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Tema:
Afetividade
na
Terceira
Idade
Pesquisador:
Francis
Vogner
dos
Reis
Sinopse
Há
filmes
brasileiros
que
lidam
com
a
questão
da
afetividade
na
terceira
idade
como
os
brasileiros
Chuvas
de
Verão,
de
Carlos
Diegues,
O
Outro
Lado
da
Rua,
de
Marcos
Bernstein,
e
argentinos
como
Lugares
Comuns,
de
Adolfo
Aristarain
e
Dois
Irmãos,
de
Daniel
Burman.
O
programa
pretende
olhar
para
esses
filmes
a
fim
de
entender
a
solidão
de
pessoas
de
idade
avançada
e
o
modo
como
tentam
ressignificar
a
vida
–
que
parece
inútil
aos
olhos
da
sociedade
e
da
família
–
com
um
tipo
de
liberdade
e
busca
pela
felicidade
que
são
considerados
gestos
existenciais
de
pessoas
mais
jovens.
É
como
se
hoje
houvesse
uma
mudança
no
status
social
dos
idosos
e
a
falta
de
compromissos
sociais
da
chamada
“terceira
idade”
lhes
desse
não
só
o
tédio,
mas
novas
possibilidades
de
liberdade,
incluindo
afetividade
e
sexo
(que
em
todos
esses
filmes
parece
ser
uma
questão
importante).
Os
quatro
filmes
não
olham
para
personagens
idosos
como
vítimas
inúteis,
mas
como
indivíduos
que
exercem
seu
direito
de
ir
vir
apesar
das
dificuldades
de
sua
condição
etária/social.
Apresentação
dos
filmes
e
das
questões
Chuvas
de
verão
(Brasil,
1978),
de
Carlos
Diegues
Afonso
(Jofre
Soares)
é
um
aposentado
de
setenta
anos
que
insiste
em
usar
pijama
em
todas
as
horas
do
dia
e
se
envolve
com
os
problemas
de
sua
filha
e
de
outros
moradores
do
subúrbio
onde
mora
na
zona
norte
do
Rio
de
Janeiro.
No
seu
cotidiano
sem
grandes
surpresas,
Afonso
acaba
por
se
envolver
afetivamente
com
a
vizinha,
também
idosa,
Isaura
(Miriam
Pires).
A
cena
se
sexo
e
de
nu
entre
os
dois
personagens
velhos
é
uma
das
mais
famosas
da
carreira
de
Diegues,
por
sua
dificuldade
(Miriam
Pires
demorou
a
aceitar
em
realizar
a
cena),
delicadeza
e
sutileza.
O
outro
lado
da
rua
(Brasil,
2004),
de
Marcos
Bernstein
Regina
(Fernanda
Montenegro)
é
uma
senhora
viúva
e
solitária
de
65
anos
que
mora
em
Copacabana
e,
para
sanar
o
tédio
de
sua
vida,
atua
como
informante
da
polícia
denunciando
pequenos
delitos.
Em
uma
noite
tão
solitária
como
todas
as
outras
de
sua
vida
pequena
e
medíocre,
se
coloca
a
observar
com
seus
binóculos,
moradores
do
prédio
da
frente.
Ele
testemunha
um
homem,
também
idoso,
aplicando
injeção
na
sua
esposa.
A
mulher
morre
e
Regina
denuncia
o
homem
como
suposto
assassino,
porém
as
causas
da
morte
são
consideradas
naturais
e
ele
é
desmoralizada.
Regina,
no
entanto,
ao
tentar
provar
que
está
certa,
acaba
se
envolvendo
sentimentalmente
com
o
homem.
Lugares
Comuns
(Argentina,
2002),
de
Adolfo
Aristarain
Fernando
é
um
velho
professor
universitário
casado
com
Lili,
uma
assistente
social
e
se
vê
obrigado
pelo
novo
reitor
da
universidade
a
se
aposentar
(sem
um
salário
razoável),
devido
à
crise
econômica.
Para
Fernando,
a
crise
econômica
vem
conjugada
a
uma
crise
moral
no
país.
Fernando
então
se
vê
obrigado
a
reinventar
a
vida
e
se
muda
com
sua
esposa
para
uma
província
no
sul
da
Argentina.
Dois
irmãos
(Argentina,
2010),
de
Daniel
Burman
Suzana
é
uma
egocêntrica
e
solteirona
corretora
de
imóveis
com
mais
de
sessenta
anos
que
sempre
colocou
a
profissão
acima
da
vida
pessoal.
Seu
irmão
Marcos,
também
sexagenário,
abdicou
da
carreira
e
da
vida
pessoal
para
cuidar
da
mãe,
que
Suzana
deixa
inteiramente
sob
sua
responsabilidade.
Quando
a
mãe
morre,
Suzana
expulsa
o
irmão
do
apartamento
em
Buenos
Aires.
Marcos
então
vai
viver
em
um
resort
no
Uruguai,
lá
ingressa
em
um
grupo
de
teatro,
faz
amizades
e
por
causa
disso,
incomoda
a
irmão
que
tem
a
vida
pessoal
absolutamente
nula.
Dois
irmãos
conta
a
história
de
dois
sexagenários
que
recomeçam
a
vida.
Material
Anexo
Obs.
A
maior
parte
do
material
de
imprensa
e
pesquisa
que
trata
do
envelhecimento,
da
terceira
idade
(no
que
diz
respeito
à
sexualidade
e
comportamento)
tem
em
sua
maior
parte
um
caráter
ligeiro
de
autoajuda
ou
abordagens
do
ponto
de
vista
do
mercado
consumidor.
2
Os
trabalhos
mais
sérios
são
mais
voltados
às
questões
científicas
(medicina
geriátrica/gerontológica
e
psiquiátrica)
do
que
a
questões
de
caráter
sociológico,
político
e
comportamental.
Com
relação
aos
filmes,
os
filmes
argentinos
Dois
Irmãos,
de
Daniel
Burman
e
Lugares
Comuns,
de
Adolfo
Aristarain
não
possuem
uma
fortuna
crítica
muito
extensa.
Idosos
investem
em
novos
relacionamentos
e
vida
mais
movimentada
O
Brasil
já
tem
quase
vinte
milhões
de
idosos,
o
que
representa
mais
de
10%
da
população
brasileira,
de
acordo
com
o
IBGE.
Mas
o
perfil
deste
segmento
da
população
está
diferente
do
antigo
estereótipo
O
Brasil
já
tem
quase
vinte
milhões
de
idosos,
o
que
representa
mais
de
10%
da
população
brasileira,
de
acordo
com
o
IBGE.
Mas
o
perfil
deste
segmento
da
população
está
diferente
do
antigo
estereótipo.
Buscar
um
novo
relacionamento
na
terceira
idade
é
cada
vez
mais
comum.
As
pessoas
viúvas
ou
separadas,
que
já
tem
filhos
e
netos,
estão
em
busca
de
alguém
que
ainda
tem
uma
vida
ativa,
que
não
quer
só
ficar
em
casa.
Nesta
fase
da
vida
o
comportamento
mudou
e
as
pessoas
querem
um
companheiro
para
viajar
e
fazer
alguns
programas
como
ir
ao
cinema,
jantar
e
dançar.
Segundo
a
pedagoga
e
diretora
da
agência
curitibana
de
casamentos
Par
Ideal,
Sheila
Rigler,
nos
últimos
anos
houve
uma
mudança
no
perfil
das
pessoas
nesta
fase
da
vida.
“Hoje
na
terceira
idade,
as
mulheres
se
cuidam,
frequentam
academias
e
salões
de
beleza,
mantém
uma
preocupação
constante
com
a
saúde
e
a
aparência.
As
pessoas
idosas
estão
envelhecendo
mais
tarde.
Nunca
viveram
tanto
e
nem
conservaram
a
juventude
por
um
período
tão
longo,
como
hoje”.
Algumas
mudanças
de
hábito
que
reforçam
estas
afirmações
foram
apresentadas
por
uma
pesquisa
da
Somatório
Pesquisa,
realizada
com
1500
pessoas
com
idades
entre
60
e
104
anos.
O
resultado
mostra
que
entre
os
entrevistados
81%
se
consideram
independentes,
56%
lêem
jornais
e
revistas
e
45%
praticam
atividades
físicas.
A
terceira
idade
não
é
mais
caracterizada
pelos
avós
que
ficam
em
casa
esperando
um
pouco
de
atenção
dos
netos,
na
verdade
eles
muitas
vezes
representam
a
principal
renda
da
família,
praticam
atividades
físicas
e
buscam
um
companheiro
que
nem
sempre
é
bem
aceito
pela
família.
“A
família
geralmente
apresenta
resistência
ao
conhecer
o
parceiro
das
pessoas
na
terceira
idade,
principalmente
quando
a
idade
é
muito
diferente,
por
medo
de
golpes
ou
decepções.
Mas
com
o
tempo,
quando
percebem
que
o
relacionamento
é
positivo
para
a
saúde,
começam
a
incentivar”,
explica
Sheila
Rigler.
A
empresária
ainda
comenta
que
“muitas
pessoas
na
terceira
idade
procuram
a
Par
Ideal
porque
querem
se
relacionar
com
pessoas
do
3
mesmo
nível
social,
cultural
e
econômico,
evitando
assim
problemas
com
a
família
e
redescobrindo
as
alegrias
de
fazer
o
que
gostam
junto
com
um
companheiro”.
A
maturidade
ajuda
a
ter
um
relacionamento
caracterizado
por
menos
cobranças
do
que
na
juventude,
apesar
da
intensidade,
pois
o
casal
desenvolve
uma
cumplicidade
maior
e
de
maneira
mais
rápida.
Além
disso,
aproveitar
o
tempo
com
um
companheiro
nesta
idade,
ajuda
na
redução
de
casos
de
depressão
e
melhora
a
saúde,
já
que
a
maioria
dos
idosos
passa
a
ter
mais
cuidado
com
a
alimentação
e
frequentar
o
médico
periodicamente,
devido
ao
ânimo
gerado
pelo
clima
de
romance.
Portal
do
Envelhecimento
Disponível
em
http://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/comportamento/idosos-‐
investem-‐em-‐novos-‐relacionamentos-‐e-‐vida-‐mais-‐movimentada.html
A
Sexualidade
em
Idosos
A
sexualidade
em
idosos
é
objeto
de
muita
polêmica.
Os
estudos
demográficos
sobre
essa
questão
apresentam
resultados
que
devem
ser
vistos
com
reserva
uma
vez
que
essa
população
não
costuma
se
comportar
com
muita
abertura
quando
questionados
sobre
suas
vidas
íntimas.
De
um
modo
geral
se
aceita
que
à
medida
que
os
anos
avançam
o
interesse
freqüência
e
o
desempenho
dessa
atividade
diminui
em
ambos
os
sexos.
Entre
as
mulheres
o
interesse
costuma
estar
mais
diminuído
que
nos
homens.
Fatores
como
o
estado
civil,
o
estatus
social
e
a
presença
de
doenças
afetam
essa
atividade
de
maneira
determinante
e
devem
ser
considerados.
Doenças
cardíacas,
insuficiência
coronariana
e
infartos
recentes
podem
gerar
estados
de
ansiedade
e
insegurança
interferindo
nessa
esfera.
Acredita-‐se
que
pessoas
idosas
que
são
aptas
para
subir
um
lance
de
escadas
sem
desconforto,
têm
condições
físicas
para
manter
uma
vida
sexual
satisfatória
sem
grandes
problemas.
Algumas
doenças
realmente
acabam
por
interferir
seriamente
e
entre
elas
se
destacam:
Artrites:
Cerca
de
50%
das
pessoas
com
problemas
articulares
com
dores
e
limitações
funcionais
costumam
ter
sua
atividade
sexual
reduzida.
O
tratamento
das
dores,medidas
de
reabilitação
física
e
o
aconselhamento
sobre
as
posições
mais
confortáveis
no
intercurso
sexual
minoram
essa
condição.
Próstata:
Homens
submetidos
à
ressecção
transuretral
parcial
ou
total
da
próstata
são
vítimas
freqüentes
de
impotência.
Em
90%
das
cirurgias
desse
tipo
,uma
complicação
,que
deve
ser
discutida
com
o
médico
antes
do
procedimento,
é
a
ejaculação
retrógrada
quando
o
líquido
seminal
,
ao
invés
de
ser
expelido
no
orgasmo,
flui
para
o
interior
da
bexiga
urinária.
A
capacidade
de
conseguir
uma
ereção
não
costuma
estar
comprometida.
4
Câncer
de
Mama:
Mulheres
que
são
submetidas
a
cirurgias
mutilantes
como
a
mastectomia
costumam
ter
sua
sexualidade
comprometida
por
ansiedade
e
medo
da
reação
e/ou
rejeição
do
parceiro.
O
aconselhamento
profissional
psicológico
e
a
passagem
do
tempo
aliviam
esse
tipo
de
manifestação.
Sexualidade
feminina
A
sexualidades
das
senhoras
é
afetada
basicamente
por
três
aspectos:
Motivação
e
desejo
·∙
Problemas
com
o
parceiro
(afeto,
diálogo,
informação)
·∙
Doenças
físicas
limitantes
(osteoartropatias,
doenças
cardíacas)
·∙
Doenças
emocionais
(depressão,
ansiedade)
·∙
Diminuição
da
libido
(hormonais)
Alterações
genitais
·∙
Atrofia
vaginal
(secura,
estreitamento,
dor).
Fatores
sócio-‐culturais
·∙
Vergonha,
receio
do
ridículo
·∙
Educação
rígida,
valores
morais
e
religiosos
·∙
Dificuldade
em
propor
ou
insinuar
o
início
da
relação
O
desejo
parece
estar
comprometido
pela
alteração
dos
níveis
de
estrógeno.
A
falta
de
lubrificação
vaginal
pode
causar
dor
e
desconforto.
A
resolução
desse
problema,
orientada
pelo
ginecologista,
costuma
ser
simples
e
geralmente
feita
com
lubrificação
externa
e/ou
com
o
uso
de
cremes
a
base
de
hormônios.
Um
dos
grandes
problemas,
entretanto,
é
que
muitas
senhoras
não
se
queixam
e
deixam
as
coisas
permanecerem
como
estão.
A
vergonha,
o
medo
do
ridículo
e
outros
receios
de
ordem
cultural
fazem
com
continuem
mantendo
relações
dolorosas
ou
que
deixem
de
realizá-‐las
por
razões
óbvias.
O
comportamento
do
parceiro
é
decisivo.
O
afeto,o
carinho,
a
informação,
a
paciência
e
o
respeito
às
limitações
físicas
e/ou
emocionais
de
ambos
é
fator
determinante
no
relacionamento.
Em
geriatria
nunca
se
deve
falar
em
sexualidade
sem
afetividade.
Sexo
por
si
só,
sem
afeto,
não
costuma
ser
praticado
ou
ser
gratificante
para
casais
idosos.
Apenas
3%
das
mulheres
vão
ao
ginecologista
para
resolver
questões
de
ordem
sexual,
mas
se
estimuladas
a
falar
sobre
o
assunto,
15%
apresentam
queixas
nessa
área
demonstrando
claramente
a
pouca
disposição
que
as
senhoras
têm
em
expor
seus
problemas
íntimos
voluntariamente.
Muitas
senhoras,
só
após
anos
de
relacionamento
com
seu
médico
tomam
coragem
para
abordar
o
assunto.
Por
outro
lado,
poucos
médicos
costumam
tocar
nesse
assunto
fazendo
com
que
esse
tabu
siga
persistindo.
Raramente
os
médicos
estão
preparados
para
aconselhar
seus
pacientes
idosos
nessa
sensível
área.
Infelizmente
esse
fato
prejudica
a
saúde
de
um
modo
geral
uma
vez
que
a
grande
maioria
dos
problemas
que
comprometem
essa
esfera
é
resolvida
com
informações
corretas,
educação
específica
sobre
aspectos
biológicos
e
com
um
aconselhamento
profissional
dirigido
e
personalizado.
Um
estudo
realizado
com
senhoras
acometidas
de
artrite
demonstrou
que
40%
delas
gostariam
muito
que
seus
médicos
abordassem
o
assunto.
Sexualidade
masculina
5
Nos
homens
idosos,
o
padrão
de
sexualidade
é
um
dos
componentes
essenciais
para
a
qualidade
de
vida.
Assim
como
nas
senhoras,
é
esperada
uma
diminuição
na
motivação,
freqüência
e
desempenho.
O
sexo
em
si
perde
suas
cores.
A
questão
emocional
sempre
acompanha
os
contatos
mais
íntimos
onde
o
afeto
torna-‐se
cada
vez
mais
presente
e
necessário.
Na
ausência
de
doenças
a
rigidez
do
pênis
costuma
ser
adequada
para
o
intercurso
até
idades
bastante
avançadas.
A
ereção
é
mais
demorada
e
normalmente
conseguida
com
estimulação
direta
mais
prolongada.
A
impotência
ou
disfunção
erétil
é
de
longe
a
questão
sexual
que
mais
aflige
a
população
masculina.
O
hormônio
masculino,
testosterona,
é
responsável
pela
libido
(desejo)
e
também
na
manutenção
da
integridade
dos
tecidos
e
dos
órgãos
envolvidos
no
processo.
Com
o
passar
dos
anos
há
um
declínio
natural
das
taxas
desse
hormônio
que
acabam
por
determinar
essas
alterações.
Taxas
muito
baixas
são
corrigidas
com
suplementação.
A
ereção
é
um
ato
complexo
relacionado
com
fantasias
e/ou
estimulação
local
direta.
Essa
reação
é
regulada
basicamente
pelo
cérebro
e
medula
nervosa.
São
liberadas
substâncias
que
causam
a
dilatação
dos
vasos
sanguíneos
e
o
preenchimento
dos
corpos
cavernosos
do
pênis
(pequenas
bolsas
laterais)
resultando
na
rigidez
do
órgão.
As
veias
se
fecham
e
aprisionam
o
sangue
nessa
região
conferindo
a
manutenção
da
ereção.
Após
o
orgasmo,
as
veias
deixam
o
sangue
escoar,
as
artérias
voltam
ao
seu
calibre
normal
e
a
ereção
termina.
Na
investigação
da
impotência,
a
ultrassonografia
fornece
importantes
informações
com
respeito
à
integridade
dos
vasos
sanguíneos.
Os
exames
laboratoriais
mais
comuns
incluem
a
dosagem
de
testosterona
total
e
livre,a
glicemia
e
eventualmente
a
dosagem
de
prolactina.
A
verificação
das
taxas
de
glicemia
é
fundamental
uma
vez
que
o
diabetes
mellitus
é
uma
causa
freqüente
de
impotência
sexual.
A
verificação
da
pressão
arterial
é
obrigatória
no
exame
físico.
Grande
parte
dos
portadores
de
hipertensão
arterial
apresentam
disfunção
erétil
como
complicação.
Avaliação
clínica
da
disfunção
erétil
Um
dado
de
importância
quando
se
avalia
uma
queixa
de
disfunção
é
se
há
ereção
noturna
“involuntária”.
A
presença
desse
tipo
de
ereção
demonstra
não
haver
problemas
relevantes
de
ordem
física
recaindo
as
possibilidades
em
causas
emocionais.
A
ausência
conduz
à
possibilidade
de
doenças
associadas
ao
processo.
A
impotência
sexual
de
aparecimento
súbito
normalmente
está
relacionada
ao
uso
de
alguns
medicamentos
ou
devida
a
traumas
emocionais.
A
alternância
entre
boas
e
más
ereções
faz
pensar
primeiro
em
problemas
psicológicos.
A
piora
progressiva
sugere
a
coexistência
de
doenças.
Alguns
hábitos
relacionados
ao
estilo
de
vida
como
o
tabagismo,
o
consumo
excessivo
de
álcool
e
o
uso
de
6
drogas
podem
estar
intimamente
relacionados
com
o
quadro.
Algumas
condições
e
doenças
devem
ser
especialmente
investigadas:
·∙
Diabetes
mellitus
·∙
Hipertensão
arterial
·∙
Doenças
vasculares
·∙
Cirurgias
(próstata,
aneurisma
de
aorta)
·∙
Ginecomastia
(aumento
das
mamas
por
doença
endócrina)
·∙
Abdome
volumoso
e
pênis
de
pequenas
dimensões
·∙
Doenças
neurológicas
periféricas
·∙
Atrofia
dos
testículos
*Dr.
Norton
Sayeg
-‐
Médico
Especialista
em
Geriatria
e
Gerontologia,
consultor
científico
de
um
projeto
físico
de
construção
de
ambientes
especiais
na
prevenção
de
acidentes
domésticos
em
idosos.
Portal
do
Envelhecimento
Disponível
em
http://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/sexualidade/a-‐sexualidade-‐em-‐
idosos.html
Envelhecimento
e
finitude:
qual
é
a
representação
da
morte?
I
r
a
c
i
G
u
i
m
a
r
ã
e
s
1
M a r i a H e l e n a S i l v a C a r n e i r o 2
R e s u m o
1
Mestre
em
Ciências
da
Saúde
pela
Universidade
de
Brasília
(UnB).
Graduada
em
Psicologia
pela
UnB,
Brasília,
DF,
Brasil.
E-‐mail:
iracig@gmail.com.
2
Professora
Doutora
do
Departamento
de
Pedagogia
e
do
Programa
de
Pós-‐Graduação
em
Educação
da
Universidade
de
Brasília
(UnB),
Brasília,
DF,
Brasil.
E-‐mail:
mhsilcar@unb.br.
7
concepções
estão
ancoradas
na
visão
de
que
a
velhice
é
sinônima
de
declínio
e
morte,
e,
que,
muitas
vezes,
são
incorporadas
pelo
próprio
idoso.
A
Medicina
paliativa
busca
estabelecer
princípios
para
lidar
com
pacientes
que
apresentem
doenças
progressivas
avançadas,
além
de
idosos
com
comprometimentos,
de
forma
a
maximizar
a
qualidade
de
vida
remanescente
do
paciente.
Faz-‐se
necessário
quebrar
o
tabu
imposto
pelo
tema
morte,
permitindo
que
esta
tome
posse
de
seu
lugar
de
direito:
a
de
única
certeza
da
vida.
p
a
l
a
v
r
a
s
-‐
c
h
a
v
e
Envelhecimento.
Morte.
Saúde.
Qualidade
de
Vida
1
I
n
t
r
o
d
u
ç
ã
o
Um
breve
estudo
da
literatura
evidencia
que
a
representação
social
da
morte
tem
se
modificado
juntamente
com
a
história
da
humanidade.
Se
considerarmos
que
a
representação
exerce
influência
sobre
o
comportamento
das
pessoas,
podemos
dizer
que
mudanças
nas
representações
a
respeito
da
morte
também
influenciam
a
atitude
das
pessoas
relacionadas
à
finitude.
Philippe
Áries
(2003)
mostra
esse
fato,
com
muita
propriedade,
em
seu
livro
História
da
morte
no
ocidente.
Este
autor
ressalta
que
“[...]
como
muitos
outros
fatos
de
mentalidade
que
se
situam
em
um
longo
período,
a
atitude
diante
da
morte
pode
parecer
quase
imóvel
através
de
períodos
muito
longos
de
tempo[...]
em
certos
momentos
intervém
mudanças,
frequentemente
lentas,
por
vezes
despercebidas,
hoje
mais
rápidas
e
mais
conscientes.”
(p.
25).
Essa
é
a
primeira
concepção
chamada
de
morte
domada,
que
perpassa
um
longo
período
da
história,
regulada
pelo
costume
da
época,
e
vivido
como
uma
cerimônia
pública.
Essa
forma
de
conceber
a
morte
evidenciava
a
sua
aceitação
sem
extrapolação,
causada
por
emoções
excessivas.
No
século
XI
e
XII,
a
segunda
fase
da
Idade
Média,
a
morte
se
torna
um
evento,
solidificado
pelo
medo
do
julgamento
final
e
pela
necessidade
de
prestar
contas.
Já,
no
Renascimento,
a
morte
se
torna
distante,
chamada
de
morte
selvagem.
No
século
XVIII,
a
morte
possui
um
sentido
novo:
a
morte
de
si
mesmo
é
negada,
enquanto
que
a
morte
do
outro
se
torna
patética;
“[...]
o
homem
das
sociedades
ocidentais
tende
a
dar
à
morte
um
sentido
novo.
Exalta-‐a,
dramatiza-‐a,
deseja-‐a,
impressionante
e
arrebatadora.”
(ARIES,
2003,
p.
64).
No
inicio
do
século
XX,
e
mesmo
ao
termino
do
século
XIX,
a
presença
do
moribundo
gerava
incômodo
e
esse
era
transferido
para
o
hospital.
A
mudança
do
local
de
morte,
da
residência
para
o
hospital,
devia-‐se
em
parte
aos
avanços
da
Medicina.
É
no
hospital
que
o
paciente
é
8
cuidado,
portanto
“[...]
morre-‐se
no
hospital
porque
os
médicos
não
conseguiram
curar
[...]”
(Ibidem,
p.
85).
Se
perguntarmos
às
pessoas
a
nossa
volta
o
que
se
opõe
a
vida,
provavelmente,
a
larga
maioria
responderá
que
é
a
morte.
Esse
dualismo,
conflituoso,
doloroso
e
contraditório
impede,
por
exemplo,
de
ver
a
morte
como
um
processo
natural,
como
algo
que
faz
parte
da
vida.
No
entanto,
várias
atitudes
cotidianas
nos
revelam
como
um
simples
ato
(corriqueiro)
pode
evitar
a
morte:
o
simples
ato
de
comer,
beber
água,
respirar,
etc.,
são
ações
que
fazem
parte
da
vida
a
fim
de
evitar-‐se
a
morte.
Portanto,
no
lugar
de
aceitar
a
morte
enquanto
“segredo”
da
vida
é
preferível
esquecê-‐la,
negá-‐la,
escamoteá-‐la.
Talvez
a
razão
disso
esteja
no
medo
da
incerteza,
do
desconhecido.
O
próprio
livro
sagrado
de
diversas
religiões,
a
Bíblia,
não
deixa
claro
o
que
acontece
depois
da
morte.
Nesse
sentido,
as
concepções
religiosas
‒
do
cristianismo
ao
budismo,
passando
pelo
islamismo
–,
embora
não
esclareça
muita
coisa
para
os
seus
fiéis,
concordam
com
a
necessidade
de
termos
consciência
da
morte,
ou
de
que
a
morte
faz
parte
da
nossa
realidade
e
que
até
devemos
estar
implicado
com
a
nossa
própria
morte.
Segundo
Elizabeth
Kubler-‐Ross
(2000,
apud
SILVA,
2004),
a
proximidade
das
pessoas
com
a
morte
parece
desencadear
no
doente
uma
série
de
comportamentos,
definidos
pela
autora
em
cinco
estágios:
no
primeiro
ocorre
a
negação
da
morte
e
o
consequente
isolamento,
que
dura
um
curto
período
de
tempo;
em
um
segundo
estágio,
ocorre
o
sentimento
de
raiva,
revolta
e
inveja,
por
depender,
por
saber
que
a
vida
será
interrompida
precocemente;
a
seguir,
surge
a
negociação,
acredita-‐se
em
milagres,
mas
o
tempo
obriga
a
aceitar
o
veredicto
–
e
se
eu
acreditasse
mais
em
Deus?
Assim,
o
doente
começa
a
aceitar
a
morte
e
a
ver
a
vida
com
outro
olhar.
Na
etapa
seguinte
vem
a
depressão,
causada
pela
possibilidade
de
perda
da
vida;
finalmente,
no
ultimo
estágio
ocorre
a
aceitação
–
o
doente
pode
aceitar
morrer
sem
cólera,
revolta,
ou
culpabilidade.
É
importante
ressaltar
que
esses
estágios
de
comportamentos
não
se
apresentam
sempre
na
mesma
ordem,
alguns
não
aceitam
jamais,
enquanto
outros
o
fazem
imediatamente.
Cada
pessoa
é
única.
Mas,
não
podemos
esquecer
que,
ao
definir
essas
fases,
a
autora
trabalhou
com
pessoas
doentes,
já
com
diagnóstico
médico
estabelecido.
A
pergunta
que
se
coloca
é
se
essas
fases
se
fazem
presente
ao
logo
da
história
de
vida
das
pessoas.
2
E
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o
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p
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n
c
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a
A
velhice
é
associada,
de
modo
geral,
às
modifi
cações
no
corpo,
pois,
com
a
idade,
o
organismo
sofre
um
desgaste
natural.
Os
sinais
externos
e,
portanto,
mais
aparentes
são
9
diversos
nos
humanos
como,
por
exemplo,
cabelos
sem
cor,
rugas,
reduções
nas
capacidades
auditiva,
visual,
muscular
e,
em
alguns
casos,
cognitivas,
como
a
memória
e
a
percepção.
Diante
das
modifi
cações
em
seu
corpo,
algumas
pessoas
tendem
a
se
“assumir
velhas”,
enquanto
outras
tendem
a
adiar
esse
momento.
As
mudanças
são
visíveis
e
contribuem
para
a
associação
entre
velhice
e
feiúra,
pois
o
ideal
estético
é
erigido
culturalmente
sobre
um
corpo
jovem,
portanto,
o
velho
é
feio.
Não
resta
dúvida
que
essas
concepções
estão
ancoradas
na
visão
de
que
a
velhice
é
sinônimo
de
declínio
e
morte
e
que
muitas
vezes
tais
concepções
são
incorporadas
pelo
próprio
idoso.
Esse
tipo
de
representação
apresenta
duas
implicações.
A
primeira
está
relacionada
à
saúde
do
idoso
(prevenção),
pois
obstaculiza
a
busca
de
tratamentos
que
melhorem
sua
qualidade
de
vida.
Guimarães
(2005),
ao
estudar
as
representações
a
respeito
da
saúde
mental
e
envelhecimento,
construídas
por
cuidadores
familiares
de
idosos
com
síndrome
demencial,
identifi
cou
que,
em
alguns
casos,
os
cuidadores
acham
natural
o
esquecimento:
“É
muito
triste,
primeiro
que
de
inicio
as
pessoas
pensam
que
[...]
é
porque
está
velha,
não
é
porque
tem
uma
doença,
é
porque
está
velha;
e
o
que
acontece?
[...]
Então
vai
se
deixando
ele
de
lado,
não
vai
se
achando
que
aquilo
é
como
se
ele
tivesse
com
uma
doença
mental,
que
ele
estaria
com
uma
função
muito
melhor.”
(Participante
B).
Outra
fala
retrata:
“Minha
mãe
[...]
é
aquela
pessoa
que,
lógico,
como
todo
idoso,
com
o
passar
do
tempo
vai
criando
algumas
doenças
[...]”
(Participante
M).
A
segunda
implicação
está
relacionada
à
morte
social
do
indivíduo.
Embora
se
saiba
que,
nesta
ultima
década,
o
número
de
instituições
que
trabalham
para
evitar
o
enclausuramento
do
idoso
tem
aumentado,
seja
no
seio
de
seus
familiares,
seja
em
asilos,
o
que,
de
fato,
contribui
para
a
perda
de
status
social.
O
velho
é
visto
como
menos
produtivo,
sendo
providenciada
a
sua
substituição
pelos
mais
jovens.
A
lei
da
oferta
e
da
procura,
incidindo
sobre
a
força
de
trabalho,
desvaloriza
o
idoso.
Assim,
a
idade
passa
a
ser
um
obstáculo
à
inserção
da
pessoa
no
mercado
de
trabalho.
No
entanto,
o
envelhecimento
não
implica
inexoravelmente
no
declínio
devastador
das
funções
cognitivas.
Gerontólogos
e
geriatras
fazem
questão
de
afi
rmar
que
a
velhice
não
é
doença.
E,
mesmo
que
a
perda
de
grupos
celulares
e
a
diminuição
da
função
de
alguns
sistemas
bioquímicos
levem
ao
prejuízo
cognitivo,
existem
limiares
até
onde
o
indivíduo
pode
chegar
sem
perder
o
equilíbrio
necessário
para
as
atividades
da
vida
cotidiana.
Além
disso,
aspectos
subjetivos
devem
ser
levados
em
consideração
quando
se
tenta
conceituar
a
velhice
(SANTOS,
2003).
Por
conseguinte,
a
despeito
do
tempo
de
vida
tornar
o
ser
humano
progressivamente
vulnerável
a
danos
na
saúde,
envelhecer
não
significa
adoecer.
Não
é
a
presença
de
doença
que
melhor
determina
o
grau
de
saúde
da
população
idosa,
mas
o
impacto
que
um
dano
na
saúde
tem
sobre
o
aspecto
funcional
do
indivíduo.
A
abordagem
10
proposta
pela
Organização
Mundial
da
Saúde
(OMS)
mostra-‐se
bastante
útil
para
sua
compreensão:
•
Doença
ou
Transtorno
é
o
ponto
de
partida
na
determinação
do
impacto
funcional.
É
intrínseca,
podendo
ou
não
ser
identificada,
principalmente
na
fase
inicial;
•
Insuficiência
é
definida
como
qualquer
perda
ou
anormalidade
de
natureza
psicológica,
fisiológica,
de
estrutura
anatômica
ou
funcional.
Ao
contrário
da
doença
ou
transtorno,
a
insuficiência
é
exteriorizada,
identificável;
•
Incapacidade
é
qualquer
restrição
ou
perda
resultante
de
insuficiência,
da
habilidade
para
desempenhar
uma
atividade
de
uma
maneira
e
extensão
consideradas
normais.
Daí
ser
uma
condição
que
pode
ser
objetivada;
•
Desvantagem
é
um
fenômeno
social.
Implica
em
limitações
resultantes
de
insuficiência
ou
incapacidade,
que
restringem
ou
mesmo
impedem
o
indivíduo
de
desempenhar
plenamente
seu
papel
na
família
e
na
sociedade.
Esse
modelo,
quando
aplicado
ao
idoso,
permite
abranger
o
comprometimento
de
sua
saúde.
Já
que,
do
ponto
de
vista
biológico,
o
processo
do
envelhecimento
se
caracteriza
também
por
uma
diminuição
da
reserva
funcional,
tem-‐se
que
a
progressão
de
doença
para
insufi
ciência
e
incapacidade
é
facilitada.
Assim
é
que
na
velhice
as
doenças
crônicas
instaladas
na
vida
adulta,
mesmo
progredindo
lentamente,
terão
grande
potencial
para
causar
impacto
funcional.
Ramos
(2002)
defende
que
as
relações
sociais
são
essenciais
na
manutenção
e
promoção
da
saúde,
pois
se
espera
que
o
idoso
sinta
amparo,
segurança
e
amor
em
seu
ambiente
social,
o
que
ajuda
a
lidar
com
as
consequências
decorrentes
de
algum
problema
de
saúde
e,
consequentemente,
da
morte.
Para
o
autor
o
sentimento
de
bem-‐estar
está
diretamente
relacionado
com
a
capacidade
de
trocar,
de
dar
e
receber
de
forma
balanceada.
Quando
o
idoso
percebe
que
a
troca
não
está
equilibrada,
por
ele
ser
mais
dependente
de
outro,
ele
pode
fi
car
deprimido.
A
autonomia,
por
outro
lado,
é
uma
das
mais
prezadas
características
do
ser
humano.
Essa,
implica
na
independência,
pois
é
através
dela
que
se
escolhe
o
que
comer,
vestir
e
fazer;
o
que
define,
enfim,
o
enredo
da
vida
de
cada
um.
Ramos
(2003)
ressalta
que
é
a
autonomia
que
pode
ser
a
mais
comprometida
na
velhice,
ou
seja,
é
a
capacidade
de
determinar
e
executar
seus
próprios
desígnios.
Qualquer
pessoa
que
chegue
aos
oitenta
anos,
capaz
de
gerir
sua
própria
vida
e
determinar
quando,
onde
e
como
se
darão
suas
atividades
de
lazer,
convívio
social
e
trabalho
(produção
em
algum
nível),
certamente
será
considerada
uma
pessoa
saudável.
“Pouco
importa
saber
que
essa
mesma
pessoa
é
hipertensa,
diabética,
cardíaca
e
que
toma
remédio
para
depressão
–
infelizmente
uma
combinação
bastante
frequente
nessa
idade
(p.
01)”
11
No
extremo
oposto
estaria
a
incapacidade
e
sua
expressão
social,
a
desvantagem.
A
elevada
prevalência
de
doenças
mentais
em
idosos
tem
grande
potencial
de
comprometimento
funcional.
As
doenças
mentais
são
as
principais
causas
de
perda
da
autonomia
na
velhice.
A
representação
da
velhice
como
sendo
o
indivíduo
improdutivo
e
incapaz
ainda
é
muito
presente
na
cultura
ocidental,
o
que
leva,
naturalmente,
a
uma
inversão
dos
papeis
sociais.
Em
alguns
casos,
à
medida
que
o
tempo
avança,
os
filhos
assumem
o
papel
dos
pais,
invertendo
a
hierarquia,
até
então,
estabelecida.
Essa
inversão
de
papeis
tem
consequência
direta
na
dinâmica
familiar
e
na
própria
saúde
do
idoso,
pois
cria
todas
as
condições
favoráveis
para
que
o
indivíduo
fique
cada
vez
mais
dependente
dos
filhos.
3
E
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e
D
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a
Santos
(2003)
mostrou,
em
sua
pesquisa
sobre
o
cuidador
familiar
de
idosos
com
demência,
que
o
processo
de
fi
nitude
e
a
morte
dos
portadores
foram
sentidas
e
vivenciadas
de
maneiras
diversas,
estando
relacionadas
de
forma
direta
ao
modo
como
a
família
e
o
cuidador
representaram
a
demência.
Enfi
m,
aqueles
cuidadores
e
familiares
que
reconstruíram
seus
vínculos
afetivos
com
os
portadores
de
demência
sofreram
mais.
O
mesmo
fato
ocorreu
quando
o
cuidador
faleceu.
Já,
para
outros
familiares,
o
processo
de
finitude
e
a
morte
se
deu
no
decorrer
do
avanço
da
síndrome,
consequente
do
distanciamento
da
realidade
que
o
portador
de
demência
apresente,
e
da
dificuldade
de
comunicação
e
das
mudanças
comportamentais
e
de
personalidade;
os
vínculos
construídos
na
história
de
convívio
deixam
de
estabelecer
o
equilíbrio
entre
os
membros.
A
morte
do
indivíduo
não
se
limita,
necessariamente,
à
morte
biológica.
Existe
também
a
morte
social,
quando
o
individuo
já
não
é
mais
a
mesma
pessoa,
ou
não
faz
mais
o
que
fazia,
não
apresenta
as
mesmas
habilidades
e
capacidades,
ou,
até
mesmo,
é
um
fardo
para
a
família.
As
limitações
e
dependência
afastam
o
indivíduo
de
seu
convívio
familiar
e
de
atividades
sociais,
inclusive,
o
impedem
de
desempenhar
diversas
papeis
sociais.
A
mesma
questão
pode-‐se
inferir
ocorrer
no
caso
de
morte
cerebral,
ou
coma
profundo.
4
E
n
v
e
l
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c
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n
t
o
e
Q
u
a
l
i
d
a
d
e
d
e
V
i
d
a
A
Medicina
paliativa
tem
por
objetivo
estabelecer
princípios
para
lidar
com
pacientes
que
apresentem
doenças
progressivas,
avançadas
e
com
expectativas
de
vida
reduzida,
de
forma
que
esses
tenham
qualidade
de
vida,
ainda
que
não
seja
fácil
definir
doença
avançada
e
expectativa
de
vida
reduzida,
como
afirma
Silva
(2004).
12
A
qualidade
de
vida
enfoca
o
indivíduo
e
não
a
doença,
aliviando
a
dor
e
outros
sintomas,
e
dando
suporte,
tanto
para
o
paciente,
quanto
para
a
família.
Ainda,
na
medicina
paliativa
o
ser
humano
é
visto
holisticamente,
e
não
como
um
conjunto
de
órgãos
e
sintomas,
que
devem
ser
combatidos,
o
que
difere
do
paradigma
predominante
no
modelo
biomédico
atual.
A
tendência
da
equipe
de
saúde
e
da
família
é
de
distanciamento
em
uma
situação
de
finitude.
Não
há
formação
de
profissionais
para
lidar
com
a
morte,
visto
que
nesse
modelo
biomédico,
ela
é
uma
derrota,
um
fracasso,
no
qual
ocorreu
a
“perda
do
paciente”.
Os
familiares,
além
dos
aspectos
afetivos,
também
não
são
educados
para
lidar
com
essa
situação,
desprovidos
de
entendimento
do
processo
natural
incutido
no
ciclo
vital
de
qualquer
ser
deste
planeta
(BURLÁ,
2002;
SCHRAMM,
2002;
SILVA,
2004).
Enfim,
qualidade
de
vida
abrange
não
somente
o
paciente,
mas
também
a
rede
social
de
apoio
(equipe
de
saúde,
cuidadores
e
familiares).
No
conceito
de
qualidade
de
vida,
a
concepção
de
saúde
se
amplia,
implicando
tanto
em
um
modo
de
vida
são,
que
permite
ao
indivíduo
ter
uma
expressão
autodeterminada
e
interessada,
como
em
uma
personalidade
sã,
portadora
de
mecanismos
e
funções
que
lhe
permitem
expressar
suas
aspirações
essenciais
e
enfrentar
as
contradições
e
frustrações
que
a
vida
implica.
(REY,
1993).
Qualidade
de
vida
também
implica
na
“[...]
percepção
do
indivíduo,
de
sua
posição
na
vida,
no
contexto
da
cultura
e
de
sistemas
de
valores
nos
quais
ele
vive
e
em
relação
aos
seus
objetivos,
expectativas,
padrões
e
preocupações.”
(WHOQOL
–
OMS,
2000,
apud
FLECK
et
al.,
2003).
Para
Agostinho
(2004),
a
forma
como
encaramos
a
morte
é
consequência
direta
da
forma
como
norteamos
a
vida,
nossos
valores,
medos,
papeis
sociais,
regras
e
sonhos.
Portanto,
a
qualidade
da
morte
é
consequência
da
qualidade
de
vida
que
estipulamos
para
nós
mesmos.
Não
se
pode
esquecer
também
do
conceito
de
modo
de
vida,
ou
estilo
de
vida,
em
que
se
expressam
as
motivações
essenciais
do
indivíduo,
em
um
sistema
de
atividades
concretas
(motivo
esse
pelo
qual
essa
categoria
tem
um
importante
significado
para
o
estudo
da
saúde
humana).
Além
do
sistema
de
atividades
que
caracterizam
o
modo
de
vida
e
do
nível
de
implicação
do
sujeito
neste,
também
é
de
suma
importância
o
sistema
de
hábitos
através
do
qual
o
indivíduo
se
expressa
(higiênicos,
alimentares,
de
cultura
física,
fumar
etc.)
(REY,
1993).
Deve-‐se
analisar
a
pessoa
sistêmica
e
holisticamente
para
se
compreender
esse
processo
do
estilo
de
vida
saudável
e
do
adoecimento.
Assim,
consequentemente,
o
ser
humano
será
entendido
como
um
todo,
aumentando-‐se
a
probabilidade
de
respeitar
a
subjetividade
imposta
pela
qualidade
de
vida,
visto
que
esta
implica
na
convergência
de
aspectos
físicos,
psicológicos,
espirituais,
sociais
e
ideais,
nas
quais
sonhos
e
aspirações
são
concretizados
num
13
dado
momento.
A
qualidade
de
vida,
traduzida
para
qualidade
de
morte,
significa
que
o
“[...]
hiato
entre
o
ideal
e
o
possível
[...]”
(BURLÁ,2002,
p.
5)
em
um
dado
momento,
foi
reduzido,
respeitando-‐se
portanto
asubjetividade
do
indivíduo.
Sevalho
(1993),
em
uma
revisão
histórica
da
representação
social
de
saúde
e
doença,
concluiu
que
ocorreram
mudanças
nas
representações,
ainda
que
suaves,
sem
contornos,
e
com
elementos
primitivos.
O
processo
de
doença
e
a
morte
se
associaram
no
decorrer
da
história.
Nos
povos
sem
escrita,
a
doença
era
resultado
de
entidades
sobrenaturais,
ou
externas
e
nada
poderia
ser
feito
pelo
ser
humano
doente.
Já
nos
povos
com
escrita,
a
doença
era
como
obra
dos
deuses,
um
humor
divino,
maldições,
castigos
divinos,
ou,
então,
era
a
doença-‐punição
por
algo
errado
individualmente,
ou
em
grupo.
Havia
uma
forte
influência
do
medo
e
culpabilidade
relacionados
à
doença,
portanto,
morrer
doente
era
a
punição
para
os
pecadores.
Na
Idade
Média
houve
uma
forte
influência
do
cristianismo,
as
representações
continham
alto
teor
religioso,
havia
uma
sensação
de
que
deveria
ser
mantida
distância
do
doente;
afastar
o
desconhecido,
pois
predominava
o
medo
do
sofrimento
e
da
morte.
No
Renascimento
começam
as
práticas
intervencionistas,
com
o
racionalismo
científi
co,
base
da
ciência
moderna,
o
empirismo
indutivo
e
o
racionalismo
dedutivo
de
Bacon
e
Descartes,
surgindo
a
possibilidade
de
se
adiar
o
momento
da
morte.
Já
no
século
XVII
e
XVIII,
o
foco
estava
nos
elementos
sólidos
do
corpo,
quando
aumentou
o
interesse
na
contagem
da
população
viva
e
morta
e,
também,
pelas
causas
das
mortes
para,
por
fi
m,
controlá-‐las
(SEVALHO,
1993).
Com
o
avanço
do
conhecimento
cientifico,
a
ênfase
passou
a
ser
maior
no
agente
externo
causador
da
doença,
portanto,
a
causa
externa
e
os
sintomas
alcançaram
enorme
importância
na
Medicina,
o
ser
humano
era
passivo,
impactado,
paciente.
A
morte
passa
a
ser
ignorada
pela
ânsia
de
controlar,
adiar
e
determinar
a
causa
de
uma
doença.
Pensar
a
Medicina
paliativa,
que
defende
a
autonomia,
a
qualidade
de
vida
e
a
dignidade
do
ser
humano
em
processo
de
enfermidade
terminal,
crônica,
ou
aguda,
e
de
seus
cuidadores
e
familiares,
implica
também
em
permitir
que
esse
indivíduo,
ou
familiares
expressem
o
momento
de
encerrar
seu
sofrimento.
(SCHRAMM,
2002).
As
intervenções
desnecessárias
são
chamadas
de
distanásia,
obstinação
terapêutica,
ou
futilidade
médica
(KOVACS,
2003;
SIQUEIRA-‐BATISTA;SCHRAMM,
2004).
O
objetivo
da
intervenção
paliativa
é
“[...]
o
do
tratamento
proporcional
para
cada
caso,
ou
seja,
eficaz
para
cuidar
daquilo
a
que
se
propõe.”
(KOVACS,
2003,
p.
36);
Isso,
por
sua
vez,
diminui
o
conflito
que
surge
na
diferenciação
do
tratamento
necessário
para
“salvar”
a
vida
do
paciente
e
o
tratamento
fútil,
que
prolonga
a
angustia
e
o
sofrimento
do
paciente
e
de
seus
familiares.
A
concepção
paliativa
não
exclui
o
14
paciente
de
tratamentos,
mas
sim
inclui
o
ser
humano
e
seus
familiares
no
processo
de
qualidade
de
vida,
visando
o
bem-‐estar
de
seus
momentos
terminais.
A
eutanásia
seria
o
ato
de
“provocar
a
morte
por
compaixão
num
doente
incurável,
para
pôr
fi
m
aos
seus
sofrimentos”
(HOTTOIS;
PARIZEAU,
2002,
p.
225),
ou
seja,
terminar
com
o
sofrimento
de
outro,
em
que
a
doença
não
tenha
mais
tratamentos
possíveis.
Ressalta-‐se
que,
na
atual
legislação
vigente
no
Brasil,
e
como
norma
constitucional
pétrea
de
direito
à
vida,
configura
crime
contra
a
vida,
sujeito
a
pena
cabível
de
homicídio
doloso
ou
culposo.
Siqueira-‐Batista
(2004)
defende
que
cabe
ao
profissional
de
saúde
respeitar
a
decisão
do
paciente,
ainda
que
contra
seus
princípios,
e
também
não
tomar
decisões
por
esse,
de
forma
arbitrária
e
até
arrogante.
Silvestre
e
Neto
(2003)
sugerem
que
o
profissional
de
saúde
deve
perceber
a
multicausalidade
física,
social
e
psicológica
do
adoecer;
e,
principalmente,
contextualizar
o
paciente
em
seu
ambiente
social
de
origem.
Cabe
ao
profissional
trabalhar
mais
a
saúde
do
que
a
doença,
com
interdisciplinaridade,
o
que
pode
ser
entendido
como
visualizar
a
qualidade
de
vida
da
pessoa.
5
C
o
n
s
i
d
e
r
a
ç
õ
e
s
F
i
n
a
i
s
Um
dos
grandes
desafi
os
hoje,
em
relação
à
velhice
e
a
morte,
é
em
primeiro
lugar
separar
velhice
de
morte.
Faz-‐se
necessário
reverter
essa
concepção
fatalista:
a
velhice
como
sinônimo
de
declínio
e
morte;
trabalhar
na
direção
da
construção
de
uma
representação
mais
otimista
da
velhice,
que
restitua
o
lugar
do
idoso
na
família
e
na
sociedade,
e
que
reconheça
que
ele
é
um
ser
responsável
pelos
rumos
de
sua
própria
história.
Não
basta
criar
modelos
assistencialistas
de
atendimento
ao
idoso,
ele
precisa
de
autonomia
e
de
restituição
do
seu
direito
à
cidadania.
Faz-‐se
necessário
ainda,
quebrar
o
tabu
imposto
pelo
tema
morte,
permitindo
que
essa
tome
posse
de
seu
lugar
de
direito:
a
de
única
certeza
da
vida,
determinando
o
fi
m
do
ciclo
de
qualquer
ser
deste
planeta;
sendo,
ainda,
o
segundo
grande
momento
da
existência,
após
o
nascimento,
no
qual
todos
os
seres
vivos
são
iguais.
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Desenvolvimento,
envelhecimento
e
existencialismo
É
habitual
tematizar
o
desenvolvimento
humano
sem
fazer
qualquer
menção
a
um
outro
processo
de
complexidade
idêntica
que
é
o
envelhecimento.
O
desenvolvimento
e
o
envelhecimento
humano
partilham
algo
de
comum:
ambos
são
processos
que
mantêm
relações
íntimas
com
a
passagem
do
tempo.
Um
é
habitualmente
conotado
com
um
progresso
positivo;
outro
é
muitas
vezes
conotado
com
um
progresso
negativo.
Para
além
da
simplicidade
destas
crenças
grosseiras,
gostaria
hoje
de
perguntar:
será
que
poderemos
falar
de
envelhecimento
em
sentidos
positivos?
Poderemos
falar
de
envelhecimento
como
desenvolvimento?
Como?
E
que
implicações
terá
isso?
O
envelhecimento
aí
está,
sempre,
a
ameaçar
a
nossa
mente
de
que
o
tempo
tem
limites,
que
os
projectos
têm
limites
ou
constrangimentos,
que
a
eternidade
não
existe
possivelmente
em
nenhum
aspecto
da
vida.
Bastaria
talvez
uma
consciência
apurada
deste
dado
para
podermos
afirmar,
com
naturalidade,
a
transitoriedade
e
simultaneamente
a
natureza
dinâmica
e
desenvolvimental
dos
fenómenos
"vitais".
Nada
fica
ou
permanece
na
mesma,
com
o
decurso
do
tempo,
desde
o
nosso
corpo,
à
nossa
mente,
às
árvores
dos
jardins,
às
relações,
aos
amores
e
às
raivas,
etc.
Com
efeito,
a
consciência
individual
de
que
o
ciclo
de
vida
é
marcado
pelo
tempo
e
tem
limites
temporais,
pressiona
cada
um
a
ser
uma
entidade
activa,
seleccionando
objectivos
a
cumprir
ou
obras
a
realizar,
optimizando
o
seu
desempenho
e
compensando,
sempre
que
necessário,
os
objectivos
não
alcançados
ou
os
métodos
menos
eficazes[1].
Por
outro
lado,
estes
processos
de
selecção,
optimização
e
compensação
são
realizados
para
construir
a
coerência
e
o
significado
possíveis
no
ciclo
de
uma
vida
e
num
segmento
da
história
humana
de
uma
dada
cultura
Dito
por
outras
palavras,
são
os
limites
temporais
de
cada
vida
e
também
a
natureza
temporal
de
todas
as
tarefas
que,
paradoxalmente,
criam
condições
aos
organismos
para
se
desenvolverem
e
evoluirem,
activando
as
escolhas
de
trajectos
e
objectivos,
aperfeiçoando-‐os
e
reformulando
o
seu
valor.
E
esta
pressão,
esta
evolução
ou,
mesmo,
esta
pressão
evolutiva,
ocorrem
independentemente
da
idade
de
cada
um;
aquilo
que
se
perde
quando
se
ganha
e
o
que
se
ganha
quando
se
perde
não
é
substancialmente
diferente
na
juventude
e
até
idades
avançadas.
Em
qualquer
idade
os
ganhos
e
as
perdas
coexistem
numa
proporção
não
muito
17
diferente.
O
que
importa
sempre
é
o
potencial
de
energia
residente
que
nos
permite
continuar
a
seleccionar,
a
optimizar
e
a
compensar.
São
estes
três
processos
que
nos
permitem
afirmar
de
uma
forma
mais
positiva
o
envelhecimento
ou
a
mera
passagem
do
tempo
e
tratá-‐lo
como
uma
questão
de
desenvolvimento
humano
até
longa
idade,
até
os
sistemas
de
energia
humanos
não
colapsarem
por
completo.
É
nesta
ausência
de
"telos",
nesta
transitoriedade,
nas
infinitas
dimensões
e
direcções
que
pode
tomar
cada
vida
e
também
na
plasticidade
que
aqueles
três
processos
centrais
viabilizam
que
em
meu
entender
todo
o
existencialismo
se
ergueu
e
se
pode
erguer.
Apontando
desta
forma
um
valor
atemporal,
universal
e
não
relativo
que
é
o
esforço
comovedor
que
cada
organismo
faz
para
estar
vivo!
Independentemente
da
idade
ou
de
qualquer
outra
condição.
Quero
terminar
hoje
apontando
a
ideia
de
uma
educação
que
sem
ignorar
a
história
e
a
cultura
não
pode
ela
própria
deixar
de
ser
existencialista,
sob
o
risco
de
não
poder
sequer
ser
imaginada
educação.
E
é
acreditando
que
a
nossa
escola
só
é
existencialista
nos
intervalos
da
sua
acção
que
hoje,
com
pessimismo,
me
despeço.
[1]
Estes
três
processos
são
sugeridos
pelo
famoso
investigador
Paul
Baltes,
do
Max
Planck
Institute
de
Berlim,
como
fazendo
parte
de
uma
"arquitectura
da
ontogenia
humana"
A
Pagina
da
educação
Disponível
em
http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=125&doc=9531&mid=2
Chuvas
de
verão
(1978),
de
Carlos
Diegues
Chuvas
de
Verão
"A
vida
não
é
como
as
águas
do
rio
que
passam
sem
descanso,
nem
como
o
sol
que
vai
e
volta
sempre.
A
vida
é
uma
chuva
de
verão,
súbita
e
passageira,
que
se
evapora
ao
cair."
Quando
Isaura
(Miriam
Pires)
lê
para
Afonso
(Jofre
Soares)
a
citação
acima,
o
espectador
já
está
completamente
entregue
a
"Chuvas
de
Verão"
(1978),
obra-‐prima
do
diretor
Carlos
Diegues.
Não
utilizo
a
palavra
"obra-‐prima"
de
forma
leviana:
aula
de
roteiro,
direção,
fotografia,
e
principalmente
esforço
interpretativo
da
própria
Miriam,
Jofre
Soares,
Rodolfo
Arena
e
Loudes
Mayer,
transformaram
-‐-‐
passados
trinta
anos
-‐-‐
"Chuvas
de
Verão"
em
um
dos
melhores
filmes
do
cinema
brasileiro.
18
Ao
revê-‐lo,
muito
impressiona
como
a
arte
fílmica
nacional
desaprendeu
de
lá
pra
cá,
brutalizando
o
olhar
atento
e
individualizado
sobre
o
povo
e
a
vida
cotidiana
em
um
arremedo
de
hipocrisia
coletiva,
superficialidade
sociológica
e
terror
bélico.
Dói
concluir
que,
apesar
do
salto
no
tempo,
aquele
subúrbio
onírico
de
"Chuvas
de
Verão"
ainda
existe
em
algum
lugar.
Os
personagens
idem.
Extinguiu-‐se,
apenas,
a
vontade
de
retratá-‐los
novamente.
Isso
porque
em
"Chuvas
de
Verão"
ninguém
morre
em
nome
do
fetiche
estético,
a
pobreza
não
busca
expiações
e
a
periferia
não
é
tratada
por
um
olhar
infantilizante.
No
entanto,
que
bela
crítica
social
é
a
figura
de
Afonso,
um
homem
que
dedicou
toda
vida
à
repartição,
para
em
troca
ser
aposentado
e
receber
como
troféu
uma
caneta
dourada.
Obediente
às
normas,
ciente
dos
seus
deveres,
Afonso
jogou
a
vida
fora.
Está
na
hora
de
substituí-‐lo
e
devolvê-‐lo
de
pijama
para
uma
casa
pobre,
onde
como
tantos
esperará
sozinho
e
resignado
a
morte.
Emulando
um
personagem
qualquer
do
neo-‐realismo
italiano,
o
homem
velho
sabe
que
viveu
para
nada.
A
partir
dele
fica
claro
que
todos
em
volta
habitam
o
mesmo
dilema:
a
pianista
fracassada,
Dona
Helô
(Loudes
Mayer),
mãe
de
um
inútil
de
32
anos
que
nunca
lhe
dará
netos;
um
ex-‐ponta
esquerda
do
Bangu,
que
quase
jogou
no
Vasco;
o
palhaço
Guaraná
(Rodolfo
Arena),
amigo
de
Afonso,
que
oculta
um
segredo
terrível;
e
o
x9
da
polícia,
Juracy
(Paulo
César
Peréio),
atuante
na
vizinhança
como
uma
espécie
de
coringa.
É
Juracy,
conhecido
como
Pereba,
quem
dá
as
boas-‐vindas
ao
funcionário
público
depois
da
aposentadoria;
é
ele
também
que
ajuda
a
filha
de
Seu
Afonso,
Dodora
(Marieta
Severo),
a
desmascarar
a
traição
conjugal
do
marido;
e
será
ele
a
apontar
o
dedo
para
o
velho,
que
escondia
em
casa
o
bandido
Lacraia
(Luis
Antonio),
namorado
da
empregada
Lurdinha
(Cristina
Aché).
O
drama
do
bandido
Lacraia
e
o
crime
cometido
pelo
Palhaço
Guaraná
servem
de
informação
ao
público
de
que
o
roteiro
não
ignorava
a
violência
urbana,
tema
já
presente
nos
noticiários
da
época.
A
vida
futura
de
Afonso,
depois
da
aposentadoria,
resume-‐se
a
quatro
dias.
É
cerceada
imediatamente
por
funcionários
da
prefeitura,
que
derrubarão
sua
casa
-‐-‐
e
o
bairro
tradicional
-‐-‐
para
construírem
um
viaduto.
O
viaduto,
metáfora
da
morte,
da
temporalidade,
mas
aceito
de
bom
grado
por
Seu
Afonso
depois
que
concretiza
a
paixão
reprimida
por
Isaura.
Em
um
filme
sobre
a
mediocridade,
o
sexo
voluntarioso
e
libertário
entre
os
dois
velhos
que
bebem
cerveja
e
escutam
Francisco
Alves
não
é
chuva
de
verão:
são
águas
de
março,
promessa
de
vida
em
resignados
corações.
Cacá
Diegues
passou
quase
três
anos
escrevendo
o
roteiro,
talvez
para
evitar
que
seu
olhar
de
morador
da
zona
sul
-‐-‐
alagoano
de
nascimento,
foi
criado
em
Botafogo
-‐-‐
contaminasse
o
espírito
suburbano.
De
fato,
chama
atenção
nos
curtos
87
minutos
de
"Chuvas
de
Verão"
a
19
total
ausência
de
estereótipos,
e
o
despertar
natural
de
uma
empatia
entre
narrativa
e
público.
Sem
qualquer
julgamento
por
parte
do
diretor,
a
câmera
apenas
os
observa.
Somente
Juracy,
com
suas
frases
de
efeito
(
"Eu
tenho
a
cabeça
boa,
o
que
atrapalha
é
os
pensamentos"),
potencializado
pelo
tom
excessivo
e
cativante
de
Paulo
César
Pereio,
força
a
barra
em
um
confronto.
Os
outros
existem
-‐-‐
imperfeitos
e
observáveis.
A
equipe
passou
semanas
filmando
em
Marechal
Hermes,
zona
norte
do
Rio,
e
em
algumas
outras
locações
da
região,
inclusive
no
Conjunto
Habitacional
Presidente
Getúlio
Vargas,
Guadalupe,
onde
dez
anos
depois
Cacá
fez
"Um
Trem
Para
as
Estrelas".
Moradia
de
Vina
em
"Um
Trem
Para
as
Estrelas"
o
popular
Conjunto
Deodoro
aparece
em
"Chuvas
de
Verão"
na
cena
da
fuga
de
Lacraia,
quando
o
motorista
do
táxi
(Procópio
Mariano)
despeja
um
monólogo
amargo,
ilustrando
em
um
desfile
de
impropérios
a
inutilidade
da
própria
vida.
O
gordo
Procópio,
ator
intuitivo
e
fabuloso,
rouba
a
cena
em
entreato
que
deprime
e
exaspera.
"Chuvas
de
Verão"
estaria
no
direito
de
ser,
guardadas
as
ricas
circunstâncias,
uma
experiência
soturna,
pesada.
Pelo
contrário,
Cacá
Diegues
a
conduz
com
tanta
maestria
e
suavidade
que
terminamos
o
filme
quase
leves,
felizes.
À
verdade
íntima
de
Seu
Afonso,
dos
vizinhos,
de
cada
um
de
nós,
não
importa
a
transitoriedade
da
vida
e
dos
acontecimentos.
Importa
o
que
fazemos
com
eles,
o
almoço
que
preparamos
para
saciar
nossa
fome.
Enquanto
Dona
Isaura
após
o
sexo
passa
a
usar
vestidos
claros,
Carpe
Diem,
o
aforismo
do
romano
Horácio,
cairia
bem
como
resumo
poético
deste
imperativo.
Andrea
Ormond
Estranho
Encontro
Disponível
em
http://estranhoencontro.blogspot.com.br/2009/03/chuvas-‐de-‐verao.html
20
21
Chuvas
de
Verão,
o
Novo
Filme
de
Cacá
Diegues
Cinco
dias
de
realidade
suburbana
Sérvulo
Siqueira
Durante
quase
dois
meses,
neste
outono,
a
equipe
de
Chuvas
de
verão,
novo
filme
de
Carlos
Diegues,
se
instalou
em
algumas
casas
de
uma
tranqüila
rua
de
Marechal
Hermes.
E
ali,
por
vários
dias,
caíram
chuvas
artificiais,
necessárias
para
contar
"a
história
de
uma
comunidade
suburbana
de
parentes,
amigos
e
vizinhos",
conforme
afirma
o
seu
diretor.
Realizada
em
parte
em
som
direto,
e
contando
em
seu
elenco
com
Jofre
Soares,
Rodolfo
Arena,
Sadi
Cabral,
Míriam
Pires,
Lourdes
Mayer,
Jorge
Coutinho,
Marieta
Severo,
Cristina
Aché,
Luís
Antônio,
que
compõem
um
total
de
15
a
16
personagens.
Suas
filmagens
já
estão
encerradas
e
a
montagem
é
de
Mair
Tavares.
Posteriormente
o
filme
receberá
a
música,
que
será
especialmente
composta
por
Paulinho
da
Viola.
A
produção
é
da
Alter
Filmes.
CACÁ
DIEGUES,
diretor
Velhice,
e
morte
antes
do
tempo
-‐
Eu
soube
que
a
história
do
filme
é
baseada
em
fatos
reais.
-‐
Vamos
colocar
em
termos.
Na
verdade
esta
é
uma
história
que
já
estava
mais
ou
menos
pronta
antes
de
eu
fazer
"Xica
da
Silva".
Depois
de
fazer
o
filme
comecei
a
reescrevê-‐la.
A
maior
parte
dos
acontecimentos
reproduzidos
no
filme
é
baseada
em
fatos
reais,
em
fait-‐
divers
de
jornal
ou
mesmo
histórias
que
eu
ouvi
contar.
Isto
não
quer
dizer
que
o
filme
seja
todo
ele
baseado
em
fatos
reais,
embora
a
maioria
dos
episódios
o
seja.
-‐
Como
é
a
estrutura
do
filme?
Parece
que
ele
se
passa
em
cinco
dias.-‐
0
filme
tem
uma
estrutura
muito
fragmentária.
Na
verdade
ele
não
conta
uma
história,
é
uma
janela
aberta
através
da
qual
passam
os
personagens.
São
cinco
dias
de
uma
realidade
suburbana.
De
sexta
a
terça-‐feira,
de
uma
comunidade
de
subúrbio
de
parentes,
amigos,
vizinhos
etc
...
22
-‐
Eu
notei
que
a
maior
parte
dos
protagonistas
do
filme
são
antigos
atores,
como
o
Rodolfo
Arena,
que
está
presente
aqui.
Realmente
existem
no
filme
um
certo
número
de
atores
idosos.
Eu
não
diria
que
é
um
filme
sobre
gente
velha
e
sim
um
filme
onde
também
existe
gente
velha.
Entretanto,
é
um
filme
interessado
nas
pessoas
de
idade.
Você
já
reparou
que
com
a
eclosão
—
a
partir
dos
anos
60
—
da
contestação
e
reivindicação
das
minorias
sexuais,
políticas
e
sociais,
não
apareceu
ainda
uma
no
sentido
etário.
Existe
o
gaypower
mas
não
existe
o
old
power.
É
muito
estranho
isto.
E
no
entanto
as
pessoas
de
idade
são
interessantíssimas.
São
pessoas
que
viveram
experiências
que
a
gente
não
viveu.
Eu
sei
que
estou
dizendo
uma
coisa
óbvia,
mas
é
verdade.
Em
geral,
as
pessoas
velhas
são
condenadas
pelos
jovens
e
pelo
próprio
sistema
a
um
imobilismo
social
e
a
uma
inatividade
sexual.
E
este
filme
—
eu
não
vou
dizer
que
é
sobre
isto
—
mas
possui
este
aspecto
de
que
as
pessoas
de
idade
não
são
isso.
Existe
esta
lenda
do
jovem
como
revolucionário
e
do
velho
como
reacionário.
Isto
é
um
maniqueísmo
absurdo.
Muitas
vezes
você
encontra
pessoas
de
idade
que
são
extremamente
mais
revolucionárias
que
certos
jovens
de
hoje.
Então
o
filme
tem
este
aspecto
—
uma
espécie
de
interrogação
sobre
a
idade,
não
como
a
aproximação
da
morte
mas
como
a
permanência
da
vida
num
estágio
mais
tardio.
A
tendência
da
civilização
católica
capitalista
é
de
que
no
momento
em
que
o
indivíduo
não
é
mais
produtivo
para
a
sociedade
ele
passa
a
esperar
a
morte.
Este
filme
é
exatamente
o
contrário
disto,
no
sentido
de
que
os
personagens
velhos
servem
para
uma
demonstração
oposta.
Porque
a
vida
termina
quando
você
morre
e
não
quando
você
começa
a
esperar
a
morte.
Em
geral
a
relação
com
a
velhice
aparece
de
um
ponto
de
vista
muito
piedoso.
A
piedade
pelo
velho
é
uma
coisa
extremamente
reacionária
porque
soa
como
uma
forma
de
condenação,
de
marginalização.
Eu
não
me
apiedo
pela
velhice,
estou
tentando
mostrar
que
não
se
pode
condenar
um
indivíduo
à
morte
social
antes
que
ele
morra.
Mas
este
é
apenas
um
dos
aspectos
do
filme,
eu
não
quero
que
dê
a
impressão
de
que
ele
é
sobre
isto.
-‐
E
os
personagens?
Como
são
eles?
-‐
O
Rodolfo
Arena
faz
o
Lourenço,
um
velho
palhaço
de
circo.
O
circo
acabou
e
ele
não
tem
onde
trabalhar.
A
Lourdes
Mayer
é
uma
mulher
de
classe
média
que
está
investindo,
fica
aplicando
em
caderneta
de
poupança,
contando
os
juros
da
correção
monetária,
aquela
coisa.
O
personagem
do
Jorge
Coutinho
é
um
operário
que
foi
jogador
de
futebol,
quebrou
a
perna
e
não
pode
mais
jogar.
Este
é
um
filme
sobre
as
pessoas
que
não
vivem
aquela
vida
que
na
verdade
gostariam
de
ter
vivido.
Em
princípio
ia
se
chamar
"Duas
vidas":
aquela
vida
que
você
23
é
obrigado
a
viver,
ou
por
razões
fortes,
ou
por
pressão
social
ou
então
em
virtude
da
própria
realidade;
e
uma
outra
vida
que,
ou
você
vive
secretamente,
ou
simplesmente
não
vive
por
questões
de
repressão
social
ou
por
razões
internas
mesmo.
E
o
filme
é
sobre
como
é
fácil
explorar
esta
contradição
e
muitas
vezes
assumir
um
certo
radicalismo.
Então
este
não
é
um
filme
decadente
porque
se
alguns
personagens
não
resolvem
esta
contradição
outros
a
resolvem.
Este
é
um
filme
otimista.
RODOLFO
ARENA,
'Lourenço"
O
palhaço
solitário
estupra
crianças
Rodolfo
Arena,
48
anos
de
profissão
de
ator,
mais
de
110
filmes
feitos.
"Seu
eu
fosse
ator
estrangeiro,
já
estaria
rico",
diz
ele.
Começou
como
artista
de
circo,
mas
afirma
que
o
seu
ídolo
quando
criança
era
Carlitos.
"Talvez
por
isso
eu
seja
ura
ator
tragicômico".
-‐
Rodolfo
Arena,
como
é
o
seu
personagem
neste
filme?
-‐
0
palhaço
realmente
adora
crianças.
Porque
ele
vive
da
criança
e
em
geral
ele
é
uma
criança.
Aliás,
nós
todos
temos
qualquer
coisa
da
criança
e
se
não
tivéssemos,
já
teríamos
acabado.
Pois
o
Cacá
leu
nos
jornais
que
em
Recife
um
palhaço
havia
estuprado
uma
criança
e
colocou
este
fato
na
fita.
Ele
achou
que
eu
seria
a
pessoa
para
fazer
este
personagem
porque
adoro
criança.
O
palhaço
Lourenço
e
o
Afonso
são
dois
grandes
amigos.
E
quando
chega
uma
situação
tal
que
o
Afonso
é
preso,
ele
—
para
desviar
a
atenção
da
polícia
do
Afonso
—
vai
e
confessa
o
crime.
É
um
personagem
gostoso
de
fazer,
que
a
gente
faz
sem
sacrifícios.
Temos
trabalhado
bastante,
ontem
mesmo
fez
um
frio
de
rachar,
mas
vale
a
pena.
-‐
Você
considera
este
personagem
também
tragicômico?
-‐
Mais
ou
menos.
É
um
personagem
de
certa
decadência.
Um
palhaço
de
circo
que
vive
de
festinhas
em
casas
de
família.
Não
é
aposentado
por
algum
motivo.
Até
que
chega
o
dia
em
que
ele
estupra
uma
criança.
-‐
O
que
o
leva
a
fazer
isto
?
-‐
Não
sei,
talvez
pela
solidão.
Ele
é
um
homem
sozinho.
24
JOFRE
SOARES,
"Afonso"
O
choque
de
um
aposentado
Jofre
Soares
é
um
dos
atores
de
maior
atividade
no
cinema
brasileiro
atualmente.
Dos
seus
últimos
filmes
poderiam
ser
citados,
somente
entre
aqueles
que
não
foram
ainda
lançados,
"Tenda
dos
milagres",
"Pastores
da
noite
,
"Crueldade
mortal",
"Quem
Matou
Pacífico",
"Delmiro
Gouveia"
e
"Morte
e
vida
Severina".
-‐
Jofre,
como
é
o
universo
do
Afonso,
o
personagem
que
você
faz
em
"Chuvas
de
verão"?
-‐
E
mais
um
personagem
que
eu
faço
no
cinema
brasileiro
extraído
da
vida
real,
do
dia
a
dia.
Aqui
nesta
rua,
em
Marechal
Hermes,
deve
existir
muitos
Afonsos.
É
um
sujeito
que
se
aposentou,
viveu
a
sua
vida,
saia
às
6
horas
da
manhã,
voltava
às
sete
da
noite.
Assumiu
o
seu
papel,
que
é
o
que
todos
devemos
fazer.
Aposentou-‐se
e
aquele
mundo
que
ele
não
esperava
que
existisse
veio
a
descobrir
nestes
cinco
dias
em
que
se
passa
o
filme.
Uma
pessoa
que
leva
a
vida
que
ele
tinha,
não
sabe
de
nada
do
que
acontece.
De
repente,
aparece
um
bandido
na
sua
casa
e
o
seu
amigo
Lourenço
—
que
é
uma
pessoa
por
quem
ele
tem
uma
imensa
consideração
—
estupra
uma
criança.
Isto
é
um
outro
lado
do
mundo,
é
um
choque
terrível
e
ele
fica
desarvorado.
Este
é
o
"seu"
Afonso,
do
qual
existem
centenas
por
ai.
Se
aposentam
e
ficam
parados
no
tempo.
-‐
E
como
se
dá
o
fato
do
bandido
se
refugiar
na
casa
dele?
-‐
De
repente
ele
encontra
um
bandido
na
casa
dele,
ele
que
talvez
só
conhecesse
um
bandido
pela
leitura
do
jornal
ou
através
da
televisão.
E
aí
um
dia
ele
vê
um
bandido
real
em
sua
casa.
O
interessante
é
que
quando
dizem
—
"este
é
um
bandido
perigoso",
ele
responde
—
"parecia
apenas
uma
criança
suja
de
sangue".
O
Honório,
o
bandido,
é
o
resultado
dos
problemas
sociais
decorrentes
da
grande
explosão
demográfica
a
que
nós
temos
assistido.
-‐
Você,
que
tantos
filmes
tem
feito
ultimamente,
como
sente
a
passagem
de
um
personagem
para
o
outro?
Muitas
vezes
eles
são
tão
diferentes
entre
si.
25
—
Eu
acho
que
é
preciso
observar
um
pouco.
Não
sei
se
você
notou
mas
eu
pouco
falo,
fico
mais
olhando.
Sou
muito
observador.
Na
verdade
é
um
pouco
difícil
sair
de
um
personagem
para
outro.
De
um
"Crueldade
mortal",
em
que
faço
um
velho
que
é
linchado,
para
o
"seu"
Afonso,
por
exemplo.
Ou
então
mudar
do
grande
homem
de
terras
em
"Delmiro
Gouveia"
para
o
seu
Afonso.
Mas
como
eu
tenho
uma
boa
experiência,
eu
vou
peneirando
os
personagens
que
eu
conheço
na
realidade.
Meus
professores
estão
aí
na
vida
real.
É
só
a
pessoa
observar.
Em
geral
eu
recebo
o
roteiro,
leio
uma
ou
duas
vezes
e
fico
ouvindo
o
diretor
falar
sobre
os
personagens.
O
que
tem
me
dado
esta
capacidade,
é
uma
continuidade
de
trabalho
e
o
fato
de
ouvir
o
diretor.
Na
verdade
muitas
vezes
eu
nem
sei
direito
o
texto,
eu
sou
muito
relaxado.
CRISTINA
ACHÉ,
"Lurdinha"
A
empregada
busca
nova
vida
Cristina
Aché
representa
em
"Chuvas
de
verão"
a
personagem
de
Lurdinha,
uma
empregada
da
casa
de
"seu"
Afonso.
O
personagem
representado
por
Jofre
Soares
tem
uma
filha
que
mora
em
São
Paulo,
é
viúvo
e
corteja
uma
vizinha
cuja
intérprete
no
filme
é
Míriam
Pires.
Cristina
Aché
é
no
filme
a
empregada
por
quem
ele
tem
também
uma
relação
paternal.
-‐
Cristina,
quem
é
Lurdinha,
a
empregada
do
"seu"
Afonso?
-‐
Ela
entra
desde
o
primeiro
dia
em
que
começa
o
filme.
O
Afonso
chega
em
casa
e
encontra
o
Honório
-‐
que
no
filme
é
interpretado
pelo
Luís
Antônio
-‐
um
marginal
que
está
sendo
procurado.
Ela
esconde
o
namorado
na
casa
do
seu
patrão.
Na
verdde
n`~ao
há
propriamente
uma
relação
de
patrão
e
empregado
mas
um
sentimento
meio
paternal.
Ela
é
muito
pobre,
sempre
viveu
nesses
conjuntos
residenciais
que
existem
por
aí
e
esconde
o
namorado
porque
realmente
gosta
dele.
Resolve
então
assumir
as
conseqüências
e
conta
para
o
"seu"Afonso.
Ele
resiste
a
princípio
mas
acaba
admitindo
o
fato.
A
isso
se
junta
o
fato
de
que,em
frente
à
casa
dele,
o
Lourenço
seqüestra
uma
menina.
Ela
vem
a
descobrir
isto
pela
leitura
dos
jornais
porque
está
interessada
nas
notícias
sobre
o
namorado.
O
Afonso
não
acredita
porque
o
palhaço
ê
uma
pessoa
boníssima
e
eles
são
muito
amigos.
No
entanto,
ela
tem
absoluta
certeza
disto
porque
viu
a
menina
entrar
na
casa
do
palhaço.
Então
nestes
momentos
do
filme
ela
é
o
único
personagem
que
se
envolve,
porque
está
querendo
salvar
a
menina.
–
Quando
ela
fala
sobre
o
seqüestro
da
menina
"seu"
Afonso
acredita
nela
?
26
-‐
Não,
em
hipótese
alguma.
Ninguém
acredita,
porque
o
mais
importante
é
o
clima
da
aparência,
o
que
o
"seu"
Lourenço
representa,
que
não
é
nunca
um
estuprador.
Ela
tenta
salvar
a
menina
mas
não
consegue.
Mas
no
final
o
Juraci
—
que
no
filme
é
representado
pelo
Paulo
César
Peréio
—
descobre
e
entrega
o
Honório
para
a
policia,
porque
há
uma
recompensa
enorme.
E
o
Juraci
é
um
virador.
Quando
isto
acontece,
no
dia
seguinte
eles
saem
de
manhã
e
vão
embora
para
Goiás.
E
o
Afonso
tanto
gosta
da
Lurdinha
que
vai
buscar
o
dinheiro
e
ajuda
a
fuga
deles.
Ele
se
torna
um
cúmplice
pela
relação
que
tem
com
sua
empregada.
A
policia
chega
depois
e
aí
o
"seu"
Lourenço
se
entrega.
Eu
te
contei
um
pouquinho
da
história,
mas
o
que
eu
acho
importante
é
dizer
que
o
personagem
da
Lurdinha
não
acredita
neste
tipo
de
marginalidade.
Ela
está
cansada
de
saber
que
bandidos
como
o
Honório
têm
uma
vida
curta,
morrem
antes
de
completar
25.
anos.
E
a
fuga
que
eles
empreendem
é
em
busca
de
uma
vida
nova,
uma
vida
diferente
daquela
marginalidade
sem
sentido.
E
dentro
da
condição
social
deles
isto
é
o
máximo
que
se
pode
fazer.
Ela
não
tem
muitos
sonhos,
sabe
apenas
que
esta
vida
não
tem
sentido.
-‐
Eles
chegam
a
realizar
alguma
coisa
depois
da
fuga
?
-‐
Eles
não
realizam
nada,
realizam
apenas
uma
fuga.
Vão
embora.
Publicada
no
jornal
O
GLOBO
em
28
de
junho
de
1977
Disponível
em
http://www.guesaaudiovisual.com/CinemaFilosofiaLiteratura/EntrevReport/ChuvasdeVerao.ht
ml
O
outro
lado
da
rua
(2004),
de
Marcos
Bernstein
A
velha
indiscreta
Com
certeza
foi
a
imagem
de
Laura
Cardoso
na
tela
que
me
fez
em
determinado
momento
de
O
Outro
Lado
da
Rua
pensar
em
Tata
Amaral.
Não
falo
nem
de
Através
da
Janela,
que
seria
a
referência
mais
óbvia,
até
porque
estrelado
pela
mesma
Laura.
Mas
do
próprio
Um
Céu
de
Estrelas,
primeiro
filme
de
Tata
e
que
também
tem
algo
em
comum
com
a
estréia
cinematográfica
reveladora
de
Marcos
Bernstein.
27
Nos
três
filmes,
a
presença
do
velho
nos
leva
a
reflexões
para
além
das
próprias
tramas.
Uso
o
termo
“velho”
para
não
cair
nas
armadilhas
de
expressões
como
“idoso”
ou
“cidadão
da
terceira
idade”,
que
amenizam
o
peso
do
envelhecimento
e
que
não
estão,
de
forma
alguma,
em
consonância
com
a
proposta
dos
três
filmes
em
questão.
Talvez
se
falássemos
de
Copacabana,
de
Carla
Camurati,
com
sua
idealização
melancólica
e
nostálgica
da
velhice,
pudéssemos
usar
outros
termos.
Mas
não
é
o
caso.
Em
Um
Céu
de
Estrelas,
o
centro
da
trama
é
o
embate
físico
e
moral
entre
um
casal
de
periferia.
Em
meio
a
digressões
sobre
violência
urbana
e
sexual,
Tata
dá
o
indício
do
que
seria
a
temática
central
de
seu
filme
posterior.
Enuncia-‐se
o
tema
da
diluição
familiar
e
do
abandono
na
seqüência
em
que
a
mãe
da
protagonista,
uma
velha,
é
estupidamente
assassinada.
O
personagem
é
praticamente
expulso
da
trama.
Naquela
casa
brutalmente
sexualizada
e
oportunamente
socializada
pelas
câmeras
de
tevê
sedentas
de
fait
divers
não
há
espaço
para
velhos
e
suas
ranhetices.
Uma
bala
extermina
qualquer
incômodo.
Desenhado
no
mesmo
espaço
doméstico,
Através
da
Janela
dá
dimensões
arquetípicas
ao
envelhecimento.
Laura
Cardoso
é
uma
velha
mãe,
apaixonada
pelo
filho
e
vítima
da
cegueira
desta
mesma
paixão.
A
postura
conformista
limita
seu
espaço
de
ação
ao
lar
e
arredores,
enquanto
o
filho
ganha
o
mundo
e
é
vencido
por
este
ao
cair
na
malha
grossa
da
violência.
Embora
não
seja
morta,
a
velha
de
Através
da
Janela
está
condenada
a
uma
não-‐existência,
a
uma
subserviência
maternal.
Sua
angústia
é
enxaguada
num
tanque.
Em
O
Outro
Lado
da
Rua,
tem-‐se
uma
visão
completamente
distinta
do
velho.
Não
que
o
filme
deixe
de
lado
temas
como
o
isolamento
e
a
crise
existencial
profunda
que
só
o
naufrágio
da
velhice
proporciona.
O
que
muda
é
o
enfoque.
O
velho,
no
filme
de
Bernstein,
não
se
conforma
com
sua
condição.
A
imagem
da
protagonista
Regina
(Fernanda
Montenegro)
postada
na
janela
de
binóculo
é
a
própria
imagem
do
não-‐conformismo,
de
uma
reação,
ainda
que
desorganizada,
a
uma
condição
imposta
pelo
passar
dos
anos.
O
espaço
doméstico
inquieta
Regina.
O
binóculo
é
a
ferramenta
do
desejo
latente
e
a
função
de
consultora
policial
o
disfarce
para
cair
no
submundo
que
lhe
desperta
fascínio
e
horror.
É
através
da
janela
que
Regina
irá
encontrar
Camargo
(Raul
Cortez).
Ao
cumprir
a
vontade
da
mulher,
que
pede
para
morrer
com
um
mínimo
de
dignidade,
sem
o
sofrimento
de
um
tratamento
irreversível,
Camargo
se
transforma
no
homem
perfeito
para
Regina.
Ao
projetar-‐
se
na
vítima,
Regina
descobre
que
não
aceita
viver
a
qualquer
preço
e
que
precisa
reavaliar
a
sua
condição
de
velha,
porém
viva.
Não
fará
como
Patolina,
interpretada
por
Laura
Cardoso,
que
renuncia
ao
que
lhe
resta
de
vida
para
isolar-‐se
no
subúrbio
com
um
parente.
“Que
horror”,
dirá
Regina
ao
comentar
a
atitude
da
colega
de
ofício,
incapaz
sequer
de
revelar
o
verdadeiro
nome
em
seu
processo
de
auto-‐aniquilamento.
28
Ao
envolver-‐se
com
Camargo,
Regina
tira
o
disfarce
de
Branca
de
Neve,
seu
codinome
de
informante,
e
transpõe
a
janela
da
fantasia.
É
o
que
O
Outro
Lado
da
Rua
oferece
de
melhor
contribuição
à
reflexão
sobre
a
imagem
do
velho
não
apenas
no
cinema
brasileiro,
mas
na
cinematografia
mundial.
No
filme,
a
conquista
da
sexualidade
não
é
fruto
de
uma
infantilização,
de
uma
ridicularização
do
velho,
como
no
recente
Alguém
tem
que
Ceder.
A
sexualidade
vem
do
conflito,
do
reconhecimento
das
ações
físicas
e
psíquicas
do
tempo.
Os
conflitos
só
terminam
quando
a
vida
termina.
Regina
não
é
uma
típica
velhinha
de
Copacabana,
embora
tenha
características
básicas
como
a
companhia
do
cachorro,
a
vida
solitária
e
até
mesmo
a
disposição
de
perder
qualquer
vínculo
social,
ainda
que
de
forma
muito
original.
Regina
tem
disposição
para
sair,
sim.
Mas
não
para
fazer
acrobacias
na
praia.
Regina
quer
viver,
amar,
integrar-‐se,
ainda
que
temerosa,
e
conhecedora,
dos
riscos
dessa
ação.
O
que
ela
não
admite,
no
entanto,
é
anular-‐se
nas
mesas
de
biriba.
Seu
jogo
é
outro.
E
para
jogá-‐lo
é
preciso
ir
muito
além
do
outro
lado
da
rua.
Ricardo
Cota
Crítico.com
Disponível
em
http://criticos.com.br/?p=659&cat=1
O
outro
lado
Há
uma
atmosfera
programática
em
O
outro
lado
da
rua
que
faz
do
filme
não
muito
mais
do
que
um
objeto
morno
de
observação.
Para
um
filme
que
trata
de
sentimentos
em
ebulição
e
da
descoberta
de
afetos,
a
frieza
da
narrativa
(empregada
pelo
roteiro
e
direção
do
estreante
Marcos
Bernstein)
contribui
apenas
impedindo,
no
final
das
contas,
que
o
filme
provoque
qualquer
impacto
ou
qualquer
tipo
de
sentimento
forte
no
espectador.
"Provocar",
essa
talvez
seja
a
palavra
em
falta
no
vocabulário
cinematográfico
do
filme,
por
demais
preocupado
em
"cumprir"
as
artimanhas
e
manhas
de
seu
roteiro.
De
alguma
forma,
O
outro
lado
da
rua
repete
o
padrão
dos
recentes
filmes
brasileiros
a
receber
a
famigerada
ajuda
do
"Laboratório
de
Roteiros
de
Sundance"
(vem
à
cabeça,
de
cara,
Durval
Discos),
cujo
principal
sintoma
parece
ser
a
estranha
inconsistência
com
que
tentam
se
apropriar
de
um
cinema
de
gênero
apenas
como
exercício
de
amenização
formal
da
invenção
e,
por
outro
lado,
parecem
se
aproximar
de
um
cinema
de
invenção
apenas
como
forma
de
dar
às
obras
o
frágil
status
de
"obra
de
arte".
O
resultado,
como
se
pode
ver
nesse
O
outro
lado
da
rua,
é
um
cinema
marcado
pelo
esmaecimento
da
linguagem,
em
que
as
seqüências
parecem
antes
estar
obedecendo
ao
roteiro
do
que
se
utilizando
dele
como
potencializador
de
imagens.
Essa
é
a
marca
central
29
dessa
espécie
de
amestramento
que
os
roteiros
cinematográficos
parecem
sofrer
através
de
Sundance
–
um
certo
ar
de
cartilha
esfriada,
apinhada
de
pequenas
sacadas/tiradas
de
falas
marcadas,
mas
incapaz
de
ser
o
que
deveria
ser
o
grande
papel
de
um
bom
roteiro:
dar
ao
filme
a
base
de
possibilidades
justamente
de
ultrapassá-‐lo.
Em
O
outro
lado
da
rua,
tem-‐se
a
impressão
de
que
cada
cena
está
ali
colocada
funcionalmente,
repetindo
diretrizes
narrativas
sem
qualquer
vivacidade
cênica.
Mesmo
as
elogiáveis
interpretações
de
Fernanda
Montenegro
e
Raul
Cortez
aparecem
perdidas,
indecisas
entre
um
naturalismo
mais
livre
e
um
cinema
de
tipos
(que
parece
demarcado
pelas
falas,
algumas
habilidosas,
escritas
por
Bernstein).
Raul
Cortez,
talvez
por
trabalhar
com
um
personagem
mais
contido/duro,
acaba
por
alcançar
um
tom
de
voz
e
fragilidade
que
(bem
mais
discretos
do
que
a
"figura"
da
personagem
Regina)
se
segura
melhor
nessa
flutuação
incerta
de
estatutos.
Não
coloco
aqui
em
cheque
a
habilidade
corporal
de
Fernanda
Montenegro,
mas
a
forma
como
a
narrativa
é
incapaz
de
apresentar-‐lhe
uma
sintonia/direção
clara
de
interpretação.
Fazendo
com
que
o
desenrolar
do
filme
se
torne
um
refém
de
si
mesmo,
dependente
das
pequenas
iluminuras
que
a
atriz
sabe
impôr
aqui
ou
ali
em
seus
passos,
a
um
só
tempo,
marcados
e
indecisos.
Essa
imprecisão,
essa
deriva
involuntária
(intra
e
inter-‐cenas)
entre
um
cinema-‐posado
e
um
cinema
de
improvisos
acaba
mesmo
minando
a
suposta
atmosfera
de
suspense
que
o
filme
tenta
empregar.
Ou
seja:
o
filme
"informa"
que
há
suspense,
o
filme
"informa"
que
há
um
possível
perigo,
o
filme
"informa"
que
a
personagem
esteja
temerosa
e
confusa
emocionalmente
–
mas
em
nenhum
momento
a
construção
de
linguagem
e
atmosfera
cênica
consegue
fazer
com
que
o
filme
atice
esses
afetos
físicos/fortes
no
espectador.
Não
há
suspensão
alguma
de
sentidos
no
suspense
de
O
outro
lado
da
rua:
está
tudo
muito
dado,
mastigado,
mecanicamente
repetido
dentro
dos
lugares
comuns
"da
solidão
urbana"
e
da
"velhice".
A
própria
vida
caótica
de
Copacabana
se
transforma
num
pano
de
fundo
reiterativo,
sem
vida,
em
que
o
filme
dá
muito
pouco
tempo
a
seu
próprio
tempo
para
escapar
de
si
e,
possivelmente,
surpreender.
Mesmo
a
bela
cena
de
amor
entre
Regina
e
o
"suspeito"
parece
muito
aquém
de
seus
atores,
tamanha
a
gana
da
narrativa
em
seguir
sempre
adiante,
sempre
adiante;
num
dinamismo
de
eventos
esvaziados
(e
irritantemente
ornados
por
uma
trilha
sonora
calculada
para
encontrar
as
lágrimas...).
De
repente,
o
filme
acaba.
E
a
sensação
é
de
que
essa
beleza
possível
se
perde
em
tamanho
sentimentalismo
de
laboratório,
fazendo-‐o
passar
sem
provocar
(de
novo
a
palavra)
qualquer
vestígio,
qualquer
pegada
mais
firme
–
transformando
um
cinema
salpicado
de
algumas
boas
premissas
num
objeto
frio
e
de
resultado
não
mais
do
que
decepcionante.
Resta,
sim,
ali,
um
ou
outro
olhar
entre
os
dois
atores,
alguns
silêncios
adoráveis,
um
certo
tom
de
voz
que
30
Montenegro
encontra
nessa
ou
naquela
frase
e
que,
por
vezes,
vale
mais
do
que
todo
o
resto
do
filme...
E
não
muito
mais
do
que
isso.
Felipe
Bragança
Contracampo
-‐
revista
de
cinema
Disponível
em
http://www.contracampo.com.br/60/outrolado.htm
"O
Outro
Lado
da
Rua"
acerta
ao
deixar
atores
brilharem
Poucos
cineastas
ousam
realizar
um
primeiro
longa
que
tenha
uma
ambição
proporcional
à
sua
experiência.
Diretores
de
primeira
viagem
costumam
se
deixar
levar
pela
pretensão
(criativa
ou
mercadológica)
e
esquecem
a
criação,
com
resultados
quase
sempre
desastrosos.
Não
é
este
o
caso
de
"O
Outro
Lado
da
Rua",
de
Marcos
Bernstein.
Aos
33
anos,
ele
tirou
proveito
daquilo
que
sabe
fazer
(é
um
roteirista
tarimbado)
para
construir
um
filme
na
medida
certa,
em
que
brilham
sobretudo
os
diálogos,
as
atuações
e
a
economia
de
meios
da
direção.
Um
fato
extraordinariamente
corriqueiro
serve
de
ponto
de
partida
para
o
filme.
Regina
(Fernanda
Montenegro)
é
uma
moradora
de
Copacabana
que
se
recusa
a
viver
a
velhice
nas
praças,
jogando
cartas.
Prefere
atuar
como
informante,
seguindo
um
programa
desenvolvido
pela
própria
polícia
e
que
estimula
a
participação
dos
aposentados
do
bairro
na
prevenção
ao
crime.
Em
uma
de
suas
rondas
de
binóculo,
de
sua
própria
janela,
Regina
flagra
um
vizinho
(Raul
Cortez)
injetando
uma
substância
suspeita
em
sua
mulher,
que
no
dia
seguinte
aparece
morta.
Avisada
por
Regina,
a
polícia
faz
uma
procura
no
apartamento
desse
homem,
um
respeitado
juiz
chamado
Camargo.
Mas
os
trabalhos
são
interrompidos
quando
chegam
ordens
superiores
para
se
"esquecer"
o
caso.
Regina,
no
entanto,
está
convencida
de
que
presenciou
um
crime,
e
começa
sua
investigação
própria,
contrariando
a
orientação
da
polícia.
Aproxima-‐se,
então,
de
Raul.
É
nesse
ponto
que
Marcos
Bernstein
(autor
do
roteiro
ao
lado
de
Melanie
Dimantas)
acerta
em
cheio.
Quando
"O
Outro
Lado
da
Rua"
poderia
se
tornar
uma
trama
policial
das
mais
banais,
ele
prefere
apostar
na
riqueza
dos
personagens
(e
dos
atores)
que
tem
nas
mãos.
O
filme
toma
um
rumo
delicado
e
interessante
ao
seu
modo,
ganhando
personalidade
própria
e
mostrando
como
Regina
se
desmonta
de
sua
amargura
para
a
possibilidade
de
se
apaixonar
novamente.
Nesse
caso,
é
claro,
Bernstein
conta
com
seus
atores
como
os
maiores
aliados.
Fernanda
Montenegro
e
Raul
Cortez
emprestam
sua
grandeza
e
experiência
sem
exibir
grandeza
e
experiência.
É
um
trabalho
de
uma
generosidade
incrível,
no
tamanho
da
história.
E
a
coisa
ainda
melhora
mais
com
a
participação
especial,
hilária,
de
Laura
Cardoso.
31
Pedro
Butcher
Folha
de
S.
Paulo
Disponível
em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1202200411.htm
Lugares
Comuns
(Lugares
Comunes,
2002),
de
Adolfo
Aristarain
Arcaico,
Aristarain
desafia
a
lucidez
em
"Lugares
Comuns"
O
cineasta
veterano
argentino
Adolfo
Aristarain,
60,
não
esconde.
Seu
filme
é
um
amontoado
de
clichês.
Lugares-‐comuns
que
surgem
quando
as
convicções
de
cada
um
esvaziam-‐se
de
significado.
Quando
valores
que
pareciam
reger
a
sociedade
desconstróem-‐se
por
conta
do
empobrecimento
material.
Dar-‐se
conta
desse
processo
é
ao
mesmo
tempo
dádiva
e
tragédia.
E
o
preço
a
pagar
pela
lucidez
é
o
tema
deste
"Lugares
Comuns".
Fernando
é
um
professor
de
literatura
sexagenário
obrigado
a
aposentar-‐se
por
causa
da
crise
e
por
suas
convicções
políticas.
Com
a
mulher,
tem
de
se
acostumar
a
uma
nova
vida
e
ao
fato
de
que,
apesar
de
sua
erudição,
é
agora
um
inútil
para
a
sociedade.
Vendem
o
apartamento
em
Buenos
Aires
e
mudam-‐se
para
o
campo,
abrindo
mão
de
hábitos
e
convivência
urbanos.
Tentam
ainda
outra
forma
de
sustento
-‐-‐produzir
perfumes-‐-‐,
mas
logo
percebem
a
nulidade
de
seus
atos.
O
que
se
segue
é
um
mergulho
do
casal
em
suas
antigas
convicções,
primeiro
políticas,
depois
emocionais,
sem
que
a
redenção
pareça
-‐-‐e
não
é-‐-‐
possível.
Aristarain
é
um
veterano
do
cinema
argentino,
espécie
de
patriarca
da
hoje
celebrada
"buena
onda".
Seus
filmes
têm
a
sempre
turbulenta
Argentina
dos
últimos
30
anos
como
pano
de
fundo.
Em
"Lugares
Comuns",
porém,
a
instabilidade
nacional
mostra-‐se
mais
sutil
do
que
no
restante
da
atual
produção
do
país
vizinho.
Convencional
na
forma
e
cuidadoso
na
elaboração
da
narrativa
e
dos
diálogos,
o
diretor
centra
sua
atenção
nas
reações
dos
personagens
diante
das
adversidades
e
do
desmoronamento
de
suas
ilusões.
Apoiado
num
texto
quase
literário
-‐-‐o
monólogo
de
abertura
e
a
conversa
do
protagonista
com
uma
estranha
sobre
amor
e
sexo
são
dignos
das
páginas
de
um
bom
romance-‐-‐,
o
filme
soa
antiquado
e
dispensa
ousadias
estilísticas.
Seu
mérito
está
na
obsessão
-‐-‐bem-‐sucedida-‐-‐
por
construir
uma
bela
história.
Sylvia
Colombo
Folha
de
S.
Paulo
–
18
de
outubro
de
2003
32
Disponível
em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u37973.shtml
Lugares
comuns
Marcelo
Hessel
01
de
Julho
de
2004
Lugares
Comuns
Trama
argentina
fala
do
amor
na
meia
idade
e
valoriza
sentimentos
em
meio
à
ruína
econômica
do
país.
Pensou
em
O
Filho
da
noiva
(El
Hijo
de
la
novia,
de
Juan
José
Campanella,
2001)?
Pois
o
cinema
portenho
já
mostrou
que
pode
muito
mais.
O
filme
em
questão,
dirigido
por
Adolfo
Aristarain,
se
chama
Lugares
comuns
(Lugares
comunes,
2002),
e
a
sua
munição
é
ainda
maior.
Comove
secamente,
sem
partir
para
o
sentimentalismo,
convence
como
crônica
e
se
aprofunda
ainda
mais
nas
questões
sociais
do
que
o
campeão
de
bilheterias
de
Campanella.
Pilar
do
cinema
argentino
desde
a
sua
estréia
como
diretor
em
1978,
Aristarain,
sessenta
anos
completos
em
2003,
faz
do
seu
décimo
filme
um
manifesto.
Baseado
no
romance
El
Renacimiento
do
seu
primo
Lorenzo
F.
Aristarain,
dá
o
seu
parecer
sobre
a
falência
nacional
com
o
habitual
sarcasmo
e
o
inconformismo
de
um
pensador
de
esquerda.
Para
tanto,
faz
do
protagonista
da
trama,
o
professor
de
Letras
Fernando
Robles
(Federico
Luppi,
colaborador
fiel
do
diretor),
um
legítimo
alter-‐ego.
Na
história,
o
professor
Fernando
acaba
de
ser
aposentado
na
faculdade
por
limite
de
idade.
Para
o
seu
azar,
e
da
sua
mulher
Liliana
(Mercedes
Sampietro,
esposa
de
Luppi
na
vida
real),
a
crise
lhe
tira
a
expectativa
de
uma
remuneração
razoável
e
de
um
sustento
tranquilo.
Para
espairecer,
o
casal
viaja
a
Madri
em
férias
e
aproveita
para
visitar
o
filho
Pedro
(Carlos
Santamaría),
que
adotou
a
Espanha
como
casa.
Fernando
e
Liliana
já
moraram
em
Madri,
durante
o
exílio
em
pleno
regime
militar.
Agora,
Fernando
não
aceita
a
postura
do
filho.
Critica-‐o
por
ter
abandonado
a
Argentina
democrática
de
livre
vontade,
por
ter
escolhido
uma
carreira
bem
paga
em
detrimento
de
verdadeiras
conquistas.
Pai
e
filho
se
desentendem.
De
volta
a
Buenos
Aires,
Fernando
e
Liliana
percebem
que
a
situação
pede
sacrifícios.
Então,
vendem
o
vasto
apartamento
no
rico
bairro
de
Palermo
para
comprar
um
sítio
barato
e
plantar
flores
em
Córdoba.
Mal
comparando,
seria
como
um
intelectual
paulistano
que
decide
se
mudar
para
colher
soja
em
Cuiabá.
O
conflito
está
lançado
-‐
a
partir
daí
Lugares
comuns
trata
da
tentativa
de
reinvenção
de
um
casal
desiludido,
no
exato
momento
em
que
têm
somente
um
ao
outro.
Sustentado
nas
33
interpretações
espetaculares
de
Luppi
e
Mercedes,
Aristarain
tem
então
espaço
para
desenvolver
um
desafiador
retrato
intimista.
Os
seus
diálogos
primorosos
não
apenas
fortalecem
a
ligação
dos
dois
personagens,
como
iluminam
a
questão
da
bancarrota
argentina.
O
professor
Fernando
é
a
personificação
de
uma
geração
politizada
que
agora
acorda
para
a
realidade.
Até
a
quebradeira,
Buenos
Aires
sempre
foi
um
oásis
artificial
de
europeização
dentro
de
uma
nação
índia,
mestiça,
rural,
provinciana.
Com
o
seu
filme,
Aristarain
começa
a
dissipar
essa
ilusão
-‐
e
colocar
o
cancioneiro
popular
no
lugar
do
tango
na
trilha
sonora
é
só
o
começo
da
sua
comovente
redenção.
Marcelo
Hessel
Omelete
Disponível
em
http://omelete.uol.com.br/cinema/ilugares-‐comunsi/
Paralelas
e
Transversais
Segunda-‐feira
ao
Sol,
de
Fernando
Leon
de
Aranoa
Lugares
Comuns,
de
Adolfo
Aristarain
O
motivo
de
tratar
estes
dois
filmes
em
conjunto
fica
bem
claro
na
principal
aspiração
de
seus
personagens:
em
Lugares
comuns,
personagens
desesperançados
com
seu
futuro
econômico
e
social
aspiram
ir
para
a
Espanha;
enquanto
isso,
em
Segunda
–feira
ao
sol,
vemos
os
personagens
desesperançados
que
vivem
hoje
na
Espanha
(e
que
sonham
com
uma
fuga
para
a
Austrália).
Não
temos
nenhum
filme
australiano
neste
momento
para
comparar,
mas
temos
certeza
que
lá
também
há
personagens
desesperançados
sonhando
com
alguma
outra
"terra
de
ilusões",
e
este
estado
verdadeiramente
globalizado
de
desencanto
e
falta
de
perspectivas
é
o
que
liga
os
dois
filmes
entre
si
e
com
o
mundo
de
hoje.
No
filme
de
Aranoa,
começamos
inclusive
com
cenas
documentais
(ou
de
aparência
documental)
de
revoltas
de
trabalhadores
contra
demissões
em
massa
nos
portos.
Partindo
deste
início
que
força
o
contato
com
a
realidade
espanhola
atual,
vamos
seguir
um
grupo
de
personagens
que
perdem
o
emprego
desta
forma
na
sua
rotina
de
pequenas
esperanças
(conseguir
um
empréstimo,
abrir
um
bar,
esperar
a
volta
da
mulher),
quase
sempre
marcadas
pela
desilusão.
É
difícil
não
gostar
de
um
filme
que
tome
este
partido
num
país
do
chamado
Primeiro
Mundo,
ainda
mais
de
um
filme
que
escala
no
papel
principal
Javier
Bardem,
que
é
um
verdadeiro
monstro
da
atuação
e
dá
credibilidade
a
qualquer
coisa
que
se
disponha
a
interpretar.
No
entanto,
Segunda-‐feira
sofre
de
um
problema
grave,
a
partir
de
sua
estrutura
narrativa:
funciona
como
um
programa
de
variedades
com
uma
série
de
pequenas
esquetes
sobre
"ser
desempregado".
A
falta
de
conexão
direta
entre
estas
esquetes
fica
clara
pela
separação
destes
por
constantes
fade-‐ins
e
fade-‐outs.
O
problema
que
esta
estrutura
causa
é
34
que
o
filme
se
assemelha
mais
a
uma
seqüência
de
curtas
sobre
o
tema
do
que
de
fato
uma
narrativa
coesa
e
uma.
O
que
pode
funcionar
eventualmente
(porque
há
passagens
realmente
muito
fortes,
como
em
especial
a
cena
na
casa
dos
ricos,
e
o
diálogo
com
a
criança
de
quem
Bardem
toma
conta,
e
sua
reinterpretação
da
fábula
da
cigarra
e
da
formiga),
mas
que
no
geral
demonstra
uma
certa
covardia
em
fabular
sobre
o
tema,
em
dar
aos
personagens
dimensões
outras
que
não
as
de
simples
"emblemas
do
desemprego".
Escorado
por
esta
carcaça
impenetrável
a
críticas
(afinal,
como
falar
mal
de
um
filme
de
relevância
social?),
Aranoa
deixa
de
lado
a
força
individual
que
muitos
de
seus
personagens
poderiam
ter
numa
narrativa
mais
desenvolvida
e
que
fizesse
melhor
uso
deles.
Somente
numa
cena
(num
karaokê),
por
exemplo,
podemos
ver
os
personagens
realmente
se
divertindo
e
encontrando
alguma
forma
de
alegria,
o
que
pode
parecer
uma
bobagem,
mas
retira
deles
a
pecha
de
simples
"desempregados,
profissão
coragem",
para
torná-‐los
humanos
individualizados
de
fato.
Neste
sentido,
Lugares
comuns
acaba
sendo
bem
melhor
resolvido,
ao
assumir
que
seu
filme
(para
retomar
as
idéias
de
Alberto
Cavacanti)
não
é
sobre
os
correios
e
sim
sobre
uma
carta
em
especial.
Ou
seja,
o
professor
forçosamente
aposentado
interpretado
por
Federico
Luppi
(com
a
mesma
dignidade
orgulhosa
de
Bardem,
aliás),
e
sua
família,
mais
especificamente
sua
esposa
de
anos
e
anos.
Por
se
recusar
a
compactuar
com
aquilo
que
não
concorda
(mesmo
motivo
pelo
qual
a
companhia
processa
o
personagem
de
Bardem),
ele
se
vê
retirado
do
que
dava
sentido
à
sua
existência,
o
ato
de
ensinar.
Neste
ponto,
o
filme
une
alguns
temas
igualmente
importantes,
no
que
se
diferencia
do
filme
espanhol:
à
questão
da
falta
de
emprego
se
somam
o
questão
da
velhice
e
da
utilidade
social
das
pessoas,
a
crise
argentina
como
um
todo,
as
relações
entre
pais
e
filhos
(e
mulher
e
homem).
Dominando
com
firmeza
a
chave
do
melodrama
sem
cair
no
pieguismo
diminuidor,
Aristarian
mostra
que
o
cinema
argentino
atual
encontrou
uma
fórmula
bastante
interessante
de
criar
um
cinema
que
mistura
o
contato
popular,
a
reflexão
sobre
a
atualidade
e
o
gênero
do
melodrama
(como
em
O
Filho
da
Noiva
e
Kamchatka,
por
exemplo).
Filmes,
antes
de
tudo,
que
misturam
a
dimensão
do
pessoal
com
a
do
social
de
forma
muito
bem
resolvida
(ainda
que
seja
verdade
que
neste
aqui
talvez
isso
se
dê
um
pouco
demais
através
de
diálogos
que
tomam
forma
de
discursos
pouco
convincentes
como
conversas
rotineiras).
É
interessantíssimo
quando
os
personagens
vão
à
Espanha,
e
o
que
vemos
lá
é
uma
Espanha
completamente
diferente
da
do
filme
de
Aranoa,
por
lidar
mesmo
com
espaços
completamente
distintos
e
extratos
sociais
idem.
Ver
como
o
mesmo
país
que
é
o
sonho
de
consumo
para
uns
pode
ser
o
inferno
para
outros
amplia
a
idéia
de
uma
profunda
cisão
entre
os
que
possuem
e
os
que
não
possuem
os
meios
econômicos,
talvez
não
tão
enorme
quanto
em
nossas
plagas,
mas
ainda
assim
igualmente
presentes
num
país
como
a
Espanha.
É
um
35
tema
que
comprova
sua
universalidade
a
cada
momento,
e
ficamos
nos
perguntando,
inclusive,
como
se
daria
o
encontro
dos
personagens
de
um
filme
com
os
do
outro.
Segunda-‐feira
dá
um
passo
bastante
interessante
no
seu
final,
tornando
a
união
entre
os
próximos
um
ato
efetivamente
político,
com
o
roubo
da
balsa
para
fazer
o
"enterro"
de
um
dos
personagens.
Balsa
esta
que,
não
por
acaso,
se
chama
"Lady
España".
Quando
os
personagens
tomam
a
España
para
si,
o
filme
indica
um
final,
ainda
que
um
tanto
utópico,
acima
de
tudo
não
conformado.
Em
Lugares
comuns,
a
coisa
é
um
pouco
mais
complicada
(até
mesmo
pela
idade
dos
personagens),
e
não
se
curvar
surge
como
o
ato
político
individual
inicial.
Mas,
o
que
ambos
realmente
afirmam
em
comum,
ao
final,
é
que
se
há
alguma
esperança
de
vida
nestas
realidades,
ela
parte
obrigatoriamente
das
relações
pessoais.
Ou
seja,
é
nos
amigos
e
nos
familiares
que
se
encontra
o
reconhecimento
e
o
apoio
para
aquilo
que
o
mundo
"prático"
nega
constantemente.
Humanizar-‐se
cada
vez
mais
como
resposta
aos
descaminhos
da
ordem
sócio-‐econômica.
O
afeto
acima
do
dinheiro
e
contra
a
desesperança.
São
filmes
tristes,
mas
não
entregues.
Funcionam
mais
em
momentos
do
que
em
outros,
mas
traçam
um
retrato
bastante
pertinente
das
relações
pessoais
e
sociais
hoje,
e
ganham
ainda
mais
se
vistos
em
conjunto,
pela
abrangência.
Filmes
a
se
ver.
Eduardo
Valente
Contracampo
–
revista
de
cinema
Disponível
em
http://www.contracampo.com.br/53/segundaslugares.htm
O
mundo
que
nos
expulsa
no
filme
"Lugares
Comuns"
O
filósofo
alemão
Hegel
dizia
que
“a
coruja
de
Minerva
somente
levanta
voo
ao
entardecer”
numa
alusão
à
esperança
de
que
a
Razão
ganhe
força
em
momentos
de
crise
e
obscurantismo.
E
se
a
Razão
falhar?
Então,
seremos
expulsos
desse
mundo.
Esse
é
o
tema
filosófico
dentro
do
cenário
da
crise
econômica
no
filme
argentino
“Lugares
Comuns”
(Lugares
Comunes,
2002).
Um
professor
de
Literatura
é
compulsoriamente
aposentado
em
um
reflexo
da
crise
econômica
do
país
e
vê
seus
valores
iluministas
e
humanistas
desmoronarem,
sentindo-‐se
um
estrangeiro
em
um
mundo
cujo
lógica
não
trabalha
com
soma,
mas
com
subtração.
“Eu
sei
que
existe
a
desordem,
a
decepção
e
a
desarmonia.
Existe
um
país
nos
destruindo,
um
mundo
que
nos
expulsa,
um
assassino
impreciso
que
nos
mata
dia
após
dia,
sem
que
percebamos.
Não
tenho
uma
resposta.
Escrevo
do
caos,
da
mais
completa
escuridão”.
Essas
são
as
primeiras
frases
em
off
do
protagonista
enquanto
escreve
apontamentos
ou
pequenas
crônicas
para
o
seu
diário.
Fernando
(Frederico
Luppi)
é
um
professor
de
Literatura
em
uma
universidade
em
Buenos
Aires
sob
a
catastrófica
crise
econômica
argentina
do
início
dos
anos
2000
pós-‐política
neoliberais
do
presidente
Carlos
Menen.
36
Como
podemos
perceber
nessa
fala
inicial,
o
filme
“Lugares
Comuns”
fará
um
paralelo
entre
a
crise
em
uma
dimensão
material
(a
econômica)
é
a
outra
crise
em
um
plano
metafísico
ou
filosófico
(as
velhas
questões
da
Filosofia
que,
de
tão
repetidas,
tornaram-‐se
“lugares
comuns”
–
caos
e
ordem,
necessidade
e
liberdade,
livre
arbítrio
e
destino).
Fernando
é
casado
com
Lili
(Mercedes
Sampietro)
uma
assistente
social
que
acompanha
de
perto
as
consequências
da
crise
no
país.
Apegado
ao
pensamento
crítico,
ao
Iluminismo
e
Humanismo
tenta
exercer
a
crítica
literária
e,
ao
mesmo
tempo,
ensina
seus
alunos
a
pensarem
e
manterem-‐se
longe
dos
dogmas
políticos
e
religiosos.
Tenta
transformar
a
Razão
em
bússola
em
um
momento
de
crise
e
caos
social.
A
frase
de
Hegel
de
que
“a
coruja
de
Minerva
levanta
voo
somente
no
entardecer”
(a
Razão
torna-‐se
mais
forte
em
momentos
de
obscurantismo)
seria
a
convicção
salvadora
de
Fernando.
Mas
tudo
se
desmorona
ao
receber
o
último
golpe
de
um
país
que
se
esfacela:
vê-‐se
obrigado
a
se
aposentar
pelo
novo
reitor
da
instituição
onde
trabalha.
Os
fatores
econômicos
não
só
o
forçam
a
se
aposentar
como
ainda
lhe
tira
a
expectativa
de
uma
remuneração
razoável
para
a
aposentadoria.
Isso
significará
o
fim
da
sua
vida
social,
a
entrada
para
a
velhice
e
a
consciência
da
derrota
dos
ideais
illuministas
da
“Liberdade,
Igualdade
e
Fraternidade”.
Todo
o
seu
esforço
no
passado
na
luta
contra
a
ditadura
militar
por
uma
sociedade
mais
justa
torna-‐se
inútil,
principalmente
após
visitar
o
seu
filho
na
Espanha
empregado
numa
grande
empresa
na
área
de
tecnologia
e
muito
bem
remunerado.
Fernando
não
o
perdoa
por
ter
abandonado
a
Argentina
democrática
e
por
ter
escolhido
uma
carreira
bem
remunerada
em
detrimento
das
verdadeiras
conquistas.
Lentamente,
Fernando
vai
abandonando
a
vida
social
e
intelectual
para
ficar,
catatônico,
diante
da
TV
bebendo
uísque
e
fumando
às
escondidas
seus
maços
de
cigarro
–
Lili
o
proíbe,
pois
sua
saúde
já
encontra-‐se
debilitada.
Na
TV
ele
descobre
uma
tentativa
de
saída,
pelo
menos
financeira:
plantar
lavanda
para
destilar
a
essência
e
exportar
para
produtores
europeus
de
perfumes.
Lili
e
Fernando
abandonam
um
cenário
de
degradação
urbana
em
Buenos
Aires
para
se
estabelecerem
(autoexílio?)
em
uma
chácara
numa
longínqua
província
fria
no
sul
da
Argentina
em
uma
paisagem
de
ambígua
desolação:
o
vazio
e
o
vento
frio
como
representasse
o
inverno
de
uma
vida
e,
ao
mesmo
tempo,
o
vazio
como
espaço
a
ser
preenchido,
de
potencialidades
e
esperanças.
Não
é
à
toa
que
Fernando
denominará
a
chácara
como
“1789”
em
uma
placa
em
branco,
vermelho
e
azul
numa
clara
alusão
à
Revolução
Francesa
e
os
ideais
iluministas
em
que
sempre
acreditou.
37
A
crise
metafísica:
o
Estrangeiro
O
ponto
central
do
filme
são
exatamente
os
“lugares
comuns”
do
título,
as
tradicionais
questões
da
Filosofia
que,
de
tão
antigas,
tornaram-‐se
comuns,
tão
desvalorizadas
que
ninguém
mais
vê
pertinência
nelas.
Fernando
vê
a
derrota
da
Razão
em
um
mundo
“que
nos
expulsa”,
dominado
por
um
“assassino
impreciso”.
Temos
no
filme
o
clássico
personagem
do
“Estrangeiro”.
Como
vimos
em
postagem
anterior
(veja
links
abaixo),
a
literatura
e
cinematografia
contemporânea
poderiam
ser
sintetizadas
a
partir
de
três
protagonistas
da
pós-‐modernidade,
três
formas
da
constituição
da
subjetividade
contemporânea:
o
Detetive,
o
Viajante
e
o
Estrangeiro.
Em
suas
narrativas
esses
protagonistas
aparecem
em
geral
como
prisioneiros
em
universos
hostis,
estrangeiros
dentro
do
próprio
país,
uma
estranha
sensação
de
deslocamento,
de
não
querer
fazer
parte
de
um
cosmos
decadente
e
corrompido.
O
reitor
carreirista
e
tecnocrata
que
aposenta
compulsoriamente
Fernando
e
o
filho
que
foge
para
a
Espanha
para
um
bom
posicionamento
financeiro
em
uma
multinacional
são
flagrantes
de
um
mundo
que
nos
corrompe
e
que
nos
mata
retirando
o
melhor
de
nós:
a
luz
do
conhecimento.
O
Mal
não
está
nas
pessoas.
Está
no
próprio
mundo
cuja
lógica
não
opera
por
soma,
mas
por
subtração.
“Lugares
Comuns”
mostra
de
forma
seca
e
dura
como
as
pessoas
optam
pelo
esquecimento
para
mimeticamente
se
adaptarem
ao
caos
para
tentar
sobreviverem.
Esquecem
as
principais
questões
da
existência
para
tornarem-‐se
mais
leves
e
assertivas,
não
sentirem
a
dor
moral
dos
gestos
e
decisões.
Mas
o
mal-‐
estar
persiste
e
está
presente
tanto
no
reitor
carreirista
quanto
no
filho
bem
sucedido
na
Espanha
que
não
resiste
à
culpa
diante
da
crítica
cortante
do
pai
diante
do
argumento
do
filho
que
pensava
no
“futuro”:
“o
futuro
é
uma
ilusão
inventada
pelo
sistema
para
que
as
pessoas
se
acovardem”.
Como
um
Estrangeiro,
Fernando
busca
o
autoexílio
em
uma
longínqua
chácara
sob
o
pretexto
de
se
tentar
se
tornar
um
empreendedor.
Nem
o
próprio
empresário
que
lhe
vende
o
know-‐
how
da
destilação
de
essência
de
lavanda
acredita
no
que
faz:
quer
largar
tudo
desde
que
sua
esposa
faleceu.
Essa
atmosfera
de
asfixia
e
decadência
perpassa
todo
o
filme:
de
um
lado
pessoas
que
buscam
exílio
como
estrangeiras
e,
de
outro,
pessoas
que
buscam
esquecimento
para
uma
feliz
adaptação.
A
crise
econômica:
o
salve-‐se
quem
puder
38
Aqui
podemos
fazer
um
paralelo
com
outro
filme
argentino
já
analisado
por
esse
blog
(veja
links
abaixo),
o
“Nove
Rainhas”
(Nueve
Reinas,
2000)
de
Fabián
Bielinsky.
Ambos
os
filmes
trabalham
com
o
cenário
da
crise
econômica
argentina
do
início
dos
anos
2000.
Tanto
“Lugares
Comuns”
como
“Nove
Rainhas”
tratam
do
tema
do
“salve-‐se
quem
puder”
e
do
individualismo.
Porém,
no
primeiro
vemos
o
doloroso
processo
do
esquecimento
de
si
mesmo
e
da
razão
como
forma
de
defesa
e
sobrevivência,
enquanto
no
segundo
a
amoralidade
de
dois
tranbiqueiros
vivendo
de
pequenos
golpes
nas
ruas
de
Buenos
Aires.
A
virtude
do
filme
“Lugares
Comuns”
é
o
de
levantar
a
questão
do
tipo
de
cultura
criada
pela
crise
econômica
e
hiperinflação,
capaz
de
marcar
uma
geração.
Seria
interessante
tentar
traçar
paralelos
e
comparações
entre
a
geração
que
cresceu
e
tornou-‐se
economicamente
ativa
na
era
da
instabilidade
econômica
hiperinflacionária
no
Brasil
na
década
de
1980
e
a
geração
da
crise
econômica
Argentina
pós
Carlos
Menen.
O
niilismo
e
hedonismo
de
uma
geração
de
jovens
que
não
conseguiam
vislumbrar
um
futuro
(“devemos
nos
amar
como
se
não
houvesse
amanhã”
da
música
Pais
e
Filhos
da
banda
Legião
Urbana),
atitudes
economicamente
suicidas
e
de
curtissimo
prazo
como
os
pacotes
econômicos
de
governos
ou
o
“salve-‐se
quem
puder”
das
aplicações
financeiras
em
“overnights”
e
remarcações
aceleradas
de
preços
de
estoques
(e
depois
a
incapacidade
e
falências
de
empresários
e
comerciantes
incapazes
de
compreender
uma
economia
com
preços
estáveis)
e
toda
uma
cinematografia
brasileira
e
argentina
com
protagonistas
“estrangeiros”
mereceriam
um
futuro
estudo
seja
estético
ou
sociológico.
Ou,
por
outro
lado,
as
crises
econômicas
seriam
oportunidades
que
abririam
um
espaço
para
a
percepção
levando-‐nos
a
compreender
que
todos
nós
somos
estrangeiros
e
de
que
os
fatos
econômicos
nada
mais
são
do
que
manifestações
da
lógica
subtrativa
de
um
mundo
que
nos
expulsa.
Wilson
Roberto
Vieira
Ferreira
Cinegnose
–
26
de
outubro
de
2002
Disponível
em
http://cinegnose.blogspot.com.br/2012/10/o-‐mundo-‐que-‐nos-‐expulsa-‐no-‐
filme_6.html
Dois
irmãos
(Dos
Hermanos,
2010),
de
Daniel
Burman
Daniel
Burman
volta
com
o
drama
"Dois
Irmãos"
39
O
diretor
argentino
Daniel
Burman
apresentou
hoje
em
Karlovy
Vary
"Dois
Irmãos",
um
drama
realista
com
toques
de
tragédia
grega
sobre
o
egoísmo
e
a
grandeza
humana,
com
o
qual
concorre
ao
Globo
de
Cristal
do
45º
Festival
Internacional
de
Cinema
desta
localidade
tcheca.
"Dois
Irmãos",
baseado
no
romance
de
Sergio
Dubcovsky,
aborda
a
aproximação
e
os
problemas
de
comunicação
entre
dois
irmãos
quando
estes
entram
na
terceira
idade.
A
adaptação
"é
mais
piedosa
e
menos
destrutiva
que
o
romance,
já
que
não
julga
e
compreende
o
que
parece
incompreensível",
acrescentou
Burman.
Filme
"Dois
Irmãos",
de
Daniel
Burman,
que
disputa
Globo
de
Cristal
em
Karlovy
Vary
O
filme
conta
a
história
de
Susana
(Graciela
Borges),
uma
agente
imobiliária
egoísta,
possessiva
e
dominante,
que
parece
incapaz
de
entender
seu
irmão,
Marcos
(Antonio
Gasalla),
que
protege
a
mãe,
é
bondoso,
sensível
e
amigo
de
seus
amigos.
Estes
dois
mundos,
pintados
com
tons
nostálgicos,
mas
com
um
realismo
positivo,
só
se
tocam
graças
à
aproximação
feita
por
Marcos.
Daniel
Burman,
nascido
em
Buenos
Aires
em
1973,
retorna
a
Karlovy
Vary,
onde
no
ano
2009
apresentou
"O
Ninho
Vazio",
e
em
2006
"Direito
de
Família".
O
diretor
portenho
conquistou
dois
Ursos
de
Prata
no
Festival
de
Berlim
de
2003
com
"O
Abraço
Partido",
onde
aborda
a
identidade,
um
de
seus
temas
preferidos.
Na
Argentina,
o
filme
teve
sucesso,
foi
visto
por
mais
de
500
mil
pessoas.
Folha
Online
-‐
03
de
julho
de
2010
Disponível
em
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/761442-‐daniel-‐burman-‐volta-‐com-‐o-‐
drama-‐dois-‐irmaos.shtml
Os
irmãos
de
Daniel
Burman
O
diretor
argentino
Daniel
Burman
acha
engraçado
quando
lhe
perguntam
por
que
o
tema
de
seus
filmes
é
sempre
a
família:
“Mas
existe
algo
fora
da
temática
famíliar?”,
pergunta,
à
guisa
de
resposta.
“Eu
não
consigo
enxergar;
mesmo
os
filmes
de
guerra
são
filmes
de
família”.
O
repórter
lhe
diz
que
talvez
os
filmes
políticos
escapem
a
esse
esquema.
Mas
Burman
não
se
dá
por
vencido:
“No
filmes
de
guerra,
o
cidadão
vai
para
a
linha
de
frente
para
escapar
da
mulher;
nos
filmes
políticos
deve
ser
a
mesma
coisa”.
Pode
ser
brincadeira,
mas,
de
fato,
a
noção
de
família
define
o
universo
de
interesse
de
alguém
que
se
sente
parte
do
grupo
de
Pablo
Trapero
e
Lucrecia
Martel.
“Um
grupo
de
amigos,
mas
não
de
afinidades
estéticas”,
avisa.
Uma
“família”
cinematográfica,
já
que
esse
é
o
caso.
Ele
ri.
Em
todo
caso,
quem
revisar
seus
filmes
irá
encontrar,
a
famíia,
essa
figura
de
40
frente
e
de
fundo
–
em
Abraços
Partidos,
Ninho
Vazio,
Direito
de
Família
(até
no
título!)
e,
agora,
em
Dois
Irmãos.
Filme
delicado,
história
de
irmão
e
irmã,
ambos
já
meio
entrados
em
anos
(Graciela
Borges
e
Antonio
Gazalla,
nos
papeis
de
Susana
e
Marcos),
que
têm
a
vida
alterada
quando
a
mãe,
já
idosa,
morre.
Marcos
é
um
sessentão
frágil,
desamparado
com
a
solidão;
Susana
representa
o
lado
prático
da
casa.
E,
às
vezes,
sem
escrúpulos.
Vive
de
trambiques
e,
quando
um
deles
não
dá
certo,
vê-‐se
obrigada
a
vender
a
casa
herdada
da
mãe
para
cobrir
o
rombo.
Despacha
então
o
irmão
para
o
Uruguai,
para
o
condominío
Villa
Laura,
fruto
desse
imbróglio
imobiliário.
Dois
Irmãos
é
um
filme
sensível,
cheio
de
amor
e
humor,
que
consegue
realçar
a
subjetividade
dos
personagens
sem
grandes
lances
dramáticos
ou
de
ação.
Tudo
fica
no
plano
do
registro
discreto,
no
subtexto,
nas
entrelinhas.
De
onde
se
adivinha
a
grande
influência
de
Burman:
“Truffaut,
sem
dúvida”,
admite.
No
quadro
de
um
cinema
latino-‐americano
que
muitas
vezes
busca
panoramas
gerais
e
abrangentes,
é
no
ínfimo
da
intimidade
de
personagens
comuns
que
ele
vai
encontrar
seu
universo.
O
que
não
quer
dizer
que,
nesse
trabalho
no
detalhe,
não
reverberem
os
chamados
“grandes
temas”.
Por
exemplo,
na
história
de
Dois
Irmãos
Burman
vê
algo
que
sentiu
em
sua
própria
vida
–
a
morte
simbólica
dos
pais
como
possibilidade
de
liberdade
dos
filhos.
Tema
freudiano,
de
quem
foi
criado
em
família
judia
e
é
morador
de
uma
cidade
tão
psicanalisada
como
Buenos
Aires.
Também
não
deixa
de
ser
significativo
que
Marcos
vá
viver
sua
vida
–
e
enfim
se
sentir
livre
–
no
Uruguai.
“Mantemos
com
os
vizinhos
uma
relação
muito
especial,
de
amizade,
mas
também
de
rivalidade”
admite
Burman.
“Os
dois
países
são
como
dois
irmãos,
os
irmãos
do
título
do
filme”,
diz.
Laços
de
família,
em
suma.
Luiz
Zanin
Oricchio
O
Estado
de
S.
Paulo
-‐
11
de
outubro
de
2010
Disponível
em
http://blogs.estadao.com.br/luiz-‐zanin/os-‐irmaos-‐de-‐daniel-‐burman/
Dois
irmãos,
de
Daniel
Burman
Existe
um
fato:
a
crise
econômica
na
Argentina
ainda
se
reflete
bastante
nesse
que
muitos
reconhecem
como
Novo
Cinema
Argentino.
Ao
mesmo
tempo,
é
impressionante
como
o
rótulo
é
frágil.
Se
pensarmos
nos
filmes
de
Lucrecia
Martel,
percebemos
o
quanto
eles
são
diferentes
de
Lisandro
Alonso,
que
se
diferem
dos
de
Pablo
Trapero,
Juan
José
Campanella
e
Daniel
Burman.
São
esses
alguns
dos
nomes
desse
novo
cinema
e
estéticas
completamente
diferentes.
Poderíamos
colocar
em
um
par
Juan
José
Campanella
e
Daniel
Burman.
Equivoco
41
imenso.
A
única
realidade
que
talvez
os
aproxime
seja
a
de
filmarem
a
uma
classe
média
em
constante
trânsito
por
Buenos
Aires.
E
pára
por
aí.
Daniel
Burman
faz
um
cinema
repleto
de
sutilezas.
Dois
irmãos
é
circundado
pela
crise
econômica,
na
verdade,
uma
crise
imobiliária
da
qual
a
personagem
Susana
(Graciela
Borges)
tenta
se
aproveitar.
Aliás,
se
aproveita
tanto
que
vende
a
casa
onde
o
irmão,
Marcos
(Antonio
Gasalla),
habitava
junto
com
a
mãe.
Tão
logo
a
progenitora
morre,
ela
vende
a
casa
e
força
o
irmão
a
ir
morar
em
uma
cidadezinha
no
interior
do
Uruguai.
Essa
é
a
primeira
camada
do
filme.
Graciela
Borges
e
Antonio
Gasalla
são
bastante
responsáveis
pela
condução
dessa
camada,
pela
forma
como
constroem
e
dão
vida
aos
seus
personagens.
Outras
será,
para
além
da
relação
conflituosa
dos
irmãos,
a
relação
edipiana
de
Marcos
com
a
mãe,
que
fica
ainda
mais
explicita
-‐
mas
não
vazia
e
gratuita
-‐
na
peça
Édipo
Rei,
encenada
por
ele
e
uma
companhia
de
teatro
uruguaia
liderada
por
um
diretor
bastante
orgulhoso.
O
diretor
argentino
constrói
todo
o
filme
através
dessas
relações,
desse
cotidiano
simples
de
ir
ao
Uruguai,
voltar
a
Buenos
Aires
e
retornar
novamente
ao
sul.
E
tudo
é
feito
com
algumas
das
características
caras
ao
cinema
de
Burman:
um
olhar
para
as
pessoas
comuns,
para
a
família,
para
uma
classe
média,
quase
sempre
em
crise
financeira,
pessoal,
as
duas
ao
mesmo
tempo.
Existe
também
um
olhar
cômico
e
irônico
para
as
situações.
Uma
ironia
do
diretor,
mas,
principalmente,
uma
ironia
desses
personagens
em
relação
as
suas
próprias
vidas.
Ao
final,
Marcos
encena
a
peça
e
é
aplaudido
pela
irmã.
A
conciliação
dos
dois
se
dá
por
uma
mediação
do
espetáculo,
seguidos
de
um
show
de
sapateado
que
se
dá
juntos
aos
créditos.
Burman
sabe
que
o
cinema
é
o
lugar
do
popular,
mas,
em
especial,
das
pessoas.
É
isso
que
o
diferencia
de
Campanella
e
faz
de
seu
cinema
um
lugar
bem
mais
interessante.
Leonardo
Amaral
Filmes
Polvo
Disponível
em
http://www.filmespolvo.com.br/site/eventos/cobertura/1018
Daniel
Burman
trabalha
como
bom
observador
em
"Dois
Irmãos"
Daniel
Burman
é
um
cineasta
da
família.
Embora
tenha
se
dedicado
com
mais
frequência
às
relações
familiares
(ou
de
vizinhança)
judaicas,
são
os
complexos
laços
afetivos
que
formam
o
centro
de
sua
obra.
Em
"Dois
Irmãos"
(TC
Cult,
22h),
Susana
e
Marcos
têm
suas
inevitáveis
diferenças.
Ela,
mais
expansiva
e
forte.
Ele,
mais
frágil.
Marcos
é
quem
cuidava
da
mãe
doente.
Depois
que
ela
morre,
a
irmã
passa
o
apartamento
nos
cobres
e
o
desloca
de
Buenos
Aires
a
Montevidéu.
42
É
perto,
mas
não
é
simples
como
parece.
E
Burman
trabalha
como
bom
observador
ao
trazer
tanto
as
inadaptações
(e
adaptações)
do
irmão
à
nova
situação,
como
o
fazer
e
desfazer-‐se
de
rivalidades,
ressentimentos
e
amores
entre
irmãos.
Inácio
Araújo
Folha
de
S.
Paulo
Disponível
em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/92302-‐daniel-‐burman-‐trabalha-‐
como-‐bom-‐observador-‐em-‐quotdois-‐irmaosquot.shtml
‘Dos
Hermanos’
GRAMADO
–
Evaldo
Macarzel
não
tem
dado
sorte
comigo,
ou
eu
não
tenho
tido
sorte
com
ele.
Muita
gente
me
fala
sobre
‘Quebradeiras’
como
melhor
filme
do
Evaldo
e
eu
perdi,
hoje,
de
novo.
Estava
todo
animado,
mas
nos
últimos
dias
meu
nariz
tem
sangrado.
Hoje,
parecia
uma
goteira
e
eu
fui
na
emergência
do
hospital
daqui.
Pode
ser
um
virus
(como?),
um
vaso
sanguíneo
que
rompeu
(a
gripe
está
me
forçando
a
toda
hora
assoar
o
nariz)
e
o
problema
é
que
tomo
anticoagulante.
Enfim,
o
médico
não
chegou
a
me
deixar
preocupado,
mas
é
muito
desagradável
essa
sangueira.
Havia
assistido
ao
filme
ds
Daniel
Burman,
‘Dos
Hermanos’.
Os
curadores
José
Carlos
Avellar
e
Sérgio
Sanz
não
acreditam
no
campeonato
de
filmes
e
criaram
uma
extensa
programação
paralela,
que
começou
com
a
produção
argentina.
É
irregular,
como
me
disseram?
É,
mas
a
relação
familiar
desse
casal
de
irmãos
ultrapassa
os
velhos
ressentimentos
e
toca
em
temas
mais
viscerais.
O
irmão
não
tem
coragem
de
chamar
a
irmã
de
asquerosa,
como
faz
na
imaginação,
mas
ela
cospe
na
cara
dele
o
‘viado’,
na
cena
em
que
se
irrita.
A
mãe
morre
logo
no
começo,
a
irmã
ganha
a
vida
meio
que
aplicando
golpes,
como
corretora.
Quer
vender
a
casa
da
família.
Ele,
que
cuidava
da
‘vieja’,
agora
recomeça
a
viver
e
vai
fazer
teatro.
A
peça
dentro
do
filme
é
‘Édipo
Rei’.
Com
os
defeitos
que
possa
ter
-‐
não
é
o
melhor
de
Daniel
Burman
-‐,
achei
triste,
emocionante.
E
a
atriz
é
fantástica
–
Graciela
Borges.
A
jovem
Graciela
era
deslumbrante
nos
filmes
de
Leopoldo
Torre-‐Nilsson.
Nunca
me
esqueço
dela
como
objeto
de
desejo
de
Alfredo
Alcón,
que
está
morrendo,
em
‘Piel
de
Verano’.
É
um
filme
de
que
gosto
acho
que
pelos
defeitos.
Eles
são
tão
evidentes,
mas
nunca
me
impediram
de
viajar
no
filme,
de
me
interessar
pela
garota
que
aceita,
em
troca
de
dinheiro,
minorar
o
sofrimento
do
cara
terminal.
Ele
descobre,
e
ela
também,
tardiamente,
percebe
que
se
apaixonou.
Ambos
perdem,
e
a
dor
dela
parece
mais
desesperada.
Graciela
Borges
fez
vários
filmes
com
Torre-‐Nilsson
e
com
outros
autores
de
prestígio
nos
anos
1960.
Lembro-‐me
de
‘Crónica
de
Una
Señora’,
de
quem
era
mesmo
o
diretor?
Vou
procurar.
Na
terceira
idade,
teve
um
recomeço
como
a
matriarca
de
‘La
Ciénaga’,
O
Pântano,
de
Lucrecia
Martel.
Esse
cinema
43
‘humano’,
que
tanto
atrai
o
públic0
nos
filmes
argentinos,
depende
muito
dos
atores,
e
eles,
via
de
regra,
são
grandes.
Quando
o
irmão,
ofendido,
sai
de
casa,
Graciela
pede
–
‘Fala
comigo.’
Como
o
anjo
vingador
que
se
vinga
do
assassino
em
‘O
Segredo
dos
Seus
Olhos’,
Antonio
Gasalla,
que
faz
o
papel,
não
diz
uma
palavra.
O
silêncio
é
de
ouro,
mas
também
pode
ser
uma
arma,
e
terrível.
Daniel
Burman
sabe
disso.
Gostei
de
ter
visto
‘Dois
Irmãos’.
Luiz
Carlos
Merten
O
Estado
de
S.Paulo
Disponível
em
http://blogs.estadao.com.br/luiz-‐carlos-‐merten/dos-‐hermanos/
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