfico, problematizador
e conceptualizante às questões da educação, assegura
simultaneamente um sentido evolutivo, uma abertura à
interdisciplinaridade e a reconstituição dos contextos históricos.
A educação, tomada em suas complexidade e polissemia
(instituição, acção, conteúdo, produto), é o referencial mais
amplo e é o campo de investigação e de acção: a educação
é o texto. A presença do elemento pedagógico faz-se sentir
pela análise contextualizada e pelo recurso a textos, ideários
e racionalidades coetâneos dos factos e dos fenómenos em
análise. Opera-se também pela aplicação da noção de projecto
às totalidades organizadas, que, em momentos pedagógicos
complementares, procuram relacionar uma concepção actual
de educação com as concepções teórico-práticas coetâneas.
Nesse sentido, embora o pedagógico não constitua a
centralidade deste programa, há noções de racionalidade
educacional que não poderão deixar de ser apresentadas,
como base discursiva e de conceptualização, apoiando a
formação dos alunos, assim: elaborações como a do triângulo
pedagógico da aprendizagem escolar − aluno, professor,
conteúdo (Houssaye); noções como a de modelo escolar e não
escolar da formação e da educação, etc.
Por outro lado, os alunos da Licenciatura em Educação
apresentam uma formação académica média em que a
componente História não é nem a mais forte, nem a mais
frequente. Portanto, é necessário desenvolver estratégias de
homogeneização, por meio, designadamente, da apresentação
de quadros sinópticos e cronológicos. Uma outra estratégia de

194
O ensino de história da educação

remediação e homogeneização é a sugestão de leituras nos


domínios da Educação e da História Geral. O intento de uma
acção pedagógica e didáctica centradamente (in)formativa
desafia que os alunos sejam orientados para a concepção de
pequenas experiências investigativas e de acções educacionais,
a partir do quotidiano, tomando como elementos: o património
ambiental, as memórias e as narrativas locais, o tratamento de
materiais arquivísticos, museológicos, de artefactos e acervos
documentais de diversa natureza, etc.

Definição curricular e desenvolvimento programático

São estabelecidas quatro grandes linhas de acção. A


primeira contém uma conceptualização e uma problemática
como enquadramento geral:

a) quadro conceptual geral: História, Educação,


Pedagogia − educabilidade do ser humano, educação
e educações;

b) cultura escrita e História da Educação no Mundo


Ocidental;

c) educar, pensar educação e formular saberes


pedagógicos na ausência/presença dos sistemas
educativos e dos modelos científicos da pedagogia
– educação antiga, educação clássica educação e
formação do homem medieval, educação humanista,
educação e modernidade;

d) escolarização (formalização) da educação − as


Ciências da Educação. Educação e Contemporaneidade.

Estas linhas se complementam e se cruzam em seu


desenvolvimento. Corresponde-lhes uma sequência de

195
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

períodos históricos, em que estão associadas de forma evolutiva


as dimensões históricas envolvidas em cada uma dessas
linhas, designadamente nas secções III, IV e V do programa.
As secções I e II são marcadas por uma maior transversalidade.
Aquelas linhas estruturam-se na longa duração e dão resposta
a problemáticas específicas, ou antes, elas próprias constituem
problemáticas que evoluem conforme as circunstâncias
históricas e o desenvolvimento de relações multivectoriais.
Intenta-se facultar aos alunos uma visão integrada, evolutiva,
não linear das principais questões da História da Educação
do mundo ocidental, com recurso pontual a uma estratégia
comparada. As problemáticas são construídas pelo historiador
e as relações entre os diversos vectores de desenvolvimento
histórico são representações da própria trama que a realidade
histórica entretece.
As relações tendem a prolongar-se no tempo, mas as
circunstâncias e os contextos em que tal sucede alteram-
se por uma orientação metodológica fundamental, seja
no domínio do conhecimento, seja no plano didáctico, é
a construção de eixos diacrónicos centrais, como: o lugar
da epistemologia e do conhecimento como estratégia e
substância educativa e formativa, quer para os sujeitos,
quer para os grupos; a cultura escrita como instrumento de
pensamento, comunicação e acção; a afirmação do público
sobre o privado; a instrucionalização dos principais factores e
bases de educação e formação; uma absorção (sobreposição)
do costume pela norma; do rural pelo urbano; da autarcia pela
ecumena.
O quadro conceptual geral e a problemática contidos na
primeira linha de acção visam, como se referiu, envolver os
alunos numa textura compreensiva e analítica que contemple
as dimensões historiográfica, educacional e pedagógica dos
fenómenos educativos. Tratando-se de uma disciplina do

196
O ensino de história da educação

tronco comum, num Curso de Graduação, visa-se informar,


de modo crítico, interpretativo e problematizador, sobre o
lugar da educação no Homem e no Mundo ocidentais. Há
dialécticas e problemáticas que são recorrentes de período
para período: relação entre o público e o privado; relação
entre didáctica e finalização dos saberes e das práticas
educativas e formativas (o triângulo entre famílias, grupos e
comunidades de base; instâncias reguladoras, normatizadoras
das práticas e saberes educativos; a sociedade e os poderes
instituídos, sejam políticos, sejam confessionais); uma
dialéctica entre, de um lado, uma segmentação (verticalização,
diferenciação), quer ao nível de uma meta-educação, quer
no que se refere a meios e oportunidades, e, de outro lado,
uma igualitarização (horizontalização). Há questões e
relações cujo desenvolvimento reflecte as circunstâncias e
os contextos históricos, que evoluem de forma diferenciada,
com implicações, designadamente, ao nível da definição
dos sujeitos envolvidos e no grau de aprofundamento e de
abrangência dessas mesmas (co)relações.
A construção do tempo/espaço educacional é um desafio
permanente para a História da Educação e, se a relação
educativa é uma interacção designadamente entre o docente/
investigador e os alunos, fazer e ensinar História da Educação
são funções instituintes de um mesmo desafio.

Conteúdos programáticos

I. História, educação, pedagogia

1. Um conceito sumário e actual de educação


(polissemia do conceito educação).
História da Educação: 1) objecto(s), temas, problemas,
teorias, método, fontes; 2) estatuto epistemológico

197
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

da História da Educação; 3) fazer e ensinar História


da Educação; 4) para uma meta-análise da produção
historiográfica em educação; 5) História da Educação
e inovação em educação; 6) contributos metodológicos
e substantivos da História da Educação para o
conhecimento e conhecimento e para a formação em
educação.
2. Um olhar historiográfico sobre a educabilidade
do ser humano – educação e educações (evolução,
universalização/totalização; segmentação/
especialização). A educação como condição de
humanitude – a incompletude biológica e cultural
do ser humano – educação, pensamento, acção.
Legitimidade, bases e dimensões da educabilidade
– valores, atitudes/comportamentos, saberes/
conhecimentos/ capacidades, práticas/técnicas/
competências. Formação, aprendizagem, ensino.
Humanitude e infinitude do humano.
3. Sobre a diversidade de contextos, públicos, agentes
e meios, modelos em educação. Natureza, sociedade,
religião, cultura; Estado, como contextos e factores de
educação. Emergência/construção do(s) sujeitos) em
educação – auto e hetero-educação. O privado e o
público em educação. Família, oficina, escola – agentes
fundamentais de educação; educador, pedagogo,
mestre, professor. Modelos e meta-educações –
crente, guerreiro, escriba, cidadão, artífice (civitas,
humanitas, nobilitas), autonomia, politecnia, societude,
humanitude. Humanitude, educação e história.
4. Pensar, fazer, escrever educação – Pedagogia e
racionalidade educativa/ciência, ciências da educação.
Utopia, teoria, praxis – discurso idealizante; discurso
doutrinário, nomotético e definidor de princípios;

198
O ensino de história da educação

discurso teórico/prático (praxeológico); discurso


praxizante. A metáfora e a analogia em educação.
Cultura escrita e racionalidade educativa. Produção e
apropriação do conhecimento e do saber em educação.
O lugar da História da Educação.

II. Cultura escrita e História da Educação no Mundo


Ocidental

1. Dimensões histórico-antropológicas da cultura


escrita: linguística, antropológica, técnica/instrumental,
profissional, científica/cultural. Oralidade e escrita.
Linguagem e pensamento. Cultura escrita e comunicação.
Cultura escrita e sociedade – um meio de organização
social. Cultura escrita e poder – segmentação do
alfabeto. Usos, práticas, instrumentos e suportes
materiais da leitura e da escrita – sua evolução histórica.
Implicações histórico-culturais da universalização
do latim e do grego. A escrita e a gramaticalização
das línguas vernáculas. A mecanização da escrita na
transição para a Modernidade. Cultura escrita e novas
tecnologias da comunicação e instrumentalização da
palavra.
2. Origem e evolução da escrita e do alfabeto. Usos,
práticas, instrumentos e suportes materiais da leitura
e da escrita – sua evolução histórica. Implicações
histórico-culturais da universalização do latim e do
grego. A escrita e a gramaticalização das línguas
vernáculas. A mecanização da escrita na transição para
a Modernidade. Cultura escrita e novas tecnologias da
comunicação e instrumentalização da palavra.
3. Cultura escrita, religião, ciência, técnica, progresso/
desenvolvimento. Implicações históricas, educacionais

199
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

e antropológicas da instrumentalização da palavra


– alfabetização e desenvolvimento. Cultura escrita e
racionalidade pedagógica – formar, ensinar, instruir.
4. Evolução histórica dos métodos, processos e
instituições de ensino e aprendizagem da leitura e da
escrita – alfabetização e “actualização” de uma leitura
do mundo e da realidade envolvente. Sobre o conceito
de alfabetizado. Alfabetização e alfabetizações.

III. Educar, pensar educação e formular saberes


pedagógicos nas civilizações Antiga, Clássica e
Medieval – ausência/presença dos sistemas educativos
e dos modelos científicos da Pedagogia.

1. Instâncias e modelos formativos da Educação Antiga


– o palácio, o templo, a cidade:
a) formação do sacerdote (sacralização das práticas
e das tradições e normas consuetudinárias – a
verbalização; o mito, o rito, as festividades e a
iniciação) – um intelectual responsável pela “ordem” e
pela sobrevivência da comunidade;
b) formação do guerreiro – importância dos exercícios
físicos e da caça – um suporte da justiça, da paz interna,
da guerra e do saque;
c) formação do escriba – da centração teocrática à
diversidade e complementaridade das formações e das
funções;
d) formações dependentes (menores) – o camponês, o
artesão. A cidade – a sedentarização, as cosmogonias,
a definição territorial e de propriedade, a organização
política e administrativa, a justiça, a lei.
2. O sincretismo (histórico) cultural do homem grego
e educação: para uma formação religiosa, física

200
O ensino de história da educação

(bélica) e letrada (autográfica) do cidadão; o herói


e a perfectitude humana – sacerdote, guerreiro,
escriba; matemático (geómetra); filósofo (dialéctico)/
retórico (Platão vs Isócrates); a Educação Clássica e
o desenvolvimento de práticas escolares. Os sentidos
prospectivo e permanente da educação; formação
elementar, formação média, formação superior.
Helenismo e paideia conteúdos básicos centrados na
ciência e na retórica – educação e escolas públicas
– pedagogo; mestres: pedotriba, gramático, filósofo,
retórico – alfabeto e cálculo, gramática, dialéctica e
retórica.
3. A família, a escola e o Estado na formação do cidadão
(do homem) romano. Educação e humanitas. O pater
familias e a privatização da educação da infância
entre o público e o privado. As escolas públicas e a
municipalização da educação elementar; a criação
do colégio para os adolescentes e jovens – iuvenes.
Educação, religião, sociedade; educação/escolarização
e romanização.
4. Raízes judaico-cristãs na formação do Homem
Medieval. As pequenas escolas e a cristianização;
as pequenas escolas e a vulgarização da formação
elementar; as escolas de gramática A clericalização da
educação e a sociedade tripartida (patrística, monástica,
escolástica). Uma alfabetização laica e pragmática.
O quotidiano como educação – as formações e
aprendizagens básicas, religiosa e profissional, a
festa, as manifestações e as representações colectivas.
Formação e ciclos de vida – a convergência dos ciclos
etários da catequese, da milícia e da formação oficinal.
O fim do “mundo pleno” e a gramaticalização do
quotidiano, conversão, colonização e cultura escrita.

201
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

IV. Educação e Escolarização no Antigo Regime −


consolidação do modelo escolar (até o século XVIII)

1. Fundação das universidades (sécs. XIII-XIV); as


escolas monacais, as pequenas escolas e os colégios
em finais da Idade Média. O “renascimento” de uma
educação pela escola – os Irmãos da Vida Comum; os
colégios humanistas, trilingues e as “artes liberais”; os
colégios Jesuítas, a Ratio Studiorum e a sociedade de
classes do Antigo Regime. A adaptação do trivium e do
quadrivium, a valorização das humanidades.
2. Escolarização da educação e da formação: a definição
de um currículo para a educação elementar; o modelo
colegial e os estudos menores (educação secundária)
e a formação técnica (artes liberais) – os colégios das
artes, as escolas de artes; a perda de influência das
universidades – a formação em cânones/direito, teologia
e medicina. O pansofismo e a formação das disciplinas
escolares. Sobre os processos de alfabetização e de
escolarização dos portugueses no Antigo Regime. As
Cartilhas e a gramaticalização da Língua Portuguesa.
3. Novos ideais do “homem civil”: cortesia (século XVI),
honestidade (século XVII), Iluminismo/Racionalismo
(século XVIII). Humanismo e educação; Racionalismo
e educação. Súbdito ou cidadão? As corporações e a
formação profissional. Universalização e segmentação
da formação e da instrução – sobre a constituição dos
sujeitos educacionais: a educação das mulheres; a
educação as crianças. Sobre o significado histórico-
pedagógico do Movimento das “Luzes” – para uma
“pragmática” educacional. “Produção” dos sistemas
estatais de ensino – o caso português – as reformas
pombalinas e a formação de um sistema estatal de

202
O ensino de história da educação

ensino; o crescimento da rede escolar de mestres régios


no período mariano-joanino.
4. Pensamento pedagógico – pensadores e pedagogos
(séculos XVI-XVIII) produção (produtores), divulgação e
significado do conhecimento educacional. A produção
escrita de carácter pedagógico (literária, discursiva,
normativa, praxeológica) – constituição de um curso
teórico e prático sobre educação, escola, sociedade;
(Coménio, Montaigne, Locke, Rousseau, Verney,
Ribeiro Sanches); mestres, pediatras.

V. Séculos XIX e XX – escolarização (formalização) da


educação – criação e desenvolvimento do(s) sistema(s)
educativo(s) de Estado e das Ciências da Educação.

1. A educação e a revolução liberal. A função docente


– uma actividade a tempo inteiro. A didacticalização do
conhecimento e a construção das disciplinas escolares;
a organização curricular – a lição; da disciplina ao
curso. Produção dos sistemas estatais de ensino – a
instabilidade da política educacional do Estado liberal
no século XIX – crise e reformulação dos modelos e
das políticas escolares. A situação portuguesa numa
perspectiva comparada. As revoluções liberais e a
escolarização da sociedade. As políticas educativas dos
Estados liberais e a segmentação da sociedade.
2. Modelos, estruturas, currículos e práticas alternativos
de formação científica, técnica e profissional, por
meio da escola – educação intelectual, educação
moral, educação física: uma formação humanista, uma
formação científica, uma formação técnica e profissional,
uma formação politécnica. O liceu, o ginásio (alemão),
as escolas técnicas e comerciais, as escolas agrícolas.

203
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Laicização, obrigatoriedade e verticalização da formação


escolar. Públicos, agentes e representações escolares
– formação e profissionalização dos professores. Uma
política de construções escolares. “Gramaticalização”
da cultura escolar.
3. Universalização da educação escolar na transição
para o século XX. Para uma escola de massas – as
reformas compreensivas da instrução. Unificação da
educação secundária, ou alargamento da educação
básica? A escolarização dos adultos. A sociedade
portuguesa sob o estigma do analfabetismo; as
hesitações políticas relativamente à difusão da leitura e
da escrita. A acção dos republicanos e os novos desafios
da política escolar para os vários níveis de ensino e
sectores sociais. A abertura educacional da Primeira
República e o “reducionismo” da educação nacional
do Estado Novo. Uma escola portuguesa? As reformas
do ensino liceal e técnico. A Campanha Nacional de
Alfabetização.
A crise do modelo escolar em face às novas tecnologias
da comunicação e processamento da informação.
A educação permanente e o reequacionamento da
educação escolar. Novos espaços, novos públicos e
modos de educação – multiculturalismo e comunidades
educativas; desafios da autoformação.

B) História da Educação
(Justino Magalhães)

1. Enquadramento e fundamentação

A disciplina de História da Educação que aqui apresento


se beneficia da experiência de leccionação de História da

204
O ensino de história da educação

Educação em cursos de formação inicial de professores e


educadores, assim como de formação de técnicos superiores
de educação, e integra o tronco comum da licenciatura
em Ciências da Educação. Da depuração curricular e da
sistematização de conceitos, temas e assuntos a que tenho
vindo a proceder, ressalto um núcleo programático que
constitui uma etno-história da educação. Apresento, na
sequência, os conteúdos programáticos leccionados no ano de
2008-2009, no Curso de Ciências da Educação, da Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de
Lisboa.
O item introdutório sobre o estatuto e a finalidade da
História da Educação é de natureza informativa e epistémica
e proporciona uma introdução cultural e discursiva dos
estudantes. O segundo item é de carácter enciclopédico e
visa homogeneizar e orientar os alunos na matriz conceptual
básica, que, para além de denominativa e enciclopédica, é
uma demarcação do campo educacional. Os itens 3, 4 e 5 são
assumidamente historiográficos, permitindo, a partir de uma
cronologia de base, estabelecer uma evolução multivectorial,
referenciada aos sistemas educativos e à escolarização,
no contexto da modernidade ocidental. Essa panorâmica
histórica terá como referência central o caso português. O item
6 constitui uma análise informada e crítica sobre a cultura,
a pedagogia e a modelação escolares, sua composição,
materialidade, representação, significado, potencialidades e
limitações. Finalmente, culminando uma integração e uma
abstracção, o item 7 abre para a reconstituição e avaliação
dos perfis histórico-educacionais actuais.
Há, no desenvolvimento curricular deste programa, uma
coerência proporcionada pelo núcleo conceptual constituído
por: sujeito individual/colectivo; cultura escrita; instituição
educativa; escala dos espaços; modernização.

205
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

2. Programa

Finalidade
A História da Educação, integrando o tronco comum da
Licenciatura em Ciências da Educação e proporcionando o
conhecimento e a compreensão das questões do passado, com
referência e interpretadas a partir de uma conceptualização e
de problemáticas e desafios actuais, visa a sistematização de
uma matriz teórico-prática e de uma informação histórica de
base que constituam fundamento e referência na (in)formação
dos licenciados em Ciências da Educação.

Competências a desenvolver
Competências instrumentais: Problematização, análise,
síntese, aquisição, aprofundamento, comunicação de
conhecimentos gerais e de conhecimentos específicos.
Selecção, conceptualização, interpretação, processamento da
informação e do conhecimento a partir de diferentes fontes
e de diferentes representações. Pensar a realidade educativa
com História.
Competências interpessoais: Atitude crítica e auto-
avaliação. Relacionamento interpessoal. Trabalho interpessoal.
Competências sistémicas: Investigação. Diagnóstico,
concepção e projecção. Trabalho autónomo.

Conteúdos
1. História da Educação: conhecimento especializado,
discurso genealógico, paradigma educacional.
2. História, teoria e prática de educação: a) fundamentos,
matérias, situações e projectos educativos; b) práticas,
discursos, agentes, sujeitos; c) educação, escolarização,
educação/formação ao longo da vida; d) conhecimento,
normalização/regulação, transformação, avaliação
pedagógica; e) culturas, instituições, modelos.
3. Cultura escrita; Modernidade; educação/escolarização.

206
O ensino de história da educação

4. Institucionalização dos sistemas escolares (genealogia


e materialidade dos sistemas educativos; educação,
instrucionalização e escolarização; a escola e os sistemas
educativos nacionais; mundialização da escola e da
Pedagogia escolar).
5. Escolarização da sociedade portuguesa (génese
e institucionalização da escola elementar, educação/
instrução secundária, ensino superior; reformas e políticas
educativas; alfabetização e analfabetismo em Portugal).
6. A cultura escolar: representação, visão de mundo,
acção; matriz científica, cultural, civilizacional; currículo,
pedagogia e políticas educativas.
7. Perfis histórico-educacionais: religiosos, bélicos,
técnico-profissionais, cívicos, informacionais.

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(Org.). A modernização pedagógica e a escola para todos na
Europa do Sul no século XX. Lisboa: Grupo SPICAE, 2003; p.
91-98.
Magalhães, Justino. Alfabetização e educação de adultos:
investigar em educação. Revista da Sociedade Portuguesa de
Ciências da Educação, n. 2, p. 173-201, 2003.
Magalhães, Justino. A cultura escolar como representação:
a escola e a construção de uma tradição e de uma simbologia
pátrias. In: Magalhães, Justino. História da educação.
Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação,
2001; p. 116-128.
Olson, David. La constitucíon de la mente letrada. In OLSON,
David. El mundo sobre el papel: el impacto de la escritura y la
lectura en la estructura del conocimiento. Barcelona: Gedisa
Editorial, 1998; p. 285-310.
SANVISENS MARFULL, Alejandro. Educación, pedagogia
y ciências de la educación. In: SANVISENS MARFULL,
Alejandro (Org.). Introducción a la pedagogía. 3ª ed.
Barcelona: Barcanova, 1992; p. 5-38.
210
O ensino de história da educação

Ensino de História da Educação


na Pós-Graduação em Educação,
no Brasil, na década de 1980: uma
experiência revisitada

Luiz Carlos Barreira

Introdução

A disciplina História da Educação já ocupou lugar


privilegiado nas matrizes curriculares dos Programas de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação de todo o País.
Nas três últimas décadas do século XX, ela compôs o assim
chamado “núcleo duro” das disciplinas formadoras – por
isso, concebidas como básicas e obrigatórias – do alunado
desses programas. O entendimento que então se tinha desse
caráter formativo da disciplina se ancorava na ideia de que
a educação era um momento da totalidade social e, como
tal, só poderia ser apreendida e compreendida no bojo das
relações sociais que a produziam. Apreender a educação
como realidade histórica implicava, portanto, compreender
os “[...] fenômenos educacionais no âmbito da realidade
na qual eles se produziam e se justificavam” (PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 1991, p. 1). Em
se tratando de Brasil, implicava conhecer e compreender a
realidade brasileira, pois esse conhecimento e compreensão
seriam a base e o fundamento dos estudos e investigações sobre
a “problemática educacional”, tendo em vista a transformação
da sociedade.
A luta contra o regime militar pode não ser, para muitos,
uma explicação plausível para as práticas político-pedagógicas
daqueles que fizeram (ou tentaram fazer) das salas de aula
uma trincheira na luta contra a ditadura, a opressão e a

211
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

toda forma de exploração. Na clandestinidade dos partidos


que faziam oposição nada surda ao regime, “aparelhar” os
aparelhos ideológicos de Estado era palavra de ordem. Era
preciso conscientizar a população. Era preciso denunciar os
crimes e demais atrocidades cometidos pelo regime militar
contra a população brasileira. Era preciso politizar, formar os
intelectuais orgânicos das classes trabalhadoras, que seriam –
assim se entendia – os principais responsáveis pela construção
da hegemonia do operariado no seio mesmo da sociedade
burguesa. Era preciso aprender a fazer minar a hegemonia
da burguesia, em uma incansável “guerra de movimento e de
posições”. Era o que se lia e o que se aprendia nos textos
de Antonio Gramsci, então recém-descobertos por alguns
acadêmicos brasileiros.
Uma trincheira. Era assim que representávamos e vivíamos
a sala de aula. Uma luta. Incansável luta de professores contra
a ditadura, em prol do restabelecimento da democracia no
País. Líamos muito, sobretudo textos proibidos pelo regime,
ou que foram por ele rotulados como “literatura subversiva”.
A palavra, o saber, a pena eram nossas armas. Sonhávamos
muito. Às vezes delirávamos. Sonhávamos com a volta da
liberdade plena de expressão. Sonhávamos com o dia em
que aquele nó, preso na garganta, se desfaria de uma vez por
todas.1

1
Fomos às ruas pelas “Diretas Já!”. O tão sonhado dia chegou. Pelo menos
assim se pensou. Um tanto quanto trôpego e tímido, mas chegou. Filho tão
desejado, quando nato, encanta, embriaga e cega. Deixávamo-nos levar pelos
novos ventos da Nova República. Sem rumo, nem prumo. A construção de um
mundo melhor, de uma sociedade mais justa não era mais uma possibilidade
remota. Avizinhava-se. Sonhávamos com a queda do império – sentimento
antiamericanista muito cultivado pelos centros acadêmicos naquela época.
Um dia, o que parecia sólido se desmanchou no ar. Houve uma queda de
império, sim, mas não o de Tio Sam. Foi a União Soviética que desmoronou.
O muro de Berlim também ruiu, virou pó. Como o muro, muitas de nossas
certezas, como que em um passe de mágica, também em pó se transformaram.
Assim... Da noite para o dia. Somos filhos desse tempo. Tempo de prazeres
contidos, adiados, sublimados.

212
O ensino de história da educação

Sintonizado com esses sonhos, um dos principais objetivos


da Pós-Graduação em Educação da PUC de São Paulo, em
sua origem, não era apenas formar pesquisadores para atuar
no campo da Educação, mas formar sujeitos politicamente
atuantes na sociedade. Para explicitar esse entendimento,
transcrevo a seguir alguns dos objetivos específicos da
disciplina História da Educação Brasileira, definidos na
década de 1980:

[...] possibilitar, através da análise e discussão dos problemas


educacionais brasileiros, que se tome consciência do papel
/ responsabilidade que temos no processo de produção
/ transformação da sociedade enquanto ser concreto e
historicamente situado (PUCSP, 1988, p. 1, grifo meu).

Esta disciplina deverá [...] dar suporte e subsidiar a reflexão


sobre a problemática educacional brasileira, desde o
desvendamento da sua emersão no bojo do processo histórico,
até a elaboração dos projetos possíveis de transformação da
realidade nacional brasileira (PUCSP, 1991, p. 1, grifo meu).

Parte significativa do alunado da Pós-Graduação em


Educação da PUC de São Paulo, nesse período, era oriunda
de redes públicas de ensino. Em geral, professores do então
primeiro e segundo graus, diretores de escola e supervisores
de ensino. Fui um desses alunos. Na época, eu era professor
de História recém-formado, que acabara de conhecer um
grupo de professores na primeira escola pública em que
trabalhava. Esse grupo chamou minha atenção, tanto por
suas práticas pedagógicas, quanto, principalmente, por
suas práticas políticas – sem querer, com essa diferenciação
que aqui faço entre prática pedagógica e política, eliminar
a natureza política da primeira e a natureza pedagógica da
segunda; essa diferenciação objetiva apenas destacar o que
é sobredeterminante em uma e em outra prática. Dois dos
integrantes desse grupo eram alunos da Pós-Graduação em
Educação (Filosofia da Educação) na PUC de São Paulo.
Foi assim, por intermédio deles, que eu cheguei a esse

213
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Programa, em 1983.2
Nos anos de 1980, os programas de pós-graduação em
Educação no Brasil somavam pouco mais que duas dezenas e
vinculavam-se, em sua esmagadora maioria, às universidades
situadas na Região Sudeste do País, sobretudo nos Estados de
São Paulo e do Rio de Janeiro (BARREIRA, 1995, p. 22). Um
dos primeiros programas, na área da Educação, criados no
País foi o da PUC de São Paulo, cujas atividades tiveram início
em 1971, conforme o mesmo autor. Seja por ter sido um dos
pioneiros na área, seja pela qualidade acadêmica conquistada
ao longo dos seus 40 anos de existência, esse Programa passou
a ser uma das principais referências na área da Educação.
Foi principalmente pelas razões acima expostas que
decidi estudar, analisar e apresentar, neste texto, os programas
da disciplina História da Educação Brasileira, elaborados
por professores da PUC de São Paulo que atuavam na Pós-
Graduação em Educação, na década de 1980.3 Embora
responsáveis pela disciplina, esses professores, a julgar
pelas inúmeras evidências encontradas nos programas
analisados, procuravam, tanto quanto possível, incorporar
aspectos (abordagens, conteúdos e bibliografia) de programas
anteriores em “suas” propostas de programa. Havia uma

2
Em 1989, concluí o meu curso de mestrado (História e Filosofia da Educação)
nesse Programa. Em 1995, após a conclusão do doutorado em Educação
(Filosofia e História da Educação) na Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas, ingressei no Programa da PUC de São Paulo como
docente e fui um dos professores responsáveis pela disciplina História da
Educação Brasileira, ao lado de Maria Helena Bittencourt Granjo, até o ano
de 2000-2001. Depois disso, continuei a ministrar essa mesma disciplina em
outros programas de pós-graduação em Educação, no Estado de São Paulo.
3 Os programas da disciplina História da Educação Brasileira, considerados
neste estudo, foram: 1) Programa da disciplina “História da Educação
Brasileira I”, ministrada pela professora Mirian Jorge Warde, no segundo
semestre letivo de 1984; 2) Programa da disciplina “História da Educação
Brasileira I”, ministrada pela professora Ediógenes Aragão, no primeiro
semestre letivo de 1985; 3) Programa da disciplina “História da Educação
Brasileira”, ministrada pela professora Ediógenes Aragão Santos, no primeiro
semestre letivo de 1988; 4) Programa da disciplina “História da Educação
Brasileira”, ministrada pela professora Maria Elisabete Sampaio Prado Xavier,
no primeiro semestre letivo de 1991.

214
O ensino de história da educação

prática, na Pós-Graduação em Educação da PUC de São


Paulo, de discussão de todas as questões atinentes aos cursos
de mestrado e de doutorado do programa, dentre as quais as
concernentes à composição das matrizes curriculares desses
cursos. Discutiam-se, inclusive, as propostas de programa
para as diferentes disciplinas e atividades programadas que
comporiam tais matrizes. A última palavra sempre coube,
entretanto, ao Colegiado do programa, que era composto
pela totalidade dos membros do seu corpo docente e por uma
representação – em alguns momentos, paritária – do seu corpo
discente. Há que se ter cuidado, portanto, quanto à autoria
dessas propostas, pois, a nosso ver, elas resultam muito mais
do esforço de construção de um consenso quanto ao lugar e
ao papel que a disciplina deveria desempenhar no processo
de formação dos alunos da pós-graduação em educação, do
que obra exclusivamente individual.
A escolha da década de 1980 deveu-se, basicamente,
a acontecimentos decisivos que marcaram a história da Pós-
Graduação em Educação da PUC de São Paulo. A redefinição
das suas áreas de concentração talvez tenha sido um dos
acontecimentos mais importantes e significativos de todos. Até
o final da década aqui focalizada, essas áreas eram: Filosofia
da Educação e Educação Escolar Brasileira. A partir de então,
ambas deram lugar a uma terceira, qual seja, História e
Filosofia da Educação. Tal redefinição não deixa de ser uma
evidência da importância e do espaço que a disciplina História
da Educação vinha adquirindo no âmbito da pós-graduação
em Educação.
Nos estudos que fizemos dos programas da disciplina
História da Educação Brasileira selecionados, ativemo-nos
não apenas aos objetivos e conteúdos neles privilegiados,
mas também focalizamos textos e autores propostos como
bibliografia básica, ou de apoio às discussões que seriam
realizadas em sala de aula. Como se verá, entendia-se que
o percurso formativo dos alunos não poderia prescindir

215
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

de leituras formadoras, de leituras que possibilitassem a


compreensão de como a educação fora pensada e praticada
na sociedade brasileira, desde a época do assim denominado
“descobrimento” do País, até aqueles malfadados anos de
regime militar (1964-1985). Embora fosse muito semelhante
o entendimento que os professores responsáveis por essa
disciplina tinham do papel político-social a ser por ela
desempenhado naquele momento, a escolha e o uso que
fizeram da bibliografia, por meio da qual os objetivos traçados
para a disciplina seriam alcançados, apresentam diferenças,
algumas delas bastante significativas. Destacar essas
diferenças, compreender e apreender o significado histórico
das práticas discursivas desses professores é um dos principais
objetivos deste trabalho.

O trato concreto da educação brasileira

O programa da disciplina História da Educação Brasileira


– I, referente ao segundo semestre de 1984 (PUC, 1984, p. 1),
traz os seguintes objetivos:

1.1 Possibilitar a compreensão da educação brasileira sob a


perspectiva histórica;
1.2 Contribuir para a apreensão da educação como momento
da totalidade social;
1.3 Oferecer subsídios para a investigação histórica da
educação brasileira.

Nesses objetivos, a proposição de que a educação


deveria ser compreendida “sob a perspectiva histórica”
pode ser tomada como sinônimo da proposição apresentada
na sequência, segundo a qual a educação deveria ser
apreendida como “momento da totalidade social”. A noção
de “totalidade”, aqui, remete a uma concepção de história
que, à luz da descrição dos conteúdos disciplinares propostos

216
O ensino de história da educação

nesse programa, quer ser materialista. Esses objetivos também


evidenciam uma clara preocupação de natureza formativa. O
primeiro e o segundo encontram-se especialmente voltados
para a formação do ser social, pois visam a fazer com que
o alunado aprenda a “tudo pensar historicamente” (VILAR,
1976, p. 178). Já o terceiro objetivo contempla uma especial
preocupação com a formação de pesquisadores no campo
da Educação, sobretudo daqueles interessados em realizar
investigações nos domínios de Clio.
Uma análise atenta dos conteúdos disciplinares e da
bibliografia (básica e de apoio) propostos nesse programa,
com vistas à consecução dos objetivos nele apresentados,
revela, entretanto, uma visão economicista e “etapista” da
história. A educação, como “momento da totalidade social”,
seria, de acordo com esse programa, determinada pelo
desenvolvimento econômico da sociedade e analisada à luz
de determinados marcos temporais, supostamente intrínsecos
à educação. Assim é que a educação (especialmente
a organização escolar, as tendências do pensamento
educacional e as políticas educacionais oficiais) deveria ser
abordada (estudada, investigada, compreendida) à luz das
conjunturas políticas, que refletiam o movimento estrutural da
sociedade brasileira. Ou seja, a partir de 1870, quando, em
tese, ter-se-ia iniciado o processo de transição de um modo
de produção – não identificado no programa da disciplina,
mas supostamente pré-capitalista (feudal, ou escravagista) –
para o modo de produção capitalista propriamente dito. Essa
transição estender-se-ia, também em tese, até 1920. A partir daí
e até 1955, buscar-se-ia compreender a educação (identificar
as suas principais características) à luz do “[...] processo de
consolidação das relações capitalistas” (PUC, 1984, p. 1)
no Brasil. Esse mesmo procedimento de compreensão da
educação (de identificação das suas principais características)
estaria presente nos estudos do último período da história
do desenvolvimento econômico do País contemplado no

217
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

programa da disciplina, qual seja o correspondente ao “[...]


processo de transição para o capitalismo monopolista” (PUC,
1984, p. 1), iniciado em 1955 e finalizado em 1968. Embora
não contemplado no referido programa, presume-se que, de
acordo com a sequência lógico-histórica nele observada,
a educação seria investigada com base no processo de
consolidação do capitalismo, em sua etapa monopolista de
desenvolvimento.
A bibliografia (básica e de apoio) desse programa
corrobora a análise e avaliação aqui apresentada. História e
verdade, de Adam Schaff, e Maquiavel, a política e o Estado
Moderno (“Análise das Situações. Relações de Forças”), de
Antonio Gramsci, são os textos oferecidos aos alunos como
bibliografia de apoio, nos quais poderiam ser encontradas
“[...] algumas referências historiográficas para o trato concreto
[histórico] da educação brasileira” (PUC, 1984, p. 1).
Educação popular e educação de adultos, de Vanilda Paiva,
História da educação brasileira, de Maria Luísa Santos Ribeiro,
A Universidade temporã, de Luiz Antônio Cunha, A educação
na Primeira República, de Jorge Nagle e Expansão cafeeira
e origens da indústria no Brasil, de Sérgio Silva, constituem
a espinha dorsal da bibliografia de apoio para se conhecer
e compreender “[...] a educação brasileira no processo de
transição para o modo de produção capitalista (1870-1920)”
(PUC, 1984, p. 1). Nesse período, os temas recortados para
estudo seriam: “[...] a organização escolar, as tendências do
pensamento educacional, a política educacional oficial e o
embate das tendências políticas na educação” (PUC, 1984,
p. 1).
Dada a importância que o programa da disciplina História
da Educação Brasileira – I, referente ao segundo semestre
de 1984, atribuía à etapa correspondente ao processo de
consolidação das relações capitalistas no Brasil (1920-1955),
esse período seria subdividido e abordado em duas partes.
A primeira delas avançaria no tempo até o golpe de estado

218
O ensino de história da educação

de 1937 e a segunda contemplaria os momentos históricos


seguintes, até 1955. Educação e sociedade na Primeira
República, de Jorge Nagle, Educação popular e educação de
adultos, de Vanilda Paiva, e ideologia e educação brasileira,
de Carlos Roberto Jamil Cury, constituem a bibliografia básica
para a análise do período de 1920 a 1937. Educação popular
e educação de adultos, de Vanilda Paiva, A Universidade
temporã, de Luiz Antônio Cunha e Historia da educação
no Brasil, de Otaíza Romanelli constituem, por sua vez, a
bibliografia básica para a análise do período seguinte: de
1937 a 1955. Em ambas as partes, entretanto, as discussões
deveriam incidir sobre as principais características da
educação, especialmente no tocante à organização escolar.
Por fim, para a compreensão desses mesmos aspectos da
educação brasileira na etapa correspondente ao “[...] processo
de transição para o capitalismo monopolista (1955-1968)”
(PUC, 1984, p. 1), a bibliografia básica foi assim composta:
Educação popular e educação de adultos, de Vanilda Paiva,
História da educação no Brasil, de Otaíza Romanelli e
Educação e desenvolvimento social no Brasil, de Luiz Antônio
Cunha.
Os procedimentos de periodização adotados nesse
programa parecem sugerir uma preponderância da
infraestrutura sobre a superestrutura, apesar da presença de
um dos textos de Antonio Gramsci na bibliografia de apoio
para o “[...] trato concreto da educação brasileira” (PUC,
1984, p. 1).
Para que se tenha uma visão de conjunto do que foi até
aqui exposto, apresento, no quadro a seguir, os autores e textos
citados, os quais deveriam embasar as discussões feitas em
sala de aula sobre a educação brasileira nas diferentes fases de
desenvolvimento da sociedade brasileira.

219
ESTÁGIO DE
DESENVOLVIMENTO
AUTORES TEXTOS
ECONÔMICO
- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte: (“A Educação
Popular”): 1.1 – “A Educação Popular na Colônia”; 1.2 – “A
Educação Popular no Século XIX”; 1.3 – “A Educação Popular na
Vanilda Paiva Primeira Metade da República Velha”; 2.1 – “O Nacionalismo e a
Educação Popular: O ‘Entusiasmo pela Educação’”; 2.2 – “Iniciativas
da União no Terreno do Ensino Elementar”)
Processo de transição - História da Educação Brasileira (4º período: 1870 a 1894 – “Crise
para o modo de Maria Luísa do Modelo Agrário-Comercial-Exportador Dependente e Tentativa
produção capitalista S. Ribeiro de Incentivo à Industrialização”; 5º período: 1894-1920 – “Ainda o
(1870-1920) Modelo Agrário-Comercial-Exportador Dependente”)
Luiz Antônio -deA Vargas
Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era
(cap. II – “O Ensino Superior no Império”; cap. III – “O
Cunha Ensino Superior na Primeira República”)
Educação na Primeira República” (In: História Geral da
Jorge Nagle “ACivilização Brasileira)
Sérgio Silva - Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil (na íntegra)
Jorge Nagle - Educação e Sociedade na Primeira República (na íntegra)
Processo de - Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte (“A Educação
consolidação das Vanilda Paiva Popular”): 2.3 – “As Reformas Educativas dos Anos 20”; 3.1 – “A
relações capitalistas – Segunda República e a Educação Popular”)
Primeira etapa (1920- Carlos
1937) Roberto J. - Ideologia e Educação Brasileira (na íntegra)
Cury
- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte (“A Educação
Popular”): 3.2 – “A Educação Popular no Estado Novo”; 4 – “O
Ensino Elementar após a Criação do FNEP”; 3ª parte (“A Educação
Vanilda Paiva dos Adultos”): 1 – “Primeiras Iniciativas”; 2 – “O Período
1946/1964: Primeiras Iniciativas Oficiais de Âmbito Nacional”; 3 –
“O Período 1958/1964: Novas Idéias em Matéria de Educação de
Processo de Adultos”; 3.1 – “O II Congresso Nacional de Educação de Adultos”;
consolidação das 3.2 – “A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo”).
relações capitalistas – Luiz Antônio - A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de
Segunda etapa (1937- Cunha Vargas (cap. IV - – “O Ensino Superior na Era de Vargas”)
1955) - História da Educação Brasileira (cap. 4 – “A Organização do
Ensino e o Contexto Sócio-Político Após 1930”; itens: 4.4 – “As
Lutas Ideológicas em torno da Educação na Primeira Fase do Novo
Otaíza Regime”; 4.5 – “As Leis Orgânicas do Ensino”; 4.6 – “A Legislação
Romanelli Complementar das Reformas do Ensino Profissional”; 4.7 – “A
Constituição de 1946 e as Novas Lutas Ideológicas em torno das
Diretrizes e Bases da Educação Nacional”)
- Educação Popular e Educação de Adultos (3ª parte (“A Educação
dos Adultos”): 3 – “O Período 1958/1964: Novas Idéias em Matéria
de Educação de Adultos”; 3.3 – “A Mobilização Governamental no
Início dos Anos 60”; 3.4 – “Os Movimentos Ligados à Promoção da
Cultura Popular”; 3.5 – “O I Encontro Nacional de Alfabetização
Vanilda Paiva e Cultura Popular”; 3.6 – “Difusão e Prática das Novas Idéias
Processo de transição Pedagógicas”; 4 – “O Período Pós-1964: Uma Nova Fase na
para o capitalismo Educação dos Adultos”; 4.1 – “A Retomada do Problema pelo MEC:
monopolista (1955- O Plano Complementar”; 4.2 – “A Cruzada ABC”; 4.3 – “A Retração
1968) do MEB”; 4.4 – “O Seminário sobre Educação e Desenvolvimento”;
4.5 – “Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)”)
Otaíza - História da Educação Brasileira (cap. 5 – “A Política Educacional
Romanelli dos Últimos Anos” – pós-64)
Luiz Antônio Educação e Desenvolvimento Social no Brasil (na íntegra)
Cunha
Quadro 1. Programa de 1984: bibliografia básica.
O ensino de história da educação

Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Programa de


Estudos Pós-Graduados em Educação: Filosofia da Educação e Educação
Escolar Brasileira. Disciplina História da Educação Brasileira – I. Professora
Mirian Jorge Warde. 2º Semestre de 1984.

Conscientizar-se do processo de produção e transformação


da sociedade (1ª parte)

O programa da disciplina História da Educação


Brasileira referente ao 1º semestre de 1985 (PUCSP, 1985)
apresenta mudanças significativas quando comparado com
o programa do semestre anterior. As diferenças evidenciam-
se desde os objetivos traçados em um e outro programa.
No programa de 1985, os objetivos desdobram-se em
“gerais” e “específicos”. Com a denominação de “gerais”,
foram mantidos os três objetivos da proposta anterior, com
uma pequena, porém significativa, alteração na redação
do terceiro: o qualificativo “teórico-metodológico” foi
acrescentado ao termo “subsídios”. Esses subsídios seriam
oferecidos aos alunos, tendo em vista a investigação histórica
da educação brasileira. Um quarto objetivo foi acrescentado,
com a seguinte redação: “[...] fornecer elementos para que
se tome consciência do papel/responsabilidade que temos no
processo de produção/transformação da sociedade enquanto
ser concreto e historicamente situado” (PUCSP, 1985, p.
1). Com a denominação de “objetivos específicos”, foram
definidos os seguintes:

1. Análise e discussão dos problemas educacionais brasileiros


a cada momento histórico. A escola como um dos indicadores
da realidade social, que é constantemente produzida.
2. Análise das diferentes classes/camadas sociais usuárias ou
demandatárias da escola. Como e por que lutam ou fazem
resistências às leis, reformas ou propostas educacionais do
seu tempo.
3. Análise das idéias predominantes na educação a cada
momento e quais os interesses que são favorecidos com a
adoção das diferentes leis, reformas ou propostas educacionais
(PUCSP, 1985, p. 1).

221
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

O termo “historiografia” foi introduzido no programa de


1985. Sua presença ocorre logo na primeira unidade desse
programa, intitulada “Leitura e Análise de Textos Referentes
à História e Historiografia”, cujo objetivo foi assim definido:
“[...] oferecer subsídios teórico-metodológicos para a
investigação histórica da educação brasileira” (PUCSP, 1985,
p. 2). Nessa unidade, o aluno seria instado a refletir sobre
alguns temas e questões historiográficos, tais como: “o que é a
História”, “qual o objeto da História”, “os diversos conteúdos
do termo História” e “as diversas concepções de História”
(PUCSP, 1985, p. 2). Essa reflexão se faria ancorada na leitura
dos mesmos textos e autores indicados na proposta anterior,
quais sejam, “Análise das situações: relações de força”, de
Antonio Gramsci (extraído do livro Maquiavel, a política e o
Estado Moderno), e História e verdade, de Adam Schaff (na
íntegra), mas com o acréscimo de um terceiro: A concepção
materialista da história, de Plekhanov (na íntegra).
A segunda unidade é inédita e recebeu o seguinte título:
“O Sistema Mercantilista e sua Relação com a Educação. A
Predominância dos Interesses Mercantis sobre os Interesses
Religiosos”. Trata-se de um bloco de leituras que procura
contemplar o período histórico anterior a 1870 (marco temporal
inicial da proposta anterior), cujo início coincide com a chegada
dos jesuítas ao Brasil, em 1549, avançando no tempo, até
alcançar 1850. Nenhuma explicação é dada para este último
recorte temporal. Nenhum comentário se faz, também, sobre
os 20 anos seguintes, uma vez que o ano de 1870 é tomado
como marco temporal inicial da etapa seguinte do processo
de desenvolvimento econômico do País. Os temas focalizados
nessa unidade são: “[...] a educação jesuítica no Brasil, a fase
pombalina e a fase joanina” (PUCSP, 1985, p. 2). A bibliografia
indicada para dar suporte às discussões privilegiadas nessa
unidade é bastante vasta. Com exceção dos textos de Luiz
Antônio Cunha, A Universidade temporã, e de Maria Luísa
Santos Ribeiro, História da educação brasileira, presentes na

222
O ensino de história da educação

proposta anterior, mas explorados em partes distintas, foram


indicados os textos relacionados no quadro a seguir.

AUTORES TEXTOS
Laerte R. de Carvalho - As Reformas Pombalinas da Instrução Pública
- Da Monarquia à República – Momentos Decisivos.
Emília Viotti da Costa - “Introdução à Emancipação Política do Brasil” (In: Brasil em
Perspectiva1)
- “O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colonial” (In: Brasil
Fernando Novaes em Perspectiva)
- “Sentido da Colonização, Modo de Produção e História
Nilo Odália Colonial” (In: Revista Debate e Crítica nº 4)
José Maria de Paiva - Colonização e Catequese
- História da Educação Brasileira (1º período: “1549 a 1808 –
Consolidação do Modelo Agrário-Exportador Dependente”; 2º
Maria Luísa S. Ribeiro período: “1808 a 1850 – Crise do Modelo Agrário-Exportador
Dependente e Início da Estruturação do Modelo Agrário-
Comercial-Exportador Dependente”)
Luiz Antônio Cunha -deA Vargas
Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era
(cap. I – “O Ensino Superior na Colônia”)
Quadro 2. Programa de 1985: bibliografia da segunda unidade.
Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Filosofia da Educação. Disciplina História da
Educação Brasileira – I. Professora Ediógenes Aragão. 1º Semestre de 1985.

As três unidades que dão sequência à unidade acima


apresentada são praticamente idênticas as três últimas unidades
da proposta anterior, todavia apenas no que diz respeito aos
conteúdos nelas abordados. Pequenas, porém significativas
mudanças foram introduzidas, tais como: a substituição da
expressão “caracterização da educação no período”, presente
na proposta anterior, pela expressão “contextualização” da
educação; a inclusão, na bibliografia básica, de documentos
históricos e textos de autoria de uma geração de intelectuais
bastante atuantes no campo da Educação, entre os anos
20 e 70 do século XX, além de outros textos de autores
contemporâneos, como demonstrado no quadro a seguir.

223
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

AUTOR TEXTO

- O Manifesto Republicano de 1870 – A Idéia


Reynaldo C. Pessoa Republicana

- Constituição Republicana de 1891

- “Problemas da Industrialização no Século XX” (In:


Gabriel Cohn Brasil em Perspectiva)
- Formação Histórica do Brasil (caps. “Império” e
Nelson Werneck Sodré “República”)
- A Reforma do Ensino no Distrito Federal (discursos e
Fernando de Azevedo entrevistas)
- Tendências da Educação Brasileira
Manoel B. Lourenço Filho - Introdução ao Estudo da Escola Nova

Anísio Teixeira - Educação para a Democracia

Fernando de Azevedo e outros - O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (de 1932)

Dermeval Saviani - Escola e Democracia

Octávio Ianni - Estado e Planejamento Econômico no Brasil

Getúlio Vargas - Discursos de 31/12/51, de 01/05/51 e de 01/05/52

Quadro 3. Programa de 1985: bibliografia da terceira, quarta e quinta


unidades (inclusões)
Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Filosofia da Educação. Disciplina História da
Educação Brasileira – I. Professora Ediógenes Aragão. 1º Semestre de 1985.

Além dos textos e autores arrolados no quadro anterior,


outros que foram contemplados na proposta anterior também
foram nesta considerados. O quadro a seguir traz esses textos
e autores, cuja presença, nesta e naquela proposta, parece
querer indicar um percurso de leituras formadoras a orientar as
práticas do ensino da disciplina História da Educação Brasileira
no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação da PUC
de São Paulo, nos anos 80 do século XX.

224
O ensino de história da educação

AUTORES TEXTOS

- A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas


Luiz (cap. II – “O Ensino Superior no Império”, cap. III – “O Ensino Superior na
Antônio Primeira República” e cap. IV – “O Ensino Superior na Era de Vargas”)
Cunha - Educação e Desenvolvimento Social no Brasil (na íntegra)
- “A Educação na Primeira República” (In: História Geral da Civilização
Jorge Nagle Brasileira).
- Educação e Sociedade na Primeira República (na íntegra)
- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte – “A Educação
Popular”: 1. “A Educação Popular no Brasil até o Início do Século
XX”; 2. “A Luta pela Difusão do Ensino Elementar no Final da Primeira
Vanilda República”; 3. “A Revolução de 30 e a Educação Popular”; 4. “O Ensino
Paiva Elementar após a Criação do FNEP”; 3ª parte – “A Educação de Adultos”:
1. “Primeiras Iniciativas”; 2. “O Período 1946/1958: Primeiras Iniciativas
Oficiais no Âmbito Nacional”; 3. “O Período 1958/1964: Novas Idéias em
Matéria de Educação de Adultos”)

Sérgio Silva - Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil


Carlos
Roberto J. - Ideologia e Educação Brasileira (na íntegra)
Cury
- História da Educação no Brasil (cap. 4 – “A Organização do Ensino e
o Contexto Sócio-Político Após 1930”; itens: 4.4 – “As Lutas Ideológicas
Otaíza em torno da Educação na Primeira Fase do Novo Regime”; 4.5 – “As Leis
Romanelli Orgânicas do Ensino”; 4.6 – “A Legislação Complementar das Reformas
do Ensino Profissional”; 4.7 – “A Constituição de 1946 e as Novas Lutas
Ideológicas em torno das Diretrizes e Bases da Educação Nacional”)
Quadro 4. Programa de 1985: bibliografia da terceira, quarta e quinta
unidades (permanências)
Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Filosofia da Educação. Disciplina História da
Educação Brasileira – I. Professora Ediógenes Aragão. 1º Semestre de 1985.

Uma última unidade fecha, por assim dizer, a análise


da educação nas diferentes etapas do desenvolvimento
econômico da sociedade brasileira. Trata-se de uma unidade
que não integrava a proposta anterior e que versa sobre “[...]
a educação brasileira e a consolidação e integração do Brasil
ao capitalismo monopolista” (PUCSP, 1985, p. 3). Os aportes
necessários à análise dessa etapa seriam extraídos dos textos e
autores apresentados no quadro a seguir.

225
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

AUTORES TEXTOS
- Educação Popular e Educação de Adultos (3ª parte – “A Educação de
Adultos”: 3. “O Período 1958/1964: Novas Idéias em Matéria de Educação de
Vanilda Paiva Adultos”; 4. “O Período Pós-1964: Uma Nova Fase da Educação dos Adultos”).
- “Anotações para um Estudo sobre Populismo Católico e Educação no Brasil”
(In: Perspectivas e Dilemas da Educação Popular2)
Hélio Jaguaribe - Problemas do Desenvolvimento Latino-Americano
- História da Educação no Brasil (cap. 5 – “A Política Educacional dos Últimos
Otaíza Romanelli Anos” – após 1964)
Juan Carlos Tedesco - “Reproductivismo Educativo y Setores Populares em America Latina”
Quadro 5 - Programa de 1985: bibliografia da sexta unidade
Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Filosofia da Educação. Disciplina História da
Educação Brasileira – I. Professora Ediógenes Aragão. 1º Semestre de 1985.

Em síntese, esse programa amplia o recorte temporal


que deveria ser abarcado pela disciplina, fazendo com que
a análise da educação brasileira principiasse com o estudo
do sistema colonial mercantilista e a chegada dos jesuítas ao
Brasil, estendendo-se até meados da década de 1980, com o
estudo do processo de consolidação e integração do Brasil ao
capitalismo monopolista e das políticas educacionais relativas
à educação popular e à educação de adultos.

Conscientizar-se do Processo de Produção e Transformação


da Sociedade (2ª parte)

Três anos depois, outra versão (PUCSP, 1988) desse se-


gundo programa da disciplina História da Educação Brasileira
deixa de fazer menção aos ciclos, ou fases de desenvolvimen-
to econômico do País. Os conteúdos a serem trabalhados nas
cinco unidades – que eram seis na versão anterior – não são
oferecidos. Para cada uma dessas cinco unidades, apenas um
rol de textos é indicado. Com exceção da primeira, intitulada
“Subsídios teórico-metodológicos para a compreensão históri-
ca da realidade brasileira”, as demais unidades não são identi-
ficadas. Verifica-se, ainda, uma redução bastante significativa
da carga de leitura. Textos e autores são excluídos da progra-
mação, mas alguns outros são incluídos. Esse movimento de
textos e autores evidencia mudanças bastante significativas,
como se pode observar nos quadros a seguir.
226
O ensino de história da educação

UN. AUTORES TEXTOS


1 Gheorghi V. Plekhanov - A Concepção Materialista da História
Laerte R. de Carvalho - As Reformas Pombalinas da Instrução Pública
- “Sentido da Colonização, Modo de Produção e História Colonial” (In: Revista
Nilo Odália Debate & Crítica nº 4)
José Maria de Paiva - Colonização e Catequese
2 - História da Educação Brasileira (1º período: “1549 a 1808 – Consolidação do
Maria Luísa S. Ribeiro Modelo Agrário-Exportador Dependente”; 2º período: “1808 1 1850 – Crise do
Modelo Agrário-Exportador Dependente e Início da Estruturação do Modelo
Agrário-Comercial-Exportador Dependente”)
- Constituição Republicana de 189
- A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap.
Luiz Antônio Cunha II – “O Ensino Superior no Império” e cap. III – “O Ensino Superior na Primeira
República”)
- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte: (“A Educação Popular”):
3 1.1 – “A Educação Popular na Colônia”; 1.2 – “A Educação Popular no Século
Vanilda Paiva XIX”; 1.3 – “A Educação Popular na Primeira Metade da República Velha”; 2.1
– “O Nacionalismo e a Educação Popular: O ‘Entusiasmo pela Educação’”; 2.2
– “Iniciativas da União no Terreno do Ensino Elementar”)
Gabriel Cohn - “Problemas da Industrialização no Século XX” (In: Brasil em Perspectiva)
Sérgio Silva - Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil
Nelson Werneck Sodré - Formação Histórica do Brasil
Fernando de Azevedo - A Reforma do Ensino no Distrito Federal (discursos e entrevistas)
Lourenço Filho - Tendências da Educação Brasileira
Anísio Teixeira - Educação para a Democracia
Fernando de Azevedo - O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)
e outros
Jorge Nagle - Educação e Sociedade na Primeira República
- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte (“A Educação Popular”):
2.3 – “As Reformas Educativas dos Anos 20”; 3.1 – “A Segunda República e a
Educação Popular”; 3.2 – “A Educação Popular no Estado Novo”; 4 – “O Ensino
4 Elementar após a Criação do FNEP”; 3ª parte (“A Educação dos Adultos”): 1 –
Vanilda Paiva “Primeiras Iniciativas”; 2 – “O Período 1946/1964: Primeiras Iniciativas Oficiais
de Âmbito Nacional”; 3 – “O Período 1958/1964: Novas Idéias em Matéria
de Educação de Adultos”; 3.1 – “O II Congresso Nacional de Educação de
Adultos”; 3.2 – “A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo”)
Carlos Roberto J. Cury - Ideologia e Educação Brasileira.
- A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap.
Luiz Antônio Cunha IV – “O Ensino Superior na Era de Vargas”)
Getúlio Vargas - Discursos de: 31/12/51, 01/05/51 e 01/05/52
5 Luiz Antônio Cunha - Educação e Desenvolvimento Social no Brasil
Hélio Jaguaribe - Problemas do Desenvolvimento Latino-Americano
6 - História da Educação no Brasil (cap. 5 – “A Política Educacional dos Últimos
Otaíza Romanelli Anos”)
Juan Carlos Tedesco - “Reproductivismo Educativo y Setores Populares en America Latina”
Quadro 6. Programa de 1988: bibliografia excluída.
Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: Filosofia da Educação. Disciplina História da Educação Brasileira – I. Professora
Ediógenes Aragão. 1º Semestre de 1985.
Legenda:
Unidade 1 – Subsídios teórico-metodológicos para a compreensão histórica da educação brasileira.
Unidade 2 – O sistema colonial mercantilista e sua relação com a educação. A predominância dos
interesses mercantis sobre os interesses religiosos (1550-1850).
Unidade 3 – A educação brasileira no processo de transição pra o modo de produção capitalista (1870-1920).
Unidade 4 – A educação brasileira no processo de consolidação das relações capitalistas (1920-1955).
Unidade 5 – A educação brasileira no processo de transição para o capitalismo monopolista (1955-1968).
Unidade 6 – A educação brasileira e a consolidação e integração do Brasil ao capitalismo monopolista (1970).
227
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Esse quadro chama a atenção, sobretudo pelo número


de textos e autores que foram excluídos da programação da
disciplina, praticamente em todas as unidades, sendo uma
delas, a quinta, totalmente eliminada. Na versão anterior
desse programa, a quinta unidade focalizava “[...] a educação
brasileira no processo de transição para o capitalismo
monopolista (1955-1968)”. Não apenas os textos, ou partes de
textos de autores que discutem questões e temas relativos ao
desenvolvimento econômico do País foram eliminados dessa
proposta, mas também textos e segmentos de textos de autores
situados no campo da Educação, como os de Fernando de
Azevedo e Anísio Teixeira, por exemplo. Alguns documentos
históricos também foram eliminados. Chama a atenção,
ainda, o fato de terem sido excluídos textos como Educação
e sociedade na Primeira República, de Jorge Nagle, mas
preservados outros, como Educação na Primeira República,
desse mesmo autor, que é uma versão bastante resumida e
simplificada do primeiro.

UN. AUTORES TEXTOS


1 Karl Marx - Contribuição à Crítica da Economia Política
2 Luis Antonio Verney - O Verdadeiro Método de Ensinar
3 Boris Fausto - “A Revolução de 1930” (In: Brasil em Perspectiva)
- “O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas
4 Paschoal Lemme Repercussões na Realidade Educacional” (In: Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos nº 150)
Luiz Antônio Cunha -Argumento
“O Milagre Brasileiro e a Política Educacional” (In: Revista
5 nº 2)
Quadro 7 - Programa de 1988: bibliografia incluída.
Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: Filosofia da Educação. Disciplina História da
Educação Brasileira. Professora Ediógenes Aragão Santos. 1º Semestre de 1988.

Em comparação com o número de textos e autores


excluídos da programação da disciplina, o número de textos e
autores que foram nela incluídos é significativamente menor.
Também aqui se faz presente uma preferência por textos
que resumem outros, como o de Boris Fausto, por exemplo.

228
O ensino de história da educação

A leitura do Manifesto dos pioneiros da educação nova dá


lugar à leitura de uma avaliação desse documento, feita anos
depois por Paschoal Lemme, intelectual reconhecidamente
“de esquerda”, seja por seus pares, seja pela historiografia
da educação brasileira, e também um dos ilustres signatários
do referido documento. Parece haver, nesse programa, uma
tentativa de atualização da bibliografia até então trabalhada
na disciplina, pelo menos no que diz respeito a algumas
unidades. Parece haver, ainda, interesse em debater temas e
questões propriamente pedagógicos, como os métodos de
ensino, por exemplo.
Os textos de Antonio Gramsci, Adam Schaff, Fernando
Novaes, Luiz Antônio Cunha, Emília Viotti da Costa, Reynaldo
Pessoa, Jorge Nagle, Lourenço Filho, Otaíza Romanelli,
Dermeval Saviani e Vanilda Paiva, que já constavam do
programa referente ao ano de 1985, foram mantidos nesta
versão.
A julgar por essa intensa movimentação de textos e
autores, pode-se afirmar que essa versão do programa da
disciplina História da Educação Brasileira contempla uma
abordagem que parece não querer mais subsumir a educação
a modos de produção, pelo menos não de forma mecânica. É
o que a exclusão de certos textos e autores da programação,
como os de Gheorghi Valentinovitch Plekhanov, de Nelson
Werneck Sodré e de Maria Luísa Santos Ribeiro, por exemplo,
parece sugerir. Uma abordagem que enfatiza a importância
de se conhecer “[...] as ideias predominantes na educação”
em cada momento da história da sociedade brasileira (PUCSP,
1985, p. 1; PUCSP, 1988, p. 1). Uma abordagem, em síntese,
que abandona (sem, no entanto, criticar) as abordagens
economicistas da educação e sinaliza querer caminhar
na direção de uma história das ideias, de uma história do
pensamento pedagógico.

229
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

O conhecimento concreto da sociedade brasileira

A última das quatro propostas de programa para a


disciplina História da Educação Brasileira que estão sendo
aqui analisadas foi ensaiada em fins da década de 1980 e
início da década seguinte (PUCSP, 1991). Nessa proposta,
teses apresentadas e defendidas nas propostas anteriores são
confirmadas, e outras, que haviam desaparecido, reaparecem.
Pela primeira vez, entretanto, faz-se referência explícita, na
redação dos objetivos específicos da disciplina, às “ideologias
educacionais”.
Dentre as teses contempladas nos programas anteriores e
confirmadas por este último, está a necessidade de se entender
(mais do que investigar) a educação como “[...] realidade
histórica, [como] um momento da totalidade social, [ou seja,]
entender o fenômeno educacional dentro da realidade na qual
ele se produz e se justifica” (PUCSP, 1991, p. 1).
Uma das teses não contempladas no programa anterior
(PUCSP, 1988), mas de certa forma presente nos dois primeiros
(PUCSP, 1984; PUCSP, 1985), aqui reaparece, mas de forma
modificada. Ela se refere, basicamente, à compreensão que se
tinha da educação: se um reflexo (ou “desdobramento”) das
transformações que ocorrem na infraestrutura, se um conjunto
de práticas que independem dessas transformações, ou se com
elas se relaciona dialeticamente. De acordo com esse quarto
programa, desvendar “[...] as funções particulares da escola
e das ideologias educacionais [no processo de] constituição
e transformação da sociedade brasileira” (PUCSP, 1991, p. 1)
seria condição necessária, ainda que não suficiente, para se
compreender a singularidade desse processo. A compreensão
da singularidade desse processo é considerada fundamental,
pois ela seria a base e o fundamento da reflexão que se
poderia fazer sobre a problemática educacional particular da
sociedade. Essa compreensão da relação educação/sociedade
é assim justificada:

230
O ensino de história da educação

Ao privilegiar o conhecimento histórico da ordem econômi-


co-social nacional, assim como das ideologias que se pro-
duziram e se produzem ao longo do tempo para cimentá-la,
esta disciplina visa evitar as distorções apriorísticas e paradig-
máticas na compreensão da escola e da sociedade brasileira,
historicizando a reflexão em torno dos problemas e dos proje-
tos educacionais. Esse conhecimento concreto da sociedade
brasileira e da realidade educacional que nela e com ela se
produziu não apenas revelará ao aluno os seus traços carac-
terísticos, como as suas tendências próprias de evolução e,
conseqüentemente, as suas condições específicas de supera-
ção. Esta disciplina deverá, portanto, dar suporte e subsidiar a
reflexão sobre a problemática educacional brasileira, desde o
desvendamento da sua emersão no bojo do processo históri-
co, até a elaboração dos projetos possíveis de transformação
da realidade nacional brasileira (PUCSP, 1991, p. 1).

Tem-se aqui uma proposta que explicita uma compreensão


que se quer e se apresenta como uma compreensão sintética
das relações entre educação e sociedade – talvez não seja
demasiado afirmar que circunscrevo minha análise ao plano
das práticas estritamente discursivas.
A consecução desses objetivos far-se-ia por meio da
discussão de “problemas educacionais” gerados:

2.1 No seio da sociedade de tipo colonial, gestada pelas


formas primitivas da dominação capitalista;
2.2 No seu processo peculiar de emancipação política, que
reforçou a sua dependência em relação às novas formas de
reprodução do capital em escala mundial;
2.3 No amadurecimento das relações internas de dominação
capitalista, da sociedade escravista à “Civilização do Café”;
2.4 Na consolidação e na definição dos traços característicos
da ordem econômico-social capitalista do país, da arrancada
“nacional desenvolvimentista” ao “modelo de desenvolvi-
mento associado” (PUCSP, 1991, p. 2).

Dos quatro momentos históricos privilegiados neste


programa da disciplina História da Educação Brasileira, o
quarto momento, correspondente ao período de consolidação
da ordem econômico-social capitalista no País e é destacado

231
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

como o mais decisivo. As justificativas apresentadas para a


atribuição de tamanha importância a esse momento histórico
são as seguintes:

Esse é o momento em que não apenas se assentam as bases


da ideologia nacional, como se define a própria estrutura do
sistema nacional de ensino. Esses fatos representaram, daí o
significado particular que atribuímos a esse momento, o termo
de determinadas tendências seculares de desenvolvimento e a
emergência de traços que marcarão definitivamente a configu-
ração da realidade educacional brasileira, condicionando os
rumos da sua evolução (PUCSP, 1991, p. 2, grifo meu).

Por ser considerado o “pólo mais desenvolvido” – ou a


“anatomia do homem”, conforme Marx (1978, p. 120) – e,
portanto, o único capaz de explicar os momentos históricos
anteriores – ou a “anatomia do macaco”, também segundo
Marx (1978, p. 120) –, o período de consolidação da ordem
econômico-social capitalista no País é tomado como ponto de
partida dos estudos propostos. Em torno dele, “[...] as leituras e
as discussões previstas no desenvolvimento do curso [deveriam]
reconstituir o processo através do qual, em função de condições
econômico-sociais e político-ideológicas, determinadas
pelas formas específicas de penetração e avanço das relações
capitalistas no país” (PUCSP, 1991, p. 2), a sociedade brasileira
vinha produzindo as suas instituições educacionais.
Para bem conhecer e compreender esse decisivo
momento histórico de consolidação da ordem econômico-
social capitalista no Brasil e, a partir daí, retroceder no tempo
em busca das particularidades das formas “primitivas” da
educação brasileira, um pré-requisito se impunha: o estudo de
alguns pressupostos teórico-metodológicos para uma leitura
“correta” (marxista) da história.
O quadro a seguir visa a demonstrar como os textos (de
leitura obrigatória) foram distribuídos pelos cinco tópicos
privilegiados neste novo programa da disciplina História da
Educação Brasileira.

232
O ensino de história da educação

TÓPICO AUTORES TEXTOS


Adolfo Sánchez Vazquez - Filosofia da Praxis (2ª parte, cap. V – “Praxis, Razão, História”)
Luiz Pereira - Ensaios de Sociologia do Desenvolvimento
1
- Maquiavel, a Política e o Estado Moderno (parte I, item I –
Antonio Gramsci “Análise das Situações. Relações de Forças”)
- Capitalismo e Escola no Brasil: A Constituição do Liberalismo em
2.4 Maria Elisabete S. P. Xavier Ideologia Educacional e as Reformas do Ensino (1931-1961) (na
íntegra)
- “Sentido da Colonização, Modo de Produção e História
Nilo Odália Colonial” (In: Revista Debate & Crítica, nº 4)
- “O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colonial” (In: Brasil em
Fernando Novaes Perspectiva)
- A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de
2.1 Luiz Antônio Cunha Vargas (cap. I – “O Ensino Superior na Colônia”)
- História da Educação Brasileira: A Organização Escolar (1º
período: “1549 a 1808 – Consolidação do Modelo Agrário-
Maria Luísa S. Ribeiro Exportador Dependente”; 2º período: “1808 1 1850 – Crise do
Modelo Agrário-Exportador Dependente e Início da Estruturação
do Modelo Agrário-Comercial-Exportador Dependente”)
Maria Elisabete S. P. Xavier - Poder Político e Educação de Elite (na íntegra)
2.2 - “Introdução ao Estudo da Emancipação Política do Brasil” (In:
Emília Viotti da Costa Brasil em Perspectiva)
Jorge Nagle - Educação e Sociedade na Primeira República (na íntegra)
2.3
Luiz Antônio Cunha - A Universidade Crítica (na íntegra)
Paul Singer - A Crise do “Milagre”
- Educação e Desenvolvimento Social no Brasil (cap. 3 – “A
2.4 Luiz Antônio Cunha Escolarização Desigual”; cap. 4 – “O Desempenho Desigual”;
cap. 5 – “Política Educacional: Contenção e Liberação”
- História da Educação no Brasil 1930-1973 (cap. 5 – “A Política
Otaíza Romanelli Educacional dos Últimos Anos” – pós 1964)
Quadro 8. Programa de 1991: bibliografia básica.
Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação: História e Filosofia da Educação (Mestrado). Disciplina
História da Educação Brasileira. Professora Maria Elisabete Sampaio Prado Xavier. 1º
Semestre de 1991.
Legenda:
Tópico 1– O processo e a leitura da História.
Tópico 2.1 – Formas primitivas da dominação capitalista e sociedade de tipo colonial.
Tópico 2.2 – Novas formas de reprodução do capital em escala mundial e emancipação política.
Tópico 2.3 – Amadurecimento das relações internas de dominação capitalista, sociedade escravista
e “Civilização do Café”.
Tópico 2.4 – Consolidação da ordem econômico-social capitalista, arrancada “nacional
desenvolvimentista” e “modelo de desenvolvimento associado”.

A metodologia (de ensino) apresentada nesta proposta de


certa forma corresponde à concepção que os seus autores têm
da própria história, delineada anteriormente. A opção feita
pelo método retrospectivo é uma evidência disso. Não é o

233
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

passado que explica o presente, mas o contrário. O recuo no


tempo, entretanto, é necessário. O “conhecimento concreto
da sociedade brasileira e da realidade educacional que
nela e com ela se produziu não apenas revelará [...] os seus
traços característicos como as suas tendências próprias de
evolução e, conseqüentemente, as suas condições específicas
de superação” (PUCSP, 1991, p. 1). Eis por que o retorno ao
passado, segundo essa concepção, faz-se necessário. É preciso
apreender as tendências da evolução do movimento concreto
da história (da sociedade brasileira), para identificar, nesse
movimento, as condições de superação das contradições que
a definem, no presente, como tal.
Para se poder apreender o movimento concreto (histórico)
da sociedade brasileira e da realidade educacional “que nela
e com ela se produziu”, tendo em vista a orientação política
de nossas ações, a leitura, discussão e problematização dos
textos arrolados na bibliografia básica e de apoio seriam
fundamentais.
Parece não haver mudanças significativas nesta quarta
proposta, quanto à bibliografia adotada nas três propostas
anteriores. Com exceção, em parte, da terceira (a de 1988),
parece haver correspondência entre elas, sobretudo no que diz
respeito aos textos e autores que constituem, por assim dizer, a
espinha dorsal de cada uma delas. Se a terceira proposta (a de
1988) eliminou e incluiu textos e autores, esta quarta retomou
o elenco de textos e autores contemplados na primeira (a de
1984).
Dentre os textos e autores que constituem a espinha dorsal
da disciplina, presentes em todas as propostas de programa
elaboradas e ensaiadas na década de 1980, estão:
1. A Universidade temporã, de Luiz Antônio Cunha, um
dos integrantes da primeira turma de doutorado do Programa
de Estudos Pós-Graduados em Educação da PUC de São
Paulo. O texto em questão resultou, segundo o próprio autor,
de um desafio lançado por seus colegas do Curso de Mestrado

234
O ensino de história da educação

em Educação, realizado na Universidade Federal de Minas


Gerais. Convidado a ministrar um curso sobre o assunto e
tendo se deparado com uma bibliografia “restrita, dispersa e
insatisfatória”, decidiu elaborar um projeto de investigação,
que contou com apoio financeiro do Centro João XXIII, do
Rio de Janeiro (CUNHA, 1980, p. 9). Nesse texto, o autor
defende a tese, segundo a qual as formações sociais produzem
vários saberes: “[...] os saberes dominantes (das classes
dominantes) e os saberes dominados (das classes dominadas)”
(CUNHA, 1980, p. 15). Para ele, o ensino, “[...] operando
necessariamente por meio de um aparelho escolar, propõe-se
a ministrar um saber dominante, mas não todos os saberes
dominantes” (p. 15, grifo do autor). Por entender estarem esses
saberes hierarquizados, distingue os “saberes dominantes
inferiores” (domínio da leitura e da escrita, por exemplo) dos
“saberes dominantes superiores” (domínio de práticas letradas
complexas e da filosofia, por exemplo).
2. Sociedade e educação na Primeira República, de
Jorge Nagle. Originalmente, tese de livre-docência defendida
em 1966, no Departamento de Educação, da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. O intento do autor
com esse trabalho foi, segundo ele próprio, relacionar e
integrar dois universos não muito próximos um do outro, nos
estudos então realizados sobre educação: o da educação e o da
sociedade brasileira (NAGLE, 1974). Segundo Nagle, um estudo
bem conduzido da educação escolar precisaria contemplar,
simultaneamente, três dimensões: “[...] a da sociedade, a do
sistema escolar e a da estrutura técnico-pedagógica” (NAGLE,
1974, p. XI). Para atender a essa orientação, apresentou os
resultados dos estudos e investigações realizados em duas
partes: na primeira, constrói “[...] um retrato da sociedade
brasileira, analisando os setores político, econômico e social,
bem como determinadas correntes de idéias e movimentos
político-sociais, tais como socialismo, anarquismo”, dentre
outros; na segunda parte, realiza “um estudo sobre a educação

235
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

(escolar)”, ressaltando o “[...] fenômeno do entusiasmo pela


educação”, as reformas do Governo Federal, dos estaduais, e
do Distrito Federal, “[...] a penetração do escolanovismo no
Brasil e um panorama da literatura educacional da época”;
encerra a exposição, com um capítulo sobre o tema Estado e
educação (NAGLE, 1974, p. XI).
3. História da educação no Brasil (1930-1973), de Otaíza
de Oliveira Romanelli – originalmente, tese de doutorado
apresentada à Sorbonne –, para quem “[...] o êxito da
inovação pedagógica está condicionado a variáveis que fogem
ao controle da experiência em si” (ROMANELLI, 1978, p. 13);
e que “[...] a teoria da dependência, como atualmente [início
dos anos 70] vem sendo formulada, esclarece pontos básicos
para a evolução do sistema educacional brasileiro, sobretudo
para a redefinição que ele sofreu no período posterior a 1964”
(ROMANELLI, 1978, p. 16).
4. Educação popular e educação de adultos, de Vanilda
Paiva. Originalmente, uma das primeiras, senão a primeira
dissertação de mestrado defendida em um Programa de Pós-
Graduação em Educação no Brasil – o da PUC, do Rio de
Janeiro –, estruturado de acordo com o novo sistema de pós-
graduação implantado no País em fins da década de 1960
(BARREIRA, 1995, p. 31). Ao discorrer sobre as hipóteses e
categorias (ponto de partida e de chegada) dessa sua pesquisa,
a autora, amparada nas reflexões de Manheim e Stewart
(Introdução à sociologia da educação), afirma que “Os
sistemas educacionais e os movimentos educativos em geral,
embora influam sobre a sociedade a que servem, refletem
basicamente as condições sociais, econômicas e políticas dessa
sociedade” (PAIVA, 1973, p. 19). Por essas razões, segundo a
autora, os diversos períodos da história da educação de um
país tenderiam a acompanhar os movimentos da história desse
país, ou seja, das suas transformações econômicas e sociais,
das suas lutas pelo poder político (PAIVA, 1973, p. 19). Apesar
disso, alerta que “fatores de origem externa” à sociedade,

236
O ensino de história da educação

assim como os “especificamente educativos” deveriam ser


considerados na análise dos movimentos educativos de um
país (PAIVA, 1973, p. 20).
5. História da educação brasileira: a organização escolar,
de Maria Luísa Santos Ribeiro, integrante do corpo docente do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação da PUC de
São Paulo, na década de 1980. O texto em questão sintetiza
trabalhos preliminares de investigação histórica realizados
pela autora sob a orientação de Casemiro dos Reis Filho,
bem como outros trabalhos que ela desenvolveu ao cursar
o mestrado em Filosofia da Educação (RIBEIRO, 1982, p. 9).
Nesse texto, Ribeiro “[...] tentou captar [...] os fundamentos
da organização escolar brasileira” (RIBEIRO, 1982, p. 15),
identificando, nessa organização, uma contradição que
resultou, segundo a autora, do fato de ela “[...] ter que atender
a uma determinada clientela (quantidade) e atendê-la bem
(qualidade)” (RIBEIRO, 1982, p. 19; grifo da autora).
Ainda que rápidas, nessas pinceladas sobre a discussão
feita por esses autores nesses seus textos, pode-se perceber,
claramente, que estamos aqui diante de uma produção
bibliográfica e de uma prática discursiva (historicamente
datadas, como toda e qualquer prática social), que visam,
antes de tudo, ao convencimento e à conscientização do leitor
sobre as determinações (históricas) que estariam, segundo
eles, a conformar a realidade educacional brasileira, desde os
primórdios da colonização da nação.

Considerações finais

É bem provável que a educação não seja mais abordada


de uma perspectiva macro – atualmente considerada
demasiadamente genérica e paradigmática por muitos
estudiosos da área – nos programas de pós-graduação
que continuam a incluir a disciplina História da Educação

237
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Brasileira nas suas matrizes curriculares. É possível que, à


luz das críticas feitas a essa abordagem, sobretudo a partir do
início da década de 1990, a disciplina História da Educação
Brasileira esteja privilegiando perspectivas mais circunscritas.
Mesmo os adeptos da perspectiva macro parecem ter se
sensibilizado por essas críticas, como se pode ler nos objetivos
de outro programa da disciplina oferecido aos alunos do
Curso de Mestrado do Programa de Estudos Pós-Graduados
em Educação: História e Filosofia da Educação, da PUC de
São Paulo, no segundo semestre de 1993:

[...] Nosso desafio será o de transitar entre o singular e o


universal, de modo que a visão do todo não nos impeça de ver
suas particularidades [particularidades da educação] e que o
fascínio do particular não nos desvie de uma compreensão
mais abrangente da educação brasileira. Afinal, o universal
não existe a não ser potencialmente no particular e só é
apreendido por um olhar que penetre a essência dos fatos
singulares (PUCSP, 1993, p. 1).

Os programas da disciplina História da Educação


Brasileira, elaborados e postos em prática na Pós-Graduação em
Educação da PUC de São Paulo, na década de 1990, encerram
um ciclo da história dessa disciplina nessa instituição. Embora
ainda presos, de certa forma, à lógica histórica que perpassava
os programas anteriores, por exemplo, a observação de
uma cronologia política no trato da educação (escolar), os
programas elaborados nessa década estabelecem um diálogo
mais estreito com a disciplina História – com a História Social,
especialmente, mas também com a Nova História Cultural.
Nesse diálogo, procuram problematizar leituras consagradas e
cristalizadas da História da Educação no Brasil, evidenciando,
assim, o interesse em oferecer aos alunos da pós-graduação
em Educação não um conhecimento pronto e acabado –
supostamente necessário à intervenção na realidade social –,
mas uma chave de leitura da historiografia que se produziu
sobre a educação no Brasil, em diferentes momentos históricos,

238
O ensino de história da educação

com base no pressuposto de que a historiografia é também um


“lugar de memória” (NORA, 1993).4
Talvez menos “revolucionários” do que fomos naqueles
primeiros tempos, mas sem perder a paixão por aquilo que
fazemos, continuamos a lutar em outras trincheiras, movidos,
quem sabe, pelas mesmas utopias.

Referências

BARREIRA, Luiz Carlos. História e historiografia: as escritas


recentes da história da educação brasileira (1971-1988). 1995.
Tese (Doutorado) − Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 1995.
CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã: o ensino
superior da Colônia à Era de Vargas. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1980.
MARX, Karl. Para a crítica da economia política. In: GIANOTTI,
José Arthur. Manuscritos econômico-filosóficos e outros
textos. Traduções de José Carlos Bruni (et al.). 2. ed. São Paulo:
Abril Cultural, 1978. p. 102-257.
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República.
São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária; Rio de Janeiro:
Fundação Nacional de Material Escolar, 1974.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos
lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de
adultos: contribuição à história da educação brasileira. São
Paulo: Edições Loyola, 1973.

4
Por fugir ao recorte temporal estabelecido neste texto e, principalmente, por
ter sido um programa que orientou os Cursos de História da Educação
Brasileira que ministrei, nesse e em outros programas de pós-graduação em
Educação, limitar-me-ei, aqui, a essas poucas palavras.

239
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


(PUCSP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:
Filosofia da Educação e Educação Escolar Brasileira. Disciplina:
História da Educação Brasileira – I. Professora: Mirian Jorge
Warde. 2º Semestre de 1984.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUCSP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:
Filosofia da Educação. Disciplina: História da Educação
Brasileira – I. Professora: Ediógenes Aragão. 1º Semestre de
1985.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUCSP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:
Filosofia da Educação. Disciplina: História da Educação
Brasileira. Professora: Ediógenes Aragão Santos. 1º Semestre
de 1988.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUCSP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:
História e Filosofia da Educação (Mestrado). Disciplina:
História da Educação Brasileira. Professora: Maria Elisabete
Sampaio Prado Xavier. 1º Semestre de 1991.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUCSP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:
História e Filosofia da Educação (Mestrado). Disciplina:
História da Educação Brasileira. Professora: Ester Buffa. 2º
Semestre de 1993.
RIBEIRO, Maria Luísa Santos. História da educação brasileira:
a organização escolar. 4. ed. São Paulo: Moraes, 1982.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no
Brasil (1930-1973). 5. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1978.
VILAR, Pierre. História marxista, história em construção.
In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: novos
problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 146-178.

240
O ensino de história da educação

Notas das tabelas


1
Coletânea organizada por Carlos Guilherme Mota e publicada,
nos anos 70, pela Difusão Européia do Livro (DIFEL).
2
Coletânea organizada por Vanilda Paiva e publicada, em
1984, pela Editora Graal.

241
O ensino de história da educação

Internacionalização de cânones de
leitura: as Atualidades Pedagógicas na
Biblioteca Museu do Ensino Primário e
o ensino de História da Educação

Maria Rita de Almeida Toledo

Neste trabalho, apresento os resultados de pesquisa


que venho desenvolvendo sobre a circulação dos livros da
Companhia Editora Nacional em bibliotecas destinadas
à formação docente em Portugal. Para tanto, analiso
especificamente os livros editados na coleção Atualidades
pedagógicas, verificando a circulação de dois modelos de
leitura e formação docente, no século XX: o escolanovista e
o católico.1 Para este artigo, selecionei o caso específico da
circulação dos títulos de história da educação da referida
coleção na Biblioteca Museu do Ensino Primário (Lisboa), nas
décadas de 1930-1940. Esta análise implica a articulação da
história do livro, da formação docente e da configuração de
bibliotecas como lugar de memória.
A articulação entre a expansão da escola e a constituição
da indústria dos livros é inegável.2 A escola, cuja cultura
1
Para Carvalho (1996, p. 65), no catolicismo, predominou a tendência de
incorporar princípios da nova pedagogia, depurando-a de tudo o que
contrariasse os preceitos católicos, por meio de publicações doutrinárias,
em revistas ou em manuais, de versões católicas da moderna Pedagogia, que
firmavam princípios, constituíam uma ortodoxia pedagógica e um corpus
bibliográfico de referência, formulando-os como crivos de leitura. Para ampliar
esta discussão, consultar Toledo (2006).
2
Em 1986, Chopin analisava a importância dessa articulação, propondo um
programa de estudos dos manuais escolares (CHOPIN, 1986, p. 303-322). No
Brasil, estudos sobre os aspectos materiais dos livros escolares e a importância
dos editores vêm se alargando. Ver, por exemplo, os trabalhos sob orientação
de Circe M. F. Bittencourt e Kazumi Munakata.

243
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

predominantemente é a escriturária, tomou os livros como


dispositivo fundamental de transmissão de saberes, de
organização de suas práticas e de suas dinâmicas temporais.
Muitos dos debates em torno da organização eficaz do
ensino-aprendizagem pugnaram modelos diversos de livros,
estabelecendo padrões específicos para usos determinados: os
mesmos livros para todos os alunos, o livro único para todas
as matérias, livros diferenciados para situações específicas de
aprendizagem etc. Estabeleceram a ordem dos livros no jogo
das prescrições e usos desses objetos. Por sua vez, a indústria
dos livros encontrou na escola – professores, alunos, diretores,
inspetores, entre outros – público garantido e bastante rendoso
para o seu produto.
Na visão de Petrucci (2002, p. 206-207), as relações entre
a escola e a indústria dos livros estão inscritas nas próprias
formas como a cultura escrita se difundiu:

No último século, quase todas as campanhas de alfabetização


de massa realizadas em níveis nacionais ou mundiais (por
exemplo, pela Unesco), em países adiantados ou em ex-
colônias, apostaram preponderantemente no crescimento
e na difusão da capacidade de ler, não na capacidade de
escrever. Tal escolha resultou, evidentemente, do enfoque
pedagógico consciente adotado pelas instituições que
elaboram, em toda a parte, as ideologias e as metodologias da
aprendizagem: a escola dos estados burgueses e a Igreja (em
concorrência entre si, porém de acordo sobre esse ponto), os
sistemas de bibliotecas (sobretudo dos países anglo-saxões)
que elaboraram a ideologia democrática da leitura pública;
a indústria editorial interessada na criação de um público
cada vez mais amplo de leitores, não de ‘escreventes’. Na
realidade, na base dessa escolha universal, comum a todas
as autoridades e a todos os poderes, havia também um outro
fator, a saber, a consciência de que a leitura era, antes do
advento da televisão, o meio mais adequado para determinar
a difusão de valores e ideologias e, de qualquer modo, o mais
fácil de controlar mediante regras, desde que se conseguisse
dominar os processos de produção e sobretudo os de
distribuição e conservação dos textos [...].

244
O ensino de história da educação

O autor insiste em afirmar que dessa mesma atitude


cultural e ideológica derivaram e derivam um conjunto de
prescrições de práticas de leitura a serem adotadas pelos
novos leitores (ou não) – a ordem da leitura – em forma de
listas de obras aconselhadas:

[...] verdadeiros ‘cânones’ reafirmados em catálogos e revistas


especializadas, todo o aparato normativo e pedagógico que
agentes do livro (autores, editores e funcionários editoriais,
‘intelectocratas’, jornalistas, bibliotecários, etc.) derramam
cotidianamente [...] sobre o leitor real ou potencial que
precisa ser constantemente guiado e ‘in-formado’, ou melhor,
formado no uso da cultura escrita que se quer, antes de
mais nada, vendável e, além disso (ou melhor, por isso),
substancialmente homogênea” (PETRUCCI, 2002, p. 208).3

Os cânones da leitura ocidental, das práticas de leitura


aceitáveis − forjadas pelas prescrições escolares, pela
indústria dos livros, pelas políticas culturais e outros lugares
de poder afins – parecem, no sentido proposto pelo autor,
menos questões do “nacional” e mais empreendimentos cujas
representações dominantes (e comuns) se estabeleceram como
crivos da difusão da cultura escrita. Os “cânones”, como já
indicado, podem variar ao longo do processo de configuração
da forma escolar, mas sua composição e difusão são da ordem
do mundo ocidental.
As possibilidades de variação dos padrões dos livros,
prescritas nos discursos pedagógicos, dos críticos, das
instituições científicas entre outros, inscrevem-se na
organização técnica da indústria livreira e nas condições
materiais de sua produção. Mesmo sua admissão na escola
como objeto central dependeu de seu barateamento.
A escola de massas só pode contar com o livro na medida
em que esse passou a ser objeto financeiramente acessível.

3
Para Petrucci (2002, p. 213 passim), esses cânones têm sido questionados
tanto pela própria indústria do livro, que derrama no mercado produtos
de valor questionável; mas também pelo público, que não adere mais aos
cânones tradicionais.

245
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

A invenção do papel celulose (1848) e das máquinas de


produção contínua de papel (no final do século XIX) permitiu
a redução dos seus custos, o aumento de sua produção, assim
como a variação de seu formato (BARBIER, 2008, p. 385).
A mecanização da impressão – com as rotativas, o linotipo,
a zincografia, a cromolitografia, a fototipia, o paperback,
entre outras técnicas −, desenvolvida ao longo do século
XIX, também contribuiu sensivelmente para o barateamento
da produção dos impressos, em grandes quantidades, e
para a sua sofisticação, admitindo variações no formato, na
organização das páginas, com fotografias, desenhos, tipos
diferenciados, cores diversas, na encadernação etc. (BARBIER,
2008, p. 394 passim). A inovação tecnológica na indústria do
livro se acelerou no século XX: com as rotativas em offset, as
possibilidades de composição barata de páginas coloridas, com
fotos e outras imagens alcançaram grande desenvolvimento.
Foi substituída apenas no final do século pela tecnologia da
informática. A articulação das prescrições escolares sobre a
composição do livro acompanhou as prescrições de editores
para a adequação do livro, da leitura e do leitor.
As dimensões dessas questões técnicas da edição e
impressão aparecem, por exemplo, na análise que Másculo
(2008) faz dos livros didáticos da Coleção Sérgio Buarque
de Hollanda, assinada pelo próprio historiador. O autor
demonstra como a tecnologia do offset, no início da década de
1970, foi fundamental para materializar as ideias de ensino de
História renovado que se produziu no âmbito do Colégio de
Aplicação da Universidade São Paulo. Para aquela proposta,
desenvolvida por Sílvia Magaldi, tudo o que estivesse no
livro didático deveria ser aproveitado pelo professor. O
livro, de boa qualidade, seria, nesse sentido, instrumento
mobilizador das experiências dos alunos na disciplina em
questão, fornecendo vasto material para capturar o interesse
dos alunos. Segundo Másculo (2008), as imagens tiveram
centralidade na organização da proposta pedagógica do livro,

246
O ensino de história da educação

deixando de ser meras ilustrações para se tornarem objetos da


leitura crítica dos alunos. A qualidade, portanto, do material
impresso deveria se assemelhar ao das revistas ilustradas da
época – como as editadas pela Editora Abril – obrigando o
editor a alterar o formato do livro, a qualidade do papel e da
impressão. Segundo Másculo (2008. p.100),

O novo formato adotado pela Coleção Sérgio Buarque de


Hollanda permitia aos diagramadores inovarem na disposição
das imagens, que aparecem nas páginas de forma mais dinâ-
mica, lembrando, em muitos casos, a diagramação das revis-
tas da época [...]. Essa diagramação semelhante às revistas
da época conferia aos livros didáticos um aspecto moderno
e familiar para seus leitores. Além disso, algumas escolhas na
nova diagramação dos livros didáticos provocam impressões
que influenciam na forma de ler os textos e as imagens.

Mas é preciso notar que a figura do editor – mestre no


jogo da produção do livro – é fundamental na articulação entre
os discursos sobre o livro e seus usos na escola e produção
para a escola (BARBIER, 2008, p. 385). O editor, na história
da indústria livreira, é aquele que implementa a política
editorial, encomendando ou selecionando o trabalho dos
autores, determinando as características materiais do título ou
da coleção, fazendo os cálculos orçamentários provisionais e
organizando a difusão. De acordo com Barbier (2008, p. 397)

[...] ele impõe-se como a conexão central do campo literá-


rio [científico, escolar etc.], entre o autor (que ele publica e
paga), o impressor (ao qual ele passa as encomendas) e o di-
fusor (ao qual ele assegura o aprovisionamento dos livros por
meio de contratos ou de práticas profissionais precisamente
estabelecidas). Ele é a base de operações da editora, asse-
gurando o crédito junto aos bancos, os quais logo intervirão
diretamente no capital das principais casas de edição.

Pode-se considerar que é o editor que materializa as


prescrições dos discursos sobre o livro destinado à escola
em suportes adequados, mobilizando autores e conteúdos,

247
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

a tecnologia da impressão, do papel e da mis en page.


Essa figura central na indústria do livro também deve ser
considerada como ator na constituição da cultura escolar:
porque é agente que materializa o instrumento privilegiado de
algumas de suas práticas. Em entrevista concedida a Másculo,
Laima Mesgraves, uma das autoras da Coleção Sérgio Buarque
de Hollanda, lembra:

Eles convidaram o Sérgio Buarque de Hollanda para fazer


uma coleção que fosse de alta qualidade. Ah, sim, porque
as editoras sempre tinham, pelo menos, três coleções: uma
de nível bem elevado, de alta qualidade e que custava caro;
uma de nível médio e outra de nível mais baixo (MESGRAVIS,
2008, apud MÁSCULO, 2008, p. 99-100).

A entrevista indica claramente a política editorial que


os editores especializados, como os da Companhia Editora
Nacional, adotavam em relação à escola para disputar o
mercado de didáticos e interferir, por meio de suas edições,
na cultura escolar.
O jogo da indústria do livro, protagonizado pelo editor,
faz-se, no mais das vezes, no âmbito de uma geografia mais
ampla do que a do território nacional. A incorporação da
indústria gráfica na lógica capitalista exigiu o reconhecimento
do mercado e a obrigatoriedade de uma economia em escala
crescente e internacional. Apesar de o editor trabalhar com
as regras do comércio nacional e com as políticas culturais e
educacionais do Estado no qual está localizado, as interfaces
dos negócios editoriais com o mercado internacional são
largas, a começar pelo noção de “propriedade intelectual” 4
que rege e organiza o consumo e a difusão dos impressos,
pelo menos desde o século XVIII (BRIGGS; BUTKE, 2004).
As casas editoras lidam com a negociação dos direitos
autorais e o controle sobre a sua circulação. Os direitos

4
O sistema dos direitos autorais é generalizado pela Convenção de Berne, em
1886. A partir daí, há uma série de revisões do texto produzido em Berne. A
última foi realizada em 1971 (BARBIER, 2008. p. 427).

248
O ensino de história da educação

autorias estão relacionados com os idiomas nos quais foram


produzidos, desdobrando-se daí um vasto mercado de
traduções para outras línguas e não apenas para os territórios
nacionais. A língua, nesse sentido, unifica a circulação de livros
de mesmo idioma e das traduções para a além das fronteiras
nacionais. Por exemplo, em 1976, a Companhia Editora
Nacional inicia negociações com a Presses Universitaires
de France (PUF), para a tradução do título de Jean Chateau
– Les grands pédagogues. Em carta de 18 de fevereiro de
1976, a PUF informa que a firma portuguesa Livros do Brasil
s a l r. já havia publicado o título e o contrato de tradução
restringia totalmente a publicação da obra por outra editora,
para o mercado brasileiro. Aconselha, então, que a Nacional
negocie diretamente com a Livros do Brasil uma possibilidade
de publicação da tradução restrita ao território brasileiro (PUF,
18-2-1976, dossiê 86/76, Arquivo da CEN).
Pode-se admitir também que os impressos ganharam
padrões internacionais, seja pela concorrência entre editoras,
seja pela padronização da própria indústria impressora. Os
padrões dos livros estão inseridos nas formalidades práticas de
sua produção, respeitando, apesar das inovações, os cânones
classificatórios dos textos – de seus conteúdos, usos e públicos
leitores específicos – ultrapassando sem grandes entraves as
fronteiras e as culturas organizadas em torno de um cânone
universal, como discutido por Petrucci.
Na citada correspondência entre a Nacional e a Livros
do Brasil. s. a. r. l., encontram-se exemplos dos interesses
internacionalizados pela edição de títulos para públicos
análogos e usos prescritos, construindo cânones internacionais,
no caso, para as Ciências da Educação. Como contrapartida ao
pedido de liberação dos direitos de tradução de Jean Chateau
para o território brasileiro, António de Souza Pinto propõe à
Nacional:5

5
Só a título de informação, a permuta entre as editoras não ocorre, tendo a
Livros do Brasil desistido da publicação do título de Debesse conforme Dossiê
89/76, do Arquivo da CEN.
249
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Cremos, efectivamente, na boa-fé de quem programou


a obra de Jean Chateau, de que temos os direitos para a
língua portuguesa e não levantamos obstáculos à edição
brasileira. Recebemos, entretanto, algumas das vossas
edições relacionadas com as Ciências Pedagógicas. Muito
gostaríamos de editar, em Portugal, As fases da Educação,
de Maurice Debesse, obra que por suas características se
enquadra particularmente na nossa programação. Solicitamos,
assim, o obséquio da vossa opinião quanto à inserção do livro
de Debesse no nosso plano editorial (Livros do Brasil s. a.
r. l., 22/02/1976, dossiê 86/76, Arquivo da COMPANHIA
EDITORA NACIONAL).

Para analisar a circulação de livros em espaços e tempos


para os quais, a princípio, não foram produzidos, é necessário
levar em conta as condições mais amplas do funcionamento
da indústria do livro e seu caráter internacional, tal qual
aparece nos exemplos citados.

O mercado de livros brasileiros em Portugal

Para o caso da circulação, em Portugal salazarista, dos


livros da Companhia Editora Nacional, é preciso se levar
em conta que os mercados português e brasileiro sempre
estiveram articulados. No inquérito que produz sobre o livro
português, em 1944, Irene Lisboa conclui que os mercados
brasileiros e africanos são de grande importância para a
indústria livreira portuguesa6 (LISBOA, 1944, p. 237). Para
um de seus entrevistados, Manuel Rodrigues de Oliveira, do
Editorial Cosmos,

Foi a fusão de capitais e a especialização técnica (industrial e


comercial) que deram alento às grandes companhias editoras
do Brasil. A produção brasileira está hoje subordinada a
grandes empresas, como todos sabem. O Brasil cria e traduz
em grande escala, por conta própria. E é ele que abastece as

6
Irene Lisboa (1944, p. 1) produz esse inquérito sob o patrocínio da revista
Seara Nova.

250
O ensino de história da educação

colônias portuguesas da América do Norte, não nós. Os livros


portugueses, de Portugal, figuram lá como achados... Até cá,
era vulgar não há muito tempo perguntar-se se se conhecia tal
ou tal autor brasileiro, e não tal e tal português... O nosso livro
vive das pequenas iniciativas e não afinal da expansão que a
própria língua lhe podia assegurar. Não tem o escoamento
devido! (LISBOA, 1944, p. 21).

Para outro entrevistado de Lisboa, Armênio Armado, da


casa editora Armênio Armado Editor, os mercados brasileiros
eram de fundamental importância, apesar de as editoras
portuguesas perderam cada vez mais espaço nele:

Já vai tempo em que as nossas livrarias expediam tudo quanto


tinham em armazém para o Brasil! Até os livros de versos sem
possível consumo [...]. E por lá se gastavam! Porém, hoje os
processos de comerciar têm que ser outros. Há cinqüenta
anos invadíamos nós o mercado brasileiro com nossos livros,
hoje voltou-se o feitiço contra o feiticeiro [...] pagamos-lhe
nós o tributo! Por isso temos de selecionar nossa mercadoria,
de cuidar [...]. Há trinta anos, o Brasil ainda não possuía
tipografias à altura das suas necessidades, e mandava compor
em Portugal as suas edições. Hoje as oficinas tipográficas
brasileiras são notáveis. E notáveis as suas casas editoras! Este
país está magnificamente apetrechado para nos bater e até
nos esquecer: quanto à sua indústria, à expansão do livro, à
seleção e tradução deste, etc. (LISBOA, 1944, p.102).

Para Hallewell (1985, p. 278), foi a Companhia Editora


Nacional a pioneira na invasão do mercado português. O
êxito do livro brasileiro naquele mercado, ainda segundo o
autor, deveu-se à queda da taxa de câmbio que o colocou
em condições de concorrência com o livro português. As
edições brasileiras passariam a ser vendidas, depois de 1931,
em livrarias, tabacarias, bancas de cafés, com suas capas
berrantes e coloridas. A Nacional abriu, em 1932, sua filial
em Lisboa, usando o nome de Civilização Brasileira – editora
carioca adquirida pela Empresa no início dos anos 30. Essa
filial operou em Portugal até 1944, quando foi vendida para
Antônio A de Souza Pinto, proprietário, no Brasil, da Livraria

251
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Portuguesa. A venda da filial, segundo Hallewell, ocorreu


devido a abalos sofridos pelos negócios do livro durante a
II Guerra. Em todo o caso, as editoras do Brasil e a própria
Companhia Editora Nacional continuaram exportando livros
para aquele país, chegando a vender, na década de 1970,
as mesmas quantidades (em peso) importadas de Portugal,
significando uma expansão da presença das editoras brasileiras
naquele país, dada a diferença dos tamanhos de mercado7
(HALLEWLL, 1985).
A Nacional não atuou no mercado português tal qual
fazia no Brasil. Em seu país de origem, a editora montou
vasto leque editorial, editando desde livros didáticos aos de
culinária; das obras de famosos intelectuais aos de autoajuda.
Em terras lusas, cujo regime político era o da ditadura, os
livros escolares eram totalmente nacionalizados. Essa situação
fechou o acesso da editora a esse mercado, porém a Nacional
fez circular inúmeras traduções tanto de romances, como de
livros de ciências ou divulgação científica, além de literatura
brasileira e de outros gêneros correlatos.
Em relação à educação e mais especificamente à história
da educação, foi possível averiguar, com a análise do catálogo
de uma biblioteca dirigida à formação de professores – a
Biblioteca Museu do Ensino Primário (BMEP) − a presença
dos livros da Nacional.8 Essa presença é predominantemente
da coleção Atualidades pedagógica,9 dirigida por Fernando
de Azevedo, entre 1931 e 1949, e por João Batista Damasco
Penna, entre 1950 e 1980, na Companhia Editora Nacional
(CEN).

7
Como o próprio Hallewell nota, já na década de 1930, o mercado potencial
de leitores (população escolarizada) no Brasil ultrapassava em números o
mercado português (1985, p.286-287).
8 Essa investigação também se debruça sobre a Biblioteca de Educação da
Fundação Calouste Gulbenkian, mas, neste artigo, não será possível apresentar
os resultados. Ver Toledo (2009).
9
Também há, nesse catálogo, uma forte presença da Biblioteca de Educação,
dirigida por Lourenço. Foi editada pela Melhoramentos A.S., com 11
exemplares.

252
O ensino de história da educação

Essa coleção editorial para professores pode ser analisada


como um tipo especial de impresso, cuja intervenção editorial
se materializa por meio da reorganização dos textos, para a
ampliação do mercado, fazendo circular a representação
do professor-leitor, objetivada pelo editor, e das práticas de
leituras específicas e adequadas a ele; cuja intervenção no
campo da Pedagogia se materializa por meio da seleção e
adaptação do conjunto de textos e autores que devem compor
o programa específico para a formação do professor-leitor,
indicando os usos específicos para o conjunto das leituras
selecionadas na coleção. Essa dupla intervenção constituiu
uma cultura pedagógica que remete à representação dos
campos da Pedagogia e do leitor contida na mediação editorial
que a propôs. Também acaba por construir e veicular um
modelo particular de leitura e formação e talvez constituir um
cânone internacional, já que compreende autores brasileiros
e traduções.
As bibliotecas também devem ser tomadas como lugar
estratégico porque, segundo Jacob (2000, p.10-11),

[...] toda biblioteca expressa uma concepção implícita da


cultura, do saber e da memória, bem como da função que
lhes cabe na sociedade de seu tempo [...]. Pois a história
das bibliotecas no Ocidente é indissociável da história da
cultura e do pensamento, não só como lugar de memória no
qual se depositam os estratos das inscrições deixadas pelas
gerações passadas, mas também como espaço dialético no
qual, a cada etapa dessa história, se negociam os limites e as
configurações da tradição, as fronteiras do dizível, do legível
e do pensável, a continuidade das genealogias e das escolas,
a natureza cumulativa dos campos de saberes ou suas fraturas
internas e suas reconstruções.

Ao se pretender analisar a circulação dos livros da


Nacional, e mais especificamente de uma de suas coleções,
em bibliotecas dirigidas à formação docente, objetiva-se
capturar as intervenções editoriais, tal qual propõe Petrucci,
na constituição de padrões internacionais da cultura escrita

253
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

e seus cânones de formação do leitor – no caso, do leitor-


professor.

A obra Atualidades Pedagógicas nas prateleiras da Biblioteca


Museu do Ensino Primário

Em 1933, foi instalada, na Escola do Magistério Primário


de Lisboa, a Biblioteca Museu do Ensino Primário (BMEP).
Essa instituição nasceu como decorrência da reorganização
das antigas escolas normais da Capital portuguesa, operada
pelo Estado Novo. A biblioteca mantinha as funções técnico-
didáticas propostas pelo escolanovismo, mas atribuía a esta
novas funções e valores diversos, sobretudo o nacionalismo
e o catolicismo conservador que deveriam enquadrar toda
a atividade social e profissional portuguesa (MOGARRO;
TOLEDO, 2009).
A biblioteca integrava os serviços pedagógicos da
Direcção-Geral do Ensino Primário do Ministério de Instrução
Pública,10 atendia à formação de leitura dos professores
primários, tanto no espaço do trabalho quanto da casa, assim
como devia pugnar pelo aperfeiçoamento de sua cultura
(MOGARRO; TOLEDO, 2009). Para tanto, mantinha um
catálogo de “[...] livros e outras publicações, nacionais ou
estrangeiras, que versavam sobre os problemas pedagógicos
e didáticos do ensino primário”; e de “coleções de material
didático destinadas a ser sucessivamente utilizadas em
estabelecimentos do ensino primário oficial”. Ainda deveria
arquivar a documentação referente à história do ensino em
Portugal (MOGARRO; TOLEDO, 2009).

10
Em 1936, esse Ministério passou a ser designado como Ministério da
Educação Nacional.

254
O ensino de história da educação

Adolfo Lima11 foi nomeado diretor da Biblioteca, ainda


em 1933. Ele era professor da mesma Escola de Magistério e
ocupou aquele cargo durante uma década. Mogarro (2006a)
informa que Adolfo Lima foi um dos principais intelectuais da
geração de escolanovistas portugueses, formada por António
Sérgio, Álvaro Viana de Lemos e Faria de Vasconcelos, entre
outros, cujo pensamento e a ação marcaram os anos 1920
daquele país.
Mogarro (2006b) indica que, com a ditadura militar (1926)
e depois com o Estado Novo, os pedagogos escolanovistas foram
perseguidos e silenciados. Mesmo o lugar de representantes
do País na Liga Internacional da Escola Nova foi perdido
para o pedagogo oficial do regime – Cruz Felipe. Além disso,
Adolpho Ferrière − um dos principais articuladores do grupo
escolanovista português com o movimento internacional −
acaba por apoiar os pedagogos do novo regime, afastando-se
definitivamente daquele grupo.12
Mogarro (2006a) considera ainda que a nomeação de
Lima, nessas circunstâncias, para a BMEP, foi uma estratégia
do novo Regime para colocá-lo em posição de pouco
destaque e de fácil controle; teria sido uma tentativa de
aposentá-lo antes do tempo (MOGARRO, 2006a). Lima teria,
assim, transformado essa condição em possibilidade de fazer
funcionar o que havia projetado, anos antes, para esse tipo

11
Lima era formado em advocacia, mas, desde a implantação da República,
em 1910, dedicou-se ao campo da cultura, destacadamente à educação.
Aderiu também ao anarquismo e dele foi defensor até o final da vida. Foi
escritor de peças infantis e crítico de teatro; também foi tradutor de literatura,
psicologia, educação, entre outras áreas do conhecimento. Segundo
Candeias (2005), Lima escreveu diversos livros e artigos, fundou revistas e
exerceu funções como correspondente em Portugal de revistas pedagógicas
estrangeiras, mantendo uma relação epistolar com alguns dos vultos principais
da Educação Nova. No campo prático, a sua ação fez-se sentir na Escola
Oficina n.º 1; na Escola Normal de Benfica, da qual foi o primeiro diretor
(1918 a 1921); no Liceu Pedro Nunes; nos serviços educativos de A Voz do
Operário; na Liga Nacional de Instrução; na Associação dos Professores de
Portugal; na Sociedade de Estudos Pedagógicos; na Liga de Acção Educativa.
12
Para a descrição dessa situação, consultar Mogarro (2006b, p. 234-235).

255
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

de instituição.13 Para a autora, Lima organizou a BMEP para


funcionar como verdadeiro centro de informações de toda
a espécie de assuntos pedagógicos em todas as atividades
docentes de todos os graus e especialidades acadêmicas e de
educação social; e como centro propulsor do desenvolvimento
e aperfeiçoamento das ciências e métodos da Educação
(MOGARRO, 2006a). Nesse sentido, colocava em prática o
modelo de formação escolanovista que vinha defendendo
desde os anos 1920: a BMEP funcionaria como instituição
central de formação dos novos professores, orientados em
seus estudos e pesquisas pelo diretor.
Entre os livros do acervo adquirido pela BMEP, como
já indicado, encontra-se o primeiro período da Atualidades
pedagógicas14 (AP), representado por uma parte muito
significativa das obras então publicadas.15
A maioria dos 25 títulos da AP, que constam na BMEP, foi
editada entre 1931 e 1939.16 São os textos produzidos no calor
das reformas Anísio Teixeira (1931-1935) e Fernando de Azeve-
do (1933), às quais a coleção documentou ao editar seus autores
e textos. São os textos que fizeram circular as bases científicas
e arquitetônicas dessas reformas, por exemplo: novos caminhos
e novos fins e educação e seus problemas – de Azevedo; edu-
cação progressiva – de Teixeira; educação e psychanalyse – de
Arthur Ramos; Educação social – de Celso Kelly, entre outros.

13
Ainda, para Mogarro (2006a), Lima, em seu livro Metodologia (1921),
descreveu o que entendia ser as funções precípuas das bibliotecas-museu nos
quadros da pedagogia escolanovista.
14
Em minha tese de doutorado, concluo que a coleção Atualidades
pedagógicas compreendeu dois períodos bastante distintos: 1931 a
1949, período em que o programa de leituras para docentes foi dirigido
predominantemente por Azevedo; 1950 a 1981, em que a coleção foi dirigida
por João Batista Damasco Penna. Para a descrição minuciosa da coleção,
consultar Toledo (2001).
15
Dos 39 títulos publicados, entre 1931 e 1939 − auge da programação da AP,
por Fernando de Azevedo − comparecem na BMEP 24 deles e sete reedições.
16
Apenas um título foi editado em 1947 (a tradução de Educação comparada
de I.L. Kandel).

256
O ensino de história da educação

Predominam, na BMEP, os textos assinados por autores


brasileiros, perfazendo 16 títulos, contra 6 traduções.17 As
traduções que comparecem na BMEP são: Como pensamos
(J. Dewey); Educação funcional (E. Claparède); Didática
da Escola Nova e pedagogia científica (A. M. Aguayo);
Princípios de psicologia aplicada (H. Wallon); História da
educação (P. Monroe). Esses títulos, do ponto de vista dos
campos do conhecimento, referem-se, predominantemente,
à Pedagogia e suas articulações com a Psicologia. São,
também, autores diretamente ligados ao movimento da Escola
Nova e participantes da Liga Internacional da Escola Nova.
Referências mobilizadas na própria obra de Adolfo Lima,
indicam que esses textos poderiam fornecer aos leitores da
BMEP as referências fundamentais do escolanovismo, assim
como o faziam para o público brasileiro.
Em relação ao conjunto de títulos de autores brasileiros,18
é importante notar duas características: de um lado, com
exceção da história da educação, os campos do conhecimento
frequentados pelas traduções também são frequentados pelos
autores brasileiros. Portanto, a apropriação dos brasileiros
das referências internacionais do escolanovismo, propostas
na AP, se mantém no acervo da BMEP − por exemplo, Como
pensamos e educação progressiva - está nas prateleiras dessa
biblioteca. Por outro lado, os campos do conhecimento da
política da educação, da sociologia da educação, da biologia
educacional e da administração escolar estão representados
apenas por autores brasileiros.
As apropriações da coleção pelos estudantes e docentes
portugueses podem ter sido facilitadas em razão de sua fórmula
editorial: ela apresentava um repertório de traduções dos

17
Como já referido, a quinta tradução que comparece na BMEP é Educação
comparada (1947), de I.L. Kandel.
18
Os autores brasileiros são: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Delgado
de Carvalho, Arthur Ramos, Almeida Júnior, Celso Kelly,Carneiro Leão,
Aristides Ricardo, Euclides Roxo, Sylvio Rabello, Milton Rodrigues e outros
autores que compuseram a coletânea Aspectos fundamentais da educação.

257
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

expoentes do escolanovismo internacional em português, ainda


não impregnado pelo catolicismo; apresentava um repertório
dos jargões escolanovistas, por exemplo, escola nova, escola
como meio social, psicologia da criança, espírito de cooperação,
escola única, escola do trabalho, entre outras; trazia relatos de
experiências e práticas escolanovistas realizadas por um país
considerado atrasado em educação, como Portugal; e, por fim,
apresentava um modelo de leitura que facilitava o acesso dos
iniciantes às referências desse movimento educacional.
Adolfo Lima tinha uma percepção muito clara do papel-
chave que ocupava a língua nas obras destinadas à formação
de professores. As obras e as traduções publicadas pelas
editoras brasileiras respondiam às necessidades de formação
dos docentes portugueses, tanto no que se refere à língua em
que eram publicadas, assim como pelas ideias que difundiam.
A circulação da Atualidades Pedagógicas nas instituições
portuguesas foi possível devido à ressonância que o modelo
de leitura e formação por ela veiculado teve nesse campo
pedagógico e pelas possibilidades de apropriação que os
agentes de formação docente portugueses encontraram no
modelo (MOGARRO; TOLEDO, 2010).
Há que se considerar ainda a situação de repressão sob
a qual viviam os pedagogos escolanovistas portugueses, como
Lima. A censura sobre os autores de livros “técnicos”, por vezes,
recaía sobre eles em razão do que representavam no campo
ou pela posição que nele ocupavam, muito mais do que sobre
os textos “técnicos” que publicavam. A censura sobre os livros
“técnicos” ou “especializados” advindos de outro país, nesses
termos, é muito mais difícil em razão da falta de conhecimentos
dos censores de quem são seus autores, de suas posições
políticas ou de outras condições que o valham. A AP, no campo
pedagógico português, não adquiriu a mesma condição política
que teve no campo pedagógico brasileiro. Longe da contenda
específica do campo político-educacional brasileiro, poderia
circular apenas como conjunto de referências da pedagogia

258
O ensino de história da educação

escolanovista. A distância do lugar de produção dos livros


permitiu a circulação mais ágil dessa literatura na época da
censura e, ao mesmo tempo, ofereceu material apropriado para
a divulgação de modelos pedagógicos específicos.
Também é preciso notar que a política cultural portuguesa
para a montagem de bibliotecas públicas pode ter propiciado
a circulação da AP. Melo (2004), ao analisar a gênese e
consolidação das bibliotecas públicas em Portugal, entre 1926
a 1981, verifica que as políticas estabelecidas pelo Estado
para a organização dos acervos pouco investiram na compra
de volumes: privilegiavam as doações e depósitos obrigatórios
efetuados pelas editoras. Para as bibliotecas escolares, contou-
se com as benevolentes doações de professores e alunos
(MELO, 2004). Provavelmente, a composição do fundo da
BMEP, além de ter herdado fundos preexistentes (MOGARRO,
2006a), contou com doações e depósitos legais das editoras.
A Companhia Editora Nacional (CEN) adotou, por
50 anos, a política publicitária de distribuição gratuita de
seus lançamentos para divulgadores e bibliotecas públicas
nacionais e internacionais. Em 1932, a CEN montou sua filial
em Lisboa, inundando o mercado português, diferenciando-se
das editoras do País pelos preços e pelas capas chamativas
(HALLEWELL, 1985). As bibliotecas escolares transformaram-
se em pontos de divulgação para a editora, sobretudo aquelas
com o perfil da BMEP, que atendiam a docentes de todo o País,
na medida em que permitiam ao público leitor tomar contato
com o livro e adquiri-lo posteriormente.

Biblioteca Museu do Ensino Primário e ensino de história da


educação: vestígios de um cânone

A história da educação, contemplada no primeiro


período da Atualidades pedagógicas, foi composta por pelo
menos dois títulos escolhidos por Fernando de Azevedo: o de

259
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Paul Monroe, História da educação, e o de Afrânio Peixoto,


Noções de história da educação. O terceiro título dessa
disciplina, de Theobaldo Miranda Santos, Noções de história
da educação, não foi escolha de Azevedo (TOLEDO, 2001;
ALMEIDA FILHO, 2008).
Porém, como já indicado, o único título que consta
do catálogo da BMEP é o de Paul Monroe. A exclusão de
Afrânio Peixoto salta aos olhos, porque esse autor mantinha
estreita relação com o mundo acadêmico português.19 Além
disso, esses títulos foram intensamente utilizados nas escolas
normais do Brasil (VIDAL, 2001). Por que essas exclusões?20
Se a ausência de Peixoto não é fácil de explicar, a presença
de Paul Monroe nas prateleiras da BMEP pode ser justificada.
Esse autor comparece na bibliografia de muitos dos primeiros
historiadores da educação em Portugal e no Brasil. Mogarro
e Bastos (2009), em artigo em que analisam os manuais de
história da educação desses dois países, notam que Monroe
é referência em todos eles. Segundo as autoras, ele também
comparece nas listas bibliográficas da disciplina em diferentes
instituições de formação docente, seja no nível médio, seja
no nível superior. Monroe foi referência, pelo que se afigura,
das redes internacionais de circulação e apropriação de
modelos culturais e pedagógicos (MOGARRO; BASTOS,
2009). Acrescente-se a isso a importância da casa editora da
obra de Monroe. A Macmillam Company, desde o final do
século XIX, já era uma das maiores editoras da Europa, com
escritórios espalhados pelos EUA, África e Ásia. Essa editora

19
O título de Afrânio Peixoto que consta da BMEP é Educação da mulher,
também da Nacional. Em relação a Theobaldo Miranda Santos, pode-se
levantar a hipótese de que sua exclusão, pelo menos naquele momento, deve-
se à sua declarada posição de militante católico no campo da Pedagogia.
Sobre Miranda Santos, consultar Almeida Filho (2008)
20
Essa investigação não pretende explicar a exclusão de Peixoto. Para isso,
seria importante um estudo da trajetória do autor nas instituições universitárias
portuguesas e suas relações com seus intelectuais. Pretendo apenas levantar
algumas hipóteses sobre a ausência do autor com os indícios encontrados no
acervo analisado.

260
O ensino de história da educação

inglesa rapidamente se associou à Universidade de Cambridge


e a outras universidades inglesas, editando as “descobertas
científicas”, tanto das Ciências como das Ciências Sociais,
além da nova literatura. Nos EUA21 o escritório, fundado em
1869, associou-se à Universidade de Columbia, seguindo os
passos da matriz, no que diz respeito ao seu leque editorial. O
negócio das traduções se ampliou com a expansão da produção
científica e a necessidade de circulação dos resultados das
investigações traduzidas nas diversas línguas.22 A editora,
portanto, apoiava a circulação internacional das obras por ela
editadas, tanto na língua inglesa, quanto em traduções.
Na versão da obra de Paul Monroe, publicada pela
Atualidades pedagógicas, há um texto explicativo sobre o autor
e sua obra, escrito por Henry Suzzallo.23 O autor, ao situar a
obra de Monroe, destaca que ela foi escrita em um momento
histórico em que os EUA perderam “[...] aquele ponto de vista
provincial e tradicional que lhes caracterizava o pensamento
pedagógico desde a Guerra Civil” (SUZALLO,1939, p. XXIV).
O debate sobre métodos, teorias e processos educativos se
estendeu e “[...] tornou-se obrigatório o estudo comparado
das instituições educativas, pois tornou-se evidente que as
escolas serviam em diferentes épocas e lugares a propósitos
nacionais e sociais diferentes” (SUZALLO,1939, p. XXIV).
Ainda, na descrição do autor:

O novo estudo dos sistemas escolares estrangeiros se resumia


no estudo desses sistemas como eram na atualidade. Não
bastava. Era indispensável um estudo mais amplo – a história
da educação – que vem então ganhar uma importância inédita
na preparação profissional do mestre (SUZALLO, p. XXIV).

Em 1951, a Macmillan de New York se separa da matriz, constituindo-se


21

empresa independente (Disponível em <http://international.macmillan.com/


History.aspx>).
22
Essas informações constam do sítio da editora (Disponível em: <http://
us.macmillan.com/splash/about/history.html e http://international.macmillan.
com/History.aspx>. Acesso em 22 fev. 2010.
23 O autor foi aluno de Monroe no Techears College, da Universidade de
Columbia.

261
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Como se vê pela argumentação do autor, a história da


educação, pelo menos na Universidade de Columbia, não
nasce a serviço da filosofia e da moral – como sucessão
de exemplos a serem seguidos, com função doutrinária e
religiosa,24 – mas como disciplina que deve estruturar os
estudos de educação comparada.
Segundo Suzzallo, depois de Monroe se graduar nos
métodos dos estudos sociológicos e históricos, do Franklin
College e da Universidade de Chicago, é nomeado docente
de História no Teachers College da Universidade de Columbia
e, em pouco mais de dois anos, em 1902, ocupa o lugar de
“máxima influência”: a cátedra de história da educação da
mesma Universidade. Na avaliação do autor, essa rápida
carreira ocorreu pelo novo interesse que a história da educação
alcançou:

Os métodos dessa época não eram os do pensamento exato


que caracterizam hoje o campo da educação. Os inquéritos
comparativos e estatísticos não haviam ainda transformado
a administração escolar. Nem tinham ainda começado, os
psicólogos, o trabalho científico dos testes e das medidas
escolares. O único setor de estudo da educação, que possuía
métodos inteiramente satisfatórios de pesquisa, era o da
história da educação. Foi aí que surgiram os padrões para o
estudo superior da educação e o ideal de investigação exata
para os estudiosos da matéria. Todos os demais campos de
pensamento educacional viram-se tomados pelo mesmo
espírito de pesquisa e de escrúpulo científico. E, se isto se
deu, foi mais devido ao professor de História da Educação
no Teachers College do que à própria cadeira desse mestre
(SUZALLO, 1939, p. XXV).

Na versão de Suzzallo, teria sido a história da educação a


dar régua e compasso para as outras disciplinas interessadas na
comparação do estado da educação entre os diferentes países,
em diferentes momentos históricos. Para ele, a importância
da disciplina e do próprio Monroe aparece no número de

24
Cf. Nunes (1996) e Warde (1998).

262
O ensino de história da educação

educadores formados pela cátedra de história da educação


– administradores escolares ou pensadores educacionais
– que, apesar de não se interessarem por se transformarem
em historiadores, fizeram suas monografias e pesquisas sob
a égide da disciplina. Ainda, segundo Suzzallo, como diretor
da seção de educação da New International Encyclopedia, da
Nelson’s Cyclopedia e do International Year-Book, foi Monroe
o organizador do conhecimento científico da educação
para o público em geral. Sua projeção internacional se deu
definitivamente com a publicação da Cyclopedia of Education
(5 volumes) – Editora Macmillan – usada intensamente pelos
estudos de educação comparada25 (SUZALLO, 1939, p. XXVI).
O texto de Suzzallo, no caso do título em questão, é um
dispositivo de leitura fundamental porque localiza o lugar
da obra de Monroe no campo acadêmico, mas, também,
localiza o título dentro da coleção Atualidades pedagógicas,
remetendo-o não para o conjunto de títulos da disciplina
Filosofia da Educação, mas para o conjunto da educação
comparada. Nesse sentido, ao examinar a história da
educação, “dos povos primitivos aos dias de sua atualidade”,
pretende indicar aos estudantes – mal preparados – a afinidade
entre a história ou a vida social e a educação. Monroe, no
prefácio de seu compêndio, lista os objetivos principais. Entre
eles, destaca-se:

Evidenciar a relação entre o desenvolvimento educacional e


outros aspectos da História da Educação;
Preocupar-se mais com tendências educacionais do que com
homens;
Mostrar a conexão entre a teoria educacional e o trabalho
escolar contemporâneo, em seu desenvolvimento;
Sugerir relações com o trabalho educacional de nossos dias
(MONROE, 1939, p. XXII).

25
Para Lourenço Filho, a Ciclopedia of education, organizada por Monroe, foi
a primeira grande obra sistemática com largo espaço consagrado a elementos
da educação comparada (LOURENÇO FILHO, s.d., p. 22).

263
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Os títulos de Educação Comparada editados na


Atualidades, no período de Fernando de Azevedo, são apenas
dois. Um deles é um clássico26 da Educação Comparada:
Educação comparada, de Isaac L. Kandel, publicado em
português em 1947. Kandel, como Monroe, foi professor do
Teachers College, da Universidade de Columbia, da cadeira
de Educação Comparada. Seu título é um compêndio para os
alunos de seu curso no Instituto Internacional da Escola de
Professores. Na versão brasileira do compêndio de Kandel, há
uma apresentação de Carneiro Leão que procura justificar a
importância da disciplina nos currículos das instituições de
formação docente e, ao mesmo tempo, tratar da importância
do autor na nova disciplina. O autor entende que o compêndio
de Kandel “[...] é uma obra de tamanha envergadura que a
‘Companhia Editora Nacional’, por nossa indicação acaba de
fazer traduzir e publicar em benefício da cultura de nossos
futuros professores, técnicos de ensino e administradores
escolares” (CARNEIRO LEÃO, 1947, p. 9). Isso porque:

A educação comparada constitui hoje disciplina indispensável


nas Faculdades de Filosofia, de Educação e nos Institutos e
Cursos de formar professores e administradores de escolas e
sistemas escolares.
Matéria alguma poderá substituir aquela, cuja finalidade
é o conhecimento exato da orientação do pensamento,
da cultura e, em conseqüência, do comportamento de um
povo na comunidade nacional e internacional levando-
nos a apresentar as razões de seus regimes de vida, de suas
aspirações e suas atitudes atuais e futuras. Um elemento
determinante da política educacional de um país reside
em seus imperativos geográficos e históricos e outro na
influência das ações e reações vindas do exterior. Assim, o
conhecimento das tradições, do influxo do meio natural e das
áreas de cultura e suas reações com o mundo circundante são
fatores primaciais na apreensão das diretrizes educacionais
de um povo (CARNEIRO LEÃO, 1939, p. 3).

26
Isaac Kandel é considerado, na História da Educação comparada, como
fundador de uma de suas escolas e referência obrigatória.

264
O ensino de história da educação

Nos enunciados de Carneiro Leão, percebe-se a importância


atribuída à História e, especificamente, à história da educação,
para o desenvolvimento da Educação Comparada. Para o autor,
sem conhecer o passado e a geografia das nações, é impossível
se compreender as políticas educacionais do presente. Ainda
para Carneiro Leão (1939, p. 5).

A educação adotada por um povo denota de maneira


flagrante sua maneira de ser, suas aspirações, seus objetivos.
E como o mundo é dia a dia mais um verdadeiro sistema
de vasos comunicantes, compreendemos o valor de uma
disciplina que leva a juventude, os futuros educadores,
os pensadores e os homens de governo ao conhecimento
preciso da mentalidade em formação dos diferentes membros
da comunidade internacional. Esse conhecimento é chave
de uma conduta, e a melhor para a perfeita compreensão e
seguro entendimento entre todos. Daí a urgência depois da
catástrofe presente de um órgão internacional, uma espécie
de ‘Departamento Internacional de Educação’, apto a vigiar o
envolver dos sistemas escolares no mundo.

Carneiro Leão entende que o desenvolvimento da


Educação Comparada e as disciplinas que lhe dão sustentação
analítica poderiam oferecer chaves para se compreender,
por exemplo, o aparecimento da Alemanha Nazista. A
compreensão da história de um determinado povo ou
nação, na visão de Carneiro Leão, poderia enriquecer toda
a humanidade a fim de evitar conflitos sociais internos e
externos (CARNEIRO LEÃO,1939, p. 5).
Como apontado, Monroe e Kandel fizeram parte da
mesma instituição – a Universidade de Columbia – e atuaram
nas mesmas esferas de formação de professores, concebendo
as teorias, os problemas de investigação e padrões de
exposição da disciplina, cujo objetivo era analisar as políticas
educacionais no presente e no passado dos diferentes países
e povos.
De fato, a Educação Comparada parece se fortalecer
como disciplina no campo pedagógico durante o entreguerras,

265
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

seja pela instituição de observatórios internacionais, alguns


sustentados pela Liga das Nações e depois pela ONU, seja
pela inclusão da disciplina nos currículos de formação dos
docentes primários e secundários27 (RIBEIRO, 1958). Com
o fortalecimento da disciplina, parece se desenvolver outra
vertente de história da educação geral e nacional para atender
aos problemas de pesquisa dessa nova disciplina, constituindo
um cânone diferente daquele da história da educação tributário
da Filosofia da Educação.
É importante esse destaque porque, na análise dos autores
brasileiros que se debruçaram sobre a história do ensino de
história da educação no Brasil e seus manuais, como os de
Peixoto ou Miranda Santos, a história da educação nasceu
prisioneira da Filosofia da Educação. Para Warde e Carvalho
(2000, p. 20):

A História da Educação era apêndice da Filosofia da Educação,


colhendo desta os seus temas e suas abordagens; nessa
relação, a História da Educação foi inserida nos currículos
como uma das especializações da Filosofia da Educação,
tendo que exercer uma função pragmática, no sentido moral:
da História e Filosofia da Educação deveriam partir os fins da
educação, colhidos dos valores absolutos e transcendentais
que as sociedades humanas teriam em épocas sucessivas, se
esforçado a atingir.

Ainda para Nunes (1996, p. 70), a história da educação é

[...] expressão do registro da permanência dos valores de


uma civilização cristã. Apesar das concepções teóricas, da
formação e dos pertencimentos institucionais de seus atores,
a história da educação difundida entre professores primários
e secundários tem uma função e um efeito doutrinário que
se prolonga e se atualiza, revelando o peso da influência

27
Essa disciplina, no Brasil, já fazia parte do currículo da Faculdade Nacional
de Filosofia desde 1939. Como analisam Bastos e Mogarro (2009), Carneiro
Leão foi o catedrático de Educação Comparada, nessa Faculdade; e na
bibliografia do curso indica vários títulos de História da Educação. Entre eles,
Paul Monroe. Com as Leis orgânicas, de 1946, essa disciplina passou a fazer
parte também do Ensino Normal (RIBEIRO, 1958, p.14).

266
O ensino de história da educação

religiosa apesar de todo o movimento de secularização da


sociedade e do Estado a partir da implantação do regime
republicano.

A história da educação vinculada à Educação Comparada,


como discutido por Suzzallo, Monroe e Leão, teria outra função
e outros métodos contrastantes com aqueles encontrados nos
manuais de história da educação brasileiros, distanciando-
se também do modelo de leitura e formação proposto pelos
católicos.
O outro título, Educação comparada, de Milton Rodrigues,
é publicado em 1938. Esse título é o primeiro compêndio de
Educação Comparada escrito por autor brasileiro (RIBEIRO,
1958). Na introdução do compêndio, Rodrigues (1938, p.
1-2) define a Educação Comparada como sendo a “história
contemporânea da educação”:

Se bem que simples, esta definição possui o dom de levantar


imediatamente uma quantidade de dúvidas. Dúvidas sobre
o método e dúvidas de objeto. Todos nós sabemos que na
própria história geral, dois métodos há muito se defrontam e
se combatem. Querem uns (que já vão tornando raros) que
seja a história apenas um relato seco e fiel de fatos, enquanto
que outros, procurando estender seu campo, procuram dar
um feitio mais raciocinado, introduzindo nele o elemento
reflexivo, procurando relacionar os fatos entre si, bem como
com as condições geográficas.

Os enunciados do autor instalam a Educação Comparada


na História, mas, também indicam que o método histórico
seria antídoto à crítica filosófica. Nas palavras do autor:

A mesma duplicidade de métodos pode existir em Educação


comparada [...]. Com efeito, é muito diferente a atitude
daquele que, refletindo sobre os fatos, procura relacioná-
los entre si, da atitude daquele que, de posse de um critério,
submete os fatos à medida deste. A crítica é do domínio da
filosofia; se, ao descrever os sistemas educacionais descemos
à crítica dos conceitos filosóficos de que esses sistemas são
em grande parte a realização, estaríamos invadindo o campo

267
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

da filosofia da educação. Parece-nos, portanto, bem claro,


que devemos conservar uma atitude puramente objetiva no
estudo da educação comparada, o que não nos impede de
fazer ciência em vez de pura descrição (RODRIGUES, 1938,
p. 1-2).

Em 1935, o mesmo Rodrigues apresentou, como tese


para o concurso de Cátedra do Instituto de Educação da
Universidade São Paulo, o trabalho intitulado A educação
na Itália de hoje (1935). Na tese, Rodrigues defende que o
desenvolvimento da História foi o que possibilitou os avanços
da Educação Comparada. Essa disciplina teria saído, pelos
métodos da História, do estágio da mera observação descritiva,
deslocando-se para análises mais críticas e fundamentadas.
Segundo Rodrigues (1935, p. 6):

Ao aproximarmos educação comparada de história da


educação introduzimos um pequeno problema que nos
compete resolver. Dentro da denominação um tanto genérica
e vaga de História da Educação têm-se freqüentemente
confundido dois estudos nitidamente separados como alguém
já demonstrou: a história das instituições educativas e a
história das doutrinas educacionais. Pensamos que a Educação
Comparada refere-se ao estudo comparativo das instituições
educativas contemporâneas. No entanto, pensamos também
que é inconcebível um corpo contínuo de instituições que
não obedeça a uma determinada orientação conjunta,
animada por um mesmo corpo de doutrinas, ainda mesmo
que implícitas. Donde a necessidade de um estudo recorre
freqüentemente ao outro. Para que não escorreguemos,
todavia, para o estudo da filosofia moderna, convém salientar
que nos colocamos do ponto de vista das instituições.

Na defesa da importância da disciplina Educação Compa-


rada e de suas investigações, Rodrigues pugna pelo afastamento
da disciplina da Filosofia, articulando-a à história das institui-
ções. A história das instituições seria, na tese do autor, antídoto
às generalizações pouco fundamentadas e anacrônicas.
Como se pode notar, nem sempre o ensino de história
da educação esteve atrelado ou a serviço da Filosofia. Pelo

268
O ensino de história da educação

menos na versão norte-americana, do Teachers College, essa


disciplina estaria vinculada à Educação Comparada.
Outro indício pouco explorado, mas significativo da
relação entre essas duas disciplinas, é o produzido pelo
sistema, norte-americano, Melwil Dewey − de classificação
dos saberes e títulos nas bibliotecas, difundido em todo
o mundo. Esse sistema as coloca exatamente nas mesmas
prateleiras, as de número de tombo 37 (09).
Voltando à BMP e ao campo da Pedagogia portuguesa,
os dois títulos de Educação Comparada da AP encontram-se
em suas prateleiras, em primeiras edições, além, da História
da Educação de Monroe. Esse indício pode indicar que
a articulação educação comparada/história da educação
também esteve presente no campo da educação portuguesa.
O indício dessa relação encontrado na BMEP pode se juntar
a um outro, apresentado a seguir numa investigação mais
sistemática do que a feita para este artigo, pode indicar a
importância do cânone de leitura que vincula a Educação
Comparada à história da educação em Portugal.
Segundo os analistas da história do ensino de história
da educação em Portugal,28 em 1930, as Escolas Normais
Superiores foram extintas pelo Estado Novo e substituídas
pelos Cursos de Ciências Pedagógicas, que funcionavam nas
Faculdades de Letras das Universidades de Lisboa, Coimbra
e Porto. Entre as cinco cadeiras desses cursos, constava a de
História da Educação, Organização e Administração Escolares.
Essa designação, aparentemente distante da Educação
Comparada, traz a descrição dos âmbitos que essa disciplina
deveria investigar no trabalho de comparação entre diferentes
sociedades, povos e culturas no tempo.
As análises que autores fizeram desse primeiro movimento
da escrita da história da educação, no Brasil, têm enfatizado
as relações orgânicas que a história da educação manteve
com a Filosofia, sobretudo o percurso da disciplina Filosofia e

28
Conferir Gatti e Santos (2009) e Bastos e Mogarro (2009).

269
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

história da educação, tanto nas escolas de formação docente


do ensino médio, como nas do nível superior. Para muitos
desses analistas, a história da educação foi, pelo menos até
a década de 1960, apêndice da Filosofia da Educação.29
Sem negar essas interpretações, é necessário problematizar
a história do ensino de história da educação, indagar sobre
sua trajetória no âmbito de outros cânones de leitura, que no
processo de institucionalização da disciplina podem ter se
perdido.
A análise arqueológica30 da BMEP − biblioteca de além-
mar – empreendida nesta investigação permitiu vislumbrar
o apagamento de outra trajetória do ensino da história da
educação no Brasil. A análise da composição de títulos
brasileiros presentes na biblioteca do escolanovista Adolfo
Lima – como a exclusão dos títulos de história da educação
de Peixoto e de Miranda Santos, tão presentes nas instituições
brasileiras – possibilitou se pensar na hipótese de uma outra
história do itinerário do ensino da história da educação, talvez
apagado pela força da tradição católica na formação docente,
como concluem Nunes (1996) e Warde (1998).

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Essa análise foi realizada por Nunes (1996), Warde (1998), Carvalho (2003),
29

Carvalho e Warde (2000), Gatti (2007), Gatti e Santos (2009), Roballo (2007),
Bastos e Mogarro (2009).
30 Sobre a análise arqueológica, consultar Chartier (1990) e Carvalho (2003).

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275
O ensino de história da educação

Por entre restos de memória: um relato


sobre o ensino de História da Educação
no Curso de Pedagogia da Faculdade
de Educação da USP (1971-1997)

Marta Maria Chagas de Carvalho

Proponho-me aqui a registrar algumas iniciativas no


campo do ensino da História da Educação no Curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, entre 1971, ano em que iniciei minha vida profissional
nessa instituição, e 1997, quando me aposentei. O texto é um
depoimento construído fragmentariamente com resíduos de
memória ativados a partir da reunião de alguns papéis velhos,
fragmentos de uma já empalidecida militância institucional em
favor de uma redefinição do perfil e do estatuto da disciplina
no curso.
O primeiro desses resíduos me leva aos últimos anos da
década de 1970 e me traz à memória a iniciativa de incluir a
disciplina História da Educação Brasileira na grade curricular
do Curso de Graduação em Pedagogia. Trata-se de um
caderno de anotações em que registrei o conteúdo das aulas
ministradas, no segundo semestre de 1982, sobre História da
Educação Brasileira, no período colonial e no Império. As
anotações se rebatem em um conjunto de outros cadernos
de curso e em um outro maço de papéis velhos batidos à
maquina, em que estão registrados programas oficiais da
disciplina, todos sem data; textos que redigi como roteiro de
alguma palestra; uma proposta curricular de reorganização do
perfil e da distribuição da disciplina de História da Educação,
datada de 1985; e justificativas e delineamento dos perfis de
alguns outros poucos, mas significativos projetos ou propostas
277
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

que coordenei, relativos à reordenação ou institucionalização


do ensino e da pesquisa no campo da História da Educação na
FEUSP. Alguns desses projetos não chegaram a se efetivar, como
foi o caso de proposta de criação da Área de Concentração
Cultura Escolar Brasileira na Pós-Graduação, em 1992.
Outros foram bem-sucedidos e lograram se institucionalizar
e se consolidar na instituição, como foi o caso do Centro de
Memória da Educação e da Área Temática de Pós-Graduação
em História de Educação e Historiografia, ambos em 1992.
Ordenar e (re)significar esses papéis velhos, fazendo-os falar
das marchas e contramarchas do empenho partilhado com
colegas e alunos no intuito de conferir à pesquisa e ao ensino
de História da Educação um outro perfil, nos anos 1980, é
trabalho de memória que ganha sentido e se esgarça nas
lacunas produzidas já no ato de guardá-los.
A proposta de inclusão da disciplina História da Educação
Brasileira na grade curricular correspondia a uma demanda,
represada até o final da década de 1970, de um grupo
significativo de alunos e professores do Curso de Pedagogia
então bastante mobilizados e interessados na promoção de
uma reforma curricular. A proposta encontrava forte resistência
no Departamento de Filosofia e Ciências da Educação, a que
eu pertencia, onde prevalecia a concepção de que o ensino de
História da Educação no curso deveria permanecer vinculado
ao ensino de Filosofia, como história das ideias pedagógicas,
devendo o estudo histórico da educação brasileira ficar
reservado a pesquisadores pós-graduandos e pós-graduados.1
Dizer que o estudo histórico sobre educação brasileira
estava completamente ausente da formação dos alunos até
a inclusão formal de disciplina explicitamente consagrada
a esse estudo na grade curricular seria, no entanto, uma
inverdade. Em minha experiência docente, houve duas outras
situações em que se abriu espaço para um estudo desse tipo:
como professora de Educação Comparada, nos anos iniciais

1
Cf. Carvalho (2000, 2005) e Bontempi (2001).

278
O ensino de história da educação

de minha carreira, a partir de programação do curso feita pelo


então professor da disciplina, José Querino Ribeiro; e cerca
de uma década mais tarde, como professora de História da
Educação Contemporânea, quando encontrei espaço na
programação oficial para incluí-lo. Em anotações de caderno
e em papéis soltos, encontro registros dessas práticas. É assim
que me deparo com um deles, em impresso mimeografado,
em que está inscrita a programação do Curso de Educação
Comparada para o segundo semestre de 1972. Nele, o
programa previa o tratamento de duas grandes unidades. A
História da Educação Brasileira, dos anos 1920 à lei Diretrizes
e Bases de 1961, culminando com a tópica “problemas
educacionais brasileiros na atualidade”, era uma delas.
Um segundo item do programa previa o exercício da
comparação, trazendo à cena a educação latino-americana
e as recomendações de organismos internacionais para a
America Latina.
Cotejando essa programação com anotações de três
velhos cadernos, vejo que ela era preparada para um primeiro
semestre de curso. Nela, a disciplina era conceituada e
delimitada. Nela também eram apresentados os principais
“fatores” de que o curso deveria tratar para, com eles, explicar,
comparativamente, as semelhanças e as diferenças entre
os sistemas educacionais das nações comparadas.2 Já em
cadernos posteriores, do início da década de 1980, constam
anotações de pesquisa e planos de aula em que a história da
escola brasileira aparece inscrita em um programa de História
da Educação Contemporânea.
Subrepticiamente,3 eu havia redirecionado o percurso
pela história das ideias previsto no programa oficial da

2
Em 1973, deixei o Departamento de Metodologia e Educação Comparada
onde lecionava Didática e Educação Comparada e me transferi para o
Departamento de Filosofia e Ciências da Educação para trabalhar com
Filosofia da Educação. Essa situação perdurou até o fim da década.
3 O termo é adequado, pois cheguei a ser advertida, em data que me foge à
memória, pelo então chefe do Departamento, Prof. Dr Rui Afonso da Costa
Nunes, por não estar seguindo o programa oficial.
279
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

disciplina, fazendo-o convergir para a compreensão do


processo oitocentista de institucionalização da escola
moderna, com ênfase no processo de constituição dos
sistemas públicos de educação no final desse século e nas
primeiras décadas do século XX. Com essa estratégia, eu
desembocava em questões de História da Educação Brasileira,
pondo em foco a institucionalização da escola republicana no
Brasil, nas quatro primeiras décadas republicanas. Mas não
sem antes abandonar o programa prescrito, mergulhando em
movimentos políticos e sociais, como a Comuna de Paris e
o anarquismo. Também, já nesses mesmos anos, e por toda
a década de 1980, foram registradas em cadernos similares
anotações sobre questões de história educacional nos séculos
XVI, XVII, XVIII e XIX, especialmente preparadas para os cursos
de História da Educação Brasileira que passei a ministrar.
A resistência à mudança curricular era especialmente
forte no Departamento de Filosofia e Ciências da Educação,
em seus órgãos diretores, mas também entre os próprios
professores de História e Filosofia, até, pelo menos, meados da
década de 1980. A crescente mobilização discente e docente,
iniciada na segunda metade da década de 1970, começou
a quebrar essa resistência, tornando possível, já em 1982,
a inclusão da disciplina História da Educação Brasileira na
grade curricular, na forma de um curso semestral, no 4º ano.
Não me foi possível discriminar, a partir dos papéis
datilografados que reuni, qual foi a programação oficializada
para esse curso. No entanto, no que restou de minhas anotações,
encontro, em um caderno velho, o registro fragmentário
de alguma das aulas que nele ministrei. Ao que parece, o
curso realizado no segundo semestre de 1982 alcançava a
República, mas os registros do caderno evidenciam um grande
investimento de pesquisa na história colonial.
A iniciativa de inclusão da disciplina na grade curricular
fazia parte de um cenário mais amplo em que estavam em
discussão temas que remetiam ao inesgotável debate acerca

280
O ensino de história da educação

das diretrizes norteadoras da formação do educador e seus


infindáveis desdobramentos em questões de configuração
curricular. Tais questões, latentes no cotidiano de alunos e
professores, tensionavam suas práticas na década de 1970.
Mas foi na década de 1980, cadenciados pelas marchas e
contramarchas do processo de abertura política do País, que
os debates em torno desses temas ganharam as salas de aula,
conquistaram os corredores e se impuseram institucionalmente
como exigência de redefinição global do currículo de formação
do educador. Foi nesse contexto que, em 1985, se realizou um
amplo debate institucional sobre os Cursos de Pedagogia e
de licenciatura, que teve numerosa participação de alunos e
professores. Para coordenar esses debates, o então diretor da
Faculdade, Antonio Carlos Campino, nomeou uma comissão,
composta por três docentes4 e por dois representantes discentes
designados pelo Centro Acadêmico.
Foi nesse mesmo ano que participei de uma iniciativa
estudantil paralela, como convidada para uma mesa-redonda
sobre o Curso de Pedagogia promovida pelo Centro Acadêmico
Paulo Freire. O tema que me foi então sugerido pelos
organizadores do evento propunha que eu refletisse sobre a
função da História da Educação na formação do educador.
Entre os papéis, encontro, datilografada, a minha fala, cujas
ideias principais resumo aqui, no intuito de recuperar o sentido
das proposições sobre o ensino da História da Educação que
eu defendia em meados da década de 1980.
Eu iniciei a minha fala sustentando que o ensino da
disciplina era sempre formativo, mesmo quando se pretendesse
puramente informativo. Argumentava dizendo que a
constituição de uma memória, no relato histórico constitutivo
da disciplina, possibilitava aos estudantes “[...] simbolizar o seu
lugar na sociedade, situando-se a si próprios e ao mundo em
4
Os docentes que integraram essa Comissão foram as professoras Belmira
Bueno, pelo Departamento de Metodologia e Educação Comparada; Carmen
Silvia Vidigal de Moraes, pelo Departamento de Administração Escolar; e eu,
pelo Departamento de Filosofia e Ciências da Educação.

281
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

que vivem em um feixe de relações com o passado que apontam


perspectivas de futuro” (CARVALHO, 1985). Considerava, assim,
que a História da Educação era disciplina inescapavelmente
formativa, já que tornava possível a construção de uma
identidade imaginária do aluno. E acrescentava que tal papel
formativo era especialmente reforçado pela articulação da
disciplina “[...] com outras disciplinas nos cursos de formação
do magistério, nos quais está em jogo a construção da identidade
imaginária ‘o educador’”.
Atribuir à História da Educação o caráter de disciplina
formativa não significava para mim valorar a formação
ministrada quaisquer que fossem os valores em jogo. O
ponto de vista que eu então sustentava era o de que era
necessário distinguir entre duas modalidades de ensino da
disciplina, pensando-as como práticas distintas e valorando-
as diferencialmente, positiva ou negativamente.
Na primeira delas – eu sustentava – tal prática podia
ser pensada como dispositivo de unificação imaginária dos
agentes envolvidos na relação ensino-aprendizagem. A
função formativa da História, neste caso, produz a ficção de
uma unidade – “nação”, “humanidade”, “espírito humano”,
“escola”, “povo”, “educador” e, mesmo, “classe social”– cujas
manifestações, no decorrer do tempo (nunca atravessadas pela
contradição), seriam colecionadas, registradas e exibidas na
narrativa histórica. Na produção dessas unidades, dissimula-
se a divisão social, a contradição, a heterogeneidade e, com
isso, é a própria historicidade dos objetos narrados que se
esvai, capturada a sua particularidade, a sua especificidade,
nas malhas de unidades atemporais. A produção de tais
unidades fictícias possibilitaria ao indivíduo reconhecer-se
imaginariamente como participante de uma totalidade cujo
sentido lhe era revelado pelo relato histórico. Esse relato,
elidindo sua particularidade de discurso produzido numa
situação determinada, apresentava-se pretensamente como
relato de verdade. A situação de produção do saber histórico

282
O ensino de história da educação

veiculado na prática escolar era, neste caso, elidida. Em


outras palavras, a historicidade da História, seu caráter de
produção cultural datada, era escamoteada. Dessa perspectiva
não interessa exibir, na relação ensino-aprendizagem, o
processo de produção do conhecimento histórico naquela
situação. Não interessa evidenciar a relação existente entre
a informação histórica e mesmo a explicação histórica
transmitida e o processo de sua produção. Essa modalidade
podia ser criticada – propunha – pela crítica de Michel de
Certeau ao Manual:

[...] o conteúdo do manual pode mudar: uma história


econômica ou cultural substitui uma história puramente
política ou diplomática. Mas a maneira como a historiografia
se constrói, as razões de suas modificações, etc., permanecem
escondidas. O Manual continua a ser autoritário. Camufla
o modo de produção das representações que fornece, a
sua relação com os arquivos, com um meio histórico, com
as problemáticas contemporâneas que determinam a sua
fabricação etc (DE CERTEAU, 1978, p. 17).

O segundo tipo de modalidade – eu prosseguia – seria


definível pela oposição ao primeiro. Nele, a História é
dispositivo de pulverização de unidades fictícias como
as aludidas, exibindo seus limites pela desmontagem dos
mecanismos – “saberes” – que as produzem. No processo
de formação que tal modalidade de prática põe a funcionar,
a constituição de uma identidade – também imaginária –
coincide com a possibilidade de aquisição de um instrumento
crítico que permita ao indivíduo situar-se em seu mundo
presente, nas contradições que o atravessam, percebendo a sua
particularidade histórica, sua diferença. Nessa modalidade,
a prática do ensino escolar da História seria pautada pela
tentativa contínua de exibir os limites de si própria como
prática: como intervenção sobre saberes cuja determinação
procura exibir, exibindo também a sua própria determinação,
o que significava poder evidenciar o processo de produção

283
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

da História – que se dá na situação de sala de aula e fora


dela – como produção que se faz a partir de um lugar social
determinado, como prática atravessada pela contradição.
Um ano depois, em 1986, fui convidada para avaliar, para a
Secretaria da Educação do Estado, planejamentos de História e
Filosofia da Educação de professores dos Cursos de Habilitação
Específica ao Magistério. Tive, então, nova possibilidade de
articular por escrito os pontos de vista que vinha sustentando.
Os planos examinados obedeciam a diretrizes de um Guia
Curricular que prescrevia o seguinte objetivo para o ensino da
História da Educação: “[...] adquirir visão histórica das principais
idéias e fatos que marcaram a definição dos fins, valores e ideais
do mundo ocidental e, especialmente, da escola brasileira”
(CARVALHO, 1986, p. 43). Com essa finalidade, o ensino de
História da Educação era proposto como “[...] instrumento da
Filosofia para o esclarecimento de conceitos indispensáveis
em Pedagogia” (p. 43). A Introdução do documento explicava
que a programação havia sido elaborada “[...] visando a
compreensão das raízes da cultura ocidental e da origem das
idéias que servem de suporte à educação brasileira”. Com isso,
evidenciava tratar-se de instrumentalização da História como
operação de legitimação de valores e de ideais do presente,
tidos como transistóricos e universais. A História da Educação
era assim proposta como instrumento de uma espécie particular
de Filosofia da Educação, cujo objetivo era reconstituir o que
por ela mesma era constituído como legado da cultura ocidental
ou tradição cultural a ser preservada.
O ponto de vista crítico que sustentei então era o de que
uma tal concepção das finalidades do ensino da História da
Educação traía o que é essencial ao trabalho historiográfico,
ao dissolver a particularidade irredutível de práticas datadas
em generalizações homogeneizadoras. Com isso, esvaía-se
a possibilidade de compreensão da historicidade própria das
práticas sociais. A narrativa histórica que se constrói sobre
o passado produzia a ficção de uma unidade – humanismo,

284
O ensino de história da educação

humanidade, cultura ocidental, ou mesmo educação etc. – que


era só unidade de ficção, pois dissimulava e deslocava a divisão
social, a contradição e, ainda, a situação de sua produção. O
discurso sobre o passado (que é só discurso, ou seja, particular,
datado) se dá, em seu efeito de sentido, como relato de verdade
que constitui um passado para validar um presente.
Os pontos de vista expressos na mesa-redonda de que
participei em 1985 e no Parecer acima referido explicitavam as
principais questões que eu então me colocava sobre o estatuto
da disciplina. Ambos insistiam em um ponto que me parecia
fundamental: a importância de defender o papel formativo do
ensino de História da Educação, insistindo na necessidade de
que a prática desse ensino se objetivasse como intervenção
crítica atenta à historicidade do conhecimento histórico
transmitido, entendido como conhecimento produzido em
um lugar social determinado, como produto de uma prática
atravessada pela contradição.
Desde meados dos anos 1970, eu vinha propondo
uma redefinição do perfil do ensino da História da
Educação, dando vazão a certo desconforto pessoal com
as tendências então dominantes nesse campo, desconforto
experimentado na situação de professora dessa disciplina e de
pesquisadora. Incomodavam-me, particularmente, algumas
das representações sobre os objetivos desse ensino que
tinham larga circulação em vários meios universitários. Essas
representações não eram sempre coincidentes. Para alguns,
a disciplina deveria autonomizar-se completamente de
qualquer vinculação com a Filosofia e ser ministrada de modo
a compendiar um conjunto das informações entendido como
síntese do processo histórico-educacional brasileiro. Para
outros, a História da Educação deveria estar necessariamente
subordinada a uma Filosofia da Educação, o que podia
explicar a frequente fusão dos programas de História da
Educação e Filosofia da Educação nos cursos de formação de
professores. Mas, para estes, também não havia coincidência

285
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

de posições. Para alguns, o programa da disciplina História da


Educação deveria promover o contato do aluno com ideais e
valores da humanidade considerados universais, assegurando-
lhe um percurso de formação no campo da história das ideias
pedagógicas. Para outros, a História da Educação era entendida
como um ramo da Filosofia da Educação que deveria auxiliar
o trabalho dessa disciplina na formação de educadores
“conscientes” dos problemas educacionais do País.
No âmbito da Faculdade de Educação da USP, e a partir
de meados da década de 1980, eu avaliava que propostas
relativas ao ensino de História da Educação tinham que
lidar com duas tendências que se contrapunham no debate
curricular em curso na instituição. A primeira delas, até então
dominante, era resquício das concepções que, hegemônicas,
haviam reservado para o ensino de História da Educação,
salvo engano, nada menos do que seis semestres no Curso de
Pedagogia, imprimindo-lhe o perfil de disciplina atrelada ao
ensino da Filosofia da Educação, disciplina que, por sua vez,
era ministrada em mais quatro semestres. A segunda tendência,
já dominante nas conversas de corredor e nos debates de sala
de aula da instituição, aglutinava propostas muito variadas de
redefinição global do curso que partilhavam uma meta comum:
lutar pela diminuição da carga horária das disciplinas História da
Educação e Filosofia da Educação no currículo. Predominava,
entre professores e alunos que partilhavam essa meta, uma
concepção muito restrita do papel da História da Educação
na formação do educador. Segundo essa concepção, a função
do ensino de História da Educação no curso era puramente
informativa, devendo se ater à transmissão de informações
acerca da história do sistema de ensino brasileiro na República,
já no primeiro ano do curso, de modo a dar ao aluno uma visão
histórica condensada capaz de lhe fornecer a referência e a
matéria das análises e das teorizações a que ele teria acesso ao
cursar outras disciplinas do currículo, de vocação mais analítica
e interpretativa, segundo entendiam.

286
O ensino de história da educação

No contexto assim configurado, pareceu-me fundamental


intervir no debate então em curso na Faculdade, em duas
frentes. Na primeira delas, interessava problematizar a relação
entre História da Educação e Filosofia da Educação. Na
segunda, importava conduzir a reflexão e o debate sobre o
ensino da História da Educação para o âmbito mais amplo das
discussões que se processavam, então, na Universidade, em
torno das macro e micropolíticas que vinham progressivamente
promovendo a dissociação entre ensino e pesquisa. Nas duas
frentes, pareceu-me fundamental dar corpo a uma proposta
de ensino da disciplina que recusasse o reducionismo das
concepções que a instrumentalizavam como matéria tutelada
seja pela Filosofia, seja pela Sociologia, seja por qualquer outra
forma de saber sobre a educação, suas práticas, seus processos.
A partir dessas convicções, parecia-me importante atuar
na redefinição do currículo e dos programas de História da
Educação, de modo a concretizar três objetivos: o primeiro
deles consistia em recusar a pertença da disciplina ao
campo dos Fundamentos da Educação, autonomizando-a do
campo da Filosofia; o segundo pretendia redefinir o perfil e a
inserção das disciplinas de História da Educação no Curso de
Pedagogia, abandonando a ênfase até então dada à história
das ideias pedagógicas e conferindo ao ensino ministrado o
caráter de uma história social e cultural que fizesse da escola,
da infância e da família os eixos temáticos articuladores dos
programas; o terceiro visava a ampliar substancialmente o
programa de História da Educação Brasileira no currículo. Por
um lado, tratava-se de reagir à expectativa dominante que,
como afirmei acima, atribuía à disciplina uma função bastante
restritiva, meramente subsidiária de outras disciplinas, na
formação do educador. Por outro, tratava-se de favorecer
a pesquisa no ensino da disciplina, fazendo-o funcionar
como prática de introdução do aluno nos procedimentos de
investigação científica no campo da História da Educação
brasileira. Tratava-se de esboçar o programa da disciplina de

287
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

modo a favorecer práticas capazes de levar o aluno a perceber


o caráter lacunar e aberto à crítica e a novas investigações
do conhecimento transmitido, entendido este como produto
histórico de práticas particulares, datadas, perspectivadas a
partir de seu lugar de produção.
Para que se possa situar a questão no contexto do ensino
que era então ministrado, em meados da década de 1980, na
Faculdade de Educação, é importante saber que a grade curricu-
lar do Curso de Pedagogia previa, então, seis semestres de His-
tória da Educação, distribuídos pelo segundo, terceiro e quarto
ano do curso, e quatro semestres de Filosofia da Educação, mi-
nistrada no primeiro e no quarto ano. Nessa grade curricular,
um semestre era reservado para a História da Educação Antiga,
outro para História da Educação medieval, dois semestres para
História da Educação Moderna, um semestre para História da
Educação Contemporânea e um semestre para História da Edu-
cação Brasileira. Esse quadro se alterou em 1987, no bojo de
um processo de reformulação curricular, quando a disciplina
História da Educação Brasileira teve ampliada sua inserção na
grade curricular, passando a ser ministrada em dois semestres,
no 4º ano do Curso de Pedagogia. Tal ampliação se deu por
ocasião de uma reforma curricular que o Departamento de Fi-
losofia e Ciências da Educação realizou, abrangendo as disci-
plinas sob sua responsabilidade. A partir de 1988, no âmbito de
uma reforma mais ampla, que envolveu os três Departamentos,
a História da Educação Brasileira passa a ser ministrada em três
disciplinas, uma delas obrigatória, no curso básico, e as outras
duas como disciplinas eletivas de uma Área de Concentração
que, no caso desse Departamento, estavam direcionadas para a
formação do pesquisador nas disciplinas a seu encargo – Filo-
sofia, Sociologia, História e Psicologia.
É assinado por mim e pelas professoras Cynthia Pereira de
Sousa Vilhena e Maria Lucia Pallares Schaeffer5 o documento
datado de 4 de dezembro de 1985, que encontro nos meus

5
Hoje Cynthia Pereira de Sousa e Maria Lucia Pallares- Burke.

288
O ensino de história da educação

papéis, com proposta de reorganização curricular da Área de


História da Educação no Curso de Pedagogia, encaminhado
ao então chefe do Departamento de Filosofia e Ciências da
Educação, Prof. Dr. Celso de Rui Beisiegel. Desde meados da
década de 1970, eu e Maria Lúcia vínhamos frequentemente
conversando e discutindo propostas de reorganização da
grade curricular e da programação das disciplinas de História
da Educação Moderna e Contemporânea. Nessas conversas,
começamos a formular a ideia de sugerir ao Departamento um
modelo de grade curricular que reorganizasse essa programação.
Foi o que fizemos em 1985, quando encaminhamos ao chefe
do Departamento uma proposta de reorganização programática
dessas disciplinas. A proposta contou com a adesão da professora
Cynthia de Souza Vilhena, como disse, e foi apresentada à área
de História e Filosofia da Educação para ser discutida.
Nesse documento, propúnhamos que a área de História
da Educação existente no Departamento se subdividisse em
duas subáreas e que, respeitada a carga horária total então
vigente, o currículo condensasse os cursos de Antiga,
Medieval e Moderna em dois semestres e reservasse um
semestre para História Contemporânea e três para História
da Educação Brasileira. Propúnhamos ainda que o programa
de Contemporânea fosse reformulado, tomando como eixo
a história das instituições escolares nos séculos XIX e XX.
Justificávamos essa mudança de eixo argumentando que ela
não inviabilizaria o trabalho de história das ideias que vinha
sendo feito na disciplina; apenas o redefiniria pela “[...] ênfase
no papel dessas ideias no processo histórico de constituição
dos sistemas públicos de educação e na transformação das
práticas escolares” (VILHENA; SCHAEFFER; CARVALHO,
1985, p. 1, 2) Além disso, mantínhamos os cursos de História
Antiga, Medieval e Moderna no campo dos estudos de história
das idéias pedagógicas, respeitando a tradição neles vigente.
No ofício de encaminhamento da proposta, salvo a suges-
tão de algumas diretrizes gerais como as acima mencionadas,

289
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

não era apresentada proposta de programação para os Cursos


de História da Educação Geral, já que essa programação havia
sido elaborada e encaminhada para discussão pela Prof. Dra
Gilda Naécia Maciel de Barros. Diferentemente, para História
da Educação Brasileira eram reservados três cursos semestrais.
Para eles, o documento prescrevia manter “[...] a orientação de
garantir espaço para o estudo de fontes primárias” (VILHENA,
SCHAEFFER E CARVALHO, 1985, p. 3). Além disso, como se
pode ler a seguir, é possível depreender da temática aborda-
da que os cursos conferiam às disciplinas uma acepção muito
ampla, concebendo-as “[...] num sentido não restrito à história
das instituições escolares” (p. 2) e conferindo-lhes um caráter
abrangentemente cultural e social. Assim, por exemplo, como
também se pode ler a seguir, o curso sobre educação no perío-
do colonial retomava temas de história moderna, analisando o
expansionismo português nos quadros do capitalismo mercan-
til, da expansão da Cristandade, da Contrarreforma, do Renasci-
mento; examinava a ação jesuítica nos séculos XVI, XVII e XVIII
à luz da análise desses temas e da discussão de outros, como
a política indigenista da Coroa, a organização social das tribos
tupis do litoral, a introdução da agricultura de exportação e a
política colonizadora de ocupação e povoamento do território.
Em um outro tópico, a programação desse curso previa a explo-
ração do tema Escola, Igreja e Cultura em uma sociedade escra-
vocrata, nos séculos XVII e XVIII. Nesse tópico, a programação
previa o tratamento de temas como: festa e erudição barrocas:
a teatralização do poder; o sermão como prática pedagógica; o
padrão oral de circulação da cultura e a sátira baiana de Gregó-
rio de Matos e Guerra; a cultura letrada: Coimbra, as Academias
da Bahia e do Rio de Janeiro; os colégios jesuíticos. Os cursos
sobre educação nos séculos XIX e XX, mais centrados em temas
de política escolar, não dispensavam articulá-los a questões de
História Política, Social e Cultural do Pais, incluindo estudos
sobre movimentos políticos, filosóficos, literários e religiosos
(VILHENA; SCHAEFFER; CARVALHO, 1985).

290
O ensino de história da educação

Para dar conta de tal abrangência do programa, o


documento previa a realização de uma programação
de seminários. Assim, estava previsto que os programas
apresentados funcionassem como “espécie de roteiro de
estudos” para professores da área que manifestassem interesse
e se comprometessem a trabalhar na subárea de História da
Educação Brasileira. Para tanto, o documento propunha a
“[...] organização, já para 1986, antes portanto da provável
implantação dos novos cursos em 1987, de um programa de
seminários para o qual seriam convidados especialistas em
temas de importância nuclear para o desenvolvimento dos
programas” (VILHENA; SCHAEFFER; CARVALHO, 1985, p. 3).
O documento recomendava ainda que, dada a envergadura
do projeto que pressupunha um compromisso de longo
prazo dos professores que nele se integrassem, as propostas
que encaminhava fossem consideradas nas projeções de
distribuição das atividades docentes nos anos seguintes.
Levada à discussão na área, a proposta encontrou muita
resistência e não foi aprovada. Mas, alguns anos depois, em
1988, como fruto do lento e árduo processo de negociação que
então se estabeleceu no interior da área e no bojo da reforma
curricular então em curso na Faculdade, ela foi de certo
modo contemplada na grade curricular, que passou a prever
disciplinas comuns e disciplinas eletivas, tornando possível ao
aluno compor o seu currículo de modo a obter, se o desejasse,
uma relativa especialização e iniciar-se na pesquisa em um
campo escolhido entre as disciplinas ministradas por um dos
Departamentos. Os debates que foram realizados acabaram
por produzir uma proposta que buscou conciliar as posições
então antagônicas na área de História e Filosofia da Educação.
A grade curricular das disciplinas obrigatórias dessa área sofreu
algumas modificações e o ensino de História da Educação
passou a ser nela organizado em dois grandes blocos: um, que
abrangia o ensino da História da Educação Antiga, Medieval
e Moderna e mantinha as relações até então vigentes entre

291
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

História e Filosofia da Educação, era contemplado com três


semestres e se estruturava no campo da História das Ideias
Pedagógicas. O outro, que rompia com essa tradição e se
estruturava como História Social e Cultural da educação,
era contemplado com outros três semestres que abrangiam
as épocas moderna e contemporânea, tendo três disciplinas:
História da Educação Brasileira, História da Escolarização e
História da Infância e da Família. Essas disciplinas obrigatórias
poderiam ser complementadas por disciplinas eletivas. No
caso das disciplinas de História da Educação Brasileira, foram
propostas e aprovadas duas eletivas: História da Educação
na Colônia e Império e História da Educação na República.
Assim, a partir de 1989, no bojo de ampla reforma curricular
que abrangeu os cursos ministrados pelos três departamentos,
a História da Educação Brasileira passa a ser ministrada em
três disciplinas, uma delas obrigatória, no curso básico, e as
outras duas como disciplinas eletivas de uma das áreas de
concentração que estruturavam o Curso de Pedagogia.
Assim é que se institucionaliza, em 1988, já no âmbito
geral da Faculdade, um modelo de grade curricular no qual
a programação de História Moderna e Contemporânea se
distribuía em torno de dois grandes eixos, contemplados,
cada um deles, por disciplinas distintas. Como disse, um
primeiro conjunto de disciplinas permanecia filiado à
tradição de privilegiar a história das ideias pedagógicas. Um
segundo conjunto se organizava como história social da
escola e do processo de escolarização na sociedade moderna
e contemporânea e seria desenvolvido de modo articulado a
estudos de História brasileira.
Essa mudança curricular teve desdobramentos
importantes no cotidiano institucional. Até então, esperava-se
que os docentes da área de História e Filosofia da Educação
pudessem ministrar, em sistema de revezamento, tanto os
Cursos de História como os de Filosofia. A partir de então,
informalmente, passaram a existir dois núcleos relativamente

292
O ensino de história da educação

distintos, com alguma autonomia para decidir sobre questões


relativas à docência e à pesquisa. Um deles ficou responsável
pelas disciplinas História da Educação Brasileira e História da
Educação Geral III (Moderna e Contemporânea), V (História
da Escolarização) e VI (História da Infância e da Família), e
o outro, responsável pelas disciplinas História da Educação
Geral I e II e Filosofia da Educação I e II. Essa repartição tornou
possível a contratação de novos docentes com perfil adequado
à sua incorporação nesses núcleos informais.6
A existência de um núcleo informal de História da Educação
Moderna e Contemporânea7 no âmbito do Departamento abriu
um espaço de atuação importante: no lugar institucional
nele produzido, tornou-se possível e pertinente discutir novas
modalidades de articulação entre ensino e pesquisa e de sua
institucionalização, articulando pesquisadores de História da
Educação Brasileira que vinham trabalhando na instituição,
dentro e fora do Departamento. A primeira delas foi a composição
de um grupo interdepartamental, em 1989, articulado em torno
de um programa de estudos cujo perfil foi delineado no texto
Saber teórico e saber escolar. Esse texto deveria dar suporte
a um programa de intercâmbio internacional a ser realizado
no âmbito do Programa de Pesquisas sobre Cultura Escolar
Brasileira,8 elaborado com base em texto especialmente
redigido pelo Prof. Dr. José Mario Pires Azanha. Ele estabelecia

6
Nesses termos, é que foram contratados mediante concursos, um para as
disciplinas de Filosofia da Educação, outro para as disciplinas de História da
Educação Geral III, V e VI, respectivamente, os professores Antonio Joaquim
Severino e Marcos Barbosa de Oliveira, pelo primeiro deles, e Maria Lucia
Hilsdorf e Waldir Cauvila, pelo segundo.
7
Esse núcleo estava originalmente composto pelas professoras Cynthia
Vilhena, Maria Lucia Pallares e Marta Carvalho, e foi ampliado, em 1989,
com a contratação dos professores Maria Lucia Hilsdorf e Waldir Cauvila.
8 Participaram do projeto de intercâmbio institucional sustentado pelo
subprojeto Saber teórico, saber escolar as professoras: Cynthia Pereira de
Souza, Denice Catani, Maria Cecília Christiano de Souza e Marta Maria
Chagas de Carvalho. O texto que formula esse subprojeto nunca foi publicado.
O texto que serviu de base à articulação da FEUSP ao referido convênio foi
elaborado pelo Prof. Dr. José Mario Pires Azanha e foi publicado na forma de
artigo na Revista USP. Azanha (2001).

293
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

um recorte temático e conceitual desse programa, a partir do


texto-base de autoria do professor José Mario, procurando ser
fiel aos interesses de pesquisa e aos referenciais teóricos que já
vinham balizando o trabalho dos pesquisadores participantes.
Encontro-o entre os meus papéis.
O Programa de Pesquisas sobre Cultura Escolar Brasileira
inscrevia-se em iniciativa da Reitoria que objetivava impulsionar
a pesquisa na Universidade favorecendo a constituição de
grupos institucionalmente articulados e internacionalizar a
investigação financiando amplo intercâmbio internacional.9
O programa objetivava integrar “[...] um amplo conjunto de
investigações (multi e interdisciplinares) capazes de cobrir
o amplo espectro de manifestações culturais que ocorrem
no ambiente escolar e que se objetivam em determinadas
práticas” (FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE
DE SÃO PAULO, [198-], p. 8). Tais investigações, propunha
o Programa, destinavam-se não somente a “[...] descrever
estas práticas [...] como também identificar e deslindar os
processos de sua formação, transformação e permanência”
(p. 1). O recorte “Saber teórico, saber escolar” previa o
desenvolvimento de pesquisas sobre a inter-relação entre
esses saberes, entre o chamado ‘saber pedagógico’ e aquele
’saber’ difuso, historicamente sedimentado no ambiente
escolar”(p. 1).
A essa altura, no final da década de 1980, as professoras do
pequeno núcleo informal de História da Educação Moderna e
Contemporânea já haviam defendido o doutorado e iniciavam
seu processo de credenciamento na Pós-Graduação. Como
elas, nos outros Departamentos, uma nova geração de
doutoras recém-tituladas passava a compor o corpo docente
da instituição e trazia a pesquisa em História da Educação
Brasileira para o núcleo de sua atividade profissional. Desde
meados da década, eu já vinha mantendo intensa interlocução

9
O programa de intercâmbio internacional foi financiado por um convênio
estabelecido entre a USP e o BID – Convênio USP-BID Pesquisa Institucional
– e vigorou entre 1990 e 1992. Eu coordenei o projeto na FEUSP, juntamente
com a Profa. Dra. Belmira Bueno.

294
O ensino de história da educação

com algumas dessas professoras que, embora vinculadas a


outras áreas ou Departamentos, vinham desenvolvendo suas
pesquisas no campo da História da Educação Brasileira.10
Tendo realizado suas teses de doutoramento no campo da
pesquisa historiográfica sobre educação no Brasil, essas
doutoras partilhavam comigo avaliações sobre a importância
do trabalho em equipe com vistas à efetiva institucionalização
da pesquisa na FEUSP.
Rompendo as barreiras departamentais impostas por
seus vínculos funcionais como docentes da instituição,
essa nova geração de doutoras estava, assim, interessada
em institucionalizar instâncias interdepartamentais que
favorecessem o ensino na pós-graduação e a produção em
equipe da pesquisa histórica sobre educação. Na avaliação
feita, a estrutura departamental existente não era de molde a
facilitar o trabalho em equipe, trabalho esse que demandava
um espaço institucional interdepartamental adequado ao seu
desenvolvimento. Foi assim que começaram a ser gestadas
duas iniciativas, entendidas por nós, professoras, como
complementares: a de criação de um Centro de apoio à
pesquisa e a de um espaço de articulação institucional na Pós-
Graduação.
O projeto de criação de um Centro capaz de amparar
e subsidiar a pesquisa no campo da História da Educação é
bem-sucedido. É assim que, em meados de 1993, o Centro
de Memória da Educação é criado por deliberação da
Congregação da Faculdade de Educação, que aprova proposta
encaminhada por um grupo coordenado por mim e integrado
pelas professoras Carmen Silvia Vidigal de Moraes, Circe
Bittencourt, Cynthia Pereira de Sousa, Denice Catani, Maria
Cecília Cortez Christiano de Souza, Maria Lucia Hilsdorf.

10
Destaco, especialmente, os contatos que vinha mantendo com a professora
Maria Cecília Christiano de Souza, da área de Psicologia do Departamento de
Filosofia e Ciências da Educação, e com as professoras Carmen Silvia Vidigal
de Moraes, do Departamento de Administração Escolar, e Denice Bárbara
Catani, do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada.

295
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Contemporânea dessa iniciativa foi a criação, no interior da Área


de Concentração então existente no Curso de Pós-Graduação,
de uma Área Temática especificamente voltada para o ensino e
para a pesquisa no campo da História da Educação.
Um perfil dessas iniciativas pode ser extraído de documento
que elaborei, em meados da década de 1990, a pedido da
chefia do Departamento. O documento traçava um perfil da
área de História da Educação e apresentava um projeto para sua
consolidação, com vistas à obtenção de claros para contratação
de novos docentes. Encontro, em meio aos meus papéis velhos,
o que deve corresponder à versão original datilografada desse
documento, que seria assinado por mim, na qualidade de
coordenadora da Área Temática de Pós-Graduação História
da Educação e Historiografia, e por Waldir Cauvilla, então
coordenador da área na Graduação. Nele, consta a informação
de que a área de História da Educação, composta por nove
docentes, havia sido instituída a partir de um desdobramento
da antiga área de História e Filosofia da Educação, de modo
a atender “[...] a um redelineamento do perfil da pesquisa e
da docência no campo da História da Educação” (CARVALHO;
CAUVILLA, [199-], p. 1). Tal desdobramento era justificado:

O antigo acoplamento – história e filosofia – traduzia


orientação que privilegiava, desde a origem da constituição
do Departamento, a fusão entre estudos históricos e
filosóficos, o que direcionava os primeiros para o campo da
história das idéias pedagógicas. Com o passar do tempo, a
área foi redefinindo, gradativamente, o perfil do seu campo
de trabalho. Inicialmente, como conseqüência de novas
demandas dos alunos da Graduação que reivindicavam
maior ênfase no estudo da educação no Brasil e de história
das instituições escolares. Em seguida, sob o impacto das
pesquisas realizadas pelos docentes que a integravam,
destacando-se aí a importância do intercâmbio internacional
iniciado pelo Programa BID I –Pesquisa Institucional. Além
dos já tradicionais estudos no campo da história das idéias
pedagógicas, novas perspectivas e novas temáticas foram
sendo nela incorporadas. Neste movimento, a Área se abriu
para iniciativas de pesquisa e docência interdepartamentais e

296
O ensino de história da educação

ampliou o leque temático das disciplinas ministradas na Pós-


Graduação (CARVALHO; CAUVILLA, s. d, p. 2).

A seguir, o documento apresentava as evidências da


referida ampliação do campo da pesquisa e da docência.
Referia-se, inicialmente, à Reforma Curricular dos Cursos de
Pedagogia e Licenciatura realizada em 1988, que colocara
sob responsabilidade da Área 8 Cursos de Graduação em
Pedagogia, além de parcela dos novos Cursos de Introdução
à Educação, na Licenciatura. Chamava a atenção sobre a
reconfiguração temática de significativa parcela dos cursos
sob responsabilidade da Área, decorrente da incorporação de
disciplinas que, abandonando o campo da história das ideias,
“[...] passaram a enfatizar uma perspectiva sócio-cultural
nos estudos históricos sobre educação”. É o que poderia ser
constatado nos programas dos novos Cursos de História da
escolarização, história da infância e da família e na ampliação
da carga horária reservada para Cursos de História da Educação
Brasileira. Em seguida, referia-se à instalação, em 1992, da
Área Temática de História da Educação e Historiografia no
Programa de Pós-Graduação, nos seguintes termos:

A decisão tomada pela Área de institucionalizar um campo in-


terdepartamental de estudos em História da Educação no Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação da FEUSP originou-se
de um conjunto de avaliações. Em primeiro lugar, a de que
era necessário desenvolver, com alunos de Pós-Graduação,
novas linhas de pesquisa que contemplassem os novos cam-
pos temáticos que vinham redefinindo, internacionalmente,
os estudos históricos sobre educação. Em segundo lugar, o
interesse em constituir uma instância interdepartamental de
pesquisa que possibilitasse, aos docentes da Área, trabalhar
coletivamente com os docentes de outros departamentos que,
de fato, já vinham realizando suas pesquisas no campo da
História da Educação. finalmente, a necessidade de sedimen-
tar, na pesquisa sobre História da Educação, um conjunto de
critérios e de parâmetros que a constituíssem como campo
disciplinar dotado de regras e de procedimentos acadêmica-
mente definidos (CARVALHO; CAUVILLA, s. d., p. 3).

297
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Dadas essas informações, o documento prossegue


descrevendo o campo de docência e de pesquisa que a Área
recobria na Pós-Graduação:

A Área Temática de história da Educação e historiografia


abrange, hoje, investigações historiográficas sobre educação
em duas perspectivas: a de uma história sócio-cultural e a de
uma história das idéias. A perspectiva sócio-cultural articula-se
enfatizando o estudo dos processos de produção e divulgação
dos saberes pedagógicos e o de suas apropriações nas práticas
escolares. Abrange também investigações sobre história das
instituições escolares, sobre história da profissão docente,
sobre história do livro e da leitura enquanto dispositivos de
conformação de mentalidades e sobre história da educação
no âmbito da instituição familiar. No campo da história das
idéias, a Área concentra suas investigações no estudo das
obras representativas das grandes tendências do pensamento
pedagógico. Assim, a Área [...] incentiva o desenvolvimento
de nove linhas de pesquisa, a saber: a) História das Instituições
Escolares; b) História das disciplinas Escolares; c)História
da Profissão Docente; d) Saberes pedagógicos: Produção,
circulação e Apropriação; e) Educação e Usos do Impresso;
f) História das Práticas de Leitura; g) História das Idéias
Pedagógicas; h)História da Infância e da Família; i) História
da Educação Feminina (CARVALHO; CAUVILLA, s. d., p. 5).

A seguir, o documento passa a fazer uma espécie de ava-


liação do desempenho da Área de História da Educação, enu-
merando as principais iniciativas tomadas na primeira metade
da década de 1990, no intuito de “[...] aperfeiçoar a docência
e desenvolver a pesquisa [...], suprindo suas principais lacunas”
(CARVALHO; CAUVILLA, s. d., p. 6). Entre elas, destaco a or-
ganização de “Seminários ministrados por professores estran-
geiros sobre temas de interesse central para o desenvolvimento
das linhas de pesquisa instituídas na Pós –Graduação”11 (p. 6-7).
11
Entre 1992 e 1994, período em que coordenei a Área na Pós-Graduação,
diversos pesquisadores estrangeiros ministraram conferências e seminários
contribuindo para o apuramento das linhas de pesquisa e para a elaboração
de projetos de investigação. Alguns desses seminários merecem destaque
especial: os Seminários de História das Disciplinas Escolares, ministrados por
André Chervel, em dezembro de 1992; o seminário Leitura: prescrições e
representações, ministrado por Anne-Marie Chartier, de 18 a 23 de outubro de

298
O ensino de história da educação

Ao lado dessas iniciativas, o documento dá destaque


à institucionalização, em 1993, do Centro de Memória da
Educação da Faculdade de Educação da USP. Iniciativa de um
grupo de professoras, “[...] interessadas na institucionalização
de mecanismos de suporte e integração interdepartamental da
pesquisa no campo da História da Educação”, o Centro havia
sido fruto da avaliação de que a pesquisa, nesse campo, vinha
sendo “[...] especialmente afetada pela ausência de políticas
institucionais de apoio ao levantamento, à preservação e à
organização de fontes documentais primárias” (CARVALHO;
CAUVILLA, s. d., p. 8). Para suprir essa lacuna, o Centro
propunha-se a um trabalho de “[...] constituição e organização
de acervos documentais”. Propunha-se, também, segundo
o documento, a funcionar como instância institucional
interdepartamental de articulação dos projetos de pesquisa
histórica então em desenvolvimento na Faculdade e a
desenvolver projetos que aglutinassem

[...] pesquisa e ensino sobre os seguintes eixos temáticos do


campo da História da educação escolar brasileira: a) História
da instituição escolar; b) História das práticas escolares; c)
História do livro e da imprensa pedagógica; d) História da
leitura; e) História das relações escola e Trabalho; f) História
dos saberes pedagógicos; g) História dos agentes educacionais
(CARVALHO; CAUVILLA, s. d., p. 9).

Ainda segundo o documento, o Centro era organizado como


espaço de trabalho interdepartamental de professores e alunos
de graduação e pós-graduação, em interação com funcionários
da biblioteca e da Seção de Apoio à Pesquisa então existente na
Faculdade que tivessem em comum a preocupação “[...] com a

1992; os Seminários de História e Sociologia do Conhecimento, ministrados


por Peter Burke, em novembro de 1994; os Seminários de História e Sociologia
das Práticas do Escrito, ministrados por Anne- Marie Chartier, de 16 a 29 de
agosto de 1994; e os Seminários Temáticos da Área de História da Educação
e Historiografia realizados entre 1992 e 1994, ministrados por professores
da Área e por pesquisadores estrangeiros convidados, destacando-se os
ministrados por Pierre Caspard, Antonio Nóvoa e Rogério Fernandes.

299
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

questão da produção historiográfica no campo da educação e


com a salvaguarda da documentação bibliográfica e de fontes
históricas” (CARVALHO; CAUVILLA, s. d., p. 9). O documento
registra ainda que os Regimentos do Centro estabeleciam que
o grupo que havia tomado a iniciativa de sua organização se
responsabilizaria por sua implementação, “[...] encarregando-
se de sua gestão e da obtenção de recursos junto a agencias de
financiamento por um período inicial de dois anos” (p. 9). Após
esse período, prosseguia, “[...] o Centro seria gradativamente
ampliado, por meio da participação, prevista nos Regimentos,
de docentes e alunos que desenvolvessem pesquisas no campo
da História da Educação” (p. 9).
Nos anos iniciais de funcionamento do Centro, o grupo
responsável por sua institucionalização elaborou, com apoio
de alunos de Pós-Graduação, projeto institucional de pesquisa
que obteve apoio da FINEP.12 Sobre esse projeto, o documento
acima referido registra:

O projeto desenvolve trabalhos historiográficos sobre


educação no Brasil que sejam capazes de redirecionar os
estudos nesta área para investigações centradas no estudo da
escola, nas práticas e processos que a constituem e nos saberes
que nela e sobre ela se articulam. Para tanto, estrutura-se em
torno do eixo temático – Impressos, leituras e instituições

12
Coordenado por mim e pela professora Carmen Sylvia Vidigal Moraes, o
projeto foi integrado por sete subprojetos, a saber: Escolas de “Instrução
Popular”: Materiais Escolares e Documentos Institucionais, coordenado
pelas Profas. Dras. Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Circe Maria Fernandes
Bittencourt; Imprensa Periódica Educacional Paulista (1890-1990), coordenado
pelas Profas Dras. Denice Barbara Catani e Cynthia Pereira de Sousa; Práticas e
Representações de Leitura na Formação de Professores Paulistanos na Primeira
República - Estudo do Caso da Escola Normal da Praça entre 1890 e 1930,
coordenado pela Profa. Dra. Maria Cecília Cortez Christiano de Souza; Tempos
de Escola: Inventário das Instituições Escolares Femininas na Província de São
Paulo, coordenado pela Profa. Dra. Maria Lúcia. Spedo Hilsdorf; Práticas de
Leitura e Reforma Escolar no Brasil (1920-1945), coordenado por mim, que
incluiu as pesquisas Repertório de fontes sobre a reforma de Instrução Pública
no Distrito Federal (1927-1935), desenvolvidas sob a responsabilidade da então
doutoranda Diana Gonçalves Vidal; As práticas escolares: da escrita e da leitura
nas escolas de Rio Claro (1940 a 1960), desenvolvido sob a responsabilidade da
então doutoranda Marilena Jorge Guedes de Camargo

300
O ensino de história da educação

escolares – de modo a contribuir para que os estudos sobre


a escola a enraízem nas práticas materiais que a constituem
como instituição determinada (CARVALHO; CAUVILLA, s. d.,
p. 10).

E complementa, justificando:

Quem se dedica à pesquisa sobre história da educação


no Brasil encontra inúmeras dificuldade de acesso à
documentação. Esta situação é especialmente sensível
hoje, na medida em que as novas tendências de pesquisa
neste campo vêm cada vez mais exigindo o recurso a uma
pluralidade de fontes documentais sobre a instituição escolar
– sobre as práticas de seus agentes principais, professores
e alunos; assim como sobre os saberes que nela e sobre
ela se produzem – fontes,estas, que não são, em geral,
adequadamente preservadas e organizadas com vistas à sua
utilização por pesquisadores. O projeto vem responder a essa
dificuldade, propondo-se a construir instrumentos de pesquisa
a partir do levantamento, seleção e organização de fontes
que facilitem o acesso do pesquisador à documentação. Para
tanto, prioriza a construção dos seguintes instrumentos de
pesquisa;13 inventários, catálogos, coletâneas, levantamentos
e guias de fontes [...] (CARVALHO; CAUVILLA, s. d., p 11).

Já desde meados dos anos 1980, a pesquisa em História


da Educação começava a ganhar maior reconhecimento
e prestígio no campo educacional, atraindo um número
crescente de novos pesquisadores. Nesse processo, teve
importante papel o Grupo História da Educação da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPED),
que, criado em 1986, vinha se projetando nacionalmente

13
Os instrumentos produzidos e publicados com recursos FINEP foram:
Hilsdorf (1999); Catani e Sousa (Org.). (1999). Outros dois instrumentos
de pesquisa, frutos de trabalho inicialmente apoiado pela FINEP e, alguns
anos mais tarde, desenvolvido e concluído com recursos FAPESP, são as
publicações: Moraes e Alves (Org.) ( 2002); Moraes e Alves, 2002. Com
recursos FINEP foi ainda publicado livro organizado por mim e por Diana
Vidal (CARVALHO; VIDAL, 2000). Também uma versão brasileira do Banco
de Dados sobre Manuais Escolares EMANUELLE, sediada no INRP, em Paris,
foi inicialmente desenvolvida sob a responsabilidade da Profa. Dra Circe
Bittencourt, no âmbito do mesmo projeto, dando origem ao LIVRES.

301
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

como grupo de referência para os pesquisadores da área.


Aglutinando pesquisadores de todo o País, o GT História da
Educação vinha encarecendo a importância do trabalho com
fontes primárias e incentivando iniciativas de localização e
referenciamento dessas fontes. Minha participação nesse GT,
desde 1987, tornou-me especialmente sensível para questões
relativas à preservação e organização de fontes documentais
e interessada em encontrar mecanismos institucionais que
assegurassem tratamento adequado a tais questões. Como
eu, minhas colegas também estavam bastante sensibilizadas
para a questão, de modo que a criação do Centro de Memória
da Educação foi favorecida por essa ambiência. Essa mesma
ambiência proporcionou iniciativas de renovação do ensino
da História da Educação na Pós-Graduação, como foi o caso
de cursos que ministrei sobre a História da Educação como
História Cultural. Mas esse é um assunto para outro texto e
para outras incursões da memória.

Referencias

BONTEMPI JUNIOR, B. A cadeira de história e filosofia da


educação da USP entre os anos 40 e 60: as relações entre a
vida acadêmica e a grande imprensa. 2001. Tese (Doutorado)
- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2001.
CARVALHO, M. M. C. L’histoire de l’éducation au Brésil:
traditions historiographiques et processus de rénovation de la
discipline. Paedagogica Historica, v. 36, 2000.
CARVALHO, M. M.C; VIDAL, D. G. (Org.). Biblioteca e
formação docente: percursos de leituras (1902-1935). Belo
Horizonte/São Paulo: Autêntica Editora/Centro de Memória da
Educação -FEUSP/ FINEP, 2000. 96 p.

302
O ensino de história da educação

CARVALHO, M.M.C, O papel da história da educação na


formação do educador. 1985 (mimeografado).
CARVALHO, M.M.C. Análise dos planos de ensino de filosofia
e história da educação. In DRECAP 3/Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo, Os caminhos do professor de
primeiro grau: análise e reflexão sobre planos de ensino da
habilitação específica ao magistério de escolas da DRECAP-3.
São Paulo: Secretaria de Estado da Educação Divisão
Regional de Ensino da Capital-3/ Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo.1986.
CARVALHO, M.M.C. Considerações sobre o ensino da
história da educação no Brasil. In: GATTI JUNIOR, D; INÁCIO
FILHO, G. História da educação em perspectiva: ensino,
pesquisa, produção e novas investigações. Campinas: Autores
Associados. 2005.
CARVALHO, M.M.C.; CAUVILLA, W. Área de história da
educação do Departamento de Filosofia e Ciências da
Educação: projeto Recursos Humanos. perfil da Área de
História da Educação, s. d. (mimeografado).
CARVALHO, M.M.C. et al. Proposta de Programa de História
da Educação Brasileira. 1985 (mimeografado).
CATANI, Denice Bárbara; SOUSA, Cynthia Pereira de (Org.).
Catálogo, imprensa periódica educacional paulista (1890 -
1996). São Paulo: Plêiade, 1999. 204 p.
DE CERTEAU, M. A história: uma paixão nova. In: LE GOFF,
Jacques (tradução Ana Maria Bessa). A nova história. Lisboa:
Edições 70, 1978.
FACULDADE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE SÃO
PAULO. Programa de pesquisas sobre a cultura escolar
brasileira (São Paulo). São Paulo, s. d.
HILSDORF, M.L. S. Tempos de escola: fontes para a presença
feminina na educação: São Paulo, século XIX. São Paulo:
Plêiade, 1999. 189 p.
303
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

MORAES, C. S. V.; ALVES. J. F. (Org.). Inventário de fontes


documentais: contribuição à pesquisa do ensino técnico no
Estado de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado -
FAPESP, 2002. 197 p.
MORAES, C. S. V.; ALVES, J. F. (Org.). Escolas profissionais
públicas do Estado de São Paulo: uma história em imagens.
Álbum Fotográfico, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado -
FAPESP, 2002. 239 p.

304
O ensino de história da educação

Brincando nos campos do senhor:


anotações para uma história da
formação dos professores e do ensino
da História da Educação no Brasil

Mirian Jorge Warde

Introdução1

Nas duas últimas décadas, no Brasil, escritos diversos


registraram a preeminência da História da Educação em
relação às demais disciplinas da Educação por suas novas
temáticas, novas abordagens e novos questionários, expressos
tanto no número de pesquisas como nas publicações que vêm
se avolumando ao longo desses últimos tempos (dentre outros,
NUNES; CARVALHO, 1993; WARDE; CARVALHO, 2000).
Indica, sobremaneira, o crescimento e a diferenciação da
História da Educação, o surgimento de associações acadêmicas
especializadas, responsáveis direta ou indiretamente pelo
lançamento de periódicos e pela organização de eventos
nacionais e internacionais, dedicados a temas diversos.
Essa seria uma importante evidência de que, no Brasil,
a História da Educação estaria amadurecendo em relação
a um elemento decisivo na configuração de uma disciplina
acadêmica: o desenvolvimento de suas pesquisas e o interesse
crescente de tornar público os seus resultados.
Enquanto têm sido alardeadas as mudanças na História
da Educação, quer em relação ao volume, quer em relação
às características das suas pesquisas e publicações, pouco se
comenta a respeito das condições de seu ensino, isto é, pouco

1
Devo a Maria das Mercês Ferreira Sampaio, mais uma vez, as correções e os
comentários preciosos às diferentes versões deste texto. As falhas que por
ventura tenham restado devem ser imputadas à autora.
305
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

se sabe, se, com referência a esse aspecto, a disciplina estaria


sofrendo mudanças em consequência da utilização em sala de
aula das novas descobertas e da circulação de novos trabalhos.
Mas não só por isso, como também e principalmente pelas
transformações que teriam ocorrido no perfil dos professores
responsáveis pela disciplina nos cursos em que é oferecida
regularmente.
A História da educação é oferecida obrigatória e quase
exclusivamente nos Cursos de Pedagogia. Não se tem o
dado preciso, mas, pelas informações colhidas em diversas
instituições de ensino superior, é rara a sua inclusão em outra
Licenciatura. Quanto à sua oferta nos planos de cursos de
pós-graduação, pode-se afirmar que poucos mestrados ou
doutorados em Educação a têm como obrigatória e poucos
a oferecem regularmente; quando o fazem, a disciplina se
destina apenas aos alunos inscritos nas linhas de pesquisa
especificamente voltadas aos estudos e pesquisas históricas.
Nesses casos, verifica-se a predominância de disciplinas
organizadas em torno de temas específicos.
Em suma, a disciplina História da Educação é obrigatória
e regularmente oferecida nos Cursos de Pedagogia e, com
poucas exceções, é proposta em caráter eletivo ou facultativo
em programas de pós-graduação em Educação. Sendo assim,
é cabível cogitar que a disciplina esteja atravessada por
tendências, intenções ou mesmo objetivos opostos, uma vez
que o Curso de Pedagogia vem sendo constrangido, há um
tempo, a adotar um padrão mais técnico – o que implica, dentre
outros efeitos, a redução do espaço para as disciplinas ditas
de “fundamentos” e o maior interesse pelas questões prático-
imediatas – enquanto os programas de pós-graduação vêm
sendo estimulados a caminhar no sentido quase que oposto,
ou seja, da pesquisa e da produção intelectual intensivas.
Além disso, o investimento em pesquisa e em produção
escrita estimula a especialização, isto é, certa concentração
temática, e é isso o que se tem observado nos escritos de

306
O ensino de história da educação

História da Educação. Ao menos por certo período, docentes-


autores têm se dedicado a determinados âmbitos temáticos
– infância, leitura, reformas escolares, livros didáticos, por
exemplo; em contrapartida, nos currículos dos Cursos de
Pedagogia – como ocorre nos tradicionais bacharelados de
Ciências Humanas – as disciplinas de “fundamentos” não
tendem à formação especializada e sim à generalista.
Como essas tendências opostas têm sido equacionadas?
Em que direção os professores de História da Educação têm
sido demandados por colegas e alunos da graduação: a serem
mais práticos e a considerarem mais o presente, ou o inverso? A
tratarem de assuntos ou períodos históricos mais específicos ou
oferecerem tratamento amplo de vários períodos da História?
Os colegas de outras disciplinas e os alunos da graduação são
leitores dos trabalhos dos professores de História da Educação
ou eles circulam apenas entre os pares da disciplina?
O recente crescimento de orientandos de iniciação
científica que se constata nos currículos dos docentes/
pesquisadores/autores de História da Educação não representa
direta e mecanicamente o que se passa com o ensino da
disciplina na graduação; bem ao contrário, esse crescimento
torna mais complexa a sua compreensão, uma vez que investir
em orientandos de iniciação científica poderia ser a condição
de sobrevida da disciplina em um curso de tendências
ultraprofissionalizantes e “present-mindedness”:2 enquanto a
maioria dos alunos (e, indiretamente, os demais professores)
receberia o que pede, ou seja, o “cobre” da História, os
orientandos da iniciação científica receberiam o “ouro” da
pesquisa e das leituras mais avançadas, principalmente se
incluídos nas atividades dos grupos de pesquisa compostos
de outros pesquisadores, bem como de alunos de mestrado
e doutorado. Os bolsistas de iniciação científica poderiam,
2
A expressão “present-mindedness” é comum em escritos acadêmicos norte-
americanos e se apresenta, em algumas situações, como um quase-conceito.
Aqui, como no texto de onde o extrai, o sentido é simples: “fixação pelo
presente”, “ultrapresentismo” ou equivalentes.

307
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

assim, alimentar a demanda qualificada de orientação no


mestrado e, posteriormente, no doutorado.
Vale, então, indagar se os grupos de pesquisa têm
contribuído para o equacionamento, ou, ao menos, para
a acomodação das tensões que atravessam a disciplina. É
preciso verificar; porém, é mais provável que sim, uma vez
que os grupos de pesquisa têm colaborado para a redução dos
efeitos deletérios dos departamentos sobre as disciplinas, bem
como têm contribuído diretamente para a formação de novos
pesquisadores desde a iniciação científica até o doutorado,
sem considerar a recente inclusão de estágios pós-doutorais.
Por certo que os grupos de pesquisa vicejam em uma
direção às vezes não manifesta, mas incontestavelmente
antidepartamental. Em certo sentido, esses grupos recuperam
a cátedra nos seus aspectos mais vantajosos, purgada de suas
características mais crassas. Ou seja, restauram a cátedra no
sentido em que o grupo também cimenta os compromissos
pessoais, assim como firma vínculos intelectuais e profissionais,
que conferem vistos de ingresso – mais ou menos sutis,
mais ou menos duradouros – a postos acadêmicos e a redes
intelectuais. Mas, também, demarcam exclusões e oposições
(cf. discussão a respeito em WARDE, 2002, 2003).
Essas e outras questões conduziram as atenções, aqui,
para o professor de História da Educação e, de maneira
mais detalhada, à sua formação; deslocando, assim, o foco
de estudos anteriores centrados nas pesquisas de História da
Educação (dentre outros, BONTEMPI, 1995, 2001; BARREIRA,
1995; WARDE, 1984, 1994).
O perfil acadêmico dos docentes foi traçado a partir das
informações por eles mesmos fornecidas na Plataforma Lattes
do CNPq, cotejadas ou acrescentadas de dados colhidos
em outras fontes, tais como, os sites de: programas de pós-
graduação em educação e suas publicações periódicas,
Sociedade Brasileira de História da educação (SBHE),
Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História

308
O ensino de história da educação

da Educação (ASPHE), Grupo de Estudos e Pesquisas “História,


Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR) e suas respectivas
publicações periódicas.3
Foram selecionados 140 currículos de professores doutores
brasileiros que mantêm trajetórias acadêmicas regulares,
exclusiva ou dominantemente dedicadas à História da Educação
quer em seus aspectos mais gerais, quer em seus temas mais
específicos, como infância, alfabetização, intelectuais, dentre
outros. Para a seleção desses currículos, foram adotados critérios
singelos, mas cuidadosamente aplicados: vínculos profissionais
estáveis, acrescidos de relações consolidadas e privilegiadas
com a disciplina expressas no ensino e na publicação de
supostos resultados de pesquisa.
Foram deixados de fora: os docentes de História da
Educação cujos vínculos institucionais e disciplinares são
eventuais; os que não registraram qualquer modalidade de
produção acadêmica nos últimos cinco anos; os que não
atualizaram qualquer base de dados – principalmente a
Plataforma Lattes – desde início de 2008. Com isso, ficaram
de fora os professores “quase-anônimos” que constituem a
grande maioria dos responsáveis pelo ensino de História da
Educação nas centenas de Cursos de Pedagogia existentes.
Também ficaram de fora alguns “muito-conhecidos” que,
por exemplo, estão há tempo afastados da docência ou cuja
produção intelectual está suspensa ou, pelo menos, não está
registrada nas bases de dados disponíveis on-line.
Um comentário adicional sobre a composição da amostra:
em termos estatísticos bem simples, a amostra aqui examinada
tem características estratificadas, uma vez que os docentes que
são pesquisadores/autores com vínculos profissionais estáveis
3
Embora a Plataforma Lattes do CNPq não tenha sido a única, foi a principal
fonte de dados e informações apresentados neste artigo, principalmente
porque não há outra base de dados tão ampla que se possa consultar a
respeito de docentes-pesquisadores brasileiros. A maioria das IES brasileiras
não mantém páginas institucionais com informações relevantes e atualizadas
sobre os cursos, seus docentes, suas disciplinas e pesquisas dentre outras
informações e dados.

309
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

foram considerados um subgrupo da população de professores


de História da Educação. Para compor uma representação
mais homogênea desse subgrupo, fizeram-se os descartes
acima referidos; em compensação, foram considerados todos
os indivíduos a ele pertencentes, segundo, obviamente, as
fontes consultadas. Isso quer dizer que os 140 docentes de
que trata este texto constituem a população integral a que se
pode chegar do subgrupo docentes/pesquisadores/autores.
Os procedimentos de análise aqui utilizados reiteram
as orientações adotadas em outros trabalhos (WARDE,1998;
LEPENIES, 1983, 1996). No entanto, as inspirações temáticas
imediatas vieram de dois textos muito distintos: o artigo de
Darnton, História intelectual e cultural (1990), e a sessão de
entrevistas Interchange, de setembro de 2005 do Journal of
American History.4
A recente releitura do artigo de Darnton inspirou,
particularmente, o uso de instrumentos estatísticos. O seu
tema, poder-se-ia dizer, é o quase-oposto deste; ele fala do
“[...] mal-estar entre os historiadores das idéias nos Estados
Unidos” por conta do sentimento de que sua “disciplina”
teria sido rebaixada em favor de uma multifacetada história
cultural (DARNTON, 1990, p. 175). Utilizando-se de análises
estatísticas, Darnton (1990, p. 187) mostra serem infundadas
as chorumelas dos historiadores das ideias norte-americanos,
uma vez que a história intelectual teria “[...] oscilado muito
pouco – tão pouco, na verdade, que sua prática parece
desmentir as lamúrias de seus praticantes”. Na sequência, diz,
com a forte carga jocosa que lhe é peculiar:

Que insulto descrever o estudo das idéias com estatísticas e


gráficos! Todo o esforço cheira a quantificação da cultura, a
intromissão da ciência social em lugares onde não tem nada a
fazer, a tentativa de reduzir a vida do espírito à sociologia do
conhecimento. Melhor pregar gelatina na parede (DARNTON,
1990, p. 188).
4
O artigo de R. Darnton foi publicado originalmente em 1980, com o título
The past before us: contemporary historical writing in the United States.

310
O ensino de história da educação

Não se tem muito a acrescentar, apenas que o título


sugere exatamente a vontade de “quebrar” a sisudez de um
ambiente um tanto afeito a reverências.
Quanto às entrevistas: o Journal of American History é
publicado pela Organization of American Historians desde
1964. Em 2003, esse Journal inaugurou uma sessão anual
denominada “interchange” na qual historiadores-sênior
são convidados a falar sobre temas ligados à sua prática e à
sua profissão; na matéria de 2005, a sessão trata do ensino
de História em “faculdades profissionais” (“professional
schools”), tais como as faculdades de Educação, Direito,
Medicina dentre outras. Suas perguntas e respostas ofereceram
excelentes pistas para o questionário aqui desenvolvido.

As áreas e os locais de formação

Onde, quando e em que se formaram os docentes/


pesquisadores/autores de História da Educação que estão em
plena atividade? Comecemos pelas áreas de formação.
Na Tabela 1, chama a atenção a incidência relativamente
baixa em Pedagogia, uma vez que aqui se trata de uma
disciplina inerente a esse curso. Os dados relativos ao mestrado
e ao doutorado ajudarão a explicar esses resultados e darão
um novo sentido a eles, quando considerados apenas no
âmbito dos cursos de graduação. Por enquanto, vale registrar
alguns aspectos, ainda quanto a essa incidência: dos 58 que
cursaram Pedagogia, 11 cursaram também outra graduação; ao
que parece, todos realizaram aqueles estudos na modalidade
integral e não como complementação pedagógica.5
No que tange às outras incidências, chama a atenção
a grande presença de formados em História (27,2%), de
um lado, em comparação com a Pedagogia e, de outro, em

5
Dentre os 11 os que cursaram Pedagogia e outra graduação: sete completaram
História, três Filosofia e um Educação Artística.

311
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

relação à Filosofia. Quanto à Pedagogia, é conveniente adiar


as considerações até que sejam apresentados os dados dos
estudos pós-graduados; em relação à Filosofia, esta deve ser
uma tendência efetivamente recente: os formados em História
devem estar crescentemente substituindo os formados em
Filosofia que já prevaleceram em décadas anteriores. Em
complemento, é interessante verificar que formados em
Filosofia ainda prevalecem sobre os formados em Ciências
Sociais que têm, em tese, formação mais próxima da História.
De qualquer modo, eles também parecem estar sendo
substituídos pela formação ou em Pedagogia ou em História.

Tabela 1 – Área de formação na graduação

Graduação
Área F %
Educação 58 35,8
História 44 27,2
Filosofia 13 8,0
Ciências Sociais 10 6,2
Educação Física 7 4,3
Psicologia 3 1,9
Matemática 3 1,9
Letras 2 1,2
Outras* 15 9,2
NI 7 4,3
Total 162** 100
*Frequência um (1) = 15
**19 docentes completaram dois ou mais cursos de graduação

Vale destacar que, independentemente do que os


dados dos estudos pós-graduados possam elucidar sobre as
incidências nos cursos de graduação de origem, o certo é que
mais da metade (57,4%) dos postos de docência de História da
Educação estão preenchidos sem exigência de formação em
Pedagogia, ou seja, de formação no curso em que a disciplina
é oferecida obrigatória e sistematicamente.
312
O ensino de história da educação

Os dados dos cursos de mestrado e de doutorado são


muitos diferentes, uma vez que indicam enorme concentração
nos Cursos de Educação (Tabela 2)

Tabela 2 – Área de formação no mestrado e no doutorado

Mestrado Doutorado
Área F % Área F %
Educação 108 77,1 Educação 114 81,4
História 18 12,9 História 24 17,2
Sociologia 2 1,4 Sociologia 1 0,7
Outros* 6 4,3 - - -
NI 6 4,3 NI 1 0,7
Total 140 100 Total 140 100
*Frequência um (1) = 6

Um primeiro aspecto a ser destacado diz respeito ao nítido


sentido de especialização do mestrado e, especialmente, do
doutorado, uma vez que, próximo de 77% no mestrado, e
de 81% no doutorado se titularam em Educação. A diferença
entre os titulados em História e em Educação é muito grande,
o que significa que a maioria dos graduados em outras áreas
se deslocou para a área de Educação, buscando aí a sua
especialização. No doutorado, a procura pela Educação foi
ainda maior, mas também cresceu um pouco a incidência sobre
a História; em compensação, as demais áreas praticamente
desapareceram no doutorado.
Dado relevante a ser examinado com maiores detalhes
diz respeito aos quase 18% de docentes de História da
Educação que fizeram toda ou 23 da formação fora da área
de Educação, isto é, na área de História. Não se trata de
um problema, até porque o contingente não é significativo;
interessa apenas verificar quais têm sido os mecanismos ou
procedimentos adotados pelos oriundos de outras áreas,
mais particularmente da História, para se tornarem partícipes
não apenas da disciplina que lecionam, mas do conjunto

313
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

da área da Educação, com todas as demandas que lhe são


características.
As instituições e os programas de pós-graduação nos quais
foram completados os estudos superiores indicam um nível
de formação dos docentes/pesquisadores/autores de História
da Educação acima da média, considerados os parâmetros
nacionais.6 Na Tabela 3, estão reunidos os dados relativos às
IES de formação na graduação, no mestrado e no doutorado.

Tabela 3 – Instituições de formação na graduação, no mestrado e no


doutorado
Instituição
Graduação F % Mestrado F % Doutorado F %
USP 20 12,3 PUC/SP 28 20,0 PUC/SP 44 31,4
UFMG 10 6,2 UFMG 14 10,0 USP 40 28,6
PUC/SP 10 6,2 UNICAMP 13 9,4 UNICAMP 19 13,6
UFU 7 4,3 USP 10 7,2 UFRGS 6 4,3
UFPr 7 4,3 PUC/RJ 8 5,8 UFMG 5 3,6
UFRJ 6 3,7 UFF 7 5,0 PUC/RJ 5 3,6
UFF 6 3,7 FGV/ IESAE 4 2,9 UFF 3 2,1
PUC/RJ 5 3,1 UFPr 4 2,9 UNESP 3 2,1
UFES 5 3,1 UFES 3 2,1 UFPr 2 1,4
UNESP 5 3,1 UFRGS 3 2,1
PUC-Campinas 4 2,5 UFS 3 2,1
UNICAMP 4 2,5 UFU 3 2,1
UFS 4 2,5 UNIMEP 3 2,1
UFRGS 3 1,9 UFMS 2 1,4
UFPe 3 1,9 UFRJ 2 1,4
UFRN 3 1,9 UFSCar 2 1,4
UMC 2 1,2 UnB 2 1,4
UEM 2 1,2
UFPel 2 1,2
UFBa 2 1,2
UFMS 2 1,2
Outras* 45 27,7 Outros** 23 16,4 Outros*** 12 8,6
NI 5 3,1 NI 6 4,3 NI 1 0,7
Total 162 100 Total 140 100 Total 140 100
*Frequência um (1) = 45 **Frequência um (1) = 23 ***Frequência um (1) = 12

6
Foram consideradas as avaliações dos programas à época das titulações.

314
O ensino de história da educação

Quanto às instituições da graduação, merecem atenção


tanto a distância da USP em relação às demais quanto a
relativamente baixas frequências de IES de grande porte e de
larga tradição na disciplina, tais como PUC/RJ, UFF, UNESP,
UNICAMP, UFRGS, dentre outras.
No que tange ao mestrado e ao doutorado, as incidências
na PUC/SP, ou melhor, no Programa de Educação: História,
Política, Sociedade (EHPS) são espantosas. As informações
disponíveis são insuficientes para que se esboce uma
interpretação razoável; são necessários outros dados que
deem conta dessa concentração que não pode ser explicada
pela dimensão do programa – afinal, pequena em relação aos
demais programas arrolados.
Merece destaque, por outro lado, a presença ativa, entre
os docentes/pesquisadores/autores, de quatro titulados no
mestrado do IESAE da FGV do Rio de Janeiro, considerando que
o curso foi extinto em 1990; trata-se de número equivalente
ou mesmo superior a programas de grande dimensão e muito
bem qualificados.
Há de se ter claro que as distribuições acima não
correspondem plenamente aos cursos da área de Educação
quer na graduação, quer na pós-graduação. É o que mostra
a Tabela 4 na qual, a título de exemplo, foram registradas
apenas as frequências iguais ou acima de quatro nas áreas de
Educação e História. Essa distribuição por área e instituição
torna mais espantosa a concentração no programa de
EHPS da PUC/SP, uma vez que é o único responsável pela
presença da PUC/SP na formação pós-graduada dos docentes/
pesquisadores/autores selecionados. Em contrapartida, reduz
consideravelmente a incidência no doutorado em Educação
da USP.

315
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Tabela 4 – Instituições e principais áreas de formação na graduação, no


mestrado e no doutorado

Instituição
Área Graduação F Mestrado F Doutorado F
USP 7 PUC/SP 28 PUC/SP 44
EDUCAÇÃO

UNESP 5 UFMG 12 USP 25


PUC/SP 5 UNICAMP 10 UNICAMP 17
UFMG 4 PUC/RJ 8 UFRGS 6
UFU 4 USP 7 PUC/RJ 5
FGV/IESAE 4 UFMG 5
HISTÓRIA

USP
8 UFF 4 USP 14

UFF
5 - - - -

Com base nesses dados, não há como elidir o fato de, na


disciplina História da Educação, haver predomínio do Sudeste,
em particular, de São Paulo. Esse aspecto está destacado na
tabela abaixo:

Tabela 5 – Distribuição regional da formação na graduação, no mestrado e


no doutorado
Nível
Região Graduação % Mestrado % Doutorado %
Sudeste 107 66,1 104 74,3 122 87,1
Sul 27 16,7 12 8,6 10 7,1
Nordeste 16 9,9 9 6,4 - -
Centro-Oeste 5 3,1 6 4,3 - -
Norte 1 0,6 - - - -
Exterior - - 3 2,1 7 5,1
NI 6 3,6 6 4,3 1 0,7
Total 162 100 140 100 140 100

Essa distribuição sugere distorção tanto em relação à


formação como à produção do conhecimento: o Norte não
titulou sequer um dos 140 docentes/pesquisadores/autores,
e três regiões do País não participaram da formação desses
docentes. A presença do Sul nos três níveis de formação foi
muito acanhada, a considerar a solidez e a tradição institucional

316
O ensino de história da educação

dos três Estados que compõem a região, particularmente, no


que tange aos estudos sócio-históricos.

Os anos de formação

Para fechar este tópico, algumas considerações em torno


da época de formação dos docentes selecionados a partir
dos dados que se apresentam na Tabela 6 e no gráfico nela
baseado.

Tabela 6 – Conclusão da graduação, do mestrado e do doutorado


Nível
Ano Graduação Mestrado Doutorado
F % F % F
-1959 1 0,7 - - -
1960-1969 22 13,5 1 0,7 -
1970-1979 43 26,5 21 15,0 2
1980-1989 61 37,6 32 22,8 15
1990-1999 26 16,0 68 48,6 56
2000-2009 2 1,4 12 8,6 66
NI 7 4,3 6 4,3 1
Total 162 100 140 100 140

Gráfico 1 – Conclusão da graduação, do mestrado e do doutorado

317
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

A metáfora arquitetônica é irresistível: a sequência, por três


décadas, das maiores frequências de formados na graduação,
no mestrado e no doutorado parece realização de um perfeito
plano kantiano. Mas, por sorte ou por azar, as disciplinas não
funcionam aos gostos nem especulativos, nem planejadores:
a sequência destacada na tabela e no gráfico acima indica
apenas que a maior renovação na História da Educação se deu
com a geração que concluiu seus cursos de graduação nos
anos 80 e que é a mesma geração que completou o mestrado
na década dos anos 90, bem como o doutorado que seguiu
crescendo na primeira década do século XXI.7
Esse é o momento em que tem início a renovação de
docentes/pesquisadores/autores seja pelo afastamento dos
antigos quadros, seja pela ampliação de vagas; portanto, é
o momento em que as novas temáticas, novas abordagens
etc. começam a ser postas em circulação pelos historiadores
da educação já comprometidos com a disciplina desde
anos anteriores, dando início às mudanças referidas logo ao
início. Há de se entender que são esses docentes graduados
aproximadamente entre a década dos anos 70 e começos dos
anos 80, titulados entre anos 80 e começos dos anos 90, que
conduziram as mudanças, formaram/orientaram os novos
quadros nos cursos de pós-graduação já sob novas perspectivas
– em muitos casos, melhor seria ainda dizer que atraíram os
novos exatamente por conta dessas novas perspectivas – e,
de muitas formas, participaram dos processos que resultaram
em suas contratações para a docência e pesquisa em História
da Educação. Esses quadros representam mais de 40% dos
professores de História da Educação que estão integral ou
parcialmente na ativa.

7
A referência à metáfora arquitetônica se deve ao brilhante texto de Lepenies
de 1983. Diz ele (p. 38-39): “Presque tous les philosophes recourent à des
métaphores architecturales [...] Kant [...] définit une science comme un
système qui, ‘architectoniquement’, doit être traité comme un ‘tout auto-
suffisant […], un bâtiment séparé et indépendant […] et non une aile ou une
annexe d’un autre bâtiment”’.

318
O ensino de história da educação

Os orientadores e as redes de relações

As considerações acima insinuam que as relações de


orientação têm prevalecido sobre elementos do processo
formativo. Essa é uma boa hipótese a ser explorada; a seu favor,
somam alguns fatores relativamente simples: de um lado, nos
programas de pós-graduação em Educação têm sido alargadas as
fronteiras que separam as áreas de concentração/linhas/grupos
em torno dos quais vão gravitando as disciplinas e atividades;
de outro lado, áreas de concentração/linhas/grupos, como as
de História da Educação, com forte tendência autonômica
dos seus interesses, de seus veículos de expressão e dos seus
mecanismos de ocupação e controle do campo acadêmico
ganham mais recursos para operar o cerco das fronteiras e
justificar a sua capacidade de autonomia. No âmbito das áreas
de concentração, linhas ou grupos de pesquisa, a liderança
tende a se identificar com os orientadores, reforçando-se
assim aquele pendor acima referido de o grupo de pesquisa
manifestar traços da cátedra ainda que mais civilizados ou, se
quiser, menos selvagens nas armas e nas práticas adotadas.
Com essas tendências em mente, cabe verificar se os
orientadores vêm de fato ocupando lugar mais central e
exercendo papel mais decisivo na formação dos docentes de
História da Educação – com tudo o que isso implica: pesquisa,
ensino, autoria etc. – do que qualquer outro elemento dos que
compõem o processo formativo. É pertinente cogitar também
se os vínculos e os compromissos – pessoais, intelectuais,
profissionais – da orientação se estendem para a instituição
de trabalho e para as redes de relações que formam e que
se formam nas associações acadêmicas, nos periódicos e em
outros lugares que entram na configuração da disciplina.
Embora essa hipótese sugira relações hierárquicas tanto
individuais quanto geracionais, tudo indica que não se deve
elaborá-la nesse sentido; é mais provável que se deva enunciá-
la na direção quase-oposta, ou seja, de não haver evidências

319
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

suficientes de que, com raras exceções, orientadores permane-


çam no centro ou no alto das redes de relações, uma vez encer-
rados os compromissos acadêmicos imediatos, isto é, uma vez
defendida a dissertação ou a tese. Em contrapartida, há algumas
evidências de que as relações formadas a partir das relações de
orientação, destacadamente as relações entre orientandos de
um mesmo orientador, tendem a gerar compromissos, recipro-
cidades etc. que se estendem para além do ciclo de estudos e
para além dos postos acadêmicos.
Qualquer que seja a direção que se queira dar aos
estudos sobre a disciplina História da Educação, o certo é que
a amostra aqui considerada indica grande concentração em
poucos orientadores, e poucas incidências em grande número
de nomes, como se pode verificar na tabela a seguir.

Tabela 7 – Orientadores de doutorado e de mestrado


Orientador F F+ %
A 19
B 18
C 7
D 7 51 20,7
E 4
F 3
G 3
H 3
I 3 19 7,7
J 3
K 2
L 2
M 2
N 2
O 2
P 2
Q 2
R 2
S 2
T 2
U 2
V 2
W 2
X 2 176
Y 2
71,6
Z 2
AA 2
BB 2
CC 2
DD 2
Outros 136
Total 246 246 100
320
O ensino de história da educação

Somados, são 246 nomes registrados como orientadores


de mestrado e doutorado, dos quais apenas 30 se repetem
nos dois níveis:8 156 orientaram individualmente apenas um
ou dois docentes e no total responderam por 176 (71,6%)
orientações; seis orientaram dois a três docentes cada um e no
total responderam por 19 (7,7%) orientações. Por fim, quatro
orientadores são responsáveis por 7 a 19 orientações; no
total, esses poucos orientadores responderam por 51 (20,7%)
orientações.9
A distribuição acima reitera – por sua preponderante
dispersão – de um lado, a alta concentração em poucos
nomes; de outro, a hipótese aventada há alguns parágrafos: as
relações verticais de orientação não têm pesado significava e
duradouramente para a configuração da disciplina História da
Educação, uma vez que não lhe oferecem diretamente redes
de sustentação. Por outro lado, os quatro orientadores com
maior incidência revelam o potencial agregador do orientador,
primeiro em torno de si e, posteriormente, a partir de si. Ou
seja, é possível que, nos próximos anos, esse potencial venha
a se realizar.
Com essa tendência em mente, foram mapeadas as
orientações desdobradas dos primeiros orientadores no
âmbito da História da Educação. Os resultados são instigantes,
embora bastante preliminares, uma vez que apenas 46 (32,9%)
dos 140 docentes registravam orientações de dissertação ou
tese concluídas em começos de 2010: um número razoável

8
Este estudo mostra como, em algumas carreiras ou instituições, declina a
relevância dos cursos de graduação e mesmo de mestrado. Mas, não
sendo universal a desvalorização do mestrado no mercado acadêmico, as
orientações nesse nível foram não só consideradas como ganharam o mesmo
peso das orientações de doutorado. Influenciou essa decisão, também, o fato
de parte dos docentes da amostra não ter registrado orientações desse tipo em
seus currículos. Cabe informar que as repetições dos mesmos orientandos no
mestrado e no doutorado foram descartadas.
9 As referências às orientações de que trata este texto dizem respeito
exclusivamente ao âmbito da História da Educação e, mais especificamente,
aos membros da amostra. Ou seja, não há qualquer alusão ao número total de
ex-orientandos de cada docente.

321
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

de ex-orientandos dos docentes-orientadores com as maiores


frequências já levara à titulação mestrandos e doutorandos
que constam desta amostra de docentes de História da
Educação. Com a Figura 1 se pode ter uma ideia razoável da
rede de orientações, portanto, de relações internas à História
da Educação.

A 19 5 13

B 18 4 8

C 7 5 27

D 7 0 0

Figura 1 – Redes e “linhagens” de orientação

O docente-orientador A tem 19 ex-orientandos dos quais


cinco já orientaram 13 docentes; todos pertencem à amostra. A
é um dos cinco ex-orientandos de C que se dedicam à História
da Educação e os seus 19 ex-orientandos estão contabilizados
nos 27 da linhagem de C. O docente-orientador D é um dos
19 orientandos de A e já conduziu à titulação sete docentes
da amostra; por enquanto, sua “linhagem na História da
educação” ainda não se desdobrou. Entre os quatro ex-
orientandos de B que se dedicam à História da educação e
já respondem por titulações de mestrado ou doutorado, um
foi orientando de mestrado de D e outro, de mestrado de A;
no primeiro caso, o ex-orientando não responde ainda por
nenhuma orientação incluída na amostra, e, no segundo caso,
o ex-orientando responde por duas orientações que estão na
amostra. Essas duas orientações estão contabilizadas tanto na
linhagem de A como na de B.

322
O ensino de história da educação

A idade

Com quantos anos estão os historiadores da educação


aqui considerados? Se, desde o ponto de vista historiográfico
e sociológico, a resposta a essa pergunta é pouco relevante
para se verificar o escopo das gerações envolvidas em uma
determinada disciplina – uma vez que o ambiente acadêmico
tende a dispersar as fronteiras etárias – ela é especialmente
importante para se projetar o tempo em que os atuais docentes
devem permanecer ativos.
É muito bom que os dados relativos às idades não sejam
públicos; portanto, devem ser inferidos a partir de outras
variáveis, como os anos de ingresso nos estudos superiores,
considerando-se 18 anos como a idade média de ingresso.
Tem-se, então, que, em torno de 54% dos docentes/
pesquisadores/autores de História da Educação estão nas
faixas etárias de 30 e 40 anos, e em torno de 41% estão entre
as faixas de 50 e 60 anos ou pouco mais.

Tabela 8 – Faixa etária dos docentes/pesquisadores/autores


Idade F %
-62 17 12,1
61-52 41 29,3
51-42 51 36,4
41-32 25 17,9
NI 6 4,3
Total 140 100

Desagregados, os dados dessa tabela informam que,


a considerar a vigência das mesmas regras para a carreira
acadêmica, incluindo ingresso, aposentadoria, colaboração
pós-aposentadoria etc., no máximo 5% dos quadros atuais
poderão deixar ou reduzir consideravelmente as atividades
regulares de docência, pesquisa e publicação na próxima
década; em torno de 25% poderão se aposentar, continuando
na ativa. Se essas projeções se confirmarem, então, haverá
renovação de aproximadamente 13 dos quadros atuais,
323
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

a menos que o processo de expansão do ensino superior


se mantenha no ritmo da década que vai se encerrando, o
que dificilmente ocorrerá. Ou seja, mantido esse cenário, a
disciplina História da Educação teria entrado numa fase de
estabilização dos seus traços atuais.

As instituições de trabalho

Quanto aos vínculos de trabalho, consta que os 140


docentes da amostra estão distribuídos em 57 instituições de
ensino superior. A Tabela 9, porém, destaca apenas as maiores
frequências.

Tabela 9 – Instituição de trabalho dos docentes de História da Educação

Instituição F %
USP 11 7,9
UNICAMP 9 6,4
UFMG 8 5,7
UFES 7 5,0
UFU 7 5,0
UNESP 7 5,0
UERJ 6 4,4
UFF 6 4,4
UFPr 6 4,4

Como era de se esperar, esse rol apresenta as instituições


onde há grupos de História da Educação consolidados ou em
consolidação Notam-se ao menos três importantes ausências
nessa lista com as maiores incidências: PUC/RJ, PUC/SP e
UFRGS. As menores frequências de docentes vinculados a elas
se devem a fatores sabidamente distintos e indicam tendências
de mudança muitos diferentes. Assim, é de se esperar que, em
curto e médio prazo, decresçam consideravelmente os índices
de titulação em História da Educação oriundos do programa
de EHPS da PUC/SP, em relação aos apresentados na Tabela

324
O ensino de história da educação

4. Não há evidências disponíveis de que o mesmo fato deva


ocorrer em relação à PUC/RJ e à UFRGS, importantes polos de
produção em História da Educação.
Dessas frequências relativas às instituições onde os 140
docentes trabalham foram extraídas outras distribuições por
Estado. Assim, constam da Tabela 10 as maiores frequências
de docentes por Estado e suas respectivas distribuições
institucionais.

Tabela 10 – Docentes e instituições de trabalho por Estado

Estado Docente Instituição


SP 43 12
MG 25 9
RJ 17 5
Pr 14 6
RS 10 6
ES 7 1
Se 5 2
Ba 3 3
RN 3 1
Go 2 2
MS 2 2
SC 2 2
MT 2 1
Outros 5 5
Total 140 57

São Paulo reúne próximo de 31% dos docentes e 21%


das IES. Chama a atenção que a diferença em relação aos
demais Estados é bastante acentuada quanto à concentração
de docentes, mas é mais suave em relação ao número de
instituições envolvidas. O Estado de Espírito Santo é um caso
espantoso de concentração institucional, seguido a larga
distância por São Paulo e Rio de Janeiro (Tabela 11).

325
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Tabela 11 - Distribuição regional do vínculo institucional10

Região Docente % Instituição %


Sudeste 92 65,7 27 47,4
Sul 26 18,6 14 24,6
Nordeste 13 9,3 8 14,0
Centro-Oeste 7 5,0 6 10,5
Norte 2 1,4 2 3,5
Total 140 100 57 100

Feitos os cálculos por região, têm-se, mais uma vez,


uma enorme concentração no Sudeste, especialmente dos
docentes, uma vez que constituem a maioria absoluta.
Essas distribuições regionais de diferenças tão abissais
fazem pensar que não há História cultural que dispense
quantificações, uma vez que a lei da transmutação da
quantidade em qualidade continua funcionando a todo vapor.

A vida pós-orientadores

Embora não esteja no foco das explorações aqui propostas,


foram compilados alguns dados a respeito da formação depois
do doutorado. A atenção recaiu mais sobre os chamados
estágios pós-doutorais do que sobre a livre-docência, uma vez
que se trata de um título quase exclusivo da carreira superior
das universidades estaduais paulistas. Tanto é assim que, entre
os 140 docentes da amostra, estão registrados apenas 15
títulos de docência-livre, dos quais 12 são de professores da
Unicamp, USP e UNESP.
A respeito do pós-doutorado, tem-se 49 (35%) docentes
com 56 estágios realizados, dos quais 64% integral ou
parcialmente no exterior. As maiores frequências institucionais

10
Muitos docentes da amostra estão aposentados, mas continuam em plena
atividade, vinculados ou não às suas antigas instituições; a grande maioria
permanece sediada na mesma cidade ou no mesmo Estado.

326
O ensino de história da educação

recaem sobre a Universidade de Lisboa com nove incidências,


a USP e a Unicamp, com cinco registros cada uma. Agrupados
por País, o destino preferencial é o Brasil (36%), seguido da
França (25%), de Portugal (21%) e, a uma larga distância, da
Espanha (7%) (Tabela 12)

Tabela 12 – Distribuição do estágio pós-doutoral por instituição e país


PAÍS Instituição F F+
UNICAMP  5
USP 5
BRASIL

PUC/SP 2 20
UFMG 2
Outras 6
Universidade de Lisboa 9
PORT.

Universidade Nova de Lisboa 2 12


Universidade do Minho 1
Université Paris V 3
FRANÇA

INRP  2 14
EHESS 2
Outras 6
Universidad de Santiago de Compostela 2
ESP

Outras 2 4
Columbia University 1
EUA

University of Wisconsin 1 2
Outras 4 4
Total 56

Com base nas datas de realização dos estágios, é possível


inferir algumas tendências: somente a partir de 1999, os
estágios pós-doutorais se tornaram regulares, ou seja, de dez
anos para cá; nesse período, foram realizados 47 (84%) dos
estágios registrados. Ao longo da última década, cresceram,
nessa ordem, os estágios em Portugal, no Brasil e na Espanha,
países ausentes dessa modalidade de estágio entre fins dos
anos 80 a fins dos anos 90. Em contrapartida, a procura pela
França, antes dominante, escasseia na década atual e, por
outros países, mantém-se rara: apenas 8,5% dos estágios foram
realizados em países diferentes – Argentina, Estados Unidos e
327
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Inglaterra – além dos acima citados.


Essas distribuições sugerem perguntas e hipóteses de
investigação. Duas se afiguram especialmente instigantes: o
que os historiadores da educação buscam em seus estágios pós-
doutorais? Que critérios utilizam para escolher a instituição ou
o país de destino? A facilidade com a língua parece prevalecer
sobre qualquer outro critério na escolha do lugar de estágio;
em acréscimo, a escolha de países da Europa Central e Ibérica,
em 59% dos casos, sugere certa subserviência aos seus temas
e procedimentos de investigação, bem como às suas fontes de
pesquisa. A ausência de sinais de interesse por tantas outras
regiões e continentes – como o Leste Europeu, o México ou
a África Meridional, por exemplo – sugere, como contraface,
certo provincianismo ou, se quiser, certo acanhamento de
horizontes.

Os manuais de História da Educação: novos e velhos


catecismos

Como foi esclarecido logo ao início, os 140 sujeitos


foram escolhidos para compor a amostra porque são docentes
que desenvolvem regularmente atividades de ensino, pesquisa
e publicação no âmbito da História da Educação. Portanto,
foram escolhidos à luz da suposição de que eles imprimem
hoje a direção da disciplina, pautam a sua “tendência
predominante” – ou, como dizem os anglófonos, definem o
seu “mainstream”.
Essa inferência teria alto grau de consistência se a
disciplina em tela guardasse um nível elevado de coesão
interna e se dirigisse a um público relativamente homogêneo.
Mas, como se disse ao princípio, trata-se de uma disciplina
atravessada por perspectivas, interesses e objetivos bastante
diferençados em função das suas muito diversas clientelas.
Indica essa diversidade a grande distância entre o perfil

328
O ensino de história da educação

das pesquisas e publicações dos 140 docentes-autores e os


títulos de História da Educação mais vendidos.11 Na Tabela 13,
consta a frequência com que as obras aparecem nos oito sites
consultados, como “mais vendidos” ou “mais relevantes”,
bem como o número de edições; certamente esse indicador
é mais significativo do que aquele, não só porque se trata de
dado mais confiável, mas também porque expressa tendência
mais estável do mercado.

Tabela 13 – Livros de História da Educação mais vendidos


Autor Título Edição F
Romanelli, O. O. Historia da Educação no Brasil 34ª 8
Ghiraldelli Jr, P. Filosofia e Historia da Educação Brasileira 2ª 7
Piletti, C. e Piletti, N. Historia da Educação 7ª 6
Veiga, C. V. História da Educação 1ª 6
Aranha, M. L. A. Historia da Educação e da Pedagogia 3ª 6
Ghiraldelli Jr, P História da Educação Brasileira 2ª 5
Xavier, M.E; Ribeiro, M.L;
Historia da Educação - a Escola no Brasil 1ª 4
Noronha, O.M.
Historia da Educação: da Antiguidade aos Nossos
Manacorda, M.A. 12ª 4
Dias
Educação Física no Brasil - a Historia que Não Se
Castellani Filho, L. 13ª 3
Conta
História da Educação Física e do Esporte Brasil:
Melo, V. A. 3ª 3
Panorama e Perspectivas
Piletti, C. e Piletti, N. Filosofia e Historia da Educação 15ª 2
Gadotti, M. História das Idéias Pedagógicas 8ª 2
Historia da Educação Brasileira : a organização
Ribeiro, M. L. S. 20ª 2
Escolar
História da Educação Popular no Brasil: Educação
Paiva, V. 6ª 2
Popular e Educação

Dos 16 autores arrolados acima, apenas três compõem a


amostra, dos quais somente um pode ser diretamente vinculado
às mudanças da disciplina, sobre as quais se falou logo ao
início. Pode-se interpretar, também, que a lista dos títulos de
História da Educação com maior venda/maior tiragem pouco

11
Para este item, foram consultados os sites de busca: Buscape e Bondfaro; os
sites de venda: Submarino e Americana; as Livrarias on-line: Fnac, Cultura,
Siciliano e Saraiva. Os sites da editoras foram consultados para verificação
das edições.

329
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

ou nada tem a ver com o que se passa na “vanguarda” da


disciplina. Temos aqui algumas questões a considerar.
São bastante conhecidas as regressões qualitativas pelas
quais o ensino superior tem passado há décadas, e não somente
no Brasil. Um dos mais comentados sintomas desse fenômeno
se manifesta particularmente nos cursos das chamadas Ciências
Humanas nas dificuldades de escrita, leitura e compreensão
dos textos. Assim é que, para muitos analistas, os cursos de
graduação têm passado por ajustes contínuos, de sorte a torná-
los cada vez mais parecidos com o ensino básico.
Uma das vias para se dimensionar esse processo regressivo
está exatamente na avaliação dos materiais utilizados em
sala de aula, incluindo as bibliografias recomendadas aos
alunos. Não há como escapar desse instrumento; a ele pode-
se acrescentar algum elemento de contraste entre aqueles
materiais apresentados para muitos e os que são colocados à
disposição dos poucos bolsistas de “iniciação científica”.
Há muitos indícios de que, no âmbito da História
da Educação, a grande maioria dos professores consegue
minimamente organizar os conteúdos em sala de aula quando
dispõe de manuais organizados com base nos princípios
ocidentais mais tradicionais de espaço e tempo, tal como se
apresenta na maioria dos livros da Tabela 13.12
Assim, têm-se, de um lado, problemas decorrentes
da regressão qualitativa do “ensino superior” que afetam
dominantemente os cursos das chamadas Humanidades; mas,
de outro lado, há problemas históricos que marcam os cursos
de Educação – as licenciaturas em geral e a Pedagogia em
particular – e que têm tudo a ver com o seu desarranjado feitio
genérico-profissionalizante.
No entanto, de qualquer ângulo que se examinem as

12
Os títulos apresentados na Tabela 13 podem ser adequadamente situados na
classe dos “manuais acadêmicos”, uma vez que foram concebidos e
confeccionados com a finalidade – exemplos: os livros de Piletti; Piletti – ou
que, nascidos com outros fins e formatos, se adequaram perfeitamente ao
molde didático – exemplos: o livro de Romanelli e de Paiva, a parte II.

330
O ensino de história da educação

questões levantadas, o certo é que dificilmente se pode esperar


o generalizado e universal uso dos mais recentes resultados de
pesquisa realizada pela “vanguarda” da área; das chamadas
pesquisas de ponta, e que, afinal, nem são tantas assim.
Tratando do mesmo assunto, Darnton (1990, p. 180), no já
mencionado artigo, diz:

É verdade que a história social deu mesmo uma arrancada


nos anos 70 [...]. Porém, incluía tantas subespecializações
– a história das cidades, dos negros, dos trabalhadores, das
mulheres – que reforçou uma tendência prévia de expansão
e fragmentação dos currículos [...]. Muitos departamentos
multiplicaram seus cursos, aliviaram os requisitos e
estimularam os professores a aproximarem mais o ensino e
a pesquisa. A dieta educacional se enriqueceu, mas era uma
educação à la carte, que deve ter sido de difícil digestão para
os graduandos inexperientes [...] No final, podiam conhecer
alguma coisa sobre o surgimento do gueto negro, em Detroit,
e nada sobre o declínio do Império Romano.

Esse tema merece desdobramentos e atualizações (cf.


entre outros, TOLEDO, 2001, 1995; BONTEMPI JUNIOR,
2001, 1995; NUNES, 2006; WARDE; CARVALHO, 2000).
As polêmicas em torno da difusão das novas descobertas
científicas ou da instalação de novos campos de conhecimento
dentro das universidades datam de quase dois séculos
e, considerando o cenário internacional, não estiveram
necessariamente relacionadas com problemas de qualidade
de ensino ou assemelhados. Contudo, as pressões para que
os docentes universitários publiquem a qualquer preço e que
publiquem mais artigos do que livros – uma vez que indiciam
mais prontamente os resultados de novas investigações –
acabam contribuindo para que aquelas polêmicas se vinculem
mais diretamente ou, o que é pior, se subordinem, às mazelas
qualitativas do ensino.
Vão longe os tempos em que Charles Darwin podia alertar
com proveito o seu filho George que andava escrevendo
afoitamente ensaios sobre temas candentes, no desespero de

331
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

alcançar pleno sucesso. Em carta de 1873, diz ao filho:

Recomendo que não publique isso antes de pelo menos


alguns meses. Depois considere se você acha isso bastante
novo e importante de modo que compense o mal – sem
esquecer o grande número de artigos já publicados sobre o
assunto – o mal de causar dor aos outros, e de prejudicar sua
própria força e proveito.

E completa:

É um velho preceito meu que é de capital importância para


um jovem autor publicar (se for com o nome dele) apenas
o que for muito bom e novo; de forma que o público creia
nele e leia o que ele escreve [...]: lembre-se de que um
inimigo poderia perguntar quem é este homem, que idade
ele tem e qual foi sua formação especial para que ofereça ao
mundo suas opiniões sobre as questões mais profundas. Essa
zombaria pode ser facilmente evitava, mas meu conselho é:
‘contenha-se, contenha-se’ (DESMOND; MOORE, 2000, p.
616).

Considerações finais

Estas notas se aproximam dos estudos de tipo


exploratórios, modalidade bastante interessante quando se
pretende introduzir novas problemáticas ou novas abordagens
de problemáticas já estabelecidas.
Aqui foram apresentadas perguntas e hipóteses de
investigação devidamente acompanhadas de explorações
com base em dados e informações preliminares. Espera-se
que tenha ficado nítido que o seu foco principal diz respeito
à absorção/consolidação no ensino de novas tendências
disciplinares que surgem com as pesquisas e suas publicações.
As informações coligidas para este estudo sugerem que
a História da Educação tem sido conduzida, nas últimas
décadas, em direções muito diversas, quebrando assim certa
homogeneidade que prevaleceu nos seus primeiros tempos.

332
O ensino de história da educação

Sugerem, também, que, tendencialmente, a História da


Educação floresce no âmbito de grupos de pesquisa específica,
relativamente apartados das demandas profissionalizantes dos
Cursos de Pedagogia em que a disciplina é dominantemente
oferecida e cujo solo é pouco fértil para seu crescimento e
renovação (JAH, 2005).
Não foi abordada uma questão antiga e que está a exigir
efetivas investigações: embora a História da Educação seja
uma disciplina de oferta regular e sistemática, ao menos nos
Cursos de Pedagogia, as visões de História prevalecentes
ou consolidadas nas demais disciplinas, apoiadas em
vasta literatura com suas indefectíveis “breves incursões
históricas”, não exercem pressão considerável na formação
das concepções da História da Educação? Se é assim, em que
direções as demais disciplinas estariam apontando?

Referências

BARREIRA, Luiz Carlos. História e historiografia: as escritas


recentes da História da educação brasileira (1971-1988) 1995.
Tese (Doutorado) – Universidade de Campinas, Campinas,
1995.
BONTEMPI JUNIOR, Bruno. A cadeira de História e Filosofia
da Educação da USP entre os anos 40 e 60: um estudo das
relações entre vida acadêmica e grande imprensa. 2001. Tese
(Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2001.  
BONTEMPI JUNIOR, Bruno. História da educação brasileira: o
terreno do consenso. 1995. Dissertação (Mestrado). Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,1995.
DESMOND, Adrian; MOORE, James. Darwin: a vida de um
evolucionista atormentado. São Paulo: Geração, 2000.
LEPENIES, Wolf. As três culturas. São Paulo: USP, 1996.
333
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

LEPENIES, Wolf. Contribution à une histoire des rapports entre


la sociologie et la philosophie. Actes de la Recherche en
Sciences Sociales, v. 47, n. 1, p. 37 - 44, 1983.
NUNES, Clarice. A disciplina História da Educação na
formação de professores: desafios contemporâneos. História
da Educação (UFPel), v. 10, p. 173-180, 2006.
TOLEDO, Maria Rita A. Coleção Atualidades Pedagógicas:
do projeto político ao projeto editorial. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.
TOLEDO, Maria Rita A. Fernando de Azevedo e “A Cultura
Brasileira” ou as aventuras e desventuras do criador e da
criatura. 1995. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 1995.
WARDE, Mirian J. A educação como objeto do conhecimento:
uma abordagem histórica e epistemológica. Projeto de pesquisa
aprovado pelo CNPq. São Paulo, 1989 (mimeografado).
WARDE, Mirian J. A historiografia da educação brasileira:
construção da memória e do conhecimento. Projeto de pesquisa
aprovado pelo CNPq. São Paulo, 1991 (mimeografado).
WARDE, Mirian J. Estudantes brasileiros no Teachers
College da Universidade de Columbia: do aprendizado da
comparação. 2002. Disponível em: <http:www.sbhe.org.br>.
WARDE, Mirian J. O itinerário de formação de Lourenço
Filho por descomparação. Revista Brasileira de História da
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WARDE, Mirian J. Questões teóricas e de método: a história
da educação nos marcos de uma história das disciplinas In:
SAVIANI, D,; LOMBARDI, J. C.; SANFELICE, J. L. (Org.) História
e história da educação. Campinas: Autores Associados, 1998.
p 88-97.
WARDE, Mirian J.;  CARVALHO, Marta M. C  . Política e

334
O ensino de história da educação

cultura na produção da história da educação no Brasil.


Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, v. 7, p. 9-33,
2000. 

335
O ensino de história da educação

Qual História da Educação ensinar?

Norberto Dallabrida

As matérias escolares não são outra coisa senão aquilo


que as práticas fazem delas (NELL KEDDIE, 1973)

Nas últimas décadas, no Brasil, a partir de novos e


instigantes objetos de pesquisa e de inovadoras perspectivas
teóricas, houve um crescimento significativo do campo da
História da Educação. A pesquisa em História da Educação,
geralmente restrita às ideias pedagógicas e à legislação
do ensino, passou a explorar novas questões e a ampliar
estudos históricos do campo educativo. O tom dominante
dessa expansão da História da Educação no Brasil é a
tendência à microanálise, especialmente por meio do estudo
da cultura escolar praticada em instituições escolares. Esse
olhar microscópico é ainda mais explorado no estudo das
disciplinas escolares prescritas e colocadas em movimento no
cotidiano escolar e na investigação de trajetórias profissionais
de docentes, com destaque para as professoras do antigo curso
primário.
O enriquecimento e o esmigalhamento da História da
Educação têm implicações expressivas no ensino de História
da Educação, especialmente nos cursos de graduação. Diante
de diversificados objetos, abordagens e perspectivas teóricas,
deve-se perguntar: qual História da Educação ensinar? Ou
seja, deve-se indagar qual aspecto da educação deve ser
historicizado. Deve-se dar foco ao estudo temporal da caixa-
preta das escolas? Ou priorizar as instituições de formação de

337
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

professores? Ou ainda enfatizar as políticas públicas na área


de educação? Como articular realidades educacionais locais
e regionais com processos nacionais e globais? Como tratar o
tempo histórico e qual período da História da Educação deve
ser mais trabalhado? A partir de quais aportes teóricos é mais
apropriado fundamentar a reflexão temporal da educação?
Diante da abertura e da diversificação da historiografia da
educação, essas questões, entre outras, colocam-se aos
professores da História da Educação. Trata-se de repensar a
desafiante e cuidadosa questão da seleção e organização dos
conteúdos culturais na disciplina História da Educação para
os diversificados cursos de licenciatura.1
Por outro lado, é importante considerar que a Pedagogia
não tem uma raiz disciplinar, mas se apropria de várias
ciências, e essa operação é, historicamente, flutuante. E,
até bem pouco tempo, os Cursos de Pedagogia geralmente
tinham um currículo aberto que formava para diferentes
habilitações, como magistério dos anos iniciais do ensino
fundamental ou administração escolar. Essa conformação
curricular excessivamente aberta vem sendo criticada por
vários pedagogos e cientistas sociais, particularmente à luz
dos sofríveis desempenhos dos alunos dos anos iniciais do
ensino fundamental nas avaliações nacionais e internacionais.
Nos Cursos de Pedagogia no Brasil, a disciplina História
da Educação também tem elasticidade, relacionada com
a diversificação das pesquisas em História da Educação
e com a falta de raiz disciplinar da Pedagogia. Há infinitas
possibilidades porque a História não tem tema e “[...] as
matérias escolares não são outra coisa senão aquilo que as
práticas fazem delas” (KEDDIE, apud FORQUIN, 1993, p. 98).

1
O ensino de História da Educação ainda é um aspecto pouco contemplado
pela historiografia da educação brasileira (VIDAL; FARIA FILHO, 2005, p.120).
Nessa direção, consultar a recente e instigante obra O ensino de história
da educação em perspectiva internacional (GATTI JÚNIOR; MONARCHA;
BASTOS, 2009).

338
O ensino de história da educação

No entanto, as atuais diretrizes curriculares nacionais


para o Curso de Licenciatura em Pedagogia, oficializadas pela
Resolução nº 01 do Conselho Nacional de Educação, de 15
de maio de 2006 (BRASIL, 2006), afunilam a habilitação do
Curso de Pedagogia para o magistério dos anos iniciais do
ensino fundamental e da educação infantil. As novas diretrizes
curriculares nacionais para o Curso de Pedagogia engendram
discussões em torno do formato do currículo, bem como do
desenho e do espaço de suas disciplinas. Neste novo formato
curricular do Curso de Pedagogia, que objetiva a formação de
professores/as para a educação da infância, como a disciplina
História da Educação deve ser construída? Evidentemente,
dependendo da formatação curricular, a disciplina História da
Educação pode ser repensada e, no limite, suprimida. Ou seja,
se todas as disciplinas do Curso de Pedagogia adotarem uma
perspectiva histórica, por que haveria necessidade de criar a
disciplina História da Educação, que é tão simplesmente um
olhar temporal sobre os atuais problemas educacionais?
Proponho-me, pois, a tecer algumas considerações sobre
a disciplina História da Educação no Curso de Licenciatura em
Pedagogia no Brasil, explorando três aspectos que considero
relevantes, quais sejam: a perspectiva genealógica, o foco na
escolarização da infância e a questão das apropriações de
culturas escolares. A escolha desses aspectos é resultado das
autorreflexões da minha prática como professor de História
da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC) durante a última década.
Isso envolve a minha formação acadêmica como historiador,
que vem se aproximando do campo educacional. Todavia,
a eleição desses traços do ensino de História da Educação
deve-se em boa medida à atual matriz curricular dos Cursos
de Pedagogia vigente no Brasil. Essas reflexões representam
também uma tentativa de repensar a disciplina História da
Educação para os cursos de licenciatura em Pedagogia, de
modo que ela contribua na formação de professores/as dos

339
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

anos iniciais do ensino fundamental, da educação infantil e


na inovação pedagógica.

Perspectiva genealógica

Genealogia é um tipo de História que recusa o


olhar temporal linear, progressivo e teleológico e procura
desnaturalizar ou desfamiliarizar o passado. Inspirada
em reflexões nietzschianas, a perspectiva genealógica foi
proposta por Michel Foucault como um contraponto à
“história dos historiadores”, pelo fato de ler descontinuidades
ou deslocamentos2 na longa duração temporal. Na introdução
de Arqueologia do saber, Foucault (1995, p. 6) constatou que,
nas últimas décadas, os historiadores têm se preocupado com
“os longos períodos”, “continuidades seculares” e “estruturas
fixas”, enquanto boa parte da história do pensamento busca
“multiplicar as rupturas e buscar todas as perturbações da
continuidade”. Em Nietzsche, a genealogia e a história, ensaio
de 1971, volta a comparar:

A história ‘efetiva’ se distingue daquela dos historiadores pelo


fato de que ela não se apoia em nenhuma constância: nada
no homem – nem mesmo seu corpo – é bastante fixo para
compreender outros homens e se reconhecer neles [...]. A
história será ‘efetiva’ na medida em que ela reintroduzir o
descontínuo em nosso próprio ser (FOUCAULT, 1988, p. 27).

Foucault acredita que a operação histórica deve reali-


zar “um trabalho negativo” de libertação das continuidades
históricas, suspender noções, como “tradição”, “evolução” e
“progresso”, pôr em questão as “sínteses acabadas”, os “agru-

2 Principalmente a partir da obra História da sexualidade 2, Foucault prefere


utilizar o conceito de “descolamento”, percebido sempre na longa duração
temporal (FOUCAULT, 1994, p.11, 49, 220). Certeau (2000, p.51) pretere
o termo “descontinuidade”, dizendo: “Falemos antes de ‘limite’ ou de
‘diferença’ do que de descontinuidade (termo muito ambíguo porque parece
postular a evidência de um corte na realidade)”.

340
O ensino de história da educação

pamentos familiares”, as unidades consagradas (FOUCAULT,


1995, p. 23). Ele descarta a busca de objetos naturais na His-
tória, por exemplo, “a” loucura, “o” Estado, “a” religião, “a”
escola, negando a possibilidade de encontrá-los no passado.
Constatando a descontinuidade na História, o filósofo fran-
cês conclui: “Encontrei formulações demasiado diferentes e
de funções demasiado heterogêneas para poderem ligar e se
compor em uma figura única e para simular, através do tem-
po, além de obras individuais, uma espécie de grande texto
ininterrupto” (FOUCAULT, 1995, p. 42). Foucault questiona,
assim, “a realidade trans-histórica dos objetos naturais” con-
cebidos como “unidades” abstratas que existem progressiva-
mente no tempo.
Nessa direção, Veyne (1982, p. 172) afirma:

Tal é o sentido da negação dos objetos naturais: não há atra-


vés do tempo, evolução ou modificação de um mesmo ob-
jeto que brotasse sempre do mesmo lugar. Caleidoscópio e
não viveiro de plantas. Foucault não diz: `De minha parte,
prefiro o descontínuo, os cortes`, mas: `desconfiem das falsas
continuidades`. Um falso objeto natural, como a religião ou
como uma determinada religião, agrega elementos muito di-
ferentes que, em outras épocas, serão ventilados em práticas
muito diferentes e objetivadas por elas sob fisionomias muito
diferentes.

Em suas diversas obras, Foucault fez genealogia de vários


objetos históricos como loucura, prisão e sexualidade. Na obra
Vigiar e punir (FOUCAULT, 1993), procurou compreender a
irrupção da prisão ortopédica no final do século XVIII e sua
disseminação como instrumento disciplinar, substituindo
os suplícios praticados de forma generalizada até aquele
momento histórico. Essa nova forma de punir realizava-se
de modo fechado e sobremaneira incidia sobre a alma dos
aprisionados, viabilizada, em boa medida, pelo pan-optismo.
A prisão ortopédica, portanto, não é um objeto natural que
existiu trans-historicamente, mas uma instituição disciplinar da

341
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

modernidade, cuja lógica muito diferia do regime de suplícios,


que punia o corpo dos condenados em sessões públicas.
O uso do conceito de descontinuidade implica fazer
aparecer “os fenômenos de ruptura” ou “a incidência
de interrupções”. A história genealógica coloca o foco
preferencialmente sobre os momentos de emergência e
afirmação do novo, que não descende necessariamente do
velho, mas brota de modo insólito e inesperado. Dessa forma,
os historiadores abandonam “[...] o tempo vetorizado da
história [e realizam] um incessante trabalho de diferenciação,
[que] se apoia na diferença entre um presente e um passado”
(CERTEAU, 2000, p. 47). A introdução de “jogos de diferença”
e a desfamiliarização do passado anacroniza a história.
Defendendo o “regime de anacronismo” na história, Loraux
(1992, p. 64) constata que o anacronismo tem sido “[...] o
pesadelo do historiador, o pecado capital contra o método”,
mas afirma que somente ele evita o imperialismo do presente
sobre o passado e preserva a virtude salutar do diálogo de
diferentes temporalidades.
A genealogia foucaultiana também nega a existência
de um centro unificador da história, como queriam as
concepções historiográficas de caráter linear, progressivo
e teleológico. Foucault problematiza o projeto de alcançar
a “história total”, propondo uma “história geral”, que tem
múltiplos e dispersos centros de estruturação, asseverando:
“Não se deve mais procurar o ponto de origem absoluto, ou
de revolução total, a partir do qual tudo se organiza, tudo se
torna possível e necessário, tudo se extingue para recomeçar”
(FOUCAULT, 1995, p.169). Em Vigiar e punir (FOUCAULT,
1993), o “filósofo-historiador” constata que a “tecnologia
disciplinar” emergiu no mundo pós-medieval em várias
instituições sociais, como a manufatura, o quartel militar e os
colégios, que vão se refinando e se afirmando mutuamente, e
não a partir de um ponto unificador do qual emana o processo
histórico. Nessa direção, Aguirre Rojas (1995, p .85) anota:

342
O ensino de história da educação

Para Foucault no hay historia global posible, y en su lugar


lo que hay que perseguir es solo una historia `general` con
múltiples centros de estructuración, y por ende [sic] también
de dispersión, historia que es necessariamente ´pluralidad
de sentidos` y que no obedece ´ni a un destino `ni a una
mecánica, sino al azar de la lucha`, y en la cual lo que
predomina por encima de todo es la discontinuidad.

Além de problematizar as grandes continuidades e as


totalizações e compreender diferenças no tempo, marcadas
pela irrupção do novo em diferentes lugares sociais, a
história genealógica procura constatar que todos os processos
históricos são transversalizados por relações de poder. Para
Foucault, o poder não está concentrado no Estado, mas é
relacional, microfísico, capilar, de modo que ele está em
movimento em todas as relações humanas, sendo contraposto
por resistências de diversas proporções, desde pequenas
recusas até movimentos sociais mais amplos. Ademais, para
Foucault, o poder no mundo contemporâneo é sobretudo
produtivo, incitador, sedutor, procurando “conduzir
condutas”. Nesse sentido, O’Brien (1992, p. 50) afirma que
“[...] o método [genealógico] parece enganosamente simples:
identificar e justapor diferenças em busca das manifestações
de poder que permeiam todas as relações sociais”. Nessa
perspectiva genealógica, a fonte histórica passa a ser vista
como “documento-monumento”, isto é, uma produção
textual que faz parte de jogos de poder. Cabe ao genealogista,
portanto, detectar as condições sociais e políticas de produção
do documento histórico.

Genealogia da escolarização da infância

A partir das provocações de Foucault, a genealogia


vem sendo usada para compreender diferentes objetos
históricos, entre os quais a escola. Os trabalhos de cientistas
sociais e de pedagogos que se propõem a pensar a escola no

343
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

mundo ocidental em perspectiva genealógica começam por


desnaturalizá-la no tempo, enfatizando que ela foi inventada
pela primeira modernidade europeia. É importante assinalar
o trabalho fundador de Ariès (1986), que marca a diferença
entre a educação medieval e aquela dos “tempos modernos”.
Esse historiador francês constata que a educação medieval
era ministrada por um mestre, geralmente numa sala alugada
ou numa igreja, sem seriação e com restrita preocupação
disciplinar, dirigida a estudantes com idades variadas. Em
relação à “indiferença com relação à idade” e à soltura da
educação durante a Idade Média, Ariès (1986, p.167), afirma:

E essa mistura de idades continuava fora da escola. A escola


não cercava o aluno. O mestre único, às vezes assistido por
um auxiliar, e com uma única sala à sua disposição, não
estava organizado para controlar a vida cotidiana de seus
alunos. Estes, terminada a lição, escapavam à sua autoridade.
Ora, originalmente, essa autoridade, o for do mestre, era a
única que eles reconheciam. `Velhos ou jovens`, os alunos
eram abandonados a si mesmos. Alguns, muito raros, viviam
com os pais. Outros viviam em regime de pensão, quer na
casa do próprio mestre, quer na casa de um padre ou cônego,
segundo condições fixadas por um contrato semelhante ao
contrato de aprendizagem [...].
Essa promiscuidade das idades hoje nos surpreende, quando
não nos escandaliza: no entanto, os medievais eram tão
pouco sensíveis a ela que nem a notavam, como acontece
com as coisas muito familiares. Mas como poderia alguém
sentir a mistura das idades quando se era tão indiferente à
própria ideia de idade?

A tradição educativa medieval passou a ser quebrada pela


emergência das instituições educativas da Idade Moderna,
como as escolas elementares e, especialmente, os colégios.
Ariès (1986, p. 165-194) constata, que a partir do século XV,
o ensino passou a ser ministrado em “colégios modernos”,
que funcionavam em regime de internato, diferenciando-se
pelo enquadramento e vigilância dos alunos e pela criação
de “classes escolares”, criadas mais em função da seriação

344
O ensino de história da educação

do conhecimento do que pela idade. Na França, esses traços


da educação moderna são embrionários nos reformadores
escolásticos do século XV, mas desenvolvidos pelos
reformadores religiosos como os jesuítas, os oratorianos e os
“jansenistas do século XVII”.3
Com inspiração na perspectiva genealógica enunciada
por Michel Foucault e na obra de Ariès (1986), foram
produzidas algumas genealogias da escola, entre as quais
eu destacaria Arqueología de la escuela (VARELA; ALVAREZ-
URÍA, 1991), infancia y poder, obra escrita entre 1992 e 1993
(NARODOWSKI, 2008), e A invenção da sala de aula, livro
concluído em 1999 (DUSSEL; CARUSO, 2003). Esses trabalhos
constatam o nascimento da escolarização no mundo ocidental
como parte integrante das reformas religiosas que dividiram
o continente europeu no século XVI, de forma que a escola
se converteu numa estratégia moderna de catequização.
Nesse momento histórico, coube às igrejas protestantes e às
congregações católicas a iniciativa de conceber e de formatar
as nascentes instituições escolares. Essa primeira onda de
escolarização avançou, de maneira inédita, nos países
europeus e espraiou-se nas suas áreas coloniais, tomando
dimensão global.
No entanto, essas genealogias fazem leituras diferenciadas
do nascimento das instituições escolares. Entendendo que
a escolarização da primeira modernidade foi gestada pelas
reformas religiosas e guerras de religião, Varela e Alvarez-
Uría (1991) destacam o papel central dos colégios dos jesuítas
e da Ratio Studiorum na Espanha da Contrarreforma na
montagem da “maquinaria escolar”, plasmada pela disciplina
moderna, pelo espaço fechado e pela aparição de um corpo
de especialistas da infância. Apropriando-se de trabalhos de
Norbert Elias e de Pierre Bourdieu, os sociólogos espanhóis
3
Apoiando-se em reflexões históricas de Ariès, Petitat (1994, p. 49-125)
diagnostica a existência de colégios e escolas elementares de caridade na
Europa do Ancien Régime, que se diferenciaram frontalmente da educação
medieval.

345
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

constroem uma genealogia sociológica da escolarização


procurando inserir os marcadores sociais na análise das
instituições educativas. Assim, percebem três “modos de
educação” inéditos na Espanha nos séculos XVI e XVII: a
educação da nobreza cortesã, realizada pelos preceptores;
a escolarização da burguesia e da nobreza provinciana,
oferecida sobretudo pelo colégios jesuíticos; e a educação
das classes populares, conferida precariamente em institutos
católicos. Varela e Alvarez-Uría também conferem visibilidade
ao projeto educativo do Iluminismo espanhol, procurando
perceber a “sombra” da educação popular, que tinha como
intuito “fabricar sujeitos dóceis e úteis”.
Dussel e Caruso (2003) consideram que o nascimento da
sala de aula – “o elemento insubstituível da escola” – teve
como parteira a competição entre as religiões cristãs que
assolou o continente europeu a partir do início do século
XVI. Tendo como mote a sala de aula, eles refletem sobre as
considerações pedagógicas de Comenius, a experiência dos
colégios jesuíticos e a Ratio Studiorum, sublinhando “o lado
individualizador da sala de aula”, e “o método global” das
escolas elementares de caridade criadas pelos lassalistas.
Narodowski (2008) faz poucas e esparsas referências à rede
global dos colégios da Companhia de Jesus e concentra o seu
foco na análise da Didactica magna, de Comenius, considerada
a obra fundadora do discurso pedagógico moderno. Ou
seja, nas ideias de Comenius, são lidos elementos que serão
desdobrados e burilados pela Pedagogia Moderna. Por
outro lado, o pedagogo argentino dá visibilidade às escolas
elementares de caridade de La Salle, em virtude da experiência
significativa da construção do método simultâneo, que também
será apropriado e reinventado pela Pedagogia Moderna.
Nas genealogias de Dussel e Caruso (2003) e de Narodowski
(2008), o método lancasteriano, criado na Inglaterra, no final do
século XVIII, e disseminado no mundo nas primeiras décadas
da centúria seguinte, tem um importância singular na história

346
O ensino de história da educação

da escolarização ocidental devido à atuação educativa dos


monitores e à “tecnologia disciplinar”. Narodowski (2008,
p.124-152) enfatiza o papel ativo e inédito dos monitores nas
práticas escolares, que descentra a figura do professor e rompe
com a simultaneidade existente no discurso pedagógico de
Comenius e na tradição educativa lassaliana. Por outro lado,
ele chama a atenção para o utilitarismo que transversaliza o
método lancasteriano, manifestando-se, sobremaneira, no uso
rigoroso do tempo, na quantificação dos prêmios e dos castigos,
na aplicação dos princípios panópticos e na lógica fabril. Não
se trata mais de regras de civilidade, como aquelas colocadas
em marcha nas escolas elementares de La Salle, mas de regras
de escolaridade que visavam a “alcançar a máxima utilidade”.
Para Narodowski, o caráter utilitário é um dos principais traços
que plasmam a diferença do método lancasteriano em relação
às tradições escolares anteriores e está umbilicalmente ligado
à Revolução Industrial Inglesa, de forma que havia analogia
estreita entre a organização fabril e a lancasteriana.
Apoiados nos trabalhos de Foucault (1993) e de
Narodowski (2008), Dussel e Caruso (2003) consideram que
o método lancasteriano foi a principal alternativa de ensino
nos países ocidentais, que ganhou disseminação mundial
sem precedentes. Eles analisam a estrutura maquínica do
método lancasteriano, constituída pelo “registro minucioso e
detalhado da vida escolar”, realizado o dia todo, classe por
classe, pela “reorganização do tempo e do espaço escolar” e
pela articulação azeitada de todas as atividades dos agentes
do ensino – professor, monitores e alunos. E desdobram bem a
análise da disposição espacial das escolas lancasterianas, cujos
elementos centrais eram “um grande salão”, a delimitação dos
lugares individuais, as carteiras comuns para todas as fileiras
e a existência dos semicírculos onde os monitores ensinavam
a seus colegas.
Tanto Narodowski como Dussel e Caruso consideram o
método lancasteriano como um deslocamento na História da

347
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Educação, devido à quebra da tradição do ensino simultâneo


e ao descentramento do papel do professor. Os dois trabalhos
desses autores argentinos envidam esforços para discutir o
esgotamento do método lancasteriano em torno de meados
do século XIX, quando ele foi substituído pelo método misto e,
especialmente, pelo formato da escola graduada. Os autores
descrevem a difusão mundial do método lancasteriano,
destacando a recepção deste no continente americano,
particularmente nos países de língua espanhola.
A genealogia da escola de Varela e Alvarez-Uría
(1991) não desdobra reflexões históricas sobre o método
lancasteriano, mas dá visibilidade à escola primária pública,
gratuita e obrigatória, instituída na Espanha, no início do século
XX, que tinha por objetivo domesticar os filhos das classes
populares. Os sociólogos espanhóis sustentam que as peças
fundamentais da “maquinaria escolar”, criadas pelos colégios
confessionais, foram apropriadas e aperfeiçoadas pelos Estados
nacionais, contribuindo para perpetuar desigualdades sociais.
A intervenção do “Estado-educador”, vista por Varela e Alvarez-
Uría a partir da Espanha, é uma questão central na escolarização
contemporânea, particularmente da escola primária. Como
parte integrante de sua afirmação, o Estado nacional procurou
definir os conteúdos, os métodos e os professores das escolas
primárias. Para tanto, instituiu as escolas normais, com o intuito
de normalizar a formação dos professores do ensino primário.
No mundo ocidental, o “Estado-educador” emergiu, de
forma tímida e intermitente, na segunda metade do Setecentos
e se consolidou a partir do último quartel do século XIX,
quando foram constituídos vigorosos sistemas nacionais de
ensino, nos países europeus e americanos, que estenderam
a escola primária à maioria da população, com o intuito de
produzir sujeitos disciplinados e nacionalizados, demandados
pela industrialização e pelo nacionalismo.
Esse novo deslocamento é lido por Narodowsky (2008,
p.169-185) a partir da afirmação da Pedagogia Moderna. O dis-

348
O ensino de história da educação

curso pedagógico hegemônico é predominante desde meados


do século XIX, que passou a embasar e a normalizar a organi-
zação escolar. A Pedagogia Moderna representou a vitória da
“instrução simultânea”, que “atualiza” a tradição pedagógica
de Comenius e La Salle. Para Narodowski (2008, p.171), atuali-
zar é “[...] respeitar os principais dispositivos do discurso peda-
gógico e colocá-los em função para uma situação nova”. Essa
atualização se materializa nos sistemas educativos nacionais,
que se estabeleceram nos países europeus e americanos, entre
o final do século XIX e início do século XX. O sistema de ensi-
no argentino, instituído nesse momento histórico, é analisado
por Dussel e Caruso (2003, p.171-192), a partir do conceito
de “pedagogia normalizadora”, que se apoiava no positivismo,
notadamente nas ideias de Herbert Spencer. Assim, as escolas
primárias argentinas passaram por um processo de uniformiza-
ção nacional, marcada pelo disciplinamento dos corpos docen-
te e discente, pela instituição da graduação do ensino em várias
séries, constituídas a partir da idade dos alunos.
Apesar de instigantes e consistentes, as genealogias de
educação de Varela e Alvarez-Uría (1991), de Narodowski
(2008) e de Dussel e Caruso (2003) não dão o devido destaque
à instituição da escola graduada e ao método intuitivo nos
países europeus e americanos. A escola graduada, inventada
e disseminada na segunda metade do século XIX, colocou
em movimento uma nova cultura escolar no ensino primário,
cujos elementos centrais são a seriação por idade do ensino
primário, a criação de classes homogêneas regidas por um
professor, a construção de edifícios escolares imponentes e
panópticos, a utilização de mobiliário específico e de materiais
didáticos diversos e, especialmente, o uso do método intuitivo
(SOUZA, 1998, p. 25-87). Trata-se da grande transformação
no ensino primário, que rompe com diversificadas culturas
escolares anteriores, como o método mútuo e a escola
unitária, e estabelece um modelo de ensino que, em boa
medida, permanece até os dias de hoje. A faceta mais

349
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

modernizadora da escola graduada é representada pelo uso


do método intuitivo ou “Lições de Coisas”, que abandonava a
memorização passiva e pensa o ensino a partir de coisas ou de
representações de objetos que engendravam a aprendizagem
ativa (VALDEMARIM, 2004; TEIVE, 2008, p. 109-138).
O último deslocamento na genealogia da escola primária
ocidental é identificado pelo movimento escolanovista e seus
desdobramentos. Varela e Alvarez-Uría (1991) e Narodowsky
(2008) apenas citam en passant a Escola Nova e destacam a
flexibilização das técnicas de disciplinamento e o puericentrismo.
Dussel e Caruso (2003) ensaiam uma leitura do escolanovismo,
entendido como um movimento diversificado e internacional,
situado na primeira metade do século XX, que problematizou
a classe da escola graduada, propondo atividades em grupos a
partir de interesses comuns dos alunos, em laboratórios e em
oficinas, e destronou a figura central do professor. A Escola Nova
é considerada a “expressão mais acabada do biopoder” pelo
fato de ela adotar formas mais flexíveis de ensino, que tinham
como intuito regular o crescimento das crianças, mas não liberá-
las. À maneira de síntese e refinando conceitos foucaultianos,
Dussel e Caruso (2003, p. 224) afirmam que “[...] a escola nova
mais `regulava` do que `controlava`, mas em ambos os casos
`governava` a população, que de qualquer forma se encontrava
na escola porque era uma ´obrigação`”. Nessa leitura, a Escola
Nova perde o seu caráter peremptoriamente inovador, mas
esmerilha e toma formas de governo de tradições pedagógicas
anteriores mais sutis.
A genealogia da escolarização da infância também
deve contemplar e agregar instituições de educação infantil,
como as creches e os jardins de infância, que surgiram na
primeira metade do século XIX. A criação das creches está
ligada ao crescimento da industrialização e à proletarização
das mulheres, que necessitavam de cobertura durante as
horas de trabalho fabril. O jardim de infância, idealizado
por Friedrich Froebel, converteu-se na principal instituição

350
O ensino de história da educação

de educação infantil desde meados XIX, nos continentes


europeu e americano (KISHIMOTO, 2001). Como a escola
elementar, geralmente as instituições de educação infantil
tiveram começos vinculados a instituições religiosas, mas
posteriormente também foram sequestradas pelo “Estado-
educador”. As instituições de educação infantil devem ser
relacionadas com o ensino primário ou com os anos iniciais
do ensino fundamental, com o intuito de perceber, entre elas,
historicamente, aproximações e diferenças pedagógicas.
Enfim, acredita-se que o uso da perspectiva genealógica
é eficaz para refletir sobre a escolarização da infância pelo
fato de ela proporcionar o contato com diferentes tradições
escolares ocidentais, desde aquelas de caráter cristão até
as de cunho nacional, laico e científico. Acredita-se que,
genealogicamente falando, é importante constatar diferenças
nas experiências escolares no tempo, e também perceber como
certas tradições escolares permanecem e invadem o presente.
No entanto, é importante fazer uma genealogia sociológica da
escola, ou seja, introduzir marcadores sociais, como religião,
gênero, classe social e etnia na análise da escolarização.
Dessa forma, ao invés de fazer uma leitura histórica abstrata
da escola, intenta-se perceber os diferentes “modos escolares
de educação” em perspectiva temporal.

Apropriações de culturas escolares

Com raras exceções, por exemplo, o método Paulo


Freire, a História da Educação brasileira tem sido a história de
apropriações de culturas escolares4 em circulação no mundo.

4
Cultura escolar é entendida por Julia (2001, p. 10) como “[...] um conjunto
de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e
um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos
e a incorporação desses comportamentos”. Assim definida, a cultura escolar
é um objeto histórico que emergiu no início da Idade Moderna, conforme
analisado acima.

351
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Na condição de colônia portuguesa ou de País emancipado na


periferia do sistema capitalista mundial, o Brasil geralmente
importava modelos de ensino em diferentes momentos de
sua história e de variadas matrizes pedagógicas. A partir
dessa condição, pode-se pensar como o Brasil se apropriou
de culturas escolares inventadas e reinventadas em diferentes
temporalidades e em variados países ou regiões. O conceito
de apropriação é compreendido a partir da perspectiva de
Chartier (1992), que considera que os bens culturais são
usados de forma diferente, de modo que a recepção é realizada
pela “invenção criativa”, por meio de resistências, ajustes e
arranjos. Assim, “[...] as práticas de apropriação sempre criam
usos ou representações muito pouco redutíveis aos desejos
ou às intenções daqueles que produzem os discursos ou as
normas” (CHARTIER, 1992, p. 233-234). As culturas escolares
colocadas em práticas no Brasil, em diferentes momentos
históricos, podem ser lidas como operações de apropriação
de discursos pedagógicos e/ou de experiências educativas.
Procurando indicar a eficácia da leitura das apropriações
de culturas escolares para a disciplina História da Educação,
coloco o foco sobre três culturas escolares em circulação
no mundo ocidental, apropriadas pelo Brasil em diferentes
temporalidades. O primeiro modelo pedagógico que me
proponho analisar é a educação jesuítica, inventada na Europa,
no século XVI, e presente durante a maior parte do período
colonial brasileiro. A Companhia de Jesus foi criada como
parte integrante das reformas religiosas e das guerras de religião
da primeira modernidade, consagrando-se como a principal
congregação docente da era do catolicismo tridentino. Para
combater o inimigo protestante, os jesuítas criaram uma vigorosa
rede de colégios, que se colocou, de forma sistemática, em
quase todos os países europeus e se estendeu para a Ásia e para
o Novo Mundo. A colônia portuguesa na América receberia
o primeiro grupo de missionários jesuítas em 1549, os quais
fundaram vários colégios, especialmente nas cidades litorâneas.

352
O ensino de história da educação

Para uniformizar a rede de colégios em escala global,


na segunda metade do século XVI, a Companhia de Jesus
elaborou a Ratio Studiorum, um código educativo que
prescrevia saberes a serem ensinados e comportamentos a
serem interiorizados, tornada oficial em 1599. Ela se converteu
no discurso fundador da cultura escolar católica com um viés
claramente disciplinante, que deveria orientar a educação
jesuítica em todo o mundo (DALLABRIDA, 2001). Os colégios
jesuíticos da América Portuguesa seguiam as determinações
da Ratio Studiorum e, para tanto, ensinavam as letras clássicas
e utilizavam estratégias disciplinares modernas, como a
arquitetura panóptica e a disputa e a premiação entre os
estudantes. Por meio de seus colégios jesuíticos, a América
Portuguesa integrava-se à primeira onda de escolarização
que tomou conta da Europa Ocidental, estimulada pela
concorrência cristã provocada pelas reformas religiosas.
No entanto, em face ao destino missionário dos jesuítas
junto aos indígenas, os colégios da Companhia de Jesus na
América Portuguesa substituíram o grego, língua prevista na
Ratio Studiorum, pela língua indígena – chamada “o grego
do Brasil” (BRESCIANI, 1997). A cultura escolar jesuítica
colocada em marcha na América Portuguesa tinha um filtro
lusitano contrarreformista e estava afinada com o projeto de
colonização cultural do Brasil.
Outro momento significativo na História da Educação
brasileira deu-se após a emancipação política, quando o Brasil
adotou o método lancasteriano para as suas escolas de primeiras
letras. Esse método de ensino havia sido criado na Inglaterra,
em fins do século XVIII, com o objetivo de proporcionar
escolarização em massa para as classes populares. Nas
primeiras décadas do século XIX, ele se disseminou nos países
europeus e em várias partes do mundo, sendo adotado pelos
novos países latino-americanos que estavam se formando e se
afirmando naquele momento histórico. No Brasil, o método
lancasteriano começou a ser utilizado no final da década de

353
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

1810, mas ele foi oficializado, em nível nacional, por meio


do “Decreto das Escolas de Primeiras Letras, de 15/10/1827”
(BASTOS, 2005). As primeiras escolas normais criadas no
Brasil, nas décadas de 1830 e 1840, ensinavam o método
lancasteriano.
Todavia, o Brasil vai se apropriar sobremaneira do
método mútuo, nome dado ao método lancasteriano na
França – la méthode d’enseignement mutuel. A maioria dos
manuais utilizados por professores brasileiros, na primeira
metade do século XIX, era de origem francesa, e os poucos
professores que foram aprender esse novo método de ensino
no Velho Mundo dirigiram-se à Escola Normal de Paris (SILVA,
2008, p. 53-54). O sistema de ensino no Brasil independente
que procurava afirmar-se estava afinado com a importação
de bens culturais franceses, tanto no ensino primário com o
método mútuo como no ensino secundário, em que o Imperial
Colégio de Pedro II tinha como referência os liceus franceses.
O francesismo predominava nas artes em geral, na cultura
política e, particularmente, no campo educacional. O método
lancasteriano no Brasil, portanto, não foi adotado a partir das
suas matrizes originais inglesas, mas apropriado das leituras e
experiências francesas.
A apropriação do modelo de escolas graduadas no Brasil
é ainda mais instigante na História da Educação brasileira,
pois integrou a modernização republicana e deu-se em
ritmos bem diferenciados nos Estados da Federação brasileira
(CARVALHO, 1989). As escolas graduadas emergiram nos
países europeus e nos Estados Unidos, em meados do século
XIX, e se disseminaram pelo mundo como a cultura escolar
moderna por excelência. As primeiras experiências das
escolas graduadas no Brasil ocorreram no final do período
monárquico, em escolas particulares, que seriam usadas nos
sistemas públicos de ensino. Com a instituição da República,
o Estado de São Paulo implantou, de forma pioneira, as escolas
graduadas, que passaram a se chamar “grupos escolares”. Essa

354
O ensino de história da educação

transformação significativa no ensino primário paulista estava


articulada com a reforma da Escola Normal de São Paulo,
que formou os novos professores para os grupos escolares –
as escolas da República (MONARCHA, 1999, p.111-222).
A partir da experiência em São Paulo, os grupos escolares
foram introduzidos em todos os sistemas estaduais de ensino.
A maioria deles deu-se a partir da direção de professores
paulistas, fenômeno que ficou conhecido como “bandeirismo
paulista” (SOUZA, 1998).
No processo de instituição dos grupos escolares no
Brasil, nas primeiras décadas do regime republicano,
constata-se a apropriação da cultura escolar de escolas
graduadas europeias e norte-americanas. Para modernizar o
ensino primário, o Estado de São Paulo apoiou-se na matriz
pedagógica e contratou professoras da Escola Americana,
localizada na cidade de São Paulo e dirigida por missionários
presbiterianos norte-americanos, que colocavam em marcha
a tradição pedagógica das escolas graduadas. Pelo fato
de a experiência paulista ter sido a matriz educativa da
modernização pedagógica no início da República, a cultura
escolar dos grupos escolares e das escolas normais reformadas
no Brasil foi marcada, particularmente, por discursos e práticas
educativas norte-americanas. Nesse processo, a recepção dos
manuais do método intuitivo ou lições de coisas – o coração
da Pedagogia Moderna e das escolas graduadas – no Brasil,
é bastante emblemática. Desde o final do século XIX, foram
traduzidos para o português vários manuais de lições de
coisas, mas foi aquele do educador norte-americano Norman
Allison Calkins, intitulado Primeiras lições de coisas: manual
para uso de pais e professores da escola elementar, que teve
maior sucesso e difusão no Brasil. O manual de Calkins foi
traduzido para o português por Rui Barbosa e publicado no
Brasil, pela primeira vez, em 1886, tornando-se a principal
referência do método intuitivo nas escolas normais brasileiras
até a década de 1920 (TEIVE, 2008, 126-130).

355
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Em realidade, a operação de apropriação das culturas


escolares é multifacetada e se realiza entre os níveis mais
amplos (mundial, nacional e estadual) e aqueles mais locais,
como a escola e mesmo a sala de aula, bem como entre o
nível do prescrito nas ideias e nas normas e o que é praticado
no cotidiano escolar. A compreensão das apropriações em
diferentes dimensões nas culturas escolares em movimento
é necessária e salutar para a percepção crítica dos usos de
artefatos pedagógicos na tessitura da escolarização no Brasil.
Essa compreensão deve contribuir para que os estudantes
percebam as apropriações realizadas no Brasil no campo
educacional em relação a outros países. Mas também deve
contribuir para o entendimento da leitura brasileira das culturas
escolares em circulação no mundo, procurando constatar os
seus arranjos, vulgarizações e reinvenções criativas.

Considerações finais

Neste ensaio, procurei repensar a disciplina História da


Educação nos Cursos de Pedagogia no Brasil à luz das suas
atuais diretrizes curriculares nacionais. Se a genealogia da
escola e a compreensão das culturas escolares no tempo
podem ser pensadas para todos os cursos superiores, o foco
na escolarização da infância é específico para os Cursos de
Pedagogia. Assim, a disciplina História da Educação, em
outros cursos de licenciatura que não o de Pedagogia, poderia
pensar genealogias dos anos finais do ensino fundamental
e do ensino médio. Apesar de haver pontos de ligação,
especialmente na época contemporânea, considero que
há diferenças históricas entre os antigos cursos primário e
secundário, que, em boa medida, permanecem presentes.
Geralmente a educação infantil e os anos iniciais do ensino
fundamental/ensino primário são ministrados por um ou dois
professores/as, enquanto os anos finais do ensino fundamental

356
O ensino de história da educação

e o ensino médio/secundário têm um professor para cada


disciplina. Assim, nas instituições de educação da infância,
há menor dispersão de conteúdos e de métodos, o que não
significa homogeneidade pedagógica, pois os níveis de
apropriação são diversificados e dinâmicos.
Na disciplina História da Educação, é oportuno e eficaz
que os estudantes do Curso de Pedagogia sejam colocados
em contato com experiências de escolarização da infância
em diferentes momentos históricos. Esse conhecimento deve
proporcionar estranhamento que relativize as culturas escolares
das instituições de educação da infância, percebendo-as como
construções históricas. Por outro lado, ele deve contribuir para
perceber que algumas culturas escolares permanecem por
longos tempos, marcando diferentes gerações. A compreensão
de que alguns processos históricos são diferentes e outros
avançam sobre o presente é salutar e necessária para alavancar
a inovação e a eficácia nas práticas educativas atuais. No
entanto, as instituições de educação infantil e dos anos iniciais
do ensino fundamental podem e devem ser relacionadas com
outros níveis de escolarização, particularmente os cursos
de formação de professores, como a escola normal, o curso
de Magistério e os Cursos de Pedagogia. É imprescindível
contextualizar a escolarização da infância no campo educativo
e na sociedade, procurando perceber como as políticas,
manifestos educativos e movimentos sociais também intervêm
na tessitura das culturas escolares. Contudo, essa necessária
perspectiva relacional não deve tirar o foco da escolarização
da infância e nem se perder em digressões contextuais.
Enfim, penso que, nos Cursos de Pedagogia no Brasil,
deve-se procurar proporcionar aos estudantes uma história
genealógica da escolarização da infância, que perceba as
apropriações brasileiras das culturas escolares em circulação
no mundo. Assim, os olhares temporais sobre os anos iniciais
do ensino fundamental e as instituições de educação infantil
devem ter presente a abrangência da dimensão nacional,

357
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

buscando identificar as emergências das novas culturas


escolares e a sua recepção diversificada nos sistemas
públicos de ensino e nas unidades escolares. No processo de
apropriação das culturas escolares, é importante entranhar
marcadores sociais, como gênero, religião, etnia e classe
social, pois eles permitem constatar diferentes e desiguais
modos de educação da infância.

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361
O ensino de história da educação

O período colonial nos manuais de


História da Educação brasileira

Thais Nivia de Lima e Fonseca

Introdução

A maior parte dos livros de História da Educação no Brasil,


destinados e/ou usados na formação de professores, vem
seguindo a periodização consolidada historiograficamente
desde o século XIX, ou seja, organizando seus conteúdos
nos períodos colonial, imperial e republicano. Publicados
mais sistematicamente desde meados do século XX, eles
permaneceram a maior parte desse tempo alheios aos
avanços da historiografia brasileira, seguindo os passos
de uma abordagem consagrada acerca dessa história. Só
muito recentemente a produção desse tipo de livro tem sido
informada pela historiografia renovada, em muitos temas e
problemas. Esse aspecto denota os já conhecidos problemas
de sintonia entre a produção historiográfica brasileira e a
História da Educação, que marcou uma parte significativa da
trajetória desta última no País.
A renovação recente, que propõe realizar essa
interlocução e trazer ao ensino de História da Educação o
debate historiográfico mais geral, tem produzido algumas
obras que podem, efetivamente, contribuir para o avanço desse
ensino nos diferentes cursos de formação de professores, hoje
concentrados no nível superior. Mesmo levando em conta
esse movimento, observa-se que alguns períodos e alguns
temas permanecem alicerçados em abordagens ultrapassadas,

363
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

repetindo interpretações já superadas pela produção


historiográfica mais recente e deixando de considerar aspectos
novos incorporados ao conhecimento histórico sobre o Brasil
que são conhecidos há pelo menos duas décadas.
Minha intenção neste texto é realizar uma análise
possível de um conjunto de livros usados tanto nos cursos
de formação de professores quanto como referências de base
para a História da Educação no Brasil, nas últimas décadas.
Suas características e os usos que deles podem ser feitos nos
permitem tratá-los como “manuais” no sentido de serem obras
sobre uma história geral da educação no Brasil. No recorte
aqui definido, a ênfase recairá sobre as temáticas relacionadas
com o período colonial, visivelmente o menos estudado pela
historiografia da educação brasileira, em comparação com os
períodos imperial e republicano.1

Panorama da historiografia sobre o período colonial

O período colonial tem sido estudado sistematicamente


desde o século XIX, quando do surgimento de uma
historiografia brasileira propriamente dita, a partir da
fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em
1838. Naquele momento do processo de formação do Estado
nacional no pós-independência, apresentava-se às elites
políticas e intelectuais a necessidade da construção de uma
nacionalidade, o que implicaria a elaboração de uma história
nacional que explicasse a trajetória da nação até a conquista
da sua soberania. Recém-saído de três séculos de domínio
português, o Brasil não poderia prescindir deste período
para a construção dessa história e, por isso, sua condição
de parte do Império português do Antigo Regime precisava
ser reconhecida. Além disso, o processo de independência

1
Análises dessa produção podem ser vistas em: Carvalho, 1998; Vidal e Faria
Filho, 2003; Fonseca (no prelo).

364
O ensino de história da educação

política garantira a manutenção da Monarquia com a mesma


dinastia reinante, o que implicaria, na visão dos primeiros
historiadores do Império, uma necessária valorização do
passado colonial sob o domínio de Portugal. Esse foi o sentido
dado pela historiografia brasileira em suas décadas iniciais
antes que, com a proclamação da República, um olhar mais
crítico sobre os efeitos da colonização portuguesa fosse
aplicado aos estudos sobre aquele período.
Na primeira metade do século XX, a preocupação
com as razões do atraso do Brasil, em relação a alguns
países europeus e aos Estados Unidos, e com os motivos
das dificuldades brasileiras em vencer a condição de país
periférico – principalmente do ponto de vista econômico –
levou muitos estudiosos a se debruçarem sobre a História do
Brasil no período colonial, origem possível das explicações
para essas questões. Esse é um movimento intelectual e
historiográfico bastante conhecido, que tem sido fartamente
estudado na última década e meia, e que aponta para as obras
de alguns autores referenciais, como Gilberto Freyre, Sérgio
Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior2 – para citar apenas
os três “clássicos” – que propuseram a reflexão sobre o período
colonial em bases diferentes daquelas que haviam sustentado
a historiografia mais tradicional, exaltadora ou detratora da
dominação portuguesa no Brasil. Esses autores colocaram em
evidência aspectos, como a escravidão, a cultura, o cotidiano,
as relações sociais, sugerindo que a sociedade colonial seria
muito mais complexa do que demonstravam alguns dos
autores mais tradicionais, e que haveria necessidade de um
grande esforço de pesquisa para tornar essa complexidade
mais visível. 3

2
Freyre (1996), Holanda (1989), Prado Júnior (1981).
3
Alguns dos estudos mais conhecidos sobre esse processo são: Guimarães
(1988 p. 5-27), Iglesias (2000), Mota (1999) Reis (1999), Botelho, e Schwarcz
(2009), Diehl (1998).

365
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

O movimento de reflexão sobre o passado colonial não


foi suficiente, contudo, para garantir que a historiografia
seguisse imediatamente essas pistas, salvo, certamente,
pelo trabalho de Caio Prado Júnior. Sua influência para as
análises marxistas sobre a colonização portuguesa no Brasil
marcou essa historiografia por quase todo o século XX, e
as criativas indicações de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque
de Holanda só seriam retomadas a partir da década de
1980. Nesse momento, buscando sair da esfera das análises
concentradas no Estado ou na Igreja, e na perspectiva marxista
fundada nos modelos preestabelecidos, uma nova geração
de historiadores, inspirados pela chamada “nova história”
francesa e pela história social inglesa, voltou-se para aspectos
antes desconsiderados como objetos de investigação sobre o
período colonial, como: a escravidão, vista para além da ideia
do escravo-coisa e das relações polarizadas entre senhores e
escravos; as manifestações culturais ligadas às religiosidades
e à presença das culturas africana e indígena; os processos
de urbanização; as relações de poder inscritas em outras
esferas fora dos quadros tradicionais; a presença das mulheres
na sociedade colonial; entre outros temas. Curioso é que a
educação, como tema possível de estudo, foi praticamente
ignorada por essa historiografia, salvo quando mencionada
de forma periférica e carente de elaborações conceituais mais
precisas, por exemplo, as distinções entre educação escolar e
não escolar (que muitos preferem, a meu ver equivocadamente,
tratar como formal e informal, respectivamente).

O período colonial na historiografia da educação brasileira

A historiografia da educação não seguiu esse mesmo


movimento, constituindo-se verdadeiramente como tal, muito
tardiamente, nas últimas décadas do século XX, e procurando,
com o todo o fôlego possível, alcançar sintonia com a produção

366
O ensino de história da educação

historiográfica em geral. Sua preocupação com o processo de


escolarização e com a constituição de um sistema escolar no
Brasil direcionou as pesquisas para o século XIX, a partir da
Independência, quando o Estado brasileiro iniciou suas ações
nesse sentido. Procurar pelas sequências desses processos
depois da queda da Monarquia, nos quadros do regime
republicano, foi um desdobramento previsível, o que ajuda
a explicar a preferência dos historiadores da educação pelos
períodos posteriores à emancipação política do Brasil. Pode-se
considerar ainda que havia, então, uma clara predominância
de pessoas sem formação específica em História nessa área, o
que dificultava as incursões pelo período colonial, para o qual
é maciça a presença de documentação manuscrita – exigente
quanto ao treinamento para sua leitura e interpretação – e
para o qual são muito distintas as formas de organização
institucional que acabam por instruir a organização da
documentação nos arquivos e sua consequente localização
e utilização. Não posso deixar de mencionar, ainda, a forte
influência exercida por interpretações tradicionais sobre
a educação no período colonial, confinada à atuação das
ordens religiosas, principalmente da Companhia de Jesus, e
considerada inexpressiva, senão inexistente, depois do período
pombalino e da expulsão dos jesuítas do Império português,
em 1759. Para muitos, isso já descartava a possibilidade do
estabelecimento de um programa de pesquisa sobre aquele
momento histórico. Uma interpretação, aliás, devedora da
obra de Fernando de Azevedo e de sua influência sobre o
pensamento educacional brasileiro.4
Essa foi, na verdade, a interpretação que, consagrada,
subsidiou o que a maioria dos autores escreveu sobre a
educação no período colonial no Brasil nas obras de História
Geral da Educação Brasileira, muito usadas na formação
de professores e, portanto, centrais no ensino da disciplina
História da Educação. Esse tipo de produção – como não é

4
Azevedo 1943. Ver: Carvalho,(1998) e Fonseca, (no prelo).

367
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

incomum nas obras de caráter didático ou de divulgação –


tem ficado passos atrás da produção historiográfica, mesmo
em anos mais recentes. Algumas publicações têm procurado
fazer o movimento de aproximação e serão comentadas mais
adiante. Antes, cabe analisar algumas das linhas mestras das
abordagens historiográficas dadas à educação e aos processos
educativos no Brasil durante o período colonial.5
Vista como parte do processo de colonização e de
dominação portuguesa nas terras americanas, a educação
foi apresentada pela historiografia específica, até há poucos
anos, como relacionada necessariamente com a atividade
de natureza escolar, e executada quase exclusivamente
pelo Estado e/ou pela Igreja, mas, sobretudo, por esta
última. As ordens religiosas foram consideradas como os
principais agentes educadores. Entre elas, o destaque é dado
à Companhia de Jesus e à sua ação catequética. Conforme
a orientação historiográfica e o período de produção dos
trabalhos, percebe-se o acento no elogio ou na detração dessa
atuação religiosa. Até a década de 1970, aproximadamente,
prevaleceu uma perspectiva claramente positiva acerca da
atuação das ordens religiosas no campo educacional, e
isso não apenas por parte de autores vinculados direta ou
indiretamente à Igreja Católica. Essa posição verificou-se
também naqueles que acabaram por se mostrar tributários
de uma historiografia republicana que, embora tendendo a
desvalorizar a colonização portuguesa, acabaram por dar à
Igreja um papel diferenciado naquele processo, uma vez que
ela e seus agentes teriam assumido muitas atividades que, de
outro modo, não teriam sido possíveis. Houve, claro, os que,
seguindo uma tendência marcada por fortes posicionamentos
ideológicos ligados à esquerda política, reduziram a educação
e a catequese ao papel de meros pretextos para os objetivos
mercantilistas e conquistadores dos portugueses, cujos
resultados foram, necessariamente, nefastos para o Brasil.

5
Ver também: Fonseca, (2003, 2009).

368
O ensino de história da educação

Assim, o período que vai das primeiras décadas do


século XVI até a expulsão da Companhia de Jesus do Império
português, em 1759, abrigaria a existência daquilo que mais
se aproximaria de um “sistema” educacional com alguma
eficiência. Depois disso, com o fechamento das escolas
dos jesuítas, o Estado não teria sido capaz de implantar
outra estrutura que substituísse adequadamente o que os
jesuítas haviam deixado, e teria, então, se instalado o vazio
educacional, que duraria, a rigor, até a ascensão do regime
republicano. A expulsão dos jesuítas foi tratada como uma
manifestação da cegueira administrativa do Estado português
em um momento de conflito direto do governo de D. José I –
mais especificamente de seu ministro, o Marquês de Pombal
– com alguns setores da Igreja católica, especialmente com a
Companhia de Jesus. Como efeito, com essa medida, ficou a
população do Brasil sem escolas para onde enviar seus filhos,
e o sistema de aulas régias criado em substituição ao ensino
jesuítico resultou em total fracasso.
Esta perspectiva de uma História da Educação que não
considere outras dimensões que não a escolar e que se paute
por uma orientação de História nitidamente legal e institucio-
nal, privou essa historiografia da capacidade de observar outros
aspectos da vida social do Brasil no período colonial e de per-
ceber a existência de outras formas de educação, tão ou mais
importantes, conforme as circunstâncias, do que a educação es-
colar centrada do aprendizado da leitura e da escrita, principal-
mente. Além disso, essa historiografia da educação não tratou
adequadamente seus objetos de análise do ponto de vista meto-
dológico, pois teimou em observar os fenômenos educacionais
do passado com as referências do seu próprio presente, par-
tindo de uma concepção de educação e de escola fixada mais
claramente no século XX. É evidente que jamais encontraria
tais perfis na sociedade do Antigo Regime e, por isso, acabou
por realizar julgamentos nada científicos acerca das razões, das
necessidades e das ações dos homens do passado.

369
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Para além dos trabalhos dedicados à atuação educacional


das ordens religiosas no Brasil – e sempre com nítido destaque
para a Companhia de Jesus – houve pouquíssimos estudos
sobre a educação no período colonial até muito recentemente.
Pude detectar alguns trabalhos pioneiros quanto à temática e à
abordagem na década de 1970 e uns poucos durante a década
seguinte, em geral trabalhos acadêmicos nunca publicados ou
publicados de forma muito restrita. A exceção fica para as já
consideradas clássicas obras de Laerte Ramos de Carvalho e
de Antônio Alberto da Banha Andrade que, em um plano mais
geral, dedicaram-se ao estudo das reformas pombalinas e da
implantação do ensino régio no Brasil.6
Nos últimos anos, tem crescido o interesse de muitos
pesquisadores sobre a educação no período colonial, e
alguns temas têm sido mais desenvolvidos, como o próprio
ensino régio decorrente das reformas pombalinas, explorado
mais recentemente para além de seus aspectos legais, porém
procurando-se conhecer mais sobre os meandros de seu
funcionamento, considerando mais de perto os sujeitos nele
envolvidos, principalmente os professores. Os processos
educacionais relacionados com a inserção dos indivíduos
na cultura escrita também têm atraído a atenção dos
pesquisadores, numa clara interlocução com o campo da
história cultural dedicado à história do livro e da leitura. Os
quadros das relações sociais e das sociabilidades que tinham
a educação – escolar ou não – como um de seus principais
mediadores também começam a ser explorados, por meio dos
referenciais de uma história social já bastante produtiva no
Brasil.7

6
Ver referências ao final.
7
Entre alguns dos trabalhos, ver: Abreu (1999), Abreu e Schapochnik (2005),
Cardoso (2002), Silva (2008); Silva (2004); Silva (2006), Villalta (1997), Villalta
(2007), Morais (2009).

370
O ensino de história da educação

O período colonial nos manuais de História da Educação


Brasileira

Feitas essas rápidas incursões sobre a historiografia da


educação relativa ao período colonial, passemos à análise de
um conjunto de livros de uma História Geral da Educação
no Brasil, selecionados principalmente por sua reconhecida
presença nos cursos de formação de professores, e muito
usados como material didático de referência, mesmo quando
não foram produzidos diretamente com esse propósito. Em
vista dos limites deste texto, o conjunto de obras selecionadas
não é extenso, mas creio ser representativo das diferentes
abordagens adotadas por seus autores, em diversos momentos
da história da produção desses “manuais” de História da
Educação no Brasil.
As características desses livros orientaram a definição
dos critérios de análise em função do agrupamento que
realizei, acabando por descartar uma primeira e mais óbvia
opção, que seria a da ordem cronológica de publicação, em
primeiro lugar. Minha proposta resultou na organização de um
primeiro agrupamento, no qual aparecem os livros marcados,
basicamente, pela superficialidade no tratamento dado à
História da Educação (pobreza de referências bibliográficas
e documentais) e/ou pela repetição acrítica de interpretações
pouco fundamentadas. O segundo agrupamento reúne livros
mais recentes, nos quais os avanços da historiografia brasileira
e da historiografia da educação em particular são incorporados
com uma preocupação metodológica mais acurada. Dentro
do primeiro agrupamento, foi necessária uma subdivisão em
dois blocos:

a) as obras de História “Geral” da Educação, em que a


educação no Brasil aparece como uma parte do conteúdo, e
não como o principal objeto;
b) as obras especificamente de História da Educação no Brasil.

371
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

No primeiro bloco do primeiro agrupamento, analisei


três obras publicadas entre as décadas de 1930 e 1970,
elaboradas como manuais introdutórios ao tema da História
da Educação em geral. Por isso, a maior parte do conteúdo
trata da educação da Antiguidade ao mundo contemporâneo,
cada qual sob uma perspectiva própria, e a parte relativa ao
Brasil constitui sempre a final, e mais reduzida. São elas:

a) Noções de história da educação, de Afrânio Peixoto (1933);


b) Noções de história da educação, de Theobaldo Miranda
Santos (1945);
c) Fundamentos da educação, de Gilberto Cotrim e Mario
Parisi (1979).

Publicada em 1933, Noções de história da educação, de


Afrânio Peixoto,8 tem sua importância reconhecida na história
da formação de professores no Brasil, em um momento
particularmente fértil da reflexão e das ações públicas e
privadas em relação à educação brasileira (ROBALLO, 2009).
O livro, destinado à “recordação para professoras” (PEIXOTO,
1942, p. 7) é dividido em nove capítulos, da “educação
antiga” à “educação contemporânea”, da qual fazem parte
os Capítulos VI a VIII, que tratam do Brasil. Das 49 páginas
sobre a educação brasileira, somente oito tratam do período
colonial, em texto concentrado em dois pontos: a educação
jesuítica e as reformas pombalinas do século XVIII. Essa
é, aliás, a tendência que veremos em praticamente todos
os manuais analisados, confirmando que a concepção de
educação utilizada pela historiografia em geral e pelos autores
de manuais é a da educação escolar e da escolarização.
Conforme tenho afirmado, ela é limitadora quando se trata
do estudo do período colonial, quando múltiplas formas de
educar e de instruir existiam, nem sempre nos quadros da
escolarização pública ou privada.

8
Utilizei a edição de 1942.

372
O ensino de história da educação

Quando trata da atuação educacional da Companhia


de Jesus, Peixoto é claramente elogioso, atribuindo a ela o
protagonismo do início da História da Educação no Brasil, com
a chegada dos primeiros padres jesuítas, em 1549. “Educadores
do Brasil”, “primeiros professores”, eles foram responsáveis
por um processo de moralização da população colonial pela
educação, e nos lugares onde eles não estiveram, observou-se
o atraso do processo educacional, como em Minas Gerais.
Logo ao sucesso dos jesuítas na educação segue-se o desastre
da administração pombalina, com a expulsão da Companhia
de Jesus e o fechamento de suas escolas, a “primeira e
desastrosa” reforma do ensino sofrida pelo Brasil (PEIXOTO,
1942, p. 251). Suas referências estão muito concentradas em
Moreira D´Azevedo e em Luiz dos Santos Vilhena, que, aliás,
são apenas mencionados, sem remeter o leitor às suas obras
(D´AZEVEDO, 1892; VILHENA, 1921). O trabalho é todo
pouca informação, chegando a conclusões muito negativas
acerca de todo o processo histórico da educação durante o
período colonial brasileiro. É preciso considerar, porém, que,
do ponto de vista historiográfico, o manual de Afrânio Peixoto
é bastante compatível tanto com as abordagens predominantes
quanto com o estado do conhecimento sobre a educação
brasileira no período colonial, nas primeiras décadas do
século XX.
O também intitulado Noções de história da educação, de
Theobaldo Miranda Santos, teve sua primeira edição em 1945.
Localizei outras edições até 1967. A edição que utilizei indica
estar o livro “[...] de acordo com os programas das Faculdades
de Filosofia, dos Institutos de Educação e das Escolas Normais”
(SANTOS, 1951). Nele, a parte sobre “A educação brasileira”
é, na realidade, o Apêndice. Das 27 páginas que o constituem,
apenas sete são dedicadas ao período colonial. Boa parte dos
autores que subsidiam o texto de Santos sobre a educação
na colônia são os mesmos que já haviam sido usados por
Afrânio Peixoto e, depois dele, por vários autores, incluindo

373
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Fernando de Azevedo, que é, também, uma das principais


fontes para o manual. Também aqui, a educação no Brasil
colonial é tratada a partir dos dois temas clássicos: a atuação
dos jesuítas e as reformas pombalinas. O olhar francamente
favorável à Companhia de Jesus, vindo de um autor ligado
aos movimentos católicos da primeira metade do século
XX, acompanha a tendência observada nos estudos dessa
época, mesmo quando originários de autores considerados
mais “críticos” e integrados nas discussões modernas sobre a
educação brasileira.
Theobaldo Miranda Santos repete a ideia de serem os
jesuítas os primeiros educadores do Brasil e responsáveis pela
expansão da civilização na América. Sua visão da colonização
portuguesa é claramente negativa, avaliada como despótica
e exploradora, e os portugueses ligados a esse processo,
indivíduos desonestos e gananciosos, desinteressados pelo
ensino e pela cultura, o que destacava, “[...]de modo eloqüente,
o valor inestimável da obra realizada pelos jesuítas em prol da
educação brasileira” (SANTOS, 1951, p. 486). Sem apresentar
novidades, Santos também identifica a interrupção do êxito
jesuíta na realização da reforma pelo Marquês de Pombal,
que “[...] lavrou a sentença de morte do ensino na Colônia”
(SANTOS, 1951, p. 492) e em apenas um longo parágrafo
sintetiza os nefandos efeitos sobre a educação, baseando-
se nas afirmações de Moreira D´Azevedo e de Fernando de
Azevedo.
Distante no tempo, mas não na interpretação, o livro
Fundamentos da educação, de Gilberto Cotrim e Mario
Parisi,9 em nada difere dos anteriores quando trata do
período colonial. Como os demais, seu livro não é dedicado
exclusivamente à História da Educação no Brasil, mas segue
os programas de uma História Geral, da Antiguidade ao
século XX. Em seu brevíssimo Capitulo 11, ele resume o que
pode sobre a História da Educação no Brasil, do século XVI

9
A primeira edição é de 1979 e localizei ediçoes posteriores até 1993.

374
O ensino de história da educação

ao XX, num texto superficial, com uma narrativa tipicamente


“colegial”, também dividida entre a atuação dos jesuítas e as
reformas pombalinas, e usando, como principais fontes, os
textos de Fernando de Azevedo, José Antonio Tobias, Maria
Luisa Ribeiro e Otaíza Romanelli.10 O manual de Cotrim e
Parisi teve sucessivas edições até 1993, que eu tenha podido
localizar.
Passemos ao segundo bloco do primeiro agrupamento
de manuais selecionados para esta análise, aqueles voltados
especificamente para a História da Educação no Brasil, num
total de seis obras:

a) A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no


Brasil, de Fernando de Azevedo (1943);
b) História da educação brasileira, de José Antonio Tobias
(1972);
c) História da educação brasileira, de Maria Luisa Santos
Ribeiro (1978);
d) História da educação no Brasil, Nelson Piletti (1990);
e) História da educação: a escola no Brasil, de Maria Elizabete
Xavier, Maria Luisa Ribeiro e Olinda Maria Noronha (1994);
d) História da educação brasileira, de Paulo Ghiraldelli Jr.
(2005)

Já que apresentei os livros em sua ordem cronológica


de publicação, comecemos pelo clássico de Fernando de
Azevedo, A cultura brasileira.11 É na terceira parte da obra, A
transmissão da cultura, que se acha o texto sobre o período
colonial, intitulado O sentido da educação colonial. A obra
de Fernando de Azevedo não tem a estrutura habitual de um
livro de caráter didático, mas o vasto uso que dela se fez nos
cursos de formação de professores, principalmente os de
nível superior, a qualifica para a análise que propus realizar
neste trabalho. Além disso, como tenho demonstrado, ela
foi exercendo cada vez mais influência sobre os manuais

10
Ver referências ao final.
11
Utilizei a 4ª edição, publicada pela Editora Melhoramentos, em 1963.

375
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

propriamente didáticos publicados sobre História da Educação


no Brasil, desde meados do século XX. O texto O sentido da
educação colonial é claramente mais desenvolvido e mais bem
documentado do que qualquer outro que analisei até aqui,
mas segue de perto os mesmos princípios de interpretação
que vimos, por exemplo, em Afrânio Peixoto.12 A atuação da
Companhia de Jesus é mais uma vez aplaudida, e Azevedo
consome a maior parte do capítulo tratando da estrutura e
características do ensino jesuítico no Brasil. Cerca de um terço
do texto é dedicado às reformas pombalinas da educação.
Fernando de Azevedo pensou a atuação dos jesuítas de forma
tão ampliada, que chegou a considerá-la “obra de educação
popular” e o genuíno “sistema colonial de ensino” (AZEVEDO,
1963, p. 507-508).
Ao contrário dos autores do seu tempo, no entanto,
Azevedo chegou a considerar alguma forma de educação não
escolar, quando tratou da educação doméstica, sobretudo
quando interessado na educação feminina. Nesta parte, sua
principal referência foi Gilberto Freyre, estudioso da família
patriarcal.13 Quanto às reformas pombalinas, representaram
para Azevedo, assim como para os outros autores, a destruição
sem reconstrução, o comprometimento por mais de um século
da educação brasileira, pela extinção do ensino jesuítico e
pelo fracasso retumbante das medidas relacionadas com as
reformas realizadas durante o reinado de D. José I.
As linhas gerais do texto de Fernando de Azevedo foram
seguidas, como já é sabido, por uma parte considerável dos
autores de livros dessa natureza, até muito recentemente. É
interessante observar que, mesmo aqueles que partiram de
pressupostos teóricos muito distintos – como os de inspiração
marxista, por exemplo – consideraram como possível apenas
a educação escolar e mantiveram a abordagem dividida em

12
Já analisei algumas caracteristicas do texto de Azevedo em meu livro Letras,
oficios e bons costumes (2009), já referenciado (Ver páginas 51-52).
13 A edição utilizada pelo autor foi a de 1934.

376
O ensino de história da educação

educação jesuítica e reformas pombalinas, atribuindo valores


a uma e/ou outra, mas chegando à mesma conclusão negativa
acerca dos efeitos da expulsão dos jesuítas do Brasil. Os livros
de Maria Luisa Santos Ribeiro, Nelson Piletti e Maria Elizabete
Xavier inscrevem-se nesse grupo, todos apresentando uma
concepção dualista da história, em que a interpretação é
sempre feita na perspectiva da oposição “classe dominante
X classe dominada” (às vezes vagamente definida como
“povo”), de uma visão conspiratória, de um certo fatalismo da
condição dependente e explorada do Brasil, de concepções
problemáticas de cultura (cultura das elites X “cultura de
resistência”), e as tentativas de enquadramento dos diferentes
momentos da História do Brasil em modelos preconcebidos.
As abordagens de Maria Luisa Ribeiro e Nelson Piletti são
explicitas quanto a isso, sem, no entanto, inovar quanto ao que
chamaríamos de “conteúdo histórico”, relativo à educação
jesuítica e às reformas pombalinas. Nada que avance em
relação ao que já vinha sendo escrito desde a primeira metade
do século XX, sendo textos muito convencionais nesse
sentido. O de Piletti tem um caráter didático – em seu sentido
colegial – mais forte. Já o livro de Maria Elizabete Xavier mais
atrapalha que contribui para o ensino de História da Educação,
com sua linguagem panfletária, simplificação determinista e
uma visão fortemente negativa de todo o processo histórico
brasileiro, resultado último da perversidade das elites, desde a
colonização portuguesa.
Também incluído no segundo bloco do primeiro
agrupamento, o livro de José Antonio Tobias, História da
educação brasileira, cuja primeira edição é de 1972, difere
dos anteriores sobretudo por sua abordagem filosófica e pelo
entendimento explícito de que a História da Educação refere-
se à legislação educacional e ao pensamento pedagógico.
Tobias propõe uma periodização da História da Educação
brasileira que leve em consideração o critério “educacional”,
ao invés do político ou do econômico somente, fazendo uma

377
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

organização mais temática que cronológica do livro. Por


isso, a educação, no período colonial, aparece espalhada em
diferentes momentos da obra, conforme o tema abordado.
Tem o mérito de ter obrigado o autor a tratar de aspectos
educacionais que os outros que tenho examinado sequer
consideraram, como a educação dos índios fora do âmbito
da catequese, segundo sua própria cultura e suas tradições.
Sobre a educação das mulheres, Tobias somente considera a
possibilidade de sua ocorrência nos conventos e instituições
similares. Sua abordagem é, como a maioria, claramente
favorável à atuação da Companhia de Jesus, condenando
sumariamente a política pombalina pelo desastre que se seguiu
à extinção das escolas inacianas, chegando a negar qualquer
ação positiva do Estado em relação à educação, depois do
Alvará de 1759. José Antonio Tobias, no entanto, tem opiniões
positivas quanto à colonização portuguesa na América e ao
seu legado para a formação da sociedade brasileira. Sua base
bibliográfica é a mesma dos demais autores, com destaque
para as já mencionadas obras de Fernando de Azevedo e
Moreira de Azevedo, e a História da Companhia de Jesus no
Brasil, de Serafim Leite.
Produzido em 2005, História da educação brasileira,
de Paulo Ghiraldelli Jr., segue a organização cronológica
convencional, mas o espaço dedicado ao período colonial é
mínimo: apenas quatro das 219 páginas do livro, dominado
pelo período republicano, que ocupa 12 dos seus 14 capítulos.
O autor tem claras preferências pelas dimensões político-
partidárias e legislativas, além do peso dado ao pensamento
pedagógico. As parcas quatro páginas sobre a educação na
colônia tratam, como de praxe, dos jesuítas e de Pombal (aliás,
o título do tópico em questão). Texto essencialmente didático,
começa com uma frase absolutamente dispensável e, eu diria,
tola, que parece já indicar o lugar que o período colonial terá
na obra: “O Brasil foi colônia de Portugal entre 1500 e 1822!”
O autor trata burocraticamente da atuação da Companhia de

378
O ensino de história da educação

Jesus e das reformas pombalinas, sem discussão ou referências


que façam diferença em relação aos livros publicados cinco
ou seis décadas antes. Na verdade, Ghiraldelli Jr. não inclui
em sua bibliografia nenhuma obra sobre esses temas, nem
mesmo aquelas clássicas, que encontramos em quase todos
os livros de História da Educação brasileira, já mencionados
em outra parte deste trabalho.
Finalmente, no segundo agrupamento de livros
analisados, escolhi dois de publicação recente, que, de alguma
maneira, procuram por uma abordagem mais qualificada
metodologicamente, sintonizada com os parâmetros de
cientificidade do campo historiográfico atual:

a) História da educação brasileira: leituras, de Maria Lucia


Spedo Hilsdorf (2003)
b) História da educação, de Cynthia Greive Veiga (2007)

Essas obras foram produzidas com a finalidade de


servir à introdução dos interessados no campo da História
da Educação. Por suas características, configuram-se como
livros de utilização didática para os cursos de formação de
professores, mas também para servirem como instrumento de
consulta básica para os pesquisadores em geral.
Sem fugir substancialmente da periodização tradicional
ou de uma apresentação segundo o ordenamento cronológico,
da Colônia à República, os dois livros demonstram uma
preocupação mais viva com a reflexão sobre a História da
Educação Brasileira, com base no que o atual estado da arte
da historiografia pode oferecer. Na História da educação
brasileira: leituras, Maria Lucia Hilsdorf explicita essa intenção,
apresentando, no início de cada capítulo, breves comentários
sobre a historiografia dedicada ao tema em foco, procurando
mostrar, mesmo sumariamente, as diferentes visões nela
presentes, enfatizando a necessidade de que o passado seja
percebido em sua historicidade. Seu texto sobre a atuação dos
jesuítas no Brasil procura contrapor as diferentes interpretações

379
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

que vêm sendo construídas sobre o tema, analisando-a, mesmo


que brevemente, segundo as condições históricas presentes
no período colonial, sem cair nos julgamentos polarizados
que vimos nos outros livros examinados neste texto.
O capítulo sobre as reformas pombalinas segue o mesmo
princípio de colocar o problema segundo “uma posição mais
equilibrada”, considerando a influência de uma historiografia
que sedimentou uma visão negativa acerca desse tema. O
problema é que a autora tem poucas referências que poderiam
fazer avançar o conhecimento sobre as reformas. Hilsdorf
utilizou os mesmos Laerte Ramos de Carvalho e Antonio
Alberto Banha Andrade. Há que se considerar, contudo,
que a verticalização mais substancial da pesquisa sobre a
educação no período colonial brasileiro vem sendo feita
muito recentemente, mesmo já havendo vários trabalhos em
circulação na época da publicação do livro, e que poderiam
ter sido acessados. A autora ainda avança o tema do período
colonial num terceiro capítulo sobre a ilustração no Brasil, em
que trata, sobretudo, da circulação das ideias por meio dos
livros e dos letrados. Esses três capítulos não são extensos, e
a abordagem pode ser considerada relativamente superficial,
mas é, de longe, mais interessante como material didático do
que todos os livros que analisei até aqui.
Termino esta análise panorâmica do período colonial em
manuais de História da Educação com História da educação,
de Cynthia Greive Veiga, publicado em 2007. Nele, a
História da Educação brasileira não é o tema exclusivo, mas
predominante, apresentada em interação com o processo
histórico ocidental mais geral, numa organização em que
os capítulos sobre o Brasil e outras partes do Ocidente se
intercalam. A preocupação em fugir do tradicional par
“jesuítas-Pombal” evidencia-se no título de um dos capítulos
que tratará do período colonial: “Circulação de conhecimento
e práticas de educação no Brasil colonial”, no qual não
apenas os jesuítas e os indígenas, mas também as mulheres,

380
O ensino de história da educação

a população branca pobre, as crianças órfãs e expostas, são


igualmente sujeitos dos processos e das práticas educativas
na América portuguesa. A autora busca, em trabalhos
recentes, as referências para ampliar o quadro dos diversos
“espaços de formação e socialização”, para além do espaço
propriamente escolar. O texto sobre o período pombalino
não foge ao que temos visto nos demais livros analisados, já
que também se apoia basicamente em Antonio Alberto Banha
Andrade, não tendo incorporado considerações provenientes
de estudos que têm analisado importantes aspectos do efetivo
funcionamento do ensino régio e do trabalho dos professores
envolvidos. Contudo, em termos da proposição de um texto
didático mais claramente sintonizado com a historiografia
recente da educação, e que apresente uma abordagem que
remeta o leitor – professor ou estudante – ao conjunto dessa
produção historiográfica por meio de indicações bibliográficas
comentadas, o livro de Greive é um importante instrumento
de trabalho para o professor de História da Educação e de
pesquisa inicial para o estudante.

Reflexão final

Que indicações esta rápida investida em livros


“didáticos” de História da Educação no Brasil pode dar e que
possam ter utilidade no ensino dessa disciplina, em relação
ao período colonial, na maior parte dos cursos de formação
de professores? Como ficou demonstrado, o pequeno espaço
dedicado à educação colonial nesses livros reflete o quadro
geral da pesquisa sobre a educação no período. A produção
desse tipo de livro com finalidade didática declinou a partir
de um certo momento, e a ideia de “manuais” para o ensino
da disciplina História da Educação em cursos superiores não
é bem vista por uma parte dos professores. A pulverização da
pesquisa em trabalhos focados em temáticas particularizadas,

381
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

e o aumento considerável da produção – como, aliás, vem


sendo a tendência da historiografia de uma forma geral –
tornam-se também elementos dificultadores para a elaboração
desses livros, pois exigem do autor um elevado investimento
em pesquisa e em leitura, o que nem sempre é possível
para autores que, em geral, são professores universitários e
pesquisadores imersos numa intensa rotina de trabalho.
Mesmo nos livros analisados que, ultimamente, têm
procurado a sintonia com a produção historiográfica, o espaço
dedicado ao período colonial é visivelmente desfavorecido em
face ao Império ou a República. Isso não deixa de preocupar,
se pensarmos em uma das funções do ensino de História da
Educação no nível superior como sendo despertar interesse
pela pesquisa histórica e preparar professores e pesquisadores
para os cursos de pós-graduação. Como promover o estímulo
para a investigação de um período histórico que quase sempre
é apresentado como tendo sido de pouca importância para a
História da Educação Brasileira, e muito frequentemente visto
como responsável remoto, mas direto, das mais profundas
mazelas desta sociedade? Retomando parte do tripé básico
que fundamenta as atividades universitárias brasileiras, ensino
e pesquisa precisam estar mais próximos no que se refere à
História da Educação. Por isso a necessidade de um maior
cuidado no tratamento dado ao período colonial, não apenas
nos “manuais”, como também nas aulas em si, para serem
criados efeitos positivos para a formação dos professores que
atuarão nos níveis básicos do ensino, ajudando na formação
dos pesquisadores que queiram dedicar-se ao estudo desse
importante momento da História da Educação no Brasil.

382
O ensino de história da educação

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O ensino de história da educação

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387
O ensino de história da educação

Ensinando História da Educação,


formando professores-pesquisadores:
o ensino da História da Educação no
Curso de Pedagogia da Universidade
Regional do Cariri

Zuleide Fernandes de Queiroz

Introdução

O estudo teve como intuito maior analisar a caminhada


da disciplina História da Educação no Ceará e no Cariri, com
oferta obrigatória no currículo do Curso de Licenciatura em
Pedagogia da Universidade Regional do Cariri (URCA), no
período de 1998 até 2008, considerando que, a partir de
2009, seu conteúdo passou a integrar a disciplina de História
da Educação Brasileira.
O leitor pode indagar o que nos motivou à escrita.
Poderemos afirmar que, primeiramente, o objetivo foi
registrar, como historiadora da educação, a experiência de
uma disciplina com essa especificidade no currículo de um
Curso de Graduação. Em segundo, decidimos analisar as
repercussões dessa disciplina na formação do pedagogo. O
registro nos possibilita entender o porquê de uma disciplina
História da Educação no Ceará e no Cariri, no currículo de
um curso de formação de professores, bem como apresentar
alguns resultados para o ensino e a pesquisa na área de
história, memória e políticas educacionais.
Consideramos relevante destacar a trajetória do Curso
de Pedagogia da URCA para entender a importância de uma
disciplina como esta, uma vez que ela tratava da História da

389
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Educação local e regional sem perder de vista a educação


em seu sentido amplo, além de em muito contribuir para a
formação do professor-pesquisador – perfil desejado para o
profissional egresso do curso.
O Curso de Pedagogia da URCA1 foi criado pela Faculdade
de Filosofia do Crato, em 1959, tendo como objetivos formar
trabalhadores para o magistério, orientação e administração
de escolas e sistemas escolares e preparar trabalhadores para o
exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressada
ou técnica (QUEIROZ, 2008).
De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso, naquele
período, a intenção era “[...] formar o professor, o pesquisador,
o homem culto no próprio interior, com o objetivo de aí,
melhor fixá-lo na região, criando-lhes condição de vida
que os estimulasse e os sustentasse” (PPC DO CURSO DE
PEDAGOGIA, 1998).
O referido curso formava o profissional com Licenciatura
Plena em Pedagogia com habilitação em: Magistério das
matérias pedagógicas, Administração Escolar 1º e 2º graus,
Orientação Educacional 1º e 2º graus, Supervisão Escolar 1º e
2º graus e Inspeção Escolar 1º e 2º graus.
Na década de 1980, com a Resolução nº 04/88, de 9-2-
1988, foram realizadas modificações na estrutura curricular
do Curso de Pedagogia, reformulando o “[...] 1º ciclo ou ciclo
básico, integrado por disciplinas comuns a todos os cursos
de graduação desta universidade”. Na década de 1990, a

1
Criada, após o Curso de Pedagogia, a Universidade Regional do Cariri
(URCA) se estabeleceu em 1986, pela Lei Estadual nº 11.191 de 9 de junho
de 1986, sob a forma de autarquia especial, vinculada à Secretaria de
Educação do Estado, com sede na cidade do Crato, atendendo a um raio
de 300km, envolvendo 91 municípios dos Estados do Ceará, Piauí, Paraíba
e Pernambuco. A cidade era tida como polo irradiador da cultura do Cariri
cearense, dada a existência, na época, de uma boa rede de ensino de 1º e 2º
graus, bem como de três faculdades isoladas (Filosofia, Ciências Econômicas
e Direito) e um Centro de Tecnologia pertencente à Universidade Estadual
do Estado do Ceará. Fortes argumentos justificaram a criação da URCA: a
importância de uma universidade para o desenvolvimento regional e capaz
de fixar o homem no seu meio.

390
O ensino de história da educação

partir do questionamento nacional acerca da formação dos


especialistas em educação, o Curso de Pedagogia foi objeto
de debate.
Especificamente sobre o Curso de Pedagogia da URCA,
por meio da Resolução nº 027/94 – GR foi encaminhada
uma Proposta de Currículo para apreciação do Conselho
de Educação do Ceará, no intuito de obter autorização para
implantar novo currículo para o Curso de Pedagogia. Em
1995, apresentou-se uma proposta de reconceptualização do
curso2 que definiu como princípios norteadores:

Visão crítico dialético da educação, evidenciando seus deter-


minantes políticos, sociais e econômicos, formação do edu-
cador globalista-pesquisador, que proporcione leitura e com-
preensão da realidade educacional da Região na sua relação
com contextos sociais, nacionais e internacionais, visão dialé-
tica da cultura, meio-ambiente e do conhecimento, entendida
nas suas especificidades sociais e históricas, intencionalidade
de capacitar profissional com visão político-pedagógica, for-
mando educadores capazes de intervirem no desenvolvimento
educacional da região (LEITINHO, 2000, p. 59).

Em 1998, pela Resolução nº 15/98, foi aprovada a nova


estrutura curricular, tendo por base a formação do educador,
podendo, a partir do interesse do estudante, habilitar o gestor
escolar, o supervisor e o orientador educacional. Em 1999,
respondendo à diligência do Conselho Estadual de Educação
do Ceará (CEC), o Colegiado do Departamento procedeu
às reformulações no documento de 1998, definindo como
perfil o profissional “[...] habilitado para atuar na educação
formal e não formal, sendo o exercício do magistério” a base
obrigatória de sua formação e identidade profissional.

2
Coordenado pela professora da Universidade Federal do Ceará, Meirecele
Calíope Leitinho, que realizou seus estudos de doutoramento acerca da
temática: currículo, estudando a reconceptualização curricular dos cursos de
formação de professores da URCA. A referida professora publicou esse estudo
em 2000.

391
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

O licenciado em Pedagogia na URCA, de acordo com o


Projeto do Curso, aprovado em 1998, é um “[...] profissional
capacitado para interferir no processo educacional através da
realização de atividades de ensino (docência na educação
infantil, ensino fundamental e nas disciplinas de formação
pedagógica do nível médio), de pesquisa e de extensão”.
Esse resgate histórico do curso mostra que ele norteia a
formação central do seu aluno, tendo a pesquisa como centro,
ou seja, a formação do professor-pesquisador, apresentando
ao professor desse curso de graduação o desafio de articular e
integrar suas atividades de ensino, pesquisa e extensão.
A matriz curricular aprovada em 1998 trazia como núcleo
de História da Educação, das 3.200 horas totais do curso, três
disciplinas: Introdução à Educação, no primeiro semestre
do curso, com um total de 60 horas; Evolução da Educação
Brasileira, ministrada no segundo semestre, com 70 horas; e
História da Educação no Ceará e no Cariri, para o terceiro
semestre, com 45 horas.
Durante todos esses anos, a disciplina História da
Educação no Ceará e no Cariri foi coordenada por professores,
inicialmente do Departamento de História e, a partir de
2003, passou a ser lecionada por um professor do Curso de
Pedagogia. Nesse período, foram registradas muitas formas
de ensinar a disciplina, na tentativa de oferecer ao aluno um
estudo da História da Educação local.

Como foram feitos os registros da disciplina

Nosso registro tomou por base o percurso metodológico


realizado por Cavalcante quando relata:

Começaremos por salientar a necessidade de uma pesquisa


mais profunda e sistemática sobre o passado da área como
parte do ordenamento curricular da referida instituição, onde
há sabidamente um rico acervo de documentos, testemunhos e

392
O ensino de história da educação

vivências de antigos alunos e professores a ser organizado [...]


(CAVALCANTE, 2009, apud GATTI JUNIOR; MONARCHA;
BASTOS, 2009).

A pesquisa da professora acontece em outra instituição.


O seu percurso, entretanto, instigou-nos a fazer este registro e
análise para subsidiar novas discussões, principalmente agora,
sob a vivência de um novo currículo no qual essa disciplina
não mais existe. Assim, indagamos: o que levou o Curso de
Pedagogia a retirar essa disciplina do currículo? Como ficam
os estudos realizados acerca da temática nesta nova estrutura?
Que resultados acadêmicos a disciplina proporcionou para o
curso?
Com essas indagações, começamos a fazer nossas
anotações e agora apresentamos uma contribuição para
o debate acerca do ensino da História da Educação. Aqui
fazemos um relato de como a disciplina foi ministrada ao
longo do período. Em seguida, apresentamos como se deu
a formação do professor-pesquisador nesse espaço e, por
último, uma análise da nova realidade.

Como os professores ensinavam a disciplina História da


Educação no Ceará e no Cariri Cearense

Em documentos existentes nos arquivos da Pró-Reitoria de


Graduação,3 encontramos registrado que, no período de 1998
a 2002, a disciplina História da Educação no Ceará e no Cariri
Cearense era lecionada por professores do Departamento
de História da URCA. Era uma disciplina do Departamento
de Educação, mas como essa Secretaria não dispunha de
um professor com formação específica na área, não tinha

3
Ao longo de 2007 e 2008, realizamos estudo das atas de notas e frequências
da disciplina História da Educação no Ceará e no Cariri Cearense. Encontramos
os registros do período de 1998 a 2007. Foi possível identificar os conteúdos
registrados, importante informação para compreender como a disciplina era
ensinada. Toda a informação foi registrada em um diário de pesquisa.

393
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

como lecioná-la. Como professora do Curso de Pedagogia


nesse período, acompanhei toda a problemática que essa
disciplina gerava, dependendo da disponibilidade de outro
Departamento. Durante as reuniões do Colegiado do nosso
curso, era comum receber reclamações, pois o Departamento
de História, algumas vezes, não tinha professor suficiente para
cobrir a demanda do Curso de Pedagogia.
Na realidade, o Curso de História da URCA e muitos outros
no Brasil não ofertavam essa disciplina, em seus currículos, o
que dificultava, para o professor de História, buscar fontes para
o estudo específico da História da Educação. O que estamos
falando ainda hoje é realidade. Ao acompanharmos a trajetória
da Associação Nacional de História (ANPUH), observamos
como essa linha de pesquisa ainda é pouco explorada por
esses profissionais, na perspectiva interdisciplinar, com os
historiadores da educação brasileira.
Assim, os registros dos professores que lecionavam a
disciplina muitas vezes não encontravam uma sequência de
estruturação. Cada professor buscava bibliografia própria, de
documentos, de livros de historiadores cearenses e de memórias
dos sujeitos da época para desenvolver suas aulas. Tivemos
muita dificuldade em encontrar os planos da disciplina nos
arquivos da instituição. Alguns deles conseguimos com ex-
alunos e com os ex-professores. Foi possível perceber a falta
de bibliografia para os estudos dos alunos, principalmente
para consulta na biblioteca, acesso e manuseio. Os professores
escreveram artigos e livros para ajudar nos estudos dos alunos
tendo sido possível encontrar algumas dessas publicações:

NORONHA, Lireda de Alencar; CORTEZ, Otonite de Oliveira.


Evolução histórica do município do Crato: uma abordagem
didática. Revista A Província, Crato, n. 6, p. 32-34, 1994.

NORONHA, Lireda de Alencar. Resgate da memória do


Colégio Estadual. Revista A Província, Crato, n. 4, jan. 1993.

394
O ensino de história da educação

SOUZA, José Boaventura. Escola Normal Rural de Juazeiro: uma


experiência pioneira. Juazeiro do Norte: IPESC, 1994. p. 85.
SOUZA, Josenete Lopes de. Da infância “desvalida” à infância
“delinqüente”: Fortaleza (1865-1928). 1999. Dissertação
(Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 1999.

Assim, parte dos professores que lecionaram a disciplina


em determinados períodos puderam contribuir na construção
da História da Educação do Ceará e do Cariri Cearense com
seus artigos. Seguramente outros professores do mesmo
Departamento também lecionaram a disciplina, mas não
encontramos registros de suas publicações acerca da temática.
Com certeza, esses profissionais se debruçaram, em algum
momento, no registro dessa História da Educação local, porém
sabemos das dificuldades do registro dessas memórias.

Como a disciplina aconteceu a partir de 2003

A primeira atitude para uma mudança no quadro de


dependência foi encontrar os registros sobre a disciplina.
Diante da precariedade para tal, fomos consultando os
professores que a tinham lecionado e assim decidimos como
prosseguir.
A escolha do estudo sobre instituições se deveu ao fato
de podermos conhecer a história educacional do Estado e da
região em que os alunos e professores estão inseridos, logo
após o estudo da História da Educação brasileira.
No primeiro momento, parecia que não existia relação
imediata entre o vivido no local de origem dos alunos e a
história contida nos livros de História sobre a educação.
A partir de então, saímos do nível das ideias e intenções e
passamos a visitar ou revisitar o cotidiano das instituições
educacionais e da vida dos atores envolvidos, realizando e,

395
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

ao mesmo tempo, expondo possibilidades de novos estudos


acerca de uma temática tão importante para a história de
um lugar. A experiência tem nos mostrado, conforme afirma
Magalhães (1999, p. 69), que:

O quotidiano de uma instituição educativa é um acúmulo de


comunicação, tomada de decisões e de participação, cuja
representação e memória apenas em parte ficam vertidas a
escrito, ou traduzidas noutro tipo de registros, mas boa parte
das quais se apagam, quer por se integrar em rotinas, quer
pela sua freqüência, não constituem um objecto de registro
próprio, quer porque se inserem num processo continuado,
tendendo a fixar-se-lhe o princípio e o fim, sendo este, em
regra, assinalado por um registro dos resultados. É assim com
o processo de ensino-aprendizagem; os alunos inscrevem-se
através de um termo de matrícula e o seu percurso escolar fica
assinalado e numa certificação final. Do processo de ensino,
para além destes mesmos resultados, fica apenas uma memória
analógica suportada pelos sumários. De facto, o cotidiano de
uma instituição educativa fica representado por defeito, nos
registros e fontes de informação, havendo mesmo dimensões
desse quotidiano, cuja memória se apaga com a mudança dos
actores e muitas outras que são regularmente destruídas.

Dessa reflexão, pautamos nossa intenção de, numa


disciplina, com conteúdos em construção, ter a pesquisa
como eixo dos estudos. A pesquisa, aqui entendida como
possibilidade de formação plena do professor, desde o
momento em que ele busca suas referências em sua localidade
e, com o apoio das referências teóricas, realiza uma crítica
capaz de dar conta da realidade estudada, debruçando, por
conseqüência, na realidade histórica da educação.
O objetivo maior era produzir conhecimento novo
sobre educação, para definir políticas, para manter viva sua
identidade e a identidade dos sujeitos da localidade. Nesse
sentido, poderíamos significar a formação e oferecer sentido
a um currículo que, ao longo dos anos, só discursou sobre a
“formação do professor-pesquisador”.
Na verdade, o estudo da história das instituições pode
tomar um sentido de pesquisa em nível interno e externo, em
396
O ensino de história da educação

suas relações sociopolítico-econômicas com o poder local.


Em nível interno, o estudo das instituições leva-as a uma
avaliação da sua trajetória e o pesquisador ao entendimento
das relações destas com a política governamental, nos casos
em estudo.
Foi então que, em 2003, com o apoio dos alunos
da graduação, matriculados na disciplina, iniciamos a
experiência de uma articulação ensino e pesquisa. À medida
que resgatamos a História da Educação no Ceará, buscamos
registros oficiais e particulares da História da Educação da
região, via fontes oficiais e orais, a história das instituições
educacionais e seus principais sujeitos.
A primeira etapa da disciplina apresentava os estudos
sobre a educação do Ceará com:

CABRAL, Maria Sarah Esmeraldo. Extensão: conceito,


história e perspectiva: viabilidade para a URCA. Fortaleza:
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Metodologia do Ensino Superior) – Universidade Estadual do
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MADEIRA, Maria das Graças de Loiola. Recompondo


memórias da educação: a escola de aprendizes artífices do
Ceará (1910-1918). Fortaleza: Gráfica do CEFET, 1999.

As publicações, em sua maioria, eram elaboradas em


editoras locais a partir dos esforços dos próprios autores e de
editores interessados pela história do Ceará e do lugar. Os
escritos apresentavam outra dificuldade para os alunos, pois
não eram de fácil acesso na biblioteca da URCA, tendo muitos
somente uma edição. Eram livros fragilizados pelo tempo e
manuseio. Mesmo diante dessas dificuldades, por meio de
aulas expositivas e de convidados palestrantes, introduzíamos
os estudos da História da Educação no Ceará, também
contando com livros na área de História do Ceará e de política
educacional do Ceará.
Paralelamente, a esse levantamento de fontes e
apresentações, começávamos a pesquisa de campo.
Inicialmente, com o levantamento das fontes já construídas
de estudos anteriores, autores locais, pesquisas de outras
universidades, documentos, etc. Em seguida, apresentadas
na forma de seminários, as pesquisas eram realizadas pelos
alunos do curso ao longo de cada semestre, com a presença
dos autores. Nessa ocasião, eles relatavam suas experiências,
sua motivação, as dificuldades, oportunizando aos novos

399
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

pesquisadores o conhecimento novo e a imensidão de


oportunidades de resgate histórico na área de educação.
Na sequência, os alunos, em suas localidades, buscavam
conhecer as instituições e suas histórias, a partir do relato
dos mais velhos, de políticos e/ou de familiares. Durante as
aulas, os alunos traziam esses resultados e juntos definíamos
o objeto de estudo de cada um ou de grupos constituídos por
alunos residentes no mesmo município. Nas aulas também
eram construídos os roteiros de pesquisa − roteiro de história
de vida e de instituições, roteiro de pesquisa em arquivos
públicos e particulares e carta de apresentação da pesquisa.
Iniciávamos todas as pesquisas e conciliávamos as
sessões das aulas em revisão de literatura acerca do referencial
teórico-metodológico e apresentação das etapas de execução
do estudo. Ao final de cada semestre, realizamos seminários
da elaboração escrita, dos documentos descobertos, enfim,
dos resultados daquele momento. Todos os registros escritos
passavam a ser parte do acervo construído pelo grupo de
pesquisa que constituímos, junto com professores e alunos
da pós-graduação das instituições: Universidade Federal do
Ceará, Universidade Estadual Vale do Acaraú e Universidade
Estadual do Ceará, desde 2003.
O grupo elaborou um Projeto Matricial intitulado
“Resgatando a História da Educação no Cariri Cearense” e
vem, desde 2004, registrando a educação no Cariri Cearense,
envolvendo, tanto a parte de “levantamento documental”
oficial e privado, quanto a “memória” de políticos, educadores
e educandos, por meio de entrevistas, histórias de vida,
biografias, autobiografias e iconografias, que devem ser
gravadas e/ou filmadas e fotografadas, adquirindo, assim,
o caráter de documento e fonte de pesquisa histórica para
a constituição de um acervo, com a função de alimentar e
ampliar permanentemente a área de pesquisa, bem como o uso
público do acervo catalogado pelos pesquisadores, professores,
estudantes, estagiários, bolsistas e público em geral.

400
O ensino de história da educação

Vale salientar que, dentro de nossos objetivos, também


contemplamos a ideia de formar um acervo iconográfico
para constituir um pequeno museu da memória da educação
nessa região do Estado. Essa iniciativa já se materializou com
a nossa participação na criação do Museu da Escola Normal
Rural de Juazeiro do Norte, que vem funcionado, desde 2008,
no espaço da antiga escola, onde hoje funciona a Escola de
Tempo Integral Moreira de Sousa, no município de Juazeiro
do Norte.
Até o momento, catalogamos a história de 143 instituições
educacionais e de 57 histórias de vida de professores. Em função
do raio de atuação da URCA e do Curso de Pedagogia, temos
também registradas histórias educacionais de municípios de
Estados vizinhos, no caso Pernambuco.
Esses estudos têm mostrado a riqueza da História da
Educação local e possibilitado as publicações que garantirão o
ensino da História da Educação local e serão uma importante
fonte de estudos a serem realizados, seja na iniciação à
pesquisa, seja na elaboração dos Trabalhos de Conclusão
de Curso (TCCs), em estudos de pós-graduação, como já
demonstrado ao longo do artigo.
Dessa forma, foi com muita preocupação que
acompanhamos a Reformulação Curricular do Curso de
Pedagogia da URCA que, além de retirar a já referida disciplina
do currículo, mesmo tentando preservar seu conteúdo na
disciplina criada, não conseguiu garantir a sua carga horária.
No currículo de 1998, a disciplina tinha 45 horas, mais 60 horas
da disciplina de Evolução da Educação Brasileira, totalizando
105 horas. Atualmente, com a nova matriz curricular, são 90
horas da disciplina História da Educação Brasileira, incluindo
todo o conteúdo das disciplinas anteriores.
As preocupações são pertinentes, uma vez que é necessário
ao professor que lecione a disciplina o conhecimento das três
Histórias da Educação: Brasil, Ceará e Cariri. Muitas vezes
esses profissionais não têm estudado ou pesquisado nessa

401
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

amplitude. Além disso, a experiência do ensino da disciplina


no último ano mostrou que o tempo para a formação do
pesquisador foi drasticamente reduzido, prejudicando o tempo
para a pesquisa de campo, principalmente para os alunos do
Curso de Pedagogia noturno, pois oferecemos a disciplina nos
turnos manhã e noite. As visitas às bibliotecas locais também
têm sido prejudicadas pela falta de tempo. Com a redução
dessa visitas, a frequência à biblioteca só era possível fora do
horário de aula, muitas vezes não permitindo a participação
de parte dos alunos, por motivo de trabalho, lugar de moradia,
etc.

O que significou essas disciplinas no currículo do Curso de


Pedagogia da URCA

Os dados levantados e catalogados indicam:

a)o campo de pesquisa e o laboratório de ensino das


disciplinas História da Educação Brasileira e História da
Educação do Ceará e do Cariri alimentam novas temáticas de
projetos de pesquisas de professores e alunos. Desde 2004,
constituímos um Grupo de Estudo em História da Educação,
que vem se reunindo semanalmente, estudando a temática,
conhecendo experiências de outros grupos, como a do Grupo
de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no
Brasil” (HISTEDBR) e o Grupo da Universidade de São Paulo,
Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História
da Educação (NIEPHE). Salientamos aqui que o Núcleo de
História, Memória e Política Educacional da FACED/UFC
tem sido nosso porto seguro para o debate permanente e
possibilidades de pesquisa e publicação conjunta;
b) as novas pesquisas passaram a divulgar a história local, a
colaborar com a catalogação de documentos presentes nas
bibliotecas públicas e privadas da região do Cariri. Como
exemplo, destacamos os estudos apresentados em eventos
locais, estaduais, nacionais e internacionais. Até o momento,
foram mais de trinta trabalhos publicados;
c) na biblioteca da Diocese do Crato, catalogamos as notícias
em educação presentes no jornal Ação (período 1940 a 1980)

402
O ensino de história da educação

e no jornal O Catequista (décadas de 40 e 60). Ao mesmo


tempo, na biblioteca da URCA, catalogamos notícias sobre
educação presentes nas revistas Itaytera (décadas de 1960 aos
dias atuais) e A Província (década de 1960 aos dias atuais);
d) foram mais de cinco bolsistas de iniciação científica
formados nesse trabalho que integrou ensino e pesquisa.
Todos elaboraram estudos, resumos, artigos e participaram de
eventos científicos, na área. Hoje três realizam seus estudos
na pós-graduação, mantendo suas áreas de pesquisa;
e) no que diz respeito à formação de professores doutores,
a URCA tem, atualmente, cinco professores nessa área de
pesquisa e dois concluindo seus estudos de doutoramento.
A previsão é que tenhamos sete doutores em História da
Educação na instituição, garantindo, assim, um sólido Grupo
de Pesquisa.

A experiência nos mostrou que a pesquisa histórica no


campo educacional tem dupla valia: pode recuperar o passado
educacional de uma região e também alimentar o sistema
local e estadual de planejamento educacional, em relação
às necessidades presentes e futuras da sociedade. É uma
prática de pesquisa que tende a envolver diversos segmentos
da sociedade de forma interessada, a ponto de extrapolar os
muros da universidade. Tem garantido a produção acadêmica
e a identidade do Curso de Pedagogia, pois tem registrado sua
história e a História da Educação local.
No que diz respeito à formação do professor-pesquisador,
a experiência permitiu a formação de um professor que
busca conhecer a realidade da educação da sua localidade,
suas relações com as outras realidades e a construção de sua
identidade de professor que conhece e vivencia a sua história.
Nesse sentido, temos a convicção de que o aluno do Curso
de Pedagogia experiencia a práxis do professor-pesquisador e
contribui, de maneira significativa, na transformação do curso
em referência no resgate da História da Educação no Cariri
Cearense.

403
coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil - volume 6

Conclusões

A História da Educação, como campo de múltiplos


interesses, tem envolvido professores e alunos das mais diversas
áreas: História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Letras,
Pedagogia e outras. Do ponto de vista do seu aprimoramento
metodológico, a área só tem a ganhar com a formação de
equipes multidisciplinares, desde que mantenha a sua função
primordial de reconstrução do passado educacional como
fonte de reflexão para uma prática futura.
O espaço regional não é visto como um espaço social
isolado, mas como parte de uma teia de relações de mobilidade
espacial e cultural, material e simbólica da atividade social
que acaba por ligar todos os lugares e tempos do mundo.
O resgate da história educacional tem, neste contexto, um
papel relevante a ser considerado − a formação do professor-
pesquisador.
Observamos que o ensino da História da Educação do
Ceará e do Cariri Cearense permite a formação de um professor
intrigado por conhecer sua realidade local, suas relações
com as outras realidades e a construção de sua identidade de
professor que conhece e vivencia a sua história.
A partir de agora, observaremos o andamento da
nova composição do currículo do curso, com o desejo de
continuidade dessas importantes ações na área da história
educacional. Foram muitos registros e sujeitos envolvidos
na pesquisa, busca de participação em eventos, escolhas
de temas para estudos na graduação e pós-graduação, que
precisam ser mantidos e ampliados na intenção de garantir
essa linha de pesquisa tão necessária para o fortalecimento do
Departamento de Educação por uma garantia do Programa de
Pós-Graduação, inicialmente, em nível de mestrado.

404
O ensino de história da educação

Referências

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cada quintal uma oficina: tradicional e o novo na história da
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405

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