Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS
(*)
Doutorando em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo.
Mestre em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso. Juiz do Trabalho
no TRT da 23ª Região. Autor de livros jurídicos. Coordenador Acadêmico da Pós-graduação em
Direito e Processo do Trabalho da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso
nos biênios 2011 a 2013 e 2013 a 2015. Membro do Comitê Executivo do Fórum de Assuntos
Fundiários do Conselho Nacional de Justiça de 2013 a 2014. Professor das disciplinas Teoria
Geral do Processo, Direito Processual Civil, Direito Processual do Trabalho e Direito Ambiental
do Trabalho. Tem atuado ultimamente em aulas e palestras na Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) e nas Escolas Judiciais dos TRTs da
3ª, 5ª, 6ª, 7ª, 9ª, 14ª, 15ª, 18ª e 23ª Regiões. Endereços eletrônicos:
www.facebook.com/prof.joaohumbertocesario, www.facebook.com/prof.joaohumbertocesarioII e
@joaohumbertocesario (instagram).
1
à ampla produção probatória, imprescindível à materialização de um verdadeiro
Estado Democrático de Direito, que tenha como fundamento primordial a
dignificação da pessoa humana (artigo 1º, III, da CRFB).
De tal arte, todas as vezes que em juízo houver um fato controvertido e
relevante para o deslinde de uma celeuma, o magistrado deverá garantir ao
interessado a mais ampla produção probatória, sob pena de, em não o fazendo,
malferir autoritariamente um direito fundamental reconhecido pela Constituição
ao cidadão, gerando, com seu comportamento censurável, uma indisfarçável
nulidade processual.
Na esteira desta assertiva é essencial alertar que o direito à produção de
provas, embora fundamental, não chega a ser irrestrito. Aliás, é a própria
Constituição que adverte, no seu artigo 5º LVI, serem inadmissíveis no processo
as provas obtidas por meios ilícitos.
A princípio, com efeito, não possuem valor probante em juízo as
informações obtidas em afronta a garantias fundamentais dos cidadãos, como
aquelas que preservam a intimidade e a vida privada das pessoas (artigo 5º, X,
da CRFB), a inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, XI, da CRFB), o sigilo da
correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas (artigo 5º, XII, da CRFB), etc.
O tema da ilicitude das provas, porém, não é tão singelo quanto possa
parecer à primeira vista, detendo no seu interior uma série de questões de
intrincadas, cujos meandros essenciais serão enfrentados no desenvolvimento
do presente estudo.
2
Prova originalmente ilícita é aquela diretamente produzida com
transgressão às liberdades individuais constitucionalmente consagradas. Uma
prova pode ainda ser considerada ilícita por derivação, quando for angariada a
partir de outra ilicitamente produzida. Esta última hipótese é o que a doutrina
alienígena denomina como the fruits of the poisonous tree ou, em português, os
frutos da árvore envenenada, situação que é prevista no direito brasileiro no § 1º
do artigo 157 do Código de Processo Penal quando diz que são inadmissíveis
as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas
por uma fonte independente das primeiras1.
A princípio, pois, não possuem valor probante as informações granjeadas
em afronta a garantias fundamentais dos cidadãos, como aquelas que
preservam a intimidade e a vida privada das pessoas (artigo 5º, X, da CRFB), a
inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, XI, da CRFB), o sigilo da correspondência,
das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (artigo
5º, XII, da CRFB), etc.
Vale ressaltar quanto ao tema, que a concepção de invalidade das provas
ilícitas foi construída, a bem da verdade, muito mais em atenção ao Processo
Penal do que em homenagem ao Processo Civil ou ao Processo do Trabalho.
São dignas de transcrição, a propósito, as palavras de Luiz Guilherme Marinoni
e Sérgio Cruz Arenhart:
3
obter a prova em desrespeito aos direitos, nada mais eficaz
do que proibir a sua utilização no processo.
Nessa situação há um processo em que se
enfrentam o Estado – titular da pretensão punitiva – e o
particular – titular do direito de liberdade. Nesse caso,
porém, há nítida preferência pelo direito de liberdade, que
se coloca em posição de supremacia em relação à
pretensão punitiva estatal.
A diferença entre os processos penal e civil se torna
nítida quando se constata, por exemplo, que as partes têm
o dever de dizer a verdade no processo civil, enquanto que
o réu, no processo penal, deve ser informado do seu direito
de permanecer calado. Como se vê, a busca da verdade é
tratada de modo totalmente diverso em tais processos. (...)
De modo que as diferentes realidades, situadas em
cada um desses processos, não podem deixar de ser
levadas em consideração, quando se pesa na prova obtida
de modo ilícito. Ao se tentar uniformizar a maneira de
compreender o processo penal e o processo civil, é
possível cair no engano de pensar a prova ilícita como algo
que não tem qualquer relação com as diversas situações
postas nesses diferentes processos.”2
2MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 6 ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 388 e 389.
4
“As provas ilícitas não têm eficácia no processo
(artigo 5º, LVI, CRFB). Afirmando-o, nossa Constituição
realizou uma inequívoca ponderação entre a efetividade da
proteção do direito material e o direito à descoberta da
verdade no processo. (...)
No âmbito do processo civil, a ponderação realizada
pela Constituição não exclui a necessidade de uma
segunda ponderação entre o direito afirmado em juízo pelo
autor e o direito violado pela prova ilícita, haja vista os
diversos valores passíveis de proteção e discussão no
direito processual civil brasileiro. Negar a necessidade
dessa segunda ponderação importa em negar a priori tutela
jurisdicional a uma das partes. Essa ponderação deve ser
realizada em concreto pelo juiz a fim de cotejar a relevância
dos valores em jogo. Dois critérios podem auxiliar o órgão
jurisdicional nessa tarefa: em primeiro lugar, é fundamental
que os valores postos à ponderação sejam devidamente
identificados e explicitados pelo órgão jurisdicional; em
segundo, saber se tinha a parte que postula a admissão da
prova ilícita no processo outro meio de prova à sua
disposição ou não para a prova de suas alegações. Nesse
sentido, é imprescindível a análise da necessidade da
prova ilícita para a formação do convencimento
jurisdicional para saber se ela pode ou não ser aproveitada
em juízo.”3
3MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo
por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 335.
5
inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito seria apreciada pelo juiz à
luz da ponderação e dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos. Em
que pese tal encaminhamento ter sido suprimido durante o trâmite do código no
Poder Legislativo, não constando, assim, do texto final aprovado, ela
naturalmente continua intacta, já que absolutamente condizente com a
mensagem constitucional vigente. A partir dessa premissa, portanto,
transportamos a discussão para a praxe processual trabalhista.
Imagine-se a seguinte situação, que, aliás, já enfrentamos concretamente
na nossa experiência de magistrado. Nela, determinado empregado recebe
salário marginal, não computado para fins de pagamento das suas horas extras,
férias, 13º salário e depósitos fundiários. No caso o empregador colhe recibo do
pagamento em papel timbrado da empresa, não entregando uma via ao
empregado. Tais recibos são arquivados em um cômodo fechado da sede da
empresa.
Que dizer se o empregado, aproveitando uma distração do empregador,
adentrar no local do arquivo cujo acesso lhe era vedado, extrair os originais do
acervo documental, fotocopiá-los e a autenticá-los? Abstraindo-se da
possibilidade técnica de eventual impugnação calcada em produção documental
unilateral pela defesa (que no caso concreto que enfrentamos não ocorreu), a
prova assim apresentada em juízo poderia ser considerada ilícita por violação do
sigilo empresarial?
O nó da questão, ao nosso sentir, deve ser desatado por via da
ponderação dos interesses digladiantes. De um lado, o interesse do empregado
em demonstrar processualmente a sua razão. De outro, o interesse do
empregador em preservar a incolumidade do seu acervo documental, que não
poderia ser quebrada pela iniciativa particular.
Cremos que nada obsta que o trabalhador, em uma hipótese como essa,
copie os documentos em questão, visando o resguardo de seu direito. Como é
por demais sabido daqueles que possuem alguma intimidade com a prática
forense trabalhista, uma das provas mais difíceis, talvez a mais complexa de se
produzir na Justiça do Trabalho, é aquela relativa ao salário vulgarmente ‘pago
por fora’.
Ocorre que os empregadores que se utilizam desse ardil realizam o
pagamento em locais fechados e sem a presença de possíveis testemunhas,
6
fazendo-o diretamente em dinheiro e não por cheque nominal ou depósito em
conta, tudo premeditadamente pensado para não deixar rastros da ilegalidade
que praticam contra o empregado e o fisco.
Impedir o trabalhador de ter acesso aos arquivos empresariais, ainda que
sem permissão patronal, para deles extrair a prova que lhe interessa, seria, na
prática, o mesmo que lhe negar o direito fundamental à inafastabilidade da
jurisdição (artigo 5º, XXXV, da CRFB), compreendida na sua acepção mais
nobre de garantir ao cidadão uma prestação jurisdicional útil e eficaz. É de se
realçar que em um juízo de valor mais aprofundado a mencionada prática sequer
pode ser considerada ilegal ou mesmo ilícita, já que o empregado que assim
procede não está a furtar ou a se apropriar indevidamente de tais documentos,
circunscrevendo-se a fotocopiá-los para a defesa do seu direito4.
É de se ressaltar, a propósito, que o artigo 369 do CPC de 2015 esclarece
que os meios moralmente legítimos são hábeis a provar a verdade dos fatos.
Logo, não existindo qualquer imoralidade em copiar um documento de interesse
mútuo das partes, de onde não se extrai qualquer informação legalmente
sigilosa, será vedado ao magistrado desprezar a prova desse modo produzida.
Homenagear a imoralidade, em verdade, seria permitir que o empregador, por
via de um comportamento escuso, deixasse de trazer para os autos uma
informação tão relevante ao deslinde desse tipo de imbróglio, furtando-se, em
decorrência, ao cumprimento da função social a que a propriedade privada está
constitucionalmente jungida (artigo 5º, XXIII, da CRFB).
4Vale reprodução, aqui, a lição de CAMBI, Eduardo. Op. cit., p. 99: “Saber se uma prova é lícita
ou ilícita é uma questão de interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Logo, o problema
não é definir se as provas ilícitas são, ou não, aceitáveis, mas definir o que lícito e o que é ilícito,
no sistema jurídico.”
7
ambiente externo; c) o monitoramento de e-mail corporativo ou pessoal dos
empregados; d) a realização de revistas íntimas ou nos pertences de
empregados; e) a quebra do sigilo bancário pelo empregador sem autorização
judicial. Delas trataremos em tópicos apartados.
Como é por demais sabido, o artigo 5º, XII, da CRFB, diz ser inviolável o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal.
Consoante se pode ver, tanto ao Estado quanto aos particulares é vedada
a interceptação das conversas telefônicas, sob pena da configuração de maltrato
à garantia constitucional do sigilo das comunicações. O que no máximo se pode
admitir é a expedição de ordem de interceptação pelo Estado-juiz, somente para
fins de investigação criminal ou instrução penal5.
A grande indagação que se coloca, nesse contexto, é a de ser permitido,
ou não, ao particular gravar as suas próprias conversas telefônicas, usando-as,
posteriormente, como prova em juízo. Do mesmo modo, pergunta-se ainda se
seria possível a gravação ambiental com escopo probatório, dos diálogos
mantidos pelo interessado e terceiros.
É de se perquirir, v.g., se um empregado que vem sendo assediado moral
ou sexualmente, poderia, a título de prova, gravar a conversa de que tenha
participado, seja ela telefônica ou ambiental, para com substrato no produto da
gravação postular em juízo a indenização a que faça direito.
8
A jurisprudência dos tribunais trabalhistas vem se pronunciando
positivamente sobre o tema, pois embora despreze a interceptação de conversas
telefônicas alheias, outorga guarida às gravações realizadas pelo litigante que
participou da conversação, ainda que sem conhecimento do outro. Trazemos, a
respeito, três arestos, o primeiro oriundo do TST e os demais dos TRTs da 3ª e
2ª Regiões, respectivamente:
9
do contrato de trabalho como também condenação da
empresa em dano moral. A gravação clandestina dos
diálogos mantidos entre a empregada e os seus superiores
no local de trabalho, nos quais essas ofensas eram
sistematicamente praticadas, é perfeitamente legal e
legítima, pois, apesar do desconhecimento dos ofensores,
não se trata de interceptação de Conversa alheia, pois foi
feita por um dos interlocutores, em local de acesso ao
público, sobre fato (o trabalho) da vida social dos
envolvidos. A hipótese, portanto, não caracteriza afronta à
inviolabilidade da vida privada ou da intimidade de quem
quer que seja,resguardada pelo artigo 5, X, da Constituição
Federal (Precedentes do TST, no TST-SDI-I ROMS n
11134/90, publicado no DJ de 27.09.1991, PG 13394, e do
STF nos HC 75338, publicado no DJ de 25-09-98, pp
00011, e RE 212081, publicado no DJ de 27-03-98, pp
00023). Além de não se caracterizar prova ilícita, trata-se,
no caso, do exercício do direito de defesa por parte da
empregada, com o meio legítimo de que ela dispunha.7
10
conhecimento de nenhum dos interlocutores. Não se
vislumbra ilicitude a ponto de inutilizar a prova se foi um
dos interlocutores que procedeu à gravação da conversa
sem o conhecimento do outro, se constatado que esse foi
o único meio razoável para a obtenção da prova necessária
à comprovação de suas alegações. O poder diretivo do
empregador não pode ser utilizado como forma de
intimidação pessoal, conduta que extravasa os limites
legais. Se a ameaça de dispensa tem como fulcro a
possibilidade de ser constatada a autoria de furto,
decorrendo dessa efetiva constatação, há mero temor
reverencial, ou seja, a prática de um direito do empregador,
que deve proceder às investigações na forma prevista em
lei. No entanto, intimidar o empregado para que assuma a
autoria de um crime, sob pena de sofrer dispensa,
consubstancia intimidação não autorizada. Acusado o
empregado de furto sem as devidas investigações e não
comprovado o fato, há dano moral, que deve ser
devidamente indenizado.8
11
74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97,
ambos da Primeira Turma.9
10 AI-AgR 666459 - 1ª T. - Rel. Min. Ricardo Lewandowski – Julgado em 06.11.07 - DJE 30.11.07.
12
II - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas
mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo
bancário.
III - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the
fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e
decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula
282-STF.
IV - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do
reexame do conjunto fático-probatório, o que não é
possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. -
Agravo não provido.11
É fato que durante a vigência da Lei 9.034-95, pelo menos para fins de
investigação criminal, a captação e a interceptação ambiental de sinais
eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise pela polícia, só
era admitida mediante circunstanciada autorização judicial. O fato, porém, é que
o mencionado diploma legislativo foi revogado pela Lei 12.850-13, que não mais
faz menção expressa às eventuais formalidades que deverão ser respeitadas na
captação ambiental policial. No Processo do Trabalho, de qualquer modo, não
custa lembrar que estamos cogitando da gravação, ainda que clandestina, de
conversa ambiental realizada pelo próprio interlocutor, não havendo razão,
assim, para a cogitação da sua mácula. Embora que sem tratar diretamente da
processualística laboral, não custa transcrever a lição do professor Eduardo
Cambi, com remissão, inclusive, ao ponto de vista do Supremo Tribunal Federal:
13
discussão quanto as violações aos direitos fundamentais
das pessoas investigadas deve ser resolvida por meio do
reconhecimento de juízos de ponderação, tendo-se que a
partir da premissa de que os direitos fundamentais não
possuem caráter absoluto. Por essa razão, em
determinadas situações, poderão sofrer limitações,
independentemente da forma e da força constitucionais
que lhe são atribuídas, havendo hipóteses em que os
direitos fundamentais à intimidade e à vida privada terão
que ceder em face da maior força ou peso dos direitos em
sentido contrário.12
14
encartou aos autos um CD-ROM que contém conversa
gravada entre o preposto da ré e o proprietário de empresa
no ramo de transporte que, a seu pedido, simulando estar
interessado em sua contratação, indagou acerca das suas
referências. Contudo, referida gravação telefônica,
consistente na captação de conversa com terceiros, da
qual não participou, não pode ser usada contra a ré, porque
envolve a quebra da privacidade, direito
constitucionalmente, tido como inviolável (art. 5º, X CF).
Entendimento contrário importaria em violação ao artigo 5º,
LVI da Constituição Federal e artigo 332 do CPC, que
impõem limitação à produção da prova. Ademais, o próprio
autor admite que o conteúdo da referida gravação foi
corroborada pela sua testemunha, indicativo de que
detinha condições de obter prova por outros meios
legítimos. Assim, a gravação telefônica, obtida de modo
ilícito, não pode ser admitida como meio de prova. Apelo
do autor ao qual se nega provimento.13
15
conhecimento de que a gravação foi efetuada sem
autorização judicial ou dos seus interlocutores.14
Acreditamos que tal ponto de vista não se sustenta, pois, a rigor, o que o
espírito da Constituição veda é a intercepção telefônica (vide, embora tratando
das cartas analógicas no plano infraconstitucional, o artigo 233 do Código de
Processo Penal, que confirma com a sua mensagem legislativa a afirmação
retro), o que decididamente não se configurou nos exemplos anteriores, já que
o terceiro apenas disponibilizou ao interessado uma gravação que ele próprio
participou. Ora, se o terceiro poderia depor em juízo para atestar o conteúdo do
diálogo, certamente também poderia contribuir para a elucidação do episódio
disponibilizando a quem de direito o diálogo gravado que protagonizou. Em tal
sentido, segue aresto do TRT da 4ª Região:
16
em voto da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, não teve dúvidas em
chancelar a licitude da prova, como abaixo se pode ver:
16 STF – RE 453562 AgR / SP, Ac. 2ª T - Rel. Min. Joaquim Barbosa – Publicação: 28-11-2008.
17
Pensamos, a princípio, ser lícito que o empregador monitore
audiovisualmente o ambiente de trabalho, sem que evidentemente se valha
dessa possibilidade para pura e simplesmente constranger ou até mesmo
assediar os seus empregados. Há certas hipóteses, aliás, em que o
monitoramento é do interesse do próprio trabalhador, como no caso dos caixas
bancários, que não raro são vítimas de furtos no caixa realizados pelos próprios
companheiros de trabalho, vendo-se compelidos à prestação de contas daquilo
que não subtraíram.
Pense-se, à guisa de exemplificação, no caso de pais que tenham que
deixar seus filhos aos cuidados de babás, ou de familiares que se vejam
obrigados a deixar idosos sob a guarda de cuidadores. Em situações como
essas, a realidade lamentavelmente demonstra que não raramente as crianças
e os idosos são vítimas de maus tratos. Não há como se objetar, portanto, que
nessas hipóteses é bastante conveniente que em nome da segurança dos
vulneráveis a intimidade dos empregados seja em alguma medida sacrificada.
Reproduzimos, acerca do tema, a lição do professor Eduardo Cambi:
18
Em casos dessa natureza, ademais, será conveniente que o empregador
deixe claro ao doméstico, no ato da admissão, preferencialmente por documento
escrito e assinado, que fará o monitoramento ambiental. Referida cautela, além
de prestigiar a boa-fé objetiva, inviabilizando a possibilidade futura de que a
prova seja tomada por ilícita, terá também o condão de inibir a conduta
eventualmente agressiva do empregado.
Como já advertimos, todavia, a matéria clama por temperamentos. Assim
é que não se pode concluir de modo diverso, a não ser para se compreender
que o ambiente de trabalho não pode ser tão ilimitadamente devassado, a ponto
de o monitoramento atingir, por exemplo, os banheiros em que os empregados
fazem as suas necessidades fisiológicas, tomam banho e trocam roupas. Em
uma situação que tal, a segurança não pode ser prestigiada a ponto de
comprometer a intimidade dos empregados.
Nesse sentido a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que
embora não estivesse tratando da ilicitude probatória propriamente dita, mas de
responsabilidade civil, dá bem a ideia da relevância jurídica do bem violado pelo
monitoramento de banheiros e vestiários:
19
intimidade, vida privada) e da repercussão do ato no
mundo exterior (segundo o Tribunal Regional, houve
comentários dentro da corporação e o vazamento da
notícia foi inevitável); considera-se razoável o valor de
R$20.000,00 fixado a título de danos morais pelo Juízo de
1º. Grau.18
18
TST – AI-RR 70140-55.2007.5.15.0007, Ac. 6ª T - Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado –
Publicação: 28.05.2010.
20
prevalência do poder diretivo do empregador é o fato de
não transacionar de forma a violar direitos indisponíveis,
entre os quais a honra e a intimidade do trabalhador.
Demonstrado o dano decorrente da conduta do
empregador, deve ser mantido o acórdão regional que
condenou a reclamada a indenizá-lo. Recurso de revista de
que não se conhece.19
Situação correlata à que vem sendo debatida no presente tópico, mas que
possui matizes diferenciados do que já vimos até aqui, é aquela relativa à
filmagem externa do trabalhador, realizada, portanto, fora do ambiente de
trabalho. Aqui também o tema clama por moderação. É claro que o empregador
não pode chegar ao ponto de investigar a vida privada do seu empregado,
monitorando, por exemplo, o interior da sua residência, já que a casa é asilo
inviolável do indivíduo (artigo 5º, XI, da CRFB). Há circunstâncias, porém, em
que a filmagem audiovisual realizada fora do ambiente de trabalho poderá ser
usada como prova judicial, notadamente quando realizada em lugares públicos,
como, v.g., logradouros, campos de futebol, casas de espetáculos e outros.
O que falar, por exemplo, de uma situação que já enfrentamos na prática
da magistratura, na qual um trabalhador, dizendo-se incapacitado para o
trabalho por problemas no joelho, foi filmado inúmeras vezes jogando futebol em
um estádio público no período da suposta convalescência, com fôlego e
disposição de um verdadeiro atleta profissional? Em circunstância semelhante,
segue, abaixo, decisão do TRT da 11ª Região, confirmada pela 5ª Turma do TST
em voto da relatoria do Ministro João Batista Brito Pereira:
21
verdade perante o Poder Judiciário, até para impedir que
este incorresse em erro, por falta de uma prova
inconcussa. (...) O Reclamante foi filmado na via pública,
portanto, em locais de acesso a toda a população. Não se
trata, portanto, de ambiente privado, de acesso restrito ou
exclusivo. (...) As filmagens do Reclamante não tiveram por
objetivo ridicularizá-lo, ou dar publicidade perante
terceiros, mas, tão-somente, promover a defesa em um
processo judicial, de aplicação restrita aos interesses das
próprias partes envolvidas.20
20Note-se que os excertos decisórios transcritos são de acórdão originário do TRT da 11ª Região,
mas foram extraídos da decisão confirmatória do TST. Vide, a propósito, TST – RR 67400-
31.2009.5.11.0019, Ac. 5ª T - Rel. Min. João Batista Brito Pereira – Publicação: 19.12.2011.
22
e fiscalizatório que o Direito do Trabalho reconhece ao empregador. Trazemos,
nesse sentido, três arestos do TST:
23
o e-mail- corporativo, não raro sofre acentuado desvio de
finalidade, mediante a utilização abusiva ou ilegal, de que
é exemplo o envio de fotos pornográficas. Constitui, assim,
em última análise, expediente pelo qual o empregado pode
provocar expressivo prejuízo ao empregador. 4. Se se
cuida de e-mail- corporativo, declaradamente destinado
somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que
está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de
propriedade do empregador sobre o computador capaz de
acessar à internet e sobre o próprio provedor. Insta ter
presente também a responsabilidade do empregador,
perante terceiros, pelos atos de seus empregados em
serviço (Código Civil, art. 932, inc. III), bem como que está
em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente
merecedor de tutela constitucional. Sobretudo, imperativo
considerar que o empregado, ao receber uma caixa de e-
mail de seu empregador para uso corporativo, mediante
ciência prévia de que nele somente podem transitar
mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de
privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no
Direito Comparado (EUA e Reino Unido). 5. Pode o
empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado
no ambiente de trabalho, em e-mail- corporativo, isto é,
checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal
quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é ilícita
a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa
para a despedida decorrente do envio de material
pornográfico a colega de trabalho. Inexistência de afronta
ao art. 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal. 6.
Agravo de Instrumento do Reclamante a que se nega
provimento.21
24
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA - E-MAIL CORPORATIVO - ACESSO PELO
EMPREGADOR SEM A ANUÊNCIA DO EMPREGADO -
PROVA ILÍCITA NÃO CARACTERIZADA. Consoante
entendimento consolidado neste Tribunal, o e-mail
corporativo ostenta a natureza jurídica de ferramenta de
trabalho, fornecida pelo empregador ao seu empregado,
motivo pelo qual deve o obreiro utilizá-lo de maneira
adequada, visando à obtenção da maior eficiência nos
serviços que desempenha. Dessa forma, não viola os arts.
5º, X e XII, da Carta Magna a utilização, pelo empregador,
do conteúdo do mencionado instrumento de trabalho, uma
vez que cabe àquele que suporta os riscos da atividade
produtiva zelar pelo correto uso dos meios que proporciona
aos seus subordinados para o desempenho de suas
funções. Não se há de cogitar, pois, em ofensa ao direito
de intimidade do reclamante. Agravo de instrumento
desprovido.22
22 TST - AIRR - 1640/2003-051-01-40.0 – Ac. 1ª T – Rel. Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello
Filho, DJ 24/10/2008.
25
funcionais, do qual se utilizava de forma imprópria,
recebendo fotos com conteúdo que estimulava e reforçava
comportamentos preconceituosos. Além disso, os e-mails
continham conversas fúteis que se traduziam em
desperdício de tempo. (...) 4. Por outro lado, ainda que o
presente recurso não ultrapasse a barreira do
conhecimento, a controvérsia em torno da licitude ou não
da prova acostada pela Reclamada, consubstanciada no
acesso à caixa de e-mail corporativo utilizado pelo
Reclamante, é matéria que merece algumas
considerações. 5. O art. 5º, X e XII, da CF garante ao
cidadão a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da
honra, da imagem das pessoas, bem como o sigilo de suas
correspondências, dados e comunicações telegráficas e
telefônicas. 6. A concessão, por parte do empregador, de
caixa de e-mail a seus empregados em suas dependências
tem por finalidade potencializar a agilização e eficiência de
suas funções para o alcance do objeto social da empresa,
o qual justifica a sua própria existência e deve estar no
centro do interesse de todos aqueles que dela fazem parte,
inclusive por meio do contrato de trabalho. 7. Dessa forma,
como instrumento de alcance desses objetivos, a caixa do
e-mail corporativo não se equipara às hipóteses previstas
nos incisos X e XII do art. 5º da CF, tratando-se, pois, de
ferramenta de trabalho que deve ser utilizada com a
mesma diligência emprestada a qualquer outra de natureza
diversa. Deve o empregado zelar pela sua manutenção,
utilizando-a de forma segura e adequada e respeitando os
fins para que se destinam. Mesmo porque, como assinante
do provedor de acesso à Internet, a empresa é responsável
pela sua utilização com observância da lei. 8. Assim, se o
empregado eventualmente se utiliza da caixa de e-mail
corporativo para assuntos particulares, deve fazê-lo
consciente de que o seu acesso pelo empregador não
26
representa violação de suas correspondências pessoais,
tampouco violação de sua privacidade ou intimidade,
porque se trata de equipamento e tecnologia fornecidos
pelo empregador para utilização no trabalho e para alcance
das finalidades da empresa. 9. Nessa esteira, entendo que
não se configura o cerceamento de defesa a utilização de
prova consubstanciada no acesso à caixa de e-mail
fornecido pelo empregador aos seus empregados. Agravo
de instrumento desprovido.23
23TST - AIRR - 1542/2005-055-02-40 – Ac. 7ª T – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJ
06/06/2008.
24 Vide, em sentido contrário, SCHIAVI, Mauro. Provas no processo do trabalho. 4 ed. rev. e
ampl. São Paulo: LTr, 2014, p. 131: “O Direito não acompanha o avanço da tecnologia. Por isso,
não há legislação regulamentando a utilização do e-mail corporativo no local de trabalho. Não
obstante, se o empregador fornece senha individualizada para o empregado utilizar o e-mail da
empresa, a nosso ver também esse e-mail está tutelado pelo sigilo das correspondências e
telecomunicações, vale dizer, tem proteção constitucional quanto à privacidade (art. 5º,V, X e
XII, CF).”
27
em alinhamento com o nosso ponto de vista, decisão do Tribunal Superior do
Trabalho, que embora não trate de propriamente de e-mail, mas de conversa
mantida pelo antigo programa de mensagem instantânea conhecido por ‘msn”,
calha justa para a ilustração da matéria:
28
pelo empregador não se encontravam dentro de seu poder
diretivo, traduzindo-se em violação dos direitos de
personalidade dos reclamantes, resta configurado o dano
moral passível de indenização. Recurso de revista
conhecido e provido.25
S. 15 - REVISTA DE EMPREGADO.
I – REVISTA – ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima
ou não, promovida pelo empregador ou seus prepostos em
seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por
ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade
do trabalhador.
29
II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS.
A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas
íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens
em face da igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc.
I, da Constituição da República.
30
patrimônio do empregador e à salvaguarda da segurança
das pessoas, mormente na época em que vivemos, com o
fenômeno terrorista atemorizando o mundo. Não basta a
tutela genérica da propriedade, deverão existir
circunstâncias concretas que justifiquem a revista. Mister
que haja, na empresa, no estabelecimento ou no setor
bens suscetíveis de subtração e ocultação, com valor
material, ou que tenham relevância para o funcionamento
da atividade empresarial e para a segurança das pessoas.
Ademais, a tecnologia também poderá ser utilizada para
evitar ou reduzir os efeitos da revista na intimidade dos
empregados. A título de exemplo, a colocação de etiquetas
magnéticas em livros e roupas torna desnecessária a
inspeção em bolsas e sacolas, nos estabelecimentos
comerciais. Quando utilizada, a revista deve ser em caráter
geral, impessoal, para evitar suspeitas, por meio de critério
objetivo (sorteio, numeração, todos os integrantes de um
turno ou setor), mediante ajusto prévio com a entidade
sindical ou com o próprio empregado, na falta daquela,
respeitando-se, ao máximo, os direitos de personalidade
(intimidade, honra, entre outros).26
26 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 4 ed. São Paulo: Ltr, 2008, p. 583.
31
revistas é mínima e passível de ser suportada pelo senso
comum. Recurso de Revista de que se conhece e a que se
dá provimento.27
32
licitude ou não da revista de bolsas procedida pela sócia da
reclamada com a finalidade de encontrar o sitpass (espécie
de vale-transporte) desaparecido nas dependências da
reclamada, durante horário do expediente. Saliente-se,
primeiramente, que a premissa fática sobre a qual se
assenta a alegada violação do artigo 5º, LVI, da
Constituição Federal de 1988 - a saber, que a revista das
bolsas teria acontecido sem a presença da reclamante - é
contrária à adotada pelo v. acórdão do Regional, como
demonstrado, e, portanto, não autoriza a admissão do
recurso de revista, por óbice da Súmula nº 126 do TST.
Quanto à licitude da busca pelo sitpass nas bolsas das
empregadas, tampouco há violação do artigo 5º, LVI, da
Constituição Federal de 1988 que autorize a admissão do
recurso de revista da reclamante. Com efeito,
considerando-se que o desaparecimento do sitpass de
uma das empregadas poderia, se causado por algumas
das outras, caracterizar o ato de improbidade de que trata
o artigo 482, -a-, da CLT, era lícito à reclamada proceder à
busca nas bolsas das empregadas presentes, com
fundamento nos poderes diretivo e disciplinar do
empregador. Por outro lado, era ônus da reclamante
comprovar eventual prática ilícita de prova plantada, ônus
daquele que, conforme o v. acórdão do Regional, não se
desincumbiu. Agravo de instrumento não provido.29
33
constrangimentos intoleráveis, pois, caso contrário, o empregador poderá até
mesmo se ver compelido a pagar uma indenização ao empregado, já que nos
termos do artigo 187 do Código Civil, comete ato ilícito o titular de um direito que,
ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Por outro lado,
revistas realizadas no corpo do trabalhador, mormente nas suas partes íntimas
e sob nudez, serão sempre irremediavelmente tidas como ilícitas.
34
das respectivas operações, nos termos, nas condições e nos
prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministro de Estado da
Fazenda, mas a Secretaria da Receita Federal resguardará, na
forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações
prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento
administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário
relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito
do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente.
3. Possibilidade de as Comissões Parlamentares de Inquérito, com
apoio no permissivo dos plenários da Câmara, do Senado ou das
próprias CPIs, determinar a quebra de sigilo de dados dominados
pelo Banco Central do Brasil.
4. Possibilidade de os sujeitos elencados nos artigos 9º e 10 da Lei
9.613-98, entre eles, por exemplo, seguradoras, corretoras,
administradoras de cartões de crédito e bolsas de valores,
prestarem informações ao Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (COAF), visando a prevenção da utilização do sistema
financeiro para os ilícitos de branqueamento de capitais ou
ocultação de bens, direitos e valores (Lei 9.613-98).
35
Como se viu, portanto, a regra geral é de que a quebra de sigilo bancário
e fiscal só pode ser feita com permissão do Poder Judiciário. As poucas
exceções existentes quanto ao tema, são todas dirigidas à administração
pública, jamais aos particulares. Fica fácil responder, com base nessa premissa,
se um empregador, no caso uma instituição bancária, pode se valer de
informações contidas no sigilo bancário do seu empregado, para se defender em
juízo. A resposta, naturalmente, é negativa. Segue-se, acerca do tema, a
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho:
31TST – E-ED-RR 52100-55.2009.5.09.0093, Ac. SDI-1 - Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann -
Publicação: 27.02.2015.
36
Como se vê, a prova obtida pelas instituições bancárias mediante o
vergastamento das contas bancárias dos seus empregados deve ser tomada
como ilícita. No máximo seria possível, à hipótese, cogitar-se de a instituição
requerer ao Juiz do Trabalho a quebra do sigilo bancário do empregado, quando,
então, a prova realizada mediante tal formalidade seria considerada lícita.
3 SÍNTESES CONCLUSIVAS
37
patronal, para deles extrair a prova que lhe interessa, seria, na
prática, o mesmo que lhe negar o direito fundamental à
inafastabilidade da jurisdição, encarada pela sua angularidade
substancial e não apenas formal.
Outrossim, há de se ficar claro em termos de gravações de
diálogos, sejam eles telefônicos ou ambientais, que aquilo que o
espírito da Constituição obstaculiza é a interceptação de diálogos
alheios e não o registro das conversas mantidas pelo próprio
interessado, mesmo que o seu interlocutor não esteja ciente do
fato.
Por outra vertente, será lícito que o empregador em algumas
situações monitore audiovisualmente o ambiente de trabalho,
como, entre outras hipóteses, no caso de pais que tenham que
deixar seus filhos aos cuidados de babás ou de familiares que se
vejam obrigados a deixar idosos sob a guarda de cuidadores, sem
que evidentemente se valham dessa possibilidade para pura e
simplesmente constranger ou até mesmo assediar os seus
empregados, adotando, imprescindivelmente, algumas cautelas,
como as de deixar claro, no ato da admissão, que fará o
monitoramento ambiental, sem estender a prática para banheiros
ou vestiários de uso dos trabalhadores.
Apesar de a princípio as filmagens externas serem ilícitas,
mormente quanto ultrapassem os limites da preservação domiciliar
daquele que foi filmado, existirão hipóteses em que a filmagem
externa poderá ser aceita como meio probatório, notadamente
quando realizada em locais públicos, sem o intuito de ridicularizar
ou difamar a pessoa filmada, especialmente em contextos nos
quais a prova do interessado seja de difícil produção.
No caso da correspondência eletrônica, deve-se ter em mente que
o e-mail funcional é uma ferramenta de trabalho, cuja inspeção
alusiva à diligente utilização insere-se na órbita do poder diretivo e
fiscalizatório que o Direito do Trabalho reconhece ao empregador.
Isso não quer dizer, porém, que o empregador possa fiscalizar a
utilização do e-mail pessoal do seu empregado, prática que por
38
certo malfere letalmente a intimidade deste último. Para que o
empregador resguarde seus interesses em tal hipótese, poderá
vedar, por via de regulamento de empresa ou documento
equivalente, a utilização dos computadores e provedor da empresa
para envio da correspondência eletrônica pessoal dos seus
empregados.
No caso de revistas, o fundamental será a separação da revista
íntima e vexatória, realizada de modo direcionado e no próprio
corpo do empregado (a qual é terminantemente vedada), daquela
operada aleatoriamente, na estrita medida do necessário, em
alguns pertences do trabalhador. Desde que respeitada a
parcimônia, nada obstará que a empresa, colimando reduzir
prejuízos patrimoniais potenciais, realize, de tempos em tempos,
inspeções por amostragem nos pertences dos obreiros, tomando o
cuidado de amplamente noticiar essa possibilidade no ato da
admissão do trabalhador, respaldando, demais disso, a diretiva em
convenções e acordos coletivos de trabalho e realizando as
revistas na presença de representantes da categoria obreira.
Há de se ver, finalmente, que a quebra de sigilo bancário e fiscal
só pode ser feita com permissão do Poder Judiciário. As poucas
exceções existentes quanto ao tema, são todas dirigidas à
administração pública, jamais aos particulares. Logo, a prova
obtida pelas instituições bancárias mediante o vergastamento das
contas bancárias dos seus empregados deve ser tomada como
ilícita, sendo no máximo possível se cogitar de a instituição
requerer ao Juiz do Trabalho a quebra do sigilo bancário do
empregado, quando, então, a prova realizada mediante tal
formalidade seria considerada lícita.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 4 ed. São Paulo: Ltr,
2008.
39
CAMBI, Eduardo. Curso de direito probatório. Curitiba: Juruá, 2014.
SCHIAVI, Mauro. Provas no processo do trabalho. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo:
LTr, 2014.
40