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MODELO DE ANÁLISE CÉNICA

CENA DO FIDALGO
«Quem semeia ventos, colhe tempestades»

Naturalmente, a figura do fidalgo pobre e presunçoso,


de cujo estado, incompatível com as diminutas rendas, se
queixavam a D. João III os procuradores dos povos nas
cortes de 1525, deveria ser a que as classes trabalhadoras
consideravam mais antipática e perniciosa (danosa,
nefasta) dentro da constituição social.
Óscar Pratt – Gil Vicente, Notas e Comentários, 2.ª Ed., 1970, pág. 270
Clientela do rei, são quem tem mais facilidade em
obter dele tenças, rendas, ofícios, associações em negócio
do ultramar, que são excelentes ocasiões de enriquecer. É
durante o século XV que se constroem os primeiros
grandes palácios de famílias fidalgas. (…)
Multiplicam-se cargos, dignidades e ofícios mantidos
pelo estado. A nobreza aumenta muito em número e em
rendimento consumido, mas esse crescimento deixa de
constituir um desafio para o poder do rei. É uma nobreza
cortesã, funcionária e dependente.
José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal

Gil Vicente apresenta o Fidalgo com toda a sua vaidade e


presunção, ricamente vestido e seguido por um pajem que
lhe segurava a cauda do manto e lhe transportava uma
cadeira de espaldas. Habituado a gozar de condições
especiais, o Fidalgo nem sequer pensa que poderá ir para
o Inferno. Assim, para justificar o seu direito a entrar na
barca da Glória, apresenta apenas ao Anjo como único
argumento de defesa o seu título de nobre, a sua condição
social. A sua altivez e arrogância levam-no a exigir que
todos o tratem por «Vossa Senhoria», de acordo com os
pergaminhos nobiliárquicos. Porém, quando este foi
condenado e humilhado, fica tão abatido e deprimido que,
quando o Onzeneiro o trata por «Vossa Senhoria», este
tem uma reação violenta
Gil Vicente denuncia aspetos negativos da sociedade
do seu tempo. O dramaturgo não condena o Fidalgo em
particular, mas condena todos os seus antepassados, isto
verifica-se quando o Diabo informa o Fidalgo que o pai
dele, um nobre, também tinha ido parar ao Inferno. O autor
generaliza e condena a Nobreza como classe social.
O Pajem não entra, pois este não representa uma
classe social, não é uma alma, mas é um elemento
caracterizador e distintivo que põe em destaque a categoria
social do seu amo. O pajem tem uma função simbólica,
porque representa o povo que é uma vítima da opressão e
da exploração da Nobreza. Este funciona como «prova
judicial» que ajuda à condenação do Fidalgo.
Sabes o que significa fidalgo?

Semanticamente, fidalgo (inicialmente significa


infanção(arcaísmo) para passar a significar nobre) é um
indivíduo que tem títulos de nobreza; em sentido popular e
pejorativo é um indivíduo que vive sem trabalhar e que
anda bem vestido.

Morfologicamente, fidalgo é uma palavra que resulta de


composição morfossintática – "filho de algo" (alguém
importante). filho de algo > fidalgo
Evolução fonética: filho de algo>fidoalgo>fidalgo;

Síntese da cena do Fidalgo


Chega D. Anrique, um fidalgo de solar, acompanhado
de um Paje que lhe carrega uma cadeira e segura na
cauda do manto. Acusado pelo Diabo, procura a Barca da
Glória, mas o Anjo não o acolhe devido aos seus pecados,
acabando resignado por embarcar na Barca do Inferno.

Contexto Social
A nobreza vivia num plano inferior à grande parte da
burguesia mercante e vivia com problemas económicos.
Explorava os trabalhadores e não lhes pagava. Elogiava o
rei.

O Fidalgo (D. Anrique)


Personagem-tipo: representa a nobreza.
O Fidalgo é o primeiro a entrar em cena porque Gil Vicente
criticava os mais poderosos. Todos os elementos cénicos
ajudam a representar o estatuto social da personagem e a
materialização dos seus pecados.
Elementos cénicos caracterizadores: pajem “Paje”,
cadeira de espaldar, “cadeira d’espaldas” e manto “rabo
mui comprido”. Todos os elementos cénicos representam o
estatuto social de Fidalgo/nobre e a materialização dos
seus pecados.
O manto é a representação da sua vaidade, riqueza e
ostentação pela condição social que tem; o pajema)
representando todos aqueles que o servem e sobre os
quais ele exerce a sua tirania e a sua opressão e a cadeira
representando, por um lado, os bens materiais, a falsa
vivência religiosa e, por outro, o poder.

Nota: a) Função do Pajem – figurante/Vítima da tirania e da exploração do


Fidalgo.
O criado ou pajem que acompanha o Fidalgo não entra em nenhuma das
barcas. Porquê? Evidentemente que não representa ali um tipo, uma alma de
um defunto, mas um simples elemento caracterizador e distintivo, tratado a
nível de objeto, que o dramaturgo risca do palco assim que deixa de ser
necessário. Mas a sua função simbólica é deveras importante na medida em
que representa um elemento do povo, a principal vítima de opressão da
nobreza que, manifestamente, não poderia acompanhar o Fidalgo na sua
viagem para o Inferno.

Percurso Cénico/Movimentação em cena: Esta


personagem começa por parar no cais, dirige-se junto à
barca do Diabo, depois dirige-se à barca do Anjo e,
finalmente, regressa à barca do Diabo e embarca.
(C-BI-BG-BI-E)

1.º foi à barca do Inferno onde o diabo lhe explica para


onde vai a barca, falando sempre num tom irónico.

2.º dirige-se à barca do Paraíso para tentar a sua sorte,


mas o Anjo acusa-o de tirania e diz-lhe que de maneira
nenhuma pode entrar ali.

3.º O Fidalgo volta à Barca do Inferno e o Diabo explica-lhe


todos os seus pecados, fazendo com que ele fique muito
triste e arrependido.

Caracterização da personagem - Evolução psicológica

O Fidalgo muda o seu estado de espírito de acordo com a


evolução do seu julgamento.
No início da cena, o Fidalgo está muito altivo,
descontraído e seguro/confiante de que irá para o
Paraíso, falando com o Diabo num tom arrogante, de
gozo e desrespeito “Pera lá vai a senhora” (V.30) /
“Parece-me isso cortiço…” (V. 32). O Diabo sabe que ele
está condenado e que vai embarcar. Por isso mesmo
ironiza, tratando-o por “precioso dom Anrique” e fingindo
surpresa por o ver na sua presença. Esta atitude revela
o desprezo que o Diabo tem por esta figura.
Depois, quando se afasta da barca do Diabo, continua
arrogante, mas começa a revelar preocupação e, ao
mesmo tempo, irritação, pois chama e ninguém lhe
responde “Par Deos, aviado estou! (…) Cuidam que sou
grou?”.
Quando começa a falar com o Anjo, muda de tom e de
atitude e,por breves momentos, mostra respeito e boa
educação,”Que me digais,/Pois parti tão sem aviso” (VV.
76,77); “Não sei que haveis por mal/que entre a minha
senhoria…” (VV. 86,87), tentando recuperar a sua
segurança.
Quando percebe, a dado momento da conversa com o
Anjo, que não lhe é permitido entrar na barca do
paraíso,”Pera vossa fantesia/mui estreita é esta barca”
(VV.88,89), reage violentamente e dá-lhe ordens (frases
do tipo imperativo) para o embarcar de imediato, “venha a
prancha e o atavio!/Levai-me desta ribeira!” (VV. 92,93).
O Anjo recusa a sua entrada e o Fidalgo mostra-se
desanimado e um pouco arrependido por ter confiado no
seu “estado”.
Perto do final da cena, chega a mostrar-se humilde
perante o Diabo e implora-lhe que o deixe regressar à
Terra, demonstrando a sua ingenuidade a respeito da
infidelidade da amante e da mulher.
Na sequência da atitude anterior, é humilhado pelo Diabo
que usa o sarcasmo para o ridicularizar, “Ó namorado
sandeu/o maior que nunca vi” (VV. 134, 135) .
O Fidalgo dá-se por vencido e, finalmente, mostra-se
resignado com o seu destino final e embarca-aceita a sua
condenação ao Inferno, “Entremos pois que assi é” (V.
162).

Em síntese – o estado psicológico do Fidalgo vai sofrendo


alterações ao longo da cena, de acordo com a evolução do
seu julgamento.
Altivez/arrogância (VV. 30,32,36,73 e 74, 83 e 84)
Arrependimento (VV. 112 a 119)
Humilhação (VV. 94 a 99/105 a 107/122 a 126/ 134 e 135)
Resignação (VV. 162)

Caracterização social e psicológica do Fidalgo


- Nobre (fidalgo de solar).
- Altivo (apresenta-se como alguém importante).
- Vaidoso, presunçoso do seu estado social (o seu longo
manto e o criado que carrega a cadeira representam bem a
sua vaidade e ostentação).
- Tirano, déspota, opressor (exerce tirania sobre todos
aqueles que o servem).
- Arrogante (a forma como reage perante o Diabo e o Anjo
revelam a atitude de quem está habituado a mandar em
todos e a ter tudo).
- Trocista (despreza a barca do Diabo chamando-lhe
“cortiço”).
- Ingénuo (pensava que se salvaria à custa das rezas, má
consciência religiosa, e devido à sua condição social).
- Triste (conclui que não vai entrar na barca do Anjo e
desculpa-se de não ter conhecimento de que se estava a
perder).
- Infiel (traía a sua esposa com uma amante).
- Resignado (aceita finalmente as acusações do Anjo e do
Diabo).
- Desgraçado (por estar ditada a sua sentença e ser
condenado ao Inferno).
ARGUMENTOS
Percurso do julgamento/Argumentação
O Fidalgo defende-se O Diabo acusa/condena
*Parece-me isso cortiço… *E também cá zombais?
*Que leixo na outra * E tu viveste a teu prazer,
1.º Momento: frente ao Diabo
vida/quem reze sempre * do que vós vos contentastes.
por mi.
*Que sinal foi esse tal?
2.º Momento: frente ao Anjo *pois parti tão sem aviso, *Não se embarca tirania
*Sou fidalgo de solar, *Pera vossa fantesia mui
Que entr’a minha estreita é esta barca.
senhoria… *Não vindes vós de maneira/
(…) e todo o vosso senhorio
(VV. 94 a 105)

De defesa do Fidalgo De acusação do Diabo


ARGUMENTOS

De natureza religiosa:
A prática de uma falsa religião
De natureza religiosa: e os pecados que cometeu.
*Que leixo na outra vida/quem reze sempre por mi. De natureza social:
*pois parti tão sem aviso, Vida imoral de prazeres e a
classe social a que pertence
De natureza social: (passado genealógico).
*Sou fidalgo de solar, De acusação do Anjo
Que entr’a minha senhoria… De natureza social:
A tirania e o desprezo pelo
povo e a vaidade.
SENTENÇA

O Fidalgo reconhece a condenação O Diabo orienta o condenado


*Venha essa prancha! Veremos esta * Tomares um par de remos… e,
barca de tristura. chegando ao nosso cais, todos bem vos
serviremos.

Desejos do condenado Troça do acusador - Diabo


*…tornarei à outra vida *Que se quer matar por ti?
Ver minha dama querida *Ó namorado sandeu…
Que se quer matar por mi. *Pois estando tu espirando,
*Dá-me licença, te peço se estava ela requebrando
Que vá ver minha mulher. com outro de menos preço.
FIM
*Entremos, poi que assi é. *Ora senhor, descansai,
*Ó barca como és ardente! passeai e suspirai.
*Maldito quem em ti vai! *Entanto vinrá mais gente.

A INTENÇÃO CRÍTICA DA CENA


Gil Vicente segue a máxima latina ridendo castigat mores
(“a rir, castigam-se os costumes”) e, por isso, a sua obra
denuncia os defeitos da sociedade do seu tempo, como se
vê no quadro que se segue:

FAMÍLIA SOCIEDADEb) NOBREZAc)


Corrupção moral: Denúncia do perfil da Vaidade, presunção e
infidelidade do Fidalgo, da mulher da corte: as poder corrupto da classe
esposa e da amante. mulheres eram falsas, (vida de luxúria).
fingidas, mentirosas, infiéis Tirania e exploração dos
e hipócritas. mais pobres.
Hipocrisia das crenças e
práticas religiosas
(pensavam que bastava
rezar e ir à missa para ir
para o Céu - má consciência
religiosa).

Nota: b)Crítica às mulheres da corte


Para demonstrar que ele vivera a seu prazer, Gil Vicente analisa a
vida sentimental do Fidalgo, repartida entre duas mulheres: a
esposa e a amante. Mas o que o Fidalgo não sabia e o que o
dramaturgo denuncia, para caracterizar melhor a sociedade do seu
tempo, é que tanto uma como a outra lhe eram infiéis e tinha cada
uma delas o seu amante. Não se trata, portanto, de um pormenor
secundário mas de um elemento essencial para a caracterização do
tipo e da sociedade em que estava inserido.

Nota: c)Crítica à nobreza


A nobreza vivia num plano inferior à grande burguesia mercante,
era uma nobreza que vivia com problemas económicos e sociais.
Vivia alardeando riquezas, explorando o trabalho dos servidores e
desprezando-os, prometendo muito mas não dando nada. A
nobreza naquela época gravitava em torno do rei, enchendo-o de
elogios. Os escudeiros levavam uma vida parasitária e
empobreciam a olhos vistos, não tendo meio de sustentar os seus
pajes.
A luxúria (do latim luxuriae) é o desejo passional instintivo
por todo o prazer sensual e erótico. Também pode ser
entendido em seu sentido original: “deixar-se dominar pelas
paixões”.
O CÓMICO – objetivo: criticar, moralizar e divertir
Gil Vicente pretende, também, divertir o público e sabe,
como ninguém, tirar partido dos diversos cómicos, como se
exemplifica:

Cómico de O discurso e o próprio vocabulário que o


linguagem compõe provocam o riso (ligado à ironia e aos
registos de língua).

-Ó poderoso dom Anrique.


-Pera lá vai a senhora?
-Senhor, a vosso serviço.
- Parece-me isso cortiço…
-Que jiricocins, salvanor!
Cuidam que sou eu grou?
-Vós irês mais espaçoso
Com fumosa senhoria.
Cómico de A maneira de ser e de se apresentar da personagem
carácter causam o riso (traços do seu caráter (ingenuidade)).

- Parece-me isso cortiço…


-Porque a vedes lá de fora.
-Terra é bem sem sabor.
-Quê? E também cá zombais?
-E passageiros achais/pera tal embarcação?
-Tornarei à outra vida/ver minha dama querida/que se
quer matar por mi.
-Dá-me licença ,te peço,/que vá ver minha mulher
– Que me leixês embarcar.
Sou fidalgo de solar,
é bem que me recolhais." (vv. 79-81)
-Inferno há i pera mi? (…)
-Ó triste! Enquanto vivi/não cuidei que o i havia/folgava
ser adorado/confiei em meu estado.
Cómico de As circunstâncias que envolvem a personagem fazem
situação rir (o Fidalgo passa de uma atitude de prepotência à
humilhação).

- Que leixo na outra vida


Quem reze sempre por mi.
-Ao inferno todavia!
Inferno há i pera mi?
-Tornarei à outra vida
Ver minha dama querida
Cómico de Que se quer matar por mi.
situação -Dá-me licença te peço
Que vá ver minha mulher.

DIABO- Ela por não te ver/despenhar-se-á de um


cabeço.
– Quem reze sempre por ti?..
Hi hi hi hi hi hi hi hi!..." (vv. 43-46)

Ironia A ironia é também um recurso estilístico muito usado


por Gil Vicente para provocar o riso. Consiste em
exprimir o contrário daquilo que se pensa ou sente. A
ironia é utilizada para zombar de alguém, assim como
para censurar, ridicularizar ou humilhar. Serve para criar
o cómico de linguagem.

"DIABO – À barca, à barca, bõa gente" (v. 176)

Os passageiros da barca do Diabo não são boas


pessoas, vão para o Inferno, se fossem iam na barca
do Anjo para o Céu.
"DIABO – Embarqu´a a vossa doçura,
que cá nos entenderemos..." (v. 122)

Com toda a certeza que o Diabo não considerava o


Fidalgo uma doçura, um amor de pessoa.
*Ó poderoso dom Anrique.
*Parece-me isso cortiço!
*Vejo-vos eu de feição/pera ir ao nosso cais.
*Quem reze sempre por ti!
*Segundo lá escolhestes, assi cá vos contentai.
*Todos bem vos serviremos.

Nota: Estes são alguns dos exemplos mais representativos, não dispensa a
consulta e o estudo das fichas/apontamentos registados durante as aulas.

A LINGUAGEM
Gil Vicente mistura, sabiamente, os vários níveis de língua e aproveita as
capacidades expressivas da língua:
Níveis de língua Recursos expressivos
Registo Corrente Eufemismo:
*Vai pera a ilha perdida
Corresponde à norma, à língua- *pera ir ao nosso cais
padrão, utilizado e compreendido *Pois parti tão sem aviso
pela maioria dos falantes. É *Veremos esta barca de tristura
caracterizado pelo uso de
palavras, expressões e Metáfora:
construções gramaticais simples. *Oh! Que maré tão de prata
*Ó barca, como és ardente
"FIDALGO – Porém, a que
terra passais? Antítese:
DIABO – Pera o Inferno, senhor. *Vai ou vem embarcai prestes!
FIDALGO – Terra é bem sem- *Achar-vos-ês tanto
sabor." (vv. 33-35) menos/quanto mais fostes
Registo Cuidado fumoso.
*Segundo lá escolhestes,/assi cá
Raramente é utilizado na vos contentai.
oralidade, exceto em discursos
políticos, sermões, conferências, Anáfora:
entre outros acontecimentos E o rabo caberá/
solenes. Caracteriza-se pelo E todo vosso senhorio
emprego de um vocabulário mais
rebuscado e de construções Repetição:
gramaticais mais complexas e *Quê? Quê? Quê?
elaboradas do que as da *Entrai! Entrai! Entrai!
linguagem corrente. *À barca, à barca…
"ANJO – Vós irês mais *Chegar a ela! Chegar a ela!
espaçoso com fumosa senhoria"
(vv. 98-99)

Registo Popular

Caracteriza-se por frequentes


desvios da norma, tanto ao nível
do vocabulário como da sintaxe.
O vocabulário inclui muitas vezes
provérbios e regionalismos. É
utilizado pelas pessoas menos
alfabetizadas.
"FIDALGO – Par Deos,
aviado estou!
Cant´a isto é já pior...
Que jiricocins, salvanor !" (vv. 70-
72)
Nota: Estes são alguns dos exemplos mais representativos, não dispensa a
consulta e o estudo das fichas/apontamentos registados durante as aulas.

OUTRAS NOTAS

O FIDALGO (D. ANRIQUE)

Gil Vicente apresenta o Fidalgo com toda a sua vaidade e


presunção, “fumoso” [v. 99], ricamente vestido e seguido de um
pajem que lhe soerguia a cauda do manto e lhe transportava uma
cadeira de espaldas. Habituado a gozar de privilégios especiais, o
Fidalgo nem sequer pensa que poderá ir para o Inferno. Assim, para
justificar o seu direito a entrar na barca celestial, apresenta apenas
ao Anjo, como único argumento, a sua condição social: “Sou fidalgo
de solar / é bem que me recolhais” [vv. 80-81].
A sua altivez e jactância levam-no a exigir que todos o tratem
por “Vossa Senhoria” de acordo com os seus pergaminhos
nobiliárquicos. Por o Anjo lhe ter dito uma frase que ele considerou
pouco cortês (“Pera vossa fantesia / mui estreita é esta barca.”) [vv.
86-87], o Fidalgo reage logo violentamente: “Pera senhor de tal
marca / não há aqui mais cortesia?” [vv. 88-89]. Mas o Diabo,
momentos antes, tratara-o por tu nos vv. 45-49, sem qualquer
reação da parte do Fidalgo. Porquê? Certamente porque este ficou
tão espantado com a revelação e acusação do Diabo que nem teve
presença de espírito para o meter na ordem. Aliás é o próprio Diabo
quem, passado este breve momento escarninho e zombeteiro,
passa prontamente para o tratamento cerimonioso, depois de um
verso de transição: “Embarcai! Hou! Embarcai” [v. 50]. Mas, na cena
seguinte, depois de ter sido humilhado e condenado, vemos o
Fidalgo tão abatido e deprimido que, quando o Onzeneiro o trata
por vossa senhoria [v. 241], o Fidalgo já reage de modo inverso:
“Dá ò demo a cortesia!” [v. 242]. Mas, nessa altura, já não era um
fidalgo mas um pobre condenado ao Inferno; o próprio Diabo
ameaça espancá-lo: “Dar-vos-ei tanta pancada / Com um remo, que
reneguês!” [vv. 246-247].
Ao Fidalgo parece-lhe a barca infernal um “cortiço” [v. 31], isto
é, uma barca muito ordinária e reles para transportar um nobre tão
poderoso e importante como ele. Mas o Diabo e o Anjo formulam as
suas críticas, que se podem resumir assim: que ele vivera a seu
prazer [v. 47], isto é, que fizera tudo quanto quisera, que se
entregara aos prazeres, fora tirano e, consequentemente,
desprezara os pequenos [v. 103], ou seja, os elementos do povo.
Para demonstrar que ele vivera a seu prazer, analisa Gil Vicente a
vida sentimental do Fidalgo, repartida entre duas mulheres: a
esposa e a amante. Mas o que o Fidalgo ignora e que o dramaturgo
denuncia, para caracterizar melhor a sociedade do seu tempo, é
que tanto uma como a outra lhe eram infiéis e tinha cada uma delas
o seu amante. Não se trata, portanto, de um pormenor secundário
mas de um elemento essencial para a caracterização do tipo e da
sociedade em que estava inserido.
Mas Gil Vicente não condena só aquele aristocrata mas todos
os seus antepassados, como afirma expressamente o Diabo
quando informa o Fidalgo de que passará para o Inferno assim
como “passou vosso pai” [v. 53], isto é, o autor generaliza e
condena a nobreza como classe social. O criado ou pajem que
acompanha o Fidalgo não entra em nenhuma das barcas. Porquê?
Evidentemente que não representa ali um tipo, uma alma de um
defunto, mas um simples elemento caracterizador e distintivo,
tratado a nível de objeto, que o dramaturgo risca do palco assim
que deixa de ser necessário.
Mas a sua função simbólica é deveras importante na medida
em que representa um elemento do povo, a principal vítima da
opressão da nobreza que, manifestamente, não poderia
acompanhar o Fidalgo na sua viagem para o Inferno.
Mário Fiúza, op. cit.

SARCASMO (do grego “sarcasmos” ou “Sarx=carne” +


“Asmo=queimar”= “queimar a carne) designa um escárnio ou uma
zombaria, intimamente ligado à ironia com um intuito mordaz quase
cruel, muitas vezes ferindo a sensibilidade da pessoa que o recebe.
A ironia é uma figura de retórica que consiste em dizer o contrário
daquilo que se pensa, deixando entender uma distância intencional
entre aquilo que dizemos e aquilo que realmente pensamos.
Ela pode ser utilizada, entre outras formas, com o objetivo de
denunciar, de criticar ou de censurar algo. A ironia convida o leitor ou o
ouvinte, a ser ativo durante a leitura, para refletir sobre o tema e
escolher uma determinada posição.
Ex. Que pergunta ótima!!! (ironia)
Com essa inteligência toda vais chegar longe!!! (sarcasmo)
Ironia, fingir ignorância, uma forma de cinismo, é sinónimo de
sarcasmo. Já o sarcasmo é mordaz e fere a sensibilidade da pessoa
que o recebe.
Os argumentos usados dizem muito sobre a personagem.
De facto, defendendo-se com as rezas que alguém ficou a
fazer por ele, mostra que viveu tão confiante da sua
condição social e tão habituado a que os outros fizessem
tudo por ele que nem lhe ocorre que as orações não seriam
suficientes para o salvar. Há uma hipocrisia das crenças e
das práticas religiosas. Por outro lado, o argumento que
apresenta ao Anjo mostra toda a arrogância e presunção do
Fidalgo.
Através destas palavras do Anjo, Gil Vicente pretende
criticar a prática errada da religião, levada a cabo por
aqueles que acreditavam que as orações, as missas e
outras práticas superficiais eram mais importantes do que
as obras e a fé.
Ao referir que o pai do Fidalgo também foi condenado ao
inferno, Gil Vicente pretende alargar a crítica à classe social
a que pertence o Fidalgo, na medida em que se dá a
entender que os nobres são condenados, geração após
geração. O Diabo considera inevitável o destino final do
Fidalgo como representante de uma classe social toda ela
condenada, antepassados incluídos. Esta informação dada
pelo Diabo sublinha o carácter de personagem-tipo de D.
Anrique.
O Diabo responde divertido e rindo do Fidalgo, chama-lhe
tolo e mostra-lhe como está completamente enganado em
relação ao desgosto que a mulher e a amante sentem. O
Diabo explica-lhe que as duas mulheres tinham amantes e
que tudo era mentira. Existe corrupção moral: infidelidade
do Fidalgo, da esposa e da amante.

Nesta passagem, as mulheres da corte são representadas


negativamente, atribuindo-se-lhes falsidade, hipocrisia,
fingimento e infidelidade. Gil Vicente caracteriza a
sociedade do seu tempo e denuncia o perfil da mulher
cortesã.
Com estes versos alarga-se a crítica às mulheres,
mostrando como o seu fingimento é transmitido de mães
para filhas.
O Fidalgo é acusado de ter vivido a seu prazer, de ser
presunçoso e vaidoso e de ter sido tirano para o povo.
DOM ANRIQUE (personagem-tipo) representa a
nobreza, os seus vícios, tirania, vaidade, arrogância,
presunção e despotismo.
A nobreza vivia num plano inferior à grande parte da
burguesia mercante, mas vivia com problemas económicos.
Explorava os trabalhadores e não lhes pagava. Elogiava o
rei.
D. Anrique é um fidalgo de solar, vaidoso e presunçoso
da sua condição social. A forma como se apresenta em
cena, com o seu longo manto e o pajem que carrega a sua
cadeira, revela bem essa vaidade e ostentação e a forma
como reage inicialmente face ao Diabo e depois face ao
Anjo revela a arrogância de quem sempre esteve habituado
a que obedecessem às suas ordens. É no estatuto de nobre
que ele confia como razão para ser salvo, tal como sempre
confiou ao longo da vida. É por isso que, quando o Anjo o
interpela, ele apresenta como único argumento para a
salvação o facto de ser “fidalgo de solar” e é também por
isso que desdenha da barca a que chama “cortiço” e exige
que o tratem por “Vossa Senhoria”. Da vida sentimental
ficamos a saber, através da conversa com o Diabo, que
além da mulher tinha uma amante, no entanto, sabemos
também que afinal, ele que era tão poderoso era
igualmente enganado por elas. O Fidalgo é uma
personagem-tipo, na medida em que representa a nobreza
e os seus vícios de tirania, presunção, arrogância e
ostentação. É exatamente por isso que, tal como aconteceu
com seu pai, é condenado ao Inferno.

Características do Fidalgo: nobre, altivo, vaidoso,


arrogante, presunçoso, trocista, ingénuo, confiante, triste,
desiludido, resignado e desgraçado.
JULGAMENTO ALEGÓRICO DA ALMA DO FIDALGO
Acusação Diabo Defesa Fidalgo Acusação Anjo Defesa Fidalgo Sentença do Diabo Sentença do Anjo
*E também cá zombais? *Não se embarca *Pois parti tão sem *Segundo lá *Não vindes vós de
*E tu viveste a teu prazer,/ *Parece-me isso tirania/ (acusação de aviso, v.75 –morte escolhestes/assi cá maneira/pera ir neste
cuidando cá cortiço… (não é
guarecer/porque rezam lá
natureza social) – inesperada vos contentai. navio./Essoutro vai
por ti?vv.45 a 49 (prática
digno de uma pessoa tirania, opressão, *Sou fidalgo de mais vazio.
de uma falsa do seu estatuto social despotismo e solar/é bem que me
religião/corrupção dos –defesa de natureza desprezo pelo povo recolhais.v.80 e 81
costumes-acusação de social) *Pera vossa * qu’ entr’ a minha
natureza religiosa) *Que leixo na outra
*Mandai meter a
fantesia/mui estreita é senhoria… v.85
cadeira,/que assi passou
vida/quem reze esta barca, -vaidade e
vosso pai – crítica sempre por mi.(defesa presunção(acusação *Pera senhor de tal
alargada a toda a classe de natureza religiosa) de natureza social) marca/nom há aqui
social da nobreza-passado *Que sinal foi esse *Não vindes vós de mais cortesia? vv.88 e
genealógico. tal?
*do que vós vos
maneira/ (…) /quanto 89
contentastes.v.65 (os
*não cuidei que o i mais fostes fumoso. (defesa de natureza
pecados que cometeu; havia./Tive que era vv. 92 a 105- destaca social)
prática de uma falsa fantesia/folgava ser os símbolos
religião-acusação de adorado/confiei em presunção, tirania e
natureza religiosa) meu estado vv.115 má consciência
*Segundo lá
a118 religiosa.
escolhestes,/assi cá vos
contentai. Vv.56 e57 O Anjo tem uma
Não, senhor ,que este atitude de condenação
fretastes, vv. 61 a absoluta.
63(escolheu o Inferno por
vontade própria, tendo
sido livre na opção por
uma vida dissoluta).
*Ó namorado sandeu,
v.134 – infidelidade
Personagen Símbolos Percurso Estrutura Caracterizaçã Argumentos Argumentos Tipo Sentença
s (réus) Cénico do quadro o Acusação Defesa Crítica Destino

*rabo mui C-BI-BG-BI-E O Fidalgo nobre; *prazeres da vida *classe de *Crítica à Condenaç
Fidalgo comprido é recebido tirano; terrena /denúncia fidalgo /estatuto nobreza; ão
(D. (estatuto pelo déspota; da corrupção dos social de nobre; Embarca
Anrique) social/ Diabo. opressor; costumes; *é «Fidalgo de *Critica a má na Barca
vaidade) Diálogo vaidoso; *foi tirano Solar»; consciência do Inferno.
*cadeira com o presunçoso; /déspota; religiosa da
d’espaldas – Diabo. altivo; *infidelidade; época e aos
usada por ele Diálogo trocista; *má consciência maus
na Igreja- com o infiel; religiosa/falsa *deixou na terra a costumes da
representa a Anjo. ingénuo; religiosidade; amante e a mulher sociedade,
sua posição Regressa confiante no *desprezava o a rezar pela nomeadamen
privilegiada e embarca seu estatuto povo; salvação da sua te a
junto da na Barca social; *crítica à vaidade alma; infidelidade, a
Igreja(falsa do Inferno. má e à presunção; tirania; a
vivência da consciência *estatuto social *morreu hipocrisia; o
religião/ religiosa; de Nobre/ele repentinamente; despotismo;
comodismo) triste; julga poder a presunção
desgraçado; continuar a *nunca acreditou e a
*pajem resignado. usufruir dos na existência do exploração
(exploração e privilégios Inferno. dos mais
tirania) terrenos no além- fracos.
túmulo;
*vida imoral;
*explorava os
mais fracos.

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