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Ensino superior privado segundo a lógica do mercado: escola de nível médio?

Isael de Jesus Sena1


Marcelo Ricardo Pereira2

Resumo

O processo de mercantilização do ensino superior, segundo a lógica do discurso capitalista, concebe o


conhecimento como um produto que tem uma função utilitarista e o aluno é visto como um cliente. No
Brasil, país com pouca tradição acadêmica, multiplicam-se o número de cursos superiores.
Lamentavelmente, observam-se as frágeis condições para aprendizagem dos corpos discentes, seja pela
inexperiência e até mesmo pela incompetência de corpos docentes de baixo custo financeiro. Desse modo,
somos levados a questionar se é possível tecer a crítica e fomentar o debate intelectual em níveis
fundamentais de ensino, com péssimo uso de expedientes lúdicos e gestálticos de alfabetização, às vezes,
prazerosamente mergulhados no “pão-e-circo”? Assim, lançamo-nos na (contra)corrente para qualificar o
debate sobre essa formação instrumental que se alinha aos objetivos de uma sociedade orientada pelo
modelo desenvolvimentista-tecnicista.

Palavras-chaves: Ensino Superior; Discurso Capitalista; Formação Docente; Psicanálise

Introdução
Visamos, com este trabalho, ampliar a discussão sobre o ensino superior privado
segundo a lógica do discurso capitalista e destacar seus principais impasses em jogo num
contexto de educação segundo os ditames do discurso neoliberal. O processo de
mercantilização do ensino superior nos leva a interrogar se a formação desenvolvida em
algumas instituições não passa de um ensino profissionalizante ou tecnicista, insuficiente
diante do se espera de uma formação acadêmica: senso crítico, autonomia e construção
de conhecimento. O interesse em refletir sobre essa problemática surgiu a partir da minha
experiência como docente em uma faculdade privada na qual lecionei durante cinco anos
e posteriormente se tornou objeto de estudo na pós-graduação.

As reflexões que serão aqui apresentadas são decorrentes de um breve


levantamento teórico. Não pretendemos com essa abordagem assumirmos um discurso de
vitimização dos professores, uma vez que mecanismos ideológicos, políticos e
econômicos estão jogo nesse modelo de educação proposto para responder de modo
prático as demandas corporativas exigidas pelo tecnicismo. Morais afirma: “Não estamos

1
Doutorando em Educação, em regime de cotutela internacional entre a Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e a Université Paris 8 - Vincennes -Saint-Denis - École Doctorale Pratiques et Théories du
Sens.
2
Doutor em Educação: Psicologia e Educação (USP; Paris 13). Professor associado de Psicologia,
Psicanálise e Educação do Programa de Pós-Graduação e da Faculdade de Educação da UFMG.
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autorizados a pensar qualquer instituição como existindo em si mesma e isoladamente.


As instituições existem em contextos socioculturais – destes são derivadas e os refletem.”
(2011, p. 20).

Somos favoráveis à máxima Lacan, o autor não se eximiu de afirmar que


“governar, educar e psicanalisar são desafios impossíveis” (1970/2003, p. 444).
Acrescenta-se aqui outro impossível proposto: “fazer desejar, para completar com uma
definição o que caberia ao discurso histérica” (LACAN, 1969-70/1992, p.183). Isso
significa que “a impossibilidade seria então fixada à finalidade, à falta de êxito quanto
aos objetivos. Alguma coisa vem frustrar os planos, o êxito final é aleatório” (CIFALI,
2009, p. 153). Desse modo, seguimos a orientação de Sônego, segundo o qual, “cabe ao
professor universitário deixar de buscar culpados e colocar seus conhecimentos técnico-
científicos, didáticos e filosóficos em ação, para fazer seu papel de interferir nesse ciclo
vicioso de má formação.” (2015, p.31).

Nesse sentido nos solidarizamos com Lacan quando declarou que a psicanálise,
por ser uma prática que coloca no amago do discurso do analista o amor à verdade, vem
sendo confrontada por discursos totalmente novos e acredita-se que a solução para lidar
seria não manter-se preso à ortodoxia da psicanálise. Nas palavras de Lacan: “a
permanência nas poltronas não é a melhor posição para estreitar o impossível” (1969-
70/1992, p. 184). Essa afirmação de Lacan se alinha a proposta de Pereira “os sujeitos
com os quais lidamos – professores e seus sintomas clínicos- incita-nos a esticar a corda
de nossos limites e a comunicar a muitos (e não apenas aos iguais) os achados que possam
melhorar a prática e a vida de cada um.” (2016, p.28).

De modo contundente Lacan chama a atenção para o fato de que o psicanalista


“ele é da sociedade” e acrescenta: “chegará um tempo em que se perceberá que ser
psicanalista pode ser um lugar em uma sociedade” (1967/2006, p.59). Lacan evidencia
as transformações produzidas na sociedade moderna e mostra que cumpriria ao
psicanalista não circunscrever o desejo do Outro (d de grande A) apenas na prática
psicanalítica. Desse modo reitera que “se não há consciência coletiva, talvez possamos
perceber que a função do desejo do Outro é absolutamente essencial de ser considerada,
e, especialmente em nossa época, no que refere à organização das sociedades”.

Em outras palavras, somos favoráveis ao pensamento de Lacan (1968-69/2008),


segundo o qual o campo político e econômico produz um sujeito alienado. Esse sujeito
encontra-se numa berlinda, pois não se interroga e tampouco interpela o desejo do Outro.
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Diante dos impasses contemporâneos, Lacan (1953/1998, p. 322) convoca o


psicanalista a “alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época” e reitera que
“conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra contínua de Babel, e que conheça
a sua função de intérprete na discórdia das línguas”. Posteriormente, quando formula a
produção dos discursos, Lacan mostra que “a intrusão na política só pode ser feita
reconhecendo-se que não há discurso – e não apenas o analítico – que não seja do gozo,
pelo menos quando dele se espera o trabalho da verdade”. (LACAN, 1969-70/1992, p.
82).

De modo enfático, Lacan (1967/2006, p.60) critica os psicanalistas que se


reduzem em seu hermetismo apenas aos institutos e escolas de formação, dizia que se
tratavam de “psicanalistas entocados em suas lojinhas de truques”. Frente às
metamorfoses da sociedade, a psicanálise pode responder porque ela trata “a respeito das
coisas referentes ao sujeito. Será, porém, cada vez mais útil preservá-la em meio ao
movimento sempre mais acelerado do mundo”. Lacan (1953/1998, p. 285), conclui que
“[...] a psicanálise desempenhou um papel na direção da subjetividade moderna, e não
pode sustenta-la sem ordená-la pelo movimento que na ciência o elucida”.

A psicanálise é uma prática social e, portanto, vai operar em contextos sociais e


políticos que apresentam discursos antagônicos. Por exemplo, o discurso médico, os
discursos “científicos” e filosóficos, os discursos políticos e econômicos e o discurso
psicológico (FINK, 1998). Laurent nos dá um conselho oportuno sobre a prática do
psicanalista:

Os analistas precisam entender que há comunhão de interesses entre o discurso


analítico e a democracia, e precisam entendê-lo verdadeiramente. Há que se
passar do analista reservado, crítico, a um analista que participa, a um analista
sensível às formas de segregação, a uma analista capaz de entender qual foi
sua função e que lhe corresponde agora (2007, p.143).

A mercantilização do ensino superior privado

Os dados mais recentes revelam que em 2014, havia cerca de 7,8 milhões de
alunos matriculados no ensino superior. Destes, 6,5 milhões em cursos presenciais (83%)
e 1,3 milhão em cursos EAD (17%). Porém, 75% das matrículas estão concentradas na
rede privada, ou seja, 5,9 milhões de alunos (BRASIL, 2016). Estes dados saltam aos
nossos olhos e nos leva a questionar a expansão do ensino privado, quais valores estão
em jogo e que tipo de formação vem sendo oferecida nessas instituições.
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Sabe-se que a partir dos subsídios do governo, seja através de isenção de impostos,
fomento a autonomia universitária, entre outros, constatou-se um aumento nas matrículas
de alunos nas faculdades privadas, e, ao mesmo tempo, ocorreu a expansão de diversas
Instituições de Ensino Superior (IES). Parte destas IES, orientadas pela lógica do
mercado, ou seja, visando atender aos pressupostos da ideologia do capitalismo
neoliberal, segundo o qual o conhecimento se torna uma mercadoria, transformaram-se
numa empresa de venda de formações universitárias, tornando a educação superior,
portanto, um mercado lucrativo.

É preciso considerar que o século XXI trouxe um novo contexto para a educação
superior no Brasil. Houve expansão do ensino público e privado. Isso ocorreu como
resultado de maiores índices de escolaridade básica e maior oferta de instituições de
ensino superior públicas, privadas e comunitárias. Soma-se a isso as políticas públicas de
educação, como o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que compra vagas em
instituições privadas, além das propagandas maciças que prevê a venda de formação
universitária. Tais iniciativas nos mostram que a educação vem se tornando uma grande
e lucrativa empresa (SÔNEGO, 2015). Como destaca Amaral:

Desse modo, verifica-se a acelerada privatização da educação superior no País,


seja pela expansão desenfreada das instituições de ensino superior (IES)
privadas, em especial daquelas com fins lucrativos, seja pela privatização das
próprias IES públicas, por intermédio de mecanismos que as conduzem e as
tornam submissas ao quase-mercado educacional (2003, p. 9).
A política pública de acesso à educação, através do PROUNI, pode se
problematizada por duas perspectivas: primeira, prioriza o acesso dos estudantes à
educação superior e não a sua permanência; e segunda, o governo cedeu às reivindicações
dos interesses do lobby das IES privadas. Ao contrário do que se pensava, em tom de
crítica Catani; Hey & Gilioli (2006, p.136) apontam que esta medida é controversa, trouxe
uma noção falsa de democratização do ensino, pois legitima a distinção dos estudantes
por camada social de acordo com o acesso aos diferentes tipos de instituições (prioridade
para a inserção precária dos pobres no espaço privado), ou seja, contribui para a
manutenção da estratificação social existente.
Além da expansão do ensino superior e sua relação com os fins lucrativos, destaca-
se, neste contexto, que pessoas oriundas de classe social popular passaram a ter acesso ao
ensino superior através de políticas educacionais e docentes com qualificações mínimas
passaram a lecionar nas faculdades (SÔNEGO, 2015). Esse modelo de educação tem “a
finalidade primordial de fornecer aos seus ‘consumidores’ as destrezas necessárias ao
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ingresso (ou, não, raro, reingresso) no mundo do trabalho, de preferência naquelas


ocupações atualmente mais valorizadas pelo mercado” (MARTINS, 2008, p. 736).
Essa compreensão reduzida de uma formação para atender aos interesses do
mercado de trabalho, acatando a formação específica para desempenhar determinada
tarefa, vai exigir investimento, uma vez que o que entra em jogo são as relações mercantis,
que visam através da educação retornos mais rentáveis. Trata-se de um projeto de
formação corporativa ou técnica para um mundo corporativo e tecnificado (MARTINS,
2008).
Esse cenário está associado as mudanças introduzidas na sociedade moderna,
como resultado da mundialização do capital e pela tendência à uniformidade, têm
produzido mudanças e consequências. Esses fatos, associados ao processo de
democratização do ensino, ao longo do século XX, trouxeram também algumas
implicações nesse campo educacional (SERAFIM, 2011).
Como consequência dessas mudanças econômicas a educação superior passou por
um período de redefinição das suas funções. Observa-se que a transferência da educação
como campo da esfera política para a esfera de mercado, ou seja, a conversão da
universidade como instituição para a universidade como organização tem sido a tônica
do discurso neoliberal vigente. Nesse modelo econômico critica-se à gestão educacional
como política de Estado e remete à necessidade de sua despolitização e privatização
(MARTINS, 2008).

Essa mudança de paradigma da universidade e sua função social transformará suas


características segundo os ideais da lógica do mercado, desse modo, tenderá a seguir os
conceitos como excelência seletiva – visa a meritocracia; performatividade – desempenho
associado aos ímpetos econômicos, sociais e políticos; e vocacionalismo – conhecimento
que visa responder as demandas dos projetos de industrialização (SÔNEGO, 2015).
O campo educacional, ao seguir os ditames da ideologia neoliberal, inspira-se
numa justificação moral na crença já antiga nos direitos, nos interesses e na felicidade do
indivíduo. E, como base nesta justificação pragmática, na crença no ideal de um mercado,
que ela espera ser espontaneamente ordenado (CATHELINEAU, 1997).
Com a introdução do discurso do capitalista, Lacan nos mostra que essa autoridade
dominante no Mestre feudal passa para baixo [$/S1] e toma o lugar da verdade escondida
que os enfrentamentos sociais entre o novo Sujeito-mestre e seus subalternos virão às
vezes revelar (LACAN, 1972). Se na sua origem o discurso do capitalista guarda uma
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implicação com o discurso do mestre, esse por sua vez, tem a ver com tudo o que
transcorreu como sendo relacionado ao escravo e que mais tarde veio a ser o proletário
(LACAN, 1969-70/1992).

Percebemos a partir do discurso capitalista que o capital humano passa a agenciar


o lugar e o poder do mestre. Nestes termos, o capital ocupa o lugar do [S1] “domina todas
as esferas da vida, invadindo e controlando tudo, sendo o agente, o sujeito dividido, que
surge como capital humano, como sujeito do discurso capitalista, por fazer produzir e
consumir” (PASSONE, 2013, p. 419).
Esse discurso desencadeia no sujeito o desejo de consumir e ao mesmo tempo o
empenha a produzir novos objetos para serem consumidos. Seguindo esta lógica, Passone
(2013) mostra que a inscrição do discurso do capitalismo na Educação se traveste como
discurso real de novas oportunidades, individuais e sociais. Nessa perspectiva, há
possibilidades de um gozo melhor no futuro, desde que o sujeito siga a cartilha. Sendo
assim, a educação produz “material humano” para a sociedade capitalista.
Os professores, orientados por este discurso “torna-se aquilo que consome: uma
coisa, um objeto, um gadget. Ele se objetifica e se torna o senhor de si mesmo,
individualizado, não submetido a nada” (PEREIRA, 2016, p. 195), uma vez que o
discurso capitalista não possibilita a constituição de laços sociais, ao contrário dos demais
discursos (mestre, universidade, histérica e do analista).
Nesse contexto, a contrarreforma universitária, no cenário das mudanças
introduzidas na Educação, tem sido apontada como um elemento crítico porque trouxe
novos dilemas econômicos, políticos e educacionais. “A relação professor-aluno passa a
sofrer a interferência do componente mercadológico, no qual o professor oferece a sua
mercadoria, que é o conhecimento e o aluno se torna o cliente” (SÔNEGO, 2015, p. 31).
A relação professor-aluno atravessada pelos interesses mercadológicos revela
uma face do discurso capitalista. Uma faceta do discurso do capitalista e se expressa do
seguinte modo: o instante em que o sujeito [$], agente do discurso, através da
intermediação do saber [S2] vai comandar o mais-gozar (a), no lugar da produção. Essa
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mudança tem consequências, pois com o poder de gozo que o objeto adquire como mais-
gozar, ele passa a interferir sobre o sujeito (SOUZA, 2003). Neste caso, o objeto de gozo
seria o conhecimento – informação, que se torna um objeto fetiche em forma de diploma.
Lembremos que Marx nos mostrou que o fetichismo “[...] se cola aos produtos do trabalho
tão logo eles são produzidos como mercadorias e que, por isso, é inseparável da produção
de mercadorias.” (1962/2013, p. 148).

O que parece estar subjacente a esta visão de uma certa circularidade completa,
no discurso do capitalista, encontra o seu fundamento na doutrina liberal, segundo a qual
preza-se pela

[...] liberdade individual que faz o Sujeito o mestre absoluto de suas escolhas.
As concepções do bem a ser perseguido sendo consequentemente relativas a
cada Sujeito, daí resulta que toda definição comum do bem está excluída e que
os indivíduos não podem se entender senão no que diz respeito a uma
organização da sociedade que lhes garanta simplesmente o poder de perseguir
sua própria felicidade. (CATHELINEAU, 1997, p. 93).
É nesse contexto de uma Educação utilitarista que nos deparamos também com a
desautorização do mestre. Esse último passou a ser objeto de questionamento, uma vez
que sofreu considerável desgaste intelectual, social, cultural e econômico (PEREIRA,
2016). Alguns autores são críticos nesse aspecto e chegam mesmo a aventar que na
sociedade cujas relações de produção tendem a transformar tudo e todos em mercadorias
vendáveis, nem mesmo a esfera do espírito consegue se safar (MORAIS, 2011; SANTOS,
2002; MARTINS, 2008).

A ideologia da sociedade de consumo busca criar um capital humano que


corresponda aos interesses do mercado e Lajonquière (2011) vai apontar que o professor
encontra-se nessa berlinda, ou seja, depara-se diante da paixão instrumental que toma
conta dos tempos contemporâneos e de modo complexo implica no campo educacional.
Pereira constata que o ato de educar, do mestre pós-moderno, declina no contexto do
discurso capitalista: “Não há laço social, nem pedagógico suficientes, pois o docente
tenderá a se objetificar ao se emparelhar aos objetos que consome.” (2016, p.195).
Uma questão insiste para nós: Que preço o mestre da atualidade está disposto a
pagar para pôr-se à prova em sua posição provisória? Diante desse atual cenário, estamos
de acordo com o fato de que “quaisquer que sejam as circunstâncias históricas, nunca
devemos ceder nem ao procedimento do silêncio nem à aceitação da arbitrariedade legal”
(ROUDINESCO, 2005, p.9). Desse debate, a Psicanálise não pode abster-se: “Somente
opinando sobre as coisas, sobre determinadas transformações técnico-científicas dos
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ideais e do novo aparato social que se produz, só assim chegaremos a ter influência.”
(LAURENT, 2007, p. 148).
Duas questões para as quais insistimos em apontar, diante de um horizonte
sombrio: É possível a trégua numa profissão (educação) inserida no rol de impossível?
De quais méritos e honra dispõe o professor nesse modelo universitário utilitarista?
Sônego (2015) vai destacar que a nova ordem é o conhecimento como produto. A
universidade se vê compelida a adaptar-se à lógica do mercado, ou seja, a sua missão
institucional está submetida aos ideais do mercado. Um contexto educacional onde a
quantidade é preferida em relação à qualidade.
Outra face desse modelo de formação é destacada por Santos (2002), que por sua
vez, revela que nesse contexto de ensino, constatamos de um lado, aquele que manda
(aluno), e de outro, a aparência de quem obedece (professor). Parece escorrer dos lábios
do autor a singela pergunta: existe legitimidade nos gestos de quem manda? E por quem
obedece deve ser servil em sua obediência?
O mestre na atualidade está “a ponto de perder até o mínimo de crítica que até
então lhe dava sustentação e lhe garantia uma sobrevivência no nível da experiência
intelectual necessária para estar atento aos rumores do tempo, como também às ameaças
dos acontecimentos.” (SANTOS, 2002, p.102).
A respeito do conhecimento, este se torna uma mercadoria de acordo com a lógica
capitalista, e como mercadoria estará disponível para todos. Ao se submeterem a essa
lógica de “mercado”, as faculdades privadas dão ênfase muito mais ao conhecimento
como um “objeto de consumo”, em detrimento de seu valor cultural e da formação de
profissionais com senso crítico (SÔNEGO, 2015; CHAUÍ, 2001).
Por um lado, cabe ao professor assumir a tarefa medíocre de apenas repassar o
conhecimento para atender a uma formação utilitarista. Por outro, isso não ocorre sem
consequências, os alunos apenas vão reproduzir o conhecimento nas provas (CHAUÍ,
2001). Seguindo este raciocínio, o professor, portanto, não é mais considerado como o
detentor respeitável de um saber-fazer, mas verdadeiramente como “o homem-
mercadoria”, bom para qualquer trabalho, cujo saber produzido permitirá precisamente
ao discurso capitalista ter um pouco mais de lucro (CATHELINEAU,1997).
Há argumentos que apontam para a precarização das condições e dos contratos de
trabalho do professor. Acentua-se que a perda do prestígio da docência tem levado o
professor a submeter-se a uma roda-vida, ou seja, um incessante “correr atrás” à procura
de sua subsistência (LÊDA, 2006). E, se só resta ao sujeito a desventura de uma busca
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pelo “ganha pão”, não lhe restará lugar para ser interrogar sobre a docência, sobre si
mesmo e a educação como prática social e histórica. Nesse contexto, Bianchetti & Zuin
(2012) assinalam, o professor perde a crítica que antes lhe sustentava e se submete aos
ditames do capital, cujo individualismo, competição e a acentuada busca pelo
produtivismo acadêmico ressoam como armadilhas para o mestre diante desta nova
cartografia do ensino superior privado.

Um tipo de ensino para um tipo de “classe” de alunos

Os discursos, sobre a formação profissional que se dá no ensino superior privado,


seguindo a lógica do mercado, tem gerado polêmica que merece aqui ser abordada em
sua dimensão crítica e ética. A primeira questão que nos interessa visa interrogar: o que
se pretende com uma educação orientada por um discurso hegemônico calcado num
modelo neoliberal? Quais valores e ideais estão em cena?

Amaral nos ajuda a esclarecer o que está em jogo nesse modelo: “a passividade
do estudante e ação unidirecional por parte dos professores – que centram o ensino na
informação, na memorização, no conformismo e na homogeneidade, e não na crítica, na
inovação e na criatividade” (2003, p. 12).

Considerando as especificidades do contexto sócio econômico e político, Morais


constata que há alguns impasses que precisam ser esclarecidos nessa atual configuração
da educação. Ainda segundo o autor, “[...] os docentes começam por serem ‘vítimas’ de
numerosas e negativas forças macro e microssociais, sob pressões do pragmatismo
consumista.” (2011, p. 97).

Estamos aqui diante de dois desafios. Primeiro, quando se critica a passividade do


estudante e, segundo, o lugar do professor nessa atual conjuntura, sua função social,
histórica e sua posição ética em relação a esses acontecimentos que afetam diretamente a
transmissão do conhecimento. Morais não visa poupar a sua crítica ao professor e nos
dirá: “O docente pode ser também culpado porque encena realizar um sério trabalho,
embora não passe de um dissimulado que não quer nada de construtivo, assim como pode
ser culpado de autoritarismo ou descaso para com sua própria competência” (2011, p. 97).
Esta última, em alguns momentos, pode ser mascarada, destaca o autor.

É preciso considerar outros elementos em jogo, pois se trata de uma armadilha da


modernidade, o sujeito está diante da inconsciência, descomprometimento e indiferença
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com os seus pares. Seguindo essa lógica instrumental, a docência é entendida como
transmissão rápida de conhecimentos, consignados em manuais de fácil leitura para os
estudantes, de preferência ricos em ilustrações e com duplicatas em CDs. O professor, à
mercê das políticas neoliberais se desobriga de seu papel de incitar a reflexão, o
pensamento e a produção de conhecimento crítico (CHAUÍ, 2001).

A literatura tende a deslocar para o lado do aluno, divagando sobre as suas


incompetências e fragilidades em sua formação na educação básica, como aspectos que
fragilizam a sua formação profissional, além de suas incivilidades e pobreza social e
cultural, como fatores que afetam diretamente o processo de ensino e aprendizagem. Tais
argumentos como “alunos advindos de classes sociais até então não privilegiadas pelo
ensino superior” (SÔNEGO, 2015) e que passam a partir de agora assumir os bancos das
faculdades, assim como a “ausência de critérios universais para preencher vagas”
(SANTOS, 2002), além do “pragmatismo do conhecimento” (VOLTOLINI, 2012), são
indícios de que público se trata quando se coloca em discussão e reflexão sobre a
formação de uma parte daqueles que ocupam os assentos universitários na atualidade.

Os professores universitários se veem frente a um novo contexto educacional,


formado por alunos advindos de classes sociais até então não privilegiadas pelo ensino
superior. Turmas de alunos com baixo desempenho acadêmico identificam o resultado de
um ensino médio de má qualidade, no qual esses alunos não aprenderam o que os
professores universitários consideram como referenciais básicos para a construção de
novos conhecimentos na graduação (SÔNEGO, 2015).

Como avaliar e o que se avalia nesse modelo de educação? O modo como algumas
instituições de ensino mascaram os processos seletivos, através de provas simplificadas,
aprovando indistintamente a qualquer pessoa, sem critérios válidos para distingui-los
entre aqueles que estariam em parte qualificados a partir das competências mínimas para
ingressar em um curso de graduação, tudo isso revela o atual status quo do ensino superior
privado. Essa ausência de critérios universais para preencher vagas, segundo Santos
(2002) é um sinal evidente dos variados mecanismos negadores de uma ética que já não
pode estabelecer referências sensíveis e princípios efetivos para essas demandas
formuladas na atualidade.

Esses alunos, por sua vez, quando ingressam na faculdade, seguem “cegamente”
a cartilha neoliberal de um discurso que reforça o lugar do conhecimento pelo víeis de
sua aplicabilidade e função utilitarista. Destacamos a observação feita por Passone: “O
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debate sobre o Estado mínimo ou Estado (neo)liberal, que pode ser lido justamente pela
dominante do discurso capitalista na Educação, a qual aplica ao campo educacional a
lógica do mercado, essa que opõe o direito social ao serviço de bens, o Estado e o
mercado, respectivamente.” (2013, p. 410).

Neste contexto, nos deparamos diante de uma contradição da universidade, na


qual o peso da quantidade tem mais força do que a qualidade. Ao pensar a universidade
como parte de um contexto social, nos deparamos diante de um paradoxo, pois “[...] como
mercadoria vendida para uma clientela indistinta, ela já se descaracteriza como centro
produtor de conhecimentos marcados pela ideia de universalidade.” (SANTOS, 2002, p.
101).

Professores e alunos se veem em um tipo de formação na qual se preza pela


utilidade do conhecimento e que este deve responder ao mesmo tempo às demandas do
mercado. Nessa direção, Voltolini vai apontar que nos deparamos frente a falta de senti-
do do conhecimento, “[...] que não se restringe ao universo dos alunos, mas atinge
também os professores que têm, cada vez mais, dificuldade de justificar e defender, para
além da sua própria valorização particular, o valor de certos conteúdos.” (2012, p. 107).
Em outras palavras, esse pragmatismo visa responder à dinâmica do mercado, do valor
de troca e da circulação de saberes úteis à maquinaria que move os interesses financeiros,
conclui o autor.

Nessa conjuntura, de uma educação voltada a atender aos ideais do mercado,


segundo a lógica da mercantilização do ensino superior, alguns docentes, frente a essa
dura realidade de seu público de estudantes, se veem numa relação aluno e professor,
intermediada pelo pagamento das mensalidades, que diretamente exerce uma influência
significativa. Sobre este fato, Santos constatou o seguinte: “No caso das universidades
particulares, a questão do pagamento tem gerado uma situação nova, pois o sujeito do
conhecimento, que é o estudante, pelo fato de pagar para estudar, se colocar na condição
de quem manda, na condição de cliente e consumidor” (2002, p. 101).

A relação entre aluno e professor, medida por esta perspectiva do consumo mostra
a necessidade de “[...] avaliar o modo como o sujeito que produz o conhecimento sob a
condição de aluno trabalha com o saber na atualidade. Se é realmente um produtor de
conhecimentos ou mero reprodutor do que já está aí, sem possibilidade de
questionamento.” (SANTOS, 2002, p. 101).
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Em nosso entendimento, no atual modelo de educação superior privado, orientado


por finalidades lucrativas, tem sido quase “impossível” tecer a crítica e fomentar o debate
intelectual dada as circunstâncias concretas de superlotação nas salas, precária formação
básica dos estudantes, cujas habilidades e competências mínimas para a aprendizagem
são questionáveis, tudo isso somado a obstáculos de níveis fundamentais de ensino. É
neste sentido que Chauí nos dá uma visão mais realista e pessimista, desse modelo de
formação:

Essa universidade não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem de


sentido, densidade e mistério, destrói a curiosidade e a admiração que levam
à descoberta do novo, anula toda pretensão de transformação histórica como
ação consciente dos seres humanos em condições materialmente
determinadas. (CHAUÍ, 2001, p. 193).
A perda pela curiosidade e a ausência de pensamento crítico na formação
acadêmica desse novo público, parece evidenciar a compreensão equivocada de educação
como mercadoria. Soczek e Alencastro criticam: “O ensino, principalmente o superior,
não pode estar limitado a uma ótica mercantilista baseada na reprodução material e/ou na
reprodução ideológica acrítica da sociedade.” (2012, p. 52).

Vale destacar que em uma sociedade capitalista, alunos e professores “medianos”


estão submetidos a uma mesma lógica na qual inevitavelmente, todos são comparados ao
“escravo”, como conclui criticamente Vanier:

Para Lacan, diferentemente de Marx, estamos em uma sociedade de escravos,


todos do mesmo lado da máquina da produção capitalista. Todos renunciamos
ao gozo, condição da entrada no laço social; mas somos todos apanhados na
promessa, reafirmada com insistência, de uma possibilidade de recuperação
desse gozo perdido oferecida pelo consumo que será democraticamente
repartido entre todos. (2002, p. 208).

Referências

AMARAL, N.C. (2003). Financiamento da Educação Superior – Estado x Mercado.


São Paulo: Editora Cortez, 2003.
BIANCHETTI, L.; ZUIN, A. A. S.(2012). O intelectual universitário e seu trabalho em
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