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Thich Nhat Hanh,

o entre-ser
e o budismo
comprometido
1

© Chris Ensey

O budismo comprometido exorta a um “despertar colectivo” mediante


uma “ética global” que tenha em atenção as várias formas de opressão
social e económica e o impacto do ser humano sobre o planeta e a
biodiversidade. Uma acção que deve ter lugar “aqui e agora” pois só “o
momento presente é real e disponível”.

Por Paulo Borges, filósofo e ensaísta, co-fundador da União Budista


Portuguesa, em exclusivo para a Mindmatters magazine.

Thich Nhat Hanh é um monge e mestre vietnamita, fundador em 1966 da Ordem


do Entre-Ser (tiep hien). Foi um destacado activista pelo fim da guerra no Vietnam,
fundou a comunidade de Plum Village e criou a expressão “budismo comprometido”
no livro Vietnam: Lotus in a Sea of Fire (1).
“Entre-ser” (Interbeing) é a tradução de um termo na versão chinesa do
Avatamsaka Sutra, texto do Mahāyāna que deu origem à escola Huayan do budismo
chinês. Nele surge a imagem do universo como a rede de Indra, que se estende
infinitamente em todas as direcções e possui, em cada uma das infinitas intersecções
dos seus fios, uma jóia resplandecente. Cada uma destas jóias, multifacetadas e em
número infinito, reflecte em cada uma das suas facetas todas as demais jóias e é
reflectida em todas elas. Cada jóia simboliza cada fenómeno, animado ou inanimado,
o que faz do universo uma trama e um processo de inter-reflexão infinitos, em que
tudo interdepende e se interpenetra (2).
“Entre-ser” (Interbeing) foi a expressão que Thich Nhat Hanh considerou mais
adequada para expressar o sentido do vietnamita tiep hien (3), cujos termos
significam respectivamente “estar em contacto com” / ”continuar” e “realizar” /
”fazendo-o aqui e agora”. Segundo ele, aquilo com o qual estamos em contacto é a
“realidade”, do “mundo” e da “mente”. "Estar em contacto com a realidade da mente
significa estar consciente dos processos da nossa vida interior – sentimentos,
percepções, formações mentais – e também redescobrir a nossa mente autêntica”, “a
fonte da compreensão e da compaixão” que nos nutre e a todos ao nosso redor.
Contactar a “mente autêntica” é conectar-se com os Budas e bodhisattvas, as
consciências despertas que mostram “o caminho da compreensão, da paz e da
felicidade”.
Por sua vez, contactar a “realidade do mundo” significa “estar em contacto com
tudo o que está à nossa volta nas esferas animal, vegetal e mineral”.
Isso implica “sair da nossa concha e olhar clara e profundamente para as
maravilhas da vida – os flocos de neve, o luar, as belas flores – e também para o
sofrimento – fome, doença, tortura e opressão”. Daqui resultam a compreensão e a
compaixão pelas quais simultaneamente se aprecia as “maravilhas da vida” e se age
“com a firme resolução de aliviar o sofrimento”. A mente e o mundo, o interior e o
exterior, não estão separados e na verdade é a crença nessa separação que impede a
experiência da realidade última: “Se olharmos profundamente para dentro da nossa
mente, vemos ao mesmo tempo profundamente o mundo. Se compreendemos o
mundo, compreendemos a nossa mente” (4) . A este respeito, Thich Nhat Hanh
demarca-se da separação entre teologia vertical e horizontal nalgum cristianismo,
segundo o qual a união com Deus primaria sobre a conexão com os humanos, modo
de pensar que diz ter um equivalente budista na ideia de que a prática da “Via do
Buda” é superior a ajudar os “seres vivos”. Para o nosso autor isto não corresponde ao
verdadeiro espírito do ensinamento do Buda, no qual a Budeidade e o despertar não
se referem a uma mera “identidade transcendental”, sendo antes “inatos a todo o ser”.
O “vertical” e o “horizontal” são assim “um”: penetrando num encontramos o outro
(5).

© Michael Volpicelli

No que respeita ao segundo sentido da palavra destruição no mundo” (6) .


tiep, “continuar”, remete para a ideia de unir duas O segundo sentido de hien, como vimos, é
cordas para fazer uma maior, o que interpreta como “fazendo-o aqui e agora”, pois só “o momento
o “ampliar e perpetuar o curso de iluminação que foi presente é real e disponível”. O fundador de Plum
iniciado e nutrido pelos Budas e bodhisattvas que nos Village recorda que a “paz” e a “libertação” que são o
precederam”, processo que Thich Nhat Hanh objectivo da prática budista não residem num futuro
considera ser da responsabilidade de todos o que distante ou pós-morte, sendo pelo contrário algo que
assumem a prática da via do Buda (5). se visa “agora mesmo, enquanto estamos vivos e a
Quanto a hien, o seu primeiro sentido é “realizar”, respirar”. “Os meios e os fins não podem ser
o que o autor entende como “não residir ou ser separados”, pois, ao contrário da visão comum, as
apanhado no mundo de doutrinas e ideias, mas trazer causas e os efeitos são uma só coisa e “os meios são
e expressar as nossas compreensões (“insights”) na e fins em si mesmos”. Compreendendo isto, todas as
para a vida real”. Todavia, “realizar não significa actividades e práticas devem ser empreendidas com
apenas agir”, mas primeiro que tudo atenção plena e pacificamente, seja a meditação
autotransformação. É essa autotransformação que sentada, seja o serviço social, sem expectativa de
nasce do contacto com a “fonte de compreensão e recompensa futura, mesmo que seja “o nirvana, a
compaixão” e gera uma “harmonia” entre nós, os Terra Pura, a iluminação ou a Budeidade”: “O
outros e a natureza, traduzindo-se em “todas as segredo do Budismo é estar desperto aqui e agora.
nossas acções” que assim “naturalmente protegerão e Não há caminho para a paz; a paz é o caminho. Não
melhorarão a vida”. “Realizar” implica desenvolver e há caminho para a iluminação; a iluminação é o
ter primeiro em si as qualidades de alegria, felicidade, caminho. Não há caminho para a libertação; a
calma e serenidade que aspiramos a partilhar com os libertação é o caminho” (7).
outros, pois “sem uma mente calma e pacífica as
nossas acções irão apenas criar mais problemas e

O segredo do Budismo é estar desperto


aqui e agora. Não há caminho para a

“ ”
paz; a paz é o caminho. Não há caminho
para a iluminação; a iluminação é o
caminho. Não há caminho para a
libertação; a libertação é o caminho.

© Tich Nhat Hanh

Consciente de que a via e Dharma do Buda é um contribuir para todos os sofrimentos causados 1) pela
processo em aberto, que se deve renovar sem cessar destruição da vida, humana, animal, vegetal e
pela extensão da atenção plena e da compaixão ao mineral; 2) pela opressão e exploração da Terra e dos
surgimento de novas causas e formas de sofrimento seres vivos, pela injustiça social e pela falta de
que não existiam no tempo do Buda Gautama, Thich partilha generosa do tempo, energia e recursos
Nhat Hanh considera que todo o praticante deve hoje materiais com os necessitados; 3) pela violência e
ter uma consciência não-violenta das várias formas falta de ética sexuais; 4) pela falta de escuta e
de opressão social e económica e ser um protector da discurso atentos e compassivos; e 5) pelo consumo
Terra e de todos os seres vivos (8) , sem discriminar desatento e ávido (11) .
entre animado e inanimado. O mestre vietnamita Esta ética global tem todavia de se enraizar na
exorta a um “despertar colectivo” mediante uma transformação profunda do próprio agente ético,
“ética global” que liberte os humanos do sonho chamado a mudar o mundo pela mudança profunda
sonâmbulo de viverem sem consciência do impacto do modo como pensa, fala e (não-)age. Isto só é
que têm sobre o planeta e a biodiversidade (9) . Tal possível pela experiência do entre-ser, que opera uma
“ética global”, adequada a uma época de “crise mutação radical da percepção de si, convidando a não
global”, é formulada nos “Cinco Treinos da Atenção mais se identificar com os limites do que
Plena”, que promovem o despertar da compreensão e aparentemente se encerra sob a pele para reconhecer
do amor fraternos por uma via não-sectária e que o verdadeiro corpo de cada indivíduo é vasto
universalista, em que todos se possam reconhecer, como o espaço que tudo engloba, incluindo todos os
sem qualquer marca religiosa, étnica ou ideológica seres e fenómenos, florestas, rios, mares e
(10) . Trata-se do reconhecimento e da abstenção de montanhas.

(1) Thich Nhat HANH, Vietnam: Lotus in a sea of fire, New York, Hill and Wang. 1967. (2) Cf.
The Flower Ornament Scripture, tradução de Thomas Cleary, Boston & London, Shambhala,
1993, p.1145. (3) Thich Nhat HANH, Interbeing. Fourteen Guidelines for Engaged Buddhism,
editado por Fred Eppsteiner, Berkeley, Parallax Press, 1998, 3ª edição, p.6. (4) Ibid., p.3-4 (5)
Ibid., pp.4-5.(6) Ibid., p.5. (7) Ibid., pp.5-6. (8) Cf. Id., The World We Have. A buddhist
approach to peace and ecology, pp. 5, 8-9 e 15. (9) Cf. Ibid., pp. 1 e 5. (10) “Os Cinco Treinos
da Atenção Plena são o caminho que devemos seguir nesta era de crise global porque são a
prática da fraternidade, da compreensão e do amor e a prática de proteger a nós mesmos e
ao planeta. Os treinos da atenção plena são realizações concretas da atenção plena. São
não-sectários, não portando a marca de nenhuma religião, raça ou ideologia; a sua natureza
é universal” – Ibid., p.10. (11) Cf. Ibid., pp.11-15. Para uma apresentação mais desenvolvida dos
Cinco Treinos da Atenção Plena, cf. Id., For a Future to Be Possible. Buddhist Ethics for
Everyday Life, prefácio de Joan Halifax, posfácio de Jack Kornfield, Berkeley, Parallax Press,
2007.

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