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Resumo
Introdução
Visamos, com este trabalho, ampliar a discussão sobre o ensino superior privado
segundo a lógica do discurso capitalista e destacar seus principais impasses em jogo num
contexto de educação segundo os ditames do discurso neoliberal. O processo de
mercantilização do ensino superior nos leva a interrogar se a formação desenvolvida em
algumas instituições não passa de um ensino profissionalizante ou tecnicista, insuficiente
diante do se espera de uma formação acadêmica: senso crítico, autonomia e construção
de conhecimento. O interesse em refletir sobre essa problemática surgiu a partir da minha
experiência como docente em uma faculdade privada na qual lecionei durante cinco anos
e posteriormente se tornou objeto de estudo na pós-graduação.
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Doutorando em Educação, em regime de cotutela internacional entre a Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e a Université Paris 8 - Vincennes -Saint-Denis - École Doctorale Pratiques et Théories du
Sens.
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Doutor em Educação: Psicologia e Educação (USP; Paris 13). Professor associado de Psicologia,
Psicanálise e Educação do Programa de Pós-Graduação e da Faculdade de Educação da UFMG.
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Nesse sentido nos solidarizamos com Lacan quando declarou que a psicanálise,
por ser uma prática que coloca no amago do discurso do analista o amor à verdade, vem
sendo confrontada por discursos totalmente novos e acredita-se que a solução para lidar
seria não manter-se preso à ortodoxia da psicanálise. Nas palavras de Lacan: “a
permanência nas poltronas não é a melhor posição para estreitar o impossível” (1969-
70/1992, p. 184). Essa afirmação de Lacan se alinha a proposta de Pereira “os sujeitos
com os quais lidamos – professores e seus sintomas clínicos- incita-nos a esticar a corda
de nossos limites e a comunicar a muitos (e não apenas aos iguais) os achados que possam
melhorar a prática e a vida de cada um.” (2016, p.28).
Os dados mais recentes revelam que em 2014, havia cerca de 7,8 milhões de
alunos matriculados no ensino superior. Destes, 6,5 milhões em cursos presenciais (83%)
e 1,3 milhão em cursos EAD (17%). Porém, 75% das matrículas estão concentradas na
rede privada, ou seja, 5,9 milhões de alunos (BRASIL, 2016). Estes dados saltam aos
nossos olhos e nos leva a questionar a expansão do ensino privado, quais valores estão
em jogo e que tipo de formação vem sendo oferecida nessas instituições.
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Sabe-se que a partir dos subsídios do governo, seja através de isenção de impostos,
fomento a autonomia universitária, entre outros, constatou-se um aumento nas matrículas
de alunos nas faculdades privadas, e, ao mesmo tempo, ocorreu a expansão de diversas
Instituições de Ensino Superior (IES). Parte destas IES, orientadas pela lógica do
mercado, ou seja, visando atender aos pressupostos da ideologia do capitalismo
neoliberal, segundo o qual o conhecimento se torna uma mercadoria, transformaram-se
numa empresa de venda de formações universitárias, tornando a educação superior,
portanto, um mercado lucrativo.
É preciso considerar que o século XXI trouxe um novo contexto para a educação
superior no Brasil. Houve expansão do ensino público e privado. Isso ocorreu como
resultado de maiores índices de escolaridade básica e maior oferta de instituições de
ensino superior públicas, privadas e comunitárias. Soma-se a isso as políticas públicas de
educação, como o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que compra vagas em
instituições privadas, além das propagandas maciças que prevê a venda de formação
universitária. Tais iniciativas nos mostram que a educação vem se tornando uma grande
e lucrativa empresa (SÔNEGO, 2015). Como destaca Amaral:
implicação com o discurso do mestre, esse por sua vez, tem a ver com tudo o que
transcorreu como sendo relacionado ao escravo e que mais tarde veio a ser o proletário
(LACAN, 1969-70/1992).
mudança tem consequências, pois com o poder de gozo que o objeto adquire como mais-
gozar, ele passa a interferir sobre o sujeito (SOUZA, 2003). Neste caso, o objeto de gozo
seria o conhecimento – informação, que se torna um objeto fetiche em forma de diploma.
Lembremos que Marx nos mostrou que o fetichismo “[...] se cola aos produtos do trabalho
tão logo eles são produzidos como mercadorias e que, por isso, é inseparável da produção
de mercadorias.” (1962/2013, p. 148).
O que parece estar subjacente a esta visão de uma certa circularidade completa,
no discurso do capitalista, encontra o seu fundamento na doutrina liberal, segundo a qual
preza-se pela
[...] liberdade individual que faz o Sujeito o mestre absoluto de suas escolhas.
As concepções do bem a ser perseguido sendo consequentemente relativas a
cada Sujeito, daí resulta que toda definição comum do bem está excluída e que
os indivíduos não podem se entender senão no que diz respeito a uma
organização da sociedade que lhes garanta simplesmente o poder de perseguir
sua própria felicidade. (CATHELINEAU, 1997, p. 93).
É nesse contexto de uma Educação utilitarista que nos deparamos também com a
desautorização do mestre. Esse último passou a ser objeto de questionamento, uma vez
que sofreu considerável desgaste intelectual, social, cultural e econômico (PEREIRA,
2016). Alguns autores são críticos nesse aspecto e chegam mesmo a aventar que na
sociedade cujas relações de produção tendem a transformar tudo e todos em mercadorias
vendáveis, nem mesmo a esfera do espírito consegue se safar (MORAIS, 2011; SANTOS,
2002; MARTINS, 2008).
ideais e do novo aparato social que se produz, só assim chegaremos a ter influência.”
(LAURENT, 2007, p. 148).
Duas questões para as quais insistimos em apontar, diante de um horizonte
sombrio: É possível a trégua numa profissão (educação) inserida no rol de impossível?
De quais méritos e honra dispõe o professor nesse modelo universitário utilitarista?
Sônego (2015) vai destacar que a nova ordem é o conhecimento como produto. A
universidade se vê compelida a adaptar-se à lógica do mercado, ou seja, a sua missão
institucional está submetida aos ideais do mercado. Um contexto educacional onde a
quantidade é preferida em relação à qualidade.
Outra face desse modelo de formação é destacada por Santos (2002), que por sua
vez, revela que nesse contexto de ensino, constatamos de um lado, aquele que manda
(aluno), e de outro, a aparência de quem obedece (professor). Parece escorrer dos lábios
do autor a singela pergunta: existe legitimidade nos gestos de quem manda? E por quem
obedece deve ser servil em sua obediência?
O mestre na atualidade está “a ponto de perder até o mínimo de crítica que até
então lhe dava sustentação e lhe garantia uma sobrevivência no nível da experiência
intelectual necessária para estar atento aos rumores do tempo, como também às ameaças
dos acontecimentos.” (SANTOS, 2002, p.102).
A respeito do conhecimento, este se torna uma mercadoria de acordo com a lógica
capitalista, e como mercadoria estará disponível para todos. Ao se submeterem a essa
lógica de “mercado”, as faculdades privadas dão ênfase muito mais ao conhecimento
como um “objeto de consumo”, em detrimento de seu valor cultural e da formação de
profissionais com senso crítico (SÔNEGO, 2015; CHAUÍ, 2001).
Por um lado, cabe ao professor assumir a tarefa medíocre de apenas repassar o
conhecimento para atender a uma formação utilitarista. Por outro, isso não ocorre sem
consequências, os alunos apenas vão reproduzir o conhecimento nas provas (CHAUÍ,
2001). Seguindo este raciocínio, o professor, portanto, não é mais considerado como o
detentor respeitável de um saber-fazer, mas verdadeiramente como “o homem-
mercadoria”, bom para qualquer trabalho, cujo saber produzido permitirá precisamente
ao discurso capitalista ter um pouco mais de lucro (CATHELINEAU,1997).
Há argumentos que apontam para a precarização das condições e dos contratos de
trabalho do professor. Acentua-se que a perda do prestígio da docência tem levado o
professor a submeter-se a uma roda-vida, ou seja, um incessante “correr atrás” à procura
de sua subsistência (LÊDA, 2006). E, se só resta ao sujeito a desventura de uma busca
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pelo “ganha pão”, não lhe restará lugar para ser interrogar sobre a docência, sobre si
mesmo e a educação como prática social e histórica. Nesse contexto, Bianchetti & Zuin
(2012) assinalam, o professor perde a crítica que antes lhe sustentava e se submete aos
ditames do capital, cujo individualismo, competição e a acentuada busca pelo
produtivismo acadêmico ressoam como armadilhas para o mestre diante desta nova
cartografia do ensino superior privado.
Amaral nos ajuda a esclarecer o que está em jogo nesse modelo: “a passividade
do estudante e ação unidirecional por parte dos professores – que centram o ensino na
informação, na memorização, no conformismo e na homogeneidade, e não na crítica, na
inovação e na criatividade” (2003, p. 12).
com os seus pares. Seguindo essa lógica instrumental, a docência é entendida como
transmissão rápida de conhecimentos, consignados em manuais de fácil leitura para os
estudantes, de preferência ricos em ilustrações e com duplicatas em CDs. O professor, à
mercê das políticas neoliberais se desobriga de seu papel de incitar a reflexão, o
pensamento e a produção de conhecimento crítico (CHAUÍ, 2001).
Como avaliar e o que se avalia nesse modelo de educação? O modo como algumas
instituições de ensino mascaram os processos seletivos, através de provas simplificadas,
aprovando indistintamente a qualquer pessoa, sem critérios válidos para distingui-los
entre aqueles que estariam em parte qualificados a partir das competências mínimas para
ingressar em um curso de graduação, tudo isso revela o atual status quo do ensino superior
privado. Essa ausência de critérios universais para preencher vagas, segundo Santos
(2002) é um sinal evidente dos variados mecanismos negadores de uma ética que já não
pode estabelecer referências sensíveis e princípios efetivos para essas demandas
formuladas na atualidade.
Esses alunos, por sua vez, quando ingressam na faculdade, seguem “cegamente”
a cartilha neoliberal de um discurso que reforça o lugar do conhecimento pelo víeis de
sua aplicabilidade e função utilitarista. Destacamos a observação feita por Passone: “O
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debate sobre o Estado mínimo ou Estado (neo)liberal, que pode ser lido justamente pela
dominante do discurso capitalista na Educação, a qual aplica ao campo educacional a
lógica do mercado, essa que opõe o direito social ao serviço de bens, o Estado e o
mercado, respectivamente.” (2013, p. 410).
A relação entre aluno e professor, medida por esta perspectiva do consumo mostra
a necessidade de “[...] avaliar o modo como o sujeito que produz o conhecimento sob a
condição de aluno trabalha com o saber na atualidade. Se é realmente um produtor de
conhecimentos ou mero reprodutor do que já está aí, sem possibilidade de
questionamento.” (SANTOS, 2002, p. 101).
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Referências
CHAUI, M.S. (2001). Escritos sobre a universidade. São Paulo: Editora UNESP.
LACAN, J. (2003). Radiofonia. In. LACAN, J. Outros Escritos. Zahar, Rio de Janeiro,
p. 403-447. (Original publicado em 1970).
LACAN, J. (2008). O seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, (Original publicado em 1968-1969).
LACAN, J. (2006). Meu ensino. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Original publicado em
1967)